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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Livro: Transportes em Perspectiva

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores

Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Organizadores: Márcio de Almeida D'Agosto Lísia Carla Almeida Jacques Cintia Machado de Oliveira

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores

Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1ª Edição

Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET)

RIO DE JANEIRO 2014

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes. © 2014 - ANPET – Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transporte Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para ANPET. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema retrieval ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização, por escrito, da ANPET. Impresso no Brasil ISBN: 978-85-87893-15-4 Tiragem: 1000 Coordenação Editorial: VillarLuna Assessoria Linguística Capa: Eduardo Bibiano

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Transportes em perspectiva : uma contribuição dos pesquisadores brasileiros para o futuro dos transportes / Márcio de Almeida D`Agosto, Lísia Carla Almeida Jacques, Cintia Machado de Oliveira. -- 1. ed. -- Rio de Janeiro : Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET), 2014. ISBN 978-85-87893-15-4 1. Engenharia de transportes 2. Engenharia de transportes - Inovações tecnológicas 3. Transportes 4. Transportes - Brasil 5. Transportes – Pesquisa 6. Transportes urbanos I. D`Agosto, Márcio de Almeida. II. Jacques, Lísia Carla Almeida. III. Oliveira, Cintia Machado de.

14-11411 CDD-629.04

Índices para catálogo sistemático: 1. Transportes em perspectiva : Engenharia de transportes 629.04

AUTORES

Álvaro Rodrigues Pereira Jr. Amir Mattar Valente Ana Flávia L. Godoi Ana L. C. Bazzan Ana Margarita Larranaga Ana Maria Guerra Seráfico Pinheiro Ana Mirthes Hackenberg Anderson Morais Mori André de Azevedo Amedomar André Vital Saúde Antônio Galvão Novaes Antônio Nélson Rodrigues da Silva Ary Ferreira da Silva Carlos David Nassi Carlos Felipe Grangeiro Loureiro Carlos I. Yamamoto Claudio Barbieri da Cunha Daniel Chin Min Wei Daniel de Alencastro Bouchardet Daniel Estima de Carvalho Daniela Bacchi Bartholomeu Daniele Sehn Dennis Rempel Dmontier Pinheiro Aragão Júnior E. Felipe Vergara Eduardo Jardel Veiga Gonçalves Eduardo Lobo Edvaldo Simões da Fonseca Junior Eraldo Aparecido Trondoli Matricardi Erika Cristine Kneib Erivelton Pires Guedes Fabiano Giacobo Fernando Seabra Fernando Silva Albuquerque Fernando Weronka Flavio Guilherme Vaz de Almeida Filho Flávio José Craveiro Cunto Gabriel Chaves Afonso Coutinho Gláucia Maia de Oliveira Glicério Trichês Guilherme C. Borillo Helena Beatriz Betella Cybis Hugo T. Y. Yoshizaki Humberto Angelo Ingrid Lorena A. Pedraza James Terence Coulter Wright John Faber A. Diaz Jorge Pablo Moraga Galdames

José Aparecido Sorratini José Roberto Moreira Josiane Palma Lima Key Fonseca de Lima Lucas Martin Manoel Fernando Freire Cabral Manoel Mendonça de Castro Neto Marcelo Becker Marcelo R. Errera Marcelo Tadeu Mancini Márcia Helena Macedo Marcio Henrique Kopke Marcos José Timbó de Lima Gomes Marcus Vinicius Guerra Seraphico de Assis Carvalho Maria Elisabeth Pinheiro Moreira Mario Angelo Nunes de Azevedo Filho Milton Luiz Wittmann Mirian Buss Gonçalves Nadja Glheuca da Silva Dutra Nayara A. L. de Valois Nestor Roqueiro Nilson Barbieri Olívia Bueno da Costa Orlando Fontes Lima Jr. Orlando Strambi Osvaldo de Freitas Neto Patrícia Faias Laranjeiro de Andrade Paulo César Pêgas Ferreira Rachel Jardim Medeiros da Silva Rafael Mendes Lübeck Ramon M. Knabben Regina Meyer Branski Reginaldo Sérgio Pereira Reinaldo Silva Fortes Renato A. Penteado Neto Renato Barbieri Renato da Silva Lima Ricardo Alexandre da Silva Shimabukuro Victório Ricardo Augusto Rabelo Oliveira Ricardo H. M. Godoi Rui Carlos Botter Samir N. Y. Gerges Saul Emanuel Delabrida Silva Sílvia Velázquez Simone S. de M. Santana Tatiana Máximo Almeida Albuquerque Waldemiro de Aquino Pereira Neto Yara S. Tadano

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COMPOSIÇÃO DA ANPET

Márcio de Almeida D’Agosto – COPPE/UFRJ - Presidente Ilton Curty Leal Junior – UFF - Diretor Executivo Helena Beatriz Bettella Cybis – UFRGS - Diretora Científica Orlando Fontes Lima Júnior – UNICAMP - Diretor Maria Leonor Alves Maia – UFPE - Diretora Heloísa Maria Barbosa – UFMG - Diretora1 Werner Kraus Junior – UFSC - Diretor Jorge Barbosa Soares – UFC – Diretor* José Reynaldo Setti - EESC-USP – Editor da Revista Transportes Cláudio Barbieri Cunha – Poli/USP – Editor Associado da Revista Transportes Flávio José Craveiro Cunto – UFC - Editor Associado da Revista Transportes Anderson Ribeiro Correia – ITA - Editor Associado da Revista Transportes Lísia Carla Almeida Jacques – ANPET - Secretária Executiva Silvia Nella Istre –ANPET - Secretária Científica * Editor Associado da Revista Transportes

COMPOSIÇÃO DO COMITÊ GESTOR DO FUNDO SETORIAL DE TRANSPORTES TERRESTRES E HIDROVIÁRIOS

Oswaldo Baptista Duarte Filho - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação / SECIS - Presidente do Comitê Hudson Lima Mendonça - Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP Cimei Borges Teixeira - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq Gustavo Sampaio de Arrochela Lobo - Ministério dos Transportes – MT Fernando Regis dos Reis - Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT Carlos David Nassi - Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ - Comunidade Científica Elton Fernandes - Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ - Comunidade Científica Wagner Ferreira Cardoso - Confederação Nacional da Indústria / CNI - Setor Empresarial Renato Voltaire Barbosa Araujo - Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga / ANUT - Setor Empresarial

COMITÊ ORGANIZADOR DO LIVRO

Márcio de Almeida D’Agosto – ANPET/COPPE/UFRJ – Organizador Cíntia Machado de Oliveira – CEFET/COPPE/UFRJ - Organizadora Lísia Carla Almeida Jacques - ANPET – Organizadora

COORDENAÇÃO EDITORIAL

VillarLuna Assessoria Linguística – www.villarluna.com

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ......................................................................................................................................11

Seção 1 - Gestão de Tráfego, Segurança e Prevenção de Acidentes

1. Testando o Efeito de Políticas na Área de Mobilidade Urbana Através de Modelagem Baseada em Agentes: Projeto LabTrans .........................................................................................................15

2. Sistema de Informação Sobre Acidentes de Trânsito .......................................................................27

3. Modelagem Microscópica da Fluidez e da Segurança do Tráfego Veicular e de Pedestres nas Vias Urbanas Brasileiras ..................................................................................................................39

4. Solução para Deslocamento de Veículos Autônomos Baseado em GPS-RTK ................................53

5. Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Vias Urbanas Brasileiras − Síntese dos Resultados Obtidos e Motivações Futuras .......................................................................................65

6. Arquitetura para Desenvolvimento de Tecnologias Assistivas em um Veículo de Passeio Comercial – Projeto SENA ..............................................................................................................77

7. Sistema Integrado de Informações Heterogêneas de Acidentes de Trânsito no Brasil.....................91

8. Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos .............................................................................103

Seção 2 - Logística

9. Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil ............119

10. Rastreabilidade Online na Cadeia do Frio: Proposta de Solução e Estudo de Viabilidade ..........133

11. Avaliação do Transporte Intermodal de Produtos Florestais e sua Relação Com o Desmatamento na Amazônia Brasileira .......................................................................................143

12. Estratégias de Logística da Carga no Ambiente Urbano – Síntese dos Resultados Obtidos ........155

13. Plataformas Logísticas Inteligentes para Três Regiões do Brasil .................................................167

14. Conceito de Rede de Transportes Intermodal Utilizando Terminais Marítimos de Cabotagem “Rápidos” .....................................................................................................................................179

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Seção 3 - Mobilidade Urbana

15. IDEAL-TRAFFIC: Uma Solução Flexível para Sistemas de Transporte Inteligentes .................189

16. Transporte por Bicicleta em Cidades Catarinenses: Metodologia para Levantamento da Realidade e Recomendações para Incremento da sua Participação na Mobilidade Urbana ........201

17. Mobilidade Urbana e Padrões Sustentáveis de Geração de Viagem: Um Estudo Comparativo de Cidades Brasileiras ..................................................................................................................223

18. Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Procedimentos Metodológicos .....................................................................................................235

19. Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador .................................................................................247

20. Análise da Importância das Características da Estrutura Urbana no Estímulo à Realização de Viagens a Pé.................................................................................................................................261

21. Estudo Sobre os Impactos da Introdução de VEs no Tráfego Urbano da Cidade de São Paulo ..279

22. Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação ....................................................................293

23. Propulsor Híbrido para Veículo Urbano Leve ..............................................................................311

Seção 4 - Sustentabilidade em Transportes

24. Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País ........................................................325

25. Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento ...........339

26. Perspectivas para o Uso do Etanol no Transporte Público Urbano ..............................................363

27. Emissões de Poluentes Gasosos Atmosféricos Provenientes da Queima de Diesel S50, Diesel S10 e Mistura de Biodiesel (B20) em um Motor Utilizando o Sistema de Pós-Tratamento SCR ..............................................................................................................................................381

28. Quantificação dos Ruídos Provocados pelo Acoplamento Pneu-Revestimento das Rodovias Aplicada ao Planejamento de Transporte – Resultados Alcançados ...........................................391

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PREFÁCIO

O Brasil enfrenta grandes desafios relacionados à mobilidade. A movimentação de pessoas nas cidades brasileiras tem se caracterizado pela intensificação dos congestionamentos com impacto direto no aumento nos tempos de viagem, na emissão de poluentes atmosféricos, no desperdício de energia não renovável e na intensificação dos acidentes de trânsito. Em um país com grandes concentrações urbanas, a carência ou a ocorrência de soluções por vezes ineficientes ou mal implementadas em infraestrutura para o transporte não motorizado, a pouca disponibilidade de transporte de massa e a integração ainda insuficiente entre os diversos modos de transporte público urbano colaboram para a ampliação do uso do transporte individual, agravando ainda mais esta situação e exigindo a proposição de práticas inovadoras em mobilidade urbana. Por outro lado, a distribuição e coleta de cargas necessárias à sobrevivência de grandes cidades densamente povoadas é um desafio que deve considerar tanto aspectos financeiros quanto ambientais. Isto é particularmente crítico no caso das cidades em países emergentes, como o Brasil, onde as operações logísticas devem ser capazes de lidar com a complexidade dos ambientes urbanos densamente povoados, o congestionamento, o crescimento populacional descontrolado, a extrema variabilidade da topologia urbana, os canais de distribuição muito fragmentados, as pequenas lojas de varejo e as constantes mudanças políticas locais. Com a maioria das pessoas vivendo atualmente em ambientes urbanos, torna-se necessário desenvolver pesquisa inovadora sobre o tema. Na esfera do transporte regional e internacional também observam-se desafios para a movimentação de pessoas e cargas que se ultrapassados permitiriam reduzir o preço dos produtos e aumentar a competitividade de diferentes setores da economia. Melhorar as condições de manutenção das rodovias brasileiras, ampliar a malha, as velocidades operacionais e confiabilidade das ferrovias, adequar a infraestrutura de portos e aeroportos e tornar a intermodalidade uma prática corrente são alguns destes desafios. Vencê-los significa ajustar o descompasso entre a capacidade instalada da infraestrutura nacional, com os serviços prestados e a perspectiva de crescimento do País. A comunidade acadêmica brasileira atuante nestas áreas de conhecimento já acumulou uma grande experiência e tem capacidade de estudar, pesquisar, desenvolver e aplicar técnicas e tecnologias capazes de vencer os desafios supracitados. Tais experiências podem ajudar a vencer desafios em áreas como Gestão de Tráfegos, Segurança e Prevenção de Acidentes; Logística; Mobilidade Urbana e Sustentabilidade em Transportes. Diante desse contexto, é com enorme prazer que a ANPET (Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes) lança esta obra, intitulada “Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes”. Este livro é resultado do trabalho de um conjunto de 27 pesquisadores de todo o Brasil que coordenaram projetos financiados com recursos do Fundo Setorial de Transportes Terrestres e Hidroviários do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) por meio do apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo Edital MCT/CNPq Nº 18/2009 e considera 28 artigos que abordam as temáticas: Gestão de Tráfegos, Segurança e Prevenção de Acidentes; Logística; Mobilidade Urbana e Sustentabilidade em Transportes.

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O lançamento desta obra marca a realização do 2º Encontro do Fundo Setorial de Pesquisa em Transportes Terrestres e Hidroviários durante o XXVIII Congresso de Ensino e Pesquisa em Transportes (XXVIII ANPET) no período de 24 a 28 de novembro de 2014. Este é um evento histórico, pois se realiza pela primeira vez em 28 anos na Cidade de Curitiba, que é considerada um ícone na implantação de soluções efetivas em transporte público urbano. É também o fruto de uma parceria entre a ANPET, o MCTI e o CNPq que se iniciou em 2013, quando se realizou o 1º Encontro do Fundo Setorial de Pesquisa em Transportes Terrestres e Hidroviários como parte integrante das atividades do XXVII ANPET – Congresso de Ensino e Pesquisa em Transporte, outro evento histórico, pois ocorreu de 04 a 08 de novembro em Belém do Pará; foi a primeira vez, em 27 anos de realização dos Congressos da ANPET, que foi realizado um evento na Região Norte do Brasil. Alinhada com os objetivos da ANPET, esta obra procura promover a discussão integrada e a troca de conhecimentos entre os pesquisadores dos diferentes grupos envolvidos e a divulgar, para toda a comunidade cientifica, os resultados dos projetos financiados pelo Edital MCT/CNPq N° 018/2009, que se encontra em acordo com a Prioridade do PACTI - Nº I, denominada EXPANSÃO E CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE C, T&I na Linha de Ação - Nº 3 no que se refere a Infraestrutura e Fomento da Pesquisa Científica e Tecnológica do Programa - Nº 3.2, no tocante ao Fomento ao Desenvolvimento Científico, Tecnológico e de Inovação e com Título da Ação - Nº 3.2.7 - Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Transportes. Espera-se que este livro proporcione ao leitor uma perspectiva do potencial que a comunidade acadêmica brasileira tem para apoiar o poder público e a inciativa privada na transposição dos desafios relacionados à mobilidade em todo o território nacional, deixando um legado promissor para o futuro dos transportes no Brasil. Boa leitura! Oswaldo Baptista Duarte Filho Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/SECIS) Presidente do Comitê Gestor do Fundo Setorial de Transportes Terrestres e Hidroviários Cimei Borges Teixeira Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Membro do Comitê Gestor do Fundo Setorial de Transportes Terrestres e Hidroviários Márcio de Almeida D´Agosto Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET) Presidente da ANPET

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SEÇÃO 1

GESTÃO DE TRÁFEGO, SEGURANÇA E

PREVENÇÃO DE ACIDENTES

TESTANDO O EFEITO DE POLÍTICAS NA ÁREA DE MOBILIDADE URBANA ATRAVÉS DE MODELAGEM BASEADA EM AGENTES: PROJETO LABTRANS 1

Ana L. C. Bazzan

Instituto de Informática - UFRGS

RESUMO Novas políticas precisam ser testadas em ambientes do tipo laboratório antes de serem implementadas no mundo real pelas autoridades públicas do setor de mobilidade urbana. Por exemplo, qual é o efeito de uma inovação tecnológica ligada ao uso de fontes de informação sobre estado do tráfego (e.g., Twitter, Waze, e outros)? O projeto LabTrans visou apoiar os setores público e de negócios com o desenvolvimento de ferramentas do tipo laboratório para simulação e teste de políticas e ações ligadas à área de mobilidade urbana. Uma das questões centrais foi o provimento e difusão de informação aos usuários. Para tanto, foi estendido um simulador de código aberto com o objetivo de: (a) possibilitar a modelagem de demanda, (b) prover mecanismos para modelar o processo decisório de motoristas usando técnicas da área de modelagem baseada em agentes, (c) utilizar esta modelagem para verificar o efeito de políticas quanto ao nível informacional do motorista, ao tipo de malha viária, ao tipo de demanda, ao método de controle, e ao uso de diferentes algoritmos de roteamento. Com as extensões feitas, foi possível analisar o efeito que o nível de informação tem sobre o desempenho da malha viária. Uma das conclusões foi que informação detalhada pode ser prejudicial (o que tem um impacto direto na utilidade do uso de comunicação inter-veicular) e que o replanejamento durante a viagem via de regra é benéfico em viagens longas. ABSTRACT New policies related to urban mobility need to be tested with laboratory-like tools before they get deployed in the real world. For instance, public authorities may be interested in knowing what the effect is of technological innovations such as the use of information sources like Twitter, Waze, and others. The LabTrans project aimed at supporting the public and business sectors through the development of laboratory-like tools that help the simulation and test of policies related to urban mobility. One central issue here is the broadcasting of traffic related information. With the above in mind, an open code simulator was extended aiming at: (a) allowing demand modeling, (b) creating mechanisms to model the decision-making of drivers by means of agent-based modeling techniques, (c) using such models to check the effect of policies related to the information level of the agent, the type of urban network, the type of demand, the control mechanism, and the use of different routing algorithms. By means of such extensions, it was possible to analyze the effect that the increase in the information level of the agent had over the performance of the network. One of the conclusions was that detailed information may be harmful (which then has a direct impact on the utility of car to car communication), and that en-route replanning is beneficial if the journey is long.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Sistemas de transporte são sistemas inerentemente complexos. Desta forma, novas políticas e/ou medidas precisam ser testadas em laboratório antes de serem implementadas em cenários reais, os quais são inerentemente abertos, e dinâmicos. O poder público (mas também o privado) tem necessidade de testar, em ambientes de simulação do tipo laboratório, as políticas e ações antes que elas sejam efetivamente implementadas no mundo real. Como exemplos podemos citar as seguintes situações: testar políticas de inovação tecnológica no domínio dos transportes; testar soluções para movimentação e transporte de pessoas de forma eficiente; testar políticas e ações visando a segurança e gerenciamento de emergências; testar soluções para o atendimento ao usuário de sistemas de transporte, sejam públicos ou não (disseminação de informações e recomendação de rotas ou meios de transporte público). Tendo em vista estes pontos, o projeto LabTrans visa apoiar os setores público e de negócios através do de de ferramentas do tipo laboratório para simulação e teste de políticas e ações ligadas à área de transporte e mobilidade urbana. Aqui, a questão do provimento e difusão de informação aos usuários de sistemas de transporte é central. Porém, para tal fim, são necessárias ferramentas de simulação que possam lidar com a questão de como os motoristas demais usuários processam a informação e reagem a ela. Esta é uma questão não trivial pois envolve roteamento e alocação dinâmicos. Para tanto, ferramentas de simulação microscópicas se fazem necessárias. Dentre as possibilidades, vêm se destacando aquelas baseadas no paradigma de agentes. O uso deste novo paradigma tem crescido em todas as áreas de simulação social e outras como engenharia e biologia. Nos últimos anos foram propostas diversas plataformas baseadas em agentes que abordam tópicos ligados ao problema da crescente demanda por mobilidade. Entretanto, a maioria destas plataformas apresentam problemas como: (a) não serem de fato baseadas em agentes na medida em que o processo decisório é centralizado e não realizado pelo agente em si; (b) se apoiarem em hipóteses simplificadoras que tornam os métodos dificilmente empregáveis em nível de engenharia de tráfego e/ou efetivamente implementáveis num cenário do mundo real. Desta forma, continua existindo a necessidade de uma plataforma integrada que seja efetivamente baseada em paradigmas da área de agentes autônomos e sistemas multiagente; que aborde de fato o nível fino de abstração, o que, em controle semafórico e em se tratando de simulação do comportamento do motorista humano, são fatores primordiais para se garantir a empregabilidade e a eficácia do método; e que considere os efeitos causados pelos diversos atores tentando se adaptar às mudanças percebidas (tipicamente mudança no estado do ambiente onde estes atores interagem). Dada esta necessidade, uma das atividades fundamentais do LabTrans foi a extensão do simula- dor denominado ITSUMO (Silva et al., 2006), o qual, em versões anteriores ao projeto, lidava predominantemente com controle semafórico, desconsiderando elementos do lado da demanda (viagens, motoristas). De fato, no ITSUMO não havia o conceito de rota, sendo o “roteamento” feito a cada junção de segmentos de vias, em função de uma determinada probabilidade do veículo seguir uma dada direção. Isto se deveu ao fato de que historicamente, no conceito de autômato celular (que é subjacente ao projeto), os veículos são tratados como meras partículas sem rota, conforme discutido em Bazzan et al. (2011). Ainda assim, o ITSUMO havia sido usado com sucesso em diversos problemas (Bazzan, 2007, 2009; Bazzan et al., 2010b, 2008; Bazzan e Klügl, 2007; Bazzan et al., 2007; Oliveira e Bazzan, 2009; Junges e Bazzan, 2008; Oliveira et al., 2006). Com o LabTrans, visou-se estender o ITSUMO a fim de implementar o conceito de rotas (por exemplo calculadas a partir de informações de matrizes OD). Com tal extensão, foi possível abordar problemas que envolvem tanto o lado do controle semafórico como o da demanda. Neste último caso, foram feitos estudos que analisam e comparam o roteamento centralizado e descentralizado;

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Testando o Efeito de Políticas na Área de Mobilidade Urbana Através de Modelagem Baseada em Agentes: Projeto LabTrans

com e sem informação; o impacto da topologia da rede; o impacto da distribuição de viagens (regularmente distribuídas ou baseadas em uma matriz OD real); etc. Dada a limitação do número de páginas deste documento, o foco será em parte das questões abordadas no projeto. Para um panorama geral do LabTrans, o leitor é remetido às seguintes publicações: sumário do relatório do projeto (Bazzan, 2013), artigos publicados versando sobre sobre aprendizado por reforço para controle semafórico (Bazzan et al., 2010b; Heinen et al., 2011; Bazzan, 2012a), sobre roteamento usando algoritmos de caminho mínimo (Buriol et al., 2010; Moura et al., 2010; Schmitt et al., 2011; Stefanello et al., 2013), sobre roteamento utilizando dispositivos de navegação (Bazzan e Azzi, 2012) e veículos autônomos (Bazzan et al.,2012), e sobre integração dos diversos componentes (Amarante e Bazzan, 2012; Bazzan et al.,2011, 2010a). No âmbito do projeto, ainda foram publicados livros e surveys publicados pela coordenadora do projeto (Bazzan e Klügl, 2013b,a; Bazzan, 2012b; Klügl e Bazzan, 2012). Este artigo está organizado da seguinte forma. A próxima seção discute em linhas gerais a motivação do projeto. Na Seção 3 são descritas as extensões realizadas no simulador microscópico. A Seção 4 detalha um dos resultados obtidos com este simulador: uma análise de balanceamento de viagens em redes viárias, em função de diversos elementos ligados à oferta e à demanda. A conclusão geral do projeto é apresentada na Seção 5. 2. LABTRANS: MOTIVAÇÃO Com o avanço da Internet móvel e da tecnologia de informação e comunicação (TIC), espera-se (e em alguns casos já se vivencia) uma mudança de paradigma em termos sociais, econômicos e culturais. Colaboração e interação social são a tônica na sociedade moderna e motivam o surgimento da área de computação social (social computing). Um dos focos de computação social é o uso de técnicas computacionais, notadamente de técnicas de simulação, para facilitar o estudo da sociedade moderna e testar políticas antes que estas sejam efetivamente empregadas no mundo real. Em função deste novo panorama, Wang et al. (2007) sugerem o uso de TIC em aplicações em ciências sociais e problemas complexos. Em seu livro, Epstein (2007) argumenta que modelagem e simulação baseada em agentes permitem uma abordagem generativa do problema da simulação. Este tipo de modelagem (denominada daqui em diante ABMS, de agent-based modeling and simulation) permite estudar como regras simples no nível dos indivíduos (atores) de um sistema geram um comportamento macroscópico. Simulações estão fortemente ligadas ao tema de sistemas inteligentes de transporte (ITS) pois um dos pontos centrais de ITS é a capacidade de fazer predições sobre estado da rede de transporte e sobre o estado do tráfego a fim de poder repassar informações acuradas para os usuários. Para isto, é necessário o uso de um modelo microscópico de movimentação de veículos que seja eficiente (simula um período de tempo em uma fração deste). Um destes modelos é o proposto por Nagel e Schreckenberg (1992). Este modelo é baseado em autômato celular o que o torna bastante eficiente para grandes redes (larga escala). Entretanto, este modelo assume que as entidades veículo+motorista apenas reagem ao ambiente (agentes reativos) o que não é realista quando aplicado a sistemas sociais complexos como tráfego urbano onde há um grande número de rotas alternativas e os usuários têm acesso a informações, que podem inclusive ser privilegiadas (sistemas embarcados aliados a serviços tarifados). Em suma, este modelo não considera os estados mentais dos motoristas e suas reações à informação. Sabe-se que o acesso à informação por parte dos usuários afeta o desempenho da rede como um todo. Por isso, o paradigma ABMS, especialmente se incluir um modelo BDI como em Bazzan et al. (1999) ou um modelo neuro-fuzzy como em Dia e Panwai (2014), é bastante atraente. Estas idéias e modelos foram a motivação para o desenvolvimento de um simulador de código aberto. O simulador ITSUMO (Silva et al., 2006) é baseado no modelo de autômato celular mas pretende incorporar motoristas que não apenas reagem a eventos mas sim são deliberativos. No

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decorrer do desenvolvimento, houve diversos avanços principalmente na direção de aspectos de controle semafórico mas apenas alguns nos aspectos ligados às escolhas de rotas. Um outro aspecto considerado no projeto LabTrans é o de distribuição de informação para usuários do sistema de transporte. Em algumas situações (por exemplo por ocasião de eventos culturais ou esportivos), informações que não sejam em tempo real tendem a ser de pouca utilidade. Além disto os tempos de deslocamento reais, em situações de congestionamento, diferem significativamente do previsto. Estas situações exigem algoritmos de roteamento dinâmico. 3. ITSUMO O ITSUMO, Intelligent Transportation System for Urban Mobility (Silva et al., 2006; Bazzan et al., 2010a, 2011), é uma ferramenta de simulação de código aberto que permite modelar os atores do tráfego (e.g., motoristas, semáforos) como agentes autônomos. O simulador trata de vários aspectos ligados a ITS. É possível acoplar medidas de controle semafórico baseadas em aprendizagem de máquina e investigar a reação dos motoristas a estas medidas. Também é possível aplicar diferentes técnicas de escolha de rotas. O simulador é composto por cinco módulos: núcleo (kernel), base de dados, controle, demanda (viagens, motoristas) e módulo de saída (visualização e estatísticas). A Figura 1 mostra os principais componentes e a interação entre eles.

Figura 1: Interação entre os módulos do ITSUMO.

3.1. Núcleo do simulador Em contraste com os modelos macroscópicos de simulação, em ABMS, cada objeto pode ser descrito com tantos detalhes quanto se deseje, permitindo um modelo mais realista de Motoristas. Por exemplo, semáforos podem ser modelados individualmente de acordo com várias abordagens, desde a clássica coordenação off-line, até métodos baseados em aprendizado por reforço (Oliveira et al., 2006; Waskow e Bazzan, 2010; Heinen et al., 2011), otimização distribuída (Junges e Bazzan, 2008), inteligência de enxames (Oliveira e Bazzan, 2007), etc. De modo a obter a simplicidade e o desempenho necessários, o núcleo do ITSUMO utiliza o modelo de Nagel-Schreckenberg (Na-Sch) de autômato celular (CA) para a movimentação dos veículos (Nagel e Schreckenberg, 1992).

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Testando o Efeito de Políticas na Área de Mobilidade Urbana Através de Modelagem Baseada em Agentes: Projeto LabTrans

3.2. Base de dados O módulo base de dados cria, armazena e atualiza os objetos estáticos e dinâmicos utilizados na simulação, relacionados à infraestrutura (oferta) e à demanda. Os dados referentes aos objetos dinâmicos correspondem aos eventos que ocorrem durante a simulação, como a posição dos veículos, velocidade, estado da malha viária, etc. Já os dados estáticos correspondem, por exemplo, à topologia da malha viária, os pontos de origem e destino que compõem a demanda, etc. Com relação à malha viária, os principais atributos são: coordenadas cartesianas das intersecções (e seus planos semafóricos) e caracterização das vias (número de faixas, etc.). Com relação à demanda, os dados armazenados são: taxa de inserção de veículos em um dado nodo da malha; origem e destino das viagens, etc. Em Silva et al. (2006); Bazzan et al. (2010a) é possível ver mais detalhes sobre estes atributos. As informações que compõem uma rede podem ser inseridas manualmente, através de uma GUI, ou importadas do OSM (open street maps)1 através da aplicação OSM2ITSUMO. Do ponto de vista da oferta, uma malha viária pode ser modelada como um grafo. Entretanto, como o ITSUMO é um simulador microscópico, é preciso tratar a malha com uma granularidade muito mais fina, prevendo estruturas complexas como as vias (streets), as seções (sections), os conjuntos de pistas (lanesets), os cruzamentos que poderão ou não ter controle semafórico, e finalmente as pistas e sua divisão em células. Similarmente à criação da malha viária, há dois métodos para criar planos semafóricos no ITSUMO (lembrando que isto é opcional; a simulação poderá ser executada mesmo sem a existência de semáforos ou planos semafóricos). Os planos podem ser criados manualmente através de uma GUI ou automaticamente. 3.3. Controle: módulo de agentes semafóricos No ITSUMO o módulo de controle de semáforos é implementado e executado através de agentes semafóricos. Estes agentes podem controlar uma ou mais intersecções, usando o mesmo método de controle, ou métodos diferentes. Isto se deve ao fato dos agentes serem independentes para tomar suas próprias decisões levando em consideração as informações disponíveis e utilizando seus próprios algoritmos. A informação disponível pode inclusive vir de outros agentes semafóricos, evitando que um agente utilize informações excessivamente locais. Se o usuário desejar criar seus próprios métodos de controle, isto poderá ser feito em qualquer linguagem de programação. A comunicação entre os agentes e o núcleo da simulação usa sockets, o que permite ao núcleo informar os agentes sobre o estado da rede, e receber destes as ações de controle desejadas (qual plano semafórico será utilizado na intersecção). 3.4. Demanda: viagens e motoristas O ITSUMO pode gerar demandas com distribuição uniforme ou seguindo uma matriz OD dada. Para cada par origem-destino que compõe a demanda, haverá um motorista atribuído. As rotas são geradas a partir de vários algoritmos, como por exemplo, ARA* (anytime repairing A*, (Likhachev et al., 2008); Dijkstra; A*; etc. Alguns destes algoritmos para escolha de rotas foram testados e comparados em Bazzan et al. (2010a). Independentemente do algoritmo utilizado, o roteamento pode ser feito tanto de forma centralizada (rotas são atribuídas para os veículos), como de forma descentralizada (cada agente escolhe sua rota a partir de um conhecimento particular e um processo decisório individual).

1 Disponível em www.openstreetmap.org

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3.5. Saída: estatísticas e visualização O ITSUMO possui sensores que coletam e armazenam em arquivos de texto puro todos os tipos de informações sobre um cenário, como por exemplo, taxa de ocupação das pistas, a velocidade média dos veículos nas vias, a posição dos veículos em intervalos pré-determinados de tempo, etc. Este último sensor permite a visualização do movimento dos veículos com o passar do tempo, possibilitando uma avaliação qualitativa (visual) do resultado da simulação. 4. SIMULAÇÃO BASEADA EM AGENTES PARA AVALIAÇÃO O DO

EFEITO DE POLÍTICAS NO BALANCEAMENTO DA MALHA VIÁRIA

Utilizando o simulador descrito na seção anterior, em Amarante e Bazzan (2012) foi estudado o impacto de aspectos topológicos (rede do tipo grade versus rede real), de aspectos ligados ao nível informacional do agente motorista, aspectos comportamentais do motorista (quão tolerante é ao atraso encontrado) e aspectos ligados à oferta (presença ou ausência de controle semafórico) no roteamento e na distribuição da demanda pela malha viária. Como se sabe, decisões individuais sobre quais rotas utilizar não necessariamente levam a uma boa distribuição da demanda pela rede. Porém, um bom balanceamento é de interesse coletivo, já que tende a reduzir os tempos médios de viagem. Desta forma, em Amarante e Bazzan (2012) é proposta uma solução descentralizada para a escolha de rota, aproveitando a crescente capacidade computacional dos dispositivos móveis e dos sistemas embarcados. Em suma, foi proposto o m-PATH, um processo heurístico para guiar a execução e avaliação do balanceamento de carga em uma malha viária, utilizando uma abordagem multiagente capaz de investigar microscopicamente a interação entre oferta, demanda e o comportamento dos motoristas. Assim como o m-PATH, outros trabalhos abordam o problema dos congestionamentos. Recentemente, Zheng e Chen (2011) propuseram um modelo que utiliza funções de payoff capazes de refletir a heterogeneidade dos agentes, e também de medir o custo inerente à falta de coordenação. Galib e Moser (2011) procuram contornar a falta coordenação através da ação individual dos motoristas assistida pelo algoritmo minority game. Em Tumer e Wolpert (2004), os pesquisadores utilizam um framework de sistemas coletivos para discutir o alinhamento do sistema com as preferências dos agentes no intuito de reduzir o congestionamento. Klügl e Bazzan (2004) investigam os efeitos da comunicação, buscando formas eficientes de predizer os volumes de tráfego em redes veiculares. Estes e outros trabalhos sugerem a existência de uma interação ambiente ↔ motorista ↔ ambiente que precisa ser melhor estudada. Mas diferentemente destas e de outras abordagens, o m-PATH pretende fazer isso em um nível microscópico, aproximando os modelos computacionais das cidades que esperamos encontrar no futuro. 4.1. m-PATH: proposta e arquitetura O m-PATH - Processo para Avaliação de balanceamento de carga em redes de Transporte veicular utilizando adaptação Heurística propõe um processo (abordagem) e uma arquitetura multiagente. O principal objetivo do m-PATH é investigar a interação entre a percepção que o agente possui do tráfego e a consequente adaptação através da mudança de rota durante a viagem. A Figura 2(a) apresenta um ciclo onde o estado do ambiente influencia na percepção do agente e a ação do agente influencia no estado do ambiente. Através do m-PATH espera-se responder à seguinte questão: como as condições de oferta e demanda do ambiente, e de percepção/ação dos agentes que trafegam na rede afetam o balanceamento de carga nesta rede? O processo proposto pelo m-PATH consiste de um fluxo de atividades que possui como entradas as características da rede de tráfego em nível de oferta (infraestrutura) e demanda (viagens) e das

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características que definem o comportamento dos agentes. O processamento prevê a atuação dos agentes em um nível em que seja possível considerar suas particularidades de ação e percepção, assim como as particularidades da própria malha viária (vias, pistas, semáforos, cruzamentos, etc.). Este nível de detalhamento exige o uso de um modelo microscópico de simulação, onde o agente (motorista) atua sobre o ambiente, trafegando e percebendo o tráfego na malha, para então atuar e se adaptar, replanejando sua rota durante a viagem.

(a) Interação Percepção/Ação (b) Arquitetura do m-PATH Figura 2: Abordagem e Arquitetura do m-PATH

Os agentes são caracterizados por sua capacidade de percepção do estado da rede e sua capacidade de açã o que aqui significa replanejar a rota durante a viagem. A percepção poderá ser completa, parcial ou parcial estendida pela comunicação veículo-a-veículo (V2V ). Agentes com percepção completa conhecem o estado de toda a malha viária. Os que possuem percepção parcial, conhecem o estado das arestas por onde trafegaram. Os agentes com percepção parcial estendida pela comunicação possuem, adicionalmente, a capacidade de receber informações sobre o estado da rede advindas de outros agentes. Combinando estas três capacidades de percepção com a habilidade/inabilidade (ação) de replanejar as rotas durante a viagem, teremos seis tipos de agentes contemplados no m-PATH (Tabela 1).

Tabela 1: Tipos de agentes do m-PATH. Percepção Replanejamento Nickname

Completa Não F Sim FR

Parcial Não P Sim PR

Parcial e Comunicação Não PC Sim PCR

As diferentes capacidades de percepção estão combinadas alternadamente com e sem a capacidade dos agentes replanejarem suas rotas durante a viagem. Deste modo, é possível verificar o impacto que a percepção do agente exerce com e sem a possibilidade de replanejar as rotas durante a viagem. Isso permite avaliar o quanto um determinado tipo de agente é influenciado pela capacidade de replanejar rotas. O m-PATH possui uma arquitetura com três níveis operacionais dispostos de acordo com a Figura 2(b), que obedece a estrutura do processo apresentada. O nível de entrada compreende os agentes, a oferta e a demanda. O nível de processamento representa o ambiente onde os elementos do nível de entrada interagem, o simulador ITSUMO. Finalmente, no nível de saída, os resultados serão extraídos para que sejam geradas as estatísticas. Para representação da oferta foram utilizadas duas malhas viárias: uma topologia estilo Manhattan (grade 6x6), aqui chamada de Grade, demonstrada pela Figura 3(a). A segunda é uma representação de algumas vias arteriais da cidade de Porto Alegre (RS), aqui chamada de Arteriais, demonstrada

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

pela Figura 3(b). Ambas possuem um número relativamente grande de rotas possíveis. A demanda é gerada com base em uma matriz OD real (aqui denominada demanda OD), ou gerada de modo que cada viagem tenha uma origem e um destino escolhido através de uma distribuição uniforme de probabilidade (aqui denominada demanda uniforme).

(a) Rede Grade (b) Rede Arteriais

Figura 3: Infraestrutura de Oferta A demanda OD para a Grade parte do pressuposto de que há uma grande área comercial no nodo E4E5 que concentra os destinos, e que há três áreas residenciais principais nos nodos B5B4, E1D1 e C2B2, que concentram as origens. Já a demanda OD da rede Arteriais partiu da escolha das 15 áreas demarcadas na Figura 3(b), representando pontos que concentram grande parte das origens e destinos dos motoristas que trafegam diariamente de casa para o trabalho. Os agentes utilizam o algoritmo A* para obter a rota que liga a origem ao destino, inclusive nos replanejamentos durante a viagem. A sua percepção do tráfego reflete o estado das arestas da rede definido através de uma função de custo baseada na ocupação da aresta. Utilizando a percepção completa, o agente conhece os custos de todas as arestas da rede. Com a percepção parcial, considera apenas os custos das arestas por onde trafegou. A percepção parcial poderá ser estendida pela comunicação V2V, quando o agente (receptor) pede informações aos demais agentes ao seu redor sobre o estado da rede. Devido à sua relevância, é importante detalhar a heurística de replanejamento durante a viagem utilizada pelo m-PATH. Este mecanismo é baseado no chamado fator de atraso (DR). Quando o agente atinge a aresta ei ∈ Pj, onde Pj é a rota calculada no início da viagem do agente j, o agente avalia o quanto está atrasado em comparação ao tempo estimado. Se o tempo gasto até o momento é τ vezes maior que o esperado, então o motorista replaneja. 4.2. Resultados Os experimentos foram realizados nas malhas viárias Grade, com demanda de 4200, 6000 e 8000 viagens, e Arteriais, com 20, 30 e 40 mil viagens. Neste texto, devido à restrição deespaço, são apresentadas apenas algumas conclusões, focadas no tipo de agente (ver Tabela 1). Para maiores detalhes, ver Amarante (2012). Agentes F: este tipo de agente tem um bom desempenho (tempo médio de viagem menor que os demais tipos) apenas em viagens curtas, piorando rapidamente em viagens longas. Isto ocorre porque todos agentes têm visão completa do estado da rede e todos acabam planejando suas rotas para as mesmas rotas alternativas.

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Agentes FR: há uma tendência do replanejamento compensar o mau desempenho do agente F (pois há replanejamento durante a viagem). Isto ocorre especialmente se as viagens são longas. Entretanto, agentes FR tem desempenho inferior aos agentes PR e PCR. Agentes P: se comparados com agentes que replanejam suas rotas, possuem um desempenho melhor em viagens curtas. Se comparados com agentes que não replanejam, seu desempenho tende a melhorar a medida que as viagens ficam mais longas. A visão parcial do estado da rede melhora o desempenho dos agentes. Agentes PR: têm bom desempenho tanto em viagens curtas quanto nas longas, sendo este nitidamente melhor. Agentes PC: tendem a melhorar seu desempenho à medida que as viagens ficam mais longas, ainda que sejam inferiores aos agentes PCR. Seu desempenho é superior se comparado com outros agentes sem capacidade de replanejamento, o que demonstra a importância da comunicação V2V para estes agentes. Agentes PCR: têm o melhor desempenho, especialmente se as viagens são mais longas. Um comportamento que merece menção é a interação oferta-demanda quando analisadas sob a ótica do replanejamento durante a viagem. Na Grade, tanto os agentes com percepção completa quanto aqueles com percepção parcial têm um desempenho melhor ao replanejar em condições de demanda uniforme (uma demanda que é claramente não realista). Entretanto, na rede Arte- riais, estes agentes têm um desempenho melhor ao replanejar sob uma demanda não uniforme, dada por uma matriz OD inspirada no mundo real. Esta observação evidencia a importância de considerarmos a natureza das condições de oferta e demanda do ambiente, antes de adotarmos políticas ou tecnologias que não são adequadas ao ambiente. 5. CONCLUSÕES A tarefa de propor políticas relativas à mobilidade em cidades inteligentes carece de instrumentos que permitam avaliar as soluções de um ponto de vista descentralizado, de larga escala, e que considerem o nível microscópico. Do ponto de vista técnico, com o desenvolvimento e uso do LabTrans, foi possível evidenciar que a informação sobre o estado da rede, sua topologia e características de demanda tem um impacto muito grande no desempenho da rede como um todo bem como sobre os agentes individualmente. Pode-se perceber que há situações em que a informação detalhada sobre o estado da rede é prejudicial. Também podemos evidenciar que o replanejamento de viagem via de regra é benéfico em viagens longas, e contribui pouco em viagens curtas. Pode-se ainda verificar a importância da comunicação V2V. As conclusões obtidas até o momento, nos permitem dizer que a inteligência das cidades deve começar já na tarefa de analisar diversas situações e políticas de ações, em níveis cada vez mais detalhados, para que as soluções possam atacar efetivamente onde e como os problemas exigem. Do ponto de vista de outros objetivos do projeto, alunos foram treinados e concluíram com sucesso suas respectivas dissertações de mestrado, teses e estágios pós-doutorais. Diversas publicações foram produzidas, auxiliando na divulgação dos resultados. O grupo também adquiriu experiência no uso e desenvolvimento de ferramentas de simulação de tráfego, com o que esperamos poder contribuir para sua disseminação em outros setores, como por exemplo o setor público (e.g., gestores de transporte).

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AGRADECIMENTOS Ana Bazzan reconhece os apoios parciais do CNPq e do Fundo Setorial de Transportes. REFERÊNCIAS Amarante, M. d. B. do. (2012) Uma abordagem baseada em agentes para avaliação do balanceamento de carga em

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Ana L. C. Bazzan ([email protected]) Instituto de Informática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Bento Gonçalves 9500, Porto Alegre - RS.

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SISTEMA DE INFORMAÇÃO SOBRE ACIDENTES DE TRÂNSITO 2

Carlos David Nassi1

Erivelton Pires Guedes2 Paulo César Pêgas Ferreira1

1Programa de Engenharia de Transportes - COPPE/UFRJ

2Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA RESUMO Cerca de um milhão e duzentas mil pessoas morreram em acidentes de trânsito em 2010, tornando-se uma das maiores causas de óbitos e casos de invalidez permanente no mundo (WHO, 2013), o que permite sugerir como a mais grave e preocupante epidemia da história de nossa civilização. Ações eficazes de combate aos fatores causadores e atuação preventiva estão diretamente relacionadas a uma sólida e confiável base de dados sobre as ocorrências, suas vítimas e todas as informações relacionadas às circunstâncias do acidente, tais como horário, local, condições de visibilidade, sinalização, limites de velocidade, indícios de embriaguez, condições do veículo, idade, sexo, condição social das vítimas, etc. É fato, porém, que em nosso país tais informações, quando disponíveis, encontram-se dispersas, confusas, mal redigidas, incompletas, em formatos distintos (que considerando sua diversidade de origem tornam-se incompatíveis para um tratamento único) dificultando uma análise adequada de política pública a ser adotada. O uso de uma base de dados completa, atualizada e com um padrão definido de qualidade torna-se ferramenta essencial para a análise e tomada de decisão sobre soluções a serem empregadas. Nossa proposta é, portanto, a criação de uma ferramenta de integração de todos os dados de acidentes ocorridos no país em tempo real, e o acesso simplificado a toda a sociedade, mas em especial aos pesquisadores ou setores públicos, a um banco de dados que permita conhecer áreas críticas com a possibilidade de identificação dos fatores associados aos acidentes e a proposição de ações preventivas como forma de se reverter este cenário. Este artigo apresenta o resultado de um trabalho de coleta e consolidação dos dados obtidos, com setores Municipais, Estaduais e Federais, de acidentes ocorridos nos limites do Estado do Rio de Janeiro, as ferramentas de análise preliminares e os resultados apurados. ABSTRACT About 1.2 million people died in traffic accidents in 2010, becoming one of the major causes of deaths and cases of permanent disability worldwide (WHO, 2013), which allows us to suggest as the most serious and alarming epidemic of history of our civilization. Effective actions to fight the causative factors and preventive actions are directly related with a solid and reliable database envelopes occurrence, their victims and all information related to the circumstances of the accident such as time, location, visibility conditions, traffic signs, speed limits, evidence of intoxication, vehicle condition, age, sex and social status of the victims, etc. It is a fact however, that in Brazil such information, when available, are scattered, confusing, poorly written, incomplete, in different formats (which considering their diversity of origin, become incompatible in a single treatment) hindering a proper analysis of public policy to be adopted. Utilizing a complete and updated database with a defined quality standard becomes essential tool for analysis and decision making about solutions to be employed. Our proposal is, therefore, to create a tool for integrating all data from accidents in the country in real time, and simplified access to the whole society, but especially to researchers and public sectors, to a database which permits to identify critical areas with the possibility of recognizing associated factors with accidents and to propose preventive actions as a way to reverse this scenario. This article presents the result of a work of collecting and consolidating data obtained with Municipal, State and Federal sectors of accidents within the limits of the State of Rio de Janeiro, the tools of analysis and the preliminary results obtained.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Acidentes de transportes terrestres já são as maiores causas de óbitos que afetam a população mundial entre 15 e 29 anos. O Brasil é o terceiro colocado nas estatísticas sobre óbitos em acidentes de trânsito no mundo (WHO, 2013). Nesse contexto, o presente trabalho busca empregar técnicas de análise espacial em ambiente de Sistema de Informações Geográficas (GIS, na sigla em inglês) visando:

• Consolidar bases de dados fragmentadas de acidentes com vítimas, de diferentes procedências, como forma de compreender sua distribuição espacial; e

• Dar publicidade e permitir aos setores interessados o livre acesso aos tipos e localização dos acidentes, com o cuidado de se resguardar a privacidade dos envolvidos.

O estudo, apesar de ser uma proposta de trabalho de abrangência nacional, com informações de todas as localidades do país, apenas para efeito de piloto será limitado à área urbana da cidade do Rio de Janeiro, no trecho entre a Estação Ferroviária da Central do Brasil e a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, tomando por base os dados consolidados a partir dos Boletins de Registro de Acidentes de Trânsito (BRAT) e Boletins de Ocorrência, registrados respectivamente pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e Divisão de Homicídios da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro no período entre Janeiro de 2008 e Junho de 2013, associados aos registros do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro sobre as vítimas que tiveram óbito após a remoção do local dos acidentes. Para o âmbito nacional será fundamental a consolidação dos dados dos respectivos órgãos municipais e estaduais, bem como da base de dados da Polícia Rodoviária Federal. 2. REFERENCIAL TEÓRICO O GIS é uma ferramenta que permite inserir um conjunto de informações estatísticas dos acidentes a partir de sua localização geográfica, tornando viável a criação de um mapa dos acidentes no espaço, a partir da existência de arquivo com mapa digitalizado da cidade (região) ou rodovia. O grande diferencial trazido pela incorporação do uso desta tecnologia de análise de dados reside na facilidade de observação geográfica das áreas de concentração de ocorrências a partir de critérios espaciais.

Tem grande importância na identificação dos locais com grande ocorrência de acidentes a partir de critérios específicos, como: concentração de acidentes em um local definido, que pode ser uma interseção ou trecho de via com pequena extensão (denominados locais críticos); concentração ao longo de um trecho de via (trecho crítico); concentração em uma determinada área (área crítica); concentração em lugares com características similares (cruzamentos ferroviários em nível, faixas de travessia de pedestres, semáforos, etc.) localizados numa região da cidade, de uma rodovia, etc (Ferraz, 2012). Uma variedade de métodos tem sido proposta para definir conjuntos de acidentes de trânsito e, desta forma, técnicas de agrupamento espaço-temporal são necessários. Uma abordagem com o uso de estimativa de Kernel permite definir melhor o conjunto de locais com maior número de acidentados. No entanto, os métodos podem ser afetados pelo efeito extensão da área e não oferecem uma visão sobre os fatores subjacentes que afetam a distribuição espacial (Dai, 2012). A questão é que a população exposta ao risco de acidente pode ser relacionada ao volume de pedestres e veículos, porém a contagem de pedestres não é um dado que esteja prontamente disponível (Pulugurtha e Sambhara, 2011).

A caracterização espacial dos acidentes num sistema GIS depende da forma de identificação do local no boletim de ocorrência e no mapa digital. Nas áreas urbanas, o modo mais simples é identificar o local do acidente através do nome da via onde o mesmo ocorreu, seguido do nome de outra via se for uma interseção, ou dos nomes das vias transversais anterior e posterior se for num meio de quadra. Outra forma, mais trabalhosa na montagem do mapa digital, mas que fornece uma localização mais

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Sistema de Informação Sobre Acidentes de Trânsito

precisa, é associar o local do acidente com o nome da via e o número do imóvel mais próximo (Ferraz, 2012). O uso da tecnologia trazida pelo GIS permite gerar distintos mapas temáticos, a partir de diferentes bases de dados associando, por exemplo, locais críticos a características específicas de acidentes. Isto resulta em uma ferramenta de análise da natureza dos acidentes e de ações mitigadoras sobre os fatores, que devem então ser desenvolvidas. As variáveis utilizadas nos modelos podem ser divididas em três categorias: • Variáveis socioeconômicas, demográficas que incluem população por grupos de idade, população

infantil ou minoritária, densidade demográfica, renda média familiar, entre outras. • Característica da via e do tráfego, por exemplo, veículo-milha viajada (VMT), extensão da via por

cada limite de velocidade, quantidade de cruzamentos, entre outras. • Peculiaridades dos trajetos das pessoas em itinerários como casa-trabalho-casa, casa-escola-casa,

casa-compras-casa, levando em conta os tempos de deslocamento, número de trocas de veículos ou meios de transporte (inclusive, a pé e/ou bicicleta até os pontos de embarque, por exemplo), entre outras.

Desta forma, a grande utilidade no uso da ferramenta GIS é permitir a associação de dados sobre acidentes às informações socioeconômicas da população, possibilitando atuar de forma preditiva para sua não ocorrência (Abdel-Aty et al., 2012). Torna-se relevante investigar a proximidade dos locais de grande incidência de atropelamentos, como escolas ou estabelecimentos que vendem bebidas (bares, restaurantes e pubs), tendo somente o cuidado na análise destas informações, pois os arquivos disponíveis podem mostrar a localização dos estabelecimentos com licenças para a venda de bebidas alcoólicas, no entanto, estes podem não ser obrigatoriamente os locais onde as pessoas vão ingerir álcool (Mitra, 2009).

O tratamento dos dados relacionados aos acidentes fatais, após sua consolidação por posição geográfica com o uso da ferramenta GIS, permite: 1) Detectar os pontos de maior concentração de certo tipo de lesão ou morte; 2) Identificar os fatores relacionados a atropelamentos com aspectos pessoais e ambientais; e 3) Coletar os resultados de forma a permitir aos analistas as ações a serem implementadas para a

prevenção de lesões a populações específicas e de fatores ambientais.

Embora seu trabalho de investigação tenha sido focado para os acidentes entre pedestres e veículos, na cidade de Atlanta, EUA, a metodologia pode ser aplicada a outras regiões e outros tipos de eventos (por exemplo, acidentes de automóvel) para a melhoria da segurança do trânsito (Dai, 2012). O emprego da ferramenta GIS tem sido bastante utilizada para visualização de dados de acidentes e análise de pontos de sua maior incidência (hot spots) por inúmeras agências de controle tráfego (Prasannakumar, 2011).

Muitas Secretarias Estaduais de Transporte estão cientes da importância de ter um mapa abrangente de acidentes, já que é um componente crítico do gerenciamento de dados de segurança em planos estratégicos de segurança nas estradas (Qin et al., 2013).

O desenvolvimento de um aplicativo para o acompanhamento de acidentes e segurança viária para tratar os dados de todas as estradas de forma igual, independentemente do concessionário, aborda as principais áreas de ênfase de segurança: (1) melhora os dados e sistema de apoio à decisão, e (2) cria um sistema de gestão de processos de decisão / segurança mais eficaz. Ambos se beneficiariam muito com uma ferramenta de mapeamento automatizado de acidentes (Qin et al., 2013).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Dados geocodificados sobre acidentes oferecem rápida visualização de sua localização em um mapa, tornando-se, portanto, um recurso extremamente informativo para pesquisadores e engenheiros para identificar padrões (Wongsuphasawat et al., 2009). Zahran et al. (2011) desenvolveram algoritmos para processar automaticamente os dados geoespaciais da rede rodoviária sem a necessidade de digitalização.

A análise exploratória dos dados costuma ser empregada antes da modelagem estatística com a finalidade de conhecer melhor as variáveis resposta e explicativas, podendo ser não espaciais e espaciais. Nas não espaciais, geram-se gráficos e estatísticas das variáveis tais como boxplots (figura 1) e histogramas (muito importantes para a verificação da normalidade das variáveis do modelo). Nas análises exploratórias espaciais, busca-se encontrar padrões e relacionamentos espaciais na variável de interesse, por meio de mapas e índices (Rocha e Nassi, 2012).

A estatística espacial é uma das vertentes principais da análise espacial que fornece a capacidade de estabelecer critérios quantitativos de agrupamento ou dispersão dos dados, determinando o grau de dependência entre as observações. Surgiu da necessidade de definir o relacionamento de um conjunto de geodados e considera explicitamente as coordenadas dos dados no processo de coleta, descrição ou análise. A correlação pode ser entendida como a tendência a que o valor de uma ou mais variáveis associadas a uma determinada localização assemelhe-se mais aos valores de suas observações vizinhas do que ao restante das localizações do conjunto amostral. Ela também pode ser denominada autocorrelação, quando mede o grau de influência que uma dada variável tem sobre si mesma. Se a ocorrência de um dado evento influencia para que outros semelhantes aconteçam ao seu redor tem-se autocorrelação positiva, ou atração, o que implica em uma distribuição aglomerada de eventos. Se a ocorrência deste mesmo evento dificulta ou impede a ocorrência de outros em seu entorno tem-se autocorrelação negativa, ou repulsão, resultando em uma distribuição equidistante dos eventos (Queiroz, 2003).

Estatísticas de autocorrelação espacial global possuem como objetivo caracterizar a dependência espacial mostrando como os valores estão correlacionados no espaço, fornecendo uma medida geral da associação espacial. O índice global de Moran (I) é um dos indicadores que realizam esta função, sendo calculado pela seguinte expressão:

𝐼𝐼 = 𝑛𝑛𝑆𝑆0

∑ ∑ 𝑤𝑤𝑖𝑖𝑖𝑖 (𝑥𝑥𝑖𝑖−𝑥𝑥)(𝑥𝑥𝑖𝑖−𝑥𝑥𝑛𝑛𝑖𝑖=1 )𝑛𝑛

𝑖𝑖=1

∑ (𝑥𝑥𝑖𝑖−𝑥𝑥)2𝑛𝑛𝑖𝑖=1

(1)

em que: n = quantidade de áreas; xi = valor do atributo no local i; 𝑥 = média de todos os atributos; xj = valor do atributo dos vizinhos do local i; wij = pesos atribuídos conforme a relação topológica entre os locais i e j; e S0 = soma de todos wij

onde: (𝑆𝑆0 = ∑ ∑ 𝑤𝑤𝑖𝑖𝑖𝑖

𝑛𝑛𝑖𝑖=1

𝑛𝑛𝑖𝑖=1 ) (2)

Estatísticas de auto correlação espacial de Moran foram utilizadas para determinar padrões de agrupamento estatisticamente significativos dos atropelamentos envolvendo crianças em áreas críticas selecionadas, com base na localização de proximidade e semelhanças de atributos (Blazquez, 2013). Este índice compara a distribuição observada do atributo em relação à distribuição esperada num padrão aleatório. De uma forma geral, embora isto não seja estritamente verdadeiro, este índice tende a ter valores entre -1 e +1, quantificando o grau de auto correlação existente, sendo positivo para correlação direta e negativo quando inversa (Queiroz, 2003). Valores próximos de zero indicam a inexistência de autocorrelação espacial significativa entre os valores dos objetos e seus vizinhos.

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Sistema de Informação Sobre Acidentes de Trânsito

O diagrama de espalhamento de Moran foi proposto por Anselin em 1992, para comparar os valores normalizados do atributo numa área com a média dos valores normalizados dos seus vizinhos, construindo um gráfico bidimensional de Z (valores normalizados) por WZ (média dos vizinhos), com a finalidade de visualizar a dependência espacial e indicar os diferentes regimes espaciais presentes nos dados. O diagrama é dividido em quatro quadrantes (Figura 1).

Figura1 – Diagrama Espelhado de Moran. (Adaptado pelos autores)

A Figura 1 permite elaborar as seguintes análises: • Q1 é um quadrante que consolida os valores positivos e médias positivas; • Q2 é um quadrante que consolida valores negativos e médias negativas. Ambos representam setores de associação espacial positiva, haja vista que representam locais com vizinhança com pontuação semelhante. • Q4 é um quadrante de valores negativos e médias positivas; e • Q3 é um quadrante de valores positivos e médias negativas. De forma contrária à anterior, representam setores de associação espacial negativa, pois representam locais com vizinhança com pontuação distinta (Queiroz 2003). 3. METODOLOGIA A técnica Comap consiste numa análise exploratória que permite a distribuição temporal de acidentes reduzindo a variância entre as classes (subdividindo os dados de acordo com o tempo de ocorrência). Em seguida, os diferentes grupos são analisados usando certos níveis de identificação, diferente do padrão espacial de ferramentas de informação espaciais e temporais detalhados como o Kernel Density Estimation (KDE). Os resultados podem ser representados em um mapa, um único diagrama, ou mapas sequencialmente organizados com o uso do modelo zoom, exibindo uma sequência de camadas de forma gradual. Assim, a Comap pode ser usada para identificar como as várias técnicas de zoom espaciais podem se concentrar em informações de distribuição de taxas de acidentes em função de variação das horas (Plu, 2011).

KDE é um método não paramétrico que envolve a introdução de uma superfície simétrica, sobre cada ponto de recurso, avaliando a distância de cada ponto para uma posição de referência com base em uma função matemática, e, subsequentemente, adicionando o valor de todas as superfícies para uma localização de referência (Levine, 2004). A Equação (3) define o cálculo do KDE para um determinado conjunto de observações em que é ignorada a função densidade de probabilidade f:

-1

-0,5

0

0,5

1

1,5

-1,5 -1 -0,5 0 0,5 1 1,5

WZ

Q4

Q1

Q2

Q3

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

𝑓𝑓(𝑥𝑥) = 1𝑛𝑛ℎ ∑ 𝐾𝐾(𝑥𝑥− 𝑥𝑥𝑖𝑖 )

ℎ𝑛𝑛𝑖𝑖=1 (3)

Em que: xi é o valor da variável x no local i,

n é o número total de locais, h é a largura de banda ou parâmetro de alisamento, K é a função de núcleo.

A aplicabilidade destes fundamentos nesta pesquisa foi feita através do uso da Ferramenta Mapa de Calor, disponível no software QuantumGIS, que aplica distribuição normal em função do Kernel estabelecendo uma ponderação de todos os pontos da área do estudo, atribuindo um maior peso para os pontos mais próximos e menor peso aos mais distantes.

Uma metodologia de trato dos dados é pela identificação de valores extremos (outliers), ou seja, localizar pontos no diagrama de Moran que são extremos em relação à tendência central, refletida pela inclinação da reta de regressão.

Outro método consiste em localizar os pontos cujos valores estão acima de dois desvios padrões da média. Estes, então, podem ser considerados bolsões de não-estacionaridade. A presença de valores extremos pode ainda significar problemas com a especificação da matriz de proximidade ou com a escala espacial de observação dos dados. Eles também podem indicar regiões de transição entre regimes espaciais distintos, os quais geralmente pertencem aos quadrantes Q3 e Q4 (Queiroz, 2003).

Os indicadores locais produzem um valor específico para cada área, permitindo a identificação de agrupamentos (clusters), dos valores extremos (outliers) e a existência de vários regimes espaciais, que não são identificados pelo cálculo dos indicadores de associação espacial global.

Dentre os indicadores mais difundidos está o índice local de Moran, que é representado pela equação 2. A autocorrelação do índice local de Moran é calculada a partir do produto dos desvios em relação à média, como uma medida de covariância. Dessa forma, valores significativamente altos indicam altas probabilidades de que haja locais de associação espacial, tanto de polígonos com altos valores associados, como com baixos valores associados. Por outro lado, baixos valores apontam para um padrão que pode ser entendido como locais de comportamento mais errático da variável observada entre um polígono e seus vizinhos (Queiroz, 2003).

Uma vez determinada a significância estatística deste índice, é útil elaborar um mapa indicando as regiões que apresentam correlação local significativamente diferente do resto dos dados. Estas regiões podem ser vistas como bolsões de homogeneidade, no caso regiões de concentração de valores elevados dos atributos e regiões com valores reduzidos dos atributos, separadas por uma região de transição que não indica uma coisa nem outra. Essas áreas possuem dinâmica espacial própria e merecem análise detalhada. Este mapa é chamado de Lisa Map e, na sua geração, os valores do índice local de Moran são classificados em quatro grupos: não significantes (valor zero na legenda), com significância de 95% (classe 1), 99% (classe 2 ) e 99,9% (classe 3 ).

O Índice de Moran I é equivalente ao coeficiente de regressão linear que indica a inclinação da reta de regressão Wz em z. O diagrama de espalhamento de Moran também pode ser representado na forma de um mapa temático bidimensional no qual cada polígono é apresentado indicando-se seu quadrante no diagrama de espelhamento (Câmara, 2002).

Valores obtidos, lançados sobre um mapa associando-os aos índices de concentração de determinados tipos de acidentes, agrupados por curvas térmicas (hot spots) durante os horários do

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Sistema de Informação Sobre Acidentes de Trânsito

nascer ao pôr do sol permitiram identificar como críticos os arredores de escolas e lugares religiosos (igrejas, templos, etc.) (Prasannakumar, 2011). 4. CONCEPÇÃO DO SISTEMA O sistema proposto reuniu, numa única base de dados, a maior quantidade possível de informações a respeito de todos os acidentes ocorridos no Brasil e permitiu uma rápida e fácil análise por qualquer cidadão. Além disso, possui ferramentas que disponibilizam de forma fácil e automatizada a base de dados para que pesquisadores e profissionais possam realizar estudos de forma eficiente, sem a necessidade de se preocupar com questões técnicas de informática.

Assim, foi construído um protótipo para o sistema, hospedado em servidores do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da COPPE/UFRJ. O sistema é totalmente baseado em softwares livres e padrões abertos. Foram utilizados os seguintes conjuntos de softwares: • Banco de dados Postgres com extensão Postgis; • Servidor de mapas i3geo com Mapserver; • Servidor web Apache; • Geoserver; • GeoKettle. O banco de dados foi construído em Postgres, com extensão Postgis. Este banco de dados é considerado de altíssima qualidade por muitos usuários e é cotidianamente usado por várias empresas no mundo. A extensão Postgis permite que se armazenem dados geográficos diretamente no banco, permitindo também consultas espaciais no mesmo.

Para a montagem de uma base de dados confiável foram buscados, através de contato formal com o Comando da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro, Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, Polícia Rodoviária Federal e Companhia de Engenharia de Tráfego da Cidade do Rio de Janeiro, os dados sobre os acidentes ocorridos entre o período de Janeiro de 2008 a Dezembro de 2013, que foram consolidados em uma base única, após a exclusão dos registros redundantes, ou aqueles cuja informação não permitiria obter a localização aproximada do acidente. Para aqueles que não dispunham de posição geográfica precisa, foi feito um levantamento a partir das imagens disponibilizadas pelo Google Street View, obtendo assim as coordenadas exatas dos pontos referenciados nos boletins de ocorrência. O passo seguinte foi a importação dos dados para o sistema. Esta foi uma etapa bastante complexa, pois os dados recebidos vieram de várias fontes, com diferentes formatos e variada qualidade. Assim, o primeiro grande desafio foi realizar o saneamento e uniformização dos dados recebidos.

Nesta etapa pôde-se perceber a grande utilidade de um banco de dados como este, pois tal atividade exige um grande esforço e grandes conhecimentos de bases de dados, acidentes e geoprocessamento para sua correta importação e compatibilização. O incorreto manuseio dos dados pode tornar difícil tal etapa ou mesmo inserir pequenos erros que seriam capazes de produzir grandes alterações de resultados.

A título de exemplo pode-se citar que uma das fontes de dados forneceu uma tabela Excel com coordenadas UTM de alguns acidentes. Outra fonte trocou o sistema de referência, informando SAD-69 quando na verdade os dados estavam armazenados em WGS-84. Esta divergência de informações criou uma diferença de cerca de 70 metros em vários pontos, inserindo um erro adicional na análise do conjunto de pontos.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Os passos mencionados podem ser simples para profissionais experientes, mas podem se tornar um desafio para o público em geral ou mesmo para profissionais não habituados com o mundo do geoprocessamento.

Outra dificuldade recorrente refere-se ao sistema de codificação da língua utilizada no armazenamento dos dados. O incorreto manuseio ou a falta de informações pode fazer com que se percam os acentos das palavras, dificultando sua leitura futura.

Outros problemas foram encontrados, com relação à qualidade dos dados propriamente dita: • Registros duplicados; • Registros ausentes; • Registros incompletos, etc. A base de dados de acidentes criada consolida as seguintes informações: fonte da informação; número da ocorrência; data; horário; endereço; complemento; bairro; referência; cidade; descrição do acidente; classificação por tipo de acidente; latitude; longitude; número de vítimas; sexo; raça; ocupação; idade; escolaridade; estado civil; indício de uso de álcool ou drogas; feridos leves; feridos graves; óbitos; CID-COD1; CID-COD2; veículos envolvidos; condição do tempo; condição da pista; posição.

A transcrição dos dados para sistemas GIS geraram os resultados ilustrados nas figuras a seguir, que apresentam alguns acidentes de trânsito ocorridos no município do Rio de Janeiro e algumas das funções implementadas. A Figura 2 apresenta a tela de consulta inicial em confecção na qual, na opção transportes, estão disponíveis as informações sobre acidentes de trânsito (até o momento restrito à cidade do Rio de Janeiro).

Figura 2: Tela inicial, Brasil, municípios e acidentes de trânsito no Rio de Janeiro

A figura 3 apresenta uma região do Rio de Janeiro com a localização dos acidentes em que cada tonalidade representa um tipo de acidente e sua gravidade e permite, por exemplo, identificar regiões da cidade em relação a padrões socioeconômicos, permitindo também conhecer possíveis correlações entre os acidentes e sua população.

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Sistema de Informação Sobre Acidentes de Trânsito

Figura 3: Tela com a região da Cidade do Rio de Janeiro

Para uma consulta mais detalhada sobre uma região e peculiaridades envolvendo um determinado tipo de acidente, horário ou localização, o sistema dispõe de opções de zoom, bem como escolha na tela de um acidente para que todas as informações não confidenciais estejam disponíveis ao interessado (Figura 4).

Figura 4: Tela de consulta de um acidente em um logradouro

O uso da ferramenta mapa de calor, gerado a partir da aplicação das modelagens matemáticas de Kernel e do Índice de Moran, pelos softwares de GIS, permite a visualização da concentração de acidentes, em diferentes tons de cinza, em que as tonalidades mais claras representam áreas de maior intensidade e as mais escuras, as de menor intensidade. A Figura 5 representa esta solução aplicada na Cidade do Rio de Janeiro. Pode-se observar que a região da Avenida Presidente Vargas, no trecho entre a Estação Ferroviária da Central do Brasil e a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, apresenta uma coloração característica de lugares com altos índices de concentração de ocorrências.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 5: Mapa de calor de acidentes.

O QRCODE, a seguir, permite acessar o sistema através de qualquer dispositivo móvel que disponha deste aplicativo, permitindo o acesso a uma demonstração das facilidades disponibilizadas pela ferramenta desenvolvida, bem como submeter sugestões para seu aperfeiçoamento (Figura 6). Opcionalmente pode-se acessar o endereço: http://146.164.61.13/i3geo/ms_criamapa.php?mapext=-43.923%20-23.123%20-42.691%20-22.558&perfil=&temasa=acidentes&layers=acidentes.

Figura 6 - QRCODE para acesso ao link da ferramenta desenvolvida

5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS O uso de novas ferramentas tecnológicas permitem a agregação e tratamento de grandes volumes de dados, permitindo análises e conclusões mais assertivas no trato de problemas. Tais aspectos tornam-se ainda de maior relevância quando associados a índices de mortalidade ou invalidez permanente. Assim, o presente artigo não se limitou a um trabalho acadêmico com o objetivo de demonstrar formas de consolidação, tratamento e análise dos dados obtidos juntos aos setores Municipal, Estadual e Federal de Segurança Pública da Cidade e do Estado do Rio de Janeiro, mas principalmente, apresentar uma ferramenta que permitirá a unificação e integração destas informações através de uma ferramenta GIS, disponível e de amplo acesso via internet, que possibilitará um entendimento mais amplo dos tipos de acidentes, locais mais comuns, vítimas mais comuns, horários, etc., permitindo que não só o poder público, mas qualquer cidadão possa conhecer o nível de exposição aos riscos de acidentes pela circulação nos arredores de locais ou rotas.

A fundamentação bibliográfica permite inferir que o problema não está limitado ao Brasil, a um estado ou município. O problema é global e o volume de vítimas é excessivo, porém não se pode

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Sistema de Informação Sobre Acidentes de Trânsito

corrigir o que não se conhece, por isso, uma base integrada, com dados qualitativos é de fundamental importância e utilidade.

O acesso amplo e irrestrito à informação é fator relevante para qualquer mecanismo eficiente e ponto de partida para este trabalho. Porém, a excessiva compartimentação das bases de dados e as variadas formatações dos documentos de registro de ocorrência de acidentes de trânsito dos diferentes órgãos responsáveis por tais registros geraram dificuldades significativas no tratamento e análise dos dados, exigindo um trabalho desnecessário. A título de exemplo, informações simples como a localização exata do acidente, de fácil acesso por equipamento de posicionamento GPS, por vezes disponível na própria viatura policial, não eram lançadas no Boletim de Ocorrência, que informava por isso uma referência por vezes inexata e de difícil identificação.

Outro aspecto relevante é a falta de um procedimento de perícia técnica nos laudos dos acidentes que permitisse identificar fatores relacionados ao acidente, como, por exemplo, conservação do veículo, condição da via e da sinalização, clima, visibilidade, velocidade presumida dos veículos envolvidos, etc. A análise deste conjunto de fatores, consolidados a partir de modelagem matemática e associados à plotagem em ferramentas GIS facilitariam em muito as ações preventivas e preditivas dos acidentes com reflexos diretos na redução da mortalidade.

Apesar da precariedade dos dados obtidos, pretende-se perseguir a busca de dados de maior qualidade e de seu tratamento, como forma de criar uma real utilidade para a ferramenta. 6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O presente estudo apresentou o potencial de uma ferramenta GIS como subsídio em políticas públicas de trânsito, em especial no tratamento de informações que permitam ações preventivas que resultem na redução das ocorrências graves. Fica, portanto, evidente a importância de uma base de dados que armazene e disponibilize eficientemente dados de diferentes procedências (no caso brasileiro, por exemplo: dados fornecidos pelas polícias de âmbito municipal, estadual e federal), além de órgãos distintos para registro de ocorrências, o que torna complexo o trabalho de compatibilização dos dados (dadas as diferentes culturas organizacionais, normas e procedimentos e por vezes distintas finalidades do uso da informação). Faz-se necessário o uso de um banco de dados único, com informações claras e objetivas, compartilhado e interligado aos sistemas municipais, estaduais e federais de segurança e de saúde, permitindo um tratamento único da informação.

Uma segunda, e não menos importante finalidade da proposta, prende-se à facilidade e à liberdade de acesso pelo cidadão comum, ou por qualquer entidade pública, civil ou militar ao estudo, tratamento e identificação dos dados, possibilitando através do uso da ferramenta GIS o cruzamento com outras fontes de informação (por exemplo, dados socioeconômicos da população da região estudada, volume e idade da frota circulante na região, proximidade de pontos de aglomeração ou concentradores de fluxo de pessoas, etc.).

Aos governantes sugere-se o esforço na integração dos sistemas de registro, sua disponibilização em tempo hábil e com informações completas, que permitam resultados qualitativos.

À sociedade sugere-se um amplo debate sobre o limite e o nível de privacidade do conjunto de informações que devem ficar restritas ao poder público, às Universidades e Centros de Pesquisa.

Aos setores de Segurança Pública e Engenharia de Tráfego das cidades, sugere-se o desenvolvimento de um amplo trabalho de padronização de procedimentos e definição de dados considerados essenciais para o desenvolvimento de análises de problemas e proposição de soluções.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Para estudos futuros sugere-se ampliar a base de dados dos acidentes de trânsito tornando-a de âmbito nacional como forma de permitir um estudo mais amplo e o tratamento mais eficaz pelos setores relacionados à redução destas ocorrências. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abdel-Aty, M.; J. Lee; S. Chowdhury e K. Choi (2012) Geographical Unit Based Analysis in the Context of

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MODELAGEM MICROSCÓPICA DA FLUIDEZ E DA SEGURANÇA DO TRÁFEGO VEICULAR E DE PEDESTRES NAS VIAS URBANAS BRASILEIRAS

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Carlos Felipe Grangeiro Loureiro Manoel Mendonça de Castro Neto

Grupo de Pesquisa em Transporte, Trânsito e Meio Ambiente – GTTEMA

Universidade Federal do Ceará – UFC RESUMO Este artigo apresenta os principais resultados do projeto de pesquisa desenvolvido por uma rede de pesquisa cooperativa constituída por pesquisadores da UFC, UFRGS, UNB e USP/São Carlos, financiado pelo Fundo Setorial de Transportes, no âmbito do edital MCT/CNPq N. 18/2009. O principal objetivo do projeto é a modelagem microscópica da fluidez e da segurança do tráfego veicular urbano por meio de microssimulação. As cinco macroetapas metodológicas foram: selecionar o simulador microscópico; calibrar e validar a mesossimulação feita pelo SCOOT para a utilização dos seus dados na microssimulação; calibrar e validar a rede de microssimulação; estimar a matriz-OD e a escolha de rodas; e selecionar e calibrar indicadores de desempenho da segurança viária com o uso da rede de microssimulação. Os resultados e as produções bibliográficas decorrentes de cada objetivo específico são apresentados neste artigo. ABSTRACT This article presents the main results of a research project conducted by a cooperative research network consisting of researchers from UFC, UFRGS, UNB and USP/São Carlos, sponsored by the Transport Sector Fund, under the call for proposal MCT/CNPq N. 18/2009. The main objective of the project is the microscopic modeling of flow and safety of urban vehicular traffic through microsimulation. The major methodological steps were: selection of the microscopic simulator; calibration and validation of the mesosimulation done by SCOOT in order to use its data in the microsimulation; calibration and validation of the microsimulation network; estimation of the OD-matrix and route choice; and calibration of performance indicators for road safety by means of the microsimulation network. The findings and the literature production resulted from each specific objective are presented in this article..

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1. INTRODUÇÃO A modelagem do fluxo de veículos na infraestrutura viária é fundamental para a análise do desempenho de novas estratégias e políticas de gerência e controle de tráfego, idealizadas para potencializar a eficiência do sistema de transportes. Porém, as diversas variáveis inerentes ao sistema de tráfego urbano geram grande complexidade quando da avaliação de alternativas visando a otimizar o funcionamento deste sistema. A simulação computacional dos fluxos veiculares é uma das técnicas de modelagem que tem se constituído como uma importante ferramenta para auxiliar o trabalho do analista de transportes, permitindo avaliar soluções para diversos problemas nos níveis de decisão estratégico, tático e operacional, tornando-se ferramentas analíticas cada vez mais empregadas no planejamento e operação de sistemas de transportes. Atualmente, há diversos pacotes computacionais de simulação do tráfego disponíveis no mercado que permitem a representação de redes de grande porte, modelando a alocação do tráfego de pessoas e bens, utilizando distintos modos de transportes e funções de impedância, em diferentes níveis de representação do fluxo veicular (macro, meso e microscópico). Entretanto, para que um simulador possa fornecer resultados confiáveis sobre o sistema em análise, é fundamental que os valores dos seus parâmetros sejam devidamente calibrados e validados pelo analista. O projeto de pesquisa aqui relatado teve como objetivo geral conceber e desenvolver uma plataforma computacional de microssimulação do tráfego de veículos e pedestres, a partir de pacotes de simulação microscópica já disponíveis no mercado, capaz de modelar as origens e os destinos dos deslocamentos, as escolhas de rotas e o comportamento dos usuários em redes viárias urbanas. Para garantir que o objetivo geral fosse atingido, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: (a) definir os modelos de microssimulação mais adequados para a representação das condições operacionais das malhas viárias urbanas brasileiras; (b) calibrar e validar um modelo mesoscópico de tráfego para a obtenção de indicadores do nível de fluidez e das condições operacionais das malhas viárias urbanas; (c) escolher e implementar estratégias para calibração e validação dos simuladores microscópicos de tráfego, para que eles possam representar adequadamente o comportamento das diversas modalidades veiculares presentes nas malhas viárias urbanas no Brasil; (d) definir os modelos mais adequados para estimativa de matrizes origem-destino (OD) e de escolha de rotas em redes urbanas microssimuladas; e (e) selecionar e calibrar indicadores do desempenho da segurança viária a partir de resultados de microssimulação do tráfego de veículos e de pedestres. Os resultados são apresentados neste documento, organizado de modo que cada seção seja dedicada a um objetivo específico. A equipe era constituída por pesquisadores doutores líderes de grupos de pesquisa de quatro universidades públicas representando as regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, quais sejam: i) Grupo de Pesquisa em Transporte, Trânsito e Meio Ambiente (GTTEMA) da Universidade Federal do Ceará (UFC); ii) Laboratório de Simulação de Sistemas de Transportes da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP); iii) Laboratório de Sistemas de Transportes (LASTRANS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e iv) Laboratório de Transporte e Tráfego (LABTTRAF) do Programa de Pós-Graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB). 2. ESCOLHA DO MICROSSIMULADOR Esta etapa do projeto visou determinar os simuladores a serem usados nas demais etapas. Foram avaliados os simuladores VISSIM, Paramics, Aimsun e CORSIM. Os pacotes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: (a) algoritmos comportamentais de car-following, mudança de faixa, aceitação de brecha e escolha de rotas, capazes de representar bem as interações entre veículos e pedestres no sistema viário urbano; (b) aleatoriedade nos valores dos parâmetros do modelo na geração dos veículos e pedestres na simulação, para aumentar a capacidade de representação da

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natureza estocástica do fenômeno; (c) capacidade de fazer a interação entre redes de simulação nos níveis micro, meso e macroscópicos; (d) operação de controle semafórico atuado, permitindo incorporação de lógica externa de operação semafórica por meio de linguagem de programação e por conexão direta com controladores semafóricos externos; (e) geração de medidas de desempenho desagregadas por faixa de tráfego, seção de via, arco, interseção, rota e área; (f) facilidade de uso. Os pacotes selecionados foram o VISSIM e o Aimsun, sendo o primeiro escolhido devido à maior facilidade de se codificar a interface da rotina computacional para a fase de calibração. 3. CALIBRAÇÃO E VALIDAÇÃO DO MESOSSIMULADOR O segundo objetivo específico deste projeto de pesquisa foi a validação do modelo mesoscópico do mesossimulador do sistema SCOOT – Split Cicle Offset Optimization Techinique, com o objetivo de atestar a qualidade dos seus dados para a calibração e validação de redes de microssimulação. Foram realizados experimentos contemplando aproximações de interseções com distintas características físicas e operacionais, controladas pelo SCOOT, analisando-se os intervalos de confiança de 95% para a média das diferenças entre os valores simulados pelo SCOOT e os observados em campo. Foram analisados os efeitos do grau de saturação e da acurácia do valor dos parâmetros SATO na qualidade da modelagem das variáveis: atraso, número de paradas e volume. Os resultados mostrados na Tabela 1 (intervalos de confiança das diferenças entre valores modelados e observados) indicam que, em média, o SCOOT modela bem as medidas de desempenho quando o SATO está corretamente calibrado.

Tabela 1: Resultados da validação do mesossimulador do SCOOT

Variável Baixa demanda Alta demanda

Lim. inferior Lim. superior

Lim.inferior

Lim. superior

Volume (veíc./15min) -10 -3 -6 3 Núm. de paradas (veíc/15min) -14 -5 -44 73

Atraso (s/veíc.) -8 -6 3 12 Os resultados dos experimentos também mostraram que valores de SATO equivocadamente elevados tendem a ocasionar superestimação das medidas de desempenho, enquanto valores reduzidos do SATO tendem a subestimar o desempenho viário. A subestimação da variável volume quando o valor do SATO é reduzido pode ser explicada da seguinte forma: com o valor do SATO subestimado, o SCOOT trabalha com uma taxa de descarga de veículos por unidade de tempo, na linha de retenção, menor do que a real. Quando o valor do parâmetro SATO é maior do que o valor calibrado, ocorre o processo inverso: o SCOOT superestima os dados de volume, pois o modelo trabalha com uma taxa de descarga maior do que a que corre em campo. A redução do valor SATO implica no aumento de tempo de verde destinado ao link, como uma tentativa de compensar a baixa taxa de descarga do modelo, levando a uma saturação do link menor do que a que naturalmente aconteceria com o SATO calibrado. Isto causa uma diminuição do número de paradas e atrasos quando comparado com o valor do SATO calibrado corretamente. Da mesma forma, o aumento deliberado do SATO diminui o tempo de verde da aproximação, pois o simulador considera que precisa de menos tempo para descarregar a fila, gerando assim maiores atrasos e números de paradas em campo. Esta diminuição do tempo de verde pode ocasionar filas que vão além do laço detector, fazendo com que vários veículos não sejam detectados pelo sistema, o que implica em mais erros de estimação das medidas de desempenho. Como conclusão, para aplicações nas quais o interesse está em valores médios das medidas de desempenho, o que geralmente ocorre na calibração de redes viárias, o banco de dados do SCOOT constitui uma rica fonte de dados, desde que os valores dos seus parâmetros estejam bem calibrados

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e validados pelo usuário. Para os analistas interessados em estimativas pontuais para um determinado intervalo de tempo e link específicos, a análise de regressão mostrou que os dados do SCOOT só devem ser utilizados em períodos de menor demanda, já que nestes períodos foram observados os maiores valores de R2 entre as amostras simuladas e observadas: 84% para volume, 79% para número de paradas e 78% para atraso. Para períodos de alto grau de saturação, estes valores foram 24%, 35% e 26%, respectivamente. Mais detalhes destas análises podem ser encontrados na dissertação de Aquino (2012) e em Aquino et al. (2013). 4 CALIBRAÇÃO E VALIDAÇÃO DO MICROSSIMULADOR A metodologia de desenvolvimento do modelo de microssimulação divide-se em três grandes fases (Pré-Calibração, Calibração e Validação), descritas a seguir e aplicadas na modelagem de duas redes distintas: uma via arterial com quatro interseções e uma rede reticulada composta por nove vias arteriais e oito interseções. Por motivos de limitação de espaço, são apresentados somente os aspectos mais importantes da aplicação da metodologia e dos resultados obtidos. 4.1. Pré-calibração O primeiro passo consiste na seleção do simulador. A escolha depende de diversos fatores, como facilidade de aquisição e de manuseio, experiência do analista, característica dos modelos comportamentais e funcionalidades importantes como a capacidade de emular a lógica do controle semafórico de interesse. Em seguida, selecionam-se as medidas de desempenho a serem simuladas. As mais comuns para a modelagem do tráfego urbano são atraso médio (para a avaliação de interseções) e velocidade média (para os trechos de vias). O levantamento dos dados deve contemplar as etapas de planejamento da coleta, de tratamento e análise dos dados. Recomenda-se que as variáveis sejam coletadas simultaneamente para se obter informações mais completas e correlatas acerca da situação existente, como também para se minimizar os custos da pesquisa. Os dados a serem coletados podem ser classificados basicamente em quatro tipos: 1) características físicas da malha (geometria das vias e interseções); 2) controle do tráfego (ex.: sinalização vertical e horizontal, regras de circulação, programação semafórica); 3) veículos (ex.: tipo, dimensões, perfis de aceleração e de velocidade); 4) volumes (veicular e de pedestres); 5) medidas de desempenho (ex.: atraso, velocidade média); e 6) variáveis “alvo” para a calibração de parâmetros específicos (ex.: capacidade). Este último tipo de dado indica que há a necessidade de se escolher previamente parâmetros de calibração antes de se partir para o levantamento em campo. Vale ressaltar que os custos de coleta podem ser minimizados com o uso de bases de dados de centrais de controle de tráfego, como o sistema SCOOT, do CTAFOR – Controle de Tráfego em Área de Fortaleza. Com os dados coletados, parte-se para a codificação da rede, ou seja, a construção da representação da malha no microssimulador. Em seguida, carrega-se a rede com os volumes coletados e realiza-se a simulação da rede para verificar a existência de erros reportados pelo programa, mantendo-se todos os parâmetros comportamentais com valores default. Caso não haja mensagens de erro, realizam-se simulações para se comparar os valores simulados com os observados em campo, tendo-se uma indicação do grau de representatividade do modelo antes da calibração dos modelos microscópicos. O grau de representatividade do modelo, ou seja, a sua capacidade de replicar a situação de campo, é mensurada segundo uma medida de erro, como o Erro Percentual Absoluto Médio (EPAM). É importante advertir que, mesmo que as diferenças entre os resultados simulados e observados em campo estejam dentro do erro aceitável, o analista deve avaliar a coerência e a validade do valor de cada parâmetro que julgar relevante, pois o baixo erro observado pode ser peculiar à rede que representa o cenário atual, e não para os cenários de intervenção de interesse. Por exemplo, um

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cenário de intervenção com maiores volumes de tráfego poderá produzir um aumento expressivo no número de trocas de faixas, o que requererá que o modelo de mudança de faixa esteja bem calibrado. Tal calibração pode ter sido equivocadamente dispensada pelo analista ao ver que a rede do cenário inicial – com menores volumes e com menos trocas de faixas – apresentou baixos erros de estimação. Vale ressaltar que os resultados preliminares podem sugerir a coleta de mais algum dado em campo, como, por exemplo, a velocidade máxima desejada, que é a velocidade dos veículos quando estão trafegando em fluxo livre, sem veículos à frente causando impedância. Depois de coletados e inseridos tais dados adicionais, a rede de simulação é avaliada novamente e a fase de pré-calibração é finalizada quando se considera que a fase subsequente de calibração será capaz de reduzir o erro do modelo de simulação a valores desejáveis. 4.2. Calibração Nesta etapa, o analista ajustará os parâmetros comportamentais, por tentativa-e-erro, até que o simulador produza valores de uma “variável-alvo” similares aos valores observados em campo. Para os casos em que o processo de tentativa-e-erro é custoso, deve-se automatizar a busca por meio de métodos de otimização, como os algoritmos genéticos (AG). O analista deve estabelecer os limites dos intervalos de busca para cada parâmetro, para aumentar as chances de se obter valores realistas e também diminuir o esforço computacional. A melhor solução, ou seja, o conjunto de valores calibrados deve passar por uma avaliação conceitual, com o objetivo de se verificar se os valores são condizentes com o fenômeno em análise. 4.3. Validação Nesta etapa, o modelo é posto à prova utilizando-se um novo conjunto de dados, pois os valores encontrados para os parâmetros na fase de calibração podem estar bem ajustados apenas à amostra de dados utilizada, fenômeno indesejado conhecido por “super-ajuste”. Modelos capazes de simular medidas de desempenho para diferentes níveis de volumes são desejáveis, pois indicam modelos mais capazes de simular cenários com variações na infraestrutura e no controle de tráfego, ou seja, modelos que representarão melhor os cenários de intervenção. A validação também pode ser baseada em mais de uma medida de desempenho, aumentando assim a confiabilidade nos resultados gerados. Diferentemente do que ocorre na fase de calibração, na validação, a comparação entre os valores simulados e observados é mais criteriosa, já que trata-se de uma fase em que o modelo tem sua qualidade atestada. Além disto, na fase de calibração, muitas combinações de valores de parâmetro (soluções) precisam ser avaliadas rapidamente – por isso, utiliza-se apenas uma simples medida de erro. Na validação, como apenas um modelo precisa ser avaliado, podem ser utilizadas técnicas de inferência estatística, tais como: testes de hipótese, estimação intervalar e análise de correlação e de regressão. 4.4. Aplicação à via arterial 4.4.1 Pré-calibração A via arterial selecionada encontra-se numa das regiões mais adensadas da cidade de Fortaleza, com uso do solo predominantemente comercial. O trecho da via em estudo, denominada Av. Santos Dumont, é composto por cinco interseções em nível, das quais três são semaforizadas. Como o principal objetivo da simulação era simular tempo médio de viagem ao longo da avenida, os parâmetros considerados relevantes foram a velocidade máxima desejada, além dos três parâmetros de car-following: ax, bx_add, bx_mult. A velocidade máxima desejada foi escolhida por tratar da velocidade dos veículos quando eles não estão em regime de following. Os outros três parâmetros,

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inerentes ao algoritmo Wiedemann-74, determinam o espaçamento entre os veículos enquanto estiverem em following, afetando assim o tempo de viagem da corrente. Pela facilidade de coleta, os parâmetros velocidade máxima desejada e ax foram coletados em campo, enquanto bx_add e bx_mult foram calibrados (devido à impossibilidade de observação destes em campo), tendo como alvo o fluxo de saturação nas interseções semaforizadas. Além do fluxo de saturação, foram coletados dados das seguintes variáveis: geometria das vias e das interseções; volume direcional e classificatório em todas as aproximações de todas as interseções; tempo médio de viagem na via e dados da operação do transporte coletivo por ônibus, mais especificamente, posição dos pontos de paradas, headway e tempo para embarque e desembarque. As coletas foram realizadas das 6h e 30min às 9h e 30min de uma quarta-feira típica. Para a coleta dos tempos de viagem, o método utilizado foi o do veículo teste, resultando um total de 23 observações. O fluxo de saturação foi coletado de acordo com o Método 1 do recém-publicado manual de semáforos do DENATRAN. Por fim, os dados relativos ao transporte coletivo e planos semafóricos foram disponibilizados pela ETUFOR e AMC, órgãos municipais responsáveis pela gestão do transporte público e do trânsito, respectivamente. O parâmetro ax foi coletado em campo por meio da avaliação de fotografias feitas com câmeras postas sobre o passeio a aproximadamente 20 metros da faixa de retenção e a 1,0 m de altura. A medição baseou-se na inspeção visual, balizada por mini-cones dispostos ao longo do meio-fio, equidistantes de um metro. O valor médio do espaçamento foi de 1,9 m, pouco abaixo do valor default (2 m). O desvio padrão observado foi de 0,7 m, enquanto o utilizado pelo software é de 1 m. O parâmetro velocidade máxima desejada foi coletado em campo utilizando-se o método do veículo teste. O parâmetro brecha crítica também teve o seu valor alterado do valor default de 3,0s para 4,5s, valor médio observado em campo. Após a inserção dos valores dos dados de entrada, a simulação resultou num tempo médio de viagem de 91s, enquanto que o valor observado em campo foi de 127s, ou seja, um EPAM de 28%. 4.4.2.Calibração É importante mencionar que, sempre que possível, o parâmetro ax não deve ser calibrado simultaneamente com os parâmetros bx_add e bx_mult, pois ax afeta o tamanho da fila, enquanto os outros dois afetam os headways de saturação, ou seja, o ritmo de descarga da fila. Calibrar os três parâmetros simultaneamente pode resultar numa combinação de valores que não seja coerente com a realidade, ainda que os valores de fluxo de saturação observados e simulados sejam similares. Embora ax e bx somem-se para formar o headway de segurança (abx), somente a calibração de forma separada permitirá estimar a contribuição de cada parâmetro. A calibração dos parâmetros de carfollowing bx_add e bx_mult teve como alvo o fluxo de saturação, e não o tempo de viagem. O fluxo de saturação é a melhor variável para a calibração dos referidos parâmetros, pois estes definem os headways de following, ou seja, os headways de saturação. Além disto, uma grande vantagem em se calibrar bx_add e bx_mult com base no fluxo de saturação reside no fato de que esta variável não é influenciada por parâmetros dos modelos de mudança de faixa, aceitação de brecha ou escolha de rotas. Portanto, o ajuste dos referidos parâmetros com base exclusivamente no fluxo de saturação permite uma melhor estimação dos mesmos. De outra forma, calibrar parâmetros de car-following tendo-se como alvo uma medida de desempenho como tempo de viagem, como é comumente visto na literatura, poderá resultar em estimativas equivocadas dos parâmetros, já que o tempo de viagem é influenciado pelos outros modelos comportamentais, bem como por outros elementos da rede, como volume e programação semafórica. É possível se obter um grande número de combinações de conjuntos de parâmetros que resultaram de distribuições de tempos de viagem simulados similares à distribuição observada em campo. É importante ressaltar

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que a calibração de parâmetros baseada no fluxo de saturação deve ser realizada para qualquer rede urbana, pois esta variável tem impacto direto na capacidade e no nível de serviço das interseções. A calibração aconteceu sem a utilização de um método de busca automatizada devido à quantidade reduzida de parâmetros. Foram estipulados valores máximos (o dobro do default) e mínimos (metade do default) para os dois parâmetros e, depois de realizadas as comparações entre os pares de valores máximos e mínimos, o melhor resultado encontrado (máximo com máximo) serviu de base para a estimação do próximo par de parâmetros a ser testado, visando a diminuição do erro. Dessa forma, o menor erro encontrado foi para um par de parâmetros com valores acima dos máximos estipulados inicialmente, tendo em vista que o erro diminuía na medida em que os valores de bx_add e bx_mult aumentavam, chegando ao limite ótimo bx_add e bx_mult iguais a 6,0. Para valores maiores do que este, o erro voltava a aumentar. Para cada combinação de parâmetros, foram realizadas 30 replicações de 20 minutos, sendo os primeiros 5 minutos utilizados para “aquecimento” da rede. A calibração reduziu o EPAM para apenas 1%, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2: Resultados da calibração para a via arterial

Parâmetros Modificados Medidas de Desempenho

ax bx_add bx_mult Brecha Crítica

Fluxo Sat.

Simul.

Fluxo Sat.

Observ.

EPAM Tempo de

Viagem Simul.

Tempo de

Viagem Observ.

EPAM

2,0 (default)

2,0 (default)

3,0 (default)

3,0 (default)

2080

1476

41% 91

127

28%

1,9 (Coletado)

2,0 (default)

3,0 (default)

4,5 (Coletado)

2195 49% 91 28%

1,9 (Coletado)

6,0 (Calibrado)

6,0 (Calibrado)

4,5 (Coletado)

1462 1% 126 1%

4.4.3.Validação Para fins de validação, os valores dos parâmetros calibrados e coletados foram aplicados a um segundo trecho da mesma via, com características similares, e com volume de tráfego menor. Este novo trecho, localizado imediatamente à montante do trecho original, é composto por quatro interseções em nível, sendo duas semaforizadas. Para a validação também foram realizadas 30 replicações de 20 minutos cada, sendo os 5 minutos iniciais de warm-up. A coleta de dados em campo foi realizada no mesmo dia e horário da coleta do trecho original. O tempo de viagem médio observado foi de 111s e o simulado foi de 119s, o que resulta um EPAM de 7%. Em termos de velocidade, esta diferença entre os valores simulados e observados é de apenas 1,0 km/h, uma diferença pequena frente aos incrementos de velocidades das classes dos níveis de serviço do manual americano Highway Capacity Manual 2010. 4.5. Aplicação à rede reticulada 4.5.1. Pré-calibração A malha viária selecionada, situada numa das regiões mais adensadas da cidade de Fortaleza, é reticulada e compreende 4 x 2 quarteirões cobrindo uma área de dimensões 600 m x 400 m, onde se encontram prédios residenciais e estabelecimentos comerciais com intensa atividade, o que resulta em velocidades médias nos principais corredores de aproximadamente 10 km/h na hora de pico. A malha é composta por nove vias, sendo três na direção leste-oeste e seis na direção norte-sul. Há 15 interseções em nível, das quais 8 são controladas por semáforos operados pelo sistema adaptativo

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SCOOT, sob a gerência do CTAFOR. A medida de desempenho do tráfego escolhida para a fase de calibração foi o tempo de viagem médio agregado por via. Foram coletados também dados de velocidade máxima desejada e de brecha crítica. No que diz respeito à demanda veicular, foi coletada uma matriz OD com 42 zonas e aproximadamente 10 mil viagens no período de pico analisado. As informações de transporte público, obtidas junto à ETUFOR, foram os itinerários, os pontos de parada e os headways das 17 linhas de ônibus que passam pela rede. A brecha crítica observada foi de 4,5 segundos, e a velocidade máxima desejada foi de 40 km/h, valor este inclusive utilizado pelo CTAFOR no dimensionamento das progressões semafóricas de tempo fixo por banda de passagem em período de baixa demanda. Os dados das variáveis de saída utilizadas na validação (tempo de viagem médio e fluxo nos arcos internos da rede em períodos de 15 minutos) e os dados de programação semafórica foram obtidos pelo banco de dados do sistema SCOOT. Depois da coleta e consolidação dos dados, a rede foi codificada. Antes de simulá-la com os parâmetros em default, foi executado o modelo de alocação de tráfego do VISSIM. A alocação é feita de forma iterativa, ou seja, os usuários escolhem suas rotas baseados nos custos de viagem experimentados nas iterações anteriores, segundo um modelo de equilíbrio estocástico do usuário. O critério de parada para a convergência foi a diferença dos tempos de viagem entre os pares OD de iterações subsequentes ser menor do que 15%, que aconteceu em 6 iterações. Ainda nesta etapa de alocação, foi realizada uma verificação das três melhores rotas escolhidas pelo modelo entre os principais pares OD, concluindo-se que estas estavam condizentes com as rotas observadas em campo. Neste primeiro momento de verificação da rede, optou-se por manter todos os parâmetros do simulador com seus valores default, inclusive o de brecha crítica (3,0 s) e velocidade máxima desejada (60 km/h), como também não incluir os veículos de transporte público. A simulação resultou num EPAM de 29%. Ao se avaliar o erro de cada via individualmente, percebeu-se que os tempos de viagem simulados eram menores que os valores de campo, em particular nas vias secundárias. Esta maior fluidez da rede simulada pode ser explicada pela menor impedância causada pela ausência do transporte público e pelos valores default de brecha crítica e de velocidade média desejada serem menores do que os valores observados em campo. Em seguida, foram inseridos na simulação os veículos de transporte público e os valores coletados de brecha crítica e de velocidade máxima desejada. Após estas alterações, foram realizadas 30 replicações que resultaram num EPAM com média de 13%, e desvio padrão de 1%. Como este é um erro satisfatório para uma rede com modelos comportamentais não calibrados, partiu-se para a fase de calibração. 4.5.2.Calibração A seleção dos parâmetros do VISSIM a serem calibrados baseou-se em trabalhos anteriores realizados pela equipe do projeto. Ao contrário do procedimento manual adotado para a via arterial, nesta aplicação para a rede reticulada decidiu-se calibrar os parâmetros por meio de um Algoritmo Genético (AG). Foram realizadas análises de sensibilidade para obter uma melhor configuração do AG, ou seja, uma melhor escolha dos valores dos seus parâmetros e seus operadores genéticos. Para a escolha dos valores dos parâmetros do AG, foram conduzidos experimentos para se avaliar o efeito de alguns parâmetros no erro de calibração. Incialmente, foram testados quatro cenários, variando-se tamanho da população em dois níveis (10 e 30 indivíduos) e a diversidade também em dois níveis (1 e 2). Os outros parâmetros foram mantidos constantes: número máximo de gerações (30), taxa de mutação (30%) e taxa de predação (20%). O AG se mostrou razoavelmente melhor com um maior número de indivíduos. Percebeu-se também que inserindo diversidade a cada duas gerações foi possível atingir um erro menor comparado aos erros gerados nos outros cenários. Esse

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resultado corrobora com a orientação de que os operadores genéticos sejam aplicados em gerações não subsequentes para que o efeito destes sejam assimilados pela população. Continuando a busca pelo conjunto de valores dos parâmetros do AG, fixou-se a diversidade em 2, foram variadas as taxas de mutação (10% e 30%) e, novamente, o número de indivíduos (10 e 30), com os demais parâmetros sendo mantidos constantes. Resolveu-se testar novamente o número de indivíduos com os novos valores de predação porque um número mais baixo de indivíduos reduziria em um terço o esforço computacional desprendido na calibração. A melhor convergência se deu utilizando o maior número de indivíduos e a menor taxa de mutação. Um baixo valor da taxa de mutação previne uma convergência prematura, porém, prejudica a busca por uma solução ótima global, pois reduz a capacidade do algoritmo de explorar o intervalo de busca. Porém, o valor da taxa de mutação fixado em 10% garantiu uma melhor solução para o problema em questão. Em resumo, os valores dos parâmetros do AG que resultaram no melhor desempenho, ainda que marginal, foram: número de indivíduos = 30; número de gerações = 30; diversidade = 2; taxa de mutação = 10% e taxa de predação = 20%. Com esta configuração, o algoritmo convergiu para um valor de erro de, aproximadamente, 8% em apenas cinco gerações. É importante notar que em todas as oito configurações analisadas, o algoritmo convergiu a partir da 12ª geração para valores de erro similares aos da 30ª geração, os quais ficaram entre 8,1% e 9,5%, valores considerados próximos. O último passo antes de iniciar a etapa de validação é uma pré-avaliação do melhor indivíduo, que consiste numa avaliação qualitativa do valor calibrado de cada parâmetro. A Tabela 3 mostra os valores calibrados e os valores default dos 10 parâmetros de calibração da rede. Percebe-se que os parâmetros CC4, CC5, CC6 e MD apresentaram as maiores diferenças entre os valores calibrados e default.

Tabela 3: Valores default e otimizados dos parâmetros do VISSIM. PARÂMETROS

CC0 CC1 CC2 CC3 CC4 CC5 CC6 MH SD MD Default 1,5 0,9 4,0 -8,0 -0,4 0,4 11,4 0,5 0,6 -3,0 Calibrado 0,5 0,2 1,5 -15,0 -2,0 2,0 2,1 0,5 0,2 -9,0

Os valores calibrados de CC0 e CC1 são muito baixos, implicando em espaçamentos, em regime de following bem menores do que os observados em campo. É importante perceber que os valores dos parâmetros para a via arterial, coletados em campo (ax = 1,9) e calibrados com base no fluxo de saturação (bx_add = 6,0 e bx_mult = 6,0), foram bem maiores. Isto mostra que a calibração dos parâmetros baseada simplesmente no método de busca automatizada, com diversos parâmetros calibrados simultaneamente com base em uma única medida-alvo, pode resultar em soluções divergentes da realidade. Mais detalhes acerca da interpretação dos parâmetros de car-following do VISSIM podem ser encontrados em Lacerda e Castro Neto (2014). Quanto à modelagem dos pedestres, a metodologia para obtenção de dados em campo resultou em distribuições de frequências para os valores dos parâmetros de brecha frontal e brecha traseira, com médias 2,2 e 2,6s, aproximadamente. A distribuição da primeira variável foi aproximada pela função de probabilidade log-logística, e a segunda pela distribuição Gama (Jacobsen, 2011; Jacobsen e Cybis, 2011). 4.5.3.Validação Para a fase de validação, optou-se por ter a medida de desempenho tempo de viagem médio desagregada por arco e por intervalos de 15 minutos. Além desta medida de desempenho, avaliou-se também a capacidade do modelo em estimar a variável fluxo (veíc/h), também desagregada por arco e por períodos de 15 minutos. Assim, esta medida de desempenho é mais desagregada espacialmente

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e temporalmente do que àquela utilizada na fase de calibração, o que é desejável, uma vez que na análise de validação a comparação dos valores observados e simulados deve ser mais rigorosa do que na fase de calibração. Além disso, a estimação destas variáveis desagregadas exige do modelo maior capacidade de representação do comportamento do tráfego na rede. As observações das medidas de desempenho para validação foram obtidas no banco de dados do sistema SCOOT, coletados no período do pico da tarde de dias típicos. Na comparação entre os dados simulados e observados para a variável tempo de viagem médio, o coeficiente de correlação amostral foi de r = 88% e o EPAM de 13%. Para a variável fluxo, foram obtidos um coeficiente de correlação amostral r = 74% e um EPAM de 18%. Os intervalos de confiança (95%) para a média das diferenças foram [0; 2] s/veículo e [-105; 210] veículos/h para o tempo de viagem médio e o fluxo, respectivamente. Os resultados indicam que a rede de microssimulação modelou satisfatoriamente os tempos de viagem médio nos arcos. Para a variável fluxo, percebe-se que há uma tendência de superestimação à medida que o fluxo aumenta. Uma possível causa para isto é a limitação do sistema SCOOT na estimação desta variável para períodos de congestionamento, pois o sistema perde qualidade de estimação quando a fila de veículos se estende para além do laço detector. Os esforços empreendidos neste objetivo específico resultaram em quatro dissertações de mestrado (Jacobsen, 2011; Tavares, 2011; Ayala, 2013; Medeiros, 2013), três artigos completos em anais de congresso (Ayala e Jacques, 2013; Medeiros et al., 2013; Lacerda e Castro Neto, 2014) e dois artigos em periódicos nacionais (Bessa e Setti, 2010; Jacobsen e Cybis, 2011). 5. MODELOS DE MATRIZES ORIGEM-DESTINO E DE ESCOLHA DE

ROTAS Na modelagem de redes viárias urbanas de grande porte, além dos esforços de calibração e validação dos meso e microssimuladores do tráfego veicular, é fundamental ter modelos do padrão dos deslocamentos na área de estudo (matrizes OD) e modelos comportamentais de escolha de rotas (incluindo suas funções de impedância) bem calibrados e validados. 5.1. Modelagem de matrizes OD sintéticas a partir de volumes de tráfego Neste projeto, o foco da pesquisa para obtenção de matrizes OD sintéticas com base em volumes observados na rede foi dividido em duas frentes principais. A primeira se apoia na premissa de que o fenômeno dos deslocamentos urbanos que gera o padrão de interação entre zonas de uma área de estudo tem baixa variabilidade em um determinado período de pico, entre dias úteis típicos, sendo considerado aproximadamente determinístico. Premissa esta adotada nos primeiros estudos de matrizes sintéticas realizados nas décadas de 1970 e 1980 para fins de planejamento estratégico. Já a segunda frente apoia-se no reconhecimento de que tal fenômeno é inerentemente estocástico. Dentro da primeira perspectiva, destacam-se, principalmente, os métodos de reconstrução que são em geral métodos de otimização que buscam encontrar uma matriz mais provável que gerou um dado conjunto de volumes. Na segunda frente, aplicam-se métodos estatísticos para estimação pontual e intervalar dos parâmetros do processo probabilístico adotado para o fenômeno de viagens. Portanto, considerou-se neste projeto que análises estratégicas e operacionais de redes de transportes podem se valer das duas perspectivas de interpretação do fenômeno (determinística e estocástica). Além disso, a partir da revisão dos modelos formulados e seus respectivos algoritmos de solução desenvolvidos nas últimas quatro décadas, levantou-se a hipótese de que, tanto nos esforços de reconstrução quanto de estimação, os métodos de inferência bayesiana parecem ser os mais adequados para combinar a informação prévia do padrão de deslocamentos com a informação atual dos volumes na rede em estudo.

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Modelagem Microscópica da Fluidez e da Segurança do Tráfego Veicular e de Pedestres nas Vias Urbanas Brasileiras

Para o desenvolvimento do sistema aqui proposto de modelagem da rede viária urbana, com foco inicial no problema de reconstrução de matrizes OD, verificou-se inicialmente a hipótese de que contagens de tráfego nas interseções da rede viária, ao invés de somente contagens nos arcos, reduz o grau de indeterminação e torna mais precisa a modelagem da matriz OD sintética (Bertoncini e Kawamoto, 2012). Foram realizados testes experimentais com o simulador TransCAD, avaliando-se cenários distintos de reconstrução da matriz OD sintética, de forma a verificar não apenas o efeito do uso das contagens nos nós, mas também da quantidade e distribuição destas contagens na rede. Em seguida, foi desenvolvido, implementado e avaliado um algoritmo de médias sucessivas aplicado à reconstrução da matriz sintética baseada em contagens de tráfego (Bertoncini et al., 2013). Foi realizado um experimento computacional para verificação do desempenho deste algoritmo, confrontando seus resultados com os provenientes do software TransCAD. As conclusões indicam que o método proposto foi capaz de gerar bons resultados, inclusive melhores que os do modelo implementado no TransCAD. Entretanto, em nenhum dos casos analisados foi possível reconstruir a matriz original com elevada precisão. Ao final, foram apontadas algumas questões de pesquisa que poderão contribuir para aplicações da modelagem da matriz OD sintética em redes congestionadas de transportes. A revisão da literatura e os trabalhos já desenvolvidos nortearam o planejamento de estudos experimentais de avalição da sensibilidade dos diversos métodos de reconstrução e estimação de matrizes OD. Estes estudos visam responder questões no que tange a: i) papel dos conceitos de reconstrução e estimação da matriz OD; ii) incorporação de informação prévia concernente à matriz OD, seja por meio de uma matriz OD semente, de dados de pesquisas complementares, ou do conhecimento do especialista; iii) modelo de escolha de rotas e alocação de viagens à rede; iv) forma funcional do modelo probabilístico; v) comportamento dinâmico do tráfego na rede; e vi) integração de modelos de estimação de OD sintéticas no processo de calibração de modelos de demanda por viagens. 5.2. Modelagem da escolha de rotas A modelagem da escolha de rotas em redes viárias urbanas tem como base a premissa de minimização de uma função de custo generalizado ou acessibilidade da rede (p.ex., função de custo com base em tempo de viagem e distância). Assume-se também que os indivíduos não têm pleno conhecimento sobre as características das alternativas de rotas e, assim, rotas menos atrativas dentro do conjunto de escolha podem ser usadas. Com base nestas premissas a escolha de uma dada alternativa é determinada a partir de modelo de probabilidade de escolha. No VISSIM, as probabilidades de escolha são pré-determinadas antes da simulação propriamente dita através de um processo iterativo. Adota-se um modelo do tipo LogitMultinomial, correspondendo à forma mais comum derivada da teoria de escolha discreta. Por meio de um processo iterativo de alocação de tráfego, as rotas alternativas para cada par OD são então geradas juntamente com as probabilidades de escolha. Vale dizer que este processo iterativo assemelha-se a uma alocação de equilíbrio estocástico do usuário, com diferença de que o nível de serviço da rede é medido por meio da microssimulação de cada veículo. O método de modelagem no VISSIM possui outros recursos para aprimorar o modelo, como, por exemplo, um módulo para modelar a correlação de atributos entre as rotas que compartilham os mesmos elementos da rede. Um estudo empírico com o objetivo de modelar o comportamento das escolhas de rotas para a realidade dos usuários em Fortaleza está em andamento. O estudo tem como objetivos específicos: i) identificar os principais fatores que afetam a escolha dos usuários; ii) formular e estimar um modelo dinâmico de escolha a partir de dados empíricos; e iii) analisar o equilíbrio da rede a partir dos modelos estimados. Para tanto, uma área de estudo já foi definida e a coleta de dados de escolha das

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

rotas pelos condutores, assim como as características de cada alternativa, já estão andamento. Os dados de escolha estão sendo observados através de um sistema de fiscalização eletrônica que coleta, entre outras informações, os instantes de passagem e a placa dos veículos em pontos específicos da rede. Espera-se com este estudo calibrar um modelo que represente bem o comportamento dos usuários e o efeito da dinamicidade nas decisões de escolha em redes urbanas congestionadas. Os esforços de modelagem de matrizes OD e de escolhas de rotas já realizadas até o momento resultaram em uma dissertação de mestrado (Maia, 2013), uma tese de doutorado (Bertoncini, 2010), três artigos em congressos nacionais (Bertoncini e Kawamoto, 2011; Pitombeira Neto et al., 2011; Bertonciniet al., 2012) e um internacional (Carvalho e Loureiro, 2010), além de duas publicações em periódicos (Bertoncini e Kawamoto, 2012; Bertoncini et al., 2013). 6. CALIBRAÇÃO DE INDICADORES DO DESEMPENHO DA SEGURANÇA VIÁRIA Como previsto na metodologia, foram analisadas as relações entre colisões traseiras observadas em campo e conflitos de tráfego simulados, refletidos por três medidas de desempenho de segurança (SPM – safety performance measures): tempo para a colisão (TTC – time to collision); taxa de desaceleração para evitar a colisão (DRAC – deceleration rate to avoid the crash); e o índice de potencial para acidentes (CPI - crash potencial index). Três interseções semaforizadas e isoladas de vias arteriais da cidade de Fortaleza foram selecionadas para esta análise. Foram coletados três anos de dados de acidentes (2007-2009) para quatro horas do período da manhã (7h-11h) e foram comparados com o número de conflitos de tráfego estimado por um experimento de simulação microscópica. Os resultados indicaram que todas as SPM testadas foram capazes de capturar diferenças no número de acidentes entre os três locais de estudo, sugerindo um grande potencial para aplicação destas variáveis proxy para a modelagem da segurança. Esta análise resultou em uma dissertação de mestrado (Souza, 2012), uma publicação em anais de evento internacional (Souza, 2011) e dois artigos em periódicos (Cunto e Loureiro, 2011; Souza et al., 2012). 7. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DO PROJETO Até o presente momento, o projeto de pesquisa aqui relatado resultou nas seguintes publicações científicas: Aquino, E. A. (2012) Validação do Modelo Mesoscópico de Tráfego do SCOOT para o desenvolvimento de Redes

Viárias Urbanas Microssimuladas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará.

Aquino, E. A., M. M. Castro-Neto e C. F. G. Loureiro (2013) Avaliação dos Efeitos de Erros de Calibração do Sistema SCOOT na Modelagem Mesoscópica do Tráfego Urbano. XXVII Congresso Anual da Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes - ANPET, Belém, Pará.

Ayala, R.J. (2013) Procedimento para Identificação dos Principais Parâmetros dos Microssimuladores a serem considerados no Processo de Calibração. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Transportes, Universidade de Brasília.

Ayala, R.J. e M.A.P. Jacques. (2013) Procedimento para Identificação dos Principais Parâmetros dos Microssimuladores para o Processo de Calibração. XXVII Congresso Anual da Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes - ANPET, Belém, Pará.

Bertoncini, B.V.; C.F.G. Loureiro e E. Kawamoto (2012) Verificação do Desempenho do Método de Médias Sucessivas para Reconstrução da Matriz Origem-Destino Sintética. Artigos Científicos (DVD) do XXVI Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes. ANPET - Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes, Joinville, SC.

______ (2013) Proposta e Avaliação de Algoritmo de Médias Sucessivas para Reconstrução da Matriz Origem-Destino Sintética. Revista Transportes (Rio de Janeiro), v. 21, n. 2, p. 21-29.

Bertoncini, B.V. e E. Kawamoto (2012) Modelagem da matriz OD sintética a partir dos volumes observados nas interseções da rede de transportes. Revista Transportes (Rio de Janeiro), v. 20, n. 2, p. 75-83.

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Modelagem Microscópica da Fluidez e da Segurança do Tráfego Veicular e de Pedestres nas Vias Urbanas Brasileiras

Bessa Jr., J. E. e J. R. Setti (2010) Produção de dados de tráfego sintéticos através de algoritmo genético e simulação microscópica. Revista Transportes (Rio de Janeiro), v. 18, p. 13-24, 2010.

Carvalho, L.E.X. e C.F.G. Loureiro (2010) A Bayesian Multinomial-Poisson Simplified Model for Network Traffic Inference based on Link Count Data.12th WCTR – World Conference on Transport Research, Lisboa, Portugal.

Cunto, F.J.C. e C.F.G. Loureiro (2011) O Uso da Microssimulação na Avaliação do Desempenho da Segurança Viária. Revista Transportes (Rio de Janeiro), v. 19, p. 5-11.

Jacobsen, A.C. (2011) Microssimulação da travessia de pedestres. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Jacobsen, A.C. e H.B. Cybis (2011) Microssimulação da travessia de pedestres: coleta de dados para calibração de modelos. Revista Transportes (Rio de Janeiro), v.19, n.2, p. 78-86.

Lacerda, V. M. e M. M. Castro-Neto. (2014) Considerações sobre a Calibração do Modelo de Car-Following do Vissim para Vias Arteriais Urbanas. XXVIII Congresso Anual da Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes - ANPET, Curitiba, Paraná.

Maia, C. A. (2013). Modelagem de Redes Multimodais Integradas de Transporte Público Urbano: Discussão Conceitual e Aplicada. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará.

Medeiros, A.; M. M. Castro-Neto; C. F. G Loureiro e J. E. Bessa Jr. (2012) Aplicabilidade de Algoritmos Genéticos para Calibração de Redes Viárias Urbanas Microssimuladas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará.

______ (2013) Calibração de Redes Viárias Urbanas Microssimuladas Com o Uso de Algoritmos Genéticos. XXVII Congresso Anual da Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes - ANPET, Belém, Pará.

Pitombeira Neto, A.R.; B.V. Bertoncini e C.F.G. Loureiro (2011). Abordagem Bayesiana na Estimação de Matrizes Origem-Destino Sintéticas em Redes de Transportes. XXV Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes. ANPET Belo Horizonte, MG.

Souza, J.Q.; F. J. C. Cunto e M.W. Sasaki (2011). Comparing Simulated Road Safety Performance to Observed Crash Frequency. In: 3rd International Conference on Road Safety and Simulation - RSS, 2011, Indianápolis. Proceedings of the 3rd International Conference on Road Safety and Simulation - RSS, 2011.

Souza, J.Q. (2012). Modelagem Microscópica Aplicada na Avaliação do Desempenho da Segurança Viária em Interseções Urbanas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará.

Souza, J.Q.; F. J. C. Cunto e M.W. Sasaki (2012). Comparação entre indicadores proxy sintéticos de segurança viária e acidentes de trânsito. Revista Transportes (Rio de Janeiro), v. 20, p. 62-70,

Tavares, D. M (2011) Método para análise de polos geradores de viagens utilizando ferramentas de microssimulação. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Transportes, Universidade de Brasília.

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SOLUÇÃO PARA DESLOCAMENTO DE VEÍCULOS AUTÔNOMOS BASEADO EM GPS-RTK 4

Marcio Henrique Kopke

Anderson Morais Mori Daniel Chin Min Wei

Edvaldo Simões da Fonseca Junior

Universidade de São Paulo – Escola Politécnica Departamento de Engenharia de Transportes

RESUMO Este artigo apresenta um método de posicionamento relativo para veículos autônomos. O estudo dos veículos autônomos cresceu drasticamente nos últimos tempos. No veículo uma função de grande importância para o seu deslocamento autônomo é a sua localização. Através de uma biblioteca de código aberto, de um receptor GPS e dos dados obtidos de um sistema de estações de referência é possível realizar um posicionamento RTK. ABSTRACT This paper provides a method of relative positioning for autonomous vehicles. The study of autonomous vehicles has grown dramatically in the last years. In the vehicle a role of great importance for its autonomous movement is its location. Through an open source library, a GPS receiver and data obtained from a reference station it is possible to perform an RTK positioning..

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO As pesquisas na área de veículos autônomos estão se tornando cada vez mais frequentes, com empresas apresentando tecnologias que mostram que os veículos sem motorista não estão longe de se tornarem realidade. Muitas dessas empresas já conseguiram autorização em alguns estados americanos para que seus veículos possam trafegar nas suas ruas e estradas. Nos veículos sem motorista é essencial o deslocamento de forma precisa, fazendo-se necessário a utilização das recentes tecnologias de posicionamento. Algumas das vantagens da utilização de novas tecnologias de posicionamento se referem à praticidade e à rapidez quando comparadas aos métodos clássicos. Outro aspecto relevante é a precisão obtida e a distância alcançada entre as estações levantadas com o sistema Global Navigation Satellite System (GNSS), dependendo do receptor utilizado. Neste último aspecto, podem-se atingir distâncias de algumas centenas de quilômetros com precisão melhor que 10 cm (Guandalini, 2012). A popularização e desenvolvimento do sistema GNSS foi acompanhada pela redução de custo dos receptores. Tal situação tem criado novas oportunidades de investimentos na engenharia, na construção civil, nos levantamentos topográficos, na implantação de projetos e no mapeamento (Guandalini, 2012). O método de levantamento atual com maior produtividade e acurácia é a técnica Real Time Kinematic (RTK), que significa em português, cinemático em tempo real. Isso representa uma inovação tecnológica que favorece o aumento de produtividade em campo, seja nos levantamentos topográficos ou nos trabalhos de implantação de pontos em obras de infraestrutura. Essa evolução se justifica pelo fato de que nesse método de levantamento se obtêm coordenadas com precisão centimétrica em tempo real (Guandalini, 2012). Este artigo visa mostrar a importância do posicionamento RTK para veículos autônomos, bem como a sua utilização através de ferramentas de baixo custo. São também mostrados resultados de testes realizados de forma a validar a solução proposta. 2. SISTEMAS DE POSICIONAMENTO Posicionar um objeto nada mais é do que lhe atribuir coordenadas. Embora, atualmente, esta seja uma tarefa que pode ser realizada com relativa simplicidade, utilizando-se, por exemplo, satélites artificiais apropriados para este fim, determinar a posição foi um dos primeiros problemas científicos que o ser humano procurou solucionar (Monico, 2008). 2.1. Sistemas de Posicionamento por Satélite Para obter as coordenadas de um receptor GNSS o sistema deve possuir as informações das coordenadas e sistema de tempo dos satélites. Essas informações são enviadas pelos satélites através das efemérides transmitidas. Caso a necessidade da determinação da posição não seja instantânea podem-se obter correções através de diversos centros de analises. 2.1.1. Fase da onda da portadora A fase da onda da portadora é uma observável muito mais precisa que a pseudodistância. A observável é calculada através da diferença entre a fase do sinal transmitido pelo satélite, recebido no receptor, e o sinal gerado no receptor, ou seja, o sinal que inicialmente foi produzido pelo satélite (Monico, 2008). No receptor é medida a parte fracional da portadora, assim é possível calcular o número de ciclos, obtendo a medida de distância com precisão da ordem de 1/1000 ciclo (Monico, 2008).

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Solução para Deslocamento de Veículos Autônomos Baseado em GPS-RTK

2.1.2. Posicionamento relativo cinemático O posicionamento relativo cinemático em tempo real (RTK) é utilizado quando se necessita conhecer as coordenadas no mesmo momento do levantamento. Nesse caso, os dados coletados na estação de referência têm de ser constantemente enviados para o receptor, formatados no protocolo de comunicação RTCM (Radio Technical Commission for Maritime Services). Essa transmissão é realizada através de enlace de rádio, sendo o alcance deste meio de comunicação o limitador da distância máxima entre as estações (linha de base). A transmissão pode ser realizada também através de uma conexão GSM (Global System for Mobile Communication), fazendo com que a linha de base possa ser aumentada de forma significativa. Uma opção muito utilizada para este caso é o NTRIP (Network Transport of RTCM via Internet Protocol) (Gonçalves, 2011). 2.2. RBMC-IP O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) através da RBMC-IP (Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS) disponibiliza correções para serem utilizadas no posicionamento a partir de estações de referência distribuídas pelo Brasil. Nas aplicações geodésicas e topográficas do GNSS está implícita a utilização do método relativo, isto é, ao menos uma estação de coordenadas conhecidas é também ocupada simultaneamente à ocupação dos pontos desejados. As estações da RBMC desempenham justamente o papel do ponto de coordenadas conhecidas pertencentes ao Sistema Geodésico Brasileiro (SGB), eliminando a necessidade de que o usuário imobilize um receptor em um ponto que, muitas vezes, oferece grandes dificuldades de acesso. Além disso, os receptores que equipam as estações da RBMC são de alto desempenho, proporcionando observações de grande qualidade e confiabilidade (IBGE, 2014b). A transmissão dos dados é realizada da seguinte forma: um receptor GNSS envia continuamente mensagens RTCM até um servidor "caster" localizado no IBGE. Um usuário, com um aplicativo "cliente", tais como GNSS Internet Radio ou BNC (BKG NTRIP Client) e com uma conexão com a internet, se conecta ao servidor do IBGE e escolhe a(s) estação(ões) da RBMC-IP cujos dados ou correções diferenciais deseja receber. As correções são recebidas pelo receptor GPS (ou GNSS) do usuário através de uma porta serial padrão e desta forma obtêm-se as posições corrigidas (IBGE, 2014c). 3. METODOLOGIA DE ANÁLISE 3.1. RTKLIB O RTKLIB é um programa de código aberto para posicionamento simples e preciso, sendo capaz de suportar vários sistemas GNSS. Consiste em uma biblioteca portável, ou seja, pode ser utilizada em vários sistemas operacionais, pois está escrita em ANSI C. As principais características do pacote RTKLIB são descritos a seguir (RTKLIB, 2014): • Suporte a vários sistemas de posicionamento: GPS, GLONASS, Galileo, QZSS, BeiDou e SBAS; • Suporte a vários modos de posicionamento de tempo real e pós-processado: Simples,

DGPS/DGNSS, Cinemático, Estático, Moving-Baseline, Fixo, PPP Cinemático, PPP Estático e PPP Fixo;

• Suporte a vários protocolos: RINEX 2.10, 2.11 e 2.12 nas seguintes mensagens: OBS, NAV, GNAV, HNAV, LNAV e QNAV; RINEX 3.0 e 3.01 nas seguintes mensagens: OBS e NAV; RINEX 3.02 nas seguintes mensagens: OBS, NAV e CLK; RTCM versão 2.3, 3.1 e 3.2; BINEX; NTRIP 1.0; RTCA/DO-229C, NMEA 0183; SP3-c; ANTEX 1.4; IONEX 1.0; NGS PCV; SEM 2.0;

• Suporte a mensagens proprietárias de receptores GNSS: NovAtel: OEM4/V/6, OEM3, OEMStar e

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Superstar II; Hemisphere: Eclipse e Crescent; U-blox: LEA-4T, LEA-5T e LEA-6T; SkyTraq: S1315F; JAVAD: GRIL e GREIS; Furuno: GW-10 II/III; NVS: NV08C BINR;

• Suporte para recepção dos sinais externos através dos seguintes meios: Serial, TCP/IP, NTRIP, Arquivo de log local (gravação e playback) e FTP/HTTP (download automático);

• Disponibilidade de funções para processamento de sinais: funções para satélites e sistemas de navegação; cálculos com matriz e vetor; transformações de coordenadas; entrada e saída de dados; funções de debug; modelos de posicionamento; modelos atmosféricos; modelos de antenas; modelos das marés; modelos do geoide; RINEX; funções para efemérides e relógio; funções para tratamento de sinais dos receptores; RTCM; conversão para KML do Google Earth; SBAS; resolução de ambiguidade; posicionamento simples; posicionamento preciso; posicionamento pós-processado; servidor de RTK;

3.1.1. RTK-GNSS GNSS por posicionamento relativo cinemático é uma das formas mais precisas de posicionamento, com o qual é possível obter precisão de centímetros em tempo real. Normalmente a solução de RTK tem sido utilizada em aplicações para Geodésia, mas recentemente ela está se expandindo para varias áreas, como sistemas móveis de mapeamento, navegação precisa para veículos, agricultura de precisão, entre outras. Os receptores que possuem RTK normalmente são caros quando comparados aos receptores comuns para uso geral, sendo usados apenas em algumas aplicações. Por essa razão o RTKLIB foi criado, para que através de receptores de baixo custo o método RTK possa ser utilizado. 3.2. GSM/GPRS As inovações tecnológicas na área de telecomunicações têm causado grande impacto na utilização dos sistemas de posicionamento por satélite. Isso se deve, principalmente, à grande expansão dos serviços de comunicação na última década, com uma maior área de cobertura e um aumento da velocidade de transmissão de dados (Guandalini, 2012). Na década de 80, as chamadas de voz eram o serviço mais importante. Com isso o sistema GSM foi inicialmente projetado e otimizado para a transmissão de voz. Em meados da década de 90, no entanto, a importância da internet aumentou constantemente. Assim veio o GPRS, melhorando da norma GSM para o transporte de dados de forma eficiente, permitindo dispositivos sem fio acessarem a internet. Através do EDGE (Enhanced Datarates for GSM Evolution) foi possível melhorar velocidade e latência (Sauter, 2011). O UMTS é a terceira geração do sistema de telecomunicações sem fio e segue os passos dos sistemas GSM e GPRS. Desde que o sistema GSM foi padronizado na década de 80, um enorme progresso foi feito em muitas áreas de telecomunicações. O UMTS combina as propriedades do circuito comutado por voz com as propriedades da rede de dados de comutação por pacotes e oferece uma infinidade de novas possibilidades em comparação com os sistemas anteriores. O sistema UMTS não foi definido a partir do zero e sim reuso dos padrões GSM e GPRS (Sauter, 2011). 4. METODOLOGIA Para a realização dos testes foram escolhidos pontos do Sistema Geodésico Brasileiro na Raia Olímpica do campus da USP (Universidade de São Paulo) na cidade de São Paulo. Os pontos escolhidos para analise foram P1, P1A e P2A, cujas coordenadas segundo o IBGE são (IBGE, 2014a):

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Solução para Deslocamento de Veículos Autônomos Baseado em GPS-RTK

Tabela 1: Coordenadas dos pontos de referência (SIRGAS2000) Estação Pontos de referência Latitude Longitude 91607 P1 23 ° 33 ' 03,0482 " S 46 ° 43 ' 53,6793 "W 91625 P1A 23 ° 33 ' 02,8258 " S 46 ° 43 ' 54,1360 "W 91626 P2A 23 ° 33 ' 03,2028 " S 46 ° 43 ' 53,3616 "W

Os levantamentos foram realizados através do uso da técnica RTK/GSM. A estação de referência utilizada foi a ERA IP da POLI. Cuja coordenada segundo o IBGE é (IBGE, 2014a):

Tabela 2: Coordenadas da estação ERA IP da POLI Estação Pontos de referência Latitude Longitude 93800 ERA IP da POLI 23 ° 33 ' 20,3323 " S 46 ° 43 ' 49,1232 "W

Os testes realizados visam avaliar a qualidade do Sistema de Posicionamento proposto. Com a antena do receptor posicionado no topo do pilar se realizaram rastreios com duração de alguns minutos e os dados obtidos foram comparados com o valor da coordenada do respectivo pilar. Os testes foram conduzidos no dia 12/08/2014 com duração total de 2 horas. Para a recepção dos dados da portadora GPS L1, foi utilizado o receptor u-blox LEA-6T. 4.1. Módulo GPS u-blox LEA-6T O módulo LEA-6T faz parte de uma família de receptores GPS de alta performance. Esse receptor possui grande versatilidade e gama de funcionalidades, conectividade e baixo custo. O receptor GPS possui as seguintes características (u-blox, 2013): • 50 canais; GPS L1 e código C/A; SBAS: WAAS, EGNOS e MSAS; • Sensibilidade: Rastreio: -162 dBm; Cold Start: -148 dBm; Hot Start: -157 dBm; • Interfaces seriais: 1 UART; 1 USB V2.0 full speed 12 Mbit/s; 1 DDC (I2C compliant); • Suporte a antenas passivas e ativas; • Protocolos: NMEA 0183; UBX binário, proprietário u-blox; RTCM 2.3; Este módulo possui a funcionalidade de prover as informações dos dados brutos (raw data). Através da mensagem proprietária UBX-RAW é possível obter os dados de fase de portadora com ambiguidade de meio ciclo resolvida, código de fase e medidas de Doppler. Essas informações podem ser usadas em aplicações externas que oferecem posicionamento preciso, posicionamento cinemático em tempo real (u-blox, 2013). Para a utilização da biblioteca RTKLIB são necessárias apenas duas mensagens do protocolo proprietário da u-blox (u-blox, 2013): • RXM-RAW (Raw Measurement Data): milissegundos do tempo da semana GPS; número da

semana GPS; número de ciclos de fase da portadora L1; pseudodistância em metros; doopler em hertz; Space Vehicle Number; indicação de qualidade das mensagens de navegação; nível de sinal em dbHz; loss of lock indicator;

• RXM-SFRB (Subframe Buffer): número do canal; ID do satélite transmissor do Subframe; Words of Data;

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

5. RESULTADOS Nas próximas seções serão mostrados os dados coletados e os resultados obtidos através do rastreio realizado nos três pilares. O objetivo dos testes nos pilares é analisar a eficácia da solução RTK, comparando os dados obtidos com a coordenada do pilar. Os dados foram coletados a uma taxa de quatro coordenadas por segundo e para o cálculo da distância entre o ponto da solução e o ponto do pilar foi calculado através da equação de harvesine (Movable, 2014):

a = sin2 Δφ2 + cosφ1 ⋅ cosφ2 ⋅ sin2

Δλ2

c = 2 ⋅ atan2( √a,√(1 − a) ) d = R ⋅ c

em que:

• φ: latitude; • λ: longitude; • R: raio da terra (6.371 km); • d: distância entre os dois pontos;

5.1. Ponto P1 Experimento realizado entre 15h02m47s e 15h20m23s. Foram obtidas 4967 coordenadas com solução fixa. Para a obtenção dessas coordenadas com a biblioteca levou 51 segundos, rastreando entre 8 e 9 satélites. Na Tabela 3 encontram-se sumarizados os resultados obtidos.

Tabela 3: Teste realizado no pilar P1 Média 1,32 cm Desvio Padrão 0,51 cm Maior Valor 4,85 cm Menor Valor 0,45 cm

A distribuição dos pontos, bem como a sua distância ao ponto de referência, pode ser vista na Figura 1, na qual o ponto indicado pela seta representa o pilar P1. Na Figura 2 é possível visualizar a disposição dos pontos em relação à distância do ponto P1 em centímetros.

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Solução para Deslocamento de Veículos Autônomos Baseado em GPS-RTK

Figura 1: Dispersão dos pontos no pilar P1

Figura 2: Incidência das coordenadas no pilar P1

886

3795

166 77 430

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

0 1 2 3 4 5

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

5.2. Ponto P1A Experimento realizado entre 15h22m58s e 15h36m40s. Foram obtidas 3911 coordenadas com solução fixa. Para a obtenção dessas coordenadas com a biblioteca levou 36 segundos, rastreando entre 8 e 9 satélites. Na Tabela 4: Teste realizado no pilar P1A encontram-se sumarizados os resultados obtidos.

Tabela 4: Teste realizado no pilar P1A Média 1,54 cm Desvio Padrão 0,21 cm Maior Valor 2,17 cm Menor Valor 0,77 cm

A distribuição dos pontos, bem como a sua distância ao ponto de referência, pode ser vista na Figura 3, na qual o ponto indicado pela seta representa o pilar P1A. Na Figura 4 é possível visualizar a disposição dos pontos em relação à distância do ponto P1A em centímetros.

Figura 3: Dispersão dos pontos no pilar P1A

60

Solução para Deslocamento de Veículos Autônomos Baseado em GPS-RTK

Figura 4: Incidência das coordenadas no pilar P1A

5.3. Ponto P2A Experimento realizado entre 14h41m46s e 15h00m26s. Foram obtidas 4886 coordenadas com solução fixa. Para a obtenção dessas coordenadas com a biblioteca levou 2 minutos e 22 segundos, rastreando entre 8 e 9 satélites. Na Tabela 5 encontram-se sumarizados os resultados obtidos.

Tabela 5: Teste realizado no pilar P2A

Média 0,67 cm Desvio Padrão 0,36 cm Maior Valor 2,00 cm Menor Valor 0,01 cm

A distribuição dos pontos, bem como a sua distância ao ponto de referência pode ser vista na Figura 5, na qual o ponto indicado pela seta representa o pilar P2A. Na Figura 6 é possível visualizar a disposição dos pontos em relação à distância do ponto P2A em centímetros.

23

3844

44 0 00

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

4500

0 1 2 3 4 5

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 5: Dispersão dos pontos no pilar P2A

Figura 6: Incidência das coordenadas no pilar P2A

3914

971

1 0 00

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

4500

0 1 2 3 4 5

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Solução para Deslocamento de Veículos Autônomos Baseado em GPS-RTK

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo apresenta o uso da técnica de posicionamento RTK utilizando a biblioteca RTKLIB. Os testes foram realizados próximos à estação de referência. Para a que a biblioteca possa ser usada amplamente, devem ser realizados testes em que a estação de referência esteja distante mais de 100 quilômetros. Outro fator determinante é a rede de comunicação de dados móveis, pois em alguns dos testes ela se mostrou instável, não sendo possível receber as correções da estação de referência. Os resultados obtidos confirmam que com a utilização de um receptor GPS de baixo custo em conjunto com a biblioteca RTKLIB foi possível obter resultados na ordem de poucos centímetros. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Deus, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) pelo investimento nas pesquisas realizadas pelo EVA-GIGA (Processo 402393/2009-0), aos colegas do curso de mestrado do EVA-GIGA, à empresa Continental pelo apoio e suporte e ao nosso professor Edvaldo por todo apoio e confiança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Gonçalves, L. F. (2011) Desenvolvimento de navegação autônoma por GNSS. São Paulo: Dissertação de Mestrado -

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Transportes. Guandalini, M. (2012) Análise metodológica do posicionamento relativo através do GNSS e suas aplicações na

engenharia: uso da técnica RTK/GSM. São Paulo. IBGE (2014a) Banco de Dados Geodésicos. Acesso em 2014 de Julho de 2014, disponível em IBGE:

http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geodesia/bdgpesq_googlemaps.php ______ (2014b) RBMC - Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS. Acesso em Julho de 2014,

disponível em IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geodesia/rbmc/rbmc.shtm ______ (2014c) RBMC-IP - Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS em tempo real. Acesso em

Julho de 2014, disponível em IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geodesia/rbmc/ntrip/ Monico, J. F. (2008) Posicionamento pelo GNSS - Descrição, fundamentos e aplicações. São Paulo, Brasil: Editora

Unesp. Movable (2014) Calculate distance, bearing and more between Latitude/Longitude points. Acesso em Julho de 2014,

disponível em Movable Type Ltd: http://www.movable-type.co.uk/scripts/latlong.html RTKLIB (2014) RTKLIB ver. 2.4.2 Manual. Acesso em Julho de 2014, disponível em RTKLIB:

http://www.rtklib.com/prog/manual_2.4.2.pdf Sauter, M. (2011) From GSM to LTE : an introduction to mobile networks and mobile broadband. Wiley. u-blox (2013) LEA-6: u-blox 6 GPS Modules Data Sheet. Acesso em 2013 de Agosto de 2013, disponível em LEA-

6:http://www.u-blox.com/images/downloads/Product_Docs/LEA-6_DataSheet_%28GPS.G6-HW-09004%29.pdf Marcio Henrique Kopke ([email protected]) Anderson Morais Mori ([email protected]) Daniel Chin Min Wei ([email protected]) Edvaldo Simões da Fonseca Junior ([email protected]) Departamento de Engenharia de Transportes, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Av. Prof. Almeida Prado, Travessa 2, n° 83 - Cidade Universitária - São Paulo – SP - CEP: 05508-900

63

MODELOS DE PREVISÃO DE ACIDENTES DE TRÂNSITO EM VIAS URBANAS BRASILEIRAS − SÍNTESE DOS RESULTADOS OBTIDOS E MOTIVAÇÕES FUTURAS

5

Flávio José Craveiro Cunto

Universidade Federal do Ceará

Departamento de Engenharia de Transportes RESUMO Os modelos de previsão de acidentes atuam como importante ferramenta para o processo de tomada de decisão, permitindo a alocação de recursos para intervenções de engenharia de segurança viária de modo mais eficiente. Este documento apresenta uma descrição sucinta das atividades desenvolvidas no âmbito do projeto 402439/2009-0, Edital MCT/CNPq nº 18/2009 – PDI em Transportes com início em junho de 2010 e término previsto para dezembro de 2014, com ênfase nos principais resultados alcançados e possíveis perspectivas de trabalhos futuros na modelagem do desempenho da segurança viária. ABSTRACT Safety performance models serve as an important tool for the decision making process of allowing a more efficient allocation of resources for road safety engineering interventions. This document gives a brief description of the activities undertaken under the project 402439/2009-0, MCT/CNPq nº18/2009-PDI in Transportation commencing in June 2010 with completion scheduled for December 2014 with an emphasis on major achievements and possible future work on road safety performance modeling.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Este documento apresenta uma descrição das atividades desenvolvidas no âmbito do projeto 402439/2009-0, Edital MCT/CNPq nº 18/2009 – P&D&I em Transportes com início em junho de 2010 e término previsto para dezembro de 2014, com ênfase nos principais resultados alcançados e possíveis perspectivas de trabalhos futuros obtidos a partir do esforço de pesquisa ao longo dos últimos quatro anos e seis meses. A equipe de projeto foi composta por professores, alunos de pós-graduação e alunos de Iniciação Científica das seguintes universidades nacionais: Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), Universidade Estadual Paulista – Campus Bauru (UNESP), Universidade de Brasília (UNB). Além das instituições citadas, cinco universidades estrangeiras: Universidade do Minho e Universidade do Porto (Portugal), University of Waterloo (Canadá), Ryerson University (Canadá) e Lund University (Suécia), participaram como instituições colaboradoras no projeto. Este trabalho deverá ser parte integrante dos Anais do 2º Encontro Setorial de Pesquisa em Transportes, que ocorrerá em novembro de 2014 durante o XXVIII congresso da ANPET, em Curitiba. 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO Ao longo dos últimos 30 anos, o processo de urbanização evidenciado pela maioria das cidades brasileiras tem sido marcado pela dissociação entre o planejamento do uso do solo e sua interface com os sistemas de transporte, culminando com a rápida deterioração dos níveis de mobilidade nas metrópoles nacionais. Além do aumento do tempo médio das viagens, consumo de combustíveis fósseis e poluição ambiental, o aumento dos índices de acidentes de trânsito figura como um dos efeitos mais indesejáveis desse processo de urbanização desordenado. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), os acidentes de trânsito produzem mais de um milhão de vítimas fatais, além de 50 milhões de pessoas feridas em todo o mundo anualmente. No Brasil, somente nas rodovias federais, nos anos de 2004 e 2005, mais de 20 mil pessoas perderam suas vidas em virtude de acidentes de trânsito. O custo estimado dos acidentes ocorridos em um período de um ano no Brasil ultrapassa 20 bilhões de reais (Ipea, 2006). Os bancos de dados de acidentes de trânsito são componentes fundamentais no processo de avaliação do desempenho da segurança viária; entretanto, o potencial intrínseco de tais séries históricas tem sido pouco explorado, resumindo-se basicamente à produção de anuários estatísticos informativos e indicadores globais de segurança viária. Sob a ótica da engenharia de tráfego, o uso mais abrangente desse acervo deve procurar resolver duas questões fundamentais: 1) “Quais são os locais com os maiores riscos de colisões que justifiquem intervenções de engenharia de segurança viária (análise de pontos críticos)?”; 2) “Quais são as intervenções que produzirão a maior redução no risco de acidentes em relação ao investimento necessário para a introdução de tal melhoria (estudos do tipo antes e depois)?”. As questões anteriores são especialmente desafiadoras, tendo em vista os problemas relacionados ao emprego de bancos de dados, como baixos índices de reportabilidade, informações incompletas e incorretas, além de erros de entrada de dados (Davis, 2004; Hauer, 2002; Hirst et al., 2004). Além disso, sob a ótica metodológica, os acidentes de trânsito são considerados eventos aleatórios raros, e, desta forma, análises estatísticas tornam-se consideravelmente mais laboriosas e menos confiáveis, exigindo procedimentos especializados que considerem fenômenos como o da regressão à média, dispersão elevada nos dados, excesso de “zeros” e problemas na identificação de variáveis estatisticamente significantes (Lord, 2006; Miranda-Moreno, 2006; Abdel-Aty et al., 2005).

66

Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Vias Urbanas Brasileiras – Síntese dos Resultados Obtidos e Motivações Futuras

Os modelos de previsão de acidentes (MPA) ou funções de desempenho de segurança viária são modelos estatísticos de regressão que relacionam o número de acidentes de trânsito com atributos geométricos e de operação da via como: volume veicular, número de faixas de tráfego, número de aproximações, etc. Esses modelos são desenvolvidos através de técnicas estatísticas como a modelagem linear generalizada e lidam, com relativo sucesso, com a maioria dos problemas oriundos da natureza dos acidentes de trânsito (Hauer, 2002; Cunto, 2008). Neste contexto, os MPA atuam como importante ferramenta para o processo de tomada de decisão, permitindo a alocação de recursos para intervenções de engenharia de segurança viária de modo mais eficiente. Além disso, os MPA são utilizados na estimativa do desempenho operacional de segurança de medidas de engenharia, aumentando o grau de confiabilidade nos resultados destas análises, permitindo que seja superada grande parte das dificuldades relatadas, intrínsecas aos estudos observacionais. O objetivo geral deste projeto de pesquisa é desenvolver uma metodologia voltada à definição de modelos estatísticos de previsão de acidentes para interseções e segmentos de vias urbanas em cidades brasileiras, que possam ser empregados para o aperfeiçoamento do processo de avaliação do desempenho de medidas voltadas à promoção da segurança viária, além de atuar como ferramenta para a tomada de decisão no planejamento ou remodelagem de interseções e segmentos viários. Dentre os objetivos específicos do projeto, ressaltam-se: • Determinar as características geométricas e operacionais e atributos urbanos de uso do solo para

grupos homogêneos de interseções não semaforizadas, interseções semaforizadas e segmentos de vias arteriais urbanas nos municípios de Fortaleza, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte e São Carlos.

• Estimar a exposição veicular de cada entidade dos grupos homogêneos através do volume médio diário anual (VMDA).

• Promover a colaboração entre os gestores do tráfego das cidades localizadas na área de atuação das universidades partícipes e a equipe proponente visando à obtenção dos dados de acidentes de trânsito, além do desenvolvimento de procedimentos mínimos para garantir a compatibilidade entre as informações disponíveis e as informações necessárias ao andamento da pesquisa.

• Caracterizar o padrão dos acidentes de trânsito registrados em cada entidade dos grupos homogêneos nos últimos cinco anos usando informações disponíveis no banco de dados dos sistemas de informações de acidentes de trânsito dos municípios de Fortaleza, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte e São Carlos.

• Investigar o padrão de variabilidade nos acidentes através das técnicas de modelagem linear simples e modelagem linear generalizada.

• Desenvolver os modelos estatísticos de previsão de acidentes com base no padrão dos acidentes por grupo homogêneo (interseções não semaforizadas, semaforizadas e segmentos de vias arteriais) e para cada município isoladamente, utilizando, como variáveis independentes, a exposição veicular, além de outros atributos geométricos, operacionais e ambientais (uso do solo).

• Investigar a transferibilidade espacial dos modelos calibrados e validados entre os municípios participantes da pesquisa.

3. SÍNTESE DA METODOLOGIA A metodologia proposta para o desenvolvimento deste projeto de pesquisa foi composta das seguintes atividades: • Consolidação da base teórica sobre inferências estatísticas a respeito da distribuição dos acidentes

de trânsito, metodologias para a determinação de variáveis mais influentes no número de acidentes de trânsito, metodologias para a determinação do volume médio diário anual, a partir de

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

contagens de campo ou utilizando-se dados sobre o fluxo veicular obtidos em tempo real, técnicas de calibração e validação de modelos de previsão de acidentes e procedimentos para a avaliação da aplicação de modelos desenvolvidos em diferentes jurisdições.

• Caracterização dos grupos homogêneos a serem modelados – investigação das características geométricas, operacionais e ambientais de cada tipo de entidade de tráfego (interseções semaforizadas ou não e segmentos de vias arteriais) que influenciem diretamente na ocorrência dos acidentes de trânsito.

• Consolidação de um banco de dados visando à estimação do Volume Médio Diário Anual (VMDA) – apesar de uma das variáveis incluídas na caracterização, a inexistência de bancos de dados específicos para essa variável, além de sua importância no processo de modelagem, torna necessária a utilização de uma metodologia para a obtenção do fluxo veicular anual (VMDA) para as entidades dos grupos homogêneos. Foram analisadas as especificidades de cada município a respeito dos dados de fluxo veicular disponíveis através de contagens manuais sistemáticas ou não, ou por meio de contagens automatizadas utilizando-se laços detectores e outros dispositivos.

• Análise dos bancos de dados de acidentes de trânsito com foco na disponibilidade, nível de detalhamento e qualidade das informações existentes nos bancos de dados das cidades envolvidas no esforço de pesquisa. Essa etapa orientou o esforço de coleta de dados de acidentes de trânsito e a definição dos tipos de modelos de previsão possíveis para cada cidade.

• Calibração dos MPA: a partir da definição dos objetivos da modelagem, escolha das variáveis e definição da amostra, a calibração dos modelos compreendeu as etapas de estimação dos parâmetros dos modelos investigados, avaliação dos ajustes de resíduos e da aderência à distribuição estatística associada a erros e seleção do modelo mais adequado.

• Análise de sensibilidade dos modelos: se propõe a investigar o nível de variação das estimativas do modelo em função dos limites aceitáveis das variáveis preditoras e em função de aspectos relacionados à abrangência temporal dos modelos, i.e., avaliar a sensibilidade dos resultados em diferentes períodos anuais.

• Análise da transferência espacial de MPA entre jurisdições: em virtude das possíveis dificuldades relacionadas à aquisição de dados e desenvolvimento dos modelos, a transferência de modelos desenvolvidos em outras jurisdições pode ser uma alternativa menos onerosa do que o desenvolvimento de modelos específicos para cada localidade. Essa etapa analisou a validade espacial de modelos desenvolvidos em diferentes jurisdições com a utilização de uma adaptação da metodologia proposta no Highway Safety Manual.

4. PRINCIPAIS RESULTADOS ALCANÇADOS Os principais resultados obtidos em função das atividades que compuseram a metodologia serão descritos brevemente a seguir. 4.1. Consolidação da base teórica sobre os Modelos de Previsão de Acidentes Durante a consolidação da base teórica sobre os Modelos de Previsão de Acidentes realizou-se no período de 25 a 27 de novembro de 2010 um workshop internacional intitulado Traffic Safety Analysis and Safety Performance Modeling: Identification of Worldwide Best Practices, em Fortaleza/CE. O workshop teve como principais palestrantes os professores Frank Saccomanno (University of Waterloo/Canadá), Bhagwant Persaud (Ryerson University/Canadá) e Thomas Jonsson (Lund University/Suécia). O evento contou com a presença do coordenador, todos os professores-pesquisadores e colaboradores, com exceção do prof. Paulo Pereira, da Universidade do Minho/Portugal, e permitiu estabelecer e fortalecer parcerias internacionais, além de identificar várias questões de pesquisa a serem exploradas.

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Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Vias Urbanas Brasileiras – Síntese dos Resultados Obtidos e Motivações Futuras

Como consequência da revisão bibliográfica e das reuniões do grupo, Cunto e Nodari (2011) apresentaram uma síntese das principais etapas metodológicas para o desenvolvimento dos modelos de previsão de acidentes relatadas no artigo apresentado no XXV ANPET, realizado em Belo Horizonte, em novembro de 2011. Nesse contexto, o artigo pretendeu uniformizar e esclarecer alguns termos e procedimentos atualmente vigentes na área da modelagem de acidentes viários. 4.2. Consolidação de um banco de dados visando à estimação do Volume Médio Diário Anual (VMDA) Observou-se uma discrepância significativa entre os bancos de dados de fluxo veicular das cidades envolvidas nessa pesquisa. Em virtude dos diversos métodos de coleta (tecnologia, frequência e abrangência) e tabulação de dados que levem à estimativa do VDMA, os grupos de pesquisa locais envidaram esforços que variaram desde o estabelecimento de parcerias com os órgãos gestores para a análise dos dados ao estabelecimento de planos de contagem manual para amostras de entidades a serem modeladas. A diretriz geral adotada foi a de tentar minimizar novas contagens e aproveitar ao máximo contagens existentes. Desta forma, a seguinte questão geral sobre a variável fluxo veicular foi proposta aos participantes: “Como maximizar a quantidade de entidades (interseções e segmentos) a partir de estudos de tráfego efetuados em épocas distintas, utilizando-se técnicas de coleta variadas e com diferentes níveis de abrangência temporal (uma, quatro ou oito horas de duração)?” A estrutura disponível e disponibilizada nas respectivas jurisdições e as contagens complementares que permitiram a estimação de fatores de expansão do fluxo diário, semanal e sazonal culminando com a estimação do VDMA das seguintes entidades: • 101 interseções semaforizadas, 132 interseções não semaforizadas e 345 segmentos arteriais

urbanos em Fortaleza. • – 220 interseções semaforizadas em Belo Horizonte. • – 32 interseções semaforizadas ao longo de cinco anos de observações para a cidade de

Taquatinga (DF). Os resultados dessa etapa foram apresentados de forma detalhada em Barbosa et al. (2013). 4.3. Calibração dos Modelos de Previsão de Acidentes (MPA) A construção de modelos de regressão serve ao propósito fundamental de contribuir para identificar a natureza sistemática ou aleatória da influência de fatores relacionados a um determinado fenômeno (McCulagh e Nelder, 1989). Uma adaptação desse processo construtivo para o caso da segurança viária está proposta na Figura 1. Observa-se que, de maneira geral, os modeladores escolhem as variáveis preditoras utilizando critérios subjetivos com base na experiência sobre a influência da variável nos acidentes de trânsito ou ainda considerando aspectos do custo de coleta e disponibilidade de certos atributos. A Tabela 1 mostra a estatística descritiva das variáveis preditoras e dos acidentes de trânsito utilizados na calibração dos MPA para cada jurisdição. A expressão matemática definida para os modelos seguiu a formulação geral proposta em Hakkert et al. (1996), Sawalha e Sayed (2006), e AASHTO (2010):

𝑌𝑌 = 𝛼𝛼∏ (𝐴𝐴𝑖𝑖)𝛽𝛽𝑖𝑖𝑖𝑖 ∙ 𝑒𝑒∑ 𝛾𝛾𝑖𝑖𝐵𝐵𝑖𝑖 𝑖𝑖 + (∑ 𝛿𝛿𝑘𝑘𝐶𝐶𝑘𝑘𝑘𝑘 ) (1) em que:

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Y = número esperado de acidentes em um intervalo de tempo (ano); A, B, C = vetores de variáveis preditoras; α, β, γ, δ = parâmetros do modelo.

Figura 1: Metodologia proposta para a calibração de MPA

Inicialmente, as variáveis preditoras do vetor A são aquelas correspondentes à exposição como VDMA, comprimento do trecho, fluxo de pedestres, etc. No vetor de variáveis preditoras do tipo B observa-se principalmente a presença de atributos físicos e operacionais que alteram a probabilidade de ocorrência de acidentes ao longo de uma porção significativa da via, como número e largura de faixas de tráfego, presença de separador central, acostamentos, dentre outros. Finalmente, as variáveis da parte aditiva são aquelas que influenciam a ocorrência de acidentes de trânsito em pontos específicos de segmentos viários, como uma ponte estreita, entradas/saídas de lotes, retorno em nível, etc. (Hauer, 2004). Os parâmetros dos modelos foram estimados pelo método da máxima verossimilhança com o auxílio de ferramentas estatísticas. Nesse trabalho optou-se em utilizar o aplicativo estatístico R versão 2.13.0 (R, 2011). O R é um software livre que possui um grande número de pacotes de funções que podem ser acessadas via internet, como o MASS (para modelagem supondo binomial negativa) e o RODBC (para importação de dados de planilhas do Excel). Os modelos foram calibrados assumindo-se a distribuição binomial negativa dos erros. O grupo de pesquisa em Brasília (UnB) pretendia, inicialmente, usar a técnica de modelos lineares generalizados (MLG), adotando-se distribuição dos erros binomial negativa. No entanto, a revisão da literatura mostrou que para a base de dados disponível, dados observados ao longo do tempo para cada local (dados longitudinais ou dados em painel), a utilização dos MLG para dados com distribuição não normal ainda apresenta uma série de questões a serem resolvidas. Desta forma, os MPA desenvolvidos para essa jurisdição utilizaram a técnica de equações de estimação generalizada (generalized estimating equation GEE) para considerar uma possível dependência temporal entre os dados empregados.

Objetivo do estudo de segurança viária

Sistema de informações de

acidentes de trânsito

Atributos geométricos e operacionais

Avaliação dos Modelos

Não Satisfatório

Satisfatório

Escolha das variáveis e definição da amostra

Definição da expressão matemática

Estimação dos parâmetros do modelo

Aceitação do modelo

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Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Vias Urbanas Brasileiras – Síntese dos Resultados Obtidos e Motivações Futuras

Tabela 1: Estatística descritiva das variáveis por jurisdição

Variável Descrição Média Desv. pad. Mín. Máx.

BELO HORIZONTE: Interseções Semaforizadas*

vdma volume diário médio anual 39.211 21.975 2079 117.236 nfx número total de faixas – interseção 6 2 14 nap número de aproximações 3 0,7 2 5

YIF

acidentes com feridos e vítimas fatais (2007-2010) 4 3,0 0 24

BRASÍLIA: ** vdmaprinc VDMA via principal 34.039 28.769 10.204 248.161 vdmasec VDMA via secundária 7.226 8.312 202 37.669 vdma

41.265 33.765 10.416 285.830

nfxprinc Número de faixas – via principal 2,40 0,66 2 5 ctr 1 = interseção semaforizada

0 = não semaforizada 0,50 0,5 0 1

fe 1 = câmera de avanço semafórico 0 = sem câmera

0,40 0,49 0 1

Yit Número de acidentes interseção i ano t 2,22 3,16 0 13

FORTALEZA: Interseções Semaforizadas***

vdmaprinc - 23.583 7.850 8.047 44.312 vdmasec - 11. 735 5.267 641 28.563 vdma - 35.319 10.438 15.887 65.618 nfx - 5,8 1,4 4 12 nap - 2,7 0,6 2 4 cc 0 = sem separador central,

1 = na via principal 2 = em ambas as vias

0,7 0,6 0 2

YT Total de acidentes 7,5 7,7 0 48 YIF - 1,5 1,6 0 7 Interseções Não semaforizadas****

vdma - 17.424 8.375 1.040 41.984 nfx - 4,2 0,85 4 8 cc - 0,02 0,25 0 1 YT - 4,1 3,9 0 19 (*) amostra = 220 interseções, ano = 2007

(**) amostra = 32 interseções, anos = 2005 a 2010

(***) amostra = 101 interseções, ano = 2009

(****) amostra = 132 interseções, ano = 2007

A seguir são apresentadas as principais expressões encontradas para as diversas jurisdições:

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Interseções semaforizadas: Fortaleza: 𝑌𝑌𝑇𝑇 = 0,0051 × (𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣0,52) × 𝑒𝑒0,28×𝑛𝑛𝑓𝑓𝑥𝑥 (2)

Belo Horizonte: 𝑌𝑌𝐼𝐼𝐼𝐼2007 = 0,0064 × (𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣0,51) × 𝑒𝑒0,14×𝑛𝑛𝑓𝑓𝑥𝑥 (3) Brasília: 𝑌𝑌𝑡𝑡 = 𝑒𝑒−7,8724𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑝𝑝𝑝𝑝𝑖𝑖𝑛𝑛𝑝𝑝 × 𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑣𝑠𝑠𝑒𝑒𝑝𝑝

0,4583 (4)

Interseções não semaforizadas: Fortaleza: 𝑌𝑌𝑇𝑇 = 0,049(𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝐴𝑇𝑇0,46) (5)

De maneira geral, após a verificação inicial da significância de cada coeficiente do modelo (valor p), a qualidade e validade dos modelos foram avaliadas utilizando-se a estatística generalizada de Pearson χp

2, o parâmetro de dispersão σd (overdispersion parameter), o desvio escalonado Sp (scaled deviance), o critério de informação de Akaike (AIC) e o gráfico de resíduos acumulados (CURE plot) (McCullagh e Nelder, 1989; Bonneson e McCoy, 1993; Lord, 2000; Hauer, 2004). A Figura 2 apresenta o gráfico de resíduos acumulados para o MPA de interseções semaforizadas de Fortaleza (Equação 2).

Figura 2: Gráfico de resíduos acumulados – Interseções Semaforizadas de Fortaleza

Para modelos satisfatórios, o gráfico de resíduos acumulados (CURE plot) deve apresentar uma oscilação moderada e aleatória em torno de zero (“random walk”), além de permanecer confinado na envoltória de dois desvios-padrões (linha tracejada). Resultados similares foram obtidos para os modelos desenvolvidos para as outras jurisdições. O processo de calibração dos MPA para as cidades de Fortaleza, Belo Horizonte e Brasília está descrito em maiores detalhes em Claude (2011), Cunto et al. (2012), Barbosa et al. (2014). Nos esforços de calibração dos MPA são frequentemente encontrados estudos que utilizam séries históricas de três a seis anos de acidentes ocorridos nas entidades (segmentos, interseções, etc.) que compõem a amostra disponível (Bonneson e McCoy, 1993; Greibe, 2003; Persaud et al., 2002). Se, por um lado, a utilização de séries históricas mais longas pode ajudar a aumentar o tamanho da amostra disponível para a calibração ou elevar a média de acidentes observados (agregando-se os acidentes por um período maior de tempo), reduzindo o excesso de zeros, por outro, acrescenta-se um caráter longitudinal ao experimento, que não pode ser negligenciado. Desta forma, possíveis tendências temporais na ocorrência dos acidentes de trânsito de Fortaleza foram investigadas no âmbito dos segmentos arteriais urbanos.

-80-60-40-20

020406080

5.000 25.000 45.000 65.000 85.000

Res

íduo

s acu

mul

ados

VDMA

+2σd

-2σd

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Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Vias Urbanas Brasileiras – Síntese dos Resultados Obtidos e Motivações Futuras

Foram desenvolvidos MPA para uma amostra de 283 segmentos urbanos utilizando-se o número total de acidentes para os anos de 2007 a 2011. Os modelos foram calibrados com utilização dos modelos lineares generalizados (MLGs) e das equações de estimação generalizada (EEG). Dentre as estruturas assumidas para a correlação temporal ressaltam-se a independência temporal, a intercambiável, autorregressiva e a “indefinida” (não estruturada). Os resultados (Sobreira e Cunto, 2013) indicaram a superioridade relativa dos modelos desenvolvidos com os MLGs individuais para cada ano. Dentre os modelos desenvolvidos com a técnica dos EEG, ressalta-se que a suposição da estrutura de correlação independente resultou em modelos satisfatórios, reforçando indícios de independência temporal entre a série histórica de acidentes (2007 a 2011). 4.4. Análise da transferência espacial de MPA entre jurisdições O interesse na verificação da aplicabilidade de MPA desenvolvidos em jurisdições diferentes advém basicamente da necessidade de confirmação das diferenças no ambiente geral da segurança viária entre as duas jurisdições e, também, da possibilidade do desenvolvimento de modelos que possam ser utilizados de forma mais generalizada por uma região ou mesmo país. Com o objetivo de avaliar a transferência de MPA entre cidades brasileiras, modelos desenvolvidos para interseções semaforizadas das cidades de Fortaleza e de Belo Horizonte foram calibrados e, posteriormente, validados para um conjunto de dados de Porto Alegre. A amostra de calibração foi composta por 83 interseções e a de validação por 82 interseções; os acidentes de trânsito considerados ocorreram entre os anos de 2008 e 2010. A metodologia de calibração para a jurisdição de Porto Alegre seguiu uma variação da metodologia proposta no Highway safety Manual. A metodologia baseia-se na estimação do coeficiente Cx, o qual representa a razão entre os acidentes observados na nova jurisdição e os acidentes estimados com os modelos desenvolvidos em outras jurisdições (Fortaleza e Belo Horizonte). Um procedimento adicional foi efetuado para avaliar a adequabilidade do parâmetro de dispersão k da distribuição binomial negativa dos modelos e a dispersão observada nos dados da nova jurisdição (Porto Alegre). Os coeficientes de calibração encontrados foram Cx = 0,65 para o MPA de Fortaleza e Cx = 2,06 para o MPA de Belo Horizonte. É importante destacar que o modelo de Belo Horizonte foi desenvolvido considerando-se acidentes com vítimas como variável independente, enquanto o modelo de Fortaleza e os dados de calibração e validação de Porto Alegre incluíram também os acidentes com danos materiais. Sendo assim, os valores de Cx podem estar refletindo também essa característica que diferencia os bancos de dados usados. A análise visual entre os valores observados e previstos após a calibração (Figuras 3a e 3b) deixa aparente que o modelo calibrado de Belo Horizonte, de maneira geral, subestima os valores dos acidentes na região de poucos acidentes (até aproximadamente 12 acidentes), passando a superestimar depois disso (Figura 3b). Esse aspecto foi menos perceptível no modelo calibrado de Fortaleza (Figura 3a). Entretanto, observa-se que o modelo de Fortaleza apresenta-se mais disperso (em relação à reta de 45 graus), principalmente a partir de 12 acidentes em comparação ao modelo de Belo Horizonte.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

(a) (b)

Figura 3:Gráficos de frequência observada x frequência prevista pelos modelos de Fortaleza (a) e Belo Horizonte (b) calibrados para Porto Alegre

A avaliação da transferibilidade de tais MPA foi realizada a partir dos parâmetros de dispersão k da distribuição binomial negativa, escore z e MAD e das análises dos gráficos de frequências de acidentes previstas versus observadas e de resíduos acumulados. Os resultados dessa avaliação indicam que o modelo calibrado a partir da expressão de Fortaleza teve desempenho superior ao de Belo Horizonte. Essa aparente superioridade pode estar relacionada ao fato de os coeficientes de calibração das variáveis VDMA e número de faixas serem diferentes para representar todos os acidentes em vez de somente os acidentes com vítimas feridas e fatais, como foi o caso de Belo Horizonte.

Com base nos resultados desse estudo, acredita-se que a transferência de MPA entre diferentes jurisdições é uma alternativa que deve ser usada com parcimônia, sendo desejável investir esforços no desenvolvimento de modelos específicos para cada jurisdição. Embora o Cx tenha a finalidade de ajustar as diferenças de características entre as cidades/regiões para as quais o modelo foi desenvolvido e calibrado, fica-se limitado a explicar a acidentalidade com base nas variáveis adotadas no modelo desenvolvido. Assim, não é possível, na transferência, testar novas variáveis explicativas que poderiam ser mais eficientes na previsão dos acidentes destas novas jurisdições. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento e a utilização de MPA podem ser considerados tópicos relativamente recentes no estudo da segurança viária. Em decorrência disso, existem muitas questões sobre o tema ainda pouco discutidas e não suficientemente esclarecidas, mesmo no meio acadêmico, limitando o desenvolvimento das pesquisas nessa área. Nesse contexto, este projeto de pesquisa pretendeu contribuir para o conhecimento mais objetivo (menos intuitivo) das relações entre os fatores contribuintes dos acidentes de trânsito, e a frequência e severidade desses eventos ampliam sobremaneira a aplicação de bancos de dados de acidentes de trânsito em estudos de segurança viária. Espera-se, com esta pesquisa, a formação de uma massa crítica sobre o processo de decisão do gerenciamento da segurança viária baseado em estudos empíricos formais atuando em duas linhas de questionamento: 1) “Quais são os locais (entidades) em uma determinada malha viária candidatos a intervenções de engenharia que venham a minimizar o risco de ocorrência de acidentes de trânsito com o menor custo possível?”; 2) “Qual o impacto de diferentes intervenções de engenharia de segurança no desempenho da segurança viária de interseções e segmentos de vias urbanas?”. O processo de desenvolvimento do projeto apresentou alguns desafios de ordem operacional e metodológica. Dentre os principais problemas encontrados ressaltam-se:

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Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Vias Urbanas Brasileiras – Síntese dos Resultados Obtidos e Motivações Futuras

• Discrepância significativa entre os bancos de dados de fluxo veicular das cidades envolvidas nesta

pesquisa, em virtude dos diversos métodos de coleta (tecnologia, frequência e abrangência) e tabulação de dados que levem à estimativa do VDMA.

• Diferenças significativas entre a dinâmica de interação entre as universidades e os órgãos gestores de trânsito em relação ao fluxo de informações sobre os acidentes de trânsito.

• Diferenças entre qualidade, quantidade, tipo de informação e disponibilidade das informações sobre os acidentes de trânsito em cada cidade envolvida.

Como sugestões para trabalhos futuros, recomenda-se: • Ampliação da rede de cidades envolvidas na modelagem da segurança viária para a criação de um

repositório de informações sobre os modelos de previsão de acidentes. • Criação de uma base de dados nacional unificada sobre acidentes de trânsito, integrada com

outros bancos de dados, principalmente aqueles relativos aos atributos geométricos e operacionais do sistema de circulação.

• Desenvolvimento de modelos de previsão de acidentes para o ambiente rodoviário rural. • Avaliação da aplicabilidade da metodologia de análise da segurança viária apresentada no HSM −

Highway Safety Manual para o ambiente viário nacional. • Avaliação de técnicas de modelagem mais avançadas, utilizando-se a abordagem Bayesiana

Empírica e completa na avaliação do desempenho da segurança viária.

6. PRODUÇÃO ASSOCIADA AO PROJETO O projeto de pesquisa permitiu a consolidação de diversas parcerias de pesquisa, culminando com a consolidação de um grupo de pesquisa nacional em modelagem estatística do desempenho da segurança viária. De forma mais específica, os resultados do projeto estão divulgados em diversos periódicos nacionais e internacionais. A seguir apresenta-se uma lista com os indicadores da produção associada ao projeto: • 5 artigos publicados em periódicos, sendo 2 artigos em periódicos Qualis A1. • 17 artigos apresentados e publicados em Anais de Congresso e 4 aceitos para publicação em anais

de congressos. • 1 tese de Doutoramento concluída e 3 em andamento. • 4 dissertações de Mestrado concluídas e 4 em andamento. • 11 trabalhos de iniciação científica concluídos e 2 trabalhos em andamento. • 2 trabalhos de conclusão de curso concluídos.

Dentre os artigos enviados para o Congresso da ANPET, houve a premiação pela Confederação Nacional do Transporte. Trabalho de 04 trabalhos nos anos 2013, 2011 e 2010.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

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Cunto, F. J. C. (2008) Assessing Safety Performance of Transportation Systems using Microscopic Simulation. PhD Thesis. University of Waterloo, Canadá.

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Flávio José Craveiro Cunto ([email protected]). Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará. Campus do PICI, s/n. – Bloco 703 – CEP. 60455-760 – Fortaleza, CE, Brasil.

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ARQUITETURA PARA DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS ASSISTIVAS EM UM VEÍCULO DE PASSEIO COMERCIAL – PROJETO SENA

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Ingrid Lorena A. Pedraza, John Faber A. Diaz

Jorge Pablo Moraga Galdames Marcelo Becker

Universidade de São Paulo - USP

Escola de Engenharia de São Carlos - EESC Departamento de Engenharia Mecânica - SEM

Grupo de Mecatrônica – Laboratório de Robótica Móvel (LabRoM) RESUMO De acordo com a Organização Mundial de Saúde acidentes de trânsito causam a morte de cerca de 1,3 milhões de pessoas a cada ano e ferem de 20 a 50 milhões. Nesse cenário, os custos relacionados com os acidentes, para a maioria dos países, pode atingir de 1 a 3% de seu PIB. A implementação de tecnologias assistivas em veículos comerciais pode diminuir essas estatísticas. Desta forma, neste trabalho, descrevemos um sistema de instrumentação para um veículo assistivo que recebeu aporte financeiro do CNPq, via projeto submetido ao CT Transporte (Projeto SENA - Sistema Embarcado de Navegação). O veículo protótipo tem embarcados diferentes sensores que são empregados para reconhecimento, percepção e localização. O estudo apresenta uma nova arquitetura, os modelos CAD do automóvel e dos instrumentos, e os testes de percepção, reconhecimento e localização do sistema assistivo por meio de fusão sensorial. ABSTRACT According to the World Health Organization, road traffic accidents cause the death of nearly 1.3 million people every year, and injure 20-50 million more. In this scenario, injuries cost for most countries 1-3% of their gross national product. The assistive technologies implementation in commercial vehicles can decrease these statistics. This work describes an instrumentation system for an assistive car (Autonomous Embedded Navigation System - SENA project); different instruments are used for recognition, perception, and localization. The study presents its architecture, the CAD models of the car and instruments, and the tests carried out with the recognition, perception and localization assistive system using sensor fusion approaches.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Os acidentes de trânsito, nestes últimos anos, aumentaram a taxa de mortalidade não só em países como Brasil, mas, também, no mundo todo. A Figura 1 apresenta as estatísticas da WHO (World Health Organization) relativas às mortes em acidentes de trânsito no mundo. Para a análise dos índices de acidentes no Brasil, são usados como referência o DPVAT (Seguradora líder), o DATASUS (Departamento de Informática do SUS), e o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito). Na Figura 2, são apresentadas as estatísticas brasileiras comparativas sobre a quantidade de mortos em acidentes de trânsito de 2001 até 2013. Estas estatísticas podem ser usadas como fundamento para justificar o desenvolvimento de pesquisas na área de navegação assistida de veículos. Já há alguns anos, o desenvolvimento dos sistemas de navegação autônoma para os veículos terrestres é um importante tema de pesquisa para a indústria automotiva. Uma das principais razões é o fato de que, através do desenvolvimento de tais sistemas, pode-se reduzir o risco de acidentes de trânsito e, consequentemente, da mortalidade de motoristas, passageiros e pedestres. Nesse cenário, a análise das causas e das consequências dos vários tipos de acidentes pode permitir o desenvolvimento de sistemas autônomos e assistivos que diminuam tanto sua frequência como sua gravidade. Além disso, essas tecnologias podem ajudar pessoas portadoras de algum tipo de deficiência física e sensorial na condução do veículo, o que leva à melhora em sua qualidade de vida. Para se aprofundar um pouco sobre as necessidades que o projeto intenta cumprir, devem-se mencionar aquelas que são consideradas as principais causas de acidentes de trânsito, tais como: falta de atenção, fadiga, deficiências (visuais, auditivas, motoras, etc.), consumo de álcool, consumo de drogas, excesso de velocidade, desrespeito à distância mínima entre veículos, ultrapassagem indevida, falta de uso do cinto de segurança, de capacete, de proteção para criança, imprudência de pedestres, de ciclistas, de motociclistas, falha mecânica, mau tempo, más condições da estrada, entre outras. Os sistemas embarcados em veículos autônomos como os apresentados nesse trabalho, têm o intuito de reduzir a incidência de falhas humanas em acidentes de trânsito, permitindo ao motorista ter informações processadas adequadamente e em tempo real, de muitos sensores o que lhe permite tomar decisões com maior facilidade e segurança.

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Arquitetura para Desenvolvimento de Tecnologias Assistivas em um Veículo de Passeio Comercial – Projeto SENA

Figura 1: Taxa de mortalidade de transito estimada de 2010 (fonte: World Health Organization, 2013).

Figura 2: Estatísticas Brasileiras de mortos em acidentes de trânsito, segundo o DENATRAN, o DATASUS e o DPVAT. (Fonte: Vias seguras, 2014).

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A linha histórica de veículos autônomos começa com a concepção do primeiro sistema de controle feedback limitador de velocidade, que não foi utilizado em veículos até pouco tempo atrás. Inegavelmente, os avanços mais significativos foram feitos na área militar que, no caso dos EUA, contou com apoio maciço da DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), como mostrado em DARPA (2013). Atualmente, observam-se na literatura diversos projetos já consolidados nessa área. Alguns desses, como o Google Driveless Car (Komatsu et al., 1989) já têm mais de 320 mil km de testes sem se envolverem em qualquer tipo de incidentes. Também se deve citar aqui o desenvolvimento de sistemas eletrônicos embarcados, sejam eles assistivos ou não, como os “eSafety systems”(E-safetysystems,. 2013) (p.e.: freios ABS, controle de tração nas rodas, air-bags, controle de rolagem, detecção de pedestres, etc.).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Outro exemplo de projeto nessa área, foi o projeto SmartTer da ETH em Zurique que consistiu em um veículo de passeio Smart Car modificado para navegação autônoma. Esse veículo fez uma demonstração durante o ELROB 2006 na Alemanha (Lamon et al., 2006). No Brasil, diferentes grupos de pesquisa em universidades estão desenvolvendo pesquisas focadas nesse tipo de veículo. Dentre todos os grupos, observa-se que os projetos mais adiantados estão nas seguintes universidades: Universidade Federal do Espirito Santo - UFES, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, e USP. No Departamento de Engenharia Elétrica da UFES, há um veículo da GM, sendo que é a energia da bateria do automóvel que alimenta os computadores que atuam como condutor. Ele possui câmeras e sensores laser, capazes de fazer o monitoramento do que se passa ao seu redor. Um sistema de computadores embarcados dentro do veículo recebe essas informações, processa-as e toma as decisões para a sua navegação autônoma. Na Escola de Engenharia da UFMG há o Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Veículos Autônomos (PDVA). O veículo CADU (Sabbagh, 2009) é o seu protótipo. No projeto da UFMG foram combinados GPS, acelerômetros, que medem a aceleração do veículo, e giroscópio, para medir a velocidade angular. Além disso, o veículo conta com dispositivos externos, como câmeras de vídeo, sensores de distância a laser, e sensores ultrassônicos instalados de fábrica em alguns modelos convencionais (os sensores de marcha ré). Na USP, mais especificamente no Campus de São Carlos, são dois os projetos de carros autônomos. O CarINA (Carro Inteligente para Navegação Autônoma) que está sendo desenvolvido no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação - ICMC (Fernandez, 2012) e o Projeto SENA (Sistema Embarcado de Navegação) desenvolvido na Escola de Engenharia de São Carlos - EESC. O CarINA I é um veículo elétrico Club Car modelo Carryall 232, adaptado para o controle computacional de velocidade e esterçamento e instrumentado com sensores para localização e percepção. Já no CarINA II, tem-se um Fiat Palio Weekend cujo set-up de sensores é muito semelhante ao do Projeto SENA. Finalmente, tem-se o Projeto SENA que utiliza como plataforma experimental um Fiat Stilo Dual Logic (Andrade, 2011; Megda, 2011; Hernandes, 2012; Roncancio, 2014). 3. MATERIAIS E MÉTODOS A metodologia proposta para o desenvolvimento do trabalho é apresentada na Figura 3; na primeira parte do trabalho é apresentada uma revisão bibliográfica dos diferentes sistemas autônomos para veículos que existem e as tecnologias assistivas desenvolvidas até o momento encontradas na literatura. Após isso, foram feitos os desenhos CAD de cada um dos componentes do sistema que deveria ser embarcado no carro, com o intuito de planejar a distribuição dos componentes nos espaços disponíveis no carro. Para a coleta e processamento de dados sensoriais do ambiente, a plataforma utiliza os componentes embarcados indicados na Figura 4, os detalhes de cada componente são descritos nos itens de 3.1 a 3.6.

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Arquitetura para Desenvolvimento de Tecnologias Assistivas em um Veículo de Passeio Comercial – Projeto SENA

Revisão bibliográfica

Tecnologias assistivas

Estudo da instrumentação

Arquitetura CAD

Montagem Integração

Testes

Figura 3: Metodologia empregada no desenvolvimento do projeto.

3.1 LIDAR Velodyne HDL-32E O Velodyne HDL-32E é um sensor do tipo Light Detection And Ranging (LIDAR), uma tecnologia óptica de detecção remota que mede as propriedades da luz refletida de modo a obter a distância e/ou outra informação a respeito de um determinado objeto distante. O HDL-32E permite uma varredura do ambiente de amplitude completa (360°) utilizando 32 feixes de laser alinhados e com alcance de 1 m até 100 m, os quais formam um campo de visão vertical de +10,67° a -30,67°. A taxa de aquisição de 10 Hz fornece uma nuvem de pontos de até 700.000 pontos por segundo com uma precisão de +/- 2 cm e resolução angular de 1,33°.

Figura 4: Componentes embarcados no veículo de testes.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Na Figura 4, são apresentados os seguintes sensores: (1) LIDAR Velodyne HDL-32E, (2) LIDAR ibeo LUX (2x), (3) IMU sbg 500E-G4A2P1-S, (4) GPS Septentrio, (5) Câmera AVT Stingray F-033C e Câmera FLIR A15sc, (6) Odometria ABS (4x), (7) Plataforma de processamento, (8) Monitor LED industrial e (9) Fonte de alimentação auxiliar.

3.2 LIDAR ibeo LUX Os sensores ibeo LUX, também do tipo LIDAR, possuem o mesmo princípio de funcionamento do HDL-32E, porém apresentam uma especificação diferente. O campo horizontal do ibeo LUX é de +35° a -50° e o campo de visão vertical de 1,6° a -1,6° é formado por quatro feixes de laser simultâneos, seu diferencial em relação ao HDL-32E é o alcance de até 200 m e a melhor resolução angular vertical que é de 0,8°. A resolução na medição de distância é de 4 cm e a taxa de aquisição é ajustável para 12,5/25/50 Hz. Outro diferencial é sua característica de detecção de eco múltiplo, onde são realizadas até três medições por pulso de laser, a qual permite um excelente desempenho em condições meteorológicas adversas, tais como chuva e poeira. Algumas aplicações deste sensor incluem a detecção de obstáculos móveis, tal como pedestres, e sua utilização em sistema de parada de emergência. 3.3 GPS Septentrio O sistema GPS Septentrio é formado por um receptor de sinas GPS/GLONASS Septentrio AsteRx2eH OEM de dupla frequência que permite o uso de duas antenas Septentrio PolaNt* GG. O receptor fornece informações de posição, velocidade e orientação a uma taxa de aquisição de até 20 Hz. A precisão da orientação do veículo em função da distância das duas antenas é de 0,3° para o ângulo de direção e 0,6° para os ângulos de inclinação e rolamento. Já a precisão obtida para a posição sem o uso de sistemas auxiliares de navegação é de 1,3 m na horizontal e de 1,9 m na vertical. O sistema também possui uma interface gráfica (RxControl) para configuração, controle e monitoramento do receptor. 3.4 Câmera AVT Stingray F-033C A câmera AVT Stingray F-033C é equipada com interface FireWire IEEE1394b e fornece imagens RGB com resolução máxima de 656 (H) x 492 (V) pixels a uma taxa de até 84 fps na resolução máxima. A câmera possui diversas funções integradas de pré-processamento de imagens, que tornam a operação do equipamento flexível a uma grande variedade de aplicações. 3.5 Câmera térmica FLIR A15sc A câmera térmica FLIR A15sc trabalha com o protocolo GIGE Ethernet e fornece imagens com uma resolução de 320 x 256 pixels e uma taxa de até 60fps, tem uma sensibilidade térmica 0,05ºC. O fabricante fornece o software FlirTools+ que permite modificar as diferentes características da câmera para melhorar o reconhecimento de objetos. 3.6 Plataforma de processamento A plataforma de processamento embarcada é composta por uma rede de quatro computadores industriais Advantech ARK-3440 com processador Intel Core i7-610E 2.53 GHz fanless e 8 GB de memória RAM, sendo que três são equipados com um disco rígido de 1 TB e um com dois discos rígidos de 1 TB. Os PCs são conectados através de uma rede ethernet 10/100Mbps (TCP/IPv4) utilizando um roteador industrial Advantech EKI-4654R. A capacidade de processamento desta plataforma permite o teste de algoritmos complexos com maior confiabilidade, pois o alto poder de processamento embarcado reduz a probabilidade de ocorrência de delays durante o processamento dos algoritmos. Considerando que se trata de um veículo autônomo, o atraso no processamento da identificação de um obstáculo móvel, por exemplo, pode resultar em uma colisão. O Sistema Operacional (SO) instalado nos quatro PCs industriais é o Linux Ubuntu 14.04 Trusty Tahr LTS 64

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Arquitetura para Desenvolvimento de Tecnologias Assistivas em um Veículo de Passeio Comercial – Projeto SENA

bits. A escolha do SO deve-se à utilização de um SO de segunda camada nativo do Linux Ubuntu, denominado Robot Operating System (ROS), o qual é formado por uma coletânea de ferramentas, bibliotecas e convenções que auxiliam no desenvolvimento do software de robôs. Este framework comporta diversos drivers de sensores constantemente atualizados pela comunidade de desenvolvimento do ROS. A versão utilizada nesta plataforma é o ROS Indigo Igloo, lançada recentemente. 4. RESULTADOS 4.1 CAD Modelos Os modelos CAD foram feitos com o software SolidWorks®. A modelagem começa com o desenho de cada um dos sensores que serão equipados no carro e a parte estrutural. Depois foi feita a montagem dos sistemas seguindo as restrições geométricas da arquitetura proposta. 4.1.1 Sensores Como citado anteriormente, no projeto SENA foram empregados seis sensores, para o desenvolvimento das tecnologias assistivas, os modelos CAD deles são apresentados na Figura 5.

a)

b)

c)

d)

e)

f)

Figura 5: Modelo CAD dos sensores do Projeto SENA. Na Figura 5 são apresentados os modelos CAD de: (a) Câmera Stringray, (b) Sensor Velodyne, (c) Sensor laser Sick, (d) Antena GPS Septemtrio, (e) Câmera térmica FLIR, (f) IMU sbg. 4.1.2 Estrutura Os sensores e componentes eletrônicos são distribuídos no carro usando duas estruturas desenvolvidas para apoiá-los, uma delas é externa e a outra, interna. A Figura 6 apresenta a estrutura externa, essa estrutura suporta o sensor Velodyne, as câmeras e as antenas GPS.

Figura 6: Estrutura externa para o suporte dos sensores Velodyne, as câmeras e as antenas GPS.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

A estrutura interna suporta o sistema computacional incluindo os equipamentos da rede Ethernet e o subsistema elétrico, como é apresentado na Figura 7.

Figura 7: Estrutura interna para o suporte do sistema.

4.2 Arquitetura A arquitetura proposta tem seu foco no bloco de percepção, composto por reconhecimento de caminho, sistema de posicionamento e detecção de objetos, como apresentado na Figura 8.

8 U8 U8 U

2 U

8 U

IDENTIFICAÇÃO DE CAMINHO

POSICIONAMENTO

Stingray Câmera

PC Mestre

GPSSeptentrio

IMUSBG IG-500N

DETECÇÃO DE OBJETOSSensor

Velodyne HDL-32E

Sensor Ibeo LUX

Câmeras Stingray e Térmica

Protocolo CAN

RedeEthernet

Figura 8: Arquitetura proposta.

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O bloco de percepção inclui três grupos: sensores de reconhecimento de rota, sensores de reconhecimento de obstáculos e suas classificações e sensores de posicionamento. Os sensores no carro foram distribuídos levando-se em conta sua faixa de operação. Todas as informações obtidas pelos sensores são centralizadas nos computadores, os quais são ligados por uma rede ethernet, que faz a distribuição dos dados nos diferentes processadores disponíveis na arquitetura, permitindo a execução do processamento dos dados em paralelo. Na Figura 8, é apresentada a configuração onde se tem um computador mestre encarregado de receber as informações fornecidas pelos demais computadores. O mestre tem uma comunicação com o protocolo CAN do carro para fornecer ao motorista as informações concernentes ao estado do veículo. 4.3 Sistema elétrico O sistema de alimentação implementado para a arquitetura proposta é independente do sistema elétrico do carro. É um conjunto de baterias ligadas em paralelo com um circuito de proteção fornece uma tensão de 12V e 60A. Alguns dos sensores ligados no carro precisam de alimentação 127VAC, por isso a bateria fornece a alimentação para um inversor de tensão. O diagrama de conexões é apresentado na Figura 9.

1000W 12/127VINVERSOR

COMPUTADORES4 PC’s Advantech

ARK 3440

SISTEMA DE BATERIA

18 output ± 12V 60A

Sistema de Potência

Advantech ITM-5115

TELA TÁCTIL

DISPOSITIVOS

Switch Advantech

Velodyne HDL-32E

GPS Septentrio (Receptor)

FLIR Câmera Ax5

Figura 9: Sistema elétrico empregado no veículo de testes.

O sistema de baterias foi dimensionado considerando o consumo total de todos os componentes ligados, o estudo de cargas é apresentado na Tabela 1. 4.4 Integração CAD As estruturas, sensores eletrônicos e dispositivos elétricos foram distribuídos dentro do modelo CAD do carro como é apresentado na Figura 10. Como citado anteriormente, isso foi feito com o

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

intuito de encontrar o melhor posicionamento dos sensores, de acordo com as restrições geométricas, os requerimentos da arquitetura planejada e as características dos sensores.

Tabela 1: Analise de consumo de potência dos equipamentos embarcados mo carro

EQUIPAMENTO CONSUMO (WATTS) 4 Computadores 263

Inversor 18,5 GPS 31

IMU sbg 27 Velodyne HDL-32E 103

Ibeo 98 Câmera 47

Ventilador 17 Tela Touch screen 75,7

Figura 10: Integração CAD dos sensores embarcados.

Os sensores embarcados no carro permitem a detecção de diferentes objetos no ambiente e a arquitetura proposta permite criar uma hierarquia nos sensores, com o intuito de aumentar a rapidez e a precisão da detecção. A Figura 11 apresenta a distribuição final dos sensores segundo sua faixa de funcionamento.

Figura 11: Faixa de funcionamento dos sensores com a distribução proposta (Roncancio, 2014).

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Arquitetura para Desenvolvimento de Tecnologias Assistivas em um Veículo de Passeio Comercial – Projeto SENA

4.5 Implementação Depois de desenhar os modelos CAD e a Arquitetura, a implementação do sistema no carro foi feita. A Figura 12 mostra a estrutura interna e distribuição de computadores.

Figura 12: Sistema implementado na parte interna do carro.

4.6 Testes Nesta seção são apresentados os testes e os resultados obtidos pelos diferentes algoritmos desenvolvidos para aplicação em tecnologia assistiva. 4.6.1 Reconhecimento de pedestres O reconhecimento de pedestres utiliza o algoritmo classificador máquina de vetores de suporte SMV. O procedimento usado é o seguinte: normalização da imagem, extração de pedestres e não pedestres usando o algoritmo de histograma de gradientes orientados HOG, criação dos modelos que representam cada descritor, configuração da máquina de vetores de suporte e validação do modelo. Os resultados obtidos são apresentados na Figura 13.

Figura 13: Reconhecimento de pedestres usando SMV (Roncancio, 2014).

4.6.2 Mapeamento com sensor Laser O sensor laser fornece informações 3D sobre o entorno do veículo em diferentes condições de iluminação, convertendo-o em uma boa alternativa para sistemas assistivos. A aplicação do projeto

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

foi desenvolvida usando ROS (Robot Operating System) como é apresentado na Figura 14 que mostra os dados obtidos pelo VELODYNE HDL-32E.

Figura 14: Mapeamento do entorno do veículo com o sensor Velodyne HDL-32E.

4.6.3 Fusão sensorial A fusão entre os sensores LIDAR e a câmera foi feita com o intuito de melhorar a precisão da detecção de pedestres; o sensor laser permite a classificação de objetos usando a diferença da segmentação em base normal. Então, a fusão da imagem dos objetos da nuvem de pontos é feita com o intuito de estimar o objeto na imagem para as regiões de interesse; o modelo classificador foi treinado com 8.400 exemplos tomados de vários bancos de dados e, assim, é feita a determinação dos objetos na imagem (Roncancio, 2014). O resultado da fusão é apresentado na Figura 15.

Figura 15: Fusão Sensorial (Roncancio, 2014).

4.6.4 Sistema de visão noturna O sistema de visão noturna tem como objetivo desenvolver um sistema de apoio para a detecção de objetos em movimento, como pedestres e animais, em más condições de visibilidade (Figura 16). O sistema está sendo desenvolvido usando tecnologia térmica; por meio dele seria possível detectar perigos potenciais e evitar acidentes. O sistema está na etapa inicial de caracterização do sensor.

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Arquitetura para Desenvolvimento de Tecnologias Assistivas em um Veículo de Passeio Comercial – Projeto SENA

Figura 16: Imagens de testes do sistema de visão noturna.

5. CONCLUSÕES Este trabalho apresenta a arquitetura proposta para desenvolvimento de tecnologias assistivas em um veículo comercial, e sua implementação num carro Fiat Stilo. O algoritmo para a detecção de obstáculos utiliza o método da comparação entre varreduras consecutivas. Ele se mostrou eficiente, porém, ainda existem casos em que os resultados não são consistentes. Para isso, um mapa local foi criado a fim de melhorar a classificação de obstáculos móveis e fixos. Futuramente, o uso de mapas georeferenciados de áreas urbanas com janelas de interesse pode auxiliar nessa tarefa. Deve-se ressaltar que ter dados confiáveis do detector de obstáculos é um passo imprescindível para a realização da predição dos movimentos dos objetos. Por isso, foi feito um aprimoramento na detecção dos movimentos dos obstáculos e, a partir desses dados, foi realizado o acompanhamento e a predição dos movimentos dos objetos com a utilização do Filtro de Kalman. Deve-se também ressaltar a importância da detecção, acompanhamento e predição dos movimentos de obstáculos móveis para a navegação de um veículo autônomo. Dessa forma, será possível obter os melhores caminhos a fim de evitar colisões e, assim, o principal pré- requisito de projeto será obedecido: a segurança do veículo e do ambiente à sua volta. Em adição a isto, foi desenvolvida uma solução para o problema de reconhecimento de automóveis e pedestres por um veículo autônomo. Todos os resultados obtidos vieram da análise de dados reais e processamento em tempo real. Isso confere uma base sólida aos resultados apresentados quanto ao funcionamento das técnicas empregadas. O desempenho obtido pelo algoritmo de segmentação mostra que a adaptada pode ser muito eficiente quando se trabalha com sensores laser de várias camadas. Trata-se de um método simples e de baixo custo computacional. Quanto à classificação, os resultados mostram que uma Rede Neural Artificial, bem como uma Máquina de Vetor de Suporte, são capazes de resolver um problema desse nível mesmo em uma abordagem estática, isto é, considerando apenas os dados obtidos em uma única varredura do sensor. O processo apresentou alta eficiência e já foi aplicado ao carro de testes do projeto SENA.

AGRADECIMENTOS Os autores expressam seu agradecimento ao CNPq, à FAPESP, à CAPES e à EESC-USP por apoiar o desenvolvimento do projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade, K. de O. (2011) Sistema neural reativo para o estacionamento paralelo com uma única manobra em veículos

de passeio. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica), Universidade de São Paulo, São Carlos, 2011.

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Ingrid Lorena A. Pedraza ([email protected]) John Faber A. Diaz ([email protected]) Jorge Pablo M. Galdames ([email protected]) Marcelo Becker ([email protected]) Laboratório de Robótica Móvel - LabRoM, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. do Trabalhador Sãocarlense, 400 - São Carlos - SP - 13566-590, Brasil..

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SISTEMA INTEGRADO DE INFORMAÇÕES HETEROGÊNEAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO NO BRASIL 7

Maria Elisabeth Pinheiro Moreira Dmontier Pinheiro Aragão Júnior

Waldemiro de Aquino Pereira Neto

Universidade Federal do Ceará Departamento de Engenharia de Transportes

RESUMO As informações de acidentes de trânsito são, em geral, coletadas de modo parcial e incorreto, exigindo métodos que melhorem a qualidade dos dados registrados. Este trabalho apresenta um sistema integrador de informações heterogêneas de acidentes de trânsito. O sistema proposto tem por finalidade auxiliar a coleta de informações, principalmente quando estas são realizadas por diferentes órgãos/entidades, de forma a compor um banco de dados unificado. Adaptado aos diferentes contextos, este sistema permite a coleta de dados no local do acidente e o envio imediato das informações para o banco de dados centralizado. Assim, o sistema desenvolvido viabiliza a integração de informações entre órgãos/entidades, permitindo que isto seja realizado de modo mais ágil e confiável e promovendo a melhoria na análise de acidentes de trânsito. ABSTRACT Information of traffic accidents is usually partially collected, and that demands the application of some methods to enhance the quality of collected data. This study presents an integrated system to manage heterogeneous information of traffic accidents. The purpose of this system is to support the collection of information, mainly when there are some entities involved with that, which contributes to compose a merged database. This system can be customized to deal with different requirements and it is able to collect accident information directly on site. The system developed allows the integration with other systems. When performed in a more flexible and reliable way, this contributes to a better and faster accident analysis.

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1. INTRODUÇÃO Os acidentes de trânsito têm alcançado altos níveis em muitas cidades, o que causa não apenas perdas materiais, mas principalmente perdas humanas (Durduran, 2010; Salvarani et al., 2009). Isto tem feito com que muitos órgãos/entidades, responsáveis pelo gerenciamento do trânsito, se preocupem em reduzir tais ocorrências (Izquierdo et al., 2013; Yang et al., 2013). Atualmente, no Brasil, percebe-se que inexistem fontes completas e confiáveis de dados de acidentes em muitos órgãos executores de trânsito, embora ainda sejam produzidos relatórios destas ocorrências, muitas vezes defasados e com poucas informações. Em geral, o cálculo das estatísticas de acidentes de trânsito é realizado por órgãos/entidades governamentais de modo sistemático, disponibilizando-se relatórios em forma de anuários e, em alguns casos, com frequência mensal (Gaudry e Lapparent, 2013). Tradicionalmente, as informações sobre acidentes eram obtidas a partir das questões judiciais relacionadas com acidentes. Entretanto, recentemente, departamentos de trânsito e instituições têm dado mais importância à captura e análise das informações sobre acidentes (Gaudry e Lapparent, 2013). No Brasil, devido à sua extensão geográfica, há muitas informações que são obtidas por diferentes entidades municipais, estaduais e federais. É comum observar que, no Brasil, muitas das coletas de informações sobre acidentes ainda são realizadas de forma manual, exigindo um processamento para a digitalização de dados. Além disso, os relatórios emitidos pelos sistemas de gerenciamento de acidentes muitas vezes não facilitam a utilização desses dados (Erdogan et al., 2008). Entretanto, pode ser notado um interesse crescente em fazer uso dos últimos avanços das tecnologias de informação e comunicação (TIC) para melhorar a performance em questões relacionadas aos transportes (Sadek e Qiao, 2014). Assim, as TIC podem suportar novas técnicas para o desenvolvimento da segurança viária e melhorar as coletas de informações sobre acidentes e, consequentemente, proporcionar respostas mais rápidas no combate à insegurança no trânsito. Assim, no contexto da segurança viária, o sistema de coleta de dados de acidentes de trânsito é fundamental para o conhecimento das causas dos acidentes. Isto apoia a identificação dos locais, das vias ou das áreas críticas, entre outras periculosidades, o que é necessário aos estudos para a redução/eliminação dos acidentes. Ou seja, quanto mais rápido, preciso, e detalhado for o diagnóstico dos acidentes, melhor será a relação custo/benefício das medidas aplicadas. Percebe-se que a precariedade das informações registradas e o tempo gasto nas atualizações dos bancos de dados de acidentes geram dificuldades aos órgãos executores de trânsito. Este aspecto, associado a não integração com outras entidades envolvidas com a segurança viária, impossibilitam a existência de um banco de dados único e abrangente. Ou seja, a transferências dos dados sobre acidentes para os sistemas de informações dos órgãos gestores torna-se uma tarefa ainda mais difícil de ser executada. Isto resulta em sistemas de informação desatualizados e defasados, impedindo que medidas de segurança viária possam ser tomadas em curto prazo. Dentre as consequências desta inoperância estão os altos custos na assistência médica às vítimas dos acidentes, os reparos de veículos, as reconstruções das vias e impactos ao meio ambiente. Também foi observado que em muitos órgãos/entidades não há uma relação de precedência, onde cada um realiza o seu próprio registro independentemente dos demais órgãos. Assim, é necessário mesclar diferentes registros de um mesmo acidente, transformando-os em único registro, geralmente utilizando-se de técnicas manuais. Para a construção de um banco de dados centralizado, é de fundamental importância o conhecimento dos fluxos informacionais de acidentes de trânsito, de interesse de cada órgão/entidade, e o momento em que as informações são coletadas.

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Sistema Integrado de Informações Heterogêneas de Acidentes de Trânsito no Brasil

Diante desta problemática, este trabalho propõe a utilização de um sistema distribuído e integrador de informação sobre acidentes de trânsito, operado em rede, de forma a tornar automatizada e padronizada a coleta das informações sobre acidentes de trânsito, conforme as necessidades dos órgãos/entidades parceiras. Isto tem como objetivo emitir respostas mais rápidas e confiáveis aos especialistas da área de segurança viária, como também facilitar a obtenção de estatísticas de acidentes, conforme as necessidades de estudos, projetos e ações de todos os órgãos/entidades envolvidos com a segurança viária. Na concepção deste sistema, a proposta buscou permitir que todas as entidades tivessem acesso integral aos dados registrados no sistema. Ou seja, o sistema foi projetado para garantir que qualquer entidade possa, antes de cadastrar um acidente, verificar se este já foi inserido no sistema por algum outro órgão. No caso de já existir o registro, pode ser realizada uma simples atualização/complementação das informações. O sistema proposto baseia-se na aplicação de um formulário de registro de acidente. Este formulário é bastante flexível para facilitar a coleta dos dados em campo, de modo que cada órgão/entidade possa gerenciar suas próprias informações conforme seus interesses. Para isto, as informações foram agrupadas, sendo que cada grupo pode ser ocultado no formulário caso o órgão/entidade não tenha interesse neste tipo de informação. Ou seja, o órgão/entidade só registra no formulário o grupo de informações que necessita. Para alcançar o objetivo desta pesquisa, que se constitui de um sistema integrado de informações heterogêneas de acidentes de trânsito no Brasil, foram utilizadas informações de diferentes fontes. Através de uma fundamentação teórica, foram identificados sistemas de coletas de dados já em funcionamento. Além disso, foi possível identificar artigos e outros trabalhos científicos que abordassem a temática de registros de acidentes de trânsito. Outras fontes de embasamento utilizadas para o trabalho foram as visitas técnicas, nas quais se buscou capturar o conhecimento de técnicos com experiência na área. 2. REFERENCIAL TEÓRICO A revisão bibliográfica de trabalhos recentes acerca dos sistemas de informações sobre acidentes de trânsito revelou que muitos autores se concentram na análise das informações coletadas, não se preocupando primeiramente com a consistência destes dados. A deficiência na coleta de informações já é constatada por longo tempo, como informa Harris (1990), quando realizou uma investigação sobre os dados de acidentes e constatou que muitas informações deixavam de ser observadas em relatórios policiais e de hospitais. Por fim, este autor apresentou contribuições para coletar os dados de acidentes mais adequadamente. Dentre as análises mais observadas na literatura, estão aquelas que buscam prever locais de ocorrência dos acidentes, como o realizado por Durduran (2010), que desenvolveu um sistema de tomada de decisão baseando-se em redes neurais a partir de características dos acidentes. Nesse trabalho os autores necessitaram realizar rotinas para tabular os dados de acidentes. Numa outra aplicação, Yang et al. (2013) procuraram dimensionar as perdas econômicas decorrentes de acidentes de trânsito, utilizando as informações de acidentes da cidade de St. Louis (Missouri, USA). Observando o impacto dos acidentes na sociedade, Abagale et al. (2013) perceberam que os custos relacionados aos acidentes de trânsito prejudicavam a economia da família e do empregador. Um estudo voltado para a redução da severidade dos acidentes de trânsito nas rodovias alemãs foi conduzido por Manner e Wünsch-Ziegler (2013), que utilizaram informações detalhadas acerca dos acidentes de trânsito para determinar que características dos acidentes contribuíam para uma maior gravidade do acidente. Andrade e Mello-Jorge (2001) fizeram uma análise da cobertura dos registros policiais sobre os acidentes de trânsito, tendo como parâmetro de comparação os bancos de dados de vítimas atendidas em prontos-socorros, internadas, ou que morreram por acidentes de transporte terrestre. Assim, para cada vítima atendida, ou que faleceu, observou-se a presença, ou ausência, do respectivo Boletim de Ocorrência (BO) referente ao acidente. Os autores observaram que a cobertura dos registros policiais para os acidentes de transporte terrestre ocorridos na cidade de Londrina-PR

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

foi bastante baixa, pois cerca de dois terços das vítimas não tiveram o BO preenchido. Assim, foi apresentada uma falha importante do ponto de vista quantitativo. Este tipo de falha pode comprometer a validade de estudos que utilizam este tipo de registro para o planejamento de ações preventivas. Portanto, percebe-se a necessidade de criação de um sistema que possibilite conhecer, com adequada cobertura e qualidade, os acidentes de trânsito. Um desafio para a melhoria das informações coletadas é a falta de padronização existente nos dados, sendo este um dos principais problemas das estatísticas fornecidas pelos DETRANs de todo Brasil. Quanto à natureza dos dados de acidentes, Ogden (1996) observou que existem, em geral, três tipos de dados que são necessários para as análises dos acidentes: os dados dos acidentes; os dados da via e os dados do tráfego. Izquierdo et al. (2013), ao avaliarem os fatores que mais impactam na ocorrência de acidentes com feridos e mortos em rodovias da Espanha, agruparam as informações a serem analisadas em: exposição, infraestrutura, clima, motorista, variáveis econômicas, veículos, fiscalização, velocidade e medidas legislativas. No Brasil, o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (CONTRAN, 2014) – estabelece, em seu artigo 24 § 14, que a partir de 1997 os órgãos e entidades executivos de trânsito nos municípios passam a ter a atribuição de “coletar dados estatísticos e elaborar estudos sobre os acidentes de trânsito e suas causas”. Mesmo sendo obrigatório efetuar tais procedimentos, ainda permanece a necessidade de especificar uma base de dados do poder judiciário, dos agentes de trânsito, da saúde publica e do cidadão, adequada às necessidades da engenharia de tráfego. Por sua vez, o Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN), órgão de competência estadual, é responsável por enviar as informações de acidentes para o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), que é a entidade federal. Estes, através de suas Coordenadorias de Estatísticas (CESTAT), recebem os dados de acidentes de diferentes órgãos/entidades e, depois dos seus processamentos, são elaborados relatórios mensais/anuais. Estes relatórios proporcionam estatísticas e indicadores a partir de informações, tais como: autor, vítima, hora da ocorrência, local da ocorrência, vítimas fatais e não fatais, data, município, idade das vítimas, sexo, unidade da federação, escolaridade do autor, idade do autor, tipo de acidente, estado civil do autor, profissão do autor, estado civil do autor, dentre outras. Sendo as estatísticas sobre acidentes as principais fontes de informação para o desenvolvimento de políticas e decisões na área da segurança viária, a utilização de indicadores é o primeiro passo em um projeto que visa à redução dos acidentes, uma vez que sua harmonização possibilita a comparação entre diferentes vias, grupos de usuários, regiões, etc. Os dados de acidentes que são enviados aos DETRANs, em sua maioria, não permitem estabelecer relações para os cruzamentos destas informações. Devido a este problema, os relatórios emitidos fornecem dados com pouca precisão, havendo uma baixa qualidade na análise e dificultando a tomada de decisão em diversas situações. Assim, é fundamental estruturar as informações e armazená-las apropriadamente para facilitar a sua recuperação. Para tal objetivo, o uso de bancos de dados estruturados é um recurso amplamente utilizado. Essas informações podem ser armazenadas e gerenciadas por um Sistema Gerenciador de Banco de Dados (SGBD), que é formado por dados e programas e visa o gerenciamento eficiente dos dados armazenados. Fontes (2009) observou que, atualmente no Brasil, muito tempo é gasto no processo de obtenção, tratamento e disseminação dos dados, o que não somente atrasa as análises e os diagnósticos, como resulta na desatualização das informações. Neste contexto, a obtenção de dados já digitalizados, somada a uma estruturação bem definida e um sistema automático de disseminação, foi uma das diretrizes desta pesquisa, que permitirá que todo o processo inicial de análise dos problemas de segurança de tráfego seja agilizado, poupando esforços para o trabalho intelectual.

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Sistema Integrado de Informações Heterogêneas de Acidentes de Trânsito no Brasil

Ao conhecer as práticas operacionais de algumas entidades, se verificou ainda que as informações obtidas através dos boletins elaborados pelos órgãos e entidades envolvidas com os acidentes, nem sempre eram completas ou confiáveis, contendo dados errados, campos em branco, ou ainda informações inconsistentes. Ferraz et al. (2008) ressaltam que essas informações não refletem exatamente a realidade pelos motivos a seguir expostos: • Sub-registro de acidentes – muitos dos acidentes não são informados à polícia, embora esta só

atenda acidentes com vítimas. Quando não há vítimas, as ocorrências só são registradas em posto policial para o recebimento do seguro. Alguns estados já dispõem de formulário na internet para registro destas ocorrências.

• Falhas no boletim de ocorrência – mesmo no caso em que o boletim de ocorrência é preenchido no local pelo policial, é frequente a existência de erros e a falta de informações. Nos depoimentos dos envolvidos existem também observações falhas.

• Erro de codificação – é resultante do descuido ou interpretação equivocada do digitador. • Descontinuidade – erros resultantes da substituição de digitador, por não adotar o mesmo

procedimento de transferência de informações para o banco de dados. • Impossibilidade de identificar o local – a informação do local do acidente no boletim de

ocorrência é muitas vezes incorreta ou imprecisa. O sistema de referência adotado pelo banco de dados também pode ter imperfeições.

Todo esse contexto de indefinições advém do fato de que nem sempre os técnicos envolvidos no preenchimento dos documentos foram devidamente treinados para a execução desta tarefa e nem sempre sabem registrar as informações coletadas. A não compreensão da importância dos registros para a identificação das causas dos acidentes contribui para uma falsa percepção de redução nos índices de acidente de trânsito no país. Ou seja, a não existência de fontes completas e confiáveis de dados de acidentes resulta em relatórios emitidos pelos bancos de dados com poucas informações sobre os acidentes, identificando apenas o tipo, a quantidade, a severidade dos acidentes, os locais e os horários destas ocorrências, inexistindo informações que possam identificar as reais causas dos acidentes. 3. DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA PARA INTEGRAÇÃO A aplicação proposta utilizou a arquitetura orientada a serviços (SOA), sendo composta por quatro camadas principais: tela web de entrada de dados online e interfaces com sistemas legados das entidades (web services), serviços de integração dos sistemas legados, agente distribuído (camada que realiza a persistência e a busca de acidentes - kernel da aplicação) e o banco de dados. Ao final da fase de levantamento, as informações são identificadas conforme sua pertinência ao desenvolvimento da aplicação, sendo agrupadas nas seguintes categorias: básica, de logradouros, de ambiente, de pessoas, de veículos e de mapas. Apesar do número de informações utilizadas ser bastante expressivo, cada entidade pode definir quais informações devem ser trabalhadas. As únicas informações obrigatórias a todas as entidades são data e hora de registro do acidente e endereço da ocorrência do acidente. A lista de informações utilizadas nesta pesquisa está disponibilizada na forma de Web Service Description Language (WSDL) e pode ser visualizada no seguinte endereço eletrônico (URL): http://isiat2.det.ufc.br/iSIAT/services/AcidenteTransito.wsdl. 3.1. Arquitetura do sistema Cada camada pode ser utilizada de diferentes maneiras, permitindo uma adoção flexível e aderente a diferentes cenários operacionais. Uma discussão sobre as diferentes arquiteturas de implantação será apresentada na seção 3.3. Deste modo, três diferentes cenários operacionais são apresentados neste documento a fim de informar como a aplicação atende a cada cenário.

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A parte da aplicação que realiza o acesso online ao sistema consiste, basicamente, de uma tela web desenvolvida na tecnologia Java. Isso permite ao usuário definir qual informação é de seu interesse, fazendo com que estas preferências possam ser detectadas automaticamente na entrada do sistema. Esta tela se comunica com o kernel da aplicação através de SOA, enviando os dados para a persistência e consultando informações já registradas. Toda a comunicação desta tela com os web services será estabelecida pelo uso de serviços disponibilizados pelo kernel de serviços compartilhados da aplicação. Outra parte da aplicação permite a execução do sistema em dispositivos móveis, inclusive sem conectividade existente. Isto é, esta interface permite a entrada de dados de modo offline, podendo o agente enviar os registros ao servidor assim que houver conectividade disponível. Escolheu-se para esta finalidade a plataforma Android por esta estar em grande expansão e contar com muitos dispositivos (celulares, smartphones, tablets), capazes de executar a aplicação desenvolvida. Este aplicativo armazenará os dados internamente para ser importado diretamente pelos serviços compartilhados assim que houver comunicação wifi e o usuário autorizar a transferência. Os serviços de integração com os sistemas legados são web services, criados com a finalidade de se comunicar com os sistemas legados já em funcionamento nas entidades. Estes serviços precisam ser implementados em cada entidade que já possui um sistema e que tenha o interesse de mantê-lo de maneira integrada às outras entidades. Nestes serviços cada entidade especifica quais informações deverão ser compartilhadas e recebidas. O núcleo principal do sistema, por algumas vezes mencionado - kernel do sistema, são os serviços compartilhados de persistência e recuperação de acidentes. Este núcleo da aplicação deve se preocupar com redundâncias, pois é nele que dados serão acessados. Para aperfeiçoar o trabalho dos profissionais que estão atuando no atendimento e registro de acidentes de trânsito, todas as entidades, devidamente registradas, terão acesso às informações já existentes no banco de dados. Este módulo implementado utiliza o framework grails. As requisições entre a aplicação e o servidor devem ser realizadas nos padrões Simple Object Access Protocol (SOAP), quando lidando com informações de acidente, e Representational State Transfer (REST), quando lidando com dados relativos à administração da ferramenta, como login, manutenção de cadastros, etc. O núcleo principal do sistema, durante a troca de mensagens entre os serviços, entende que um acidente deve ser estruturado de acordo com o formato estabelecido em um arquivo eXtensible Markup Language (XML). O uso de web services é descrito em um padrão de mercado estabelecido pelo W3C para troca de informações entre serviços. Neste tipo de comunicação, os dados são trocados de acordo com o especificado na definição de cada serviço. O sistema gerenciador de banco de dados, escolhido para o repositório central, foi o PostgreSQL, que contém informações de todas as entidades e compartilha todas as informações de acordo com a necessidade de cada entidade. As informações sobre acidentes são persistidas em banco diretamente no formato XML e podem ser recuperadas de forma veloz e segura. Os acidentes de trânsito serão salvos como XML em uma coluna do tipo XML no Postgre, garantindo assim a flexibilidade das informações salvas, isto é, mesmo que as informações utilizadas sejam mudadas, os dados já persistidos não serão afetados. Para realizar a identificação de acidentes já cadastrados, foram criados os índices com consultas em Xpath (suportado nativamente pelo Postgre) em cima dos XMLs para atingir uma boa performance. Na aplicação web do sistema proposto foram desenvolvidas as telas descritas a seguir: • Gerenciamento de Cadastros - cada entidade possui um usuário administrador que é autorizado a

administrar o acesso dos agentes dessa entidade ao sistema. • Cadastros de Usuários da Entidade - o administrador de cada entidade poderá registrar seus

usuários, dando permissões de agente e de revisor a estes usuários.

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• Cadastro de Preferências de uma Entidade - permite ao administrador de cada entidade definir que grupo de informações é relevante para sua entidade.

• Pesquisa de Acidentes (Filtro) - antes de inserir um acidente, o digitador pode verificar se o acidente já foi informado e verificar os dados que já foram digitados, apenas digitando as informações complementares de seu interesse.

• Registro de um Novo Acidente Utilizando a Interface Web - ao registrar um novo acidente, o usuário escolhe inicialmente se é um acidente ao longo da via ou num cruzamento. As informações são organizadas em abas (dados básicos, ambiente, vias, veículos, pessoas e croqui).

• Ajuste Fino - para acessar a tela de ajuste fino é necessário realizar, primeiramente, uma pesquisa utilizando a função de filtro, retornando os registros ao que se deseja ajustar.

3.2. Mecanismo de mesclagem de registros Com relação à necessidade atual de mesclar diferentes registros de um mesmo acidente em um único registro, foram utilizadas técnicas que já são empregadas pelas entidades, mas que o fazem manualmente. O conhecimento do fluxo informacional de acidentes de trânsito consiste em conhecer quais as informações são de interesse de cada entidade e qual o instante em que tais informações são coletadas. Percebeu-se que não há uma relação de precedência e que cada entidade realiza o seu próprio registro de forma independente. Ou seja, um acidente de trânsito pode ter vários registros, sendo que cada registro tenha sido realizado por uma entidade. Assim, esses registros possuem características relevantes e que precisam ser preservadas na medida em que a mesclagem é realizada. Portanto, ao mesclar os registros, diferentes informações devem ser levadas em conta, tais como: sequência cronológica, número de ocorrências e jurisdição da via. A Figura 1 mostra um exemplo com diferentes casos de registros de uma mesma ocorrência, ilustrando como o sistema mescla todos estes registros em único registro final. Neste exemplo as informações são complementares, isto é, não existem conflitos a serem tratados numa operação de mescla.

Figura 1: Informações complementares

A Figura 2 apresenta um contexto em que existem divergências nas informações registradas (a informação referente ao horário no quarto registro é diferente do verificado no primeiro e no terceiro registro), exigindo um tratamento diferenciado numa operação de mescla. Neste caso específico, a quantidade de vezes que uma mesma hora foi registrada na ocorrência de um acidente é levada em conta na mescla do registro final, isto é, escolhe-se a hora da ocorrência como sendo a “Hora1” por ela ser mais recorrente.

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Figura 2: Acidente com número de ocorrências diferentes nas divergências

Por sua vez, a Figura 3 ilustra uma situação em que uma entidade com a jurisdição da via é envolvida no processo e as informações coletadas por esta entidade têm prioridade sobre as informações das demais entidades. A jurisdição é uma propriedade do objeto via, de maneira que as demais entidades não podem alterar essa informação.

Figura 3: Exemplo de registros de acidente com número de ocorrências iguais nas divergências e ainda jurisdição desconhecida. Por fim, observa-se que um erro pode acabar sendo propagado, isto é, um registro com uma informação errônea pode ser utilizado por outras entidades que o complementam, mas que não percebem o erro. Isso implica no fato de que pode ser muito difícil eliminar um erro, pois uma informação errônea poderia possuir muitas ocorrências. Para evitar esse problema, o sistema permite que um usuário com perfil de revisor o acesse e crie um novo registro do tipo revisado, o qual irá ter prioridade máxima sobre os outros registros. 3.3. Arquiteturas de implantação Na estruturação do sistema de modo isolado (Figura 4), existe apenas uma entidade que faz uso de um sistema próprio para o envio das informações a um repositório centralizado. Esta entidade faz uso das telas de entrada e saída de dados para ter acesso ao gerenciamento web dos acidentes. Neste caso, a tela de entrada de dados compreende tanto a interface web quanto a interface Android. Assim, não existem interações entre entidades, pois uma entidade utiliza essa aplicação de maneira isolada.

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Figura 4: Estruturação do sistema de modo isolado

Num cenário de implantação hierarquizado podem existir várias instâncias de bancos de dados que congregam informações de outras entidades. Neste caso, como ilustrado na Figura 5, uma entidade pode atuar de maneira isolada, alimentando um banco de dados utilizado unicamente por ela, enquanto que outra entidade já recebe informações de outras fontes de dados. Neste cenário, as duas bases de dados podem sincronizar informações de interesse das duas entidades, de maneira que todas as entidades envolvidas possam tem acesso a todas as informações. Portanto, há um incentivo à colaboração entre as entidades, sendo que diferentes políticas podem ser implementadas no envio de dados às outras entidades. Entretanto, esta estratégia pode comprometer a qualidade e a tempestividade da informação compartilhada. A vantagem deste cenário é que há um maior controle da informação que é compartilhada com outras entidades, conferindo mais flexibilidade e segurança às entidades que publicam os seus dados na rede.

Figura 5: Estruturação do sistema de modo hierarquizado

Por sua vez, no cenário centralizado da Figura 6, há apenas um repositório central de informação e todas as entidades registram e recuperam informações deste repositório. Este caso ilustra um ambiente integral de troca, onde todas as entidades trocam informações entre si. Para isso, os sistemas das entidades envolvidas se integram através de um único banco de dados central. Desta forma, os sistemas individuais podem sincronizar informações de interesse comum e todas as entidades envolvidas possuem acesso às informações de interesse mútuo. Neste cenário, há um incentivo à colaboração entre as entidades, mas os diferentes interesses de cada envolvido podem

99

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

influenciar o envio de dados às outras entidades, comprometendo a qualidade e a tempestividade da informação compartilhada. A vantagem deste cenário é que há uma maior centralização da informação, que é compartilhada com outras entidades, tornando o processo de compartilhamento de informações mais transparente.

Figura 6: Estruturação do sistema de modo centralizado

Por fim, o cenário distribuído apresenta um cenário complexo, em que diferentes bancos de dados descentralizados podem utilizar essa organização em quatro camadas para colaborar uns com os outros (Figura 7). Neste caso, diferentes combinações podem ser estabelecidas de acordo com cada entidade envolvida na coleta de informações sobre acidentes de trânsito. Isto potencializa a complexidade e o volume de trocas de informações entre os bancos de dados, porém, também potencializa a flexibilidade e aderência a diferentes cenários que se estabelecem de acordo com a dinâmica de cada cidade.

Figura 7: Estruturação do sistema de modo distribuído

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Durante a realização do projeto piloto desta pesquisa, as entidades participantes do sistema destacaram que este possui uma boa interface, prática e de simples compreensão. Isto tornou fácil o preenchimento do formulário, embora seja necessária a inserção de um extenso volume de informações.

100

Sistema Integrado de Informações Heterogêneas de Acidentes de Trânsito no Brasil

A interação da interface web foi bem avaliada. Não houve grandes problemas com o entendimento dos rótulos de texto e com as mensagens retornadas aos usuários, tornando fáceis os registros dos acidentes. A possibilidade de associar fotos aos registros dos acidentes que são coletados em campo, nos próprios locais dos acidentes, é um diferencial interessante da aplicação. Isto permite uma conferência visual que pode ser utilizada para fins de desambiguação de um ou mais registros de acidentes. O suporte dos desenvolvedores durante a realização do piloto também foi fundamental para a realização dos testes, visto que problemas simples, como a quebra de um cabo de carregamento, pode ser decisivo para o fracasso dos testes. Durante a fase de testes muitos problemas foram observados, se destacando aqueles relacionados com a interface da aplicação. São exemplos destes problemas o formato americano para datas, a falta de algumas opções importantes em alguns campos de seleção e as definições de valores default para alguns dados que não poderiam ser observados em campo. Outra sugestão acerca do uso do sistema é a customização da aplicação para diferentes cidades. Isto foi possível graças à utilização de padrões abertos de comunicação (como o SOAP), o que permite que os campos possam ser customizados a diferentes necessidades. A interface móvel desenvolvida foi testada por três entidades, sendo percebido que o entendimento dos campos e das mensagens informadas pela aplicação precisariam ser melhor trabalhadas. Outro aspecto observado no teste diz respeito aos aparelhos utilizados, que não foram apropriados para o uso coletivo e demonstraram fragilidade no manuseio por vários técnicos. Percebeu-se então que é necessário um aparelho mais resistente para emprego efetivo em campo. Como o teste piloto contemplou poucos agentes que utilizaram os aparelhos disponíveis, esta ação comprometeu o ambiente real de trabalho, visto que nas escalas dos agentes participantes, existiam pessoas que não dominavam plenamente o uso do equipamento. Por isso ocorreram alguns problemas com o preenchimento da interface. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O sistema desenvolvido foi licenciado sob a licença General Public License (GPL v3), o que o torna livremente acessível a outros desenvolvedores e contribui para uma melhoria contínua do sistema. O projeto encontra-se disponível para download, podendo ser encontrado no portal criado especificamente para a ferramenta (iSIAT, 2014). Após o desenvolvimento da ferramenta e realização dos pilotos, foi possível observar o interesse das entidades pela utilização de um sistema centralizado de registros de dados de acidentes de trânsito. Tais entidades acreditaram que este tipo de sistema possa ser mais eficiente e assim melhorar a qualidade das informações enviadas para o DENATRAN, como também auxiliar na escolha das melhores ações que visam à redução dos acidentes de transito. Mesmo sem a implementação de outros ajustes, devido ao encerramento da pesquisa, algumas entidades mostraram-se interessadas em dar continuidade ao sistema e também na sua utilização. Espera-se que este sistema evolua para a criação de um padrão interagências para captura e tratamento computacional de dados referentes aos acidentes de trânsito. AGRADECIMENTOS CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

101

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

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102

ANÁLISE ACÚSTICA DE SILENCIADORES DISSIPATIVOS 8

Nilson Barbieri

Renato Barbieri Key Fonseca de Lima

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR

Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR Faculdade de Engenharia de Joinville

Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR RESUMO Este artigo analisa o comportamento acústico de silenciadores (câmaras) com material absorvente através da perda de transmissão sonora (TL). Os modelos matemáticos são obtidos por meio da técnica da matriz de transferência e/ou método dos elementos finitos e as propriedades acústicas do material utilizando-se tubo de impedância. Os resultados numéricos levam em consideração os modos de propagação que são obtidos através de métodos de ajuste como Algoritmos Genéticos e o Método das Partículas. ABSTRACT This paper analyzes the acoustic behavior of silencers (chambers) with absorbent material by means of transmission loss (TL). The mathematical models are obtained through the technique of transfer matrix and finite element method and the acoustic properties of the material using impedance tube. The numerical results take into account propagation modes which are obtained by adjustment methods such as Genetic Algorithms and Particle Swarm Optimization.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO No projeto de um novo veículo, o sistema de exaustão deve ser inserido (caber) num espaço restrito. Usualmente, este espaço é pequeno, desde que o sistema de exaustão seja um dos últimos componentes considerados no projeto. Desta forma, o sistema deve ser compacto e eficiente. Um silenciador dissipativo consiste de um tubo central perfurado e de câmaras externas com material absorvente. A atenuação das ondas acústicas no material absorvente acontece principalmente devido à viscosidade e dissipação térmica. Assim, as propriedades acústicas do material absorvente são essenciais para simular o comportamento acústico de silenciadores dissipativos. Em geral, são obtidas experimentalmente quantidades complexas da impedância e número de onda (Lee, 2005). Panigrahi e Munjal (2005) mostraram três métodos de análise acústica de sistemas dissipativos com e sem tubos estendidos na entrada e saída da câmara. No primeiro, assume-se que o tubo é de comprimento infinito, no qual uma fatia do comprimento é considerada para encontrar a matriz de transferência entre dois pontos. No segundo, unidimensional, as equações de ondas acopladas são analisadas, considerando a diferença de pressão da passagem do fluxo no tubo central perfurado e na câmara externa com material absorvente. No terceiro e mais completo método, a equação da onda tridimensional é analisada considerando os comprimentos finitos e as condições de contorno. Selamet et al. (2004) indicaram a solução analítica bidimensional para determinar o desempenho acústico de um sistema com tubo perfurado central envolvido por material fibroso. Wang et al. (2009) apresentaram um esquema para análise do desempenho acústico de vários sistemas com e sem material absorvente. Panigrahi e Munjal (2007) desenvolveram um sistema geral para análise de diversos silenciadores usados comercialmente. O esquema é unidimensional e é baseado em um algoritmo amigável considerando os volumes dos componentes e a técnica da matriz de transferência. Wang e Geng (2008) fizeram a comparação e aplicação de métodos experimentais para análise acústica de sistemas com várias câmaras e com material absorvente. Denia et al. (2007) analisaram o comportamento acústico de silenciadores dissipativos circulares com extensões de dutos na entrada e saída por meio de um modelo analítico bidimensional, considerando a pressão acústica e a velocidade através das descontinuidades geométricas, e utilizaram o método dos elementos finitos. Kirby (2009) analisou o comportamento acústico de silenciadores automotivos dissipativos com fluxo através de métodos analíticos e numéricos. Antebas et al. (2013) apresentaram um esquema de elementos finitos para modelagem de propagação do som em silenciadores dissipativos perfurados com material absorvente com propriedades não homogêneas. Este estudo consiste de análises numéricas e experimentais do desempenho acústico de sistemas dissipativos através da comparação de dados experimentais e resultados numéricos obtidos por meio de modelos matemáticos, considerando a técnica da matriz de transferência e/ou método dos elementos finitos.

104

Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos

2. MODELO MATEMÁTICO 2.1. Matriz de transferência A Figura 1 mostra um silenciador dissipativo com um tubo central perfurado e o esquema de propagação de ondas em todo o sistema. Notam-se partes distintas: tubo de entrada (I); tubo de saída (III) e tubo central perfurado (IIa) e câmara externa com material absorvente (IIb).

Figura 1: Propagação de ondas em duas dimensões em um silenciador dissipativo (Lee, 2005).

Para a propagação da onda bidimensional assimétrica e harmônica em uma câmara circular, a equação em coordenadas cilíndricas (r, x) pode ser expressa como (Munjal, 1987; Lee, 2005):

0),(),( 22 =+∇ xrpkxrp (1) ou

01 22

2

2

2=+

∂+

∂∂

+∂

∂ pkx

prp

rrp (2)

Após várias manipulações, é possível encontrar uma equação para o domínio II (Lee, 2005), como:

)~()~()~()~(

)~()~()~()~(

~

)(

)(~

~

12

,,2

122

,,2

122

,,2

112

,,2

1

12

,,2

022

,,2

122

,,2

112

,,2

0

0

,,22

0

12

,,201

1,,22

00

,,22

0

,,22

0

rkkJrkkYrkkJrkkY

rkkJrkkYrkkJrkkY

kkk

irkkJ

rkkJ

kk

kk

nxBnxBnxBnxB

nxBnxBnxBnxB

nxBp

nxB

nxB

nxB

nxB

−−−−−

−−−−−=

=

+−

−ζ

ρρ

(3)

onde: 0J e 1J são as funções de Bessel de segundo tipo e ordens zero e um; 0Y e 1Y são as funções de Bessel do primeiro tipo de ordens zero e um; nxBk ,, é o número de onda axial comum; 0ρ e ρ~ são

as densidades do ar e do material absorvente; 0k e k~ são os números de ondas no ar e no material absorvente; pζ~ é a impedância acústica do tubo perfurado e 1r e 2r são os raios do tubo perfurado e da câmara. Lee (2005) propôs um sistema de equações com várias constantes desconhecidas para o cálculo da TL. Neste esquema, é necessário resolver algumas integrais. Para contornar este problema, Panigrahi e Munjal (2005) utilizaram um sistema similar sem necessidade de integrações. As relações entres as variáveis de entrada e saída do sistema são dadas por:

[ ]

=

4

4

1

1vp

vp

TM (4)

105

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

onde: 1p e 4p são as pressões nos tubos de entrada e saída e 1v e 4v são as velocidades, e:

[ ]( )

+

+

+

+−

+

+

=

+−

−+

+−

+−

−++−

+−

−+

+−

−+

+−

−+−+

−+−+

22

22

22

122

22122

22

αα

αα

αα

αα

αααα

αα

pzpzpzpz

pzpzpzpz

ljkljkljkljk

ljkljkljkljk

eeeeS

Seeee

TM (5)

))/(1(

/

000

02 kkMc

kk

z

z

±

±± =

ρα (6)

onde: Ll p = é o comprimento da câmara; +zk e −zk são iguais a nxBk ,, e são os números de ondas

axiais na direção do movimento e na direção oposta; M é o número de Mach e 211 rS π= é a área do

tubo de entrada.

A perda de transmissão sonora (TL) pode ser obtida de:

+++=

2log20 14131211 TMTMTMTM

TL (7)

2.2. Método dos elementos finitos Para o silenciador dissipativo da Figura 1, a propagação da onda sonora em seu interior, na região sem material absorvente heterogêneo, é governada por (Munjal, 1987):

022 =+∇ aa PkP (8)

onde:2∇ é o operador laplaciano e Pa é a pressão sonora no interior do silenciador, região somente

com ar em [Pa]. No interior do silenciador, na região que possui material absorvente, a propagação da onda é fornecida pela equação (Murphy e Ching-Bing, 1989):

0~11

=+

∇∇ m

mm

mPkP

ρρ (9)

onde: mck /~ ω= é o numero de onda complexo associado ao material absorvente heterogêneo e cm é a velocidade do som complexo. Utilizando o método dos elementos finitos, a pressão acústica no interior do silenciador em um determinado elemento e é aproximado por um conjunto de funções de interpolação dado por (Zienkiewicz et al., 2007):

ea

ea

npe

iia iPNP P~N~

1=∑=

= (10) e

em

em

npe

iim iPNP P~N~

1=∑=

= (11)

106

Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos

onde: eai

P~ são as pressões nodais nos elementos sob o domínio ar; emi

P~ são as pressões nodais

nos elementos sob o domínio material absorvente heterogêneo; Ni é o conjunto de funções de interpolação e npe é o número de nós por elemento. Aplicando o método dos resíduos ponderados em combinação com o método de Galerkin (Zienkiewicz et al., 2007), e após utilizar o Teorema de Green, o resíduo ponderado e associado com

o subdomínio ar ( aΩ ) pode ser escrito como:

∑ ∫ Γ∂

∂=∑ ∫ ∫ Ω−Ω∇∇

=Ω Ω

ae

ea

ae

ea

ea

N

e

aTea

N

e

TT dn

PNPNdNkNdN

11

2 )(~)( (12)

onde: Γ representa as superfícies do contorno. Da mesma forma que a Equação (12), o resíduo

ponderado associado com o subdomínio material absorvente ( mΩ ) pode ser escrito como:

∑ ∫ Γ∂

∂=∑ ∫ ∫ Ω−Ω∇∇

=Ω Ω

me

em

ae

em

em

N

e

mT

m

em

N

e

T

m

T

md

nP

NPNdNkNdN11

2)1(~)

~1(ρρρ (13)

onde: aeN e m

eN são os números de elementos finitos em cada domínio, ar ou material absorvente, respectivamente; n é o vetor normal a superfície do elemento apontado para fora do elemento finito. Através da Equação de Euler, o gradiente da pressão normal na superfície dos elementos com os meios ar e material absorvente pode ser expresso por (Munjal, 1987):

anana Uj

tU

nP

ωρρ 00 −=∂

∂−=

∂∂

(14) e

mnmmn

mm Uj

tU

nP

ωρρ −=∂

∂−=

∂∂

(15)

onde: anU e mnU são as velocidades normal da partícula no ar e no material absorvente, respectivamente. Substituindo a Equação (14) pela (12) tem-se:

∑ ∫ Γ−=∑ ∫ ∫ Ω−Ω∇∇=

Γ=

Ω Ω

ae

ea

ae

ea

ea

N

ea

ea

N

e

TT djPNdNkNdN1

nT

01

2 )UN(~)( ωρ (16)

De forma análoga, substituindo-se a Equação (15) pela (13), tem-se:

∑ ∫ Γ−=∑ ∫ ∫ Ω−Ω∇∇=

Γ=

Ω Ω

me

em m

ae

em

em

N

en

Tem

N

e

T

m

T

mdUNjPNdNkNdN

11

2)(~)

~1( ωρρ (17)

Considerando um filtro acústico que não apresenta material absorvente nos dutos de entrada e saída, pode-se dizer que a velocidade normal da partícula na superfície do contorno é nula, ou seja:

0~)1(1

2=∑ ∫ ∫ Ω−Ω∇∇

=Ω Ω

em

N

e

T

m

mT

mPNdN

kNdN

ae

em

em ρρ (18)

Para o domínio ar, pode-se reescrever a Equação (16) na forma matricial, ou seja:

107

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

aaaa FPMK =− ~][ 2ω (19) onde:

∑ ∫ Ω∇∇= NdNK Ta é a matriz rigidez do sistema ar; (20)

∑ ∫ Ω= NdNc

M Ta 2

1

é a matriz massa do sistema ar; (21) Γ∑ ∫−= dUjF naa ωρ0 é o vetor força do sistema ar. (22)

Para o domínio material absorvente, pode-se reescrever a Equação (17) na forma matricial, ou seja:

0~][ 2 =− mmm PMK ω (23) onde:

∑ ∫ Ω∇∇= NdNK T

mm ρ

1

é a matriz rigidez do sistema material absorvente; (24)

∑ ∫ Ω= NdNc

M T

mmm 2

1ρ é a matriz massa do sistema material absorvente. (25)

As Equações (19) e (23) determinam o campo de pressão sonora em qualquer coordenada nodal no interior do silenciador. Desde que sua terminação seja anecoica, pode-se avaliar o desempenho do silenciador em termos de sua perda de transmissão sonora (TL), (Munjal, 1987 e Wan, 1995):

=

trans

incPP

TL 10log20 (26)

onde: Pinc e Ptrans representam, respectivamente, a pressão sonora complexa incidente e transmitida. 3. RESULTADOS Para a validação das rotinas computacionais desenvolvidas para análise do comportamento acústico de sistemas com material absorvente, utilizaram-se modelos e resultados da literatura. O modelo utilizado é similar ao apresentado na Figura 1. Foram utilizados dois exemplos descritos por Panigrahi e Munjal (2005). As dimensões geométricas do primeiro caso são: l = 0.325m, d1 = 0.0396m, d2 = 0.0760m; tw = 0.0009m; φ = 0.08, dh = 0.00249m (Cummings e Chang, 1988; Panigrahi e Munjal, 2005). A resistividade de fluxo é assumida ser 5000 Pa s/m2. O número de onda e a impedância característica foram calculados usando as equações de Selamet et. al. (2004):

[ ] [ ]595.0577.0 )/(1734.0)/(1472.01~

−− −++= RfjRfkk (27)

[ ] [ ]732.0754.0

0)/(0765.0)/(0855.01

~−− −++= RfjRf

ZZ

(28)

onde: 000 cZ ρ= é a impedância característica do ar e R é a resistividade ao fluxo. Na presença de fibras, a equação para impedância acústica, devido aos furos do tubo central, conforme Selamet et al. (2001), é:

φζ /~~

1375.0006.0~

+++=

oohwop k

kZZdtjk (29)

108

Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos

A impedância característica do meio com material absorvente é cZ ~~~ ρ= e o número de onda é

cfk ~/2~ π= . Na Figura 2 encontram-se as curvas obtidas por Panigrahi e Munjal (2005) e a curva numérica obtida usando o procedimento descrito nas Equações (3) a (5), considerando três modos de propagação. Neste caso, não foi considerada a perfuração do tubo central (sem tubo). Nota-se que as curvas apresentam boa convergência para toda faixa de frequência. Para encontrar os modos, foram utilizados dois métodos diferentes de ajuste: Algoritmos Genéticos e Método das Partículas. Os resultados foram idênticos para ambos os casos. Para evitar salto (jump) entre os modos, foi adotado um incremento de 1 Hz (ou menos). Selamet et al. (2004) propuseram um método considerando as propriedades acústicas nulas do material absorvente em altas frequências. A partir de uma determinada frequência e usando o método de Newton-Raphson é possível encontrar os autovalores. As propriedades do material são incrementadas até atingir 100% do seu valor. Panigrahi e Munjal (2005) usaram a interpolação polinomial e ajustaram inicialmente os valores dos autovalores para baixas frequências. Percebeu-se que indiferente do procedimento adotado, os valores dos modos de propagação convergem para os mesmos valores. Os dados geométricos do segundo exemplo são: L = 0.315m, d1 = 0.076m, d2 = 0.1520m (Kirby, 2002; Panigrahi e Munjal, 2005). A resistividade ao fluxo é de 30700 Pa s/m2, e o valor da porosidade é 26,3%. Novamente, os valores complexos do número de onda e da impedância característica foram calculados considerando as equações de Selamet et al. (2004). A Figura 3 mostra a curva experimental (Kirby, 2002), numérica (Panigrahi e Munjal, 2005) e a curva numérica (Simulado), usando o mesmo procedimento do exemplo anterior. Verifica-se boa aproximação entre as curvas. A curva numérica (Simulado) está próxima da curva experimental.

Figura 2: Perda de transmissão sonora para um silenciador dissipativo (exemplo 1).

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 20000

5

10

15

20

25

Frequency (Hz)

TL (d

B)

NumericMunjal

109

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 3: Perda de transmissão sonora para um silenciador dissipativo (exemplo 2).

Em uma etapa posterior procurou-se construir um protótipo para validação do procedimento. Através de um tubo de impedância foi feita a caracterização acústica do material. Duas amostras de 30 e 70 mm de espessura foram utilizadas. Os ensaios foram conduzidos utilizando-se duas terminações distintas, com e sem uma terminação anecoica. As amostras foram posicionadas no centro do tubo de impedância e foram utilizados quatro microfones, dois antes e dois depois da amostra. O procedimento utilizado é semelhante ao descrito em detalhes por Lee (2005). A Figura 4 mostra as curvas de impedância característica, e a Figura 5, mostra as curvas do número de onda. Observa-se que os valores dos parâmetros são maiores para a amostra com 70 mm. Apenas a parte real da impedância, a partir de 1400 Hz, é que possui valores menores para a amostra de 70 mm.

Figura 4: Impedância característica

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 20000

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Frequency (Hz)

TL (d

B)

NumericMunjalExperimental

200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000-60

-40

-20

0

20

40

60

Frequência (Hz)

Impe

dânc

ia

parte real - 30 mm

parte real - 70 mm

parte imaginária - 30 mm

parte imaginária - 70 mm

110

Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos

Figura 5: Número de onda

O próximo passo é a obtenção dos modos axiais de propagação conforme a Equação (3). Foi fixado um valor inicial de frequência para o qual as curvas de impedância e número de onda apresentavam bom comportamento. Fixou-se o valor inicial da frequência em 500 Hz. Através de algoritmos genéticos e do método das partículas encontraram-se os valores das partes reais e imaginarias dos três primeiros autovalores por meio de um procedimento computacional de varredura. O valor da parte real de nxBk ,, foi variado de 5 a 50 e a parte imaginária, de -5 a -200. A Figura 6 mostra os erros encontrados para todas as situações. Na Figura 6(a) estão representadas dez curvas (conforme as variações da parte real) e 40 iterações (conforme as variações da parte imaginária). Para encontrar os autovalores, analisam-se os pontos em que o mínimo é nulo. A Figura 6(b) mostra um zoom da Figura 6(a).

(a) (b)

Figura 6: Erro absoluto no ajuste dos modos de propagação

200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000-500

0

500

1000

Frequência (Hz)

Núm

ero

de o

nda

parte real - 30 mm

parte real - 70 mm

parte imaginária - 30 mm

parte imaginária - 70 mm

0 5 10 15 20 25 30 35 400

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

Número de iterações

Erro

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 7: Variação dos autovalores dos três primeiros modos de propagação

Conhecendo-se os modos de propagação para uma dada frequência, usa-se uma rotina de busca para ajuste dos autovalores para toda a faixa de frequência desejada. Para não haver problema de salto (jump), o incremento de frequência foi de 1 Hz. A Figura 7 mostra os autovalores dos três primeiros modos de propagação para a amostra de 70 mm. Usando-se quatro microfones, dois no tubo de entrada e dois no tubo de saída, igualmente espaçados, calculou-se, experimentalmente, o valor da perda de transmissão sonora (TL). Os valores experimentais da TL para uma câmara com material absorvente estão mostrados na Figura 8, na qual também estão presentes as curvas numéricas ajustadas para amostras de 30 mm e 70 mm. O protótipo é semelhante ao mostrado na Figura 1 e as dimensões geométricas são: comprimento da câmara de 0.25 m; raio dos tubos de entrada e saída de 0.022 m e raio da câmara 0.0725 m. Para acomodação do material absorvente foi usada uma tela com grandes diâmetros e desta forma foi desconsiderada na modelagem. Notam-se grandes flutuações nos valores da TL, principalmente para a amostra de 30 mm. O material absorvente dentro da câmara possuía um valor superior a 5 cm. Percebe-se que os valores da TL para a amostra de 70 mm se aproximam mais dos valores experimentais.

400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000-100

-80

-60

-40

-20

0

20

40

Frequência (Hz)

Am

plitu

de m

odal

1o real

2o real

3o real

1o imag

2o imag

3o imag

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Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos

Figura 8: Perda de transmissão sonora (TL)

Com o uso das (19), (23) e (26), foi programado um aplicativo computacional de elementos finitos em FORTRAN 90/95® que utiliza-se de elementos tetraédricos de quatro nós para estudar o desempenho de silenciadores. Este aplicativo foi validado com o estudo de um silenciador de câmara de expansão simples com material absorvente em seu interior proposto por Xu et al. (2004) na Figura 9 abaixo. A impedância característica complexa e o número de onda complexo são fornecidos pelas Equações (27) e (28).

Figura 9: Modelo de silenciador dissipativo, (dimensões em mm) ( Xu et al., 2004).

O resultado comparativo das medições realizadas por Xu et al. (2004) e pelo aplicativo de elementos finitos desenvolvido para execução deste trabalho estão indicados na Figura 10. A curva contínua representa os resultados obtidos por Xu et al. (2004), e a curva pontilhada representa os resultados obtidos pelo aplicativo de FEM desenvolvidos pelos autores.

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 20000

10

20

30

40

50

60

70

80

Frequência (Hz)

TL (d

B)

ExperimentalNumérica 30mmNumérica 70mm

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 10: Comparativo entre os resultados

Nota-se na Figura 11 que existem grandes oscilações nos resultados. Estes, obtidos com o modelo de elementos finitos (FEM), estão pobres. O modelo numérico ou os dados experimentais precisam ser aprimorados.

Figura 11: Perda de transmissão sonora (TL)

4. CONCLUSÕES Com o objetivo de encontrar os valores da perda de transmissão sonora (TL), foram usadas metodologias analíticas baseadas em análise modal. A inclusão de material absorvente aumenta

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

0 500 1000 1500 2000 2500 3000

PT [d

B]

Frequência [Hz]

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 20000

10

20

30

40

50

60

70

80

Frequência (Hz)

TL (d

B)

ExperimentalNumérica 30mmNumérica 70mmNumérica FEM

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Análise Acústica de Silenciadores Dissipativos

consideravelmente o desempenho acústico dos sistemas, mas, por outro lado, os modelos matemáticos são bem mais sofisticados e exigem grande esforço computacional para obtenção de resultados numéricos. Normalmente, as análises levam em consideração vários modos de propagação, embora, na faixa de frequência analisada, verificou-se que somente com um ou dois modos de propagação as respostas convergiram rapidamente. As análises dependem da correta caracterização acústica do material absorvente. Verificou-se que, com variações nas espessuras das amostras, os resultados experimentais também variaram. O mesmo aconteceu em relação à compactação do material. Os resultados numéricos apresentaram boa aproximação com os dados experimentais, pois constatou-se uma maior flutuação destes resultados numéricos quando foram utilizadas as propriedades das amostras de 30 mm. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Antebas, A. G., F. D. Denia; A. M. Pedrosa; e F. J. Fuenmayor (2013) A Finite Element Approach for the Acoustic

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

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SEÇÃO 2

LOGÍSTICA

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS TERMINAIS DE TRANSBORDO RODOFERROVIÁRIOS DO BRASIL 9

Amir Mattar Valente

Universidade Federal de Santa Catarina Daniele Sehn

LabTrans/Universidade Federal de Santa Catarina Eduardo Lobo

Universidade Federal de Santa Catarina Fabiano Giacobo

LabTrans/Universidade Federal de Santa Catarina Fernando Seabra

Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO O aproveitamento das características específicas dos modais de transporte permite que se obtenham custos mais baixos com logística. O modal ferroviário caracteriza-se por elevados ganhos de escala no transporte terrestre e, por isso, incentiva-se o crescimento dos investimentos neste setor. Neste contexto, surge o transporte intermodal rodoferroviário, que combina as vantagens de cada modal de transporte. Os terminais cumprem a função de ser o elo entre as rodovias e as ferrovias. Sua disponibilidade torna-se fundamental para o sucesso do transporte intermodal. Este artigo aborda a definição de terminais de transbordo rodoferroviário e busca caracterizar a infraestrutura intermodal nacional, identificando também como os terminais e a capacidade de transbordo estão distribuídos no Brasil. ABSTRACT Specific advantages of transport modes can be used to obtain lower expenses with logistics. The railroad is distinguished for the economies of scale it offers in land transportation and, therefore, investments in this sector are encouraged. In this context, the railroad intermodal transport occurs, combining strengths of the two transport modes. The function of linking roads and railroads is complied by terminals, whose availability is a critical key for the success of intermodal transportation. This paper restricts the definition of railroad transshipment terminals and then it intends to characterize the Brazilian intermodal infrastructure, aiming to identify where terminals and transshipment capacity are distributed in the country.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Observa-se que a literatura da área de Transportes e Logística aponta que a avaliação sistêmica dos meios utilizados para o deslocamento das mercadorias pode permitir a obtenção de ganhos de eficiência. Logo, há ganhos para a sociedade em virtude da redução dos custos logísticos e dos impactos negativos da interação cidade e estruturas vinculantes da logística. A necessidade de se buscar eficiência em logística é uma condição sine qua non para que se atinjam níveis mínimos de competitividade. O custo para garantir o fluxo das mercadorias entre as regiões produtoras e as consumidoras pode se tornar alto. Para garantir a sua viabilidade, faz-se necessário o planejamento adequado da logística.

No Brasil, em função da extensão territorial, destaca-se a importância da utilização de modais que apresentem menores custos. Esses modais notadamente são a ferrovia e o aquaviário, e precisam dispor ainda de confiabilidade aos clientes a fim de garantirem, por exemplo, os prazos de entrega e, consequentemente, proporcionarem também melhorias no nível de serviço logístico.

Uma vez que a ferrovia e o modal aquaviário precisam de uma combinação, em especial com o rodoviário, ganham destaque os terminais intermodais. Dessa forma, a eficiência desses terminais torna-se crítica para que haja garantia de confiabilidade, assim como de redução dos custos.

Considerando a atual infraestrutura de transportes no país, a principal decisão relativa ao transporte de cargas é a escolha dos modais de transporte, tanto no âmbito das políticas públicas de investimento em infraestrutura quanto no âmbito gerencial de empresas privadas e estatais (Figueiredo et al., 2003). Essa constatação eleva a importância dos terminais de transporte de carga rodoferroviários, uma vez que o ponto central dessa discussão está pautado na integração eficiente entre os modais de transporte.

Assim, este artigo tem como principal objetivo caracterizar a infraestrutura de transbordo rodoferroviário, representada pelos terminais, a fim de situá-la no contexto da logística nacional. Entre os pontos que se analisam para empreender tal caracterização estão a quantidade, a localização, os tipos e a capacidade de transbordo instalada. Destaca-se que a base para este documento foi o projeto de pesquisa desenvolvido no âmbito do Edital MCT/CNPq Nº 18/2009, sob o título Terminais Intermodais de Cargas - Contribuições para avaliações socioeconômicas.

2. ABORDAGEM TEÓRICA Sugere-se que o estudo dos terminais rodoferroviários não seja uma matéria isolada. De fato, o propósito dessas instalações é servir a um bem maior, que é o cumprimento dos propósitos da logística. A logística de mercadorias, em seu conceito contemporâneo, conforme definição do Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP), é o processo de planejar, implementar e controlar de maneira eficiente o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor. Entre os objetivos do consumidor estão a redução do custo e a confiabilidade com o prazo de entrega. Não basta, portanto, que as mercadorias estejam disponíveis no final da cadeia logística, elas precisam também estar disponíveis em tempo correto e com o menor custo possível.

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Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil

Entre os elementos que integram o custo logístico estão o transporte, o estoque e o armazém. Deles, o que adiciona maior custo para a logística é o transporte. Isso se deve principalmente ao custo do combustível utilizado. A fim de reduzir o custo de transporte, faz-se necessária a redução da razão entre a quantidade de combustível e a quantidade movimentada. Para isto, busca-se, entre os vários modos de transporte, aquele que, além de cumprir o valor de tempo, apresente a menor razão combustível/movimentação. Sob a perspectiva da teoria econômica, a especialização da produção gera a economia de escala. Portanto, as mercadorias produzidas em grandes quantidades em regiões especializadas precisam ser transportadas para as áreas consumidoras. Esta característica da economia permite que se busque a minimização do gasto com transporte na viagem com lotes grandes. Segundo Fleury (2002), os transportes de carga podem ocorrer por meio de cinco modais diferentes, cada um com seus custos e suas características operacionais. Esses modais, segundo uma escala de custos, estão apresentados na Tabela 1, a seguir.

Tabela 1: Modos de transporte segundo escala de custo

+ custos - Aeroviário Rodoviário Ferroviário Dutoviário Aquaviário

Fonte: Adaptado de Fleury, 2002

Entre os modais que apresentam os menores custos, o ferroviário e o aquaviário apresentam a maior capacitação, ou seja, eles podem atender maior volume e variedade de produtos (Fleury, 2002). No entanto, esses modais são poucos capilarizadores. Isto exige que eles normalmente sejam complementados pelo modal rodoviário, cujo principal atributo é a disponibilidade para que se execute o fluxo logístico. A utilização de mais de um modal na distribuição de mercadorias é denominada intermodalidade. Esta, por sua vez, apresenta a necessidade de um aparato para a transferência das cargas entre os modais. Neste sentido, foi elaborada uma classificação que permite caracterizar os terminais necessários à intermodalidade. Esta classificação parte da visão sistêmica de transporte, a qual é composta pelas vias, pelos veículos e pelos terminais, partes que interagem de modo a promover o deslocamento espacial. De acordo com Bustamante (2001), um terminal é um ponto da via de transporte de uma modalidade de transporte, que origina fluxos ou os recebe, ou ainda onde ocorre transferência de veículos. Neste último caso, esse local será chamado de terminal de transbordo. Segundo Rodrigue (2013), em um terminal, a transferência pode se dar entre veículos de um mesmo modal, como no caso do recebimento de lotes de carga por carretas em um centro de distribuição, a partir do qual a carga é distribuída na região com uso de veículos menores. No caso de haver operação com mais de um modal de transporte neste terminal, ele é chamado de terminal de transbordo intermodal. Os terminais de transbordo intermodal são classificados por tipos conforme os modais que se utilizam dele. O terminal em que ocorra o transbordo entre os modais rodoviário e ferroviário é denominado de terminal de transbordo rodoferroviário. Destaca-se que diferentes tipos de terminais de transbordo intermodal podem coexistir em uma mesma instalação, como no caso do local em que se faça o transbordo entre rodovia, ferrovia e hidrovia, formando um terminal de transbordo rodo-ferro-hidroviário, não importando, a título de classificação, os sentidos em que se façam as transferências, desde que indicadas quando necessário. Na figura 2, a seguir, é apresentada esta estrutura teórica.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 2: Classificação dos terminais.

Fonte: Elaboração própria.

3. METODOLOGIA A metodologia adotada para que se chegasse aos resultados propostos nos objetivos deste artigo pode ser dividida em duas etapas: a identificação dos terminais e a estimativa de capacidade instalada. 3.1. Levantamento e identificação A primeira etapa do trabalho procurou responder à dúvida de quais são os tipos, quantos são e onde estão os terminais de transbordo rodoferroviário do Brasil. Ela foi executada a partir de uma base de dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT que contém os registros das movimentações ferroviárias de toda malha nacional dos anos de 2008 até 2013. As informações que foram utilizadas nesta etapa são as seguintes:

• Pátio ferroviário de origem; • Pátio ferroviário de destino; • Ano e mês; • Mercadoria; • Unidades (toneladas, vagões, contêineres, entre outros).

Importante destacar que as movimentações ocorrem entre pátios, que têm uma definição e uma função diferente dos terminais. De acordo com Sabino et al. (2010), fisicamente, um pátio é constituído por um conjunto de curtas linhas ferroviárias e aparelhos que as interliguem umas às outras. Os pátios ferroviários são importantes componentes do sistema ferroviário que funcionam como os pontos de origem e destino de todos os fretes ferroviários. Operações que podem ocorrer em um pátio ferroviário são separação e formação dos comboios, inspeção de vagões e locomotivas, armazenagem de vagões vazios. Outra função dos pátios, que os relaciona com os terminais, é a disponibilização e o manejo do vagão até um terminal de transbordo. Observou-se, na execução da pesquisa que levou a este artigo, que podem existir diversos terminais atendidos por um único pátio ferroviário. Apesar de os pátios ferroviários representarem, no banco de dados da ANTT, qualquer origem ou qualquer destino do modal ferroviário, não se poderiam considerar todos os pátios como terminais

Terminal

Terminal de transbordo

Terminal de transbordo intermodal

Terminal de transbordo rodoferroviário

Terminal de transbordo rodohidroviário

Terminal de transbordo rodoferroviário

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Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil

rodoferroviários de carga. O transbordo pode, por exemplo, ocorrer também entre outros modais, como acontece em um terminal portuário ou em um terminal hidroviário. Em muitos casos, ainda, nem mesmo existe uma operação de transbordo, sendo o embarque/desembarque feito diretamente no modal ferroviário, como seria o caso, por exemplo, de uma usina siderúrgica que recebe minério de ferro ou que envia placas de aço por meio da ferrovia. Diante de tal situação, apenas a análise individual nos mais de 400 pátios ferroviários de origem/destino possibilitou a identificação daqueles que realmente atendem a terminais rodoferroviários de carga. As ferramentas de avaliação adotadas foram: a análise visual das imagens do Google Earth e a análise da movimentação ferroviária, além de buscas de informações complementares em periódicos e revistas especializadas publicadas online. Os critérios para identificar o terminal rodoferroviário basearam-se na presença de acessos e de pátios de atendimento tanto rodo quanto ferroviários. Notou-se que sempre era encontrada uma unidade de armazenagem junto à área do terminal, embora a presença de instalações industriais já pudesse indicar processamento ao invés de transbordo, descaracterizando terminal rodoferroviário. Este último caso foi então confirmado com a análise dos produtos movimentados. 3.2. Análise de capacidade Ao conjunto de terminais rodoferroviários de um mesmo município ou atendidos por um mesmo pátio buscou-se atribuir um valor de referência à sua capacidade dinâmica (ou de transbordo), pela qual se entende uma quantidade máxima de carga movimentada em um período de tempo, atendendo a um nível de serviço definido e considerado adequado por parte dos terminais e das concessionárias. Os arquivos da Declaração de Rede 2013 (ANTT, 2014), referentes às diferentes malhas concedidas, reservam uma seção que descrevem detalhes dos terminais ferroviários de carga e descarga. Além de fornecer nome do terminal e do pátio que o atende, foram registradas também informações da capacidade diária, em toneladas úteis. Contudo, essa última informação nem sempre era fornecida e, em alguns casos, o terminal ou mesmo o pátio não constava nesta seção. Para os casos em que a informação da capacidade não foi encontrada por meio da ANTT, buscou-se procurar a informação em divulgações feitas pelos operadores dos terminais. Como recurso adicional foi identificada, entre os terminais intermodais de cada pátio ferroviário, a maior movimentação mensal registrada e esta foi considerada a capacidade existente naquele pátio. 4. RESULTADOS Dos 416 pátios de origem/destino presentes na base de movimentação ferroviária registrada entre 2008 e 2013, classificaram-se 147 (35% do total) com presença de terminais de transbordo rodoferroviário. A figura 3 mostra como estão distribuídos no Brasil.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 3: Distribuição dos pátios ferroviários onde ocorre transbordo rodoferroviário.

Fonte: Elaboração própria.

Ao se examinar os terminais rodoferroviários brasileiros, notou-se que, de acordo com o produto movimentado, existe a tendência de haver características semelhantes quanto às unidades de armazenagem e aos equipamentos de carga/descarga. Assim, avaliou-se, como sendo mais apropriado, classificar os terminais brasileiros de acordo com o tipo de produto movimentado: • terminais rodoferroviários de granéis agrícolas; • terminais rodoferroviários de fertilizantes; • terminais rodoferroviários de combustíveis; • terminais rodoferroviários de carga geral. 4.1. Terminais rodoferroviários de granéis agrícolas Constituem o tipo mais comum de terminal de transbordo rodoferroviário no país. Eles estão inseridos na cadeia logística de produtos agrícolas como, principalmente, soja, açúcar e milho e, em menor escala, arroz. A configuração desse tipo de terminal pode ser representada pelo esquema da figura 4 (Calabrezi, 2005).

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Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil

Figura 4: Esquema das operações e equipamentos de um terminal de granéis agrícolas.

Fonte: Adaptado de Calabrezi (2005).

Sendo o tipo de terminal rodoferroviário mais numeroso, os terminais de granéis agrícolas estão distribuídos em todas as regiões do país, porém, concentrados especialmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde participam da logística responsável por levar a produção agrícola das áreas de plantio até os portos, no litoral. A imagem da figura 5 mostra a distribuição dos terminais pelo território brasileiro.

Figura 5: Pátios com terminal de transbordo rodoferroviário de granel agrícola.

Fonte: Elaboração própria.

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4.2. Terminais rodoferroviários de fertilizantes O agronegócio no Brasil expandiu-se em direção ao interior do país e o bioma do cerrado, que anteriormente era considerado impróprio para agricultura, é, atualmente, a principal área produtiva do país. Um dos fatores que tornaram essa expansão possível foi o manejo adequado do solo dessas regiões a partir da aplicação de fertilizantes e condicionadores do solo (Teixeira, 2011). Conforme o mesmo autor, o produto é transportado na forma de fertilizantes básicos, principalmente, a granel e ensacado quando na forma de misturas, depois de feita a formulação. Os custos de transporte dos fertilizantes são expressivos em função do baixo valor agregado do produto e do volume movimentado. Em função da falta de estrutura ferroviária no país, o transporte de fertilizantes no Brasil é feito principalmente via modal rodoviário. Os veículos e vagões comumente empregados no transporte de fertilizantes a granel são os mesmos usados nos transportes de produtos agrícolas, como o açúcar e os grãos, o que permite a realização de fretes de retorno para o transporte dessas cargas (Teixeira, 2011). Os terminais rodoferroviários de fertilizantes possuem equipamentos semelhantes aos terminais de grãos, que trabalham com a ajuda da gravidade, porém, em sentido inverso, haja vista que operam com recepção do granel. Por também fazerem parte da cadeia logística do agronegócio, a distribuição dos terminais de fertilizantes no Brasil tem as mesmas características dos terminais de grãos, embora se apresentem em menor número. A figura 6 mostra as instalações de transbordo rodoferroviário de fertilizantes identificadas no país.

Figura 6: Pátios com transbordo rodoferroviário de fertilizantes.

Fonte: Elaboração própria.

4.3. Terminais rodoferroviários de combustíveis Para realizar as operações de transporte, as distribuidoras de combustíveis contam com transportadoras que movimentam os produtos entre as diversas instalações que compõem sua

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Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil

infraestrutura. De acordo com Maligo (2005), as bases são comumente classificadas conforme sua posição na cadeia de suprimentos dos combustíveis. As bases que recebem produtos de uma refinaria de petróleo são denominadas bases primárias. Já as que recebem produtos das bases primárias são denominadas bases secundárias. De acordo com Fleury (2005), os fluxos primários acontecem por cabotagem (48%), por dutovias (41%) e o restante (11%), por rodovias. Os fluxos de transferência, que ocorre entre bases, apoiam-se principalmente sobre o modal ferroviário (61%), e, em menor proporção, sobre o rodoviário (29%) e o hidroviário (10%). Finalmente, os fluxos de entrega, entre as bases e os clientes, utilizam-se apenas do modal rodoviário (Fleury, 2005). Conclui-se, desta forma, que as bases secundárias que recebem derivados claros do petróleo por meio do modal ferroviário podem ser consideradas como terminais de transbordo rodoferroviário. Fleury (2005) ressalta existir um gargalo ferroviário nos fluxos de transferência, ao observar que a maior parte da utilização do modal rodoviário nesses fluxos ocorre entre bases com ligação ferroviária. Neste sentido, o crescimento da movimentação de combustíveis que se espera para os próximos anos deverá ser absorvido pelo modal rodoviário, gerando custos logísticos que deverão ser repassados ao final da cadeia logística, ou seja, aos consumidores finais. Segundo Maligo (2005), a logística de distribuição do etanol (álcool combustível) é diferente da logística de distribuição dos derivados à medida que as unidades produtoras de etanol são pulverizadas e localizadas em áreas rurais, no interior, próximas das culturas de cana-de-açúcar. O transporte de álcool dos produtores até as bases é conhecido no mercado de distribuição de derivados como coleta de álcool. Frequentemente, o fluxo do álcool pela rede de distribuição, desde a coleta até o envio aos grandes centros de consumo, tem um sentido inverso ao da distribuição dos derivados: o álcool entra na rede pelas bases secundárias e segue para as primárias. Milanez et al (2010) concluíram que para um bom desempenho do transporte ferroviário regional, busca-se a integração dos fluxos de etanol com os fluxos de derivados do petróleo. O carregamento ou descarregamento de líquidos inflamáveis/combustíveis em caminhões ou vagões-tanque ferroviários é uma das operações de maior risco a ser empreendida em qualquer instalação de fabricação ou armazenamento. A operação de carga a partir de tanques de armazenamento ocorre pelos bicos das bombas de abastecimento. A descarga é feita por meio de mangotes ligados às válvulas de fundo. Os terminais de combustíveis distribuem-se de forma regular pelo território nacional, como mostra a figura 7.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 7: Pátios com terminal de transbordo rodoferroviário de combustíveis.

Fonte: Elaboração própria.

4.4. Terminais rodoferroviários de carga geral A fim de que o transporte intermodal de carga geral aconteça de forma eficiente, existe a necessidade da unitização da carga. Uma unidade de carga bastante difundida foram os paletes, que, devido às suas dimensões, mantiveram as operações nos terminais ainda muito trabalhosas, além de terem oferecido pouca proteção à avaria e ao roubo da carga. Posteriormente, desenvolveram-se novas tecnologias para a operação intermodal rodoferroviária de carga geral, como semirreboques e swap bodies, que vêm, no exterior, viabilizando mais o transporte entre os modais rodo e ferroviários. (Rodrigue, 2014). No entanto, foi o contêiner que revolucionou o transporte intermodal mundial. Trata-se de um cofre concebido de maneira que se padronizassem as operações de transporte e transbordo entre navios, vagões, carretas e barcaças. A conteinerização permitiu que as operações nos terminais se tornassem mais ágeis e seguras e passassem a demandar menos mão de obra (Rodrigue, 2014). Observou-se, durante a execução deste trabalho de pesquisa, que, no Brasil, o transporte ferroviário de carga geral ocorre exclusivamente de forma solta ou em contêineres. Pimentel (2005) afirma que a intermodalidade rodoferroviária é atualmente utilizada majoritariamente para movimentação de granéis. Isso se deve à existência de diversos problemas de infraestrutura ferroviária e de terminais, além da falta efetiva do operador multimodal e a coordenação de sistemas, o que eleva custos e prejudica a competitividade nacional. De fato, segundo ANTT (2014), a proporção de carga geral no transporte ferroviário brasileiro no ano de 2013 foi de apenas 4%, em peso transportado. Desta forma, classificaram-se os terminais de carga geral entre aqueles dedicados à movimentação de carga geral solta e de carga geral conteinerizada.

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Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil

4.5. Terminais rodoferroviários de carga geral solta Como a carga geral solta pode ser embarcada ou desembarcada no próprio pátio ferroviário, existe movimentação de carga geral solta em quase todos os tipos de terminais, principalmente de produtos siderúrgicos. Na maior parte dos pátios, contudo, a movimentação ocorre de forma escassa e irregular ou temporária. Buscou-se, então, identificar onde existem terminais próprios para este tipo de carga, através da análise do volume de carga geral movimentada e da visualização de uma instalação com estruturas para a operação ferroviária, armazenagem e recebimento de veículos rodoviários. Reforça-se que a definição de terminal e transbordo exclui usinas e fábricas, que, apesar de representarem origem e destino para grande quantidade de carga geral solta, não configuram transbordo rodoferroviário. Com exceção de três terminais intermodais de expedição de celulose, os terminais de carga geral solta levantados foram todos de recebimento de produtos siderúrgicos. A distribuição dos terminais na malha ferroviária brasileira pode ser visualizada na figura 8.

Figura 8: Pátios com terminal de transbordo rodoferroviário de carga geral solta.

Fonte: Elaboração própria.

4.6. Terminais rodoferroviários de contêineres Os terminais intermodais observados contam com equipamentos para movimentação de contêineres como top loaders ou reach stackers (figuras 9-a e 9-b). Foi identificado também, em alguns casos, o emprego de guindastes de pórtico (figura 9-c).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 9: Equipamentos de movimentação de contêineres: reach stacker (a), top loader (b) e guindaste pórtico tipo RTG (road tyred gantry crane) (c).

Fonte: Adaptado de Kemme (2013).

Foi verificada grande variação do nível de organização dos terminais intermodais brasileiros. Apesar de terem sido observados terminais organizados e exclusivos à movimentação de contêineres, outros eram mais simples e resumiam-se à utilização de uma estreita área junto ao pátio ferroviário, normalmente, no centro das cidades, onde os contêineres são estocados de maneira visivelmente improvisada. Os terminais rodoferroviários de contêineres observados distribuem-se nos pátios ferroviários destacados na figura 10.

Figura 10: Pátios com terminal de transbordo rodoferroviário de contêineres.

Fonte: Elaboração própria.

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Identificação e Caracterização dos Terminais de Transbordo Rodoferroviários do Brasil

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo preocupou-se em reunir informação teórica acerca do transporte intermodal rodoferroviário e, principalmente, contribuir para o conhecimento que se construiu ao longo do projeto de pesquisa sobre a própria infraestrutura nacional de terminais de transbordo, que exercem a função de ligação entre os dois modais com características tão distintas. 6. CONCLUSÕES Observou-se que o transporte intermodal rodoferroviário é relevante na agroindústria do país, participando do processo de exportação dos produtos agrícolas e na complementar importação de fertilizantes. Ao se considerar os granéis líquidos, este tipo de transporte é amplamente utilizado na distribuição de combustível em todas as regiões do país com alcance ferroviário, com sentido ao interior, no caso dos derivados de petróleo e, sentido do interior, em áreas produtoras de etanol. Provavelmente, em função da história da construção da matriz de transportes brasileira, o transporte de carga geral ainda tem pouca participação nas ferrovias brasileiras, se comparado ao modal rodoviário. E é mais amplamente utilizado, principalmente pela indústria siderúrgica que, apesar de movimentar principalmente entre usinas, indústrias e portos, conta com alguns terminais rodoferroviários dedicados à operação de transbordo. Outras indústrias, menos pesadas, dependem do processo de conteinerização para viabilizar o transporte intermodal. De fato, vem crescendo o número de contêineres que circulam nas ferrovias brasileiras, bem como a quantidade de terminais dedicados à sua movimentação. 7. OPORTUNIDADES DE PESQUISA A partir das informações de quantidade, localização e capacidade dos terminais, espera-se, ainda na conclusão do relatório final da pesquisa sobre os terminais rodoferroviários, complementar a análise das movimentações e descrever as cadeias logísticas que se utilizam deste tipo de intermodalidade no Brasil, bem como apresentar as tendências observadas nos últimos anos. Pretende-se, também ainda neste projeto, criar um banco de dados de terminais de transbordo que seja compatível com um Sistema de Informações Geográficas (SIG), que tenha como função, entre outras, realizar simulações logísticas. Devido ao alto número de terminais levantados, fica clara a necessidade de uma análise mais acurada, caso a caso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTT (2013) Agência Nacional de Transportes Terrestres. Declaração de Rede. Bustamante, J. C. (2001) Terminais de Transporte de Carga. NULT/UFES, Vitória. Calabrezi, S. R. S. (2005) A multimodalidade para o transporte de cargas: identificação de problemas em

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

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RASTREABILIDADE ONLINE NA CADEIA DO FRIO: PROPOSTA DE SOLUÇÃO E ESTUDO DE VIABILIDADE 10

André Vital Saúde

Universidade Federal de Lavras Ricardo Alexandre da Silva Shimabukuro Victório

Mitah Technologies Eduardo Jardel Veiga Gonçalves

Instituto Federal do Triângulo Mineiro Gabriel Chaves Afonso Coutinho

Mitah Technologies RESUMO Este trabalho apresenta um estudo de viabilidade técnica, econômica, comercial e ambiental de um sistema de rastreabilidade online de produtos perecíveis na cadeia logística do frio. A avaliação da viabilidade técnica foi realizada por meio de projeto, implementação e testes de uma solução tecnológica baseada em redes de sensores sem fio e comunicação via rede de celular. A viabilidade econômica foi avaliada com base em informações de faturamento, perdas e lucros das operações logísticas colhidas em publicações de mercado. A viabilidade comercial foi avaliada por meio de entrevistas em profundidade realizadas com diversos atores da cadeia logística do frio. A viabilidade ambiental foi avaliada com base nas características físicas da solução proposta e do modelo de negócios esperado. Os estudos mostraram que a solução tecnológica criada é técnica, econômica e ambientalmente viável, mas a atual organização da cadeia logística, contendo muitos elos que trabalham com baixa margem de lucro, não torna a solução comercialmente viável no momento. O estudo ainda sugere pontos de evolução da tecnologia que poderão tornar o sistema comercialmente viável nos próximos anos. ABSTRACT This paper presents a study of technical, economic, commercial and environmental feasibility of a system for online traceability of perishable products along the logistical cold chain. The technical feasibility was evaluated by projecting, implementing and testing a technological solution based on wireless sensor networks and communication over cell phone networks. The economic feasibility was evaluated based on information about revenue, losses and benefits of logistical operations extracted from secondary publications of the market. The commercial feasibility was evaluated by means of interviews with several cold chain actors. The environmental feasibility was evaluated based on the physical characteristics of the proposed solution and the expected business model. The study showed that the proposed technological solution is technically, economically, and environmentally feasible. Nevertheless, the present organization of the cold chain, with many sectors working on low profit rates, does not allow the proposed solution to be commercially feasible at the moment. We conclude by suggesting possible improvements to the proposed solution that could lead to a commercially feasible system in the following years.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Este trabalho foi concebido a partir da identificação de dois problemas ou fatores que impactam o segmento das empresas que atuam com carga frigorificada na chamada cadeia logística do frio, incluindo embarcadores, operadores logísticos, transportadoras, armadores, seguradoras, atacado e varejo. O primeiro desses fatores é a tendência mundial de aumento da exigência por rastreabilidade de produtos para consumo humano (alimentos e fármacos). Isto pode ser observado principalmente em países desenvolvidos e está relacionado tanto à legítima preocupação dos governos e da população desses países em oferecer e consumir alimentos que apresentem garantias quanto à sua segurança, como também à intenção desses países de restringir o acesso a seus mercados mediante a imposição de barreiras não tarifárias. O segundo fator diz respeito às perdas e aos consequentes prejuízos ocasionados por falhas na cadeia do frio, especificamente na cadeia logística. O conceito de rastreabilidade aplicada a alimentos e outros produtos destinados ao consumo humano pressupõe a capacidade de registrar dados acerca dos recursos e processos empregados ao longo de sua cadeia de valor. Tais dados devem ser passíveis de serem recuperados a qualquer tempo a fim de comprovar a segurança do produto. A responsabilidade por registrar e manter estes dados é, portanto, compartilhada por todos aqueles que integram a cadeia de valor do produto. Do campo à mesa é o termo mais difundido e o que melhor traduz a definição adotada por normas, leis e regulamentos internacionais sobre a rastreabilidade aplicada a produtos para consumo humano. Segundo esta definição, um produto possui rastreabilidade se, e somente se, for possível recuperar todo o histórico de registros, seus e de todos os seus componentes, referentes a todos os estágios de sua cadeia produtiva, desde a produção, passando pelo processamento e fracionamento, até sua armazenagem e distribuição. No caso de produtos perecíveis, que devem ser mantidos refrigerados ou mesmo congelados, é sabido que um dos fatores que podem pôr em risco a saúde dos consumidores está relacionado à manutenção da cadeia do frio. Portanto, para garantir a segurança destes produtos, é preciso assegurar que sejam mantidos sob condições adequadas de temperatura ao longo de todo o itinerário entre a indústria e o consumidor. Existem no mercado diversos sistemas de informação específicos para o setor de logística de cargas. Dentre as soluções atualmente disponíveis estão os sistemas de rastreamento de veículo (Vehicle Tracking System), cujo principal objetivo é a segurança e preservação dos valores transportados e a do próprio veículo. Existem ainda sistemas destinados ao gerenciamento de frota (Transportation Management System - TMS) e aqueles que tratam do gerenciamento de armazéns (Warehouse Management System - WMS). Ambos têm por objetivo o gerenciamento dos processos e dos recursos empregados. Contudo, não existe solução no mercado que garanta a segurança (inocuidade) e a rastreabilidade do produto transportado, o que implicaria na manutenção e disponibilização de registros dos dados acerca das condições ambientais a que foi exposta a carga ao longo de todo o seu itinerário. Apesar dos pesados investimentos em tecnologia da informação (TI) feitos nos últimos anos por empresas do setor de logística de carga, sabe-se que a grande maioria não dispõe de tecnologia capaz de registrar, armazenar e disponibilizar, em formato aberto, os dados acerca das condições ambientais a que foi exposto o produto. Quando há o suporte ao registro destes dados, o mesmo é restrito ao ambiente controlado no interior do veículo, do contêiner ou em partes do armazém que dispõem de controle de temperatura. Contudo, permanecem diversas lacunas, tais como o tempo de transferência entre modais e/ou de carga e descarga, a transferência de responsabilidades a outra empresa parceira, e a variação de temperatura entre diferentes pontos dentro do armazém, contêiner ou veículo - que, segundo estudo elaborado pela Deloitte Consulting em parceria com a University of

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Rastreabilidade Online na Cadeia do Frio: Proposta de Solução e Estudo de Viabilidade

Arkansas, pode ultrapassar os 35% (Deloitte, 2006). Há ainda diversos outros pontos críticos do processo que, por menor que seja o período de exposição do produto a condições adversas, pode ser suficiente para comprometer sua qualidade e segurança. O fato é que as falhas na manutenção da cadeia do frio são um problema recorrente. O resultado disso pode variar desde perdas econômicas, quando detectado que o produto está fora das especificações, até a perda de vidas. Anualmente, as perdas, segundo pesquisa publicada pela Revista Forbes (Forbes, 2006), são da ordem de US$ 35 bilhões ao ano em todo o mundo. No Brasil, as perdas de produtos perecíveis na cadeia logística ocasionadas por falhas na cadeia do frio são superiores a US$2,8 bilhões ao ano (Portal LogWeb, 2007; ABIAF, 2007; ABRAVA, 2008). Mesmo na Europa, que possui uma infraestrutura de armazenagem e distribuição de produtos perecíveis muito maior que a do Brasil, as perdas são superiores a $3 bilhões de euros ao ano (Pira International, 2006). No caso de vacinas e soros, o armazenamento, a movimentação e a distribuição exigem esforços e cuidados redobrados. Qualquer quebra nessa delicada cadeia pode fazer com que uma vacina perca a sua capacidade de imunizar. Daí ser imprescindível a manutenção de princípios e normas rígidas, estipuladas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo os quais, a manutenção da integridade de uma vacina depende da observância aos limites de temperatura estipulados (+2°C à +8°C). Relatórios da OMS apontam que a organização tem um prejuízo anual da ordem de US$ 120 milhões (OMS, 2000), resultado das perdas de vacinas ocasionadas por falhas na manutenção da cadeia do frio. O risco é consideravelmente aumentado quando o produto passa por diversos atores ao longo de seu trajeto. Como exemplo, imaginemos que um Frigorífico de Barretos/SP esteja enviando um lote de carne bovina “in natura” para uma rede varejista localizada no interior da Alemanha. O produto pode passar por diversos atores como: i) um caminhão de Barretos ao armazém/centro de distribuição de um operador logístico localizado em São José do Rio Preto/SP; ii) um caminhão de São José do Rio Preto ao porto de Santos/SP; iii) um navio de Santos ao porto de Amsterdam; iv) um trem até Berlin; v) um trem local até a cidade do interior da Alemanha; e vi) um caminhão até o centro de distribuição da rede varejista. A questão da rastreabilidade de produtos alimentícios em processos logísticos é complexa e diferente do problema de rastreamento do veículo ou carga. Enquanto a rastreabilidade visa garantir a segurança e a manutenção da integridade do alimento como forma de proteger o consumidor, o rastreamento objetiva única e exclusivamente preservar o veículo e sua carga de um eventual roubo. O objetivo deste trabalho foi projetar, implementar e testar uma solução para a realizar o registro de dados ao longo de toda a cadeia logística e ainda avaliar a solução do ponto de vista de sua viabilidade técnica, econômica, comercial e ambiental. 2. METODOLOGIA O trabalho foi realizado segundo os estudos de viabilidade apresentados. Primeiramente foi proposta uma solução técnica para o problema da rastreabilidade de produtos perecíveis na cadeia logística. Em seguida, a proposta técnica foi avaliada dos pontos de vista das viabilidades econômica e ambiental. Comprovando-se econômica e ambientalmente viável, a solução foi apresentada a atores importantes do mercado para fins de avaliação da viabilidade comercial. A proposta técnica utilizou-se das tecnologias de Redes de Sensores Sem Fio – RSSF (Callaway Jr., 2003; Culler et al., 2004; Hill, 2004; Zhao e Guibas, 2004), além de comunicação via redes de

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

telefonia móvel, sistema web de integração das informações e dispositivos móveis para os operadores de campo. Para avaliação da viabilidade econômica, foi estimado o custo total da solução aplicado a um caso de referência com base em dados da literatura (Valor Econômico, 2008). Foi considerada economicamente viável a solução cujo custo foi inferior ao valor médio estimado das perdas na cadeia do frio para a solução estudada. O estudo de viabilidade técnica foi realizado por meio de experimentação. A solução técnica proposta foi implementada e testada em laboratório em uma versão economicamente viável. A viabilidade ambiental foi avaliada com base no total de lixo eletrônico gerado pela solução. As condições de tratamento desse lixo eletrônico também foram avaliadas conforme custo compatível com a viabilidade econômica atestada. O estudo da viabilidade comercial envolveu a interação direta com atores importantes da cadeia do frio, considerando indústrias, operadores logísticos, transportadoras, seguradoras e compradores dos produtos rastreados. O trabalho foi realizado por pesquisa-foco utilizando-se de entrevistas em profundidade com os atores-chaves. 3. SOLUÇÃO TECNOLÓGICA A solução tecnológica desenvolvida é apresentada na Fig. 1.

Figura1: Funcionamento da solução

No momento do empacotamento, ainda na indústria, cada pallet recebe um dispositivo eletrônico chamado nó sensor sem fio, dotado de um processador, sensores ambientais de temperatura e umidade, relógio com hora e data configuráveis e protocolo de comunicação sem fio Zigbee. A opção por monitorar individualmente cada pallet é devido à grande variação de temperatura que pode ocorrer no interior de um contêiner, podendo ultrapassar os 35% (Deloitte, 2006), e também pelo fato de que os nós sensores serão posicionados apenas no momento da palletização e recuperados no momento do despalletização. Os nós sensores se comunicam entre si por meio do protocolo Zigbee e são configurados para a autoconfiguração de uma RSSF. Além dos nós sensores ligados aos pallets, o veículo ou contêiner também é equipado com um nó sensor específico, que se comunica com o equipamento rastreador de veículos e serve de ponto de acesso (gateway) entre os nós sensores sem fio e a rede celular. O gateway se comunica com um servidor web pela Internet, usando como meio a rede de dados celular. Por se tratar de um dispositivo que porta um chip e um plano de operadora de celular, ao mesmo

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Rastreabilidade Online na Cadeia do Frio: Proposta de Solução e Estudo de Viabilidade

tempo em que está configurado como um nó sensor sem fio, o gateway serve de comunicação em duas vias, transmitindo os dados de todos os nós sensores para o servidor assim como instruções do servidor para os nós sensores. A solução possui similaridades com os sistemas de rastreamento de veículos. Porém, a diferença está no fato de que os itens rastreados são os pallets e não o veículo, de que os nós sensores conectados a cada pallet só estão conectados ao gateway por comunicação sem fio e de que os dispositivos podem transitar de um modal a outro e continuarem a ser rastreados pelo sistema. Em um armazém devem ser posicionados diversos gateways de forma a cobrir a área frigorificada. Logo, se uma carga de 30 pallets chega a um centro de distribuição e é descarregada, armazenada e posteriormente expedida dividida em dois veículos para destinos diferentes, os pallets nunca param de ser monitorados. Mesmo no momento do descarregamento, quando os nós sensores podem estar sem conexão com gateways, nunca param de registrar as leituras dos sensores e, tão logo cheguem ao alcance de um gateway do armazém, passam a informar os dados por este novo meio. O mesmo acontece quando os pallets são expedidos. Os processadores dos nós sensores são configurados com modelos matemáticos de crescimento microbiológico (Boari et al., 2008; Pimentel et al., 2004; Silva et al., 2007) do material transportado. Estes processadores geram alarmes sempre que as condições ambientais (temperatura e umidade) são desfavoráveis. 4. RESULTADOS A solução tecnológica foi desenvolvida e implementada usando nós sensores sem fio genéricos configuráveis de mercado, modelo MICAz 2.4GHz IEEE 802.15.4, fabricados pela empresa norte-americana Crossbow Technology Inc. O custo do nó sensor genérico é de aproximadamente US$ 150,00 e pode ser comprado por unidades, em pequenas quantidades. Além disso, foi desenvolvido e simulado o projeto eletrônico de um nó sensor sem fio, permitindo que este seja construído no território nacional. O custo mínimo possível atingido foi de aproximadamente R$ 150,00 para produções em quantidades da ordem das centenas. O mesmo projeto chega a custar 50% menos se produzido na China em quantidades da ordem das dezenas de milhares. 4.1. Viabilidade técnica Uma solução é tecnicamente viável se existem tecnologias disponíveis para implementá-la e se existe capacidade técnico-operacional disponível para fazê-la ser utilizada na prática. A viabilidade técnica foi comprovada pelas seguintes constatações:

1. A RSSF foi configurada, implementada e testada em laboratório, fazendo comunicação com um servidor web por meio do gateway e comprovando o funcionamento da tecnologia.

2. Os nós sensores utilizam microprocessadores com capacidade para calcular modelos matemáticos de crescimento de microorganismos e gerar alertas.

3. Os procedimentos de palletização e despalletização foram observados e foi possível constatar que o nó sensor pode ser anexado ao pallet por uma fita adesiva no momento da palletização, comprovando que o sistema pode ser utilizado na prática.

4. Foi verificado que o mercado dispõe de empresas capazes de fazer coletas fracionadas, o que comprova a viabilidade técnica de se fazer a logística reversa dos nós sensores, retornando-os aos embarcadores.

Os nós sensores precisam ser protegidos por invólucros plásticos resistentes (inclusos no custo estimado) para não serem danificados nos momentos em que são manuseados.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

É necessária a disponibilização de pessoal de assistência técnica próximo aos embarcadores para manutenção preventiva e corretiva e para o recarregamento de baterias. Com todas essas constatações, concluiu-se que a solução é tecnicamente viável. 4.2. Viabilidade econômica Uma solução é considerada economicamente viável se o seu custo global for inferior aos ganhos que ela pode trazer. A viabilidade econômica foi estudada com base no estudo de caso apresentado por Medeiros et al. (2008). Neste estudo, o operador logístico analisado possui 47 caminhões com capacidade de 30 pallets cada um. Portanto, é possível ter 1.410 pallets em trânsito. Além disso, o armazém possui quase 10 mil posições de pallets resfriados ou congelados. Por se tratar de um ambiente melhor controlado, o armazém não precisa manter um nó sensor em cada pallet. Por esta razão, estimamos que haja 5 mil pallets sendo monitorados concomitantemente. Considerando-se 15 dias como o tempo de permanência médio de pallet no armazém, mensalmente seriam monitorados 10 mil pallets com os mesmos 5 mil nós sensores. O custo estimado do serviço para um operador logístico desse porte, com contrato para o monitoramento de 5 mil pallets e duas circulações mensais em média, é de R$42 mil por mês, incluindo:

1. Pagamento mensal por uso do sistema e servidor compartilhado na nuvem. 2. Contrato de suporte, manutenção e logística reversa nas diversas modalidades de suporte

(email, chat, VOIP, telefone, on-site), incluindo a depreciação de equipamentos e substituição de equipamentos danificados.

3. Adicional por SLA que assegura suporte 24x7. 4. Adicional por SLA que assegura disponibilidade semanal média de 80% dos equipamentos

contratados. O custo por pallet monitorado é, portanto, de R$ 4,20 e o custo anual da solução para este operador é de aproximadamente R$ 500 mil. Se considerarmos o faturamento anual do operador e considerarmos uma média de 3% de perda na cadeia do frio (Portal LogWeb, 2007; ABIAF, 2007; ABRAVA, 2008), o valor anual de R$ 500 mil significaria aproximadamente 7% do valor das perdas anuais. Sendo o custo da solução inferior a 10% da perda que este ajuda a evitar, concluímos que a solução é economicamente viável. 4.3. Viabilidade comercial Uma solução é considerada comercialmente viável se a organização do mercado permite que se definam atores com capacidade e interesse de arcar com os custos da solução. Diferente da viabilidade econômica, a viabilidade comercial não está relacionada ao custo global e aos potenciais ganhos globais, mas sim ao custo para cada ator do mercado e ao retorno que cada ator irá obter. Este estudo envolveu diversos atores da cadeia logística do frio. Foram realizadas entrevistas em profundidade com pessoas-chave da operação logística em empresas de grande porte que atuam na cadeia do frio. Por se tratar de entrevistas que não geram resultados generalizáveis, este trabalho é dispensado de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa. As empresas entrevistadas foram:

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Rastreabilidade Online na Cadeia do Frio: Proposta de Solução e Estudo de Viabilidade

• Grupo de Indústrias: 2 indústrias alimentícias e 2 indústrias farmacêuticas, • Grupo de Operações Logísticas: 2 transportadores e 3 operadores logísticos, • Grupo de Parceiros: 1 empresa que provê soluções de TI WMS e TMS, 2 operadores de sistemas

de rastreamento de veículos (Tracking Systems) e 1 seguradora, • Grupo Varejista: 1 rede de supermercados varejista voltada para o público das classes A e B.

Foram adotados quatro roteiros de entrevistas similares, mas direcionados para cada grupo acima. No grupo de indústrias, tanto as duas alimentícias quanto as duas farmacêuticas, todos os entrevistados apresentaram interesse na solução, mas consideraram altos os custos de manutenção. As indústrias não consideram viável absorver os custos da operação. No grupo de transportadores e operadores logísticos mais uma vez o custo foi levantado como problema. Neste caso o cliente deles é quem exerceria resistência para arcar com os custos, o que mostra que este conjunto de atores também não considera viável absorver tais custos da operação. Esses atores também consideraram difícil lidar com a questão cultural dos trabalhadores do setor, que terão de ser capacitados para utilizar corretamente a solução. No grupo de parceiros, a empresa que provê soluções WMS e TMS considera de grande valia a incorporação da solução em seu portfolio, desde que comprovada a aceitação do mercado. A seguradora é o ator que arca com os custos das perdas e considera a solução útil para diminuir tais perdas. No entanto, esta seguradora não demonstrou segurança para afirmar se a solução se tornaria lucrativa caso fosse absorvida por ela. Os operadores de Tracking System consideraram a solução tecnicamente interessante e importante para o mercado, mas advertiram que os clientes de Tracking System são extremamente resistentes a pagar valores adicionais por controles mais especializados. Manifestaram também a preocupação com a logística reversa, que pode danificar equipamentos sem que seja possível identificar os responsáveis. A rede varejista foi o único ator que não alertou sobre os custos da solução. Entretanto, também não demonstrou clareza para afirmar se teria capacidade de absorver os custos e repassá-los a seus clientes. Com base nas falas dos entrevistados, foi possível perceber que cada ator da cadeia do frio atua com margens de lucro muito baixas. Apesar de o ganho global da solução ser economicamente viável, não foi possível encontrar um elo que possa ser o contratante da solução. A maioria dos entrevistados acredita que poucos transportadores buscariam aderir à solução por conta própria, visando à diferenciação de seus serviços e à busca de vantagem competitiva no mercado de transporte. Isto ocorre devido ao impacto do custo do produto e a pouca demanda observada atualmente por essas empresas em relação às especificidades oferecidas pela solução. Com essas constatações concluímos que o produto não é comercialmente viável na atualidade e que a redução do custo dos sensores a ponto de evitar a necessidade de logística reversa seria a principal melhoria. Com a tecnologia atual isto não é possível, a não ser que se mude todo o conceito da solução. 4.4. Viabilidade ambiental Uma solução é considerada ambientalmente viável se o impacto ambiental é considerado sustentável. A principal preocupação com relação à viabilidade ambiental da solução é a quantidade de lixo

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

eletrônico gerado pelo descarte de nós sensores. Para evitar a geração de grandes quantidades de lixo eletrônico, o nó sensor não pode ser tratado como um objeto descartável, mesmo que venha a ser produzido. Devido à necessidade de retorno dos nós sensores a pontos de assistência técnica próximos aos embarcadores, em tais pontos pode ser verificado o bom funcionamento de cada nó sensor e pode ser dada a destinação correta para os que precisem ser descartados. Um nó sensor é um dispositivo eletrônico de uma placa única com dimensões aproximadas de 5x4cm, com vida útil estimada de 3 a 5 anos. Quando comparado ao impacto ambiental gerado pelo conjunto de aparelhos de telefonia celular, o impacto da solução proposta pode ser considerado ambientalmente viável. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho apresentou resultados de pesquisa e uma proposta de solução tecnológica para a rastreabilidade online de pallets ao longo da cadeia logística do frio, desde o embarcador até a rede varejista, passando por diversos modais. A pesquisa com dados secundários mostrou que a cadeia logística do frio sofre perdas bilionárias no mercado global. Tais perdas acabam por ser absorvidas por seguradoras e operadores logísticos, aumentando o custo da operação e consequentemente o preço do produto final para o consumidor. Com base nas constatações obtidas de dados secundários, este trabalho propôs uma solução tecnológica capaz de monitorar em tempo real toda carga que precisa ser refrigerada, pallet a pallet, foram utilizados modelos matemáticos de crescimento de microorganismos para enviar alertas, também em tempo real, ao responsável pelo elo da cadeia que estiver colocando os produtos em risco. Portanto, a solução permite a antecipação de problemas e evita perdas. A solução foi avaliada em termos de sua viabilidade técnica, econômica, comercial e ambiental. Foi constatado que a solução é técnica, econômica e ambientalmente viável, mas que enfrenta barreiras culturais e de organização da cadeia do frio. Tais questões fazem com que a solução não se torne comercialmente viável na atualidade. O principal motivo que compromete a viabilidade comercial é o custo da solução e as baixas margens de lucro de cada elo da cadeia, sendo difícil selecionar um elo capaz de absorver sozinho todo o custo da solução. A experiência com este trabalho mostrou também que o segmento de logística de carga refrigerada tem muitas outras necessidades de soluções em tecnologia da informação que podem ser consideradas prioritárias frente à solução proposta. Sugere-se, como conclusão, trabalhar primeiramente em soluções para problemas mais simples e urgentes das transportadoras, de tal forma que o segmento se prepare tecnologicamente para poder adotar a solução proposta nos próximos anos. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado por recursos do Edital MCT/CNPq nº 18/2009: Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Transportes, além de recursos oriundos da Fapemig, Finep, CNPq e Sebrae. O projeto gerou resultados publicados pelos demais membros da equipe nas áreas de redes de sensores sem fio e modelos matemáticos de crescimento microbiológicos. Os autores agradecem às agências de fomento e aos outros membros da equipe que apoiaram este trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Boari, C. A.; G. I. Pereira; C. Valeriano; B. C. Silva; V. M. Morais; H. C. Figueiredo et al. (2008) Ecologia bacteriana

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141

AVALIAÇÃO DO TRANSPORTE INTERMODAL DE PRODUTOS FLORESTAIS E SUA RELAÇÃO COM O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

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Daniel de Alencastro Bouchardet

Eraldo Aparecido Trondoli Matricardi Humberto Angelo

Olívia Bueno da Costa Reginaldo Sérgio Pereira

Universidade de Brasília, Departamento de Engenharia Florestal RESUMO O desmatamento na Amazônia brasileira tem despertado o interesse de inúmeros pesquisadores para entender não somente a sua dinâmica, mas também os seus determinantes. Este trabalho aborda o transporte intermodal de produtos florestais e sua interface com o desmatamento na Amazônia brasileira. Como base metodológica empregaram-se as técnicas de análise de regressão e as de sensoriamento remoto. Os resultados indicam que a malha viária impacta de forma significativa e direta o desmatamento em todos os estados da Amazônia legal. ABSTRACT Deforestation in the Brazilian Amazon has piqued the interest of many researchers not only to understand their dynamics, but also its determinants. This present study addresses the intermodal transport of forest products and their interface with deforestation in the Brazilian Amazon. Regression analysis and remote sensing were employed as methodological techniques. The results indicate that the road network impacts deforestation significantly and directly in all states of the Legal Amazon.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO A atividade madeireira na Amazônia envolve mais de 2.200 empresas no setor, com uma receita bruta de quase cinco bilhões, consumindo cerca de 14 milhões de metros cúbicos em tora a cada ano entre 2000 e 2011 (Lentine et al., 2005). Neste contexto, destacam-se como maiores produtores florestais os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia. Estima-se que atualmente o setor gera em torno de 200 mil postos de trabalho, com mais de 60 mil empregos diretos e outros 130 mil empregos indiretos na região (Lentini et al., 2003, 2005). Vários estudos identificaram relação entre a exploração seletiva de madeiras (na qual apenas as espécies de maior valor comercial são exploradas) e o desmatamento na Amazônia brasileira (Matricardi et al., 2010, 2013; Margulis, 2003; Rivero et al., 2009; Rodrigues, 2004; Santos, 2010). Uma vez exploradas seletivamente, as florestas se tornam economicamente mais pobres e, portanto, inviáveis aos propósitos de uso e manejo florestal. Por isso, muitas vezes estas florestas “empobrecidas” são convertidas para outros tipos de produção agropecuária. Acrescido ao desmatamento na Amazônia alguns estudos observaram que o processo de exploração seletiva de madeiras leva a diferentes níveis de degradação florestal, deixando-as mais vulneráveis à ocorrência e propagação do fogo (Cochrane e Schulze, 1998; Fearnside, 1999; Geist e Lambin, 2002; Holdsworth e Uhl, 1997; Nepstad et al., 1998; Uhl, 1998; Uhl e Kauffman, 1990). Juntos, extração seletiva e incêndios florestais contribuem substancialmente com o aumento das emissões de carbono e outros impactos ambientais. Outro tema de estudo na Amazônia é a abertura e o acesso aos recursos naturais (floresta e solo), que estão relacionados ao aumento do desmatamento e da degradação florestal na Amazônia. Alguns autores relacionaram a abertura de estradas e outros meios de acesso às regiões mais afastadas à degradação florestal e ao desmatamento, tendo em vista o maior acesso e facilidade de escoamento dos produtos florestais e madeireiros (Ângelo e Pereira de Sá, 2007; Becker, 2001; Macedo e Teixeira, 2009; Reis, 2001). Uma vez “empobrecida” pela exploração seletiva das espécies comerciais, a floresta deixa de ser atrativa economicamente e se torna mais suscetível à conversão para usos agropecuários. Não existem estudos, porém, que envolvam uma análise integrada dos efeitos dos diferentes modais de transporte nas florestas tropicais da Amazônia brasileira. O presente trabalho de pesquisa buscou determinar a influência da malha viária no desmatamento, incluindo também a caracterização e evolução do setor florestal na região amazônica nas últimas décadas, incluindo as exportações e envolvendo vários aspectos econômicos e ambientais. Essas informações podem ser utilizadas para estabelecer diretrizes básicas para um sistema de transporte e exploração florestal sustentável na Amazônia brasileira. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Foram abordadas análises do transporte de produtos florestais e seus impactos na floresta tropical nos diferentes modais na região Amazônica. Em especial, o projeto procurou: a) caracterizar os modais e a infraestrutura de produtos florestais; b) avaliar a eficiência e os custos operacionais da cadeia logística de transporte intermodal de produtos florestais; c) determinar os pontos fortes e fracos e as oportunidades e ameaças do transporte de produtos florestais nos diferentes modais; d) identificar e determinar o impacto dos diferentes modais na floresta; e) modelar a oferta e a demanda por transporte de produtos florestais na região; e f) propor um conjunto de subsídios para o transporte sustentável de produtos florestais na região. Como base metodológica foram aplicadas técnicas de: diagnóstico para levantamento de dados de campo, modelos econométricos, swot analysis, sensoriamento remoto, modelagem matemática e

144

Avaliação do Transporte Intermodal de Produtos Florestais e sua Relação Com o Desmatamento na Amazônia Brasileira

outras. A contribuição da malha viária da Amazônia Legal para o desmatamento foi mensurada por meio de um modelo da área desmatada acumulada (Km2) em função da extensão das rodovias (Km). O referido modelo descrito pela equação (1) foi estimado por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), adotando-se a forma funcional logarítmica para se obter diretamente do coeficiente estimado o quão sensível é a variável em questão em relação ao seu determinante. Ou seja, o acréscimo ou decréscimo de 1% na malha viária leva a um acréscimo ou decréscimo percentual, de maior ou menor magnitude, na variável de resposta área desmatada. LnADt = β0 + β1lnMVt + μ (1) Onde, ADt é a área desmatada acumulada em Km2, MVt é a extensão de estradas pavimentadas e não pavimentadas. O coeficiente µ é o termo de erro, β0 e β1 são os coeficientes a serem estimados. A significância dos coeficientes foi testada a 5% de significância pelo teste t de Student. O grau de ajuste da equação, isto é, a proporção da variação total da área desmatada explicada pela regressão e sua significância global são medidos pelo R2 e o teste F. A autocorrelação dos resíduos medida pelo teste d de Durbin Watson. A significância da variável explicativa é fornecida pelo teste t (no intervalo de confiança de 95%). Desse modo, testou-se a hipótese de que é β1 ≠ 0, onde a expansão da malha viária leva a um aumento ou redução do desmatamento no período analisado. 2.1. Base de dados A análise abrange as áreas dos estados do Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Pará, Maranhão, Tocantins, Roraima e Amapá. Para tanto, utilizaram-se dados anuais de séries temporais da extensão da malha viária pavimentada e não pavimentada na Amazônia Legal, no período de 2000 a 2011, da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT. Foram também utilizados dados anuais de séries temporais da área desmatada acumulada na Amazônia Legal, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, no período de 2000 a 2011; dados da produção de madeira em tora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no período de 1990 a 201; e dados da exportação de produtos florestais do Brasil do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC, no período de 1997 a 2013. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Influência da malha viária no desmatamento da Amazônia Os resultados dos modelos ajustados para cada estado da Amazônia Legal são apresentados na Tabela 1. De modo geral, os coeficientes associados à malha viária foram significativos e positivos para todos os estados.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Tabela 1: Desmatamento em função da malha viária por estado da Amazônia Legal. Período 2000-2011.

Estado Estimativas da função de desmatamento

Acre

Ln ADt = 1,50 + 0,68 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (3,47) (7,06)

R2= 0,82 F= 49,87 d = 0,90

Rondônia

Ln ADt = -9,41+ 3,07 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (-6,30) (9,47) R2= 0,89 F= 89,6 d = 0,30

Mato Grosso

Ln ADt = -1,90 + 1,38 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (-2,32) (7,87) R2= 0,85 F= 61,98 d = 0,29

Amazonas

Ln ADt = 0,88 + 0,82 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (2,74) (11,56) R2= 0,92 F= 133,77 d = 0,43

Pará

Ln ADt = -11,72 + 3,54 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (-7,41) (10,26) R2= 0, 90 F= 105,29 d = 0,42

Roraima

Ln ADt = -5,12 + 2,12 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (-6,09) (11,55) R2= 0, 92 F= 133,43 d = 0,99

Amapá

Ln ADt = -0,13+1,21 lnMVt valor-p (0,83) (0,00) t-test (-0,21) (7,66) R2= 0, 8 F= 58,76 d = 0,69

Maranhão

Ln ADt = -5,12 + 2,12 lnMVt valor-p (0,02) (0,00) t-test (-2,61) (3,24) R2= 0, 51 F= 10,52 d = 1,22

Tocantins

Ln ADt = 3,393 + 0,264 lnMVt valor-p (0,00) (0,00) t-test (24,85) (8,80) R2= 0, 87 F= 77,47 d = 0,68

Os maiores impactos de grau elástico da malha viária sobre o desmatamento são observados nos estados do Pará e Rondônia. Menores magnitudes nos estados de Tocantins, Amazonas e Acre, onde o impacto da malha viária sobre o desmatamento é de natureza inelástica.

146

Avaliação do Transporte Intermodal de Produtos Florestais e sua Relação Com o Desmatamento na Amazônia Brasileira

3.2. Dinâmica dos polos madeireiros na Amazônia entre 1990 a 2010 A análise da produção de madeira em tora na Amazônia entre 1990 e 2010, revelaram uma dinâmica espacial muito expressiva nos estados do Amazonas, Tocantins, Maranhão, Pará, Mato Grosso e Rondônia. O estado do Maranhão, considerado um importante produtor florestal na década de 90 junto com o Estado do Pará, apresentou vários municípios com produção muito inferior à média a partir de 1997. Neste mesmo período, o estado do Mato Grosso já apresentava alguns municípios com produção acima da média, enquanto os estados do Amazonas e Rondônia só apresentaram alguns municípios com produção significativa de madeira a partir dos anos 2000. Os destaques da produção de madeira em Rondônia e Amazonas ficaram localizados no Norte e Sul dos Estados, respectivamente. Outro fato relevante observado na produção de madeira em tora na Amazônia ocorreu nos estados do Tocantins e Maranhão, que passaram a ter produção significativamente inferior à média a partir de 1997 (Figura 1).

Figura 1: Dinâmica dos polos da produção madeireira na Amazônia Legal em 1991, 1998, 2006 e 2010. Os tons de cinza mais escuros e os tons de cinza mais claros indicam a produção de madeira em tora significativamente acima e abaixo da

média, respectivamente. 3.3. Eixos de transporte florestal na Amazônia Os principais modais de transporte de produtos florestais na Amazônia envolvem as rodovias e as hidrovias. A Figura 2 apresenta as redes hidroviárias, rodoviárias e ferroviárias existentes na Amazônia Brasileira.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 2: Os trechos navegáveis e as ferrovias na AML (figura à esquerda) e as principais rodovias na AML (figura à

direita) A partir da rede dos modais de transporte na Amazônia e da produção florestal observada na última década, foram definidas as regiões de maior fluxo atual de produtos florestais na região (Figura 3). A maior parte do fluxo do transporte florestal se concentra na área curva que vai desde o Pará até o Amazonas, similar à região mais intensa de Hot Spots e de desmatamentos.

Figura 3: Eixo do transporte Madeireiro na AML em 2010

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Avaliação do Transporte Intermodal de Produtos Florestais e sua Relação Com o Desmatamento na Amazônia Brasileira

3.4. Desmatamento e a produção florestal Os resultados desta pesquisa revelaram que a expansão do setor florestal tende a seguir para as regiões ainda não desmatadas, enquanto as regiões mais antigas se tornaram Cold Spots (regiões com produção de madeira significativamente abaixo da média) na região Amazônica. Abaixo, segue a comparação entre os Hot Spots das atividades madeireiras localizadas no ano de 2010 (Figura 4) e o desmatamento no mesmo ano na região da Amazônia Legal. A Figura 4 mostra ainda a tendência do aumento da produção florestal formando o atual arco madeireiro da Amazônia brasileira, que vai desde o noroeste do Pará, passando pelo noroeste do Mato Grosso, alcançando o norte de Rondônia e iniciando a sua expansão no sul do Amazonas. Este arco vem seguido imediatamente pelo arco do desmatamento na Amazônia e pela consequente baixa produção florestal nestas regiões mais desmatadas. Nestes casos, destacam-se os estados do Maranhão e Tocantins, caracterizados como regiões dos maiores Cold Spots da produção madeireira da Amazônia, ou seja, o desmatamento reduziu significativamente as áreas florestais com a matéria prima para a indústria madeireira.

Figura 4: Comparação entre os Hot Spots (cinza mais escuro) e Cold Spots (cinza médio) da produção de madeira em

tora e o desmatamento na AML em 2010 (adaptado do INPE, 2013) 3.5. Tendências da produção florestal na Amazônia Segundo dados da produção de madeira em tora do IBGE (2013), o setor apresenta uma tendência de redução da produção de madeira na Amazônia entre 1990 e 2011. Entre 1990 e 1996, foram consumidos mais de 51,3 milhões de metros cúbicos de toras a cada ano. Esta média caiu para pouco mais de 17 milhões entre 1997 e 2003 e depois para 13,4 milhões entre 2004 e 2011. A menor produção anual de madeira em toras foi de 10,9 milhões de metros cúbicos em 2010. Veja as figuras 5 e 6 para mais detalhes. A maioria (em torno de 70%) desta produção mais recente abastece o mercado nacional com madeiras serradas de baixo valor comercial e o restante (30%) em forma de laminados, compensados e outros tipos de madeira com maior nível de agregação tecnológica. Já o mercado de exportação aumentou, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - IMAZON, de 14% para 21% do total produzido em 1998 e 2009, respectivamente.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 5: Produção e tendência da produção de madeiras em tora na Amazônia Legal entre 1991 e 2011 (adaptado do

IBGE, 2013). Assumindo a tendência de produção de madeira em toras reportada pelo IBGE (2013) entre 1998 e 2011 (Figura 6), é previsível que a produção florestal da Amazônia legal seja em torno de 6,5 milhões de metros cúbicos em 2023 e esteja esgotada em 24 anos (no ano de 2037).

Figura 6: Produção e tendência da produção de madeiras em tora na Amazônia Legal entre 1998 e 2011 (adaptado do

IBGE, 2013). 3.6. Participação nacional e exportação Neste último levantamento do MDIC (2013), mudanças importantes no mercado de madeira processada da Amazônia foram verificadas. Em 1998, apenas 14% do volume total produzido foi exportado. Em 2004, fatores como câmbio favorável e aumento da demanda por madeira amazônica no mercado europeu, norte-americano e asiático elevaram a proporção de madeira exportada para 36%. Em 2009, porém, a participação da madeira nativa da região no mercado externo diminuiu para 21% da produção total. O mercado de madeira foi essencialmente nacional em 2009. Aproximadamente 79% do volume produzido de madeira foram destinados ao mercado brasileiro. O Estado de São Paulo (17%) e a

y = -1,9345x + 3894,8R² = 0,6518

0

10

20

30

40

50

1991 1996 2001 2006 2011

Milh

ões

( m3)

Ano

Produção de madeira em tora na Amazônia Legal (IBGE, 2013)

Linear (Produção de madeira em tora na Amazônia Legal (IBGE, 2013))

y = -0,4426x + 901,82R² = 0,787

10

11

12

13

14

15

16

17

18

1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010

Milh

ões

(m3)

Ano

Produção de madeira em tora na Amazônia Legal (IBGE, 2013)

Linear (Produção de madeira em tora na Amazônia Legal (IBGE, 2013))

150

Avaliação do Transporte Intermodal de Produtos Florestais e sua Relação Com o Desmatamento na Amazônia Brasileira

Região Sul (15%) foram os principais consumidores de madeira da Amazônia. Outros 16% foram consumidos nos próprios estados produtores (em 2004 era 11%). 3.7. Dinâmica da Exportação de Madeiras da Amazônia Os líderes de importação de produtos e derivados da madeira no período de 1997 a 2013 são Austrália (32,6%) e Europa (32,5%) (Figura 7). Os produtos incluem madeiras brutas, tratadas, produtos da madeira e outros (MDIC, 2013).

Figura 7: Exportação da Amazônia Legal de madeira e derivados no período de 1997 a 2013

3.8. Participação do sistema portuário Os portos de Belém, Paranaguá, Santarém e Barcarena concentram a maior quantidade de toneladas de madeira exportadas no período de 1997-2013 pelos estados da Amazônia Legal (MDIC, 2013). O porto de Belém destaca-se com maior exportação em toneladas de madeiras e derivados dos estados da região norte, movimentando até 1.000.000 toneladas de carga por ano. Veja a Figura 8 para mais detalhes.

Figura 8: Principais portos utilizados pelos estados da Amazônia Legal para exportação de madeira e derivados no

período de 1997 a 2013

2,16 2,973,32

7,37

8,75

19,83

54,47

SAO FRANCISCO DO SUL - SC

ITAJAI - SC

MANAUS - PORTO - AM

BARCARENA - PA

SANTAREM - PA

PORTO DE PARANAGUA - PR

BELEM - PORTO - PA

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

4. CONCLUSÕES A malha viária impacta de forma significativa e direta o desmatamento em todos os estados da Amazônia legal. A alteração da dinâmica da produção florestal avançando para regiões com maior disponibilidade de matéria prima, incluindo o Oeste do estado do Pará e Mato Grosso, Norte de Rondônia e Sul e Leste do estado do Amazonas, deverão alterar a carga e a dinâmica de transporte na região. É previsto que haja ampliação do transporte de madeira pelo modal hidroviário a curto e médio prazo. O setor florestal na Amazônia apresenta uma tendência de produção decrescente nas últimas décadas. É previsto também que a produção e a exportação de madeiras nobres permaneçam estáveis em níveis atuais a médio e longo prazo, e a produção de madeiras para atender ao mercado nacional, especialmente as de baixo valor comercial, continue sendo gradativamente substituída pela produção de madeiras de reflorestamento de outras regiões brasileiras. As oportunidades para novos estudos indicam a modelagem de cenários futuros para o setor florestal na Amazônia, incluindo o contexto da expansão dos modais de transporte, da agricultura de commodities, pecuária e o reflorestamento. Os resultados de modelagens do processo de ocupação na Amazônia podem ser de grande utilidade para a busca de alternativas de uso sustentável na região. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Angelo, H. e S. P. Pereira de Sá (2007) O Desflorestamento na Amazônia Brasileira. Ciência Florestal. Santa Maria, v.

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Amazon. Ecology, v.71, n.2, p.437-449. Autores Correspondentes: Humberto Angelo ([email protected]) e Eraldo A. T. Matricardi ([email protected]) Endereço dos autores: Campus Universitário Darcy Ribeiro, 70910-900, Brasília, DF, Brasil.

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ESTRATÉGIAS DE LOGÍSTICA DA CARGA NO AMBIENTE URBANO – SÍNTESE DOS RESULTADOS OBTIDOS 12

Nadja Glheuca da Silva Dutra

Waldemiro de Aquino Pereira Neto

Universidade Federal do Ceará Departamento de Engenharia de Transportes

RESUMO O transporte de cargas é atividade fundamental no cotidiano das cidades. O crescimento desta atividade tem contribuído, de forma significativa, no congestionamento dos sistemas viários e no aumento dos índices de poluição ambiental. Diversas medidas têm sido adotadas na busca de um melhor desempenho na atividade de distribuição urbana, seja visando a uma maior eficiência econômica, seja na tentativa de mitigar impactos percebidos no ambiente urbano. O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados da análise de algumas estratégias de logística urbana, conduzidas através de pesquisas realizadas nas cidades de Fortaleza e Belo Horizonte, abrangendo medidas como a distribuição noturna, a implantação de Centrais de Distribuição Urbana, e políticas de restrição de circulação de veículos de maior porte e de estacionamento nas vias. ABSTRACT The cargo transportation is a key activity in daily life of cities. However, the growth of this transport has contributed significantly to increase traffic jam levels and environmental pollution rates. Different strategies have been adopted to improve performance in urban distribution activity to increase economic efficiency and mitigate impacts perceived in urban environment. The aim of this work is to present the results of analysis of some strategies in urban logistics, according to research conducted in the cities of Fortaleza and Belo Horizonte, including measures such as use of urban freigth consolidation center, night delivery, and the use of restriction to circulation and parking of long vehicles on roads.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO O transporte urbano de cargas tem importância fundamental no cotidiano das cidades, onde um constante fluxo de bens e mercadorias sustenta a dinâmica das diversas atividades realizadas pela sociedade moderna. Entretanto, problemas como congestionamento e impactos ambientais tornaram-se grandes desafios, exigindo “uma consideração especial nas políticas urbanas, no planejamento dos transportes urbanos e na configuração espacial das cidades”, como afirmam Caixeta Filho e Martins (2001). O fluxo de cargas nas áreas urbanas, imprescindível para a atividade econômica, acarreta diversos impactos negativos para as cidades, sejam eles financeiros, econômicos ou ambientais (Macharis e Melo, 2011). Logo, o problema de regulamentar o fluxo de veículos de carga urbana é de grande relevância para a obtenção de estratégias que possam mitigar os impactos nas condições de mobilidade urbana. Alguns dos principais problemas relacionados à movimentação de carga urbana são (OGDEN, 1992): • utilização de veículos de carga de grande dimensão, que possuem baixos desempenho, velocidade

e capacidade de aceleração; • deficiências na malha viária, como a existência de vias estreitas, falta de manutenção do

pavimento, interseções com características geométricas incompatíveis à circulação de veículos de maior porte, além da localização inadequada de elementos do mobiliário urbano (ex: postes, placas de sinalização, pórticos, cabeamento aéreo e árvores), e

• operação de carga e descarga e estacionamento na via, que provocam transtornos à circulação do tráfego geral, elevando os custos operacionais e potencializando a ocorrência de acidentes.

O enfrentamento destas questões que, no passado, consistia na aplicação de soluções particulares, com resultados muitas vezes inadequados do ponto de vista social, econômico e ambiental, passou por uma transformação, sendo exigidas soluções que associem sustentabilidade, mobilidade, qualidade de vida e, ainda, que assegurem a eficiência da distribuição da carga. No caso do Brasil, o crescimento econômico observado na economia nos últimos anos e, sobretudo, a expansão da classe média (FGV, 2008), resultaram numa elevação do poder de compra da população, fazendo crescer a demanda pelo transporte de bens de consumo adquiridos, potencializando, ainda mais, os impactos da distribuição urbana nas condições de mobilidade geral e exigindo celeridade na adoção de medidas para melhor organizar a atividade de distribuição urbana. O surgimento e massificação de compras pela internet foi outro fator impulsionador do crescimento dos serviços de entrega, que, juntamente com as estratégias de redução de estoques de mercadorias pelas empresas, pressionam o setor de transporte de mercadorias, causando o crescimento do volume de veículos de carga nas redes de tráfego, exigindo uma resposta mais eficiente nas atividades de distribuição urbana (Taniguchi e Thompson, 2005; Dutra e Novaes, 2005). O objetivo geral deste artigo é apresentar os resultados alcançados pelo projeto “Estudo de Estratégias de Logística da Carga e as Restrições Físico-operacionais do Ambiente Urbano”, desenvolvido em parceria por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará e Universidade Federal de Minas Gerais. Este estudo, ainda em fase de conclusão, permitiu o alcance dos seguintes objetivos: • Levantamento das experiências nacionais e internacionais sobre logística urbana e as possíveis

adequações à realidade local, sendo utilizada área central da cidade de Fortaleza e de Belo Horizonte como estudos de caso.

• Levantamento dos atores envolvidos nos processos de movimentação urbana de mercadorias, assim como do inventário físico das rotas do transporte de carga e seus pontos críticos na área central e das características técnicas e operacionais de veículos e das vias utilizadas para o transporte de carga, identificando as restrições existentes.

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Estratégias de Logística da Carga no Ambiente Urbano – Síntese dos Resultados Obtidos

• Análise da implantação de estratégias de logística urbana para as áreas de estudo, através da utilização da técnica de preferência declarada e de microssimulação de tráfego, permitindo, assim, identificar as dificuldades existentes para adoção destas estratégias, assim como estimar os benefícios alcançados em sua utilização nas áreas estudadas.

Nos itens a seguir, será apresentada uma síntese dos resultados obtidos nas investigações realizadas durante o desenvolvimento da pesquisa. 2. ESTRATÉGIAS DE LOGÍSTICA URBANA INVESTIGADAS Diversas cidades ao redor do mundo têm vivenciado experiências bem-sucedidas no enfrentamento dos problemas da logística urbana, sendo desenvolvidos projetos como o Best Urban Freight Solutions (BESTUFS, 2007), que reuniu experiências internacionais de sucesso na aplicação de estratégias de logística urbana. Algumas medidas têm sido adotadas pelos órgãos gestores de trânsito visando mitigar os impactos da circulação de veículos de carga nas áreas urbanas brasileiras (BROWN, 2003; DUTRA, 2004; OLIVEIRA, 2007). Estas ações vão desde a adoção de medidas restritivas, com as chamadas “janelas de tempo”, em que é autorizada a circulação de determinado padrão de veículo em horários de baixos volumes de tráfego, até outras iniciativas mais radicais, com a completa proibição de circulação de certos padrões veiculares em áreas da cidade. Nesta pesquisa, foram investigadas as seguintes estratégias: (i) adoção de Centrais de Distribuição Urbana, (ii) entrega noturna, (iii) utilização de veículos de carga mais compactos e (iv) restrição de estacionamento para carga e descarga nas vias. 2.1. Centros de Distribuição Urbana– CDU A consolidação de cargas de diferentes transportadores em um mesmo veículo associada a uma coordenação operacional comum é vista como uma das formas mais importantes para mitigar os impactos negativos causados pelo transporte de carga em áreas urbanas (Benjelloun e Crainic, 2009; Benjelloun et. al., 2009; Crainic et al., 2009). Desta forma, o conceito de Centro de Distribuição Urbana (CDU) é considerado um forte instrumento dentre as iniciativas de logística urbana. O mesmo consiste em separar as atividades de logística dentro e fora da cidade (Rooijen e Quak, 2009). Browne et al. (2007) definem centros de distribuição urbana" como uma facilidade logística que está situada relativamente próxima a uma área geográfica que atende ao centro de cidade, a uma cidade inteira ou a um lugar específico (um shopping center, por exemplo), no qual entregas consolidadas são realizadas a partir deste ponto da cadeia logística. Para avaliar a probabilidade de adesão ao esquema de CDU, foi conduzida uma pesquisa nas cidades de Fortaleza e Belo Horizonte, onde foram entrevistados transportadores e varejistas. Foi utilizada a técnica de Preferência Declarada, abordagem esta que permite analisar situações que não existem e identificar características de um sistema em estudo que são relevantes para os seus usuários, permitindo, ainda, explorar as combinações de atributos e sua variabilidade. Um maior detalhamento do modelo construído nesta pesquisa pode ser consultado em Oliveira et al (2012). Para a construção do modelo de adesão utilizando a técnica de preferência declarada, foram considerados os seguintes atributos (Browne et al.,2007): • Para os transportadores: (i) Ocupação do Veículo – Relação entre o volume ou peso de carga

transportada e a capacidade do veículo, sendo considerado que a adoção de um CDU eleva o nível de ocupação dos veículos; (ii) Estacionamento – Foi admitido que a maior ocupação dos veículos irá proporcionar uma redução no número de caminhões necessários para a operação no centro urbano, reduzindo a demanda por vagas de estacionamento, melhorando as condições de carga e descarga; (iii) Parceria – Foi observado que, para a instalação do CDU, será necessário a

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

cooperação entre os transportadores, que irão compartilhar o transporte de suas cargas; (iv) Investimento – Este atributo considera a necessidade de que sejam alocados recursos financeiros para investimentos na atualização de tecnologias requeridas para a implantação do CDU, como a utilização de sistemas GPS e veículos mais modernos.

• Para os varejistas: (i) Custo – Foi considerado o fato de que a implantação do CDU resulta em uma elevação dos custos operacionais, uma vez que o mesmo representa a inclusão de mais um elo na cadeia de suprimentos; (ii) Serviço de Entregas – Admitiu-se que o CDU proporciona uma melhora nesta atividade, uma vez que as entregas podem ser compartilhadas entre varejistas, reduzindo a quantidade de operações necessárias; (iii) Confiabilidade –Atributo associado ao nível de confiança dos varejistas quanto ao cumprimento da programação do serviço de transporte ofertado, sendo considerado que a estrutura do CDU proporciona maior confiabilidade, como, por exemplo, uma maior pontualidade nas entregas de mercadorias; (iv) Área de Estoque x Exposição – Este atributo considera a relação entre a área destinada ao estoque de mercadorias e a área disponível para a exposição de mercadorias na loja, sendo admitido que a elevação na confiabilidade na atividade de entrega de mercadorias irá permitir uma redução nas áreas de estoque, proporcionando mais espaço para as áreas de exposição de mercadorias.

Após a definição dos atributos, foram confeccionados cartões com dois níveis (situação atual e com a implantação do CDU), sendo feitas entrevistas com 14 transportadores e 25 varejistas em Belo Horizonte e 4 transportadores e 27 varejistas na cidade de Fortaleza. Os dados foram processados utilizando o software LMPC (Logit Multinomial com Probabilidade Condicional), desenvolvido por Souza (1999). Considerando, inicialmente, os resultados obtidos com as entrevistas junto aos transportadores em Belo Horizonte, o atributo de maior importância foi o estacionamento (coeficiente da função de utilidade 1,0503). Este resultado confirma os dados da pesquisa, em que foi identificado que as transportadoras têm sérias dificuldades para estacionar na área central. A ocupação do veículo e o atributo relacionado aos investimentos apresentaram coeficientes semelhantes (respectivamente, 0.6051 e 0.6148). Neste sentido, os resultados sustentam a hipótese de que as transportadoras estão dispostas a investir em prol da melhoria da atividade de distribuição no centro da cidade. No entanto, quanto ao atributo relacionado à necessidade do estabelecimento de parceiras, foi observado um valor negativo na função de utilidade (-0,1255), indicando uma rejeição em relação a este atributo. Para o teste de Rho, o valor encontrado foi de 0,2, considerado aceitável segundo estudos de Ortúzar e Willumsem (1990) e Senna (1994). Os resultados das entrevistas conduzidas com os transportadores em Fortaleza indicaram percepção semelhante quanto à questão do estacionamento (coeficiente de 0,4121). Entretanto, apesar da importância dada a este atributo, assim como a ocupação do veículo (coeficiente de 0,8867), houve uma rejeição quanto à necessidade de realização de investimentos (coeficiente próximo a zero). Quanto à necessidade do estabelecimento de parcerias, houve uma melhor aceitação em Belo Horizonte. Com relação aos varejistas, a pesquisa em Belo Horizonte e Fortaleza indicou que o atributo “custo” recebeu a maior importância dentre os entrevistados (coeficientes -1.1319 e - 0.2649, respectivamente), contribuindo para um posicionamento contrário ao esquema de CDU, sendo esta tendência mais forte entre os varejistas de Belo Horizonte. Na capital mineira, foi observado, ainda nos resultados do teste T, que o “serviço de entrega” não é um atributo importante no modelo, sendo considerado irrelevante pelos varejistas entrevistados, uma vez que o seu resultado (1,3398) é rejeitado. Este fato reflete o atual nível de satisfação com a prestação de serviço de seus fornecedores, de modo que os ganhos adicionais decorrentes da utilização de CDU não são tidos como relevantes.

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Estratégias de Logística da Carga no Ambiente Urbano – Síntese dos Resultados Obtidos

2.2. Distribuição Noturna A distribuição noturna configura-se na atividade de entrega de mercadorias durante a noite, quando a cidade está mais tranquila, sem a existência de concorrência pelo espaço viário percebida nos horários comerciais. No Brasil, este horário se caracteriza entre as 20h e as 7h do dia seguinte. Dentre as exigências para a realização desta operação, está a utilização de veículos com baixa emissão de ruído, além da necessidade de haver uma estrutura organizada para o recebimento das cargas durante o período da noite, em que, normalmente, a atividade comercial está encerrada. Quando o recebimento da carga precisa ser feito com a vistoria do cliente, a mesma irá acarretar um custo operacional adicional, referente à alocação de funcionários para a conferência da carga fora do expediente normal da empresa (Forkert e Eichhorn, 2011). Um dos principais entraves para adoção desta medida está relacionado a um problema de segurança pública, uma vez que, no período noturno, o risco de assalto é maior. Dentre as vantagens desta estratégia estão o menor tempo de viagem para a realização das entregas e um maior cumprimento dos horários programados (em comparação à entrega diurna), a redução na emissão de poluição e no consumo de energia, além da possibilidade de utilização de veículos de maior porte (mais econômicos) que muitas vezes são proibidos de circular no período diurno (Forkert e Eichhorn, 2011). Estes benefícios atingem também os demais usuários do sistema de transportes, uma vez que os veículos e os caminhões deixam de disputar espaço nas vias durante o horário comercial, melhorando, assim, as condições gerais de tráfego. No Brasil, são poucas as cidades que adotaram a distribuição noturna. Na cidade de São Paulo, sua adoção, apesar de ter gerado aumento nos custos relacionados aos encargos trabalhistas, proporcionou um aumento de produtividadede até 50%, compensando os custos e permitindo uma redução de custos de transporte. Todavia, esta estratégia não foi bem acolhida pelos lojistas em função de a utilização de pessoal para recebimento da carga onerar a folha de pagamentos da empresa. Visando avaliar a probabilidade de adesão ao esquema de Distribuição Noturna, foi utilizada a técnica de Preferência Declarada, aplicada junto a varejistas na cidade de Fortaleza. Para a construção do modelo, foram considerados os seguintes atributos: • Custo operacional – Custo relacionado a variáveis como combustível, pagamento de salários,

manutenção de veículos etc. Para as empresas envolvidas na distribuição de mercadorias, o aumento do custo operacional impacta diretamente no lucro da empresa, sendo necessário minimizar este custo para aumentar a rentabilidade;

• Tempo de Operação – Consiste no tempo total do ciclo, necessário para completar a entrega da mercadoria, incluindo o tempo de carregamento, tempo de viagem, tempo de estacionamento do veículo, tempo de descarga e tempo de viagem durante o retorno. Transportadores e varejistas buscam um menor tempo operacional, obtendo assim um melhor nível de serviço;

• Investimento – Trata-se do desembolso necessário para a aquisição dos equipamentos adequados para a atividade de entrega noturna, de forma a minimizar os impactos gerados, como, por exemplo, equipamentos elétricos de carga e descarga e veículos que emitem menos ruído, e

• Período do dia: Atributo relacionado ao horário em que a operação de entrega é realizada (dia ou noite).

A Figura 1 apresenta o resultado obtido na aplicação dos questionários, o qual revela a importância atribuída pelos varejistas para as variáveis analisadas. O atributo considerado mais importante foi o custo operacional, com peso de 36%, revelando uma forte resistência em receber as mercadorias no período noturno. As entrevistas realizadas revelaram a preocupação com o custo associado à mão de

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obra, notadamente o adicional noturno, além da necessidade de contratar profissionais da área de segurança para a prevenção de assaltos.

Figura 1: Peso dos atributos atribuído pelos varejistas.

A possibilidade de utilização de dispositivos como compartimentos para o depósito da carga ser realizado diretamente pelo transportador mediante a posse da chave de acesso a estas áreas, ou seja, sem a necessidade da presença de funcionários da loja, não foi bem recebida pelos entrevistados. Por outro lado, o atributo custo operacioanal se mostrou o segundo atributo mais importante, revelando que os varejistas percebem e valorizam os benefícios que a Entrega Noturna pode proporcionar a operação de distribuição urbana. Diante das dificuldades identificadas pelos entrevitados, assim como dos benefícios percebidos como potenciais atrativos para a adoção da entrega noturna, o estudo evidenciou a necessidade do estabelecimento de parcerias entre varejistas, transportadores o do poder público na tentativa de encontrar soluções que permitam contornar os entraves que dificultam a utilização desta estratégia. 2.3. Utilização de veículos de carga compactos Outra estratégia de logística urbana conhecida e adaptada em várias cidades brasileiras é adoção de um veículo urbano de carga (VUC) padrão, mais compacto que os tradicionais e com capacidade de carga equivalente ou superior. Assim, essa vertente do trabalho visou realizar uma análise comparativa das estratégias de restrição da circulação de veículos de carga em áreas urbanas, considerando os aspectos geométricos da via e o padrão de veículos autorizados para a circulação, tomando para estudo de caso a cidade de Fortaleza-CE. Inicialmente, procedeu-se à caracterização da área por meio de contagens e emprego de questionário semiestruturado e pesquisa com a técnica de Preferência Declarada. O público alvo das pesquisas foram os transportadores e lojistas em áreas com restrição de circulação de veículos e de livre circulação. De posse das características dos veículos, de suas rotas de circulação e ainda das características geométricas destas vias, foi analisado o comportamento dos veículos ao acessarem as áreas de restrição. Para esta pesquisa, foram realizadas simulações computacionais, sendo considerada a geometria horizontal das vias e as interseções com uso do software AUTOTURN (TRANSOFT SOLUTIONS, 2008). Foram utilizados veículos de projeto com dimensões compatíveis ao padrão de veículos com tara de até 2,5 toneladas, cujas medidas foram obtidas durante a etapa de caracterização da movimentação de carga na área de estudo. Além destes veículos encontrados nas vias, foi realizada também a simulação tomando um veículo com o padrão do VUC, proposto na cidade de São Paulo (SÃO PAULO, 2007), para comparar com o desempenho dos veículos que atendem à restrição imposta em Fortaleza (tara de 2,5 ton).

Custo Operacional

36%

Tempo de Operação

25%

Investimento21%

Período do dia18%

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Estratégias de Logística da Carga no Ambiente Urbano – Síntese dos Resultados Obtidos

Para a amostra, foram escolhidas as rotas informadas pelos motoristas entrevistados, a qual indicou a necessidade de se investigar 27 interseções para se avaliar a compatibilidade geométrica e, assim, acolher o padrão de veículos de carga estudados. Foram considerados três tipos básicos de veículos representativos da frota de caminhões, que estão denominados de veículos “V1”, “V2” e “V3” neste trabalho, que foram comparados ao comportamento do VUC. A simulação com este veículo teve o intuito de verificar se sua utilização permitia reduzir as situações de incompatibilidade encontradas com a operação dos demais veículos, servindo, assim, para verificar o impacto das duas medidas, isto é, para o critério de restrição baseado na capacidade de carga do veículo em comparação ao critério das dimensões do veículo. A Figura 2 apresenta os veículos utilizados e suas dimensões.

Caminhão V1 (Largura = 2,4 m)

Caminhão V2 (Largura = 2,6 m)

Caminhão V3 (Largura = 2,6m)

VUC (Largura = 2,2 m)

Figura 2: Dimensão dos caminhões considerados na pesquisa Para a análise proposta por meio de simulação, quando considerado o comportamento dos veículos ao realizarem manobras nas interseções avaliadas, foram consideras quatro situações possíveis, de A a D, em que A é a situação de plena compatibilidade, a situação B implica em compatibilidade parcial (com invasão da faixa adjacente), a C apresenta incompatibilidade, com manobra invadindo estacionamento e, a pior situação, D, em que a conversão invade calçadas/canteiros. Comparando-se os resultados dos veículos atuais V1, V2 e V3, à medida que seu comprimento é maior, reduzem-se as situações em que a faixa de tráfego é suficiente para acolher a varredura do veículo. Verifica-se que a situação de compatibilidade plena é atendida pelo veículo V1 (comprimento de 5,12 m) em 69% dos casos, seguida de 39% para o veículo V2 (comprimento de 6,13 m) e 26% para o veículo V3 (comprimento de 7,32 m). Para o veículo VUC, é verificada a situação de compatibilidade plena em 52% das simulações. Embora o VUC tenha um maior comprimento que o veículo V2 (6,30m versus 6,13m), seu melhor desempenho deve-se ao fato de o mesmo possuir menor largura (2,20m versus 2,60m). Considerando-se conjuntamente as situações A e B, observa-se que sua ocorrência, para o veículo V1, chega a 96% dos casos; já no veículo V2, esta participação é de 87% e, no veículo V3, corresponde a 76% das situações. A mesma comparação, quando feita com o veículo VUC, mostra que estas ocorrências chegam a 97% das situações observadas, revelando que, no cômputo geral,

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

consideradas as situações de compatibilidade (plena e parcial), o veículo VUC obteve melhor desempenho. Para as situações de incompatibilidade analisadas, foi verificado que, nas simulações com o veículo V3, foram encontrados os piores resultados, com o caminhão invadindo área de estacionamento na via em 4% das análises e com invasão em calçada ou canteiro central em 20% dos casos analisados. Para o veículo do tipo V2, estes resultados foram, respectivamente, 5% e 8%, enquanto que, para o veículo V1, os resultados não indicaram a ocorrência de invasão de áreas de estacionamento, havendo invasão de meio-fio em 4% dos casos analisados. Os resultados de menor impacto negativo foram observados com as simulações obtidas com o veículo VUC, em que também não foram verificadas situações de invasão de espaços de estacionamento na via e as ocorrências de invasão de meio-fio foram de 3% dos casos avaliados. Os resultados gerais observados para o maior veículo que atende à restrição de 2,5 toneladas de tara (V3) em comparação ao VUC mostram claramente a diferença de desempenho das duas estratégias (peso do veículo x dimensões do veículo) para a garantia de compatibilidade veículo-via. Além do comprometimento da mobilidade urbana gerada pelos caminhões nos estacionamentos e operações de carga e descarga nas vias, é importante destacar os impactos gerados pela própria circulação destes veículos. Caracterizados por apresentarem maiores dimensões, uma menor capacidade de aceleração e pior dirigibilidade que o restante dos veículos da frota, os caminhões trazem impactos significativo na fluidez do tráfego geral, reduzindo a velocidade média do tráfego e elevando os índices de congestionamento nos horários de pico. Uma medida importante, e que merece mais destaque para a proposição de ações, visando reduzir os impactos da carga urbana nas condições de mobilidade urbano, é avaliar o comportamento da circulação dos veículos dadas as condições físicas das vias. Ao contrário das áreas rurais (onde o projeto das vias é claramente orientado por normas e manuais de projeto, que estabelecem valores para parâmetros como a largura das faixas de tráfego, raios de curvas horizontais, veículos de projeto e suas sobrelarguras); no ambiente urbano, não existe uma clara definição destes parâmetros. Na cidade de Fortaleza, por exemplo, o Plano Diretor estabelece, apenas, a largura total das vias em função de sua classificação funcional (PMF, 2004). Os resultados das simulações indicaram que a limitação à circulação dos veículos de carga, baseada em sua capacidade de carga (tara ou PBT do veículo), estratégia adotada na cidade de Fortaleza, não se constitui em uma medida eficiente para minimizar os impactos da circulação dos caminhões. As características dimensionais dos veículos, especialmente sua largura, distâncias entre-eixos e balanços melhor revelam impactos do comportamento destes veículos durante a realização de manobras em interseções e nas operações de estacionamento, seja na via (próximo ao meio-fio) ou dentro dos lotes. Dentre os problemas relacionados à operação de veículos em vias cuja geometria possui incompatibilidade, vale ressaltar: a baixa velocidade na realização de manobras, comprometendo a fluidez do tráfego dos demais veículos; a ocupação de áreas que ultrapassam os limites da faixa de tráfego destinada a acolher o veículo, resultando na invasão de faixas de tráfego adjacentes e, invasão de áreas de estacionamento na via, nas calçadas e nos canteiros centrais, podendo causar danos físicos à infraestrutura de entorno das via e, ainda, representando riscos para a segurança de pedestres. Desta forma, a definição de limites às dimensões dos veículos de carga permite um melhor controle destes impactos. A proposição de um veículo urbano de carga, com dimensões preestabelecidas, à semelhança do que é utilizado na cidade de São Paulo, é uma medida que permite um melhor controle do comportamento dos veículos nas vias.

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Estratégias de Logística da Carga no Ambiente Urbano – Síntese dos Resultados Obtidos

3. UTILIZAÇÃO DE MICROSIMULAÇÃO PARA AVALIAÇÃO DE CENÁRIOS Após a análise das estratégias de logística urbana descritas nos itens anteriores, foram utilizados recursos de microssimulação de tráfego para a avaliação de cenários, permitindo comparar a situação atual da distribuição urbana de mercadorias com os cenários prospecitivos, considerando a adoção de algumas das medidas estudadas. Van Zuylen et al. (2011) afirmam que os modelos de microssimulação são utilizados para analisar o tráfego, assegurar a qualidade do controle de tráfego e para avaliar medidas alternativas através da comparação de diversos cenários simulados. Todavia, a eficiência dessas medidas depende da qualidade dos dados utilizados na simulação. Dentre os simuladores de tráfego existentes no mercado, foi utilizado na pesquisa o software VISSIM (PTV, 2010), que consiste em um sistema de simulação microscópico e discreto para modelagem do tráfego rodoviário e urbano, baseado no modelo psicofísico de carfollowing e mudança de faixa de Wiedemann, no qual a posição de cada veículo é recalculada num intervalo de tempo de 0,1 a 1 segundo (Barceló, 2010). O VISSIM pode ser utilizado em diversas aplicações, com estudos de rodovias e vias arteriais, planejamento de subáreas, gerenciamento de rodovias, gerenciamento do tráfego atual e futuro, dentre outros. Ressalta-se que o modelo desenvolvido com o uso deste software é capaz de produzir medidas de desempenho que serão utilizadas para avaliar os cenários do estudo proposto e que são comumente empregadas na Engenharia de Tráfego, tais como: atraso, paradas, comprimentos de filas, emissão de poluentes e consumo de combustível. Com relação à área de estudo para a construção do modelo de microssimulação, foi escolhida uma rede no centro de Fortaleza, constituída por dois binários, compreendida pelas ruas São Paulo e Senador Alencar, no sentido leste/oeste e ruas General Sampaio e Senador Pompeu no sentido norte/sul, cujas interseções são semaforizadas, de uso eminentemente comercial, com tráfego composto por automóveis, ônibus e caminhões (interesse do estudo). Foram levantados os dados referentes à oferta e à demanda viária da área, seguidos das etapas de desenho e codificação da rede de microssimulação, calibração e validação do modelo. Os detalhes destas etapas da pesquisa podem ser consultados em Furtado et al. (2013 e 2014). Foram considerados oito cenários nesse estudo, compreendendo o cenário atual (base) e sete situações hipotéticas. Na elaboração dos cenários, foi considerada, além de estratégias descritas neste trabalho, a adoção de políticas de permissão e proibição de estacionamento na via para a análise de seus efeitos. Quanto ao padrão de veículos de carga utilizado, foram comparados dois tipos de situação: a utilização de veículos de carga com tara limitada a 2,5 toneladas (existente), e a utilização de um VUC, regulamentado recentemente para a cidade de Fortaleza. Quanto à adoção da estratégia de entrega noturna, foram consideradas duas situações: a adoção integral da estratégia, com 100% dos veículos de carga sendo retirados do cenário simulado (diurno), e uma adesão de 50% ao uso da entrega noturna, permanecendo a metade dos veículos na distribuição diurna, entretanto, utilizando o VUC. Tais cenários estão detalhados na Tabela 1.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Tabela 1: Cenários de Análise Simulados no Estudo CENÁRIO

SIMULADO DESCRIÇÃO

1 Situação base, com restrição de circulação de caminhões por peso (Tara≤2,5t) e permissão de estacionamento nas vias (situação atual).

2 Situação base, com restrição de circulação de caminhões por peso (Tara≤2,5t) e proibição de estacionamento nas vias.

3 Adoção de um veículo urbano de carga – VUC, com a permissão de estacionamento. 4 Adoção de um VUC com a proibição de estacionamento nas vias.

5 Adesão de 50% do volume de veículos de carga para um esquema de distribuição noturna, e os demais veículos fazendo distribuição diurna com o VUC, com permissão de estacionamento nas vias.

6 Adesão de 50% do volume de veículos de carga para um esquema de distribuição noturna, e os demais veículos fazendo distribuição diurna com o VUC, sem a permissão de estacionamento nas vias.

7 Adesão integral ao esquema de distribuição noturna com permissão de estacionamento nas vias.

8 Adesão integral ao esquema de distribuição noturna com proibição de estacionamento nas vias.

A comparação dos cenários simulados, como mostrado na Figura 3, revelou que nas situações em que houve alteração do padrão de veículo, sendo substituído o veículo limitado por tara pelo VUC, não foi verificada diferença significativa nos valores de atraso e de tempo de viagem.

Figura 3: Comparação dos valores de atraso e de tempo de viagem dos cenários (em segundos/veículo)

Da mesma forma, os cenários que foram simulados com alteração do horário de circulação dos caminhões também não apresentaram diferenças expressivas nos valores de atraso e de tempo de viagem. Mesmo no cenário 7, em que todos os caminhões circulam no horário noturno, não foram observados ganhos consideráveis nos valores de atraso e de tempo de viagem. Por outro lado, quando simulada a proibição de estacionamento em comparação a cenários de estacionamento permitido, foram observados ganhos significativos. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS E COMENTÁRIOS FINAIS Observando os resultados, foi possível verificar que existe pouca variação entre os resultados dos cenários 3, 5 e 7 (cenários onde se preservou a permissão de estacionamento) em relação ao cenário 1 (atual), com reduções do atraso de 0,248%, 1,09% e 2,08% e reduções de tempo de viagem de

0

5

10

15

20

25

30

35

1 2 3 4 5 6 7 8

Atraso

Tempo de Viagem

(Cenário)

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Estratégias de Logística da Carga no Ambiente Urbano – Síntese dos Resultados Obtidos

2,088%, 3,046% e 3,637%, respectivamente. Ao mesmo tempo, constata-se grande variação entre os resultados dos cenários 2, 4, 6 e 8 (cenários onde foi proibido o estacionamento na via) em relação ao cenário 1, com reduções do atraso de 14,39%, 21,96%, 23,92% e 24,56% e reduções de tempo de viagem de 11,83%, 17,23%, 18,95% e 19,58%, respectivamente. Foi observado um ganho mais acentuado nos cenários 4, 6 e 8, sendo percebida uma melhoria nas condições de tráfego, com a redução do atraso e do tempo de viagem em relação aos outros cenários. Assim, é observado que a restrição de estacionamento, além de melhorar por si só as condições de fluidez, permite, ainda, elevar os benefícios na fluidez quando esta medida é associada a outras iniciativas como a adoção do VUC ou a entrega noturna. Cabe salientar ainda que, se comparado ao total da frota, a quantidade de caminhões na área é pequena. Assim, as mudanças referentes à configuração ou horários de circulação destes veículos não causaram tanto impacto na rede como as mudanças referentes à permissão/proibição de estacionamento, resultados estes que seriam diferentes caso houvesse uma maior participação dos veículos de carga na composição da frota. Os resultados obtidos nesta pesquisa apontam que, ao se comparar os cenários onde são simuladas apenas modificações na configuração do veículo de carga, dada a adoção da restrição por tara do veículo ou pelas suas dimensões (caso do VUC), não se pôde constatar variação significativa nas medidas avaliadas, fato este que, em princípio, evidencia não haver melhoria no comportamento do tráfego ao se adotar um VUC em substituição ao veículo simulado com tara de 2,5 toneladas. Por outro lado, quando analisados os cenários de proibição de estacionamento na via em comparação aos cenários com permissão de estacionamento, verifica-se uma melhora significativa no atraso da rede e no tempo de viagem. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq para a realização da pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Benjelloun, A.; T.G. Crainic (2009) Trends, challenges, and perspectives in city logistics.Buletinul AGIR,4. Benjelloun, A., T.G. Crainic e Y. Brigas (2009) Toward a taxonomy of city logistics projects. In: CIRRELT-2009-14,

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

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PLATAFORMAS LOGÍSTICAS INTELIGENTES PARA TRÊS REGIÕES DO BRASIL 13

Orlando Fontes Lima Jr.

Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Engenharia Civil Arquitetura e Urbanismo

Regina Meyer Branski Universidade de São Paulo

Departamento de Engenharia de Petróleo da Escola Politécnica Mirian Buss Gonçalves

Universidade Federal de Santa Catarina Departamento de Engenharia de Produção

Professor Antônio Galvão Novaes Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO Plataformas logísticas são instalações onde inúmeros agentes executam atividades de transporte, armazenagem, distribuição e produção de mercadorias. O objetivo desta pesquisa foi identificar os atributos necessários para que estas instalações atuem como elos inteligentes, capazes de racionalizar os processos e reduzir a complexidade das cadeias produtivas e, a partir deles, propor um modelo teórico para o estudo destas instalações. O estudo identificou três atributos para a inteligência: integração das informações e dos processos, sinergia como resultado da cooperação vertical e horizontal, e governança. Em seguida, o modelo foi aplicado para a proposição de Plataformas Logísticas para três regiões do Brasil: Estado de Santa Catarina, Região Amazônica e Região Metropolitana de Campinas (RMC). A pesquisa concluiu que, no caso da RMC e da Região Amazônica, o ideal são plataformas logísticas especializadas em eletroeletrônicos: o setor tem grande potencial para trazer sinergias pela integração produtiva e pela racionalização das atividades. Para Santa Catarina, a proposta são plataformas que ajudem no escoamento dos diversos produtos produzidos pelo estado e que busquem sinergia por meio de ganhos de escala e do compartilhamento de recursos. Além de identificar os atributos para inteligência e propor modelos de Plataformas para o Brasil, a pesquisa fornece uma estrutura de referência que contribui para o estabelecimento de padrão conceitual na área. ABSTRACT Logistics platforms are facilities where several agents perform the transport, storage, distribution and production activities. The research objective was to identify the attributes required for these facilities to act as intelligent links, able to streamline processes and reduce the supply chain complexity and, from them, proposing a theoretical model for intelligent platform. Three attributes for this intelligence have been namely identified: information and processes integration, vertical and horizontal cooperation and corporative governance. Next, the model was applied to propose Logistics Platforms for three Brazilian regions: Santa Catarina State, Amazon Region and the Campinas Metropolitan Region (CMR). For Campinas and the Amazon Region, the research proposes logistics platforms specialized in electronics since these products have potential to bring synergies by productive integration and activities rationalization. For Santa Catarina, the research proposes platforms that seek synergy through economies of scale and sharing resources. Besides these results, the research provides a framework to establish a conceptual standardization for studying logistics platforms.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Plataformas logísticas são instalações onde inúmeros agentes desenvolvem atividades de transporte, armazenagem e distribuição de mercadorias, tanto para o mercado interno como externo. Devem oferecer serviços, integrar vários modais, estar voltadas para o atendimento das necessidades econômicas da região onde estão localizadas e, obrigatoriamente, serem geridas por uma entidade única (EUROPLATFORMS, 2004). A despeito dos inúmeros trabalhos sobre o tema, não há consenso entre os autores sobre o que de fato caracteriza este tipo de instalação. De forma geral, os trabalhos levantam informações sobre a área, modais, serviço de intermodalidade, modo de gestão, principais produtos e empresas ocupantes (Gajsek, Lipicnik e Simenc, 2012). Analisadas assim, as plataformas são entendidas de forma estanque, sem que seja considerado seu potencial para reduzir custos e aumentar a competitividade das empresas (Novaes e Frazon, 2005). O objetivo da pesquisa foi identificar atributos necessários para que estas instalações atuem como elos inteligentes, capazes de racionalizar os processos e reduzir a complexidade das cadeias produtivas e, a partir deles, propor um modelo para o estudo destas instalações. No Brasil, não existem empreendimentos que possam ser caracterizados como Plataformas Logísticas. De modo geral, as instalações brasileiras prestam serviços de transporte e armazenagem, com uso limitado da tecnologia de informação e, sobretudo, sem privilegiar a integração e cooperação. O modelo desenvolvido foi utilizado para a proposição de Plataformas Logísticas para três regiões do Brasil: Estado de Santa Catarina, Região Amazônica e Região Metropolitana de Campinas (RMC). 2. ATRIBUTOS DAS PLATAFORMAS LOGÍSTICAS INTELIGENTES Dentre os trabalhos voltados para a caracterização das plataformas, o de Boile et al. (2009a, 2009b) é um dos poucos onde, de forma sistemática, foram estudadas 85 plataformas da Europa, Ásia e América do Norte. Os autores levantaram dados de área, modais e serviço de intermodalidade, gestão, principais produtos e empresas ocupantes. Outro trabalho abrangente é o de Koch, Nestler e Nobel (2010) no qual, por meio de um método baseado nas melhores práticas (benchmark), foi identificado o nível de desenvolvimento de 70 plataformas europeias. Os autores analisaram 29 indicadores, entre eles a estrutura da plataforma, o estágio de desenvolvimento, gestão, modos de transporte, e ambientes internos e externos. Os trabalhos analisados destacam como elementos fundamentais para o bom desempenho das plataformas a localização com fácil acesso a outras infraestruturas de transporte, serviço de intermodalidade e o engajamento do setor público como investidor e planejador estratégico, garantindo o sucesso e a sustentabilidade econômica destas locações. A despeito de estes trabalhos abrangerem um grande número de plataformas, a análise está restrita aos mesmos elementos de outros estudos (área, modais, intermodalidade etc.) e, desta forma, não contribuem para o entendimento do potencial destas instalações para racionalizar os processos logísticos, reduzindo custos e melhorando a eficiência das empresas (Branski e Lima Jr, 2013). Uma das razões para esta visão limitada das Plataformas está na insuficiência de teorias que possam nortear estudos sobre o tema. Modelos teóricos que facilitem a compreensão da realidade e o estabelecimento de padrões na área podem ser uma ferramenta útil. Construídos a partir da observação de fenômenos concretos, os modelos contribuem para identificar e explicar relações, apontar semelhanças e diferenças entre os elementos, testar hipóteses explicativas, generalizar ou particularizar conclusões e perceber novos

168

Plataformas Logísticas Inteligentes para Três Regiões do Brasil

aspectos ainda não observados. Assim, facilitam a identificação das características essenciais e de suas relações, fornecendo as bases para o desenvolvimento de teorias (Sayão, 2001). O modelo de Plataforma Logística Inteligente foi construído a partir da coleta sistemática de dados e informações reais, organizados em um formato padrão, e contemplou aspectos que conferem inteligência a estas instalações. A pesquisa mostrou que, para que possam atuar de forma inteligente, as Plataformas devem promover integração e sinergia. Integração está relacionada não só à adoção das tecnologias de informação, mas, sobretudo, à troca de dados e informações e a sua sincronização com os fluxos físicos (Varella e Gonçalves, 2013). E sinergia ao estabelecimento de ações cooperativas entre as diferentes empresas, permitindo uma melhor utilização dos recursos e criando uma situação em que todos ganham (Juga, 1996). Quanto à sinergia, as empresas instaladas na Plataforma podem compartilhar (a) a infraestrutura como espaço físico, ruas de acesso, utilities, terminais intermodais, redes ferroviárias etc., (b) máquinas e equipamentos como empilhadeiras, pontes rolantes etc., (c) serviços logísticos como caminhões, armazéns, armazéns refrigerados, serviço de intermodalidade etc., e (d) serviços gerais como correio, alfândega, segurança etc. Além da sinergia decorrente do uso compartilhado da instalação e de seus recursos, Plataformas Logísticas contribuem para o estabelecimento de cooperação vertical e horizontal (Carvalho et al., 2013). Na cooperação vertical, as plataformas facilitam a integração produtiva. Na Plaza, por exemplo, a Zara está integrada por uma linha automática à empresa terceirizada que passa e embala as roupas para serem enviadas às lojas. No Parque Eco-industrial de Kalundborg, cuja gestão é feita por um conselho administrativo, para ser aceita, a empresa deve gerar resíduos que possam ser usados pelas outras empresas e estabelecer um acordo de cooperação ou parceria. Outras práticas operacionais, como cross-docking, transporte compartilhado e padronização dos equipamentos e embalagens podem ser mais facilmente implantadas no ambiente das Plataformas. Na cooperação horizontal, plataformas têm grande potencial para racionalizar as atividades e trazer ganhos de eficiência. A Plataforma Logística de Nola, por exemplo, foi construída por um grupo de empresas atacadistas do setor têxtil e de vestuário. As empresas operavam na região central de Nápoles, onde as ruas estreitas dificultavam a movimentação de caminhões. Com a plataforma, passaram a compartilhar infraestrutura, equipamentos e serviços, além de ganhar escala. Finalmente, para que os atributos essenciais de uma plataforma logística inteligente (integração e sinergia) possam ser alcançados, é preciso estabelecer regras para ocupação e uso dos espaços e que irão definir a vocação da instalação. A definição das empresas que irão se instalar deve ser feita de acordo com seu potencial de integração e sinergia e isto requer uma estrutura de governança forte, que busque e incentive o estabelecimento de relações colaborativas entre os agentes, além de definir as políticas de partilha dos benefícios e das responsabilidades. 3. METODOLOGIA DA PESQUISA O objetivo desta pesquisa foi identificar os atributos necessários para que Plataformas Logísticas atuem como elos inteligentes, capazes de racionalizar os processos e reduzir a complexidade das cadeias produtivas e, a partir deles, propor um modelo teórico para o estudo destas instalações. Inicialmente, em levantamento nos sites de dez plataformas europeias com bom desempenho (Verona, Bolonha, Torino, Nola, Parma, Bremen, Nuremberg, Berlim, Madri e Barcelona) (Koch et al., 2010), foram identificados os principais elementos que caracterizam estes empreendimentos. Os elementos foram divididos em dois grupos: atributos do ambiente e atributos das plataformas. Os

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

atributos do ambiente referem-se à localização e infraestrutura de transporte na região. Os atributos das plataformas, aos seus objetivos, formas de gestão, tamanho, principais ocupantes, volume movimentado de carga, principais produtos, além dos serviços logísticos e de apoio (Tabela 1) (Branski, Carvalho e Lima Jr; 2011).

Tabela 1: Atributos para a caracterização das Plataformas Logísticas Atributos do Ambiente

Localização Região de instalação Infraestrutura de transporte

da Região Rodoviário, Ferroviário, Aeroviário, Fluvial, Marítimo e Dutoviário

Atributos da Plataforma Logística

Info

rmaç

ões G

erai

s

Finalidade Objetivo Gestão Privada, pública ou mista.

Tamanho Área Número de Ocupantes Número de proprietários e/ou inquilinos instalados

Principais Ocupantes Principais empresas no empreendimento

Volume Movimentado Volume de carga movimentada

Principais Produtos Principais produtos movimentados

Serv

iços

Serv

iços

Lo

gíst

icos

Armazenagem

Armazenagem, armazenagem fria, controle de estoque, fracionamento de cargas, consolidação, desconsolidação, embalagem, reciclagem, gestão de

pedidos, documentação, amostragem, etc.

Transportes

Modais disponíveis na plataforma e serviço de intermodalidade

Gestão de transporte, transporte para o destino final, gestão da entrega dos bens, remessa de contêineres vazios

Serv

iços

de

Apo

io

Industriais Serviços de valor adicionado como montagem de produtos, tratamento de

resíduos industriais, processamento, desenvolvimento das etapas do processo produtivo, etc.

Comerciais Restaurantes, chuveiros, supermercados, hotel, shoppings, correio, telefones, serviço de ônibus, bar, bancos, estacionamento, seguro, alfândega, posto de

combustível, salão de convenção, reparo e limpeza de caminhão e contêineres

Sociais Creches, centros esportivos, centro de compras, escolas profissionalizantes, capacitação de mão de obra, casa de repouso, etc.

Ambientais

Tratamento de água, construção sustentável, áreas verdes, uso racional de água, reuso de água, tratamento de esgoto, segregação de resíduos sólidos,

reciclagem, otimização de energia, diversificação de modais, biocombustível/combustível fóssil

Tecnologias Tecnologias utilizadas para apoio às atividades e serviços desenvolvidos como código de barras, rastreamento, Internet sem fio, RFID, WMS, TMS, etc.

Fonte: adaptado de Branski, Carvalho e Lima Jr (2011). Por meio da metodologia de estudo de casos, esta estrutura de referência foi aplicada a três instalações bem sucedidas: Plaza (Espanha), Distrito de Nola (Itália) e o Parque-Industrial de Kalundborg (Dinamarca) (Carvalho et al., 2013). O estudo de caso é um método adequado para caracterizar Plataformas Logísticas porque permite identificar características destas instalações e de seus elementos, confrontar com informações da literatura e dar suporte para a construção de teorias (Yin, 2003). O estudo confirmou os resultados anteriores: o sucesso destas instalações depende da localização geográfica, do serviço de intermodalidade e da gestão centralizada. Mas vai além e chama a atenção para um aspecto pouco explorado na literatura: Plataformas devem ser entendidas não só como

170

Plataformas Logísticas Inteligentes para Três Regiões do Brasil

instalações logísticas, mas como geradoras de negócios, capazes de racionalizar os processos logísticos e aumentar a eficiência de suas empresas. A partir destas considerações, foi proposto um novo modelo para o estudo das Plataformas, no qual os atributos elencados (ambiente e instalações) foram complementados pelos atributos que conferem inteligência a estas instalações (integração, sinergia e governança) (Branski e Lima Jr, 2013).

Tabela 2: Atributos das Plataformas Logísticas Inteligentes Atributos para Inteligência

Integração Troca de dados entre as empresas por meio de redes e sincronização dos fluxos físicos

Sinergia

Compartilhamento da Infraestrutura, Equipamentos e Serviços na Plataforma

Cooperação

Vertical Arranjos apoiados na TI Arranjos operacionais e estratégicos

Horizontal

Estabelecimento de grupos Compartilhamento de armazéns, fretes, ativos e recursos Atividades operacionais Empresas terceirizadas e de suporte Conhecimento Marca conjunta

Governança Regras para ocupação e uso do espaço Identificação e Promoção das ações sinérgicas Partilha de benefícios e responsabilidades

Fonte: Branski e Lima Jr (2013). Em nova validação, o modelo ampliado foi aplicado a um gestor multimodal de cargas. Os dados foram coletados em entrevista semiestruturada com o gerente de operações, consulta ao site da empresa, publicações especializadas, além de observação direta por parte dos entrevistadores. Finalmente, os atributos levantados na revisão bibliográfica e nos estudos de casos realizados anteriormente foram confrontados com os resultados obtidos na entrevista validando o modelo. A Figura 1 ilustra as etapas desenvolvidas nesta fase do trabalho.

Figura 1: Etapas para construção e validação do modelo Finalmente, o modelo foi utilizado para a proposição de plataformas para três diferentes regiões do Brasil. O entendimento da realidade econômica, das necessidades e gargalos e, sobretudo, das vocações regionais foram a base para a proposição de modelos de Plataformas. Foram identificados a infraestrutura logística, a vocação econômica, e os principais produtos e fluxos comerciais de cada região. Os dados de cada região foram coletados em documentos oficiais, jornais, revistas, e publicações especializadas; além de artigos em periódicos científicos. A figura 2 abaixo detalha as etapas desenvolvidas nesta fase da pesquisa.

Validação

Agente Multimodal

de Cargas

Levantamento e Revisão

Bibliográfica

Identificação dos Atributos para

Inteligência

Estrutura de Referência

Inicial

Aplicação

Plataforma Plaza

Plataforma Nola

Parque de Kalundborg

Modelo de Plataforma

Logística Inteligente

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 2: Etapas para a proposição de Plataformas Regionais 4. CARACTERIZAÇÃO DAS REGIÕES O Tabela 3 destaca as características econômicas, da infraestrutura e dos principais produtos e fluxos comerciais das três regiões. 4.1. Características Econômicas A RMC é composta por 20 municípios que juntos formam uma grande metrópole, densamente povoada. Campinas é o município economicamente mais importante e exerce forte influência sobre os demais. O setor agropecuário é mecanizado, utiliza sementes de qualidade e com culturas de alto valor agregado. Está integrado aos complexos agroindustriais e destina-se à exportação e ao mercado urbano de maior poder aquisitivo. Seus principais produtos são: cana de açúcar, laranja, suinocultura, avicultura, horticultura, fruticultura e floricultura. A indústria da região é diversificada. Paulínia abriga o Polo Petroquímico com a refinaria da Petrobrás e empresas do setor químico. Americana, Santa Bárbara do Oeste e Nova Odessa, o polo têxtil. Campinas e Hortolândia, o polo de alta tecnologia. A região tem ainda empresas de material de transporte, elétrico, mecânico, produtos farmacêuticos, etc. (Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de Campinas – SEPLAMA, 2009). Assim, a Região é um importante polo industrial com uma estrutura produtiva moderna, diversificada e com elevado grau de complexidade. O Estado de Santa Catarina é formado por 293 municípios – entre eles Florianópolis, Joinvile e Blumenau. A agricultura ocupa 25% da área total do estado com destaque para as culturas de arroz, milho, alho, cebola e fumo. As indústrias são diversificadas, mas concentradas nas diferentes regiões do Estado: na capital, estão localizadas as empresas de base tecnológica; no Vale do Itajaí, a indústria têxtil, de vestuário e de cristal; no sul, o extrativismo vegetal e a produção de cerâmica; na região serrana, madeira e móveis; ao norte, as indústrias metalúrgicas, de máquinas e equipamentos, confecção e mobiliário e, finalmente, no oeste, aves e suínos (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina – FIESC, 2010). O estado apresenta uma economia diversificada e forte com empresas de destaque mundial. Finalmente, a Região Amazônica apresenta baixa participação no PIB do país e indicadores sociais quase sempre abaixo da média nacional. As indústrias estão voltadas para extração vegetal, produção mineral, setor agropecuário e, sobretudo, indústria de transformação, além de exportação de minérios, madeiras e produtos extraídos da floresta. Manaus, onde está localizada a Zona Franca, é o município mais importante e abriga 60% da população do estado. Inicialmente voltada para a montagem de equipamentos com componentes importados ou procedentes de outras regiões do país, nos últimos anos, a Zona Franca vem ganhando a dimensão de polo industrial com a execução das diversas etapas produtivas. Os setores de maior destaque são os de eletroeletrônicos (34% do faturamento), duas rodas (21%) e bens de informática (11%) (Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA, 2010).

Modelo de Plataformas Logísticas Regionais

Características Econômicas

Produtos e Fluxos Comerciais

Infraestruturas Logísticas

Modelo de Plataforma Logística

Inteligente

Atributos do Ambiente

Atributos da Plataforma

Atributos para Inteligência

Caracterização das Regiões

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Plataformas Logísticas Inteligentes para Três Regiões do Brasil

4.2 Infraestruturas Logísticas Quanto à infraestrutura logística, a RMC é suprida por ampla malha rodoviária, moderna e fortemente integrada, facilitando os deslocamentos e articulação entre os municípios e demais regiões. Grande parte da indústria está concentrada nos eixos rodoviários, como o polo de microeletrônica e de alta tecnologia. Quanto à infraestrutura aérea, conta com um dos mais importantes aeroportos de cargas do país – Viracopos – que movimenta produtos dos setores metal-mecânico, automobilístico, informática, química e eletroeletrônicos (INFRAERO, 2013). No transporte ferroviário, três empresas atuam na região levando produtos siderúrgicos, agropecuários e minérios para o porto de Santos. Finalmente, no transporte aquaviário, a RMC está próxima a dois importantes portos marítimos do país – Santos e São Sebastião – além dos portos fluviais – Panorama e Presidente Epitácio (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE, 2012). O Porto de Santos é o principal do país e está integrado à RMC por rodovias e por duas ferrovias: Ferroban e MRS. O Porto de São Sebastião é o responsável pelo abastecimento de petróleo do Estado e está integrado ao município de Paulínia. O Estado de Santa Catarina é servido por diversas rodovias. Mas, embora sua malha seja densa e integrada está, de forma geral, mal conservada. O sistema aéreo conta com quatro aeroportos e possui estrutura completa nos terminais de cargas. Mas, a falta de regularidade dos voos cargueiros faz com que mais de 80% das cargas aéreas internacionais sejam embarcadas pelos aeroportos de São Paulo (Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio – MDIC, 2012). A malha ferroviária é extensa e está conectada aos principais portos e às ferrovias da Argentina e do Uruguai. Finalmente, conta com quatro portos marítimos – São Francisco do Sul, Itajaí, Imbituba e Navegantes – com ampla área de armazenagem, e facilmente acessados por rodovias e ferrovias (FIESC, 2010). A região amazônica tem uma malha rodoviária incipiente, sendo quase metade das rodovias considerada ruim ou péssima. Apesar da importância do transporte aéreo na região em razão das grandes distâncias e da precariedade das ligações de superfície, este modal opera de forma complementar ao principal meio de transporte que são as hidrovias. Dos aeroportos, somente os de Manaus, Macapá e Belém recebem voos internacionais regularmente. As quatro estradas de ferro em operação estão voltadas para a movimentação de minérios e madeira para os portos. A rede hidroviária da Amazônia é composta de 20 mil km de rios em grande parte navegáveis. Sua navegabilidade permite desde o transporte de pessoas e pequenas cargas para o interior, garantindo a subsistência da sua população, como também o transporte de longo curso e de cabotagem para atender as grandes empresas. Apesar disto, o frete marítimo para Manaus é difícil e tem custo elevado, sobretudo pela inexistência de frete de retorno, obrigando as empresas a buscarem alternativas, inclusive transporte aéreo. Além disto, o Porto de Manaus, central no escoamento das cargas, tem baixa eficiência apresentando longo tempo de atração (Anuário Estatístico Aquaviário – ANTAQ, 2010). 4.3 Principais produtos e fluxos comerciais Na RMC, os fluxos internos são mais significativos que os externos. Os principais produtos comercializados são derivados do petróleo, veículos automotores, alimentos, produtos químicos, equipamentos de informática e produtos eletrônicos, estes últimos de grande importância estratégica para a região. O modal rodoviário é o mais utilizado e atende 90% das demandas. A maior parte dos produtos tem como destino a própria região e a cidade de São Paulo. No comércio interestadual, os principais parceiros são Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul (Campos et al., 2010). No comércio internacional, a região foi responsável por 5% das exportações e 10% das importações do Brasil em 2012. Os principais produtos exportados foram autopeças e automóveis,

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

telefones celulares e equipamentos ferroviários vendidos para Argentina, Estados Unidos, México, Espanha e Venezuela. 70% dos produtos são exportados pelo Porto de Santos, 10% pelas rodovias Uruguaiana e São Borja e 9% pelos aeroportos de São Paulo. Por Viracopos, foram exportados aparelhos e materiais elétricos, veículos, produtos farmacêuticos, máquinas e equipamentos. Nas importações, os principais produtos foram insumos, peças e componentes vindos da Ásia, União Européia e Estados Unidos (MDIC, 2012). Em Santa Catarina a maior parte da produção destina-se ao mercado interno. Os setores mais importantes são alimentos, têxtil e vestuário, móveis e madeira, e papel e celulose. Mais da metade do comércio ocorre no próprio Estado, 30% com as regiões Sul e Sudeste e 5% com o exterior. Seus principais parceiros são Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul (Campos et al., 2010). No comércio internacional, realizou 4% das exportações e 7% das importações do Brasil em 2012. Os principais produtos exportados foram alimentos, fumo, máquinas e equipamentos, madeira e mobiliário para EUA, Holanda, Japão, Alemanha e Reino Unido. Os alimentos vêm, sobretudo, da região Oeste onde estão localizados os grandes frigoríficos produtores de aves e derivados, e máquinas e equipamentos, de Joinville. O porto de Itajaí foi a principal porta para as exportações. Os produtos importados foram máquinas e equipamentos, plásticos, filamentos sintéticos e artificiais, algodão e borracha da China, Chile, Argentina, EUA e Alemanha (MDIC, 2012). Finalmente, os fluxos comerciais da Região Amazônica são fortemente influenciados pela dinâmica econômica imposta pela Zona Franca de Manaus. Os fluxos internos são mais importantes, sendo seu principal parceiro o estado de São Paulo. Vende produtos eletroeletrônicos, motocicletas, farmacêuticos, informática e telecomunicações para os grandes centros consumidores do país. Outros fluxos importantes são os minerais e vegetais enviados para centros industrializados onde são processados para exportação. A região compra peças e componentes para abastecer indústrias instaladas na Zona Franca; além de bens de consumo, alimentos, material de higiene e limpeza (Campos et al., 2010). No comércio internacional, exporta apenas 0,5% e importa 6% do total comercializado pelo Brasil. Exportou, em 2012, terminais de telefonia celular, motocicletas, partes e peças de aparelhos de TV pelo Porto de Manaus, com destino aos países da América do Sul pelo Porto de Santos e pelo Aeroporto de São Paulo. Os principais produtos importados, pelo porto e aeroporto de Manaus, foram peças e componentes vindos da Ásia para abastecer a indústria eletroeletrônica e de motocicletas (MDIC, 2012).

Tabela 3: Caracterização da RMC, do Estado de Santa Catarina e da Região Amazônica RMC Estado de Santa Catarina Região Amazônica

Caracterização Econômica

Informações Gerais

Elevada concentração industrial com estrutura

produtiva moderna, complexa e fortemente integrada.

Campinas é mais importante economicamente e tem forte influência sobre os demais

municípios.

Vocação industrial e exportadora. Economia forte com indústrias de diversos segmentos distribuídas pelo estado. No Vale do Itajaí,

estão têxteis, alimentícia e metal-mecânica, no sul, cerâmica,

no nordeste, autopeças e componentes elétricos e, no norte,

indústrias moveleiras.

Região com baixa participação no PIB e rede urbana em processo de

consolidação. Os indicadores sociais situam-se sempre abaixo da

média nacional. Manaus é o principal município, concentrando

parcela significativa da população e da riqueza produzida.

Principais Setores

Setor agropecuário com culturas mecanizadas e de alto

valor agregado. Indústria diversificada com a presença

dos setores químico e petroquímico, têxtil, alta

tecnologia, eletroeletrônica, mecânica, farmacêutica, etc.

Setor de serviços desenvolvido.

Maior exportador de frango e de carne suína. Destaque para a

indústria metalmecânica, agroindústria, cerâmica, têxtil, pesqueira e setor de serviços.

Destaque para extrativismo vegetal, produção mineral, setor

agropecuário e, principalmente, fabricação de eletroeletrônicos,

motocicletas e farmacêutica.

174

Plataformas Logísticas Inteligentes para Três Regiões do Brasil

Infraestrutura Logística

Rodoviária

Ampla malha rodoviária fortemente integrada e, de forma geral, em excelente

estado de conservação.

Ampla malha rodoviária, integrada, mas mal conservada.

A malha rodoviária, além de incipiente, é mal conservada, e

muitas rodovias não estão sequer pavimentadas.

Aérea

Possui o segundo maior aeroporto de cargas do país – Viracopos – atrás somente de Guarulhos. Movimenta cargas

de alto valor agregado, sobretudo, para comércio

internacional.

Quatro aeroportos distribuídos no estado. Mesmo estando em outra região, o Aeroporto de Viracopos tem papel importante no comércio

internacional do Estado.

Possui quinze aeroportos, sendo nove internacionais. O aeroporto de Manaus é o maior e mais importante

da Região.

Ferroviária

Ferrovias ligadas aos setores siderúrgico, de mineração e

agropecuário contribuem para a integração do território

brasileiro ligando as regiões produtoras aos mercados

externos, principalmente por meio do Porto de Santos.

Duas ramificações ferroviárias cobrem o Estado e estão

conectadas aos Portos e, também, às malhas da Argentina e do

Uruguai. Transportam principalmente grãos e minérios.

Quatro estradas de ferro em operação e uma operando

parcialmente. Voltadas para a movimentação de minério das minas

para os portos.

Principais Produtos e Fluxos Comerciais

Características

Predomínio dos fluxos internos, sobretudo dentro da

própria região e para São Paulo e Santos.

Predomínio dos fluxos internos, a maior parte dentro do próprio Estado, e para as regiões Sul e

Sudeste.

Predomínio dos fluxos internos fortemente influenciados pela

dinâmica econômica imposta pela Zona Franca de Manaus. São Paulo

é um destino importante. Fluxos Internos

Produtos Estados

Alimentos, celulose e papel; bebidas; derivados do

petróleo, produtos químicos; farmacêuticos; máquinas e

equipamentos; informática e produtos eletrônicos e óticos.

Os estados com maior participação são: Minas Gerais, Rio de Janeiro,

Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia e

Amazonas

Eletro metal-mecânico; veículos, têxtil e confecção e alimentos. Os

estados com maior participação são São Paulo, Paraná, e Rio

Grande do Sul.

Bens eletrônicos, motocicletas, informática e telecomunicação e

produtos vegetais e minerais. Compra peças e componentes para abastecer suas indústrias, além de alimentos, material de higiene e

limpeza, bens de consumo, mobiliário, bebidas e veículos. Os principais parceiros são: São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Minas

Gerais e Rio Grande do Sul e Paraná.

Fluxos Externos

Exportação: Produtos Destinos Portos

Autopeças e automóveis; telefones celulares;

equipamentos ferroviários. Argentina; EUA; México;

Espanha e Venezuela. Porto de Santos; Aeroportos de São

Paulo e de Viracopos e Rodovias Uruguaiana e São

Borja.

Alimentos, fumo, peças, máquinas e equipamentos,

madeira e mobiliário. EUA, Holanda, Japão, Alemanha, Reino Unido. Portos de Itajaí, São Francisco do Sul e de Paranaguá.

Telefonia celular, motocicletas, aparelhos de barbear não elétricos, partes e peças de aparelhos de TV e

vídeo. Argentina; Colômbia, Venezuela, Chile, México e EUA. Porto de

Manaus, Aeroportos de São Paulo e de Manaus e Porto de Santos

Importação: Produtos e

Origens Portos

Autopeças; insumos para a indústria química;

componentes para a indústria eletroeletrônica; partes e

equipamentos ferroviários. China, Coréia do Sul, EUA, Alemanha. Porto de Santos;

Aeroportos de Viracopos e de São Paulo; Porto de São

Sebastião.

Máquinas e equipamentos, plásticos, filamentos sintéticos e artificiais, algodão, instrumentos

óticos, veículos, vestuário, produtos químicos e cerâmicos. China, Chile, Argentina, EUA e Alemanha. Portos de Itajaí, São

Francisco do Sul e Imbituba; Rodovia Uruguaiana e Aeroportos

de São Paulo e Viracopos.

Peças e partes para aparelhos de TV, dispositivos de cristal líquido,

circuitos integrados, combustíveis, partes e acessórios para motocicletas

e microprocessadores. China, Coréia do Sul, Japão, EUA e

Taiwan. Porto e o Aeroporto de Manaus.

175

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

5. PLATAFORMA LOGÍSTICA INTELIGENTE PARA TRÊS REGIÕES DO BRASIL A proposição de plataformas para as três diferentes regiões do Brasil foi desenvolvida a partir do modelo de Plataforma Logística Inteligente. O planejamento destas instalações em um país de dimensões continentais, com realidades econômicas e infraestruturas logísticas tão diversas deve necessariamente levar em conta as particularidades locais. Inicialmente, para definir a localização, foram consideradas as infraestruturas logísticas, a vocação econômica, e os principais produtos e fluxos comerciais de cada região. Quanto à infraestrutura logística, as regiões apresentam realidades bastante diversas. Na RMC estão localizadas as melhores rodovias do país e a malha viária é densa e integrada a outros municípios e regiões, Santa Catarina apresenta uma malha ampla, embora mal conservada e, na Região Amazônica, a infraestrutura rodoviária é precária. No transporte aéreo, a RMC possui um dos mais importantes aeroportos do país, além de fácil acesso ao aeroporto de São Paulo. A maior parte da malha ferroviária está concentrada nas regiões sul e sudeste que estão relativamente cobertas. O transporte marítimo é muito importante para Santa Catarina, e o fluvial para o Amazonas. A RMC está próxima ao Porto de Santos, que pode ser acessado por meio das rodovias e das linhas férreas. Quanto aos fluxos comerciais, predominam nas três regiões os fluxos comerciais internos. Na RMC e em Santa Catarina, os fluxos urbanos e dentro do próprio estado são os mais significativos. Enquanto no Amazonas, prevalecem os fluxos com destino a outros estados. Ainda no caso do Amazonas, os fluxos são fortemente influenciados pela dinâmica econômica da Zona Franca de Manaus, que vende produtos eletroeletrônicos para o resto do país, compra produtos de consumo para abastecer seu mercado interno e importa bens intermediários para abastecer as indústrias. No comércio internacional, a Argentina é o principal destino das exportações do Amazonas e da RMC. Outro destino importante para as três regiões é os EUA. Chama a atenção o fato de Santa Catarina e o Amazonas exportarem parte de seus produtos pelos aeroportos de São Paulo e no caso do Amazonas, pelo Porto de Santos. Nas importações, a Ásia é provedora de grande parte dos produtos importados (principalmente bens intermediários) que chegam ao país pelos portos, mas também pelos aeroportos de São Paulo e de Viracopos. A localização da plataforma deve estar adequada à infraestrutura e aos fluxos comerciais de cada região, garantindo fácil acesso aos diferentes modais (ou a uma combinação deles). Na RMC devem ser priorizados, além do modal rodoviário, os modais aéreo e ferroviário. Em Santa Catarina o modal marítimo. Finalmente, no Amazonas, o fluvial. A Rodovia dos Bandeirantes (ou rodovias secundárias próximas) é o principal eixo entre Campinas e São Paulo, com fácil acesso ao aeroporto e às ferrovias ligadas ao porto de Santos. Em Santa Catarina, a região de Foz do Itajaí, localizada na parte central do litoral do Estado, apresenta grande capilaridade modal: próxima aos aeroportos, portos, rodovias e ferrovias, com fácil acesso a todas as demais regiões. Finalmente, no Amazonas, a cidade de Manaus possibilita acesso ao principal porto do Estado e é onde está situada a Zona Franca de Manaus. Quanto à gestão das plataformas, o engajamento do setor público nos recursos e no planejamento estratégico é central para o sucesso e sustentabilidade econômica destas locações. As plataformas mais bem sucedidas são aquelas onde as autoridades públicas lideraram o desenvolvimento das estratégias porque é importante que se tenha uma orientação geral, construída de modo integrado e hierarquizado, voltada para a construção de polos articuladores e concentradores que organizem o transporte e as bases logísticas das cadeias produtivas.

176

Plataformas Logísticas Inteligentes para Três Regiões do Brasil

Finalmente, quanto aos atributos para a Inteligência, as Plataformas Logísticas devem contribuir para a obtenção de sinergias. Sinergias decorrem, de um lado, do uso compartilhado da instalação e de seus recursos e, de outro, do estabelecimento de cooperação, que, por sua vez, decorre da integração produtiva, no caso de empresas da mesma cadeia de suprimentos, ou da racionalização das atividades, no caso de empresas concorrentes ou complementares. Estas sinergias devem ser buscadas para as três Plataformas propostas. No caso da RMC e do Amazonas, o setor de eletroeletrônico tem grande potencial para operar em plataformas logísticas. Isto porque está vinculado tanto aos fluxos nacionais quanto aos internacionais (diversos componentes são importados e atende aos mercados consumidores de todo o país), e sua cadeia produtiva complexa permite o estabelecimento de cooperação através da integração produtiva com fornecedores e montadores de produtos finais, como também pela racionalização dos seus processos. Além disto, novas regulamentações impõe ao setor a responsabilidade pelo descarte adequado dos produtos eletroeletrônicos após o uso. Plataformas Logísticas podem contribuir para a logística reversa por meio de controle centralizado dos produtos retornados e do oferecimento de infraestrutura adequada para recebimento, processamento, embalagem, armazenagem e transporte destes materiais. Em Santa Catarina, a plataforma deve estar voltada para as atividades portuárias sem, contudo, deixar de estar integrada aos demais modais. Deve atender as necessidades de escoamento dos produtos produzidos no Estado (como agropecuários, metal-mecânico, têxteis e de vestuário) e buscar sinergia através de ganhos de escala; do compartilhamento da infraestrutura, das máquinas e equipamentos, e dos serviços; e da integração da manufatura, localizando no mesmo espaço físico dois ou mais elos da cadeia. 6. CONCLUSÃO O objetivo da pesquisa foi identificar os atributos essenciais para que Plataformas Logísticas atuem como elos inteligentes, capazes de racionalizar os processos e reduzir a complexidade das cadeias produtivas. Por meio de revisão da literatura e de estudo de casos com plataformas europeias já consolidadas foram identificados três atributos para a inteligência destas instalações – integração, sinergia e governança. Os atributos foram validados em outro estudo de caso com um gestor multimodal de cargas. Finalmente, o modelo ampliado foi utilizado para a proposição de plataformas logísticas inteligentes para três regiões do Brasil. O modelo oferece uma visão holística das plataformas, não restrita exclusivamente à operação e funcionalidades, mas inserindo atributos importantes para o seu sucesso. Além de uma visão mais ampla, contribui para o estabelecimento de padrões para o estudo destas instalações, facilitando a comparação e a identificação de possíveis melhorias. Finalmente, incorporando aspectos que traduzem as características e vocações de cada região, serve como um guia para o planejamento de Plataformas Inteligentes que atendam às necessidades regionais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agencia Nacional de Transporte Aquaviário (ANTAQ). Disponível em: <

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178

CONCEITO DE REDE DE TRANSPORTES INTERMODAL UTILIZANDO TERMINAIS MARÍTIMOS DE CABOTAGEM “RÁPIDOS”

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Nayara A. L. de Valois

Rui Carlos Botter

Universidade de São Paulo Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

RESUMO A noção de continuidade na área de transportes remete à função de intermodalidade. Uma rede de transportes intermodal além de atender ao aspecto de continuidade, possui critérios de frequência, disponibilidade, velocidade e regularidade. A ideia de uma rede de transportes intermodal utilizando terminais marítimos de cabotagem “rápidos” é um conceito novo para os terminais brasileiros. Este artigo relata parte da pesquisa desenvolvida no projeto do Edital MCT/CNPq Nº 18/2009, com o objetivo de introduzir esse novo conceito no Brasil. Na metodologia foram realizadas visitas técnicas a alguns terminais que operam a cabotagem e entrevistas com usuários do modal. Os resultados obtidos foram apresentados em Congressos (IMAM 2011, IAME 2011, COPINAVAL 2011, SSS 2012) com artigos sobre o tema da pesquisa. Outro importante resultado alcançado foi uma tese de doutorado que objetivou apresentar uma proposta de requisitos mínimos para a adequação da operação de cabotagem nos terminais portuários brasileiros. ABSTRACT The notion of continuity in transportation refers to the function of intermodality. An intermodal transport network in addition to meeting the aspect of continuity has some criteria of frequency, availability, speed and regularity. The idea of an intermodal transport network using “fast” short sea shipping (SSS) terminals is a new concept for Brazilian terminals. This paper reports part of the research developed in the MCT/CNPq No 18/2009 project, aiming to introduce this new concept in Brazil. In the methodology, technical visits to some terminals that operate SSS were made and interviews with users of the modal were conducted. The results were presented in Conferences (IMAM 2011, IAME 2011 COPINAVAL 2011, SSS 2012) with articles on the topic of research. Another significant accomplishment was a doctoral thesis aiming to present minimum requirements proposed for the suitability of SSS in Brazilian port terminals.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Conceitualmente, intermodalidade significa o transporte de uma carga, sem manipulação do seu conteúdo durante o transporte, por, ao menos, dois modais diferentes (Aragão, 2009). A utilização de mais de um modal permite agregar em uma rede de transportes as vantagens de cada modal. Uma rede de transportes intermodal que contenha a navegação de cabotagem, possivelmente melhora diversos níveis de serviços, intrínsecos ao modal. Redução de custos de frete, menor índice de acidentes, mais segurança da carga e menor emissão de poluentes são alguns desses níveis de serviços. A eficiência na operação dos terminais marítimos também contribui para a continuidade da rede de transportes. Uma rede de transportes intermodal não deve somente atender ao aspecto de continuidade, mas também aos critérios de frequência, disponibilidade, velocidade e regularidade. A viabilidade de transferência de cargas de forma mais econômica, eficiente, ecológica e segura, estabelecendo comunicação entre terminais de origem e destino, é uma maneira resumida de descrever a atual necessidade do setor de transportes marítimos no Brasil (CCE, 2004). Esse conceito também é o objetivo das “Autoestradas do Mar – AEM”, que utilizam terminais operacionais “rápidos” para a movimentação das cargas. Os terminais rápidos, segundo a Associação de Portos de Portugal, possuem os seguintes requisitos (APP, 2007): • Terminais adaptados à eficiência requerida para o tráfego intracomunitário, para que os processos

administrativos e aduaneiros sejam reduzidos ao mínimo; • Conexão eficiente com outros meios de transporte, por meio de rápidos processos logísticos, e

apoio adequado a partir de uma rede de acessibilidades e de plataformas logísticas que promovem o fluxo eficiente de mercadorias;

• Uma infraestrutura de controle de tráfego que permita a circulação de navios e mercadorias, fora dos portos a serem monitorados;

• Transmissão eletrônica de dados e informações administrativas; • Interoperabilidade e compatibilidade terminal/navio e utilização inovadora de navios; • Sistemas automatizados para carga e descarga. As rotas marítimas de navegação com a função intermodal específica, ou autoestradas do mar, foi um conceito desenvolvido pela União Europeia em um projeto-piloto para distribuir o fluxo de cargas das rodovias para os “corredores marítimos”, permitindo o desenvolvimento de redes logísticas mais eficientes e processos mais acessíveis e competitivos entre a cabotagem e outros modais. Desde 1996, este conceito tem dado ênfase à noção de continuidade de transporte para os países-membros do projeto, na qual os componentes terrestres e marítimos são complementares e os bens se movem neles da mesma forma que nas rodovias. No Brasil, alguns esforços estão sendo desenvolvidos para o fomento da navegação de cabotagem. Alguns exemplos são: o Grupo de Trabalho (GT) Parlamentar sobre a cabotagem, em 2013; o PIC (Programa de Incentivo à Cabotagem), em 2012; o projeto da ANTAQ para diagnóstico da cabotagem no Brasil, em 2010; a primeira versão do Plano Nacional de Logística de Transporte (PNLT), em 2007, etc. Muitos desses projetos são financiados por órgãos públicos e privados para estudos genéricos ou específicos para determinadas cargas. Contudo, não há esforços divulgados para melhor conhecimento sobre as redes de transporte que utilizam os terminais rápidos e aplicação dos conceitos no Brasil.

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Conceito de Rede de Transportes Intermodal Utilizando Terminais Marítimos de Cabotagem “Rápidos”

Este artigo relata um primeiro esforço para suprir essa falta de estudos desse conceito aplicado para a navegação de cabotagem. A pesquisa que trata esse artigo foi realizada como parte do Edital MCT/CNPq Nº 18/2009. O principal objetivo foi introduzir um novo conceito no Brasil: a ideia de uma rede de transportes intermodal utilizando terminais marítimos de cabotagem “rápidos”. Este artigo está estruturado nas seguintes seções: a seção 2 apresenta a caracterização do problema abordado na pesquisa. A seção 3 apresenta a metodologia utilizada. A seção 4 mostra os resultados alcançados. Por fim, a Seção 5 apresenta as conclusões. 2. CARACTERIZAÇÃO A navegação de cabotagem representou, em 2013, 22% da movimentação de cargas total sobre a soma movimentada em todo o comércio marítimo brasileiro. Um total de 204,6 milhões de toneladas movimentadas em 2013, conforme mostrado abaixo na Figura 1.

Figura 1: Evolução da movimentação de cargas na cabotagem

Apesar de apresentar uma evolução gradativa nos últimos anos – por exemplo, a taxa de crescimento anual da cabotagem, pelo cálculo do CAGR (Compound Annual Growth Rate), para os últimos 5 anos (2009-2013), foi de 4,7% ao ano (ANTAQ, 2007, 2013) – a navegação de cabotagem tem muitos aspectos que necessitam de melhorias para alavancar sua utilização. Aspectos operacionais e administrativos são atualmente os mais críticos e urgentes. O Brasil, diferentemente de outras nações de dimensões continentais, tem um sistema de transportes com pouca presença da intermodalidade, notadamente com baixa utilização do modal aquaviário. O uso de mais de um modal permite agregar em uma rede de transportes as vantagens de cada modal, possivelmente melhorando diversos níveis de serviço do sistema: redução de custos de frete, menor índice de acidentes nas estradas, mais segurança da carga, menor emissão de poluentes, etc. Por sua maior eficiência energética e menor impacto ao meio ambiente, em relação aos outros modais de transporte, o aumento da utilização do transporte marítimo de cabotagem está consoante com o Plano Nacional de Logística e Transportes – PNLT, que estipula a meta de que a participação do modal aquaviário na matriz de transportes brasileira deve passar de 13% para 25% em 2025. Entende-se que a cabotagem não deve ser desvinculada de sua natureza intermodal, visto que é dependente das rotas entre os terminais marítimos e os pontos de origem e destino. Assim, o transporte de cabotagem, como caracterizado em Botter et al. (2007), é uma necessidade para o

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

desenvolvimento do setor de transportes e, em certa monta, é uma necessidade para se atingir as metas do PNLT. Nesse conceito apresentado pelos autores, a cabotagem é entendida como “uma cadeia logística de transporte de cargas que utiliza em um dos seus elos o transporte marítimo entre pontos da costa brasileira”. A Figura 2 apresenta mais detalhes desse conceito.

Figura 2: Representação esquemática do transporte intermodal envolvendo a cabotagem

Na pesquisa realizada, fica claro que existe uma perda de competitividade para a cabotagem brasileira. Os problemas identificados atingem o consenso em: baixa velocidade operacional, comparativamente aos outros modais, e a baixa oferta de rotas, medida pela frequência de viagens por semana. Quando se acrescentam os tempos portuários excessivos, decorrentes do desembaraço fiscal e alfandegário, e as limitações nos acessos portuários, estes problemas tornam-se entraves para a eficiência da cabotagem e para a existência de um transporte eficiente que traga crescimento para o setor marítimo. Apesar do desenvolvimento tardio da intermodalidade (e da multimodalidade) no Brasil, algumas empresas já adotam soluções logísticas que contemplam a utilização de mais de um modal, sendo que um deles é o transporte marítimo. Tais iniciativas, contudo, esbarram em deficiências conhecidas na área de infraestrutura e regulação: • Falta de acessos rodoviários adequados aos terminais portuários, • Necessidade de modernização dos equipamentos de carga e descarga nos terminais, • Baixo nível tecnológico na utilização das cargas dificultando a troca entre modais, • Falta de harmonização para a intermodalidade (terminais para integração entre os modais), • Regulamentação deficiente da operação de transporte por mais de um modal, • Excesso de burocracia no desembaraço alfandegário, • Falta de oferta regular do serviço de transportes, • Gargalos regulatórios, tecnológicos e legais, etc.

Origeminterna

Transferência rodoviária ou ferroviária

Portoorigem

Transferência aquaviária

Portodestino

Transferência rodoviária ou ferroviária

Destinointerno

Consolidação da carga

Desconsolidaçãoda carga

Transporte de cabotagem

Origemexterna

Consolidação da carga

Transferência aquaviária de Longo Curso

Destinoexterno

Transferência aquaviária de Longo Curso

Transporte multimodal

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Conceito de Rede de Transportes Intermodal Utilizando Terminais Marítimos de Cabotagem “Rápidos”

Dentro desse setor, a navegação de cabotagem tem evoluído de forma positiva, mas vagarosamente, mediante todos os fatores negativos para seu desenvolvimento nos terminais portuários. A pouca profundidade nos portos, a infraestrutura carente, a baixa acessibilidade rodoviária, a burocracia documental e o alto custo do combustível são alguns dos fatores já identificados que ainda geram entraves ao desenvolvimento do transporte marítimo, especialmente da navegação de cabotagem. Esses entraves dificultam a expansão do mercado doméstico de cargas e limitam o crescimento nivelado da movimentação portuária nacional e do uso dos modais integrados de transporte (Donato, 2014). Esta nova ideia possui o desafio de realizar uma mudança conceitual e operacional nos terminais portuários. Foi utilizado o conceito-base de “Autoestradas do Mar”, desenvolvido pela Comissão Europeia ainda no início dos anos 1990. As “Autoestradas do Mar” ou MoS (Motorways of Sea) são rotas de navegação marítimas com a função específica de viabilizar, por meio da intermodalidade, a transferência de cargas e pessoas entre terminais portuários de forma eficaz. O conceito de sistema sugerido para o Brasil pressupõe também a integração dos modais e sua complementaridade. Essa rede agiliza o processo de transferência da carga entre os modais, torna a cabotagem competitiva e viabiliza o transporte porta a porta. 3. METODOLOGIA Inicialmente, a pesquisa mapeou as experiências internacionais, particularmente os projetos relacionados aos conceitos de MoS na Comunidade Europeia, como o PORTMOS (Integration of the Portuguese Port and Maritime System in the Motorways of the Sea). As visitas técnicas aos portos de Barcelona e Leixões foram realizadas, o que deram embasamento para o desenvolvimento do projeto (PORTMOS, 2006). Em paralelo, foi conduzida uma ampla revisão bibliográfica acerca dos aspectos regulatórios envolvidos, tanto no exterior quanto no Brasil. Destaque-se o interesse da pesquisa não só nos possíveis entraves, mas também nas soluções adotadas. A construção de um “mapa” com todos os aspectos referentes ao tema em estudo, além dos aspectos regulatórios envolvidos na abertura e operação de terminais, foi desenvolvida. O mapa preliminar com estes aspectos está representado na Figura 3. Após o entendimento da pesquisa, através do mapa de aspectos, foi preparado um questionário com perguntas diretas e indiretas para aplicação com alguns atores do sistema de cabotagem no Brasil. Este questionário foi desenvolvido com base nas principais questões que são apresentadas nas discussões sobre o tema nos diversos fóruns e congressos existentes. Também foram incluídas questões relacionadas ao objetivo principal do projeto para quantificação. Do estudo das experiências internacionais e de entrevistas com atores do mercado, o objetivo foi responder à pergunta: o que torna um corredor de transportes eficiente e competitivo para o transporte de cabotagem e quais os níveis de serviço utilizados para se medir esse transporte? Um modelo de simulação foi construído para estudar as diferenças nas operações dos terminais, a partir da mudança dos parâmetros. Este modelo foi baseado no modelo conceitual dos “terminais rápidos” utilizados pelo projeto das “Autoestradas do Mar”.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 3: Mapa com os aspectos envolvidos na pesquisa 4. RESULTADOS Ante os objetivos propostos inicialmente, compuseram-se as principais metas alcançadas: • Foram realizadas as visitas técnicas às operações de cabotagem de curta distância na Comunidade

Europeia; • Foram feitas entrevistas com especialistas a partir de um questionário semiestruturado; • O Modelo de Simulação Computacional representativo do sistema foi desenvolvido e algumas

simulações foram executadas em um modelo genérico para terminais de cabotagem e apresentaram resultados satisfatórios para o objetivo do projeto;

• Também foram produzidos artigos para participações em Congressos sobre o tema do projeto em estudo. Estes congressos foram IMAM 2011, IAME 2011, COPINAVAL 2011 e SSS 2012.

O modelo de simulação e o modelo conceitual do terminal rápido foram desenvolvidos na tese de doutorado (VALOIS, 2014), desenvolvida a partir dessa pesquisa. Após a análise e consolidação dos dados coletados nas entrevistas e com a simulação chegou-se ao resultado de que todas as respostas direcionam para cinco aspectos fundamentais para melhorias nos terminais portuários: operacionais, administrativos, infraestrutura, hinterlândia e custos. Nestes aspectos, citam-se alguns dos principais itens na Tabela 1.

Terminais rápidos de Cabotagem

Experiência InternacionalPortos e rotas eficientes

Autoestradas do Mar

Competitividade do modal Custos, Operação, Escalas

Necessidades brasileiras

Características do setor no Brasil

Identificação de rotas e terminais potenciais

Modelo conceitual do terminal

Dados de entrada e saída

Simulação

Áreas disponíveis, equipamentos

184

Conceito de Rede de Transportes Intermodal Utilizando Terminais Marítimos de Cabotagem “Rápidos”

Tabela 1: Aspectos relacionados à coleta de dados da pesquisa OPERACIONAL ADMINISTRATIVO INFRAESTRUTURA HINTERLÂNDIA CUSTOS

Produtividade maior dos

equipamentos

Alterações no tratamento

burocrático para redução dos documentos

Disponibilidade de recursos para as

operações

Existência de conexões do

terminal com outros modais

Controle de taxas e tarifas

Minimização dos tempos de espera

e de liberação

Disponibilidade de sistema automatizado

para informações entre modais

Realização de dragagem para

aprofundamento do canal

Mais pontos de armazenamento ao

longo da cadeia

Redução de impostos para cargas domésticas

Disponibilidade de janela de

atracação

Controle efetivo de fiscalização de cargas

por órgãos competentes gerando

único documento

Modernização da frota de navios

Cadeia logística eficiente

Reduzir taxas para combustíveis de

cargas nacionalizadas

Esses itens são essenciais para a formação de uma rede intermodal de transporte com agilidade e segurança. 5. CONCLUSÕES As principais conclusões dessa pesquisa dizem respeito à aplicação do conceito de terminais rápidos para os terminais brasileiros. Fica claro que é possível transformar um terminal convencional em um terminal rápido, visto que o conceito introduzido leva a mudanças administrativas e operacionais. Os fatores voltados a acessos rodoviário, portuário-marítimo, liberação da carga (documentação) e eficiência do terminal foram dos mais citados pelos usuários para a realização de uma urgente mudança. Para concretizar a ideia de uma rede de transportes intermodal utilizando terminais marítimos de cabotagem “rápidos” no Brasil é preciso realizar uma mudança estratégica e organizacional na estrutura de gestão do setor da navegação de cabotagem. Com as respostas às entrevistas foi possível perceber que existe a possibilidade de implantação dos aspectos relacionados nos terminais brasileiros e que existe potencial para maior utilização da cabotagem pelos usuários. Com as ferramentas utilizadas foi possível observar as necessidades do transporte de cabotagem e, principalmente, os entraves operacionais. Os requisitos mínimos sugeridos pela tese de doutorado (VALOIS, 2014) confirmaram ser um recurso importante para a avaliação inicial dos terminais que pretendem se tornar terminais rápidos. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro à pesquisa. REFERÊNCIAS ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários (2007) Diagnóstico da Navegação de Cabotagem Visando à

Regulação do Setor. Relatório Final do Projeto. Universidade de São Paulo – USP. Apoio FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos, São Paulo. 185p.

______. (2013) Anuário Estatístico Aquaviário. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/Portal/Anuarios/Anuario2013/index.htm>. Acesso em: jan. 2014.

APP – Associação de Portos de Portugal (2007) Project for the Organization and Configuration of Pilot Actions for the Development of Motorways of the Sea in Portugal. Projeto desenvolvido pela Fordesi - Consultoria e Inovação. Disponível em: <http://tentea.ec.europa.eu/download/MoS/portmos_final_report_global__d13.pdf>. Acesso em: jun. 2011.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Aragão, Marcelo M. C. (2009) Caracterização e dimensionamento de um sistema de cabotagem industrial. Dissertação (Mestrado em Engenharia Naval e Oceânica) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo.

Botter, R. C.; D. Moura; G. Lobo e A. C. Medina (2007) Diagnóstico da Navegação de Cabotagem Visando à Regulação do Setor. Relatório Final do Projeto FINEP/ANTAQ/USP, São Paulo.

CCE – Comissão das Comunidades Europeias (2004) Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões Relativas ao Transporte Marítimo de Curta Distância. Bruxelas, p. 453. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2004:0453:FIN:PT:PDF>. Acesso em: jan. 2011.

Donato, K. (2014) Para ter uso elevado, Cabotagem precisa superar entraves. Revista Eletrônica do Guia Marítimo. Disponível em: <http://www.guiamaritimo.com/gm_wp/category/cadernosespeciais/cabotagem/>.

PORTMOS. 1st Phase PORTMOS (2006) Definition of the Concept/Model and Requirements of the Motorway of the Sea and Integration of the Portuguese Port Maritime System. Associação de Portos de Portugal. Disponível em: <http://ec.europa.eu/transport/maritime/studies/doc/mos/2006_portmos.pdf>. Acesso em: maio 2011.

Valois, N. A. L. de (2014) Requisitos para modelo de operação da cabotagem de cargas conteinerizadas no Brasil: a utilização de terminais rápidos. Tese (Doutorado em Engenharia Naval e Oceânica) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo. 300 p.

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SEÇÃO 3

MOBILIDADE URBANA

IDEAL-TRAFFIC: UMA SOLUÇÃO FLEXÍVEL PARA SISTEMAS DE TRANSPORTE INTELIGENTES

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Saul Emanuel Delabrida Silva

Reinaldo Silva Fortes Ricardo Augusto Rabelo Oliveira

Álvaro Rodrigues Pereira Jr.

Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Exatas e Biológicas

Departamento de Computação RESUMO Sistemas de Transporte Inteligentes (ITS) vêm crescendo a cada dia devido à demanda por, primeiramente, melhorias nos sistemas de trânsito e, adicionalmente, por facilidades de acesso a avançados recursos tecnológicos. Apesar de muitas soluções serem propostas na literatura, normalmente elas são construídas para cenários de aplicações específicos e são pouco flexíveis para adaptações que resolvam problemas semelhantes. Além do mais, aplicações de larga escala demandam altos investimentos em infraestrutura. Neste artigo é apresentado o IDEAL-TRAFFIC, uma solução ITS que, além de resolver o problema de flexibilidade, atende a um conjunto de requisitos que não são contemplados plenamente pelas soluções encontradas. Uma descrição do problema é apresentada, assim como uma visão geral da solução proposta. Para evidenciar que o IDEAL-TRAFFIC atende ao conjunto de requisitos definidos, um caso de uso é apresentado. ABSTRACT Intelligent Transport Systems (ITS) are growing every day, primarily due to demand for improvements in traffic systems and, additionally, the demand for ease of access to advanced technology solutions. Although many solutions are proposed in the literature, they are usually built for specific applications scenarios and are inflexible to adaptations to solve similar problems. Moreover, large scale applications demand high investment in infrastructure. In this article, it is presented an ITS solution called IDEAL-TRAFFIC which solves the problem of flexibility and meets a set of requirements which are not fully covered by the solutions in the literature. A description of the problem is presented as well as an overview of the proposed solution. In order to show that the IDEAL-TRAFFIC meets the set of requirements defined, a use case is presented.

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1. INTRODUÇÃO Intelligent Transportation Systems (ITS) é uma ciência que busca, através de mecanismos tecnológicos e autônomos, a gestão eficiente do trânsito. Há registros de pesquisas que remontam a, pelo menos, duas décadas. Atualmente essa área tem um relevante papel perante a sociedade, principalmente pelo aumento do fluxo de veículos nas grandes cidades. Otimização desse fluxo de veículos, redução de congestionamentos, segurança de usuários de trânsito e construção de infraestruturas sustentáveis são alguns exemplos de problemas abordados em ITS. Líderes governamentais de alguns países periodicamente publicam metas e desafios locais para direcionar pesquisadores em seus trabalhos. Estados Unidos e Ásia lideram pesquisas relacionadas a ITS, sendo que China, Japão e Taiwan, respectivamente, atuam com maior presença, seguidos por países europeus. Tais países normalmente contam com incentivos, não somente do setor público, mas também do privado, o que contribui para o êxito de suas soluções. No Brasil, pesquisas relacionadas a ITS não são tradicionais, embora o governo federal invista em diversos projetos através do CNPq. Além disso, prefeituras de capitais investem atualmente em soluções para o trânsito local. Este é o caso da BHTRANS, empresa de transporte e trânsito de Belo Horizonte diretamente ligada à prefeitura, que possui trabalhos vinculados à melhoria do trânsito. Este trabalho é parte do projeto Olhos da Cidade aprovado no edital MCT/CNPq N° 018/2009 que conta também com a BHTRANS como parceira, principalmente no fornecimento de sua infraestrutura como laboratório de pesquisa. O objetivo geral do projeto é construir uma série de aplicações de ITS para prover informações para administradores de trânsito e usuários. Após avaliação de algumas aplicações encontradas na literatura, percebeu-se que a arquitetura normalmente utilizada nas aplicações contém gargalos em relação a processamento dos dados, inviabilizando a construção de soluções com características de tempo real. Para efetiva implementação de ITS em cidades, o número de sensores espalhados no trânsito não é pequeno, algo que demanda um número elevado de servidores para processamento. Em sistemas de larga escala, o processamento de imagem não é uma tarefa trivial. Em uma segunda abordagem, os algoritmos de processamento de imagem podem ser paralelizados e distribuídos, porém esta é uma tarefa mais complexa do que o processamento não distribuído. Deve-se levar em consideração que há algoritmos que demandam passos sequenciais para processamento, portanto torna-se praticamente impossível sua paralelização. Essa estratégia também demanda o uso de um data center robusto e confiável com elevado número de computadores, que ainda precisa prover redundância dos dados através de políticas de backup e redundância. Isso pode elevar o custo de manutenção dos serviços. O segundo problema identificado está relacionado com o tráfego dos dados. Por mais que existam diversos algoritmos eficientes para compressão e transferência de imagens, trafegar a imagem ainda é mais custoso do que trafegar dados alfanuméricos ou binários. Sendo assim, a infraestrutura de rede poderá demandar instalações de redes de comunicações de alta velocidade entre os sensores e o data center. Cabeamento ótico é a melhor solução para tal, entretanto uma das mais caras. Finalmente, as soluções encontradas na literatura não suportam uma combinação significativa de requisitos necessários às aplicações ITS. Um dos desafios neste tipo de sistema é garantir um maior conjunto de requisitos mantendo a flexibilidade na construção de aplicações ITS.

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IDEAL-TRAFFIC: Uma Solução Flexível para Sistemas de Transporte Inteligentes

Desta maneira, este trabalho apresenta uma arquitetura para construção de soluções ITS, chamada IDEAL-TRAFFIC. Nessa arquitetura os sensores possuem capacidade computacional para que os dados extraídos sejam processados localmente. A arquitetura é flexível o suficiente para permitir aos engenheiros de trânsito criar aplicações de acordo com os serviços disponíveis nos sensores. O restante deste documento está organizado da seguinte forma: a Seção 2 apresenta os trabalhos relacionados. A Seção 3 apresenta a descrição do problema e uma visão geral da arquitetura proposta. A Seção 4 apresenta como caso de uso uma aplicação que demonstra a efetividade da arquitetura proposta.

2. TRABALHOS RELACIONADOS Nesta seção trabalhos que possuam algum tipo de semelhança com solução proposta são apresentados. Devido ao fato de não ter sido encontrada uma política para construção de sistemas inteligentes de transportes no Brasil, optou-se por buscar modelos já consolidados fora do país. É o caso de frameworks desenvolvidos nos Estados Unidos e Europa, apresentados a seguir.

O Departamento de Transportes dos Estados Unidos (U.S. Department of Transportation) desenvolveu a arquitetura National (U.S. Department of Transportation, 2014), um sólido modelo que considera padrões de arquitetura física e lógica para implementar projetos de ITS no país. A arquitetura é apresentada em três camadas: 1) Institucional; 2) Transportes; e 3) Comunicações. De acordo com o Departamento de Transportes dos EUA (U.S. Department of Transportation, 2014), a primeira camada é justificada devido ao sólido suporte institucional e à possibilidade de se tomar decisões efetivas pelas empresas e usuários. Os autores apresentam essa justificativa como um pré-requisito de ITS. A segunda camada é o núcleo da arquitetura National, já que é nessa camada que os subsistemas e interfaces para cada serviço de transporte é definido. Na terceira camada, os requisitos de integração dos sistemas, as tecnologias e os serviços de comunicação são definidos. FRAME (European Commission, 2014) é uma arquitetura similar à National, usada na Europa para criação de projetos ITS. FRAME foi originalmente publicado em Outubro de 2000 utilizando o nome KAREN. A arquitetura suporta um conjunto de serviços similar aos fornecidos na National. Um ponto de interesse desse trabalho é o suporte a sistemas cooperativos, que são referenciados na atual versão do FRAME como um requisito de ITS. As arquiteturas National e FRAME possuem uma maturidade natural após anos de desenvolvimento. Devido ao fato de ambos, em alguns aspectos, tratarem de políticas de desenvolvimento, sua documentação foi utilizada como base para a proposta do IDEAL-TRAFFIC, possibilitando assim classificá-lo como uma ferramenta para construção de ITS. Os trabalhos descritos a seguir apresentam algumas soluções ITS que serviram como complemento para definições do IDEAL-TRAFFIC. Assim, a solução proposta contempla boa parte dos requisitos encontrados nas diversas aplicações ITS. Ali (2012) propõe um inovador sistema crowdsourcing2 para ITS chamado CrowdITS. O sistema permite que os motoristas notifiquem eventos de trânsito a partir de um dispositivo móvel, como smartphone ou PDA. Os autores descrevem suas motivações baseados na possibilidade de criar aplicações que não demandem infraestrutura com sensores nas estradas. Os três principais

2Crowdsourcing é um sistema que conta com a colaboração de usuários inserindo informações para processamento e análise.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

componentes do sistema são: 1) Sensing and Interface; 2) Information Processing; e 3) Localized Device Messaging. Sensing and Interface corresponde a um dispositivo móvel que possui uma interface para que usuários possam fazer suas notificações de eventos; Information Processing é formada pelos servidores do sistema CrowdITS; e Localized Device Messaging são formados pelo Google's C2DM, um serviço provido pela Google que dá suporte para autenticação de usuários no CrowdITS. Esse tipo de sistema resolve somente em parte os problemas de ITS. Um sistema de crowdsourcing pode aumentar o risco de acidentes, uma vez que os motoristas precisam interagir com seus dispositivos móveis enquanto estão dirigindo. O sistema considera que os usuários possuem acesso à Internet durante todo o trajeto para notificar os eventos, algo que não é uma realidade global. LOCA (Ahn, 2010) é um sistema que utiliza uma arquitetura orientada a serviços (SOA). Ele redireciona usuários para serviços de trânsito baseando-se em sua localização. Os serviços providos pelo LOCA são classificados em 4 categorias, e cada uma possui outras subcategorias. Essas categorias fazem com que a busca por serviços seja mais eficiente, reduzindo o tempo de entrega e vínculo de um usuário a um serviço. Essa é de fato uma característica relevante, considerando que o LOCA é uma aplicação baseada em contexto e que usuários de trânsito estão constantemente em movimento. Embora o LOCA possua vários benefícios, os autores não mencionam qualquer caso no qual se adicione alguma categoria na classificação de serviços. Esse é um ponto fraco do sistema, considerando sua escalabilidade e abertura, em caso de utilização em cenários de larga escala. Outro ponto relevante a ser considerado é o fato do LOCA não prover soluções em caso de falha de algum componente, e tampouco apresenta um modelo de gerenciamento. Este sistema foi experimentado para busca de serviços disponíveis para turismo e os autores não mencionam seu uso para ITS, embora isto seja perfeitamente possível. Herrera-Quintero (2012) mostra uma arquitetura orientada a serviços e integrada com redes de sensores sem fio. O sistema proposto foi dividido em três módulos: 1) Monitoramento; 2) Gerenciamento; e 3) Usuários. Seu objetivo é identificar vagas de estacionamento usando redes de sensores sem fio, repassando a informação aos motoristas. Os experimentos foram executados em um estacionamento com sensores. Os dados coletados foram enviados para o módulo de gerenciamento. Este módulo é um sistema que mostra em tempo real o estado do estacionamento. Duas aplicações foram desenvolvidas no módulo Usuário: 1) Interface para usuários consultarem o estado do estacionamento em seus dispositivos móveis; e 2) Uma aplicação para que o estado do estacionamento seja mostrado através de uma interface Web usando a API do GoogleMaps. Embora essa seja uma arquitetura baseada em serviços, ela é centralizada. O módulo Usuário faz consultas para o módulo de gerenciamento sobre o estado do estacionamento. Esse fato viola o conceito de arquitetura SOA, uma vez que o papel do módulo de Gerenciamento é gerenciar o estado dos provedores de serviço que, neste caso, correspondem aos sensores espalhados pelo estacionamento. Outra característica do módulo de Gerenciamento é vincular o módulo Usuário aos módulos de redes de sensores sem fio. Uma última questão relevante é que o sistema proposto não faz menção a requisitos de ITS. Alguns meses após a primeira publicação do IDEAL-TRAFFIC (Delabrida, 2012), o Transportation Cyber-Physical Systems (T-CPS) foi publicado (Xuebo, 2012). Os autores apresentaram uma arquitetura SOA similar ao IDEAL-TRAFFIC. A proposta é baseada em Cyber-Physical Systems (CPS), uma vez que CPS está no topo da lista de prioridades do governo da China. T-CPS foi feito

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IDEAL-TRAFFIC: Uma Solução Flexível para Sistemas de Transporte Inteligentes

em 5 camadas: 1) Perception layer; 2) Communication layer; 3) Computation layer; 4) Control layer; e 5) Service layer. Apesar das duas soluções serem similares, existem diferenças significativas entre T-CPS e IDEAL-TRAFFIC. O IDEAL-TRAFFIC utiliza o mesmo hardware para coletar os dados primários e processá-los de acordo com algoritmos específicos para cada aplicação. O T-CPS armazena os dados em um banco de dados distribuído. Nas camadas de Computation e Control são necessárias consultas ao banco para processar os dados. No entanto, esse processo prejudica aplicações em tempo real, uma vez que é necessário um tempo significativo para armazenar e recuperar as informações em disco. Além do mais, a quantidade de dados armazenados pode ser suficientemente grande para demandar técnicas de computação de alto desempenho e mineração de dados para que sejam processados. Esse fato é descrito pelos autores. Uma outra característica não evidenciada é a flexibilidade da arquitetura. Os autores relatam que o controle flexível e efetivo é um dos desafios ainda presente na solução. Embora esse trabalho tenha sido publicado após o IDEAL-TRAFFIC, optou-se por relacioná-lo com o intuito de enfatizar que o desenvolvimento do presente trabalho está em um direcionamento correto, já que soluções similares e baseadas em políticas de ITS estão sendo propostas. A Tabela 1 apresenta uma comparação entre os requisitos ITS do IDEAL-TRAFFIC e dos trabalhos relacionados descritos anteriormente. Pode-se notar que o IDEAL-TRAFFIC possui a maioria dos requisitos encontrados nos referidos trabalhos. Este fato comprova que o IDEAL-TRAFFIC é indicado para a construção de ITS. Alguns trabalhos relacionados não cobrem determinados requisitos, o que se deve ao fato destes serem associados a sistemas distribuídos, característica não presente em todos estes trabalhos.

Tabela 1: Comparação entre trabalhos relacionados

Requisito National FRAME CrowdITS LOCA T-CPS IDEAL-TRAFFIC

Heterogeneidade x x x x x Escalabilidade x x ?3

Cooperatividade x x Acessibilidade x x x x

Segurança x Simplicidade de Gerenciamento x x

Adaptabilidade x x Interoperabilidade x x

Abertura x Flexibilidade x

3. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA E UMA VISÃO GERAL DA SOLUÇÃO Esta seção apresenta a definição do problema objeto de estudo e uma visão geral da solução proposta. Sendo assim, ela está dividida em duas subseções: na Seção 3.1 o problema é definido e na Seção 3.2 a visão geral da solução é apresentada.

3Ainda demanda experimentos.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

3.1. Definição do Problema Na literatura, uma característica comumente encontrada em ITS é que as soluções propostas são construídas para problemas muito específicos (Fujimura, 2011; Semertzidis, 2010; Shimura, 2003; Padmadas, 2010; Chaturvedi, 2013). Em geral, adaptar uma solução para resolver outro problema, mesmo que semelhante ao original, não é uma tarefa simples. Por exemplo, radares rodoviários são normalmente instalados em pontos estratégicos para coletar a velocidade instantânea de um veículo ao passar por tais pontos. Caso haja o interesse em obter outro tipo de informação, como a velocidade média entre dois pontos, seria necessário combinar outro dispositivo ao radar, como um RFID, por exemplo, e adaptar o software para realizar o cálculo necessário. Note que os radares são capazes de registrar apenas a velocidade instantânea, não sendo possível extrair qualquer outro tipo de informação sem a utilização de outro tipo de dispositivo. Essa característica faz com que as adaptações em sistemas desta natureza tenham um alto custo e sejam muitas vezes demoradas. Os custos de instalação e remoção de hardware podem ser muito altos se comparados ao custo de simplesmente realizar a atualização ou instalação remota de software. Por outro lado, um hardware que seja flexível o suficiente para permitir este tipo de atuação demanda um alto poder computacional e pode ser mais caro do que um mais específico. Felizmente, é fácil encontrar dispositivos embarcados que permitam a prototipação deste tipo de sistema e que ofereçam baixos custos. Essa característica direciona à solução proposta. No contexto de ITS existem dois principais tipos de dispositivos utilizados para prover comunicação entre elementos do sistema: os On-Board Units (OBU) e os Road Side Units (RSU). OBUs são dispositivos instalados em veículos com o objetivo de processar dados locais e possibilitar a comunicação com dispositivos estáticos. Já os RSUs são nós estáticos de uma rede estruturada que atuam como ponto de acesso de rede sem fio, servindo normalmente como uma interface com uma infraestrutura dedicada ao processamento de dados e à geração de informação. OBUs podem ser utilizados para prover aplicações V2V (Vehicles to Vehicles) e V2I (Vehicles to Infrastructure), quando eles se comunicam com RSUs. Além dos requisitos apresentados na Tabela 1, também devem ser contemplados pela solução proposta os seguintes requisitos: • Um engenheiro de trânsito é o usuário do sistema responsável por administrar as aplicações de

trânsito, e não precisa ter conhecimento de programação de computadores para operá-lo. • O sistema possui uma interface de administração que pode ser utilizada em diferentes

dispositivos, como telefones celulares, tablets e computadores pessoais. • Existem sensores e atuadores instalados na região gerenciada pelo engenheiro de trânsito. • Uma aplicação de ITS4, é composta de um conjunto de dispositivos que possuem sensores e

atuadores trabalhando colaborativamente. • Uma aplicação pode interagir com sistemas legados recebendo dados desses sistemas e

processando-os, ou gerando dados para esses sistemas. • Os engenheiros de trânsito precisam visualizar os dispositivos disponíveis para uso, bem como

suas propriedades, antes de criarem uma aplicação. • Os engenheiros de trânsito também precisam configurar os dispositivos remotamente, através da

interface de administrador. • A disponibilização da aplicação configurada pelo engenheiro de trânsito é um processo

automático provido pela arquitetura. • Os engenheiros de trânsito podem verificar o status das aplicações a qualquer momento.

4Deste ponto em diante será referenciada simplesmente como aplicação.

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IDEAL-TRAFFIC: Uma Solução Flexível para Sistemas de Transporte Inteligentes

3.2. Visão Geral da Solução Esta seção apresenta a ideia principal para o gerenciamento de processos proposto como solução, o IDEAL-TRAFFIC. Para facilitar o entendimento da solução, a explicação será dividida em cinco passos, ilustrados na Figura 1 e descritos posteriormente. Porém, antes de descrever cada um dos passos, alguns componentes do sistema precisam ser descritos. A criação de aplicações envolve três componentes. O Service User (SU) é a interface pela qual o engenheiro de trânsito projeta e registra uma aplicação. Sensores são dispositivos que fornecem dados para a aplicação e por este motivo são denominados Service Provider (SP). Na Figura 1 estes componentes são representados por câmeras filmadoras. Uma câmera pode retornar muitos tipos de dados primários que podem ser utilizados para construir uma variada gama de aplicações. Esta característica é muito importante para atender ao requisito de flexibilidade. No entanto, uma variedade de sensores, com características e capacidades distintas, pode ser utilizada. O terceiro componente tem como objetivo principal descobrir a topologia de SPs e entregá-la ao SU para que ela seja apresentada ao engenheiro de trânsito. Sendo assim, este componente foi denominado Service Mediator (SM). Adicionalmente, o SM se comunica com o SP para obter a lista de serviços que ele é capaz de disponibilizar, assim como suas conexões, a fim de determinar a topologia da rede. O SM também se responsabiliza por gerenciar o estado da aplicação.

Figura 1: Visão geral do processo de criação de aplicações no IDEAL-TRAFFIC. Para entender melhor o uso destes componentes para a construção de aplicações, deve-se assumir que a Figura 1 representa a visão do administrador do sistema enquanto ele opera a interface nos passos 1, 2 e 3. Durante o passo 1, o engenheiro de trânsito faz um acesso ao recurso de criação de aplicação no SU. Como resultado, o SU exibe a topologia da rede formada pelos SPs. Em seguida, no passo 2, o engenheiro de trânsito seleciona os dispositivos SPs que podem participar da aplicação em construção. Cada um destes dispositivos possui uma lista de serviços que ele provê. A conclusão deste passo é determinada pela escolha dos SPs que efetivamente farão parte da aplicação e quais conexões serão utilizadas. Uma vez determinados os SPs que farão parte da aplicação, no passo 3 o engenheiro de trânsito possui uma visão simplificada da topologia da rede, contendo apenas os SPs selecionados e as conexões a serem utilizadas. Cabe a ele então determinar como as conexões serão utilizadas para formar um novo grafo, agora dirigido, configurando-o de forma a definir o fluxo de dados, as regras e as propriedades dos elementos da aplicação. Ao concluir este trabalho, o engenheiro de trânsito submete a aplicação para que ela seja registrada no SM.

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O passo 4 começa logo após a submissão da aplicação para o SM. Primeiramente, o SM armazena os dados de configuração da aplicação em um módulo de persistência para, a partir deles, gerar os dados de configuração de cada SP que participa da aplicação. Finalmente, no passo 5, cada SP recebe seus dados individuais de configuração, gerados anteriormente pelo SM. Cada SP, fazendo uso de componentes internos específicos, instancia e configura os algoritmos necessários para a realização dos serviços disponibilizados. Ao concluir esta tarefa, o SP notifica o SM que os serviços estão disponíveis para atender às requisições. A partir deste momento, a aplicação está pronta e o SM inicia o monitoramento do estados dos SPs.

4. CASO DE USO Esta seção apresenta uma aplicação de caso de uso construída a partir da arquitetura IDEAL-TRAFFIC. O objetivo é demostrar um exemplo de criação de uma solução real usando os componentes da arquitetura. O cenário escolhido é o do monitoramento de velocidade de veículos em uma rodovia. Para se prover a aplicação é necessário assumir que o SP é capaz de extrair placas de veículos utilizando uma câmera de vídeo ou algum sensor sem fio, como um RFID, por exemplo. Considerando que os sensores são câmeras, normalmente as imagens coletadas são enviadas para um data center, e através de técnicas de processamento de imagens as placas são extraídas. O rápido crescimento da demanda de aplicações em ITS aumenta o custo de infraestrutura de rede, especialmente quando o principal dado a ser transferido é vídeo. Este fato faz com que o tráfego de rede se torne um gargalo no sistema. O IDEAL-TRAFFIC apresenta uma grande contribuição para solucionar este problema. Isto porque os dados podem ser processados localmente permitindo que apenas o resultado seja transferido pela rede. No entanto, o conteúdo de vídeo pode ser transferido sob demanda quando necessário. Considerando o uso de RFID, esse gargalo de rede pode não existir, já que o dado a ser transferido refere-se à informação textual correspondente à placa do veículo. Entretanto, a possibilidade de realizar o processamento desse dado localmente, combinando-o com outras informações provenientes de outros sensores ou fontes de dados, sem a necessidade de um componente central de processamento, ainda é uma grande vantagem da arquitetura proposta. Além do mais, ainda não é obrigatório o uso de tecnologia RFID em veículos no Brasil. A seguir, é descrito o problema de caso de uso apresentado, seguido de uma solução usando a arquitetura IDEAL-TRAFFIC. A Figura 2 ilustra o problema. O layout da estrada apresentado foi dividido em cinco partes (P1, P2, P3, P4, e P5). As linhas verticais entre essas partes delimitam as áreas de monitoramento. Existem três radares R1, R2 e R3 localizados respectivamente nas áreas P1, P3 e P5. Para este cenário, a velocidade média máxima dos veículos é de 80 km/h. Os radares não podem medir ou garantir que a velocidade média imposta pelos administradores da via seja praticada. Isso é devido ao fato de que tais dispositivos são aptos a medir apenas a velocidade instantânea do veículo naquele ponto específico.

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Figura 2: Aplicação de controle de velocidade instantânea em uma rodovia.

Pode-se observar que a solução convencional resolve parcialmente o problema, pois, quando um motorista está próximo ao radar, ele reduz sua velocidade para que seja menor ou igual ao estipulado. Ao se afastar da área de monitoramento, o motorista tende a aumentar sua velocidade significativamente, infringindo a lei e aumentando os riscos de acidente. A Figura 3 ilustra como o problema apresentado pode ser resolvido através do IDEAL-TRAFFIC. A seguir é apresentada a modelagem da solução. A estrada foi dividida em três pontos: P1, P2 e P3. Em cada um dos três pontos existem dispositivos que possuem o software SP da arquitetura proposta embarcado. Esse dispositivo embarcado está apto a extrair a placa de um veículo e também a identificar a hora em que ele cruzou aquele ponto. Assumimos que a distância entre os pontos P1 e P2 e a distância entre P2 e P3 são conhecidas. Com essas informações é possível definir a velocidade média entre esses pontos.

Figura 3: Aplicação de controle de velocidade média em uma rodovia.

Cada radar localizado na Figura 2 foi substituído por um componente embarcado com um SP IDEAL-TRAFFIC aptos a identificar veículos, em que P1 e P2 foram substituídos por câmeras e P3 foi substituído por um RFID. Essas instâncias de diferentes hardwares foram inseridas para mostrar como que o IDEAL-TRAFFIC pode funcionar com diferentes combinações de sensores promovendo interoperabilidade, um dos benefícios da arquitetura. Os dispositivos P1 e P2 possuem várias funções. A primeira delas é obter a placa do veículo usando técnicas de processamento digital de imagens. O dispositivo P3 extrai a placa do veículo usando um identificador RFID. Para o perfeito funcionamento do sistema assume-se que o valor extraído pela interface RFID corresponde à placa do veículo. Em um cenário real, o componente P3 pode ser um

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

sistema legado. Esse sistema não precisa conter uma instância ou interface do IDEAL-TRAFFIC, entretanto faz-se necessária uma interface para que ele receba os dados providos pelas instâncias P1 ou P2. Esse fato reforça que o IDEAL-TRAFFIC é um sistema interoperável, já que está apto a se integrar com outros sistemas. Para essa aplicação, considera-se que, quando um veículo ultrapassar a velocidade média, será registrado um evento. Esse evento pode ser enviado para um WebService provido pela entidade administradora do trânsito para que seja analisado e, caso necessário, ações administrativas sejam tomadas. Para que se obtenha sucesso nessa aplicação, é importante que os três componentes estejam com seus relógios sincronizados. O papel do componente P1 é extrair a placa de um veículo e o tempo no qual ele passou pelo dispositivo. Ambas as informações devem ser enviadas para o dispositivo P2, que também extrai esse conjunto de informações e as aplica com as informações recebidas de P1, usando a equação de velocidade média. Se a velocidade média analisada por P2 for superior a 80 km/h5, então P2 considera esse resultado como um evento. Em algum momento um problema pode vir a ocorrer, como por exemplo, P1 pode perder conexão com P2. Nesse caso, P1 pode adaptar sua topologia e estabelecer uma conexão com P3. Se isso ocorrer, o SP ajusta o cálculo da velocidade média de acordo com a distância entre P1 e P3. As distâncias podem ser definidas pelo administrador do sistema ou podem ser coletadas em fontes eletrônicas, como Google Maps6 por exemplo. Esse processo de adaptação pode ocorrer automaticamente, logo que seja identificada a falha do dispositivo. Isso porque a arquitetura proposta possui um módulo de tolerância a falhas, conforme apresentado em Delabrida (2012).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho apresentou-se uma solução para construção de aplicações de Sistemas Inteligentes de Transporte (ITS) chamada IDEAL-TRAFFIC. A solução baseia-se em diretrizes de desenvolvimento de países que apresentam significativa maturidade em aplicações de ITS. Uma de suas principais características é a concordância com requisitos ITS apresentados por frameworks dos Estados Unidos, Europa e outros trabalhos relacionados encontrados na literatura. Para comprovar a eficácia da solução, foi mostrado um caso de uso que demonstra uma solução ITS construída a partir do IDEAL-TRAFFIC. Como trabalhos futuros, serão realizadas algumas simulações usando ferramentas computacionais para comprovar a escalabilidade do sistema e sua tolerância a falhas. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq por fornecer suporte financeiro ao desenvolvimento desse projeto. À Universidade Federal de Ouro Preto pelo apoio e infraestrutura fornecidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ahn, C. e Y. Nah (2010) Design of Location-Based Web Service Framework for Context-Aware Applications in

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5Essa velocidade pode ser determinada por engenheiros de trânsito como um parâmetro do sistema.

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IDEAL-TRAFFIC: Uma Solução Flexível para Sistemas de Transporte Inteligentes

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Saul Emannuel Delabrida Silva ([email protected]) Reinaldo Silva Fortes ([email protected]) Ricardo Augusto Rabelo de Oliveira ([email protected]) Álvaro Rodrigues Pereira Jr. ([email protected]) Departamento de Computação, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto Campus Morro do Cruzeiro, Ouro Preto, MG, Brasil Crowdsourcing é um sistema que conta com a colaboração de usuários inserindo informações para processamento e análise. Ainda demanda experimentos. Deste ponto em diante será referenciada simplesmente como aplicação. Essa velocidade pode ser determinada por engenheiros de trânsito como um parâmetro do sistema. https://maps.google.com.br/. Acessado em Agosto de 2014.

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TRANSPORTE POR BICICLETA EM CIDADES CATARINENSES: Metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urbana

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Ana Mirthes Hackenberg.

Universidade do Estado de Santa Catarina

Centro de Ciências Tecnológicas RESUMO Esta pesquisa tem como finalidade uma análise e avaliação das condições de tráfego cicloviário em cinco cidades do estado de Santa Catarina, no sul do Brasil. Foram pesquisadas as condições e recomendações para aumentar a participação cicloviária na mobilidade urbana e avaliadas as cicloestruturas existentes nas cidades, sua eficácia e sustentabilidade necessárias para os ciclistas trafegarem. Procurou-se entender o nível de periculosidade das rotas escolhidas e os hábitos e comportamentos dos ciclistas. Foram avaliados o número de ciclistas e sua percentagem em comparação com outros meios de transporte e o número de usuários de bicicletas em empresas e escolas, em comparação com o número total em cada uma. Também efetuou-se um levantamento de demandas não atendidas através de entrevistas com ciclistas nas vias públicas, pedestres e usuários dos transportes público e privado. O objetivo foi levantar os hábitos e comportamentos de ciclistas no trafego para entender as soluções que eles encontram para viajar com segurança e rapidez e propor a integração da bicicleta com o transporte coletivo, considerando o uso dela como meio de transporte complementar de uma viagem longa. ABSTRACT It has been performed an analysis and evaluation of the cycling traffic conditions in five cities of Santa Catarina State, in southern Brazil. A survey was made of these conditions and recommendations to increase the cycling participation in urban mobility and it was evaluated the existing ciclo-structure in the city to assess its effectiveness and suitability to the cyclists’ needs as well as normal traffic routes shared with cyclists, in order to understand their level of dangerousness, why they chose those routes and the cyclists’ habits and behavior once in them. The number of cyclists and its percentage against other means of transportation was obtained and also the number of bicycle users in companies and schools, compared with the total number of users in each one. Meanwhile, a survey of unmet demands was conducted through interviews with cyclists on public roads, pedestrians and users of private and public transportation. The objective was to identify the habits and behavior of cyclists in traffic to understand the solutions they need to travel safely and quickly and to suggest the integration of the different means of transportation, considering the use of bicycles as part of a longer journey.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO O projeto “Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urbana” foi motivado por projetos anteriores em que se verificou o intenso uso de bicicletas em algumas cidades catarinenses – onde trabalhadores e estudantes utilizam este meio de transporte no seu dia a dia, e outros o utilizam como forma de lazer – e desenvolvido por meio do curso de Engenharia Civil da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), campus Joinville, com financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conforme edital nº 18/2009. A pesquisa foi desenvolvida em cidades onde a Udesc possui Centros de Ensino. Para garantir uma variedade de estilos e dimensões de cidades em todas as regiões do estado, foram selecionadas as cidades de Joinville, Florianópolis, Lages, Balneário Camboriú, Camboriú e Chapecó. Foram gerados relatórios técnicos com ampla informação sobre deslocamento e perfis de usuários da bicicleta como modal de transporte em cinco cidades catarinenses, além de vários artigos científicos em eventos nacionais e internacionais e e-books, em linguagem mais simples para distribuição à população. 2. METODOLOGIA UTILIZADA Os objetivos principais deste projeto foram desenvolver uma metodologia e levantar a realidade do transporte por bicicleta em cidades catarinenses, além de oferecer recomendações para o aumento da sua participação na mobilidade urbana. Para alcançar tais objetivos, foram realizadas diversas pesquisas e análises, apresentadas neste artigo, em que é possível conferir os métodos utilizados em seu desenvolvimento (Hackenberg et al., 2013b). 2.1. Pesquisa de contagem de fluxo dos meios de transporte nas principais vias A contagem dos meios de transporte foi efetuada nas principais ruas e avenidas em vários pontos da cidade, de acordo com o número de habitantes do município. Posteriormente foram feitas comparações sobre os percentuais que cada meio de transporte representa em relação ao total da via ou da cidade. Para estabelecer parâmetros de comparação de análise estatística, em cada cidade, a contagem foi realizada nos mesmos períodos do dia em todos os locais. 2.2. Levantamento e avaliação dos bicicletários existentes Foram considerados bicicletários os abrigos e estruturas para fixação de bicicletas, localizados em estabelecimentos públicos e privados. Foram efetuados o levantamento e a avaliação dos bicicletários existentes nos estabelecimentos nas principais ruas e avenidas onde foram realizadas as contagens de fluxo. Também foram analisados os terminais de transporte coletivo encontrados nas respectivas vias públicas e nas escolas públicas do município, verificando-se a existência ou não de bicicletários e a condição de suas infraestruturas (Hackenberg et al., 2011). 2.3. Análise descritiva da estrutura cicloviária e avaliação da segurança para ciclistas A avaliação da estrutura cicloviária das cidades foi efetuada por meio do mapeamento e medição de toda a estrutura para circulação exclusiva para ciclistas. Efetuou-se a aferição da qualidade destas quanto às condições de piso, sinalização, largura, intersecções, conservação, conectividade e segurança. As vias ciclísticas analisadas foram categorizadas em três tipos: a) Ciclovias: vias ciclísticas onde o espaço destinado ao trânsito de bicicletas é isolado (segregado) do espaço dos meios de transporte motorizados por meio de uma barreira física, geralmente canteiros com meio-fio de 10 a 13 cm de altura ou muretas.

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Transporte por Bicicleta em Cidades Catarinenses: Metodologia para Levantamento da Realidade e Recomendações para Incremento da sua Participação na Mobilidade Urbana

b) Ciclofaixas: vias ciclísticas onde o espaço destinado ao trânsito de bicicletas é delimitado apenas por sinalização horizontal, como linhas pintadas no chão e tachões. c) Vias ciclísticas de uso compartilhado: espaços compartilhados entre pedestres e ciclistas, geralmente sobre a calçada de pedestres, com sinalização horizontal e vertical. 2.4. Levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística e avaliação de hábitos e comportamentos dos ciclistas O levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística e avaliação de hábitos e comportamentos dos ciclistas foram efetuados com ciclistas, pedestres, usuários de transporte coletivo e usuários de automóveis particulares. As proporções por modal foram calculadas com base na contagem de fluxo, quando estas foram efetuadas. No caso de não ter sido efetuada a contagem deste modal, como transporte público, as proporções da amostra foram definidas por estimação. Procurou-se observar a proporcionalidade de sexo, idade e faixa de renda da população do município, e a distribuição amostral da pesquisa obedeceu aos critérios estatísticos de estratificação da população (IBGE/2010), por categoria pesquisada. A pesquisa realizada em forma de entrevistas com um questionário estruturado com perguntas diretas e pessoais a ciclistas, motoristas de veículos, motociclistas e usuários de transporte coletivo foi efetuada nas mesmas ruas das contagens de fluxo. Foram abordadas questões sobre deslocamento, hábitos de uso do transporte, mobilidade, infraestrutura, comportamento, segurança e perfil do entrevistado. As respostas foram registradas com dados como: motivo da escolha do meio de transporte; extensão, origem e destino do trajeto nas viagens costumeiras; avaliação do uso da bicicleta como meio de transporte; motivo para não usar a bicicleta e disposição de usar a bicicleta no caso da melhoria da infraestrutura cicloviária. 2.5. Pesquisa documental sobre campanhas educativas para o trânsito Levantamento de campanhas, programas educativos e materiais gráficos e didáticos, produzidos por órgãos governamentais e não governamentais do município. Os materiais coletados foram analisados qualitativamente em termos gráficos (estéticos e comunicativos). 2.6. Pesquisa documental sobre acidentes envolvendo ciclistas O levantamento dos acidentes envolvendo ciclistas foi efetuado com base nos registros do Instituto Médico Legal (IML), de departamentos de trânsito e de hospitais dos municípios, a fim de averiguar mortes e feridos nos últimos três anos. 2.7. Levantamento da opinião de gestores públicos e lideranças comunitárias O Levantamento de Opinião de Gestores Públicos e Lideranças Comunitárias sobre Uso da Bicicleta foi realizado por meio de entrevistas, com aplicação de questionários com respostas abertas e fechadas, com o objetivo de coletar opiniões sobre temas relacionados ao ciclismo e à mobilidade urbana nas cidades. Foram entrevistados gestores públicos (profissionais de órgãos públicos, gestores de setores de planejamento urbano e de trânsito dos municípios) e líderes comunitários (membros de Conselhos Comunitários e associações de moradores). Parte dos questionamentos destinados aos líderes comunitários foi reservada igualmente aos gestores públicos, para garantir respostas que representem esferas diferenciadas da sociedade para caracterizar uma apreciação imparcial da mobilidade urbana. Abordava questões como: principais dificuldades para a inclusão da bicicleta no sistema de mobilidade urbana, opinião acerca da eficiência e vantagens das modalidades de transporte nas cidades, demanda para o uso da bicicleta no trânsito, etc. Outros foram destinados apenas aos gestores públicos devido às características inerentes à

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atividade de gestão abordando questões como: prioridade no orçamento municipal, investimentos no desenvolvimento do município, entre outros. 3. ESTUDO DE CASO DE JOINVILLE A utilização da bicicleta em Joinville já era notável desde o começo do século XX, porém foi em 1950, com a expansão da atividade industrial, que Joinville foi agraciada com o título de Cidade das Bicicletas. Estima-se que na época a cidade contava com 18 mil habitantes e 8 mil bicicletas. Hoje, com uma população de aproximadamente 535 mil habitantes, a estimativa é de que existam 250 mil bicicletas (Hackenberg, 2013a). Atualmente a média de viagens diárias com bicicletas é de 7,8%, enquanto a média nacional levantada pelo Ministério das Cidades é de 1,75%. Hoje em dia, a opção pela bicicleta como meio de transporte não é mais apenas uma questão econômica, da população de baixa renda. Muitas pessoas de diferentes áreas profissionais e faixas de renda vêm escolhendo a bicicleta por ser um meio não poluente, rápido e prazeroso de locomoção, apesar das dificuldades encontradas, como infraestrutura e sinalização insuficientes e falta de conhecimento do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) por muitos usuários dos meios de locomoção motorizados (IPPUJ, 2012). 3.1. Contagem de fluxo dos meios de transporte nas principais ruas e avenidas A contagem de fluxo de veículos foi realizada em 14 ruas e avenidas em Joinville, nos mesmos períodos do dia em todos os locais: pela manhã, das 6:30 às 8:30h, e à tarde, das 17:30 às 19:30h. Foram contabilizados bicicletas e automóveis (Hackenberg et al., 2012).

Tabela 1: Fluxo de veículos por modal e período em Joinville

Local de Contagem Bicicletas Automóveis Manhã Tarde Manhã Tarde

Rua Dona Francisca 255 50 960 1.007 Rua Iririú 241 154 1.868 2.140 Av. Santos Dumont 480 152 1.944 1.796 Avenida Beira Rio 261 300 1.401 2.331 Rua São Paulo 119 130 1.340 1.138 Rua Anita Garibaldi 134 197 801 1445 Rua Santa Catarina 266 261 539 1.255 Rua Mons. Gercino 477 171 1.205 1.811 Rua Florianópolis 236 229 969 853 Rua Helmut Fallgatter 120 308 1.177 2.344 Rua Albano Schmidt 101 214 1.907 2.337 Rua Sto. Agostinho 367 269 1.566 1.590 Rua XV de Novembro 76 138 1.818 1.229 Rua Nove de Março 167 67 1.175 1.378

Total 3.300 2.640 18.660 22.654 56% 44% 45% 55%

Fonte: Hackenberg et al. (2013a)

3.2. Levantamento e avaliação dos bicicletários existentes Foram efetuados o levantamento e a avaliação dos bicicletários existentes nos estabelecimentos nas 14 vias onde foram realizadas as contagens de fluxo em Joinville. Entre as vias analisadas, quatro dão acesso a terminais urbanos de transporte coletivo. O Terminal Central não possui bicicletário,

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somente paraciclo na praça pública ao lado. Os Terminais dos bairros Iririú, Itaum, Vila Nova e região Sul possuem bicicletários anexos, cobertos e com boa segurança. A avaliação de bicicletários nas Escolas Municipais, e seu aproveitamento pelos alunos, foi efetuada por questionários, enviados às escolas, com informações como a quantidade de alunos matriculados por período, quantos utilizam a bicicleta como meio de transporte, se existem bicicletários nas escolas e qual a sua capacidade. Verificou-se a média de alunos que utilizaram a bicicleta como meio de transporte em 3 dias não consecutivos, nos diversos períodos do dia. Na média, pela manhã, 7,4% dos estudantes utilizam a bicicleta como meio de transporte e 6,1% à tarde, com uma variação de porcentagens ampla, de 0,3 a 49,1% (Hackenberg e Lafratta, 2011). 3.3. Análise descritiva da estrutura cicloviária e avaliação da segurança para ciclistas As vias ciclísticas analisadas foram categorizadas em três tipos: Ciclovias, Ciclofaixas e Vias Ciclísticas de Uso Compartilhado. Todas as ciclovias e ciclofaixas de Joinville foram construídas pela Prefeitura Municipal, órgão responsável pela sua manutenção, bidirecionais, independentemente do sentido de fluxo dos outros veículos nas vias públicas onde se encontram, porém não há sinalização evidenciando isso. As 46 vias ciclísticas analisadas possuíam aproximadamente 82 km de ciclofaixas e 15 km de ciclovias, levantamento desatualizado devido ao contínuo investimento na ampliação da malha cicloviária. Em algumas regiões de Joinville o uso de bicicleta é mais intenso, pelo fato de o transporte coletivo muitas vezes não ser adequado, tanto do ponto de vista de acesso ou de horários de conexão com outra linha, ou tornar-se inviável devido ao custo para a população de baixa renda. O baixo custo da bicicleta como meio de transporte não é o único motivo para sua utilização, pois muitas pessoas que possuem automóvel ou boa condição econômica utilizam a bicicleta para fugir dos engarrafamentos, pela rapidez de deslocamento ou pelo prazer proporcionado. Verificou-se a necessidade de implantação de ciclovias ou ciclofaixas em muitas vias em diferentes regiões da cidade, assim como melhorias no asfalto, acessos às ciclovias e espaços adequados aos ciclistas nos trevos em que as vias ciclísticas são interrompidas, além da criação de bicicletários adequados nas rotas ciclísticas (Hackenberg et al., 2010). 3.4. Levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística A pesquisa em forma de entrevistas a ciclistas, motoristas de veículos, motociclistas e usuários de transporte coletivo foi efetuada nas 14 ruas de 10 bairros da área urbana de Joinville onde foi realizada a contagem de fluxo. Foram aplicados 401 questionários com 44 questões, das 7h e 55m às 22h, na seguinte proporção: ciclistas (14%), motoristas de automóvel (23%), motociclistas (4%) e usuários de transporte coletivo (27%), pelos percentuais levantados na pesquisa de mobilidade realizada pelo IPPUJ em março de 2010 (PMJ, 2010). A diferença para 100% refere-se aos pedestres que não foram considerados nesta pesquisa. O erro amostral foi de 4,9%, com nível de confiança de 95%. A pesquisa revelou muitas discordâncias entre os grupos de entrevistados: a motocicleta é mais utilizada para o trabalho; o ônibus é menos utilizado diariamente; a maioria dos usuários de ônibus (79%) utiliza este meio de transporte por ser a única opção; a motocicleta e o automóvel são utilizados pela rapidez, e a bicicleta pela economia. Motoristas de automóvel, motociclistas e ciclistas prezam por uma rota viável em relação à distância, enquanto os usuários de transporte público não têm outra opção.

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Os que mais sofrem acidentes são os motociclistas (26%), sendo a maioria entre motocicletas e automóveis, aproximadamente 48% do total. Os motociclistas cometem mais infrações no trânsito que os usuários dos outros meios de transporte. O transporte público não é considerado eficiente, devido à demora, e o uso da bicicleta é uma alternativa viável, pois seu tempo de deslocamento é aproximadamente o mesmo do automóvel e da motocicleta. As estruturas para utilização de bicicletas tiveram avaliação negativa pelos ciclistas: faltam vias ciclísticas e sua distribuição geográfica e pavimentação são ruins. Os motociclistas são os que menos usariam a bicicleta, mesmo com condições melhores e mais seguras. 3.5. Pesquisa documental sobre campanhas educativas para o trânsito Os materiais didáticos a respeito das campanhas do trânsito cicloviário foram produzidos por órgãos públicos estaduais e municipais, com apoio e colaboração de instituições federais, privadas e não governamentais. Considerando as possibilidades de aplicação de verbas públicas na área da comunicação, é possível afirmar que as mídias são em geral pouco exploradas para a divulgação do uso da bicicleta ou conscientização da sociedade a respeito da convivência com ciclistas no trânsito (IPPUJ, 2009). Os materiais pesquisados mostram o comprometimento de órgãos e empresas da cidade com a conscientização da população e divulgação das leis de trânsito. Os documentos encontrados nem sempre foram desenvolvidos apenas para o trânsito de ciclistas, mas pelo menos um de seus itens foi focado nesse assunto. 3.6. Pesquisa documental sobre acidentes envolvendo ciclistas Os dados da Companhia de Desenvolvimento e Urbanização de Joinville (Conurb), de 2009 e 2010, mostram que o número de acidentes envolvendo ciclistas reduziu 15%, mas as características se mantiveram: às sextas-feiras ocorre o maior número de acidentes; nos acidentes entre ciclistas e outros veículos, o automóvel é o veículo com maior ocorrência de envolvimento, sendo a colisão o principal tipo de acidente; a maioria dos acidentes ocorre durante o dia; o percentual (%) de acidentes em que a vítima fatal é o ciclista foi de 0,2% em 2009 e 0,9% em 2010 – como os acidentes com ciclistas diminuíram em 2010, esse percentual mostra que a gravidade dos acidentes aumentou; mais de 50% dos acidentes envolvendo ciclistas ocorrem em onze (11) dos quarenta e três (43) bairros da cidade – bairros que necessitam de ciclovias/ciclofaixas e melhoria da sinalização de trânsito; a maioria dos ciclistas envolvidos nos acidentes é do sexo masculino, com faixa etária de 21 a 50 anos. 3.7. Opinião de gestores públicos e lideranças comunitárias No Levantamento de Opinião de Gestores Públicos e Lideranças Comunitárias sobre Uso da Bicicleta foram entrevistados dois gestores públicos e 10 líderes comunitários, coletando-se opiniões sobre temas relacionados ao ciclismo e à mobilidade urbana na cidade de Joinville. 3.7.1. Considerações sobre a opinião dos gestores públicos Segundo um dos gestores, há a intenção de avançar dos atuais 11% de deslocamentos feitos de bicicleta para 20% até 2020, e que o plano-diretor da cidade, com relação à mobilidade, tem como paradigma central priorizar os modos não motorizados sobre os motorizados. Outro gestor cita a cultura do uso da bicicleta, a rede cicloviária crescente, um sistema integrado de transporte abrangente e as faixas exclusivas do transporte coletivo como vantagens na mobilidade urbana da cidade de Joinville. Ambos citam questões para a inclusão da bicicleta no sistema de mobilidade: interligação da malha cicloviária, disponibilidade de espaços para guardar as bicicletas, integração com os demais modais de transporte, velocidade em relação ao transporte motorizado, falta de

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educação para o trânsito e falta de consciência por parte da sociedade quanto à importância e aos benefícios do uso da bicicleta. Para um dos gestores, Joinville não apresenta fatores culturais desfavoráveis que comprometam o uso da bicicleta; já o segundo afirma que a relação entre a obtenção do automóvel com status é um fator cultural que distancia o cidadão do uso da bicicleta. Há projetos significativos em análise citados, como bicicletários monitorados em estações de integração, 9 quilômetros de ciclofaixas alimentadoras destas estações, 13 quilômetros de infraestrutura para o bairro Paranaguamirim, além de 17 quilômetros ligando a rede de parques previstos no programa Linha Verde (IPPUJ, 2012). 3.7.2. Considerações sobre a opinião das lideranças comunitárias As opiniões desfavoráveis com relação à mobilidade urbana em Joinville demonstram a necessidade de uma reformulação do sistema de mobilidade, visando à integração de vários meios de locomoção. A afirmação comum de que a ausência de bicicletários, ciclofaixas e ciclovias caracteriza motivos para a bicicleta não ser usada como meio de locomoção revela que a estrutura oferecida na cidade incide na escolha do transeunte por qual meio de locomoção irá optar. Além da necessidade da construção de bicicletários, ciclofaixas e ciclovias, é imprescindível a interligação das vias cicloviárias de diferentes bairros. A maioria dos participantes assimila o uso da bicicleta como alternativa para o problema da mobilidade, entretanto, há quem associe a bicicleta principalmente ao lazer. Os participantes de baixa escolaridade demonstraram, em algumas respostas, mais esclarecimento do que participantes com terceiro grau completo, revelando que o tema mobilidade urbana está presente nas considerações dos cidadãos, independentemente da sua escolaridade. A cultura do joinvilense em usar a bicicleta mostra-se enfraquecida, havendo carência de elementos para que volte a fazer parte do cotidiano da cidade: bicicletários seguros, respeito por parte dos motoristas, vias cicláveis, além de campanhas de conscientização da qualidade de vida correlacionada ao uso da bicicleta. Além dos aspectos levantados pela pesquisa relacionados à saúde, cabe ressaltar o aspecto social sensivelmente apontado na fala de um dos participantes da pesquisa: “A bicicleta socializa as pessoas, enquanto o automóvel dissocializa”. 4. ESTUDO DE CASO DE FLORIANÓPOLIS O município de Florianópolis, localizado no litoral do estado de Santa Catarina, é a capital do estado, com uma população de aproximadamente 427 mil habitantes. Permeado pela biodiversidade da Mata Atlântica, seu território abrange toda a Ilha de Santa Catarina e também uma parte continental. Enfrenta problemas comuns à maioria das grandes cidades brasileiras, e a mobilidade urbana é um deles. Há cerca de um veículo para cada dois habitantes, número que aumenta no verão, com a chegada em peso de turistas. Apesar de o município ter algumas vias ciclísticas, não há integração entre elas. Nas ruas, avenidas e rodovias onde não há vias ciclísticas, as maiores dificuldades são o desrespeito do Código de Trânsito Brasileiro pelos motoristas. Assim como em diversas cidades do mundo e de Santa Catarina, cidadãos têm se mobilizado para retomar o espaço da bicicleta no trânsito, promovendo pedaladas periódicas, manifestações pró-biciclomobilidade e diálogos com a Prefeitura Municipal, organizando-se em grupos de ciclistas (Hackenberg, 2013b). 4.1. Contagem de fluxo dos meios de transporte nas principais ruas e avenidas A contagem de fluxo de veículos foi realizada em 10 ruas e avenidas em Florianópolis, das 6:00 às 9:00h, das 11:00 às 14:00h e das 16:00 às 19:00h. Foram contabilizados bicicletas, motocicletas e automóveis. A tabela 2 mostra o total de veículos por modal.

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Tabela 2: Fluxo de veículos por modal e período em Florianópolis Local Bicicleta Automóvel Motocicleta

6-9h 11-14h 16-19h 6 -9h 11-14h 16-19h 6-9h 11-14h 16-19h Av. Antônio B. dos Santos 132 237 306 149 425 444 30 123 135 Av. Madre Benvenuta 73 53 96 3667 5.857 5.893 383 358 471 Rod. SC 406 61 123 144 772 858 1.007 238 223 321 Rod. Virgílio Várzea 32 29 57 1.321 1.359 1.629 271 327 337 Rua Cel. Pedro Demoro 8 28 31 2.310 4308 4.076 377 749 761 R. Henrique V. Nascimento 74 127 157 2.410 3.455 3.617 449 632 897 Av. Mauro Ramos 34 30 48 4.299 6.394 6.673 484 720 1.013 Rod. SC 401 236 217 321 2.931 3.532 3.906 460 477 452 Av. Pequeno Príncipe 69 52 66 1.708 2.267 2.233 353 315 357 Av. Luiz Boiteux Piazza 186 197 278 1.504 1.963 2.457 313 454 409 Total/Período 905 1093 1054 21.071 30.418 31.935 3.358 4.378 5.153

3.502 83.424 12.889 Percentual/Período 28,3% 34,1% 47,0% 28,0% 40,4% 42,4% 30,1% 39,3% 46,3%

100% 100% 100% Fonte: Hackenberg et al. (2013a)

Em algumas regiões de Florianópolis, o uso de bicicleta é mais intenso, como na Av. Antônio Borges dos Santos (bairro Armação), na Rod. João Gualberto Soares (SC-406, bairro Rio Vermelho), na Rod. Dep. Diomício Freitas (SC-401, bairro Carianos) e na Av. Luiz Boiteaux Piazza (bairro Cachoeira do Bom Jesus). Nestas vias públicas, o fluxo de bicicletas foi acima da média do município (4%), mas nenhuma dessas vias possui vias ciclísticas. 4.2. Levantamento e avaliação dos bicicletários existentes Foram efetuados o levantamento e a avaliação dos bicicletários existentes nos estabelecimentos das dez vias públicas onde foram realizadas as contagens de fluxo em Florianópolis. Dos 834 estabelecimentos contabilizados, verificou-se que havia bicicletários ou paraciclos em 55 deles (6,6%). Poucos estabelecimentos privados com bicicletários ou paraciclos têm a devida preocupação com sua utilização pelos ciclistas. Em muitos as respectivas estruturas encontram-se em situação de abandono ou não possuem sinalização adequada. Os bicicletários em áreas públicas foram construídos sem um estudo de demanda, em geral como elementos adicionais em obras de restauração de espaços públicos. Há estruturas para fixação de bicicletas em áreas como praças e passeios em vias públicas, porém com condições de segurança precárias e algumas mal conservadas. Exceção é o bicicletário público, próximo à Lagoa da Conceição, projetado para integração intermodal com o transporte coletivo, com boa infraestrutura, cobertura, cerca de segurança e catraca, mas se encontra abandonado, depredado e é utilizado como depósito e estacionamento para motocicletas. 4.3. Análise descritiva da estrutura cicloviária e avaliação da segurança para ciclistas As vias ciclísticas analisadas em Florianópolis também foram categorizadas em três tipos: Ciclovias, Ciclofaixas e Vias Ciclísticas de Uso Compartilhado. Foram avaliadas todas as 18 vias ciclísticas existentes na cidade, a maior parte (53,15%) construída pelo Governo do Estado e pela Prefeitura Municipal (40,46%), e uma ciclovia em um condomínio particular. As vias ciclísticas existentes em Florianópolis não compõem uma rede ou sistema cicloviário, não são integradas, sendo isoladas umas das outras e, na sua maioria, curtas. Muitas possuem obstáculos, acúmulo de barro e outros resíduos, além de largura insuficiente, falta de sinalização e de iluminação, áreas passíveis de alagamento e falta de proteção em relação aos veículos motorizados. São necessárias melhorias na estrutura, construção de novas vias ciclísticas nos locais com maiores

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fluxos de bicicletas, e bicicletários adequados ao longo das mesmas, além do investimento em campanhas de conscientização. 4.4. Levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística A pesquisa realizada em forma de entrevistas com ciclistas, motoristas de automóveis, motociclistas e usuários de transporte coletivo foi realizada entre novembro de 2011 e maio de 2012, nas mesmas vias onde foi realizada a contagem de fluxo. Foram aplicados 291 questionários na proporção de 10 para cada modal (ciclistas, motoristas de automóveis e usuários de transporte coletivo) em cada via, sendo aplicados 248 questionários das 6h e 20m às 20h e 20m, obtendo-se dados de deslocamento de quatro modais. Os ciclistas têm um perfil majoritariamente jovem ou adulto, do sexo masculino, com rendimento até 2 salários mínimos, e um percentual acentuado de estudantes (29%), de nível médio (35%) ou superior completo (36%). A renda familiar é um quesito importante na escolha do meio de transporte, pois 39% dos ciclistas utilizam a bicicleta por motivo de economia. Em relação à segurança, a avaliação das ciclovias, ciclofaixas, bicicletários, segurança nas ruas e de respeito dos motoristas pelos ciclistas é negativa. O fator segurança é um repressor do uso da bicicleta, e 62% dos motoristas e usuários do transporte afirmam que os motoristas não respeitam os ciclistas no trânsito. A maioria dos ciclistas não utiliza equipamentos de segurança como capacete, buzina, espelho, faróis e refletores. Os meios de transporte são utilizados de forma distinta para o trabalho, escolas, universidade ou outras atividades. Em relação às distâncias percorridas, 53% dos motoristas e 20% dos usuários do transporte público realizavam percursos de até 6 km, uma distância pequena, na qual a bicicleta é um meio de transporte muito eficiente. A integração intermodal é praticamente inexistente, e apenas 2% dos entrevistados realizam a viagem utilizando mais de um meio de transporte. Os entrevistados consideram a bicicleta uma alternativa, se houvesse uma melhor estrutura cicloviária na cidade, com mais ciclovias e bicicletários. 4.5. Pesquisa documental sobre campanhas educativas para o trânsito Gestores públicos entrevistados afirmaram que não existem programas educativos continuados voltados para a mobilidade urbana em Florianópolis, mas apenas campanhas ocasionais. A maioria dos materiais educativos encontrados foi desenvolvida por órgãos públicos, com destaque para o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), com panfletos ou livretos produzidos para o lançamento de determinadas vias ciclísticas ou distribuição em eventos esporádicos, e pouco exploram as reais necessidades dos ciclistas. 4.6. Pesquisa documental sobre acidentes envolvendo ciclistas Não existem informações sistematizadas, pesquisas ou banco de dados sobre acidentes envolvendo ciclistas em Florianópolis. Os gestores públicos do Instituto e Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), da Secretaria Municipal de Transportes Mobilidade e Terminais (SMTMT) e da Guarda Municipal consultados afirmaram não existirem informações coletadas ou um sistema de coleta de informações de acidentes com ciclistas. As lideranças comunitárias da Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis (ViaCiclo), da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco) e da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), afirmaram que desconhecem a existência de informações coletadas ou sistemas de coleta de informações de acidentes envolvendo ciclistas, o que foi confirmado pelo Centro de Operações da Polícia Militar de Santa Catarina (COPOM–PM), não havendo código de registro para acidentes envolvendo ciclistas.

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4.7. Opinião de gestores públicos e lideranças comunitárias Foram entrevistados gestores públicos e líderes comunitários, representantes da Guarda Municipal de Florianópolis, da Ufeco, da CDL, da ViaCiclo, do SMTMT e do IPUF. Foram propostas 17 questões sob a forma de indicadores para serem avaliados com índices (pontuação) de 0 a 5, sendo que, no quadro geral de indicadores, Florianópolis apresentou um índice médio de 1,08. Nas entrevistas de opinião, os entrevistados informaram pontos de vista bastante similares sobre a realidade da mobilidade ciclística. 5. ESTUDO DE CASO DE CAMBORIÚ E BALNEÁRIO CAMBORIÚ As cidades de Camboriú e Balneário Camboriú estão localizadas no litoral norte de Santa Catarina, na região do Vale do Itajaí. O rio Camboriú, que nasce em Camboriú e deságua no Oceano Atlântico, em Balneário Camboriú, é o divisor físico dos dois municípios. Balneário Camboriú tem boa parte de seu território plano, possuindo diversos morros típicos do relevo litorâneo e uma população residente de 108.089. Camboriú, além de morros, possui diversos desníveis e vales, comuns ao relevo do interior e que atualmente vêm despertando para o potencial do turismo rural, valorizando suas florestas de Mata Atlântica, cachoeiras, trilhas e montanhas. Conta com 62.289 habitantes, segundo o Censo do IBGE (IBGE, 2010). Recentemente, as prefeituras de ambas as cidades vêm revendo seus conceitos em relação à mobilidade urbana. Balneário Camboriú realizou grandes investimentos priorizando pedestres e criando uma rede de novas vias ciclísticas bem sinalizadas. Camboriú deu seus primeiros passos, criando suas primeiras vias ciclísticas, e vem estudando a possibilidade de ampliá-las e melhorá-las. A sociedade civil vem se mobilizando com ciclistas e simpatizantes da ciclomobilidade se organizando em grupos para realizar pedaladas e debater novas ideias para o transporte por bicicleta na região (Hackenberg, 2013c). 5.1. Contagem de fluxo dos meios de transporte nas principais ruas e avenidas A contagem de fluxo de veículos foi realizada em 10 ruas e avenidas das áreas urbanas de Camboriú e Balneário Camboriú, pela manhã, das 7h às 9h, e à tarde, das 17h às 19h.

Tabela 3: Fluxo de veículos por modal e período em Camboriú e Balneário Camboriú

Local de contagem Bicicletas Automóveis Motocicletas Manhã Tarde Manhã Tarde Manhã Tarde

Avenida Atlântica 152 207 1.963 2.529 617 538 Avenida Brasil 153 186 1.527 1.911 580 771 Avenida do Estado 589 782 4.328 5.403 1.785 1.820 Avenida Palestina 161 266 779 981 352 456 Avenida Quinta 335 256 727 984 441 523 Avenida Terceira 374 459 2.474 3.217 816 1.028 Avenida Santa Catarina 122 215 1.114 1.658 486 1.249 Rua José Francisco Bernardes 58 178 474 811 272 678 Rua Monte das Agulhas Negras 508 339 492 928 552 1.109 Rua Rio Amazonas 71 99 360 601 310 426 Total 2.523 2.987 14.238 19.023 6.211 8.598 Percentual 45,8% 54,2% 42,8% 57,2% 41,9% 58,1%

Fonte: Hackenberg et al. (2013a)

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5.2. Levantamento e avaliação dos bicicletários existentes Foram avaliados os bicicletários existentes nos estabelecimentos nas dez vias onde foram realizadas as contagens de fluxo, e nas escolas municipais, o seu aproveitamento pelos alunos. Havia 95 bicicletários nas vias analisadas nas duas cidades. A Rua José Francisco Bernardes, em Camboriú, apresentou o maior percentual de estabelecimentos com bicicletários (39%). Na Av. Atlântica e na Av. Brasil, em Balneário Camboriú, apesar do grande número de estabelecimentos existentes, não havia nenhum bicicletário. Foram contabilizadas 630 vagas, com uma média de 6,6 vagas por bicicletário. Mais de 90% dos bicicletários existentes foram avaliados como adequados nos itens segurança, localização, nivelamento do piso, iluminação e drenagem; 92,6% foram considerados bons em relação à conservação e 48,9% não tinham cobertura; entre os que possuíam (39,4%), situava-se embaixo da marquise. Das 18 escolas municipais de Balneário Camboriú, somente 3 forneceram as informações solicitadas, e das 11 de Camboriú, apenas 6 forneceram informações. Entre as 9 escolas participantes, 7 possuíam bicicletários, num total de 111 vagas disponíveis para 345 alunos que utilizavam a bicicleta como meio de transporte. Numa escola sem bicicletário, 25 alunos utilizavam a bicicleta. Verifica-se uma demanda reprimida de bicicletários e de vagas para bicicletas nas escolas que já possuem bicicletários. Pela manhã, em 4 das 8 escolas, a quantidade de vagas foi insuficiente. Em uma escola o número de usuários de bicicleta (30) era três vezes maior que a quantidade de vagas disponíveis (10); em outra, o número de ciclistas é o dobro das vagas. À tarde, em 2 escolas as vagas são insuficientes, e à noite, uma escola apresentou cinco vezes mais usuários de bicicleta que o número de vagas disponíveis. 5.3. Análise descritiva da estrutura cicloviária e avaliação da segurança para ciclistas As vias ciclísticas analisadas em Camboriú e Balneário Camboriú foram categorizadas em Ciclovias e Ciclofaixas. Foram avaliadas 9 vias ciclísticas (8 em Balneário Camboriú e 1 em Camboriú), totalizando 15.100m de vias ciclísticas, construídas, com as respectivas prefeituras municipais sendo responsáveis pela sua manutenção. Não foram encontrados bicicletários públicos ao longo de nenhuma das vias ciclísticas. As duas cidades oferecem condições distintas quanto à estrutura cicloviária. Camboriú possui somente uma ciclofaixa, que se divide em duas, alternando sua posição nos dois lados da avenida, e Balneário Camboriú possui sete ciclovias, em sua maioria nas principais avenidas e com sinalização aperfeiçoada. 5.4. Levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística A pesquisa com motoristas, motociclistas, usuários de transporte coletivo e ciclistas foi realizada de 9 a 17 de março de 2012, nas mesmas vias onde aconteceu a contagem de fluxo, por meio de entrevistas diretas e pessoais. Foram aplicados 405 questionários com 44 questões, em 10 ruas e avenidas de 7 bairros da área urbana, em Camboriú e Balneário Camboriú, das 7h às 19 h. Para os usuários de transporte coletivo, foi adotado o critério estatístico de rateio, sendo entrevistado o mesmo quantitativo de pessoas nas dez avenidas pesquisadas nas duas cidades. O erro amostral foi de 4,86%, com nível de confiança de 95%. Obtiveram-se dados de deslocamento dos 4 modais entrevistados. Analisando o comportamento das modalidades, verifica-se que eles percorrem a mesma distância de 1 a 5 km, porém o tempo é maior no deslocamento dos usuários de transporte público. Os motivos da escolha da rota são vários: facilidade, economia ou rapidez. Apenas os usuários de transporte público utilizam essa modalidade por ser a única opção, assim como na escolha da rota (91%). Nas outras modalidades o maior motivo é a distância. Apenas 13,4% dos entrevistados sofreram algum tipo de acidente, 6,2% sem lesão corporal.

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Para 30,1% dos ciclistas o maior problema é a falta de ciclovias, sendo as existentes estreitas (70,9%) e de qualidade regular (47,6%), ocasionando insegurança em 71% dos entrevistados. Já para 54,1% dos ciclistas, o maior problema é o desrespeito dos motoristas. As bicicletas são na maioria simples, sem marchas, 54,4%, 71,1%, não utilizam nenhum equipamento, e 25,8% apenas sapato fechado. 5.5. Pesquisa documental sobre campanhas educativas para o trânsito Na pesquisa das campanhas educativas para o trânsito, foram encontrados: uma peça gráfica na cidade de Camboriú e três na cidade de Balneário Camboriú, além de um programa de educação para o trânsito nas escolas e comunidades de Balneário Camboriú, com palestras e apresentações. O jornal Civilidade no Trânsito, desenvolvido por uma empresa terceirizada, é distribuído em Camboriú, bem elaborado, com diversas questões relacionadas à educação para o trânsito, mas não aborda questões específicas relacionadas à realidade do trânsito local. Balneário Camboriú possui uma campanha de educação para o trânsito efetiva, e realiza a distribuição de peças gráficas aliadas a atividades pedagógicas e de conscientização voltadas a diferentes públicos e faixas etárias, por meio de um programa elaborado e executado por profissionais capacitados para tal. O “Projeto Básico de Cidadania e Educação para o Trânsito de Balneário Camboriú” é um exemplo a ser estudado e trabalhado em outras cidades. 5.6. Pesquisa documental sobre acidentes envolvendo ciclistas Foram solicitados dados a diversas instituições em Camboriú e Balneário Camboriú, e ao Departamento de Trânsito (Detran) de Santa Catarina, sobre a quantidade de veículos existentes registrados nos dois municípios. Segundo o Detran, em março de 2012, Camboriú possuía 16.013 automóveis (0,7% da frota do estado de Santa Catarina), enquanto Balneário Camboriú possuía 39.704 automóveis (1,8% da frota do estado), Camboriú possuía 10.654 e Balneário Camboriú 12.606 motocicletas registradas, respectivamente. Sobre o número de bicicletas, o Detran não tinha informações. Na média de veículos das duas cidades juntas, os automóveis correspondem a 52,7% da frota total, enquanto as motocicletas correspondem a 22% da frota total de veículos registrados (Hackenberg et al., 2013). Em Camboriú os dados sobre acidentes foram fornecidos pela 1ª CIA do 12º Batalhão de Polícia Militar, que atende os dois municípios, e se limitavam ao número de acidentes envolvendo vítimas por mês. Em Balneário Camboriú os dados fornecidos pela Secretaria de Gestão em Segurança e Incolumidade Pública da Prefeitura Municipal eram os mesmos gerados e fornecidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mais detalhados, com informações como mês, data, local, dia da semana, horário, veículos, causa, idade, sexo, gravidade e referência do local. O maior índice de acidentes é de motocicletas sozinhas, 26,5% em 2010 e 29,6% em 2011, do total de acidentes registrados. O segundo maior índice de acidentes é de motocicletas com automóveis, em que houve um aumento de 25,52% em 2010 para 32,1% em 2011. No geral, houve uma redução de acidentes de 27% no ano de 2011 (371 acidentes) em relação a 2010 (514 acidentes). Apenas 5,1% do total de acidentes ocorridos em 2010 e 2011 envolviam bicicletas (Hackenberg et al., 2013). A quantidade de dados disponíveis sobre acidentes de trânsito no município de Camboriú é precária. A Prefeitura Municipal não possuía um sistema próprio de controle destas informações, dispondo somente dos dados fornecidos pela 1ª CIA do 12º Batalhão de Polícia Militar, que não apresentam informações detalhadas: 645 acidentes com vítimas em 2009, 589 em 2010 e 650 em 2011. Em Balneário Camboriú, a Prefeitura possuía dados mais detalhados, desenvolvidos pelo Samu. As mortes em acidentes de trânsito em Balneário Camboriú ocorridos no ano de 2010, fornecidos pelo

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IML, somam 75 registros. Em relação ao Detran de Santa Catarina, o órgão não possuía informações sobre a quantidade de bicicletas existentes em nenhum dos municípios. 5.7. Opinião de gestores públicos e lideranças comunitárias O Levantamento de Opinião de Gestores Públicos e Lideranças Comunitárias sobre Uso da Bicicleta coletou opiniões sobre ciclismo e mobilidade urbana em Camboriú e Balneário Camboriú. 5.7.1. Considerações sobre a opinião de Gestores Públicos Entre os três gestores públicos entrevistados nas duas cidades, apenas um utiliza a bicicleta como meio de transporte para compras, enquanto os outros dois a utilizam para o lazer. Ficou evidente o desrespeito dos motoristas, a falta de ciclovias ou ciclofaixas, que os ciclistas não se sentem plenamente seguros pedalando nas ciclovias ou ciclofaixas de suas respectivas cidades e que a extensão das ciclovias ou ciclofaixas é insuficiente. Em Camboriú citam que os motoristas nem sempre respeitam o espaço dos ciclistas, enquanto em Balneário Camboriú, sim. Isso pode ser explicado pelo fato de, em Camboriú, haver apenas ciclofaixas separadas por tachões e, em Balneário Camboriú, a maioria ser de ciclovias. Sobre os bicicletários, os gestores de Camboriú não possuem vivência como ciclistas, pois não os utilizam e não souberam afirmar se são ou não suficientes. Já o entrevistado de Balneário Camboriú afirmou que são suficientes, atribuindo-lhes boa cobertura e conservação. A falta de planejamento urbano foi apontada como fator determinante para os problemas de mobilidade urbana de Camboriú. Já em Balneário Camboriú o entrevistado afirmou que sua cidade possui boas condições de mobilidade. Os três dão importância ao uso da bicicleta, argumentando ser um meio de transporte saudável, de fácil locomoção, econômico e não poluente. Foram unânimes em dizer que a inclusão da bicicleta no sistema de mobilidade urbana de suas cidades depende da implantação de ciclovias como garantia de segurança. Não foram citados o desconhecimento e o desrespeito à legislação de trânsito e a falta de campanhas educativas. 5.7.2. Considerações sobre a opinião das lideranças comunitárias A pesquisa mostrou divergências de opinião entre os líderes comunitários que utilizam a bicicleta e os que não a utilizam. Entre os que a utilizam os motivos variam: para ir ao trabalho diariamente ou somente em momentos de lazer. Entre os que não a utilizam, os motivos são por recomendações médicas ou simplesmente não gostam. Ciclovias ou ciclofaixas geralmente estão associadas à segurança para os ciclistas, que concordam que a extensão das mesmas é insuficiente. Não comentaram sobre o desconhecimento do CTB por parte dos cidadãos. Apenas um deles criticou os ciclistas neste aspecto. Os bicicletários foram considerados insuficientes em ambas as cidades, e classificados com baixa capacidade, segurança, cobertura e conservação. A questão cultural do uso ou não da bicicleta foi abordada sob diversos aspectos como sua vantagem econômica, o cansaço, o medo caracterizado pela falta de respeito dos motoristas nos cruzamentos, a comodidade do automóvel, e a falta de bicicletários seguros e cobertos. Em termos gerais, os líderes comunitários de Camboriú e Balneário Camboriú consideram que a bicicleta é uma solução para o transporte. 6. ESTUDO DE CASO DE LAGES O município de Lages está localizado na Serra Geral catarinense, a uma altitude média de 884 m acima do nível do mar, em uma região de relevo acidentado, com vegetação de campos e Mata de Araucária, sendo o maior em área territorial do estado de Santa Catarina, com uma população de 161.583 habitantes (Hackenberg, 2013d).

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Em relação ao uso da bicicleta, o clima é um fator condicionante. Apesar de altas temperaturas no verão, o inverno é rigoroso, com temperaturas de até -7ºC. Mesmo assim, muitos cidadãos vêm reivindicando melhores condições para o uso da bicicleta, com passeios ciclísticos realizados pela sociedade civil, solicitando ciclovias e bicicletários nas principais vias do município, além da cobrança por mais educação para o trânsito, voltada principalmente aos condutores de veículos motorizados (Hackenberg et al., 2013a). 6.1. Contagem de fluxo dos meios de transporte nas principais ruas e avenidas A contagem de fluxo de veículos foi realizada em 14 pontos de 10 ruas e avenidas de Lages, durante o mês de junho de 2011. Foram contabilizados bicicletas, motocicletas e automóveis, pela manhã, das 7h às 9h, e à tarde, das 16h e 30m às 18h e 30m. Em todas as vias os automóveis representam o maior percentual do fluxo de veículos. Em todos os modais o maior fluxo de veículos foi registrado no período da tarde, porém a diferença entre os períodos é pequena. As vias públicas que apresentaram maior fluxo total de veículos foram as avenidas Duque de Caxias e Presidente Vargas, e as menos movimentadas são as avenidas Belizário Ramos e Caldas Junior.

Tabela 4: Fluxo de veículos por modal e período em Lages

Local de Contagem Bicicletas Automóveis Motocicletas Manhã Tarde Manhã Tarde Manhã Tarde

Av. Dom Pedro II – Pista 1 64 41 1.030 1.073 183 160 Av. Dom Pedro II – Pista 2 18 20 615 1.400 78 214 Av. Santa Catarina 63 51 600 790 150 114 Av. Marechal Floriano 93 66 430 738 113 178 Av. Belizário Ramos 45 43 241 271 44 17 Av. Caldas Junior 14 12 476 495 67 57 Av. Duque de Caxias – Pista 1 37 69 1.336 1.730 150 190 Av. Duque de Caxias – Pista 2 25 22 1.498 1.968 92 197 Av. Papa João XIII – Pista 1 12 26 599 969 68 152 Av. Papa João XIII – Pista 2 32 10 773 824 68 148 Av. Luís de Camões – Pista 1 59 86 718 1.097 96 101 Av. Luís de Camões – Pista 2 32 46 862 1.054 55 99 Av. Presidente Vargas 48 67 1.165 1.267 253 229 Av. Marechal Castelo Branco 32 31 603 880 81 118

Total 574 590 10.946 14.556 1.498 1.974 49% 51% 43% 57% 43% 57%

Fonte: Hackenberg et al. (2013a) 6.2. Levantamento e avaliação dos bicicletários existentes Nos estabelecimentos nas dez vias de Lages onde foi realizada a contagem de fluxo foram avaliados os bicicletários existentes. Dos 245 estabelecimentos pesquisados, apenas 21 (9%) possuíam bicicletários, sendo estes considerados adequados em 90% ou mais de todos os itens avaliados (conservação, cobertura e fixação) (Hackenberg et al., 2013a). Também foram coletadas informações sobre bicicletários nas 33 escolas municipais e seu aproveitamento pelos alunos. Apenas 3 possuíam bicicletários, sendo pouco aproveitados. Uma escola possuía um bicicletário em estado de conservação regular, com 6 vagas, e nenhum dos 500 alunos utilizava bicicleta, apenas alguns funcionários. O aproveitamento dos bicicletários variou de

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0%, 32% e 33%, e a porcentagem de alunos que utilizam a bicicleta como meio de transporte de 0%, 0,8% e 1,2% (Hackenberg et al., 2013a). 6.3. Análise descritiva da estrutura cicloviária e avaliação da segurança para ciclistas No período em que a pesquisa foi desenvolvida, encontrou-se apenas uma via ciclística (ciclovia), na Av. Dom Pedro II, uma das principais vias do município, que interliga vários bairros. Apesar das boas condições de segurança da ciclovia em relação à proteção contra invasão de veículos motorizados (canteiro com meio-fio), o pavimento feito com pavers (blocos de concreto) não proporciona conforto aos ciclistas, devido à trepidação. A ciclovia é bidirecional, estreita e não segue os padrões mínimos recomendados pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Em alguns cruzamentos, há sinalização horizontal obrigatória indicando a passagem de uma ciclovia no local, porém, a pintura estava desgastada. Em 2010, Lages possuía 76.978 automóveis registrados, o que equivale a 1 automóvel para cada 2 habitantes. A quantidade da frota de automóveis se destacou também entre os demais modais na contagem de fluxo, representando 86% do total de veículos contabilizados, enquanto as bicicletas somente 4% do total. A contagem de fluxo foi realizada no inverno, e possivelmente esse percentual seria maior se a contagem fosse feita no verão. 6.4. Levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística A pesquisa com motoristas de automóvel, motociclistas, usuários de transporte coletivo e ciclistas foi realizada no período de 21 de junho a 9 de julho de 2012, nas mesmas vias onde aconteceu a contagem de fluxo. Foram aplicados 402 questionários com 44 questões, das 8h e 15m às 19h e 15m. Para os usuários de transporte coletivo, foi adotado o critério estatístico de rateio. O erro amostral foi de 4,88% com nível de confiança de 95%, e foi possível obter dados de deslocamento dos 4 modais entrevistados (Hackenberg et al., 2013a). O bairro Centro foi o mais movimentado de Lages, sendo o destino de 34,8% e a origem de 12,4% dos entrevistados. O meio de transporte utilizado não interfere na distância percorrida e no tempo de deslocamento dos entrevistados, pois em todas as modalidades a maioria dos percursos é de 1 a 5 km, e o tempo é menor do que 30 minutos na maioria das viagens (86,1% a 95%). O trabalho e os assuntos particulares se destacam como os principais motivos das viagens, com respectivamente 50,5% e 21,4% das citações. Quanto ao motivo de escolha do transporte, os motociclistas (47%) e os ciclistas (61%) utilizam o meio por economia, enquanto os motoristas de automóvel (51,5%) pela rapidez; os usuários de ônibus (44,6%) por ser a única opção, potencialmente futuros motoristas de automóvel ou motociclistas, pois o motivo da escolha foi apontado como argumento para deixar de utilizar o transporte coletivo. Dos entrevistados, 74,6% utilizariam a bicicleta como meio de transporte se houvesse melhorias. Os que não utilizam a bicicleta afirmam como principais motivos para não a utilizarem que: o trânsito é perigoso (14,2%), que não a possuem (19,7%) e que não gostam de usá-la (19,7%). A maioria dos entrevistados em todos os modais, na média 47%, é unânime em dizer que os automóveis são os mais favorecidos pelos investimentos públicos. Como maiores problemas para o uso de bicicleta em Lages, 90% dos ciclistas citaram falta de ciclovias/ciclofaixas, ruas estreitas, trânsito perigoso, desrespeito, insegurança, bicicletários insuficientes e inadequados.

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6.5. Pesquisa documental sobre campanhas educativas para o trânsito Os materiais didáticos encontrados foram folders, folhetos, cartilhas, sacos de lixo para automóveis e marcadores de página, a maioria desenvolvida por órgãos públicos municipais, estaduais, muitos com apoio de empresas privadas. Foram analisados em termos gráficos, estéticos, técnicos (em relação à legislação de trânsito) e quanto às possibilidades de mídias utilizadas. O material das campanhas educativas do trânsito abrange todos os modais, realizadas por diferentes setores do município. O material de divulgação mostra o comprometimento dos órgãos competentes e afins com a divulgação da legislação de trânsito, visando à maior conscientização e educação da população em relação ao trânsito local. 6.6. Pesquisa documental sobre acidentes envolvendo ciclistas Foram solicitadas informações a diversas instituições sobre os acidentes de trânsito envolvendo ciclistas no município de Lages: Diretoria de Trânsito e Coordenação (Diretran) da Prefeitura, Hospital Nossa Senhora dos Prazeres, 6º Batalhão da Polícia Militar, Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (Detran/SC) e ao Instituto Médico Legal (IML), órgãos municipais e estaduais responsáveis pelos registros e sistematização dos dados sobre os acidentes de trânsito no município. Segundo o Estudo do Transporte Urbano (Eturb), desenvolvido pelo Diretran, com participação de uma empresa de consultoria, em 2010 foram registrados 2.146 acidentes de trânsito envolvendo veículos. Destes, apenas 49 (2,3%) envolviam bicicletas. Segundo o comando do 6º Batalhão da Polícia Militar, de 2009 a 2011, houve 130 ocorrências de trânsito envolvendo ciclistas, não sendo especificados quantos ocorreram por ano. O Hospital Nossa Senhora dos Prazeres e o IML não possuem dados sobre o número de mortes por acidentes de trânsito. Há falta de sistematização e organização de informações sobre os acidentes de trânsito no município, e as poucas informações existentes estão registradas em fichas ou processos e seu levantamento demanda muito tempo, não previsto neste projeto. 6.7. Opinião de gestores públicos e lideranças comunitárias As opiniões de gestores públicos e lideranças comunitárias sobre o uso da bicicleta englobam o tema mobilidade urbana no município de Lages, tendo sido entrevistados em uma perspectiva de análise qualitativa. Nenhum dos gestores públicos considerou a sustentabilidade como critério para a melhoria da mobilidade urbana e não foram citados projetos que apresentem a intenção da construção de bicicletários públicos. Todos os gestores públicos concordaram que os investimentos públicos em mobilidade favorecem os automóveis sobre os demais modais. O baixo investimento em transporte coletivo também foi criticado. A criação de mais ciclovias foi unanimidade entre todos os entrevistados, tanto entre os gestores públicos como as lideranças comunitárias. A educação para o trânsito nas escolas e o desenvolvimento de campanhas incentivando o uso da bicicleta também foram citados por muitos deles. 7. ESTUDO DE CASO DE CHAPECÓ O município de Chapecó, localizado no oeste do estado de Santa Catarina, às margens do Rio Uruguai, na fronteira com o Rio Grande do Sul, é a sexta cidade mais populosa do estado, com 188.791 habitantes e 91,6% de sua população vivendo na cidade. Possui uma indústria diversificada, de produção de equipamentos para frigoríficos, plásticos e embalagens, transportes, móveis, bebidas, softwares e biotecnologia, além de uma boa estrutura hoteleira. É um polo educacional, com mais de 180 estabelecimentos de ensino fundamental, 8 instituições de ensino superior e cursos técnicos profissionalizantes. O aeroporto, em fase de internacionalização, recebe cerca de 25.000 passageiros

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por mês (Hackenberg, 2013e). Apesar de ser uma cidade planejada, com largas avenidas e calçadas para pedestres, não possui estrutura cicloviária com vias ciclísticas e bicicletários. Recentemente, cidadãos têm se mobilizado para retomar o espaço da bicicleta no trânsito, promovendo pedaladas periódicas, como é o caso da Associação Pró-Ciclismo de Chapecó, que reuniu dezenas de pessoas no Dia Mundial Sem Carro, em setembro de 2012. 7.1. Contagem de fluxo dos meios de transporte nas principais ruas e avenidas A contagem de fluxo de veículos (bicicletas, motocicletas e automóveis) foi realizada em 8 vias da área urbana de Chapecó, de 2 a 4 de abril de 2012, pela manhã, das 7h às 9h, e à tarde, das 17h às 19h. Destas oito vias, duas se destacaram com maior fluxo ciclístico em relação às demais, com 49 e 44 bicicletas. Em todas as vias o fluxo de bicicletas à tarde foi maior que pela manhã, com exceção de duas avenidas (Hackenberg et al., 2013a).

Tabela 5: Fluxo de veículos por modal e período em Chapecó

Local de contagem Bicicletas Automóveis Motocicletas Manhã Tarde Manhã Tarde Manhã Tarde

Av. Getúlio Dorneles Vargas 21 28 777 1.329 191 299 Av. John Kennedy 24 20 593 615 229 192 Av. Borges de Medeiros 10 16 737 900 360 357 Av. Fernando Machado 11 19 652 960 119 190 Av. Nereu Ramos 5 9 605 866 112 153 Av. Porto Alegre 9 12 508 812 98 147 Av. São Pedro 5 20 1.768 2.207 390 1.284 Av. Sete de Setembro 8 7 508 635 112 127 Total 93 131 6.148 8.324 1.611 2.749 Percentual 41,5% 58,5% 42,5% 57,5% 36,9% 63,1%

Fonte: Hackenberg et al. (2013a) 7.2. Levantamento da demanda reprimida da mobilidade ciclística A pesquisa com motoristas, motociclistas, usuários de transporte coletivo e ciclistas em Chapecó foi realizada nas mesmas vias e datas em que foi feita a contagem de fluxo. Foram aplicados 405 questionários com 44 questões das 7h às 19h. Para os usuários de transporte coletivo foi adotado o critério estatístico de rateio. O erro amostral foi de 4,88%, com nível de confiança de 95%. A média de automóveis por família (0,9) é maior do que a média de bicicletas (0,4). A maioria dos ciclistas entrevistados é do sexo masculino (74%), com 25 a 44 anos de idade (44%), e serviços e comércio (23%), estudante (22%) e autônomo (14%) são as principais áreas de atividade/ocupação (Hackenberg et al., 2013a). Em todos os modais o nível de escolaridade predominante é o Ensino Médio completo, com exceção para os usuários de transporte coletivo. O Ensino Superior completo é mais alto entre os motoristas de automóvel (28,7%) e entre os ciclistas (16%). Os motoristas têm salários um pouco mais elevados, 70% acima de 2 salários mínimos, enquanto nas outras modalidades 60% ou mais dos entrevistados recebem até 2 salários mínimos. Dos ciclistas, 86% afirmaram utilizar a bicicleta diariamente ou mais de uma vez por semana, e estes percorrem, em média, distâncias maiores que os motoristas de automóvel na cidade: nas viagens com automóveis, 77,2% são distâncias até 5 km e 21,8% de 5 a 20 km; de bicicleta, 65% são distâncias até 5 km e 35% de 5 a 20 km (Hackenberg et al., 2013a).

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7.3. Pesquisa documental sobre campanhas educativas para o trânsito Há uma carência de materiais educativos para o trânsito desenvolvidos pelo poder público. A única peça gráfica encontrada foi desenvolvida por uma empresa privada, com interesses comerciais, e trata especificamente de um ponto isolado da segurança no trânsito: a acomodação segura de crianças em automóveis. 7.4. Pesquisa documental sobre acidentes envolvendo ciclistas Foram solicitados dados sobre acidentes de trânsito envolvendo ciclistas no município de Chapecó no período (2009 a 2011), à Secretaria Municipal de Trânsito da Prefeitura, à Polícia Militar, ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e ao 6º Batalhão de Bombeiros Militares (6º BBM). Somente o 6º BBM forneceu a resposta via e-mail, dizendo não poder disponibilizar estes dados, pois o sistema não gera essa diferenciação no tipo de ocorrências. A única instituição que tinha dados sobre acidentes de trânsito disponíveis foi o Instituto Médico Legal (IML), porém, os dados fornecidos são referentes apenas às mortes em acidentes de trânsito, e não representam o total de acidentes de trânsito por modal motorizado. De 2009 a 2011, houve um aumento constante no número de mortes por acidentes, com 98 mortes em 2011, não havendo meses específicos com maior número. Considerando o número de mortes em acidentes de trânsito por meio de transporte nos 3 anos pesquisados, o percentual de acidentes de trânsito envolvendo ciclistas é pequeno em comparação ao número de acidentes com veículos motorizados, incluindo atropelamentos: 2 (1%) contra 195 (98,5%) mortes. Os dados brutos fornecidos pelo IML não especificavam quais tipos de veículos motorizados estavam envolvidos nos acidentes com mortes. Os dados mostram que os meios de transporte mais perigosos são os motorizados, responsáveis por 98,5% das mortes no trânsito. Houve um aumento progressivo no número de mortes em acidentes com veículos motorizados, enquanto o número de acidentes com bicicletas manteve-se baixo e estável. 7.5. Opinião de gestores públicos e lideranças comunitárias As entrevistas com gestores públicos e líderes comunitários de Chapecó tiveram uma perspectiva de análise qualitativa sobre uso da bicicleta como mobilidade urbana. 7.5.1. Opinião de gestores públicos Segundo a opinião dos quatro gestores públicos entrevistados a respeito do uso da bicicleta, ficaram implícitos como problemas determinantes para seu uso pouco frequente: o relevo da cidade, o trânsito perigoso e a ausência de ciclovias e ciclofaixas. Entre os entrevistados, nenhum utiliza a bicicleta como meio de transporte (dois apenas como lazer), sendo as respostas parciais, dadas por não usuários de bicicleta. Todos os gestores consideraram Chapecó uma cidade de fácil mobilidade, por ter sido planejada, apesar de dois deles observarem que isso não se aplica aos ciclistas por causa do relevo e terem informado que o trânsito é perigoso, com um grande número de infrações ao Código de Trânsito Brasileiro. Três dos entrevistados não citaram o orçamento público municipal destinado à melhoria da mobilidade urbana. Na visão dos gestores públicos, que não são ciclistas, as maiores dificuldades para a utilização da bicicleta em Chapecó são o relevo, a ausência de ciclovias e ciclofaixas, o trânsito perigoso. 7.5.2. Opinião das lideranças comunitárias Seis líderes comunitários participaram da pesquisa de opinião sobre o uso da bicicleta, mas apenas dois a utilizam, somente como forma de lazer e esporte. Assim como os gestores públicos, os

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argumentos dos que não utilizam bicicleta foram o trânsito perigoso, a falta de ciclovias e bicicletários, falta de tempo e espaço, e um disse não saber pedalar. Há discordância por parte das lideranças comunitárias sobre Chapecó ser uma cidade de fácil mobilidade. Quatro afirmaram que sim, devido às largas e amplas avenidas e por ter um bom sistema de transporte coletivo, que abrange todos os bairros. Dois disseram que não, pela falta de ciclovias, trânsito perigoso, falta de controle de veículos pesados na área urbana e ausência de faixas exclusivas para ônibus de transporte urbano coletivo. Os entrevistados consideram a bicicleta uma alternativa de solução do transporte, por seus benefícios, como fácil locomoção, liberdade de horários, não ser poluente, saúde e bem-estar, porém fica implícita a crença na necessidade de haver ciclovias e ciclofaixas para seu uso pela população. A conscientização de motoristas sobre a convivência pacífica e o respeito às hierarquias no trânsito conforme a legislação não foi citada. 8. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Em relação à estrutura cicloviária existente nas cidades que a possuem, apenas melhorar o pavimento e a conservação das vias ciclísticas, ou aumentá-las em quantidade ou extensão, não é suficiente para garantir segurança aos ciclistas nem para atrair novos usuários para este modo de transporte. Há carências que geram dúvidas e conflitos no trânsito, que poderiam ser sanadas tomando-se como exemplo práticas já utilizadas em diversas cidades do mundo que optaram por incentivar o uso da bicicleta como política pública. Campanhas publicitárias de conscientização e incentivo ao uso da bicicleta, evidenciando o saldo positivo do uso da bicicleta e do ônibus na mobilidade urbana, seriam uma intervenção positiva do poder público, mostrando os benefícios à saúde e qualidade de vida para os cidadãos e retenção de gastos para os cofres públicos. Serviriam também para mostrar que evitar o uso excessivo dos automóveis como meio de transporte contribui para melhorar as condições ambientais, preservar a saúde dos cidadãos e o respeito pelo espaço adequado a cada meio de transporte. Dimensionar as ciclovias e ciclofaixas de acordo com o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, elaborado pelo Contran em consonância com o CTB e com as diretrizes da Política Nacional de Trânsito: unidirecionais, com largura mínima de 1,50m, e bidirecionais, com largura de 2,50m. A sinalização horizontal é uma grande carência do sistema cicloviário das cidades, sentida unicamente por ciclistas. Conforme o Contran, a marcação deve ser utilizada em todos os cruzamentos rodocicloviários. Como vias ciclísticas de muitas cidades são utilizadas de forma bidirecional, mesmo nas vias onde o fluxo de veículos motorizados é de sentido único, a uniformização/padronização com setas direcionais contribuiria para evitar conflitos entre os diversos modais. Uma alternativa para ruas e avenidas com um alto fluxo de veículos, que ainda não possuem ciclovias ou ciclofaixas, é o compartilhamento das vias de uso exclusivo dos ônibus, que ficam ociosas por muito tempo. Esta alternativa é utilizada em várias cidades do mundo, como Paris, Bordeaux, Copenhagen, Amsterdam, Berlim, Mannheim, Londres, Salzburg, Chicago, Bristol e Salt Lake City. O investimento seria em sinalização e campanhas de educação.

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Uma opção para a segurança dos ciclistas, quando em espera pela abertura do semáforo, seriam os “bike-box”, áreas de segurança sinalizadas com pintura horizontal junto à faixa de travessia de pedestres, já utilizadas em outras cidades do mundo. A possibilidade de usuários de transporte coletivo levarem consigo suas bicicletas em ônibus é uma realidade em várias cidades, como Los Angeles, Boston, Anaheim, Chicago, Houston (EUA); Toronto e Vancouver (Canadá); Paris (França); Wellington, Christchurch e Nelson (Nova Zelândia); entre outras. No Brasil, o sistema já existe em Bagé (RS) e está em fase de testes em São Paulo (SP). A Política Nacional de Mobilidade Urbana prevê “a integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os não motorizados” (Lei nº 12.587, de 03/01/2012, Art. 24, cap. V). A implantação de bicicletários públicos seguros pode contribuir para o aumento da demanda ciclística, e são fundamentais para a integração da bicicleta com os sistemas de transporte coletivo. Nas cidades pesquisadas, a maioria dos bicicletários públicos fica em locais descobertos e sem vigilância. Além de proporcionarem o estacionamento da bicicleta com segurança, poderiam servir também como ponto de informação sobre os horários de transporte coletivo, trajetos das linhas de ônibus e vias ciclísticas mais próximas. Com melhorias na estrutura de ciclovias e ciclofaixas, criação de bicicletários adequados nas rotas ciclísticas, campanhas de incentivo ao uso da bicicleta e conscientização da necessidade de se evitar o uso excessivo dos carros como meio de transporte, acredita-se que uma parcela maior da população utilizaria a bicicleta como meio de transporte. AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pelo apoio financeiro do Edital MCT/CNPq nº 18/2009. Aos pesquisadores que participaram do presente projeto: André Geraldo Soares, Fernando Humel Lafratta, Germana Heller,Giselle Noceti Ammon Xavier, Júlia Derlan , Johnny Schulz Gonzalez, Leandro Luiz Nicolletti, Márcio Aurélio Lisboa Junior, Niom Maron Dransfeld, Ricardo Wiese Teixeira À Fátima Mottin pela análise estatística e à Painel Instituto de Pesquisas pelo apoio logístico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Hackenberg, A. M.; F.H. Lafratta; J. Gonzalez e M. A. Lisboa (2010) Actions of cycling mobility in the city of Joinville

connecting the bike to other modes of transport. In: PLURIS 2010 – 4º Luso-Brasileiro Congress for Urban Planning, Regional, Integrated, Sustainable, 2010, Faro. Pluris 2010. Faro University of Algarve.

Hackenberg, A. M. e F. H. Lafratta (2011) Levantamento e a avaliação dos bicicletários existentes em estabelecimentos públicos e privados, Relatório Técnico. Joinville.

Hackenberg, A. M.; M. A. Lisboa; G. H. R. Costa; E. Murakami e F. H. Lafratta (2011) Urban mobility at the city of Joinville, Brazil, focusing on bicycle integration with public transportation. In: International Conference on passive and Lowenergy Architecture, 27, Louvain-la-Neuve. Proceedings. Louvain-la-Neuve, Bélgica: Presses Universitaires de Louvain.

Hackenberg, A. M.; K. C. Loureiro; A. C. Martin; L. Nicolletti; F. H. Lafratta e E. Henning (2012) Evaluation of bicycle transportation in Joinville: survey of the current situation and recommendations for the increase in its participation in urban mobility: UPADI 2012-XXXIII Convencion Panamericana de Ingenierias, Havana, Cuba.

Hackenberg, A. M e F. H. Lafratta (2013a) Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urbana, Relatório Técnico CNPq – edital 18-2009.

Hackenberg, A. M.; G. T. Fricke; M. A. Lisboa e L. Nicolletti (2013b) Analysis and evaluation of cycling traffic conditions within the urban perimeter of Joinville, a city at Santa Catarina State, south of Brazil, Twin International Conferences, Covilha, Portugal.

Hackenberg, A. M. (2013a) Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urban: volume 1. Joinville / Joinville, SC : Ed. do Autor, 2013,

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Transporte por Bicicleta em Cidades Catarinenses: Metodologia para Levantamento da Realidade e Recomendações para Incremento da sua Participação na Mobilidade Urbana

______ (2013b) Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urban: volume 2. Florianópolis, Joinville, SC : Ed. do Autor, 2013.

______ (2013c) Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urbana, volume 3. Camboriú e Balneário Camboriú/ Joinville, SC : Ed. do Autor, 2013.

______ (2013d) Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urbana, volume 4. Lages, Joinville, SC : Ed. do Autor, 2013.

______ (2013e) Transporte por bicicleta em cidades catarinenses: metodologia para levantamento da realidade e recomendações para incremento da sua participação na mobilidade urbana: volume 5. Chapecó, Joinville, SC : Ed. do Autor, 2013.

IBGE (2010) <http://cidades.ibge.gov.br> IPPUJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (2012) Unidade Implantação e Pós-Ocupação. ______ (2007) Unidade Implantação e Pós-Ocupação. ______ (2009). Unidade Implantação e Pós-Ocupação. PMJ – Prefeitura Municipal de Joinville (2010) Secretaria de Infraestrutura Urbana (SEINFRA). Instituto de

Planejamento Urbano – IPPUJ. Pesquisa Origem–Destino. Joinville. ______ (2013) Contrato para ciclovias e ciclofaixas em Joinville. Disponível em:

<http://www.joinville.sc.gov.br/noticia/2423-Joinville+alcan%C3%A7ar%C3%A1+a+marca+de+111+ km+de+ciclovias+e+ciclofaixas.html>. Acesso em: 09 set 2013.

Ana Mirthes Hackenberg ([email protected]) Centro de Ciências Tecnológicas, Universidade do Estado de Santa Catarina Rua Paulo Malschitzki, s/n. – Campus Universitário Prof. Avelino Marcante – Joinville, SC, Brasil

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MOBILIDADE URBANA E PADRÕES SUSTENTÁVEIS DE GERAÇÃO DE VIAGEM: UM ESTUDO COMPARATIVO DE CIDADES BRASILEIRAS

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Antônio Nélson Rodrigues da Silva

Gláucia Maia de Oliveira Marcelo Tadeu Mancini

Universidade de São Paulo – Escola de Engenharia de São Carlos

Ary Ferreira da Silva Mario Angelo Nunes de Azevedo Filho

Marcos José Timbó de Lima Gomes Universidade Federal do Ceará

Renato da Silva Lima

Josiane Palma Lima Universidade Federal de Itajubá

Márcia Helena Macedo

Universidade Federal de Goiás

José Aparecido Sorratini Universidade Federal de Uberlândia

Ana Maria Guerra Seráfico Pinheiro

Marcus Vinicius Guerra Seraphico de Assis Carvalho Universidade Federal do Pará

RESUMO O objetivo deste estudo é uma avaliação de estratégias de planejamento para a melhoria das condições de mobilidade urbana sustentável, a partir de duas abordagens: uma análise simultânea de tempo, custo e risco político e uma avaliação de padrões sustentáveis de geração de viagem produzidos por um cenário hipotético. Em geral, as ações diretamente ligadas à geração de viagens sustentáveis foram as menos viáveis. Esse foi o caso de medidas para reduzir as distâncias das viagens e de expansão das redes de transportes públicos, que, de modo geral, não são facilmente implementadas. Uma alternativa pode estar na priorização de medidas que não tenham influência direta na geração de viagens sustentáveis, tais como ações de educação para o desenvolvimento sustentável e de divulgação das políticas governamentais. O estudo também concluiu que as cidades com as piores avaliações de mobilidade apresentam maior potencial de melhoria ao se adotar um cenário favorável para a geração de viagens mais sustentáveis. ABSTRACT The aim of this study is an evaluation of planning strategies for the improvement of sustainable urban mobility conditions, with two approaches: a simultaneous analysis of time, cost and political risk and an assessment of sustainable trip generation patterns produced by a hypothetical scenario. In general, the actions directly linked to the generation of sustainable trips were the least viable ones. That was the case of measures for reducing travel distances and the expansion of public transport networks, which, in general, are not easily implemented. An alternative course of action, however, is given by measures not directly related to the generation of sustainable trips, such as actions aiming at education for sustainable development and communication of the government policies. The study also concluded that the cities with the worst mobility evaluations had the largest potential for improvement in the adoption of a scenario favorable to the generation of more sustainable trips.

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1. INTRODUÇÃO O presente estudo teve como ponto de partida a metodologia desenvolvida na Escola de Engenharia de São Carlos para avaliar as condições de mobilidade nas cidades brasileiras por meio do Índice de Mobilidade Urbana Sustentável (IMUS), apresentada de forma detalhada em Costa (2008) e de forma resumida em Rodrigues da Silva et al. (2010). Buscava-se inicialmente com esta estratégia que a proposição de taxas de gerac ão de viagens , destinadas a subsidiar o planejamento urbano e de transportes (para a implantac ão de Polos Geradores de Viagens, por exemplo), pudesse trazer melhorias significativas para as condições de mobilidade urbana, incorporando assim os princípios da sustentabilidade. A utilizacão do IMUS para esse fim seria uma evolução de suas aplicações, que se limitavam originalmente à etapa de diagnóstico do processo de planejamento. O projeto enfatizou, na sua primeira etapa, a aplicac ão da metodologia em cidades selecionadas pelas instituições parceiras, acompanhada de uma cuidadosa avaliac ão de todas as fases e , em particular, de eventuais dificuldades encontradas para o cálculo dos indicadores do IMUS. Com base no cálculo dos valores do IMUS e de sua aplicação aliada a outras estratégias de planejamento, o projeto buscou identificar desafios e perspectivas para avaliação e melhoria da mobilidade urbana com base em padrões sustentáveis de geração de viagens, a partir da análise deste conjunto de municípios brasileiros selecionados. Cada um dos grupos envolvidos realizou uma aplicação do IMUS em pelo menos uma cidade. Um resultado imediato da pesquisa foi um conjunto pequeno de cidades, mas baseado em aplicações realizadas com esmero e rigor, que serviu como laboratório para uma avaliação crítica do próprio índice. As cidades avaliadas foram Belém, Curitiba, Goiânia, Juazeiro do Norte, Uberlândia e Itajubá. 2. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA Frente aos problemas urbanos gerados pelos investimentos quase que exclusivos na infraestrutura para automóveis e pelo uso excessivo dos modos motorizados de transportes (Vasconcellos, 2013), têm-se difundido algumas políticas de mobilidade visando orientar as cidades para um desenvolvimento mais sustentável. Uma evolução da abordagem tradicional de planejamento de transportes, baseada em modelos de previsão de demanda e posterior provisão de infraestruturas, está na adoção de medidas de gerenciamento da mobilidade. Este conceito se baseia em uma postura mais ativa dos governos ao adotar medidas de estímulo ou desestímulo à demanda de viagens por determinados modos de transporte. Na busca por padrões de mobilidade mais sustentáveis, é possível identificar, nas áreas urbanas, os Polos Geradores de Viagens (PGVs). Estes, por concentrarem grande número de viagens, possuem um grande potencial de implantação de medidas de gerenciamento de mobilidade. Bryans e Nielsen (1999) já destacavam a necessidade de evoluir o conceito de geração de viagens considerando taxas mais sustentáveis. Seguindo essa evolução, segundo Holmes e Hemert (2008), os Polos Geradores de Viagens Sustentáveis são empreendimentos com características e localização propícias para estimular viagens por modos mais sustentáveis, como transporte coletivo, a pé e por bicicletas. Santos (2011) explora o tema e afirma que tais empreendimentos devem possuir uma preocupação mais ampla, não só com os espaços privados do empreendimento, mas também com o entorno urbano. Devem, portanto, mitigar os impactos negativos gerados, possuindo uma visão de melhoria das condições da cidade como um todo, da qualidade de vida e do meio ambiente. Porém, existe ainda a necessidade de avaliar o impacto que medidas favoráveis à geração de viagens sustentáveis (GVS) causam no diagnóstico da mobilidade em uma cidade, além de se estudar

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Mobilidade Urbana e Padrões Sustentáveis de Geração de Viagem: Um Estudo Comparativo de Cidades Brasileiras

melhores estratégias de governo que levem à implantação de tais medidas. Rodrigues da Silva et al. (2012) ressaltam a importância da existência de uma legislação urbanística que estimule a provisão de infraestrutura para pedestres e ciclistas, principalmente nos casos da implantação de novos Polos Geradores de Viagens. Tratando-se de conceitos de certa forma novos, no Brasil pouco se vê implantadas medidas para o gerenciamento adequado da demanda por transportes. São poucos os exemplos de cidades que adotam medidas efetivas de incentivo ao uso de modos não motorizados ou de transporte coletivo, com ações de conscientização e educação aliadas a medidas de regulação e investimentos na infraestrutura, como, por exemplo, Porto Alegre e, mais recentemente, a cidade de São Paulo. Ainda nesse sentido, visando orientar os processos de planejamento de ações e buscando reduzir os problemas urbanos e de qualidade de vida gerados pelo atual modelo de mobilidade nas cidades, novas ferramentas de orientação da tomada de decisão e do planejamento vêm sendo desenvolvidas. Entre elas, cabe destacar o aprimoramento de índices e indicadores, que são empregados para representar o comportamento de várias funções e elementos de definição do ambiente urbano. No Brasil, a Lei da Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012), traz a importância da coleta e da sistematização de dados para a produção de índices e indicadores, que devem ser utilizados para a orientação das políticas locais de mobilidade e para se obter um panorama nacional das condições de mobilidade do país. 2.1. Índice de Mobilidade Urbana Sustentável e outras estratégias de planejamento O Índice de Mobilidade Urbana Sustentável foi concebido por Costa (2008) para combinar os principais DOMÍNIOS e Temas necessários para o monitoramento da mobilidade urbana . Trata-se de uma ferramenta para dar suporte à gestão da mobilidade e à formulação de políticas públicas . A estrutura hierárquica do IMUS foi construída sobre um conjunto de indicadores que, tal como sugerido por Litman (2009), foram cuidadosamente selecionados para refletir diversos impactos e perspectivas da mobilidade sustentável. Além disso, são indicadores baseados em dados relativamente fáceis de obter e de cálculo também direto. Segundo Costa (2008), o IMUS é uma ferramenta para avaliação da mobilidade urbana sustentável capaz de revelar as condições atuais da mobilidade e medir os impactos de medidas e estratégias políticas. Sua composição é dada por 87 indicadores, distribuídos em 37 Temas, e estes se dividem em 9 DOMÍNIOS. A estrutura hierárquica do índice permite um equilíbrio entre os diversos aspectos que avalia, sendo que alguns indicadores avaliados com valores muito baixos podem ser compensados por outros com melhores resultados. A avaliação dos indicadores é numérica e varia em uma escala de 0 a 1, sendo 0 (zero) a pior avaliação possível e 1 (um), a melhor. Foi elaborado ainda um sistema de pesos que qualifica os indicadores de forma individual e também em grupo. Tal sistema de pesos também revela a importância relativa de cada indicador dentro do valor global do índice. No caso de indicadores não calculados por falta de dados, os pesos dos indicadores calculados são redistribuídos dentro do Tema ou do respectivo DOMÍNIO, para que a soma se mantenha sempre a mesma (1,00). Ainda é possível, de forma complementar, calcular os valores do “IMUS superior” e do “IMUS inferior”, que são referências enquanto valores máximos e mínimos possíveis de serem atingidos na avaliação. Para o “IMUS superior”, todos os indicadores não calculados recebem o valor 1,00 (máximo) e, para o cálculo do “IMUS inferior”, os mesmos recebem o valor 0,00 (mínimo). Deste modo, é possível obter uma escala de variação do IMUS calculado, que torna possível a comparação entre diferentes cidades que não calcularam necessariamente os mesmos indicadores.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

O IMUS vem sendo aplicado em diversas cidades do Brasil, por meio de pesquisas acadêmicas. As cidades avaliadas pelo método foram as seguintes: São Carlos, Brotas, Curitiba, Brasília, São Paulo, Belém, Juazeiro do Norte, Fortaleza, Araraquara, Anápolis, Uberlândia, Itajubá, Goiânia, Maringá, Florianópolis e Pirassununga. Em especial destacam-se as cidades selecionadas para este trabalho, que foram objeto de estudos específicos: Belém (Azevedo Filho, 2012), Curitiba (Miranda, 2010; Miranda e Rodrigues da Silva, 2012), Itajubá (Felix et al., 2012a e 2012b), Goiânia (Abdala, 2013), Uberlândia (Assunção, 2012) e Juazeiro do Norte (Lima e Silva, 2012). A partir da aplicação do IMUS na cidade de São Carlos, Mancini (2011) desenvolveu um método para identificar e selecionar ações de acordo com sua viabilidade de implantação e também de seu potencial de melhoria das condições de mobilidade sustentável de um município. O autor propôs a avaliação, por técnicos e gestores municipais, de cada indicador do IMUS de acordo com três dimensões de viabilidade: o risco político, o custo e o prazo de execução de melhorias. Através de uma análise baseada em um “cubo de referência” derivado destas dimensões, chegou-se a uma classificação das ações quanto à maior ou menor viabilidade de serem executadas. Mancini e Rodrigues da Silva (2010) ainda propuseram a aplicação de cenários por backcasting aliados à aplicação do IMUS, destacando a importância do uso de ferramentas alternativas de planejamento, como o planejamento baseado em cenários, para se alcançar melhores condições de mobilidade urbana. 3. METODOLOGIA Esta seção se inicia com uma síntese do método completo utilizado na pesquisa (ver item 3.1). Este artigo, contudo, tem como foco o objetivo específico de testar a relação do índice com estratégias de planejamento para melhoria da mobilidade urbana sustentável, com dois enfoques: avaliação simultânea de custo, prazo e risco político e avaliação de padrões sustentáveis de geração de viagens a partir de um cenário hipotético. Por este motivo, será dada ênfase para as duas últimas análises do método descrito, ou seja, o cruzamento dos resultados do “cubo de referência” com uma classificação de influência na geração de viagens sustentáveis (item 3.2), e a análise dos resultados do IMUS diante de um cenário a favor da mobilidade urbana sustentável (item 3.3). 3.1. Síntese do método completo Este estudo se iniciou a partir dos resultados obtidos em trabalhos anteriores (por exemplo, Rodrigues da Silva et al., 2013) com a aplicação do Índice de Mobilidade Urbana Sustentável (IMUS) em seis cidades das cinco regiões do Brasil: Belém (região norte), Curitiba (região sul), Goiânia (região centro-oeste), Juazeiro do Norte (região nordeste) e Uberlândia e Itajubá (região sudeste). O ponto de partida das aplicações foi uma análise da disponibilidade e qualidade dos dados necessários para o cálculo dos indicadores em cada cidade (parte superior da Figura 1). Após esta análise, foram calculados os valores do IMUS para cada uma das cidades, bem como os valores do “IMUS superior” e “IMUS inferior”. Após a comparação dos valores globais do IMUS, foram analisados os escores obtidos em cada um dos 87 indicadores para cada caso, a fim de se obter informações desagregadas das diferentes cidades. Para uma análise comparativa (ver A1, Figura 1), foram selecionados e analisados apenas aqueles indicadores efetivamente calculados por essas seis cidades.

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Mobilidade Urbana e Padrões Sustentáveis de Geração de Viagem: Um Estudo Comparativo de Cidades Brasileiras

Figura 1: Fluxograma com a descrição das etapas que constituem o método utilizado, com base no IMUS, na viabilidade

de ações e na geração de viagens sustentáveis (GVS) A partir dos resultados do IMUS de cada cidade, foi utilizado o método para classificação de ações para melhoria das condições de mobilidade de acordo com sua viabilidade, proposto por Mancini (2011), e tais resultados foram analisados através de uma comparação entre as seis cidades (ver A2, Figura 1). Tal procedimento corresponde à avaliação de três dimensões de viabilidade (prazo, custo e

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

risco político), simultaneamente analisadas por meio de um cubo de referência (Figura 2). Esta etapa envolve a aplicação de um questionário a gestores e especialistas de cada cidade utilizando uma escala predefinida (com base nos estudos de Likert, 1932). Cada entrevistado classifica as três dimensões de viabilidade de ações para que cada um dos 87 indicadores anteriormente avaliados atinja o valor máximo de 1,00. A interpretação dos resultados a partir do cubo de referência é feita através de combinações de viabilidade, variando de “VIÁVEL em todos os quesitos” (obtenção do nível BOM nas três dimensões) até “MUITO POUCO VIÁVEL em todos os quesitos” (obtenção de RUIM nas três dimensões), conforme observado na Tabela 1.

Figura 2: Cubo de referência (ou benchmarking cube) que caracteriza simultaneamente as três dimensões: custo, prazo e

risco político. Fonte: Mancini (2011)

Tabela 1: Blocos de combinações de custo, prazo e risco político no cubo de referência, obtidos conforme a grau de viabilidade. Fonte: Adaptado de Mancini (2011)

Como forma de se obter informações relativas às estratégias de planejamento associadas ao diagnóstico da mobilidade, foram comparados os resultados obtidos nas etapas anteriores (ver A3, Figura 1). Para tanto, os dados obtidos nas seis cidades foram agregados em porcentagens de ocorrência em cada um dos indicadores. No caso dos escores do IMUS, os valores foram organizados em cinco classes conforme o escore obtido, além dos indicadores não calculados. Já os valores obtidos pelo método de classificação de ações, segundo sua viabilidade, foram organizados em três classes de acordo com a classificação do “cubo de referência” (menos viáveis: 1 a 4; intermediários: 5 e 6; e mais viáveis: 7 a 10). As duas últimas etapas do método, que culminaram nas análises A4 e A5 da Figura 1, estão descritas com mais detalhes nos próximos itens.

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Mobilidade Urbana e Padrões Sustentáveis de Geração de Viagem: Um Estudo Comparativo de Cidades Brasileiras

3.2. Análise do cruzamento dos resultados do “cubo de referência” com uma classificação de influência na geração de viagens sustentáveis (A4) Para se identificar ações mais viáveis de serem executadas por um governo e seus efeitos existentes na mudança das taxas de geração de viagens, foi realizada uma análise dos resultados obtidos através do método de avaliação de viabilidade de ações (método do cubo) em paralelo com uma classificação dos indicadores quanto à influência na geração de viagens sustentáveis proposta por Mancini (2011). Mancini (2011) propôs esta classificação dos 87 indicadores, visando analisar o impacto que as melhorias nos indicadores do IMUS causariam nas condições de mobilidade de um município por ele estudado, dividindo-os em três classes: os de influência direta, os de influência média e os de influência indireta na geração de viagens sustentáveis. Os indicadores classificados como de “influência direta na GVS” são aqueles que dizem respeito à própria infraestrutura ou serviços para viagens sustentáveis, como extensão da rede de transporte público, estacionamentos para bicicletas e frequência de atendimento do transporte público coletivo, por exemplo. Os indicadores classificados como de “influência média da GVS” são aqueles relativos às ações para implementação da infraestrutura e utilização dos serviços, como investimentos em sistemas de transportes, descontos e gratuidades, tarifas de transporte, entre outros. Por último, os indicadores classificados como de “influência indireta na GVS” são relativos a medidas preparatórias para a geração de viagens sustentáveis, como contratos e licitações, informação disponível ao cidadão e educação, por exemplo. A análise aqui desenvolvida se baseou na distribuição da “influência na geração de viagens sustentáveis” (direta, média e indireta), dentro da classificação de viabilidade de execução destas ações pelo “cubo de referência” (mais viáveis, intermediários e menos viáveis), para os 87 indicadores, em cada cidade. Além disso, foram analisados estes dados de forma agregada para as seis cidades. 3.3. Análise dos resultados do IMUS diante de um cenário a favor da mobilidade urbana sustentável (A5) Com o propósito de avaliar o reflexo da adoção de uma política de incentivo à geração de viagens sustentáveis no diagnóstico da mobilidade urbana em um determinado prazo, foi executado um novo cálculo do IMUS após a suposta implantação de um cenário de planejamento urbano. Deste modo, foram aplicados questionários a três especialistas de cada uma das seis cidades, acerca da adoção de um cenário por backcasting de gestão municipal. Com base no resultado prévio do cálculo do IMUS para cada cidade, os entrevistados responderam sobre o que aconteceria com cada um dos 87 indicadores do IMUS, nos próximos 8 anos, caso a seguinte política fosse adotada em seu município: “Os novos loteamentos a serem autorizados obrigatoriamente devem ser criados com os conceitos de mobilidade e geração de viagens sustentáveis”. Para cada indicador, os entrevistados avaliaram se o escore “melhoraria muito”, “melhoraria”, “não teria alteração”, “pioraria” ou “pioraria muito”. A partir dos resultados dos questionários, o IMUS foi recalculado, para cada cidade, com base em uma classificação obtida através da média das respostas dos entrevistados. Foi utilizada uma variação dos escores de cada indicador conforme os estágios de normalização de seus valores, propostos pelo IMUS. Assim, para a classificação “mantém”, o escore não foi alterado; para “melhora”, o escore avançou um estágio; para “melhora muito”, o escore avançou dois estágios; para “piora”, o escore diminuiu um estágio e, por fim, para “piora muito”, o escore diminuiu dois estágios.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Esta seção aborda os resultados obtidos a partir da análise da viabilidade de ações e da sua influência na geração de viagens sustentáveis, conforme descrito no item 3.2, e os resultados obtidos pelo procedimento que descreve a adoção de um cenário por backcasting e seu reflexo no diagnóstico da mobilidade urbana, descrito no item 3.3. 4.1. Análise do cruzamento dos resultados do “cubo de referência” com uma classificação de influência na geração de viagens sustentáveis A partir da análise dos resultados de viabilidade de ações (cubo de referência) com a classificação de influência na geração de viagens sustentáveis (Mancini, 2011) obteve-se a Figura 3. Nela está representada a distribuição da “influência na geração de viagens sustentáveis” (direta, média e indireta), dentro da “classificação de viabilidade” (mais viáveis, intermediários e menos viáveis), dos 87 indicadores do IMUS, para cada cidade.

Figura 3: Classificação de viabilidade pela análise do “cubo de referência” (conforme Figura 2) e influência na geração

de viagens sustentáveis Os tons de cinza indicam o grau de viabilidade, da esquerda para a direita: em cinza escuro estão representados os indicadores considerados mais viáveis de serem melhorados, em cinza médio, os indicadores intermediários (cujo bloco é destacado com um contorno adicional) e em cinza claro, os indicadores menos viáveis. As hachuras representam a classe de influência na geração de viagens sustentáveis: em sólido estão representados os indicadores de influência direta, em listrado diagonal, os de influência média, e em listrado horizontal, os de influência indireta. Em todas as seis cidades, do grupo de indicadores considerados mais viáveis de serem melhorados (cinza escuro), poucos indicadores têm influência direta na geração de viagens sustentáveis (hachura

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Mobilidade Urbana e Padrões Sustentáveis de Geração de Viagem: Um Estudo Comparativo de Cidades Brasileiras

sólida). Observa-se que a grande maioria dos indicadores viáveis tem influência média ou indireta (hachuras com listras). Tal resultado se evidencia na Figura 4, que representa, de forma agregada para os seis municípios, a distribuição da “viabilidade” dentro das classes predefinidas de “influência na geração de viagens sustentáveis”. No gráfico da Figura 4 observa-se que 69% dos indicadores classificados com relação INDIRETA na geração de viagens sustentáveis são altamente VIÁVEIS de serem melhorados (cinza escuro). Alguns indicadores nesta condição são, por exemplo: 3.1.1 Informação disponível ao cidadão, 3.3.1 Educação para o desenvolvimento sustentável, 3.4.1 Participação na tomada de decisão, 7.4.1 Transparência e responsabilidade e 9.3.1 Contratos e licitações. Estes indicadores foram destacados na Figura 5, que ordena todos os 87 indicadores do IMUS de acordo com a classificação de influência na geração de viagens sustentáveis.

Figura 4: Porcentagem de indicadores mais ou menos viáveis, dentro de cada classe de influência na GVS (direta, média

ou indireta) 4.2. Análise dos resultados do IMUS diante de um cenário a favor da mobilidade urbana sustentável Ainda com relação à geração de viagens sustentáveis, a partir da comparação dos valores do IMUS anteriormente calculados com seus novos valores do IMUS, recalculados após a adoção de um cenário em prol da geração de viagens sustentáveis (IMUS GVS), os resultados obtidos estão representados na Figura 6. A partir da Figura 6, observa-se que todas as cidades apresentam uma considerável melhoria nas condições de mobilidade urbana sustentável. Destaca-se Juazeiro do Norte, que ultrapassa Belém no ranking, com a qual estava empatada. Cabe aqui ressaltar que, conforme a análise de viabilidade de ações, Juazeiro do Norte é a cidade mais otimista, ao considerar a maior parte das ações de melhoria viáveis de serem executadas. Também se destaca Goiânia, que com um potencial de acréscimo de 0,13 no valor do IMUS, quase se iguala à Uberlândia.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 5: Indicadores IMUS ordenados pela classificação de influência na geração de viagens sustentáveis. Destaque

para os indicadores mais viáveis (cinza escuro: 7 a 10) e para os menos viáveis (cinza claro: 1 a 4) conforme classificação da Tabela 1.

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Mobilidade Urbana e Padrões Sustentáveis de Geração de Viagem: Um Estudo Comparativo de Cidades Brasileiras

Figura 6: Valores do IMUS atual e no cenário proposto para cada cidade

Observa-se que as três cidades com as piores avaliações,, Juazeiro do Norte, Belém e Itajubá, foram as que apresentaram maior variação percentual de melhora no IMUS global (42%, 37% e 40%, respectivamente). Curitiba e Uberlândia, que foram as cidades mais bem avaliadas, também tiveram a menor variação (16% e 15%, respectivamente). Tal resultado pode estar associado ao fato de estas cidades já possuírem muitos indicadores com escores altos ou máximos. A variação de Goiânia foi de 20%. 5. CONCLUSÕES A partir dos resultados obtidos pelo cruzamento dos dados de viabilidade de ações (cubo de referência) com a classificação pela influência na geração de viagens sustentáveis (Mancini, 2011), nas seis cidades analisadas, pode-se concluir que, de modo geral, as ações diretamente voltadas à geração de viagens mais sustentáveis são menos viáveis de serem executadas, se considerados o prazo de execução, o custo e o risco político. Logo, medidas de diminuição das distâncias de viagens e de aumento da extensão de transporte público coletivo, por exemplo, apesar de estarem diretamente relacionadas à realização de viagens mais sustentáveis, provavelmente serão de difícil implantação. Por outro lado, os resultados apontam para uma importante solução, que é priorizar medidas que não tenham influência direta na geração de viagens sustentáveis, como, por exemplo, medidas de educação para o desenvolvimento sustentável e disponibilização de informações aos cidadãos sobre as políticas de governo. Este caminho, embora indireto, parece ser o mais exequível na busca de alterar o padrão de demanda por viagens, de individuais motorizadas para outros modos mais sustentáveis. Devido aos resultados da comparação dos valores do IMUS anteriormente calculado com o IMUS recalculado, considerando o cenário a favor da geração de viagens sustentáveis, conclui-se que as cidades com as piores avaliações do IMUS são as que possuem maior potencial de melhoria das condições de mobilidade sustentável, ao se adotar um cenário favorável à geração de viagens mais sustentáveis. Tal conclusão mostra que a adoção de um cenário com estas características se configura como uma possível estratégia de planejamento, principalmente para estas cidades, obtendo-se resultados possivelmente muito favoráveis e mensuráveis no médio prazo, no caso 8 anos.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pelo financiamento da pesquisa, através do Edital MCT/CNPq nº 18/2009 – P&D&I em Transportes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abdala, I. M. R. (2013) Aplicação do Índice de Mobilidade Urbana Sustentável (IMUS) em Goiânia. Dissertação

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IDENTIFICAÇÃO DE SUBCENTROS URBANOS PARA PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES E MOBILIDADE: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 18

Erika Cristine Kneib

Universidade Federal de Goiás

RESUMO A partir da necessidade de investigação da estrutura espacial urbana e sua relação com o transporte e a mobilidade, surgiu a pesquisa denominada Identificação de centralidades brasileiras para planejamento da mobilidade urbana sustentável, cujos principais resultados financiados pelo CNPq conformam o produto deste trabalho, que envolveu quatro equipes nacionais. O trabalho empenha-se em realizar uma análise dos elementos peremptórios dessa estrutura espacial urbana, a partir da apresentação de duas metodologias para identificação de centralidades, podendo assim contribuir para embasar políticas e diretrizes públicas de atuação no setor de planejamento, com foco no planejamento de transportes e da mobilidade. ABSTRACT From de need of study urban spatial structure and its relation with transport and mobility, the research called Identification of Brazilian centralities for planning sustainable urban mobility was developed, whose the main results, funded by CNPq, generate this work product, with four national teams. The work intended to realize an analysis of the main elements of this urban spatial structure, from the presentation of two methodologies for centralities identification, and thus help to base public policies and guidelines in the planning sector, focusing on transport planning and mobility.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO O planejamento e gestão urbanos são temas desafiadores a todas as cidades. Neste contexto, a estruturação espacial do território e a mobilidade das pessoas neste território têm se mostrado temas de grande complexidade, basilares para a qualidade de vida urbana. Assim, a relação entre o planejamento urbano e a gestão do território, seja na escala municipal, seja na metropolitana, são fundamentais para se alcançar bons resultados, uma vez que tal complexidade exige que as ações de planejamento e gestão tenham grande coerência, convergência e complementaridade. Pode-se descrever, resumidamente, que a mobilidade urbana está vinculada às condições e oportunidades que a estrutura espacial urbana – aqui entendida como o conjunto de atividades, funções urbanas e a maneira como se organizam e articulam espacialmente – e o sistema de transportes – aqui entendido como o conjunto de infraestruturas e modos de transporte – proporcionam, conjuntamente, à realização dos deslocamentos, viabilizando a realização das atividades urbanas. Tais elementos revelam a estreita relação entre mobilidade, sistema de transportes, estrutura espacial urbana e a necessidade do seu planejamento e gestão de forma conjunta e integrada. Neste cenário que aponta a necessidade de investigação da estrutura espacial urbana e sua relação com o transporte e a mobilidade, nasceu a pesquisa denominada Identificação de centralidades brasileiras para planejamento da mobilidade urbana sustentável, cujos principais resultados financiados pelo CNPq conformam o produto deste trabalho, que envolveu quatro equipes nacionais (Kneib, 2013). O trabalho empenha-se em realizar uma análise dos elementos peremptórios dessa estrutura espacial urbana, de modo a possibilitar sua identificação, podendo assim contribuir para embasar políticas e diretrizes públicas de atuação no setor de planejamento, com foco no planejamento de transportes e por consequência da mobilidade. Para tal, é necessária uma abordagem que possibilite identificar os subcentros e avaliar seus impactos decorrentes, abordagem esta focada no contexto do planejamento de transportes do uso e ocupação do solo e da mobilidade, que utilize dados normalmente existentes em municípios brasileiros, e que considere as possíveis alterações da estrutura espacial urbana. Ressalta-se ainda que inexistem estudos específicos, no Brasil, que busquem identificar políticas de mobilidade prioritárias para aplicação nos subcentros, que impactarão, por consequência, a própria conformação da estrutura espacial das cidades. O conceito e os métodos para identificação de subcentros urbanos em cidades brasileiras, desenvolvido por Kneib (2008) para um estudo de caso específico, foi aplicado nas cidades que foram objeto de estudo desta pesquisa: Palmas, Brasília e Salvador, possibilitando identificar a estrutura espacial urbana dessas cidades, assim como contribuir com a proposição das políticas de mobilidade específicas a cada um dos casos. Destarte, o objetivo geral da presente pesquisa é investigar, de forma científica, os elementos que conformam a estrutura espacial das cidades brasileiras – os centros e subcentros urbanos - e sua relação com a mobilidade urbana, a partir da sua identificação, para embasar a elaboração de políticas públicas voltadas à melhoria da mobilidade nas cidades elencadas, assim como sistematizar um conjunto de conhecimentos capazes de fomentar a continuidade da pesquisa e desenvolvimento da presente temática sobre outros elementos e outras cidades, tão importante para os processos de planejamento urbano. Como objetivos específicos desta pesquisa, apontam-se: i) aplicar o conceito e as metodologias de identificação de subcentros urbanos, desenvolvidas por Kneib (2008) para cidades brasileiras; ii)

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Procedimentos Metodológicos

estabelecer padrões e características de subcentros, de forma a identificar políticas de mobilidade urbana prioritárias para serem aplicadas segundo as especificidades estabelecidas; iii) avaliar os sistemas de transporte nos subcentros, assim como estabelecer padrões e demandas de viagens geradas por tais sistemas e por empreendimentos classificados como PGVs inseridos nos subcentros urbanos identificados; iv) investigar a relação entre os Polos Geradores de Viagens – PGV e a conformação de subcentros urbanos. Por fim, destaca-se que os principais resultados desta pesquisa são apresentados neste material e divididos em duas partes: o primeiro artigo, denominado Identificação de subcentros urbanos para planejamento de transporte e mobilidade: Procedimentos Metodológicos traz a descrição de duas metodologias que foram aplicadas e aprimoradas na presente pesquisa; enquanto o segundo artigo, denominado Identificação de subcentros urbanos para planejamento de transporte e mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador traz os casos de estudo desenvolvidos na presente pesquisa. 2. O PROJETO E AS EQUIPES Este trabalho traz em seu conteúdo um resumo dos elementos científicos e técnicos desenvolvidos no decorrer do projeto intitulado Identificação de centralidades brasileiras para planejamento da mobilidade urbana sustentável. Conforme destaque inicial, o projeto tem por objetivo pesquisar os elementos que conformam a estrutura espacial das cidades brasileiras – os centros e subcentros urbanos - e sua relação com a mobilidade urbana sustentável, para embasar a elaboração de políticas públicas voltadas à melhoria da mobilidade nas cidades brasileiras. Para atingir tal objetivo, foram aplicadas metodologias para identificação de subcentros e avaliação da mobilidade nos subcentros desenvolvidas especificamente para cidades brasileiras, em três cidades: duas planejadas (Palmas e Brasília) e uma cidade histórica (Salvador). A metodologia de trabalho empregada é composta por 5 grandes fases: • Fase 1: consiste na formação e capacitação das equipes de pesquisa, realizadas em três núcleos,

localizados nas cidades estudadas; • Fase 2: subdivide-se na fase de aquisição e tratamento da base de dados e na elaboração de

pesquisas teóricas e bibliográficas sobre as cidades e os temas em análise; • Fase 3: consiste na aplicação dos procedimentos metodológicos específicos para identificação, nas

cidades que são objeto do estudo. • Fase 4: consiste na aplicação de modelos de avaliação da capacidade de suporte desses subcentros

com relação aos empreendimentos classificados como PGV (Polos Geradores de Viagens) e os sistemas de transporte nos subcentros;

• Fase 5: Caracterização dos subcentros identificados; identificação da relação entre os Polos Geradores de Viagens – PGVs e a conformação de subcentros urbanos; e sistematização das políticas de mobilidade indicadas e prioritárias para cada um dos casos;

As demais fases englobam a elaboração de produtos desta pesquisa, como relatórios, artigos e materiais para publicações científicas. Este projeto insere-se na linha de pesquisa da coordenadora, professora Erika Cristine Kneib, na Universidade Federal de Goiás - UFG, no âmbito do Programa de Pós Graduação Projeto e Cidade. Este projeto conta com 04 núcleos/equipes de pesquisa, cujos pesquisadores atuais são:

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

• Núcleo na Universidade Federal de Goiás - UFG, que coordena o presente projeto, tendo como pesquisadora a professora Drª Erika Cristine Kneib, professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo;

• Núcleo na Universidade de Brasília – UnB, vinculado ao Programa de Pós Graduação em Transportes, tendo como pesquisadores: Paulo Cesar Marques da Silva, Giovanna Megumi Ishida Tedesco (professora do IFB); Ana Paula Borba e Mariana de Paiva;

• Núcleo na Universidade Federal da Bahia – UFBA, vinculado ao Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana, tendo como pesquisadores Denise Vaz de Carvalho Santos, Juan Pedro Moreno Delgado, Ilce Marília Dantas Pinto de Freitas , José Lázaro de Carvalho Santos e Silvia Camargo F. Miranda;

• Núcleo na Universidade Federal do Tocantins - UFT, vinculado ao curso de arquitetura e Urbanismo, tendo como pesquisadores Lucimara Albieri de Oliveira, Suheid Cruz e Ana Paula Borges Pereira.

3. BASES TEÓRICAS Partindo-se, neste momento, para a identificação dos elementos principais da estrutura espacial urbana, ou espaço urbano, cabe citar algumas abordagens. Villaça (2001) considera como elementos da estrutura espacial urbana o centro principal da metrópole (a maior aglomeração de empregos ou de comércio e serviços); os subcentros de comércio e serviços (aglomerações diversificadas de comércios e serviços, réplicas menores do centro principal), os bairros residenciais e as áreas industriais. Em uma definição similar à de Villaça (2001), Rochefort (1998) ressalta que a unidade de organização da cidade é constituída pelo conjunto de centros necessários para fornecer a totalidade dos serviços requisitados pelas atividades e pela população. Segundo o autor, a organização do espaço resulta da localização dos diferentes centros. E, em virtude da diferença entre os centros, a geografia leva a definição de formas de interdependência entre os centros, o que permite a passagem de uma noção de centro para uma noção de rede de centros, formando uma base para a definição das denominadas redes urbanas, ou ainda sistema urbano de um espaço. Seja a partir dos autores citados, ou outros que analisam a temática, é possível resumir que a estrutura espacial urbana é composta por elementos – centros e subcentros, como traz Villaça (2001), ou nós e links como aborda Rodrigue (2006) – e processos de reorganização espacial – centralização e descentralização (Castells, 1983), o que corrobora o dinamismo de tais fatores e o desafio para sua caracterização, estudo e mapeamento. Já no que se refere às características dos subcentros, Kneib (2008), a partir de uma exaustiva pesquisa bibliográfica, as agrupa em quatro principais: simbolismo, acessibilidade, relações e concentração, e valor do solo. Sobre os modelos e métodos existentes para a identificação de centralidades, a seguir apresentam-se alguns aspectos relevantes sobre os mesmos, de modo a contribuir para o entendimento do estado da arte e da prática do desenvolvimento de tais métodos. Os modelos de cidade monocêntrica estudados por Alonso, Muth, e Mills, considerados os mais populares e importantes sobre estrutura urbana, desenvolvidos na década de 1960, ilustram as cidades do século dezenove, nas quais todos os empregos localizavam-se no Centro de Negócios, denominado Central Business District - CBD (Kneib, 2008). Todavia, com a evolução das cidades, tais modelos não conseguem mais representar a estrutura espacial urbana contemporânea.

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Procedimentos Metodológicos

Assim sendo, com base nesta nova estrutura espacial, considera-se que o primeiro procedimento formal para a identificação de subcentros foi proposto por McDonald, em 1987. Ele iniciou estimando uma função simples de densidade de empregos para uma cidade monocêntrica padrão, a partir das variáveis de número de empregos por acre e distância do CBD (Kneib, 2008). Em continuidade, o trabalho de Giuliano e Small (1991) constitui uma das abordagens mais significativas para identificação de subcentros, sendo considerado, juntamente com o trabalho de McDonald, uma das grandes referências desse tipo de estudo, embasando diversos outros. Utilizando os conceitos elaborados por McDonald, em 1987, e Giuliano e Small, em 1991, que passaram a definir subcentro como uma área com significativa densidade de emprego em relação a seus vizinhos, que possuem significativo efeito na função de densidade de emprego geral, outros autores passaram a desenvolvê-los e aplicá-los a outras realidades, ratificando a importância de modelos e métodos para a identificação da estrutura espacial urbana. 4. A RELEVÂNCIA DA ESTRUTURA ESPACIAL PARA A MOBILIDADE URBANA Com relação à abordagem sobre policentralidade e alteração nos padrões de viagens, primeiramente, cabe destacar algumas definições. McMillen (2001) define a policentralidade como áreas com múltiplos subcentros; Gordon e Richardson (1996) definem policentralidade ou multinucleação como a estrutura espacial que inclui um ou mais nós econômicos especializados, além do CBD. Lopez (2006) define policentrismo, ou multinucleação, como o processo no qual uma cidade altera, paulatinamente, sua estrutura espacial, antes caracterizada pela existência de um único centro de emprego, para uma nova estrutura, na qual coexistem vários centros de emprego de mesmas, ou de diferentes, ordens hierárquicas. Ferrari (1991) associa a policentralidade ao crescimento sadio para as cidades, a partir do incentivo à formação de centros secundários. O autor destaca que a cidade polinucleada deve crescer pela agregação de novos núcleos urbanos e não pela inchação ou crescimento ilimitado de uma única célula. Segundo Schwanwn et al. (2001), os estudos sobre policentralidade estão diretamente relacionados às questões dos padrões de viagem, uma vez que a eficiência da forma urbana impacta diretamente o tempo e distância dos deslocamentos pendulares. Como resultado, os padrões das viagens diárias tornaram-se tangenciais e não mais radiais, em grande parte das áreas metropolitanas. Esse resultado gerou dois comportamentos de viagens a partir da policentralidade: i) segundo alguns trabalhos, a policentralidade tende a diminuir o tempo e a distância das viagens pendulares (McMillen, 2004; Kneib, 2014); ii) segundo outros, o número de deslocamentos individuais motorizados tende a aumentar, sendo a policentralidade negativa (Cervero, 1996; Ewing, 1997). Isso se dá caso a infraestrutura de transporte coletivo e o incentivo aos modos não motorizados não acompanhem as novas centralidades. Tais abordagens ratificam mais uma vez a importância da identificação dos subcentros e do processo de planejamento, de forma a tornar a policentralidade positiva para o espaço; e possibilitar a adoção de políticas específicas segundo a vocação ou potencialidade do subcentro, com relação à sua acessibilidade e à mobilidade das pessoas. Especificamente sobre a centralidade no contexto dos Planos Diretores, o Ministério das Cidades (2004) relaciona a formação e consolidação dos subcentros urbanos – a multicentralidade (ou policentralidade) – à eficiência e organização das cidades, pois a policentralidade é capaz de

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proporcionar aos cidadãos o acesso aos serviços essenciais dispensando-se deslocamentos motorizados, realizando pequenas viagens a pé ou de bicicleta; favorece, ainda, a possibilidade de acessá-los pelos modos coletivos de transporte. Assim, segundo o estudo, a multicentralidade contribui para diminuir o número de viagens motorizadas. Destarte, de forma pragmática, com relação aos subcentros urbanos e os Planos Diretores, o Ministério das Cidades (2004) recomenda que este instrumento incentive a formação e consolidação dos subcentros urbanos, ou a multicentralidade, desestimulando o zoneamento de especialização, de forma a diminuir o número de viagens motorizadas. Em suma, cabe ressaltar a importância prática da definição e identificação dos subcentros urbanos, seja em sua aplicação nos Planos Diretores Municipais, para o incentivo à policentralidade, podendo contribuir, consequente, com a diminuição das viagens motorizadas; seja nos Planos Diretores de Mobilidade, contribuindo para a melhoria dos zoneamentos de tráfego ou permitindo priorizar a organização e investimentos nos subcentros, de forma a melhorar a acessibilidade dessas áreas e a mobilidade da população nesses locais. 5. OS MÉTODOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CENTRALIDADES O trabalho de Kneib (2008) desenvolve e apresenta dois métodos para identificação de centralidades, a serem utilizados conforme especificidades dos municípios a serem utilizados e conforme disponibilidade de dados para análises. O primeiro método é baseado na percepção de especialistas para a identificação de centralidades, desenvolvido a partir de ferramentas como Delphi, escala de pontos e análise espacial. Este é aplicável em cidades que não possuem bases de dados quantitativas, como pesquisas origem e destino, ou para pesquisas que queiram investigar a característica simbolismo na caracterização das centralidades. O segundo método desenvolvido por Kneib (2008) tem como base análises quantitativas e traz duas contribuições relevantes: 1) procura testar diversas variáveis que podem contribuir para a identificação de centralidades (uso do solo, transporte coletivo, renda, viagens, etc.), a partir da estatística espacial, identificando picos de tais variáveis; 2) corrobora a hipótese de que a geração de viagens é a variável mais adequada para a identificação das centralidades, e utiliza dados de pesquisas origem-destino para a identificação espacial de tais subcentros. Ambos os métodos são resumidamente apresentados a seguir, aplicados no município de Manaus. Cabe destacar que as bases de dados necessárias à aplicação do método 2, dados da pesquisa origem e destino, não estavam disponíveis para Salvador, Palmas e Brasília, o que levou à aplicação do método dos especialistas nesses casos. Esta aplicação gerou dois fatos: a possibilidade de aperfeiçoamento do método dos especialistas, corrigindo algumas pequenas falhas e a potencialidade de desenvolvimento de pesquisas futuras no tema com a aplicação do método 2 nessas cidades, na medida em que estas realizarem suas pesquisas origem-destino. 5.1 O Método 1: base em especialistas Para a descrição do método dos Especialistas, cabe primeiramente descrever de forma sucinta as quatro ferramentas utilizadas e suas principais funções: a) MAH: o Método de Análise Hierárquica – MAH, desenvolvido por Saaty (1991), procura reproduzir o raciocínio humano na avaliação comparativa dos elementos de um conjunto, com base na percepção de especialistas, ao atribuir pesos numéricos a objetivos e alternativas, através da

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Procedimentos Metodológicos

comparação dos elementos, par a par. Este método é composto, basicamente, por três etapas: construção de hierarquias a partir da escala de comparações de 1 a 9; estabelecimento de prioridades e verificação da consistência. Neste trabalho, o método é utilizado para hierarquizar características de subcentros urbanos para o planejamento de transportes e para uniformizar, entre os especialistas, as definições e características de tais subcentros. b) Delphi: o método Delphi permite analisar questões de alta complexidade, a partir do consenso. Possui, principalmente, as seguintes características: uso de especialistas, anonimato, aplicação de questionários, feedback e busca de consenso (Linstone e Turoff, 1975; Sáfadi, 2001). Como vantagens deste método ressalta-se que: proporciona reflexão individual e coletiva sobre os assuntos tratados; assegura a integração e a sinergia de ideias e visões entre os especialistas; agrega conhecimento ao processo; e proporciona a reformulação e aprimoramento das questões formuladas no decorrer das rodadas. Neste trabalho, o método é utilizado para identificar espacialmente subcentros em um determinado município, a partir do consenso de um grupo de especialistas. c) Escala de Pontos: para mensurar o grau de importância de cada um dos subcentros em relação aos demais, foi utilizada uma escala de avaliação do tipo diferencial semântico, "Escala diferencial semântica de Osgood", (Osgood et al., 1964). Segundo esse método, é elaborada uma matriz de pontuação, que pode ser de 1 a 7. Segundo os autores, essa subdivisão em sete itens permite identificar quais variáveis ou características tendem a ter um significado oposto, de menos a mais importante. Neste trabalho, a escala de pontos é utilizada para mensurar o grau de importância de cada um dos subcentros identificados, em relação aos demais. d) Análise Espacial: a análise espacial, que possibilita descrever e analisar como interagem e se correlacionam os processos espaciais, neste trabalho, é utilizada para identificar áreas candidatas a subcentros em escala de setor censitário, por meio da análise de áreas, pelos especialistas, em uma adaptação do método Delphi. A partir da abordagem das quatro ferramentas anteriormente apresentadas, a Figura 1, a seguir, contém um esquema ilustrativo do Procedimento Metodológico 1, contendo um resumo das suas etapas e objetivos. Este método foi originalmente desenvolvido por Kneib (2008), e aqui é apresentado de maneira aperfeiçoada, após a aplicação nos estudos de caso de Brasília, Salvador e Palmas, que compõem as análises seguintes. Este método e suas etapas são mais bem detalhados no próximo artigo, quando da aplicação deste método às cidades estudo de caso deste trabalho.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 1: Método dos especialistas para identificação de centralidades

Como pode ser observado na Figura 1, o Método de Análise Hierárquica – MAH, por meio do software Expert Choice, é utilizado para identificar e hierarquizar as características dos subcentros, para que os especialistas possam assimilar as características utilizadas como conceito na etapa 2. O método Delphi adaptado — a partir da utilização de SIG e análise espacial — é utilizado para identificar os subcentros. O último método — da Escala de Pontos – é utilizado para hierarquizar os subcentros referenciados. 5.2 O Método 2: base em viagens e estatística espacial Conforme destacado anteriormente, o método 2 não foi utilizado diretamente nesta pesquisa, todavia, é relevante apresentá-lo, de maneira sucinta, uma vez que o mesmo é potencial para a continuidade das pesquisas aqui apresentadas, assim que os municípios estudados desenvolvam suas pesquisas origem e destino. A partir do teste de diversas variáveis que poderiam contribuir para a identificação de subcentros, Kneib (2008) desenvolveu uma abordagem teórico-conceitual que levou ao desenvolvimento deste método, corroborando a hipótese da geração de viagens como variável mais adequada para a identificação das centralidades. Para tal, definiu como subcentro “uma área com número de viagens geradas significantemente maior do que as áreas vizinhas". Para a mensuração desta significância, neste método, é utilizada a estatística espacial, por meio do Boxmap. Assim sendo, o Procedimento Metodológico 2, desenvolvido por Kneib com base na análise e estatística espacial, utilizando o BoxMap e a análise de superfícies, é composto por duas grandes fases (Figura 2). A primeira fase baseia-se na identificação das centralidades em nível macro, em escala de Zona de Tráfego, a partir da composição do banco de dados com a matriz OD e com a base vetorial das ZT, para a geração do Boxmap. Na segunda fase, as viagens das ZT são desagregadas em escala de Setor Censitário, com base nas taxas de geração de viagens de PGV. A partir desses dados

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Procedimentos Metodológicos

são geradas as superfícies, que possibilitam identificar, em escala micro, para cada ZT, as áreas com maior grau de centralidade. Tais etapas são descritas a seguir, na Figura 2.

Figura 2: Esquema ilustrativo das fases do Procedimento Metodológico 2 para identificação de

centralidades – escala macro e micro Sobre a utilização da análise espacial, cabe destacar que é o estudo quantitativo de fenômenos que são possíveis de serem localizados no espaço, e procura avaliar se o fenômeno estudado possui uma referência espacial ou geográfica. Em complemento, destaca-se que as observações dos dados, dentro do campo de análise espacial, podem ser classificadas em quatro grupos distintos em: padrões pontuais, análise de superfícies, análise de áreas e de redes, sendo as análises de superfícies e de áreas o foco deste do Procedimento Metodológico 2. Dentre os temas pertinentes à análise de áreas, cabe destacar que a análise exploratória de dados em áreas consiste em ferramentas estatísticas descritivas e gráficas, com a intenção de detectar padrões nos dados aplicáveis a objetos área e sugerir hipóteses por meio da imposição de um mínimo de estrutura possível. Uma etapa importante neste tipo de análise é identificar a estrutura de autocorrelação espacial que pode descrever, da melhor forma possível, os dados, a fim de estimar a magnitude dessa autocorrelação entre as áreas. As ferramentas usadas neste caso, normalmente, são os indicadores globais de autocorrelação espacial, os indicadores locais de autocorrelação espacial e as ferramentas de análise gráfica de dependência espacial, como o diagrama de espalhamento de Moran, que também pode ser visualizado por meio do Boxmap (Câmara et al., 2000). Neste trabalho, para a análise gráfica da dependência espacial é utilizado o Boxmap, que constitui uma forma de visualizar a dependência espacial. O Boxmap consiste em um mapa temático bidimensional, onde cada polígono indica seu quadrante no diagrama de espalhamento de Moran, sendo que os valores 1 e 3 representam, para este trabalho, áreas pico, indicando características de centralidade. Neste trabalho, o Boxmap é utilizado na primeira fase do Procedimento Metodológico 2, que consiste na contribuição metodológica objeto deste trabalho, para a identificação das áreas candidatas a subcentros, em escala de Zona de Tráfego. A título de exemplo da potencialidade da aplicação do Procedimento Metodológico 2, apresenta-se resumidamente sua aplicação no município de Manaus, com base no desenvolvido por Kneib (2008) e Kneib (2013). Na Fase 1, que consiste em identificar centralidades na escala macro (escala de zona de tráfego - ZT), gera-se o Boxmap, no qual os picos das variáveis que identificam centralidades, em escala de ZT, são representados pelos valores 1 (alto-alto) e 3 (alto-baixo), ou cores vermelho e azul (Figura 3).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Na Fase 2, que consiste em identificar centralidades na escala micro (escala de setor censitário), o resultado apresenta-se em superfícies, permitindo visualizar maiores e menores graus de centralidade (Figura 4) e identificar, no caso apresentado, 04 subcentros na Zonta 120.

Figura 3: Boxmap de densidade de viagens geradas por ZT — centralidades no nível macro

Figura 4: Centralidades identificadas para a zona de tráfego 120

1

2 3

4

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Procedimentos Metodológicos

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dada a importância da estrutura espacial urbana — conformada pelos nós ou subcentros, e links — para o contexto do planejamento de transportes e da mobilidade, este trabalho apresentou dois procedimentos metodológicos para identificação de subcentros. O primeiro tem por base a percepção de especialistas, que possibilita a localização espacial das áreas e identificação visual dos resultados. O método foi aplicado nas cidades de Palmas, Brasília e Salvador e possibilitou também a identificação de suas centralidades, fomentando diversas pesquisas e análises sobre o tema, que constituem o foco desta pesquisa e serão doravante apresentados. Tais aplicações e análises derivadas corroboram sua aplicabilidade e importância para análises afetas a este tema. O segundo não foi utilizado diretamente nesta pesquisa, todavia, é relevante apresentá-lo, uma vez que o mesmo é potencial para a continuidade das pesquisas aqui apresentadas, assim que os municípios estudados desenvolvam suas pesquisas origem e destino. Ambos os métodos – o que utiliza especialistas e o que utiliza estatística espacial — podem ser utilizados de forma conjunta, o que permite a complementação e comparação de informações entre ambos, ou separadamente, a partir da disponibilidade de dados da cidade que será analisada. No artigo seguinte, complementar a este, apresenta-se a aplicação do método dos especialistas nas cidades de Palmas, Brasília e Salvador, o que possibilitou atingir os objetivos geral e específicos da presente pesquisa, contribuindo para identificar e investigar os elementos que conformam a estrutura espacial das cidades brasileiras – os centros e subcentros urbanos - e sua relação com a mobilidade urbana nas cidades estudadas. AGRADECIMENTOS A autora agradece aos pesquisadores que participaram do presente projeto: Giovanna Megumi Ishida Tedesco, Paulo Cesar Marques da Silva, Ana Paula Borba, Mariana de Paiva, Lucimara Albieri de Oliveira, Suheid Cruz, Ana Paula Borges Pereira, Denise Vaz de Carvalho Santos, Juan Pedro Moreno Delgado, Ilce Marília Dantas Pinto de Freitas , José Lázaro de Carvalho Santos e Silvia Camargo F. Miranda. A autora e os pesquisadores participantes agradecem ao CNPq o financiamento a esta pesquisa, a partir do Edital MCT/CNPq 018/2009 - Pesquisa, Desenvolvimento e Inovac ão em Transportes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Câmara, G.; M. S. Carvalho; O. G. Cruz e V. Correa (2000) Análise Espacial de Dados Geográficos. Instituto Nacional

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IDENTIFICAÇÃO DE SUBCENTROS URBANOS PARA PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES E MOBILIDADE: APLICAÇÕES EM BRASÍLIA, PALMAS E SALVADOR

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Erika Cristine Kneib

Universidade Federal de Goiás RESUMO A partir da necessidade de investigação da estrutura espacial urbana e sua relação com o transporte e a mobilidade, surgiu a pesquisa denominada Identificação de centralidades brasileiras para planejamento da mobilidade urbana sustentável, cujos principais resultados, financiados pelo CNPq, constituem o produto deste trabalho que envolveu quatro equipes nacionais. O trabalho empenha-se em realizar uma análise dos elementos peremptórios dessa estrutura espacial urbana, a partir da aplicação de um método, desenvolvido com base em especialistas, nos estudos de caso de Brasília, Palmas e Salvador. Por fim apresentam-se alguns aspectos qualitativos e descritivos experimentados na pesquisa, assim como se sugerem temas para sua continuidade. ABSTRACT From the need to study urban spatial structure and its relation with transport and mobility, the research called Identification of Brazilian centralities for planning sustainable urban mobility was developed, whose main results, funded by CNPq, generate this work product with four national teams. The work intended to carry out an analysis of the main elements of this urban spatial structure, from the application of one methodology, based on experts, studying the cases of Brasilia, Palmas and Salvador. In the end, some qualitative and descriptive aspects experienced in this research are presented, as are some suggested topics for its continuity.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO É notória a importância das centralidades na estruturação e qualificação do território. Políticas integradas que procuram estruturar o território adequadamente contribuem para reforçar a atratividade e competitividade das cidades. Estas também contribuem para consolidar atividades diferenciadas e qualificadas mais próximas da população, em espaços que acabam por se configurarem como referências urbanas. Em abordagens contemporâneas, a conformação de redes de centralidades é vista como uma forma adequada de reorganização do espaço urbano, capaz de contribuir sobremaneira para regenerar espaços degradados, mas com potencial de recuperar suas características de centralidade. Este conceito também pode ser aplicado para estruturar ou potencializar espaços com o fim de que se tornem novos subcentros, ou para requalificar áreas centrais tradicionais de cidades, fornecendo condições de atração de novas atividades e, por consequência, novas pessoas. A etapa basilar para qualquer projeto ou plano que envolva centralidades é, sem dúvida, sua identificação. A partir da necessidade de identificação da estrutura espacial urbana, foi apresentada no artigo anterior a pesquisa denominada Identificação de centralidades brasileiras para planejamento da mobilidade urbana sustentável, cujos principais resultados financiados pelo CNPq constituem o produto também deste segundo artigo (Kneib, 2013). Os principais resultados desta pesquisa são apresentados neste material e divididos em duas partes: primeiro artigo, denominado Identificação de subcentros urbanos para planejamento de transporte e mobilidade: Procedimentos Metodológicos, traz a descrição de duas metodologias potenciais para a identificação de centralidades, sendo um dos procedimentos aplicado e aprimorado na presente pesquisa e já apresentado anteriormente; este segundo artigo, denominado Identificação de subcentros urbanos para planejamento de transporte e mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador, traz os estudos de casos desenvolvidos na presente pesquisa. Nesta parte introdutória, cabe destacar ainda a importância da identificação dos subcentros e do processo de planejamento, de forma a tornar a policentralidade positiva para o espaço e possibilitar a adoção de políticas específicas segundo a vocação ou potencialidade do subcentro, com relação à mobilidade das pessoas. Ou seja, os exemplos de identificação de centralidades aqui apresentados podem ser utilizados tanto em estudos pontuais comparativos e analíticos entre sistemas de transporte e mobilidade com as centralidades, quanto no desenvolvimento de produtos de planejamento, como Planos Diretores Municipais ou Planos Diretores de Mobilidade Urbana. Isto serviria para corroborar a importância de pesquisas com esta temática e também a importância do financiamento por órgãos de fomento, visando sua viabilização e a produção de resultados relevantes para as cidades. 2. ESTUDOS DE CASO: APLICAÇÕES EM BRASÍLIA, PALMAS E SALVADOR Este item apresenta a aplicação do Método 1 – Especialistas, descrito no artigo anterior, nos casos de Brasília, Palmas e Salvador, exemplificando-se de forma sucinta os resultados principais e potenciais a partir da aplicação do citado método. Cabe destacar que os itens seguintes apresentam apenas a aplicação do Método 1 e a identificação dos subcentros. A etapa de investigação da mobilidade urbana, a partir da identificação de centralidades, foi desenvolvida por cada uma das equipes. Isto gerou produtos muito valiosos que foram apresentados em diversas publicações decorrentes da presente pesquisa. Todavia tais produtos não serão apresentados neste trabalho.

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador

2.1. A Capital Federal Em uma breve introdução sobre Brasília cabe destacar que, em sua concepção, Lúcio Costa a imaginou não apenas como urbs, mas também como civitas, e, portanto, possuidora dos atributos inerentes a uma capital, com características de monumentalidade e planejada para o trabalho ordenado e eficiente. Dos 23 princípios que conferiram ao projeto o status de vencedor do concurso, foi dado um grande destaque à articulação e integração dos diversos setores a partir do ordenamento da circulação. Segundo Lúcio Costa, seu projeto tomou como base duas técnicas: a rodoviária, enfocando a função circulatória tronco; e a paisagística, de parques e jardins. Destarte, Brasília tem sido objeto de variados estudos acadêmicos, principalmente em razão da solução urbanística adotada em seu Plano Piloto, um exemplo do pensamento modernista para os espaços urbanos. Uma característica marcante de sua paisagem é a forte setorização das atividades, sendo a Zona Central e as Superquadras uma robusta ilustração dos princípios assumidos pelo projeto. Outra característica é o princípio rodoviarista adotado, caracterizado por grandes eixos de circulação que atravessam a capital no sentido norte-sul (Avenidas L2, Eixo Rodoviário e W3) e leste-oeste (Eixo Monumental). Entretanto, há alguns questionamentos que podem ser feitos quanto à sua condição atual, tais como: qual é a sua estrutura espacial urbana nos dias de hoje; se sua rede de centro e subcentros é clara; e se existe uma hierarquia diferenciada com relação às centralidades. Para responder a tais questionamentos, procedeu-se à aplicação do Procedimento Metodológico 1, cujos resultados trazem dois produtos principais: a hierarquização das variáveis relevantes para a caracterização das centralidades, no caso de Brasília; e um mapa com a localização de seus subcentros, seguidos do seu grau de relevância. Os dados, mapas e resultados apresentados a seguir têm como fonte as publicações de Tedesco et al. (2012) e Tedesco et al. (2014). Estes são trabalhos que trazem maiores detalhes sobre a aplicação do procedimento e os resultados alcançados. 2.1.1. Fase 1: Seleção de especialistas Na primeira etapa houve a participação de dez especialistas com formação e conhecimento nas áreas de planejamento urbano e de transportes. Cada especialista foi entrevistado individualmente, a fim de evitar que o posicionamento de um participante interferisse nos resultados dos demais. 2.1.2. Fase 2: Conceito e hierarquização de características A aplicação da segunda fase teve como objetivos hierarquizar as características de subcentros urbanos para o planejamento de transportes e uniformizar entre os especialistas conceitos, definições e características desses subcentros. Para a análise hierárquica, foram utilizadas as mesmas características das áreas centrais identificadas por Kneib (2008). Essas características foram clusterizadas e inseridas no software Expert Choice, a partir do qual os especialistas compararam critérios, par a par. Os especialistas também preencheram, individualmente, os resultados de seus julgamentos, com a possibilidade de consultar a descrição dos itens de cada nível. A consistência das análises realizadas pelos especialistas foi considerada satisfatória, apresentando valores agregados inferiores a 0,1, de acordo com os cálculos paramétricos do software Expert Choice. A Figura 1 mostra um gráfico com valores normalizados, o que permite comparar a importância dos critérios geração de viagens, usos do solo e acessibilidade para a caracterização de uma centralidade em Brasília de acordo com os especialistas.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 1: Valores normalizados para o objetivo

Conforme a Figura 1, observa-se que o critério geração de viagens foi o que recebeu maior pontuação na hierarquia dos especialistas no caso de Brasília. Isto corrobora o conceito desenvolvido por Kneib (2008), segundo o qual este critério consegue refletir as demais características inerentes às áreas centrais . Tal fato é de extrema relevância para o planejamento de transportes devido à sua possibilidade de mensuração e à disponibilidade desse dado nas Pesquisas Origem-destino. A Figura 2 apresenta o gráfico de barras com valores normalizados, resultado do Expert Choice para o item geração de viagens.

Figura 2: Valores normalizados para o item geração de viagens

Conforme se pode observar na Figura 2, com relação ao item geração de viagens, a densidade populacional foi o critério considerado como mais importante pelos especialistas para a caracterização de uma centralidade em Brasília, seguido pelos critérios usos, acessibilidade e características socioeconômicas. A Figura 3 apresenta o gráfico de barras com valores normalizados, resultado do Expert Choice para o item usos do solo.

Figura 3: Valores normalizados para o item Usos do Solo

Conforme se pode observar na Figura 3, com relação ao item usos do solo, o uso público/institucional foi considerado como o mais relevante para a caracterização de uma centralidade em Brasília, seguido do uso comércio e serviço. Tais características são corroboradas pelo mapa da Figura 5, que identifica a região da Esplanada dos Ministérios (uso público/institucional) e a região do Setor Comercial Sul e Pátio Brasil (uso comércio/serviços) como grandes centralidades em Brasília. Essa informação sobre os usos do solo mais relevantes para caracterizar e/ou consolidar um subcentro, pode ter inúmeras outras aplicações. Ela pode servir para auxiliar no direcionamento de políticas públicas de usos do solo. Ela pode orientar a formação de novos subcentros em áreas que

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador

possuem infraestrutura ociosa ou que receberão projetos de infraestrutura, notadamente a de transportes. Ela também pode servir para consolidar centralidades desejadas que, no mesmo caso descrito acima podem ser absorvidas pela infraestrutura existente ou a implantar. E ela ainda pode orientar sobre a adoção de políticas que desejem frear o crescimento de determinadas centralidades, principalmente em áreas onde o sistema de transportes já se encontra saturado. A Figura 4 apresenta o gráfico de barras com valores normalizados, resultado do Expert Choice para o item acessibilidade.

Figura 4: Valores normalizados para o item acessibilidade

Conforme Figura 4, para garantir acessibilidade aos Subcentros, os especialistas consideraram a acessibilidade do usuário de transporte coletivo a mais relevante, sendo que a variável frequência das linhas foi a que recebeu maior pontuação nas avaliações. Tal análise indica que, para favorecer a acessibilidade aos Subcentros, os especialistas julgam mais adequado favorecer os usuários de transporte coletivo, melhorando a frequência das linhas e as condições de circulação viária dos ônibus e criando corredores preferenciais e exclusivos para estes. Isto garantiria a prioridade do transporte coletivo e colaboraria para a melhoria da velocidade operacional dos veículos. Entretanto, este quadro reflete o contrário do que é tradicionalmente adotado em Brasília, onde ocorre a implantação crescente de infraestrutura para favorecer o modo motorizado individual, com a abertura de novas vias e a criação de novas áreas de estacionamento. 2.1.3. Fases 3 a 7: Da identificação espacial das centralidades ao mapa final A terceira e quarta fase contemplaram a identificação espacial dos subcentros e a mensuração de seu grau de importância. Assim, para identificar os subcentros urbanos, utilizou-se o método Delphi adaptado à análise espacial. Para tal, seguiu-se o procedimento apresentado. A aplicação do método foi estruturada em duas rodadas. Como produto, a primeira rodada de entrevistas gerou a marcação geográfica dos subcentros e o cálculo do grau de importância atribuído a eles. Após a identificação dos subcentros, foi confeccionado um mapa que representa os subcentros identificados e seu grau de importância, obtidos por meio de tratamentos estatísticos. Na segunda rodada, cada participante reavaliou os resultados obtidos pelo grupo. No geral, os especialistas não fizeram alterações significativas na dimensão ou no grau de importância dos subcentros (Figura 5).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 5: Subcentros identificados no Plano Piloto de Brasília.

Fonte: Tedesco et al (2014) Os resultados mostraram que houve consenso entre os especialistas quanto à quantidade e localização dos subcentros em Brasília, validando a aplicação do método e seus resultados. Essa aplicação possibilitou identificar espacialmente os subcentros em Brasília, resultantes do consenso mencionado acima, utilizando para isso a associação de três ferramentas – o MAH, o método Delphi, e o método da Escala de Pontos, como previsto no Procedimento Metodológico 1. Dos 25 principais subcentros identificados em Brasília, 13 apresentam uso comércio/serviço; 11 apresentam uso público/institucional e apenas 1 apresenta uso residencial, confirmando os resultados apresentados na Figura 3. Nesta, os usos público/institucional e comércio/serviço foram identificados como os dois principais tipos de usos do solo que determinam subcentros urbanos. A hierarquização de critérios relevantes para a configuração de subcentros urbanos permitiu uma avaliação quanto aos resultados obtidos por meio da validação dos critérios em função das áreas mapeadas resultantes. Com isso foi possível definir, para o caso de Brasília, quais critérios serão determinantes para a conformação de futuros subcentros resultantes do crescimento natural do espaço urbano, permitindo uma análise em paralelo sobre a estrutura espacial urbana atual e suas implicações para o sistema de transportes. Os resultados obtidos poderão auxiliar os tomadores de decisão a estabelecer diretrizes relacionadas ao ordenamento territorial e ao planejamento dos sistemas de transportes na Capital Federal. Isto ocorre porque as centralidades impactam e são impactadas pelos sistemas de transporte e podem, ainda, constituir importantes nós para a rede de transportes. Destaca-se que a metodologia aplicada à Capital Federal corrobora o critério geração de viagens como o mais importante para caracterizar as centralidades. Isso se mostra extremamente relevante

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador

para o planejamento dos transportes no Brasil, uma vez que as viagens geradas podem ser mensuradas com base em matrizes Origem-Destino em escala espacial de Zona de Tráfego. 2.2. Palmas, Tocantins Palmas foi criada para ser a capital do Estado do Tocantins e desenhada com traçado viário ortogonal hierarquizado, o que facilitaria o fluxo de veículos através das suas amplas avenidas. Havia, no princípio de sua criação, a ideia de uma cidade ecológica baseada na integração entre o meio natural e o urbano com grandes áreas verdes que amenizariam o clima quente da região. O sistema viário principal, formado por largas avenidas, definiria unidades de vizinhança (chamadas de quadras) de 700x700 metros que abrigariam em seu interior um sistema de vias locais e quadras internas menores. Todavia, apesar de ter sido planejada, com pouco mais de 20 anos já apresenta diversos problemas que afetam a mobilidade urbana, como a ocupação desordenada e a deficiência das infraestruturas. A identificação de centralidades em Palmas, a partir da aplicação do método dos especialistas, foi de grande auxílio às pesquisas de ordenamento do território e de mobilidade na cidade. Os subcentros identificados proporcionaram a sobreposição de outras informações, como o trajeto do transporte coletivo, das ciclovias (implantadas e em estudo), da ocupação urbana, do uso do solo, da densidade demográfica, dos equipamentos coletivos, da distribuição de renda e da aplicação de ZEIS e IPTU progressivo (vale ressaltar que não há pesquisa s Origem-Destino na cidade). Com isso, foi possível traçar um cenário da dinâmica urbana, vinculando a distribuição espacial das pessoas e atividades aos interesses de deslocamentos. Para tal considerou-se que um subcentros, similar a um centro , é uma área que concentra valores e significados (Lefebvre, 2004) e possui um dinamismo diferenciado no qual se encontram locais de comércio e trabalho mais significativos. A partir do entendimento entre as vocações e correlações dos subcentros e a dinâmica entre residência, trabalho e equipamentos coletivos, analisou-se as (in)coerências entre o planejamento urbano, as infraestruturas e as condições para que esses deslocamentos ou aproximações aconteçam. Os dados, mapas e resultados apresentados a seguir têm como fonte a publicação de Albieri de Oliveira et al. (2012) e Albieri de Oliveira et al. (2014). Esses trabalhos trazem maiores detalhes sobre a aplicação do procedimento e os resultados alcançados em Palmas. Os critérios de escolha dos especialistas foram tempo de moradia em Palmas, capacidade de leitura de mapas e formação acadêmica e/ou profissional relacionados com o entendimento urbano da cidade. Os especialistas participaram de duas rodadas de identificação espacial dos subcentros em mapas e de atribuição de graus comparativos de importância, após ser feito um nivelamento de conceitos de subcentros sob a ótica da geração de viagens, dos usos do solo e da acessibilidade, conforme estabelece o método.

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Figura 6: Subcentros de Palmas, segundo especialistas

Fonte: Albieri de Oliveira et al (2012) Em Palmas, a aplicação do Método 1 mostrou-se uma ferramenta de simples emprego, que pode favorecer diversas equipes técnicas, por exemplo de prefeituras, levando-se em consideração que a maioria das cidades brasileiras são de pequeno e médio portes e geralmente encontram dificuldade em colher dados e fazer análises para o planejamento urbano e de transporte. Esta aplicação favorece também os pesquisadores dessas cidades que geralmente não encontram dados concretos ou estatísticos sobre as preferências de deslocamentos (por exemplo, pesquisas Origem-Destino), como no caso demonstrado, dando um suporte relevante às análises da dinâmica urbana. 2.3. Centralidades em Salvador, Bahia A Região Metropolitana de Salvador (RMS) tem aproximadamente 3,5 milhões de habitantes (IBGE, 2012), distribuídos em 13 municípios. Neste contexto, Salvador polariza fluxos de bens e serviços e se constitui no principal local para onde convergem os fluxos de viagens metropolitanas (Salvador, 2012). Os mapas e resultados apresentados a seguir têm como fonte a publicação de Freitas et al (2013) e Freitas et al (2014). Estes trabalhos trazem maiores detalhes sobre a aplicação do procedimento e os resultados alcançados em Salvador. A principal justificativa da importancia deste trabalho consiste no fato de que, na época de aplicação do método dos especialistas, a base de dados que subsidiava o planejamento de transporte de Salvador era a Pesquisa Domiciliar de Origem-Destino (O/D), realizada em 1995. Ou seja, quase duas décadas de ausência de dados de fluxos demonstram a grande lacuna existente no planejamento do sistema de transportes da cidade no período. Diante da urge ncia em alinhar novas centralidades e formac ões urbanas às tende ncias mundiais e às prática s adotadas em países desenvolvidos , com uma adequada integrac ão dos meios de transporte, a equipe de pesquisa de Salvador utilizou o método dos especialistas, o que potencializou análises correlatas com resultados relevantes para o planejamento da cidade. Para efeito de planejamento do território e organização do sistema integrado das linhas do sistema de transporte coletivo por ônibus, a cidade de Salvador foi dividida em quatro grandes áreas — Subúrbio, Miolo, Orla e Centro — e, com a definição das características de cada área, pretende-se auxiliar o entendimento dos resultados aqui apresentados na Figura 7. A descrição abaixo tem como base Transalvador (2010) e foi utilizada pela equipe de Salvador na análise das centralidades.

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador

• Subúrbio — Compõe um dos maiores territórios de pobreza da cidade ; teve sua ocupac ão iniciada pela construc ão da linha férrea , atribuindo a seus moradores uma segregação espacial relacionada à condição socioeconômica.

• Miolo — Situa-se na parte central do município ; comec ou a ser ocupado pela implantac ão de conjuntos residenciais para a classe de renda média e baixa , se desenvolvendo para o surgimento de sucessivas ocupações irregulares coletivas.

• Orla — Constitui a “área nobre ” da cidade, local de moradia, servic os e lazer ; concentra a alta renda, os investimentos públicos , os equipamentos urbanos e os interesses de produc ão imobiliária.

• Centro — Composto em geral por bairros bem atendidos em serviços e equipamentos urbanos; mesmo com a maioria dos moradores pertencendo às classes de renda baixa e média, se difere das áreas do “subúrbio” e do “miolo”, que são consideradas como territórios de pobreza e violência; presença de vários polos geradores como centro da cidade, comércio, estações, centro histórico, hospitais, faculdades, escolas, praias, repartições públicas e pontos turísticos; possui a maior densidade demográfica e de atividades econômicas.

Figura 7: Centralidades em Salvador

Fonte: Modificado de Freitas et al (2014) Os resultados encontrados de identificação e hierarquização dos centros e subcentros a partir da percepção dos especialistas confirmam a existência de dois centros: o Centro Tradicional e o Centro do Iguatemi. Todavia, a hierarquização dos subcentros foi repensada e discutida repetidas vezes nos encontros individuais com cada especialista, alterando alguns dos resultados encontrados anteriormente. Verificou-se que, com o recurso visual do mapa, foi possível comparar de maneira mais apropriada a importância de cada subcentros na dinâmica cotidiana da cidade de Salvador, aumentando ainda mais a confiabilidade nos resultados encontrados (Figura 7). Com relação às principais centralidades identificadas, cabe destacar que ambas são importantes atratoras de viagens urbanas e fornecedoras de emprego na cidade, seja devido à concentração de polos geradores de viagens nas suas áreas de influência imediata, seja pelas condições de acessibilidade construídas historicamente (Freitas et al, 2014).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

A partir da investigação da estrutura espacial identificada pelo método dos especialistas e sua relação com a mobilidade em Salvador, os pesquisadores concluem que os padrões de concentração da densidade e funcionais estão na base de toda a problemática da mobilidade em Salvador e da sua região metropolitana. Estes fatores configuram um relacionamento problemático, estabelecido entre a estrutura espacial da cidade e os padrões de mobilidade oriundos desta estrutura de usos do solo. Portanto, em escala metropolitana, a proximidade das duas centralidades (Centro Tradicional e Centro do Camaragibe/Iguatemi) só reforçou no tempo e no espaço os padrões de concentração de atividades e, por conseguinte, de viagens urbanas, consolidando uma proposta de cidade insustentável, apesar dos esforços realizados em termos de planejamento urbano em diferentes épocas (Freitas et al, 2014). 3. OUTRAS POSSIBILIDADES DE VARIÁVEIS PARA A

INVESTIGAÇÃO DE CENTRALIDADES O trabalho de Kneib (2008) analisa e sistematiza diversos métodos existentes para a identificação de centralidades, agrupando-os em quatro categorias: i) Metodologias baseadas em valores de corte; ii) Metodologias baseadas em fluxos; iii) Metodologias baseadas em métodos estatísticos econométricos (resíduos positivos); iv) Metodologias baseadas em estatística espacial. Assim, o trabalho de Kneib permite verificar que são diversos os métodos existentes e as variáveis possíveis para serem utilizados para a identificação de subcentros. No Brasil, devido às especificidades das cidades e dos dados utilizados para planejamento, é necessário avaliar a disponibilidade e o comportamento das variáveis capazes de contribuir com a identificação das centralidades. Assim sendo, neste item apresenta-se o resumo de uma análise, com base em Kneib (2008), que procura explorar o potencial e testar diversas variáveis, com o objetivo de avaliar seu comportamento e identificar quais se aproximam mais dos resultados do Procedimento Metodológico 1. Cabe destacar ainda que, no quesito centralidades, devem-se analisar cuidadosamente as variáveis disponíveis e a confiabilidade do banco de dados. No caso de diversos dados disponíveis, a análise aqui apresentada é importante para testar e apresentar os dados que este estudo considera os mais adequados para serem utilizados nos processos de identificação de centralidades. Isso pode vir a contribuir para a análise de centralidades em outros municípios, gerando uma informação valiosa sobre quais dados e informações são possíveis e os mais adequados à identificação dos subcentros, segundo o exemplo estudado. O método desenvolvido por Kneib corrobora a variável geração de viagens como a que melhor consegue refletir as características das centralidades, conforme apresentado no artigo anterior. Todavia, para municípios que não possuem pesquisas Origem-Destino, mas possuem outros dados quantitativos, resta a dúvida de quais seriam os dados mais adequados ao estudo de centralidades. Para responder tal questão, quais variáveis melhor representariam as centralidades, foram elaborados Boxmaps para identificação de picos de determinadas variáveis, que identificam centralidades nas áreas, em escala de zona de tráfego — ZT. Essa ferramenta faz parte da estatística espacial, descrita como o conjunto amplo de técnicas que incluem métodos estatísticos e que procuram descrever a variação espacial do fenômeno em estudo, a partir de amostras disponíveis, ferramenta esta já apresentada no item 5.2 do artigo anterior. Para testar as variáveis, visando detectar as que melhor representam as centralidades em escala macro no caso em estudo, além da geração de viagens, foi elaborado um banco de dados, com informações específicas para cada análise, com posterior geração do Boxmap de cada variável. Ressalta-se ainda que tais variáveis são provenientes do referencial teórico e dos trabalhos sobre

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Identificação de Subcentros Urbanos para Planejamento de Transportes e Mobilidade: Aplicações em Brasília, Palmas e Salvador

subcentros analisados e adotam como base o estudo de caso para o município de Manaus, desenvolvido por Kneib (2008). Variáveis analisadas a partir da geração do Boxmap: i) Geração de viagens, com base em dados de pesquisa Origem-Destino, calculando-se a

densidade de viagens geradas por Zona de Tráfego; ii) Acessibilidade, que foi calculada com base no índice de Allen, que traduz a acessibilidade

através das relações de distância entre dois pontos, aqui representados pelos centróides das zonas de tráfego. Destaca-se que existem diversas maneiras de conceituar e calcular a acessibilidade, merecendo tal variável estudos aprofundados dependendo de cada caso;

iii) Oferta de Transporte Coletivo, com base em dados de frequência de cada linha, a partir do qual se calculou a densidade de oferta de transporte público coletivo para cada zona de tráfego;

iv) Uso do solo geral, para o qual foram utilizados os dados de atração de viagens por motivo a partir da Matriz Origem-destino (OD). Os motivos de viagem seguiram os adotados pela citada matriz OD: estudo, trabalho, compras, escala/transporte, residência, lazer, saúde, entre outros;

v) Densidade de atração de viagens motivo trabalho, para a qual foram utilizados os dados de atração de viagens por motivo trabalho a partir da Matriz Origem-destino (OD), utilizados como uma analogia ao número de empregos existentes na ZT, dado este muito utilizado nas metodologias internacionais de identificação de centralidades;

vi) Densidade de atração de fluxos pendulares, os dados sobre atração de viagens motivo trabalho e estudo, calculados no item iv – uso do solo geral, são utilizados para identificar áreas com significativa atração de fluxos pendulares;

vii) Densidade populacional, neste estudo foram utilizados dados de população das ZT, provenientes da pesquisa OD. Todavia, esta variável está disponível para a maior parte das cidades brasileiras, nos estudos do Censo fornecidos pelo IBGE, em escala de Setor Censitário.

A partir da geração dos Boxmap de cada uma dessas variáveis e a correção de um fator de homogeneidade de zonas de tráfego (Kneib, 2008; Kneib e Silva, 2008), foi feita uma comparação com os resultados do Procedimento Metodológico 1, com base em especialistas, identificando-se zonas convergentes e divergentes. A Figura 8 apresenta o número de zonas de tráfego consideradas centralidades, convergentes e divergentes, para cada variável. Este gráfico traz novamente uma informação importante sobre quais variáveis mais se aproximaram dos resultados do Procedimento Metodológico 1, como no caso de Manaus, complementando informações para comparação e verificação da potencialidade do emprego de tais variáveis para a identificação dos subcentros em outros municípios.

Figura 8: Número de zonas de tráfego consideradas centralidades, convergentes e

divergentes, para cada variável

10

6

1211 11

1415

14

5

11

15

1211

15

0

2

4

6

8

10

12

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16

Dens. Pop. Trabalho Pendular Acessibilidade Oferta TC Ger. viagens Uso do solo

ZTs Convergentes ZTs Divergentes

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

A Tabela 1 apresenta um cálculo do percentual de convergência e divergência das variáveis, com relação aos resultados dos especialistas. Dessa forma, busca-se a variável com o maior percentual convergente e com o menor número de ZT divergentes.

Tabela 1: ZTs convergentes e divergentes aos resultados do Procedimento Metodológico 1

De acordo com a Tabela 1 é possível observar que a variável geração de viagens obteve o maior percentual convergente e o menor número de Zts divergentes, chegando a 93 % de convergência com relação aos resultados do Procedimento Metodológico 1. Dentre as demais variáveis cabe ressaltar que o uso do solo apresentou um percentual convergente total. Todavia, o número de ZTs divergentes é bem superior ao da variável geração de viagens e a variável pendular apresentou o mesmo número de zonas divergentes, embora com apenas 80 % de convergência. Por fim, pode-se ainda destacar que o teste de diversas variáveis comumente utilizadas para a identificação de subcentros, aqui apresentado, pode contribuir para o desenvolvimento de análises de centralidades em cidades que não possuem dados de geração de viagens, mas que possuem dados relacionados a uso do solo, transporte coletivo, acessibilidade, população, entre outros, revelando a aproximação destas com o resultado de outros métodos. Como limitações desta análise, ressalta-se a grande influência da homogeneidade de ocupação das zonas de tráfego, sendo que a divisão da área de estudo em zonas não homogêneas, que ferem os princípios básicos da divisão dessas zonas, mostraram-se extremamente prejudiciais para os resultados e seus comparativos, como abordado por Kneib e Silva (2008). 4. A IMPORTÂNCIA DO FOMENTO À PESQUISA, PRINCIPAIS

RESULTADOS ALCANÇADOS E POTENCIAIS ESTUDOS Após apresentados os estudos de Brasília, Palmas e Salvador, assim como variáveis potenciais para a identificação de centralidades, este item procura trazer alguns aspectos qualitativos e descritivos, relacionados à experiência da pesquisa denominada Identificação de centralidades brasileiras para planejamento da mobilidade urbana sustentável, de modo a contribuir com pesquisadores que queiram desenvolver projetos na temática, pleitear recursos ou coordenar equipes em rede. Inicialmente, destaca-se que com muita satisfação podem ser considerados atingidos os objetivos geral e específicos desta pesquisa nas três cidades pesquisadas. Este trabalho é produto de um grande esforço conjunto entre os pesquisadores dos núcleos de Brasília, Salvador e Palmas, assim como da coordenação na UFG. O objetivo geral do presente estudo – pesquisar, de forma científica, os elementos que constituem a estrutura espacial das cidades brasileiras, os centros e subcentros urbanos e sua relação com a mobilidade urbana sustentável – foi atingido e está refletido nas publicações desenvolvidas ao longo dos três anos de projeto. Da mesma maneira, tem-se que os objetivos específicos foram atingidos a partir das especificidades e disponibilidade de dados em cada cidade pesquisada. Apesar do alcance dos objetivos geral e específicos, uma limitação do trabalho foi a impossibilidade de aplicação do Procedimento Metodológico para Identificação de Centralidades 2, que se baseia em dados de Origem-Destino e estatística espacial, por falta de tais bases de dados atualizadas nos

Dens. Pop. Trabalho Pendular Acessibilidade Oferta TC Ger. viagens Uso do soloConvergente 10 6 12 11 11 14 15Divergente 14 5 11 14 11 11 15

% convergente 67 40 80 73 73 93 100

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municípios pesquisados, ou pela existência de bases de dados incompatíveis com esta pesquisa. Porém, buscou-se incorporar a Sintaxe Espacial como forma de enriquecer as análises das centralidades, apresentadas em publicações como Barros et al (2014). O presente projeto de pesquisa mostrou-se um grande aprendizado para a coordenadora, uma vez que coube a esta coordenar um projeto de pesquisa com uma temática pouco trabalhada no Brasil, constituindo um desafio muito grande para a mesma, tanto no que tange à capacitação, troca de conhecimento e experiência com os pesquisadores, como também com relação aos procedimentos administrativos, demandados junto ao CNPq, que um projeto deste porte requer. Outro amplo desafio consistiu em coordenar outros três núcleos de pesquisa localizados em outras universidades. O grande ponto positivo é conseguir compartilhar conhecimentos e experiências entre esses quatro núcleos, trabalhando-se no formato de rede de pesquisa. As equipes possuem pesquisadores com formações distintas e infraestruturas em suas sedes também bastante distintas, o que contribui para consolidar a expertise nas sedes já consolidadas. Além disso, e não menos importante, contribui também para estimular e fomentar pesquisas em sedes menos favorecidas, que não possuem sequer vinculação a programas de pós-graduação, como é o caso da UFT e UFG (cujo programa de pós-graduação iniciou-se apenas em 2013). Assim, nesse âmbito, o projeto toma dimensões ainda maiores ao criar uma oportunidade, melhorar a infraestrutura (equipamentos para pesquisa) e fomentar um processo de intercâmbio e trabalho em rede que possivelmente não existiria nestas universidades, caso não fosse por esta pesquisa financiada pelo CNPq. O projeto proporcionou a participação dos pesquisadores em congressos nacionais e internacionais, nos quais foram realizadas apresentações públicas do projeto ou de seus resultados parciais. Isto despertou um grande interesse de pesquisadores externos, que manifestaram interesse em iniciar ou fomentar projetos nessa temática, corroborando a sua importância. Ressalta-se ainda a premiação de um artigo fruto da presente pesquisa. O projeto proporcionou também reuniões presenciais e periódicas das equipes de pesquisa, realizadas preferencialmente em congressos da temática, o que favoreceu a troca de conhecimentos e fortaleceu o trabalho em rede. A presente pesquisa foi muito bem recebida em eventos técnicos e científicos tanto de transportes quanto de planejamento urbano, ratificando a importância de sua abordagem para ambas as áreas. Assim sendo, como sugestões para trabalhos futuros, destaca-se a aplicação dos métodos de identificação de centralidades em outras cidades, nacionais e internacionais, desenvolvendo, a partir de tais investigações, sugestões para políticas de mobilidade urbana que preconizem a priorização de viagens não motorizadas intrassubcentros e viagens motorizadas - com foco no transporte público coletivo - para conectar as centralidades, o que possibilitaria aprimorar os métodos e fortalecer redes de pesquisa que investigam a presente temática. AGRADECIMENTOS A autora agradece aos pesquisadores que participaram do presente projeto: Giovanna Megumi Ishida Tedesco, Paulo Cesar Marques da Silva , Ana Paula Borba , Mariana de Paiva , Lucimara Albieri de Oliveira , Suheid Cruz , Ana Paula Borges Pereira, Denise Vaz de Carvalho Santos , Juan Pedro Moreno Delgado , Ilce Marília Dantas Pinto de Freitas , José Lázaro de Carvalho Santos e Silvia Camargo F. Miranda. A autora e os pesquisadores participantes agradecem ao CNPq o financiamento a esta pesquisa, a partir do Edital MCT/CNPq 018/2009 - Pesquisa, Desenvolvimento e Inovac ão em Transportes.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

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Dados da autora: Erika Cristine Kneib, Universidade Federal de Goiás. [email protected].

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ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DAS CARACTERÍSTICAS DA ESTRUTURA URBANA NO ESTÍMULO À REALIZAÇÃO DE VIAGENS A PÉ 20

Ana Margarita Larranaga

Helena Beatriz Betella Cybis Laboratório de Sistemas de Transportes – Lastran

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Orlando Strambi

Departamento de Engenharia de Transportes Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

RESUMO Estudos realizados em cidades de países desenvolvidos revelam que mudanças nas características da estrutura urbana podem ter impacto significativo sobre o padrão de viagens. Este artigo visa: (i) testar por intermédio de diferentes técnicas se as relações reportadas na literatura entre a estrutura urbana e o comportamento de viagem são mantidas numa cidade como Porto Alegre; (ii) analisar se a magnitude do impacto das características urbanas se mantém; e (iii) comparar o impacto dessas características computadas com as diferentes técnicas. As formas de análise utilizadas foram: técnicas qualitativas, modelos híbridos de escolha discreta – logit ordenados e logit mistos; processo analítico hierárquico (AHP). Os resultados mostram que, em Porto Alegre, a estrutura urbana influencia a decisão de realizar viagens a pé. No entanto, foram observadas algumas diferenças com relação à importância atribuída a cada variável, decorrentes da aplicação das diferentes técnicas. Algumas características, como Densidade Populacional e Conectividade (Densidade de interseções de 4 aproximações), foram percebidas como menos importantes pelos indivíduos (técnicas qualitativas e AHP), o que foi possível determinar a partir do comportamento observado (modelos de escolha discreta). ABSTRACT Studies conducted in cities from developed countries reveal that changes in the built environment can have significant impact on travel behavior. This article aims to: (i) test through different techniques whether these relationships reported in the literature between built environment and travel behavior hold in a city like Porto Alegre; (ii) test whether the magnitude of the impact of these characteristics also hold; and (iii) compare the impact force of urban characteristics computed with different techniques. The analysis techniques used were qualitative techniques, hybrid discrete choice models – ordered logit and mixed logit – and analytical hierarchical process (AHP). The results show that, in Porto Alegre, the built environment influences the decision to walk. However, there are differences in the magnitude of the impact of certain variables. Some characteristics, such as Population Density and Connectivity (Four-way intersections density), were perceived by individuals as less important (qualitative techniques and AHP) than could be determined from the observed behavior (discrete choice models)

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1. INTRODUÇÃO Análises sobre a influência das características urbanas no padrão de viagens podem ser observadas desde o século XX. Na década de 1990, com o crescente interesse em correntes como “Novo Urbanismo” (New Urbanism), “Crescimento Inteligente” (Smart Growth) e “Desenvolvimento Orientado pelo Trânsito” (Transit Oriented Development), o número de estudos aumentou exponencialmente (Zegras, 2010). Na maioria destes estudos, o padrão de viagens (representado pela frequência de viagem, modo, distância, duração, destino ou propriedade de automóvel) foi relacionado com características da estrutura urbana representadas por três componentes principais. São eles: (i) padrão de uso do solo; (ii) desenho urbano; e (iii) sistema de transporte. O padrão de uso do solo refere-se à distribuição das atividades no espaço, incluindo a localização e densidade de diferentes atividades, tais como residencial, comercial e industrial. O desenho urbano significa o desenho da cidade e os elementos físicos dentro dele, incluindo tanto sua organização como sua aparência. Finalmente, o sistema de transporte compreende a infraestrutura física das vias, calçadas, ciclovias, vias férreas, pontes, etc., bem como as características de serviço prestado, conforme determinado pelos níveis de tráfego, frequências de ônibus e similares (Handy, 2002). Atualmente, existe um crescente reconhecimento de que as mudanças nas características da estrutura urbana podem ter impacto significativo sobre o padrão de viagens. Pesquisas recentes (Baran et al., 2008; Cao et al., 2006; Cervero e Duncan, 2003; Ewing e Cervero, 2001, 2010; Frank e Engelke, 2001; Lee e Moudon, 2006) sugerem que as pessoas que vivem em bairros orientados para pedestres, caracterizados pelo uso de solo misto, alta conectividade viária e alta densidade populacional, são estimuladas a dirigir menos e utilizar outros meios de transporte, como transporte público, bicicleta e a pé. No entanto, depois destes anos de pesquisa e análises, ainda restam dúvidas sobre o impacto quantificável do ambiente construído sobre o padrão de viagens e as pesquisas nesta área continuam. Tentativas de generalizar os resultados, sob a forma de elasticidades de frequências de viagens e distâncias percorridas pelos veículos em relação a diferentes medidas da estrutura urbana, foram realizadas por Ewing e Cervero (2001, 2010). Apesar destes esforços, generalizar a partir desses resultados continua sendo um desafio, devido a variações na: (i) escala de análise (nível “meso” ou “micro”); (ii) tipos de medidas da estrutura urbana utilizadas (densidade populacional, densidade residencial, medidas de entropia para o uso do solo, etc.); (iii) dados de viagens utilizados (agregados ou desagregados, individual ou familiar); (iv) abordagens analíticas e variáveis de controle utilizadas; e (v) resultados finais medidos (frequências de viagem, escolha de modo, distâncias percorridas, etc.) (Zegras, 2010). Grande parte destes estudos foi desenvolvida em países industrializados. Porém, a influência da estrutura urbana no padrão de viagens em cidades em desenvolvimento pode ser essencial para orientar projetos urbanísticos e de transportes que visem preservar o ambiente de forma sustentável. Infelizmente, pesquisas em cidades em desenvolvimento são pouco frequentes. Estudos nesta linha de pesquisa realizados na América do Sul são, por exemplo, os realizados nas cidades de Bogotá (Cervero et al., 2009) e Santiago (Zegras, 2004, 2010). Cervero et al. (2009) analisaram a relação entre estrutura urbana e viagens utilitárias a pé e de bicicleta. Zegras (2004) estudou a interação entre viagens a pé e a estrutura urbana para a cidade de Santiago e, em trabalho posterior (2010), pesquisou a relação entre a estrutura urbana e o número de automóveis no domicílio, na mesma cidade. No Brasil, alguns estudos nesta linha foram realizados por Amâncio (2005), Fernandes et al. (2008) e Deus (2008). Amâncio (2005) pesquisou a existência de uma relação entre forma urbana e escolha do modo a pé para a cidade de São Carlos-SP. Fernandes et al. (2008) analisaram a relação entre a forma urbana e o transporte no Município de Olinda-PE. Deus (2008) estudou a influencia da estrutura urbana na escolha modal na cidade de Uberlândia-MG.

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Todavia, estes estudos foram concebidos com objetivos específicos diferentes. Fernandes et al. estudaram unicamente as viagens pendulares e realizaram uma análise descritiva através de tabelas de frequências, Amâncio e Deus estimaram modelos genéricos, sem estratificação em relação ao motivo das viagens. Ainda, nenhum destes trabalhos mencionados, tanto no Brasil quanto nas outras cidades de América do Sul, incluíram as preferências de viagem. Embora estes estudos contribuam substancialmente para o desenvolvimento desta linha de pesquisa, é evidente a necessidade de mais pesquisas para aprofundar o tema e poder comparar os resultados obtidos. Este artigo tem três objetivos. Primeiro, utilizando diferentes técnicas de análise, testar se a maioria das descobertas sobre a relação entre a estrutura urbana e o comportamento de viagens reportadas na literatura são também observadas em uma cidade de um país em desenvolvimento, Porto Alegre (Brasil) e, como tal, se eles são relevantes para a elaboração de políticas. A priori, espera-se replicar muitos dos resultados já relatados na literatura. Em segundo lugar, objetiva-se testar se o impacto destas características urbanas, reportadas na literatura para outras cidades, se mantém para Porto Alegre. E em terceiro lugar, comparar o impacto das características urbanas calculadas com diferentes técnicas. As técnicas de análise utilizadas foram: técnicas qualitativas, modelos híbridos de escolha discreta – logit ordenados e logit mistos – e processo analítico hierárquico (AHP). A aplicação de diferentes técnicas permite a identificação das características mais relevantes, a comparação dos resultados e implicações decorrentes dessas abordagens. O restante deste artigo está organizado da seguinte forma. A seção 2 descreve as técnicas adotadas em cada abordagem; a seção 3 discute os dados coletados, a seção 4 apresenta os resultados da estimação de modelos e a seção 5 compara e discute os resultados obtidos com as diferentes técnicas. O trabalho finaliza com as conclusões e sugestões para futuras pesquisas.

2. METODOLOGIA A seguir são descritos os procedimentos metodológicos de cada técnica.

2.1. Pesquisa qualitativa A pesquisa qualitativa foi baseada em entrevistas individuais. Optou-se por utilizar um roteiro semiestruturado, para assegurar que os tópicos de interesse seriam cobertos. As entrevistas foram analisadas inicialmente utilizando os métodos de análise de discurso (Gee, 2005) e análise de conteúdo (Krippendorff, 2004). A primeira análise teve como objetivo identificar os fatores que influenciam a caminhada. A análise de conteúdo permitiu a classificação destes fatores de acordo com a frequência de manifestações. Um índice de importância de cada fator foi calculado, de acordo com a frequência e intensidade de manifestações, utilizando a seguinte expressão (Equação 1):

∑=

EkEkEk fiI ,, *

(1) Onde: Ik = índice de importância do fator k; fE,k = frequência de manifestação do fator k pelo indivíduo E; iE,k = intensidade da manifestação do fator k pelo indivíduo E. Para representar a intensidade, uma escala ordinal numérica de três níveis foi definida: 1, 2 e 3, em que 3 indica a intensidade mais elevada. A intensidade foi baseada na análise dos registros de entrevista, observando os adjetivos usados pelos participantes. Para representar frequência, uma escala de dois níveis foi definida: 0 e 1, em que 1 significa que o entrevistado mencionou o fator, e 0 implica o contrário. A ordenação dos fatores foi baseada no índice de importância. A descrição detalhada do estudo encontra-se em Larranaga et al. (2009; 2014a). 2.2. Modelos híbridos de escolha discreta Modelos híbridos de escolha discreta foram estimados para analisar a influência da estrutura urbana na frequência de viagens a pé e na decisão de caminhar. A influência da estrutura urbana no padrão de viagens foi analisada por meio do modelo “5Ds”. Em Cervero e Kockelman (1997), a estrutura

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urbana é representada por três dimensões conhecidas como “3Ds” (density, diversity e design): densidade, diversidade de uso do solo e desenho urbano. Duas dimensões foram agregadas posteriormente (Ewing et al., 2009) formando as “5Ds” (density, diversity, design, distance to transit e destination accesibility): densidade, diversidade de uso do solo, desenho urbano, distância até o transporte público e acessibilidade ao destino. Densidade refere-se à intensidade do uso do solo para habitação, emprego, e outras finalidades. Diversidade reflete o grau de heterogeneidade de uso do solo. Geralmente é medida através do índice de entropia, o qual avalia o equilíbrio na distribuição do uso do solo dentro de determinada área (Cervero e Kockelman, 1997). Desenho urbano refere-se à qualidade do meio ambiente para caminhadas e à configuração física das redes viárias. Distância ao transporte público reflete a acessibilidade a este tipo de transporte. Acessibilidade ao destino da viagem diz respeito ao acesso, de todas as parcelas da população, a centros atratores de viagens (emprego, educação, saúde e compras). Cada dimensão da estrutura urbana pode ser caracterizada através de diferentes variáveis, as quais foram medidas para uma área circular (buffer-ring) de 500m de raio em torno dos centroides de cada um dos setores censitários selecionados para o estudo. Os setores censitários foram selecionados considerando três variáveis de estratificação: índice de motorização, densidade de comércios e serviços e declividade média do terreno. Estas variáveis de estratificação foram escolhidas buscando captar variações na frequência de viagens a pé relacionadas a estas dimensões. O valor do raio adotado foi baseado em análises de dados coletados com dispositivos GPS realizadas para a cidade (Ribeiro et al., 2013, 2014). As informações coletadas com dispositivos de GPS mostram que 80% dos entrevistados que caminharam nesta cidade, caminharam até 500m. As características objetivas do bairro de residência foram obtidas de várias fontes de dados e analisadas utilizando ferramentas SIG. As variáveis utilizadas para descrever o modelo “5Ds” e as fontes de dados são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1: Variáveis da estrutura urbana do bairro de residência (500m)

Dimensão Variáveis Candidatas Fonte de dados

Densidade Densidade de Domicílios (nº de domicílios por km2)

IBGE Densidade Populacional (nº de habitantes por km2)

Diversidade de uso do solo Entropia (escala entre 0 e 1, 1 = uso misto em percentuais iguais,

0 = uso homogêneo)

PMPA-IPTU

Desenho urbano

% de Interseções com 4 aproximações (em “cruz”) PROCEMPA

EPTC Comprimento Médio da Quadra (m)

Declividade Nº Acidentes por ano (totais e envolvendo pedestres)

Disponibilidade de transporte público

Frequência: nº total de viagens de cada linha que serve à área Cobertura: ∑ nº de pontos de parada de ônibus de cada linha que serve à

área/Superfície da área Capacidade: ∑ nº de lugares por linha* distância percorrida pelo ônibus na

área/população total da área

EPTC

Acessibilidade no destino Densidade de Comércios e Serviços (nº de estabelecimentos/km2) PMPA-SMIC A modelagem buscou analisar explicitamente os fatores latentes que representam as atitudes e percepções dos indivíduos, a fim de obter informações sobre aspectos comportamentais. As predisposições dos indivíduos em relação ao modo de transporte e as percepções de segurança pública e de tráfego do bairro foram representadas como variáveis latentes. Predisposições representam a tendência do indivíduo a escolher um modo de transporte. A hipótese adotada é que

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esses fatores latentes afetam a tomada de decisão dos indivíduos, juntamente com as variáveis explicativas observáveis. O processo de modelagem seguiu uma abordagem sequencial em duas etapas. Primeiro, foram estimados modelos de Múltiplas Causas e Múltiplos Indicadores (MIMIC) (Bollen, 1989), por meio de equações estruturais, usando os dados atitudinais coletados. O modelo MIMIC é um modelo econométrico, em que vários indicadores e variáveis observáveis são utilizados para determinar variáveis latentes não observadas. A variável latente é um conceito inobservável que o pesquisador pode definir em termos teóricos, mas que não pode ser diretamente medido. No entanto, pode ser representado por uma ou mais variáveis de medição (indicadores) (Hair e Anderson, 2010). O modelo representa uma teoria, o que pode estar fundamentada na prática, pela experiência ou observação do comportamento real. A modelagem estrutural é realizada para confirmar a teoria, porque todas as relações são especificadas pelo pesquisador antes de o modelo ser estimado (Hair e Anderson, 2010). A segunda etapa consistiu em uma modelagem comportamental que incluiu as variáveis atitudinais obtidas na primeira etapa. Dois tipos de modelos comportamentais foram estimados para analisar as viagens a pé próximas à residência: (i) modelos logit ordenados para representar a frequência de viagens a pé e; e (ii) modelos logit mistos para representar a decisão de realizar viagens a pé. Estudos reportados na literatura (sintetizados por Ewing e Cervero; 2010) mostram que o impacto das variáveis da estrutura urbana pode ser diferente de acordo com a variável dependente medida (frequências de viagem, escolha de modo, distâncias percorridas, etc.). Os resultados obtidos para os Estados Unidos indicam que a frequência de viagens é primeiramente dependente das características socioeconômicas dos indivíduos e em segundo lugar, dependente das características urbanas. Entretanto, a escolha do modo a pé depende de ambos, com intensidade semelhante (Ewing e Cervero, 2010). Os modelos MIMIC foram estimados utilizando o software M-plus (Stamodel, 2013) e os modelos logit ordenados estimados em Biogeme (Bierlaire, 2013). 2.2.1. Modelos logit ordenados Nestes modelos, a variável dependente y assume os valores 0, 1, 2 e 3 se o indivíduo realizar, respectivamente, zero, uma, duas e três ou mais viagens diárias a pé. A probabilidade generalizada de o indivíduo estar em determinada categoria j é dada por (Equação 2):

(2)

Onde L representa a distribuição logística acumulada (Equação 3) e os µs são os pontos de corte. Neste caso, a variável dependente possui quatro categorias, logo, três pontos de corte devem ser estimados.

𝐿𝐿𝜇𝜇𝑖𝑖 − 𝛽𝛽𝑥𝑥 = 𝑒𝑒𝜇𝜇 𝑖𝑖−𝛽𝛽𝑥𝑥

1+𝑒𝑒𝜇𝜇 𝑖𝑖−𝛽𝛽𝑥𝑥 (3)

A estimação do modelo é realizada pelo método de máxima verossimilhança. Os coeficientes β refletem os efeitos marginais das variáveis independentes sobre as probabilidades de pertencer a uma categoria específica. Foram estimados modelos para quatro variáveis: (i) viagens utilitárias (não recreacionais); (ii) viagens utilitárias e de acesso a outros modos de transporte; (iii) viagens utilitárias e recreacionais; e (iv) todas as viagens a pé próximas da residência (utilitárias, de acesso a outros modos de transporte e recreacionais). Viagens para realizar exercício e por lazer e viagens que começaram e terminaram no domicílio foram identificadas como viagens recreacionais. Outras viagens foram identificadas como utilitárias, as quais consistiram em viagens derivadas do desejo de aceder a um destino, como ir ao trabalho, compras, levar ou pegar um parente em algum lugar, visitar um amigo. Há estimativa de diferentes modelos por categoria de viagem, uma vez que espera-

( ) ( ) ( )xLxLjyob jj ´´Pr 1 βµβµ −−−== −

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se que fatores que influenciam as suas diferentes categorias de viagem possam diferir significativamente. Para comparar a importância das variáveis explicativas com diferentes escalas, foi calculada a elasticidade da frequência de viagens a pé em relação às variáveis explicativas. A elasticidade indica qual a mudança percentual na probabilidade de o indivíduo escolher uma alternativa em função de uma mudança marginal no valor da variável explicativa da função utilidade. O cálculo da elasticidade utilizou a Equação 4, a qual foi obtida por meio da derivada de primeira ordem da função genérica de probabilidades proposta em Ortúzar e Willumsen (2011). As probabilidades individuais foram agregadas pelo método de enumeração amostral.

𝐸𝐸 = 𝛽𝛽 ∗ 𝑥𝑥 ∗ [𝐿𝐿𝜇𝜇𝑖𝑖 − 𝛽𝛽𝑥𝑥 + 𝐿𝐿𝜇𝜇𝑖𝑖−1 − 𝛽𝛽𝑥𝑥 − 1] (4)

Onde L representa a distribuição logística acumulada definida na Equação 3, e μj são os pontos de corte. A descrição detalhada do estudo pode ser encontrada em Larranaga et al. (2014b). 2.2.2. Modelos logit mistos A decisão de realizar viagens a pé foi representada por uma variável binária, a qual adota o valor 1 quando o indivíduo realiza alguma viagem a pé no entorno da residência, e o valor 0 no caso contrário. A decisão de caminhar foi modelada por modelos logit mistos de componentes de erro (error components-EC). A estimação dos modelos mistos de componente de erro foi adotada considerando que as viagens realizadas por diferentes residentes do mesmo domicílio podem estar correlacionadas. O logit multinomial (multinomial logit – MNL) (McFadden, 1974) é um dos modelos mais simples de escolha discreta e também o mais utilizado. Ele se baseia na hipótese de que o termo aleatório Ɛiq da função utilidade é identicamente e independentemente distribuído conforme uma distribuição de Gumbel (Valor Extremo tipo II). Este pressuposto para a distribuição dos resíduos é bastante simplista, uma vez que dependem da hipótese de independência e homocedasticidade dos resíduos (Ben-Akiva et al., 2003). Uma série de modelos com estruturas mais flexíveis tem sido proposta. Nos últimos anos, a utilização de modelos logit mistos, mixed logit – ML (Ben Akiva e Bolduc, 1996; Brownstone e Train, 1999), tem sido cada vez maior, permitindo incorporar variações das preferências não observáveis. Estes modelos supõem um termo aleatório identicamente e independentemente distribuído conforme uma distribuição de Gumbel, assim como o MNL, mas com um componente aleatório adicional que é quem permite trabalhar com maior flexibilidade. Dependendo dos pressupostos considerados sobre os diversos termos aleatórios, é possível modelar correlação e heterocedasticidade (Brownstone e Train, 1999). Para comparar a importância das variáveis explicativas com diferentes escalas, foi calculada a elasticidade da probabilidade da decisão de caminhar em relação às variáveis explicativas. A elasticidade da probabilidade de escolha (decisão de caminhar) mede a sensibilidade da escolha dos indivíduos em relação a uma variável explicativa. O cálculo da elasticidade utilizou a equação proposta por Ortúzar e Willumsen (2011) (Equação 5) e posteriormente foram agregadas utilizando o método de enumeração amostral.

EPiqXikq = θik x .Xikq x (1-Piq) (5) em que EPiqXikq: é a elasticidade das variáveis; θik: valor do coeficiente da variável Xi na opção de troca; Xikq: valor da variável na opção oferecida; e Piq: probabilidade da alternativa ser escolhida. A descrição detalhada do estudo pode ser encontrada em Larranaga et al. (2014c).

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2.3. Método AHP – Processo Analítico Hierárquico O Processo Analítico Hierárquico (AHP – Analytic Hierarchy Process) é um método de análise de decisão multicriterial desenvolvido por Saaty (1980), que está baseado em três princípios: a construção de uma hierarquia, o estabelecimento de prioridades e a consistência lógica das prioridades. Assim, foi possível analisar a consistência das avaliações e considerar somente aqueles respondentes que foram consistentes nas suas respostas. Essa técnica foi escolhida por possibilitar a avaliação comparativa de um grupo de variáveis complexas qualitativas ou quantitativas com base na percepção das pessoas através de comparações pareadas, propiciando a investigação de critérios subjetivos de modo quantitativo. O processo básico de aplicação consiste em priorizar a importância relativa de n elementos de tomada de decisão em relação a um objetivo, por intermédio de avaliações parciais destes elementos, dois a dois, formando uma matriz n x n. A verificação da coerência dos valores atribuídos a cada par de critérios é feita por meio de um índice de consistência. Análises de grandes quantidades de elementos se tornam difíceis para os avaliadores, podendo gerar uma inconsistência nos resultados. Assim, no caso de matrizes grandes, nas quais são comparados mais de cinco elementos, pode-se obter um ganho de eficiência na coleta de dados utilizando matrizes de comparações incompletas (Fogliatto, 2003). Com a análise de somente duas linhas da matriz é possível construir o restante da matriz de avaliações. No presente estudo, foi analisada a importância relativa de 10 características do bairro, utilizando matrizes de comparações incompletas geradas a partir de duas linhas de avaliações. A primeira linha representou a comparação entre a variável Atratividade visual e as restantes nove variáveis, enquanto a segunda representou a comparação entre Segurança pública e as demais variáveis. A escolha destas duas variáveis foi devido à simplicidade e familiaridade das mesmas para os respondentes. Estas comparações foram apresentadas no questionário. O método de análise, baseado no AHP, constou de quatro etapas: (i) construção da matriz de avaliações; (ii) cálculo da matriz de pontos de centro; (iii) cálculo do vetor de pesos; e (iv) cálculo do índice de consistência. Estas etapas são descritas em detalhe no trabalho de Larranaga et al. (2014d). A solução final foi dada pelo cálculo do vetor de pesos médio para cada variável, que representa a importância de cada uma. A amostra foi estratificada conforme características socioeconômicas e de comportamento de viagem dos respondentes (ex.: número de automóveis no domicílio, renda, número de viagens a pé por semana, etc.). O procedimento de cálculo de importâncias (vetores de pesos) foi realizado para cada estrato. 3. DADOS Esta seção descreve os dados utilizados com cada técnica. 3.1. Pesquisa qualitativa A população alvo desta pesquisa foi composta por residentes de duas regiões de Porto Alegre: Centro/Cidade Baixa (Região 1) e Petrópolis/Bela Vista (Região 2). Essas regiões foram escolhidas por apresentarem, respectivamente, os maiores e menores percentuais de deslocamentos a pé em relação aos deslocamentos totais originados na região (Larranaga, 2008). Doze entrevistas foram realizadas e a seleção dos entrevistados considerou quatro variáveis de estratificação: localização da residência (Região 1 ou 2), gênero, faixa etária e posse de automóvel. A distribuição das entrevistas foi planejada de forma a obter um equilíbrio entre o número de respondentes em cada estrato.

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3.2. Modelos híbridos de escolha discreta Os dados utilizados consistem em informações de viagens, atitudinais, socioeconômicas e da estrutura urbana do bairro de residência. Os dados sobre viagens e alguns dos dados socioeconômicos e atitudinais foram provenientes de uma pesquisa domiciliar realizada em Porto Alegre. A pesquisa domiciliar coletou informações sobre 884 indivíduos selecionados por meio de um método de amostragem em dois estágios: setores censitários e domicílios. Foram pesquisados 442 domicílios. As informações de viagens se referiam a todos os deslocamentos realizados pelos respondentes no dia anterior, inclusive deslocamentos curtos, não medidos em pesquisas tradicionais. As características socioeconômicas medidas foram: idade, gênero do entrevistado, tipo de moradia, número de residentes no domicílio, número de automóveis no domicílio, rendimento familiar mensal, grau de instrução, posse de carteira de habilitação, ocupação principal e local de trabalho (fora ou em casa). As características atitudinais foram avaliadas solicitando que os entrevistados indicassem o grau de concordância com um conjunto de afirmações. Os questionários continham 12 afirmações referentes a preferências de viagem e percepção de segurança do bairro. Cada entrevistado deveria indicar seu grau de concordância com cada afirmação utilizando uma escala contínua entre zero, “discordo completamente”, e dez, “concordo completamente”. A escala adotada corresponde à Escala Visual Analógica (EVA) (Wewers e Lowe, 1990). As primeiras nove afirmações procuravam traduzir um conceito geral de preferência ou predisposição à escolha de um modo de viagem. As últimas três procuravam identificar a percepção de segurança pública e de tráfego sobre o bairro. As características atitudinais e de percepção do bairro foram agrupadas em três variáveis latentes através de um modelo MIMIC. As três variáveis latentes extraídas foram: (i) Pro_caminhada, que indica uma predisposição à utilização do modo a pé ou transporte público nos deslocamentos diários; (ii) Pro_automóvel, apontando uma predisposição à utilização do automóvel; (iii) Segurança_bairro, referindo-se à percepção de segurança pública e de tráfego na proximidade da residência. É razoável considerar que a percepção de segurança influencie a predisposição à escolha dos modos de transporte. Assim, foi adicionada a correlação entre as variáveis latentes Pro_caminhada e Segurança_bairro, e um efeito direto da variável Pro_automóvel sobre Pro_caminhada e Segurança_bairro. Neste artigo serão apresentados os resultados da modelagem comportamental. A descrição detalhada da seleção da amostra, instrumento de pesquisa e modelagem de variáveis latentes pode ser consultada em Larranaga et al. (2014c). Os dados da estrutura urbana foram obtidos de diferentes fontes (Tabela 1, seção 2.2) e processados através de Sistema de Informação Geográfica (SIG). A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva das variáveis dependentes e independentes utilizadas nos modelos finais de escolha discreta.

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Tabela 2: Estatística descritiva das variáveis Média Desvio

Padrão Variável dependente Viagens utilitárias a pé (nº) 0.89 1.47

Viagens utilitárias a pé + acesso a outros modos (nº.) 1.34 1.54 Viagens utilitárias a pé + recreacionais (nº) Viagens utilitárias a pé + recreacionais + acesso a outros modos (º)

0.97 1.42

1.49 1.55

Decisão de caminhar (1: caminha; 0: não caminha) 0,35 0,48 Socioeconômicas Idade (anos) 43,0 17,7

Gênero (1: masculino, 0: feminino) 0,45 0,5 Grau de Instrução Baixo (1: não alfabetizado, 0: outro) 0,03 0,17 Grau de Instrução Médio (1: ensino fundamental ou médio com/incom; 0: outro) 0,58 0,49 Grau de Instrução Alto (1: superior ou pós-graduação com/incom; 0: outro) 0,39 0,49 Disponibilidade de automóvel (1,0) 0,43 0,49 Local de trabalho (1: outro; 0: casa) 0,68 0,32 Número de automóveis no domicílio (nº) 0,83 0,75 Renda baixa (1: < R$ 3300; 0: outro) 0,36 0,48 Renda média (1: R$ 3300 a R$ 6500; 0: outro) 0,24 0,42 Renda alta (1: > R$ $ 6500; 0: outro) 0,40 0,49

Estrutura Urbana Densidade populacional (nº habitantes/km2), círculo 500 m 12807,14 5813,37 Densidade de interseções com 4 aproximações, círculo 500 m 35 15 Declividade media (%), círculo 500 m 3,5 2,7 Comprimento de quadra, círculo 500 m 95,07 19,36 Densidade de comércios e serviços (nº estabelecimentos/km2), círculo 500 m 1149,27 1621,98 Frequência de ônibus (nº total de viagens das linhas que servem à área), círculo 500 m 3387,34 3696,34 Acidentes (nº), círculo 500 m 671,36 582,55

Atitudinais Pró-caminhada 3,35 2,02 Pró-automóvel 3,58 2,23

Afirmações atitudinais Sempre que possível, eu prefiro caminhar em vez de dirigir 6,46 3,55 Eu gosto de caminhar 6,44 3,44 Caminhar, às vezes, é mais fácil para mim do que dirigir 5,96 3,86 Sempre que possível, prefiro utilizar transporte público em vez de dirigir 4,65 3,78 Eu gosto de utilizar transporte público 4,02 3,37 Andar de carro é mais seguro contra assaltos e/ou roubos do que caminhar 6,41 2,92 Andar de carro é mais seguro contra assaltos e/ou roubos do que utilizar transporte público 6,19 3,06 Eu gosto de dirigir 5,02 3,97 Preciso de carro para realizar as minhas atividades do dia a dia 5,04 3,93 Percepção de segurança pública e de trânsito Meu bairro é seguro (contra roubos e assaltos) para caminhar durante o dia 7,56 2,78 Meu bairro é seguro (contra roubos e assaltos) para caminhar durante à noite 2,41 2,76 O risco de acidentes de tráfego no meu bairro é pequeno 5,81 2,91

3.3. Método AHP – Processo Analítico Hierárquico Os dados para o estudo são provenientes de uma pesquisa realizada com residentes de Porto Alegre. Um total de 120 indivíduos foi contatado, sendo que 74 começaram a responder o questionário, mas unicamente 66 o concluíram (55% do total). A pesquisa foi realizada através de internet, utilizando o serviço de pesquisas on-line da empresa Surveymonkey para criar e disponibilizar o questionário on-line. A coleta foi realizada no mês de junho de 2013. As características socioeconômicas medidas no questionário foram: idade, gênero, grau de instrução, ocupação principal do entrevistado, cidade e bairro de residência, número de automóveis no domicílio e rendimento familiar mensal. Adicionalmente, foi perguntado o número de viagens utilitárias (trabalho, estudo, compras, alimentação, lazer, volta para casa) por semana que o entrevistado realizava a pé (0 viagem, entre 1 e 4, entre 5 e 10 ou mais que 10 viagens). As características urbanas medidas no questionário foram: (i) Atratividade visual; (ii) Disponibilidade

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de transporte público; (iii) Comércios e serviços próximos; (iv) Segurança de tráfego; (v) Segurança pública; (vi) Declividade das vias; (vii) Presença de obstáculos nas calçadas; (viii) Qualidade do pavimento e largura das calçadas; (ix) Conectividade viária; e (x) Densidade residencial. A variável Conectividade viária representa o conceito análogo à variável Densidade de aproximações de 4 vias utilizada nos modelos de escolha discreta. Esta última é uma medida frequentemente utilizada (Boarnet et al., 2008; Ewing et al., 2009) para indicar a configuração viária, a qual pode ser em forma de grelha, ou apresentar configuração com curvas. Padrões viários em forma de grelha são representados por um número alto de interseções em “cruz”, em detrimento de interseções em T ou cul-de-sacs. Todas as variáveis foram representadas através de texto e imagens para facilitar a compreensão. As características foram comparadas em pares, solicitando aos entrevistados que indicassem qual das duas características do bairro apresentadas consideravam ser mais importante (numa escala de 9 pontos que variava de extremamente menos importante até extremamente mais importante) para estimular a realização de viagens utilitárias a pé. A definição de viagem utilitária havia sido apresentada previamente no questionário. A Tabela 3 sintetiza as características dos participantes da pesquisa.

Tabela 3: Características dos participantes da pesquisa Faixa etária Renda familiar Ocupação principal

Menor de 14 anos 0.0% Até R$ 1100 0.0% Empregado setor privado 13.0%

14-20 anos 1.3% De R$ 1101 até R$ 3.300 9.1% Funcionário público 51.9%

21-30 anos 26.0% De R$ 3.301 até R$ 6.500 27.3% Autônomo/profissional liberal 6.5%

31-40 anos 24.7% De R$ 6.501 até R$ 10.800 31.2% Proprietário/sócio de empresa 5.2%

41-50 anos 20.8% De R$ 10.801 até R$ 15.400 19.5% Trabalhador doméstico 0.0%

51-60 anos 22.1% Mais de R$ 15.400 13.0% Aposentado / pensionista 3.9%

61-70 anos 3.9% Bolsista / estagiário 7.8% Maiores de 70 anos 1.3% Estudante 10.4% Do lar 1.3% Desempregado 0.0%

Número de automóveis disponíveis/domicílio

Número de viagens utilitárias a pé/semana

Gênero

0 14.7% 0 viagem 17.3% 1. Masculino 55.8% 1 46.7% 1-4 viagens 26.7% 2. Feminino 44.2% 2 33.3% 5-10 viagens 28.0% 3 4.0% Mais de 10 viagens 28.0% Mais de 3 1.3%

4. RESULTADOS Esta seção apresenta de forma resumida os principais resultados obtidos com de cada abordagem. Para maiores detalhes, consultar os trabalhos de Larranaga et al. (2009, 2014a, 2014b, 2014c, 2014d). 4.1. Pesquisa qualitativa A análise dos discursos dos entrevistados permitiu identificar 26 fatores que influenciam a escolha do modo a pé. Estes fatores podem ser agrupados de acordo com sua natureza em quatro grupos: socioeconômicos, características da viagem, relativos à estrutura urbana e atitudinais ou de estilo de vida. Muitos dos fatores expressos pelos entrevistados se referem a características do bairro. Entre

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Análise da Importância das Características da Estrutura Urbana no Estímulo à Realização de Viagens a Pé

elas, a segurança pública e a proximidade de comércios e serviços foram mencionadas com maior frequência. A segurança pública foi fortemente associada com a hora do dia, e andar à noite foi considerado inseguro por todos os segmentos dos entrevistados. A análise da frequência de manifestações indicou que a estrutura urbana influencia a decisão de caminhar, porém este fator não é o único elemento que explica o comportamento de viagem. Características atitudinais ou de estilo de vida, tais como preferências por modos de transporte, o desejo de realizar exercício físico e as limitações físicas do indivíduo, também influenciam a decisão de caminhar. Observou-se uma maior concordância, entre os grupos de entrevistados, na identificação de fatores inibidores do que na relação de fatores que estimulam as viagens a pé. Analisando as respostas de entrevistados segundo a faixa etária, observa-se uma maior concordância entre idosos das duas regiões do que entre os entrevistados mais jovens. De acordo com o índice de importância, segurança pública, comércios e serviços próximos, custo da viagem, duração da viagem, disponibilidade de automóvel, preferência por modo de transporte, declividade, preferência por comércios e serviços mais distantes, qualidade das calçadas e atratividade visual foram os elementos mais importantes na determinação do modo de transporte. 4.2. Modelos híbridos de escolha discreta A Tabela 4 apresenta os resultados dos modelos ordenados para predizer a frequência de viagens utilitárias a pé e dos modelos logit mistos para predizer a decisão de realizar viagens a pé.

Tabela 4: Resultados dos modelos de escolha discreta Frequência de viagens a pé

Logit ordenado Decisão de realizar viagens a pé:

Logit misto Variáveis Coeficientes Valor-p Coeficientes Valor-p Viagem e socioeconômicas

Idade (anos) -0.017 0,000 -0,017 0,000 Renda Média (1,0) -0.332 0.080 -0,404 0,060 Renda Alta (1,0) -1.02 0,000 -1,060 0,000

Estrutura urbana

Densidade Populacional, 500m 3.970E-05

0.010 4,53E-05

0,010

Densidade de Interseções de 4 aproximações, 500m

1.350 0.030 1,550 0,020

Declividade, 500m -4.710 0,009 -4,570 0,010

Densidade Comércios e Serviços, 500m 1.22 E-04

0.020 1,04E-04

0,060

Predisposições de viagem Pró-caminhada_tp 0.151 0,000 0,105 0,020 Pró-automóvel - - -0,112 0,010

µ1 0.321 0.554 2.020

- µ2 µ3 Sigma - 0,296 0,100 Número de observações = 884

Log likelihood = -804.424 Pseudo-R2 = 0.335

Número de observações = 884 Log likelihood = -501,984 Pseudo-R2 = 0,163 500 draws

A Tabela 4 mostra que quatro variáveis da estrutura urbana foram preditores significativos: Densidade Populacional, Densidade de comércios e serviços, Densidade de Interseções de 4 aproximações e Declividade. Bairros com alta densidade populacional e de comércios e serviços permitem concentrar e aproximar origens e destinos de viagens, oferecendo mais oportunidades para deixar o automóvel em casa e caminhar até o destino. Pela natureza do cálculo, geralmente se utilizam dimensões separadas para caracterizar a densidade na origem, densidade populacional ou

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

residencial, e no destino, densidade de comércios, empregos ou outras oportunidades de destinos de viagem. Todavia, é a relação sinérgica entre as duas que afeta o padrão de viagens. Conjuntos de moradias, condomínios, ou conjuntos habitacionais localizados em área suburbana, por exemplo, longe de serviços básicos, podem apresentar densidades populacionais ou residenciais altas. Entretanto, isto não reduz a necessidade de utilizar modos motorizados ou viajar distâncias consideráveis para realizar atividades diárias. Os modelos apresentados captaram essa integração, mostrando que valores altos de densidade populacional e de comércios e serviços estimulam os deslocamentos a pé. Esse efeito positivo da densidade na promoção de viagens a pé coincide com os resultados encontrados em outros estudos, como os realizados por Boarnet et al. (2008), Chatman (2009), Ewing et al. (2009), Frank et al. (2009) e Naes (2005). A variável Densidade de Interseções de 4 aproximações foi calculada como a relação entre o número de interseções em “cruz” e o número de interseções totais numa área circular de 500 m (com origem no centro geométrico do setor censitário de residência). Os modelos apresentados mostraram que configurações viárias em forma de grelha, com muitas interseções, estimulam os deslocamentos a pé, pois aumentam a conectividade, oferecendo maiores oportunidades de rotas entre origem e destino. Esse resultado coincide com o encontrado por Cervero et al. (2009) para a cidade de Bogotá. A variável Declividade mostrou ser um preditor significativo na decisão de realizar viagens a pé. A topografia da cidade apresenta aclives e declives que dificultam os deslocamentos não motorizados. Aclives acentuados desestimulam a caminhada. Em relação às variáveis socioeconômicas, a variável Idade apresentou sinal negativo, indicando que pessoas mais jovens tendem a realizar mais viagens a pé. As variáveis Renda Média e Renda Alta, relacionadas à renda familiar mensal, apresentaram também sinal negativo. À medida que aumenta o rendimento familiar, diminui a probabilidade da decisão pela caminhada. As variáveis atitudinais Pró-caminhada foram significativas em ambos os modelos, e Pró-automóvel foi significativa nos modelos mistos, indicando a importância de incluir variáveis que caracterizem o estilo de vida dos indivíduos, convicções pessoais e predisposições em relação aos modos de transporte. O sinal positivo da variável Pró-caminhada mostra que indivíduos com maior predisposição a caminhar, efetivamente caminham mais do que indivíduos com menor predisposição a usar este modo. Por outro lado, o sinal negativo da variável Pró-automóvel mostra que indivíduos com maior predisposição a utilizar automóvel, efetivamente caminham menos do que indivíduos com maior predisposição a utilizar este modo. 4.3. AHP Os resultados obtidos da hierarquização das características urbanas que estimulam as viagens utilitárias a pé são apresentados na Figura 2.

Figura 2: Hierarquização das características urbanas que estimulam as viagens utilitárias a pé

272

Análise da Importância das Características da Estrutura Urbana no Estímulo à Realização de Viagens a Pé

As seis características principais (importância > 0,05) são: (i) Segurança pública; (ii) Segurança do tráfego; (iii) Presença de obstáculos nas calçadas; (iv) Qualidade do pavimento e largura das calçadas; (v) Comércios e serviços próximos; e (vi) Atratividade visual. Por outro lado, Declividade das vias, Conectividade viária, Disponibilidade de transporte público e Densidade populacional e residencial foram consideradas como características menos importantes no estímulo de viagens utilitárias a pé. Dentre as principais características, Segurança pública é a mais importante para os respondentes. O valor da importância obtido é de 0,42 (Figura 2), sensivelmente superior aos valores obtidos para as demais. Segurança do tráfego foi o segundo elemento mais importante (importância de 0,15). Seguindo em importância, as características Presença de obstáculos em calçadas, Qualidade do pavimento e largura das calçadas, Comércios e serviços próximos e Atratividade Visual mostraram ser importantes para os respondentes. Os quatro elementos estão relacionados a características do ambiente construído, influenciando na percepção da sua qualidade. Os dois primeiros referem-se principalmente à facilidade de circulação. Comércios e serviços próximos refere-se às oportunidades de destinos de viagem. Esperava-se que esta variável apresentasse uma importância maior.

Observou-se a existência de pequenas diferenças na hierarquização das variáveis pelos diferentes estratos. Estas diferenças se devem às características particulares de cada estrato de respondentes avaliados. Por exemplo, respondentes com mais de 50 anos atribuíram importâncias maiores a variáveis associadas com maior esforço físico, como Declividade das vias e Qualidade do pavimento e largura das calçadas. A variável Comércios e serviços próximos foi avaliada como a mais importante por respondentes de renda alta; enquanto respondentes de baixa renda atribuíram maior importância à Presença de obstáculos e Atratividade visual do que os respondentes de outras faixas.

5. COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS A importância relativa foi calculada para cada variável considerada nas diferentes análises, e permitiu identificar aquelas que, de acordo com a técnica aplicada, apresentam maior relevância. Nos modelos de escolha discreta, a comparação do impacto das variáveis explicativas foi realizada através do cálculo de elasticidades. A Tabela 5 apresenta as elasticidades calculadas para a frequência de viagens utilitárias a pé e a decisão de caminhar.

Tabela 5: Elasticidades Variáveis Frequência de viagens a pé:

Logit ordenado Decisão de realizar viagens a pé: Logit

misto Socioeconômicas

Idade (anos) -0,11 -0,50 Renda média (1,0) -0,01 -0,05 Renda alta (1,0) -0,05 -0,30

Estrutura urbana Densidade populacional, 500m 0,09 0,35

Densidade de interseções de 4 aproximações, 500m 0,08 0,34

Declividade média, 500m -0,03 -0,11

Densidade de comércios e serviços, 500m 0,02 0,06

Os valores de elasticidade estimados para decisão de caminhar são superiores aos estimados nos modelos de frequência. O valor de elasticidade da decisão de caminhar com respeito à Densidade Populacional é de 0,35. Este valor é sensivelmente superior ao obtido na modelagem de frequência de viagens a pé em Porto Alegre, que correspondeu a 0,09. O valor de elasticidade para esta variável obtida em outros estudos varia entre 0,01 e 1,39, e o valor médio calculado é de 0,07 (Ewing e Cervero, 2010). O efeito da densidade populacional na decisão de realizar viagens é

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

significativamente mais alto do que o efeito no número de viagens a pé em Porto Alegre, sendo em ambos os modelos a variável da estrutura urbana que mais influencia. O impacto desta variável em Porto Alegre parece ser superior ao obtido em outros estudos. O resultado obtido com o método AHP identifica, inversamente, esta variável como a de menor importância. Entretanto, o AHP determina a importância subjetiva das variáveis, desde o ponto de vista dos indivíduos, enquanto as elasticidades indicam a importância objetiva de cada uma, analisando as relações existentes entre as variáveis explicativas e o comportamento individual. A elasticidade da decisão de caminhar calculada para a Densidade de interseções de 4 aproximações é de 0,34, mostrando que, juntamente com a Densidade populacional, é uma das variáveis de ambiente construído, com maior impacto na decisão de caminhar. O resultado sobre as variáveis mais influentes é semelhante ao encontrado na modelagem de frequência de viagens a pé. Todavia, o valor é superior. O valor de elasticidade para esta variável obtida em outros estudos varia entre 0,00 e 1,11, e o valor médio calculado é de 0,39 (Ewing e Cervero, 2010). Na pesquisa qualitativa, os entrevistados foram questionados sobre esse aspecto, mas os resultados indicaram que eles não percebem que esta variável influencia os deslocamentos a pé. Os resultados do AHP mostraram baixa importância para esta variável. Características percebidas como não importantes pelos indivíduos, parecem não coincidir com o comportamento observado. O efeito da Declividade média na decisão de caminhar é de -0,11. O cálculo do impacto desta variável é uma referência muito útil para planejadores urbanos, pois raramente é considerada em outros estudos. Na modelagem de frequência de viagens a pé realizada em Porto Alegre o valor obtido foi de -0,03, valor inferior ao computado neste caso. Esta variável mostrou ter importância média nas análises qualitativa e AHP. A elasticidade calculada para a Densidade de comércios e serviços é de 0,06, enquanto para frequência foi de 0.02. Elasticidades de variáveis relacionadas com presença de comércios e serviços variam entre 0,02 e 0,25 (Ewing e Cervero, 2010). As análises qualitativas e AHP indicaram que esta variável está dentro das mais importantes no estímulo das viagens utilitárias a pé. A segurança do bairro mostrou ser a característica mais importante nos estudos qualitativos e AHP. O resultado não surpreende, a violência urbana tornou-se um problema social grave em todo o país a partir dos anos 1990. A modelagem comportamental não determinou um efeito significativo explícito desta variável. Entretanto, mostrou um efeito indireto da Segurança_bairro através da variável Pro_caminhada. Variáveis relacionadas à qualidade das calçadas, presença de obstáculos e atratividade visual do bairro não foram consideradas nos modelos de escolha. Os resultados do método AHP e da análise qualitativa mostraram que estas variáveis têm uma importância média para os indivíduos, assim como suas características socioeconômicas e atitudinais influenciaram o modo a pé em todas as análises realizadas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo realizado fornece evidências que, na cidade de Porto Alegre, a estrutura urbana influencia a realização de viagens a pé. Os resultados obtidos permitem concluir que bairros densos, com padrão viário em forma de grelha, topografia pouco acentuada e comércios e serviços próximos à residência, estimulam a decisão de caminhar na cidade de Porto Alegre. Os resultados obtidos apoiam a hipótese adotada a priori, na qual se esperava replicar muitos dos resultados já relatados na literatura.

274

Análise da Importância das Características da Estrutura Urbana no Estímulo à Realização de Viagens a Pé

A aplicação de diferentes técnicas mostrou que as características socioeconômicas e atitudinais dos indivíduos também têm um impacto no estímulo às viagens a pé. Obtiveram-se algumas diferenças na importância atribuída a cada variável decorrente da aplicação das diversas técnicas. A análise AHP e qualitativa determinam a importância subjetiva das variáveis, sob o ponto de vista dos indivíduos. Porém, os modelos de escolha discreta permitem determinar a importância objetiva de cada uma, analisando as relações existentes entre as variáveis explicativas e o comportamento individual. Algumas características, como Densidade Populacional e Conectividade (Densidade de interseções de 4 aproximações), foram percebidas como menos importantes pelos indivíduos a partir do comportamento observado. Os resultados das elasticidades calculadas para a decisão de caminhar com relação às variáveis da estrutura urbana foram maiores do que em outros estudos reportados na literatura. Comparadas aos resultados obtidos na modelagem de frequência de viagens a pé para Porto Alegre, as elasticidades calculadas para a decisão de caminhar também foram maiores do que as obtidas na modelagem de frequência. Assim, as variáveis urbanas impactam mais na escolha de caminhar ou não caminhar do que no número de viagens. Os resultados mostram que características socioeconômicas e urbanas impactam com a mesma intensidade a frequência de viagens e a escolha do modo a pé.

Respostas subjetivas, como as derivadas das análises qualitativas e AHP, são úteis para identificar a percepção do ambiente. Os tomadores de decisão baseiam suas escolhas na forma como percebem o ambiente. No entanto, percepções não fornecem boas referências para o desenvolvimento de estratégias de desenho urbano. Os modelos de escolha permitiram quantificar o impacto através do cálculo de elasticidades. Estes valores de elasticidades podem ser úteis para os planejadores. Estes valores poderiam ser usados para Porto Alegre ou para aplicações em locais com características similares, em aplicações que busquem refletir a influência do ambiente construído. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPQ pelo apoio para o desenvolvimento do projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amâncio, M. A. (2005) Relacionamento entre a forma urbana e as viagens a pé. Dissertação de Mestrado. Departamento

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277

ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA INTRODUÇÃO DE VES NO TRÁFEGO URBANO DA CIDADE DE SÃO PAULO. 21

James Terence Coulter Wright

[email protected] | FEA – USP André de Azevedo Amedomar

[email protected] | FEA - USP Daniel Estima de Carvalho

[email protected] Fundação Instituto de Administração

RESUMO Diante da perspectiva de uma gradual substituição da matriz energética automotiva, este artigo analisa impactos ambientais, sociais e econômicos que a introdução dos Veículos Elétricos (VEs) puros pode causar na cidade de São Paulo até o ano 2020. Para isso, a pesquisa lança mão da metodologia de cenários desenvolvida por Wright e Spers (2006), subsidiada por uma consulta Delphi a especialistas e uma análise por matriz morfológica. Ao final, obtêm-se quatro cenários factíveis, denominados “Solução corporativa”, “Nicho verde-chique”, “Meu carrinho elétrico” e “Cidade Elétrica”, cada um com suas peculiaridades em relação à facilidade de uso, preço, penetração na frota e impactos. Ao analisar os cenários previstos, pode-se dizer que os VEs podem ocasionar mudanças profundas nos hábitos e na qualidade de vida urbana, sendo, para isso, indispensável à articulação de políticas públicas no processo. ABSTRACT With the expected gradual replacement of the automotive energy matrix, this article aims to analyze some social, economic and environmental benefits that can be brought with the introduction of pure Electric Vehicles (EVs) in the city of São Paulo until 2020. The research makes use of scenario methodology developed by Wright and Spers (2006), subsidized by a Delphi survey with specialists and a morphological analysis. At the end, there are four feasible scenarios, called "Enterprise Solution", "Green Chic Niche", "My Electric Car" and "Electric City", each with its peculiarities regarding ease of use, price, penetration and impacts. By analyzing the scenarios holistically, it can be said that electric vehicles may cause profound changes in the daily habits and quality of urban life, being the participation of public policies indispensable in this process .

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO O objetivo deste trabalho é analisar as perspectivas de introdução de Veículos Elétricos (VEs) no tráfego urbano de São Paulo, com vistas a melhorar os padrões de mobilidade urbana, minorar impactos sobre o meio ambiente e reduzir o consumo de combustíveis fósseis. A visão para São Paulo 2020 parte da premissa de que padrões avançados de qualidade de vida oferecem oportunidades para se direcionar a atividade econômica para setores menos poluentes e de maior valor agregado como a indústria de VEs (Borja et al., 2003; Goldemberg et al., 2005). Considerando-se a importância da geração hidroelétrica no País e o surgimento de novas tecnologias de smart grid, vislumbra-se a oportunidade de aproveitamento de VEs não só como meio de transporte não poluente, mas também como meio de armazenamento de energia para uso em momentos de picos de demanda, configurando uma oportunidade econômica de redução do custo total de energia (Dirks et al., 2010). Neste contexto, é proposta uma análise de tecnologia que promova ganhos socioeconômicos e ambientais: a tecnologia elétrica para veículos. 2. REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA O primeiro protótipo elétrico foi construído em 1838, pelo inglês Robert Davidson; já no final do século XIX, havia nas ruas mais VEs do que carros à gasolina (Post, 1974). Por definição, VE é um automóvel que utiliza propulsão por meio de motores elétricos para transportar ou conduzir pessoas, objetos ou uma carga específica. É composto por um sistema primário de energia, uma ou mais máquinas elétricas e um sistema de acionamento e controle de velocidade ou binário (Chan, 2002; Goldemberg et al., 2005; Clemenger, 2008). Os VEs fazem parte do grupo dos veículos denominados Zero-Emissões, que por terem um meio de locomoção não poluente, não emitem quaisquer gases nocivos para o ambiente e tampouco emitem ruído (Becker, 2009). Em 1920, o VE começou a perder sua posição no mercado, graças ao melhoramento das estradas, à descoberta de grandes reservas de petróleo no Texas e na Califórnia, Estados Unidos, ao baixo preço do combustível e à maior autonomia dos carros a gasolina, que se popularizaram (Van der Wal, 2007). A história moderna dos VEs tem inicio na década de 1970, na disparada do preço do barril do petróleo, que somou argumentos às pressões ambientalistas em favor da opção veicular elétrica, com objetivo de diminuir o consumo do combustível fóssil. Uma das iniciativas que se tornaram famosas neste período foi o Ato da Califórnia, Air Resources Board, de 1990, determinando que a partir de 1998 uma porcentagem crescente de vendas futuras de veículos daquele estado americano fosse de emissão nula (Van der Wal, 2007). O atendimento ao enorme mercado oferecido por esta regulamentação, e outras similares, teria como candidato natural o veículo elétrico. A retomada de sua comercialização deu-se nos Estados Unidos através da General Motors (GM) que lançou o modelo híbrido EV1 em 1996, o primeiro modelo produzido em massa – sua produção foi suspensa em 1999 (Quiroga, 2009). A montadora foi seguida pela Ford (Think e Ranger), Honda (EV Plus) e Nissan (Altra EV), entre outras. Assim, as barreiras tecnológicas e políticas que, no passado, tornavam o VE inviável comercialmente começavam a cair. Nos últimos anos, o conceito da eletro-mobilidade ampliou-se e passou a ser prioridade estratégica de pesquisa e desenvolvimento em grande parte das montadoras de veículos, como a Toyota (Vinholes, 2010). Orientando essas expectativas, pesquisas apontam que cerca de 1,4 milhão de VEs estarão em circulação na América do Norte, Europa e Ásia em 2016, representando um grande mercado a ser explorado (PwC, 2011).

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Para 2020, existe a estimativa de cerca de 2,5 milhões de VEs em circulação em todo o mundo (IEA, 2011). 3. METODOLOGIA A metodologia adotada neste estudo lançou mão de diversas técnicas e abordagens de prospecção do futuro para criar uma visão integrada das possibilidades e oportunidades que se apresentam. Foram utilizadas as seguintes técnicas: análise morfológica, o método Delphi e a formulação de cenários para compor um quadro das oportunidades do futuro neste campo. 3.1. Análise morfológica das características dos VEs do futuro. As características dos VEs foram prospectadas a partir de uma análise morfológica, uma técnica não quantitativa de estruturação e avaliação do conjunto de relações inerentes a um complexo problema multidimensional, proposta por Fritz Zwicky na década de 60 (Zwicky, 1998; Yu, 2011). Porter (2011) classifica a análise morfológica como uma metodologia de prospecção estrutural, por considerar explicitamente as inter-relações entre as variáveis tecnológicas e os demais elementos contextuais. Foram identificas duas categorias de veículos: Plug-in Hybrid Electric Vehicle/Utilitários elétricos leves e Mini VEs.

Figura 1: Plug-in Hybrid Electric Vehicle e Utilitários Elétricos Leves

Sob a ótica da análise morfológica, ao se avaliar os veículos de passageiros de portes compacto e médio, com propulsão híbrida (PHEV) – motor elétrico e motor de combustão interna – visualiza-se a configuração apresentada na matriz da figura acima (células em destaque cinza). Configuração idêntica de estrutura e motorização veicular, pode ser aplicada aos utilitários elétricos leves. São exemplos destes tipos de veículos o Toyota Prius (PHEV) e Nissan Leaf (PEV), veiculo elétrico puro.

Parâmetros

Alternativas PorteNº de rodas

Carroceria Motor Config Motor

Armazenagem energia

Veloc máx

Emissões Autonomia

Alternativa 1 mini 1 abertaelétrico a

bateria BEV

1 motor bateriabaixa

<50 km/hbaixas/

nulas< 50km vizinhança

Alternativa 2 compacto 2 série fechadahíbrido plug-in PHEV

2 c/ 2 difer.

tanquemédia 50~90 km/h

médias 50-200 km urbano

Alternativa 3 médio 2 paralelohíbrido

HEV2 nas rodas

capactiroalta

> 90km/h> 200km estrada

Alternativa 4 3

elétrico a célula comb. FCEV

Alternativa 5 4 ou mais

Análise Morfológica - Mobilidade elétrica para transporte pessoal

Estrutura Veicular Motorização Circunscrição de uso

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Figura 2: Mini VEs.

Projetados como resposta às preocupações concernentes à poluição urbana, eficiência energética no transporte e congestionamento das grandes cidades, os mini VEs podem ser considerados uma nova categoria de veículos, entre carros e quadriciclos, e seu uso seria limitado para deslocamentos urbanos diários (casa-trabalho), Diferentes conceitos de mini VEs são concebidos para explorar a ideia de mobilidade urbana sustentável, redefinindo a relação do usuário com o contexto metropolitano, sob uma nova perspectiva, que engloba transporte, arquitetura, energia, ecologia e planejamento urbano. A correspondente matriz de configurações é apresentada na matriz “multidimensional para mini VEs (uso urbano)”. São exemplos de veículos o CityCar e o Renault Twizy. 3.2. Delphi Após a realização da matriz morfológica da possível seleção de veículos que poderiam ser introduzidos na frota da cidade de São Paulo foi realizada uma ampla pesquisa Delphi. Essa pesquisa contou com a participação de mais de 200 especialistas que foram consultados em duas rodadas. A pesquisa Delphi é uma técnica para explorar visões de especialistas sobre o futuro de maneira estruturada, promovendo a troca de opiniões entre os especialistas participantes e a convergência dos mesmos para uma ou mais visões consistentes do futuro. Criada na década de 1960, pela Rand Corportaration, esta pesquisa tem sido aplicada no Brasil com sucesso para apoiar a tomada de decisão e formatação de políticas em diversos setores no Brasil (Wright e Spers, 2006). Na sequência, passaremos aos principais resultados e tendências extraídos. Primeira rodada Em uma primeira rodada, alguns números se destacam, principalmente aqueles envolvendo o tempo de recarrega das baterias. É relevante enfatizar que 58% das pessoas acreditam que no espaço de 8 anos a eficiência das baterias dos veículos evoluirá consideravelmente devido ao avanço da tecnologia, cujos investimentos se justificam com o aumento da demanda por esse tipo de veículos. Corroborando esse dado, podemos citar que, na questão sobre “barreiras”, a tecnologia não foi vista como um empecilho à viabilidade do VE. A qualidade das respostas é assegurada por conta da elevada escolaridade e envolvimento profissional ou do interesse dos respondentes com o tema veículo elétrico, sem, no entanto, destacar número metodologicamente relevante de respondentes.

Parâmetros

Alternativas PorteNº de rodas

Carroceria Motor Config Motor

Armazenagem energia

Veloc máx

Emissões Autonomia

Alternativa 1 mini 1 abertaelétrico a

bateria BEV

1 motor bateriabaixa

<50 km/hbaixas/

nulas< 50km vizinhança

Alternativa 2 compacto 2 série fechadahíbrido plug-in PHEV

2 c/ 2 difer.

tanquemédia 50~90 km/h

médias 50-200 km urbano

Alternativa 3 médio 2 paralelohíbrido

HEV2 nas rodas

capactiroalta

> 90km/h> 200km estrada

Alternativa 4 3

elétrico a célula comb. FCEV

Alternativa 5 4 ou mais

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Estrutura Veicular Motorização Circunscrição de uso

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Dentre as barreiras, o apoio do governo foi considerado essencial para uma queda nos custos do VE e para o desenvolvimento de uma infraestrutura que auxilie o uso de VEs puros. Quanto aos benefícios foram destacados benefícios ambientais, diminuição da poluição (principalmente em grandes centros urbanos), redução de ruídos e possível redução no custo do transporte individual. Relevante também é a preferência da recarga no período “fora de horário de pico” com o uso de um simples timer, ou adoção do smart grid. Segunda Rodada Na segunda rodada da pesquisa Delphi foram esclarecidas algumas pendências que na primeira rodada não obtiveram consenso. A restrição total de circulação em determinadas áreas foi questionada novamente e a maioria dos respondentes afirmou que não haverá restrição total de circulação nas regiões centrais da cidade. Por outro lado, a liberação de VEs das restrições parciais de circulação citadas na primeira e na segunda rodada foi confirmada na rodada final. O fast charging foi confirmado como sendo a opção de recarga rápida mais provável para 2020. Mesmo se esta modalidade de recarga apresentar um custo maior que a recarga domiciliar, os respondentes acreditam que os motoristas de VEs estarão dispostos a pagar um valor mais elevado para abastecerem rapidamente em postos de recarga. A troca de baterias, assim como na primeira rodada, não foi uma opção destacada como muito importante em 2020. O “car sharing” também não foi apontado como uma opção com elevada perspectiva de adoção pela maioria dos respondentes, apesar de haver um contingente significativo de 35% dos respondentes que acredita que esta opção se tornará popular. Mesmo diante da grande evolução prevista no tempo de recarga, os respondentes acreditam que esta variável continuará sendo um dos maiores empecilhos para o desenvolvimento de veículos elétricos. Nos veículos que serão comercializados até 2020, o tempo de recarga é visto como um fator de diferenciação. O horário de recarga da frota de empresas e órgãos públicos foi confirmado como sendo fora do horário comercial, principalmente à noite, porém com atividade expressiva de recarga também ao longo do dia. O local predominante de recarga também foi confirmado na 2ª rodada como sendo em estacionamentos e garagens. A forma de incentivos foi destacada como sendo, principalmente, incentivos governamentais, em conjunto com incentivos do setor elétrico e do setor automobilístico para a adoção inicial dos VEs pelos consumidores. As externalidades que mais se destacaram foram: o desenvolvimento tecnológico propiciado pela introdução de veículos elétricos; a maior eficiência energética global provocada pelo uso dos VEs; a redução do uso de substâncias agressivas ao meio ambiente, como o óleo lubrificante de veículos convencionais; melhoria na saúde da população, que apresentará menos doenças ligadas ao sistema respiratório, resultando em expressiva economia de recursos na área de saúde. 4. CENÁRIOS Segundo Porter (2002), um cenário é uma visão internamente consistente do que o futuro poderá vir a ser, e tem como principais funções a avaliação explícita de premissas de planejamento, o apoio à formulação de objetivos e estratégias, a avaliação de alternativas, o estímulo à criatividade, a homogeneização de linguagens e a preparação para enfrentar descontinuidades. Neste trabalho,

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utiliza-se a definição de cenários de Selin (2006): são histórias que descrevem futuros diferentes, mas igualmente plausíveis, e que são desenvolvidos por meio do emprego de métodos que sistematicamente unem percepções sobre tendências e incertezas. Schoemaker (1995) explica que justamente as tendências, incertezas e as relações entre estas são os principais elementos para a construção de cenários. Para a elaboração de cenários de médio prazo, foi utilizada uma abordagem inovadora, resultante de uma complementação da metodologia do “Global Business Network – GBN”. É um método que vai além da construção de três cenários (otimista, pessimista e mais provável), recomenda que não se atribuam probabilidades aos cenários, pois, o mais provável tenderia a atrair a atenção (Schwartz, 2003). Nesta abordagem desenvolvida no estudo, foram captados um conjunto de 12 incertezas importantes sobre o futuro do setor de veículos elétricos. Através de uma pesquisa Delphi adicional, as 12 incertezas foram classificadas em relação a duas dimensões básicas - a importância e o grau de imprevisibilidade. Uma análise dos clusters mapeados nestas duas dimensões permitiu identificar dois clusters de variáveis independentes entre si, que eram de grande importância e altamente imprevisíveis. O primeiro “cluster” foi designado como “conveniência de uso (do VE)” e incorpora fatores como a existência de uma rede de abastecimento (recarga) dos veículos, a autonomia e o tempo de recarga da bateria. O segundo cluster de variáveis foi denominado de “custo total de propriedade” e é composto por fatores como o preço do VE, o custo e vida útil das baterias, o custo de sua disposição e/ou reaproveitamento, e a existência (ou não) de subsídios ou incentivos públicos para o uso de VE (algo que existe na maioria dos países industrializados):

Figura 3: Os quatro quadrantes dos cenários. Fonte: elaboração dos autores.

Pela interação das duas dimensões descritas foram definidos quatro cenários para a cidade de São Paulo em 2020 que contemplam: perspectivas sociais, ambientais e econômicas em decorrência do

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desenvolvimento de veículos elétricos; local de produção dos componentes dos veículos elétricos; papel do carro híbrido; público consumidor até 2020; autonomia do VE; horário de recarga; local de recarga; preço do veículo elétrico; tempo de recarga lenta da bateria; tempo de recarga rápida da bateria; competividade do motor otto; pedágio urbano; incentivos em relação ao preço de venda do veículo elétrico; restrições de circulação e estacionamento como rodízio municipal urbano, zona azul, pedágio urbano e restrição total de circulação; outros incentivos governamentais; posicionamento e lobby de produtores de etanol e da Petrobras; e penetração de VEs puros em pequenas e médias cidades. 4.1. Cenário Solução Corporativa O cenário chamado “Solução Corporativa" se configura como o tendencial para São Paulo, por ser aquele que resulta da continuidade de ação das forças atuais. De maneira prática, pode-se afirmar que, se não houver nenhuma mudança tecnológica transformadora na cadeia do veículo elétrico, a realidade dos VEs em 2020 se aproximará mais deste cenário do que de qualquer outro. De maneira ilustrativa a esse cenário, podemos citar a cidade de Nova Iorque de 2012, onde aproximadamente 430 veículos de propriedade da administração municipal, principalmente carros de polícia, são híbridos. A renovação da frota faz parte do programa Clean Fleet Transition Plan, que ainda foi responsável pela instalação de 113 dispositivos de recarga em pátios e garagens públicas e prevê a substituição de todo veículo de empresas, sempre que necessária, por um menos poluidor obrigatoriamente. A cidade também planeja lançar um programa piloto para a introdução de táxis elétricos (PLANYC, 2012). Neste cenário onde o custo e conveniência são desfavoráveis ao cidadão comum, apenas empresas e governos poderão arcar com os custos de VEs puros. Sendo assim, a participação desses veículos é expressiva somente na frota elétrica de carros públicos (frotas oficiais), táxis, veículos de empresas (frotas, inclusive utilitários), motos e scooters (para serviço de delivery e motoboy). Com essa perspectiva, a penetração total dos VEs será de aproximadamente 20% entre os carros de empresas, 20% entre os carros oficiais, 25% entre táxis e 30% da frota comercial de motos e scooters e apenas 5% dos carros novos vendidos para o público em geral serão elétricos. Para governos e empresas, a utilização da nova tecnologia representa economia de custos frente ao consumo de combustíveis fósseis no longo prazo. O custo total de propriedade será elevado, mas atenuado por benefícios pontuais que são estudados desde 2012, como: criação de vagas em pontos de táxis exclusivos para VEs, liberação parcial da zona azul e do rodízio municipal de veículos, liberação do pedágio urbano para VEs e um incentivo de 15% sobre o preço de venda de veículos elétricos. Ademais, introduzir VEs na frota significa adaptar-se à onda sustentável que é influente no mundo há pelo menos duas décadas, implicando em ganhos de imagem. No cenário “Solução Coorporativa”, os VEs serão caros (o custo total de propriedade e uso será aproximadamente o dobro de um modelo similar à combustão interna à época) por conta de tímidos avanços tecnológicos, falta de interesse público e importação da maior parte dos componentes, tornando-o inacessível para a grande maioria da população. A conveniência de uso tende a ser baixa, com uma parca infraestrutura de eletropostos e pequena autonomia das baterias, por isso, a recarga ocorrerá nos locais de trabalho, garagens onde o carro for estacionado ou na residência do funcionário (em casos que os funcionários utilizam os veículos da empresa também para uso particular). O veículo híbrido desempenhará um papel similar ao de um VE puro e terá uma difusão similar, com uma ressalva para a concentração de híbridos em empresas que necessitam de veículos com

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autonomia extremamente alta, pois os VEs puros apresentarão autonomia em média de 300 km sem recarregar a bateria. Como “Solução Corporativa”, o horário de recarga apresentará dispersão, pois, além das recargas à noite, que serão a maioria e estarão concentradas entre às 19h e às 0h com pico às 20h, haverá a presença (com menor relevância) de recargas ao longo do horário comercial. O tempo médio de recarga lenta será de 120 minutos e o de recarga rápida de 30 minutos. Os impactos sociais serão discretos. A diminuição média das dimensões do automóvel não aliviará congestionamentos e tampouco proporcionará mais vagas em estacionamentos, pois são poucos VEs na frota global. Por outro lado, como veículos comerciais e motos são grandes unidades geradoras de poluição, as doenças respiratórias ocasionadas pela emissão de poluentes sofrerão significativa redução. Outro ponto positivo é a redução nos custos de táxis, devido à redução de custos de manutenção e abastecimento. Na esfera econômica, as empresas sentirão redução significativa em seus custos, assim como os poucos indivíduos que puderem comprar um veículo elétrico. A cadeia do setor automotivo tem pouca motivação para investir em pesquisa, por isso será pouco afetada. Não haverá efeito na diminuição dos picos de energia elétrica dada a frota pequena deste cenário e a baixa taxa de utilização de smart grid. 4.2.Cenário Nicho Verde Chique Outro cenário exploratório desenvolvido para a cidade de São Paulo recebeu a alcunha de “Nicho Verde Chique”, no qual os custos de comprar e manter um VE continuam elevados, mas a autonomia do veículo cresce e as possibilidades de recarga em postos nas ruas se multiplicam, tornando o seu uso conveniente e viável mesmo para viagens maiores. Veículos similares aos deste cenário são os elétricos puros que já existem em 2012, como o Nissan Leaf, Mitsubishi i-Miev, Ford Focus Elétrico, Tesla S e o Coda, cujas autonomias da bateria e velocidades máxima serão maiores. O “Nicho Verde Chique” será composto pelas classes mais altas que perseguem uma conduta sustentável em suas ações diárias. Esses consumidores percebem muito valor nas características de sustentabilidade ambiental e, por isso, estarão dispostos a pagar mais por veículos “verdes”. De fato, o número de possíveis consumidores pode ser supreendentemente elevado, como preveem autoridades nova-iorquinas (PLANYC, 2010). Com essas características, apenas 10% da frota de veículos particulares novos será elétrica em 2020. As empresas e governos que possuem boas práticas ambientais adquirirão seu veículo elétrico e, assim, a frota corporativa será composta por 20% de VEs puros, a de táxis por 25% e a de ônibus e veículos públicos por 20%. O custo total de propriedade de VEs será elevado devido aos parcos benefícios oferecidos pelo governo e importação de grande parte dos componentes. Quanto à facilidade de uso, esta será consideravelmente elevada devido a medidas pontuais que vem sendo implementadas desde 2012, como incentivos a táxis elétricos, liberação de restrições à circulação e estacionamento. Porém, diferentemente do que se observa no cenário “Solução Corporativa”, a autonomia do veículo cresce e as possibilidades de recarga em postos nas ruas são amplas, tornando-o viável mesmo para viagens maiores.

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Apesar dos incentivos citados, o custo total de propriedade e uso destes veículos continuará sendo elevado, aproximadamente 50% mais caro que o de um modelo similar à combustão interna. Um dos fatores que contribuem para isto é o fato de a maioria dos componentes serem importados. A recarga da bateria desses veículos será feita principalmente no domicílio e nos estacionamentos das empresas. Como os pontos de recarga rápida públicos serão muito limitados, essa forma de recarga não será relevante, mesmo para a frota de empresas. O horário de recarga neste cenário está distribuído entre às 21h e a 1h, com pico à 0h e o tempo médio de recarga será de 120 min para a lenta e de 10 min para a rápida. O veículo híbrido desempenhará um papel similar ao de um VE puro e com a mesma difusão, com uma ressalva para a concentração de híbridos no nicho de consumidores que necessitam de veículos com autonomia extremamente alta, pois os VEs puros apresentarão autonomia média de 300km sem recarregar a bateria e a rede de postos de recarga será muito limitada. Pode-se dizer que os donos de VEs não conseguirão mitigar os impactos ambientais ocasionados pelos veículos a combustão interna. A pequena diminuição da poluição do ar e sonora causará impactos de baixa intensidade em problemas ambientais e de saúde pública. Também, a reduzida rede de postos de recarga rápida não impedirá a redução do número de áreas de postos de gasolina cujo solo esta contaminado. Pouco ou nenhum apelo positivo em termos ambientais será agregado pelo marketing da cidade. O maior êxito ambiental conquistado pelos consumidores será contar com a reciclagem de 90% da bateria de seu automóvel. O custo de transportes públicos e táxis não é influenciado, pois o custo do VE é muito elevado e por isso VEs não têm representatividade na frota de transportes públicos. Por outro lado, como veículos comerciais e motos são grandes unidades geradoras de poluição, as doenças respiratórias ocasionadas pela poluição sofrerão moderada redução. Outro ponto positivo será a redução nos custos do transporte coletivo e táxis, devido a redução de custos de manutenção e abastecimento. A redução nos custos também impactará positivamente nas finanças de empresas e dos poucos cidadãos que podem arcar com os custos de um veículo elétrico. A cadeia do setor automotivo terá pouca motivação para investir em pesquisa, por isso será pouco afetada. Da mesma forma, não haverá efeito na diminuição dos picos de energia devido à frota de VEs, pequena neste cenário e à baixa taxa de utilização de smart grid. 4.3. Cenário Meu Carrinho Elétrico Um dos cenários exploratório desenvolvidos chama-se “Meu Carrinho Elétrico” e ele parte do princípio de que o VE com características de carro popular se torna comum entre os indivíduos que já possuem outro carro maior. Conhecido como ultra-small vehicle (USV), esse automóvel possui baixo custo, é pequeno e tem poucos lugares disponíveis, o que o torna útil em diversas situações do cotidiano urbano. Um exemplo real desse tipo de veículo é o Renault Twizy, cujo motor elétrico é alimentado por uma bateria de lítio e apresenta autonomia de 100 km. A versão de entrada alcança velocidade máxima de 45 km/h, enquanto que o modelo mais potente chega a desenvolver velocidade máxima de 80 km/h (Silva e Wright, 2011). Outros modelos elétricos puros, como o Reva L-ion, MyCar e o Buddy, aproximam-se do protótipo de um ultra-small vehicle elétrico. A tabela abaixo mostra algumas características desses veículos e os compara com o Smart, um veículo a combustão atual que possui características semelhantes.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Percebe-se que o ultra-small vehicle, além de substituir os veículos populares convencionais, será uma alternativa de segundo carro para quem não consegue arcar com os custos de um carro popular a combustão interna, normalmente utilizado para viagens de longa distância. Assim, mais carros serão introduzidos à frota global, além daqueles que serão substituídos. Nesse cenário, a penetração atinge 25% do total dos carros novos vendidos, porém, nem empresas nem taxistas se sentem atraídos para modificar a sua frota, por conta da baixa conveniência de uso. A difusão é de 6,5% dentre carros de empresas, 10% dentre carros públicos, 10% dentre táxis e 15% dentre motos e scooters. Em 2020, a autonomia para estes veículos será inferior a de VEs de maiores dimensões, mas suficiente para que os cidadãos rodem pela cidade – por outro lado, essa característica torna os ultra-small vehicle inadequados para comporem frotas corporativas. Haverá considerável presença de eletropostos para recarga rápida espalhados pelas ruas de São Paulo. Pressionado pela isenção de impostos e incentivos governamentais de diversas naturezas (liberação parcial da zona azul e do rodízio municipal de veículos e implementação de pedágio urbano com liberação apenas para VEs), o custo total de propriedade do ultra-small vehicle será acessível a grande parte dos cidadãos, com incentivos de 15% sobre o preço de venda de veículos elétricos. Os USV custarão cerca de 30% menos que veículos populares convencionais, pois esses veículos utilizam menos materiais, possuem um motor de baixa potência, a maioria dos componentes será de produção nacional e os incentivos e parcerias citados influenciarão na queda no preço de venda. Comparativamente aos VEs maiores, as baterias são mais baratas por armazenarem menos energia. Veículos híbridos não apresentarão relevância neste cenário devido ao alto custo do motor de um veículo híbrido que é incompatível com o conceito do ultra-small vehicle. A autonomia dos ultra-small vehicle será de 120 a 200 km, com tempo médio de recarga lenta de 120 min e o de recarga rápida de 10 min, sendo feita principalmente em domicílios e em postos de recarga. O horário de recarga neste cenário está distribuído entre às 21h e a 1h com pico à 0h. Transformações ambientais significativas se farão sentir já em 2020. Como a participação total na frota do município é maior do que no cenário “Solução Corporativa”, efeitos como diminuições da poluição sonora, do ar e da contaminação do solo terão alta intensidade, assim como o apelo sustentável do marketing da cidade. Haverá diminuição da contaminação do solo, frequente em locais onde funcionam postos de gasolina. Mais de 90% dos materiais usados na bateria serão reciclados. No que se refere aos impactos sociais, se por um lado a diminuição média das dimensões do automóvel alivia congestionamentos, por outro, a grande quantidade de ultra-small vehicles adicionados à frota fará com que haja uma redução apenas moderada no tráfego. Assim, há pouca redução no trânsito de São Paulo. Outro benefício sentido será a redução na incidência de doenças respiratórias. Impactos econômicos deste cenário são: redução alta no custo pessoal de manutenção e abastecimento, demanda fraca por novos produtos relacionados ao VE e incentivo baixo ao desenvolvimento de novas tecnologias. Não haverá efeito na diminuição dos picos de energia elétrica, dada a baixa taxa de utilização de smart grid.

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4.4. Cenário Cidade Elétrica No cenário normativo “Cidade Elétrica”, o VE ocasionará mudanças significativas na sociedade paulistana. O exitoso desenvolvimento tecnológico do setor até 2020, atrelado a diversos tipos de incentivos governamentais, como financiamento de eletropostos, redução de impostos e liberdade total de circulação e estacionamento, fará com que os custos sejam acessíveis, o que, se somando a elevada conveniência de uso, torna o VE extremamente atraente. Neste cenário, também terá crescente representatividade o uso de ultra-small vehicles como alternativa para o deslocamento urbano em pequenas distâncias. Em 2012, nenhuma cidade no mundo se aproximava da Cidade Elétrica. No entanto, pode-se dizer que Nova Iorque se esforçava para atingir esse patamar. Além de incentivar a adoção de VEs em sua frota, seu plano de longo prazo previa estímulos governamentais para reformar imóveis, visando adaptá-los a recarga de automóveis, e para instalação de eletropostos nas ruas. Outra iniciativa de destaque e que se aproxima do cenário veio de Paris, pioneira na adoção de VEs para compartilhamento, disponibilizados em diversas ruas através do sistema conhecido como autolib’. Com baixo custo de aquisição, propriedade e grande conveniência de uso, a popularidade dos VEs será grande: alcança 25% dos automóveis novos vendidos em 2020. As empresas e os governos municipal e estadual aproveitam a oportunidade e renovam sua frota, incorporando a nova tecnologia. O total renovado atingirá: 40% dos veículos de empresas, 50% dos veículos públicos, 52,5% dos táxis e 50% das motos possuem motores elétricos. O preço destes veículos será aproximadamente o de um modelo similar à combustão interna. O custo total de propriedade de VEs poderá ser amplamente reduzido devido aos benefícios oferecidos pelo governo. Haverá criação de vagas em pontos de táxis exclusivas para VEs, liberação parcial da zona azul e do rodízio municipal de veículos para VEs, implementação de pedágio urbano com liberação apenas para VEs e um incentivo de 20% sobre o preço de venda de veículos elétricos. A conveniência de uso satisfará a todos os tipos de consumidores, desde o motorista individual até as grandes corporações e órgãos públicos, pois haverá um amplo leque de eletropostos para recarga e as concessionárias oferecerão tanto veículos grandes quanto ultra-small vehicle, com diferentes padrões de autonomia. Pesará positivamente também o enfraquecido lobby de produtores de etanol e petróleo. Quanto ao preço, estes serão extremamente competitivos com carros similares, com os ultra-small vehicle e carros de maior autonomia, custando cerca de 30% menos do que veículos similaresmovidos a combustão interna. Veículos híbridos plug in poderiam ser relevantes devido à sua autonomia extremamente alta, porém, neste cenário, o VE puro contará com 400 km de autonomia e uma rede de postos de recarga rápida que minimizarão ainda mais suas desvantagens. Por isso, o VE puro será mais relevante que o híbrido com uma ressalva para a presença minoritária de híbridos em nichos de consumidores que necessitam de veículos com autonomia extremamente alta. A recarga da bateria desses veículos será feita principalmente em estacionamentos, na residência e em pontos públicos de recarga (que serão abrangentes). Este cenário apresenta o horário de recarga concentrado entre às 21h e a 1h com pico à 0h, havendo presença (com baixíssima relevância) de recargas ao longo do horário comercial. O tempo médio de recarga lenta será de 90 min e o de recarga rápida de 10 min.

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A relação do automóvel com o meio ambiente passará por transformações importantes, a saber: problemas como a poluição do ar e sonora sofrerão redução drástica; a transformação dos postos de gasolina em postos de recarga rápida gerará redução no avanço da contaminação do solo; São Paulo conseguirá transformar os impactos do VE em ganhos para sua imagem e a cidade ficará internacionalmente conhecida como referência em qualidade ambiental e sustentabilidade. A qualidade do ar da cidade melhorará e, consequentemente, o número de enfermos com doenças respiratórias cairá. Como o VE se popularizará no transporte público e entre táxis, esses meios de transporte sofrerão redução nos custos devido a menores impostos e custos de manutenção, licenciamento e abastecimento. Por outro lado, o trânsito será pouco afetado, uma vez que os VEs comerciais possuem em média o mesmo tamanho dos carros a combustão interna e ultra-small vehicles não necessariamente substituirão carros de maiores dimensões. Os donos de VEs se beneficiarão da redução no custo pessoal de manutenção e abastecimento. Haverá forte demanda por novos produtos na cadeia automotiva, alimentando as inovações no setor e beneficiando toda a economia. O consumo de energia será amplamente aperfeiçoado com o controle de sistemas através de smart grids. Por conta da substituição da matriz energética e do sucesso do VE, os combustíveis fósseis serão reaproveitados para outros setores da economia, não havendo pressão do setor petrolífero. 5. CONCLUSÃO Analisando o conjunto dos resultados, percebe-se que, de um modo geral, o cenário “Cidade Elétrica” trará impactos amplamente positivos para a economia, para o meio ambiente e para a sociedade. O cenário tendencial “Solução Corporativa” apresenta uma difusão muito tímida do VE até 2020, pois prevê pouco avanço técnico, pouca conveniência de uso e poucos incentivos para que os preços se tornem acessíveis. Com características semelhantes, se apresenta o cenário “Nicho Verde Chique”, no qual os cidadãos mais engajados na questão ambiental e de maior poder aquisitivo terão maior interesse em adquirir seu veículo, que terá penetração maior. Alternativamente, a ascensão de veículos extremamente compactos, conhecidos como ultra-small vehicle, impacta favoravelmente o ambiente urbano, em comparação com o automóvel convencional e, por isso, sua penetração é grande entre os consumidores que já possuem outros veículos de maior porte, assim como os de menor poder aquisitivo, no cenário “Meu Carrinho Elétrico”. Para que nos aproximemos do cenário “Cidade Elétrica”, é indispensável que as autoridades públicas tomem frente e criem incentivos e projetos de apoio, como redução de impostos, instalação de eletropostos, subsídios a adaptações de garagens e a aquisição de um veículo urbano. Estes fatores deixam claro que o governo é capaz de influenciar tanto na conveniência de uso quanto no custo total de propriedade e, subsequentemente, na penetração do veículo elétrico. O setor automotivo tradicional e novos empreendedores nacionais deverão responder ao estímulo e investir em P&D para aperfeiçoar as tecnologias e serviços associados ao novo negócio, colocando o Brasil em posição de destaque nesta tecnologia que configurará um novo paradigma para uma expressiva parte da indústria automobilística global. Um país com forte base de geração hidroelétrica como o Brasil terá uma vantagem significativa ao embarcar desde cedo neste novo paradigma para a mobilidade urbana ao integrar seu uso com a implementação dos smart-grids para aperfeiçoar o aproveitamento da geração elétrica de menos custo. No caso de países e cidades onde a fonte primária de energia elétrica será de origem fóssil, as análises são de que haverá ganhos expressivos com a redução dos custos sociais de correntes da poluição atmosférica nas metrópoles e o custo total de operação dos veículos a tração elétrica será

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Estudo Sobre os Impactos da Introdução de VEs no Tráfego Urbano da Cidade de São Paulo

competitiva com o dos veículos a combustão interna devido à maior eficiência das transmissões e uso final da energia elétrica como força motriz. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Becker, Thomas A. (2009) Electric Vehicles in the United States: a new model with forecasts to 2030. University of

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BILHETAGEM ELETRÔNICA COMO PROCESSO DE INOVAÇÃO 22

Milton Luiz Wittmann

Departamento de Ciências Administrativas Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC

Rafael Mendes Lübeck Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Programa de Pós-graduação em Administração RESUMO O presente estudo compreendeu a análise das melhorias obtidas com a implementação do sistema de bilhetagem em duas cidades e região metropolitana do Rio Grande do Sul, no intuito de verificar se as melhorias na gestão das informações proporcionadas pela bilhetagem eletrônica possuem características que a definam como uma inovação. Foram coletados dados de natureza qualitativa em entrevistas e documentos referentes a processos eletrônicos de controle de passagens estudados via análise de conteúdo. Constatou-se que os efeitos característicos de uma inovação estão em consonância com os resultados da bilhetagem nos casos analisados, fazendo deste sistema uma forma de se obter a inovação. ABSTRACT This study aimed to analyze the improvements achieved with the implementation of the e-ticketing system in some cities in the state of Rio Grande do Sul and also to ascertain whether the improvements in the management of the information provided by electronic ticketing qualify it as an innovation. We collected qualitative data through interviews and document analysis. The collected information was analyzed using content analysis and secondary data. It was found that the characteristic effects of an innovation are in line with the results of e-ticketing in the cases analyzed..

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA O setor de serviços caracteriza-se pela diversidade e inovação e distingue-se na sua organização e execução em relação a outros setores (Hipp, 2008; Djellal e Gallouj, 2007 e Gallouj e Sanson, 2007). Somente na sociedade pós-industrial as inovações em serviços começaram a ter destaque (Simmie e Strambach, 2007; Camacho e Rodriguez, 2005). O setor de transporte público urbano, em cidades-polo do Rio Grande do Sul, tem sido impelido pela busca por inovação a partir da disponibilização de meios tecnológicos e pelos impactos causados por transformações nas demandas de passageiros, crescimento das exigências dos usuários e do Poder Concedente. Destacam-se, neste cenário, as mudanças na configuração das cidades, oportunidades de trabalho em locais fora dos tradicionais centros econômicos, homeoffice, facilidades para aquisição de veículos para transporte individual, engarrafamentos, questões ambientais e de responsabilidade social, que passaram a ser considerados no modus operandi do transporte de pessoas (Lubeck, Wittmann e Júnior-Ladeira, 2009; Costa, Lubeck e Junior-Ladeira, 2008). Esses fatores permitem inferir a necessidade de ganhos de eficiência e eficácia operacional em um setor econômico que possuía uma situação relativamente estável, ganhando destaque, hoje, os sistemas de controle da compra, venda e utilização de passagens, representados pela bilhetagem eletrônica. No Estado do Rio Grande do Sul, os sistemas de bilhetagem eletrônica começaram a ser implantados no final dos anos de 1990 e iniciada em uma cidade da Serra Gaúcha; posteriormente em 2006, a região metropolitana deu início à implantação por força do Poder Concedente. A implementação da bilhetagem foi determinada em vista da necessidade de qualificar a gestão das informações visando garantir, ao Poder Concedente, melhor controle da exploração do transporte público pelas empresas transportadoras e melhorias no atendimento aos usuários. A bilhetagem eletrônica foi desenvolvida como uma evolução dos cartões de crédito com tarja magnética devido a preocupações com ineficiências na gestão das informações e controle de operações. A plataforma tecnológica realiza o cadastro dos usuários, controla as operações de venda de vale-transporte, realiza a carga de créditos a bordo do ônibus e emite os relatórios gerenciais permitindo o monitoramento preciso dos dados. Com a implantação desse sistema, deixou de existir o vale-transporte de papel ou mesmo de fichas plásticas, existindo apenas o crédito em reais a ser utilizado em qualquer das empresas que operam com a mesma plataforma. Os créditos, após serem utilizados pelos usuários nos ônibus, são encaminhados às empresas de transporte nas quais foram gastos em reais, via compensação bancária, pelo controle central do sistema. O cartão dos usuários mantém as informações nele armazenadas e sua leitura é realizada em equipamentos específicos, chamados de validadores, que estão instalados ao lado da catraca do ônibus e a destravam mediante o pagamento com o cartão. Esses sistemas de bilhetagem eletrônica têm como foco diminuir as ineficiências dos sistemas tradicionais de vale-transporte (Lubeck et al., 2008, 2009) Nas cidades abrangidas por este estudo, a implementação do sistema de bilhetagem eletrônica foi obrigatória e exigiu a formação de Consórcios Gestores para o sistema entre as empresas transportadoras devido à dimensão do investimento e às dificuldades comuns a todas as empresas envolvidas no processo de implementação e gerenciamento da bilhetagem. Os Consórcios Gestores ficaram responsáveis pelo desenvolvimento do sistema que passou a dar suporte à operação da bilhetagem associada a equipamentos de controle. A plataforma tecnológica realiza o cadastro dos usuários, controla as operações de venda de créditos, realiza carga de cartões a bordo, emite informações e relatórios gerenciais. A importância dessa pesquisa se reflete na necessidade de estudar os impactos da implantação de soluções tecnológicas, como a bilhetagem eletrônica, em empresas de serviços para o avanço do

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

conhecimento sobre os efeitos das novas tecnologias na gestão, em especial, no que se refere à gestão das informações. Este fator é especialmente relevante, pois se insere nas dinâmicas sociais e econômicas do setor de transporte coletivo e mobilidade urbana contribuindo para o debate acadêmico, científico e empresarial para qualificar estes serviços em cidades-polo com vistas ao desenvolvimento do estado e do país. Considerando os fatores citados e o cenário descrito, a presente pesquisa foi desenvolvida para verificar se as melhorias na gestão das informações proporcionadas pela bilhetagem eletrônica possuem características que as definam como uma inovação em duas cidades e região metropolitana no estado do Rio Grande do Sul. 2. INOVAÇÃO As economias mundiais precisam se concentrar em produtos e serviços que agreguem valor pela inovação e pela criação de mercados e processos (Simmie e Strambach, 2007). No setor de transporte público, a introdução de novas tecnologias, associada à natureza da atividade, torna-se fator de recriação da própria atividade pelo desenvolvimento de novas oportunidades de mercado e qualificação dos serviços oferecidos. A inovação nos serviços é frequentemente assimilada à adoção de sistemas técnicos (chamados de sistemas informatizados) advindos da inventividade dos setores industriais, em detrimento de outras formas de inovação menos tangíveis ou menos especulares (Gallouj e Sanson, 2007). O recurso da tecnologia leva à eficiência e eficácia operacional fazendo com que as empresas melhorem a qualidade de seus produtos e serviços (Gallaugher, 2007), dos quais a inovação passa a ser a chave da produtividade. A inovação pode ser vista como um processo que ocorre em diversas fases, partindo de problemas específicos que passam pela sistematização das dificuldades existentes, pela percepção de práticas inovadoras e pelos processos políticos que envolvem a aceitação da inovação por parte dos agentes envolvidos (Lounsbury e Crumley, 2007). Considerando esses argumentos, foi desenvolvido neste artigo um referencial sobre inovação abordando quatro fatores que foram utilizados para efetuar a comparação dos dados dos casos estudados com a teoria. O primeiro fator definido envolve as forças que influenciam a inovação (Tabela 1).

Tabela 1: Forças que influenciam a inovação F1 - Forças que influenciam a inovação Autor Modos de distribuição e circulação da informação nas empresas Coriat e Weinstein (2002) Relações existentes entre a investigação e o processo de inovação Forças trajetórias: profissional, gerencial, tecnológica, institucional e social

Sundbo e Gallouj (1998)

Forças externas: clientes, competidores, governo e fornecedores Expertise, processos, recursos, legislação e normas, novos mercados

Sheth e Ram (1987)

Considerando os aspetos citados, buscaram-se evidências que possibilitaram o entendimento destas forças e a identificação das formas internas e externas de como essas agiram no processo de inovação estudado. O segundo fator considerado neste estudo refere-se à definição de inovação (Tabela 2) que foi aplicada nas análises de dados coletados para determinar se as características encontradas são compatíveis com as teorias a respeito.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Tabela 2: Definição de inovação F2 – Definições de Inovação Autores A introdução de um novo bem ou método de produção Schumpeter (1982;

1942) Abertura de um novo mercado Novas fontes de matérias-primas Estabelecimento de uma nova organização em qualquer indústria Aplicação de nova tecnologia para aumentar a eficiência e a eficácia na prestação de serviços pré-existentes

Barras (1986)

Inovações em processos melhoram a qualidade dos serviços Inovações que criam novos serviços ou transformam serviços existentes Mudança na maneira que um produto ou serviço é realizado Davenport (1992) Inovação de produto, processo, organizacional, de mercado, ad hoc Sundbo e Gallouj

(1998) Associada diretamente à inovação em processos Tether (2005);

De Jong e Vermeulen (2003)

Inovação per si não existe - prevê o desenvolvimento e a execução de "algo" Adoção de sistemas técnicos informatizados Gallouj e Sanson

(2007) Introdução de métodos ou procedimentos dentro da organização Tarafdar e Gordon

(2007) Atividade ou uma ação que cria valor nos produtos, serviços e processos

Smith (2008)

Ideia que está disponível, mas que não foi reconhecida nem aplicada Nova aplicação de algo já existente

Após definir as características necessárias à inovação, o terceiro fator considerado neste artigo refere-se à intensidade da inovação (Tabela 3), que foi igualmente aplicada nas análises de dados coletados para permitir verificar a validade dos dados empíricos frente aos conceitos sobre o tema destacado.

Tabela 3: Intensidade de inovação F3 - Intensidade da inovação Autor Máxima: novo no mundo Manual de Oslo (2004) Intermediária: novo no país ou região Mínima: novo na empresa

A intensidade da inovação destaca seu o grau de importância tanto em termos científicos quanto em relação à sociedade e para a área na qual foi empreendida. Por fim, como quarto fator, consideraram-se os conceitos sobre inovação em serviços para especificar se as evidências coletadas permitem tecer considerações sobre a bilhetagem eletrônica no papel de agente de inovação.

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

Tabela 4: Inovação em serviços F4 - Inovação em serviços Autor Adoção de sistemas técnicos informatizados Gallouj e Sanson (2007) Mudança na maneira como um produto ou serviço é realizado Davenport (1992) Associada diretamente à inovação em processos Tether (2005) Aplicação de nova tecnologia para aumentar a eficiência e a eficácia na prestação de serviços pré-existentes

Barras (1986) Inovações em processos melhoram a qualidade dos serviços Inovações que criam novos serviços ou transformam serviços existentes Introdução de métodos ou procedimentos dentro da organização Tarafdar e Gordon

(2007) Inovação de produto, processo, organizacional, de mercado, ad hoc Sundbo e Gallouj (1998)

A partir da síntese proposta nos Tabelas 2 e 4 elaborou-se uma definição de inovação em serviços que foi entendida neste trabalho pela compilação do pensamento de Schumpeter (1982, 1942); Tether (2005); De Jong e Vermeulen (2003); Smith (2008); Gallouj e Sanson (2007); Davenport (1992); Tether (2005); Barras (1986); Tarafdar e Gordon (2007) e Sundbo e Gallouj (1998) (Tabela 4). Compilando as definições destes autores pode-se entender a inovação em serviços como: a inovação em serviços por si não existe e pode ser mensurada a partir do efeito que gera, pois é resultado da introdução de uma nova tecnologia, ideia, processo, ou o aprimoramento significativo de um processo existente, que altere a organização e execução do serviço aumentando a eficiência e a eficácia na prestação deste serviço. Na argumentação final deste trabalho foi utilizada a premissa descrita acima como norteadora das considerações finais. Os aspectos sobre inovação, revisados neste trabalho, permitiram elaborar o quadro de análise para os objetivos propostos, como também inserir a gestão da informação que complementa o quadro analítico. 3. GESTÃO DA INFORMAÇÃO A inovação tem sido um dos principais fatores para criar e sustentar estratégias em mercados competitivos (Bernstein e Singh, 2005; Lee, Gemba e Kodama, 2006) e tem interferido diretamente na gestão de muitas empresas, oferecendo potencial de melhoramento nos seus processos internos (Lin e Lu, 2007). A inovação em processos, característica do setor de serviços, tem especificamente a capacidade de superar dificuldades operacionais (Tarafdar e Gordon, 2007). O gerenciamento de informações, através da bilhetagem eletrônica, assumiu importância no setor de transporte coletivo municipal e intermunicipal de passageiros como forma de qualificar os serviços oferecidos à população e ganhar competitividade frente às exigências de qualidade do Poder Concedente. Igualmente, também passou a ser uma forma de identificar e adequar as estruturas das empresas às novas demandas de transporte (Lubeck, Junior-Ladeira e Costa, 2008; Souza Júnior, 2006). Para uma análise conceitual deste trabalho, torna-se importante distinguir dados de informações e estas de conhecimento, para decidir qual a melhor forma de se obter e administrar a informação. O’Brien (2002) afirma que dados são fatos ou observações crus, como imagens ou sons isolados, que podem ou não ser utilizados. Informação é um conjunto de dados que possuem significado e utilidade e dotados de relevância e propósito (Drucker, 2001), ou seja, são dados organizados para um uso específico. Conhecimento é a combinação de instintos, ideias, domínios e procedimentos para guiar ações e decisões. De acordo com Turban, McLean e Wetherbe, (2004), conhecimento é

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

informação que possui contexto, relevância e criado pela interação entre dados, informações e usuários. Os resultados da ação suprem o processo acumulando mais conhecimento e tornando as pessoas mais hábeis a transformar dados em informação e esta em conhecimento, tornando-as também mais hábeis em utilizar a informação em benefício próprio (Alter, 1999). 4. DELIMITAÇÃO DO OBJETO E MÉTODO DO ESTUDO A presente pesquisa consistiu em um estudo exploratório (Cooper e Schindler, 2003) na análise de múltiplos casos, que foi executado em três diferentes unidades de análise do estado do Rio Grande do Sul e para o qual foram buscados, sistematizados e analisados dados primários e secundários representados por entrevistas, análise documental, quantidade de veículos em circulação no RS e número de passageiros transportados, cujas unidades de análise foram nomeadas como Casos α; β; e γ, a fim de proteger a identidade dos entrevistados e das empresas e órgãos públicos que foram objeto de estudo. Inicialmente, construiu-se um referencial teórico que possibilitou definir cinco categorias de análise que nortearam a busca por informações e dados e que deram suporte para a comparação entre os processos de gestão da informação ex-ante e ex-post à bilhetagem. Isso permitiu a verificação das características inovadoras da bilhetagem que foram comparadas com os conceitos de inovações em serviços. Com as categorias elaboradas, foram construídos os instrumentos de coleta de dados utilizados na pesquisa de campo, que resultou em dados de natureza qualitativa e dados secundários. Os dados qualitativos foram examinados com a aplicação da análise de conteúdo e os dados secundários, pela observação das alterações verificadas na quantidade de veículos em circulação no Rio Grande do Sul e no número e tipos de passageiros transportados nos casos estudados (isentos, escolares, pagantes). A coleta de dados em campo compreendeu: entrevistas, com roteiro semiestruturado, com gestores das empresas e associações do transporte coletivo urbano dos casos estudados e representantes do Poder Concedente; análise de dados de transporte público relativos à quantidade de passageiros transportados, ao número de isentos e estudantes; e análise documental para levantamento histórico do setor e da legislação específica para a bilhetagem eletrônica. Para facilitar a compilação dos dados de natureza qualitativa foi utilizada análise de conteúdo, com o objetivo de identificar e agrupar as informações para a avaliação do tema e casos múltiplos propostos. O presente trabalho também optou por utilizar como método de investigação e de estudo a análise de conteúdo, por acreditar que esta metodologia de pesquisa e investigação permite descrever e interpretar o conteúdo de todas as classes de texto (Bardin, 1977). As etapas de realização da análise de conteúdo das entrevistas, documentos e dados secundários (interpretados e descritos na forma de texto) foram agrupadas nas categorias selecionadas, de forma a possibilitar a verificação dos fatores competitivos nos três casos selecionados. Utilizando como base Bardin (1977), Bauer e Gaskel (2002), Godoi (1995), Moraes (1999), Richardson (1999) e Simões (1991), a análise de conteúdo foi realizada em cinco etapas: a) Delineamento: utilizando as teorias sobre o tema, nas quais foram construídas as categorias de análise; b) Pré-análise: consistiu da análise prévia dos materiais coletados; c) Análise material: categorização dos dados; d) Tratamento dos dados: extraiu-se dos dados palavras-chave que representassem o conteúdo do texto; e) Julgamento da validade: as análises foram validadas pela relação teoria versus dados empíricos gerando as considerações sobre a pesquisa e f) Agrupamento: as informações coletadas dos três casos foram agrupadas por categorias (Figura 1).

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

Figura 1: Exemplo da formação de categoria

Após serem agrupadas em cada categoria, as informações foram descritas de forma a representar cada fator competitivo considerado neste estudo e que passaram a fornecer subsídios empírico-teóricos para tecer considerações a respeitos dos casos (a Tabela 05 descreve os agentes nos casos estudados).

Tabela 5: Agentes nos casos estudados.

AGENTES NOS CASOS ESTUDADOS Organização Descrição

Associação de Transportadores

Instituições que existem nas cidades analisadas há mais de 10 anos, com o objetivo de congregar as empresas transportadoras, comercializar vales-transportes e passagens escolares, representá-las perante o Poder Concedente, sindicatos e público em geral. As Associações também se encarregam de prover soluções e apoio logístico e operacional e soluções baseadas em tecnologia aos associados.

Consórcio Gestor Corresponde à estrutura organizacional montada para gerenciar operacionalmente o sistema de bilhetagem eletrônica o qual é integrado por profissionais das próprias empresas e por funcionários contratados. Esta organização está ligada diretamente à Associação dos Transportadores e a ela se reporta hierarquicamente.

Consórcio Consórcio é a nomenclatura utilizada para descrever as operações conjuntas das empresas transportadoras que passam a operar com ônibus padronizados em uma mesma região. Os consórcios estão presentes nos casos α e γ.

Empresas Transportadoras

Neste estudo, corresponde às empresas transportadoras de passageiros dos casos analisados. Nenhuma destas foi identificada pelos nomes-fantasia ou mesmo razão social para preservar a identificação.

Poder Concedente Corresponde às empresas públicas, agências reguladoras e prefeituras, representadas pelas secretarias de transporte, que se encarregam de normatizar e supervisionar a execução dos serviços de transporte público nas cidades abrangidas.

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O presente estudo foi desenvolvido a partir das Associações que congregam as Empresas Transportadoras de passageiros dos casos selecionados. Como ponto de partida, foram entrevistados gestores das Associações, das empresas associadas e representantes do Poder Concedente (Tabela 6).

Tabela 6: Unidades de análise UNIDADES DE ANÁLISE

Item Entrevistados Caso α Gerente executivo da Associação dos Transportadores; presidente da Associação;

representante do Poder Concedente. Caso β Gerente executivo da Associação dos Transportadores; Gerente de TI do Consórcio

Gestor; Gerente do Consórcio Gestor; Gerente operacional da Empresa Transportadora 1; Gerente operacional da Empresa Transportadora 2; Diretor executivo da Empresa Transportadora 2; Diretor do Poder Concedente.

Caso γ Gerente executivo da Associação dos Transportadores; Diretor do Poder Concedente; Gerente operacional da Empresa Transportadora 1; Gerente operacional da Empresa Transportadora 2; Gerente operacional da Empresa Transportadora 3.

Os casos analisados e descritos na Tabela 7 localizam-se em diferentes cidades e dois dos casos em cidades conturbadas e, embora regidas por distintas legislações nas quais o Poder Concedente é formado por órgãos públicos não interligados, de realidades semelhantes. Tal fator atende a um dos supostos de Yin (2001) nos estudos de casos múltiplos fazendo deste estudo uma replicação literal.

Tabela 7: Descrição dos casos analisados

DESCRIÇÃO DOS CASOS ANALISADOS Caso Descrição

α Cidade localizada no centro do Rio Grande do Sul com cerca de 300.000 habitantes fixos, de economia baseada no setor de serviços públicos, em especial no ensino universitário e nas forças armadas. As empresas de transporte público estudadas nesta cidade realizam o transporte de passageiros no limite urbano do município e são supervisionadas pela prefeitura municipal. O sistema de bilhetagem, durante a pesquisa, estava em fase inicial de implantação no ano de 2010, portanto neste município foi analisada apenas a situação ex-ante.

β Abrange mais de 20 municípios no entorno da capital do Estado do Rio Grande do Sul (há divergências na contagem dos municípios dependendo da fonte de consulta) que concentram uma população aproximada de 1.500.000 habitantes e de economia bastante diversificada. As empresas de transporte público selecionadas para este estudo realizam o transporte de passageiros em seus municípios e também destes para a capital do estado. Para fins desta pesquisa foram analisadas as empresas que se reuniram em um Consórcio, com intermédio de uma Associação de Transportadores e implementaram o sistema tanto para o transporte interno em seus municípios de origem quanto no transporte até a capital do estado.

γ Cidade com maior população do Rio Grande do Sul com cerca de 1.400.000 habitantes e economia predominante no setor de varejo e serviços. Os transportadores de passageiros desta cidade realizam o transporte interno no município e operam de forma consorciada desde o final da década de 1990. São três consórcios que abrangem as regiões sul, norte, sudeste-leste e mais uma empresa pública que faz a interligação dos eixos com as linhas transversais.

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

Os dados qualitativos foram obtidos e analisados de acordo com as seguintes etapas: a) construção do referencial teórico aprofundando os temas que envolvem os casos estudados; b) definição de categorias a priori; c) elaboração do instrumento de coleta de dados; d) realização da pesquisa de campo; e) análise dos dados; e f) comparação dos dados coletados com o referencial de inovação. Terminada a análise dos dados qualitativos, foi realizada a análise dos dados secundários, representados por números de usuários de transporte público por ano e tipo e por dados da evolução da quantidade de veículos circulando no estado do Rio Grande do Sul. Ressalta-se que, no Caso α o Poder Concedente afirmou, durante entrevista com o responsável pela pasta de transportes, não haver disponibilidade de tais dados, no entanto os dados fornecidos pelos Casos β e γ foram suficientes para atender aos objetivos deste estudo. Os dados qualitativos e secundários foram compilados criando o relatório de casos cruzados (Yin, 2001) e, a seguir, realizou-se a etapa de análise e descrição representada na Tabela 8.

Tabela 8: Modelos de análise MODELO DE ANÁLISE

Etapa Estratégia O que foi realizado

Criação do relatório de casos cruzados

Compilação das análises dos dados

qualitativos e secundários

Criação de uma síntese que demonstrou os ganhos obtidos com a implementação da bilhetagem eletrônica.

Comparação dos resultados dos casos cruzados com o referencial de inovação em serviços

Resultado da compilação de dados

Partindo dos conceitos de inovação, citados no referencial teórico, comparou-se os resultados das análises de casos cruzados. Revisão

bibliográfica A combinação das diferentes fontes de dados empíricos possibilitou descrever um relatório de casos cruzados e compará-los com as características de inovação destacadas na revisão bibliográfica deste trabalho como forma a responder adequadamente à questão da pesquisa. Os fatores elencados foram distribuídos da seguinte forma: F1) forças que influenciam a inovação: tem por objetivo a observação de cenários nos quais as inovações se desenvolvem e de que forma ocorrem; F2) definição de inovação: descrevem as características primordiais para a atribuição do adjetivo inovação a um determinado fenômeno ou prática organizacional; F3) intensidade da inovação: descreve a relevância da inovação em relação a sua capacidade transformadora; F4) inovação em processos: possibilita o entendimento de características típicas de inovações menos tangíveis; e F5) inovação em serviços: reúne as características mais relevantes atribuídas a inovações no setor da economia estudado.

Concluídas as análises de dados qualitativos e secundários foi construída a comparação entre os fatores que envolvem a inovação e os resultados da pesquisa empírica, de forma a responder aos objetivos propostos. Esta etapa da pesquisa foi executada comparando-se cada fator com os resultados obtidos e a partir desta comparação foram elaboradas as considerações deste trabalho.

5. TRATAMENTO ANALÍTICO Foram coletados dados referentes à quantidade de veículos em circulação no Rio Grande do Sul, no período de 2001 a 2010, no intuito de demonstrar a substituição do transporte público pelo transporte individual. Esses, por conseguinte, foram correlacionados com os dados obtidos no Poder

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Concedente dos casos β e γ referentes à quantidade de passageiros transportados por ano e por tipo (isentos, passageiros com desconto e pagantes integral) com o intuito de demonstrar a qualificação dos dados ex-ante e ex-post à implantação da bilhetagem eletrônica. Foram tomados os dados de 2005 a 2009, devido aos dados anteriores a este período serem considerados como imprecisos pelo Poder Concedente e a não disponibilização dos dados referentes a 2010. Os dados apresentados dispensaram a utilização de complexos métodos de análise, visto que, para os objetivos propostos, a análise destes foi suficiente para fundamentar as considerações deste estudo. A evolução da quantidade de veículos em circulação demonstra um crescimento aritmético do transporte individual no estado do Rio Grande do Sul, pois o número de veículos em circulação no RS (descontados os registros de veículos extintos) cresceu 45,56% no período 2001 a 2010. No mesmo período, o último censo demonstrou um crescimento populacional no estado desproporcional ao crescimento da quantidade de veículos em circulação. A população cresceu, em relação ao último censo do ano de 2000, apenas 0,87% (IBGE, 2011). Embora esta distribuição seja em nível estadual, demonstra a priorização do transporte particular em detrimento do transporte coletivo, em especial nas unidades locacionais estudadas, pois estas se constituem em regiões nas quais o trânsito está visivelmente mais complicado devido ao aumento do fluxo de veículos particulares. Este suposto decréscimo da quantidade de passageiros utilizando o transporte público deveria refletir-se nos dados de passageiros transportados. Entretanto, os dados obtidos demonstram uma situação diferente no momento ex-post à bilhetagem eletrônica nos Casos estudados (compreende o período 2007 a 2009).

Figura 2: Passageiros transportados por ano e por tipo: Caso β

Os dados do Caso β (Figura 2) demonstram que no ano de 2008 houve uma redução na quantidade total de passageiros transportados, redução de isentos e escolares e aumento de pagantes. No ano de 2009 houve um aumento substancial no total de passageiros transportados e de isentos e pagantes, e redução substancial de escolares.

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

Figura 3: Passageiros transportados por ano e por tipo: Caso γ

Os dados do Caso γ (Figura 3) demonstram que no ano de 2008 houve um aumento substancial na quantidade total de passageiros transportados e de isentos e pagantes, e redução de escolares. No ano de 2009 houve um aumento de pagantes e redução de isentos e idosos, e pequena variação negativa no total de passageiros transportados. 6. INOVAÇÃO VERSUS DADOS COLETADOS Nesta seção foi executada a comparação dos dados obtidos e analisados com o referencial de inovação conforme descrito na metodologia. Cabe lembrar que o Caso α foi utilizado neste estudo para reforçar os aspectos que envolviam a situação ex-ante e, portanto, foram observados apenas os fatores ex-post concernentes aos Casos β e γ. 6.1. Análise F1: forças que influenciam a inovação Foi analisado, a partir da gestão das informações nas empresas de transporte que foram afetadas pela inserção de novas estratégias, o modo como a implantação da solução tecnológica alterou o modus operandi das empresas transportadoras e relacionamentos com os usuários e o Poder Concedente. O novo cenário permitiu haver uma relação mais transparente entre transportadores e seus públicos de interação, pois as relações e a interação entre usuários e transportadores foram afetadas e transformaram-se, devido à necessidade de adaptações de ambos à nova tecnologia. Infere-se que, com a extinção do comércio ilegal de passagens, foi modificada a lógica de recebimento e uso de passagens dificultando o uso indevido de benefícios. A legislação e as normas ditadas pelo Poder Concedente fizeram com que as empresas transportadoras implementassem a bilhetagem. o que afetou decisivamente os modos de distribuição e circulação da informação nas empresas, possibilitando relações mais transparentes e controles mais efetivos.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

6.2. Análise F2: definição de inovação A bilhetagem eletrônica pode ser considerada inovadora na medida em que se constitui uma nova forma de executar o gerenciamento das informações de transporte público. A partir dos resultados analisados, foi possível inferir a existência de oportunidades para a introdução de formas novas de comercialização de créditos, a possibilidade de integração entre linhas e usuários, a reorganização dos processos das transportadoras que resultaram na qualificação dos fluxos de dados e melhorias da quantidade e disponibilidade e maior precisão de dados e informações, ou seja, a inovação, provocada pela bilhetagem, é perceptível como um efeito da introdução de uma ferramenta tecnológica no transporte público. 6.3. Análise F3: intensidade da inovação A bilhetagem pode ser considerada uma inovação de média intensidade, pois se constituiu em novas práticas e melhorias nas regiões e cidades nas quais foi aplicada, transformando a dinâmica das operações do uso e gestão do transporte público. Apesar de não ser novo no mundo, ainda é considerado recente no Brasil, pois as primeiras iniciativas de bilhetagem remontam ao final de década de 1990. O uso do sistema informatizado causou impactos sociais e econômicos, tais como: a) Restrições ao comércio ilegal dificultaram a falsificação de passagens: o comércio tradicional de

passagens era o canal de vendas para os vales-transporte e passagens escolares falsificados. Este modelo era também utilizado pelos trabalhadores para a venda dos vales-transporte que recebiam das empresas nas quais exerciam atividades. Dos trabalhadores desconta-se apenas uma pequena parte do preço da passagem (6%) e o empregador arca com a maior parte dos custos (94%). Devido a este fator, a bilhetagem também impactou economicamente as empresas que, em geral, tiveram uma redução nos custos com funcionários, uma vez que deixa de existir o vale-transporte como complemento de renda. Era comum ocorrer, embora este trabalho não tenha proposto mensurar este volume, a venda de vale-transporte por trabalhadores que substituíam o transporte coletivo por alguma forma de transporte individual e utilizavam o vale-transporte como moeda no comércio informal. Com a bilhetagem, a utilização indevida tornou-se de difícil exequibilidade, pois o crédito do vale-transporte é personalizado, não podendo ser transferido;

b) Dificuldades para a utilização indevida de benefícios como passagens escolares e descontos: anteriormente era possível a utilização indevida de benefícios devido a grande complexidade de controle do uso destes benefícios, pois o beneficiário não era em nenhum momento identificado. Com a bilhetagem eletrônica passou a ser possível inclusive detectar fraudes mediante denúncias, comportamentos anormais de determinado usuário ou grupo de usuários (utilizações muito acima do razoável ou mesmo do permitido por lei), utilização de linhas distantes do endereço ou mesmo (com as tecnologias mais recentes) uso do cartão de outrem;

c) Redução significativa das fraudes no uso de isenções: O advento das formas eletrônicas de controle passou a dificultar a utilização indevida das isenções, pois as mesmas são destinadas a determinadas classes de funcionários públicos, fiscais, funcionários das empresas de ônibus, idosos e deficientes físicos e não podem ser utilizadas por terceiros. Devido à identificação eletrônica, tornou-se possível reconhecer fraudes e usos indevidos com o bloqueio de cartões; e

d) Redução de valores em espécie nos ônibus: com o fim dos vales-transporte e passagens escolares em via física, reduziu-se a atratividade de assaltos nos ônibus, pelo menos no que se refere aos cobradores. Esse fator aumentou a segurança nos veículos com redução de perdas com assaltos que, embora não seja tão significativa quantitativamente, representa uma preocupação para as empresas, autoridades públicas e sociedade.

6.4. Análise F4: inovação em serviços O sistema de bilhetagem causou inovações nos processos das empresas transportadoras e também do Poder Concedente afetando os usuários, pois alterou as operações de compra, pagamento e utilização

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

da passagem dos ônibus urbanos via novos procedimentos que geraram mais segurança, eficiência e eficácia na gestão e controle das informações. O sistema de bilhetagem eletrônica constitui-se em uma típica inovação em serviços pela adoção de sistemas e processos informatizados que dinamizaram, qualificaram e reduziram a quantidade de processos manuais nas operações, causando melhorias na qualidade dos serviços. A bilhetagem aumentou a eficiência e eficácia da gestão das informações, tornando-as mais disponíveis e precisas e transformando os serviços existentes, além de causar um impacto social com o fim do comércio ilegal e a redução da atratividade de assaltos nos ônibus. Além do supracitado, o uso desta dessa tecnologia permitiu a multiplicação dos pontos de venda de créditos como, por exemplo, a venda no varejo, embora esta alternativa ainda seja restrita a alguns pontos de venda. O uso eventual de dinheiro nos ônibus não foi excluído totalmente, devido aos usuários eventuais e à falta de uma ampla rede de comercialização de cartões pré-pagos. Perante os objetivos deste estudo, os dados apresentados traçaram o panorama do gerenciamento de informações no transporte público ex-ante e ex-post à bilhetagem eletrônica. Na parte qualitativa foram descritas e analisadas as relações interorganizacionais, a legislação e regulação do transporte público, as características do sistema de bilhetagem e a gestão ex-ante e ex-post das informações. Sobre estes dados analisa-se a característica do setor regulado pelo Poder Concedente, representado por agências reguladoras ou secretarias municipais de transporte, que determinam as regras para o desenvolvimento da atividade de transporte público; as operações conjuntas dos transportadores, tanto para o caso de consórcios operacionais quanto para a própria bilhetagem; as características do sistema que permite dimensionar e controlar efetivamente as operações; as mudanças ex-post que demonstram melhorias na gestão da informação. Quanto aos dados secundários, as variações identificadas permitiram inferir que a bilhetagem eletrônica melhorou a qualificação dos dados e informações do transporte público, pois se a quantidade de passageiros transportados deveria estar caindo em virtude do crescimento do transporte individual, por que isto não ocorreu? A resposta possível prende-se ao fato de que anteriormente a forma manual de compra, venda e utilização de passagens, que era propensa a erros, fraudes e falsificações foi substituída por uma ferramenta eficiente e eficaz na captura e processamento dos dados, criando informação e mais conhecimento (Figura 02). Os dados mais recentes da quantidade de passageiros transportados demonstraram a realidade da operação, o que possibilita às empresas de transporte um dimensionamento mais adequado inclusive de eventuais problemas, como as linhas de ônibus deficitárias (que apresentam custos acima das receitas), além de abrir caminho para o gerenciamento que otimize as capacidades e potencialidades das organizações, equipamentos e pessoas. Para completar a análise de dados é disposta, nas considerações finais, a comparação dos ganhos obtidos com a bilhetagem com os conceitos de inovação elencados neste trabalho de forma a responder à questão de pesquisa e atender aos objetivos aqui propostos.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente seção foi dedicada às argumentações dos pesquisadores sobre as características inovadoras da bilhetagem eletrônica a partir da capacidade de eliminar o comércio ilegal, fornecer dados qualificados, controlar o uso de benefícios, reduzir fraudes e falsificações, melhorar a qualificação dos processos, aumentar a segurança, possibilitar a integração entre sistemas de transporte, reduzir custos, racionalizar a utilização de pessoal e possibilitar a concessão de descontos na segunda passagem.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Aspectos relacionados às melhorias proporcionadas pela bilhetagem devem ser ressaltados devido à capacidade transformadora que melhora o gerenciamento das informações e fornece suporte para uma gestão mais eficiente e eficaz do transporte público nos casos analisados, tanto para as Empresas Transportadoras quanto para o Poder Concedente. Ambos agentes passaram a “enxergar” a realidade dos dados das operações ex-ante à bilhetagem, devido à grande possibilidade de erros nos processos, imprecisão dos dados, pois após a bilhetagem houve aumento da quantidade de passageiros transportados tanto isentos como pagantes e eventuais reduções de categorias com direito a benefícios. Tais constatações comprovam a eficiência e eficácia da bilhetagem na qualificação dos dados e controles. Outro aspecto que merece destaque é o fim do comércio ilegal que foi utilizado durante longo período para colocar no mercado falsificações de passagens e fomentar a venda de vale-transporte por trabalhadores. Este último item causava o mau-uso de um benefício garantido por lei ao trabalhador, onerando o empregador com despesas que poderiam ser evitadas. Tal situação também pode incitar uma discussão sobre aspectos morais e éticos das relações de trabalho, no entanto esta pesquisa não tem enfoque nesta discussão, podendo deixá-la para outros campos das ciências sociais. Eliminar a comercialização de passagens por meio de vales-transporte impactou positivamente a sociedade porque havia uma rede de ambulantes que sobreviviam ou complementavam renda com os lucros deste comércio e após a bilhetagem tiveram que mudar de atividade. Também se destaca a dificuldade criada para as falsificações que fazem parte de uma rede de descaminhos que atua em todo o país e que ainda se beneficia desta atividade em outras cidades e regiões brasileiras. Aumento da segurança, ou pelo menos da sensação de segurança, é tema a ser melhor analisado devido à redução da atratividade de assaltos pela diminuição de valores (dinheiro e fichas) nas mãos do cobrador do ônibus. Embora não haja dados precisos sobre este último tema, parece lógico que possa estar ocorrendo e se converta em um benefício extraordinário da bilhetagem. As características inovadoras da bilhetagem se traduzem pelas melhorias que proporcionaram para Empresas Transportadoras, Poder Concedente, usuários e as empresas em geral (o termo “empresas em geral” refere-se a toda organização comercial ou não que concede o benefício de vale-transporte a seus colaboradores). Os efeitos característicos de uma inovação estão em consonância com os resultados da bilhetagem nos casos analisados, fazendo deste sistema uma forma de se alcançar a inovação. Seguindo os preceitos escolhidos para este trabalho, é pertinente reforçar que são inovadores os efeitos causados pela bilhetagem e não o sistema per se. A bilhetagem é um meio para se alcançar a inovação e não uma inovação per se. Significa dizer que o mesmo sistema e com as mesmas funcionalidades, pode não ser inovador em outro contexto no qual atuem outras empresas ou de localidades diferentes das pesquisadas. Reforça-se a proposição das considerações deste trabalho, que não pretende ser generalista, mas focado em um contexto particular, em um dado momento que no futuro pode manter as características verificadas ou alterar-se ante a complexidade do macroambiente. Mediante à exposição desses benefícios, resta ainda uma comparação com alguns aspectos do referencial de inovação aos quais a bilhetagem se adequa. Essa comparação será realizada no quadro abaixo (Tabela 9), com a citação de excertos e combinações de conceitos teóricos similares seguidos de uma argumentação que demonstre a validade do conceito teórico relacionado aos resultados empíricos descritos e analisados neste trabalho.

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Bilhetagem Eletrônica Como Processo de Inovação

Tabela 9: Conceitos de inovação versus bilhetagem Citações Argumentação

A inovação per se não existe, pois prevê desenvolvimento e a execução de "algo".

(Tether, 2005; De Jong e Vermeulen, 2003)

Inovação é o efeito causado pela introdução de algum novo método, novo procedimento, nova ideia, nova forma de proceder, aplicação diferente de algo existente que causa transformações benéficas para organizações ou sociedade e que tenha resultados econômicos ou sociais mensuráveis. Ante o exposto, inovação nos casos analisados é traduzida pelo conjunto de benefícios evidenciados nesta pesquisa que se constituem nos efeitos inovadores da introdução da bilhetagem eletrônica.

Inovação é uma atividade ou uma ação que cria valor nos produtos, serviços e processos.

(Smith, 2008).

Inovação é causada pela mudança na maneira que um produto ou serviço é realizado com a

introdução de novos métodos ou procedimentos dentro da organização.

(Tarafdar e Gordon, 2007; Davenport, 1992).

Inovação ocorre pela adoção de sistemas técnicos informatizados e associada

diretamente à inovação em processos. (Gallouj e Sanson, 2007; Tether, 2005;

Sundbo e Gallouj, 1998).

Inovações criam novos serviços ou transformam serviços existentes.

(Barras, 1986).

Inovação pode ser o estabelecimento de uma nova organização em qualquer indústria.

(Schumpeter, 1982; 1942).

Os benefícios proporcionados pela bilhetagem podem ser considerados inovadores na medida em que têm a capacidade de agregar valor aos serviços, fazendo com que as empresas transportadoras tenham possibilidade de oferecer uma gama de novos serviços (pagamento de passagem pelo celular, controle de uso de vale-transporte, recuperação de créditos virtuais em caso de perda ou roubo do cartão) e qualificar os processos empresariais de forma que estes se tornem mais racionais, eficientes e eficazes. Além desses fatores, as mudanças de procedimentos nas organizações foram de grande monta e trouxeram novos métodos e procedimentos, como a forma de trabalho dos cobradores, agora com menos etapas e bem menos complexa, podendo ser uma rotina mais de fiscalização, visto que não é mais necessário conferir passagens recebidas em via física ou mesmo entregar um montante grande de valores ao caixa da empresa, que necessitava efetuar a conferência dos valores e entabular os dados.

Inovação de intensidade intermediária corresponde a ser novo no país ou região.

(Manual de Oslo, 2004).

O sistema de bilhetagem não é novidade no mundo, pois já era utilizado em outros países desde a década de 1990. No entanto, para os casos estudados constituiu-se em uma novidade benéfica, o que o classifica como inovação de nível intermediário por ter causado transformações no país e na região.

A presente pesquisa não tinha em seus objetivos qualificar todos os sistemas de bilhetagem eletrônica existentes no Brasil ou mesmo no mundo como inovadores e tampouco representar todo o setor de transporte público. Este setor da economia convive com realidades diversas e este trabalho não pode ser tomado como uma generalização, mas sim como uma etapa de análise que trouxe contribuições que precisam ser verificadas em outras realidades. Sugere-se para pesquisadores e instituições que almejem ampliar o conhecimento sobre esta temática executar uma pesquisa sobre as

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

percepções dos usuários em relação às mudanças ocorridas e seu mérito, com o objetivo de ampliar a análise sobre o tema aqui proposto especialmente pelas características da intangibilidade. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao CNPq pelo apoio financeiro para a realização da presente pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alter, S. (1999) Information systems: a management perspective. 3rd ed. Adidison-Wesley Education Publishers Inc,

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PROPULSOR HÍBRIDO PARA VEÍCULO URBANO LEVE 23

Nestor Roqueiro

Departamento de Automação e Sistemas Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO Neste trabalho, é apresentada uma análise dos problemas de deslocamento em ambiente urbano em veículos de pequeno porte. Também é descrito o desenvolvimento de sistemas de propulsão híbrida em série para esta classe de veículos que está sendo realizado no Laboratório de Inovação da UFSC. ABSTRACT In this paper, an analysis of the problems of displacement in urban environment in small vehicles is presented. It also described the development of series hybrid propulsion systems for this class of vehicles being carried out in the Laboratory of Innovation UFSC..

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO A poluição ambiental associada com as emissões de gases de efeito estufa devido ao transporte rodoviário é um problema global que continua sem uma solução concreta. Por outro lado, o crescimento sustentado por anos de consumo de combustíveis fósseis está levando ao esgotamento desses recursos e à busca por novas fontes de energia renováveis, viáveis tanto para o transporte como para outras indústrias. Outro problema associado com o transporte pessoal é a elevada concentração de veículos nas grandes cidades, em parte porque há subemprego dos mesmos. Na maioria das grandes cidades, o número médio de passageiros por veículo no deslocamento do pessoal não excede o valor de 1-2 pessoas, indicando que se "queima" uma quantidade considerável de combustível apenas para mover a massa destes veículos. Isto, no caso de veículos convencionais, agrava o problema da poluição do ar em áreas urbanas e, em áreas de alta densidade populacional impacta nos problemas de congestionamento e dificuldade de estacionamento. Além disso, o Brasil está entre os quatro países da América Latina com o maior número de veículos por habitante. No entanto, são poucas as soluções propostas de desenvolvimento local para o transporte pessoal alternativo, eficiente e com níveis de poluição baixos ou nulos. Nas últimas décadas, têm-se tomado medidas para inserir na sociedade tecnologias de propulsão não contaminantes ou de baixa emissão em diferentes países. Dentre estas tecnologias, os veículos elétricos (EV) e híbridos (HEV) têm sido uma das soluções mais aceitas para resolver o problema das emissões e evitar ou reduzir o uso de combustíveis fósseis. Atualmente, as montadoras de âmbito mundial têm uma linha de desenvolvimento desse tipo de veículo. Há também uma variedade de propostas de pequenos veículos de acionamento elétrico (Urban Electric Vehicles), de baixa velocidade e capacidade para dois passageiros, apresentados como uma solução para ambos os problemas de transporte pessoal e os problemas de poluição e consumo de energia. O interesse nos veículos com tração elétrica em substituição à tração por motores de combustão interna tem crescido nos últimos tempos. Concretamente, o uso de máquinas eléctricas (em configurações híbridas ou puramente elétricas) apresentam algumas vantagens em relação às topologias convencionais. A primeira vantagem é a possibilidade de reduzir as emissões de CO2 e reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Estas reduções são possíveis com uma adequada gestão da energia, seja trabalhando com o motor de combustão interna em zonas de maior rendimento e menores emissões, ou usando as características de bidirecionalidade energética das máquinas elétricas, aproveitando assim, a energia da frenagem regenerativa. Além disso, as máquinas elétricas apresentam características interessantes para propulsão de veículos, como: alta densidade de potência e torque; ampla faixa de velocidades; alta eficiência (inclusive abaixo dos pares nominais ou acima da faixa de velocidades); capacidade de operar à potência constante; alta robustez; baixo ruído acústico; e custo relativamente baixo. Outro elemento-chave para o desenvolvimento de veículos híbridos são os conversores de potência. Estes dispositivos eletrônicos são cruciais para o controle adequado das máquinas elétricas (geração e tração). Os conversores também são os encarregados de gerir o consumo de energia elétrica no veículo.

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A tecnologia atual, devido aos avanços no controle com implementação digital, permite a construção e o controle de tais sistemas elétricos (máquinas e conversores) da forma adequada para seu uso em um veículo híbrido. Em grandes centros urbanos de todo o mundo, a questão do transporte vem se tornando cada vez mais importante. Estudos do Instituto de Transporte do Texas (TTI), realizados no ano de 2009, nos Estados Unidos, mostram que as estradas não conseguem suportar o número de carros existentes e a ampliação destas não é capaz de acompanhar o aumento do número de veículos. No Brasil, entre os anos de 1999 e 2008, o número de veículos aumentou de 27 para 55 milhões, dos quais 17 milhões encontram-se no estado de São Paulo (SET/SP 2009). No estado de Santa Catarina, o número de veículos subiu de 1,9 milhões em 2003 para 3,1 milhões em 2010 (Detran Santa Catarina - Estatísticas n.d.). Em cidades turísticas, como é o caso de Florianópolis, o problema se agrava durante determinadas épocas do ano, dificultando ainda mais o trânsito. O TTI estima que, em 2003, apenas os norte-americanos desperdiçaram 8,7 bilhões de litros de combustível e mais de 3 bilhões de horas de trabalho por causa dos congestionamentos. Uma das fontes do problema encontra-se na forma de utilização dos veículos pessoais. Nos Estados Unidos, a média de ocupação de um veículo é de 1,58 passageiros por veículo, enquanto em Florianópolis este índice é de 1,52. A questão do trânsito vem sendo mais discutida por conta da crescente preocupação com o ambiente e a qualidade de vida nas cidades. Um ponto importante levantado é que a frota de carros atuais, fonte de grande parte da poluição do ar, ocupa um grande espaço nas vias, com uma relação entre carga útil e massa total do veículo muito baixa. Para um veículo médio de 800 kg e dois passageiros com uma carga leve, totalizando uma massa aproximada de 200 kg (um índice de ocupação maior do que a média), a relação carga útil/massa total é de apenas 0,2. 1.1. Alternativas para o transporte pessoal Dentre as soluções apontadas para o transporte pessoal, está a utilização de veículos de maior eficiência energética como, por exemplo, bicicletas e motocicletas. A bicicleta é uma solução considerada ecologicamente correta, pois não existe a queima de combustíveis fósseis e de seus subprodutos. É um veículo de dimensões reduzidas, ocupando pouco espaço nas vias e produzindo pouca poluição sonora. Entre as desvantagens: o reduzido raio de alcance, dificuldades de utilização em áreas com relevo acidentado e a dependência de condições climáticas. A motocicleta, apesar de possuir um motor, tem uma eficiência energética maior que a dos carros, pois é capaz de transportar uma ou duas pessoas consumindo menos combustível. Seu alcance é relativamente alto, facilmente passando da casa das centenas de quilômetros, e o relevo possui pouca influência. Assim como a bicicleta, possui dimensões reduzidas, mas atinge maiores velocidades. Como desvantagens, é possível citar a dependência de condições climáticas, a necessidade de conhecimento específico para pilotagem e o perigo de acidentes, pois o impacto é transmitido diretamente para o piloto. 1.2. Acidentologia relevante Algumas pesquisas foram realizadas para verificar o envolvimento de motos em acidentes. Uma das primeiras pesquisas de abrangência na área foi realizada em 1981 para o Departamento de Trânsito dos Estados Unidos. Ela apontou que, aproximadamente, 20% dos acidentes com motos não envolveram nenhum outro veículo, e desta parcela, aproximadamente, 60% dos casos foi causado por falha do piloto, sem influência de nenhum fator externo. Em acidentes envolvendo outros veículos, 65% das vezes a culpa não é do piloto da moto. Porém, mesmo a baixas velocidades, os acidentes

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podem causar algum ferimento, principalmente no peito, pernas e braços. Estudos mais recentes serviram para confirmar os resultados do estudo norte-americano, obtendo valores semelhantes. O alto número de vítimas (fatais e não fatais) em acidentes com motos ajuda a ilustrar os riscos deste tipo de veículo. O piloto de motocicletas, por ter que se movimentar em um ambiente com outros veículos de maior porte, está em desvantagem no quesito segurança. Dispositivos como sistemas de controle de estabilidade são disponíveis apenas em um reduzido número de motos, geralmente de alto custo, enquanto sistemas como air-bags ainda estão em desenvolvimento. 1.3. Triciclos inclináveis Triciclos convencionais são construídos de forma a evitar o seu rolamento e não permitem mudanças dinâmicas no ângulo de cambagem, assemelhando-se assim a veículos de quatro rodas. Este tipo de veículo é estável e seu motorista pode dirigir de maneira semelhante a um carro. Porém, pode apresentar comportamentos de risco (tombamento e capotagem) devido à área de base reduzida da sua pirâmide de estabilidade. Triciclos inclináveis permitem rotações em torno do eixo longitudinal, aproveitando-se do ângulo de rolamento, da mesma maneira que uma moto o faz ao inclinar para realizar uma curva. O triciclo em desenvolvimento no Laboratório de Inovação produz este ângulo de rolamento através da variação dinâmica do ângulo de cambagem de suas rodas. Entretanto, este veículo passa a ser instável como uma moto e, quaisquer forças que tirem o sistema da posição de equilíbrio vertical fará com que este caia. Assim, a ação constante de controle é necessária para estabilizar o veículo, seja na posição vertical, seja na inclinação que permite anular forças laterais atuantes no veículo de maneira semelhante às motocicletas. 1.4. Veículos unipessoais O Veículo Individual Compacto busca integrar os sistemas de transportes coletivos, aos pontos de partida e chegada do percurso dos usuários, podendo também atender às necessidades dos cadeirantes. Tal percurso é geralmente feito a pé e em diversas situações climáticas. Um dos objetivos é incentivar o uso de transportes compactos compartilhados, propiciando mais conforto e acessibilidade, aplicando tecnologias de cadeiras de rodas inteligentes e energia proveniente de fontes de baixo impacto ambiental. Outro objetivo é facilitar o deslocamento de pessoas com dificuldade de locomoção (idosos, pessoas com mobilidade reduzida, etc.). Para tal, é necessário aprimorar o conhecimento de novas tecnologias, tanto na área de energia, processos de fabricação e mobilidade urbana, quanto equacionar o equilíbrio da aplicação das tecnologias de cadeiras de rodas inteligentes e energias renováveis com os sistemas de processos produtivos, a fim de obter um veículo inteligente, eficiente para curtas distâncias e de baixo custo e aplicar o design inclusivo e conceitos de sustentabilidade em um veículo unipessoal. 2. SISTEMA DE PROPULSÃO 2.1. Relevância do problema e estado da arte Nas últimas décadas, têm sido propostas várias tecnologias para veículos, a fim de reduzir a poluição e a dependência de combustíveis fósseis, com relação a veículos convencionais que utilizam motores de combustão interna. Os veículos elétricos (EV), geralmente a bateria, foram uma das soluções propostas. No entanto, o alto custo inicial, baixa autonomia, grande tempo de recarga da bateria, e maior peso por causa das baterias são algumas das principais limitações. Assim, o EV híbrido (HEV), que incorpora um motor de combustão interna (MCI) a bordo, além do motor/gerador elétrico, aparece para resolver as desvantagens dos veículos convencionais e do EV puro. Embora haja exceções, a tendência observada em todo o mundo é que os HEV estão sendo

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projetados para uso combinado cidade/estrada, onde se exige uma maior autonomia. Por outro lado, estão sendo projetados diferentes VE Urbanos (NEV) a bateria, menores, mais leves, com capacidade para um ou dois passageiros, com autonomia suficiente para o transporte pessoal dentro da área urbana. Com este tipo de NEV, pretende-se abordar tanto os problemas de redução de emissões, como os de eficiência energética e congestionamento de tráfego nas cidades (Mitchell, 2010). Dentro deste tipo de NEV, também se incluem veículos de três rodas leves, que são apresentados como um intermediário viável entre uma motocicleta e um carro convencional (Rajamani et al., 2003). O desenvolvimento de veículos elétricos urbanos é apresentado como uma alternativa interessante para o transporte pessoal, por conta do recente impulso dado à industrialização da produção de bateria de lítio na região, bem como o estado atual da indústria de autopeças. Além dessa possibilidade, o HEV e o EV já são produzidos em outros países e estão começando a ser vendidos na América Latina, indicando a necessidade de preparar os recursos humanos e técnicos, a fim de adaptar o sistema e serviços (carregamento de baterias elétricas, reparação de veículos, etc.) para quando estes veículos começarem a circular em quantidade através de nossas estradas (Zagorodny, 2012). O armazenamento de energia permanece atualmente como o problema-chave no EV, mesmo com a tecnologia das baterias atuais, ultracapacitores (UC) e outros armazenadores, não é possível atingir alta densidade de potência e energia que fornecem os MCI, em um tamanho, custo e tempo de vida aceitável (Dixon, 2010). Neste sentido, os HEV apresentam vantagens de autonomia energética em relação aos EV. As fontes de energia ideais para EV e HEV devem ter alta densidade de energia para ter autonomia suficiente, sem acrescentar muito peso ao veículo, e alta densidade de potência para acelerar / frear, injetar / recuperar energia rapidamente. E, além disso, serem pequenas, de longa vida e baixo custo. Até o momento, não há nenhuma fonte/armazenador que atenda a todas essas características simultaneamente, utilizando-se, assim, combinações de mais de uma tecnologia em sistemas híbridos de armazenamento de energia (SHAE). Particularmente, elementos como UC têm menos densidade de energia do que as baterias, mas têm maior densidade de potência, razão pela qual SHAE com bateria e UC emergem como uma possível solução para este problema (Dougal et al., 2002). Desta forma, as baterias entregam apenas a potência média e os UC, as variações rápidas de potência, resultando na redução do tamanho, de custos e aumentando a vida útil das baterias (Moreno et al., 2006). Para adaptar as diferentes características de tensão/corrente e controlar o fluxo de energia entre as diferentes fontes e/ou armazenadores de energia dos SHAE, é necessário o uso de conversores DC-DC elevadores e/ou redutores de tensão, em alguns casos nos bidirecionais, de elevado desempenho, alta densidade de potência, confiáveis e robustos. Isso está levando a novas propostas de conversores CC-CC com baixa perda e com as características anteriormente mencionadas (Cao e Emadi, 2012; Khaligh e Li, 2010). Além da gestão de energia durante a operação, tanto em EV puros como em HEV plugáveis (plug-in), é necessário considerar a carga da bateria depois da operação. Tanto a configuração ou topologia do carregador de bateria como o seu controle variam, dependendo se está a bordo do veículo ou em estações de carregamento. No primeiro caso, devem ser minimizados o volume e o peso do mesmo, o que não é importante para o segundo caso. Em ambos os casos, é desejável um tempo mínimo de carga, enquanto deve-se verificar o perfil da corrente para evitar o envelhecimento prematuro da bateria. Além disso, o uso de carregadores bidirecionais inteligentes permite a injeção de energia na

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rede, com a consequente integração de veículos elétricos à rede (Vehicle to Grid, V2G) (Roqueiro et al., 2013). Como resultado da utilização de diferentes fontes/armazenadores de energia, há uma nova tarefa de controle que define a forma de realizar a divisão da energia durante a operação de EV e HEV. Isto é conhecido como controle e supervisão ou gestão de energia (Sciaretta e Guzzella, 2007). Se a isto se soma a possibilidade de ter um MCI a bordo, a divisão de potência deve ser realizada agora entre as várias fontes de energia. Além disso, dependendo do modo de operação do veículo, pode haver diversos objetivos para a gestão de energia (manutenção da carga da bateria, maximização do desempenho como EV puro, minimização do consumo de combustível, aumento da vida útil da bateria, etc.) (Pérez e Pilotta, 2009). Daí, a necessidade de definir uma estratégia de gestão de energia. Este problema é particularmente adequado para a aplicação da teoria de controle ótimo. A estratégia utilizada é conhecida como "a minimização por consumo equivalente", baseado no princípio máximo do Pontryagin (Sciaretta e Guzzella, 2007; Serrão et al., 2009). A vantagem desta abordagem é que a sua utilização pode ser estendida focando em diferentes objetivos de otimização e aumentando o detalhe do modelo do veículo considerado. Em Serrão et al. (2013) é descrito como com esta abordagem podem ser enfrentados problemas de minimização do consumo de combustível, de emissões de poluentes ou envelhecimento das baterias. O tratamento do problema com restrições de estado, como em Pérez et al. (2013), permite considerar o problema de EV equipados com baterias e UC que, com menor energia e maior potência do que as baterias, podem ser carregados e descarregados rapidamente para cumprir a exigência de potência de pico. Mas, também, podem alcançar seus limites de armazenamento energético repetidamente. Dentro da mesma abordagem, podem ser adicionadas variáveis de estado como a temperatura das baterias, etc. Todos estes são problemas de pesquisa ativa atualmente (Serrão et al., 2013). Além disso, o uso de motores elétricos de tração, desde a sua concepção, traz vantagens significativas sobre os veículos convencionais. O mais importante é que os motores elétricos permitem aproveitar a energia cinética durante a frenagem agindo como geradores (frenagem regenerativa) e recuperando a energia que pode ser retornada aos armazenadores para o aumento da eficiência do veículo, em comparação com os veículos convencionais. Outras vantagens são a possibilidade de controlar o torque quase instantaneamente e a de acoplar o motor elétrico a cada roda (ou ser parte da mesma roda), evitando assim, a utilização de transmissões mecânicas e suas perdas. Isto permite controlar de forma independente o torque e as velocidades das rodas motrizes, a partir do qual surgem os chamados sistemas de diferencial eletrônico (EDS, Electronic Differential Systems), que permitem dispensar o diferencial mecânico (Magallán et al., 2009). Com a possibilidade de controle independente em suas rodas, surgem com VE e VEH novas estratégias para a correção de dinâmica do veículo, a partir de uma distribuição adequada das forças de tração. Para isso, é necessário controlar as forças líquidas transmitidas ao solo pelas rodas (Haddoun et al., 2008). Este continua a ser um tema de pesquisa atual, dado que as forças de tração geradas dependem de múltiplos fatores, tais como: condições do solo, tipo de pneu, etc. Nas últimas décadas, surgiram o Sistema de Controle de Tração (TCS, Traction Control Systems) e a estabilização do veículo (ESC, Electronic Stability Control) para melhorar a dirigibilidade e segurança. Neles, os EV e HEV maximizam as suas vantagens sobre veículos tradicionais devido às possibilidades oferecidas pelos sistemas de tração elétrica (He e Hori, 2006). Especificamente, o controle direto de guinada (DYC, Direct Yaw Control) que corrige a dinâmica de rotação do veículo em torno do seu eixo vertical, a partir da distribuição de forças em ambos os lados do veículo (Geng

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et al., 2009). Controlando o ângulo de deslizamento lateral do veículo (Side-slip Angle Control) (Chung e Yi, 2006), é possível, de certo modo, controlar a direção do veículo e, junto com o monitoramento da aceleração lateral e a guinada, determinar se o veículo irá permanecer no controle do condutor (Cho et al., 2012). De acordo com os objetivos ou utilização final do veículo, pode-se optar pela utilização de diferentes estratégias mencionadas ou uma combinação delas. Por exemplo, no transporte pessoal, deve-se priorizar a segurança dos ocupantes, fazendo um controle de estabilidade conservador, mantendo sob controle as forças de tração, monitorando o movimento da guinada e aceleração lateral do veículo. Em outras aplicações, poderiam ser priorizadas as manobra de alta velocidade e capacidade de aceleração/desaceleração (por exemplo, em carros de corrida) (Fu et al., 2012). No caso dos triciclos inclináveis, é necessário fazer o controle de estabilidade adequada para o comportamento em curva. Existem duas maneiras de realizar esta tarefa em um triciclo: através do esterço (STC – Tilt Steering Control), ou através da aplicação direta de um par no eixo de rotação (DTC – Direct Tilt Control), agindo sobre o conjunto de suspensão. O DTC é reconhecidamente o sistema mais eficiente para baixas velocidades, enquanto que o STC é usado para altas velocidades. Devido às elevadas exigências de torque, o sistema DTC tem geralmente componentes hidráulicos, enquanto o STC pode ser acionado por motores elétricos de tamanho menor e com uma maior eficiência. No entanto, existem situações em que o condutor não quer que o veículo esteja inclinado, por exemplo, durante manobras em um estacionamento, o que é feito a velocidades baixas. Em tais casos, o veículo deverá comportar-se como um carro tradicional (Piyabongkam et al., 2004). Em relação à segurança, EV e HEV têm características muito diferentes aos carros convencionais. As falhas em sistemas de acionamento elétrico podem causar acidentes de trânsito ou produzir sua detenção por um longo tempo por causa da falta de assistência qualificada (Diallo et al., 2004). Além disso, a segurança das pessoas deve ser um dos principais aspectos a serem considerados no projeto de um sistema de transporte. Por esta razão, é importante que os acionamentos de tração incorporem uma arquitetura tolerante a falhas. Essas arquiteturas tem um sistema de diagnóstico que permite realizar alguma ação de controle dos motores elétricos durante uma possível falha. Permitindo, assim, evitar ou reduzir os seus efeitos (Campos-Delgado et al., 2008; Tabbache et al, 2013; Da et al., 2013; Aguilera et al., 2012; Xuejun et al., 2012). O conhecimento prévio do comportamento dos vários componentes do VE permite avaliar o desempenho destes nas fases iniciais do projeto. Usando ferramentas de simulação em diferentes condições de funcionamento, potencialmente perigosas (tanto para as pessoas envolvidas como para o ambiente), podem ser avaliadas sem riscos ou custos excessivos. Além disso, diferentes combinações de estratégias de controle e projetos topológicos de componentes podem ser estudados por meio de simulação. Reduzindo, assim, drasticamente o tempo despendido na etapa de concepção e construção. O caráter multi-domínio dos veículos elétricos e híbridos torna imperativo o uso de uma abordagem unificada para estudar os fenômenos de cada domínio (baterias eletroquímicas, sistema de acionamento eletromagnético, chassis e suspensões mecânicas, etc.). Isto facilita a obtenção de um modelo integrado que representa o comportamento dinâmico real do veículo, incluindo as interações entre os componentes em diferentes domínios (Gao et al., 2007). Uma abordagem muito apropriada para este tipo de modelo, que permite visualizar melhor a troca de energia entre os diferentes sub-sistemas, é o formalismo de "diagramas de ligação" (Bond Graph - BG), que é amplamente utilizado hoje. Outra abordagem baseada em energia é a "Representação Macroscópica Energética" (Energetic Macroscopic Representation - EMR), que é amplamente utilizada para obter uma descrição

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funcional de diferentes veículos e para projetar os sistemas de controle e gestão de energia. A combinação de ambas as abordagens está sendo ativamente estudada, com o objetivo de projetar e testar algoritmos de controle na simulação para EV e HEV no mesmo ambiente, usando um modelo completo do veículo em BG e usando a abordagem EMR para o projeto de controle (Silva et al., 2012). 2.2. Veículos Elétricos Híbridos 2.2.1. Configurações dos HEV Os HEV podem ser classificados como: • Veículo Elétrico Híbrido Série (SHEV) - Em um SHEV, a saída mecânica do ICE é o primotor de

uma máquina elétrica em modo gerador. Esta energia alimenta outra máquina elétrica, que atua como motor acoplado à linha de transmissão do veículo. O principal inconveniente é o de ter várias etapas de conversão, desde o motor de combustão até a transmissão do veículo. As principais vantagens desta configuração são que o ICE pode trabalhar em um ponto de combinação ótima entre o par e a velocidade, com o que se obtém alta eficiência e baixo consumo de combustível e, por outro lado, que a caixa de marchas não é necessária. Por estas razões, o SHEV é perfeito como veículo urbano.

• Veículo Elétrico Híbrido Paralelo (PHEV) - Neste caso, a potência mecânica é fornecida simultaneamente por um ICE e um motor elétrico. Por esta razão, o ICE pode ser usado principalmente para cruzeiro, enquanto o motor elétrico para aceleração, o que permite utilizar máquinas menores. Adicionalmente, o PHEV tem menos etapas de conversão de energia se comparado com o SHEV. Portanto, o sistema é mais eficiente, sendo esta sua principal vantagem. Neste esquema, o motor de combustão interna deve girar em velocidade variável e assim não pode trabalhar no seu ótimo. O esquema PHEV é estruturalmente mais complexo e, por conseguinte, também o são o controle e a gestão energética.

2.2.2. Configuração proposta Como se comentou anteriormente, a topologia série oferece as melhores prestações para o uso em cidade. Neste projeto, será considerado um sistema de propulsão tipo série, formado por um motor térmico, duas máquinas elétricas (geradora e de tração), elementos de armazenamento de energia elétrica e todos os conversores de potência associados. Uma das características adicionais que também poderá oferecer o veículo é a possibilidade de ser recarregado mediante uma tomada convencional (Plug-in HEV). Existe uma grande variedade de máquinas elétricas. Para seu uso em HEV, as configurações brushless são as que oferecem melhores prestações, sobretudo por causa da manutenção simples, dos baixos custos, e de uma melhor relação potência/peso e par/peso do que as máquinas com rotor bobinado. Para a correta gestão da energia e para permitir frenagem regenerativa é indispensável o uso de armazenadores de energia. As baterias, com suas versões mais recentes (Íon-Lítio o Ni-MH) oferecem uma boa relação entre o tempo de descarga e capacidade. Outra alternativa são os supercapacitores, que permitem um maior fluxo no armazenamento de energia, uma característica de vital importância para frenagem regenerativa. A máquina geradora e a máquina de tração estão conectadas a um bus de corrente contínua mediante conversores AC/DC e DC/AC, respectivamente. Estes conversores se encarregam de controlar o gerador com fator de potência ótimo e produzir o par desejado na máquina de tração. Também estão

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conectados ao bus DC os conversores DC/DC que permitem a carga e descarga das baterias e dos supercapacitores. Todos estes componentes são controlados individualmente e recebem as consignas de um gestor de energia. Para o desenvolvimento dos controladores presta-se especial atenção à obtenção de leis de controle robustas, com bom desempenho e, um aspecto que é determinante, a quantidade mínima de sensores necessários para seu funcionamento para reduzir o custo de fabricação e manutenção. Neste contexto, priorizam-se algoritmos sensorless para as máquinas elétricas, que permitam o controle sem a medição da velocidade (ou posição).

2.3. Fonte primária de energia O controle de motores de combustão interna continua sendo uma área ativa para a aplicação de métodos avançados de controle (Cook et al., 2006; He et al., 2006; Xie et al., 2006; Alt et al., 2009; Puleston et al., 2001). Hoje em dia, o crescente interesse em motorizações híbridas oferece novas oportunidades para redução da poluição e economia de combustível (Vance et al., 2008; Jing Hu et al., 2007; Zhang et al., 2005). Como mencionado, o powertrain híbrido série parece ser a arquitetura mais promissora devido à sua aplicabilidade em motores pequenos e a possibilidade de operação intermitente. O motor de combustão interna do trem de força híbrido funciona com etanol em mistura pobre e movimenta um gerador de energia elétrica, cuja tensão é retificada para alimentar um bus DC. É um fato bem conhecido que pode ser obtido um melhor desempenho e uma concepção mais simples de um retificador controlado quando a velocidade do motor mantém-se próximo do seu valor nominal. Portanto, os objetivos primários deste trabalho são o controle de velocidade e eficiência de combustível. A eficiência alcançada deveria atingir os requisitos da norma US-EPA (US-EPA – Vehicle Envirormental Scoring) no índice 8. Além disso, o total de emissões devem estar em conformidade com os níveis estipulados no SULEV-II da Califórnia (Super Ultra Low Emission Vehicle). 2.4. Sistemas de armazenamento intermediário Como um primeiro passo para a hibridização de veículos propomos a análise e implementação de um dispositivo de armazenamento de energia híbrida (SHAE), constituído por um banco de baterias e um banco de ultracapacitores. Sobre este SHAE é proposto, como um primeiro passo, um esquema semi-ativo de controle de fontes, onde as baterias conformam o barramento CC e o banco de ultracapacitores (UC) troca de energia com este barramento através de um conversor CC- CC. O dimensionamento do banco de UC foi definido a partir da quantidade de energia que o veículo utilizará durante situações de aceleração e de frenagem (energia cinética do veículo) e do intervalo de tensão de funcionamento do banco de UC. A seguir, foi definida a topologia adequada para implementar o conversor CC-CC que vai controlar o banco de UC, considerando-se os níveis de tensão do protótipo atual e níveis das correntes que circulam. Neste SHAE os UC cumprem a função de fornecer a potência de pico, enquanto as baterias fornecem a energia necessária para o sistema de acionamento de tração. Espera-se que assim seja possível melhorar o desempenho do veículo durante a aceleração e de frenagem, e aumentar a vida da bateria exigindo dinâmica mais lenta nas correntes consumidas.

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2.5. Propulsor elétrico O propulsor elétrico foi escolhido considerando a massa do veículo e uma curva de aceleração semelhante à de um veículo popular com motor de combustão interna de 1.000cc. Desta forma, o desempenho do veículo que utilizará o propulsor híbrido poderá se deslocar confortavelmente no fluxo existente no âmbito urbano. Em particular, foi selecionado um motor brushless de cubo de roda, utilizado para transformação de motocicletas de 30kW de pico e 10kW de potencia nominal. A escolha de um motor de acionamento direto evita o uso de sistemas de transmissão. Porém, o seu custo é maior do que motores de alta rotação com transmissão por corrente ou correia. A eficiência e a manutenção de ambas as soluções ainda serão estudadas. 2.6. Gestão de energia A gestão de energia é um problema de otimização de operação de sistemas dinâmicos e, para tal, um estudo específico deverá ser conduzido em um futuro próximo. Como primeira abordagem, realizou-se um levantamento das diferentes condições de operação que podem se apresentar no uso do veículo em regime de trânsito urbano. Um controle baseado em regras foi a primeira solução testada. Será possível especificar o problema de otimização, simplificando a sua resolução, com a experiência adquirida na operação do protótipo, juntamente com os dados obtidos nos testes, permitindo um ajuste dos modelos propostos e/ou a proposição de modelos empíricos. 3. MODELAGEM E CONTROLE SIMULADO 3.1. Motor de combustão interna Nesta fase inicial do trabalho de pesquisa, o modelo do motor utilizado foi o de Valor Médio desenvolvido por (Crossley e Cook, 1991). Os parâmetros foram ajustados para o motor utilizado em nosso sistema de propulsão após uma exaustiva série de ensaios e este trabalho será publicado em breve. Um sistema de controle inovador foi proposto e os resultados publicados no VSS2012 (Roqueiro et al., 2012). Cabe ressaltar que os testes preliminares na bancada de laboratório mostram resultados semelhantes aos das simulações. 3.2. Sistema elétrico Para modelar o sistema elétrico foram utilizadas várias abordagens. Uma primeira abordagem em Bond Graphs de uma parte do sistema elétrico (Simão et al., 2013) mostrou que este tipo de modelo pode ser útil para descrever a dinâmica de sistemas integrados, mas apresenta excessiva complexidade para análise e projeto de sistemas de controle. Além disso, a integração com outros módulos do veículo urbano leve inclinável fica dificultada. Desta forma, optou-se por uma abordagem integralmente realizada em Simulink® utilizando as bibliotecas Simscape®. 3.3. Veículo A solicitação de torque para o propulsor híbrido provém de um modelo desenvolvido previamente (Roqueiro et al., 2013) de um veículo de três rodas inclinável, projetado para uso urbano. Este veículo está em fase final de testes e um dinamômetro de rolo no Laboratório de Inovação permitirá, através de ensaios específicos, gerar solicitações de torque para o protótipo do sistema de propulsão híbrido. Por conta do volume final do propulsor híbrido, este não poderá ser instalado integralmente no veículo e, somente poderão ser embarcados o sistema de tração elétrica, o supercapacitor, a bateria e os conversores de energia, ficando de fora o motor de combustão e o gerador elétrico. 4. CONCLUSÕES E TRABALHOS FUTUROS O desenvolvimento de modelos e protótipos para os diferentes constituintes de um propulsor híbrido em série para veículos de pequeno porte é uma tarefa de fundamental importância para minimizar o uso de combustíveis fósseis e suas consequências. No estágio atual do trabalho, já foram resolvidos

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vários problemas de modelagem e ajuste de parâmetros a partir de ensaios de bancada e propostos controladores para alguns dos subsistemas do trem de força híbrido série. A continuação, será ajustado um sistema de gestão de energia que está em fase de projeto e serão refinados os modelos e controladores locais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Mitchell, W. J.; C. Borroni-Bird e L. D. Burns (2010) Reinventing the automobile: Personal urban mobility for the 21st

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SEÇÃO 4

SUSTENTABILIDADE EM TRANSPORTES

ESTUDO COMPARATIVO DE EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA EM DECISÕES DE INTERMODALIDADE PARA LOGÍSTICA NOS PRINCIPAIS CORREDORES DE CARGA DO PAÍS

24

Claudio Barbieri da Cunha

Hugo T. Y. Yoshizaki Flavio Guilherme Vaz de Almeida Filho

Daniela Bacchi Bartholomeu Rachel Jardim Medeiros da Silva

Patrícia Faias Laranjeiro de Andrade Centro de Inovação em Sistemas Logísticos

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo RESUMO Neste trabalho são apresentadas metodologias para estimativa do potencial de redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) ao utilizar o transporte intermodal, em comparação com o transporte exclusivamente rodoviário, aplicadas a três corredores de transporte do Brasil, como parte dos resultados do projeto intitulado “Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País” com financiamento do CNPq. O primeiro se refere ao corredor de exportação de soja com origem na região centro-oeste e destino ao porto de Santos; e os outros dois se referem aos corredores de transporte de carga geral, Manaus–Santos e sul-nordeste (S-NE). No primeiro caso, observou-se que o potencial de redução de emissões variou entre 20 e 60%, em função da distância rodoviária do município ao terminal ferroviário. No caso da cabotagem, estimou-se que esta opção intermodal emite cerca de 11 vezes menos CO2 (dióxido de carbono), expresso em termos de t.km, que uma viagem realizada por rodovia. Em todos os casos, os resultados indicam que a ferrovia e cabotagem são opções mais interessantes do ponto de vista energético e ambiental. ABSTRACT In this paper we present different approaches to estimate the potential reduction of greenhouse gas (GHG) emissions by means of using intermodal transport in place of truck road transport. These approaches are applied to three major freight corridors in Brazil, as part of the results of the project entitled “Comparative Study of Greenhouse Gas Emissions in Intermodal Decisions for the Logistics of Main Freight Corridors in Brazil”, sponsored by CNPq. One corridor is the soybeans export freight corridor that links the central-west region of Brazil to the port of Santos; the two others are related to the transport of containerized general merchandise between Manaus and Santos and south-northeastern regions. In the first case, the estimated potential reduction in CO2 emissions range between 20% and 60%, depending on the road distance between the origin of the product and the rail terminal. In the case of maritime cabotage (i.e. short sea) transport, the CO2 emissions may be 11 times less than the road transport. In all cases, the results evidence that rail and maritime transport are superior in terms of energy and environmental aspects.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo apresentar de maneira sucinta os principais resultados do projeto submetido ao Edital MCT/CNPq No. 18/2009 intitulado “Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País”. A motivação para tal estudo emergiu da observação da crescente preocupação com as questões ambientais, em especial aquelas voltadas para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE); portanto, é fundamental estudar opções mais sustentáveis. Conforme o IPCC (2014), apesar do crescente número de políticas para reduzir as mudanças climáticas, as emissões de GEE continuam aumentando, num ritmo mais acelerado entre os anos de 2000 e 2010 do que em qualquer outra década anterior. Em relação ao setor de transportes e logística de cargas, nota-se que é utilizado majoritariamente o modo rodoviário, responsável por 52% da produção de transporte de carga medida em toneladas-quilometro útil (Ministério dos Transportes, 2012). Existem diversas razões para esta elevada participação, sendo a principal delas o investimento público intensivo em infraestrutura rodoviária, que, associado à facilidade do serviço porta-a-porta, promoveu seu uso em larga escala, mesmo para longas distâncias, embora este modo apresente o pior desempenho de todos, com exceção do aeroviário, em relação à sua eco-eficiência. Neste contexto, políticas de baixo carbono nos transportes são interessantes não só para reduzir os níveis de emissão, mas também para aumentar a eficiência energética no setor. O uso da intermodalidade tem a vantagem de aliar os benefícios do transporte porta-a-porta da modalidade rodoviária com as menores emissões do transporte ferroviário e de cabotagem. Assim, o estudo teve como objetivos (i) determinar e comparar a emissão de GEE para corredores de transporte das principais cargas brasileiras para suas alternativas intermodais, para o caso de rotas de longo curso; (ii) utilizar dados primários de uso de veículos pelos transportadores para os cálculos; (iii) contribuir para a discussão sobre a vantagem do transporte intermodal em relação à sua eco-eficiência, de modo a subsidiar as decisões sobre investimentos na infraestrutura de transporte, estimulando o transporte intermodal de carga. Este trabalho está organizado da seguinte forma: a seção 2 traz uma breve revisão dos modelos de cálculo de emissões de GEE. A seção 3 apresenta as metodologias aplicadas para os cálculos de emissões referentes a cada um dos corredores de transporte estudados, já os resultados obtidos e suas análises encontram-se na seção 4. Por fim, a seção 5 apresenta as considerações finais deste trabalho. 2. MODELOS DE ESTIMATIVA DE EMISSÕES Esta seção apresenta uma síntese dos resultados de um amplo levantamento bibliográfico das metodologias e modelos de cálculo de emissões de GEE para os modos rodoviário, ferroviário e aquaviário de transporte de carga, com o objetivo de entender cada abordagem e selecionar aqueles mais adequados para os objetivos da pesquisa. Verificou-se ser virtualmente impossível, no contexto brasileiro atual, estimar emissões a partir de dados primários das empresas operadoras do transporte. No caso do transporte rodoviário, não é prática das transportadoras de carga realizar um acompanhamento periódico do abastecimento dos veículos; quando o fazem, apresentam relutância em fornecer dados para pesquisas acadêmicas, tendo em vista a possibilidade de publicação de informações confidenciais associadas a decisões estratégicas das empresas. No caso dos modais ferroviário e marítimo, foi impossível obter dados

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Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País

primários do consumo de combustível e da emissão de gases de efeito estufa junto às empresas do setor. Tampouco há dados disponíveis nas associações de classe dos setores envolvidos. 2.1. Modelos de cálculo de emissão para o transporte rodoviário As emissões de CO2 pelo transporte rodoviário estão diretamente ligadas ao consumo de combustível dos veículos que realizam esse transporte. Neste sentido, modelos de consumo de combustível são importantes para auxiliar nas estimativas de emissão, especialmente quando a informação sobre consumo não é conhecida a priori. Tais modelos, somados a informações como características do veículo, do combustível e da via, podem gerar estimativas com erros percentuais muito baixos, quase nulos (Bowyer et al., 1985). Nesse contexto, foram identificados no âmbito do projeto de pesquisa 26 diferentes modelos de cálculo de emissões, sendo cinco métodos de estimativa das emissões de GEE, três modelos de consumo de combustível e cinco modelos mistos, que são capazes de estimar o consumo de combustível assim como a emissão de poluentes. Dentre esses, os modelos mais importantes para estimar as emissões de CO2 pelo transporte rodoviário de carga que foram considerados são o MOBILE, COPERT, IPCC, MOVES e GREET. Os modelos mistos, que permitem estimar o consumo de combustível e as emissões de poluentes, mais importantes dentre os analisados foram ARTEMIS, EMFAC, GHG Protocol, MEET e CMEM. 2.2. Modelos de cálculo de emissão para o transporte ferroviário No caso das emissões de GEE do transporte ferroviário e dos modelos encontrados na literatura, há um consenso de que estas dependem diretamente do consumo energético. Nesse sentido, geralmente é indicado o levantamento dos dados de consumo energético diretamente junto à concessionária ferroviária. Quando não é possível a obtenção dos dados através das concessionárias, a alternativa existente diz respeito ao cálculo desse parâmetro a partir de equações de movimento das composições ferroviárias. Assim, foram levantadas sete metodologias para estimativa de emissão de GEE, sendo elas: IPCC; SIT; GHG; ARTEMIS; ForFITS; CARB; e UCD, e duas metodologias para estimar o consumo energético, caso tal informação não esteja disponível a priori. Notou-se que a discussão em relação aos fatores de emissão por unidade de combustível consumida é bastante superficial nas referências acadêmicas encontradas, sendo geralmente adotado um fator único por tipo de gás de efeito estufa para todas as locomotivas, não considerando as especificidades da composição ferroviária e da geometria da via. Deve ainda ser ressaltado que não há conformidade em relação ao conjunto de gases a ser considerado na estimativa de emissão, isto é, quais gases de efeito estufa, além do dióxido de carbono, serão calculados. 2.3. Modelos de cálculo de emissão para o transporte aquaviário O transporte aquaviário engloba o transporte marítimo e o transporte hidroviário interior em rios, lagos e canais. O transporte marítimo de carga se destaca na literatura como sendo o que apresenta os menores níveis unitários de emissão de gases de efeito estufa, dentre as demais modalidades de transporte, devido basicamente ao fato da capacidade de carga de uma embarcação ser muito superior à de uma locomotiva ou de um caminhão com relativamente menor dispêndio de energia. No entanto, as pesquisas sobre as emissões do transporte aquaviário não são tão desenvolvidas e difundidas quanto às observadas nos modos rodoviário e ferroviário, sendo o número de modelos de emissão disponíveis na literatura muito inferior aos outros modais.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Foram levantados quatro modelos de cálculo de emissão aquaviário, sendo que a maioria destes considera as emissões do transporte aquaviário diretamente proporcionais ao consumo de combustível. Por outro lado, as diferenças em termos de abordagens de cada modelo, assim como verificado nos modelos de emissão rodoviários e ferroviários, também são relevantes, como, por exemplo, o conjunto de GEE considerado em cada modelo e o grau de detalhamento dos cálculos. 3. METODOLOGIAS PARA ESTIMATIVA DE EMISSÕES NOS

CORREDORES Esta seção apresenta as metodologias de cálculo adotadas para a estimativa das emissões, bem como os dados utilizados em cada corredor de transporte estudado no projeto, conforme Tabela 1. Foram consideradas apenas as emissões de CO2, por estas representarem a maior parcela de GEE emitidos no setor de transportes, em geral acima de 90% do total de GEE.

Tabela 1: Corredores de transporte estudados no projeto Produto Modos de transporte Corredor

Soja Rodoviário; Rodoferroviário Alto Araguaia - Santos Carga Geral Rodoviário; Aquaviário Manaus - Santos Carga Geral Rodoviário; Aquaviário Sul - Nordeste

3.1. Corredor de exportação de soja O corredor de exportação de soja foi selecionado dada a importância do país como produtor e exportador desta commodity e, em última instância, o volume total movimentado. A produção do grão ocorre majoritariamente no estado de Mato Grosso (MT), na região centro-oeste, sendo o porto de Santos o mais importante na exportação, representando cerca de 32% do escoamento para o mercado externo. O transporte da soja, com origem nos centros produtores do Mato Grosso e destino ao porto de Santos, é realizado por rodovia ou através da combinação rodoferroviária. Neste caso, a soja é transportada por caminhão até um terminal ferroviário e, dali, segue para Santos pela malha sob concessão da América Latina Logística – ALL (Silva, 2010). O trajeto até o porto leva de 4 a 5 dias e utiliza trem de carga única, visando evitar paradas repetitivas (Coeli, 2004). Tendo em vista que os dados utilizados neste estudo eram anteriores à recente inauguração do terminal Rondonópolis, a opção ferroviária teve como origem o terminal de Alto Araguaia (MT) e destino o porto de Santos. Os municípios de origem da área de influência deste corredor foram selecionados a partir dos seguintes critérios: • O fato de a soja ser um dos principais produtos de exportação do município (MDICE 2013); • O fato de o município estar na área de influência do corredor de exportação através do porto de

Santos, de acordo com SANCHES (2011); • O fato de o município estar localizado a até 650 km do terminal ferroviário de Alto-Araguaia. 3.1.1 Metodologia O cálculo das emissões de GEE levou em consideração as duas opções para escoamento da soja entre Alto Araguaia e Santos: a realizada exclusivamente por rodovia e a rodoferroviária, com a devida ponta rodoviária a partir dos municípios de origem até o terminal. a) Emissões para a alternativa rodoviária As emissões de GEE foram calculadas de acordo com o escopo Tier 1 das Diretrizes Nacionais para Inventários de Gases de Efeito Estufa do IPCC (Waldron et al., 2006), conforme a Expressão 1:

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Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País

Emissão rodoviária = Er =∑ (Cj*EFj)j (1) Onde Er: emissão anual do corredor de soja [kg CO2/ano];

Cj: total consumido do combustível j [TJ]; EFj: fator de emissão para o tipo de combustível j [kg/TJ]; j: tipo de combustível [ex: diesel, gás natural, gasolina].

O consumo total de combustível foi estimado a partir da Expressão 2:

Cj = ∑ (Di*V*T)i (2) Onde Di: distância rodoviária do município i até o porto de Santos, em quilômetros [km];

T: fator de consumo de combustível por tonelada-quilômetro [litros/t*km]; V: carga movimentada anualmente da origem i para o porto de Santos [t].

Foi calculada, para cada município exportador i, a distância rodoviária até Santos (Di) por meio da ferramenta web “Google Maps”. Em relação ao total de carga movimentada (V), foram considerados os dados de exportação por município entre janeiro e dezembro de 2013 disponíveis no site do MDICE (2013). Assumiu-se que todo o volume exportado pelo município ocorreu através do porto de Santos. Finalmente, o consumo de combustível (T) foi estimado a partir de entrevistas com transportadoras que operam nesse corredor. O veículo considerado foi o bitrem, com capacidade de 37 t e consumo médio de 0,12 litros/t-km. O fator de emissão para o diesel considerado foi de 2,671 kg CO2/l, conforme o Primeiro Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários elaborado pelo MMA (2011). b) Emissões para a alternativa intermodal Os cálculos para as emissões na alternativa intermodal foram realizados em duas etapas, conforme a Expressão 3. Na primeira, foram consideradas as ligações rodoviárias dos municípios selecionados ao terminal de Alto Araguaia. Em seguida, foi adicionado o trecho percorrido por ferrovia do terminal até Santos.

Emissão intermodal=Ei= ∑ (Dr*V*Tr*EFr)+ m ∑ (Df *V*Tf*EFf) t (3) Onde Ei: emissão anual do corredor de soja [kg CO2/ano];

Dr: distância rodoviária do centro do município i até o terminal Alto Araguaia [km]; V: carga movimentada do município i para Santos em toneladas [t]; Tr: consumo de combustível por tonelada-quilômetro de soja movimentada por rodovia [litros/t*km]; EFr: fator de emissão por litro de diesel consumido no modal rodoviário [kg CO2/litro]; Df: distância ferroviária no trecho ferroviário t [km]; Tf: consumo de combustível por TKU de soja movimentada para cada trecho ferroviário [litros/TKU]; EFf: fator de emissão por litro de diesel consumido no modo ferroviário [kg CO2/litro].

O consumo de combustível e a movimentação no trecho ferroviário foram obtidos junto à concessionária ferroviária responsável pela operação no corredor (ALL), para o período compreendido entre outubro de 2012 e setembro de 2013. O fator de emissão considerado foi de 74.100 kg CO2/TJ, sugerido pelas Diretrizes Nacionais para Inventários de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Waldron et al., 2006). O poder calorífico adotado para o diesel foi de 8.160 kcal/l (Petrobrás, s.d.).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

3.2. Corredor de carga geral Manaus-Santos A zona franca de Manaus se destaca pela produção de eletroeletrônicos, tendo o estado de São Paulo como um importante mercado consumidor. Apesar de o transporte dos produtos ser realizado, principalmente, por rodovias, a cabotagem pode ser considerada uma opção. De fato, o transporte de carga conteinerizada via cabotagem, entre os estados de Amazonas e São Paulo, é um dos mais expressivos. Neste sentido, este estudo compara as emissões de CO2 no corredor de transporte Manaus-Santos para as alternativas rodoviária e de cabotagem. 3.2.1 Metodologia Inicialmente foram definidos os trajetos percorridos nos modos de transporte rodoviário e aquaviário: i) cabotagem, com origem no Porto de Santos e destino ao de Manaus (distância total: 9.056 km); ii) rodoviário, com origem no município de Santos e destino a Belém (distância total: 3.033 km); deste ponto até o porto de Manaus, o trajeto é percorrido por hidrovia. Para cada modo, foi considerada uma metodologia para o cálculo das emissões de GEE, conforme descrito a seguir. a) Emissões da alternativa de transporte aquaviário Para mensurar as emissões de GEE no modo aquaviário, foi utilizada a metodologia sugerida por Psaraftis e Kontovas (2008). Estima-se a emissão total (t CO2) através da Expressão 4.

Em = EF·C (4) em que Em: emissão [t CO2]; EF: fator de emissão [t CO2/t combustível]; C: consumo total de combustível pelo navio [t/dia]. Alternativamente, a Expressão 5 estima a emissão de acordo com a carga útil do navio e a distância percorrida pelo mesmo.

Etkm= EF∙ CW (5)

em que Etkm: emissão [t.km]; EF: fator de emissão [t CO2/t combustível]; C: consumo total de combustível pelo navio [t/dia]; W: carga carregada pelo navio [t]. O fator de emissão adotado foi de 3,17 t CO2 /t combustível, conforme sugerido por IMO (2000) e adotado por Psaraftis e Kontovas (2008). O consumo total de combustível pelo navio (t/dia) é obtido a partir da Expressão 6.

C = G·T + F· LV

+ g·t + f· Lv (6)

Onde C: consumo total de combustível pelo navio [t/dia]; G: consumo de combustível durante o carregamento do navio [t/dia]; F: consumo de combustível em mar do navio carregado [t/dia]; g: consumo de combustível durante o descarregamento do navio [t/dia]; f: consumo de combustível em mar do navio vazio [t/dia]; T: tempo de carregamento do navio [dias]; t: tempo de descarregamento do navio [dias]; L: distância entre dois portos [km]; V: velocidade do navio carregado [km/dia]; v: velocidade do navio descarregado [km/dia].

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Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País

Os autores consideram o consumo de combustível por etapa de operação (manobra, carregamento e deslocamento) de maneira independente. Uma vez que os dados de consumo de combustível utilizados nos cálculos estavam separados em três categorias - tipo de combustível (IFO ou MDO), local do consumo (mar ou porto) e maquinário utilizado (principal ou auxiliar) -, o modelo de Psaraftis e Kontovas (2008) foi adaptado de modo que atendesse a estas especificidades (Equações 7, 8 e 9).

= ∑EF·T·Pijno carregamentoEmissão (7)

= ∑EF·Fij·LVno deslocamento

Emissão (8)

= ∑EF·ta·Pijna manobraEmissão (9)

Onde EF: fator de emissão; T: tempo de carregamento; Pijk: consumo de combustível no porto; Fijk: consumo de combustível no deslocamento; L: distância entre dois portos [km]; V: velocidade do navio carregado [km/dia]; ta: tempo gasto em manobras [dias]; i: tipo de combustível; j: maquinário utilizado. Deve-se ressaltar que (i) para o deslocamento, não foi considerado o transporte de navios descarregados; (ii) foram necessárias algumas adequações de unidades; (iii) a emissão de GEE corresponde à emissão do navio incluindo tanto a carga carregada, quanto a estrutura do navio; (iv) para calcular a carga transportada na viagem, adotou-se a capacidade real disponibilizada no site da Aliança Navegação e Logística para o navio Aliança Manaus (valor nominal de 2.524 TEUs) (Aliança, 2014); (v) o peso médio por contêiner foi igual a 16,5t. b) Emissões da alternativa rodoviária A quantificação das emissões de CO2 pelo modo rodoviário baseou-se no consumo de combustível do transporte de carga geral ao longo da rota estudada, tendo sido obtida a partir da Expressão 10, que se refere a uma aproximação da abordagem Tier 2 do IPCC (2006).

E=∑ (Ca∙Fa)a (10) onde E: emissão de CO2 [kg CO2];

C: combustível consumido [l]; F: fator de emissão [kg CO2/l]; a: tipo de combustível (gasolina, diesel, etc.).

Assim como no caso do corredor de exportação da soja, o fator de emissão para o diesel considerado foi de 2,671 kg CO2/l (MMA, 2011). Os dados de consumo de diesel foram fornecidos por uma transportadora e selecionados a partir de um procedimento de validação sugerido por Spear (1952), no qual são eliminadas todas as informações consideradas outliers. 3.2.2 Dados e Parâmetros a) Alternativa Aquaviária / Cabotagem Os dados utilizados para calcular as emissões no transporte de cabotagem para o corredor compreendido entre os portos de Manaus e Santos foram fornecidos por uma empresa atuante no transporte de cabotagem nesta rota. O sling completo operado pela empresa de cabotagem que passa pelos pontos de origem e destino de interesse nesta análise (portos de Manaus e Santos) é mais extenso, chegando até o porto de Itapoá (SC), e recebe o nome de rota Manaus-Itapoá. Nesse sentido,

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

o porto de Itapoá foi incluído nos cálculos, uma vez que o navio necessariamente passa por ele na sua rota. Além disso, o trecho compreendido entre os portos de Manaus e Macapá não foi considerado nas emissões de CO2 em função de que, no trajeto definido para a alternativa rodoviária, o trecho entre Manaus e Belém também é realizado por hidrovia. Sendo assim, assumiu-se que estes trechos (portos de Manaus e Macapá no caso da cabotagem e Manaus e Belém no caso rodoviário) seriam equivalentes em termos de emissões e, portanto, poderiam ser desconsiderados dos cálculos. O consumo de combustível informado foi separado em três categorias, tais como tipo de combustível, Marine Diesel Oil (MDO) ou Intermediate Fuel Oil (IFO); o local em que o combustível é utilizado, no porto, no mar, ou no rio; o motor que utiliza o combustível, principal ou auxiliar. Os tempos envolvidos na cabotagem são divididos nas operações de manobra, de carregamento e de deslocamento, sendo os dois primeiros em relação aos portos pertencentes ao sling e o último entre dois portos consecutivos do sling.

b) Alternativa Rodoviária Para a alternativa rodoviária, foram utilizados os registros de viagens e de abastecimentos do período entre janeiro e dezembro de 2012 disponibilizados por uma transportadora de produtos alimentícios industrializados. Contudo, foram observadas diversas limitações nos dados fornecidos, tais como: (i) ausência de informação correspondente à quantidade de combustível, tanto no início quanto ao término da viagem; e (ii) os registros de viagens e abastecimento não continham informações específicas para o corredor em análise. Assim, foram selecionados os registros cujos cavalos mecânicos haviam realizado alguma viagem entre Brasília e os municípios do estado de São Paulo. A partir destes dados, adotou-se o procedimento metodológico descrito, como a eliminação de outliers e cálculo dos consumos de combustível. Finalmente, os dados foram extrapolados para a rota rodoviária completa, desde a cidade de Belém até Santos. Cabe ressaltar que o trecho entre Manaus e Belém é normalmente percorrido utilizando-se o Rio Amazonas; assim, este trecho foi desconsiderado dos cálculos, e a rota rodoviária tornou-se, então aquela compreendida entre Belém e Santos. 3.3. Corredor de carga geral Sudeste-Nordeste O fluxo de mercadorias no corredor que liga o Sul e o Nordeste é elevado. Conforme a ANTAQ (2013), a movimentação entre as regiões Sul e Nordeste foi de cerca de 285 mil TEUs em 2013, o que representa 14,5% da movimentação entre regiões no mesmo período. Especificamente no caso do transporte de contêineres por cabotagem, destacam-se, nesse corredor, as rotas que ligam os portos de Rio Grande (RS) ao porto de Suape (PE). O porto de Suape influencia uma região geográfica responsável por 3,9% do PIB brasileiro e sua infraestrutura atende às demandas do Complexo Industrial Portuário de Suape (CNT, 2012). O porto movimenta principalmente cargas derivadas do petróleo, produtos químicos, óleos vegetais, álcool, açúcar, trigo, contêineres e algodão. Já o porto de Rio Grande está localizado numa região que responde por 10,7% do PIB brasileiro. Em 2001, foram movimentadas 2,2 milhões de toneladas por navegação de cabotagem neste porto (CNT, 2012). As principais cargas movimentadas por esse porto são: soja em grão, farelo de soja, fertilizantes, cavaco de madeira, óleo de soja, trigo, celulose, fumo, frango congelado, maquinário agrícola e contêineres.

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3.3.1. Metodologia Após definidos os trajetos percorridos nos modos de transporte rodoviário e aquaviário, foram aplicadas as devidas metodologias de cálculo das emissões em cada alternativa modal, seguido os mesmos procedimentos descritos anteriormente na subseção 3.2.1: cabotagem, com origem no Porto de Rio Grande-RS e destino ao de Suape-PE (6.481 km); rodoviário com origem no município de Rio Grande e destino a Ipojuca, onde está localizado o porto de Suape (cerca de 4.337 km). 3.3.2. Dados e Parâmetros a) Alternativa Aquaviária / Cabotagem Os dados utilizados para calcular as emissões no transporte de cabotagem entre os portos de Rio Grande e Suape foram fornecidos por uma empresa atuante no transporte de cabotagem nesta rota. O sling informado é mais extenso que os pontos de origem e destino de interesse nesta análise (portos de Rio Grande e Suape), chegando até os portos de Montevidéu (Uruguai) e Zarate (Argentina). Optou-se por considerar o trajeto compreendido apenas entre os portos de Rio Grande e Suape, que corresponde ao trecho de interesse. b) Alternativa Rodoviária Para a análise do corredor de transporte rodoviário entre Rio Grande e Ipojuca, cidades nas quais se localizam os portos de Rio Grande e Suape, respectivamente, foram utilizados os registros de viagens e de abastecimentos fornecidos pela mesma transportadora citada no estudo do corredor Manaus-Santos. Além disso, todas as características de viagem e as limitações encontradas, bem como as suposições sobre os dados, foram as mesmas. Ao final, também foi necessário fazer uma extrapolação para o trajeto rodoviário completo, compreendido entre Rio Grande e Ipojuca. Em função da falta de registros de viagens entre as cidades de Rio Grande e Porto Alegre, e entre as cidades de Recife e Ipojuca, foi necessário estimar as emissões desses trechos tomando como base, respectivamente, os trechos entre Porto Alegre e São Paulo e entre São Paulo e Recife. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES A partir das análises realizadas foi possível estimar as emissões de GEE para cada corredor considerado, para as alternativas modais descritas anteriormente. Os resultados obtidos são bastante amplos e diversificados, e não podem ser apresentados na sua totalidade neste limitado espaço. Assim, esta seção objetiva apresentar uma descrição bastante sucinta dos principais resultados alcançados em cada caso. 4.1. Corredor de exportação de soja A metodologia proposta possibilitou estimar as emissões de CO2 para o escoamento da soja a partir de municípios exportadores com destino ao porto de Santos através das alternativas de transporte rodoviária e rodoferroviária para o ano de 2013. Em todos os casos analisados, a alternativa rodoferroviária resultou em menores emissões. Neste sentido, a partir dos valores encontrados, estimou-se também o potencial de redução de emissão de cada município ao transferir ao utilizar o modo rodoferroviário (Tabela 2). Considerando o conjunto de municípios, há um potencial de mitigar cerca de 132 mil toneladas de CO2 por safra, o que equivale a uma redução de 37% nas emissões observadas caso toda a soja fosse transferida das rodovias para a alternativa intermodal. O maior potencial de redução de emissão absoluta de CO2 está no transporte de soja com origem em Sorriso, devido ao grande volume exportado por este município. Já em termos percentuais, destacam-se os municípios de Alto Garças, Alto Taquari, Itiquira e Rondonópolis, que possuem potencial de reduzir mais de 50% das emissões atuais.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

A Figura 1 ilustra um exemplo de resultado de análise do potencial de redução de emissões de CO2 utilizando mapas temáticos, o que possibilita fácil visualização do potencial de redução de emissão que varia em função da localização do município exportador em relação ao terminal ferroviário. Municípios mais próximos possuem um potencial de mitigar mais de 60% das emissões (sinalizados pela cor verde escuro), enquanto o potencial de redução das emissões reduz significativamente nos municípios mais distantes de Alto Araguaia. 4.2. Corredores Manaus-Santos e Nordeste-Sudeste Em função da similaridade das análises realizadas nestes casos, os principais resultados são apresentados de forma conjunta. Sempre que necessário, são feitas as devidas considerações. A Tabela 3 ilustra os principais resultados obtidos para as estimativas de emissão através do transporte de cabotagem, em ambos os corredores. Além da emissão total do trajeto, são apresentadas também as emissões em valores absolutos e em função das distâncias e cargas (em t e TEU) transportadas. Para estes cálculos, considerou-se que o peso médio de cada contêiner carregado é de 16,5t e as capacidades nominal e real dos navios são de 2.500 TEUs e 1.886 TEUs, respectivamente.

Tabela 2: Potencial de redução de emissão de CO2

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Figura 1 – Potencial de redução de emissão de CO2 (%)

Tabela 3: Índices comparativos das emissões de CO2 por navio porta-contêiner

Corredor Total tCO2 t CO2/km g CO2/t.km g CO2/TEU.km Manaus-Santos (porto de Macapá a Santos) 2.067,09 0,24 6,07 162,40

S-NE (porto de Rio Grande a Suape) 1.606,00 0,26 7,82 197,82 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados fornecidos pela empresa de cabotagem.

Nota-se uma pequena variação dos resultados entre os corredores, mas, em geral, a cabotagem entre Manaus e Santos apresentou melhores resultados em termos de emissão. Alguns valores de referência internacionais indicam que são emitidos 132,89 g/TEU.km por navios entre 2000 - 4000 TEUs (Dong-Ping, 2010) e 13,5 g CO2/t.km por navios de 2.500 TEUs (DEFRA, s.d., apud McKinnon e Piecyk, s.d). Com isso, as emissões observadas neste estudo acabam sendo maiores que os índices da primeira referência, mas inferiores às da segunda. Tais diferenças devem estar relacionadas às pressuposições metodológicas adotadas em cada estudo, assim como às características tecnológicas envolvidas nas embarcações nacionais e estrangeiras, o que resulta em diferentes níveis de eficiência, consumo e emissão. Também foram estimadas as emissões das operações de manobra, carregamento e deslocamento do navio nos corredores analisados. Basicamente, essas emissões estão diretamente ligadas ao consumo de combustível em cada operação. É evidente que o deslocamento é a etapa mais importante no que diz respeito às emissões de CO2, uma vez que responde mais de 90% do total emitido. No deslocamento, a distância percorrida é determinante para definir os níveis de emissão. As emissões do carregamento (pouco mais de 5% das emissões totais das viagens) são definidas em função das diferenças nas características de infraestrutura dos portos que fazem parte da rota. Finalmente, a manobra corresponde a cerca de 0,5% das emissões de CO2 em relação às outras operações. Nesta, a quantidade de CO2 emitida varia em função das características relacionadas à profundidade, ao clima e à geografia do local, os quais geram maiores ou menores dificuldades no manuseio dos navios nos portos. A Tabela 4 apresenta os resultados das emissões estimadas para as alternativas rodoviária e de cabotagem, nos dois corredores estudados. À primeira vista, as duas primeiras colunas podem induzir a um entendimento errôneo, já que indicam valores de emissão muito menores para o modo rodoviário. Entretanto, enquanto cada caminhão transporta apenas um contêiner, o navio carrega o equivalente a 1.886 contêineres. Consequentemente, levando a capacidade de carga em consideração,

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

a alternativa rodoviária emite cerca de onze vezes mais CO2 que a cabotagem nos corredores estudados.

Tabela 4: Emissões comparativas dos modos rodoviário e de cabotagem.

Corredor

Trajeto Modalidade

Emissão total

(kg CO2)

Emissão por unidade de

distância (kg CO2/km)

Emissão por unidade de carga e distância (g

CO2/(t.km))

Manaus -Santos

Munic. de Belém a Santos Rodoviária 2.379,37 0,78 65,37 Portos de Macapá a Sepetiba Cabotagem 2.067.094 235,07 6,07

S-NE

Munic. de Rio Grande a Ipojuca Rodoviária 4.644 1,07 89,24 Portos de Rio Grande a Suape Cabotagem 1.606.326 247,80 7,82

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados fornecidos pela transportadora e pela empresa de cabotagem. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O apoio recebido do CNPq para o desenvolvimento do referido projeto de pesquisa permitiu uma inserção fundamental na temática. O levantamento bibliográfico realizado, os estudos desenvolvidos e as publicações em congressos e revistas, além do livro em fase de publicação, evidenciam a importância do tema e do apoio financeiro que viabilizou tais iniciativas. Com relação aos estudos dos corredores de transporte, ficou clara a vantagem ambiental do uso da ferrovia e da cabotagem para a movimentação de cargas. Invariavelmente, o transporte rodoviário implica em menor emissão de CO2 por tonelada transportada, do que os modos alternativos. Tal fato corrobora a menor eficiência energética e maior consumo de combustível deste modo frente aos demais. No caso do corredor de exportação de soja, destaca-se que o potencial de mitigação das emissões está relacionado à localização do município de origem, indicando que quanto mais próximos dos terminais rodoferroviários, maiores os benefícios ambientais a serem gerados. Por outro lado, o estudo evidencia as dificuldades enfrentadas devido à baixa extensão e ramificação da malha ferroviária nacional. A baixa densidade da malha ferroviária brasileira implica pontas rodoviárias extensas (superiores a 500 km), o que subestima o potencial de mitigação das emissões, mesmo na alternativa intermodal. No caso dos corredores cuja opção é a cabotagem, destaca-se que a capacidade de carga das embarcações torna-se determinante para evidenciar sua maior eficiência energética frente aos caminhões. Assim, mesmo percorrendo distâncias muito superiores, a cabotagem emite cerca de 11 vezes menos, por unidade de carga e de distância percorrida, do que a rodovia. A ausência de dados primários e a não disponibilização dos dados pelas empresas constitui um entrave à evolução das estimativas de emissões de gases de efeito estufa, em particular em nível de maior detalhe, por empresa e por rota, que era um dos objetivos do presente estudo. Adicionalmente, verificou-se que não há uma padronização por parte das empresas públicas e privadas na coleta dos dados. Dessa forma, o cálculo da eficiência energética em maior nível de detalhe torna-se difícil, sendo necessário incentivar o aprimoramento da instrumentação de cálculo de emissões através do desenvolvimento de equipamentos embarcados. Para tanto, será indispensável o engajamento de um maior número de empresas públicas e privadas na aplicação de novas tecnologias, um desafio importante que certamente deve fazer parte da agenda para futuros estudos sobre esse relevante tema.

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Estudo Comparativo de Emissão de Gases de Efeito Estufa em Decisões de Intermodalidade para Logística nos Principais Corredores de Carga do País

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ESTUDO DOS MECANISMOS DE GERAÇÃO DE RUÍDO DE TRÁFEGO NA INTERFACE PNEU-PAVIMENTO 25

Manoel Fernando Freire Cabral

Fernando Silva Albuquerque Osvaldo de Freitas Neto

Tatiana Máximo Almeida Albuquerque Universidade Federal de Sergipe

Instituto Federal de Sergipe RESUMO O ruído do tráfego influencia negativamente a sociedade. Contudo, ela necessita que sejam mantidos os padrões mínimos de conforto acústico para exercerem suas atividades. Quando as velocidades de tráfego superam 40 km/h, a principal parcela do ruído por ele gerado é referente à interação pneu-pavimento. Neste trabalho são apresentadas algumas avaliações de ruído gerado na interface pneu-pavimento a diferentes velocidades de tráfego (40, 60 e 80 km/h), para vários tipos de revestimentos asfálticos aplicados no estado de Sergipe (misturas asfálticas convencionais e com ligantes modificados por polímeros, pré-misturados a frio e tratamentos superficiais). Observou-se que o aumento do ruído é diretamente proporcional ao aumento da velocidade de tráfego, variando também com a mudança de características de revestimentos asfálticos, tais como o índice de vazios, a textura superficial e a irregularidade longitudinal. Foi proposto um modelo de previsão para quantificar o Nível de Pressão Sonora (NPS) na interface pneu-pavimento a partir das características superficiais do revestimento asfáltico e da velocidade, fornecendo subsídios para que os projetistas possam indicar alternativas de pavimentação mais adequadas ao conforto acústico da sociedade, conhecidas por pavimentos silenciosos. ABSTRACT Traffic noise is a problem that affects the society. However, the same society must establish the values for minimum standards of acoustic comfort for people. The major factor to generate traffic noise is the tire/pavement interaction for speeds higher than 40 km/h. This work presents some evaluations of noise on the tire/pavement interface for different traffic speeds (40, 60 and 80 km/h), for several types of asphalt wearing courses applied in the state of Sergipe, Brazil (conventional asphalt mix and polymer-modified hot mix asphalt, slurry seal and double bituminous surface treatment). It was observed that the noise growth is proportional to the speed increase. The noise also varies with changing parameters such as voids, surface texture and roughness. It was proposed a prediction model to quantify the noise at the tire/pavement interaction from the speed and surface characteristics of asphalt wearing courses. The designers have now additional tools to indicate alternative pavements to critical urban roads, contributing to increase acoustic comfort for the society, known as quiet pavements.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO A poluição sonora gerada pelo tráfego de veículos em vias urbanas atinge a população e interfere diretamente na sua qualidade de vida. Dentre as fontes geradoras de ruído de tráfego, Hanson e James (2004) mencionam que a interface pneu-pavimento é a principal para veículos em velocidades superiores a 40 km/h, especialmente em veículos leves, os quais são predominantes em ambientes urbanos. Para veículos pesados, nesta velocidade, há predominância do ruído do motor. Em níveis altos, por longos períodos de tempo, o ruído pode causar perda de audição e efeitos adversos à saúde, como hipertensão. Em publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) (Concha-Barrientos et al., 2004), afirma-se que o Nível de Pressão Sonora (NPS) acima de 55 dB(A) pode causar perturbações ao ser humano. Níveis superiores a 55 dB(A) ocasionam estresse leve acompanhado de desconforto. O limiar para o início de perda de audição é 75 dB(A), e valores superiores ao citado aumentam também o risco de infarto, derrame cerebral, infecções, hipertensão arterial e outras patologias. Mesmo em amplitudes mais moderadas (abaixo de 70 dB(A)), o ruído pode causar interferência na fala, distúrbios de sono e irritação (Bernhard e Wayson, 2004). Áreas de grandes investimentos imobiliários tendem a concentrar grandes volumes de tráfego em espaço reduzido. Esta realidade não é diferente na cidade de Aracaju (Sergipe), onde alguns bairros são projetados e urbanizados por empresas de incorporação imobiliária. Nestes ambientes urbanos existem infraestrutura e áreas de vivência adequadas, contudo as medidas para adequação do ruído gerado pelo tráfego não são previstas nos projetos elaborados, tendo em vista não haver legislação brasileira específica para este assunto, especialmente para projeto de pavimentos silenciosos. Os padrões internacionais estabelecem patamares de ruído que indicam a necessidade de medidas mitigadoras, inclusive sugestões de possíveis estratégias de engenharia, embora não estabeleçam especificações precisas que deem suporte aos projetistas na definição das soluções (FHWA, 2000). Portanto, este é um assunto um tanto quanto novo e com amplo campo para pesquisa e atuação. Formas de mitigação desta fonte de poluição são estudadas internacionalmente. Barreiras acústicas já foram bastante empregadas (Specht et al., 2009), entretanto elas representam impacto visual negativo e alteram as correntes de ar em seus locais de aplicação. Recentemente surgiu como alternativa o uso de camadas de desgaste para revestimentos com características específicas (relacionadas às magnitudes de textura do revestimento, ao índice de vazios e a rigidez), que proporcionam um melhor desempenho do pavimento em relação aos níveis sonoros (Sandberg e Ejsmont, 2002). O NPS gerado na interface pneu-pavimento é a única fonte sonora controlada pela engenharia de pavimentos. Revestimentos asfálticos diferentes, a depender destas características físicas, podem promover redução de 5 a 10 dB no nível de pressão sonora (Hanson e James, 2004). Para Sandberg e Ejsmont (2002), um pavimento é considerado silencioso quando é capaz de, na interação pneu-pavimento, reduzir o ruído do veículo em pelo menos 3 dB(A) em relação ao gerado em um pavimento comum ou convencional. Neste trabalho apresenta-se a correlação dos principais mecanismos de geração de ruído de tráfego com dados de avaliações de NPS na interface pneu-pavimento, realizadas em seis tipos de revestimentos asfálticos aplicados no estado de Sergipe (Concreto Asfáltico Usinado a Quente Convencional, com Ligante Modificado com Borracha de Pneu e com Ligante Modificado com SBS, Microrrevestimento Asfáltico, Tratamento Superficial Duplo e Pré-misturado a Frio), utilizando-se a metodologia de avaliação Close-Proximity (CPX). A partir destes dados, foi proposto um modelo estatístico de previsão de NPS, a partir da velocidade de tráfego e das características do revestimento, que servirá como ferramenta para a indicação de revestimentos “silenciosos”.

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Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

2. SOM E RUÍDO O som é formado por vibrações em corpos elásticos, mais conhecidas por vibrações sonoras, dentro de um determinado limite de frequência. A faixa de frequência sonora perceptível à audição humana está limitada entre 20 Hz e 20 KHz (Nepomuceno, 1977; Gerges, 2000). Para quantificar o som é necessária a medição de pressão sonora. Esta é a variação média de pressão em um determinado meio (causada pelas vibrações sonoras) relacionada à pressão atmosférica, medida em Pascal (Pa = N/m²). Esta é quantificada em uma escala logarítmica denominada decibel, resultando no que se chama de nível de pressão sonora, expressa na Equação (1) (ISO, 2008):

⋅=

0

1log20 PPNPS (1)

em que: NPS: Nível de Pressão Sonora, em dB; P1: raiz média quadrática das variações dos valores instantâneos da pressão sonora

ocasionada por uma fonte emissora; P0: pressão de referência que corresponde ao limiar de audibilidade (2×10-5

N/m² ou 20 μPa).

Os níveis de pressão sonora são atualmente relacionados à frequência por meio de três curvas de ponderação (A, B e C) (Figura 1). A curva mais utilizada, por se adequar melhor às intensidades perceptíveis pelo ouvido humano, principalmente na avaliação do ruído, é a curva de ponderação A, sendo o seu valor expresso em dB(A).

Figura 1: Curvas de ponderação A, B e C (Irwn, 1979, apud Bernhard e Wayson, 2004)

Muitas vezes, a sensação auditiva é considerada desagradável, sendo referida como ruído (FHWA, 1980). Este é originado de forma semelhante ao som, porém se distingue deste último porque seus níveis variam de maneira aleatória no tempo (Almeida et al., 1982). Todavia, como o ruído é interpretado subjetivamente, uma mesma sensação auditiva pode ter conotação diferente para cada ser humano (Almeida e Toledo, 1989). Com relação à sensação auditiva percebida pelo ser humano,

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

gerada pelo tráfego de veículos, em geral pode-se afirmar que esta é entendida como ruído, sendo, portanto, indesejável. No Brasil existe a Resolução CONAMA nº 001, de 08 de março de 1990, que considera os problemas relativos a níveis sonoros excessivos como sujeitos a controle. A citada resolução considera que a qualidade de vida está sendo degradada em virtude da gravidade da problemática da poluição sonora nos grandes centros urbanos. A resolução apresenta critérios e padrões de forma abrangente para que estes sejam aplicados facilmente em todo o território nacional. Esta resolução considera as fontes de ruído que são prejudiciais à saúde e ao sossego público, e que a emissão desses ruídos, produzidos por veículos automotores, obedecerão às normas expedidas pelo Conselho Nacional de Trânsito – Contran. Compete às entidades e aos órgãos públicos (federais, estaduais e municipais) compatibilizar o exercício das atividades com a preservação da saúde e do sossego público. A resolução se baseia nas normas da ABNT, NBR 10.151 (2000) – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas Visando o Conforto da Comunidade; e a NBR 10.152 (2000) – Níveis de Ruído para Conforto Acústico. Estas normas descrevem procedimentos para medição de ruído e estabelecem limites com relação ao nível de pressão sonora tido como aceitável para o conforto acústico. Estes limites são fixados de acordo com o uso da construção. Segundo a NBR 10.152 (ABNT, 2000b), o nível de pressão sonora ponderado pela curva A – dB(A) – dentro de ambientes residenciais deve ser limitado a 45 dB(A). Valores superiores a este podem causar perturbações e problemas à saúde humana. Nos Estados Unidos, a FHWA (Federal Highway Administration) publicou os padrões de ruído para projetos rodoviários. É estabelecido que quando os níveis de pressão sonora produzidos pelo tráfego se aproximarem ou excederem 67 dB(A), no entorno de áreas residenciais, soluções para redução de ruído devem ser adotadas (FHWA, 2000). O ruído de tráfego é, portanto, um aspecto gerado pela ação do homem que deve ser controlado para garantir o bem-estar público. Enquanto não são desenvolvidas políticas públicas de incentivo ao uso de transportes coletivos ou silenciosos, a engenharia pode fornecer métodos mais econômicos para a redução dos seus efeitos.

3. PAVIMENTOS NA GERAÇÃO DO RUÍDO DE TRÁFEGO Hanson et al. (2005) mostram os três mecanismos de geração de ruído pelo tráfego para veículos leves em velocidades acima de 50 km/h (Figura 2). Neste gráfico, a parcela do ruído na interface pneu-pavimento supera o ruído do motor e aerodinâmico. Para as mesmas condições de ruído do motor e aerodinâmico apresentadas na Figura 2, o ruído gerado na interface pneu-pavimento poderia ser alterado caso as condições de superfície do pavimento, climáticas (pluviometria e temperatura) e as características do pneu (tipo e desgaste) fossem também alteradas (Specht et al., 2009).

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Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

Figura 2: Relação entre as fontes de ruído de tráfego (Modificado de: Hanson et al., 2005)

Na superfície do pavimento existem muitas características que podem influenciar a emissão do ruído de tráfego. Dentre estas características, cada uma com sua relevância e influência na geração ou redução do ruído, podem ser destacadas a textura superficial, o volume de vazios, a espessura do pavimento, a adesão pneu-pavimento e a rigidez do revestimento (Raitanen, 2005). Segundo Rasmussen et al. (2007), a textura superficial é o principal fator responsável pela variabilidade no NPS em um pavimento, seguidos do volume de vazios e da rigidez do revestimento. A textura superficial do pavimento deve condicionar características que dizem respeito ao conforto e à segurança dos usuários. A avaliação da textura é dividida em quatro escalas, de acordo com sua faixa de comprimento (l): microtextura, macrotextura, megatextura e irregularidade (Tabela 1).

Tabela 1: Classificação da textura de um pavimento. Classificação da textura Escala de Variação

Microtextura l < 0,5 mm Macrotextura 0,5 mm < l < 50 mm Megatextura 50 mm < l < 500 mm

Irregularidade 0,5 m < l < 50 m (Fonte: Bernucci et al., 2006)

A microtextura é a rugosidade ou a aspereza da superfície individual dos agregados que compõem o revestimento. A macrotextura está relacionada ao tamanho dos agregados, aos espaços vazios existentes na superfície do revestimento e a forma geométrica de cada agregado (Bernucci et al., 2006). A megatextura está ligada a buracos em fase acentuada de degradação, ondulações e desníveis na pista. Esta tem efeitos prejudiciais quanto ao ruído (Santos, 2007). Por fim, a irregularidade de um pavimento é definida como o desvio da superfície da rodovia com relação a um plano de referência, que afeta a dinâmica dos veículos, a qualidade de rolamento e as cargas dinâmicas sobre a via (Paterson, 1987; DNER, 1994; Albuquerque e Núñez, 2011).

343

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Na Figura 3, percebe-se a influência da textura na geração do ruído de tráfego, sendo as faixas de comprimento de macro e megatextura os principais responsáveis por essa geração. A microtextura e a irregularidade são caracterizadas por exercerem pouca influência na geração de ruído (Sandberg et al., 1987 apud FEHRL, 2006). Contudo, é possível afirmar que a parcela de NPS derivada da aderência entre pneu-pavimento deve ser maior para veículos trafegando em baixas velocidades (até de 60 km/h), sob ampla ação dos efeitos da microtextura. A irregularidade também é influenciada pelos defeitos de maiores dimensões no pavimento (Albuquerque e Núñez, 2011). Em baixas velocidades, os impactos absorvidos pelo pneu, devido à irregularidade do pavimento, também são responsáveis por grandes parcelas do NPS produzido.

Figura 3: Relação entre o comprimento (l) da textura e os seus efeitos nas características do pavimento (Traduzido de:

Sandberg, 1987 apud FEHRL, 2006) Segundo Freitas (2008), os valores obtidos da megatextura têm influência nos ruídos de baixa frequência, que são inferiores a 1.000 Hz; enquanto os baixos valores da macrotextura (com altura de mancha de areia classificada como média ou inferior) têm influência na emissão dos ruídos em frequências altas, superiores a 1.000 Hz. A megatextura é fator determinante em relação ao impacto mecânico do pneumático sobre o revestimento que resulta em vibrações na carcaça do pneu. Ainda, uma macrotextura mais aberta possibilita a diminuição do ruído gerado pelo bombeamento do ar na interface pneu-pavimento. Quanto ao índice de vazios, pavimentos porosos, com índice de vazios de 15% ou superiores, são capazes de absorver mais o som se comparados aos revestimentos tradicionais com 4 a 8% de índice de vazios. Este fato se deve à capacidade de transformar energia sonora em energia térmica nos poros do material. O coeficiente de absorção depende, principalmente, da frequência e do ângulo de incidência das ondas sonoras na pista (Hanson e James, 2004). A rigidez também contribui na geração do ruído na interface pneu-pavimento, porém em uma menor proporção. O que se entende é que quanto mais elástico for o material do revestimento, maior será sua capacidade de atenuar o nível de pressão sonora, pois este será capaz de absorver mais impactos (Rasmussen et al., 2007).

344

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4. LEVANTAMENTOS REALIZADOS Neste trabalho, a medição de ruído foi realizada na interface pneu-pavimento, como forma de obter a parcela de contribuição de ruído que o veículo proporciona quando está em movimento, as várias velocidades (40, 60 e 80 km/h). Outras fontes de ruído podem existir no entorno, no entanto, estas não foram medidas, uma vez que o objetivo deste trabalho restringe-se à avaliação do ruído na interface pneu-pavimento. Para tanto, utilizou-se um método de medida que não é influenciado pelas fontes sonoras emissoras do entorno, em virtude da grande proximidade dos microfones à fonte emissora estudada. Ensaios complementares dos segmentos de estudo foram realizados, nos quais foram avaliadas a microtextura, macrotextura, irregularidade longitudinal e densidade dos revestimentos. Em seguida foi avaliada a relação destes resultados e da velocidade com o NPS através de correlações lineares. A microtextura do revestimento foi analisada por meio do método de ensaio com o uso do Pêndulo Britânico (ASTM E-303-93). Este consiste em medir o valor de resistência à derrapagem (VRD) por meio do deslocamento de um pêndulo que é solto em movimento semicircular, cuja extremidade possui uma sapata de borracha que fricciona a superfície do revestimento, simulando a superfície de um pneumático. A macrotextura do revestimento foi analisada por meio de medições diretas do perfil com conjunto laser, ao longo de uma distância de referência (distância de base de 10 cm), obtendo-se o Mean Profile Depth (MPD). O MPD é calculado a partir da média das profundidades medidas neste perfil para cada metade da distância de base, conforme os procedimentos descritos na norma ASTM E-1845-2009 (Salgado et al., 2009). Para as avaliações de irregularidade longitudinal (IRI – International Roughness Index) foi utilizado um perfilômetro inercial a laser, cujo funcionamento segue o preconizado pela norma ASTM E-950-98. O levantamento foi realizado utilizando-se três módulos de medição a lasers verticais fixados a uma barra de suporte na dianteira do veículo, além de hodômetro e do GPS, todos estes interligados a um microcomputador com software para coleta de informações e para processamento dos dados. A determinação da densidade dos revestimentos foi realizada com o medidor de densidade de asfalto não nuclear (eletromagnético). Este equipamento mede a constante dielétrica do material produzida em um prato sensor que é apoiado sobre a superfície. Sendo a constante dielétrica do material diretamente proporcional à densidade, é determinada a densidade do revestimento após prévia calibração do equipamento (Dias, 2005). A densidade do revestimento asfáltico traduziu, indiretamente, o seu índice de vazios. Este último não foi medido em decorrência de o estudo ter sido realizado em pavimentos já existentes, sem conhecimento das especificações de projeto e do seu controle de execução. Um modelo estatístico também foi desenvolvido para previsão de NPS, a partir da velocidade de tráfego e das características dos pavimentos (NPS = f (V, IRI, D, MPD)). Na sequência são apresentados os métodos de avaliação realizados e uma descrição da área de estudo. 4.1. Medição de ruído na interface pneu-pavimento O ruído foi determinado em levantamento pelo Método da Proximidade Imediata (Close-Proximity – CPX). Este método é normatizado pela ISO 11819-2 (ISO 1997) e consiste em medir o nível de pressão sonora gerado na interface pneu-pavimento. Na Figura 4 é possível observar o detalhe do conjunto de equipamentos utilizados no método CPX, todos acoplados ao veículo teste.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

(a) (b)

Figura 4: (a) Equipamento CPX instalado no veículo teste; (b) detalhe do equipamento durante a execução dos testes

Este sistema de aquisição de dados para análise do nível de pressão sonora e espectro de frequência é constituído por dois microfones condensadores de medição de ½", com resposta de pressão otimizada e com campo de incidência de 90º, sendo um frontal e outro traseiro relativamente ao eixo do pneu, acoplados a um dispositivo instalado na roda do veículo teste. Os microfones são interligados com cabos a uma interface de áudio com pré-amplificador, conectada a um microcomputador (Figura 5). Este permite a análise do nível de pressão sonora em diversas frequências do audível (25 Hz a 25 kHz) utilizando-se o software Realtime Analyzer – Acoustic Analyzing System 5E (ver resposta em tempo real na Figura 6). As medidas foram realizadas em decibéis ponderadas pela curva A, com aquisição de dados a cada segundo de medição. Obteve-se uma média aritmética dos resultados gravados para o tempo de 9 segundos em cada trecho avaliado, e em cada velocidade (representando distâncias variáveis para as velocidades de 40, 60 e 80 km/h). Neste método, a grande proximidade dos microfones da fonte emissora (10 cm) praticamente sobrepõe a interferência de fontes sonoras emissoras do entorno, porém a ação aerodinâmica, principalmente em altas velocidades, pode proporcionar um aumento no nível de pressão sonora registrado pelos microfones. A forma utilizada para atenuar os efeitos aerodinâmicos foi a utilização de espuma nos microfones, o que consiste em um mecanismo relativamente simples para transformar a energia sonora da ação do ar em energia térmica. Outro fator importante na medição de ruído na interface pneu-pavimento, e que interfere no nível de pressão sonora gerado, é o tipo de pneu. O pneu utilizado nesta medição foi o da marca Goodyear 175/70R14, modelo GT2, devidamente calibrado com 28 psi de pressão.

Mic. Dianteiro Mic. Traseiro

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(a) (b)

Figura 5: Sistema de aquisição de dados de ruído utilizado na pesquisa: (a) esquema de montagem; (b) sistema em funcionamento

Figura 6: Tela de avaliação e aquisição de dados de NPS a partir do software utilizado

4.2. Área de estudo Para a aquisição de dados, foram realizados levantamentos em nove segmentos-teste distintos, contemplando seis tipos de revestimentos: Concreto Asfáltico Usinado a Quente (CAUQ1, CAUQ2 e CAUQ3), Concreto Asfáltico com ligante modificado com borracha de pneu (Asfalto Borracha – AB), Microrrevestimento Asfáltico (MRA), Tratamento Superficial Duplo (TSD), Concreto Asfáltico com ligante modificado com SBS (SBS1 e SBS2) e Pré-Misturado a Frio (PMF). Os pavimentos analisados eram já existentes, cujas únicas informações disponíveis eram o tempo de serviço e o tipo e a espessura do revestimento que os constituíam, não estando disponíveis as informações sobre o projeto e a execução (teor de CAP, faixa granulométrica, percentual de modificadores, índice de vazios da mistura etc.). Estes trechos estão localizados nos municípios de Aracaju, São Cristóvão e Itaporanga D’Ajuda, todos no estado de Sergipe (Figura 7).

347

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Figura 7: Localização dos trechos avaliados

Devido a uma limitação de tempo para a captura de dados a partir do software Realtime Analyzer utilizado (de apenas 9,0 segundos), a extensão máxima avaliada em cada trecho a começar da coordenada lida no GPS foi de 200 metros (para ensaios realizados a 80 km/h), conforme Figura 8. Para a velocidade de 40 km/h avaliou-se uma extensão de 100 metros, e para 60 km/h, foram avaliados 150 metros.

Figura 8: Extensão dos trechos de teste para cada velocidade de tráfego

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1. Correlações de parâmetros avaliados com o NPS A Tabela 2 contém os dados de NPS máximos de cada trecho analisado, nas frequências abaixo, acima e exatamente a 1.000 Hz, assim como de Velocidade (V), irregularidade longitudinal (IRI), macrotextura (MPD), microtextura (VRD) e densidade (ρ – termo da Engenharia Geotécnica que se refere à massa específica – parâmetro dimensional) obtidos nos segmentos-teste. Foram realizadas correlações lineares entre os parâmetros de desempenho dos pavimentos e o NPS para todo o conjunto de dados obtidos em campo. Este procedimento utiliza um coeficiente que indica a força e a direção do relacionamento linear entre duas variáveis aleatórias. Ele foi utilizado para avaliar a forma que cada parâmetro influencia o NPS, sendo estabelecida como correlação linear significativa neste trabalho os valores inferiores a -0,5 e superiores a +0,5. Estes valores de correlação significativa foram adotados mesmo sabendo-se que são relativamente baixos. Isto se

348

Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

deve a grande variabilidade existente nas características das obras de pavimentação e a incerteza se a relação entre as variáveis analisadas era exatamente linear. Na Figura 9 estão os gráficos contendo as relações entre NPS nas várias situações de pico, frequência e posição do microfone, IRI, VRD, ρ e MPD (em polinômios de segunda ordem), referentes à velocidade de 40 km/h. Na Figura 10 são apresentadas, graficamente, as correlações lineares para estas mesmas variáveis e velocidade. Gráficos com o mesmo conteúdo, mas para velocidades distintas, são observados nas Figuras 11 e 12 (velocidade de 60 km/h) e nas Figuras 13 e 14 (velocidade de 80 km/h). A partir das correlações lineares realizadas com os dados de NPS obtidos trafegando a velocidade de 40 km/h, pode-se afirmar que o NPS nas diversas faixas de frequência sofre forte influência da densidade, crescendo com o aumento desta, ou seja, possivelmente com a redução do índice de vazios. As demais características não apresentaram correlação significativa (> 0,5 ou < -0,5), onde o coeficiente de determinação (quadrado da correlação – R²), que indica o relacionamento das variáveis seria muito baixo. No caso da irregularidade longitudinal e da macrotextura, a correlação com o NPS é muito baixa e aleatória, devido às vibrações no pneumático serem baixas e a dissipação de ar não ser considerada um fator importante nesta velocidade. Já na velocidade de 60 km/h, as correlações lineares realizadas indicam que o NPS continuou sofrendo forte influência da densidade, provocando acréscimo diretamente proporcional, principalmente nas frequências até 1.000 Hz. Tal fato já era esperado, tendo em vista a redução do contato pneu-pavimento nesta velocidade, o que proporciona menor absorção de ar deslocado pelas ondas sonoras no interior do revestimento asfáltico, fenômeno este captado pelo microfone traseiro, já que o dianteiro refere-se às questões aerodinâmicas.

349

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Tabela 2: Resumo dos dados obtidos nos levantamentos de campo.

Trecho/ Revestimento

V (km/h)

IRI (m/km)

Classificação (Irregularidade) VRD Classificação

(Microtextura) MPD (mm)

Classificação (macrotextura) ρ (kg/m³) Pico NPS

(dB(A)) NPS D1 (dB(A))

NPS D2 (dB(A))

NPS1000 (dB(A))

NPS T1 (dB(A))

NPS T2 (dB(A))

CAUQ1

40 3,12

RUIM

55,03

RUGOSA

0,91

GROSSEIRA OU ABERTA

2.279,55 84,08 84,08 83,64 84,08 81,57 82,83

60 3,58 55,03 0,85 2.279,55 89,40 88,99 89,40 88,99 86,77 88,53

80 3,82 55,03 0,85 2.279,55 93,30 92,89 93,30 92,89 90,71 92,78

CAUQ2

40 1,46

EXCELENTE

-

0,75

MÉDIA

2.403,45 93,75 90,35 90,31 93,75 93,75 92,81

60 1,53 - 0,71 2.403,45 97,03 94,36 94,92 94,36 97,03 96,13

80 1,62 - 0,75 2.403,45 104,20 102,37 102,81 104,09 104,09 104,20

CAUQ3

40 2,37

BOM

39,33

LISA

0,68

MÉDIA

2.394,70 89,15 88,92 89,15 88,92 87,73 86,26

60 2,35 39,33 0,71 2.394,70 93,40 91,84 93,40 92,47 92,47 91,75

80 2,36 39,33 0,92 2.394,70 98,00 96,84 98,00 97,26 97,26 96,75

AB

40 4,49

PÉSSIMO

64,90

RUGOSA

0,96

GROSSEIRA OU ABERTA

2.279,09 80,46 80,03 80,46 80,03 76,36 76,76

60 4,99 64,90 0,93 2.279,09 89,38 88,52 88,45 88,52 89,38 86,78

80 4,81 64,90 0,90 2.279,09 93,73 93,14 92,68 92,98 93,73 91,35

MRA

40 3,23

REGULAR

77,03

MUITO RUGOSA

1,12

GROSSEIRA OU ABERTA

2.272,29 86,19 86,19 83,98 86,19 83,60 84,59

60 3,11 77,03 1,19 2.272,29 94,16 94,16 92,81 94,04 84,97 85,98

80 3,03 77,03 1,22 2.272,29 99,78 99,78 98,32 99,78 97,34 97,62

TSD

40 3,05

REGULAR

71,03

RUGOSA

1,89 MUITO

GROSSEIRA OU MUITO

ABERTA

2.264,15 85,61 82,39 85,33 82,61 82,61 85,61

60 2,44 71,03 1,96 2.264,15 83,99 80,11 83,16 80,77 80,77 83,99

80 2,68 71,03 2,00 2.264,15 83,91 79,44 83,12 80,46 80,46 83,91

SBS1

40 3,53

REGULAR

47,13

MEDIANAMENTE RUGOSA

0,52

MÉDIA

2.340,00 85,31 84,98 84,69 84,98 81,85 85,31

60 3,61 47,13 0,50 2.340,00 89,63 89,54 89,63 89,54 85,88 88,98

80 3,33 47,13 0,50 2.340,00 94,92 94,92 94,48 94,92 91,34 94,13

SBS2

40 2,08

BOM

42,83

INSUFICIENTEMENTE RUGOSA

0,55

MÉDIA

2.307,00 82,64 82,64 81,87 82,64 78,97 81,42

60 2,08 42,83 0,55 2.307,00 89,73 89,73 88,89 89,73 86,09 88,17

80 2,18 42,83 0,54 2.307,00 95,48 95,26 95,48 95,26 91,03 94,33

PMF

40 9,86

PÉSSIMO

45,13

INSUFICIENTEMENTE RUGOSA

0,78

GROSSEIRA OU ABERTA

2.160,45 87,82 87,82 87,79 87,82 85,60 84,73

60 10,25 45,13 0,79 2.160,45 94,12 94,12 93,05 94,12 91,27 92,48

80 9,85 45,13 0,85 2.160,45 101,59 101,48 101,59 101,48 99,01 98,17

em que: IRI: Irregularidade longitudinal;

VRD: Valor de Resistência a Derrapagem; ρ: Densidade; MPD: Valor de macrotextura em termos de Mean Profile Depth; Pico NPS: Maior NPS de todas as frequências; NPS D1: Maior NPS para o microfone dianteiro até 1.000 Hz; NPS D2: Maior NPS para o microfone dianteiro acima de 1.000 Hz; NPS1000: Maior NPS a 1.000 Hz; NPS T1: Maior NPS para o microfone traseiro até 1.000 Hz; NPS T2: Maior NPS para o microfone traseiro acima de 1.000 Hz.

350

Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

Figura 9: Relações entre NPS e IRI, VRD, ρ e MPD na velocidade de 40 km/h

Figura 10: Correlações entre NPS e IRI, VRD, ρ e MPD na velocidade de 40 km/h

-0,1

0

0,03 0,04

-0,0

7

-0,1

2

-0,2

4

0,07

-0,1

3

0,09

-0,1

4

0,04

0,17

-0,2

8

-0,4

2

-0,4

0

-0,4

2 -0,2

8 -0,1

7

0,71

0,65 0,68 0,

71 0,73

0,64

0,17

-0,2

4

0,17

-0,2

1

0,18 0,

23

-1,00

-0,50

0,00

0,50

1,00

Pico N

PS (dB(A

))

NPS D1 (

dB(A

))

NPS D2 (

dB(A

))

NPS1000

(dB(A

))

NPS T1 (dB

(A))

NPS T2 (dB

(A))

NPS nas várias situações

Cor

rela

ções

a 4

0 km

/h

IRI (m/km)HS (mm)VRD (kg/m³)MPD (mm)

ρ

ρ

351

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 11: Relações entre NPS e IRI, VRD, ρ e MPD na velocidade de 60 km/h.

Figura 12: Correlações entre NPS e IRI, VRD, ρ e MPD na velocidade de 60 km/h

0,14

0,25

0,15 0,

24

0,12 0,13

-0,4

4

-0,5

8

-0,5

1

-0,5

6

-0,5

8

-0,5

4

-0,3

0

-0,3

3

-0,3

9

-0,3

5

-0,6

2

-0,8

4

0,51

0,31

0,53

0,35

0,69

0,65

-0,5

3

-0,6

5

-0,6

1

-0,6

4

-0,6

6

-0,7

3

-1,00

-0,50

0,00

0,50

1,00

Pico N

PS (dB(A

))

NPS D1 (

dB(A

))

NPS D2 (

dB(A

))

NPS1000

(dB(A

))

NPS T1 (dB

(A))

NPS T2 (dB

(A))

NPS nas várias situações

Cor

rela

ções

a 6

0 km

/h

IRI (m/km)HS (mm)VRD (kg/m³)MPD (mm)

ρ

ρ

352

Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

Figura 13: Relações entre NPS e IRI, VRD, ρ e MPD na velocidade de 80 km/h

Figura 14: Correlações entre NPS e IRI, VRD, ρ e MPD na velocidade de 80 km/h

Nesta velocidade (60 km/h) percebe-se, também, significativa influência da macrotextura. Esta relação, que é inversamente proporcional (correlação < -0,5), ou seja, quanto maior a macrotextura, menor será o NPS emitido. Possivelmente, com o aumento da velocidade a macrotextura propiciou maior dissipação do ar entre o pneu e o pavimento, favorecendo a redução dos ruídos aerodinâmicos.

0,20 0,

24

0,23

0,20

0,16

0,04

-0,5

5

-0,6

3

-0,5

9

-0,6

1

-0,5

4

-0,5

5-0,3

8

-0,3

9

-0,4

7 -0,3

9

-0,3

2

-0,4

3

0,41

0,32 0,

40

0,38

0,50 0,53

-0,6

3

-0,7

0

-0,6

7

-0,6

8 -0,5

8

-0,6

7

-1,00

-0,50

0,00

0,50

1,00

Pico N

PS (dB(A

))

NPS D1 (

dB(A

))

NPS D2 (

dB(A

))

NPS1000

(dB(A

))

NPS T1 (dB

(A))

NPS T2 (dB

(A))

NPS nas várias situações

Cor

rela

ções

a 6

0 km

/h

IRI (m/km)HS (mm)VRD (kg/m³)MPD (mm)ρ

ρ

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Ainda observou-se uma forte correlação negativa do NPS captado pelo microfone traseiro com o VRD. Possivelmente, a microtextura deve ter favorecido a redução do NPS nesta velocidade devido ao pneu permanecer em contato com o pavimento, inibindo os efeitos de adesão/deslizamento. Para os resultados da correlação na velocidade de 80 km/h, o NPS praticamente não sofreu influência da densidade. Apenas influenciando, em menor proporção que em velocidades mais baixas, nos ruídos captados pelo microfone traseiro. Acredita-se que, com a redução do contato entre o pneu e o pavimento, em velocidades mais elevadas, a dissipação do ar nos vazios do revestimento seja menos importante, sendo esta mais influenciada pela macrotextura, pela sua proximidade ao pneu. Na velocidade de 80 km/h pode-se reafirmar a significativa influência da macrotextura. Esta relação cresceu em relação à observada com a velocidade de 60 km/h, principalmente para o NPS a 1.000 Hz (de 0,65 a 60 km/h para 0,68 a 80 km/h). Este fato favoreceu a atenuação da geração de ruído, devido à maior dissipação do ar entre o pneu e o pavimento, com a redução dos ruídos aerodinâmicos. As correlações de NPS com o IRI são diretamente proporcionais. Esta relação, quando obtida para todo o conjunto de dados, foi baixa. Contudo, foi realizada neste trabalho uma avaliação adicional, quando se correlacionou o NPS com o IRI individualmente para cada trecho avaliado, com os valores variando de acordo com a velocidade. O resumo dos dados, a análise estatística e os resultados destas correlações estão na Tabela 3.

Tabela 3: Correlações lineares entre NPS e IRI para cada segmento avaliado Dados e estatísticas de IRI

Item CAUQ1 CAUQ2 CAUQ3 AB MRA TSD SBS1 SBS2 PMF

IRI (m/km)

40 km/h 3,12 1,46 2,37 4,49 3,23 3,05 3,53 2,08 9,86 60 km/h 3,58 1,53 2,35 4,99 3,11 2,44 3,61 2,08 10,25 80 km/h 3,82 1,62 2,36 4,81 3,03 2,68 3,33 2,18 9,85

Média (m/km) 3,51 1,54 2,36 4,76 3,12 2,72 3,49 2,11 9,99 Desv. Pad. (m/km) 0,36 0,08 0,01 0,25 0,10 0,31 0,14 0,06 0,23

Coeficiente de Variação (%) 10,1 5,2 0,4 5,3 3,2 11,3 4,1 2,7 2,3

Coeficientes de Correlação entre IRI e NPS NPS CAUQ1 CAUQ2 CAUQ3 AB MRA TSD SBS1 SBS2 PMF

Pico NPS (dB(A)) 1,00 0,99

Não

con

siste

nte

0,77

Não

con

sist

ente

0,90

Não

con

siste

nte

Não

con

siste

nte

Não

con

siste

nte NPS D1 (dB(A)) 0,99 0,99 0,75 0,81

NPS D2 (dB(A)) 1,00 1,00 0,76 0,91

NPS1000 (dB(A)) 0,99 0,92 0,76 0,86

NPS T1 (dB(A)) 1,00 0,99 0,82 0,86

NPS T2 (dB(A)) 1,00 0,99 0,78 0,90 A elevação do NPS com o aumento do valor de IRI, nos segmentos CAUQ1, CAUQ2, AB e TSD, podem ter sido causados pelo aumento dos impactos entre o pneu e o pavimento, contribuindo para o aumento do NPS. Esta evidência diverge com o afirmado por Sandberg (1987), que a irregularidade longitudinal não interfere na geração de ruído na interface pneu-pavimento. Os coeficientes de correlação linear não foram analisados para os segmentos CAUQ3, MRA, SBS1, SBS2 e PMF, devido aos coeficientes de variação dos dados (relação entre o desvio padrão da amostra e sua média) serem muito baixos (menores do que 5% – ver Tabela 3). Nestes segmentos, os

354

Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

valores obtidos em cada velocidade (40, 60 e 80 km/h) estavam muito próximos da média, quando qualquer variação do NPS provavelmente não tinha relação com o IRI, que nestes casos era pouco variável. Logo, a correlação linear foi dita inconsistente nestes segmentos. Na Figura 15 é possível identificar a forte correlação (> 0,5) positiva do NPS com a velocidade. Há um aumento da vibração do pneumático com o acréscimo da velocidade, favorecendo a ocorrência de fenômenos mecânicos (vibrações radiais, deslizamento/adesão e adesividade), contribuindo para o aumento do NPS.

Figura 15: Correlações entre NPS e velocidade

5.2. Modelo de previsão de NPS Na bibliografia consultada não foram encontradas propostas de modelos matemáticos ou estatísticos de previsão de NPS semelhantes à apresentada neste trabalho. Estes modelos, apesar de serem passíveis de melhorias futuras, seja pela ampliação do banco de dados ou pelo emprego de outras metodologias, podem representar grande avanço na elaboração de projetos de pavimentação. Além de serem concebidos visando à segurança e à durabilidade das vias, também poderão prever a melhoria do conforto acústico da sociedade, fator ainda não priorizado pela engenharia rodoviária nacional.

5.2.1. Desenvolvimento do modelo Para o desenvolvimento do modelo de previsão de NPS, a partir das características do revestimento, foram utilizados os dados referentes a 5 trechos revestidos com misturas asfálticas CAUQ1, CAUQ3, AB, SBS2 e PMF, selecionados aleatoriamente dentre os 9 estudados para modelagem. Os demais trechos analisados foram utilizados nos procedimentos de validação. O modelo estatístico foi desenvolvido para obtenção do NPS na frequência de 1.000 Hz, já que normalmente se faz o uso de decibelímetros para a avaliação de ruído de tráfego, e tais medidores fazem as leituras nesta frequência.

0,680,64

0,71

0,63 0,62

0,70

0,00

0,50

1,00

Pico N

PS (dB(A

))

NPS D1 (

dB(A

))

NPS D2 (

dB(A

))

NPS1000

(dB(A

))

NPS T1 (dB

(A))

NPS T2 (dB

(A))

NPS nas várias situações

Coe

ficie

nte

de c

orre

laçã

o

355

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Perceber-se-á que o VRD não faz parte do modelo de previsão. Esta variável não representou benefícios ao modelo, não sendo significante (p-level ≥ 0,05) nas diversas simulações a partir da regressão linear múltipla, podendo ter um relacionamento não linear com o NPS, mas não avaliado neste trabalho. Sobretudo a correlação do NPS na frequência de 1.000 Hz (utilizado para a construção do modelo), com o VRD não foi significativa. Eliminando-se os dados de elevado erro residual, foi elaborada a Equação (2) a partir da regressão linear múltipla.

MPDIRIVNPS ×−×+×+×+−= 4742,140673,03518,23103,06771,811000 ρ (2) em que: NPS1000 = Nível de Pressão Sonora (NPS) em dB(A) a 1.000 Hz;

V = Velocidade em km/h; IRI = Irregularidade Longitudinal em m/km; ρ = Densidade em kg/m³; MPD = Mean Profile Depth (mm).

Na Tabela 4 é apresentada a análise de consistência do modelo, no qual todos os coeficientes obtidos apresentaram p-level inferiores ao limite máximo de 5,0%. Isto significa que os erros causados pelos estimadores são consequências do acaso, e não dos fatores que estão sendo estudados.

Tabela 4: Análise da consistência do modelo

Variável b St. Err. of b B St. Err. of B t(10) p-level Interseção - - -81,68 29,39 -2,78 0,0214

V 0,92 0,07 0,31 0,03 12,36 0,0000 IRI 1,30 0,19 2,35 0,35 6,81 0,0001 D 0,97 0,18 0,07 0,01 5,40 0,0004

MPD -0,38 0,08 -14,47 3,20 -4,52 0,0015 A Figura 16 apresenta o diagrama de dispersão relacionando, através de uma reta simétrica, os valores de NPS medidos em campo, e os calculados com o modelo da Equação 2.

356

Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

Figura 16: Diagrama de Dispersão do NPS1000 (medido versus calculado)

Pode-se perceber que não houve superestimação nem subestimação significativa do modelo proposto, pois os valores se aproximaram bastante de uma reta a 45º de inclinação. Houve pouca dispersão dos valores calculados e medidos, e o coeficiente de determinação (R²) obtido foi de 0,95. Já a Figura 17 representa o gráfico de resíduos relacionando os valores medidos de NPS com o erro residual na comparação com as estimativas. Quanto maior a distância do valor do resíduo do “zero”, maior será o erro residual. Obtiveram-se valores baixos para o erro residual, compreendidos no intervalo de -1,94 a 2,42 dB(A), o que corresponde a uma variação do valor calculado de no máximo 2,71% com relação ao valor medido em campo.

Figura 17: Gráfico de Resíduos NPS1000 (Calculado versus Resíduos)

A REMQP (raiz do erro médio quadrático percentual) calculada para as diferenças individuais (resíduos) apresentadas foi de 1,30%, sendo esta inferior ao patamar de 15% adotado por Albuquerque (2007) como tolerável em obras de pavimentação.

357

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

5.2.2. Validação do modelo de previsão de NPS Na Tabela 5 são apresentados os valores de NPS na frequência de 1.000 Hz medidos em campo e calculados com o modelo proposto para os segmentos com revestimentos em misturas asfálticas CAUQ2, MRA, TSD e SBS1, selecionados para a validação do modelo.

Tabela 5: Teste de validação do modelo de previsão

Trecho/Revestimento V (km/h) IRI (m/km)

ρ (kg/m³)

MPD (mm)

NPS1000 (dB(A)) Medido

NPS1000 (dB(A))

Calculado

Erro Residual

CAUQ2 40 1,46 2.403,45 0,75 93,75 85,07 8,68 60 1,53 2.403,45 0,71 94,36 92,01 2,35 80 1,62 2.403,45 0,75 104,09 97,85 6,24

MRA 40 3,23 2.272,29 1,12 86,19 75,05 11,14 60 3,11 2.272,29 1,19 94,04 79,96 14,08 80 3,03 2.272,29 1,22 99,78 85,54 14,24

TSD 40 3,05 2.264,15 1,89 82,61 62,93 19,68 60 2,44 2.264,15 1,96 80,77 66,69 14,08 80 2,68 2.264,15 2,00 80,46 72,88 7,58

SBS1 40 3,53 2.340,00 0,52 84,98 88,99 -4,01 60 3,61 2.340,00 0,50 89,54 95,68 -6,14 80 3,33 2.340,00 0,50 94,92 101,22 -6,30

A Figura 18 apresenta o diagrama de dispersão relacionando os valores medidos em campo e os calculados com o uso do modelo acima apresentado na Equação 2 para os segmentos de validação.

Figura 18: Diagrama de Dispersão NPS1000 (medido versus calculado) – Validação

R²=0,52

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Estudo dos Mecanismos de Geração de Ruído de Tráfego na Interface Pneu-Pavimento

Utilizando-se os dados selecionados nos segmentos de validação, houve uma maior dispersão em relação às amostras utilizadas no desenvolvimento do modelo, e o coeficiente de determinação (R²) obtido foi de 0,52. A Figura 19 representa o gráfico de resíduos relacionando os valores medidos de NPS, dos segmentos de validação, com o erro residual na comparação com as estimativas.

Figura 19: Gráfico de Resíduos NPS1000 (Calculado versus Resíduos) – Validação

Calculando-se o REMQP para as diferenças individuais (resíduos) apresentadas, foi obtido o valor de 12,24%, sendo este inferior ao patamar tolerável adotado neste trabalho de 15,0%. Tendo em vista a grande dispersão e o elevado REMQP, foi realizada a análise de variância (ANOVA: fator único) dos dados, para verificar se, estatisticamente, os valores medidos e os calculados fazem parte da mesma população (Tabela 6).

Tabela 6: Análise de variância para valores medidos em campo e calculados pelo modelo

Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico Entre grupos 277,65 1 277,65 2,64 0,1186 4,3010

Dentro dos grupos 2.316,08 22 105,28 - - - Total 2.593,72 23 - - - -

A análise de variância demonstrou que não se pode rejeitar a hipótese nula (H0) de que as médias dos valores obtidos em campo e dos estimados pelo modelo proposto são iguais, já que o F < FCrítico e o Pvalue > 0,05 para o nível de significância de 5%. Vale ressaltar que o modelo aqui proposto é válido para pavimentos revestidos com misturas asfálticas com agregados e ligantes semelhantes aos utilizados no estado de Sergipe e para velocidades de tráfego entre 40 e 80 km/h.

6. CONCLUSÕES Neste trabalho foi feito um estudo dos mecanismos de geração de ruído de tráfego na interface pneu-pavimento, relacionando o índice de vazios, a textura superficial e a irregularidade longitudinal de vários pavimentos asfálticos com os respectivos NPS emitidos por um veículo de passeio trafegando

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

em várias velocidades. De acordo com as análises dos dados obtidos nos levantamentos, ficou evidente que o NPS gerado na interface pneu-pavimento é diretamente proporcional ao aumento da velocidade (V). A partir das correlações lineares, também se chegou à conclusão de que a densidade (ρ – aqui representando indiretamente o índice de vazios) influenciou na emissão de ruído em baixas velocidades, quando o pneu teve maior contato com o pavimento, ou seja, aumentou-se o índice de vazios (menor densidade), menor foi o ruído gerado. A macrotextura (medida em MPD) influenciou na redução do NPS, especialmente em altas velocidades, em que uma textura mais grosseira propiciou uma maior dissipação do ar na interface pneu-pavimento. A irregularidade longitudinal (IRI) influenciou no aumento do NPS, de forma menos significativa se comparada às variáveis anteriores. Tal fator acresceu os impactos entre o pneu e o pavimento e, consequentemente, elevou o NPS, uma vez que houve um aumento das vibrações mecânicas. Já a microtextura (VRD) não apresentou influência significativa nos valores de NPS. Utilizando-se a regressão linear múltipla na análise estatística dos dados, foi proposto um modelo estatístico que permitiu a previsão do NPS, gerado na interface pneu-pavimento, a partir dos valores de velocidade de tráfego, irregularidade longitudinal, densidade do revestimento e macrotextura (em termos de MPD). A determinação do NPS foi mais influenciada neste modelo pela variação da velocidade de tráfego (V), seguida pela densidade do revestimento asfáltico (D). A macrotextura (MPD) e a irregularidade longitudinal (IRI) geraram menor variação ao valor de NPS. O modelo desenvolvido apresentou boa confiabilidade de resultados, permitindo seu uso na elaboração de projetos, nos quais poderão prever também o NPS proveniente da interface pneu-pavimento. O modelo proposto tem aplicação restrita às mesmas condições de clima e de materiais para os quais os dados utilizados foram obtidos. A ampliação do banco de dados e a utilização de métodos matemáticos e estatísticos mais sofisticados poderão, no futuro, aprimorar o modelo, ampliando sua aplicação a outros tipos de pavimentos, diferentes climas e materiais constituintes. AGRADECIMENTOS Ao CNPq pelo apoio financeiro à realização desta pesquisa, a partir de projeto contemplado no Edital MCT/CNPq Nº 18/2009 – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Transportes.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Manoel Fernando Freire Cabral ([email protected]) Fernando Silva Albuquerque ([email protected]) Osvaldo de Freitas Neto ([email protected]) Laboratório de Topografia e Transportes, Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Sergipe Av. Marechal Rondon, S/N, Rosa Elze – São Cristóvão, SE, Brasil Tatiana Máximo Almeida Albuquerque ([email protected]) Coordenadoria de Engenharia Civil, Instituto Federal de Sergipe Avenida Eng.º Gentil Tavares da Mota, 1.166, Bairro Getúlio Vargas – Aracaju, SE, Brasil

362

PERSPECTIVAS PARA O USO DO ETANOL NO TRANSPORTE PÚBLICO URBANO 26

José Roberto Moreira1

Sílvia Velázquez2

1Universidade de São Paulo Instituto de Eletrotécnica e Energia

2Universidade Presbiteriana Mackenzie Escola de Engenharia

RESUMO Utilizar etanol em ônibus é uma realidade em Estocolmo, com a tecnologia de ônibus diesel adaptado para operar com etanol, desde 1985, com sucesso do ponto de vista ambiental. Com o objetivo de incentivar o uso do etanol no transporte público urbano, visando à redução da poluição atmosférica nos grandes centros urbanos, foi idealizado o Projeto BEST - BioEthanol for Sustainable Transport, pela União Europeia. Uma das metas foi comparar o desempenho de uma frota experimental de ônibus com motores diesel, adaptados para operar com etanol, com ônibus movidos exclusivamente a diesel. Durante a obtenção dos resultados, foram formuladas políticas públicas de incentivo ao uso do etanol, que resultaram na parceria da Prefeitura de São Paulo e empresas privadas, levando à circulação de mais de 50 ônibus. O CNPq financiou o projeto de acompanhamento dessa nova frota e os resultados demonstram que são grandes as vantagens ambientais. ABSTRACT Using ethanol in buses is a reality in Stockholm, with the technology adapted to run Diesel-type engines on ethanol, since 1985, yielding a successful environmental result. With the aim of encouraging the use of ethanol in urban public transport in order to reduce air pollution in large urban centers, the BEST Project - BioEthanol for Sustainable Transport was designed by the European Union. One of the goals was to compare the performance of an experimental fleet of buses with diesel engines adapted to run on ethanol with another fleet of conventional diesel buses. During the BEST implementation, public policies were created to encourage the use of ethanol and resulted in the partnership between the City of São Paulo and private companies, leading to the circulation of more than 50 buses. The CNPq funded the follow up of the project for the new fleet and the results show that the environmental benefits are great.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO O crescimento da produção na indústria automotiva e o consequente crescimento do mercado consumidor são fatores que contribuíram para a ocupação ineficiente do espaço urbano, bem como para o aumento da poluição do ar atmosférico nas regiões metropolitanas. A situação do transporte na cidade de São Paulo é cada vez mais crítica, tendo em vista que nela está concentrada a maior frota do Brasil. Considerando automóveis, motocicletas, ônibus e caminhões, são 7,6 milhões de veículos, correspondendo a 30% dos veículos existentes no estado de São Paulo, que chegam a 26 milhões. O número de automóveis licenciados diariamente na cidade de São Paulo é elevado, contribuindo para o aumento da frota, que é de 5.445.562 unidades (DENATRAN, 2014). Essa concentração excessiva provoca aumentos sucessivos nos índices de congestionamento e tem como principal consequência a deterioração da qualidade do ar no centro urbano que compromete a saúde da população, fato que se agrava durante os meses de inverno, quando as condições de dispersão dos poluentes são desfavoráveis. A poluição do ar proveniente dos veículos automotores, abastecidos principalmente por combustíveis fósseis, gera danos à saúde da população que habita os grandes centros urbanos. Desta forma, algumas iniciativas têm sido tomadas para a promoção de meios de transporte mais eficientes, sustentáveis e de tecnologias com baixas emissões de poluentes. Na evolução da matriz energética veicular brasileira, pode-se observar que a gasolina, composta por 25% de etanol anidro (E25), vinha sendo gradativamente substituída pelo etanol hidratado (E100), devido à tecnologia de veículos flex fuel. Entretanto, o preço do etanol nas bombas não é mais competitivo com o da gasolina e o consumo de etanol representa apenas 13,4%, enquanto o de gasolina representa 29,4%. Há, ainda, a necessidade de introdução de tecnologia para substituir, ao menos parcialmente, o óleo diesel que representa 46,4% do combustível consumido anualmente, além de ser a opção mundial de combustível para o transporte público urbano (BEN, 2014). No intuito de diversificar a matriz energética brasileira, houve a iniciativa de produzir o biodiesel (B100), que ainda não pode atender à demanda no curto prazo, e sabe-se que a gasolina e o etanol não são usados comumente no transporte público urbano. No entanto, existe a possibilidade de utilização do etanol, em larga escala, em substituição ao diesel no transporte público urbano, pois o etanol já possui infraestrutura de produção e distribuição, podendo substituir o diesel de maneira mais significativa, em um período mais curto, além de ser um combustível renovável e isento de enxofre. A substituição do diesel por etanol esbarrava em problemas de origem técnica relativos aos motores de combustão interna, porém os avanços tecnológicos proporcionaram, recentemente, um motor de combustão interna movido a etanol aditivado, cuja aplicabilidade é a mesma de um motor diesel convencional. Isto é apresentado neste trabalho. 2. SITUAÇÃO DO TRANSPORTE PÚBLICO URBANO E A POLUIÇÃO

ATMOSFÉRICA NA CIDADE DE SÃO PAULO Os ônibus urbanos foram introduzidos na cidade de São Paulo em meados da década de 20, como complementação ao sistema de transportes por bondes elétricos, que passaram a ficar sobrecarregados e 50 ônibus importados serviram a cidade de São Paulo até 1932 (MTU, 2014). Em 1941, mais de 1000 ônibus serviam a Cidade de São Paulo e a maior parte dos passageiros do

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transporte público urbano de São Paulo passou a ser transportada pelos ônibus, situação que se mantém até hoje (SPTrans, 2014). Nos últimos 40 anos, com o crescimento econômico do país, houve um incremento da posse e uso do automóvel. Consequentemente, a população da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) evoluiu sua forma de locomoção pelo meio urbano. O panorama do transporte na RMSP, a partir da pesquisa Origem Destino (OD), de 2007, e realizada a cada dez anos, mostra que os principais meios de locomoção são o transporte coletivo (ônibus, trem, metrô e táxi), transporte individual (carros, caminhonetas e motocicletas particulares), a pé e por meio de bicicleta (STM, 2014). Entre 2007 e 2012, os deslocamentos por transporte individual na RMSP cresceram mais do que os do transporte coletivo; as viagens feitas com carros, motos e taxis aumentaram 21% enquanto as viagens feitas por ônibus, metrô e trens aumentaram 16% (ANTP, 2014). O incremento do uso e da posse de automóveis particulares na RMSP foi possível devido ao desenvolvimento econômico do país e à ineficiência do sistema de transporte coletivo em atender às necessidades dos usuários com comodidade e rapidez, estimulando o uso do transporte particular como opção preferencial da população. Isto se torna muito significativo na RMSP por ser um fato que provoca agravamento das condições de tráfego e de saúde por causa da poluição gerada pelos veículos em circulação, o que compromete a qualidade de vida da população. Para tentar diminuir os altos índices de congestionamento e de poluição, além de melhorar a fluidez do trânsito, uma das medidas tomadas pela Câmara Municipal da Cidade de São Paulo foi a adoção do Programa de Restrição ao Trânsito de Veículos Automotores no Município de São Paulo, conhecido como Rodízio Municipal de Veículos, que tem como meta a redução na quantidade de poluentes emitidos pelos veículos leves e pesados e a redução de cerca de 20% da frota desses veículos circulando diariamente no Centro Expandido. Entretanto, os veículos de transporte coletivo são isentos dessa medida (CET, 2014). Para tentar reduzir os índices de poluição, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), criou o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE) que, no Estado de São Paulo, é gerenciado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB). A partir de ações do PROCONVE (IBAMA, 2014), houve a redução dos níveis de enxofre no diesel para 500 ppm, em 2006, assim como a possibilidade de redução posterior para 50 ppm em 2009, fato que só ocorreu nas frotas cativas da RMSP. Além disso, foi estabelecida uma nova fase, com limites ainda mais rígidos de emissão, prevendo um diesel comercializado com teor de aproximadamente 10 ppm. Pelo cronograma em vigor, as indústrias automobilísticas e de combustíveis têm até 2016 para se adaptarem às novas normas técnicas e disponibilizarem no mercado brasileiro óleo diesel e motores nos padrões que já são adotados na Europa (MMA, 2014). A elaboração de políticas que tornem o uso do transporte público mais cômodo e conveniente ao usuário e que introduzam veículos de tecnologia de baixas emissões de poluentes, juntamente com medidas de planejamento urbano, podem melhorar significativamente a qualidade de vida da população que reside na RMSP. O monitoramento da qualidade do ar no Estado de São Paulo é realizado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) e sabe-se que a poluição atmosférica local (aquela que impacta a qualidade do ar no local onde o poluente é emitido) pode causar doenças respiratórias

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e cardiovasculares, como inflamação pulmonar e sistêmica subclínica, aumento da pressão arterial, maior risco de arritmias e infarto do miocárdio, além da redução de aproximadamente 1,5 ano de expectativa de vida de um morador de um centro urbano. Crianças, idosos, bem como integrantes dos segmentos menos favorecidos do ponto de vista socioeconômico, são os mais afetados pela poluição do ar. Segundo estudos realizados pela Faculdade de Medicina da USP, somente na cidade de São Paulo, os óbitos decorrentes da poluição do ar são de aproximadamente 3.500 pessoas por ano. Se contabilizados os anos potencialmente produtivos das vidas perdidas prematuramente, somados aos gastos públicos com tratamentos de doenças crônicas relacionadas à poluição do ar e à diminuição da capacidade de trabalho de cada indivíduo, em São Paulo, os custos relacionados à poluição chegam a US$ 350 milhões por ano (estimativa conservadora) (FAPESP, 2008). Neste contexto, surgiu o Projeto BEST - BioEtanol para o Transporte Sustentável, que trouxe a possibilidade de diminuição da emissão de poluentes nos centros urbanos por meio do incentivo ao uso do transporte público urbano sustentável, com o emprego de tecnologia de motor de combustão interna que utiliza etanol como combustível e apresenta menores emissões. 3. O ETANOL NO BRASIL O Brasil possui o segundo maior programa comercial de biomassa do mundo, o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), que foi lançado em 1975 pelo Governo Federal com o intuito de produzir etanol e açúcar a partir da cana-de-açúcar para reduzir as importações de petróleo. Há alguns anos, no Brasil, o etanol é compulsoriamente adicionado à gasolina, em porcentagem definida pelo Governo Federal, que varia de 20 a 25% em volume, produzindo o chamado gasohol, que substituiu o chumbo tetra etila e o Merc Terc Butil Etil (MTBE), que eram adicionados aos combustíveis fósseis para aumentar sua octanagem. O Brasil é líder no mercado mundial de etanol de cana-de-açúcar, com produção de 27,96 bilhões de litros na safra 2013/2014 e estimada para 28,37 bilhões de litros na safra de 2014/2015, apresentando aumento de 1,47% (CONAB, 2014), sendo que 2/3 desse volume são produzidos no Estado de São Paulo. O solo e clima favoráveis, além do investimento em pesquisa e desenvolvimento, contribuem para o aumento da produtividade do etanol, reduzindo seus custos de produção. Comparativamente às outras matérias-primas para a produção do etanol, a cana-de-açúcar no Brasil tem a vantagem de possuir maior produtividade, aproximadamente, 7.000 litros por hectare, em relação à produtividade do etanol produzido a partir de milho, nos EUA, de 3.000 litros por hectare (BRASKEM, 2014). Há de se considerar, também, o balanço energético, pois para cada unidade de energia fóssil consumida na produção de etanol de cana no Brasil, são produzidas de 8 a 10 unidades de energia renovável contra, aproximadamente, 1 a 1,5 unidade do etanol de milho. Além disso, os custos de produção do etanol brasileiro são menores se comparados aos custos de produção do etanol a partir das diferentes matérias-primas (AGEITEC, 2008). A área colhida de cana para o setor sucroenergético atingiu 7,41 milhões de hectares na safra 2009/2010, um aumento de quase 5% em relação a 2008/2009 e a previsão é que a safra 2014/2015 seja maior que a anterior, de 2013/2014 (8,8 milhões de hectares), somando 9,1 milhões de hectares (CONAB, 2014).

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A implantação da tecnologia de ônibus movido a etanol no Brasil, que tem disponibilidade e excelentes perspectivas para a produção do combustível, sugere vantagens competitivas ambientais, com a redução das emissões dos gases poluentes. O uso do etanol em motores diesel oferece uma série de benefícios e pontos favoráveis ao modelo para o Brasil. Entre eles, está a diversificação da matriz energética no setor de transportes, o uso de um combustível nacional, além da utilização de infraestrutura de distribuição compatível com a existente no Brasil. 4. O PROJETO BEST - BIOETANOL PARA O TRANSPORTE

SUSTENTÁVEL NA RMSP O CENBIO – Centro Nacional de Referência em Biomassa, do IEE – Instituto de Energia e Ambiente, da USP – Universidade de São Paulo, desenvolveu, de 2006 a 2009, duas metas do projeto BEST – BioEthanol for Sustainable Transport, apoiado pela União Europeia e coordenado pela prefeitura de Estocolmo, Suécia. O idealizador do projeto BEST foi o prof. José Roberto Moreira, coordenador deste novo trabalho financiado pelo CNPq, convidado pela empresa Renewable Energies - WIP, com base em Munique, na Alemanha, para elaborar uma proposta de projeto conjunta e encaminhar ao coordenador geral do grupo proponente, a Prefeitura de Estocolmo. Foi elaborado um documento contendo as propostas de nove parceiros e submetido ao grupo técnico da União Europeia para julgamento. Vários grupos concorreram e, por razões técnicas, o grupo encabeçado pela Prefeitura de Estocolmo foi o vencedor. Seu objetivo foi incentivar o uso do etanol, em substituição à gasolina e ao diesel, no transporte público urbano no Brasil e no mundo. Os veículos utilizados nos testes foram monitorados e avaliados para demonstrar a eficiência energética e, principalmente, ambiental do etanol. Durante a obtenção dos resultados, o projeto BEST e a União Europeia forneceram recomendações para a formulação de políticas públicas de incentivo ao uso da tecnologia. Além de São Paulo, pioneira nas Américas, outras oito localidades na Europa e Ásia participam do projeto: Estocolmo (Suécia), Madri e País Basco (Espanha), Roterdam (Holanda), La Spezia (Itália), Somerset (Inglaterra), Nanyang (China) e Dublin (Irlanda). Uma das metas brasileiras do projeto BEST, e aqui em questão, foi avaliar o uso do etanol como combustível alternativo ao diesel, em ônibus utilizados para o transporte público, por meio de acompanhamento comparativo do desempenho operacional de frota experimental, tomando como referência ônibus diesel equivalente. A tecnologia utilizada, motor diesel adaptado para funcionar com etanol, desenvolvida pela empresa Scania sueca, está disponível e tecnicamente aperfeiçoada, desde 1985. Devido às exigências da legislação ambiental sueca, a Scania desenvolveu a tecnologia e a SEKAB, o aditivo. Na Suécia, é utilizado o etanol brasileiro (importado) e existem incentivos fiscais por parte do governo, o que faz o etanol ser vendido a 40% do preço do diesel. Lá circulavam cerca de 600 ônibus movidos a etanol brasileiro, sendo que, aproximadamente, 380 estão em Estocolmo. O objetivo do programa sueco era reduzir a poluição gerada no centro da cidade, onde havia grande concentração de emissão de poluentes (CENBIO, 2007). Em 1997, a São Paulo Transporte S.A. – SPTrans, na qualidade de empresa gestora do transporte de passageiros do Município de São Paulo e responsável por ações para minimizar os índices de emissão de poluentes, testou, em condições reais de operação, durante 30 dias, dois ônibus movidos a etanol, fabricados pela Scania sueca, em parceria com a Viação Santa Brígida e Viação Santa Madalena.

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Foi realizado um estudo comparativo dos veículos movidos a etanol com veículos movidos a diesel e gás natural, operados nas mesmas linhas e condições, considerando apenas o consumo de combustível e desempenho apresentado pelos ônibus. Os resultados foram excelentes do ponto de vista ambiental, porém modestos do ponto de vista energético, o que se esperava superar com a nova geração do motor e também do aditivo (CENBIO, 2007). A substituição do diesel por etanol esbarrava em problemas de origem técnica em motores de combustão interna. Entretanto, os avanços tecnológicos proporcionaram, recentemente, um motor de combustão interna movido a etanol aditivado, cuja aplicabilidade é a mesma de um motor a diesel convencional. Tais motores, adaptados desde a fase de projeto para operar com etanol, têm a mesma potência e as mesmas características de torque que os motores movidos exclusivamente a diesel e foram especialmente desenvolvidos para utilização em ônibus urbanos. O estudo mais detalhado sobre os benefícios destes ônibus era um passo importante na possível implementação desta tecnologia no transporte público coletivo. Então, com o objetivo de melhor avaliar a tecnologia de motores diesel movidos a etanol aditivado, o projeto BEST no Brasil foi iniciado. Desde 2006, o CENBIO buscava parceiros para desenvolver o projeto BEST no Brasil e, finalmente, em 2007, nove parcerias foram concretizadas. A Scania Latin América importou o chassi e o motor da Suécia, a Marcopolo projetou, construiu e forneceu a carroceria, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) forneceu o etanol para os testes, a BAFF/SEKAB forneceu o aditivo, de fabricação própria, para ser adicionado ao etanol, enquanto que a Petrobras importou o aditivo. A mistura do aditivo ao etanol e a distribuição do combustível nas operadoras dos ônibus, ficou sob a responsabilidade da BR Distribuidora. Para os testes iniciais de montagem da carroceria, a Copersucar importou o primeiro lote do etanol aditivado (Etamax) (CENBIO, 2007). O chassi, padrão Scania, que obedece ao padrão europeu, sofreu adaptações como a acomodação dos tanques de combustível no veículo, pois sua capacidade deve ser maior para garantir a mesma autonomia de um veículo movido a diesel. Tal fato justifica-se pelo maior consumo de etanol aditivado em comparação ao diesel, devido ao menor poder calorífico do etanol. A capacidade do ônibus a etanol aditivado é de 400 litros, divididos em três tanques, enquanto que a capacidade de um ônibus a diesel é de 300 litros de combustível (CENBIO, 2007). O lançamento do projeto ocorreu no dia 23 de outubro de 2007, na USP, com a apresentação do ônibus em cerimônia que contou com a presença do então Secretário de Transportes e do Prefeito da Cidade de São Paulo que, já na ocasião, manifestou apoio ao Projeto BEST e enfatizou a utilização de tecnologias de transporte mais limpas como principal meio de redução da poluição do ar na RMSP (CENBIO, 2008). Os testes, inicialmente, foram realizados na operadora METRA – Sistema Metropolitano de São Paulo, da concessionária EMTU/SP – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos S.A., no corredor Jabaquara - São Mateus, que tem 33 km de extensão e transporta 6 milhões de passageiros por mês e, em seguida, em operadora indicada pela SPTrans – São Paulo Transporte S.A., que também é parceira no projeto (CENBIO, 2007). Para avaliar a tecnologia desenvolvida para a utilização do etanol em ônibus do transporte público urbano, o funcionamento do ônibus movido a etanol foi acompanhado e documentado, circulando em linha específica, comparativamente a ônibus similar, movido exclusivamente a diesel. Tais dados referem-se ao consumo de combustível, quilometragem percorrida, desempenho, ocorrências de

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acidentes ou problemas mecânicos, a partir da Média de Quilometragem Rodada entre Falhas - Mean Kilometers Between Failures (MKBF) e outros. Para efeito comparativo, foi adotado o mesmo acompanhamento para todos os ônibus avaliados e não foram realizados testes de emissões, pois o motor em operação já havia sido homologado. Outro motor, de nova geração, trazido para o Brasil pela Scania, foi integrado ao Projeto BEST e lançado oficialmente em cerimônia, realizada em 12 de novembro de 2009, na Viação Gato Preto, que incorporou o veículo à sua frota e nele realiza os testes de demonstração, na linha Lapa – Vila Mariana (CENBIO, 2009). O evento contou novamente com o apoio do Prefeito da Cidade que, na ocasião, relacionou a promulgação da Lei 14.933, também conhecida como Lei de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo, de 5 de junho de 2009, com a importância do ônibus movido a etanol para atendê-la. Tal lei tinha como meta a redução das emissões de gases de efeito estufa em 30% até o ano de 2012, por meio da utilização de tecnologias mais limpas a partir de combustíveis renováveis (PMSP, 2009). O ônibus a etanol aditivado se mostrava uma alternativa viável para o cumprimento da meta de redução de emissão de gases de efeito estufa. Os resultados do ensaio do motor comparados aos limites, na época, estabelecidos no PROCONVE mostraram que os valores de emissão do motor ciclo diesel movido a etanol aditivado são bem menores do que os limites impostos pelas fases P-5 e P-6 do PROCONVE. A fase P-6 era o limite brasileiro de emissões mais rigoroso para a fabricação de motores de combustão interna e entrou em vigor em 2009. O motor atendia, inclusive, aos limites impostos pela fase P-7, que entraria em vigor somente em 2012. A Tabela 1 apresenta as emissões do motor ciclo diesel movido a etanol aditivado e faz uma comparação dos resultados com as fases do PROCONVE.

Tabela 1: Emissões do motor ciclo diesel movido a etanol aditivado.

VALORES DE EMISSÃO CO (g/kWh) HC (g/kWh) NOx (g/kWh) MP (g/kWh)

Ensaio no motor (1)

0, 00 0,05 1,7 0,01

PROCONVE P-5 (2)

2,1 0,66 5,0 0,10

PROCONVE P-6 (3)

PROCONVE P-7(4)

1,5

1,5

0,46

0,46

3,5

2,0

0,02

0,02

(1) Ensaio realizado em 13/09/2007, no laboratório RDW, na Holanda (2) Estabelecidos na Resolução Conama n.o 315/02, em vigor desde 01/01/2006. (3) Resolução Conama n.º 315/02, Art.15, Tabela 1, linha 2, deveria estar em vigor desde 01/01/2009 (adiado para 2012). (4) Resolução Conama nº 403/08, que entrou em vigor em 01/01/2012.

Fonte: Adaptado de SCANIA (2008).

O novo motor se mostrou avançado até para os padrões europeus de emissões, pois atendia às especificações EURO 5, que entraram em vigor na Europa em 2009 e, também, à Enhanced Environmentally Friendly Vehicles (EEV), norma de adesão voluntária com intuito de reduzir

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emissões estipuladas na EURO 5. É homologado no Brasil pela CETESB e perfeitamente aplicável à realidade brasileira, pois suas emissões estão bem abaixo dos limites impostos pelo PROCONVE. Com esses patamares de rigor, estima-se a redução de mais de 80% das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, de 90% de material particulado e 62% de NOx lançados na atmosfera, além de não haver emissão de enxofre (S), que forma o SOx, responsável pela chuva ácida. A redução das emissões de poluentes locais (MP, NOx e CO) diminui a ocorrência de doenças cardiorrespiratórias, fato que deve ser levado em consideração, principalmente, nas regiões metropolitanas onde a população é numerosa, há grande concentração de veículos e fontes de poluição atmosférica, além das condições de dispersão de poluentes serem desfavoráveis. A grande vantagem da utilização do etanol como combustível no transporte público urbano é o ganho ambiental com a redução de emissões. 4.1 Adaptações técnicas executadas no ônibus a etanol A adaptação do motor diesel para operar com etanol não requer mudanças significativas, segundo o fabricante. O motor que iniciou os testes tem injeção mecânica e taxa de compressão de 1:22, sendo que nos motores diesel convencionais essa taxa é de 1:18, os bicos injetores têm maior vazão volumétrica, para compensar o menor conteúdo energético do etanol em comparação ao diesel, a bomba de combustível tem maior capacidade de vazão volumétrica, maior tempo de injeção de combustível, além de que são empregados materiais resistentes à corrosão em algumas peças internas, tais como gaxetas, retentores, molas e válvulas (CENBIO, 2007). O sistema de transmissão, carroceria, freios e chassis são exatamente os mesmos empregados nos veículos a diesel convencionais e o motor de nova geração, entre as modificações efetuadas, apresenta taxa de compressão de 1:28, injeção eletrônica e injetores com maior capacidade volumétrica. A diferença encontrada na taxa de compressão do motor deve-se ao fato do etanol não possuir a propriedade de autoignição por compressão, que é o princípio de funcionamento do motor ciclo Diesel. Portanto, para que o motor ciclo Diesel movido a etanol funcione de maneira satisfatória, além da altíssima taxa de compressão, de 28:1, o combustível também deve ser aditivado em 5% no seu volume com um aditivo promovedor de ignição. O aditivo é necessário para que a combustão ocorra mais rapidamente e com maior eficiência energética. Tal combustível é comercialmente conhecido como E95, Etamax D, em referência ao percentual de etanol, em volume, que é de 95 %. A SEKAB sueca era a única empresa fornecedora de E95 para a frota de ônibus a etanol de Estocolmo e para o projeto BEST (CENBIO, 2007). Devido ao menor conteúdo energético do etanol em relação ao diesel, o ônibus a etanol apresenta um consumo de combustível médio maior que o veículo movido a diesel de mesma potência. Tal consumo deve-se ao fato da energia contida em um litro de diesel ser a mesma contida em 1,7 litro de etanol, o que justifica que o ônibus a etanol necessita de um volume 60% maior de combustível para percorrer a mesma distância, bem como a necessidade do veículo ter maior capacidade dos tanques de combustível, 400 litros de etanol aditivado, enquanto um veículo convencional possui capacidade de 300 litros de diesel (MOREIRA, 2007). O combustível vendido no continente europeu possui na sua composição o éter metil-terciário butílico (MTBE). Entretanto, segundo o fabricante do aditivo, o MTBE pode ser substituído por outro derivado do etanol adequando-se, assim, à legislação brasileira que não permite o uso de

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MTBE desde setembro de 1991. O aditivo fornecido pela SEKAB para o projeto BEST no Brasil é composto de derivados de polietileno glicol, que é o promovedor de ignição, isobutanol, corantes e inibidores de corrosão, sem a adição de MTBE (CENBIO, 2007). Tal combustível, assim como o motor, também teve a sua fórmula aprimorada desde o início dos testes. Em operação nos corredores da EMTU, o veículo apresentou um único episódio de manutenção: paradas repentinas do motor em marcha lenta. Notou-se que tal problema manifestava-se, frequentemente, em dias mais quentes, quando a temperatura ambiente atingia 26 °C ou mais e no final de longos declives do trajeto. Foram constatadas condições anormais de temperatura e pressão na linha de combustível: 58 °C na linha de alimentação do motor e pressão de 0,5 bar, sendo que a pressão normal da bomba de combustível deveria ser de aproximadamente 3 bar, podendo apresentar pequenas variações (SCANIA, 2007). O projeto original, desenvolvido na Europa, previa o funcionamento do veículo em clima temperado, em que a temperatura ambiente média é mais baixa do que a de clima tropical. Em dias mais quentes, no Brasil, a temperatura da linha de combustível chegou a atingir 58 °C, temperatura que poderia subir ainda mais quando o motor estivesse em marcha lenta. O aquecimento excessivo estava causando a vaporização do combustível na linha de alimentação do motor. A solução encontrada foi desviar o retorno de combustível do motor diretamente para o tanque. A manutenção feita consistiu em uma adaptação do projeto às condições brasileiras (tropicalização). A grande vantagem da utilização do etanol como combustível no transporte público urbano é o ganho ambiental com a redução de emissões. A Cidade de São Paulo possui uma frota de aproximadamente 12.000 ônibus, movida a diesel quase que em sua totalidade. Se a frota de 12.000 ônibus fosse substituída por uma frota movida a etanol aditivado, ambientalmente, equivaleria à circulação de 2.500 ônibus movidos a diesel (MOREIRA, 2007). 5. O PROJETO CNPQ - PERSPECTIVAS PARA O USO DO ETANOL

NO TRANSPORTE PÚBLICO URBANO A aprovação deste projeto, pelo MCT – Ministério de Ciência e Tecnologia/CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, proporcionou o acompanhamento da operação dos dois ônibus movidos a etanol, bem como a participação nas ações do grupo de trabalho que foi formado no contexto do projeto BEST. Além disso, foram comprados 60 ônibus, que estão em circulação na cidade de São Paulo, enquanto a tecnologia foi divulgada em eventos nacionais e internacionais, motivando a formulação de políticas públicas de incentivo à substituição do diesel pelo etanol. Com o objetivo de avaliar o desempenho do motor de nova geração, seus benefícios para o meio ambiente, com a melhoria da qualidade do ar e melhoria da qualidade de vida da população, principalmente nas regiões metropolitanas, fez-se necessário o estudo das políticas de incentivo, que foram elaboradas junto e em consonância com as diferentes instâncias governamentais. Pelo fato da tecnologia estar desenvolvida, aperfeiçoada e disponível comercialmente (na época, na Suécia já circulavam mais de 700 ônibus destes movidos com etanol brasileiro), não havia contribuição de desenvolvimento tecnológico. Entretanto, havia o interesse da Scania Latin América em produzir o motor no Brasil, bem como da SEKAB, única fabricante do aditivo no mundo, em buscar parcerias para produção do aditivo no Brasil, proporcionando a produção da tecnologia, até então, importada. Enquanto isso, o acompanhamento do funcionamento desses ônibus, permitia a familiarização da tecnologia pelos pesquisadores e técnicos brasileiros.

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Entre as ações tomadas no âmbito do projeto, está o contato com empresas distribuidoras de combustível e indústrias químicas, fabricantes de aditivos, para iniciar o processo de identificação dos potenciais fabricantes do aditivo utilizado no ônibus a etanol. Pensando na utilização da tecnologia em larga escala, não pode haver um único fabricante deste produto, fato que acarretaria perda de credibilidade e receio do risco da dependência. Enfim, para validar o produto, há a necessidade de testá-lo e, então, foi realizado o contato entre as empresas interessadas em fabricar o aditivo e a Scania, para programar e viabilizar a realização dos testes. Foi tomada a ação de elaboração de uma minuta de Convênio, agregando e formalizando a parceria entre as empresas que construíram, abastecem e operam o 2º ônibus, que foi lançado oficialmente em cerimônia realizada em 12 de novembro de 2009, na Viação Gato Preto, que incorporou o veículo à sua frota e nele realiza os testes de demonstração, na linha Lapa – Vila Mariana (CENBIO, 2009). O papel da Universidade nesse grupo foi imprescindível, não só no processo de agregar os nove parceiros em um Termo de Convênio, mas também na formulação de políticas públicas, nos âmbitos municipal, estadual e federal. As empresas envolvidas no tema cumprem suas atividades como contrapartida, sem ônus financeiro ao projeto. No dia 25 de novembro, foi assinado o Protocolo de Intenções para a compra dos primeiros 50 ônibus a etanol, que teve a participação da Secretaria Municipal de Transportes (SMT), da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e das empresas Scania, fabricante dos ônibus, além da Viação Metropolitana, operadora dos ônibus e da Cosan, fornecedora do etanol aditivado utilizado pelos veículos. O CENBIO assinou o termo, na qualidade de testemunha, pois sua missão não tem fins comerciais. A Scania aprovou os investimentos para a linha de produção dos motores a etanol no Brasil. Os veículos foram financiados pelo FINAME e adquiridos pela empresa Metropolitana, empresa de transporte urbano, com sede em Pernambuco (representando 15% da sua frota na cidade de São Paulo). A UNICA e a prefeitura garantiram que o custo do etanol aditivado será 70% do custo do diesel, compromisso válido até 2013, quando acabaram os contratos com as empresas de ônibus em São Paulo. Após a nova licitação (2013 – 2022), a empresa que ganhasse, na área então operada pela Metropolitana, seria obrigada a comprar os ônibus a etanol. Entretanto, a licitação tem sido adiada e ainda não foi feita. Havia a preocupação com o preço do combustível depois de 2013 e deveria ser definido na forma de licitação. O próximo edital deverá exigir uma porcentagem de ônibus movido a combustível alternativo. Foi também acompanhado o processo de homologação do aditivo junto à ANP. Foi acompanhada a fabricação dos 50 ônibus, na SCANIA e na CAIO, durante 20 semanas, bem como a preparação para estocagem do combustível na operadora. O Estado de São Paulo, pioneiro nas Américas na utilização dos ônibus movidos a etanol, é a principal região produtora de etanol sustentável do mundo e terá a sua cadeia produtiva valorizada. Além disso, atendeu a legislação estadual e municipal para mitigação do aquecimento global, ao reduzir a emissão de poluentes e gerar benefícios para a saúde pública, por estar disponível comercialmente de forma imediata. Foi entregue um documento ao governador que defende a adoção de uma série de medidas pelo Governo do Estado, fundamentais para viabilizar a utilização dessa tecnologia em larga escala, que

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vão desde a desoneração fiscal para que o preço do combustível seja competitivo com o preço do óleo diesel até incentivos que facilitem a amortização da aquisição desses ônibus pelas empresas operadoras do transporte público (MOREIRA e VELÁZQUEZ, 2012). Como estratégia para a adoção da tecnologia, havia a criação de condições para a colocação dos ônibus nas regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Baixada Santista, preferencialmente, em corredores de ônibus, pois facilita a distribuição do combustível, concentra benefícios ambientais e dá visibilidade política. A seguir, havia o interesse em promover a implantação dos ônibus em outros centros urbanos importantes como Ribeirão Preto, Sorocaba e Piracicaba, além da criação de um mercado de “2ª mão” em cidades menores. A busca de parceria com o Governo do Estado foi o passo seguinte ao apoio que vem sendo dado ao projeto pela prefeitura da cidade de São Paulo, pois não é possível viabilizar o uso da tecnologia de maneira autossuficiente, sem o apoio decisivo do poder público, da mesma maneira que ocorreu com os outros meios de transporte público como Metrô e os trens da CPTM. Entre as políticas públicas de incentivo que foram criadas, a tecnologia de ônibus movido a etanol passou a ser beneficiada, desde fevereiro de 2012, pelo subprograma Máquinas e Equipamentos Eficientes do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), com taxa de juros de 6,9% a.a., prazo de financiamento de até 96 meses e participação em até 90% dos itens financiáveis, fruto de estudos e negociações com o Governo Federal. Foram também adquiridos mais 10 ônibus pela empresa Viação Tupi Transportes que, assim como a Viação Metropolitana, também faz parte do consórcio UNISUL. A Viação Tupi é uma empresa que está no mercado desde 1960 e os ônibus a etanol representam 5% da sua frota. O evento de entrega dos 50 ônibus foi realizado no dia 26 de maio de 2011, com programação definida pelo cerimonial da prefeitura da cidade de São Paulo. Houve o acompanhamento do funcionamento desses ônibus e continuidade na busca por parceiros para produzir o aditivo no Brasil. A Clariant S.A. ficou responsável pela fabricação e mistura do aditivo ao etanol. A BR Distribuidora entrega o combustível para a Viação Tupi e a Raízen (antiga COSAN do início do projeto) entrega à operadora Metropolitana. O combustível pronto é chamado de MASTER BATCH ED 95. Os resultados obtidos pela empresa Metropolitana, operadora de 50 ônibus movidos a etanol aditivado, são mostrados na Tabela 2, que compreende 44 veículos, que operaram durante o mês de Janeiro de 2012.

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Tabela 2: Dados dos ônibus movidos a etanol – mês de janeiro/2012

Ônibus Combustível

Abastecido (L) Percorrido km/mês

Desempenho (km/l)

63756 5,578 5,623 1,01 63757 4,249 4,427 1,04 63758 6,851 8,238 1,20 63759 4,996 6,066 1,21 63760 6,291 7,455 1,19 63761 6,18 7,095 1,15 63762 3,432 4,196 1,22 63763 4,322 5,023 1,16 63764 5,208 6,314 1,21 63765 4,691 5,641 1,20 63766 4,36 4,778 1,10 63767 9,429 11,597 1,23 63768 5,929 6,538 1,10 63769 6,449 7,674 1,19 63770 7,792 9,308 1,19 63771 4,349 5,033 1,16 63772 3,701 4,546 1,23 63773 4,231 5,02 1,19 63774 4,098 5,315 1,30 63775 5,075 6,397 1,26 63776 5,332 6,629 1,24 63777 4,845 5,718 1,18 63778 3,331 3,52 1,06 63779 3,921 4,898 1,25 63780 5,529 6,525 1,18 63781 5,6 6,784 1,21 63782 4,115 5,099 1,24 63783 4,735 5,671 1,20 63784 6,546 7,944 1,21 63785 5,78 6,095 1,05 63786 5,651 6,405 1,13 63787 4,644 5,436 1,17 63788 5,43 6,316 1,16 63789 1,198 1,257 1,05 63790 5,513 5,803 1,05 63791 4,576 5,035 1,10 63792 3,661 4,978 1,36

Ônibus Combustível

Abastecido (L) Percorrido km/mês

Desempenho (km/l)

63794 5,976 6,498 1,09 63795 4,11 4,186 1,02 63796 4,684 4,344 0,93 63797 2,368 2,636 1,11 63798 3,457 4,165 1,20 63799 6,076 6,447 1,06 Totais 223,708 260,017 1,16

Fonte: MOREIRA e VELÁZQUEZ (2012)

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Como se pode observar, a eficiência média da frota foi de 1,16 km/litro, enquanto o resultado para ônibus similar, operando com diesel, foi de 2,00 km/litro. A relação entre essas eficiências mostra que o etanol aditivado tem apenas 58% da energia do diesel, por unidade de volume, valor que está muito próximo de 60%, que é a relação do poder calorífico do etanol e do diesel. Outra informação técnica relevante é obtida em relatório da Prefeitura de São Paulo, a respeito do Programa Ecofrota (BRANCO, 2014), em que a Prefeitura está operando ônibus movidos a biodiesel B-20, etanol aditivado e diesel de cana, entre outras opções, cujos resultados referentes aos anos de 2011 e 1012 encontram-se na Tabela 3, acrescidos de informações de 2014. Como se pode observar, em 2012, a operação com etanol teve custo de combustível (R$/km) superior à operação com B20 e com diesel de cana. Porém, em 2014, o custo do B20 aumentou, pois é composto por 80% de diesel que, por legislação ambiental, foi alterado para diesel S10, com apenas 10 ppm de enxofre, que custa 10% mais caro que o diesel S500, usado em 2012. Por outro lado, o etanol hidratado teve redução de preço (R$ 1,15/litro) e o aditivo, se vendido em quantidade, responde por um incremento no valor do litro de etanol de R$ 0,45 (ou seja, tem um custo de R$ 9,00/litro). Dessa forma, o etanol aditivado se apresenta com custo de 1,22 R$/km, inferior ao do B20 (custo de 1,20 R$/km) e ao do diesel de cana (1,42 R$/km). Entretanto, o diesel, a um custo de 1,00 R$/km, continua a opção menos custosa. Nesse ponto, é relevante lembrar que apenas em saúde pública se estima um custo de US$ 350 milhões/ano, em grande parte pela emissão de particulados do diesel. Considerando uma frota de 12.000 ônibus, rodando 200 km, em média, por dia, tem-se um consumo de 1,2 milhões de litros diários ou de 360 milhões de litros por ano, a um custo de R$ 720 milhões, só de combustível. Caso a opção seja por operar com etanol aditivado, o custo aumentaria em 22% (vide Tabela 3 para 2014). Portanto, o aumento no custo do combustível dos ônibus da RMSP seria de R$ 160 milhões (ou US$ 72 milhões), o que seria compensado se houvesse uma redução de 20% nos gastos com saúde pública. De fato, sabe-se que os particulados do diesel são os grandes responsáveis pelos custos com saúde, devido à poluição do ar. Ainda não se tem a avaliação do que poderia ocorrer se toda a frota fosse substituída por etanol aditivado, porém é muito provável que a redução supere os 20%.

Tabela 3: Resultados da frota de ônibus operando em São Paulo, no Programa ECOFROTA.

Tecnologia R$/litro 2011

R$/litro 2012

R$/litro 2014

Performance (km/l) 2012

Custo (R$/km)

2012

Custo (R$/km)

2014

Número de ônibus

2012 Litros/ônibus

2012 Diesel

2,00 2,00

1,00

B20 2,00 2,09 2,30 1,82 1,15 1,27 1200 11004 Etanol 2,28 2,27 1,54 1,26 1,80 1,22 60 13250

Diesel de cana 2,57 2,58 2,58 1,81 1,42 1,42 160 5969

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de BRANCO (2014). Além do ganho em saúde pública, o uso de etanol aditivado reduz as emissões de Gases de Efeito Estufa (MOREIRA e VELÁZQUEZ, 2012). Nesse caso, sabe-se que as emissões diretas e indiretas do diesel chegam a 100g CO2/MJ de energia (EPA, 2010). Como um litro de diesel tem 35 MJ, a frota toda da RMSP colabora com a emissão anual de 1.260.000 t de CO2. Esse poluente tem um preço diferente em cada país, considerando seus impactos no aquecimento do planeta. Nos Estados Unidos, o governo federal exige que se considere um custo atual de US$ 40/tCO2 (BLOOMBERG, 2013). Logo, utilizando esse índice e o associando ao fato de que a emissão de CO2 do etanol é de

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

12,5 gCO2/MJ (1/8 da emissão do diesel), conclui-se que o uso do diesel contribui para um custo de US$ 50,4 milhões na poluição global, enquanto que o uso do etanol contribui com US$ 6,3 milhões. Essa diferença de US$ 44 milhões deveria ser abatida do sobrepreço do etanol aditivado, mostrado na Tabela 3, a exemplo do que foi discutido anteriormente sobre os custos da saúde pública. Assim, a questão dos créditos de carbono (CC) é parte imprescindível no arranjo financeiro, mostrando a adicionalidade do projeto (MOREIRA e VELÁZQUEZ, 2012). 5.1 Discussão e conclusões A chegada da primeira frota de 50 ônibus movidos a etanol à cidade de São Paulo foi o resultado concreto mais significativo obtido a partir de um esforço multinacional de mais de quatro anos, que envolve diversas instituições e empresas. De certa forma, foi também um ajuste histórico importante, com a volta para casa de um projeto que nasceu no Brasil e acabou sendo aperfeiçoado e tendo seu mérito e adequação reconhecidos longe daqui. Agora, ele assumiu seu lugar no esforço de São Paulo em busca da economia de baixo carbono e da melhoria da saúde da população, algo que poderá ser repetido em muitas outras cidades brasileiras. O público brasileiro tem consciência do etanol como combustível para transporte devido ao sucesso do PROÁLCOOL. Entretanto, o uso do etanol como combustível para transporte no Brasil tem permanecido limitado ao setor de veículos de passeio, devido à tecnologia flex fuel, e não havia conhecimento das oportunidades de substituição do diesel usado em veículos pesados, como caminhões e ônibus. Para promover efetivamente a introdução de ônibus a etanol no Brasil é necessário que haja envolvimento ativo dos principais protagonistas, que incluem fabricantes dos veículos, produtores e distribuidores do combustível, poder público, além do Projeto BEST, que despertou todos esses atores para a tecnologia. Os ônibus movidos a etanol tornaram-se uma realidade. O novo projeto, que deu continuidade à participação da Universidade, isenta nos processos comerciais de venda de ônibus, etanol e aditivo, proporcionou a oportunidade de incentivar a produção do ônibus no Brasil, bem como do aditivo, baseada nos ganhos ambientais que terão reflexo imediato na saúde da população. Mais do que estimular o uso do etanol no transporte público, a iniciativa lançada pelo CENBIO, empresas parceiras e União Europeia, em seguida, apoiada pelo CNPq, avançava na discussão sobre o modelo econômico de desenvolvimento que o Brasil buscava. O modelo de transporte público movido a etanol precisa, no entanto, receber incentivos do Poder Público, uma vez que é uma alternativa sustentável. Os estudos iniciais já indicaram que o ônibus consome aproximadamente 60% a mais de etanol do que de diesel para percorrer a mesma distância. Mesmo o etanol sendo 50% mais barato que o diesel, as despesas precisam de análise, pois há a necessidade de acrescentar o custo do aditivo. Por enquanto, a empresa sueca SEKAB é a única a produzir aditivo para o motor a base de etanol. Mesmo com o aperfeiçoamento do aditivo e do motor, que chegam à terceira geração, ainda resta como desafio ao uso do etanol no transporte público a produção do veículo por outras empresas, além da SCANIA, e de aditivo, em larga escala, no Brasil. O uso desta tecnologia representa um enorme progresso e a expectativa era que suas vantagens, a partir do exemplo do BEST em São Paulo, com a continuidade proporcionada pelo CNPq, atraíssem a atenção de outras regiões do Brasil para a tecnologia.

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Perspectivas para o Uso do Etanol no Transporte Público Urbano

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os fabricantes de veículos automotores, leves e pesados, no Brasil e no mundo, se deparam com os limites de emissão de poluentes estabelecidos por legislações específicas e, por esta razão, estão buscando soluções tecnológicas para atender a esses limites. Os resultados obtidos nos ensaios de emissão de poluentes do motor diesel movido a etanol são muito favoráveis à implementação dessa tecnologia, conforme comparação feita entre os limites de emissão estipulados pelo PROCONVE P-5, P-6, P-7 e os resultados de testes do motor diesel, alimentado por etanol, obtidos em laboratório. Logo, a emissão de poluentes do motor a etanol aditivado é uma justificativa favorável à implantação desta tecnologia no transporte público urbano. Entretanto, mesmo com os ganhos potenciais na saúde pública e na qualidade de vida da população das regiões metropolitanas, a tecnologia de motores diesel a etanol aditivado enfrenta barreiras. Isto porque esta compete diretamente com a tecnologia de motores diesel convencionais que têm um custo inferior, além de ter que enfrentar a insegurança do setor de transportes em adquirir uma nova tecnologia nunca antes utilizada em larga escala no Brasil, bem como a produção dos motores e do aditivo no Brasil. Até a tecnologia adquirir economia de escala e a confiabilidade das empresas concessionárias de ônibus, a produção de motores, bem como do aditivo no Brasil, dependeriam de incentivos fiscais promovidos pelo governo para que se tornassem competitivos frente à tecnologia diesel convencional. Ao analisar que a poluição causa redução de, aproximadamente, 1,5 ano na expectativa de vida de um morador de um centro urbano, que os gastos governamentais com problemas de saúde relacionados à poluição são grandes e que os resultados dos testes de emissão atendem e superam os limites estabelecidos pelas normas citadas, pode-se concluir que é uma solução disponível em curto prazo para a saúde pública e para possível realocação desses gastos evitados em educação e saúde, por exemplo. Diante da já existente infraestrutura de distribuição e produção de etanol no Brasil, especialmente no Estado de São Paulo, a introdução de motores ciclo diesel a etanol aditivado no transporte público urbano é possível, sendo uma alternativa já disponível para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, diminuir a poluição do ar nas regiões metropolitanas. A tecnologia se mostra tecnicamente desenvolvida e aperfeiçoada, uma vez que existem mais de 700 ônibus a etanol aditivado em circulação na Suécia e 60 ônibus em São Paulo, logo, os testes intitulados “testes de demonstração” foram realizados para despertar o interesse do poder público. Com relação ao setor público, os incentivos fiscais seriam perfeitamente justificáveis, pois haveria uma diminuição de gastos públicos com tratamentos de doenças cardiorrespiratórias que são agravadas com a exposição à poluição do ar. O custo estimado, somente na RMSP, com tratamentos de doenças cardiovasculares agravadas pela poluição, devido à diminuição da capacidade de trabalho dos habitantes e 3500 óbitos por ano, atingem cerca de U$350 milhões, que poderiam ser economizados no setor de saúde, com a melhoria da qualidade do ar e, então, utilizados como incentivo, por exemplo, no setor de transportes, facilitando a aquisição dos ônibus movidos a etanol aditivado.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Os resultados permitiram identificar as barreiras técnico-econômicas que se interpõem à viabilização da implantação dessa tecnologia no transporte público do Brasil e a formulação de políticas públicas de incentivo à sua utilização, que envolvem os níveis governamentais municipal, estadual e federal. Tais incentivos são perfeitamente justificáveis, pois haveria uma diminuição de gastos públicos com tratamentos de doenças que são agravadas com a exposição à poluição do ar e que podem diminuir a capacidade de trabalho da população, bem como sua expectativa de vida. Destaca-se a formulação de políticas públicas de incentivo ao uso da tecnologia, que levou à criação da Lei de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, à assinatura de um Protocolo de Intenções de compra dos primeiros 50 ônibus movidos a etanol, bem como à efetivação da compra e entrega na operadora que os adquiriu. Houve também a aquisição de mais 10 ônibus por outra empresa e que também já estão em circulação desde janeiro de 2012. Foi desenvolvido um trabalho intenso com os parceiros da indústria para viabilizar a produção dos ônibus e do aditivo aqui no Brasil, pois ambos eram importados. O chassi e o motor são hoje fabricados pela Scania Latin America, em São Bernardo do Campo, na cidade de São Paulo, e o aditivo já apresenta dois fabricantes nacionais: a Clariant (que fornece o aditivo para os ônibus em circulação) e a Oxiteno (que tem seu produto em fase de testes, segundo protocolo da SCANIA sueca). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGEITEC (2008) Agência EMBRAPA de Informação Tecnológica. Etanol. Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/cana-deacucar/arvore/CONTAG01_130_22122006154842.html

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EMISSÕES DE POLUENTES GASOSOS ATMOSFÉRICOS PROVENIENTES DA QUEIMA DE DIESEL S50, DIESEL S10 E MISTURA DE BIODIESEL (B20) EM UM MOTOR UTILIZANDO O SISTEMA DE PÓS-TRATAMENTO SCR

27

Simone S. de M. Santana1

Guilherme C. Borillo1 Yara S. Tadano2

Fernando Weronka1 Ana Flávia L. Godoi1

Marcelo R. Errera1 Renato A. Penteado Neto3

Dennis Rempel3 Lucas Martin3

Carlos I. Yamamoto4 Ricardo H. M. Godoi1

1 Departamento de Engenharia Ambiental, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.

2 Departamento de Matemática, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. 3 Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento, Laboratório de Emissões Veiculares - LEME, Curitiba, Brasil.

4 Departamento de Engenharia Química, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.

RESUMO Regulamentações mais rígidas foram impostas sobre as emissões de motores a diesel por possuírem centenas de compostos químicos em fase gasosa e particulada. Para atender a essas normas, algumas mudanças estão ocorrendo, tais como a redução do teor de enxofre nos combustíveis, o aumento da quantidade de biodiesel na mistura e a implementação de tecnologias de controle de emissões. Esta pesquisa quantificará compostos nitrogenados (NOx, NO, NO2, N2O e NH3), hidrocarbonetos não-metano (NMHC), hidrocarbonetos (HC) e formaldeído (HCHO), utilizando motor que atende os padrões de emissão Euro V equipado com o sistema de Redução Catalítica Seletiva (SCR) para combustível diesel S50, S10 e biodiesel B20. Os resultados mostraram redução nas emissões de NOx e formaldeído devido ao uso do SCR para todos os combustíveis estudados. No entanto, o uso do SCR aumentou significativamente as emissões de NH3, N2O e alguns hidrocarbonetos para os combustíveis estudados. ABSTRACT Stricter regulations have been imposed on emissions of diesel engines, since it consists of hundreds of chemical compounds in gaseous and particulate phases. To meet these standards some changes are occurring such as reduced fuel sulfur content, increased quantity of biodiesel in the blends and use of emissions control technologies. This research quantifies nitrogen compounds (NOx, NO, NO2, N2O and NH3), non-methane hydrocarbons (NMHC), hydrocarbons (HC), and formaldehyde (HCHO) by using Euro V engine equipped with Selective Catalytic Reduction system (SCR) for diesel S50, S10 and B20 biodiesel fuels. The results showed a reduction in NOx and formaldehyde emissions using SCR for all studied fuels. However, the use of SCR significantly increased emissions of NH3, N2O and some hydrocarbons for the studied fuels.

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1. INTRODUÇÃO Com o aumento de veículos automotores, ocorreu um aumento na poluição atmosférica gerada pela combustão incompleta dos combustíveis, emitindo para a atmosfera centenas de compostos químicos em fase gasosa e partículas. Os poluentes provenientes de emissões veiculares estão divididos em compostos regulamentados, tais como: monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx), hidrocarbonetos (HC), óxidos de enxofre (SOx) e material particulado (MP). E há aqueles que ainda não são regulamentados, mas são comprovadamente tóxicos, tais como: compostos contendo carbonila, hidrocarbonetos aromáticos leves, Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs), nitro-HPAs, óxido nitroso (N2O), amônia (NH3), formaldeído (HCHO), entre outros. Uma das medidas para minimizar o problema de emissões de poluentes oriundas de veículos automotores foi a implementação de regulamentação para limitar as emissões de determinadas substâncias consideradas nocivas à saúde e ao meio ambiente. Além dos problemas relacionados com a poluição atmosférica, a necessidade crescente de alternativa aos combustíveis derivados do petróleo tem impulsionado diversos estudos com combustíveis alternativos. O biodiesel, por possuir propriedades similares àquelas derivadas do diesel do petróleo, é considerado uma alternativa para substituí-lo, com vantagens por ser biodegradável, fonte de energia renovável e não tóxico, por possuir maior número de cetano, baixa volatilidade e menores emissões de (HC), CO e material particulado (MP) (U.S.EPA, 2002). Porém, as emissões veiculares dependem de outros fatores, tais como: motor, idade, manutenção, tecnologia de controle de emissões, entre outros (Chin et al., 2012). Entre as tecnologias de pós-tratamento de gases, o Sistema de Redução Catalítica Seletiva (SCR, do inglês Selective Catalytic Reduction) é considerado, atualmente, como uma promissora tecnologia para motores de grande porte. Isto porque este sistema oferece significativa economia de combustível, desempenho estável ao longo de quilometragem estendida e compatibilidade com qualquer regulação do motor. Além disso, visa à redução e/ou eliminação de NOx, utilizando como agente redutor uma solução de uréia que é armazenada em um tanque próximo ao motor (Hu et al., 2009; Jiang et al., 2010). Diversas pesquisas comprovando a eficiência do sistema de pós-tratamento SCR foram realizadas (Koebel et al., 2002; Nova et al., 2009; Furfori et al., 2010; Miquel et al., 2010). Em contrapartida, existem poucas informações sobre o uso do SCR com motor Euro V (padrões de emissão) visando criar um inventário dos gases emitidos, tanto regulamentados como não regulamentados. A pesquisa se direcionará à análise da emissão de gases regulamentados e não regulamentados, tendo como principal objetivo os compostos nitrogenados (NOx, NO, NO2 e N2O), amônia (NH3), hidrocarbonetos não-metano (NMHC), hidrocarbonetos de diesel (HCD), monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), dióxido de enxofre (SO2), metano (CH4) e formaldeído (HCHO) de um motor Euro V equipado com o sistema SCR. Para isto, serão utilizados diferentes combustíveis, tais como: o diesel S10 (teor de enxofre menor que 10 ppm), o diesel S50 (teor de enxofre menor que 50 ppm) e mistura de biodiesel B20 (20% de biodiesel de soja e 80% de diesel S10). 2. MATERIAIS E MÉTODOS Neste estudo foram utilizados dados obtidos em um banco de motores, seguindo o ciclo de testes ESC (do inglês European Steady Cycle), de acordo com a Diretiva 1999/96/CE do Parlamento Europeu e da Diretiva do Conselho de 13 de Dezembro de 1999, que estabelece configurações de motor e dinamômetro e limites de emissão para o NOx e outros poluentes. O ciclo de teste ESC agrega um conjunto de gases emitidos pelo motor a ser testado em uma sequência de 13 modos em

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estado estacionário. O dinamômetro utilizado tem uma capacidade de 440 kW, 2334 Nm e 6000 rpm. A potência utilizada foi de 190 cv (139,7 kW) 2.200 rpm. O motor utilizado para a realização dos ensaios tem especificações Euro V com sistema SCR, equivalente à estabelecida na fase P7 do PROCONVE (Programa de Controle da Poluição do Ar de Veículos Automotores), em que uma das principais metas é reduzir em cerca de 60% as emissões de NOx e em até 80% as emissões de partículas. Este modelo possui cabeçotes individuais com 4 válvulas de cilindro, sistema de injeção Common Rail com 1800 bar, freio motor powerbrake, sendo muito utilizados em caminhões leves, médios e pesados, micro-ônibus e ônibus. A Tabela 1 mostra as especificações do motor estudado.

Tabela 1: Especificações do motor.

Especificações Motor

Emissões Euro V Heavy Duty/PROCONVE P7

Configuração 4 cilindros em linha

Válvulas/Cilindro 4

Cilindrada 4,8 litros

Diâmetro × Curso 105 × 137 mm

Sistema de Combustão Injeção direta

Sistema de Injeção Common Rail Eletrônico

Aspiração Turbo WG - Intercooler

Potência 150cv (110,3kW) 2.200 rpm

165cv (121,3kW) 2.200rpm

190cv (139,7kW) 2.200rpm

Torque 550Nm (56kgf.m) 1.200 1.600rpm

600Nm(61kgf.m) 1.2000 1.600rpm

720Nm (73kgf.m) 1.200 1.600rpm

Peso Seco 426 kg

Sistema pós-tratamento SCR

Dimensões (A× C × L) 900 × 975 × 826 mm

Fonte: Fabricante. Os dados de emissão foram realizados no Laboratório de Emissões Veiculares (LEME – Lactec) em parceria com a Universidade Federal do Paraná - UFPR, utilizando como combustíveis o diesel S50, S10 e o biodiesel B20. Uma das principais diferenças entre os combustíveis são suas propriedades que podem afetar as emissões de poluentes, sendo elas: número de cetano, poder calorífico, viscosidade, massa específica e ponto de fulgor. Dentre estas propriedades o número de cetano é considerada a mais importante, podendo influenciar nas emissões de NMHC e CO (Turrio- Baldassari et al., 2004; Lilik e Boehman, 2011). Entre os combustíveis diesel S50 e S10, a diferença principal é o teor de enxofre, que afeta as emissões de partículas e de SO2. Foi utilizado o detector de Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR do inglês Fourier Transform Infrared Spectroscopy), modelo AVL SESAM i60 FT. Este equipamento pode ser utilizado para detectar, ao mesmo tempo, diversos compostos da amostra de gás de escape. O espectro de absorção é calculado a partir da transformada de Fourier. Foram analisados os seguintes gases: óxidos de nitrogênio (NOx, NO e NO2), óxido nitroso (N2O), amônia (NH3), propileno (C3H6), acetileno (C2H2), etano (C2H6), metano (CH4), propano (C3H8), 1,3-butadieno (C4H6), formaldeído (HCHO), hidrocarbonetos aromáticos (AHC) e n-octano (NC8). Os parâmetros de qualidade dos combustíveis utilizados nesta pesquisa estão listados na Tabela 2.

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Tabela 2: Propriedades dos combustíveis diesel S50 e S10 e biodiesel B20

Propriedades S50 S10 B20 Enxofre, mgkg-1 24 4 6

Número de cetano 49,2 53,8 51 Temperatura de combustão (°C) 58,5 44,5 70,5

Viscosidade a 40°C (mm2s-1) 2-5 3,0 3,15

Destilação T10 (°C) - 235,7 - T50 (°C) 245 - 310 274,7 - T90 (°C) 360 319,3 -

Massa específica a 20°C (kgm-3) 835,2 830,5 848,1 Os hidrocarbonetos de diesel (HCD) são a soma de todos os hidrocarbonetos que o FTIR consegue analisar usando um método para ensaios com diesel (HCD = CH4, C2H2, C2H4, C2H6, C3H6, C3H8, C4H6, NC8e AHC). O HCD indica os hidrocarbonetos totais para a análise da emissão de diesel. Para obter os hidrocarbonetos não-metanos (NMHC), a concentração de metano é subtraída do valor de HCD. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Neste estudo, foram analisados diversos poluentes, incluindo compostos regulamentados e não regulamentados, alguns apresentando alto grau de toxicidade à saúde e ao meio ambiente. Os resultados que serão apresentados podem ser utilizados para o desenvolvimento de novas tecnologias, inventário de emissões, fontes de poluentes podendo-se estimar riscos e exposição aos poluentes. Neste estudo foram realizadas pelo menos três amostras de cada combustível com e sem a utilização do sistema SCR. Os resultados serão apresentados em duas etapas: compostos nitrogenados e hidrocarbonetos. Foi calculada a média de emissões para cada poluente estudado. Os valores serão apresentados abaixo com os dados utilizando e não utilizando o sistema SCR para os combustíveis estudados. 3.1. Compostos nitrogenados Os resultados obtidos utilizando o sistema SCR mostraram uma redução nas emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), monóxido de nitrogênio (NO) e dióxido de nitrogênio (NO2) com os combustíveis utilizados. Com relação às emissões de NOx e NO, a maior redução de emissão ocorreu para o diesel S50 e a menor redução para o diesel S10. As emissões de NO2 foram reduzidas em proximadamente 99%, no entanto, a menor redução foi para o diesel S10 e a maior para o biodiesel B20. Estes resultados enfatizam a eficácia do sistema SCR na redução das emissões dos óxidos de nitrogênio, Tabela 3: Médias das emissões (g/kWh) para compostos nitrogenados utilizando e não utilizando o sistema SCR para os combustíveis S50, S10 e B20.

Poluente (g/kWh) S50- SCR S50 S10-SCR S10 B20-SCR B20

NOx 0,52 ± 0,02 7,55 ± 0,04 2,4 ± 0,8 7,66 ± 0,07 1,6 ± 0,4 7,6 ± 0,2

NO 0,34 ± 0,01 4,89 ± 0,02 1,5 ± 0,5 4,84 ± 0,03 1,0 ± 0,2 4,8 ± 0,1

NO2 < L.D. 0,06 ± 0,01 0,15 ± 0,04 0,26 ± 0,04 0,06 ± 0,01 0,31 ± 0,07

N2O 0,0434 ± 0,0003 0,0133 ± 0,0001 0,044 ± 0,004 0,0127 ± 0,0005 0,061 ± 0,008 0,013 ± 0,001

NH3 0,07 ± 0,02 0,004 ± 0,002 0,007 ± 0,003 0,002 ± 0,001 0,006 ± 0,001 0,0008 ± 0,0007

Nota: Média + Desvio Padrão; < L.D. :abaixo do limite de detecção.

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Para a mistura diesel/biodiesel B20, sem a utilização do SCR, foi observado aumento das emissões para o NOx. Este resultado pode estar associado às propriedades do combustível. De acordo com Chin et al. (2012), a utilização do biodiesel aumenta as emissões de NOx, estando este resultado vinculado às propriedades do combustível, tais como: viscosidade, densidade, compressibilidade, entre outras, que podem melhorar o tempo de injeção e contribuir para a formação de NOx. O biodiesel tem poder calorífico aproximadamente 12% menor que o diesel e, portanto, necessita que um maior volume de combustível seja injetado para que esta diferença seja corrigida. Como conseqüência, ocorre um avanço no tempo de injeção, ocasionando a queima antecipada de combustível e elevando a temperatura dos gases de exaustão, o que favorece a formação de NOx (Fernando et al., 2006). A temperatura de combustão é uma propriedade do combustível que também pode ter um efeito significativo nas emissões de NO. Conforme a Tabela 2, que apresenta as propriedades dos combustíveis, a mistura biodiesel B20 apresenta uma temperatura de combustão superior aos outros combustíveis estudados. De acordo com Fernando et al. (2006), o aumento na temperatura de combustão ocorre com aumento da pré-mistura do combustível, resultando em queima antecipada e elevadas temperaturas dos gases de exaustão, o que favorece a formação de óxidos nitrogenados. A matéria-prima do biodiesel também pode influenciar no aumento das emissões dos compostos nitrogenados. De acordo com Fernando et al. (2006), as variações de biodiesel derivadas da soja e da canola possuem em sua estrutura molecular cadeias de ácidos graxos insaturados, que apresentaram maiores emissões NOx do que os ácidos graxos saturados. Segundo Bakeas et al. (2011), a utilização de combustíveis saturados, caracterizados pelo seu elevado número de cetano, podem conduzir a um elevado avanço na combustão, encurtando o atraso da ignição e, desta forma, reduzindo a emissão de NOx. O biodiesel B20, ainda conforme dados da Tabela 2, apresenta a maior massa específica. De acordo com McCormic et al. (2001), isto pode favorecer o aumento das emissões de compostos nitrogenados, devido a modificação causada na estrutura molecular do biodiesel, e, consequentemente, a redução do número de cetano. As emissões de amônia utilizando o SCR, para todos os combustíveis utilizados, aumentaram. Como esta tecnologia de tratamento não possui sistema de controle de injeção de ureia utilizada para neutralizar as emissões de NOx, é necessário injeção constante desta solução no sistema, o que acarreta um excesso de ureia, conhecido como escape (tradução do autor para ammonia slip), resultado este de uma reação incompleta. Este escape de amônia pode ser responsável pela maior concentração de NH3 devido ao uso do sistema SCR. Enquanto Jiang et al. (2010) afirmam que a questão do escape de amônia foi resolvida, nossos resultados demonstram um aumento substancial das emissões de amônia devido ao uso do sistema SCR. O maior aumento ocorreu com o uso de diesel S50 (cerca de 1.525%) e a menor emissão para o B20 (130%). A utilização do sistema SCR combinada com o uso de diesel S50 teve maior impacto na emissão de NH3 e menor emissão de NOx, pois, neste caso, o sistema SCR neutralizou a máxima quantidade de emissão de NOx, consequentemente, emitiu uma maior quantidade de amônia. As emissões de NH3 foram menores para todos os combustíveis quando o sistema SCR não estava sendo utilizado, mostrando mais uma vez a influência do SCR nas emissões.

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3.2. Hidrocarboneto não metano (NMHC) e hidrocarboneto de diesel (HCD) As emissões de HC são resultado da baixa qualidade da combustão, onde não são totalmente oxidados, resultando em uma combustão incompleta (Bermúdez et al., 2011). Neste estudo foram detectados pelo FTIR os seguintes HC: metano (CH4), etileno (C2H4), propeno (C3H6), 1,3-butadieno (C4H6), acetileno (C2H2), etano (C2H6), hidrocarbonetos aromáticos (AHC), propano (C3H8), formaldeído (HCHO), e n-octano (NC8). Esse conjunto de HC faz parte dos Hidrocarbonetos de Diesel (HCD). Estes dados podem ser observados na Tabela 4. No entanto, neste estudo, as emissões de C2H4, C4H6 e AHC ficaram abaixo do limite de detecção do equipamento e não foram consideradas. A baixa emissão de C4H6 pode ser considerada benéfica para os resultados deste estudo, uma vez que é classificado pelo Painel de Especialistas de Padrões de Qualidade do Ar e pela U.S. EPA como cancerígeno, podendo causar danos ao DNA (Ruchirawat et al., 2010). Este hidrocarboneto é comumente encontrado nos gases de escape de veículos a diesel e a gasolina, sendo o dominante de emissão da malha rodoviária. Tabela 4: Médias das emissões (g/kWh) para hidrocarbonetos utilizando e não utilizando o sistema SCR para os combustíveis S50, S10 e B20.

Poluente (g/kWh) S50- SCR S50 S10 -SCR S10 B20-SCR B20

NMHC 0,1857 ± 0,0004 0,1888 ± 0,0002 0,159 ± 0,003 0,135 ± 0,003 0,164 ± 0,006 0,136 ± 0,007

HCD 0,1878 ± 0,0004 0,1917 ± 0,0004 0,161± 0,003 0,137 ± 0,003 0,166 ± 0,006 0,138 ± 0,007

C3H6 0,0236 ± 0,0002 0,0233 ± 0,0009 0,006 ± 0,001 0,012 ± 0,002 0,013 ± 0,003 0,0138 ± 0,0004

C2H2 0,0120 ± 0,0003 0,0142 ± 0,0003 0,0122 ± 0,0004 0,0125 ± 0,0008 0,0124 ± 0,0008 0,0104 ± 0,0006

C2H6 0,0673 ± 0,0007 0,0653 ± 0,0006 0,089 ± 0,003 0,064 ± 0,002 0,087 ± 0,002 0,068 ± 0,004

CH4 0,00213

±0,00003 0,0028 ± 0,0003 0,0023 ± 0,0001 0,0021 ± 0,0002 0,0022 ± 0,0004 0,00165 ±0,00007

C3H8 0,0169 ± 0,0007 0,030 ± 0,001 0,0281±0,0008 0,026 ± 0,002 0,025 ± 0,005 0,0168 ± 0,0007

HCHO 0,0062 ± 0,0005 0,0285 ± 0,0007 0,0037±0,0002 0,011 ± 0,002 0,006 ± 0,002 0,0102 ± 0,004

NC8 0,0659 ± 0,0002 0,056 ± 0,001 0,024 ± 0,002 0,0204 ± 0,0006 0,027 ± 0,004 0,027 ± 0,002

Nota: Média + Desvio Padrão Os hidrocarbonetos aromáticos também não foram quantificados pelo FTIR nesta pesquisa. No entanto, alguns deles são compostos tóxicos, tais como benzeno, tolueno e p-xileno, conhecidos coletivamente como BTEX, os quais podem afetar a saúde humana, mesmo a baixos níveis de concentração, ou abaixo do limite de detecção do FTIR. Estes compostos podem ser encontrados no ar urbano e, em conjunto com os alcenos, potencializam a formação do ozônio e de nitrato. Os isômeros do xileno, um dos precursores da conversão de NO para NO2 (Di et al., 2009), são também precursores na formação de ozônio troposférico, que é prejudicial à saúde e ao meio ambiente. Uma das propriedades do combustível que modifica as emissões de hidrocarbonetos é o número de cetano. O número de cetano atribui qualidade de ignição ao combustível, interferindo assim na combustão. Lilik e Boehman (2011) observaram uma excessiva emissão, especificamente de hidrocarbonetos totais (THC) e CO, para os combustíveis com menor número de cetano, o que provoca um maior atraso na ignição, ou seja, uma combustão incompleta. Turrio-Baldassari et al. (2004) observaram uma redução nas emissões de hidrocarbonetos totais ao usar combustíveis com maior número de cetano (S10 e biodiesel-B10, B20 e B30, de gordura animal, óleo insaturado e saturado). O mesmo comportamento foi observado no presente estudo, em que o combustível com menor número de cetano (S50) apresentou maiores emissões de hidrocarbonetos. Outra propriedade

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do diesel S50 que justifica as elevadas emissões de HC é seu menor ponto de combustão comparado com os demais combustíveis estudados, sendo assim mais volátil e influenciando a combustão no motor. A maioria dos hidrocarbonetos reagem rapidamente com radicais hidroxilas (OH) e NOx, que sob a influência da luz solar e elevados níveis de SOx, formam ozônio e compostos orgânicos voláteis. Assim, alteram significativamente a química atmosférica e representam perigo à saúde e ao meio ambiente (Guo et al., 2011). Desta forma, deve-se priorizar a utilização de combustíveis que reduzem as emissões de HC. Essencialmente, cada composto químico contribui diferentemente na formação do ozônio, sendo influenciado pela quantidade emitida e suas propriedades. Alguns destes compostos são mais reativos do que outros. Consequentemente, os compostos orgânicos mais reativos devem ser tratados como estratégia para reduzir os níveis de exposição ao ozônio. Uma escala de reatividade foi desenvolvida, classificando alguns compostos orgânicos reativos, com base na formação de ozônio em condições atmosféricas específicas. Derwent et al. (1998) criaram uma escala de reatividade para o Noroeste da Europa. Eles estimaram o potencial fotoquímico de criação de ozônio (POCPs do inglês Photochemical Ozone Creation Potential) e de criação de peroxiacetilnitrato (PPCPs do inglês Photochemical PAN (PeroxyAcetyl Nitrate) Creation Potencial) para compostos orgânicos, bem como a sensibilidade às emissões de NOx. Entre todos os métodos desenvolvidos, eles empregaram um mecanismo químico altamente detalhado, MCM (do inglês Master Chemical Mechanism), em um modelo de trajetória fotoquímico. O MCM compreende mais de 2.400 espécies químicas e mais de 7.100 reações químicas. Os POCPs e os PPCPs para os hidrocarbonetos medidos nesta pesquisa estão na Tabela 5. Tabela 5: Valores dos POCPs e PPCPs para os hidrocarbonetos estudados, determinados por Derwent et al. (1998).

Composto Orgânico POCP PPCP Propileno 112,3 100 Acetileno 8,5 2,2

Etano 12,3 17,3 Metano 0,6 0,9 Propano 17,6 13,7

Formaldeído 51,9 14,8 n-Octano 45,3 42,9

Fonte: Derwent et al. (1998).

De acordo com o estudo de Derwent et al. (1998), os POCPs maiores que 100 tendem a aumentar com o aumento das emissões de NOx, enquanto os POCPs menores que 60 tendem a diminuir. Os compostos orgânicos com POCPs entre 60-100 variam muito pouco com a variação nas emissões de NOx. Comparando os hidrocarbonetos que foram medidos neste estudo, o metano apresentou os menores valores de emissão. O metano, conforme a Tabela 5, apresenta os menores valores de POCP e PPCP, podendo sugerir que as emissões veiculares de metano representam um baixo impacto ambiental. O etano foi o que apresentou maior emissão com relação aos outros HC analisados, porém o índice POCP é inferior a 60, o que representa uma redução na formação do ozônio com o aumento das emissões de NOx. Para os valores de PPCP, apresentou o terceiro maior índice. O etano, assim como

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o metano, propano e o n-octano, é caracterizado como alcano oriundo da combustão incompleta do combustível, que segundo Songjun et al. (2011), possui outras fontes de emissão, como a evaporação da gasolina, o gás liquefeito de petróleo e o gás natural. O propileno foi o que apresentou os maiores índices de POCP e PPCP, podendo ser considerado um composto de grande impacto ambiental, tendo em vista que seu POCP está acima de 100 e, portanto, irá aumentar ainda mais com o aumento nas emissões de NOx. De acordo com Matsunaga et al. (2011), o propileno é um indicador da formação de ozônio, impactando assim na qualidade do ar local. Entretanto, no presente estudo as emissões do propileno estão abaixo do limite de detecção do equipamento. Apesar do n-octano apresentar índice de POCP e PPCP abaixo de 60, foi o que apresentou o quinto maior índice dos 21 alcanos medidos no estudo de Derwent et al. (1998). Além disso, entre todos os hidrocarbonetos estudados, o n-octano foi o hidrocarboneto que apresentou as maiores emissões. A utilização do sistema SCR apresentou uma redução nas emissões de formaldeído, em contrapartida houve um aumento nas emissões de etano e n-octano. O aumento nas emissões de n-octano pode estar relacionado ao teor de enxofre dos combustíveis, visto que para o combustível S50, que tem o maior teor de enxofre, foi observada a maior emissão, tanto sem quanto com a utilização do sistema SCR. No entanto, o POCP para o n-octano é 13% mais baixo do que o do formaldeído, enquanto que o PPCP é 65% maior do que o do formaldeído. De acordo com a análise dos potenciais de formação de ozônio e PAN, as maiores emissões de n-octano devido ao uso do SCR podem ser mais prejudiciais, do que o benefício em reduzir as emissões de formaldeído. Por outro lado, o formaldeído é um composto reconhecidamente cancerígeno e a porcentagem de redução devido ao uso do SCR foi maior do que o aumento de n-octano e de etano. 4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos possibilitaram a quantificação das emissões de poluentes atmosféricos, utilizando diesel S50, S10 e mistura diesel/biodiesel B20, com tecnologia de tratamento de gases SCR. O sistema de pós-tratamento SCR atendeu seu principal objetivo de redução das emissões de NOx. Neste trabalho foi observado a redução NOx, NO e NO2, embora tenha ocorrido um incremento das emissões de NH3 e N2O. O aumento das emissões de amônia ocorreu devido ao excesso de solução de uréia injetada no sistema. Esse resultado é indesejável, pois a amônia pode causar efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Frente aos resultados obtidos neste estudo, faz-se necessária uma maior atenção a pesquisas que demonstrem a necessidade de implantação de limites de referência para outros compostos químicos. A utilização da mistura biodiesel B20, para o NOx, apresentou aumento das emissões. Este fato é atribuído às propriedades do combustível, sendo elas: número de cetano, poder calorífico, volatilidade e taxa de combustão. Para as emissões de hidrocarbonetos, a utilização do SCR aumentou as emissões, o que deve ser levado em consideração, pois alguns hidrocarbonetos são considerados tóxicos e reagem com hidroxilas na presença de NOx, favorecendo a formação do ozônio. Além do objetivo principal do trabalho, também foi possível reduzir emissões não regulamentadas como as de formaldeído, que é um composto tóxico e provavelmente carcinogênico.

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Com base nos resultados obtidos, a utilização do sistema de pós-tratamento SCR, juntamente com o diesel S10 e a mistura biodiesel B20, seria a combinação que acarretaria menos danos à saúde e ao meio ambiente, devido à maior abrangência de gases cujas emissões foram reduzidas. AGRADECIMENTOS Este trabalho teve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bakeas, E.; G. Karavalakis; G. Fontaras e Stamosstournas (2011) An experimental study on the impact of biodiesel

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Simone S. De M. Santana ([email protected]) Guilherme C. Borillo ([email protected]) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciências dos Materiais (PIPE), Universidade Federal do Paraná Yara S. Tadano ([email protected]) Departamento de Matemática – Universidade Tecnológica Federal do Paraná Ana Flávia L. Godoi ([email protected]) Ricardo H. M. Godoi ([email protected]) Fernando Weronka ([email protected]) Marcelo R. Errera ([email protected]) Renato a. Penteado Neto ([email protected]) Dennis Rempel ([email protected]) Lucas Martin ([email protected]) - Laboratório de Emissões Veiculares – LEME, LACTEC Carlos I. Yamamoto ([email protected])

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QUANTIFICAÇÃO DOS RUÍDOS PROVOCADOS PELO ACOPLAMENTO PNEU-REVESTIMENTO DAS RODOVIAS APLICADA AO PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE – RESULTADOS ALCANÇADOS

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E. Felipe Vergara

Samir N. Y. Gerges Departamento de Engenharia Mecânica Universidade Federal de Santa Catarina

Glicério Trichês Ramon M. Knabben

Departamento de Engenharia Civil Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO Este trabalho apresenta as atividades realizadas durante o desenvolvimento do projeto do CNPq, processo nº 402378/2009-1, do edital MCT/CNPq nº 18/2009. Neste trabalho são descritas as atividades e os resultados alcançados durante o período de execução deste projeto, entre 2010 e 2014. As atividades executadas no projeto foram: levantamento e estudo de pesquisas bibliográficas de trabalhos técnicos publicados relacionados ao assunto do projeto (ruído causado pela interação pneu-pavimento); a participação da equipe do projeto em visitas técnicas a universidades e empresas consultoras, na Europa; o desenvolvimento do projeto de design do trailer da UFSC e sua consequente fabricação; a orientação de alunos de mestrado e doutorado relacionados com o tema do projeto; a elaboração e ministração de uma disciplina optativa de Acústica Veicular para o programa de pós-graduação na área de transporte na engenharia civil; a especificação e importação dos equipamentos; o desenvolvimento de um sistema de medição de absorção sonora de asfalto para realizar medições em amostras preparadas em laboratório; e execução de medições acústicas em campo do ruído produzido pela passagem dos carros em rodovias e do trailer equipado para avaliar o ruído do acoplamento pneu-pavimento. ABSTRACT This paper presents the activities carried out during the development of the CNPq project, process No. 402378/2009-1 of the call MCT/CNPq No. 18/2009. In this work the activities and results achieved during the implementation period of the project, between 2010 and 2014, are described. The activities realized in the project were: survey and study of literature researches of published technical papers related to the project subject (noise caused by the interaction tyre-road); the participation of the project team in technical visits to universities and consulting companies in Europe; the development of the project design of the trailer of UFSC and its consequent manufacturing; the supervision of masters and doctoral students related to the topic of the project; the preparation and lecture of a discipline of Vehicular Acoustics for the post-graduate program of civil engineering; specification and importation of measurement equipment; the development of an asphalt sound absorption measurement system to make measurements on samples prepared in the laboratory; and execution of field measurements of acoustic noise produced by the passage of cars on highways and the trailer equipped to evaluate noise coupling tyre-pavement.

Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

1. INTRODUÇÃO No Brasil, tem-se uma grande carência de estudos de laboratório e de campo sobre medidas de ruído gerado pela interação entre o pneu e o tipo de revestimento da rodovia. Além do mais, é necessário estabelecer centros de pesquisa no país sobre o tema de forma que se possam pesquisar melhores modelos de interação entre o pneumático e a superfície e, principalmente, pesquisar materiais e compósitos que propiciem uma menor geração e propagação do ruído. Este projeto de pesquisa teve como propósito iniciar a formação de um centro de pesquisa na UFSC sobre geração e propagação de ruído resultante da interação entre o pneu e o pavimento. O centro de pesquisa tentou agregar o potencial do Laboratório e Vibrações e Acústica (LVA) do Departamento de Engenharia Mecânica e dos Laboratórios de Pavimentação e de Ligantes e Misturas Asfálticas, todos da UFSC. No citado projeto foram investigadas as características dos diferentes tipos de revestimentos asfálticos com misturas diferentes através da medição do coeficiente de absorção acústica em laboratório e em campo, além de ter quantificado o ruído produzido pela interação pneu/estrada por meio de medições acústicas, em campo, com uso de um trailer equipado com instrumentos de medição (microfones, analisadores e computadores). Os objetivos específicos atendidos neste projeto foram os seguintes: desenvolvimento de um sistema de medição de absorção acústica dos diferentes tipos de estrada de asfalto, em laboratório e em campo, sendo elaborado um plano para preparar as diferentes amostras de misturas para minimização do ruído; desenvolvimento de um sistema de medição de pressão de contato pneu/estrada para quantificar área de contato e mecanismos de geração de ruído; realização de ensaios acústicos para avaliar o ruído de pneu, em campo, em diferentes estradas para correlacionar o ruído com os parâmetros da estrada e do pneu. As principais etapas administrativas que permitiram a execução e vigência do projeto são relatadas a seguir: • Data de aprovação do projeto: 6 de maio de 2010; • Data de assinatura do termo de compromisso: 26 de agosto de 2010; • Data de liberação de 50% dos recursos financeiros: 31 de agosto de 2010; • Data de liberação do restante de 50% dos recursos financeiros: 30 de novembro de 2011 e 8 de

novembro de 2012; • Valor financeiro liberado até novembro de 2012: R$ 199.800,00; • Data de aprovação de prorrogação do projeto: julho de 2013; • Data de finalização do projeto: 31 de agosto de 2015. Neste artigo, são apresentadas as atividades realizadas durante o projeto de pesquisa até julho de 2014. A seguir são apresentadas descritas as etapas de trabalho desenvolvidas, sendo elas: revisão de pesquisas bibliográficas; visitas técnicas a instituições internacionais com experiência na avaliação de ruído pneu-pavimento; projeto de construção e execução para fabricação do trailer de medição acústica com pneus normalizados; lecionamento de disciplina específica de pós-graduação sobre acústica e ruído pneu-pavimento; pesquisa e seleção de equipamentos de medição acústica; aplicação de sistema de medição de absorção sonora de asfaltos; medição em campo do ruído gerado pela passagem de veículos em estradas; desenvolvimento de trabalhos de conclusão de curso de graduação e pós-graduação; e publicação e participação em eventos científicos e tecnológicos nacionais e internacionais.

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Quantificação dos Ruídos Provocados pelo Acoplamento Pneu-Revestimento das Rodovias Aplicada ao Planejamento de Transporte – Resultados Alcançados

2. REVISÃO DE PESQUISAS BIBLIOGRÁFICAS Para dar suporte técnico e científico ao projeto e se aprofundar no assunto de ruído gerado pelo acoplamento pneu-pavimento foi realizada uma pesquisa bibliográfica e um levantamento de publicações e normas internacionais e nacionais, em temas de acústica veicular, pneu e revestimento de pavimentos. Foram consultadas revistas indexadas como: Applied Acoustics, Journal of the Acoustical Society of America; Journal of Sound and Vibration. Foram pesquisados livros como Acústica Veicular, Fundamentos de Acústica e Pavimentos. Além disso, artigos de congressos e eventos vinculados com o tema de ruído e vibração veicular foram procurados, dentre os eventos podem ser citados: Internoise, Intenational Congresso of Sound and Vibration, Society of the Automotive Engineering International. Na lista de referências deste artigo estão listadas algumas das principais fontes técnicas consultadas durante o início e execução deste projeto. 3. VISITAS A INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS FORA DO BRASIL Com o propósito de dar suporte técnico ao desenvolvimento das atividades previstas no projeto foram realizadas, inicialmente, visitas técnicas a universidades e empresas, onde se efetuam atividades de pesquisas relacionadas ao estudo e avaliação do ruído gerado pela interação pneu-pavimento. Durante o mês de março de 2011, foram feitas visitas a universidades e empresas, tais como: Universidade Politécnica de Gdnask, Polônia; Universidade Tecnológica de Delft, Holanda; as empresas consultoras Van Keulenadvies, M+P Consulting Engineers e Breijn Engenharia, todas na Holanda. Os participantes do projeto que visitaram tais entidades foram: Prof. Samir N. Y. Gerges, como coordenador; Eng. Ramon M. Knabben, aluno de mestrado do PPGEC/UFSC e Joe Villena, aluno de doutorado do PPGEC/UFSC e pesquisador do projeto (ver Figura 1).

Figura 1: Visita na Universidade Tecnológica de Delft com o acompanhamento do Dr. Ir. Lambert J. M. Houben 4. ELABORAÇÃO DE PROJETO FABRICAÇÃO DO TRAILER DE

MEDIÇÃO O projeto do design e a construção do trailer foram baseados nas recomendações da norma ISO 10844 e na experiência adquirida durante as visitas às instituições europeias, na Holanda e Polônia. O trailer foi projetado e construído no Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC (ver Figura 2). O trailer foi verificado por Dr. Win Van Keulen, durante a visita dele à UFSC, em julho de 2011, após sua participação no congresso ICSV 2011, realizado no Rio de Janeiro (ver Figura 3).

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Estão previstas algumas modificações e ajustes para cumprir com exigências da norma ISO em função do posicionamento de microfones, da absorção sonora no interior do trailer e da eficiência na montagem e desmontagem da instrumentação para realizar as medições em campo.

Figura 2: Trailer com pneus fabricados para medir o ruído pneu-pavimento em rodovias

Figura 3: Visita do Dr. Win Van Keulen na UFSC

5. ELABORAÇÃO E MINISTRAÇÃO DE DISCIPLINA PARA PÓS-GRADUAÇÃO

Durante o terceiro período de 2011, no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC) da UFSC, foi ministrada uma disciplina sobre o tema do projeto, Fundamentos de Acústica e Ruído Pneu-Estrada, pelo Prof. Samir Gerges.

6. ESPECIFICAÇÃO E IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS Equipamentos de medição, necessários para a execução da parte experimental do projeto (ver Figura 4), foram especificados e comprados. Além disso, foram adquiridos materiais (chapas metálicas, tubos de PVC, rebites, eixo traseiro de veículo, pneus comerciais) para a fabricação do trailer. Os principais equipamentos de medição foram: • Tubo de impedância para medição de absorção, gerador de sinal e alto-falante, analisador de 4

canais, marca 01dB, França; • 6 Microfones para medição de ruído no tubo e em campo livre, marca GRAS, Dinamarca; • Dois computadores portáteis, marca Dell; • Fabricação de trailer.

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Quantificação dos Ruídos Provocados pelo Acoplamento Pneu-Revestimento das Rodovias Aplicada ao Planejamento de Transporte – Resultados Alcançados

Figura 4: Equipamentos de medição acústica adquiridos pelo projeto

7. SISTEMA DE MEDIÇÃO DE ABSORÇÃO SONORA DE ASFALTOS Um sistema de medição chamado de tubo de impedância foi adquirido para medição de coeficiente de absorção acústica em laboratório e em campo (ver Figura 5). O tubo foi montado com sistema completo dos equipamentos para realizar a medição de absorção sonora. Este sistema de medição acústica atende à faixa de frequência de 100 até 1200 Hz, que, de acordo com publicações internacionais. corresponde ao ruído de pneu, ou seja, entre 800 e 1000 Hz.

Figura 5: Tubo de impedância para medição do coeficiente de absorção sonora de asfaltos

8. MEDIÇÕES DE RUÍDO DA PASSAGEM DE VEÍCULOS Foram realizadas medições acústicas em posições fixas em entradas, na cidade de Florianópolis-SC, com asfaltos novos construídos em dezembro 2011, e outras medições foram realizadas em outras em estradas fora desta cidade (ver Figura 6). Estas medições tiveram por objetivos comparar tipos de asfaltos diferentes. Os resultados estão descritos na dissertação de mestrado do engenheiro Ramon M. Knabben. Estes resultados também resultaram em dois artigos publicados: no XVI Congresso Ibero-Latinoamericano do Asfalto, realizado no Rio de Janeiro, em 2011, e no SAE Brasil, International Noise and Vibration Colloquium, em Florianópolis, em 2012. Durante o ano de 2013, já com o trailer construído, foram realizadas executadas medições acústicas com o trailer, com os pneus comerciais e com os microfones montados para avaliar o sistema de medição e o ruído produzido pela interação pneu-pavimento em dois tipos de pavimentos em Avenida importante de Florianópolis, e que possui um alto fluxo veicular, e o ruído pneu-pavimento afeta a moradores próximos desta rodovia. Mais detalhes destes resultados estão no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do engenheiro Felipe Meirelles, intitulado Análise de Metodologias para a Comparação de Superfícies de Pavimentos quanto às suas Propriedades Acústicas.

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Transportes em Perspectiva. Uma Contribuição dos Pesquisadores Brasileiros para o Futuro dos Transportes.

Figura 6: Medição do ruído do fluxo veicular em Avenida de Florianópolis-SC

9. DESENVOLVIMENTO DE TCC, DISSERTAÇÃO E TESE O projeto de pesquisa que trata sobre a determinação do ruído produzido pela interação pneu-pavimento permitiu a elaboração de alguns trabalhos científicos de graduação e pós-gradução, os quais são descritos a seguir: • Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado Análise de Metodologias para a Comparação

de Superfícies de Pavimentos quanto às suas Propriedades Acústica, do aluno Felipe Meirelles, do curso de Engenharia Mecânica da UFSC, sob orientação do Prof. E. Felipe Vergara, 2013;

• Dissertação de mestrado denominada Estudo do Ruído Pneu-Pavimento e da Absorção Sonora em Diferentes Revestimentos de Pavimento, do engenheiro Ramon Knabben, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC) da UFSC, sob orientação do Prof. Glicério Trichês (PPGEC) e coorientação do Prof. Samir Gerges (Pós-MEC), 2011;

• Tese de doutorado, em andamento, intitulada Desenvolvimento do Trailer-CPX e de uma Mistura Asfáltica de Baixa Emissão de Ruído Pneu-Pavimento, do engenheiro Ramon Knabben, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC) da UFSC, sob orientação do Prof. Glicério Trichês (PPGEC) e coorientação do Prof. Samir Gerges (Pós-MEC), 2012-2016.

10. PUBLICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS As atividades desenvolvidas e os resultados obtidos neste projeto foram publicados em eventos nacionais e internacionais. A seguir, é apresentada a lista de publicações e participações em eventos: • Ruído de Tráfico: Acoplamento Estrada com Pneus. la Reunión Regional de Acústica,

Montevidéu, Uruguai, 2011. • Avaliação do Ruído Gerado pelo Acoplamento Pneu-Pavimento para Diferentes Tipos de

Revestimentos e Macrotexturas. Congresso Ibero-Latinoamericano do Asfalto (XVI CILA), Rio de Janeiro, RJ, 2011.

• Tyre-Road Noise and Sound Absorption of Different Road Types. SAE Brazil International Noise and Vibration Colloquium, Florianópolis-SC, 2012.

• Otimização da Capacidade de Absorção Sonora de Misturas Asfálticas. 41ª Reunião Anual de Pavimentação RAPv, Fortaleza-CE, 2012.

• Avaliação do Ruído Produzido pela Interação Pneu-Pavimento em Quatro Revestimentos Asfálticos. 41ª Reunião Anual de Pavimentação RAPv, Fortaleza-CE, 2012.

• Otimização da Capacidade de Absorção Sonora de Misturas Asfálticas. 7º Seminário Nacional Modernas Técnicas Rodoviárias, Florianópolis-SC, 2012.

• Quantificação dos Ruídos Provocados pelo Acoplamento Pneu-Revestimento das Rodovias

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Quantificação dos Ruídos Provocados pelo Acoplamento Pneu-Revestimento das Rodovias Aplicada ao Planejamento de Transporte – Resultados Alcançados

Aplicada ao Planejamento de Transporte – Andamento do Projeto. 1º Encontro Setorial de Pesquisa em Transportes, XXVII ANPET, Belém-PR, 2013.

• Otimização da Capacidade de Absorção Sonora de Misturas Asfálticas e sua Influência no Ruído Produzido pela Interação Pneu-Pavimento. 8º Congresso Brasileiro de Rodovias e Concessões, Santos-SP, 2013.

• Development of CPX Measuring System for Tyre-Road Noise Measurements in Brazilian Roads. The 21st International Congress on Sound and Vibration (ICSV 21), Beijing, China, 2014.

Para o segundo semestre de 2014, estão previstas mais publicações em eventos internacionais: • Avaliação do Ruído Pneu-Pavimento de Estradas Brasileiras pelo Método CPX. IX Congresso

Ibero-americano de Acústica, Valdivia, Chile, 2014. • Study of the Tyre-Road Noise Interaction on Brazilian Roads by the CPX Method. SAE Brazil

International Noise and Vibration Colloquium, Florianópolis-SC, 2014. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte financeiro por intermédio do projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Transportes, número 402378/2009-1, do Edital MCT/CNPq nº 18/2009. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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E. Felipe Vergara ([email protected]) Samir N. Y. Gerges ([email protected]) Laboratório de Vibrações e Acústica, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus universitário, CP 476, CEP 88040-900, Florianópolis, SC, Brasil.

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