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Compilação de artigos sobre o Montado. Edição do ICAAM - 2013.
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Livro Verde dos
Montados
Edio:
Promotores:
Ttulo:
Livro Verde dos Montados
Coordenadores:
Teresa Pinto-Correia
Nuno Ribeiro
Jos Potes
Edio:
ICAAM - Instituto de Cincias Agrrias e Ambientais Mediterrnicas
Instituto de Cincias Agrrias e Ambientais Mediterrnicas (ICAAM)
Universidade de vora
Ncleo da Mitra
Apartado 94
7002-774 vora
2013 Os Autores
Fotografia de capa Filipe Barroso
Impresso pela Universidade de vora
Novembro 2013
LIVRO VERDE DOS
MONTADOS
Promotores
ICAAM Instituto de Cincias Agrrias e Ambientais Mediterrnicas, UE
UE Universidade de vora
IPS-ESA Escola Superior Agrria de Santarm
CBA Centro de Biologia Ambiental, FCUL
CEABN Centro de Ecologia Aplicada Baeta das Neves, ISA-UTL
CEF Centro Estudos Florestais, ISA-UTL
ISA/UTL Instituto Superior de Agronomia da Universidade Tcnica de Lisboa
CEF/UC Centro de Ecologia Funcional, Universidade de Coimbra
INIAV Instituto Nacional de Investigao Agrria e Veterinria
GEOTA Grupo de Estudos de Ordenamento do Territrio e do Ambiente
ICNF Instituto de Conservao da Natureza e das Florestas
LPN Liga para a Proteco da Natureza
APEP Associao Portuguesa de Ecologia da Paisagem
WWF Mediterrneo Portugal
QUERCUS Associao Nacional de Conservao da Natureza
DRAP-Alentejo Direco Regional de Agricultura do Alentejo
Federao Minha Terra
APOSOLO Associao Portuguesa de Mobilizao de Conservao do Solo
SPPF Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens
ACHAR Associao Agricultores de Charneca
APFC Associao Produtores Florestais de Coruche
ANSUB Associao de Produtores Florestais do Vale do Sado
CSC Confraria do Sobreiro e da Cortia
APCOR Associao Portuguesa da Cortia
Corticeira Amorim
Companhia das Lezrias
Grupo Piedade
ANPPC Associao Nacional de Proprietrios e Produtores de Caa
ACBM Associao de Criadores de Bovinos Mertolengos
ACBRA Associao de Criadores de Bovinos da Raa Alentejana
ACOS Associao Criadores de Ovinos do Sul
ANCORME Associao Nacional de Criadores de Ovinos de Raa Merina
ANCPA Associao Nacional de Criadores de Porco Alentejano
ACPA Associao de Criadores de Porco Alentejano
APCRS Associao Portuguesa de Criadores da Raa Serpentina
Departamento do Patrimnio Histrico e Artstico da Diocese de Beja Camara Municipal de Coruche
Camara Municipal de Portel
Autores Alexandra Lauw, CEF -ISA-UTL
Alfredo Gonalves Ferreira, ICAAM-UE
Alberto Azevedo Gomes, INIAV
Ana Cristina Moreira, INIAV
Ana Fonseca, ICAAM-UE
Anabela Belo, ICAAM-UE
Anabela Marisa Azul, CEF-UC
Antnio Mira, CIBIO-UE
Antnio Murilhas, ICAAM-UE
Antnio Cipriano Pinheiro, UE
Augusta Costa, INIAV
Carlos Godinho, ICAAM-UE
Carlos Pinto Gomes, ICAAM-UE
Carlos Carmona Belo, INIAV
Carlos Vila-Viosa, UE
Carolina Varela, INIAV
Catarina Meireles, UE
Celeste Santos e Silva, ICAAM-UE
Conceio Barros, ICNF
Cristina Branquinho, CBA-FCUL
Edmundo Sousa, INRB (INIAV)
Elvira Sales Baptista, ICAAM-UE
Filomena Nbrega, INIAV
Guilherme Santos, ICNF
Helena Bragana, INIAV
Irene Cadima, INIAV
Joana Godinho, INIAV
Joo E. Rabaa, ICAAM-UE
Joo Santos Pereira, ISA-UTL
Jorge Capelo, INIAV
Jos Potes, IPS-ESA
Jos da Veiga, DRAPAL
Helena Freitas, UC (CEF)
Helena Pereira, ISA-UTL
Isabel Ferraz de Oliveira, ICAAM-UE
Isabel Videira e Castro, INIAV
Lourdes Santos, INIAV
Manuela Branco, ISA-UTL
Manuel Madeira, ISA-UTL
Margarida Vaz, ICAAM-UE
Margarida Santos Reis, CBA-FCUL
Margarida Tom, ISA-UTL
Maria Conceio Caldeira, ISA-UTL
Maria Costa Ferreira, INIAV
Maria Emlia Silva, UTAD
Maria Helena Almeida, ISA-UTL
Maria Paula Simes, ICAAM-UE
Maria Socorro Rosrio, GPP-MAMAOT
Miguel Bugalho, CEABN-ISA-UTL
Miguel Pestana, INIAV
Nuno Guiomar, ICAAM-UE
Otilia Correia, CBA-FCUL
Paula Fareleira, INIAV
Paulo Godinho-Ferreira, INIAV
Paulo S Sousa, ICAAM-UE
Pedro Santos, ICAAM-UE
Nuno de Almeida Ribeiro, ICAAM-UE
Rogrio Louro, ICAAM-UE
Rui Rebelo, BCA-FCUL
Rui Machado, ICAAM-UE
Srgio Godinho, ICAAM-UE
Sofia Knapic, ISA-UTL
Teresa Pinto Correia, ICAAM-UE
Teresa Soares David, INIAV
Vanda Oliveira, CEF-ISA-UTL
8
ndice 1.Introduo ............................................................................................................... 9
1.1. O Montado ..................................................................................................... 9
1.2. Objectivos do Livro Verde........................................................................... 11
3. A dimenso territorial e cultural do Montado ...................................................... 15
3.1. Composio da paisagem ............................................................................. 15
3.2. Valor cultural e patrimnio .......................................................................... 17
4. A dimenso ambiental ......................................................................................... 18
4.1. Solo e Clima ................................................................................................ 19
4.2. gua e Carbono ........................................................................................... 21
4.3. Biodiversidade ............................................................................................. 22
4.4. Diversidade gentica e conservao de recursos genticos .......................... 25
5. Os produtos e a multifuncionalidade do Montado ............................................... 27
5.1. Cortia ......................................................................................................... 27
5.2. Madeira ........................................................................................................ 30
5.3. Produtos pecurios ....................................................................................... 32
5.4. Apicultura /Mel ............................................................................................ 34
5.5. Aromticas e medicinais .............................................................................. 35
5.6. Cogumelos ................................................................................................... 37
5.7. Caa ............................................................................................................. 39
5.8. Turismo e lazer ............................................................................................ 40
5.9. Outros servios do ecossistema ................................................................... 41
6. Sistemas de gesto sustentvel do Montado ........................................................ 43
6.1. Estabilidade do sistema ................................................................................ 44
6.2. Sanidade dos Montados ............................................................................... 46
6.3. Servios do ecossistema e Certificao ........................................................ 48
7. A interveno do sector pblico .......................................................................... 50
7.1. Quadro legislativo actual ............................................................................. 50
7.2. Eficincia das polticas ................................................................................ 51
7.3. Monitorizao .............................................................................................. 54
8. Concluses........................................................................................................... 57
8.1. As prioridades identificadas ......................................................................... 57
8.2. Por uma estratgia no contexto europeu ...................................................... 60
9
1.Introduo
1 . 1 . O M o n t a d o
O Montado ocupa actualmente, no Sul de Portugal, mais de um milho
de hectares, estendendo-se por grande parte do Alentejo e uma rea
significativa da Beira Baixa interior e da Serra Algarvia. Em Espanha
ocorre um sistema equivalente, a Dehesa. Num territrio de baixa densidade
populacional e parcos recursos, o Montado, com todas as actividades
produtivas e no produtivas que suporta, tem um peso estratgico que urge
valorizar.
So vrias as definies de Montado que se encontram na bibliografia.
Originalmente classificado como um sistema agro-silvo-pastoril, e descrito
como um sistema multifuncional onde se equilibram e conjugam as
actividades agrcola, pecuria e florestal, devido ao decrscimo de
importncia das culturas sob-coberto o Montado tende actualmente a ser
considerado como um sistema silvo-pastoril. As espcies florestais
dominantes so o sobreiro (Quercus suber), a azinheira (Quercus
rotundifolia) e os carvalhos cerquinho (Quercus faginea) e negral (Quercus
pyrenaica). Estas espcies de quercneas encontram-se em povoamentos
puros ou mistos, que no caso do sobreiro se associam ao pinheiro manso e
ao pinheiro bravo.
A designao Montado pode assim ser utilizada para descrever um
conjunto heterogneo de sistemas de produo florestal no lenhosa,
assentes na explorao de quercneas usualmente o sobreiro ou a azinheira
de modo conjugado com uma utilizao no intensiva do solo sob o
coberto com propsito agrcola, pecurio ou cinegtico. No seu sentido mais
lato engloba desde as formaes naturais ou naturalizadas de matagais
arborizados (sobreirais ou azinhais) at povoamentos arbreos dispersos
mantidos pela actividade humana e suas prticas culturais (Montados de
sobro ou azinho), incluindo ainda inmeros povoamentos de transio.
10
O elevado dinamismo dos Montados, particularmente do sob-coberto,
revela-se igualmente a nvel temporal, tanto a curto como a longo prazo.
Esta variabilidade , em parte, fruto da sazonalidade do clima
mediterrnico, refletindo-se na disponibilidade dos produtos e nos ciclos de
produo, em particular da explorao da cortia.
O Montado tem uma aparncia que se aproxima da savana, com rvores
dispersas e um mosaico de pastagens com diferentes graus de naturalidade,
mato disperso e por vezes culturas agrcolas no sob-coberto. Esta paisagem
nica corresponde a um sistema de uso do solo tambm nico, apenas
comparvel Dehesa no Sul de Espanha. Embora tenha sido utilizada
noutras regies da Europa ao longo da histria, a integrao das trs
componentes - florestal, pastoril e agrcola - num sistema nico j h muito
deixou de ser praticada, devido intensificao e especializao da
agricultura e floresta.
Tratando-se de um sistema ecolgico desenvolvido pelo Homem, o
Montado foi sendo aperfeioado ao longo do tempo em Portugal, de modo a
melhorar o aproveitamento e a rentabilizao dos escassos recursos numa
regio caracterizada por um clima mediterrnico e solos pobres. Para alm
das suas qualidades intrnsecas, este sistema constitui uma fonte de
ensinamentos e inspirao sobre modelos de agricultura e floresta
multifuncionais sustentveis, que hoje se tentam definir e implementar a
nvel europeu e mundial. Para alm de assegurar mltiplas produes, como
a cortia e a lenha, a carne de bovinos, ovinos, sunos e caprinos, os
cogumelos, as ervas aromticas e o mel, o Montado suporta ainda um vasto
conjunto de outros servios dos ecossistemas, tais como a regulao do
ciclo da gua, a fixao de carbono, a preveno da eroso, elevada
biodiversidade, actividades de recreio e lazer, e suporte da identidade local.
No entanto, verifica-se que a rea de Montado se encontra desde h
vrios anos em recesso, a densidade das rvores tem vindo a diminuir, a
taxa de renovo a decrescer, e a mortalidade a aumentar, ameaando o
equilbrio destes sistemas. As causas para este declnio so vrias e
complexas, encontrando-se identificadas como fruto de muita investigao
que poder contribuir para a manuteno dos Montados. Para que este
conhecimento seja til, torna-se necessrio um enorme esforo de
integrao que reconhea o Montado como um sistema, com todas as suas
11
componentes, assegurando a sua sustentabilidade. Esta integrao dever
estar presente tanto na gesto corrente como nas polticas pblicas e nos
instrumentos que delas derivam, contrariamente ao que se tem verificado.
1 . 2 . O b j e c t i v o s d o L i v r o V e r d e
O Livro Verde dos Montados apresenta diversos objectivos que se
interligam:
Em primeiro lugar, o Livro Verde pretende reunir e sistematizar, de uma
forma simples e acessvel ao pblico, o conhecimento produzido em
Portugal pelos investigadores e tcnicos de vrias instituies de
investigao ou de gesto que estudam o Montado. Assume-se como uma
oportunidade de caracterizar o sistema tendo em conta as suas vrias
dimenses, identificando as principais ameaas sua preservao assim
como os caminhos que podem ajudar sua sustentabilidade. No sendo um
documento cientfico, baseia-se no conhecimento cientfico e pretende
constituir a base para uma plataforma de organizao, tanto dos
investigadores como do conhecimento cientfico actualmente produzido em
Portugal sobre o Montado.
Em segundo lugar, o Livro Verde dever contribuir para um
entendimento partilhado do que o Montado, por parte do pblico, de
tcnicos e de especialistas, conduzindo a uma classificao mais clara do
que pode ser considerado Montado e de quais os tipos distintos de
Montados que podem ser identificados.
Em terceiro lugar, o Livro Verde estabelece as bases para uma estratgia
coordenada de disponibilizao de informao sobre o sistema Montado,
visando o seu conhecimento, apreciao e valorizao pela sociedade
portuguesa no seu conjunto. Deste modo, o Livro Verde poder constituir
um instrumento congregador e inspirador para a realizao de aces de
sensibilizao e informao sobre o Montado.
Em quarto lugar, pretende-se que o Livro Verde contribua para um
maior reconhecimento e valorizao do Montado como sistema, a nvel do
desenho das polticas nacionais por parte dos vrios sectores envolvidos.
12
Finalmente, o Livro Verde constituir um documento parceiro do Livro
Verde das Dehesas, produzido em Espanha em 2010, de forma a reforar o
reconhecimento e a devida valorizao destes sistemas silvo-pastoris no
desenho das estratgias e polticas relevantes pelas instituies europeias.
Em suma, os autores pretendem que o Livro Verde dos Montados se
afirme como o primeiro passo para uma efectiva definio e implementao
de uma estratgia nacional para os Montados.
13
2. Enquadramento histrico
A origem dos Montados remonta a um passado muito distante. O
Homem ter comeado a desbravar o bosque mediterrnico durante a
Revoluo Neoltica, h cerca de 9000 anos, iniciando a prtica de uma
agricultura itinerante baseada em queimadas. No sculo VI j se tinham
expandido as reas destinadas a culturas agrcolas bem como os prados
criados pelo Homem, acompanhados por uma desmatao selectiva com
proteco do sobreiro, naquilo que poderamos chamar os primeiros
Montados. No sculo VII, o Cdigo Visigtico relata um importante
desenvolvimento da transumncia, com origens pr-histricas, que ter
atingido o seu auge nos sculos XV-XVII. Neste contexto surgiu o tributo
de Montadigo ou Montado cobrado a quem trouxesse os animais de
montaria, ou nos Montes, e daqui derivou a designao de Montado. O
gado criado antes da Reconquista crist, nos sculos XII e XIII seria ovino,
caprino e bovino e, posteriormente, suno. A criao de sunos viria a ser
interrompida em meados do sculo XX devido peste suna africana.
As rvores foram ao longo do tempo sujeitas a vrias presses: durante
muito tempo, o fogo constituiu o mtodo de controlo da flora arbustiva para
a preparao de terras onde se semearia trigo, cevada ou centeio, seguido da
instalao de pastagens; no sculo XV generalizou-se a utilizao de carvo
para usos domsticos; nos sculos XV e XVI as rvores foram cortadas para
fornecer madeira para a construo das naus, caravelas e galees. Em
diversos perodos a presso humana sobre o Montado foi de tal modo
significativa que foi necessria a implementao de leis que obrigavam a
plantar sobreiros e azinheiras ou a deixar rvores novas para o renovo do
sistema. J no sculo VII o Cdigo Visigtico proibia o abate de sobreiros e
azinheiras e previa penas para quem causasse danos nos Montados.
Quanto a outros produtos, o consumo de bolotas mais ou menos
transformadas remonta Idade do Bronze Final e nunca ter sido
interrompido at perodos mais recentes. A cortia teve inicialmente uma
importncia mais reduzida do que a bolota - apesar de no sculo XIV
Portugal j exportar cortia para o Reino Unido - apenas na segunda metade
14
do sculo XVII, com a generalizao da utilizao de garrafas de vidro para
vinho e de rolhas de cortia como vedante, a cortia comea a adquirir a
importncia econmica que se viria a prolongar at aos nossos dias.
O Montado atingiu o seu auge, em termos de complementaridade das
vrias actividades e de equilbrio na gesto, entre o fim do sculo XIX e o
incio do sculo XX. No entanto, a mecanizao com a intensificao da
cerealicultura conduziu a uma progressiva destruio do estrato arbreo,
sobretudo em trs perodos sucessivos: o perodo que se seguiu Lei dos
Cereais de Elvino de Brito, em 1889, a Campanha do Trigo entre 1929 e
1938, e finalmente o perodo da Reforma Agrria, entre 1975 e 1979. Desde
a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, em 1986, surgiram novos
terrenos incultos e reduziu-se a rea dedicada cerealicultura. Em 1992, a
atribuio de ajudas directas produo, no mbito da reviso da Poltica
Agrcola Comum (PAC), incluindo um prmio por cabea de gado mais
elevado no caso dos bovinos, conduziu a uma generalizao da produo de
bovinos no sob-coberto do Montado, com impactes negativos na
regenerao do estrato arbreo.
15
3. A dimenso territorial e
cultural do Montado
A estrutura, composio e distribuio dos Montados actuais resultam
de interaces do Homem sobre o territrio do Sul de Portugal, ao longo do
tempo. Actualmente distinguem-se vrios tipos de Montado de acordo com
a sua gnese, tais como: a) desbastes das outras espcies nas formaes
florestais naturais, conduzindo a povoamentos puros e mistos com rvores
de diferentes idades; b) florestao por regenerao natural de reas
anteriormente utilizadas para a agricultura, conduzindo a povoamentos
puros com rvores da mesma classe de idade, puros e mistos com rvores de
diferentes idades; c) florestao por regenerao artificial (sementeiras e
plantaes) da qual resultam povoamentos puros e mistos com rvores da
mesma idade. Esta diversidade de situaes d origem a um padro de
distribuio espacial, e portanto de paisagem, extremamente rico e
complexo.
3 . 1 . C o m p o s i o d a p a i s a g e m
A aferio da verdadeira dimenso espacial dos Montados em Portugal
tem-se revelado um processo complexo. Tal deve-se, por um lado, ao
prprio conceito de Montado, e por outro, aos diferentes mtodos e critrios
utilizados para estimar reas ocupadas por sobreiros e/ou azinheiras. No
obstante, os sucessivos Inventrios Florestais Nacionais (IFN) constituem
uma informao de nvel nacional fivel. Segundo o relatrio preliminar do
IFN6 (Fevereiro 2013), o sobreiro e a azinheira ocupam em Portugal uma
superfcie total de 1.067.954 ha, dos quais 736.755 ha tm como espcie
dominante o sobreiro e cerca de 331.179 ha, a azinheira. Nestes nmeros
encontram-se contudo includas, entre outras, as reas de sobreiral e
azinhal, que constituem reas de floresta mais densa.
16
Independentemente das diferenas nas estimativas das reas ocupadas,
unnime entre os investigadores que a densidade do Montado tem vindo a
diminuir. As reas que correspondem a classes de maior densidade tm
vindo a perder dominncia, sendo esta perda muito mais evidente e
alarmante nas reas de azinho. Extensas reas a sul do Tejo que outrora
apresentavam densidades na ordem das 120 rvores/ha esto hoje
classificadas com densidades inferiores a 40 rvores/ha. A escassez ou
mesmo ausncia de regenerao natural nos Montados, que se tem vindo a
verificar ao longo das ltimas dcadas, inviabiliza o rejuvenescimento e a
perpetuidade de povoamentos ecologicamente estveis, contribuindo para o
surgimento de clareiras que vo aumentando progressivamente, at
passarem a ser parcelas de terra limpa, distintas do Montado. A anlise de
dados relativos ao perodo entre 1960 e 2006 nos distritos de vora e Beja
revela um aumento do nmero de parcelas de Montado mas tambm a
diminuio da sua dimenso mdia, revelando a tendncia para a
compartimentao das anteriores reas de Montado, contnuas e densas.
Relativamente ao sobreiro, a mortalidade das rvores reflecte-se numa
diminuio da densidade do arvoredo de 13% entre 1995 e 2005, em
povoamentos com densidade inferior a 40 rvores/ha, sobretudo no centro e
sul do pas. Em 2010 verificou-se que mais de 50% dos povoamentos de
sobro e azinho apresentavam sintomas de declnio ligeiros (sobreiro-50%;
azinheira-68%) e entre 4 e 10% sinais acentuados (sobreiro-9%; azinheira-
4%).
Importa ainda salientar a grande variabilidade dos Montados: a variao
espacial das caractersticas biofsicas (geologia, solos, clima etc.),
biomtricas, de produtividade e capacidade de resilincia das rvores, assim
como da densidade do povoamento, reflexo das prticas de gesto ao longo
do tempo, fazem com que se encontrem hoje diferentes tipos de Montado.
Neste sentido, para alm da cartografia das reas de Montado, importante
considerar as suas caractersticas intrnsecas e como estas se alteram. A
existncia de uma carta hierrquica das tipologias de Montado existentes em
Portugal constituiria, neste contexto, um instrumento de grande utilidade.
17
3 . 2 . V a l o r c u l t u r a l e p a t r i m n i o
Em Portugal, a paisagem do Sul est indissociavelmente ligada ao
Montado. Como se referiu, est-se no entanto perante diferentes padres de
Montado, num contnuo irregular, em que o tipo, a densidade de rvores e o
sob-coberto vo variando sem que haja limites bvios, criando no seu
conjunto uma paisagem nica com um carcter especfico, nunca montona.
A paisagem de Montado permite experincias diversas e complementares:
vastido de horizontes mas tambm descoberta, contemplao mas tambm
proteco, harmonia mas tambm mistrio, diversidade mas sempre
coerncia. Para alm da Dehesa em Espanha, no h na Europa nenhuma
outra paisagem que se parea com esta. E mesmo a Dehesa, por ser
maioritariamente com coberto de azinho e relativamente aberto, menos
diversificada quando comparada com o Montado. Provavelmente por todas
estas caractersticas, vrios estudos identificam o Montado como a
paisagem preferida tanto de portugueses como de estrangeiros que nos
visitam, para diversas actividades que a sociedade de hoje procura no
espao rural.
A paisagem resulta da interaco entre factores naturais e culturais, ao
longo do tempo, e constitui assim um registo da memria colectiva e um
poderoso elemento de identificao cultural, comparvel lngua e
religio. Deste modo a paisagem contribui de forma muito forte, ainda que
implcita, para o reconhecimento da identidade de uma regio, quer pelos
que a vivem quer pelos que a consideram do exterior. Para alm disto, ao
Montado associam-se prticas diversas, tanto relacionadas com uma
produo mltipla, caracterstica de sistemas silvo-pastoris complexos,
como com muitas outras actividades tradicionais: caa, apicultura, apanha
de cogumelos ou actividades que recentemente tm vindo a ganhar
relevncia, como o pedestrianismo, outros desportos de ar livre ou a
observao de aves. A multifuncionalidade do Montado e a sua importncia
em termos de rea no Sul do pas fazem com que uma enorme parte do
patrimnio intangvel da regio, como a gastronomia, as tradies, o cante,
o imaginrio, as lendas, se refiram e tenham razes em reas de Montado e
em particularidades deste sistema. E assim, com a paisagem, tambm a
identidade da regio Sul do pas passa pelo Montado.
18
4. A dimenso ambiental
O Montado um sistema ecolgico complexo onde vrias componentes
se interligam criando um ambiente especfico a nvel microestacional,
devido aos efeitos do coberto arbreo tipo savana, entre os quais se
destacam:
a) Intercepo da radiao e vapor de gua: as copas isoladas das
rvores so muito eficientes na utilizao da humidade do ar, que
condensam e absorvem nas folhas; por vezes precipitam essas gotas de
orvalho para o solo. A radiao interceptada pelas copas criando no sob-
coberto microclimas mais amenos do que o clima da regio - menos frios
durante o Inverno mas principalmente mais frescos e hmidos durante o
Vero. Estes microclimas so mais favorveis para a vegetao do sob-
coberto;
b) Intercepo e redistribuio das precipitaes: durante perodos de
chuva as copas dispersas das rvores representam obstculos precipitao,
retendo uma parte que evaporada para a atmosfera. A parte restante atinge
o solo por gotejo ou escorrimento ao longo do tronco. Quando a
precipitao vertical, a gua que atinge o solo sob as copas menor do
que em solo aberto (solo nu ou com vegetao rasteira). Quando a
precipitao inclinada devido ao vento, h zonas de aumento de
precipitao nos sectores sob a copa virados ao vento devido acumulao
de gotejo com incidncia de precipitao inclinada. Nos setores da copa
opostos direo do vento ocorre a mesma depleo que em precipitao
vertical. As copas das rvores tm ainda o efeito de reduzir a velocidade das
gotas de gua, diminuindo os efeitos deletrios do impacto no solo.
Finalmente, a passagem da gua na copa e no tronco provoca a dissoluo
dos nutrientes presentes e a sua restituio ao solo, acelerando o ciclo de
nutrientes e aumentando assim a sua eficincia;
c) Reduo da velocidade do vento: a distribuio espacial das rvores
caractersticas destes sistemas muito eficiente na reduo da velocidade
dos ventos diminuindo assim, especialmente durante os Veres quentes e
19
secos, o seu efeito dissecador. Esta reduo da velocidade do vento tambm
protege o sistema das tempestades, aumentando a sua resilincia;
d) Reduo do contedo em humidade nas camadas superficiais do solo,
no vero: A reduo de gua nas camadas superficiais do solo deve-se
aco da evapotranspirao das rvores e condiciona o desenvolvimento dos
estratos vegetais arbustivo e herbceo;
e) Ciclo de nutrientes: os sistemas radiculares das rvores, extensos e
com mltiplas razes pivotantes, conseguem absorver nutrientes a grande
profundidade que restituem superfcie do solo atravs da mineralizao da
folhada. Esta aco disponibiliza nutrientes nas camadas superficiais do
solo;
f) Incorporao de matria orgnica: o aumento de fertilidade tambm
acompanhado pela incorporao de matria orgnica nas camadas
superficiais do solo, aumentando a capacidade de troca catinica e a
capacidade de reteno de gua e incrementando assim a produtividade.
Algumas destas interaes constituem caractersticas nicas da
dimenso ambiental do Montado que merecem particular destaque, tal como
descrito nos pontos seguintes.
4 . 1 . S o l o e C l i m a
O sobreiro, o carvalho cerquinho, o pinheiro bravo e o pinheiro manso
esto associados s zonas ecolgicas onde se interligam as influncias
atlntica e mediterrnica, enquanto a azinheira se associa s zonas onde se
conjugam as influncias mediterrnica e continental da meseta ibrica e o
carvalho negral s de maior influncia atlntica.
A grande extenso radicular horizontal e em profundidade constitui um
dos processos adaptativos destas espcies s condies mediterrnicas,
permitindo o uso de reservas hdricas disponveis. A reduzida espessura
efectiva do solo, a baixa capacidade de reteno de gua, a presena de
calcrio activo, a m drenagem interna e a salinidade so condies
desfavorveis ao sobreiro. Comparativamente ao sobreiro, a azinheira, o
carvalho negral, o carvalho cerquinho e o pinheiro bravo parecem ser mais
20
tolerantes drenagem deficiente e reduzida espessura efectiva, e o
pinheiro manso mais tolerante baixa capacidade de reteno de gua.
As comunidades fngicas do solo desempenham um papel crucial nos
ciclos de nutrientes, na estruturao e proteco do solo e na sanidade dos
povoamentos florestais, assegurando distintas funes de reciclagem da
matria orgnica, eliminao de fitoparasitas e favorecimento do
crescimento e desenvolvimento de diversas espcies vegetais, na medida em
que lhes permitem obter maiores quantidades de gua e nutrientes
(principalmente fsforo e azoto) e lhes conferem proteco contra agentes
patognicos.
No Montado, o sob-coberto um factor determinante para a
sustentabilidade e rentabilidade, pela proteco do solo e plntulas e
reciclagem de nutrientes. Neste ecossistema, a fixao biolgica do azoto
mediada pelas simbioses entre bactrias (rizbios) e plantas leguminosas
constitui o principal processo de fornecimento de azoto ao solo embora
algumas plantas no leguminosas possam obter azoto atravs de outras
associaes, no simbiticas, com microrganismos fixadores deste
nutriente. Alm destes, outros microrganismos do solo promotores do
crescimento vegetal podero ser importantes para a sustentabilidade do
Montado, melhorando o acesso da planta aos nutrientes atravs do aumento
da superfcie radicular. As bactrias solubilizadoras de fosfato que actuam
na mobilizao do fosfato insolvel no solo, tornando-o disponvel para as
plantas, podero ter tambm um papel de relevo neste ecossistema, cujos
solos se caracterizam geralmente pela baixa fertilidade.
As espcies arbreas e herbceas presentes no Montado tm efeitos
acentuados sobre o regime trmico (reduo da amplitude trmica) e o
regime hdrico do solo, dilatando o perodo vegetativo. Desempenham ainda
uma funo determinante na qualidade do solo por intermdio do acrscimo
da concentrao de matria orgnica e da disponibilidade de nutrientes, em
consequncia do ciclo do carbono e de nutrientes; neste contexto, como
sucede com sistemas estruturalmente similares, o Montado apresenta um
grande potencial de acumulao de carbono na biomassa arbrea, herbcea
(pratense) e no solo. A esta funo acresce a estabilizao e proteco do
solo com o consequente aumento de resistncia degradao. Deve ter-se
em conta que os eventos extremos (menor precipitao anual e temperaturas
21
elevadas) verificados nos ltimos anos, bem como os cenrios de alterao
climtica para a regio mediterrnica, potenciam todos os factores de risco
do Montado.
4 . 2 . g u a e C a r b o n o
Entre os servios que os ecossistemas florestais prestam sociedade
encontra-se o sequestro de carbono, mitigando as emisses de gases com
efeito de estufa (dixido de carbono) para a atmosfera. Este processo resulta
de ganhos (atravs da fotossntese) superiores s perdas (respirao de todo
o ecossistema), acumulando-se o saldo em biomassa vegetal e matria
orgnica do solo. Montados de sobro saudveis e com razovel coberto
arbreo podem sequestrar anualmente entre menos de 1 e mais de 3
toneladas de carbono por hectare. Estes valores esto perto da mdia das
florestas centro-europeias, embora a variabilidade seja muito elevada. O
valor do balano de carbono tende a diminuir com o envelhecimento das
rvores (depois de atingido um mximo).
A perda de rvores e a degradao das pastagens e do solo conduzem ao
decrscimo do sequestro de carbono: tanto os fogos como as gradagens
destinadas preveno dos incndios podem aumentar a eroso e a
respirao do solo, aumentando as perdas de carbono associadas; o
decrscimo da vitalidade das rvores em resultado, por exemplo, de pragas
e doenas, reduz a capacidade de sequestro de carbono. Por outro lado, a
capacidade fotossinttica limitada em situaes de dfice hdrico quando o
fecho dos estomas e a reduo da rea foliar inibem a assimilao.
A explorao da cortia uma actividade compatvel com o sequestro de
carbono pela floresta. De facto, a proporo de carbono extrado na cortia
constitui uma percentagem muito pequena (em regra inferior a 10%) do
total fixado em cada novnio. Como a rvore se mantm intacta, a cortia
pode ser extrada repetidas vezes sem que isso afecte directamente o stock
de carbono do Montado.
As caractersticas do sob-coberto e o tratamento a que sujeito podem
igualmente influenciar o balano de carbono. Os povoamentos de azinheira,
com crescimento mais lento, tero, em condies equiparadas, sequestro de
22
carbono inferior ao dos Montados de sobro (por exemplo, menos de 1
tonelada de carbono por hectare). No entanto, a interdependncia com os
sistemas de produo animal trs associado o melhoramento da pastagem,
com o elevado contributo no sequestro de carbono.
Acoplado ao balano de carbono do ecossistema est o balano da gua
visto que, quer a fotossntese, quer a transpirao, dependem da abertura
dos estomas e da quantidade de folhas. Na regio mediterrnica, as plantas
sofrem restries hdricas quer sazonalmente Vero quer noutras escalas
de tempo, como resultado das secas que ocorrem com frequncia. rvores
como o sobreiro sobrevivem maximizando a captao de gua e
minimizando as perdas por transpirao. Ultrapassam a seca estival
explorando as zonas com humidade no perfil do solo com razes que
crescem, quer em profundidade, quer estendendo o sistema radicular
lateralmente, muito para alm do limite da projeco das copas. A
impossibilidade de captar gua do solo em consequncia do prolongamento
da poca sem chuva ou a reduo da extenso das razes devido a doenas
ou ao corte (lavouras), pode levar insuficincia hdrica e morte precoce
de muitas rvores.
Comparando azinheiras e sobreiros nas mesmas condies ambientais
verifica-se maior enraizamento em profundidade nas primeiras e, portanto,
melhor estado hdrico no perodo seco. A vegetao do sob-coberto explora
nveis de solo mais superficiais tendendo, por isso, a evitar a seca. Por
exemplo a vegetao herbcea ultrapassa as carncias de gua completando
o seu ciclo de vida antes da seca estival. Em zonas de solo muito delgado ou
compactado as diferenas nos padres de enraizamento dos diferentes
estratos podem no ser to evidentes, pelo que haver menor distino entre
os estados hdricos dos diferentes tipos de vegetao.
4 . 3 . B i o d i v e r s i d a d e
A heterogeneidade espacial e temporal do Montado, invulgar no
contexto dos ecossistemas europeus de matriz agroflorestal, promove uma
aprecivel riqueza de nichos ecolgicos. Os diferentes graus de cobertura
arbrea (frequentemente com rvores de diferentes idades), arbustiva e
23
herbcea conferem aos Montados uma grande diversidade na estrutura
vertical e horizontal da vegetao que raramente se encontra noutros
sistemas florestais portugueses. Ademais, a natureza irregular da paisagem
dos Montados, onde predominam os gradientes acompanhados de orlas
difusas ao invs de geometrias rgidas com orlas vincadas, torna cada rea
de Montado nica e irrepetvel, tal como nicas e irrepetveis so algumas
das suas comunidades.
Os Montados esto classificados como habitat de interesse comunitrio
(habitat 6310 ver ponto 8.1.), nomeadamente quando dominado pelos
malhadios de Poa bulbosa e Trifolium subterraneum que, juntamente com
outras formaes herbceas de Agrostis castellanae, Celtica gigantea e/ou
Brachypodium phoenicoides, representam o habitat prioritrio 6220. Nestes
mosaicos de pastagens ocorrem endemismos e plantas com estatuto de
proteco, como Narcissus fernandesii, N. cavanillesii, Armeria pinifolia e
Centaurea coutinhoi. Em situaes edafo-climticas muito peculiares, o
coberto arbreo dominado por sobro ou azinho enriquecido por elementos
remanescentes dos bosques climcicos de matiz ocenica como sejam
alguns carvalhos marcescentes como Quercus broteroi, Q. pyrenaica, Q.
marianica e Q. estremadurensis.
A regenerao natural de sobreiro e azinheira beneficia da existncia de
formaes arbustivas, podendo em alguns casos ser bastante abundante. Em
geral, possvel distinguir trs tipos de estrato arbustivo: dois deles formam
sob-cobertos muito fechados dominados respectivamente por medronheiro
ou esteva; e o terceiro forma manchas arbustivas mais esparsas constitudas
essencialmente por tojos, sargao, urzes, silvas, esteva, carqueja e giestas.
Estas espcies, juntamente com carrascos, zimbros e rosmaninhos, podem
ainda aparecer associadas aos dois primeiros tipos. Algumas destas espcies
arbustivas so endemismos portugueses e muitas tm elevado estatuto de
conservao, podendo constituir habitats prioritrios, como o 4020
(charnecas hmidas atlnticas temperadas de Erica ciliaris e Erica tetralix).
Em regra, constata-se que quanto maior a diversidade do sob-coberto mais
abundante a regenerao natural do sobreiro e mais elevada a sua taxa de
sobrevivncia.
Os lquenes do Montado no possuem estatuto de conservao mas so
afectados pelas condies ambientais atmosfricas, sendo ainda
24
extremamente sensveis s alteraes climticas. Apesar disso, os lquenes
epfitos (que se desenvolvem nos troncos e ramos de rvores e arbustos)
apresentam uma elevada diversidade nos Montados: em sobro, no litoral
alentejano, foi possvel identificar cerca de 90 espcies e em azinho, numa
rea 20 vezes menor, registaram-se cerca de 150 espcies.
Em termos faunsticos, reportando somente aos vertebrados terrestres, os
Montados exibem uma elevada biodiversidade. Vrios anfbios ibricos
prosperam nos charcos temporrios dispersos pelas clareiras dos Montados
ou nas pequenas represas sustentadas pela actividade agrcola extensiva.
Nestas paisagens ocorrem tambm diversos lacertdeos e ofdios, como por
exemplo a discreta cobra de capuz (Macroprotodon brevis). Nas aves,
assiste-se no contexto ibrico a um aumento da riqueza especfica ao longo
do gradiente norte-sul, sendo os valores mais elevados registados
justamente em Montados como resultante da sua caracterstica
heterogeneidade espacial e temporal. Um outro exemplo do elevado valor
biolgico da paisagem dominada pelo Montado dado pela guia-imperial
(Aquila adalberti), classificada escala global e em Espanha como Em
Perigo, e Criticamente em Perigo em Portugal. Este endemismo ibrico
encontra nas paisagens dominadas por Montados e matagais mediterrnicos
o seu habitat de ocorrncia e a recolonizao recente do territrio nacional
por certo uma consequncia do incremento populacional e do aumento da
rea de distribuio registados em Espanha ao longo das ltimas dcadas,
resultantes de um exigente e rigoroso plano de conservao.
Das 71 espcies de mamferos terrestres (voadores e no voadores)
referidas como presentes em territrio continental, mais de 95% ocorrem
em Montados, embora a sua ocorrncia possa ter um carcter ocasional,
fragmentado ou generalizado e com abundncias elevadas. De ocorrncia
ocasional de referir o lince-Ibrico (Lynx pardinus), espcie que num
passado histrico foi abundante nos matagais mediterrnicos onde o
sobreiro e a azinheira se incluam, sendo igualmente observado nos
povoamentos mantidos pelo Homem. Hoje encontra-se num cenrio de pr-
extino limitando-se os registos a indivduos dispersantes a partir do
territrio espanhol e que no se fixam espacialmente. No alheio a este
facto a situao da sua presa preferencial - o coelho-bravo (Oryctolagus
cuniculus) - ser uma espcie localmente abundante em muitas zonas de
25
Montado mas que noutras regrediu significativamente, vtima de patologias
e sobre-explorao, apresentando hoje flutuaes populacionais
significativas e nveis de abundncia muito heterogneos.
4 . 4 . D i v e r s i d a d e g e n t i c a e c o n s e r v a o d e r e c u r s o s
g e n t i c o s
A diversidade gentica o resultado de mecanismos complexos que a
Natureza foi desenvolvendo ao longo da Evoluo. No sobreiro, tal como
nas outras espcies florestais, a variabilidade gentica crucial para a
sobrevivncia, adaptao e evoluo. A actividade humana pode contribuir
para a sua conservao, melhoria ou destruio mas para a conservar ou
melhorar essencial perceber como gerada, onde se localiza, como se
manifesta e como se transmite.
Na natureza, o sobreiro tal como todos os carvalhos, mistura de forma
dinmica a regenerao por semente e por rebentamento de toias e razes.
Os mecanismos reprodutivos atravs do plen e das bolotas so a principal
fonte de criao e transmisso da diversidade gentica. As bolotas so
sementes muito apreciadas por diversos animais como o gaio (Garrulus
glandarius), o pombo-torcaz (Columba palumbus) ou o rato-do-campo
(Apodemus sylvaticus), que assim contribuem para o fluxo gnico e
recombinao de patrimnios genticos por vezes bastante distantes.
A variabilidade gentica uma componente essencial da adaptao e
portanto da sobrevivncia e estabilidade dos ecossistemas florestais face a
alteraes climticas, pragas e doenas e outros factores. Nas rvores, a
maior parte das caractersticas adaptativas e de interesse econmico so
controladas por vrios genes que interagem de forma complexa,
manifestando-se em diferenas no fentipo, nomeadamente nas
caractersticas de crescimento e qualidade da cortia e na variabilidade ao
nvel da fenologia foliar, da florao e da frutificao. Os estudos em curso
sobre a fenologia mostram uma elevada variabilidade entre rvores num
dado povoamento, que se reflecte tambm na quantidade de produo de
plen e bolota. Entre povoamentos esta variabilidade mostra uma forte
ligao com a fertilidade dos solos.
26
Os resultados de ensaios instalados em Portugal revelam j diferenas
importantes relativamente sobrevivncia, crescimento e eficincia do uso
da gua. Por outro lado, o progresso da gentica molecular tem
demonstrado a existncia de maior diversidade entre rvores do que entre
populaes. A nvel de ADN confirma-se a grande variabilidade
intrapopulacional e um elevado grau de polimorfismo, acima do nvel
mdio. A este nvel no se detectou ainda uma estruturao da variabilidade
gentica com base na localizao geogrfica das populaes nem uma
relao entre o padro da distribuio dessa variabilidade e as modalidades
de gesto dos Montados. No caso dos marcadores baseados em
retrotransposes (elementos genticos mveis que alteram o tamanho e a
organizao do genoma gerando diversidade gentica), os resultados
indicaram a presena de inseres nos genes ribossomais, o que pode
conduzir activao ou silenciamento de genes alterando assim a expresso
fenotpica de algumas caractersticas.
27
5. Os produtos e a
multifuncionalidade do
Montado
Dada a sua complexidade e interaco constante entre vrias
componentes, o Montado um sistema por natureza multifuncional. Os
diversos produtos que resultam da explorao equilibrada do Montado so
expresso dessa multifuncionalidade. Para alm da produo, o sistema
garante uma srie de servios dos ecossistemas hoje em dia valorizados pela
sociedade, relacionados com a dimenso ambiental, cultural e paisagstica
deste sistema.
5 . 1 . C o r t i a
O valor econmico da cortia como produto do Montado
inquestionvel, assim como o papel que Portugal desempenha no quadro
mundial da produo e transformao da cortia.
Portugal o maior produtor de cortia, com cerca de 53% da produo
mundial, tendo produzido em 2011 aproximadamente 150 mil toneladas
(igual mdia anual para o perodo 2000-2009). tambm o maior
transformador da cortia em produtos manufacturados, com grande
capacidade industrial instalada, com cerca de 600 empresas e 9000
trabalhadores. Para alm da utilizao da cortia produzida nacionalmente,
a indstria corticeira portuguesa importa cerca de 60 mil toneladas de
cortia, provenientes maioritariamente de Espanha. Segundo o Instituto
Nacional de Estatstica, em 2011, o valor de vendas da indstria da cortia
foi de 952 milhes de euros, dos quais 72% correspondem a exportaes.
Em 2012, a exportao total de produtos de cortia foi de 1132 milhes de
euros (dos quais 69% para a EU), correspondendo a 268 mil toneladas.
28
As rolhas de cortia natural tm grande importncia relativa nas
exportaes de cortia, representando cerca de 40% do valor total; as rolhas
de cortia aglomerada representam 15%. A indstria dos vinhos o maior
cliente de produtos de cortia, seguindo-se a construo civil que consome
diferentes tipos de aglomerados para revestimento e isolamento.
O valor gerado pelas exportaes portuguesas de cortia substancial,
representando aproximadamente 0,7% do PIB, 2,2% do valor das
exportaes totais portuguesas e cerca de 30% do total das exportaes
portuguesas de produtos florestais.
Nem sempre se verificou esta dominncia econmica da cortia como
produto do Montado e a importncia relativa da produo portuguesa. De
facto, a cortia como matria-prima para manufacturas s adquiriu um
carcter industrial no sc. XIX, muito centrada na regio da Catalunha, e em
Portugal s foram instaladas grandes unidades fabris a partir dos finais
desse sculo. Ao longo do sc. XX ocorreu uma valorizao crescente da
produo e transformao de cortia, embora Portugal tivesse um papel
maioritariamente exportador de matria-prima bruta e preparada em
prancha. S na segunda metade desse sculo e, principalmente no ltimo
quartil, que se desenvolveu a transformao industrial para produtos
acabados da totalidade da matria-prima, com uma forte modernizao
industrial, inovao tecnolgica e afirmao internacional.
A importncia determinante da cortia para o Montado um factor
essencial para a sustentabilidade do sistema, demonstrado pela comparao
com a evoluo do Montado de azinho. Como consequncia, a cortia deve
ser encarada como uma matria-prima industrial e a gesto florestal do
Montado deve ser feita tendo em conta esse objectivo e as suas
condicionantes. Nesse sentido importante a existncia de uma estreita
ligao entre produtores e indstrias de cortia na compreenso das
respectivas especificidades e requisitos, o que se tem vindo a observar de
forma crescente. O papel das Associaes de Produtores Florestais foi
decisivo para disseminar aos produtores este conhecimento, assim como
tambm o da APCOR (Associao Portuguesa de Cortia) na divulgao da
indstria e produtos.
O valor da cortia para a indstria depende principalmente de dois
aspectos: a) o calibre das pranchas, que est relacionado com o crescimento
29
anual da cortia; e b) a qualidade da cortia, que inclui a porosidade dada
pelos canais lenticulares e defeitos biticos ou abiticos.
O crescimento da cortia o resultado da actividade de um cmbio, o
felognio, num processo meristemtico algo semelhante ao que ocorre com
o cmbio que forma o lenho. Deste modo, os factores que o afectam sero
determinados, por um lado por factores genticos e por outro pela condio
fisiolgica da rvore e pelas condies do solo e clima. Diversos estudos
mostraram j estes efeitos: a diversidade gentica no crescimento
evidente, encontrando-se variabilidade entre rvores no mesmo
povoamento, e entre valores mdios em diferentes locais. Um exemplo
divulgado de valores de crescimento anual da cortia (espessura do anel)
mostra uma mdia de 3,5 mm (para 8 anos completos de crescimento),
variando entre diferentes locais de 2,1 mm a 4,6 mm.
Sabe-se tambm que a disponibilidade de gua e, portanto, da
precipitao so importantes para o crescimento da cortia, assim como o
tipo de solo, que pode provocar variaes no crescimento da cortia at
25%. Sobreiros com cortias com calibres elevados so frequentemente
provenientes de solos ricos em fosfatos, ferro, zinco, mangans, carbono
orgnico, azoto total e matria orgnica. A optimizao do estado do solo
em nutrientes, por exemplo atravs de fertilizao, pode assim favorecer o
crescimento do sobreiro e da cortia.
A produtividade do sobreiro bastante varivel, tendo sido registados
valores de peso da prancha de cortia por unidade de rea descortiada, para
um ciclo de produo de 9 anos em diferentes locais, de em mdia 8,6
kg/m2, variando entre 8,5 kg/m
2 e 10,5 kg/m
2. A produtividade por hectare
depender tambm, como bvio, da densidade do povoamento e da
dimenso das rvores, ou seja, da rea total descortiada.
Quanto qualidade da cortia, determinada pelo nmero e dimenso dos
canais lenticulares, ou seja, pela designada porosidade da cortia, encontra-
se uma forte variabilidade entre rvores atribuda a factores genticos. De
todos os parmetros caracterizadores da cortia, a porosidade parece ser o
que apresenta maior variao entre rvores no mesmo local. No se
demonstrou at agora relao significativa entre a porosidade da cortia e o
seu crescimento. No entanto, a presena de micro-nutrientes (por exemplo
mangans) no solo pode estar relacionada com a qualidade da cortia
30
(coeficiente de porosidade e nmero de poros por cm2), enquanto cortias
com porosidade elevada se encontram em sobreiros em solos com elevado
teor em cobre, magnsio, boro, capacidade de troca catinica, soma das
bases de troca, e a espessura do horizonte superficial e total.
Importa referir tambm que outros factores influenciam a qualidade da
cortia, nomeadamente defeitos como a cobrilha, a formiga ou a mancha
amarela, associados sanidade do povoamento. O verde, cujas causas de
ocorrncia no so conhecidas, quando detectado na prancha tem hoje
resoluo no tratamento industrial.
A importncia econmica da cortia para o Montado mostra a
necessidade de uma gesto subercola adequada, que tenha em conta
critrios de produtividade, qualidade e requisitos da indstria, assim como
os diferentes critrios de sustentabilidade do sistema. O papel da cortia
para a economia do Montado constitui tambm uma vulnerabilidade, que
importa acautelar.
5 . 2 . M a d e i r a
A madeira de sobreiro foi muito valorizada no passado, principalmente
na era dos Descobrimentos, em poca de construo naval e necessidade de
madeira, tal como referido no ponto 2. A madeira de sobreiro, assim como a
de azinho e de outros carvalhos, muito densa, resistente compresso, ao
impacto e ao atrito, e suficientemente durvel, pelo que era adequada para
peas estruturais das embarcaes.
Mais recentemente a explorao da madeira de sobreiro diminuiu,
principalmente em resultado da crescente valorizao da cortia e das
restries legais ao abate de sobreiros. A madeira disponvel corresponde
apenas a dois tipos: a) ramos provenientes de podas depois de se ter retirado
a cortia virgem por falquejamento, e b) troncos e ramos provenientes de
abates sanitrios ou em fim de explorao. Em qualquer destes casos, a
madeira apresenta caractersticas pouco adequadas para um uso como
madeira slida e, consequentemente, foi, e , utilizada para fins energticos,
para o que tem ptima qualidade dado o seu bom poder calorfico e
comportamento em combusto.
31
Uma evoluo semelhante ocorreu com a madeira de azinho e de outros
carvalhos, nomeadamente o carvalho portugus (Quercus faginea). Alguns
factores tcnicos limitaram a utilizao destas madeiras de carvalhos
endgenos e dificultaram a adaptao tecnolgica s suas caractersticas,
pelo pouco conhecimento existente sobre as suas caractersticas,
propriedades e comportamento.
O reconhecimento do potencial da madeira de sobreiro como um
elemento de diversificao actual forma de gesto dos Montados, e
complementando a produo de cortia, fez surgir o interesse no seu estudo
para um potencial desenvolvimento de novos produtos tendo a madeira de
sobreiro como material nobre. Com esta perspectiva decorreu nos ltimos
anos investigao que estuda a madeira de sobreiro do ponto de vista da sua
anatomia, densidade e propriedades fsico-mecnicas, assim como da sua
converso industrial e teste de potenciais produtos. O crescimento radial da
madeira do sobreiro pode ser aprecivel: por exemplo 3,9 mm por ano,
atingindo 4,2 mm nos primeiros 30 anos, fortemente determinado pela
precipitao acumulada durante os meses anteriores ao incio do perodo de
crescimento. O descortiamento provoca uma diminuio do crescimento
radial da madeira, por exemplo de cerca de 20% nos dois anos seguintes
extrao da cortia. A madeira de sobreiro tem valores de densidade entre
0,86 g/cm3 e 0,98 g/cm
3, sendo considerada muito densa quando comparada
com outras folhosas e superior a outros carvalhos, como o carvalho roble
(Quercus robur) e o carvalho americano (Quercus rubra). Esta uma
caracterstica favorvel pois a densidade constitui um indicador de
qualidade tecnolgica e de valorizao comercial, estando relacionada com
propriedades de resistncia mecnica e de uso. A madeira de sobreiro
moderadamente dura, tem um ptimo comportamento ao desgaste, poucos
empenos com variaes de humidade ambiental e boa estabilidade em
contacto com gua lquida. Por estes motivos, a madeira de sobreiro
apresenta uma boa aptido como material nobre para revestimentos. Por
outro lado, a esttica particular da madeira, determinada pelas suas
caractersticas anatmicas e variedade de padres, confere-lhe um grande
impacto visual e distingue-a de outras espcies. Deste modo, a madeira de
sobreiro tem um carcter esttico muito apelativo para a potencial produo
de produtos de maior valor acrescentado.
32
A viabilidade tecnolgica da madeira de sobreiro para revestimentos e
marcenaria permite considerar a sua introduo no mercado europeu como
espcie madeireira para usos nobres, em alternativa a outros carvalhos ou
espcies tropicais. Tal contribui para consubstanciar uma estratgia de
diversificao da utilizao do sobreiro, incluindo a explorao da rvore
para madeira, integrando-a no sistema de explorao subercola actualmente
praticado, ou seja, sem entrar em competio com a produo sustentada de
cortia. A maior incidncia ser assim em material proveniente de
desbastes.
5 . 3 . P r o d u t o s p e c u r i o s
Os sistemas de produo animal integrados na explorao do Montado
so caractersticos e distintivos. Uma grande parte dos produtos deles
resultantes tem reconhecimento de garantia certificada, podendo estar sob
Denominao de Origem Protegida (DOP). A diferenciao advm-lhes do
esquema alimentar que caracteriza a produo pecuria extensiva praticada
nas exploraes de Montado e que imprime qualidades organolticas
distintivas. Actualmente, a diversidade de produtos dominada pela oferta
de carne e seus derivados. A pecuria extensiva suportava em 2010 mais de
metade da produo nacional de bovinos (65%) e de ovinos (56%). Tem um
baixo nvel de investimento e de aplicao dos desenvolvimentos
tecnolgicos, baseando-se no pastoreio extensivo de pastagem permanente,
com baixos encabeamentos. Como referncia, nas medidas agro-
ambientais de apoio ao pastoreio extensivo em Montado de Azinho, um dos
requisitos manter o nvel de encabeamento entre 0,15 e 1 Cabea Normal
/ha para ruminantes e porcos em regime de montanheira (Despacho
normativo n. 8/2010).
A sustentabilidade deste sistema silvo-pastoril assenta na existncia de
pastagens constitudas por plantas pratenses anuais de ressementeira natural
e a sua perenidade ou permanncia est directamente relacionada com o
banco de sementes existente no solo, que garante em cada outonada o incio
do ciclo anual de produo da pastagem. A relao entre o nmero de
animais presentes nas exploraes e a quantidade e qualidade da pastagem
33
mais equilibrada na Primavera. No resto do ano deficitria, e no sendo
prtica corrente a reduo do efectivo animal, as exploraes recorrem
produo e conservao de forragens ou aquisio de outros recursos
alimentares externos. Entre 1999 e 2009 verificou-se uma tendncia para o
aumento (21,4%) da rea coberta com pastagem permanente e para o
decrscimo das culturas forrageiras (14,3%) no Alentejo.
Tambm nestes ltimos 20 anos, a pecuria extensiva em Montado
sofreu alteraes importantes. O aumento de reas vedadas e o subsdio
vaca aleitante, entre outros factores, promoveu o aumento consistente da
populao de bovinos, sendo esta actualmente a espcie zootcnica
dominante, com base em raas autctones (Mertolenga, Alentejana e Preta)
mas tambm exticas, destacando-se a Limousine, sendo frequentes os
cruzamentos.
O sistema de gesto do pastoreio que mais frequentemente suporta a
produo pecuria extensiva o pastoreio intermitente, rodando os animais
pelas vrias folhas individualizadas por vedaes. Em folhas de grande
dimenso pode existir pastoreio contnuo, sendo frequente vrias folhas
funcionarem como uma nica pastagem ao deixar as porteiras abertas. A
ocupao das folhas varivel de ano para ano, no obedecendo a um
esquema predefinido, mas baseando-se na anlise da pastagem,
subjectivamente apreciada pelo responsvel de explorao. Por isso, e pela
irregularidade caracterstica do clima mediterrnico, a utilizao da
pastagem pode ser muito varivel de ano para ano. Em regra as folhas so
pastadas pelo menos uma vez por cada estao do ano, com excepo do
ano de instalao, quando se pretende garantir a produo de semente. Em
pocas de diminuio da quantidade/qualidade de pastagem, o que
corresponde ao perodo desde o fim do Vero at Primavera seguinte, por
vezes durante quase metade do ano, os efectivos pecurios em pastoreio so
suplementados com forragem conservada. Esta forragem pode ser
comprada, como o caso da palha, mas frequentemente produzida na
prpria explorao, em folhas semeadas para o efeito, sendo a consociao
mais frequente a de aveia e vcia.
A produo extensiva de ovinos tambm feita em pastoreio contnuo
de efectivos numerosos (rebanhos de 300 a 500 ovelhas), sendo as raas
mais frequentes a Merino Branco, pura ou amerinizada com Ile-de-France e
34
Lacaune, e ainda Merino Preto e Campania. A carne a produo
principal, sendo geralmente os animais desmamados a idades
compreendidas entre os 3-4 meses e 20 a 30kg de peso vivo. A produo de
leite em extensivo est praticamente reduzida aos sistemas de produo
caprina e confinada s regies serranas, onde funcionam como
controladores do mato. A anterior produo de queijo de leite de ovelha (p.
ex. Queijo de vora DOP) diminuiu drasticamente com a evoluo dos
factores de produo, tornando os 0,5 litros de leite/dia da ovelha merina
insuficientes para que esta produo seja vivel. No entanto, mantm-se a
produo de queijo de cabra, nomeadamente das raas Serpentina ou
Charnequeira, de aptido mista carne/leite. Quanto explorao da l, no
obstante a sua qualidade, a produo no actualmente rentvel devido aos
baixos preos praticados no mercado mundial. O pastoreio com sunos
normalmente restringido ao perodo de montanheira, que corresponde ao
crescimento de pastagem no Outono (incio do ciclo anual), e produo de
lande e bolota, de Outubro a Fevereiro. Os sunos dominam nas zonas onde
a azinheira est presente sendo frequentemente utilizados em regime de
engorda em montanheira. Muitas destas engordas funcionam com animais
provenientes de Espanha e que para l voltam, sendo assim de difcil
contabilizao em qualquer tipo de dados sobre efectivos nas exploraes.
5 . 4 . A p i c u l t u r a / M e l
A diversidade de cobertura arbrea no Montado permite o
desenvolvimento de estratos herbceos e arbustivos dominados por plantas
da flora mediterrnica com grande expresso de espcies angiosprmicas de
polinizao por insectos, particularmente abelhas. Todas estas plantas so
visitadas por abelhas para recolha de nctar e/ou plen. Algumas espcies,
dada a sua dominncia nestes ecossistemas e a elevada produo de nctar,
so particularmente importantes na produo de mis de elevado valor
comercial, classificados pela sua origem floral. Neste contexto, de referir
em particular o mel de rosmaninho, reconhecido internacionalmente pela
sua qualidade. Numa amostragem polnica de mis realizada na regio do
Alto e Baixo Alentejo verificou-se que o Montado representava cerca de
35
35% do total das formaes usadas pelas abelhas, seguido pelas pastagens
com cerca de 20%, tambm elas associadas a estes ecossistemas. No estrato
arbreo dos montados, os sobreiros e as azinheiras distinguem-se pela oferta
de plen e de meladas, produtos aucarados resultantes da actividade
alimentar dos afdeos e cochonilhas.
O declnio mundial das populaes de abelhas, tambm atribudo
intensificao agrcola, e em particular ao uso de pesticidas, tem gerado
grandes preocupaes ambientais. Neste contexto, os Montados, mantidos
livres da aplicao de biocidas, podem desempenhar um papel ecolgico
importante, fornecendo habitat protector e fonte de alimento para as
abelhas. Deste modo, o valor econmico da apicultura nos Montados pode
resultar tanto directamente de produtos apcolas, como mel e plen, como,
indirectamente, assegurando a polinizao eficaz dos ecossistemas
agrcolas. A importncia dos Montados para o sector apcola reflecte-se no
nmero de apicultores e de apirios instalados nas regies onde estes
ecossistemas so dominantes. No Alentejo e Algarve, regies onde a
apicultura assume maior desenvolvimento, caracterizando-se pela
profissionalizao de 10% dos apicultores, estes possuem em mdia cerca
de 400 colnias em regime transumante. Desenvolvem actividade apcola
cerca de 2500 apicultores, que exploram cerca de 10.000 apirios, com
efectivos apcolas que atingem as 170.000 colnias (cerca de 35% do
efectivo apcola nacional) e com produes unitrias de cerca de 30 kg de
mel por colnia. O valor deste produto especial associado a tipos de mel
monoflorais (como o mel de rosmaninho, de tomilho ou de orgo), a
Denominaes de Origem Protegida ou a Modo de Produo Biolgico,
atinge valores superiores a 20 milhes de euros. Qualquer dos tipos de mel
produzidos no Montado tem junto dos consumidores uma imagem forte
como alimento de grande riqueza e pureza.
5 . 5 . A r o m t i c a s e m e d i c i n a i s
Em termos de diversidade vegetal, os montados apresentam uma elevada
riqueza florstica, com particular abundncia de plantas aromticas,
medicinais ou de uso culinrio. Das mais de uma centena de aromticas que
36
se podem encontrar nos Montados, destacam-se as pertencentes famlia
Lamiaceae, as Labiadas, com cerca de 20 espcies entre as quais se incluem
a nveda (Calamintha nepeta), o clinopdio (Satureja vulgaris), o alecrim
(Rosmarinus officinalis), o rosmaninho (Lavandula luisieri, L. sampaioana,
L. sampaioana subsp. lusitanica e L. viridis), os orgos (Origanum vulgare
subsp. virens e O. macrostachyum ) e os tomilhos (Thymus mastichina, T.
capitellatus, T. villosus subsp. lusitanicus) e famlia Asteraceae, as
Compostas, como a macela (Chamaemelum nobile) e as perptuas
(Helichrysum stoechas, H. serotinum subsp. picardii). Salienta-se ainda a
presena de mais de duas centenas de plantas com propriedades medicinais,
pertencentes a algumas dezenas de famlias botnicas, muitas das quais
ligadas cultura local e utilizadas na medicina tradicional, onde se incluem
o funcho (Foeniculum vulgare), o hiperico (Hypericum perforatum, H.
perfoliatum), a malva (Malva spp.), a arruda (Ruta montana e R.
chalepensis), o fel-da-terra (Centaurium erythraea), a murta (Myrtus
communis), a esteva (Cistus ladanifer), a aroeira (Pistacia lentiscus) e o
medronheiro (Arbutus unedo). A diversidade aumenta em Montados com
presena de linhas de gua, podendo-se acrescentar ao elenco o poejo
(Mentha pulegium), o mentrasto (Mentha suaveolens) e a hortel-da-ribeira
(Mentha cervina). Destaca-se, ainda, a presena de algumas plantas com
interesse alimentar, sobretudo de espargos silvestres (Asparagus aphyllus,
A. acutifolius e A. albus), que continuam a ser muito recolhidos pela
populao local.
As aromticas so plantas bem adaptadas secura estival caracterstica
do clima mediterrnico, dado que as suas folhas aumentam a produo de
leos essenciais, geralmente compostos terpnicos, para proteco contra a
secura estival. Estes leos aromticos podem igualmente funcionar como
inibidores da germinao e desenvolvimento de outras plantas que com elas
possam competir e tambm como dissuasores da ingesto por herbvoros na
medida em que diminuem a palatabilidade.
Apesar de bem adaptadas ao clima mediterrnico e s condies dos
sistemas de Montado, algumas destas plantas esto actualmente em declnio
ou so mesmo raras, como o caso do calafito (Hypericum tomentosum),
em reas caracterizadas por eroso e desertificao crescentes, devido
presso humana, quer atravs do abandono, quer da intensificao do uso do
37
solo e da mecanizao. Por se considerar que, na generalidade, o seu valor
comercial reduzido, comparativamente com o dos principais produtos do
Montado, muitas destas plantas esto subutilizadas. Contudo, o real valor
comercial de algumas destas plantas e o seu potencial para um uso mais
diversificado negligenciado. A promoo da sua utilizao, tal como se
tem vindo a verificar para a murta em vrios pases mediterrnicos, pode
contribuir para a biodiversidade e gerar rendimentos, contribuindo para a
valorizao do Montado. As plantas aromticas caractersticas do montado
podem ainda desempenhar um papel importante como indicadoras do estado
de conservao do ecossistema, funcionando como um instrumento para a
sua monitorizao.
5 . 6 . C o g u m e l o s
Os cogumelos correspondem frutificao de determinados fungos
superiores (cogumelo quando a frutificao surge acima do solo, trufa
quando a frutificao ocorre no solo), a maioria pertencente s divises
Ascomycota e Basidiomycota. O Montado, com a sua abundncia de nichos
ecolgicos patenteia elevada diversidade micolgica resultante da
multiplicidade de usos associada sua explorao extensiva. Frutificam nas
reas naturalmente ocupadas pelo sobreiro e/ou azinheira mais de 800
espcies de cogumelos e trufas, maioritariamente no Outono e Primavera.
Em Portugal, contam-se dezenas de cogumelos com elevado valor no
mercado internacional, por exemplo Agaricus campestris (agrico),
Auricularia auricula-judae (orelha-de-judas), Amanita caesarea (laranjinha,
amanita-de-csar ou rei), Amanita ponderosa (silarca ou tortulho), vrias
espcies de Boletus (ex. Boletus aereus, B. aestivalis e B. edulis; tortulhos),
Cantharellus cibarius (rapazinhos), Craterellus cornucopoides (trompeta-
da-morte), Coprinus commatus (coprino), Ganoderma lucidum (reishi),
Lepista nuda (p-azul), Macrolepiota procera (pcara, fradinho ou
tortulho), Pleurotus ostreatus (repolga), Trametes versicolor (rabo-de-per),
e as tberas Terfezia arenaria, T.fanfani e T. leptoderma.
A produo de cogumelos silvestres constitui uma opo de
investimento em crescimento na Europa e no Mundo. Nesta perspectiva, a
38
produo de cogumelos e trufas do Montado poder proporcionar
importantes fluxos de exportao e elevado retorno econmico para os
produtores florestais, a par da actividade de explorao que j se desenvolve
no ecossistema. Ao valor dos cogumelos, tradicionalmente associado s
caractersticas organolpticas e propriedades nutritivas e medicinais, acresce
o reconhecimento crescente enquanto alimento funcional, pela presena de
biomolculas capazes de estimular ou suprimir o sistema imunitrio (com
actividade antioxidante, antimicrobiana, antibitica, antifngica e
antitumoral).
Os recursos no-lenhosos assumem importncia crescente nos modelos
de gesto multifuncional, nos domnios ecolgicos, econmicos, sociais e
ambientais. No entanto, em Portugal os cogumelos constituem um recurso
natural pouco explorado e uma fonte de rendimento quase exclusivamente
associada s famlias de apanhadores/colectores. A falta de conhecimento
poder estar na base desta situao, pelo que importa informar os
proprietrios e gestores florestais sobre o valor dos recursos micolgicos e
as prticas de gesto que favorecem a co-produo de cogumelos silvestres.
Por outro lado, os cogumelos abrangem uma ampla diversidade de
fungos reconhecidos pelos seus atributos funcionais, em especial a sua
actividade saprbia (degradam a matria orgnica morta, principalmente de
origem vegetal), e a simbiose que estabelecem com as razes das plantas
(micorrizas). Os fungos micorrzicos assumem papel crtico na nutrio
mineral das suas plantas hospedeiras e nos processos biogeoqumicos do
solo. No Montado, a presena dos estratos herbceo, arbustivo e arbreo
contribui para manter uma elevada diversidade de fungos micorrzicos com
possveis implicaes na defesa do ecossistema contra agentes biticos e
abiticos.
A proteco e a conservao do patrimnio micolgico do Montado
carecem de a) legislao adequada sobre as regras de produo e
comercializao de cogumelos silvestres, incluindo as normas para os
critrios de modelos de produo sustentvel; b) conhecimento cientfico
sobre os atributos funcionais de espcies especficas no contexto biolgico e
ecolgico; c) programas de divulgao sobre a importncia da diversidade
dos fungos para a produtividade, a sustentabilidade e a sade do
ecossistema; iv) centros de recepo e triagem de cogumelos.
39
5 . 7 . C a a
De acordo com os princpios gerais da actual lei da caa (Lei n173/99),
a explorao dos recursos cinegticos deve fazer-se ordenadamente em todo
o pas, no respeito pelos valores da conservao, contribuindo para o
desenvolvimento do mundo rural e constituindo um factor de riqueza
nacional. Actualmente, segundo nmeros oficiais, as receitas geradas pelo
sector da caa em Portugal ultrapassam os 360 milhes de euros anuais,
tendo as rendas cinegticas expresso significativa na economia de muitas
empresas silvo-pastoris. Embora o nmero de caadores licenciados tenha
diminudo ao longo da ltima dcada (225.338 caadores em 2000/2001 e
140.661 em 2010/2011), os resultados de explorao cinegtica ao longo do
mesmo perodo e para a generalidade das espcies sedentrias,
exceptuando-se o coelho-bravo, apontam para um aumento da
produtividade na 4 Regio Cinegtica, que engloba a grande maioria da
rea de Montado em Portugal.
Nos ltimos 20 anos, os registos efectuados revelam uma diminuio
acentuada das produtividades mdias anuais (expressas em nmero de
indivduos cobrados por 100 ha), tanto de coelho-bravo (Oryctolagus
cuniculus), como de lebre (Lepus granatensis), perdiz-vermelha (Alectoris
rufa) e veado (Cervus elaphus). A quebra verificada na produtividade do
coelho-bravo poder explicar-se parcialmente por epizootias de mixomatose
e doena hemorrgica viral. O crescimento observado para as outras
espcies dever traduzir um maior investimento feito na melhoria da gesto
dos habitats e das populaes cinegticas sedentrias. Ainda assim,
globalmente as produtividades continuam a ser relativamente reduzidas face
s conseguidas quando se aumenta o investimento feito na melhoria da
capacidade de suporte do meio. Apenas num nmero muito diminuto de
zonas de caa foram registadas produtividades que revelam um exagerado
grau de artificializao da explorao cinegtica, tornando-a dificilmente
compatvel com outras produes tradicionais do Montado e com a
conservao da biodiversidade, (javali (Sus scrofa) (mximo registado -
21/100 ha) e veado (mximo registado - 34/100 ha)). Maioritariamente, a
explorao cinegtica em Montados de azinho e sobro tem um carcter
extensivo sendo compatvel com outras produes e servios do
40
ecossistema, podendo em muitos casos concorrer para a classificao dos
Montados como sistemas de elevado valor natural.
A gesto dos habitats para as espcies cinegticas frequentemente
favorece tambm espcies ameaadas, contribuindo para objectivos de
conservao da biodiversidade. O rendimento gerado pela cinegtica,
muitas vezes em reas de agricultura marginal, pode ser um complemento
importante rendibilidade da explorao silvo-pastoril. no entanto
fundamental que a explorao cinegtica siga, tal como outras actividades
produtivas do montado, princpios de sustentabilidade.
5 . 8 . T u r i s m o e l a z e r
O turismo um dos sectores mais importantes da economia portuguesa.
Em 2012, a contribuio total do sector Turismo e Viagens para o PIB foi
de 15,9%. Destas, as actividades relacionadas com lazer so de longe as
mais significativas (87,3%). O turismo relacionado com o Montado tem que
ser visto no contexto alargado da regio do Alentejo e parte do Algarve.
Ambas oferecem uma tradio rica em cultura, histria, arqueologia e,
claro, actividades ligadas natureza. Destas, as principais so a observao
de aves e o pedestrianismo. Estas actividades atraem muitos turistas
estrangeiros e ainda poucos nacionais, embora o seu nmero esteja a
aumentar. Inquritos realizados na regio do Alentejo desde 2008 mostram
que, de todos os tipos de paisagem, o Montado surge sempre classificado
como o preferido para actividades de recreio e lazer, tanto por estrangeiros
como nacionais. Por outro lado, para o turismo ligado a desporto, o
Montado tem tambm um interesse elevado. No caso do golf, o desenho dos
campos procura a integrao na paisagem existente, e para o utilizador, a
envolvente de Montado altamente apreciada e contribui para a sensao de
naturalidade. O jogador de golf tem normalmente um elevado poder de
compra, e este assim um tipo de turismo que pode trazer rendimentos
significativos para a regio, embora a instalao de campos de golf levante
vrias questes sobretudo de impacto ambiental. Outro desporto que se
relaciona com o Montado naturalmente a caa, com grande tradio no
Alentejo.
41
O turismo de sade outro sector que tem um enorme potencial,
particularmente tendo em conta o envelhecimento da populao europeia.
Com a sua tranquilidade e clima, a regio do Alentejo est particularmente
apta para este tipo de turismo, que poder ser muito mais explorado uma
vez que a envolvncia do Montado oferece a qualidade paisagstica
adequada.
A procura do Montado para actividades tursticas e o reconhecimento da
sua contribuio importante para a cultura e identidade portuguesas,
resultou numa complexidade crescente de usos e utilizadores. A longo
prazo, o desafio ser a procura de formas de integrao das novas funes
nas funes tradicionais, e de assegurar que a viabilidade dos ecossistemas
no afectada, mas sim que o sistema se torna mais resiliente atravs da
multiplicidade de usos.
5 . 9 . O u t r o s s e r v i o s d o e c o s s i s t e m a
Os servios dos ecossistemas so os benefcios que a sociedade retira
dos ecossistemas. Consideram-se normalmente vrias categorias: a) o
fornecimento de bens, como alimentos, fibras e gua; b) os servios de
regulao, por exemplo do clima, das cheias, das doenas e da qualidade da
gua e do ar; c) os servios de suporte, como a formao do solo, os ciclos
biogeoqumicos, ou a produo primria dos ecossistemas, os quais
asseguram a estrutura necessria prestao dos restantes servios; e por
ltimo d) os servios culturais, relacionados com experincias estticas,
espirituais ou recreativas. Quando geridos de forma sustentada, e tal como
se depreende do exposto no ponto 4., os Montados desempenham um
importante papel na conservao da biodiversidade bem como na
conservao dos servios indirectos do ecossistema. Entre estes podem
nomear-se a preveno da eroso do solo, recuperao dos solos, a
preveno de incndios florestais, o armazenamento de carbono a longo
termo, ou a regulao do ciclo da gua e a proteco de bacias
hidrogrficas. Por outro lado, os Montados asseguram ainda servios
culturais, ligados ao usufruto que dele podem fazer vrios tipos de
utilizadores, tal como exposto no ponto 3. A questo que se coloca
42
frequentemente a de como identificar e quantificar estes servios dos
ecossistemas, de forma a fundamentar decises de gesto. A prestao de
servios dos ecossistemas pode hoje em dia ser reconhecida atravs de um
processo de certificao, de relevncia crescente para a gesto equilibrada
do Montado, tal como se explica no ponto 6.3.
43
6. Sistemas de gesto
sustentvel do Montado
A sustentabilidade um conceito muito geral, que assenta em trs
pilares: o biolgico, o econmico e o social. Sendo todos igualmente
importantes e fundamentais, se algum for posto em causa o sistema deixa de
ser sustentvel. A ttulo de exemplo, se o sistema no gerar emprego
conduzir desertificao humana, e se no gerar rendimento suficiente
para sustentar os que nele intervm, mais cedo ou mais tarde, ser
abandonado.
Presentemente, os Montados so entendidos como sistemas de produo
multifuncionais, isto , sistemas que no processo de produo da madeira,
da cortia ou dos frutos do origem a outros bens e servios, que a
sociedade passou a apreciar (biodiversidade, sequestro de carbono, caa,
proteco ambiental, e muitos outros). Para muitos destes bens e servios
ainda no h mercado. Assim, o modo como a sociedade vier a tomar
conscincia e a valorizar esses bens e servios, muitos deles verdadeiras
externalidades, pode determinar a quantidade e qualidade produzidas e,
consequentemente, a sustentabilidade dos ecossistemas.
Embora sendo muitos os bens e servios gerados pelos Montados, na
realidade, os agricultores continuam fundamentalmente dependentes do
rendimento da produo de cortia e da produo animal. No caso do
Montado de azinho o rendimento provm quase exclusivamente da
produo animal.
Apesar de nem toda a rea de Montado ter por finalidade a produo de
cortia ou fruto, tem de se considerar que num plano de reflorestao uma
parte, por vezes a mais significativa, tem fins fundamentalmente
econmicos. Assim, convm analisar a rentabilidade dos sistemas de
produo propostos para saber se so ou no aliciantes para o investimento
privado. Por outro lado, as exigncias legislativas, no que concerne aos
cuidados a prestar floresta e aos sistemas extensivos de produo animal,
44
devem depender no s da sua rentabilidade, mas tambm do que
representa, em termos de rendimento empresarial, a parte proveniente de
cada sector de actividade.
6 . 1 . E s t a b i l i d a d e d o s i s t e m a
O Montado um sistema de produo silvo-pastoril, por vezes ainda
agro-silvo-pastoril, mas que tem nas rvores uma componente determinante
para o seu equilbrio, uma vez que sem rvores no h Montado e que uma
vez destrudas, a sua substituio pode ser difcil e s possvel a longo
prazo. A componente agrcola e a componente animal, onde se inclui a
gesto das pastagens naturais ou artificiais, tm que estar em equilbrio com
a componente arbrea. A sustentabilidade do sistema Montado requer o
conhecimento preciso da resilincia da componente florestal em todas as
combinaes de solo, clima e topografia no sentido de ajustar a componente
agro-pecuria ao longo das estaes do ano. O regime de regenerao deve
ser adequado s taxas de mortalidade, de forma a permitir a manuteno do
grau de coberto contnuo. Um grau de coberto contnuo, varivel de acordo
com o potencial biofsico, fundamental para a maximizao dos efeitos
ecolgicos, permitindo uma produo sustentada de protena, hidratos de
carbono, ao mesmo tempo que potencia os servios de ecossistema, atravs
da eficincia dos ciclos de gua, carbono e nutrientes e do funcionamento
do ecossistema.
Mesmo quando a regenerao natural abundante necessrio que seja
considerada na gesto, atravs de mudanas peridicas do parque pecurio,
e da definio de reas de pastagem e forragem, para que a instalao das
novas plantas tenha sucesso. essencial a seleco, para cada Montado, de
um modelo de silvicultura que garanta a sua sustentabilidade. O modelo de
silvicultura deve considerar a estrutura pretendida (regular, irregular ou por
andares), a percentagem de coberto desejada (tendo em conta os restantes
objectivos, nomeadamente o gado ou a caa), assim como o mtodo de
regenerao do povoamento (relacionado com a estrutura seleccionada). A
seleco da estrutura pretendida deve ter em conta a presente estrutura do
Montado. Devem estar previstas no modelo de silvicultura todas as
45
intervenes a realizar. O modelo de silvicultura deve ser revisto
periodicamente e ajustado de acordo com a evoluo do povoamento. Por
exemplo, o surgimento de mortalidade no esperada dever levar ao
favorecimento da regenerao.
Quanto componente pecuria, e para utilizar da forma mais eficiente
os mltiplos recursos disponveis, espcies pecurias diferentes podem e
devem coexistir, atravs da gesto adequada do pastoreio. Este pode ser
pastoreio misto e contnuo ou intermitente, sobre um afolhamento
apropriado (parcelas ou folhas) peridico, rodando os animais por vrias
cercas ou folhas, tal como referido acima. Nestas circunstncias as diversas
espcies pecurias circulam pelas folhas da explorao, dando a primazia
aos grandes ruminantes, seguidos pelos pequenos ruminantes e por fim os
monogstricos, mas efectuando, pelo menos, um pastoreio por cada estao
do ano. Predomina a dualidade pequeno e grande ruminante, com os
caprinos a restringir-se s zonas serranas, e no caso dos monogstricos, com
os sunos a dominarem nas zonas onde a azinheira est presente e,
consequentemente, com a montanheira (perodo de alimentao do porco
baseado na bolota) fazendo parte do esquema alimentar, j que a bolota
mais apetecvel que a lande (fruto do sobreiro). As raas autctones tm
sempre vantagem relativamente a raas exticas, no s na
especializao/seleco natural para o aproveitamento mais eficiente dos
diversificados recursos alimentares, como tambm da incorporao das
reservas do prprio animal nas pocas de suplementao.
Apesar da sua importncia, tem-se assistido nas ltimas dcadas a uma
degradao do Montado, e portanto a uma ameaa sua perpetuidade. Este
facto deve-se particularmente baixa regenerao dos povoamentos,
decorrentes da combinao de esquemas de mobilizao do solo
combinados com a pastorcia, e a fenmenos cclicos de mortalidade.
Assim, tm-se acentuado os sinais de sublotao por perda de rvores no
substitudas, o que indica que se est a evoluir no sentido da perda de uma
parte da referida reserva estratgica de recursos regionais (rvores, carbono,
matria orgnica, solo, biodiversidade, etc.). Estudos recentes mostram que
a perda de rvores est muito mais ligada ao impacto dos sistemas de
controlo de vegetao dos estratos herbceo e arbustivo com mobilizao do
solo, que afectam principalmente solos com limitaes de profundidade