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Livros evangélicos: mais de 2500 livros - comparar ... · A partir do momento em que começamos a fruir de Cristo Jesus, abandonamos a busca e a indagação; não há mais neces-sidade

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Todos os direitos reservados à Thomas Nelson BrasilRua Nova Jerusalém, 345 — BonsucessoRio de Janeiro — RJ — CEP 21402-325

Tel.: (21) 3882-8200 — Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313www.thomasnelson.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

H545g Hill, Jonathan, 1976- As grandes questões sobre a fé: respostas às perguntas que você sempre fez, mas nin-guém respondeu/Jonathan Hill; [tradução Omar de Souza]. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2008. Tradução de: The big questionsInclui bibliografiaISBN 978-85-6030-399-1 1. Religião - Filosofia. I. Título. 08-1434. CDD: 210

CDU: 21

Título original: The big questions

Copyright © 2007 por Jonathan HillEdição original publicada em inglês por Lion Hudson. Todos os direitos reservados.

Copyright da tradução © Thomas Nelson Brasil, 2008.

Supervisão EditorialNataniel dos Santos Gomes

Assistente EditorialClarisse de Athayde Costa Cintra

TraduçãoOmar de Souza

Adaptação da capaValter Botosso Jr.

CopidesqueNorma Cristina Guimarães Braga

RevisãoMargarida Seltmann

Cristina Loureiro de SáJoanna Barrão Ferreira

Projeto gráfico e diagramaçãoJulio Fado

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Sumário

Apresentação 1. Quem é Deus, afinal? 2. Será que temos alguma boa razão para

acreditar em Deus? 3. Como é possível acreditar em Deus com

tanto sofrimento no mundo?4. A fé religiosa pode ser racional?5. A ciência evoluiu. Isso significa o fim da religião? 6. A liberdade não passa de ilusão?7. Será que existe essa história de vida após a morte? 8. O que acontece com as pessoas de outras religiões? 9. O que significa viver bem?

10. Qual é o objetivo final da vida?Notas

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Apresentação

Há dezoito séculos, o grande teólogo cristão Tertuliano escreveu:

A partir do momento em que começamos a fruir de Cristo Jesus, abandonamos a busca e a indagação; não há mais neces-sidade de investigação depois que provamos o evangelho! Com nossa fé, não desejamos mais nenhuma crença. Pois esta é nossa fé primordial: a de que não há nada mais em que devamos crer.1

Desde que Tertuliano esboçou essas palavras — lembrando que ansiava por ver os filósofos pagãos arderem no dia do Juízo Final —, muitos cristãos concordam com ele. Se temos fé em Cristo, de que mais precisamos? Mas há muitos outros que, embora compartilhem a crença de Tertuliano, segundo a qual a fé em Cristo é tudo de que alguém precisa para alcançar a salvação, rejeitam a conclusão a que chegou o teólogo — a de que, por conta disso, não há proveito algum em levantar

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w As grandes questões sobre a fé w

questionamentos sobre quaisquer outros temas. Mais de mil anos de-pois de Tertuliano, o teólogo dominicano Tomás de Aquino observou:

Dentre todas as atividades humanas, o desejo de perseguir a sabedoria é a mais perfeita, a mais sublime, a mais útil e a mais agradável. É a mais perfeita, pois a pessoa que se dedica à busca da sabedoria alcança certo quinhão de felicidade genuína, pro-porcional ao seu esforço. “Feliz o homem que persevera na sa-bedoria” (Eclesiástico 14:22, BAM). É a mais sublime porque aquele que segue essa trilha se torna cada vez mais parecido com Deus, que criou todas as coisas “com sabedoria” (Salmo 104:24). É a mais útil porque é essa mesma sabedoria que nos conduz ao reino da imortalidade. “... o desejo da Sabedoria conduz ao Reino!” (Sabedoria 6:20). É a mais agradável porque “a sua con-vivência não tem nada de desagradável, e sua intimidade nada de fastidioso; ela traz consigo, pelo contrário, o contentamento e a alegria!” (Sabedoria 8:16).2

Ao longo da história da igreja, os cristãos que tomaram partido das posições de Tomás de Aquino, em detrimento da opinião de Tertu-liano, viram-se diante de questões (e procuraram resolvê-las) suscitadas em função de sua fé. Algumas delas eram inerentes ao Cristianismo-Cristianismo — por exemplo, como Cristo poderia ser, ao mesmo tem-po, inteiramente humano e inteiramente divino; ou como Deus pode se manifestar em três pessoas distintas e continuar sendo um.

Outros questionamentos são de ordem mais universal: por que há tanto sofrimento no mundo; que esperança pode haver em vida após a morte; como viver uma vida feliz. Essas questões mais uni-versais e as respostas que o Cristianismo lhes propõe constituem o assunto deste livro.

Cada capítulo aborda uma dessas “grandes perguntas” e apresenta algumas das respostas cristãs a tais indagações. Algumas são de ordem ex-plicitamente religiosa, obrigando-nos a mergulhar fundo na filosofia da

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w Apresentação w

religião no esforço de aplicar técnicas filosóficas no tratamento de temas religiosos; outras, nem tanto. Em um espaço tão limitado, torna-se im-possível até mesmo a simples tentativa de uma análise abrangente, tanto dos problemas levantados por cada questão, quanto da ampla gama de possíveis respostas; a tradição cristã, por si, é vasta demais para isso.

Neste livro, porém, tentei fornecer ao leitor uma idéia de como determinados assuntos costumam levar a outros aparentemente tão dis-tintos; como a resposta de uma pergunta pode influenciar de modo significativo a de outra — talvez até de um modo que não nos agrada muito. Às vezes, menciono pontos de vista expressados por autores de outras tradições além da cristã quando lançam luzes sobre alguma ques-tão ou ajudam a contextualizar os pensadores cristãos.

Não há respostas fáceis aos problemas apresentados neste livro. Cada capítulo procura descrever algumas das possíveis respostas, sem-pre acompanhadas de comentários, ainda que nenhum deles possa ser considerado definitivo. Cada um dos autores mencionados nesta obra desenvolveu uma visão própria a partir do legado daqueles que o pre-cederam, assim como forneceu contribuições singulares às reflexões. O objetivo é o de oferecer ao leitor ferramentas e materiais necessários para que possa ampliar suas próprias reflexões.

Creio que o principal impacto de uma pesquisa como essa, por mais simples que seja, reside na evidência da diversidade da tradição cris-tã, mesmo quando se trata de temas sobre os quais, pelo menos em teoria, todos os cristãos deveriam concordar entre si. Com freqüência, tanto no passado quanto nos dias atuais, as igrejas e outros grupos cristãos procu-raram desenvolver ou impor uma linha partidária em todo tipo de as-sunto; contudo, durante toda a história do Cristianismo, nenhum deles conseguiu ser totalmente bem-sucedido nessa intenção. Na verdade, não parece existir nada que possa ser considerado a visão cristã por excelência a respeito de algum tema — nem mesmo quando se trata de questões absolutamente fundamentais como, por exemplo, a natureza de Deus. É preciso desenvolver uma visão própria e pessoal sobre cada um desses temas. Certamente é um processo que parece não ter fim.

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De acordo com o livro de Êxodo, Deus apareceu no meio de um arbusto em chamas e mandou Moisés liderar os israelitas, que seriam libertados da escravidão no Egito. Em uma atitude talvez até natural, Moisés demonstrou algumas reservas em relação a essa novidade tão surpreendente. Queria, em particular, saber quem estava falando de maneira tão inusitada:

Moisés perguntou: “Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: ‘Qual é o nome dele?’ Que lhes direi?” Disse Deus a Moisés: “Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês.”

Êxodo 3:13,14

Não pareceu uma resposta muito útil. Não era de admirar que, segundo o relato no livro de Êxodo, Moisés continuasse hesitando por

CApítulo 1 Quem é Deus, afinal?

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w Quem é Deus, af ina l? w

algum tempo. Mas tratava-se de uma pergunta que os cristãos e muitos outros voltariam a fazer repetidamente ao longo de toda a história, ape-sar de nem sempre concordar em relação à resposta. Quem é Deus? O que é Deus? O que queremos dizer quando usamos a palavra “Deus”?

A herAnçA juDAiCA

O Cristianismo herdou do Judaísmo sua crença em Deus. Parece bem provável que, no início, os judeus considerassem Deus (ou Javé) como “seu” próprio deus, o deus de sua tribo, em oposição aos outros deuses que se aliavam a outras tribos e nações. Mais tarde, eles passaram a pensar em Javé como um deus mais poderoso que todos os outros. E, com o tempo, eles começaram a ver Javé como o único Deus. Outros “deuses” nem mesmo existiam, ou não passavam de servos de Javé. A alusão a esse monoteísmo bem definido está presente na passagem que acabamos de mencionar: ao se apresentar como “Eu Sou o que Sou”, Deus quer dizer, entre outras coisas, que é a realidade definitiva. Só existe um Deus, e ele é maior que tudo quanto existe.

Além disso, o Judaísmo legou ao Cristianismo muitas outras cren-ças a respeito de Deus. Segundo o livro de Gênesis, Deus criou o uni-verso, incluindo a humanidade. E, apesar de sua posição elevada, Deus tinha muito interesse nos seres humanos, em particular nos descen-dentes de Abraão. O Antigo Testamento retrata Deus constantemente envolvido na história dos judeus. Tal envolvimento teve início quando, de acordo com o relato de Gênesis 17, o Criador estabeleceu um pacto com Abraão e toda a sua descendência. Deus prometeu que faria dos descendentes de Abraão um grande povo, dando-lhes a terra de Canaã. Abraão, por sua vez, retribuiria: eles teriam de ser circuncidados. Deus renovou e ampliou o pacto com Isaque e Jacó, respectivamente filho e neto de Abraão. Essa identificação entre Deus e seu povo se expressa na passagem bíblica a seguir, a seqüência do texto já citado:

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w Capí tu lo 1 w

Disse também Deus a Moisés: “Diga aos israelitas: O Senhor, o Deus dos seus antepassados, o Deus de Abraão, o Deus de Isa-que, o Deus de Jacó, enviou-me a vocês. Esse é o meu nome para sempre, nome pelo qual serei lembrado de geração em geração.”

Êxodo 3:15

Para a maioria dos judeus que vivia na época em que o Cristianis-mo começava a aflorar, o relacionamento entre Deus e Israel teve dois fundamentos. O primeiro foi o êxodo, o principal evento descrito no livro que recebeu o mesmo nome. Na continuação dessa história, de-pois de aceitar (com muita relutância) a ordem divina que recebera na sarça ardente, Moisés foi em frente e confrontou o faraó, que mantinha os israelitas escravizados no Egito. Mais adiante, seria bem-sucedido, assegurando a libertação do povo.

Assim, os israelitas fugiram do Egito, perseguidos pelos subordina-dos do faraó, que havia mudado de idéia e tentava recuperar a mão-de-obra gratuita da qual desistira pouco antes. Mas Deus guiou os israelitas com uma coluna de fogo e fumaça. Milagrosamente, abriu uma passa-gem para que eles atravessassem o mar Vermelho, que se fecharia logo depois, matando afogados os perseguidores. Aquele foi o grande evento que os judeus lembram ainda hoje como a Páscoa judaica — o episó-dio no qual Deus guiou seus ancestrais, libertando-os da escravidão no Egito. Tal acontecimento marcou a fé judaica, segundo a qual Javé é o Deus salvador.

O segundo grande fundamento da relação entre Deus e Israel era a Lei, que os judeus acreditavam ter sido dada pessoalmente pelo Criador a Moisés depois do êxodo. Essa Lei, registrada nos cinco pri-meiros livros do Antigo Testamento, constituiu um consistente corpo de regras às quais os israelitas deveriam obedecer. É importante reco-nhecer que, nos primeiros séculos do Cristianismo, os judeus não acre-ditavam que o favor ou a graça de Deus dependiam da obediência à Lei (exatamente como acontece com os judeus de nossos dias). A idéia não era a de que uma pessoa tivesse direito a receber a recompensa divina

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por guardar a Lei. Em vez disso, Deus derramaria a sua graça sobre Is-rael de um jeito ou de outro, por isso, para os judeus, guardar a Lei era uma resposta de amor a essa iniciativa divina. Afinal de contas, Deus tirara os israelitas da escravidão no Egito primeiro, e só então entregara a Lei a Moisés.

O Cristianismo herdou não apenas o monoteísmo judaico, como também ambos os conceitos. Para os cristãos, a noção de um Deus salvador serviu para reforçar outra idéia: a de que o Criador salvara seu povo por intermédio de Cristo, e não por meio do êxodo, embora essa fuga fosse reinterpretada como uma espécie de prefiguração da salva-ção cristã. A passagem dos israelitas pelo mar Vermelho, por exemplo, passou a ser compreendida como uma antevisão do batismo, a lavagem cerimonial com água por meio da qual se inicia na religião cristã.

A princípio, os cristãos rejeitavam a noção de que a Lei ainda lhes estivesse vinculada, embora essa iniciativa não tivesse sido fácil: basta ler os textos bíblicos nos quais Paulo trata desse assunto, tais como Ro-manos 9-11. Mas mantiveram a ênfase na moralidade e na importância de uma vida digna como retribuição à bondade de Deus; guardaram até mesmo a noção de que a moralidade em si era, de alguma forma, um legado divino. Vamos analisar esses conceitos de maneira mais detalha-da nos capítulos 9 e 10.

A herAnçA gregA e o Deus espirituAl

A visão que os primeiros cristãos tinham de Deus também foi bastante influenciada por escolas de pensamento do mundo antigo, as quais já le-vantavam questionamentos a respeito de Deus (e sobre muitos outros te-mas) entre si muito antes do surgimento do Cristianismo. Uma delas foi o platonismo, inspirada nos escritos de Platão, o grande filósofo grego do século IV a.C. Platão falava ocasionalmente sobre “Deus” (ou “o divino”) e, nos primeiros séculos do Cristianismo, os seguidores do platonismo, em geral, eram unânimes sobre a existência de um Deus responsável, em última instância, pela existência e pela natureza do mundo.

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Um dos temas mais importantes dos escritos de Platão tratava da distinção entre o mundo físico (o que vemos à nossa volta) e o mun-do intelectual (que não podemos ver, mas que é igualmente real). Na verdade, o mundo intelectual é mais real do que o físico, pois as coisas materiais existem em função das intelectuais. Para os seguidores do pla-tonismo, Deus fazia parte do mundo intelectual e, por essa razão, não era um ser físico. Ele poderia ser encontrado — se isso fosse possível — apenas por iniciativa da mente.

Enquanto isso, outra escola de pensamento, conhecida como es-toicismo, oferecia uma visão alternativa. Os estóicos eram materialistas, ou seja, não acreditavam na existência de coisa alguma que não fosse física e material. Porém, criam em Deus — apenas achavam que ele também era material, ainda que feito de algum tipo de material leve e tênue, como o fogo. Havia igualmente alguns filósofos que não acre-ditavam em Deus de modo algum. Os epicuristas, por exemplo, eram materialistas como os estóicos, mas não criam em entidades divinas. No entanto, constituíam uma minoria relativamente pequena, e eram obrigados a suportar uma considerável carga de críticas, ou mesmo de zombarias, por parte dos grupos mais religiosos.

Tais correntes filosóficas já haviam influenciado algumas verten-tes do Judaísmo antes que os cristãos entrassem em cena. Por exemplo, o livro judaico da Sabedoria (que muitos cristãos incluem entre os apó-crifos) mostra a influência da filosofia grega ao descrever a sabedoria divina como um agente quase independente do próprio Deus, assim como muitos estóicos e seguidores do platonismo também acreditavam que a razão de Deus (seu logos, em grego) poderia agir em nome dele no mundo sem que o Criador precisasse sujar as mãos. Filo de Alexandria, filósofo judeu que viveu mais ou menos na mesma época de Jesus, foi o pioneiro no uso de idéias e linguagem filosófica para expressar a fé ju-daica. Seus escritos interessaram muito aos filósofos cristãos que vieram depois, embora se tenha a impressão de que passaram despercebidos entre os seguidores do platonismo pagão e outros.

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Assim, a igreja primitiva testemunhou uma verdadeira arena de idéias em busca de um espaço para se impor. Por exemplo, alguns cris-tãos pareciam concordar com os estóicos que Deus era físico. Tertulia-no, que saíra de Cartago no fim do século II para se tornar o primeiro grande pensador cristão a escrever em latim, dava indícios de que era um deles. Foi profundamente influenciado pelo estoicismo, uma filoso-fia muito popular na metade ocidental do Império Romano, que tinha o latim como língua dominante. Com sua cosmovisão materialista e seu sistema moral muito bem elaborado e rigoroso, cuja ênfase recaía sobre a ética, o estoicismo parece ter agradado em cheio aos romanos, cuja mentalidade era essencialmente pragmática. Os estóicos viam a felici-dade humana como um sinônimo exclusivo de vida virtuosa. Tertuliano também era um moralista inflexível — tão inflexível a ponto de suscitar a resistência até das gerações de cristãos que o sucederam.

No entanto, se Tertuliano era um materialista, a maioria dos pen-sadores cristãos dos primeiros séculos era mais influenciada pelo plato-nismo. Para eles, a distinção elaborada por Platão entre o mundo físico inferior e o mundo intelectual superior combinava perfeitamente com o Cristianismo. Por essa razão, até a Idade Média (e até depois dela), um bom número de importantes teólogos cristãos eram, em maior ou menor grau, adeptos do platonismo.

Durante a antiguidade, havia a crença bastante difundida de que os grandes sábios do passado, embora originários das mais diferentes tradições, concordavam no que dizia respeito ao mais básico da fé. Por exemplo, ainda que não fossem judeus ou cristãos, boa parte de filóso-fos e estudiosos cultivava interesse nas escrituras judaicas, por acreditar encontrar nelas sabedoria filosófica para complementar o pensamento de Platão e de outros. Da mesma forma, Moisés, a quem se atribui a autoria dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento, foi considera-do um precursor de Platão. Um filósofo chamado Enumênio, que viveu na Síria no século II, referiu-se a Platão como um “Moisés que falava grego” — algo ainda mais notável pelo fato de Enumênio não ser judeu nem cristão, mas um seguidor do pitagorismo que venerava Platão.

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A conclusão de tudo isso é a seguinte: embora a maioria dos teó-logos cristãos considerasse Moisés uma autoridade superior a Platão — muitas vezes destacando o fato de que Platão vivera depois de Moi-sés, de quem teria roubado a maior parte de suas idéias — , a Bíblia era interpretada a partir de uma perspectiva inerente ao platonismo. Veremos, mais adiante, como certas doutrinas platônicas se incorpo-raram ao Cristianismo, como a imortalidade da alma e a essência não-física de Deus.

Dessa forma, materialistas como Tertuliano constituíam uma mi-noria entre a maioria cristã influenciada pelo platonismo. Orígenes, que viveu alguns anos depois de Tertuliano, enfatizou esse ponto muitas vezes em suas obras. Tal ênfase sugere que muitos cristãos pensavam de um modo diferente — algo que várias pessoas podem considerar sur-preendente hoje em dia, quando muita gente se acostumou a pensar em Deus como um ser não-físico. Os estóicos argumentavam que apenas um fator físico pode influenciar o mundo físico. Por exemplo, se você deseja que uma bola se mova, é necessário empurrá-la com algum ins-trumento físico (como a sua mão). Se Deus não fosse uma entidade física, ele não seria capaz de fazer nada e, por conseguinte, não existiria.

Além disso, cristãos com uma noção filosófica mais limitada tinham razões próprias para crer em um Deus físico. A Bíblia nunca afirma que Deus não é uma entidade física. João 4:24 declara que “Deus é espírito”, mas o que isso quer dizer? Para um materialista como Tertuliano, “espírito” significa apenas uma espécie de matéria leve, como o fogo, e não se opõe, de forma alguma, à idéia da existên-cia de um corpo. De fato, a palavra grega para “espírito” é a mesma usada para “fôlego”, algo obviamente físico. Outras passagens, como Colossenses 1:15 ou 1 Timóteo 1:17, referem-se a Deus como “invi-sível”, mas essa característica não é incompatível com a materialidade (o ar é tão invisível quanto material). O mesmo se aplica quando se trata da falta de carne e ossos, o que, de acordo com Lucas 24:39, é uma característica dos espíritos.

Na verdade, muitos cristãos da antiguidade acreditavam não ape-nas que Deus era material e físico, mas também que possuía algo seme-

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lhante ao corpo humano. A Bíblia, especialmente o Antigo Testamento, fala com freqüência como se isso fosse verdade. Segundo o texto de Isaías 59:1,2, Deus possui mãos, ouvidos e um rosto. Em Êxodo 33, Moisés pede para ver a glória de Deus, mas fica sabendo que ninguém é capaz de ver a face do Criador e permanecer vivo. Por isso, Deus coloca sua mão sobre o rosto de Moisés enquanto passa, mas a retira de modo que seu ser-vo possa vê-lo de costas. E, em Gênesis 3:8, Deus caminha pelo jardim.

Muitos cristãos com inclinação para a filosofia (como Orígenes) argumentavam que textos bíblicos como esses não poderiam ser inter-pretados ao pé da letra. Tratava-se apenas de uma maneira poética de abordar um Deus que é espiritual, não-físico. Outros, porém, não ti-nham tanta certeza disso, confirmando com essas passagens o texto de Gênesis 1:26, segundo o qual Deus criou os seres humanos à própria imagem e semelhança espiritual. Não viam razão para deixar de supor que tais textos significavam imagem e semelhança de ordem física.

As duas visões se chocaram no Egito ao fim do século IV, naquilo que ficou conhecido como a primeira controvérsia origeniana. O pro-blema começou com os monges que viveram nos desertos egípcios por cerca de um século. Muitos deles eram cristãos de excelente formação, oriundos de várias partes do Império Romano, tendo se mudado para o Egito em uma tentativa de se refugiar do ritmo frenético e das distra-ções da cidade. Um dos mais famosos foi Evágrio Pôntico (ou Evágrio do Ponto), que fora educado em Constantinopla, mas passara a viver em Nítria. Escreveu muitos livros sobre a vida monástica, todos carre-gados da influência de Orígenes.

Muitos outros monges, porém, eram homens de origem mais humilde, criados na zona rural do Egito, sem qualquer familiaridade com a teologia mais sofisticada. Esses leitores costumavam levar o texto bíblico ao pé da letra, incluindo as partes que mencionavam o corpo de Deus. Boa parte deles havia sido educada em um contexto pagão, tendo se convertido ao Cristianismo em idade muito avançada; a exposição constante a imagens de ídolos nos templos pagãos remetia, para eles, a uma obrigatória aparência física correspondente ao conceito de Deus.

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A controvérsia irrompeu quando Teófilo, patriarca de Alexandria — e, caso as fontes sejam fidedignas, político cínico e sem escrúpulos — , tentou fechar o cerco contra o origenismo, em particular a noção de que Deus não possuía um corpo. Até onde se sabe, ele mesmo era um origeniano de formação que cria em um Deus sem corpo físico, mas que, apesar disso, decidira atacar aquela escola de pensamento. No ano de 399, enviou uma carta a todas as igrejas e aos monastérios do Egito, na qual defendia o origenismo. No entanto, dois anos depois, enviou outra em que mudava de idéia, escrevendo que:

... de acordo com as Sagradas Escrituras, Deus possui olhos, ouvidos, pés e mãos, tal como acontece com os seres humanos. Os partidários de Dióscoro [um dos líderes dos monges intelec-tualizados], porém, por serem seguidores de Orígenes, introdu-ziram o dogma blasfemo de que Deus não possui olhos, ouvidos, pés e mãos.

A forte controvérsia que se seguiu ganhou contornos violentos, com os monges leais a Teófilo criando tumultos em Nítria e nas áreas onde o origenismo era mais forte. No entanto, o conflito durou apenas alguns anos porque Teófilo logo voltou sua atenção (e suas ambições) a outros assuntos.

É importante compreender que aquela controvérsia, como a maioria das que acontecem dentro da igreja, não se limitava a uma questão teológica abstrata que não faria nenhuma diferença na vida das pessoas. Os envolvidos, tanto de um quanto do outro lado, sentiam que o próprio cerne da fé que defendiam estava em jogo. O escritor monás-tico João Cassiano, que viveu no século V, descreveu o empenho de um monge, um velho e respeitado abade chamado Serapião — um nome, assim como o do próprio Orígenes, originariamente egípcio e pagão. Ele acreditava que Deus tinha um corpo físico como o dos seres huma-nos, até que um teólogo da Capadócia o visitou certo dia, convencendo-

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o de que a maioria dos cristãos pensava justamente o oposto. Os outros origenianos ficaram felizes ao ver o respeitado Serapião abandonar o que eles chamavam de “heresia antropomórfica”, mas Cassiano escreve:

Quando nos erguemos para render graças, e todos nós oferece-mos nossas orações ao Senhor, a mente do ancião estava muito confusa durante sua prece, pois sentia que a imagem antropo-mórfica da Divindade que costumava vir à sua cabeça durante a oração havia sido banida de seu coração. De repente, ele rompeu em um fluxo de lágrimas e soluços amargos, jogou-se ao chão e deu um grande e forte suspiro: “Ai de mim! Miserável homem que sou! Tiraram de mim o meu Deus, e agora não tenho nada mais a que possa me agarrar; e não sei a quem devo adorar ou me dirigir.”1

Por fim, a interpretação “espiritual” das passagens bíblicas “an-tropomórficas” prevaleceu, e a crença de cristãos como Serapião — um Deus à imagem dos seres humanos — desapareceu com o tempo. No entanto, a polêmica permanece em alguns lugares até o dia de hoje, desde que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (tam-bém conhecida com a igreja dos mórmons) trouxe de volta a doutrina. Joseph Smith, fundador do movimento mórmon, escreveu em 1843:

O Pai possui um corpo de carne e osso, tangível como o corpo humano. O Filho também. Mas o Espírito Santo não tem um corpo de carne e osso; ele é uma personificação do Espírito. Se não fosse assim, o Espírito Santo não poderia habitar em nós.2

Para os mórmons, Serapião e outros adeptos do “antropomor-fismo” refletiam as crenças originais dos cristãos, enquanto Orígenes, tal como outros “espiritualistas”, corrompiam a fé com seu amor pela filosofia grega. E, mesmo sem levar isso em consideração, a antiga con-trovérsia ainda tem sua importância nos dias de hoje para os cristãos,

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simplesmente por causa das discussões que suscita. Digamos, em nome do debate, que os adeptos do “antropomorfismo” estivessem errados ao pensar que Deus tem braços e pernas — isso necessariamente sig-nificaria que erravam ao imaginá-lo como uma entidade física? Para começar, o que nós queremos dizer quando usamos o termo “físico”? Para os estóicos, existir e ser um ente físico significavam a mesma coi-sa. De acordo com o ponto de vista defendido por eles, era impossível que qualquer coisa que não pertencesse ao reino físico pudesse exercer algum tipo de influência sobre o mundo — e isso era o mesmo que não existir. Veja, a seguir, a argumentação de Tertuliano:

Como seria possível ser ele um nada, se sem ele nada seria criado? Como poderia ele, sendo um nada, ter criado todas as coisas materiais; ou, sendo um vazio, ter criado todas as coisas consistentes; ou, sendo incorpóreo, ter criado todas as coisas ma-teriais? [...] Pois quem será capaz de negar que Deus é um corpo, embora “Deus seja um Espírito”? Pois o Espírito possui uma substância corpórea de natureza e forma próprias.3

Assim, Tertuliano presume que classificar algo como “incorpó-reo” é o mesmo que classificá-lo como “nada”. Mas teólogos esclare-cidos, como Orígenes, discordavam terminantemente dessa premissa, pois acreditavam que Deus não era um ente físico e, mesmo assim, existia e agia sobre o mundo físico. Dessa maneira, o que significavam para ele os termos “físico” e “espiritual”? Nem sempre é muito óbvio. Uma das críticas que os materialistas costumam fazer é a de que os que crêem em entidades imateriais nunca apresentam uma boa descrição dessas divindades ou, quando o fazem, é sempre dizendo aquilo que elas não são: algo espiritual (Deus, por exemplo) não é físico, não tem forma, cor ou movimento, não está confinado a um lugar específico e assim por diante. Sendo assim, o que é?

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Deus ConheCiDo e DesConheCiDo

A surpreendente dificuldade em explicar com precisão o que significa clas-sificar algo como “espiritual” em oposição ao mundo “físico” está ligada a outro ponto de discordância fundamental dentro do Cristianismo, e que diz respeito à natureza de Deus: até que ponto ele pode ser conhecido?

Inúmeros teólogos cristãos já enfatizaram essa característica divi-na: Deus pode ser conhecido. Mais uma vez, temos em Orígenes um dos primeiros exemplos. Assim como vários adeptos do platonismo, ele acreditava que o fato de poder ser conhecido era uma forma de perfei-ção. De acordo com esse ponto de vista, tudo aquilo que não podia ser compreendido era, de alguma maneira, vago ou malformado. Por isso, em tese, Deus poderia ser perfeitamente conhecido e compreendido.

Na verdade, Orígenes achava que Deus era finito, pois as coisas infinitas jamais poderiam ser absolutamente conhecidas. Os adeptos do platonismo criam que, para algo ser classificado como “perfeito”, era necessário que fosse, antes de tudo, algo específico. Não poderia ser apenas vagamente “perfeito”, em um sentido generalizado. É evidente, porém, que a “coisa perfeita” constituía algo específico; nesse caso, não poderia ser qualquer outra coisa. Assim, pensava-se que Deus teria de ser definido de um modo bastante restrito, com sua especificidade de “coisa” finita. Contudo, Orígenes considerava muito difícil conhecer a Deus, mais ainda nesta vida terrena, na qual nossa atenção é desviada pela materialidade do mundo:

Em um sentido estrito, Deus é incompreensível, e não pode ser mensurado. Pois, seja qual for o conhecimento que venha-mos a adquirir a respeito dele — seja por intermédio de nossa percepção ou de nossas reflexões —, devemos necessariamente acreditar que Deus é muito melhor do que somos capazes de perceber. É como se alguém não conseguisse suportar o brilho da luz, ou mesmo de uma lâmpada fraca, e quiséssemos que essa

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pessoa, cujos olhos não estão preparados para receber uma luz mais intensa, prestasse atenção no fulgor do sol. Será que haveria alguma necessidade de dizer a essa pessoa que o esplendor do sol é incalculavelmente maior e mais glorioso que todas as luzes que ela já teve oportunidade de ver na vida? [...] Geralmente, nossos olhos não conseguem ver a natureza da luz em si — ou seja, a essência do sol —, mas quando vemos seu esplendor ou seus raios se espalhando, talvez através de uma janela ou de pequenas aberturas que permitem a entrada da luz, podemos refletir sobre quão grandes são o suprimento e a fonte de luz daquele corpo. Da mesma maneira, as obras da providência divina e seu plano para o mundo inteiro são como raios da natureza de Deus, se comparados à sua verdadeira essência e existência.4

Dentro dessa visão, podemos não ser capazes de entender Deus de maneira perfeita (ou, pelo menos, entendê-lo bem), mas ainda po-demos ter uma boa idéia de como ele é, talvez contemplando o mundo que ele criou. Afinal, quando surgiu a Moisés, Deus o fez do meio de um arbusto em chamas — uma epifania de luz, refletindo o fato de que, em um encontro com Deus, há aprendizado sobre ele.

Para Orígenes, a progressão espiritual constituía uma disciplina intelectual centrada no estudo da Bíblia. Quanto mais fosse estudada, maior seria o conhecimento adquirido; e quanto maior o conhecimento adquirido, mais nos aproximaríamos do conhecimento de Deus. De acordo com Orígenes, Deus é puro intelecto, a maior mente do univer-so; por essa razão, a iluminação intelectual e a espiritual eram da mesma natureza. Encontramos essa teologia centrada na luz brotando com fre-qüência em escritos de pensadores que surgiriam mais tarde. Não chega a ser surpreendente, posto que o Evangelho de João faz uso constante da dicotomia entre a luz e as trevas.

Essa espiritualidade costuma ser chamada de “catafática” (Deus definido por afirmações positivas), que significa, literalmente, “de cima para baixo”, pois se baseia na idéia de que Deus se revela aos seres hu-

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manos. No Cristianismo ocidental, a teologia catafática é certamente o tipo mais usual. No entanto, enquanto Orígenes demonstrava seu ponto de vista a respeito de Deus, uma visão alternativa estava em fran-co desenvolvimento, segundo a qual Deus não poderia ser conhecido — nem mesmo da forma limitada que o pensamento de Orígenes per-mitia. Nos primeiros anos do século III, o próprio mestre de Orígenes, Clemente de Alexandria, havia escrito a passagem a seguir, tão difícil quanto influente:

Abstraímos do corpo suas propriedades físicas, desconsideran-do a dimensão de sua profundidade, depois a de sua largura e, em seguida, a de sua extensão. Pois o que sobra é uma unidade que, de certa forma, assume uma posição. E se abstrairmos dela a posição, sobra o conceito de unidade. Depois de abstrair tudo o que pertence aos corpos e às coisas chamadas “incorpóreas”, se nos lançarmos à grandeza de Cristo e dela avançarmos rumo à imensidão por meio da santidade, poderemos alcançar, de algum modo, a concepção do Todo-poderoso — não sabendo o que ele é, mas o que ele não é. Assim, a forma, o movimento, a posição, o trono, o lugar, a mão direita ou a esquerda não devem, de maneira alguma, ser concebidos como se pertencessem ao Pai do universo, embora assim esteja escrito. No entanto, o que cada uma dessas coisas significa será revelado do modo mais apropria-do. Portanto, a Causa Primeira não está no espaço, mas além do espaço, do tempo, do nome e daquilo que concebemos.5

Segundo essa visão, Deus está tão além do universo que não po-demos categorizá-lo. Clemente sugere que imaginemos um objeto fí-sico e, em seguida, o despojemos mentalmente de todas as qualidades que possui na condição de objeto físico; restará a nós apenas a pura noção da existência desse objeto. Dessa maneira, o “conhecimento” que temos de Deus é, de fato, apenas o conhecimento do que ele não é, e não do que é.

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Clemente era cristão, mas foi muito influenciado por filósofos não-cristãos e outros escritores. Sua abordagem básica dessa questão era cada vez mais comum entre os adeptos do platonismo durante os séculos II e III. Uma das passagens citadas com maior freqüência entre os escritos do próprio Platão nesse período era uma frase de seu diálogo Timeu: “É difícil encontrar o criador e pai do universo e, uma vez tendo encontrado, é absolutamente impossível falar a respeito dele.”

Na verdade, essa frase tão simples foi citada com tal freqüência que, com o tempo, tornou-se praticamente um clichê. Filósofos e teólo-gos a usaram para apoiar a idéia de que Deus é intrinsecamente impos-sível de conhecer; ou seja, ele não é desconhecido só porque não somos espertos o suficiente para conhecê-lo. Até mesmo a mais perfeita mente que se possa imaginar não poderia conhecer Deus, pois ele transcende o universo de maneira absoluta.

No fim do século IV, o grande teólogo cristão Gregório de Nissa foi pioneiro nesse tipo de abordagem. Foi o primeiro cristão a argumen-tar que Deus é infinito. Pode parecer bizarra para nós, hoje, a novidade de tal descoberta, já que Deus é normalmente descrito como sendo infinito. Porém, não era o que acontecia na antiguidade. Gregório dizia que qualquer coisa finita pode, a princípio, ser cercada ou contida por seu oposto, mas esse não é, com certeza, o caso quando se trata de Deus. Também salientava que, de acordo com o texto do livro de Êxodo, Moi-sés encontrou-se primeiro com Deus à luz da sarça ardente, mas, quando subiu a montanha sagrada para receber a Lei, ele atravessou, primeira-mente, a nuvem e, em seguida, as trevas. Isso significa que, quanto mais a pessoa aprende a respeito de Deus, mais percebe que nada sabe (ou que nada pode saber) sobre ele.

Assim, onde Clemente de Alexandria ofereceu uma abordagem mais filosófica à questão da impossibilidade de se conhecer a Deus, en-volvendo a análise de conceitos, Gregório desenvolveu uma alternativa, com base na experiência: sabemos que Deus não pode ser conhecido porque é dessa maneira que o experimentamos. De fato, mesmo o nome “Deus” (ou qualquer outro pelo qual o chamemos) não se refere

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ao próprio Deus, se com isso queremos fazer alguma alusão à realidade definitiva; refere-se apenas às ações divinas e como o Criador se apre-senta a nós. O verdadeiro Deus, a realidade além de nossas percepções, é intrinsecamente obstruído ao nosso entendimento. No início do século VI, um escritor anônimo conhecido como Pseudo-Dionísio expressou essa idéia com concisão e clareza notáveis:

Pois quanto mais nos elevamos em contemplação, mais limi-tadas tornam-se nossas formas de exprimir o que é puramente inteligível; mesmo como agora, quando mergulhamos nas trevas que envolvem o intelecto, não penetramos meramente na brevi-dade do discurso, mas no silêncio absoluto, tanto de pensamen-tos quanto de palavras.6

Tal abordagem é chamada espiritualmente “apofática” — literal-mente, uma teologia que abandona o que podemos saber para declarar o que não podemos conhecer (o que Deus não é). Também é, vez por outra, chamada de a via negativa, nome dado pelo filósofo pagão Pro-clo, adepto do platonismo, por volta do século V. Proclo exerceu grande influência sobre Pseudo-Dionísio, que endossava tanto a teologia cata-fática quanto a apofática, mas sugeria ser a segunda mais profunda e, em última análise, mais “verdadeira” do que a primeira.

Essa visão influenciou em grande medida o Cristianismo ociden-tal e o oriental. Sua abordagem básica foi incorporada aos sistemas teo- lógicos dos maiores representantes medievais de ambas as tradições: no Oriente, Gregório Palamas, no século XIV; no Ocidente, Tomás de Aquino, no século XIII. Palamas, por exemplo, fazia distinção entre a “essência” e as “energias” de Deus — podemos conhecer as energias, mas não a essência do Criador. Essa distinção foi endossada em concí-lios realizados em Constantinopla em 1341 e 1351, tornando-se cen-trais à compreensão de Deus da Igreja Ortodoxa.

Mesmo assim, muitos cristãos se sentiram pouco à vontade com essa tendência. A princípio, alguns místicos enfatizaram a impossibili-

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dade de conhecer a Deus de tal maneira que parecia não restar abso-lutamente nada dele que pudéssemos saber. Se a palavra “Deus” não se refere mesmo a Deus, então como podemos saber que ele existe? E, se existe, o que é exatamente, senão o que normalmente imaginamos como “Deus”? Meister Eckhart, místico muito influente no fim do sé-culo XIII, chegou a escrever que Deus era a plenitude do “ser” (ou seja, o que há de mais existente no mundo) e, em outra oportunidade, que não existe (ou seja, que ele não possui características que normalmente atribuiríamos a algo que exista de fato). Não é de se admirar muito que Eckhart tenha sido julgado por heresia durante sua vida (uma con-trovérsia que permanece até os nossos dias): para muitos, idéias como aquelas pareciam diferir pouco do puro e simples ateísmo.

o Deus trAnsCenDente e imAnente

Tomás de Aquino é outro nome com o qual nos depararemos bastante nas páginas deste livro. Geralmente mencionado como o grande filósofo e teólogo da Idade Média, Aquino construiu um sistema filosófico im-pressionante, a partir do qual tentava combinar a fé cristã que herdara de Agostinho e outros pensadores que o precederam com o pensamento filosófico e científico secular, sobretudo o de Aristóteles. Sua doutrina de Deus era o exemplo maior dessa fusão. O objetivo era expressar a visão básica de Pseudo-Dionísio de uma maneira ainda mais vigorosa.

Como outras figuras da tradição aristotélica, Tomás de Aquino fazia uma distinção entre a “essência” e a “existência” das coisas. A “es-sência” de algo é simplesmente o tipo de coisa que é, suas propriedades. Mas perguntar “o que é” determinada coisa — que características ela possui — é diferente de perguntar se ela existe. Você pode entender a essência de alguma coisa mesmo que não saiba que ela existe. Por exem-plo, os matemáticos podem falar sobre as propriedades de determinado triângulo independentemente do fato de existir ou não um triângulo com aquelas proporções. E é possível perceber que certa coisa existe

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sem saber o que é, como acontece quando alguém vislumbra uma figura indefinida à distância, mesmo sem poder distinguir seus traços.

Segundo Tomás de Aquino, a única exceção a essa distinção é Deus. No caso do Criador, sua essência é sua existência. Se você per-guntar o que ele é, a resposta é: “Ele existe” — exatamente como o próprio Deus falou a Moisés, segundo o relato contido no livro de Êxo-do. Tomás de Aquino salienta que a existência da maioria das coisas é causada por outra; esse é o motivo pelo qual a existência dessas coisas não coincide com sua essência. Mas Deus não possui causa alguma. Por essa razão, não se pode explicar sua existência vinculando-o a algo fora de sua essência; sua existência é sua essência.

A doutrina de Tomás de Aquino soa bastante peculiar, especial-mente hoje, quando nosso dia-a-dia não inclui conversas sobre essên-cias e existências. Mas a questão é, talvez em sua raiz, bem mais simples: Deus não é um objeto como os demais, nem mesmo o maior que se possa imaginar. Ele não é uma coisa que possa ser encontrada no uni-verso. Se elaborássemos uma lista imensa, relacionando todos os objetos que existem no universo, Deus não faria parte dela. Ele transcende o universo. Mais que isso: é ele, em última análise, quem permite que o universo exista. Se a essência de Deus é sua existência, então podemos dizer que, em certo sentido, Deus simplesmente é a própria existência. Para que algo exista, de certa forma, é necessário que compartilhe da existência de Deus.

Não havia nada de novo em relação a essa visão básica. Irineu, grande teólogo do fim do século II, descreveu Deus como aquele que sustenta o universo na palma da mão e como aquele que abarca o uni-verso de tal forma que nada poderia existir sem ele. Outro teólogo desse período, Minúcio Félix, explica seu ponto de vista da seguinte maneira:

Dizem que Deus não sabe o que os seres humanos fazem; e estando no céu, ele não pode ver tudo ou conhecer a todos. Estás errado, ó homem, e enganado. Pois como pode Deus estar longe, se todas as coisas no céu e na terra, bem como aquelas que estão

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além do universo, são conhecidas por ele e estão plenas dele? Em todo lugar, ele não está apenas perto de nós, mas infundido em nós. Portanto, olha uma vez mais para o sol: está firmemente fixado no céu, mas espraia-se igualmente sobre todas as terras. Está presente em todos os lugares, associado e mesclado a to-das as coisas, e seu brilho nunca desvanece. Quão maior é Deus — aquele que criou tudo o que há, aquele que tudo vê, de quem nada pode escapar ao conhecimento —, presente nas trevas e presente em nossos pensamentos, como se na mais completa escuridão. Não apenas agirmos nele, como eu também quase poderia dizer que vivemos com ele.7

Isso nos leva a um tipo de paradoxo. Por essa visão, Deus trans-cende o universo a ponto de diferir das coisas que existem, pertencendo a uma categoria totalmente diversa. Ainda assim, ao mesmo tempo, o universo existe em Deus, em certo sentido. Isso não pode ser interpretado de um modo literal — Deus não é o “lugar” em que o universo se loca-liza. Em vez disso, Deus é o elemento que mantém o universo coeso. Isso significa que Deus não é apenas transcendente; ele também é imanente, ou seja, está presente em todas as coisas.

Essa compreensão da relação entre Deus e o mundo foi expressada, talvez de maneira mais notória, por Nicolau Malebranche, um filósofo e sacerdote católico do século XVII. Malebranche declarou que perce-bemos todas as coisas “em Deus”, um comentário um tanto hermético que tem sido interpretado das mais diferentes maneiras. Em uma das possíveis leituras, Malebranche acreditava que as impressões que nossos sentidos registram são resultado não de fatores externos agindo sobre nós, mas da ação direta de Deus; assim, as coisas que vemos, ouvimos e tocamos diretamente são apenas idéias na mente do Criador.

Em uma leitura alternativa, Malebranche queria dizer que as con-cepções que fazemos das coisas são idéias na mente de Deus. Ao vermos algo, sabemos o que é apenas porque Deus sabe o que é e nos concede diretamente a capacidade de compreensão. Toda vez que pensamos “so-

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bre” alguma coisa, essa coisa é, na verdade, uma idéia, uma definição da coisa na compreensão divina. De um jeito ou de outro, Deus cumpre um papel muito íntimo em nossa percepção do mundo que nos cerca, e até mesmo em nossos processos mentais, pois, a cada vez em que pensa-mos em algo, estamos, na verdade, pensando nas idéias de Deus.

Malebranche também sustentava uma espécie de ocasionalismo, uma doutrina fundada por filósofos muçulmanos medievais (o mais fa-moso deles foi Abu Hamid al-Ghazali, no século XI). Essa doutrina não chegava a ser rara na Europa do século XVII. Segundo esse ponto de vista, os objetos físicos são intrinsecamente inertes, nunca agindo uns sobre os outros. Dessa forma, quando um objeto se choca com outro e parece movê-lo, o que realmente acontece é que Deus move o primeiro objeto e o faz parar, movendo em seguida o outro. Em outras palavras, tudo o que acontece no mundo é resultado da ação direta do próprio Deus. Isso também inclui os movimentos de nossos corpos. Deus não controla nossos corpos como um manipulador de marionetes; em vez disso, quando alguém resolve mexer seu braço, Deus reage a essa esco-lha e move o braço dessa pessoa para ela.

É difícil imaginar uma visão de um Deus que se coloque mais no centro das coisas do que essa. É claro que, depois do século XVII, poucas pessoas a aceitaram. Parece desnecessariamente complicada. Se Deus faz tudo, qual o sentido da existência dos objetos materiais? O filósofo George Berkeley, que se tornou bispo de Cloyne no século XVIII, chegou à conclusão lógica dessa doutrina e argumentou que as coisas materiais simplesmente não existiam. Tudo quanto existe é Deus e as mentes. O mundo que vemos à nossa volta é composto por inteiro de idéias dadas diretamente por Deus, que não precisa usar a matéria para se lembrar do que deve fazer.

Desse modo, Deus se torna o sistema eletrônico gerador de realida-de virtual por excelência, e o mundo existe apenas em seu pensamento.

Surpreendentemente, essa visão foi preconizada cerca de 1.500 anos antes. Orígenes parece ter sugerido que apenas Deus e as mentes criadas existem de fato, e a matéria nada mais é do que uma espécie de

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ilusão. Gregório de Nissa afirmou a mesma coisa de maneira explícita. Naquela época, muitos adeptos do platonismo acreditavam que o mun-do físico tinha três causas: um Deus criador, um conjunto de moldes (as “Formas”) e a matéria. Deus moldou a matéria de acordo com a orien-tação das Formas. Para os cristãos que seguiam a linha do platonismo, as Formas só existiam na mente de Deus. A matéria era uma espécie de rival potencial de Deus como Criador do mundo.

Alguns cristãos acabaram com essa rivalidade, sugerindo que Deus criou a matéria precisamente ao mesmo tempo em que criou o universo — ou seja, o universo foi criado “a partir do nada”: a doutrina da criação ex nihilo. Essa doutrina foi sugerida inicialmente no início do século II pelo teólogo gnóstico Basílides; os primeiros teólogos notá-veis a ensiná-la foram Tatiano, o sírio, e Teófilo de Antioquia, algumas décadas depois. Mas a alternativa à negação da eternidade da matéria consistiu simplesmente na negação de sua existência como um todo, e foi o que fez Gregório de Nissa. Segundo Nissa, há apenas Deus, e o mundo que vemos ao nosso redor realmente consiste em seus pensa-mentos, compartilhados conosco.

Idéias como essas parecem beirar o panteísmo, crença segundo a qual o próprio universo é divino. Às vezes, é feita distinção entre o panteísmo (identificação do universo com Deus) e panenteísmo (o universo é parte de Deus, ou depende de Deus de alguma forma muito íntima); ou então, usa-se a palavra “panteísmo” para se referir ao panen-teísmo. Como o nome sugere, é uma visão difícil de ser definida. Em certo sentido, todo cristão é de fato panenteísta, segundo a definição mencionada, considerando sua crença em um universo que depende de Deus para a continuação de sua existência (assim como dependeu para sua criação).

O panteísmo, por sua vez, é difícil de ser conciliado com o ponto de vista cristão por, pelo menos, duas razões. Por um lado, nega a exis-tência de uma distinção real entre o divino e o não divino, o que tem sido uma crença cristã fundamental desde a antiguidade. Nos séculos II e III, alguns pensadores cristãos parecem ter considerado possível a

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existência de uma zona um tanto nebulosa “entre” Deus e o mundo, a das coisas semidivinas (ou quase divinas). Conseqüentemente, Cristo poderia ser considerado “uma espécie” de Deus. No entanto, no século IV, o Concílio de Nicéia declarou, de forma expressa, que Cristo era plenamente Deus, o que implicava não deixar qualquer espaço metafísi-co para meios-termos. Por volta do fim do século IV, a crença cristã por excelência consistia em um Deus em três pessoas, distinto do mundo, totalmente divino. O panteísmo parece expressamente oposto a esse ponto de vista.

O segundo problema é que o panteísmo pode se confundir com o ateísmo. Se o universo é Deus, então não há muita diferença em se dizer que não há Deus (além do universo). Alguns panteístas foram conde-nados como ateus; um dos mais famosos, Baruque Spinoza, filósofo de renome do século XVII, foi considerado ateu por causa de sua identi-ficação entre Deus e a natureza. Na verdade, Spinoza era um monista, argumentando que Deus é a única coisa que existe de fato — todas as demais são simplesmente uma espécie de característica que o Criador possui. Muitas décadas depois, no início do século XVIII, John Toland (o homem que cunhou a expressão “panteísta”) comentou, com tristeza, que os panteístas deveriam manter duas teologias: uma privada, pan-teísta, e outra pública, “ortodoxa”. Caso contrário, a vida dessas pessoas se tornaria insuportável em uma sociedade que rotulava esse ponto de vista como herético e ateísta.

De maneira geral, o Cristianismo resistiu à tendência ao pante-ísmo, assim como resistiu à inclinação ao sentido oposto, o deísmo (a crença, muito comum no século XVIII, de que Deus criou o mundo, mas desligou-se dele em seguida). Trata-se de um complicado exercício de equilíbrio, já que resistir a uma vertente implica se aproximar da outra. As melhores soluções foram aquelas apresentadas por pensadores como Tomás de Aquino, que explicou a imanência divina em termos da transcendência de Deus. Por essa razão, Deus é imanente por ser também transcendente. Isso torna impossível se concentrar demais em um aspecto em detrimento do outro.