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Presidente da República: Fernando Henrique Cardoso

Ministro da Educação e do Desporto Paulo Renato Souza

Secretário Executivo Luciano Oliveira Patrício

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Madikauku os dez dedos das mãos

Matemática e povos indígenas no Brasil

Mariana Kawall Leal Ferreira

MEC

1998

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Secretaria de Educação Fundamental: Iara Glória Areias Prado

Diretora do Departamento de Política da Educação Fundamental: Virgínia Zélia de Azevedo Rebeis Farha

Coordenadora Geral de Apoio às Escolas Indígenas-Ivete Maria Barbosa Madeira Campos

Endereço: MEC/SEF/DPEF Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas Esplanada dos Ministérios Bloco L Sala 615 70.047-902 - Brasília - DF Telefone: (061) 224 9598-410 8630 FAX: 321 5864 E-mail:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

FERREIRA, Mariana Kawall Leal

Madikauku : os dez dedos das mãos :

matemática e povos indígenas no Brasil /

Mariana Kawall Leal Ferreira. - Brasília:

MEC, 1998.

179 p. : il 1. Educação escolar indígena. 2. Matemática. I Título

CDU 372.47 (=081)

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O amor também é usado pela matemática:

quem ama ou quem tem compaixão

pelo parente, colabora com a pessoa e

necessita repartir os bens com os outros.

Professor Jaime Llullu Manchineri

Terra Indígena Mamoadate

Aldeia Jatobá - Rio Yaco - Acre1

1 O professor Jaime Llullu Manchineri, do povo Manchineri, foi parecerista da Área de Matemática, no documento "Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas" (MEC, junho de 1998).

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Madikauku os dez dedos das mãos

Matemática e povos indígenas no Brasil

Madikauku, na língua Palikur, significa "fim das mãos",

ou seja, os dez dedos das mãos.

É o termo usado para o número 10

(madik fim, auku mãos).

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Dentro das políticas definidas pelo MEC, pará a área de educação escolar indígena,

estão o incentivo e o apoio à produção de material didático e pedagógico para uso nas

escolas das aldeias e em cursos de formação de professores.

Partindo do pressuposto fundamental de que diferentes culturas têm formas distintas

de manejar quantidades, números, medidas, formas e relações geométricas, o MEC propôs a

elaboração de MADIKAUKU - Os dez dedos das mãos, que apresenta um trabalho em

Etnomatemática.

Este livro oferece uma contribuição ao estudo da Matemática na escola indígena. É

uma proposta pedagógica que ajuda os professores a desenvolver trabalhos de pesquisa e

ensino, reconhecendo a pluralidade de sistemas e concepções numéricas de povos

culturalmente distintos.

Secretaria de Educação Fundamental

APRESENTAÇÃO

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Madikauku - os dez dedos das mãos Matemática e povos indígenas no Brasil

Nota da Autora 7

Introdução - Ubiratan D'Ambrosio 11

Parte 1 - A matemática é uma criação humana 15

Capítulo I - Povos indígenas no Brasil: A matemática Juruna no começo dos

tempos 16

Capítulo II - A matemática Palikur no Uaçá, norte do Amapá: A geometria está

por toda parte 34

Capítulo III - O conflito entre a matemática indígena e a matemática escolar: Os

Xavante do Kuluene, Mato Grosso 68

Capítulo IV - A matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena: A

trajetória Kayabi até o Parque do Xingu 88

Parte 2 - Números, contas e mapas 108

Capítulo V - A escrita dos números 109

Capítulo VI - Enfim, as contas matemáticas 129

Capítulo VII - Trabalhando com mapas 150

Bibliografia 176

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NOTA DA AUTORA

Madikauku - os dez dedos das mãos contribui pará o estudo da matemática em

escolas indígenas do Brasil. O livro traz sugestões didáticas para os professores

desenvolverem trabalhos de pesquisa e exercícios em educação matemática. Trata-se

de uma proposta pedagógica, cuja finalidade é levar para a sala de aula a pluralidade

de idéias matemáticas, expressas em atividades do cotidiano como, por exemplo, a

construção de habitações e embarcações, ou a elaboração de projetos de auto-

sustentação econômica. Madikauku mostra como transformar resultados matemáticos

em conteúdos e material de ensino, sugerindo como transmitir esses conhecimentos

para os alunos.2

A matemática é uma criação humana - A primeira parte do livro aborda as diferentes

invenções que, ao longo da história, as sociedades lançaram mão para classificar e

ordenar o mundo, dando-lhe sentido. Os povos desenvolveram modos próprios para

se orientar no espaço, contar, calcular, reconhecer e medir as formas do universo. Em

outras palavras, existem formas culturalmente distintas de manejar quantidades,

números, medidas, formas e relações geométricas.

A maneira mais comum de se ensinar matemática dá a entender que números,

cálculos, unidades de medida e concepções do espaço sempre existiram. Resta aos

alunos entender a matéria e aprender a usá-la. Raros são os livros didáticos

preocupados com o fato de que a matemática é fruto do trabalho humano, do esforço

2 Madikauku - os dez dedos das mãos trabalha na área da Etnomatemática. O Professor Ubiratan D'Ambrósio define a Etnomatemática como um programa de pesquisa e ensino que procura "identificar técnicas ou mesmo habilidades e práticas utilizadas por distintos grupos culturais na sua busca de explicar, conhecer e entender o mundo que os cerca" (Ver o livro Etnomatemática, de Ubiratan D'Ambrosio, 1990, página 6).

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de diferentes povos.

O sistema numérico decimal, por exemplo, é apresentado como o sistema "natural".

Quando são feitas menções a outras formas de trabalhar a matemática, em

agrupamentos de 2, 5, 6 ou 20, estas são, em geral, consideradas ineficazes ou,

então, não desenvolvidas.

Madikauku, os dez dedos das mãos mostra que isto não é verdade. O contato entre

os vários povos sempre possibilitou a troca de experiências e de idéias matemáticas.

A matemática construída hoje nas escolas indígenas no Brasil tem a capacidade de

articular conhecimentos culturalmente distintos. Os povos indígenas estudam

matemática porque ela é imprescindível nos dias de hoje, quando o contato

intercultural entre os diferentes povos, e entre estes povos e a sociedade envolvente,

tornou-se inevitável.

Números, contas e mapas - A segunda parte do livro trabalha com idéias matemáticas

do sistema numérico decimal. Traz informações sobre os algarismos indo-arábicos, a

escrita e o valor posicionai dos números. Oferece sugestões para lidar com estas

idéias matemáticas, a partir de situações do dia-a dia, como o cotidiano na farmácia e

a necessidade de se entender o traçado de mapas.

No Capítulo I, Sinaã, o grande pajé Juruna, cria a humanidade. O pajé mostra a base

da matemática Juruna ao classificar os seres humanos de acordo com as línguas

faladas e os conhecimentos desenvolvidos. Apresenta informações sobre a

sociodiversidade no país.

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O Capítulo II relata como os Palikur classificam os seres do universo. A teoria de

mundo, ou seja, a cosmologia da sociedade, está expressa nos termos numéricos e

nos conceitos matemáticos. Os numerais Palikur ensinam o que o povo pensa sobre o

mundo à sua volta.

O Capítulo III argumenta que a matemática Xavante segue a lógica da sua

organização social. Sem respeitar esta lógica, a escola não respeita o povo.

O Capítulo IV trata de projetos comunitários de autoria indígena. A matemática é a

amiga valiosa que promove a autonomia econômica dos Kaiabi.

O Capítulo V fala sobre a historia da matemática ao longo dos séculos. Aborda as

principais características do sistema de numeração decimal, e sugere atividades para

o estudo da matemática em sala de aula.

O Capítulo VI tece considerações sobre as 4 operações fundamentais: adição,

subtração, divisão e multiplicação. Mostra a importância dos cálculos e das estimativas

no dia-a-dia dos povos indígenas. Traz atividades para serem trabalhadas na escola.

O Capítulo VII refere-se à importância das idéias de legenda, escala, perímetro e área,

para a leitura e o traçado de mapas e plantas. Entender e desenhar mapas é atividade

que a maioria dos professores e alunos gostam. É uma ação educativa fundamental

para projetos de auto-sustentação econômica e de proteção das terras indígenas no

Brasil.

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Sobre a Autora

Mariana K. Leal Ferreira foi professora em escolas indígenas Xavante (1978-1979) e no

Parque Indígena do Xingu, entre os Kayabi, Suyá, Juruna e Panará (1980-1984). Desde

1985, tem prestado assessoria para organizações indígenas no Brasil (como a COIAB -

Coordenação das Organizações Indígenas na Amazônia Brasileira) e nos Estados Unidos da

América (como a United Indian Health Services - UIHS). Mariana é mestre em Antropologia

Social pela Universidade de São Paulo, e doutora em Antropologia da Saúde pela

Universidade da Califórnia em Berkeley. É autora de Com Quantos Paus se Faz uma Canoa!

e de Histórias do Xingu.

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INTRODUÇÃO

Ubiratan D'Ambrosio

A Educação Indígena representa um dos grandes desafios educacionais do

momento. Depois de um período de quase cinco séculos de extermínio de

populações e de eliminação de suas culturas há um esforço de recuperação.

Restabelecer a população é uma tarefa impossível. Restabelecer a dignidade

cultural dos poucos sobreviventes é possível e aí se encontra o desafio.

É uma tarefa extremamente difícil, sobretudo em vista de dois fatores: 1. a

necessidade das populações restantes se inserirem no modelo econômico da

civilização dominante; 2. a falta do ambiente natural e cultural que deu origem aos

modos de conhecimento tradicionais.

O interesse pela Educação Indígena vai muito além das necessidades específicas

das populações indígenas e do trabalho nos ambientes indígenas. Há um interesse

educacional muito amplo. A capacidade de trabalhar em ambientes naturais e

culturais distintos, até contraditórios, de conhecer e utilizar experiências da vida

diária em ambientes muitas vezes desconhecidos do professor, e de fazer repousar

a prática pedagógica sobre memórias culturais muitas vezes adversas, está se

tornando cada vez mais comum em cidades de porte médio. E, sobretudo, nas

grandes metrópoles.

O fluxo migratório nessas cidades nos revela uma enorme variedade de experiências

prévias, de expectativas e intenções e de estilos de aprendizagem. Na Educação

Indígena isso se manifesta muito fortemente. Daí o crescente interesse de

educadores em conhecer as propostas e as experiências da Educação Indígena.

* Ubiratan D'Ambrosio é Professor Emérito de Matemática da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Foi Diretor do Instituto de Matemática. Estatística e Ciência da Computação da UNICAMP (1972-80) e Pró-Reitor de Desenvolvimento Universitário da mesma (1982-90). É Presidente do Grupo Internacional de Estudos de Etnomatemática [International Study Group on Ethnomathematics]/ISGEm.

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O grande desafio da Educação Indígena resulta da necessidade de se atingir

simultaneamente dois grandes objetivos: preparar as populações indígenas para um

convívio digno com a civilização dominante; e possibilitar aos povos indígenas a

revitalização de sua identidade cultural.

A Matemática comparece como elemento central nessa tarefa. Sobretudo porque a

inserção no modelo econômico ocidental implica dominar modos de produção e sua

comercialização. Isso se manifesta em medições, quantificações, manejo de

dinheiro, cálculos financeiros. Sabe-se que a Matemática usada na prática diária é

resultado do mercantilismo europeu e do sistema capitalista que daí resultou. Essa

Matemática, com bases culturais totalmente distintas, deve ser apreendida pelo

indígena. Um bloqueio cultural é evidente. O desafio do professor indígena é

transformar esse bloqueio numa ponte.

Da mesma maneira, grande parte da Geometria presente na cultura ocidental é

resultado de satisfação de necessidades resultantes de uma organização social que

se estrutura segundo um modelo de urbanização muito próprio e que não encontra

paralelo nas culturas indígenas. Uma geometria de decoração, mais ligada à arte e,

portanto, de caráter abstrato, funda-se na mitologia e nas visões de espaço que são,

obviamente, distintas nas culturas indígenas. As dificuldades de se compatibilizar

definições e teorias presentes na Geometria ocidental, de origem mediterrânea, com

os alicerces sociais, naturais e místicos sobre os quais se fundamenta o pensamento

indígena é uma tarefa árdua.

Igualmente árdua é a tarefa de se compatibilizar os sistemas numéricos presentes

na civilização ocidental e aqueles das civilizações indígenas. Os sistemas numéricos

ocidentais, com suas diversas representações, bases ou notações posicionais, são

resultado de um modelo de produção cumulativo e de uma economia mercantilista,

de uma astronomia restrita e de uma mística também muito característica das

civilizações da antigüidade Indo-Européia. Os sistemas numéricos indígenas são

conceituados de outra maneira e respondem a outro tipo de necessidades e a

místicas completamente diferentes.

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Todos esses fatores causam enormes dificuldades para o ensino da Matemática

para os povos indígenas.

Talvez seja menos difícil ensinar uma matemática prática, sobretudo artesanal e

comercial, pois a motivação, resultante de necessidade, é grande. A exploração da

matemática lúdica do ocidental - um lúdico novo, desafiador - deve também ser

naturalmente atrativa.

No entanto, a recuperação da dignidade cultural dos povos indígenas exige estimular

seu pensar abstrato, suas idéias matemáticas próprias. Em outros termos, recuperar

seus modos, maneiras, técnicas de explicar, de conhecer, de lidar com seu ambiente

natural, cultural, místico. Esse é o objetivo maior da Etnomatemática.

A carreira profissional de Mariana Kawall Leal Ferreira tem se caracterizado por

duas vertentes importantíssimas, obviamente não excludentes: a sua ação

pedagógica entre os povos indígenas; e a sua pesquisa acadêmica sobre culturas

indígenas.

Neste livro, sugestivamente lembrando no título a importância das mãos nos

processos de contagem dos povos indígenas, a autora consegue conciliar sua

prática como professora em aldeias indígenas e sua visão do processo de

elaboração cultural presente na história dessas populações.

Na Parte 1 são mostrados aspectos da filosofia matemática de algumas culturas

indígenas. Por exemplo, nos seus sistemas numéricos está implícita a sua

percepção do homem, da natureza e do universo. Sôbre esse reconhecimento de

uma identidade cultural própria, inclusive no que se refere às idéias matemáticas, é

que se vai construir uma ação pedagógica.

Na Parte 2 essa ação pedagógica é descrita. Baseada na sua experiência de

educadora indígena, a autora introduz as noções de matemática "oficial", que serão

indispensáveis para as populações indígenas nos contatos com a sociedade

brasileira.

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Focaliza sua proposta em quatro direções: números, contas, medidas e mapas. A

partir desses quatro motivadores serão desenvolvidas as habilidades matemáticas

necessárias.

Como disse acima, a importância da Educação Indígena transcende o objetivo de se

ensinar índios. Essa proposta de usar números, contas, medidas e mapas como

motivadores para um programa de matemática poderia ser adotada com muitas

vantagens pelas escolas das cidades. Esse é uma estratégia importante para

mostrar as relações da matemática com outras disciplinas. Não só é atrativa do

ponto de vista de aprendizagem, como também responde ao que se nota na

evolução histórica do conhecimento matemático.

Devo destacar que a autora não se descuida da importância política da educação.

Utiliza a matemática como elemento crítico para mostrar a história dos povos

indígenas desde a conquista até os tempos atuais. Assim está conscientizando os

povos indígenas para a revitalização da sua identidade cultural.

O livro que Mariana Kawall Leal Ferreira nos oferece é de grande importância para

educadores em geral. Revela muito e nos aproxima de povos com os quais

queremos nos irmanar para construir uma verdadeira civilização planetária. E isso

não se conseguirá sem o respeito e o reconhecimento mútuo das culturas, em todas

as áreas do saber.

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Parte 1

A matemática

é uma criação humana

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Capítulo l

Povos Indígenas no Brasil: A matemática Juruna no começo dos tempos

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Os índios Juruna contam que, antigamente, o mundo era habitado

por animais. Existiam onças, porcos do mato, bichos-preguiça, peixes e

pássaros, de diversos tipos. Um dia, porém, o grande pajé Sina'ã, ele

próprio filho de onça, criou uma mulher, engravidou-a e nasceram 1, 2 e

depois 3 filhos. Foi assim que começou a história do povo Juruna.

Com o tempo, a população Juruna foi crescendo. Sina'ã resolveu,

então, guiar todo o mundo em direção ao rio Xingu, procurando um lugar

bom para morar. Durante a viagem, zangou-se porque alguns homens o

desobedeceram. O pajé sentiu, pela primeira vez, a necessidade de dividir

os Juruna em diferentes povos. As pessoas ficaram tristes, mas não teve

jeito. Carandine Juruna conta, hoje, como tudo aconteceu:

Sina'ã cortou barbante vermelho. Cortou no meio e deu o barbante

para cada povo. Deu língua para cada um também, e quem ganhava ia

embora. Assim Sina'ã foi dividindo os povos, devagar, cada um na sua

tribo. Uns subiram pará cá nesse rio. Outros foram lá para o mato.

Outros para outro rio. Nós mesmos ficamos por aqui.

Os Juruna que ficaram junto a Sina'ã ganharam, além da língua, o

conhecimento de fabricar as coisas, como facão, barco, arma, motor e tudo

o mais. Mas Sina'ã alertou: "Se vocês não agüentarem, eu vou dar para

outra pessoa".

Carandine Juruna continua o relato:

Nós mesmos não agüentamos. É muito difícil trabalhar como o branco.

Então ele deu para o branco o conhecimento de fabricar as coisas, o

facão, tudo o mais. Os brancos começaram a fabricar facão,

arma...Deu capim para eles plantarem, para criar vaca, para criar tudo.

Deixou tudo para eles e foi embora. Nosso pai foi embora.1

1 A história "Como os povos se separaram" foi contada por Carandine Juruna na Aldeia Tuba-Tuba, Parque Indígena do Xingu, em fevereiro de 1990. A íntegra do relato está em Histórias do Xingu. Coletânea de Depoimentos dos índios Suyà, Kayabi, Juruna, Trumai, Txucarramãe e Txicão. Organização: Mariana K. Leal Ferreira (ver bibliografia).

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A história de Carandine mostra, entre outras coisas, a maneira como os Juruna explicam, no começo dos tempos, a divisão dos povos. A língua que Sina'ã deu para cada um, simbolizada pelo barbante vermelho, foi usada para organizar os acontecimentos ao longo do tempo, incluindo a aquisição de tecnologia (a fabricação de armas, motores, etc); a criação e a separação dos povos; a formação dos rios e lagoas; a descoberta de alimentos e do fogo. Tudo faz parte do processo de criação do universo Juruna.

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Cada povo tem a própria versão histórica de como o mundo foi

criado, ou seja, uma teoria de mundo. Para que essas teorias façam

sentido, ordenam e classificam os seres e os elementos culturais (fogo,

água, comida, etc), todos elementos do universo. Para formular a teoria de

mundo, ou seja, a cosmologia, cada sociedade recorre a maneiras

diferenciadas de ordenar, classificar e quantificar a própria realidade, e os

respectivos elementos culturais.

São os procedimentos específicos e diferenciados de contar, medir,

classificar e ordenar, que fazem surgir a matemática de cada povo.

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POVO

Aweti

Juruna

Kalapalo

Kamayurá

Kayabi

Kuikuru

Matipu/Nahukwá

Mebengokre

Mehináku

Panará

Suyá

Tapayuna

Trumai

Txicão

Waurá

Yawalapiti

TOTAL

TRONCO LINGÜÍSTICO

ou FAMÍLIA

tronco Tupi

família Juruna, tronco Tupi

Karibe

Tupi-Guarani

Tupi-Guarani

Karibe

Karibe

Jê Setentrionais

Aruák

Jê Setentrionais

Jê Setentrionais

Jê Setentrionais

Língua isolada

Karibe

Aruák

Aruák

POPULAÇÃO

80

132

249

279

526

277

102

449

121

122

165

48

78

146

187

140

3.101

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Nesta tabela, estabeleceu-se uma ordem entre os povos, as línguas

faladas e o número de habitantes por povo. Ao final, o total da população

do Parque do Xingu é apresentado (3101 índios).

Carandine Juruna, o líder dos Juruna no Parque Indígena no Xingu,

conta que, antigamente, não era importante saber quantos povos ou

indivíduos foram criados. Hoje, porém, a história é diferente. Palavras dele:

O conhecimento que Sina'ã deu para os brancos deu muita força para

eles. Parece que a matemática do branco nasceu assim, dando força.

Por isso que para nós é difícil. Antigamente, a gente brigava com a

boca, com a borduna, com o arco e flecha. Hoje a gente tem que

aprender a brigar com o lápis e o papel, entender os escritos, as leis,

saber mexer com os números. O mundo está mudando.3

3 Depoimento de Carandine Juruna á autora em fevereiro de 1990 na Aldeia Tuba-Tuba, Parque Indígena do Xingu.

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A posse do território Juruna, no Mato Grosso, foi contestada na Justiça por

fazendeiros, por meio de um processo aberto em 1994. A pedido do juiz

encarregado do caso, a antropóloga Vanessa Lea elaborou um laudo, atestando

que a área é mesmo terra imemorial Juruna. Saber matemática é requisito

obrigatório pará entender os vários documentos nos quais esse laudo é baseado.

O documento inclui depoimentos de índios, como Carandine Juruna, além de

mapas, decretos e portarias, que delimitam ou demarcam terras Juruna ao longo

dos anos. Um dos documentos utilizados é a tabela abaixo:4

Tabela 2. A População Juruna Através do Tempo

Fonte

Adalbert (1849:317)

Brusque (1862:19)

Brusque (1863:19)

Stein (1942:280, 298, 301,

306, 309,311-3, e 418)

Coudreau(1897: 33)

Nimuendaju (1948: 219)

Simões (1963a: 22)

Galvão (1952: 469)

Simões (1963a:23)

Oliveira, notas de campo

Oliveira, notas de campo

Data 1842

1859

1863

1884

1896

1928

1948

1950

1963

1966

1967

População

2000

235

250

230 ou 250

150

30

45

37

46

54

58

Localização

9 aldeias - Baixo Xingu

3 aldeias - Baixo Xingu

X - Baixo Xingu

5 aldeias e 3 ranchos -

Médio Xingu

X - Alto Xingu

X - Alto Xingu

1 aldeia - Xingu

1 aldeia - Alto Xingu

2 aldeias - Alto Xingu

2 aldeias - Alto Xingu

2 aldeias, em vias de 1 -Alto Xingu

As informações apresentadas na tabela são basicamente dados

quantitativos. Várias interpretações podem ser feitas sobre a população Juruna, a

história do povo, a trajetória geográfica. Para isso, no entanto, precisamos

analisar os dados apresentados. Coletar, agrupar e trabalhar dados, construindo e

interpretando tabelas e gráficos, faz parte, aliás, dos objetivos da matemática.

4 Laudo Antropológico Kapoto, de Vanessa R. Lea (Campinas: UNICAMP, 1997).

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A primeira coluna, "Fonte", traz o nome do autor do estudo publicado sobre

os Juruna, a data de publicação e o número da página de onde as informações

foram extraídas. Na segunda coluna, aparece a data da coleta dos dados, que

são apresentados na coluna seguinte: a população Juruna. Finalmente, na última

coluna, a localização desta população ao longo dos anos. Das várias análises

possíveis, a que mais salta aos olhos é a drástica redução dos Juruna. Em 1842,

o Príncipe Adalbert da Prússia registrou a existência de 2000 índios vivendo em 9

aldeias, na região do Baixo-Xingu (no Pará). Em 1967, Roberto Cardoso de

Oliveira documentou apenas 58 Juruna vivendo em 2 aldeias no Alto Xingu. Os

dados indicam que, em 125 anos, a população Juruna foi quase extinta.

Arrumar, agrupar ou juntar

coisas semelhantes,

estabelecendo relações

entre os grupos ou

conjuntos formados, é dos

aspectos mais importantes

da matemática. Diz respeito,

como vimos, à própria teoria

de mundo de cada povo.

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Sabemos que a divisão do planeta Terra em hemisférios, continentes e

países também é fruto de uma visão de mundo específica, que valoriza a "terra", o

"território" e a "propriedade". A história nos ensina que esta divisão política do

planeta não tem sido tranqüila. Trata-se de um processo repleto de lutas e

conflitos. Muitas vezes, teorias de mundo distintas entram em choque: o que foi

considerado o "descobrimento" do Brasil pelos portugueses, acabou interpretado

como uma "invasão" de território por muitas sociedades indígenas. A história do

povo Juruna, contada por Carandine Juruna, registrada em documentos de

viajantes e pesquisadores, é exemplo disto.5

A divisão do Brasil em regiões, estados e municípios não obedece as

concepções de espaço indígenas. É comum um povo pertencer a dois ou mais

estados ou municípios, ou mesmo estar localizado entre dois países. É o caso dos

Yanomami, que estão divididos entre o Brasil e a Venezuela. Os povos do Parque

indígena do Xingu, onde vivem hoje os Juruna, estão divididos em 10 municípios!

Isto tem, é claro, muitas implicações. As políticas públicas para povos indígenas,

por exemplo, são regidas por leis federais, estaduais e municipais. Apesar de as

sociedades xinguanas viverem numa mesma unidade administrativa - o Parque

Indígena do Xingu -, as políticas educacionais, de atenção à saúde e de proteção

ambiental podem variar.

Outra maneira de classificar os povos indígenas no Brasil tem sido adotada

nas pesquisas e publicações do Instituto Socioambiental. A divisão não obedece

as regras oficiais, por região ou estado, mas usa, em alguns casos, nomes dos

estados brasileiros, como Roraima, Amapá e Rondônia, ou regiões do país, como

Leste e Sul. Estipula, de acordo com critérios culturais e geográficos, 19 "Regiões

Geográficas". Procura, neste sentido, agrupar povos localizados geograficamente

5 Pará mais informações sobre a história Juruna, ver capítulos 1 e 4 da tese de mestrado da autora, "Da Origem dos Homens à Conquista da Escrita: Um Estudo sobre Educação Escolar e Povos Indígenas no Brasil", USP, 1992.

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póximos uns dos outros e que, ao mesmo tempo, tenham aspectos culturais em

comum.6

Essa divisão dos povos indígenas, dentro do território brasileiro, pode ser

representada em mapa, da seguinte maneira:

Povos Indígenas no Brasil - Regiões Geográficas

6 Mapa "Povos Indígenas no Brasil - Regiões Geográficas" Povos Indígenas no Brasil 1991/1995 Instituto Socioambiental, São Paulo, 1996, pg. 114.

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LEGENDA

1. Noroeste Amazônico (povos Baniwa, Kuripako, Tukano, Desano...)

2 . 1 . Roraima - Serra e Lavrado (Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang...)

2.2. Roraima - Mata (Sateré-Mawé, Wai Wai, Yanomami, Yekuana...)

3. Amapá / Norte do Pará (Palikur, Waiãpi, Galibi, Karipuna, Wayana...)

4. Solimões (Kambeba, Ticuna, Kanamari, Mayoruna, Karapanã, Witoto...)

5. Javari (Isolados do Alto Jutaí, Isol. Quixito, Isol. do São José, Korubo...)

6. Juruá / Jutaí / Purus (Apurinã, Deni, Kulina, Banawa Yafi, Jamamadi.)

7. Tapajós / Madeira ( Munduruku, Sateré-Mawé, Mura, Parintintim...)

8. Sudoeste do Pará (Urubu Kaapor, Xikrin, Isolados do Rio Tapirapé...)

9. Maranhão (Guajajara, Tembé, Urubu Kaapor e Guajá)

10. Nordeste (Fulniô, Tuxá, Karapotó, Kiriri, Truká, Wassu, Xukuru...)

11. Acre (Kaxinawá, Arara Shamanawá, Jaminawa, Kampa, Kulina, Nukini.)

12. Rondônia (Arara do Beiradão, Arara Karo, Cinta Larga, Isolados...)

13. Oeste do Mato Grosso (Kayabi, Apiaká, Pareci, Rikbaktsa, Iranxe...)

14. Parque Indígena do Xingu (Kayabi, Kalapalo, Juruna, Suyá...)

15. Goiás / Tocantins / Sul do Maranhão (Xavante, Ava-Canoeiro...)

16. Leste do Mato Grosso (Xavante, Bakairi e Bororó)

17. Leste (Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Guarani M'bya, Tupiniquim...)

18. Mato Grosso do Sul (Guarani Kaiowá, Guarani Nandeva, Guató...)

19. Sul (Kaingang, Guarani M'bya, Guarani Nandeva, Terena, Xokleng...)

Esta organização apresenta, do ponto de vista matemático, importantes

idéias e propriedades (experimente organizar os dados acima numa tabela!).

Basta uma rápida olhada no mapa para perceber que as "Regiões Geográficas",

em alguns casos, acabam ocupando espaços de outras áreas. É o caso do

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Parque Indígena do Xingu, região número 14, que pertence ao Sudeste do

Pará (número 8) e ao Leste do Mato Grosso (número 16). É certo que o parque,

do ponto de vista geográfico, é parte destas duas regiões. No entanto,

características culturais comuns a grupos xinguanos e o agrupamento desses

povos dentro de um parque indígena fazem com que ele possa ser considerado

uma "região" distinta das demais.7 Outras sobreposições se explicam por motivos

semelhantes.

Cada uma das 19 "regiões geográficas" engloba um número variável de

povos indígenas. Algumas, como Roraima - Serra e Lavrado (região 2.1), tem

cinco povos indígenas: Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. São

aproximadamente 18.535 indivíduos, ou seja, 6.5% do total da população

7 O Parque Indígena do Xingu foi criado oficialmente como Parque Nacional do Xingu em 1961.

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indígena vivendo em terras indígenas, hoje, no Brasil. Apesar de não haver

informações disponíveis sobre a população de várias sociedades indígenas

(como os "povos isolados" e outros), os dados permitem estimar a existência de

280.000 índios no Brasil, divididos em 206 povos diferentes.

A atividade de classificar tem a finalidade de dar sentido à vida. Baseia-se

em conceitos e idéias matemáticas fundamentais, usadas por toda a humanidade.

Estas idéias foram essenciais para que o Instituto Socioambiental organizasse

povos indígenas em regiões geográficas. Para tanto, os pesquisadores tiveram

de:

1. reconhecer povos culturalmente semelhantes;

2. perceber diferenças entre povos culturalmente parecidos;

3. reconhecer territórios comuns habitados por diferentes grupos;

4. estabelecer agrupamentos de diferentes sociedades, de acordo com estes

critérios

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A classificação é uma das operações fundamentais no estudo da matemática.

Está na origem de noções básicas como número, medida e espaço, como

veremos na segunda parte do livro. Por ora, cabe ressaltar alguns desses

conceitos, como mais e menos, maior e menor. A comparação das diferentes

regiões geográficas, os habitantes e as situações fundiárias (se as terras estão

identificadas, demarcadas ou homologadas), permite compreender várias coisas:

• a região que tem mais povos ou mais habitantes;

• a região que tem menos povos ou menos habitantes;

• a região com maior número de terras regularizadas;

• a região com menor número de terras regularizadas;

• a região com mais informações disponíveis;

• a região com menos informações disponíveis.

Com relação aos Juruna, podemos fazer uma série de considerações

matemáticas e concluir que:

• a população Juruna no Parque Indígena do Xingu, em 1995, era de 181

indivíduos;

• a área do parque, homologada em 1991, é de 2 milhões 642 mil e 3 hectares;

• os Juruna e outros povos xinguanos estão ameaçados pela construção de

uma hidrelétrica que vem sendo planejada pelo governo brasileiro;

• há, ainda, 30 Juruna vivendo na Área Indígena Paquiçamba, no sudoeste do

Pará (região 8 no mapa);

• a "A. I. Paquiçamba", homologada em 1991, tem 4 mil 348 hectares;

• os Juruna da "A. I Paquiçamba" estão ameaçados por vários pedidos de

alvarás de pesquisa mineral, além do projeto da Hidrelétrica Belo Monte.8

8 Fonte de informações: Povos Indígenas no Brasil 1991/1995, ISA, 1996, páginas 387 e 599.

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Atividades

Consulte as tabelas apresentadas acima para responder às seguintes

questões:

Tabela 1. A população do Parque Indígena do Xingu

1. Quantos povos habitam o Parque Indígena do Xingu?

2. Quantos troncos ou famílias lingüísticas estão representadas no

Parque Indígena do Xingu?

3. Qual é o grupo mais populoso do Parque?

4. Qual é o grupo menos populoso do Parque?

Tabela 2. A População Juruna Através do Tempo

5. Qual foi o ano em que a população Juruna esteve mais reduzida?

6. Entre que período houve a maior queda da população Juruna?

7. Os dados apresentados cobrem um período total de quantos anos?

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8. Complete a tabela abaixo com os dados extraídos do índice do

Mapa das "Regiões Geográficas", apresentado acima:

Nome da Tabela:

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9. Crie suas próprias tabelas. Aqui estão algumas sugestões:

a) Faça uma lista das casas de sua aldeia e coloque o número

de pessoas que mora em cada casa;

b) Organize uma relação com as aldeias da sua área, dando o

número de habitantes por aldeia e o total para toda a área

indígena;

c) Elabore um quadro com a trajetória do seu povo, por

diferentes territórios ou aldeias, até chegar no local atual. Inclua

as datas aproximadas, os estados brasileiros percorridos, a

variação populacional e outros dados que você achar importante.

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Capítulo II

A matemática Palikur no Uaçá, norte do Amapá:

A geometria está por toda parte

Meninas Palikur chegam à Aldeia Kumenê, na Área Indígena do Uaçá. Foto de Artionka Capiberibe, 1996.

A região do Uaçá

Navegar pela região do Uaçá, no norte do Amapá, exige profundo

conhecimento do meio ambiente. Além de florestas de várzea e campos de

galeria, inundados boa parte do ano, inúmeros rios entrecortam o rico

ecossistema local. Só a navegação em canoas, voadeiras e pequenas

embarcações Palikur e de outros grupos indígenas permite o acesso às ilhas de

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floresta, que ocupam 10% do território. Os 90% restantes são formados de

mangues e territórios alagadiços.

Chegar às cidades da região, como aquelas localizadas no rio Oiapoque,

também requer apurado senso de direção. Na época das cheias, não há curso de

rio bem definido. É quando conjuntos de casas, agrupamentos de árvores ou

pequenas elevações funcionam como importantes pontos de referência. A

trajetória do sol e, à noite, a posição das estrelas, indicam o rumo a seguir.

Embarcações Palikur, Karipuna e Galibi Marworno atracadas ao Porto de Kamarumã, na Área Indígena do Uaçá, para a "Festa da Virgem Maria". Foto de Artionka Capiberibe, agosto de 1996.

As aldeias Palikur ficam às margens do rio Urucauá, no município de

Oiapoque. O povo vive com os Galibi Marworno e os Karipuna do Amapá, na Área

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Indígena Uaçá. A extensão do território indígena é de 470 mil e 164 hectares. A

população Palikur, no início de 1998, era de 760 indivíduos.1

As casas Palikur são geralmente construídas sobre estacas e possuem

assoalho de tábuas e cobertura de palha. A própria locomoção entre as

habitações dentro da aldeia exige, na época das chuvas, o uso de barcos. É

comum se deparar com famílias inteiras Palikur, um dos 18 povos conhecidos

que habitam a região, viajando em embarcações. As embarcações são

conectadas entre si por meio de cordas, ou costumam navegar próximas umas

das outras. Formam, assim, um verdadeiro comboio, que transporta, além dos

próprios Palikur, produtos da caça, pesca, agricultura e coleta. Os Palikur fazem,

portanto, extenso uso da navegação nas atividades da vida cotidiana.

As ilhas de floresta são importantes porque servem para os Palikur e outros

povos da região plantarem e praticarem a coleta de inúmeras espécies vegetais.

Nas roças Palikur, há vários tipos de mandioca, cará, banana, batata doce e

abacaxi, entre outras frutas e legumes. Os principais produtos da coleta são os

seguintes: açaí, bacaba, cajá, cupuaçu, piquiá, bacurí, sapucaia, inajá, maracujá e

patauá.

A caça, abundante nos campos alagadiços e na zona de cabeceiras do rio

Urucauá, é obtida com o uso de espingardas. Os Palikur caçam antas, pacas,

cutias, caetitus, queixadas, macacos, tucanos e patos. A pesca, com arcos e

flechas, arpões, anzóis e linhas, também é farta. Entre os peixes encontrados

pelos Palikur no campo alagado, estão o tucunaré, pirarucu, aruanã, jeju, acara-

açú, surubim e piranha. Jacarés e tracajás também são bastante procurados.

Alguns produtos da agricultura, caça, pesca e coleta são comercializados

em cidades da região. As embarcações transportam farinha de mandioca para

cidades como Oiapoque, Clevelândia e Saint Georges. Animais domésticos, como

periquitos e macacos, apreciados pelos turistas, disputam lugar nas canoas,

carregadas de artefatos (colares, arcos, flechas e enfeites de penas), fabricados e

1 Dados demográficos de Artionka Capiberibe (MARI - Grupo de Educação Indígena da USP), em abril de 1998. A Área Indígena Uaçá foi homologada em 1991 (decreto número 298 de 29/01/91;

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vendidos por famílias Palikur. Cerâmica e objetos de madeira são confeccionados

para uso próprio. Valiosos e de difícil transporte, os objetos raramente são

encontrados entre os diversos produtos transportados nas canoas e voadeiras.

Mapa do Amapá e da Área Indígena do Uaçá

Além do comércio urbano, os Palikur e demais povos indígenas na área do

Uaçá administram cantinas que atraem visitantes de toda a região. Funcionam

como um comércio, abrindo pela manhã e à tarde. Vendem alimentos enlatados,

peixe, carne, farinha, café, açúcar e sal. Motores de popa, máquinas de costura,

fonte de informação:: Povos Indígenas no Brasil 1991/1995. Instituto Socioambiental, 1996).

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armas de fogo e outros objetos de valor vêm, por vezes, da Guiana Francesa,

onde os Palikur fazem serviços temporários, pelos quais são melhor remunerados

que no Brasil.2

Mulher e três crianças Palikur na Aldeia Kumenê, Área Indígena do Uaçá. Foto de Artionka Capiberibe, 1996.

A importância da navegação, o conhecimento Palikur do meio

ambiente e as atividades de subsistência foram usados para esta apresentação

dos Palikur. Quantificamos informações, como a porcentagem de ilhas ou terra

firme, a população Palikur, o tamanho da área indígena e o número de povos

indígenas na região.

Mas não é assim que os Palikur pensam o mundo. O modo Palikur de

conceber o espaço e classificar os seres que compõem o universo é mais

complexo. Não se trata simplesmente de descrever o espaço a partir da

navegação, relacionar a vegetação local aos padrões de alagamento ou agrupar

2 Fonte de informações: "Palikur", em Povos Indígenas no Brasil, Vol. 3 - Amapá / Norte do Pará, CEDI, São Paulo, 1983, páginas 18-39.

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produtos agrícolas, caça, pesca e coleta, de acordo com as atividades de

subsistência.

Os rios, riachos, caminhos, canoas, árvores e produtos da roça são, para

os Palikur, seres inanimados, isto é, sem vida. Têm, na maioria, sexo feminino. Já

seres humanos, animais, o sol, a lua, as estrelas, o trovão e o relâmpago são

vivos e masculinos. Seres masculinos têm papel de destaque na mitologia Palikur,

porque são heróis culturais e responsáveis pela criação do mundo.

Para os seres femininos, o que importa é o formato geométrico. Rios,

caminhos, fileiras de canoas e enfeites de penas tecidos em fio pertencem à

mesma classe porque possuem formato extenso, comprido. Uma fileira de

pessoas pertence à mesma classe que uma fileira de plantas na roça.

Já roças e plantações, também femininas, fazem parte de outro grupo

porque, além de extensas, têm profundidade, largura. Bananeiras, açaizeiros e

colares de dentes pertencem a outra categoria, por causa do formato de leque, ou

galho com folhas. Maracujás, abacates e outras frutas arredondadas fazem parte

da classe das pedras, panelas, relógios e outros objetos, de formato parecido.

Espigas de milho, mandioca e bananas, por sua vez, são classificados com

espingardas, lanças, agulhas e palitos de fósforo, por causa do formato cilíndrico.

Para complicar ainda mais: se um grupo destes seres estiver amarrado entre si,

embrulhado ou disposto em cestas ou canoas, passa a fazer parte de outras

categorias! Cachos de bananas, de açaí e de pupunha agrupam-se com colares

de miçanga porque as partes estão ligadas. Como na canoa a seguir, uma

quantidade de mandioca transforma-se num conjunto de unidades concretas:

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Canoa Palikur atracada ao porto da Aldeia Kumenê, Área Indígena Uaçá, 1996. Foto de Artionka Capiberibe, 1996.

Existem várias maneiras de classificar os seres do universo Palikur.

Dependendo da situação, os Palikur escolhem os critérios classificatórios,

obedecendo algumas regras básicas. A disposição no espaço pode ser priorizada

em certos momentos, enquanto em outros o que importa é apenas o formato.

Neste sentido, o significado exato dos termos numéricos e dos conceitos

matemáticos vai depender do contexto em que se está.

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Um dos aspectos da cosmologia Palikur mais interessantes é justamente a

maneira como essa teoria de mundo está expressa nos termos numéricos e nos

conceitos matemáticos. Em outras palavras, queremos conhecer, aqui, como os

numerais e conceitos matemáticos Palikur quantificam o mundo e, principalmente,

o qualificam, dando sentido e explicando-o.

Entender este aspecto da matemática Palikur é fundamental. Quando o

povo maneja o espaço, os agrupamentos e as medidas, os numerais usados não

indicam apenas quantidades. Em português, quando dizemos que há 18 povos

indígenas no norte do Amapá, o número 18 indica quantidade, e nada mais.3 Não

fornece informações sobre os "povos", como o tipo de seres, a distribuição no

espaço; a qualificação como "indígenas", etc. Neste caso, os algarismos indo-

arábicos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7...) são, essencialmente, quantificadores (indicam a

quantidade).

Os numerais Palikur, ao contrário, ensinam como os Palikur pensam sobre

si mesmos e sobre o mundo em volta. Além de quantificadores, são

qualificadores. Qualificam seres e objetos, proporcionando informações:

• o material: se são animados (seres vivos), inanimados ou abstratos;

• o gênero: se pertencem ao sexo feminino, masculino ou se é neutro;

• o formato: se constituem objetos redondos, compridos, planos, cilíndricos, etc;

• a posição: se formam conjuntos, como pencas, manadas, pares, cachos, etc;

• a quantidade: se são medidas de dimensão, coleções ou simplesmente plural;

• a especificidade: se acabam não se encaixando em nenhuma das classes

anteriores.

Vemos que o item "quantidade" constitui apenas um dos componentes do

sistema numérico Palikur, e nem é o mais importante. Não se trata, simplesmente,

de um "sistema de contagem". A maneira pela qual os Palikur "contam" está

3 É claro que a palavra "dezoito", formada pela junção de dez e oito, indica um sistema de contagem decimal.

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intimamente ligada à visão de mundo, à própria cosmologia. Além disso, o critério

Palikur para "ser vivo" tem a ver com o papel que os seres desempenham na

mitologia do grupo. Plantas, ao contário do que poderíamos pensar, não são

consideradas vivas. Já a lua, o sol, as estrelas, o trovão e o relâmpago são vivos.

O gênero (se masculino, feminino ou neutro) também varia conforme a

importância do elemento na mitologia.4

Em suma, entender a matemática Palikur exige compreender a

classificação do universo Palikur. Não há como pensar exclusivamente em

"números" na língua Palikur. Na prática, os numerais não existem fora da

concepção de mundo.

O mesmo pode ser dito em relação às idéias e os conceitos matemáticos,

como ordem numérica, adição, subtração, multiplicação, totalidade e ordenação

em conjuntos. O sentido exato do termo numérico ou do conceito matemático vai

depender do contexto em que está sendo usado. A medida de comprimento

"braço" (pahat iwanti; um-cilíndrico braço), por exemplo, pode indicar três

comprimentos diferentes: 220, 170 ou 40 centímetros. O contexto determina a

medida exata.

Quando um Palikur, por exemplo, mede o comprimento da roça, o termo

"braço" refere-se à altura que um homem pode alcançar com o braço erguido,

acima da cabeça. Transposta para uma vara pará facilitar a medição, a medida

"braço" significa mais de 2 metros (aproximadamente 220 centímetros).5 Quando

se fala do comprimento da canoa ou da casa, o termo "braço" é referência para 2

braços estendidos, para os lados. Neste caso, "um braço" significa menos de dois

metros. Já para medir o tipiti (usado pará espremer mandioca), "braço" é a

medida do ante-braço, ou seja, menos de meio metro.6 Veja, na legenda da foto

abaixo, como um Palikur usou "braço" para falar das medidas da casa dele:

4 Conforme o trabalho de Diana Green, "O Sistema Numérico da Língua Palikur", 1992, pg. 272. A língua Palikur pertence ao grupo lingüístico Arawak. É falada por cerca de 750 Palikur no Amapá e aproximadamente 400 Palikur na Guiana Francesa. 5 Na língua Palikur, Nu-was-ra a-yabwi paxnika madikwa iwanti (meu-roça / comprimento / quatro / dezenas / braço; "O comprimento da roça é quarenta braços (40 x 220 centímetros = 88 metros). Conforme o trabalho de Diana Green, já citado, p. 286-287.

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Foto de Artionka Capiberibe, Aldeia Kumenê, Área Indígena Uaçá, 1996.

Nu-pin pohouku i-wanti ayabwi a-kak mpana iwanti a-rik meu-casa cinco braço comprimento com três braço dentro

"Minha casa tem cinco braços (5 x 170 centímetros = 8.5 metros) de comprimento e três braços (3 x 170 centímetros = 5.1 metros) de largura."

Madikauku - o fim das mãos

O sistema numérico Palikur é decimal, ou seja, opera por meio de

agrupamentos de dez. O termo para 10 é madikauku (madik-auku), que significa

"fim [das] -mãos". Existe, também, o termo para "dezena": madik-wa. O numerai

20 é, assim, pina madikwa, isto é, "duas dezenas"; 30 é mpana madikwa; 40 é

paxnika madikwa, e assim por diante. Confira na Tabela 1 a estrutura do sistema

numérico da língua Palikur.

6 Conforme o trabalho de Diana Green, já citado, p. 286-287.

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Para numerais acima de 100, os Palikur incorporaram os termos numéricos

de um dialeto da área, o crioulo francês. Podem, no entanto, combinar as duas

línguas, principalmente para numerais elevados, como na contagem de dinheiro.

Veja como se formula "trezentos":

mpama-put sah

mpama -put sah

"três" "vezes" "cem"

em Palikur em Palikur em crioulo

Classificadores numéricos Palikur

Diana Green, pesquisadora que estudou durante 12 anos a matemática

Palikur, organizou os classificadores numéricos da língua Palikur de acordo com

conceitos matemáticos. Na opinião da pesquisadora, esta organização facilita o

entendimento do conhecimento matemático do povo, que ela qualifica como

"preciso" e "bastante desenvolvido".7

Neste capítulo, iremos examinar alguns desses conceitos, tais como:

• unidades concretas e abstratas;

• conjuntos concretos e abstratos;

• frações;

• medidas de dimensão e volume;

• operações de adição, subtração e multiplicação.

Antes de examiná-los, porém, veremos com mais detalhes como os termos

numéricos Palikur revelam aspectos da cosmologia do povo.

7 Diana Green, já citado, p. 299-300.

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A matemática na classificação dos seres vivos

Quando os Palikur se referem aos seres humanos, determinados animais,

sol, estrelas e lua, entre outros - acrescentam -p ao numerai 1 e -ya ao numerai 2

(para os demais numerais, não se acrescenta nada). Além disso, é preciso

considerar o sexo: se masculino (-ri), feminino (-ru) ou neutro (-a).

Por exemplo, "uma moça" é paha-p-ru himano (um-ser vivo-feminino moça);

"duas moças" é pi-ya-na himano-pwiyo (dois-seres vivos - dois moça-plural); "três

moças" é mpana gu-kebyi-kis himano-pwiyo (três feminino-unidade-plural moça-

plural).8

pi-ya-na himano-pwiyo (dois-seres vivos - dois moça-plural; "duas moças")

Duas moças Palikur descascam mandioca na Aldeia Kumenê, Área Indígena do Uaçá. Foto de Artionka Capiberibe, 1996.

8 Conforme Diana Green, p. 271.

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1. huwipatip

redondo / quadrado

Ex: pedra, caixa

classificador: -u

3. sababoye

plano

Ex: esteira, rede, remo

classificador: -k /-bu

5. taranad

extenso

Ex: caminho, rio

classificador: -tra

7. huwibakup

oval / retangular / irregular

Ex: casa, ovo

classificador: -a

2. huwipti-min

redondo e longo (cilíndrico)

Ex: flecha, espingarda

classificador: -t

4. sababo-min

plano e fundo (côncavo)

Ex: barco, canoa

classificador: -mku

6. imuad /imihad /huwigakup

alto / fundo / largo; com perímetro

extenso e incluindo extremidades

Ex: roça, raiz

classificador: -iku

8. kataunabet

com ramos, foliforme

Ex: árvore, colar de dentes

classificador: -kti

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Vejamos, em detalhes, como estes formatos geométricos são

representados nos termos numéricos Palikur. A geometria é, justamente, o

estudo das formas.10

1. huwipatip {huwi redondo ou quadrado; patip - todos os lados proporcionais).

É usado para objetos como caixas, bolas, frutas (mamão, abacate, maracujá,

etc), malas. Objetos cuja parte principal é circular também fazem parte desta

classe, tais como: relógio, panela, balde e lamparina. O classificador numérico

para itens de formato huwipatip é -u no numerai 1 e -so no numerai 2.

Numerais acima de 1 e 2 não apresentam classificador huwipatip. Assim, o

termo para o numerai 1 é paho-u e para o numerai 2 é piso. Assim:

2. huwipti-min (huwi redondo ou quadrado; pti -min longo, profundo; cilíndrico).

Também é usado pará objetos que, além de redondos, são longos, cilíndricos.

Por exemplo: flechas, cigarros, pregos, paus, espingardas, cartuchos, bananas

e espigas de milho. O classificador, no caso, é -í para o numerai 1 e -ta pará o

2. Temos, assim:

10 Antigamente, as questões geométricas estavam ligadas aos problemas da Terra, como indica o próprio nome: GEO (Terra) + METRIA (medida). Hoje, a geometria está por toda a parte, isto é, vai além de questões sobre medidas da Terra.

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Redes penduradas pará a Festa da Virgem Maria, na Aldeia Kamarumã, Área Indígena do Uaçá. Foto: Artionka Capiberibe, agosto de 1996.

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3. sababoye (sababo plano; ye em estado durável). É usado pará objetos planos

como esteiras, redes, tábuas, remos, livros, tecidos, abanos e peneiras. O

têrmo para o numerai 1 é paha-k, para o 2 é pi-ka-na e para todos os

numerais acima de 2 o classificador numérico é -bu. Assim, o numerai 3 é

mpana-bu, o 4 é paxnika-bu, etc. Vejamos:

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4. sababo-min (sababo plano; min profundo). É usado para descrever objetos

côncavos, como canoas, barcos, navios, cuias, bacias, tigelas, etc. A classe

sababo-min foi ampliada para incluir objetos planos e metálicos não-côncavos,

como facas, terçados, serrotes, lâminas, tesouras, etc. O classificador para

todos os termos numéricos referentes a objetos deste formato é -mku.

5. taranad (tara estender; n neutro;

ad aumentativo). Taranad

refere-se mais a uma dimensão

do que a um formato. É usado

para designar coisas extensas,

que se estendem, sem levar as

extremidades em consideração.

Inclui rios, riachos, caminhos,

cordas, fios, etc. O classificador

para todos os numerais é -tra.

(legenda) paha-tra ahin (um -

extenso - caminho)

Aldeia Kumenê, Área Indígena

do Uaçá. Foto: Lux Vidal, 1996.

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6. imuad (imu alto; ad aumentativo).

imihad (imih profundo).

huwigakup (huwi redondo ou quadrado; gakup perímetro em destaque).

Todos estes termos indicam extensão, seja altura, profundidade ou largura.

Existem, no entanto, limites ou extremidades: é o que o classificador -iku

significa ("dentro dos limites de um espaço"). Um edifício é imuad porque é

alto, como também o fogo e uma queda de água. Já o poço de água é imihad

porque profundo, bem como os buracos, as raizes, as feridas, as bocas e as

narinas. Uma roda é huwigakup porque tem perímetro; o mesmo acontece

com uma plantação (que tem área e perímetro), uma porta (pensando no

batente), um cercado, etc.

O classificador -iku ocorre em todos os termos numéricos (com uma pequena

variação para o numerai 2, cujo termo é pi-rik-na).

Sendo assim, uma roça (de banana) é paha-iku was.

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7. huwibakup (huwi redondo ou quadrado; bakup lados não proporcionais). Entre

objetos ovais, retangulares e de outros formatos irregulares que compõem esta

classe, estão ovos, nuvens, coisas, caveiras, bancos, casas e tambores. O

classificador só aparece no numerai 1 -a e no numerai 2 -sa. "Uma casa" é

paha-a pait; "dois ovos" é pi-sa-ya antiyan.

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8. kataunabet (ka tendo; tauna ramo; bet múltiplo). Objetos com a forma de

leques ou com ramos, isto é, de formato "foleiforme", pedem o classificador

-kti. É usado para qualquer planta, flor ou árvore, como bananeiras, açaizeiros

e laranjeiras, e também para colares feitos de dentes. O numerai 1 é paha-kti

e o numerai 2 é pi-kat-na. Os demais usam -kti. Grafa-se três flores dessa

maneira: mpana-kti ipuwiti. Dez colares de dente, madikauku-kti akabdat.

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É bom lembrar que a classificação Palikur dos seres inanimados é

expressa em conversas da vida cotidiana. Um exemplo é quando os Palikur falam

dos produtos da roça:

n-amutra pi-tahr-a gu-kebyi-kis a-dahan paxka-pti-t

minha-planta 2-extenso-2 feminino- neutro-por 4-foliforme-

unidade-plural conjunto

"Minhas plantas [são] duas unidades (extensas) por conjuntos de quatro (com

ramos)"

Uma maneira simplificada de escrever esta idéia seria:

"Minhas plantas estão em duas fileiras de quatro.""

A classificação Palikur dos seres inanimados a partir dos formatos

mostra que o pensamento geométrico é parte fundamental do universo do

povo.

Vejamos, agora, como a classificação do mundo Palikur extende-se para

outros conceitos matemáticos, como conjunto, fração, medida de volume e as

operações de adição, subtração e multiplicação.

Idéias Abstratas

Doença, notícia, palavra, pergunta, mentira, erro, bênção, aflição, perigo e

riqueza12 são algumas idéias que os Palikur classificam no mesmo grupo. São

11 Adaptado de D. Green, já citado, p. 279.

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idéias que não têm gênero (sexo), ou seja, são idéias "neutras". Não dizem

respeito a seres ou objetos concretos, que podem ser tocados ou vistos. Por estas

razões, são consideradas como "abstrações".

É importante ressaltar as idéias "abstratas" Palikur. É comum ouvir dizer

que povos "primitivos" não têm capacidade de abstração, ou seja, de raciocinar

abstratamente. O pensamento desses povos, nessa maneira de ver as coisas, é

"concreto", ou seja, voltado exclusivamente para as necessidades econômicas e

orgânicas (do corpo humano). Isto excluiria, do universo Palikur, idéias e

interesses teóricos e intelectuais. E mais: a matemática escolar teria a capacidade

de "estimular" ou "desenvolver" o raciocínio abstrato desses povos.

Este tema já foi amplamente debatido pela Antropologia e outras ciências

humanas. Ficou provado que todos os povos têm capacidade de abstração e,

antes de uma planta ou animal ser simplesmente útil ou necessário para a

sobrevivência de qualquer sociedade, os povos têm a capacidade de conhecê-lo

com amplitude.13 E este conhecimento é atividade intelectual, construído a partir

de visões de mundo, que são próprias a cada povo.

Os Palikur quantificam idéias abstratas, associando a todos os numerais o

classificador -f para unidades abstratas, e -/' aos numerais 1 e 2 para conjuntos

abstratos:

paha-t inetit madikauku-t yuwit

"1-abstrato notícia" "10-abstrato palavra"

paha-i paka paha-i kahikanau

"1-conjunto abstrato semana" "1-conjunto abstrato fôlego"

12 Notem que, entre os Palikur, "riqueza" é uma abstração, porque está classificada juntamente com "doença", "mentira" ou "perigo". Esta classificação mostra, entre outras coisas, que a concepção que o povo tem de "riqueza" é essencialmente diferente da concepção ocidental, que geralmente associa riqueza ao acúmulo de bens "concretos". 13 O famoso antropólogo francês Claude Lévi-Strauss dedicou-se a este tema em "A Ciência do Concreto" (ver nas Referências bibliográficas: Lévi-Strauss, Claude 1970).

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p-i-na muwok-we-kri p-i-na mtipka

"2-conjunto abstrato chuva-vasto-época" "2-conjunto abstrato noite"

Notem, ainda, como os termos numéricos Palikur dão conta de expressões

da vida cotidiana que não dizem respeito, exclusivamente, a quantidade:14

Paha-i-e in madik-e

"De repente acabou"

Paha-i-e in madik-e

"1-conjunto abstrato-ação completa neutro acabar-ação completa"

Ini nu-peukan umeh-pe-n paha-i-eu-pi

"Acho que isto vai me matar de vez"

ini nu-peukan umeh-pe-n paha-i-eu-pi

isto meu-pensamento matar-ação completa 1-conjunto abstrato-definitivo

-mim

Conjuntos

Quando os Palikur enumeram grupos de pessoas, casas, animais, plantas,

artefatos e outros objetos, classificam cada um desses agrupamentos de acordo

com cinco critérios.

1. Quando agrupam seres ou objetos "soltos" (que não estão presos ou

amarrados entre si), como pessoas, pássaros, flechas ou sapatos, usam o

classificador -bru em todos os numerais (com exceção do numerai 2, que é pi-

bohr-a). Temos, assim:

14 Conforme o trabalho de Diana Green, p. 282.

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paha-bru kuhipra

"1-conjunto pássaro"

pi-bohr-a arehwa-keputne

"2-conjunto jogador futebol"

madikauku-bru yakot

"10-conjunto flecha"

mpana-bru kasapat

"3-conjunto sapato"

2. Quando os Palikur falam de um cacho de bananas, pupunha ou açaí, ou então

de um colar de miçangas, o termo numérico vem acompanhado de -twi (com

exceção do numerai 2, que pede -tiú). Isto porque as partes de um cacho ou de

um colar já estão firmemente ligadas. É interessante observar, aqui, que um

grupo de pessoas numa canoa também entra na classe -twi, devido à

importância da navegação para os Palikur.

paha-twi pilatno nteunenker-twi was

"1-cacho banana" "7-cacho açaí"

nteunenker madikwa-twi akabdat

"7-dezena-colar miçanga"

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3. Quando folhas, flechas ou peixes são amarrados uns aos outros, os conjuntos

são de outro tipo. Os numerais vêm, no caso, acompanhados de -ti.

madikauku-ti yakot madikauku madikwa-ti ahapna "10-feixe flecha" "10 dezena-maço folha"

4. Quando folhas, remédios ou tecidos são embrulhados, -imku acompanha o

numerai 1 e -sa acompanha o numerai 2.

paha-imku (.....corrigir) pi-sa-ya ahapna

"1-embrulho remédio" "2-embrulho folha"

5. Quando peixes, frutas, folhas ou bananas estão agrupados em um cesto, o

numerai 1 vem seguido de -ih e todos os numerais acima de 1 vêm seguidos

de -psi. Como não existe uma só palavra para designar "cesto", porque todos

têm formato irregular, é preciso especificar em que tipo de cesto os objetos

estão reunidos.

paha-ih panye takes madikauku-psi panye takes

"1-(cesto) tipo "panye" camarão" "10-(cesto) tipo "panye" camarão"

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Medidas de volume

Para os Palikur, existe uma diferença entre o conteúdo de uma cesta e o

conteúdo de garrafas e latas. Como vimos, os cestos são todos de formato

irregular. Não servem pará medir volume e peso, principalmente no caso de

líquidos.

O mel, por exemplo, pode ser medido em garrafas ou latas. Garrafas têm

formato cilíndrico, por isso o numerai é seguido de -t. Latas de querosene são

quadradas, por isso o classificador é -u. Quando medido em garrafa, "um litro de

mel", na língua Palikur, é:

Paha-t lit ahayak a-nunu

"1 -cilíndrico litro abelha seu-mel"

Farinha de mandioca é geralmente medida na lata quadrada de querosene

(com capacidade para 18 litros). Uma lata de farinha, em Palikur, é:

Paho-u bom kuvak

"1-quadrado lata farinha'

ou redondo

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O metro de tecido, pesado em balança de formato redondo, também pede o

classificador ~u:

Paho-u aheh-tet kamis

"1-quadrado medir- tecido

ou redondo instrumento

Frações

Há, na língua Palikur, termos para designar os "lados" de um ser ou de um

objeto, bem como as respectivas "partes".

Para falar de um lado do rio, o numerai 1 é seguido de -bak e o numerai 2

é seguido de -bkak (não existe classificador para numerais acima de 2). Assim,

temos:

paha-bak warik pe-bkak kagta

"1-lado rio" (ou "um lado do rio") "2-lado papel" (ou "os dois lados do papel")

Há várias maneiras de falar das partes ou pedaços de uma região, terra ou

ilha, bem como de pedaços de carne, peixe ou pão. Usa-se -uhri após o numerai

1, como em:

paha-uhrí keurihri paha-uhri arih

"1-parte ilha" "1-pedaço carne"

Existem outros termos para frações na língua Palikur, tais como: abusku

("porção"), abuskuh-wa ("uma metade"), kaba abushkuh-wa ("quase uma metade"

ou "um terço"), abusku a-tusi ("uma porção igual a um canto").

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As operações de adição, subtração e multiplicação

Existem conceitos que expressam as operações de adição, subtração e

multiplicação na língua Palikur. Os conceitos "mais" e "acréscimo" (-wá) indicam

operações de adição. "Resto" e "sobra" (-e) indicam operações de subtração. Já o

conceito "vez" ou "vezes" (-put) revela a multiplicação. Usados em situações da

vida cotidiana, os conceitos podem ser expressos da seguinte maneira:

adição (-wa)

Nah iki pi-t paha-a-wa aríkna

"Eu dar você-para 1-irregular-adição coisa"

ou

"Vou te dar mais uma coisa"

Ig-kis manuk paha-uhri-wa keurihgi akiu

"Ele-plural atravessar 1-parte-adição ilha mais"

ou

"Eles atravessaram para mais uma parte da ilha"

Ku na wiuh paha-t ah ar-iuntak paxnika a-kebyi

"Se eu tirar um-cilíndrico pau neutro-de 4 neutro-unidade

usakwa mpanm-e

fica 3-resto

ou

"Se eu tirar um dos quatro paus, sobram três"

subtração (-e)

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Msekw-e pehe-k-e parak

"ficar-ação completa 1-plano-resto tábua

ou

"Restou uma tábua."

multiplicação (-put)

Já vimos que o sistema decimal de contagem Palikur usa -put para

expressar centenas e unidades de milhar, para numerais acima de 199.

• 200 é "duas vezes cem": p-i-ma-put sah (2-conjunto-2-multiplicado cem)

• 300 é "três vezes cem": mpama-put sah (3-multiplicado cem)

• 400 é "quatro vezes cem": paxka-putsah (4-multiplicado cem), etc.

Vejamos ainda:

Nah isim-e ini kamis mapama-put a-tiunih

"Eu comprar-ação esse tecido 3-multiplicado neutro-preço

completa

a-pit-min akiu.

neutro-sobre-abrangente mais"

ou

"Comprei esse tecido por um preço três vezes mais alto."

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Mirna Labonté e seu filho,

Aldeia Kumenê, Área

Indígena do Uaçá. Foto:

Artionka Capiberibe, 1996.

"Mentes primitivas"? Não!

Recentes estudos sobre a matemática Palikur refutam, mais uma vez, "a

idéia de mentes 'primitivas' que não podem pensar de forma abstrata ou analítica",

e que a matemática de povos indígenas é "inferior" ou "simples". Além disso, os

estudos revelam que o sistema numérico Palikúr é "uma referência fora de nossa

própria cultura através da qual podemos medir nossos próprios conceitos

matemáticos".15 "Nossos", aqui, significa a matemática ocidental, aquela ensinada

na grande maioria das escolas brasileiras. A matemática ocidental é sempre a

15 Conforme o trabalho de Diana Green, já citado, p. 263.

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referência a partir da qual as outras matemáticas são avaliadas. Isto, infelizmente,

produz conseqüências.

Ainda prevalece, no senso comum, a idéia de que povos indígenas "não

têm" matemática, ou possuem uma matemática inferior. Explica-se que os povos

contam "apenas até dois ou três", e não possuem registro gráfico dos numerais.

Em geral, os sistemas numéricos de diferentes povos são avaliados a partir do

sistema numérico ocidental, que é decimal. É uma perspectiva etnocêntrica, isto é,

que faz com que idéias e conceitos matemáticos de outros sistemas sejam

julgados a partir do modelo ocidental. Este modelo privilegia o significado dos

números, ou seja, as funções e utilidades. Cálculos são, é claro, essenciais. Desta

perspectiva, os sistemas matemáticos indígenas são considerados "simples",

"inferiores", "pouco elaborados", "primitivos", etc. Os Yanomami, por exemplo,

foram considerados o povo "mais primitivo" do planeta, em reportagem publicada

no jornal O Estado de São Paulo, porque, entre outras razões, "não sabem

contar". A elaborada visão de mundo Yanomami, expressa na complexa

concepção de espaço do povo, não foi levada em consideração.16

Diz-se que a matemática é um poderoso "selecionador social".17 Isto porque

não só em escolas indígenas, mas em escolas para não-índios também, a

matemática é usada como critério de inteligência: quem sabe matemática é

inteligente, quem não sabe não é. No Brasil, infelizmente, nem todos têm acesso

à educação. Além disso, o ensino da matemática, na maioria das escolas do país,

não leva em consideração o conhecimento matemático da vida cotidiana. É o que

mostra o livro Na Vida Dez. Na Escola Zero, cujo título expressa muito bem o

conflito.18

16 O Estado de São Paulo , Clipping do Estadão, ano 2, n° 17, agosto de 1993. 17 Conforme mostra o trabalho de Ubiratan D'Ambrosio, Etnomatemática (São Paulo, Editora Ática, 1990). 18 Na Vida Dez, na Escola Zero , de Terezinha Carraher, D. Carraher e A. Schliemann (São Paulo: Cortez Editora, 1991).

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O pouco que se conhece a respeito da matemática Palikur é suficiente para

refutar idéias preconceituosas sobre os conhecimentos matemáticos de povos

indígenas. O estudo da matemática Palikur revela não apenas como o povo conta,

mas um sistema complexo, inteligente, capaz de permitir a extensão do

pensamento geométrico e o entendimento de vários conceitos matemáticos.19

19 Além dos conceitos explorados aqui, Diana Green analisa em profundidade as flexões dos termos numéricos Palikur (ordem numérica, adição, subtração, totalidade, limitação numérica, multiplicação, ação simultânea e seqüencial em conjunto (ação simultânea e ação seqüencial), as funções sintáticas dos termos numéricos Palikur (função adjetiva, função adverbial, função pronominal, função verbal, função substantiva) e a ordem relativa dos afixos dos termos numéricos Palikur.

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Atividades

Para pesquisar o conhecimento matemático do seu povo, pense sobre as

seguintes questões, que podem auxiliar o professor indígena:

1. Quais as situações em que a matemática é utilizada no cotidiano da

aldeia, posto ou área indígena?

2. Qual é o sistema de contagem adotado pelo povo?

3. Quais são os termos numéricos utilizados?

4. As figuras que aparecem na cestaria, tecelagem ou pintura corporal têm

nome? É preciso saber matemática para produzi-las?

5. Como a comunidade mapeia o espaço, isto é, pensa sobre o território e

se movimenta nele? Como é feita a distribuição das casas e a

localização das roças ?

6. Que conhecimentos são necessários para elaborar mapas de um

território indígena, sejam eles geográficos, históricos ou da fauna e

flora?

7. Como a matemática se relaciona com esses outros saberes?

8. Como o povo mede a passagem do tempo?

9. Como é feita a distribuição dos recursos naturais, produtos agrícolas e

bens industrializados?

10. Quais os momentos da vida cotidiana em que a matemática é mais

importante para você?

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Capítulo III

Os Xavante do Kuluene, no Mato Grosso:

o conflito entre a matemática indígena

e a matemática escolar

Professôres e jovens Xavante de Ri'tubre no pátio central da aldeia. Foto: Mariana K. Leal Ferreira, 1980.

Matemática, para professores e jovens Xavante da Área Indígena

Kuluene significava, no fim dos anos 70, efetuar contas. A longa experiência

em escolas missionárias e a administração de postos indígenas locais

procurava fazer crer, entre os Xavante, que saber matemática era

simplesmente lidar com números. Os rapazes de Ri'tubre, a conhecida

"Aldeinha", exibiam, orgulhosos, cadernos preenchidos, de ponta a ponta,

com contas de mais, menos, multiplicar e dividir. Mostravam, ainda, livros de

contabilidade do Posto Indígena Paraíso, o único da área na época. Eram

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listas de preços de mercadorias, como combustíveis, ferramentas e

sementes, entre outras, cuidadosamente organizadas.1

Os 26 meninos e meninas de 11 a 15 anos de idade, da escola de

Ri'tubre, dominavam perfeitamente a técnica das operações de adição e

subtração e, com alguma dificuldade, as de multiplicação e divisão.

Precisavam, diziam, "praticar": fazer contas, repetidamente, para aprender

mais matemática. Os professores indígenas Simão, Aniceto, Juliano, Luiz e

alguns wapté (jovens solteiros não-iniciados) tinham mais prática: queriam

"contas grandes" e "difíceis", como 12.598 X 3.579 ou, então, 19.530 : 368.

Quanto mais complicadas as operações, melhor. Afinal, diziam, "matemática

é para quebrar a cabeça, mesmo".

Apesar dessa habilidade técnica, os alunos não sabiam que

operações efetuar (se + , -, x ou :) em problemas que, aparentemente,

tinham uma única solução, tais como:

• Meu pai saiu para caçar com 8 flechas. Ele perdeu 2 flechas. Com quantas

flechas voltou para a aldeia?

• Uma caixa de pilhas tem 12 pilhas. Quantas pilhas há em duas caixas?

No caso das flechas, somavam 8+2 ou 8+8 ou, ainda, subtraíam 2-8

ou mesmo 8-2, o que seria a "resposta correta". Em relação às pilhas, as

respostas variavam de 12+12, o "correto", a 12-12, 12+2 (duas caixas de

pilha) ou mesmo 12-2. Esta "incapacidade" dos Xavante de resolver

problemas mereceu a seguinte crítica: "índio não aprende matemática. Não

adianta". Este fracasso era a "verdadeira" prova, para os educadores da

Funai, de que os Xavante não eram inteligentes.

1 Os Xavante deste capítulo são aqueles que, em 1978-79, habitavam as 3 aldeias -Ubãwãwé, Rituwãwé e Ritubre - da Área Indígena Kuluene, no estado do Mato Grosso. A população da área era de 1500 indivíduos, aproximadamente. Em 1979-80 este território ampliou-se com a inclusão da Reserva Indígena Couto Magalhães e de terras Xavante até então não demarcadas, passando a chamar-se Reserva Indígena Parabubure. Em Parabubure vivem hoje cerca de 2800 Xavante (ISA, Povos Indígenas no Brasil 1991/1995, página 669), distribuídos em mais de 30 aldeias. Os demais grupos Xavante vivem em outras 9 áreas ou reservas indígenas no Estado, totalizando aproximadamente 6.500 índios.

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A corrida do buriti na Aldeinha. Desenho de André Tsererãpré Xavante.

Por ocasião da visita da Sucam (Superintendência de Campanhas de

Saúde Pública) ao Kuluene, em setembro de 1978, os mesmos jovens que

tinham dificuldade para resolver problemas em sala de aula ajudaram, com

desenvoltura, os trabalhos de dedetização. Fizeram a contagem das casas,

levantaram o número de moradores por casa, a população da aldeia Ri'tubre

e quantas pessoas moravam no total da área, que incluía outras duas

aldeias, Ubãwãwé e Rituwãwé. Não hesitaram ao somar, em grupos de 2, o

número de moradores de cada casa, para conseguir o total da aldeia, nem na

hora de somar a população das aldeias, para obter o resultado de moradores

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da área Kuluene. Tudo foi feito de maneira oral, em Xavante, sem ter que

recorrer à escrita.

A aldeia Ri'tubre. Desenho de Susana Re'wa Xavante.

O raciocínio empregado pelos índios na ocasião da visita da Sucam

evidenciou aspectos essenciais do sistema numérico Xavante. Em primeiro

lugar, mostrou que a numeração tradicional do povo é de base 2. As crianças

contavam em Xavante nos dedos, agrupando-os de 2 em 2, unindo também

as mãos, por meio da junção dos polegares.

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O agrupamento em conjuntos de 2 moradores das casas, as casas

das aldeias e as aldeias da área, sempre contados aos pares, indicou o

dualismo como sendo o princípio estruturante do pensamento Xavante. Este

princípio está perfeitamente de acordo com o sistema dual de organização

social, e do pensamento que caracteriza esta e outras sociedades do grupo

Jê, como os Xerente, Suyá, Krahó, Kayapó, Panará, Kaingang e Xokleng.

Para entender o conflito entre a matemática Xavante e a matemática

escolar é importante entender o que significa o dualismo entre os Jê, ou seja,

o que significa um sistema de organização social "dual".

A vida social Xavante é organizada, também, a partir destes

agrupamentos. São pares de metades que se opõe, cada um deles, a um

aspecto ou domínio da sociedade. As mulheres, por exemplo, são

identificadas com o domínio doméstico, das casas, enquanto os homens

pertencem ao domínio público, do pátio da aldeia. Ao mesmo tempo, todos

os habitantes da aldeia estão divididos de outras formas, de acordo com as

classes de idade a que pertencem, os nomes que recebem, o tipo de

parentesco, etc. Os espíritos dos vivos podem visitar, durante o sono

noturno, a aldeia dos mortos, onde vivem as almas dos parentes falecidos.

As aldeias estão, ainda, em oposição à mata, onde vivem animais e outros

seres.

Alguns dos pares de metades que foram mencionados acima:

• homem - mulher

• casa - pátio da aldeia

• aldeia - mata

• parentes consanguíneos - parentes afins

• vivos - mortos

• espírito - alma

• dia - noite

• seres humanos - animais

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Jovens iniciados de um lado e meninos "pequenos" do outro. Desenho de Benjamin Xavante

Cada um desses pares forma, na verdade, uma unidade. Sem a

mulher, o homem é uma metade. Nesse sentido, homem e mulher, juntos,

formam a unidade, o casal. O mesmo pode ser dito em relação aos outros

pares de metades.

Esta lógica dual também explica o sistema numérico Xavante.

Os próprios termos numéricos do povo mostram a diferença entre números

pares e ímpares. O número 1, mitsi, significa que o elemento está sozinho;

já maparané, o número 2, é a base de contagem, porque é a união das

metades que estão sozinhas, formando o par. Tsi'umdatõ, o número 3,

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inicia-se pelo prefixo tsi, indicando que é ímpar (tsi = só, sozinho).

Maparané tsiuiwanã, o número 4, é dobro do número dois. Imrotõ, o 5,

significa "sem companheiro" (imro esposo, tõ sem), ou seja, número ímpar.

Imropo, o número 6, quer dizer "aquele que está junto ao seu par".

O trabalho mecanizado na roça de arroz. Desenho de Lino Tsere'a Xavante.

A atuação sistemática de missionários salesianos junto a comunidades

Xavante, desde o início dos anos 50 deste século, provocou mudanças na

matemática do povo. A educação escolar sempre foi a pedra fundamental da

conversão religiosa. Por esta razão, os salesianos investiram na produção de

uma escrita da língua Xavante (para a tradução de escritos religiosos) e no

"desenvolvimento" do sistema numérico deles.2

O sistema de contagem Xavante foi, então, reestruturado pelos

salesianos, para atender a novas utilizações geradas pela situação de

contato com a sociedade envolvente. Esta reestruturação seguiu, no entanto,

outra lógica: em vez de agrupamentos de 2, o sistema Salesiano foi

elaborado a partir do sistema numérico de base 10, que é predominante no

ocidente. Vejamos como isso foi feito.

2 A tentativa de atração e conversão dos Xavante por missionários salesianos data do início da década de 1930. Para informações detalhadas sobre a história Xavante, consulte o artigo de Aracy Lopes da Silva, "Dois séculos e meio de história Xavante" (ver na bibliografia).

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Para dar nome aos numerais 7, 8 e 9, os salesianos seguiram a lógica

do sistema dual da numeração Xavante. A partir do número 10, o significado

semântico ("sozinho", "união das metades", "sem companheiro", etc.) foi

substituído pela descrição do sinal gráfico. O zero, por exemplo, foi chamado

de "bolinha", descrevendo o símbolo 0. De acordo com a lógica Xavante, o

siqnificado do zero seria algo como babadi, isto é, "vazio". Mas os salesianos

seguiram outra lógica, chamando o numerai 10 de mitsi tomai'ã (mitsi um,

tomai'ã bolinha), e não de algo equivalente a "cinco casais" ou "pares".

Confira na tabela abaixo o sistema numérico na língua Xavante inventado

pelos salesianos:

Tabela 1. O sistema de contagem Xavante inventado por salesianos

10

11

12

20

21

30

40

100

101

200

1000

mitsi tomai'ã (mitsi um, tomai'ã bolinha)

mitsi mitsi

mitsi maparané (maparané 2), etc.

maparané tomai'ã (2, bolinha)

maparané mitsi (2, 1), etc.

tsiumdatõ tomai'ã (3, bolinha), etc.

maparané tsiuiwanã tomai'ã (4, bolinha), etc.

mitsi tomai'ã dzahu (1, bolinha,dzahu 2 vezes)

mitsi tomaPã mitsi (1, bolinha, 1), etc.

maparané tomai'ã dzahu (2, bolinha, 2 vezes), etc.

mitsi tomai'ã dzahu dure (1, bolinha, 2 vezes, dure mais 1), etc.

O comércio entre os Xavante e os regionais fez com que o povo

adotasse o sistema inventado pelos salesianos nas transações comerciais. A

leitura e traçado de itinerários, mapas e plantas dos territórios também

passaram a exigir a compreensão das noções de área, perímetro e escala,

geralmente de base 10. Em suma, a situação de contato com a sociedade

brasileira exigiu que o povo transformasse o sistema de contagem tradicional,

de base 2, num sistema decimal, de base 10 , trazendo outras regras e

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formas de abordagem, na construção de conceitos matemáticos. Difundida

nas escolas da missão, a "solução" salesiana gerou problemas para os

Xavante, dentro e fora da sala de aula. Vejamos.

Apesar de um sistema numérico decimal ter sido adotado, os Xavante

continuaram usando o esquema de pensamento dual para resolver

problemas matemáticos. Isto porque as atividades Xavante da vida cotidiana

continuavam expressando-se, como vimos, de maneira dual. Pensar o

mundo a partir de pares de metades e depois calcular as partes em

agrupamentos de 10 criou um dilema. A ausência de pesquisas sobre os

saberes matemáticos Xavante fez com que o processo de ensino e

aprendizagem fosse prejudicado. Restou a impressão, falsa, de que

"matemática não é coisa para índio".

Duas professoras chegam à Área Indígena Kuluene. Desenho de Benjamin Xavante.

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A facilidade com que os Xavante do Kuluene resolveram os problemas

trazidos pelos técnicos da Sucam, como já vimos, contrastava com a "falta"

de capacidade alegada por educadores missionários e por gente da Funai.

Os professores Xavante resolveram, então, trabalhar a contagem das casas,

os moradores e número de casas por aldeia, em sala de aula. Partiram da

hipótese de que os Xavante não encontrariam dificuldades para operar

problemas transpostos da vida real. Pará surpresa geral, no entanto, a

mesma dificuldade na escolha das operações a efetuar permaneceu.

Vejam a variedade de respostas que o problema abaixo recebeu:

A última resposta, a "correta", foi alcançada por menos da metade dos

26 alunos. Os mesmos problemas foram formulados oralmente, sem uso da

escrita. As dificuldades acabaram. As respostas dos alunos foram corretas.

No papel, porém, as respostas continuavam erradas.

Segundo os alunos, os erros eram por causa da dificuldade da própria

disciplina. Nas palavras de Abraão Tomopsé, de 12 anos em 1978:

"Matemática não é coisa para índio. É muito difícil." Abraão e outros alunos

incorporavam preconceitos dos brancos.

Quando os professores Xavante mostraram que a matemática tinha

sido usada para resolver as questões postas pelos técnicos da Sucam, os

Xavante se mostraram surpresos. Não tinham consciência da eficiência do

trabalho deles na matemática fora do contexto escolar.

• Na casa de Aniceto moram 9 pessoas e na casa de Lauro moram 11. Nas

duas casas juntas, quantas pessoas há ?

Respostas:

• 9 + 9 = 1 8

• 9 + 11 = 101 ("montagem" da conta errada)

• 11 + 2 (as duas casas) = 13

• 11 -9 = 2

• 9 + 1 1 = 2 0

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Enquanto se frustravam em sala de aula, na horta e no pomar da

escola os alunos contavam as fileiras de hortaliças e das frutas, as sementes

por cova, a quantidade de mudas, o perímetro dos canteiros. Ao colocar no

papel, porém, a notação das quantidades e as operações matemáticas

causavam confusão.

A horta da escola da Aldeinha. Desenho de Lino Tsere'a Xavante.

Como poderia haver 85 canteiros de hortaliças se havíamos plantado

3 de cebola, 4 de alho e 6 de tomate? Do mesmo modo, parecia absurdo

perguntar sobre 310 pés de frutas quando só existiam 15 mudas de abacaxi

e 25 de banana.

O sistema descritivo (zero é "bolinha", por exemplo) que havia sido

difundido pelos salesianos, dificultou o aprendizado de conceitos

matemáticos, como o significado do valor na escrita numérica. Dificuldades

de entender esse valor posicionai podem ser facilmente detectadas quando

um aluno faz uma conta errada, como:

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245 + 245 +

41 em vez de 41

655 286

No sistema descritivo dos salesianos, tomai'ã ("bolinha") é zero, mas

dependendo de sua posição no numerai, significa também dezena, centena,

milhar. Se o número 185, por exemplo, segundo a lógica do sistema

Salesiano, poderia ser lido como mitsi (1; sozinho) + 2 bolinhas uma em cima

da outra (8) + imrotõ (5; sem companheiro), como saber o valor na

comparação, por exemplo, com 900 (1 bolinha com perna + 2 bolinhas)? Na

lógica Xavante, como vimos, o nome dos numerais não é estabelecido de

acordo com o sinal gráfico, escrito, mas de acordo com o princípio,

característico de sociedades duais, de que o todo é sempre concebido como

a soma de duas partes.

Na escola de Ri'tubre, Kuluene, percebeu-se que problemas

matemáticos apresentados oralmente em sala de aula eram resolvidos com

menor dificuldade, quando comparados com os escritos. Os cálculos eram

feitos de cabeça e isso possibilitava o uso de diferentes estratégias de

resolução. Muitas vezes, as respostas não eram as mais econômicas, porque

em vez de usar a multiplicação, os alunos somavam, aos pares, os números.

Como exemplo temos o seguinte problema:

• Plantamos 5 canteiros de cebola. Em cada canteiro fizemos 9 covas para

as sementes. Quantas covas fizemos ao todo?"

Em vez de efetuarem a operação 5 X 9 = 45, somavam:

1) 2)

9+9 = 18 9+9=18;

18+18=36 18+9 = 27;

36+9 =45. 27+9 =36;

Resposta: 45 36+9 = 45

Resposta: 45

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As duas estratégias evidenciam um agrupamento de números, de

acordo com o raciocínio dualista. Poderiam recorrer à tabuada de

multiplicação, mas não o faziam. Preferiam recorrer à forma decomposta da

operação. Percebeu-se a importância de explorar, em sala de aula, a

habilidade dos Xavante para fazer cálculos mentais e estimativas, no lugar

de concentrar o estudo da matemática em atividades escritas. O cálculo

mental, tanto o exato como o aproximado, favorecem o desenvolvimento de

estratégias de pensamento. O cálculo mental aproximado permite estimar

resultados e, ainda, ajuda no controle do resultado do cálculo escrito.

Mas as dificuldades com a aprendizagem da matemática escrita,

utilizando o português e os algarismos arábicos na formulação dos

problemas, não vêm somente da barreira lingüística, provocada pelo uso do

português. Os próprios conceitos e parâmetros da matemática ocidental são

responsáveis pelas dificuldades. Um desses parâmetros é a linearidade, que

expressa, por exemplo, a concepção ocidental do espaço e do tempo em

uma linha reta.

O tempo, na concepção ocidental, é organizado de maneira linear e

cronológica. Relaciona-se, numa mesma reta ou linha, passado, presente e

futuro. Essa reta corresponde à ordem de progressão da reta numérica -

1,2,3,4,5,6,7,8,9,10 - presente em todo o sistema matemático escrito. Neste

sentido, a linha do tempo ocidental pode ser representada da seguinte

maneira:

Além de linear, o marco de referência do calendário cristão é o

nascimento de Cristo (o ano 0). É uma referência que não faz sentido para

povos indígenas, como os Xavante.

A concepção do tempo Xavante tem, fundamentalmente,

características cíclicas, em vez de lineares. Estes ciclos são expressos por:

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1. atividades sazonais, marcadas por condições climáticas concretas - o

tempo da seca e o da chuva;

2. elementos da própria estrutura sócia Xavante, marcada pela interação de

grupos sociais. Um dos ciclos da vida social do povo é expresso pela

sucessiva incorporação de indivíduos em classes de idade. Uma das

maneiras de marcar o tempo é remeter a 8 classes de idades, com 5 anos

cada, aproximadamente, formando ciclos de 40 anos, que se repetem

indefinidamente.

A cada 5 anos, portanto, meninos e meninas, em fase de iniciação,

passam a integrar uma nova classe de idade. Essas unidades de

classificação, em número de 8, totalizam um período de aproximadamente 40

anos.

As 8 classe de idade Xavante são:

• Tsada´ro

• Ai`rere

• Hötörã

• Tirowa

• Etepá

• Abareú

• Nodzö'u

• Anorowa

E sucessivamente:

Tsda´ro, Ai'rere, Hötörã...3

Desenho de Lino Tsere'a, da classe de idade Ai' rere

Assim, em vez de os Xavante datarem cronologicamente o

tempo fazendo uso do calendário astronômico (que divide o tempo em dias,

3 As classes em negrito formam uma metade; as demais, outra. Pará saber mais sobre a organização social Xavante, consulte o livro Nomes e Amigos: da prática Xavante a uma reflexão sobre os Jê. de Aracy Lopes da Silva (São Paulo, FFLCH-USP, 1986).

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meses e anos), remetem a um acontecimento, na tentativa de localizá-lo no

tempo. Quando os rapazes da classe de idade Tsda'ro furaram a orelha (um

rito importante da iniciação masculina), por exemplo, ou então quando

rememoram a ocasião em que os Tirowa mataram uma onça preta. A classe

de idade funciona, neste sentido, enquanto unidade de medida do tempo. Em

suma, pode-se dizer que o tempo Xavante é calculado em conjuntos ou

classes.

Na escola, os problemas matemáticos inventados pelos alunos

traziam, boa parte das vezes, outras unidades temporais, em vez de datas

numericamente grafadas (como 09/04/1998). Remetiam às classes de idade

ou, ainda, às categorias de idade - as fases do ciclo de vida Xavante. Estas

categorias poderiam ser comparadas ao que chamamos de infância,

adolescência, vida adulta e velhice. Todo Xavante passa, necessariamente,

por cada uma dessas fases no decorrer de sua vida. Cada categoria serve,

portanto, como medida de passagem do tempo.

Para trabalhar os problemas numericamente, ou seja, para saber

quantos anos passaram desde determinado acontecimento, era necessário

traduzir estas unidades temporais em unidades grafadas numericamente.

Isto, implicava não só o uso de algarismos arábicos mas, ainda, outra

maneira de classificar o tempo, a partir do calendário ocidental, cristão.

Interpretando os enunciados dos problemas

A solução que os professores encontraram para facilitar a resolução

de problemas em sala de aula foi investir na interpretação dos enunciados

apresentados por escrito em português. Explicavam aos alunos conceitos

que exigiam, por exemplo, adições ou subtrações

"Quando a gente junta duas ou mais coisas, a conta é de mais". Ou

então: "para juntar 2 canteiros de cebola e 2 de alho, a conta é de mais". Do

mesmo modo, "para separar ou tirar uma coisa da outra, é necessário uma

conta de menos".

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À medida que foram atribuídas às operações matemáticas de adição,

subtração, multiplicação e divisão os conceitos de juntar, tirar, separar, dar,

vender, comprar e ganhar, os alunos efetuavam as contas de forma correta.

Isto envolvia, porém, a memorização sobre a operação a efetuar, caso a

caso, ou seja, era mais um treinamento do que um entendimento dos

conceitos matemáticos.

Treinar alunos para a resolução de problemas ou questões é método

de ensino e prática pedagógica amplamente difundidos em escolas até os

dias de hoje. O povo Yukon, no Canadá, foi instruído, sistematicamente,

durante um ano, para resolver testes de inteligência aplicados pelo governo

canadense. A "incapacidade" dos índios para obter níveis de aprendizagem

semelhantes aos de não-índios caiu por água abaixo.

Desenho de Titomowé Xavante

Mas se o treino na resolução de problemas pode propiciar uma maior

sofisticação na solução de testes, esta estratégia não é eficaz a longo prazo.

A memorização em si não é permanente, nem os enunciados dos problemas

se mantêm constantes ao longo do tempo. Aliás, as variações nas

formulações de questões podem comprometer o entendimento do que está

sendo pedido. É o que tem acontecido em concursos públicos estaduais e

municipais para a contratação de professores indígenas no norte do país.4

Treinar alunos Xavante poderia garantir a obtenção de notas altas em

exames e testes, ponderaram os professores Aniceto, Simão, Luiz e Juliano.

Argumentaram, em reunião na escola, que este seria o método mais

4 Conforme o relato de professores indígenas do estado do Amazonas, durante o Encontro de Coordenadores de Projetos de Educação Indígena organizado pelo MEC em Brasília, em outubro de 1997.

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apropriado para ensinar. Era o método de ensino a que estavam

acostumados, largamente utilizado nas escolas dos missionários salesianos.

Os professores Xavante argumentavam, ainda, que o modelo

Salesiano de ensino - baseado na repetição, "decoreba" (memorização) e

testes de inteligência - era de mais fácil aplicação. Permitia, além disto, a

avaliação mais objetiva dos alunos. No final do mês ou do bimestre, bastava

aplicar uma prova. Quem obtivesse nota igual ou maior a 5 estaria aprovado.

Em caso de reprovação, a solução era a repetência.

Argumentar contra esse modelo, consolidado ao longo de décadas em

escolas missionárias, não é tarefa fácil. Hoje argumenta-se que a postura

avaliativa do professor deve ser constante: ele deve analisar a dinâmica do

grupo e o desempenho de cada aluno. Não se avalia apenas o que os

estudantes sabem ou não, mas a própria proposta pedagógica e a atuação

do professor. Além disso, o processo de avaliação continuada dá importância

aos saberes que promovam a autonomia das comunidades indígenas, na

busca e na construção do conhecimento.

A resistência inicial dos Xavante a uma proposta pedagógica

inovadora, de autoria dos próprios índios, foi se diluindo. Os professores e

lideranças Xavante perceberam que, na vida diária, o treino escolar era

pouco eficiente. Em outras palavras: notaram que os conhecimentos

adquiridos na escola não eram automaticamente transferidos para os

"problemas" da vida cotidiana. Ficou claro que "fazer contas" e resolver

problemas matemáticos criados em sala de aula, por mais difíceis que

fossem, não era suficiente para interpretar mapas, fazer a contabilidade do

posto indígena, analisar projetos governamentais, comercializar produtos

agrícolas, etc.

Ficou claro, também, que o conhecimento matemático de adultos

Xavante que nunca haviam freqüentado escolas missionárias era mais útil na

vida diária que o treino escolar. Estes adultos efetuavam cálculos

matemáticos, exatamente como aqueles feitos por crianças na contagem da

população Xavante junto aos técnicos da Sucam. Aqueles indivíduos mais

ligados às atividades de administração do posto indígena e os motoristas,

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tratoristas e enfermeiros, apresentavam maior domínio de problemas que

envolviam o pensamento matemático, pois o próprio trabalho propiciava

situações concretas para trabalhar com cálculos.

Paralelamente, 37 crianças entre 6 e 10 anos, aproximadamente, sem

experiência escolar anterior, iniciavam atividades na escola Xavante,

orientadas pelos 4 professores indígenas. Contavam em Xavante e em

português e resolviam pequenos problemas, apresentados de forma oral.

Formulavam problemas que apresentavam uns aos outros para resolver.

Nestes, os "dilemas" levantados eram muito distintos daqueles formulados

pelos professores.

Leandro Dzaiwaono, de 8 anos de idade, enunciou oralmente o

seguinte problema:

• Meu pai vai caçar paca. Ele tem uma caixa de cartuchos. Quantas pacas

vai matar?

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Nancy Redzatse, de 9 anos, formulou o seguinte:

• Na roça do meu pai tem muito milho. Minha mãe vai fazer bolo de milho.

Quantos bolos ela vai fazer?

Nestes 2 problemas fica claro que não existe relação estreita entre a

quantidade de espigas de milho ou cartuchos de espingarda e a quantidade

de bolos ou de pacas caçadas, respectivamente. As soluções para esses

problemas envolvem outras relações, que não estão incluídas nos

enunciados matemáticos.

No caso dos cartuchos, Leandro respondeu:

• Ele vai matar 3 ou 7 pacas, quantas conseguir matar.

Com a caça cada vez mais rara, é comum o Xavante ir para a mata com

muitos cartuchos, para garantir o maior número de animais possível, ou seja,

"quantos conseguir matar". Mais importante do que o número exato de pacas

a ser mortas, é o fato de se conseguir garantir alimento em quantidade.

Quanto às espigas de milho, Nancy afirmou:

• Ela vai fazer 3 bolos bem grandes, pará todo o mundo comer.

Sendo a generosidade uma virtude Xavante, inclusive na distribuição de

alimentos, os bolos seriam bem grandes, para todos comerem. Garantir bolo

de milho para todos seria mais importante, para Nancy, do que o número de

bolos que a mãe faria.

Em suma, as quantidades usadas nos problemas não eram simples

abstrações, desvinculadas do contexto, mas estavam intimamente

relacionadas a valores da cultura Xavante, e a atividades da vida cotidiana.

Além disso, a noção do todo ou da totalidade parece ser mais importante,

para os Xavante, do que as noções de unidade, de discriminação de

pequenas quantidades ou de unidades individualizadas. Relações entre

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conjuntos ou entre totalidades (cartuchos versus pacas; pés de milho versus

bolos) são, neste sentido, mais significativas. Isto indica, mais uma vez, que

a maneira Xavante de ver o mundo, em que o todo é concebido como a

soma das partes, é fundamental para compreender a matemática do povo.

Os problemas de Nancy e Leandro fogem ao modelo idealizado de

problemas matemáticos, em que uma situação simulada, expressa num

enunciado, nada mais é do que um suporte para relações estritamente

numéricas, que devem ser trabalhadas.

Esta experiência com educação matemática entre os Xavante do

Kuluene mostra que o conhecimento matemático de um povo não se reduz à

simples manipulação de algarismos e à habilidade de fazer contas. O

conhecimento matemático é muito mais complexo do que isso, porque

envolve relações entre indivíduos e as condições em que esse conhecimento

é produzido, ao longo do tempo.

Os conflitos enfrentados pelos Xavante na escola de Ritubre, a

Aldeinha, não precisam necessariamente existir. Saber que existem diversos

saberes matemáticos, e que é possível entendê-los e manipulá-los conforme

o contexto, valoriza e enriquece o processo de construção de

conhecimentos, próprio da educação específica e diferenciada a que os

povos indígenas têm direito.5

Acredito que, do ponto de vista dos Xavante, o maior mérito deste

trabalho foi o de trabalhar com o modo Xavante de formular e resolver

problemas matemáticos, de acordo com as próprias estratégias do povo.

Contribuiu também para desmistificar a concepção que a matemática é um

bicho-de-7-cabeças. Foi isso que Lino Sêrê'a, de 15 anos de idade, afirmou:

"Nem pensei que eu sabia tanta matemática assim".

5 Mais detalhes sobre a o ensino da matemática entre os Xavante podem ser encontrados no livro Com quantos paus se faz uma canoa! A matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena, de Mariana K. Leal Ferreira (Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1994).

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Capítulo IV

A matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena:

A trajetória Kaiabi até o Parque Indígena do Xingu

Os Kaiabi visitam parentes no rio dos Peixes. Desenho: Matareiup Kaiabi

O território tradicional Kaiabi ocupava vasta região que ia do noroeste do

Mato Grosso ao extremo sul do Pará. O povo vivia em pequenas aldeias situadas

às margens de vários rios, como o Teles Pires, Peixoto de Azevedo, Verde e dos

Peixes. As famílias Kaiabi visitavam-se com freqüência, principalmente durante as

festas e os rituais coletivos. Temidos por outros grupos, os Kaiabi guerreavam

com os Munduruku, Panará e outros povos que ousavam se aventurar pelo

território. A comida era abundante e os Kaiabi sempre tiveram saúde. Nas

palavras do professor Aturi Kaiabi:

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Briga, mesmo, só com índio bravo. A vida era muito tranqüila. Não tinha

doença, malária, gripe, tosse, nem coqueluche. Nada. Depois que os

caraíbas chegaram, os índios ficaram doentes. As doenças dos

caraíbas foram matando a gente. Qualquer doença matava. Não tinha

vacina nem remédio.1

Foi por volta do ano de 1850, com o progresso da indústria da borracha,

que a situação mudou. A população Kaiabi, estimada em 2.000 indivíduos na

época,2 passou a ser assediada por seringueiros, vindos de diferentes regiões

brasileiras. Os homens brancos eram chamados de caraíbas. lawyt Kaiabi, agente

de saúde da Aldeia Capivara, no Parque Indígena do Xingu, lembra o relato do

pai:

Judiaram mais porque namoravam com a índia, e o marido, irmão ou

parente dessa mulher falava para os seringueiros que não podia mexer.

Quando falavam isso, os seringueiros respondiam pelo revólver e pelo

chicote. Hoje nós esperamos que isso não aconteça mais.3

Com os caraíbas chegaram as doenças infecto-contagiosas. Aldeias

inteiras foram contaminadas pelo sarampo e o povo dizimado.4 Em represália, os

Kaiabi atacavam os barracões dos seringais e os postos do Serviço de Proteção

' Aturi Kaiabi, "Quando os Kaiabi não conheciam os caraíbas", em Histórias do Xingu, pg. 59. 2 De acordo com depoimento de Canísio Kaiabi, "A situação dos Kaiabi no Xingu hoje", em Histórias do Xingu, pg. 132. 3 lawyt Kaiabi, "O sofrimento dos Kaiabi", em Histórias do Xingu, pg. 64.3 Pelo menos quatro grandes surtos de sarampo atingiram os Kaiabi na região do rio Teles Pires, segundo o relato destes índios, por volta de 1927, 1932, 1943 e 1965. Ver as histórias Kaiabi em Histórias do Xingu, pgs. 43-142.

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aos índios (SPI), que começavam a se instalar na região, a partir de 1920. Os

Kaiabi punham fogo nos pertences dos brancos.

Movimentos migratórios de grupos Kaiabi em direção ao Brasil-Central, nas

décadas de 1920 e 1930, visaram manter distância das frentes pioneiras, que

entravam no território indígena procurando riquezas minerais e vegetais. As

primeiras tentativas de "pacificação, por volta de 1922, foram rechaçadas. Os

Kaiabi destruíram o Posto Indígena Pedro Dantas, instalado no rio Verde. A partir

de meados da década de 1920, porém, algumas famílias Kaiabi começaram a se

aproximar de postos do SPI, onde ainda, em alguns casos, permanecem.

Os Kaiabi procuram lugar para morar. Desenho: Matareiup Kaiabi

No início da década de 1950, integrantes da expedição Roncador-Xingu,

organizada pela Fundação Brasil-Central, contataram famílias Kaiabi do rio Teles

Pires. Os irmãos Villas-Bôas tentaram convencer os Kaiabi a se transferir para a

região do Xingu. Lá estariam, diziam eles, livres dos ataques de regionais, e

teriam assistência médica garantida, além de acesso a bens industrializados. Os

primeiros Kaiabi chegaram ao Xingu por volta de 1955, quando representantes da

Missão Anchieta já viviam com os Kaiabi das aldeias do rio dos Peixes.

Por volta de 1973, várias famílias que haviam migrado para o Pará também

foram levadas para o Xingu, pelos irmãos Villas-Bôas. Se na época a estratégia

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de retirada foi recomendada como a mais adequada, hoje em dia os Kaiabi

lamentam ter deixado o território tradicional, que acabou ocupado pelos caraíbas.

A entrada no Parque do Xingu, no entanto, permitiu a recuperação

demográfica. Mais da metade da população Kaiabi havia sido dizimada em 100

anos, de 1850 a 1950. De 1966 até 1995, a população cresceu de 179 para 665

pessoas.6

O processo de demarcação do Parque Indígena do Xingu, onde hoje

moram, além dos Kaiabi, outros 15 povos, levou 30 anos. Desde a criação oficial

do parque, em 1961, até a demarcação administrativa do novo território, em

1991, ocorreram várias tentativas para alterar os limites da terra indígena, além de

inúmeras invasões por parte de madeireiras, fazendeiros e garimpeiros.

A década de 80 foi muito tensa. Em 1980, 11 peões que invadiram uma

área ao norte do parque foram mortos com bordunas. Em 1983, o avião de um

fazendeiro foi seqüestrado. Em 1984, os Kaiabi e outros povos reagiram à

tentativa da Funai de diminuir a área do parque. Foi deflagrada a "Guerra do

Xingu". Aviões de fazendeiros foram tomados e funcionários viraram reféns.7 A

Funai cedeu e o trecho de 40 quilômetros de extensão por 15 de largura,

margeando o lado direito do rio Xingu, ao norte da estrada BR-080, foi

demarcado. Pela primeira vez na história do Xingu, um índio assumiu a direção do

parque. O escolhido, em 1984, foi Megaron Txucarramãe.

Em 1990, a situação fundiária parecia estar sob controle. Canísio Kaiabi,

líder da Aldeia Capivara e autor de vários textos sobre a história Kaiabi, declarou:

5 Permanecem hoje no rio dos Peixes, na Reserva Indjgena Apiaká -Kaiabi, 171 Kaiabi juntamente com índios Munduruku e Apiaká . Algumas famílias encontram-se na área Indígena Umutina (população: 191), a oeste de Cuiabá , entre índios Iranxe, Nambiquara, Pareci, Terena e Umutina. Os Kaiabi que permaneceram no Pará estão localizados em duas áreas indígenas contíguas - A.I. Cayabi e A.l. Cayabi Gleba Sul, com índios Munduruku (ver, na bibliografia, CEDI/PETI 1990). 6 Fonte de informação: "A Educação no contexto das teorias do contato: perspectivas antropológicas e indígenas", pgs. 40-55 (ver bibliografia, Mariana K. Leal Ferreira 1992); e Povos Indígenas no Brasil 1991/1995, pg. 599 (ver bibliografia, ISA 1996). 7 Um cronograma detalhado destes conflitos pode ser encontrado em "'A Guerra no Xingu': Cronologia", de Mariana K. L. Ferreira e Vanessa R. Lea, 1985, pgs. 246-258 (ver bibliografia).

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Como a gente está aqui no Xingu, a gente quase não tem invasão de terra.

Pelo jeito que a gente está vendo, não tem mais invasor. Mesmo assim, tem

gente aí meio pesquisando a gente, principalmente os garimpeiros e os

madeireiros. De onde os Kaiabi vieram, do rio Teles Pires, eu estou indo lá

visitar, todo ano: cada vez mais, os garimpeiros estão invadindo, os

madeireiros estão acabando com os paus, com a floresta.8

A Aldeia Capivara. Desenho: Sirawytu Kaiabi.

Com as invasões aparentemente sob controle-, os Kaiabi procuraram, a partir de

1985, garantir boa saúde e a alimentação das famílias Kaiabi, espalhadas ao longo do rio

8 Canísio Kaiabi,"A Situação dos Kaiabi no Xingu hoje", em Histórias do Xingu, pg. 131.Ver também duas versões da "História dos Kaiabi", de Canísio Kaiabi, no mesmo volume, (pgs. 72-77 e 78-83).

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Xingu. As famílias foram reunidas em aldeias maiores. Maku Kaiabi enumera os

argumentos usados para convencer os índios a fundar a aldeia Tuiararé:

Explicamos que nós temos que ficar juntos, porque os brancos não dão

mais presentes. Então precisamos estar reunidos para produzir

bastante coisa, para vender e comprar o que precisamos: sal, sabão,

botina, munição, fósforo e outras coisas.

Se nós fizéssemos roças comunitárias grandes, o governo daria

ferramentas para a gente trabalhar. Sem reunir os Kaiabi seria

impossível fazer roças grandes. Resolvemos trabalhar unidos, para o

trabalho nunca falhar.9

O trabalho comunitário - construção das casas, limpeza e plantio das roças,

compra de motores e ferramentas - tem envolvido cálculos e previsões de vários

tipos. Na liderança do novo grupo, Maku Kaiabi dá a idéia do esforço:

Começamos a tirar os paus no mato. Tiramos mais de 60 paus deste

lado do rio. Depois tiramos quase 150 paus do outro lado: esteio,

caibro, ripa, cumieira. Tuim Kaiabi resolveu dar uma mão e trouxe a

balsa até aqui. Ele transportou metade dos paus para o outro lado do

rio Xingu. Nós transportamos o resto de canoa. O Megaron arrumou 90

quilos de prego para nós, 30 quilos de cada tamanho.

O passo seguinte foi cortar palha de inajá para cobrir as casas.

Derrubamos 350 pés de inajá. Levamos 10 dias arrastando a palha

para a beira do rio. Depois tivemos que transportá-la de canoa, aos

poucos, porque a balsa que o pessoal construiu não agüentou. O

transporte durou 15 dias. Finalmente, cobrimos as casas, amarrando a

palha com embira.

9 Maku Kaiabi, ""A Formação da Aldeia Tuiararé", em Histórias do Xingu, pg. 126.

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A Aldeia Tuiararé. Desenho: Aturi Kaiabi.

A reunião dos Kaiabi em aldeias maiores, como a Tuiararé e a Capivara,

trouxe, na avalização dos líderes Maku e Canísio, diversos benefícios. A situação

de saúde de crianças e adultos melhorou com a compra de equipamento para as

farmácias. A comercialização de banana passa, mel e farinha de mandioca, bem

como a compra de rádios transmissores, motores de barcos e munição, ficou mais

ágil. Diminuiu a necessidade de viagens às cidades vizinhas, onde o perigo de

contágio de doenças é grande.

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Garimpeiros atravessam o Parque do Xingu pela estrada BR-080. Desenho: Vareraí Kaiabi.

Mas líderes Kaiabi, e de outras sociedades xinguanas, nunca deixaram de

se preocupar com o entorno do Parque. Canísio Kaiabi já se perguntava, em

1990, se o Parque do Xingu resistiria ao cerco das madeireiras, garimpeiros e

fazendeiros:

Será que não vai sobrar nada para nós? Será que não vai mais ter

água limpa? Será que não vai mais ter caça, mais macaco, mutum e

peixe? Pelo que eu estou vendo, vai estar cheio de madeireiras por

aqui. Perto, na "Serra da Macelândia", já são 150 serrarias. Lá no rio

Arraia, mais 150. Eu estou preocupado.

Os fazendeiros também, e principalmente eles, roubam as nossas

matas, acabam com o mato. Onde os Kaiabi moravam, no rio dos

Peixes, na aldeia antiga, tinha mais de 2000 índios. Cadê os mais de

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2000 índios que moravam naquele local? Não tem mais. Hoje você vai

ver só cabeça de boi.10

As previsões de Canísio Kaiabi transformaram-se em realidade 10 anos

depois. É o que mostra o "Projeto Piloto de Apoio à Fiscalização e Controle das

Fronteiras do Parque Indígena do Xingu", do Instituto Socioambiental:

Criado em 1961, o mais consagrado parque indígena do país está em

xeque. Mais de 300 serrarias investem na direção do seu limite oeste, no

tradicional abre-alas para a implantação de grandes fazendas. A leste,

avança a pecuária extensiva. Embora o Parque Indígena do Xingu esteja

preservado internamente, todas as cabeceiras dos formadores do rio Xingu

estão desprotegidas e os efeitos do desmatamento e da contaminação das

águas já afetam a vida das 16 etnias, que vivem no Parque: conflitos à

vista."

Vigiar a área de 3 milhões e 276 mil hectares e os 1.386 quilômetros de

fronteiras que compõem o Parque Indígena do Xingu não é tarefa fácil. A

elaboração de projetos de proteção às fronteiras e às cabeceiras dos rios exige

conhecimento de mapas de diferentes escalas e até imagens de satélites. A

matemática tem se mostrado amiga valiosa dos Kaiabi e de outros povos

xinguanos em todo o processo. Nas palavras de Maku Kaiabi:

Cada vez eu uso mais matemática. Desde que eu estudei no Diauarum, eu

já aprendi muito. Eu estudei a demarcação do Xingu. Agora é direto, estou

sempre fazendo conta, usando números. Você vê todos esses projetos aí,

precisa saber muita coisa. Hoje eu uso matemática para quase tudo.12

10 Canísio Kaiabi,"A Situação dos Kaiabi no Xingu hoje", em Histórias do Xingu, pg. 131-132. " "Ocupação desordenada ameaça o Parque Indígena do Xingu", Equipe de Redação do ISA, a partir do relatório citado acima, em Povos Indígenas no Brasil 1991/1995 , p. 614. 12 Depoimento de Maku Kaiabi à autora, na Aldeia Tuiararé, Parque Indígena do Xingu, em fevereiro de 1990.

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Limpando ouro na bateia com mercúrio: poluição. Desenho: Vareraí Kaiabi.

A matemática da vida cotidiana

A matemática mostrou-se útil na compreensão de cada uma das 5 fases do

processo de demarcação do Parque Indígena do Xingu.13 Em diferentes

momentos da história Kaiabi, a matemática tem sido um valioso instrumento.

13 As 5 fases são: identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação física e homologação (demarcação administrativa).

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Neste capítulo, destacamos a sua importância, desde o primeiro contato com

seringueiros, no século XIX. Vimos que, durante as primeiras negociações com

não-índios, os Kaiabi lutaram pelo território enquanto seringueiros e fazendeiros

achavam desperdício "tanta terra para pouco índio".

O decisão de aceitar a proposta de transferência para o Parque Indígena

do Xingu também exigiu elaboradas avaliações matemáticas. O valor dos

presentes oferecidos pelos irmãos Villas-Bôas, na tentativa de convencer os

Kaiabi a deixar o próprio território, também entrou em consideração. Uma vez no

Xingu, os líderes Kaiabi precisaram mapear o espaço para, estrategicamente,

construir as novas aldeias. A localização delas vem mudando ao longo dos anos.

O mapa a seguir mostra a situação em 1996.

Brigar pela demarcação do parque e vigiar as fronteiras do território exigem

a compreensão de muitas idéias matemáticas. A leitura e traçado de mapas é

essencial. Trabalhar com medidas de superfície, escalas e cálculos de áreas e

perímetro, também.

Uma forte preocupação Kaiabi desde o final dos anos 80 é a elaboração de

projetos comunitários que proporcionem a autonomia econômica do povo. O

conhecimento da matemática tem se mostrado fundamental para a elaboração de

propostas. São projetos de proteção das cabeceiras dos rios, de vigilância de

fronteiras, de apoio às escolas indígenas e de promoção da saúde. Todos pedem

noções de diferentes campos da matemática (como veremos na segunda parte do

livro).

O estudo da matemática nas escolas Kaiabi parte de situações da vida

cotidiana. Vejamos como um projeto comunitário pode fornecer valiosas

informações para o estudo da matemática em sala de aula. Reproduzimos

adiante, na íntegra, o texto do projeto, elaborado em 1997 pelos professores Aturi

Kaiabi, da Aldeia Tuiararé, e Awatat Kaiabi, da Aldeia Capivara.

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PROJETO PE APOIO ÀS ESCOLAS INDÍGENAS TUIARARÉ E CAPIVARA

DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU

UMA INICIATIVA COMUNITÁRIA

1. Apresentação

São responsáveis por este projeto os professores Aturi Kaiabi, da escola da

aldeia Tuiararé, e Awatat Kaiabi, da escola da aldeia Capivara, localizadas na

Terra Indígena do Xingu.

A população da aldeia Tuiararé é de 180 pessoas, sendo 45 estudantes. A

população da aldeia Capivara, 188 pessoas, sendo 37 alunos.

Os professores das escolas indígenas do Xingu vêm trabalhando com

muita dificuldade. Nós, professores, não temos salário, não somos contratados.

Nós temos família, trabalhamos anualmente, não temos tempo para pescar, caçar,

as roças ficam longe das aldeias e nós não temos tempo de fazer artesanato para

vender.

Os professores precisam sustentar as famílias e necessitam de anzol, linha,

munição, ferramentas, roupas, calçados e as mulheres também precisam de

materiais pará usar.

Na aldeia não tem mercado para comprar os alimentos para cozinhar, a

cozinha só funciona quando a gente pesca, caça e vai na roça.

É difícil ter o apoio da comunidade em termos de comida. Por isso nós

tivemos a idéia de trabalhar em parceria, buscando um outro tipo de apoio da

comunidade.

2. Objetivos

Queremos fazer duas roças de 350 m2, uma para cada aldeia. As roças

serão feitas no período de férias dos professores, no mês de maio de 1997.

Conforme o combinado entre as comunidades, vamos juntar os estudantes

das aldeias Tuiararé e Capivara, para fazer um mutirão para trabalhar nas roças.

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Nós vamos plantar banana, milho, batata-doce, amendoim, abacaxi,

mandioca doce e macaxeira. Estes produtos serão consumidos pelos estudantes

e professores, e o restante será vendido, para ter um recurso próprio para

manutenção das escolas.

3 Materiais Necessários

Necessitamos de combustível para transportar de uma aldeia pará outra as

pessoas que trabalharão no mutirão e os materiais, ferramentas, materiais de

pesca e caça e de gêneros alimentícios.

4. Orçamento

4.1. Combustível:

4.2. Materiais de Pesca e Caça

ESPECIFICAÇÃO

Gasolina

Óleo Diesel

Óleo 2 T

Sub-Total

QUANTIDADE

100 litros

200 litros

10 frascos 1/2 L

VALOR UNITÁRIO

0,85

0,50

3,00

TOTAL

85,00

100,00

30,00

215,00

ESPECIFICAÇÃO

Anzol n. 50

Anzol n. 70

Carreteis de linha n. 50

Carreteis de linha n. 70

Chumbo 3 T

Tubos de pólvora

SUB-TOTAL

QUANTIDADE

04 cx

04 cx

10

10

10 kg

10

VALOR UNITÁRIO

39,00

50,00

3,50

6,00

4,00

4,00

TOTAL

156,00

200,00

35,00

60,00

40,00

40,00

531,00

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4.3. Ferramentas

4.4. Gêneros Alimentícios e de Consumo

Valor total do Projeto: R$ 2.052,20

ESPECIFICAÇÃO

Lima

Machado

Facões

Foice

SUB-TOTAL

QUANTIDADE

02 cx

20 unidades

20 unidades

20 unidades

VALOR UNITÁRIO

66,00

15,00

5,50

9,50

TOTAL

132,00

300,00

110,00

190,00

732,00

ESPECIFICAÇÃO

Arroz

Fardos macarrão

Óleo de cozinha

Cebola

Fósforo

Sal

Cebola

Sabão

Bombril

Fumo

Pilha

SUB-TOTAL

QUANTIDADE

100 Kg

2 fardos

2cx

3 kg

2 fardos

30 kg

1 saco

2cx

10 pacotes

1 fardo

1 cx

VALOR UNITÁRIO

1,50

24,00

20,00

1,00

10,00

0,45

20,00

17,50

0,80

14,50

19,20

TOTAL

150,00

48,00

40,00

3,00

20,00

13,50

20,00

35,00

8,00

217,50

19,20

574,20

Fonte: ISA

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Trabalhar com os itens do orçamento do projeto permite uma variedade de

cálculos e estimativas, tanto exatos quanto aproximados.

• É possível calcular as porcentagens que o projeto vai gastar com combustível,

material de pesca e caça, ferramentas, alimentação e material didático.

• É possível prever quantas viagens de barco podem ser feitas entre as 2

aldeias, sabendo que cada viagem consome 25 litros de gasolina.

• É possível estimar quanto tempo vai durar o arroz, se alunos e professores

consumirem, cada um deles, 100 gramas de arroz por dia.

Além destes cálculos mais complexos, problemas mais simples podem ser

formulados. Alguns exemplos:

1. Se o valor unitário do litro de gasolina é de R$ 0,85, quanto custa 50 litros?

2. Qual o preço de 300 litros de óleo diesel?

3. Se cada caixa de anzol tem 50 unidades, quantos anzóis o projeto está

pedindo?

4. Se cada carretei de linha de pesca tem 100 metros, quantos metros de linha

estão sendo solicitados?

5. Entre os materiais de caça e pesca, qual é o item mais barato? E o mais caro?

6. Dos 4 tipos de materiais orçados, qual é o tipo mais caro (combustível, caça e

pesca, ferramentas e alimentação)?

7. Quanto os Kaiabi vão gastar com a alimentação?

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A roça comunitária na Aldeia Tuiararé. Desenho: Matari Kaiabi.

A matemática em sala de aula na Escola do Posto Indígena Diauarum

A resolução de problemas, no processo de ensino e aprendizagem da

matemática, tem merecido muita atenção por parte de educadores. É pena que,

em muitos casos, a atividade matemática seja reduzida exclusivamente a isto.

Reduzir o estudo da matemática à resolução de problemas que são, em geral,

artificialmente criados pelo professor ou então apresentados aos alunos em textos

já prontos, padronizados, acaba criando dificuldades em sala de aula, em escolas

indígenas ou não.

A matemática ensinada em sala de aula geralmente fica reduzida a

relações de quantidade e a atividades de resolução de problemas. O que vem a

ser um problema já é pré-determinado, bem como a sua resolução, que

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geralmente só admite uma resposta certa. Erros são geralmente considerados

fracassos e a criatividade, a intuição e a emoção não são valorizados no processo

de ensino e aprendizagem da matemática. Além disso, muitos estudos mostram

que a capacidade de resolver problemas em sala de aula não é transferida para

situações da vida cotidiana.

No caso de sociedades indígenas, a questão é agravada porque

muitos dos dilemas da vida cotidiana não são matemáticos e nem traduzíveis, em

muitos casos, em termos numéricos. Mesmo quando podem ser representados

por números, não exigem, necessariamente, resposta ou solução única. Existem

alternativas variadas para solucioná-los, expressas por estratégias culturais

distintas e que não se restringem a respostas certas ou erradas. É uma questão

que envolve valores muitas vezes conflitantes com os princípios rígidos dos

enunciados matemáticos.

Observe-se a seguinte formulação, apresentada por Paiê Kaiabi,

aluno da Escola do Diauarum no Parque Indígena do Xingu:

No dia 15 de maio eu desci com Canísio para ele comprar 80 litros de

gasolina. Ele aproveitou para levar 108 cachos de banana para vender pará o

pessoal do Bang-Bang. Ele vendeu por 500 cada um. Ele conseguiu vender só 50

cachos de banana. Saiu por 25 mil. O resto ele fez por 200 cada um. Só

conseguiu vender 30 cachos de banana. Ele recebeu mais 6 mil. Total de dinheiro

deu 31 mil. O resto da banana ele deu para caraíba.

Paiê articula, neste enunciado, o problema e a resposta, de maneira

simultânea. Os dados relativos à venda de bananas são trabalhados

matematicamente, e as respostas apresentadas no decorrer da descrição do

enunciado. As informações referentes à compra de gasolina servem para

contextualizar a situação em que se deu a venda de bananas, mas não são

apresentadas como um dilema que requer solução.

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Este enunciado de Paiê Kaiabi tem de ser analisado levando-se em conta

os critérios de distribuição de alimentos adotados pelos Kaiabi, cuja

generosidade é conhecida. Os Kaiabi têm vergonha de pedir alimentos e, ao

mesmo tempo, sentem-se obrigados a dar. Neste sentido, não existem restos, e

também não é prejuízo, uma coisa que deveria dar lucro e não deu. A noção de

problema está, neste caso, diretamente ligada à economia de uma sociedade,

basicamente igualitária.14

Trabalhando a matemática da vida cotidiana escola

Para trabalhar a matemática no dia-a-dia da escola é essencial transformar

situações da vida em suporte para o estudo da matemática. A história do povo

Kaiabi tem gerado, nas escolas do Parque Indígena do Xingu, discussões e

atividades que remetem ao estudo da matemática e de outras disciplinas, como a

geografia, a história e as ciências. O trabalho nas escolas do Xingu oferece a

professores, de outras áreas indígenas, sugestões de temas e atividades que

podem ser explorados em sala de aula. Confiram abaixo:

• traçado de viagens entre as aldeias Kaiabi dentro e fora do parque, e entre as

aldeias do parque e cidades vizinhas;

• avaliação da situação atual dos territórios tradicionais Kaiabi fora do Parque;

• elaboração de plantas das casas do posto, aldeias ou outras construções do

Parque do Xingu;

• leitura e traçado de mapas das aldeias e do parque, incluindo informações

sobre a ocupação do entorno do parque e sua localização no Brasil, América

do Sul e no mundo;

14 Êste problema de Paiê Kaiabi foi discutido originalmente em Com quantos paus se faz uma canoa! A matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena, de Mariana K. Leal Ferreira (MEC 1994). Serviu como subsídio para o documento Referencial Curricular Nacional pará as Escolas Indígenas (MEC 1998).

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• estratégias de vigilância das fronteiras do parque, incluindo a análise de imagens de

satélite; a criação e administração de postos de vigilância; planejamento de viagens

às áreas mais vulneráveis do entorno, entre outras;

• avaliação de relatórios de impacto ambiental, que tratam do assoreamento e da

contaminação das águas provocados pela atividade madeireira, garimpeira e

pecuarista ao redor do parque;

• discussão de processos que correm na Justiça, cujas ações foram movidas pelos

povos xinguanos para garantir a incorporação de terras de ocupação imemorial; e

de processos movidos por não-índios contra os povos xinguanos, contestando a

posse de terras indígenas, inclusive dentro do próprio Parque do Xingu;

• comercialização de excedentes da produção de produtos, como amendoim,

banana-passa, mel, farinha d'água e polvilho;

• aquisição de bens industrializados, permanentes e de consumo, tais como:

geradores de eletricidade, motores de barco, antenas parabólicas, equipamentos de

gravação e transmissão de imagens, material de caça e pesca, medicamentos,

material escolar, etc;

• leitura e interpretação de informações que aparecem em pedidos e recibos de

mercadorias, moedas e células de dinheiro, contas a pagar, extratos bancários,

contracheques, contratos de prestação de serviços, entre outros documentos;

• Consulta e construção de calendários indígenas e escolares, bem como de

atividades de lavoura, caça, pesca e coleta;

• Planejamento e organização de festas e outros eventos sociais, como viagens,

campeonatos esportivos entre as aldeias, reuniões de lideranças ou cursos de

formação de professores ou agentes de saúde e assembléias indígenas.

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Parte 2

Números, contas e mapas

Desenho: Djuni Patarra

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Capítulo V

A escrita dos números

Construir e analisar informações sobre a situação das terras e a população

indígena brasileira exigem conhecimentos matemáticos:

1. A população indígena vivendo hoje no Brasil é de cerca de 300 mil.

2. A população indígena representa cerca de 0,2% da população brasileira.

3. Dos 206 povos indígenas, 71 (34%) têm população de até 200 indivíduos.

4. Há 2 povos com população superior a 20 mil indivíduos (Kaingang e Ticuna)

e apenas 1 com aproximadamente 30 mil (Guarani).

5. Há 545 terras indígenas no Brasil.

6. A extensão total das terras indígenas no Brasil é de 93 milhões, 988 mil e

503 hectares.

Em primeiro lugar, quantificamos a população indígena brasileira e a

extensão das terras indígenas no Brasil. Designamos, também, agrupamentos de

populações - de até 200, mais de 20 mil e cerca de 30 mil indivíduos.

Comparamos percentualmente a população indígena com a população brasileira,

relacionando ordens de grandeza distintas. Relacionamos, ainda, o número de

terras indígenas no país à extensão dos territórios em hectares. Finalmente,

ordenamos as informações numa lista, composta por 6 itens.

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O estudo dos números e das operações numéricas é o campo matemático

tratado neste capítulo.

Atividades

Quantos hectares possui a terra indígena onde você mora ou trabalha?

Qual a população local?

Qual o número de aldeias, casas comunitárias ou de famílias que vivem no seu

território?

Quantos indivíduos da comunidade vivem na cidade?

Qual o salário do agente de saúde indígena no estado ou município em que você

mora? E do professor?

Quantas línguas são faladas na sua região? Quantas você fala?

Qual o número de alunos indígenas na escola em que você trabalha? E o número

de não-indígenas?

Na primeira parte do livro, vimos que os povos indígenas no Brasil possuem

as próprias idéias matemáticas. A situação de contato com a sociedade nacional,

porém, obriga os povos indígenas a compreender o sistema de numeração

decimal, da maneira como este sistema tem sido trabalhado no Brasil. Povos

indígenas, como os Palikur do Amapá, também trabalham com agrupamentos de

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10, mas as idéias matemáticas podem variar.1

O estudo dos números e das operações numéricas (as "contas") diz

respeito ao significado dos números: como são usados, para que servem e de

que maneira se relacionam entre si. Entender o significado dos números no

sistema decimal exige:

compreender que o sistema decimal opera com agrupamentos de 10;

aprender a representação escrita dos algarismos indo-arábicos (0,1,2,3,4,5...);

dominar operações de adição, subtração, divisão e multiplicação

entender divisões em frações e números decimais;

fazer estimativas e cálculos.

Se o uso de números "pequenos", como 5, 6 ou 7 não pede a compreensão

das regras da numeração decimal, é diferente com os números "grandes".

Compreender a escrita e o cálculo de grandezas da ordem de milhares e milhões,

por exemplo, requer o entendimento de agrupamentos de 10 e o valor posicionai

dos algarismos - regras da numeração decimal. Isto fica claro quando analisamos

a situação das terras indígenas apresentada na Tabela 1.

1 Ver o Capítulo II Deste volume.

111

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Tabela 1. A SITUAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL2

Situação

A identificar

Em identificação

Em identificação/revisão

Encaminhada ao Ministro da Justiça

para ser identificada

Identificadas - Encaminhadas ao

Ministério da Justiça

Delimitadas

Delimitadas com demarcação física

concluída

Reservadas com decretos

presidenciais antigos

Reservadas SPI com decretos

estaduais antigos

Demarcadas pelo Incra e adquiridas

para assentamento de comunidades

indígenas

Homologadas sem registro

Registradas no CRI ou SPU

Total

N° de terras

79

38

35

2

28

57

11

5

19

7

43

221

545

Extensão (hectares)*

4.808.700 (interditadas)

93.600 (interditados)

3.500.203(+

11.168.031

416.100

8.150.000)**

14.981.765

3.727.614

4.537.524

429.301

4.251

4.639.192

45.682.222

93.988.503

*1 hectare é igual a 10 mil metros quadrados. ** Extensão da Área Indígena Alto Rio Negro encaminhada pela Funai ao ministro da Justiça em 02/06/92, que engloba 14 Áreas Indígenas homologadas durante o Governo Sarney e 11 Florestas Nacionais criadas na mesma época.

2 Fonte: Povos Indígenas no Brasil 1991/1995. pg. 69, ISA, em 10/03/96.

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Atividades

Consulte a tabela anterior e escreva por extenso (por exemplo, 416.100 por extenso é quatrocentos e dezesseis mil e cem):

o número que representa o total de terras indígenas no Brasil;

o número que representa a extensão, em hectares, de todas as terras indígenas;

o número que representa as terras indígenas não identificadas;

o número que representa a extensão, em hectares, das terras indígenas delimitadas, com demarcação física já concluída;

o número que representa as terras indígenas registradas;

o número que representa a extensão, em hectares, das terras registradas.

A escrita dos números

Os sistemas numéricos de muitos povos, como o Rikbaktsa do Mato

Grosso, o Palikur do Amapá e o Guarani-Kaiová do Paraná, não têm registro

gráfico (escrito). Nem por isso o manejo de quantidades e medidas é menos

eficiente. Na ausência da escrita, outros métodos são inventados para registrar

quantidades. O povo Ikpeng (ou Txicão), que hoje vive na região do Médio Xingu,

marca o tempo de permanência dos caçadores na mata com nós em um fio. O

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mesmo ocorre entre os Kamaiurá do Alto Xingu.3

É comum contar associando quantidades aos dedos das mãos. A própria

origem do sistema decimal está relacionada à contagem dos 10 dedos das mãos.

Se tivéssemos 6 ou 8 dedos, provavelmente os agrupamentos seriam outros. Em

línguas indígenas encontramos também a relação entre os dedos das mãos e os

agrupamentos de 10. Os termos numéricos da língua Palikur, no norte do Amapá,

referem-se ao formato cilíndrico dos dedos da mão, usados na contagem do

sistema decimal daquele povo.4 Os Rikbaktsa, do norte do Mato Grosso, fazem a

mesma associação :

1 - Stuba (que significa "como um dedo da mão")

2 - Petoktsa ("como dois dedos da mão")

3 - Hokkykbyihi ("como três dedos da mão")

4 - Sihokkykkyktsa ("como quatro dedos da mão")

5- Mytsyhyyytsawa ("como a minha mão")

6- Mytsyhyyytsawa usta tsyhy humo stuba ("como a minha mão e o dedo da

outra mão").5

3 Conforme a proposta curricular para a "Área de Matemática", do documento Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (MEC 1998). 4 Ver o Capítulo 2 deste volume. 5 Conforme a proposta curricular para a "Área de Matemática", do documento Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (MEC 1998).

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Atividade

Pesquisar métodos de contar e de registrar quantidades entre os mais velhos da sua comunidade.

Quais os termos numéricos da língua? O povo usa termos numéricos em português quando conta em língua indígena? Usa outros dialetos?

Como é feita a contagem? São usados os dedos da mão? E do pé? Sementes e pedras?

Que método é usado para registrar quantidades? Nós em fio ou corda? Traços ou outras marcas em madeira ou outro material? Foram adotados os algarismos indo-arábicos (1, 2, 3, 4, 5...)?

As quantidades são agrupadas quando se faz a contagem? De 2 em 2, 5 em 5, 6 em 6, 10 em 10, 20 em 20, etc?

Os algarismos indo-arábicos: 0 ,1 , 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9...

A matemática é uma criação humana. Vários métodos foram criados para

registrar quantidades e fazer cálculos. Diferentes símbolos que, em alguns casos

viraram algarismos, foram desenvolvidos ao longo da história em diferentes partes

do mundo. Os próprios algarismos indo-arábicos têm história, isto é, não foram

criados do dia para a noite. Estes algarismos foram inventados por matemáticos

hindus, no Vale do Rio Indo que, atualmente, faz parte do Paquistão, um país

vizinho da índia, na Ásia. Confira, abaixo, as diferentes formas dos algarismos,

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desde o ano 300 antes de Cristo (AC) até os dias de hoje (DC):

Depois de criados pelos hindus (povo que hoje vive majoritariamente na

índia), os árabes adotaram os algarismos e depois os europeus. Por isso são

chamados de algarismos indo-arábicos. Veja, no mapa a seguir, a localização do

Vale do Rio Indo, no Paquistão:

6 Adaptado do livro The Crest of the Peacock. Non-European Roots of Mathematics , de George Joseph(Londres: Penguin Books, 1990, p. 314).

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Mapa do Vale do Rio Indo7

Mas os algarismos indo-arábicos não foram os únicos registros numéricos

criados ao longo dos séculos. Um dos primeiros povos a criar um método de

representar os números foi o egípcio, que vivia no vale do Rio Nilo, no nordeste

da África. Vejam os símbolos criados pelos egípcios por volta do ano 3.000 AC,

ou seja, cerca de 5 mil anos atrás:

7 Reproduzido do livro Matemática Atual. 5a. Série, de Antônio José Lopes Bigode, pg. 8 (Atual Editora, 1994V

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Símbolos criados pelos egípcios por volta do ano 3.000 A.C.

Reparem que o sistema é decimal porque trabalha com agrupamentos de

10: 10, 100, 1.000, 10.000, etc.

Para representar os números 257 e 426, por exemplo, os egípcios escreviam

assim:

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Reparem que o valor dos números é a soma dos valores dos símbolos. O

mesmo acontece com o sistema de numeração decimal, representado por

algarismos indo-arábicos. Assim,

257 = 2 0 0 + 5 0 + 7 e 426 = 400 + 20 + 6

Já os Maias - povo que vivia na América do Norte e na América Central muito

antes da chegada dos europeus - desenvolveram um sistema de numeração de

base 20, isto é, agrupando de 20 em 20. Por volta do ano 500 A.C., os Maias já

usavam estes símbolos numéricos, e representavam os números 151 e 260, por

exemplo, da seguinte maneira:8

8 Fonte de informações: "Representação dos Números", em Matemática Atrual. 5a. Série, de Antônio José Lopes Bigode, pgs. 13 e 14 (Atual Editora, 1994).

Símbolos Maias representando os números de 0 a 20

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O sistema de numeração romano, também criado na antigüidade, é usado

hoje em dia no Brasil e em outras partes do mundo, para representar os séculos

(século XX, por exemplo) e os capítulos de livros (como este Capítulo V, por

exemplo). Foi desenvolvido pelos romanos durante o Império Romano que, no

primeiro século antes de Cristo (século I AC), se estendia da Europa à Ásia e à

África. Roma, a capital da Itália (país localizado na Europa) substituiu os

algarismos romanos pelos indo-arábicos, porque era mais fácil fazer cálculos com

os indo-arábicos.

Os principais algarismos romanos são:

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Notem que as operações de adição e subtração fazem parte da formação dos

algarismos romanos. Por exemplo:

VII é 5 +1+1 + 1 IX é 10-1 XL é 50-10 DC é 500+100

Vejam como se escrevem em algarismos romanos os seguintes números:

1500 1998

MD MCMXCVIII

1000 + 500 1000 + 1000 -100 + 100 -10 + 5 + 1 + 1 + 1

679 2001

DCLXXIX MMI

500 +100 + 50 + 1 0 + 1 0 + 1 0 - 1 1000 + 1000 + 1

Atividades

~Crie símbolos para representar os números. Trabalhe com agrupamentos de 2, 5, 6, 10 ou 20, como quiser. Veja até que número você consegue chegar.

~ Escreva o ano em que você nasceu em algarismos romanos.

as Escreva a sua idade em algarismos romanos.

~ Escreva em algarismos romanos os seguintes números:

545 670 1857 2000 31000

~ Escreva em algarismos indo-arábicos os seguintes números:

IIIV XLI LVII LX XC

CX CCC DC DCL

M MC MCM MMD

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O sistema de numeração decimal e os algarismos indo-arábícos.

Dos diferentes sistemas de numeração criados ao longo dos séculos -

egípcio, romano, maia, etc. - aquele que ganhou mais força foi o sistema decimal,

representado pelos algarismos indo-arábicos. Ele é hoje utilizado praticamente em

todo o mundo, nos mais diferentes contextos. Isto não quer dizer que outros

sistemas de numeração, que trabalham com agrupamentos de 2, 5, 6 ou 20 sejam

inferiores. Significa apenas que o sistema decimal e os algarismos indo-arábicos

formam, hoje, uma linguagem matemática universal, que permite a comunicação

dos diferentes povos. Por esta razão é importante estudar o sistema numérico

decimal.

Este sistema, como o termo indica (em latim, dez é "decem"), agrupa

números de 10 em 10. Cada um destes agrupamentos tem nome: unidade,

dezena, centena, milhar, milhão, bilhão, trilhão e assim por diante.

O zero é um elemento importante deste sistema. O símbolo 0, que

significa uma posição vazia, apareceu pela primeira vez no século IX ,

inscrito num objeto achado na índia. Era semelhante a um ovo de pato:

Outra idéia matemática que contribuiu para o desenvolvimento do

sistema de numeração decimal foi a noção de valor posicionai dos

símbolos. Mesmo antes dos hindus inventarem os algarismos indo-

arábicos, um desconhecido escritor egípcio já havia afirmado que "De lugar

em lugar, cada um vale 10 vezes o precedente".9 Em outras palavras, isto

é o mesmo que dizer que a dezena vale 10 vezes a unidade, a centena 10

vezes a dezena, o milhar 10 vezes a centena e assim por diante.

9 O precedente é aquele que vem antes: a unidade vem antes da dezena; portanto, a dezena vale dez vezes a unidade. E assim por diante.

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Reparem, nos números abaixo, como o valor do 5 depende da posição

ocupada:

5 555 5 555 5 555 5 555

5 50 500 5 000

unidades unidades unidades unidades

A invenção do sistema de numeração decimal baseou-se, portanto,

na ligação destas 3 idéias:

~ invenção do 0;

~ agrupamentos de 10 (a base decimal);

~ valor posicionai do símbolo.

O ábaco

O ábaco é como uma máquina de fazer contas, ou seja, uma

máquina de calcular. Mas esta máquina não está programada para fazer

cálculos como as calculadoras que encontramos por aí. Nós é que o

programamos, mudando as miçangas ou pedrinhas de lugar, de acordo

com os agrupamentos desejados. Por esta razão, o ábaco permite trabalhar

com diferentes bases, isto é, com sistemas numéricos que operam com

agrupamentos de 2, 5, 10 ou 20 (os mais conhecidos).

Ao longo da história, muitos tipos de ábacos foram inventados.

Alguns povos da antigüidade faziam a contagem colocando pedrinhas em

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buracos cavados no chão. Aqueles que agrupavam de 10 em 10

substituíam grupos de 10 pedrinhas por uma única pedra, depositada em

um buraco ao lado. As 10 pedras no buraco ao lado eram substituídas, por

sua vez, por outra pedra, colocada num terceiro buraco, dando origem ao

número 100. E assim por diante.

Os ábacos utilizados em escolas, bem como em lojas comerciais

orientais (japonesas, chinesas e coreanas, entre outras) geralmente são

caixas de madeira com miçangas enfiadas em hastes, fixas na moldura. No

sistema decimal, cada haste corresponde a agrupamentos de 10: unidade,

dezena, centena, milhar, etc.

Vejam, na foto abaixo, 3 tipos de ábaco. O primeiro, dourado e mais

à frente, é um ábaco chinês. O segundo, de madeira escura, é japonês. O

terceiro, de armação branca de plástico, é um ábaco romano.

Ábaco chinês, japonês e romano. Foto: Mariana K. Leal Ferreira

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Na matemática Guarani-Kaiová, por exemplo, os agrupamentos são de 6

em 6. A regra para o uso do ábaco seria, portanto, "nunca 6", ou seja, cada

agrupamento de 6 teria de ser trocado por uma miçanga (ou pedra) da haste

seguinte.

Já as calculadoras estão programadas para operar com o próprio

sistema decimal. Isto significa que toda a linguagem matemática usada pela

calculadora e os cálculos que ela faz quando acionamos as teclas são

elaborados a partir de agrupamentos de unidades, dezenas, centenas,

milhares e assim por diante.

Quando fazemos a conta 15 + 38, a calculadora, automaticamente,

não permite que a "casa" ou lugar das unidades tenha mais que 9

unidades. Quando chega ao número 10, estas 10 unidades são trocadas

por uma só, que passa a ocupar o primeiro lugar à sua esquerda, ou seja, a

casa das dezenas. No caso da operação 15 + 38, a adição das unidades 5

e 8 dá 13. A calculadora automaticamente transforma 10 unidades em uma

dezena e "manda" esta dezena para a casa da esquerda (a gente diz, neste

caso, "vai 1"). As 3 unidades restantes ficam no seu lugar:

Desenho de Mairum Leal Ferreira

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O mesmo acontece com a casa das dezenas: quando

ultrapassa 9 dezenas, ou seja, quando atinge 10 dezenas, a calculadora

manda uma dezena para a casa vizinha, a das centenas. São sempre

agrupamentos de 10: 10 unidades correspondem a uma dezena, 10

dezenas a uma centena, 10 centenas a uma unidade de milhar, e assim por

diante.

O mesmo acontece com as operações de subtração, multiplicação e

divisão. Na subtração, acontece a operação inversa: quando não se pode

subtrair uma unidade de outra, porque a primeira é menor do que a

segunda, empresta-se uma dezena da casa seguinte:

Com o empréstimo da dezena já é possível fazer a subtração,

porque 14 é maior do que 5. Por sua vez, o 8 que emprestou 1 dezena para

o quatro vira 7.

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A calculadora está programada para fazer estas operações decimais,

em agrupamentos de 10. O ábaco não está. Nós o programamos.

Existem muitas maneiras de construir um ábaco, fazendo uso de

materiais os mais variados. Pode-se usar pedras ou sementes de diversos

tamanhos e cores, representando os agrupamentos trabalhados. Palitos de

sorvete e outros objetos podem ser pintados de azul, verde, vermelho,

amarelo, roxo, preto, onde cada cor representa, no sistema decimal,

unidades, dezenas, centenas, unidades de milhar, e assim por diante.

Atividades

~ Construa um ábaco. Use a imaginação e utilize os materiais disponíveis na região.

~ Usando a regra do sistema decimal, represente no ábaco que você criou diferentes números: o ano atual, o número de alunos da escola, a população da casa, aldeia, área e/ou cidade onde mora, etc.

~ Pratique o jogo do professor Naru Canoé. Você mesmo pode construir dados de papel ou de madeira, com número de lados variados (o mais comum tem 6 lados, numerados de 1 a 6).

~Trabalhe com outros agrupamentos no ábaco, usando as regras de "nunca 5" (para agrupamentos de 5) ou "nunca 20" (para agrupamentos de 20).

~ Invente outros jogos com o ábaco.

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JOGO

O professor Naru Canoé, em Rondônia, inventou um jogo de dados para ajudar a

compreender o sistema decimal. Cada jogador desenha numa folha de papel uma

fileira de 3 ou 4 círculos. Cada círculo representa o lugar das unidades, dezenas,

centenas, etc. O jogador lança o dado uma vez (ou mais vezes, a combinar) e

começa colocando a quantidade correspondente de miçangas, sementes ou

pedrinhas no lugar das unidades. Quando a quantidade ultrapassa nove, ele

substitui por uma pedrinha no segundo círculo, das dezenas. Depois de várias

rodadas, ganha o jogador que tiver o maior número registrado no ábaco. Ou,

então, ganha aquele que chegar primeiro ao número 100. É possível, ainda, usar

um mesmo ábaco, onde todos os jogadores depositam, cada um na sua vez, as

miçangas correspondentes ao lançamento do dado.

Jogo de dados de Naru Canoé

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Capítulo VI

Enfim, as contas matemáticas!

O estudo das 4 operações fundamentais

+ adição

- subtração

X multiplicação

— divisão

Nem todos gostam de fazer contas, mas muitos querem aprender. Dominar

as 4 operações não significa apenas saber efetuar contas. A compreensão do

significado dos cálculos permite resolver situações práticas da vida, que são úteis

no dia-a-dia.

Na grande maioria dos livros de matemática, as operações são

apresentadas nesta ordem: adição em primeiro lugar, a divisão em último. Explica-

se que a adição é a forma mais fácil e "natural" de aprender. A conta de dividir,

por sua vez, deve ser a última, por ser a mais difícil, já que exige o conhecimento

anterior da adição e da subtração.

Entre diversos povos indígenas, porém, como os Juruna, Kaiabi e Xavante,

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a atividade de dividir é realizada com freqüência nas atividades cotidianas. É isto

que Jaime Llullu Manchineri quis dizer quando afirmou, na abertura do livro, que o

amor também é matemática, porque se faz necessário repartir os bens com os

outros. A divisão de alimentos, por exemplo, é feita de acordo com vários critérios,

como as relações de parentesco.

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Repartir carne de caça envolve estimativas e cálculos precisos. Muitas

vezes, não se trata de dividir em partes exatamente iguais, porque casas com

mais moradores ou idosos são privilegiadas, ou então a família do caçador tem

mais direito. Podem entrar em consideração, ainda, dívidas anteriores.

A divisão na vida cotidiana Xavante

As crianças Xavante da Área Indígena de Pimentel Barbosa, no Mato

Grosso, imitam os pais dividindo a caça, brincando com ossinhos de animais. Os

meninos brincam que chegam da mata carregando a caça, mas estão trazendo

cestos com ossos. A chegada da "caçada" é esperada na aldeia pelas meninas

que, como as mulheres, cortam, distribuem e preparam a "carne"- no caso os

ossinhos. As casas da aldeia, para onde são levadas a carne, são representadas

por círculos desenhados no chão. As melhores partes da "caça", simbolizadas

pelos ossos maiores, são distribuídas primeiro. Cada casa Xavante ganha a

própria cota. Em seguida, repartem-se os ossos médios e pequenos. As meninas

cuidam para que a divisão seja feita de maneira equitativa, garantindo "carne"

pará todos os moradores de cada casa.

Atividade

~ Como é feita a divisão de alimentos e outros bens na comunidade onde você mora ou trabalha?

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Desenho: Moisés Xavante

Adição e subtração

Se para as comunidades indígenas a divisão igualitária de bens e serviços

é essencial para garantir o bem-estar de todos, para as sociedades capitalistas

(do homem branco) o que importa é o acúmulo de riquezas. No Brasil, 10% da

população controlam 50% da riqueza do país! E os 50% mais pobres ficam com

apenas 10% do que é produzido pelo conjunto da sociedade.

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Muitos estudiosos já mostraram que a história da matemática ensinada na

maioria das escolas brasileiras está intimamente ligada ao desenvolvimento do

capitalismo. Esta associação da matemática a este modelo econômico teve

conseqüências: acabou determinando conceitos e operações da matemática.

Exemplo: "dar" alguma coisa "exige" conta de "menos", a chamada conta de

subtração. Se tenho 17 cuias e dou 5, fico com 12, porque 1 7 - 5 = 12. "Ganhar"

algo, por sua vez, passou a requerer conta de "mais", ou de adição. Se tenho 8

peixes e ganho 2, fico com 10, porque 8 + 2 = 10.

Em sociedades basicamente igualitárias, como as indígenas, prevalece o

princípio de reciprocidade, ou seja, a obrigação de dar, receber e retribuir. Nestas

sociedades, "dar" e "receber" não pedem, necessariamente, conta de menos ou

de mais. Não é, portanto, porque dei algo, que vou ficar com menos. É que mais

tarde você vai retribuir o meu presente. Estas diferenças podem criar dificuldades

na hora de escolher operação matemáticas.10 Por isso é importante saber quais as

ações ou pensamentos que "pedem", na matemática escolar, contas de adição,

subtração, multiplicação e divisão:

~ adicionar é juntar, reunir ou unir;

~ subtrair é tirar ou a diferença que existe entre 2 números;

~ multiplicar é juntar várias vezes a mesma quantidade; e

~ dividir é repartir em partes iguais.

Vejamos, em detalhe, cada uma destas operações.

A adição

~ A idéia mais comum associada à adição é a de juntar, reunir ou unir.

Na escola Guarani da Aldeia Boa Esperança, em São Bernardo do Campo,

no estado de São Paulo, estudam 17 meninos e sete meninas. Quantos

10 Ver Capítulo III deste volume.

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alunos tem a escola?

17 + 7 = 24

A escola tem 24 alunos.

~ Outras idéias que pedem a adição são: ganhar, comprar, receber e

adicionar.

A biblioteca da Escola Boa Esperança tinha 21 livros. Os Guarani receberam

outros 15 livros. Quantos livros a escola tem agora?

21 +15 = 36

A escola tem 36 livros agora.

Alunos da Escola da Aldeia Krukutu, no município de São Bernardo do Campo, SP. Foto: Mariana K. Leal Ferreira, 1998

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Atividades

Resolva os seguintes problemas:

1. Existem 2 aldeias indígenas Guarani no litoral norte do Estado de São Paulo: a aldeia Boa Vista, no município de Ubatuba, e a aldeia Rio Silveira, em São Sebastião. Em Boa Vista moram 126 Guarani e em Rio Silveira, 285. Quantos Guarani residem no litoral norte do Estado de São Paulo?

2. A extensão da Área Indígena Boa Vista, em Ubatuba, é de 801 hectares. A extensão da Área Indígena Guarani do Ribeirão Silveira é de 948 hectares. Qual a extensão das 2 áreas indígenas Guarani?

3. Na Área Indígena Boa Vista funciona a Escola Indígena Tembiguai. Em 1997, havia 30 crianças estudando no período da manhã e 12 adultos estudando à noite. Qual o total de alunos da Escola Indígena Tembeguai?

4. No município de Mongaguá, no litoral sul do Estado de São Paulo, há 2 aldeias: a Itaoca, com 105 pessoas, e a Aldeia Aguapeupe, com 60. Qual é a população Guarani em Mongaguá?

5. Qual é a população escolar da comunidade onde você mora ou trabalha? Quantas são crianças? E adultos? Qual é o número de homens? E de mulheres?

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Aldeia Rio Branco, Município de Peruíbe, Litoral Sul do Estado de São Paulo. Foto: Mariana K. Leal Ferreira, 1998

- A subtração ~ A idéia mais comum associada à subtração é a de tirar.

Na biblioteca Guarani da Aldeia Itaoca há 12 livros, sendo 5 livros

escritos em Guarani. O professor João Carlos tirou os livros Guarani para

dar aula. Quantos livros ficaram na biblioteca?

12 -5 = 7

Ficaram 7 livros na biblioteca.

~ Outras idéias que pedem a subtração são: dar, diminuir, perder, reduzir,

abandonar, descontar, cortar e comparar a diferença.

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A população da Aldeia do Rio Branco é de 26 Guarani e a da Aldeia da Ilha do

Cardoso é de 21 Guarani. Ambas estão localizadas no litoral sul do Estado de

São Paulo. Quantos Guarani há a mais na Aldeia do Rio Branco?

Neste caso, estamos comparando a diferença populacional das 2 aldeias.

26 - 21 = 5

Na Aldeia do Rio Branco há 5 Guarani a mais do que na Aldeia do Cardoso.

~ Uma última situação que pede uma subtração é ligada à idéia de completar

ou quantos faltam para...

Na Escola Indígena Tembiguai, na Área Indígena Boa Vista, há 30 crianças

estudando no 1o grau (1a a 4 a séries). Do total, 20 já completaram a 2 a

série. Quantas faltam completar a 2 a?

30 - 20 = 10 10 alunos faltam completar a 2a série.

Desenho: Gildo da Silva Guarani, aluno da Escola da Aldeia Krukutu

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Atividades

Consulte a tabela abaixo, com dados sobre a população das aldeias Guarani no litoral do Estado de São Paulo (dados de 1998), e responda as questões:

Ilha do Cardoso

Rio Branco Itaoca

Agua-peupe

Homens 13

16

?

32

Mulheres 8

?

55

28

Total

?

26

105

?

1. Qual é a população da Ilha do Cardoso? 2. Quantas mulheres há no Rio Branco? 3. Quantos homens há em Itaoca? 4. Qual é a população de Aguapeupe? 5. Quantos homens há nas 4 aldeias? 6. Quantas mulheres há nas 4 aldeias? 7. Qual é a população total das 4 aldeias?

X A multiplicação

~ A idéia mais comum associada à multiplicação é a de juntar várias vezes a

mesma quantidade.

Em uma sala de aula da Escola do Bananal, no município de Peruíbe, há 5

fileiras de carteiras. Cada fileira tem 6 carteiras. Quantas carteiras há

nesta sala de aula?

5 x 6 = 30

6 + 6 + 6 + 6 + 6 = 30

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Há 30 carteiras na sala de aula.

Outras idéias que sugerem multiplicação são: duplicar e dobrar (multiplicar

por 2), triplicar (multiplicar por 3), quadruplicar (multiplicar por 4),

quintuplicar (multiplicar por 5), etc.

Além disso, há várias formas de representar uma multiplicação:

usando o sinal x, como em 3 x 4

usando o ponto . , como em 3 . 4

usando o asterisco * , como em 3 * 4 (aparece em calculadoras e computadores).

Alunos da Escola do

Bananal, município de

Peruíbe, S.P. Foto:

Mariana K. L. Ferreira,

1998

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Atividades

1. Se a população da Aldeia Itaóca, que é hoje de 105 indivíduos, dobrar em alguns anos, qual será este total? E se a população triplicar?

2. Hoje a Aldeia da Barragem tem 2 salas de aula com 30 carteiras em cada. Se forem feitas mais duas salas de aula com o mesmo número de carteiras em cada, quantas carteiras a escola terá ao todo?

3. Na biblioteca da Escola Krukutu há uma estante com 5 prateleiras. Se forem colocados 35 livros em cada prateleira, quantos livros terá a estante?

4. Na Escola Guarani do Rio Silveira usa-se mesas em vez de carteiras. Em cada mesa podem sentar 8 crianças. Quantas crianças podem sentar nas 8 mesas do pátio da escola?

5. Um aluno Guarani da Escola Krukutu vai usar papel quadriculado para fazer um desenho geométrico. Quantos quadradinhos há no papel que ele vai usar?

Desenho: Gildo da Silva Guarani, aluno da Escola da Aldeia Krukutu

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A divisão

~ A idéia mais comum associada à divisão é a de repartir em partes iguais.

Na Escola da Aldeia Krukutu o professor Paulo vai repartir 50 lápis para 25

alunos. Quantos lápis cada aluno vai ganhar?

Professor

Paulo

Guarani e

alunos da

Escola da

Aldeia

Krukutu.

Foto:

Mariana K.

Leal

Ferreira,

1998

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50 +25 = 2

Cada aluno vai ganhar 2 lápis.

Esta é uma conta sem restos, ou seja, é exata porque não sobraram lápis. Se ao

invés de 50 lápis eu tenho 55, então 50 * 25 = 2 e sobram 5 lápis, que não

podem ser divididos entre os 25 alunos. A conta, no caso, não é exata.

Observem:

número de lápis -> 55 25 |<- número de alunos (divisor)

(resto) lápis que sobraram -> 5 2 <- lápis por aluno

Notem que 2 x 25 = 50

Observações importantes:

# Se o resto = 0, a conta é exata.

# O divisor seve ser sempre diferente de zero. Não se divide por zero.

# O resto deve ser sempre menor do que o divisor.

~ Outras idéias que pedem divisão são as seguintes: partir, fracionar, separar,

formar grupos e repartir.

A divisão também deve ser vista como uma operação inversa da multiplicação.

Isto quer dizer que se 5 x 7 = 35, então 35 * 7 = 5.

Outros exemplos de situações-problema em que podemos usar a divisão:

Comprei 50 quilos de arroz. O arroz veio embalado em 10 sacos. Quanto

pesa cada saco?

50 : 10 = 5 Cada saco pesa 5 quilos.

Um quilo de prego custa 2,00 reais. Quantos quilos de prego posso comprar

com 20,00 reais?

20,00:2,00= 10

Posso comprar 10 quilos.

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A matemática na farmácia

Uma atividade que exige o domínio das 4 operações matemáticas é a de

prescrever remédios. Agentes de saúde em todo o Brasil são confrontados com a

medição, o cálculo de medicamentos e as tabelas de horários.

Medindo a quantidade de solução reidratante

Para entender estes cálculos, vamos examinar uma tabela que estipula a

quantidade de solução reidratante oral (SRO) que deve ser dada para crianças

com diarréia (4 a 10 evacuações por dia) e desidratação (caracterizada por

sintomas como vômito, sede acima do normal, urina em pequena quantidade,

indisposição, boca e língua secas, e respiração e pulso mais rápidos do que o

normal). Estas indicações constam do manual Saúde Yanomami. elaborado pela

Comissão Pró-Yanomami em 1985. A desidratação é muito séria e é a maior

causa da mortalidade infantil no Brasil. A solução reidratante oral é fácil de ser

preparada e é um remédio muito eficiente.

Atividades ~ Entre as divisões seguintes, quais são exatas? Faça as contas no

caderno. a) 75 :5 b ) 8 5 : 1 0 c) 240 : 2 d)240: 4 e)100 :20 f)1233 :3 g) 1234 :4 h) 1234 : 5

~ Um avião monomotor pode levar 5 passageiros e 500 quilos de bagagem. Quantos quilos de bagagem cada passageiro pode levar?

~ Colhemos cerca de 300 litros de mel. Quantos latas de 20 litros podemos encher com este mel?

~ Temos 490 litros de combustível para 7 aldeias. Como dividir a combustível para que todos recebam a mesma quantidade?

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COMO PREPARAR A SOLUÇÃO REIDRATANTE ORAL (SRO)

1. Lave as mãos.

2. Em um recipiente limpo coloque 1 litro de água fervida. Acrescente:

1 COLHER DE CHÁ RASA DE SAL (colher pequena, de 4 a 5 ml). Note que ml

quer dizer mililitro. Cada mililitro é 1 milésimo (1/1000) de litro.

4 COLHERES DE CHÁ BEM CHEIAS DE AÇÚCAR e mexa muito bem.

3. Verifique na tabela a seguir a quantidade de solução necessária para tratar a diarréia

ou a desidratação, de acordo com o peso da criança (ou do adulto).

Catarina Guarani pesquisa a saúde de povos indígenas. Aldeia Itaóca, 1988. Foto: Mariana K. Leal Ferreira

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Note que há uma relação entre o peso da criança (ou do adulto) e a

quantidade da solução reidratante oral. Para cada quilo, a tabela estipula que

se ofereça entre 65 e 100 ml da solução. As medidas são aproximadas. Quem

pesa 3 quilos toma cerca de 200 ml, e quem tem 4 quilos toma 400. Quem

pesa entre 3 e 4 quilos deve beber entre 200 e 400 ml, ou seja, cerca de 300

ml.

Quem tem 15 quilos recebe 1200 ml e quem pesa 20, 1500 ml. Uma

criança pesando 17 ou 18 quilos vai tomar, portanto, entre 1200 e 1500 ml.

Quem pesa 30 quilos precisa beber 2500 ml, e quem pesa 40 quilos 3500.

Neste caso, o médico que elaborou a tabela calculou 100 ml para cada quilo

de peso. Temos, portanto, a seguinte relação:

30 quilos: 2500 ml 36 quilos: 3100 ml

31 quilos: 2600 ml 37 quilos: 3200 ml

32 quilos: 2700 ml 38 quilos: 3300 ml

33 quilos: 2800 ml 39 quilos: 3400 ml

34 quilos: 2900 ml 40 quilos: 3500 ml

35 quilos: 3000 ml

O mesmo acontece com uma pessoa que tem entre 40 e 50 quilos. É fácil

calcular, assim, quantos ml um adulto com 60 quilos deve tomar. Para 50

quilos são 4500 ml. Se forem mais 10 quilos, são mais 1000 ml. É fácil:

10 x 100 ml = 1000 ml . Quem pesa 60 quilos, portanto, vai tomar 5500 ml:

4500 + 1000 = 5500.

O soro de reidratação oral permite trabalhar com medidas aproximadas,

como 1 copo alto, que tem 200 ml. Para calcular a quantidade de soro em

copos, divida os ml por 200. Por exemplo:

4500 ml -=- 200 = 22,5 (22 copos e meio). Esta quantidade é para um adulto

com 50 quilos, durante as primeiras 4 ou 6 horas de desidratação.

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Sabendo que 1 litro tem 1000 ml, podemos fazer o cálculo também em litros:

4500 :1000 = 4,5 litros (4 litros e meio).

Atividades

Consulte a tabela anterior e responda:

~ Qual a quantidade em ml de SRO que uma criança que pesa 5 quilos deve tomar?

~ Qual a quantidade em ml de SRO que uma criança de 10 quilos deve receber? E em copos?

~ Quantos copos de SRO vão para uma criança com 20 quilos?

~ Quantos litros de SRO um adulto de 50 quilos deve consumir?

~ E um adulto de 60 quilos?

Tabelas de horários

A maioria dos remédios deve ser tomada com intervalos estipulados em

horas. É que fica fácil fazer uma tabela de horários com estas divisões.

Digamos que o remédio começou a ser tomado à meia-noite (00:00, o

mesmo que zero hora) da 2a-feira, e vai ser dado ao doente de 6 em 6 horas. Veja

como fica a tabela:

2a-feira

00:00

6:00

12:00

18:00

00:00

3a-feira

00:00

6:00

12:00

18:00

00:00

4a-feira

00:00

6:00

12:00

18:00

00:00

5a-feira

00:00

6:00

12:00

18:00

00:00

6a-feira

00:00

6:00

12:00

18:00

00:00

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E se o remédio for tomado a cada 8 horas?

Repare que o paciente vai tomar o remédio sempre no mesmo horário. Fica fácil

para ele e o agente de saúde.

Veja o que aconteceria com os horários se o remédio fosse tomado a cada 5

horas:

Para evitar esta confusão, os médicos costumam receitar os remédios a

cada 1, 2, 3, 4, 6, 8, 12 ou mesmo 24 horas. Se você dividir 24 por qualquer um

destes números, a conta vai ser exata. Isto facilita para quem tiver tomando conta

do doente. Veja bem:

2a-feira

00:00

8:00

16:00

00:00

3a-feira

00:00

8:00

16:00

00:00

4a-feira

00:00

8:00

16:00

00:00

5a-feira

00:00

8:00

16:00

00:00

6a-feira

00:00

8:00

16:00

00:00

2a-feira

00.00

5:00

10:00

15:00

20:00

3a-feira

1:00

6:00

11:00

16:00

21:00

4a-feira

2:00

7:00

12:00

17:00

22:00

5a-feira

3:00

8:00

13:00

18:00

23:00

6a-feira

4:00

9:00

14:00

19:00

00:00

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24 : 1 = 24 O remédio é dado a cada 1 hora, 24 vezes por dia.

24: 2 = 12 O remédio é dado a cada 2 horas, 12 vezes por dia.

24 : 3 = 8 O remédio é dado a cada 3 horas, 8 vezes por dia.

24 : 4 = 6 O remédio é dado a cada 4 horas, 6 vezes por dia.

24 : 6 = 4 O remédio é dado a cada 6 horas, 4 vezes por dia.

24 : 8 = 3 O remédio é dado a cada 8 horas, 3 vezes por dia.

2 4 : 1 2 = 2 O remédio é dado a cada 12 horas, 2 vezes por dia.

24 : 24 = 1 O remédio é dado a cada 24 horas, 1 vez por dia.

Atividades

~ Um agente de saúde vai tratar de 4 pacientes. Todos vão começar a tomar remédio às 10:00 de uma 2a-feira. Calcule os horários dos medicamentos dos 4 pacientes.

1) o primeiro vai tomar remédio de 3 em 3 horas 2) o segundo vai tomar remédio de 6 em 6 horas 3) o terceiro vai tomar remédio de 8 em 8 horas 4) o quarto vai tomar remédio de 12 em 12 horas.

~ Qual é a melhor hora (ou horas) para o paciente que vai ser medicado de 8 em 8 horas tomar o primeiro comprimido?

~ Qual é a melhor horário de medicação para um paciente que vai tomar remédio de 12 em 12 horas?

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Capítulo VII

Trabalhando com mapas

Mapas representam, no papel, aquilo que existe na Terra: florestas, rios,

montanhas, terras indígenas, estradas, cidades, fazendas, garimpos, etc. Podem

mostrar, também, o céu, o subsolo e os oceanos. Observe o mapa do mundo

elaborado por Antônio Shawanawá:1

1 Reproduzido de Geografia Indígena, de autoria dos professores indígenas do Acre, pg. 59 (Comissão Pró-índio do Acre, Rio Branco, 1992).

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O mapa de Antônio Shawanawá mostra, entre outras coisas, a Amazônia, o

Brasil e outros países, como o Peru e a Espanha. Antônio situa estas terras no

"mundo inteiro", juntamente com os planetas, o sol, a lua e as estrelas.

A leitura e o traçado de mapas são atividades ligadas ao estudo do espaço

e das formas. Este campo da matemática, tratado neste capítulo, inclui idéias e

intuições sobre a forma e o tamanho de figuras e objetos, bem como a posição ou

a localização que ocupam no espaço. Diz respeito, também, às noções de direção

e de orientação espacial. O estudo do espaço e das formas é muito útil para

descrever ou representar o mundo que nos cerca.

Veja, na página seguinte, outro mapa de Antônio Eutxishane Shawanawá.

Antônio quer mostrar as águas, isto é, os rios e os igarapés da terra indígena onde

mora. O mapa de Antônio inclui "legenda" e "escala".

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A legenda indica os sinais usados para representar, no mapa, os rios

principais, igarapés, igarapezinhos, lagos, cabeceiras dos rios, etc.

A escala indica o tamanho usado para representar a Área Indígena

Shanenawa. No mapa, 1 centímetro (cm) eqüivale a 2 horas de caminhada. Isto

permite calcular as distâncias em horas, de caminhada. Por exemplo: a distância

em linha reta entre os dois lagos representados no mapa é de 4 centímetros. Se 1

centímetro eqüivale a 2 horas de caminhada, 4 centímetros eqüivalem a 8 horas

de caminhada (4x2 = 8).

Atividades

Usando a legenda do mapa de Antônio Shawanawá, localize:

~ os rios principais ~ os igarapés ~ os igarapezinhos ~ os igapós e ~ os lagos

Usando a escala do mapa, calcule o tempo de caminhada entre:

~ a nascente do Igarapé Bara e a nascente do Igarapé Água Branca ~ a boca (onde deságua) do Igarapé Broné e a boca do Igarapé São Bento ~ a nascente e a boca do Igarapé Novo Acordo ~ a boca do Rio Valparaíso e a boca do Riozinho

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Mapas feitos por cartógrafos, encontrados em atlas, livros de história,

geografia e documentos que identificam e demarcam terras indígenas, também

trabalham com legendas e escalas. Além disso, usam pontos cardeais (norte, sul,

leste e oeste) para indicar as direções.

Legenda

Para entender os sinais e as cores usados nos mapas, os cartógrafos

fazem legendas. No Livro de Mapas - Território Waiãpi, os sinais escolhidos

foram:2

2 Livro de Mapas - Território Waiãpi. Centro de Trabalho Indigenista, São Paulo, 1992, pg. 5.

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Veja alguns sinais usados em mapas do Instituto Socioambiental, em

publicações sôbre povos indígenas no Brasil:

Direção

A maioria dos mapas desenhados por cartógrafos indica o norte pará cima,

o sul para baixo, o leste para o lado direito do mapa e o oeste, para o lado

esquerdo. A rosa dos ventos indica esta orientação. Veja na página seguinte o

mapa de Matari Kaiabi feito para o livro Geografia Indígena:3

3 Reproduzido de Geografia Indígena, de autoria dos professores indígenas do Parque Indígena do Xingu, pg. 4 (Instituto Socioambiental, São Paulo, 1996).

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O lugar onde o sol nasce é chamado de leste. *

* O oeste é o lugar onde o sol desaparece.

Se apontamos, ao mesmo tempo, o braço direito para o leste e o

esquerdo para o oeste, teremos:

O norte à nossa frente, o sul atrás de nós.

Atividades

~ Desenhe, numa folha de papel, a parte de dentro de sua casa. Mostre a posição das redes ou camas, a cozinha e as divisões internas, se houver.

~ Desenhe, em outra folha de papel, a parte de fora da sua casa. Mostre outras casas e os caminhos que ligam as casas entre si, e as casas aos rios, às roças e ao campo de pouso.

Se você mora em uma vila ou na cidade, mostre as ruas ou estradas e outras coisas que você achar importante.

~ É possível criar uma legenda para o desenho que você fez? Por exemplo, invente um símbolo para as casas, outros para as roças, os caminhos, ruas ou estradas, etc.

Indique no seu desenho: - para que lado nasce o sol (leste)

- para que lado desaparece o sol (oeste)

- o norte - o sul

~ Desenhe, neste mapa, a rosa dos ventos

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Escala

Os mapas podem ter diferentes tamanhos. Podemos ocupar uma folha de

papel como esta, com o desenho de uma cidade ou até de um país inteiro. Ou

então podemos desenhar um mapa de uma terra indígena, do mesmo tamanho

que o mapa do Brasil. Dizemos, nestes casos, que estamos trabalhando com

escalas diferentes.

Exemplos de ESCALA

Mapa da Área Indígena Parabubure com Aldeias Xavante

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Mapa da Área Indígena Parabubure no Mato Grosso

Os 2 mapas da Área Indígena Parabubure estão representados por escalas

diferentes. No primeiro mapa, cada centímetro (cm) do desenho corresponde a

6 quilômetros (km) do tamanho real da área. Na linguagem cartográfica, esta

proporção pode ser representada por 2 tipos de escala: a escala gráfica e a

escala numérica.

Escala gráfica:

Cada cm do mapa vale 6

km do tamanho real da área

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Escala numérica

1: 600.000 Cada cm do mapa vale 600 mil cm ( o

equivalente a 6 km) do tamanho real da área

Reparem que a proporção é a mesma, mas a representação é diferente:

uma é gráfica, a outra numérica.

A escala gráfica é mais fácil de ser compreendida do que a escala

numérica. Volte atrás e olhe o mapa da Área Indígena Parabubure com as Aldeias

Xavante. Não é difícil calcular a distância entre as aldeias se sabemos que cada

centímetro do mapa eqüivale a 6 quilômetros. Com uma régua, conseguimos uma

medida mais exata.

Por exemplo: a distância entre a Aldeia Paraíso e a Aldeia Barreiro é de 4

centímetros. Se cada centímetro valer 6 quilômetros, fazer a seguinte conta:

4 X 6 = 24 km

A distância entre a Aldeia Paraíso e a Aldeia Pedra Preta, no mapa, é de 6

centímetros. Portanto, 6 X 6 = 36 k m .

Notem que estas distâncias são medidas em linha reta, como a trajetória

de um avião. A pé ou de carro, a distância deve ser maior, por causa das curvas

dos caminhos.

Como fazer para encontrar a escala gráfica de um mapa

Para representar a escala gráfica de um mapa, é preciso saber a distância

real entre 2 pontos do mapa, ou seja, entre 2 aldeias ou entre 1 aldeia e 1 cidade,

cabeceira de rio, roça, garimpo, aeroporto, etc. Depois é só medir a mesma

distância no mapa e calcular. Vejamos como proceder, usando o mapa da Aldeia

Tuba-Tuba, na beira do rio Xingu, que Tarinu Juruna desenhou (consulte o mapa a

seguir).

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Mapa da Aldeia Tuba-Tuba, no Parque Indígena do Xingu. Desenho: Tarinu Juruna

A distância da porta da casa de Carandine Juruna até a beira do rio Xingu,

na época da seca, é de 60 metros. No mapa de Tarinu, essa distância é de 6

centímetros. A conta é fácil: dividimos a distância real pela distância do mapa:

60 metros : 6 = 10 metros

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Portanto, 1 centímetro do mapa de Tarinu vale 10 metros do tamanho

real da aldeia. A escala gráfica do mapa de Tarinu é:

A partir desta escala, é possível calcular outras distâncias do mapa de

Tarinu, como por exemplo a distância entre a casa do Adirrá e a casa do

Carandine. Usando uma régua, meça a distância em centímetros entre as 2 casas.

Multiplique o número de centímetros por 10, porque no mapa de Tarinu 1

centímetro é igual a 10 metros (1 cm = 10 m). O resultado da operação é a

distância, em metros, de uma casa a outra.

A partir da escala gráfica podemos achar a escala numérica. Sabemos que

1 centímetro do mapa de Tarinu vale 10 metros. Como a escala numérica é toda

em centímetros, precisamos transformar os metros em centímetros. Se 1 metro

tem 100 centímetros, 10 metros tem 1000 centímetros (10 x 100 = 1000). A

escala numérica do mapa de Tarinu é, portanto, 1: 1000 (que se lê "1 para 1000",

ou seja, 1 centímetro do mapa vale 1000 centímetros do tamanho real da aldeia).

Esta escala, 1: 1000, é uma escala pequena e por esta razão o mapa de Tarinu

mostra casas, caminhos e canoas.

Já numa escala maior, como a da Área Indígena Parabubure, mostrada

anteriormente, a proporção de 1 centímetro para 6 quilômetros não permite que se

mostre tantos detalhes. O mapa que localiza a Área Indígena Parabubure, no

Mato Grosso, dá ainda menos detalhes. Neste caso, a escala é maior (1:

6.500.000), porque inclui todo o estado do Mato Grosso. É impossível mostrar

todas as terras e aldeias indígenas mas, em compensação, o mapa representa

uma área muito maior (todo o Mato Grosso).

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Vamos representar a escala gráfica e a escala numérica do mapa da

Região Norte do Brasil.

Mapa da Região Norte do Brasil

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1. Sabemos que a distância real entre as cidades de Porto Velho, em Roraima

(RO), e Palmas, no Tocantins (TO), é de 1710 quilômetros (poderíamos

trabalhar com qualquer outra distância, mas escolhemos esta).

2. Usando uma régua, medimos, no mapa, a distância entre Porto Velho e

Palmas. Dá 9 centímetros.

3. Dividimos 1710 (a distância real) por 9 (a distância do mapa).

1710 : 9 = 190

4. 1 centímetro do mapa vale 190 quilômetros, 2 centímetros valem 380 (190 +

190), 3 centímetros valem 570 (190 + 190 + 190) e assim por diante. A escala

gráfica, em quilômetros é a seguinte:

5. Para encontrar a escala numérica, temos de transformar a relação 1 cm =

190 km em centímetros. Cada quilômetro tem 100.000 centímetros (1 metro

tem 100 cm e 1 km tem 1000 metros e, portanto, 100 x 1000 = 100.000). Faça,

então:

190 x 100.000 = 19.000.000 (19 milhões).

A escala numérica é: 1:19.000.000

A partir destas escalas, podemos encontrar as distâncias entre outras

cidades do mapa da região Norte. O mais fácil é trabalhar com a escala gráfica.

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Usando esta escala, vamos calcular a distância real entre as cidades de

Manaus e Belém.

1. Usando uma régua, meça a distância entre as duas cidades em centímetros.

Deu 7 centímetros.

2. Se 1 centímetro do mapa vale 190 centímetros da distância real, faça a conta:

7x190 = 1.330 km

Atividades

Consulte o mapa da Região Norte usando a escala abaixo. Responda: I I I I I 0 190 380 570 760 km

1. Qual é a distância real entre as cidades de Boa Vista e Rio Branco?

2. Qual é a distância real entre as cidades de Porto Velho e Belém?

3. Qual é a distância real entre as cidades de Macapá e Belém?

4. Qual é a distância real entre as cidades de Rio Branco e Palmas?

5. Qual é a distância real entre as cidades de Manaus e Palmas?

Perímetro e Área

Para demarcar a Área Indígena Parabubure, os técnicos da Funai,

acompanhados pelos Xavante, tiveram de abrir picadas e colocar placas e cercas

ao redor de toda a extensão do território. Para fazer este trabalho, o pessoal

percorreu 294 mil e 364 quilômetros (294.364 km). Esta medida é o perímetro da

Área Indígena Parabubure.

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Toda a superfície de terra que ficou cercada por este limite é, por sua vez, a

área da Área Indígena Parabubure: 224 mil e 447 hectares (224.447 ha). Notem

que há dois significados para a palavra área:

1. área significa terra ou território indígena (como em Área Indígena Parabubure);

2. área é uma medida de superfície, isto é, a extensão de terra compreendida

entre os limites de um território.

Perímetro e área são também duas medidas cartográficas importantes. A

maioria dos mapas trazem estas informações. Em geral, o perímetro de uma terra

indígena é apresentado em quilômetros e a área em hectares.

Calculando áreas e perímetros

Para entender como são calculadas estas medidas, vamos estudar a planta

da Escola da Aldeinha, localizada na Área Indígena Parabubure e apresentada na

página seguinte. A planta é um tipo de mapa. É feita em escala pequena para

mostrar os detalhes da construção de uma casa, escola ou prédio. Vamos

calcular os perímetros e áreas das salas de aula e da casa da professora.

Esta escola foi construída pelos Xavante em 1978. É feita de adobes

(tijolos que não são queimados) e coberta de palha de buriti. A construção tem 3

divisões principais: 2 salas de aula e a casa da professora. Esta casa é dividida,

por sua vez, em quarto e cozinha.

Vamos às medidas representadas na planta:

~ o comprimento total da construção é de 12 metros;

~ cada sala de aula mede 4 metros de comprimento por 4 metros de largura

(4 x 4);

~ a casa da professora também mede 4 metros de comprimento por 4 de largura

(4x4);

~ a cozinha da professora mede 4 metros de comprimento por 2 metros de

largura (4 x 2);

~ o quarto da professora também mede 4 metros por 2 metros (4 x 2).

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Usando estas medidas podemos calcular o perímetro e a área da escola.

Planta e desenho da Escola da Aldeinha

Perímetro. Sabendo que o perímetro é a medida ao longo do contorno de uma

forma, vamos calcular o perímetro da escola, das salas de aula e da casa da

professora.

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Perímetro da escola. Para fazer este cálculo, juntamos as medidas dos lados da

escola:

12 + 12 + 4 + 4 = 32

O perímetro da escola é de 32 metros. Observem que 2 lados da escola

medem 12 metros e 2 lados medem 4 metros. Uma figura de 4 lados como esta é

chamada de retângulo.

Perímetro das salas de aula e da casa da professora. O mesmo cálculo é feito

para as salas de aula e a casa da professora.

4 + 4 + 4 + 4 = 16

O perímetro de cada sala de aula e da casa da professora é de 16 metros. Cada

um dos lados mede 4 metros, ou seja, os lados têm medida igual. Quando isto

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acontece, chamamos a figura de quadrado.

A casa da professora é dividida em 2 cômodos, com a mesma medida (4

metros de comprimento e 2 metros de largura). O perímetro de cada um destes

cômodos (quarto e cozinha) é:

4 + 4 + 2 + 2 = 12 metros

Área da Escola. A área da escola é todo o espaço de dentro da escola.

Para calcular a área, multiplicamos os lados do retângulo:

12 metros x 4 metros = 48 metros quadrados

Metros quadrados (m2 ) é a unidade de medida porque multiplicamos 12

metros por 4 metros. 48 m2 significa que a área da escola é composta de 48

quadrados de 1 metro quadrado cada um. Veja:

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Em vez de contarmos todos os quadrados, multiplicamos 12 por 4, o

número de quadrados de cada lado da escola.

Área das salas de aula. O mesmo procedimento deve ser seguido para calcular a

área das salas de aula.

A área de cada sala de aula é de 16 metros quadrados (16 m2). Esta é a

medida real da área da escola.

É fácil calcular as áreas contando os quadradinhos. Poderíamos contar, por

exemplo, os quadradinhos da área de cada sala de aula:

4 m x4 m = 16 m2

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Temos 16 quadradinhos e, assim, a área de cada sala de aula é

equivalente a 16 metros quadrados (m2). Isto é o mesmo que fazer: 4 x 4 = 16.

E se você tiver que encontrar a área de um quadrado de 40 cm x 40 cm?

Contar os quadrados seria muito cansativo. Quando trabalhamos com medidas

maiores, a maneira mais fácil de encontrar as áreas de quadrados ou retângulos é

multiplicar os lados.

No caso de um quadrado de 40 cm x 40 cm, a área é igual a 40 x 40 = 1600

cm2. No caso de uma retângulo de 60 km x 40 km, a área totaliza 2400 km2.

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Terras indígenas raramente são quadradas ou retangulares. Isto é, os lados

dificilmente são iguais. Não é fácil, portanto, calcular áreas e perímetros dessas

terras. Este trabalho é feito por cartografes e outros técnicos.

Saber o que representa uma medida de área é importante pará estabelecer

comparações entre os tamanhos dos territórios. Quando os limites do território são

alterados há, geralmente, uma mudança na medida da área.

Existem inúmeras maneiras de estudar estas medidas. Vejam como os

professores Bororó, do Projeto Tucum, estão aplicando estes conhecimentos:

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CUIABANO

Nós cursistas do Projeto Tucum, da Aldeia do Córrego Grande, na segunda etapa

de formação de professores, de fevereiro a junho de 1997, fizemos um trabalho

sobre as medidas de um baquité, banico e também do bote cuiabano. Fizemos do

bote cuiabano porque tínhamos construído vários botes na aldeia e achamos

interessante tirar as medidas dele.

A madeira utilizada para fazê-lo é cedro, pois é leve, boa para pregar, não racha e

é resistente. São necessários 4 folhas de tábua, 2 quilos de corrente, 1 cadeado, 3

quilos de piche e 1 quilo de pregos de tamanho médio.

São necessários 2 dias de serviço de 2 pessoas para a sua construção.

Comprimento do bote: 6 metros

Largura do bote no meio: 69 centímetros

Largura do bico: 18 centímetros

Caída do bico: 1, 23 metros

Largura da popa: 32 centímetros

Altura da popa: 11 centímetros

Caída da popa: 1, 27 metros

(Benedito, Neide, Daniel)

INDICAÇÕES PARA CONSTRUÇÃO DE UM BOTE

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Benedito, Neide e Daniel, professores indígenas que participam dos cursos

de formação do Projeto Tucum,4 no Mato Grosso, trabalharam com 2 medidas de

comprimento para construir o bote cuiabano: centímetro (cm) e metro (m). Eles

escolheram estas unidades de medida porque estão estudando o sistema métrico,

que usa centímetros e metros para fazer medições.

Observe, na tabela abaixo, os valores das principais unidades de medida

usadas em mapas, plantas e outros projetos de construção, como o do bote

cuiabano.

Conhecer as medidas de comprimento (milímetro, centímetro, metro e

quilômetro) e as medidas de superfície (centímetro quadrado, metro quadrado,

quilômetro quadrado e hectare) é importante para entender o "mundo dos

brancos", para trabalhar com as histórias e as geografias indígenas, e para

elaborar projetos que promovam a auto-sustentação dos povos indígenas.Na

opinião do professor Luiz Xavante, da Aldeinha,

4 O Projeto TUCUM tem como objetivo a formação de professores indígenas. Possui 4 pólos de atuação: Paranatinga, Água Boa, Juara e o Polo III, localizado na Aldeia Meruri, no município de General Carneiro, no Mato Grosso. O Polo III produz o Jornal do Tucum Boe-Bororo. que publicou as indicações para a construção do bote cuiabano na edição de setembro de 1997, na página 7.

Medidas de comprimento:

~ quilômetro (km) 1 km = 1000 m

~ metro (m) 1 m = 100 cm

~ centímetro (cm) 1 cm = 10 mm

~ milímetro (mm) 1 mm = 0,1 cm

Medidas de superfície:

~ hectare (ha) 1 ha = 10.000 m2

~ quilômetro quadrado (km2) 1 km2 = 1.000.000 m2

~ metro quadrado (m2) 1 m2 = 10.000 cm 2

~ centímetro quadrado (cm2) 1 cm 2 = 100 mm 2

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Quando eu dou aula de geografia, eu uso muita matemática. Os alunos gostam de

aprender a desenhar mapas e para isso temos que calcular todas as medidas: a

área, o perímetro, o tamanho das aldeias, a distância das cidades. Hoje nós

desenhamos o mapa da Área Indígena Parabubure. Pintamos os rios de azul e a

terra de verde. Os limites da terra, pintamos de vermelho, a nossa cor preferida. É

a cor que simboliza a nossa luta pela demarcação. (Professor Luiz Xavante, da

Aldeinha)

Desenho: Lino Tsere'a Xavante, da Aldeinha.

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