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Pedro Paulo Palazzo de Almeida

A ordem da distinçãoArquitetura cívica no período entre guerras

Dissertação de MestradoOrientadora: Prof.ª Dr.ª Sylvia Ficher

Brasília,

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Termo de aprovação

Pedro Paulo Palazzo de AlmeidaA ordem da distinção: Arquitetura cívica no período entre guerras

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtençãodo título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Universidade de Brasília. Programa de Pós-graduação em Arquitetura e UrbanismoLinha de pesquisa: Teoria, História e Crítica da Arquitetura e do Urbanismo

Dissertação defendida em de dezembro de perantea banca examinadora composta pelos professores:

_________________________________________________Prof.ª Dr.ª Sylvia Ficher: OrientadoraUniversidade de Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo

_________________________________________________Prof. Dr. Estevão Chaves de Rezende MartinsUniversidade de Brasília, Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Relações Internacionais

_________________________________________________Prof. Dr. Andrey Rosenthal SchleeUniversidade de Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo

_________________________________________________Prof. Dr. Flávio René Kothe: Membro suplenteUniversidade de Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo

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Per la mia mamma

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AgradecimentosA lista das pessoas que merecem ser lembradas sempre acaba sendo mais longa do que a

paciência do leitor, e sempre mais curta do que deveria ser. Tantos poderiam estar citados aqui, por

alguma palavra de apoio num momento crucial, uma idéia a esmo que acendeu a lampadinha da

inspiração, por compartilhar algum momento de trabalho ou de lazer ao longo desses dois anos de

“gestação” da pesquisa.

Em primeiríssimo lugar, minha mãe, meu pai e minha irmã, por me acompanharem em casa e

nas viagens, pelo carinho, pelos conselhos e pelo apoio estratégico e, é claro, logístico: nada como um

lanchinho da meia-noite quando se está mergulhado há horas no meio de papéis e livros.

Juliana, por todo o carinho e compreensão, por estar comigo na hora do lazer e na do estresse,

pela ajuda com a digitalização das imagens, e também por me lembrar de tempos em tempos que existe

arquitetura além da monumentalidade cívica, e que existe vida além da arquitetura.

Sylvia, pelas orientações na hora certa e fora de hora, pelo baú sem fundo de sabedoria e de

bibliografia, e pela liberdade que tive para trilhar o caminho das pedras sabendo que poderia contar

com o apoio quando dos inevitáveis tropeços.

Robert Lindley Vann, Tom Schumacher e Sandy Kita, mestres, mentores, modelos de excelência

acadêmica e de integridade pessoal, por terem inspirado os temas, os métodos, e a perseverança

necessários para levar a cabo esta pesquisa.

Kate, pela ajuda bibliográfica providencial.

CAPES, pelo apoio financeiro que me permitiu uma dedicação mais intensa à pesquisa.

Raquel, João e Júnior, por nos ajudarem a navegar pelos requisitos burocráticos da

pós-graduação e sempre terem todas as respostas para os nossos problemas.

Meus amigos, parentes, mestres e colegas, os de Brasília, os de Maryland, os de Porto Alegre, os

de outros lugares, pelas influências, exemplos e companhia nas mais diversas ocasiões.

À memória de José Truda Palazzo, Lucy Truda Palazzo, João e Laura Augusta de Almeida.

A todos, “muito obrigado” é pouco.

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Resumo

A prática da arquitetura cívica responde a questões de ordem política e social e decorre de

certas técnicas projetuais que almejam expressar com clareza o propósito público dessa

arquitetura. No período entre as Guerras Mundiais, há uma importante atividade de construção

na esfera cívica e verifica-se a sobreposição do método acadêmico e das teorias modernistas

influenciando as expressões edificadas. Apesar das diferenças de estilo e de relação com a cidade

tradicional, ambos os métodos compartilham diversas características relacionadas a técnicas de

composição; isso se dá em parte devido à formação intelectual dos modernistas no ambiente do

ecletismo acadêmico e em parte por causa do potencial expressivo dessas técnicas de composição.

Essas técnicas se constituem no uso da tipologia para informar o projeto, o trabalho com massas

edificadas e a ênfase na sua forma, e diversas relações estabelecidas entre os elementos da

composição. Para além da oposição entre os estilos clássicos e modernistas, portanto, encontra-se

um substrato comum e diversas aproximações teóricas no que diz respeito à produção da

arquitetura cívica.

Palavras-chave

Arquitetura cívica, monumentalidade, análise visual, século xx, modernismo,

academicismo.

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Abstract

The practice of civic architecture relates to issues of political and social orders, and stems

from a number of design techniques which aim to express clearly the public purpose of this

architecture. In between the two World Wars, there is a significant campaign of civic building,

where one can see an overlap in the two methods of the Beaux-Arts and Modernism influencing

the built forms. In spite of the style differences and of contrasting outlooks on the traditional city,

both methods share several features in the domain of compositional tools and practices; this is

partly due to the early Modernist master’s education in the cultural environment of Beaux-Arts,

and partly to the expressive potential inherent in these techniques. These compositional

techniques involve a use of building types in the design process, a manipulation of massing of

form and the emphasizing of its shape, as well as a variety of relationships established among the

elements of the architectural composition. Going deeper than the differences between Classical

and Modernist styles, one can thus find a common ground and some theoretical similarities in the

making of civic architecture.

Keywords

Civic architecture, monumentality, visual analysis, 20t century, Modernism, Beaux-Arts.

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Lista de figuras

1. Nicodemus Tessin, o velho e Erik Gunnar Asplund. Tribunal de Gotemburgo, 1670, 1913-193723

2. Erik Gunnar Asplund. Projeto para o Tribunal de Gotemburgo, 1934 23

3. Erik Gunnar Asplund. Crematório do cemitério no bosque, Estocolmo, 1935-1940 24

4. Giuseppe Terragni. Casa del Fascio, Como, 1936 24

5. Marcello Piacentini. Plano urbanístico para o EUR '42, Roma, 1938-1942 25

6. Demolição do complexo residencial de Punta Perotti, Bari, 2006 26

7. Um bairro de Quioto, com os “machi” delimitados por nuvens douradas 62

8. Templo de Vesta no fórum romano 63

9. Léon Krier. La vraie ville 64

10. A.C. Quatremère de Quincy: púlpito da igreja de Saint-Germain des Prés, Paris, 1829 65

11. Panorama de Pompéia, um monumento histórico 66

12. Salomon de Brosse. Palais du Luxembourg, Paris, 1615-1617 67

13. Abade Laugier. A cabana primitiva, litografia por Eisen 68

14. Le Corbusier. Projeto para a sede da Liga das Nações, 1927 69

15. Afonso Hébert. Biblioteca pública de Porto Alegre, 1912-1921 90

16. Lucien Kroll. Projeto de intervenção no conjunto habitacional de Perseigne, Alençon, 1980 91

17. Molduras gregas aplicadas a diferentes condições de iluminação 91

18. Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao e a malha urbana 92

19. Le Corbusier. Maquete do projeto para o Centrosoyus, Moscou, 1928 92

20. Vladimir Tatlin. Projeto de torre comemorativa da III Internacional Socialista, 1919-1920 93

21. Ludwig Mies van der Rohe. Monumento a Karl Liebknecht e Rosa Luxembourg, Berlim, 192694

22. Le Corbusier. Projeto de monumento a Paul Vaillant-Couturier, Villejuif, 1938 94

23. Tipologias arquitetônicas em Le Corbusier 148

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24. Carroll William Westfall. Tipos edilícios 148

25. Andrea Palladio. Teatro Olimpico, Vicenza, 1580 149

26. Exemplos de teatros com platéia em forma de ferradura 149

27. Auguste Perret. Teatro da exposição de artes decorativas, Paris, 1925 150

28. Hannes Meyer. Projeto para a sede da Liga das Nações, Genebra, 1927 151

29. David Varon. Temas de composição de fachadas 152

30. Templo de Apolo, Pompéia 153

31. Templo de Júpiter, Pompéia 153

32. Erik Gunnar Asplund. Tribunal de Gotemburgo, 1937, implantação 154

33. John Russell Pope. National Gallery of Art, Washington, 1937-1941 155

34. Watanabe Jin. Museu Nacional de Tóquio, 1932-1938 155

35. Ludwig Mies van der Rohe. Pavilhão da Alemanha, exposição de Barcelona, 1929 156

36. Emil Fahrenkampf. Casa da Alemanha, exposição de Liège, 1932 156

37. Albert Speer. Pavilhão da Alemanha, exposição de Paris, 1937 157

38. Edwin Landseer Lutyens. Palácio do Vice-Rei, Nova Delhi, 1912-1931 157

39. Jacques Carlu, Louis-Hippolyte Boileau, Léon Azéma. Palais de Chaillot, Paris, 1937 158

40. Giambattista Nolli. Planta de Roma 160

41. Centro universitário de Nîmes - site de Carmes 160

42. Paul Bigot. Institut d'Art et d'Archéologie, Paris, 1932 161

43. Le Corbusier. Projeto para o palácio dos Sovietes, 1931 161

44. Lucio Costa, Oscar Niemeyer e outros. Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1936-1945 163

45. Le Corbusier. Casa da Suíça, Cidade universitária, Paris, 1930 163

46. Brinkman, van der Vlugt e Stam. Fábrica Van Nelle, Rotterdã, 1926-1929 165

47. J.J.P. Oud. Casa da Shell, Haia, 1938-1942 165

48. Michael Thonet. Cadeira n.º 14, 1859 166

49. Marcel Breuer. Cadeira “Wassily”, 1926 166

50. Giuseppe Terragni e outros. Projeto para o Palazzo Littorio, Roma, 1932 167

51. Boris Iofan. Projeto para o palácio dos Sovietes, 1933 167

52. Exemplo de níveis de escala 168

53. Marcello Piacentini. Entrada principal da Cidade Universitária, Roma, 1935 168

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54. Bertram Grosvenor Goodhue. Projeto para o memorial da Primeira Guerra de Kansas City, 1918 170

55. Albert Speer. Volkshalle, Berlim, 1939 171

56. Auguste Perret. Garde-meuble du Mobilier national, Paris, 1931 172

57. Le Corbusier. Projeto para os museus da cidade e do Estado, Paris, 1937 173

58. Capa do The Architect, janeiro de 1972 179

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Sumário

Introdução 13

Capítulo 1: Arquitetura cívica 27

1. Considerações gerais 27

1.1. Arquitetura secular e religiosa 29

1.2. O cívico e o privado 32

2. Caráter e decoro 34

2.1. Boas maneiras em arquitetura 35

2.2. Caráter 39

2.3. Le beau, le vrai 44

3. O monumento cívico no século XX 47

3.1. O valor do monumento 47

3.2. O monumento prescindível? 51

3.3. Interpretações modernistas 53

Capítulo 2: A natureza do objeto cívico 70

1. Arquitetura da cidade 71

2. A importância da percepção visual 73

3. Teorias do século XX 75

3.1. O cívico e o trivial 75

3.2. Civismo e novas arquiteturas 84

3.3. Ordem e verdade 86

Capítulo 3: Métodos de composição 95

1. Ordem 95

1.1. A natureza da ordem, ou a ordem da natureza 96

1.2. Propriedades da ordem 100

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2. Tipologia 107

2.1. A retórica da arquitetura 107

2.2. A forma característica 113

2.3. As tipologias da arquitetura cívica 117

3. Elementos enfatizados 120

3.1. Figuração 126

3.2. Implantação 128

3.3. Massa 131

3.4. Detalhe 136

4. Relações ordenadas 139

4.1. Escala 139

4.2. Proporções e contrastes 143

Conclusão 174

Referências bibliográficas 180

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Se un edificio non porta nessuna insegna o figura,la sua stessa forma e il posto che occupa nell'ordine della

città bastano a indicarne la funzione

Italo Calvino. Le città invisibili: Le città e i segni, 1

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Introdução

O Tribunal de Gotemburgo (Figura 1) apresenta ao observador contemporâneo o aspecto,

hoje habitual, de um edifício clássico dotado de um anexo moderno. Ele consiste em um palácio

de autoria do alemão Nicodemus Tessin, o velho (1615-1684), com uma ampliação projetada em

1936 pelo renomado arquiteto sueco Erik Gunnar Asplund (1885-1940). A atitude perante o

passado que orientou o projeto de Asplund, no entanto, é bastante diferente da que teria um

arquiteto atual diante de uma tarefa semelhante. Em 1930, Asplund já havia realizado um

conjunto de projetos para a Exposição de Estocolmo, na linguagem do Movimento Moderno.

Mas, quatro anos depois, Asplund projetou uma ampliação para o Tribunal empregando os

mesmos elementos encontrados no palácio original numa composição clássica estrita (Figura 2). A

este sucedeu o anexo modernista, construído em 1937. E ainda, poucos anos depois, em 1940, o

mesmo Asplund concluiria uma de suas últimas obras, o crematório do Skogskyrkogården

(Cemitério do Bosque) em Estocolmo, edifício de nítida inspiração clássica (Figura 3). Essa

trajetória soa confusa e cheia de idas e vindas sob o aspecto da convencional historiografia da

arquitetura no século xx, que enfatiza a sucessão linear de estilos e movimentos e o conceito de

que o modernismo é um partido ideológico para o qual é inadmissível o compromisso com os

“estilos históricos”. Na verdade, a trajetória de Asplund seria um resumo adequado para a

complexa situação da prática arquitetônica nas décadas de 1920 e 1930.

Por outro lado, as atitudes do arquiteto com respeito aos importantes marcos cívicos

elencados acima podem não se refletir na produção de edifícios com um caráter utilitário ou, em

todo caso, privado. Vale lembrar que, segundo o próprio discurso dos arquitetos, a arquitetura

privada é por natureza repetitiva e relativamente simples, ao passo que a arquitetura cívica se

caracteriza por uma maior elaboração formal e simbólica, além de uma clara “excepcionalidade”

com respeito ao conjunto da malha urbana. Enquanto a historiografia costuma ser criticada por

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sua ênfase excessiva na arquitetura monumental do passado, no que diz respeito ao século xx essa

ênfase se inverte de modo bastante nítido: as histórias da arquitetura moderna dão um grande

espaço à discussão de projetos residenciais, e pouco destaque à arquitetura cívica. Não se pretende

contestar aqui a importância de uma abordagem mais ampla da arquitetura antiga, levando em

consideração não apenas os “grandes monumentos” mas também a arquitetura trivial das

civilizações. No entanto, essa abrangência deve valer para o estudo de todas as épocas, inclusive o

do século passado.

Com a presente pesquisa, pretende-se contribuir para uma melhor compreensão dos

“grandes monumentos” de um período do século xx no qual a diversidade de estilos era a norma.

Procura-se, também, respeitar essa diversidade de expressões arquitetônicas personificada na

ambigüidade estilística de Asplund. Sob esse ponto de vista, as duas décadas entre as guerras

mundiais são um campo fértil para o estudo da interação entre o modernismo e a arquitetura

tradicional na esfera da monumentalidade cívica. Em primeiro lugar, é ponto pacífico, para a

crítica atual, que o triunfo do Movimento Moderno no segundo pós-guerra afetou a ordem legível

da cidade tradicional. O que se procura, ao estudar a produção da arquitetura cívica no período

imediatamente anterior a esse triunfo, é compreender o contexto e os métodos de projeto que

resultaram na coexistência de aclamadas obras modernistas e célebres realizações tradicionais que

reforçavam, em vez de destruir, a distinção entre o cívico e o privado nas cidades anteriores à

Segunda Guerra Mundial.

Identificadas no imaginário popular e mesmo na literatura especializada com a ascensão

do modernismo no Ocidente, as primeiras décadas do século xx viram na realidade a

Por exemplo, Sibel Bozdogan. “Architectural History in Professional Education: Reflections onPostcolonial Challenges to the Modern Survey”. Journal of Architectural Education 52 (4), 1999, 207-215 .Na mesma edição, ver também Panayiota Pyla. “Historicizing Pedagogy: A Critique of Spiro Kostof's AHistory of Architecture”. Journal of Architectural Education 52 (4), 1999, 216-225 .

Ver as acusações ao ideal e à realidade da cidade modernista em Philippe Panerai. Análise urbana.Brasília: Editora UnB, 2006 , Vincent Scully. The Architecture of Community In: Peter Katz (org.), TheNew Urbanism: Toward an Architecture of Community. New York: McGraw-Hill, 1994, 224, e Frederico deHolanda. A determinação negativa do movimento moderno In: Frederico de Holanda (org.), Arquitetura& urbanidade. São Paulo: ProEditores, 2003, 30-31.

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predominância das arquiteturas tradicionais. Na linguagem arquitetônica erudita, o método de

composição acadêmico, também conhecido pelo nome da École des Beaux-Arts de Paris, seu

principal centro de irradiação, era o instrumento incontornável de qualquer arquiteto, cidade ou

país que se pretendesse civilizado. Era o sistema mais completo e sofisticado de que dispunha o

profissional para organizar o espaço cívico, e nele a situação topológica e hierárquica de cada

edificação. Apresentando-se como herdeira da tradição renascentista, a arquitetura acadêmica

reivindicava para a sua prática nada menos do que o “melhor” que toda a história da construção

ocidental tinha a oferecer, incluindo as tradições greco-romana e medieval — o que a tornava ao

mesmo tempo tradicional e inclusiva. No plano teórico, seu objetivo era constituir um

instrumental ao mesmo tempo moderno e eterno para informar a produção do espaço edificado e

urbano. Segundo Donald Drew Egbert, estudioso do sistema Beaux-Arts, a arquitetura acadêmica

traz para o século xx um patrimônio misto de teoria clássica, com sua visão de mundo

neoplatônica, e de racionalismo construtivo ao gosto moderno.

A ordem acadêmica colocava, sem maiores questionamentos, a arquitetura cívica e

religiosa no topo da hierarquia, e a utilitária no extremo inferior. Ao tratar da arquitetura cívica

no conjunto acadêmico, não se deve perder de vista uma das mais importantes realizações das

arquitetura tradicionais: a inserção do mais grandioso monumento na malha urbana mais

convencional, de modo que esta reconhecesse a supremacia do primeiro, e aquele contribuísse

para a dignidade desta última. A facilidade com que um edifício ou um conjunto monumental

acadêmico se insere no contexto é tanto mais surpreendente quanto se recorda a capacidade de

destruição do tecido urbano que a teoria da arquitetura moderna propiciou. Ainda que

freqüentemente acusado de fomentar um estilo internacional avant la lettre, a arquitetura cívica

Beaux-Arts se constitui ao mesmo tempo como resposta às necessidades internas do propósito e

da função, e aos condicionantes do contexto urbano no qual se insere.

Donald Drew Egbert. The Beaux-Arts Tradition in French Architecture. Princeton: Princeton UniversityPress, 1980 , 59.

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O projeto de desmonte do método acadêmico empreendido pelos modernistas

argumentava que a expressão acadêmica se limitava ao estilo decorativo aplicado a uma planta

convencional. Contudo, tal sistema transcendia meras questões estilísticas — uma transcendência

à qual o Modernismo também pretendeu — ainda que elas tivessem o seu lugar na retórica

acadêmica. Um dos temas em que se expressava a riqueza e a diversidade das arquiteturas

tradicionais, muito além do estilo, era a relação da arquitetura cívica com o tecido urbano. A

necessidade de diferenciar edifícios de caráter cívico — em geral, públicos ou religiosos — da

arquitetura menor era um problema crítico para a composição tradicional: dessa diferenciação

dependia a legibilidade e funcionalidade do espaço urbano num sentido bem mais amplo do que

aquele abarcado pelo “zoneamento funcionalista” do modernismo. Tratava-se de uma questão de

civilidade, ou seja, da própria essência da cidade.

Se no período entre guerras a maioria dos arquitetos era formada ou estava imersa, na

prática, neste contexto acadêmico no qual o debate eclético era a norma, a historiografia

contemporânea dá pouco espaço para as arquiteturas não-modernistas, que constituíam de fato a

maior parte do universo então sendo edificado, em particular no campo da expressão cívica.

Como exceção, merece destaque o livro do crítico de arquitetura Henry-Russell Hitchcock

(1903-1987), que já em 1958 reconhece a existência de uma produção tradicional no período;

contudo, o autor ressalva que se tratava apenas da “sobrevida” de uma “arquitetura dita

tradicional”, sugerindo desse modo que as arquitetura tradicionais no século xx seriam

inautênticas. De um modo geral, tanto os arquitetos do início do século xx quanto os

historiadores do período consideram, por um lado, a arquitetura acadêmica como indissociável da

monumentalidade cívica, e por outro, a arquitetura modernista como antitética a essa mesma

Sobre a distinção entre estilo e método na arquitetura acadêmica, ver Isabelle Gournay. Beaux-Arts styleIn: Jane Turner (org.), Dictionary of Art. New York: Grove's Dictionaries, 1996, 464-465.

Henry-Russell Hitchcock. Architecture: Nineteenth and Twentieth Centuries. Pelican History of Art. NewHaven: Yale University Press, 1987 (Pelican, 1958).

Ibid., 531.

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monumentalidade — uma elusiva forma de civismo não-monumental, a julgar pelas aspirações

democráticas presentes no discurso. É assim que Frampton reconhece que:

A tendência modernista a reduzir toda forma à abstração tornou-a umamaneira insatisfatória para representar o poder e a ideologia do Estado.Essa inadequação iconográfica explica em grande parte a sobrevivência deuma abordagem historicista da construção (…)

Mas o corolário, tanto na teoria dos arquitetos quanto na literatura subseqüente, acaba

sendo uma rejeição pura e simples de qualquer insinuação da importância que tem esta

arquitetura cívica. Mais grave, na escala de valores da historiografia corrente, é a associação dos

arquitetos não-vanguardistas do início do século xx com “a formação clássica, para não dizer

Beaux-Arts” (como se essa fosse a pior das injúrias) “da maioria dos arquitetos envolvidos” nos

regimes totalitários, em particular a Alemanha nazista e a União Soviética stalinista. Projetar com

o sistema de distribuição e ornamento clássico seria, no caso dos brilhantes arquitetos acadêmicos

de países democráticos que não cabiam nessa visão reducionista, resquícios de uma “inibição”, na

compadecida biografia de Victor Dubugras por Nestor Goulart Reis Filho, em vez de escolhas

artísticas legítimas.

É o americano Richard Etlin quem aponta a existência, nada incomum, de monumentos

modernistas patrocinados pela Itália fascista, ao lado do conhecido classicismo de Giovanni

Muzio e da postura ambígua de Marcello Piacentini. Como exemplo, cita o pavilhão italiano na

Exposição Universal de Chicago, em 1933, projetado por Adalberto Libera, ao qual podemos

acrescentar a famosa Casa del Fascio de Como (1936), obra de Giuseppe Terragni (Figura 4), bem

como o seu projeto não-construído para um monumento a Dante, produzido em 1942. O próprio

[The modernist tendency to reduce all form to abstraction made it an unsatisfactory manner in which torepresent the power and ideology of the state. This iconographic inadequacy largely accounts for thesurvival of an historicist approach to building (…)] Kenneth Frampton. Modern Architecture: A CriticalHistory. New York: Oxford University Press, 1980 , 210. A tradução de todas as citações é nossa.

[(…) the Classical, not to say Beaux-Arts, background of most of the architects involved (…)] Ibid., 212.

Nestor Goulart Reis Filho. Racionalismo e proto-modernismo na obra de Victor Dubugras. São Paulo:Fundação Bienal de São Paulo, 1997 , 56.

Richard A. Etlin. “Italian Rationalism”. Progressive Architecture 7, 1983, 86-94 .

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Hitchcock, em seu livro clássico, minimiza tanto a importância dos neo-racionalistas italianos

quanto da sua associação com o regime fascista, dedicando a ambos os tópicos não mais do que

dois parágrafos nas suas quase setecentas páginas.

Naturalmente, tal rejeição não passa de uma generalização, procurando forçar a realidade

da prática a se adequar ao discurso: o próprio Frampton reconhece que, dentre os projetos

premiados no concurso para a sede da Liga das Nações, necessariamente monumentais e cívicos,

havia oito modernistas. Mesmo assim, em se tratando de comparar a arquitetura cívica

modernista com a clássica, o que vemos são dois pesos e duas medidas: o projeto da Exposição

Universal de Roma (eur '42, Figura 5) é severamente criticado porque a “implantação sonhadora

de uma nova capital (…) postulava uma monumentalidade que estava totalmente divorciada da

realidade social.” Os projetos modernistas de centros administrativos e conjuntos de habitação

social (Figura 6), igualmente divorciados dessa realidade, são de modo geral poupados de críticas

graças ao mérito de suas boas intenções. O pouco espaço dado à discussão da arquitetura não-

modernista se converte, portanto, em uma tribuna para catilinárias contra o ecletismo e o

classicismo, caracterizando-se por uma visão superficial que não ajuda a esclarecer sequer o papel

destes estilos no discurso acadêmico.

Há poucas fontes contestando esta visão engajada com o modernismo. Franco Borsi, em

L’ordre monumental, se destaca por abordar a amplitude do fenômeno da arquitetura cívica

durante a década de 1930. Nesse livro, Borsi reconhece as variadas formas que a monumentalidade

assume nos diferentes estilos, países e ideologias estudados, mas sem denegrir ou excluir qualquer

uma destas manifestações. O autor parte de um único princípio para definir esta

monumentalidade cívica: a monumentalidade é caracterizada primordialmente pela necessidade

de ordem, ainda que a ordem deva nesse caso ser expressada de maneira diferencia da ordem

Hitchcock, Architecture: Nineteenth and Twentieth Centuries, op. cit, 516-517.

Frampton, Modern Architecture: A Critical History, op. cit, 212.

[(…) wishful implantation of a new capital (…) posited a monumentality that was totally divorcedfrom social reality.] Ibid., 215.

Franco Borsi. L'ordre monumental : Europe 1929-1939. Paris: Hazan, 1986 .

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trivial. A monumentalidade de Borsi, que inclui as grandes indústrias e os conjuntos

habitacionais, não tem identidade, contudo, com a arquitetura cívica, definida por sua função

política como a forma de representação do Estado.

Jean-Pierre Épron, estudioso do ecletismo, sustenta mesmo que a “École não exportou o

classicismo francês nem um estilo arquitetônico mas o ecletismo em arquitetura, isto é, uma

atitude, um processo, um método sempre específicos a certas situações e circunstâncias.” Assim,

propõe-se não uma doutrina, mas, no contexto de um debate sempre em aberto, a fórmula do

crítico de arquitetura César Daly (1811-1894): “a liberdade no presente, o respeito do passado, e a

fé no porvir.” Nesta perspectiva de reabilitação da arquitetura acadêmica como portadora de um

discurso não retrógrado, mas simplesmente como uma prática alinhada com as demandas técnicas

e artísticas deste período diversificado, podemos colocá-la em pé de igualdade com o

modernismo. Abre-se o caminho, então, para uma análise da arquitetura cívica pautada pelas suas

características visuais e espaciais, sem distinção de filiação ideológica ou estilística.

Dentro dessa perspectiva, desdobram-se dois aspectos principais no que diz respeito ao

estudo da arquitetura cívica: em primeiro lugar, determinar o que se entende, na teoria

arquitetônica, por um edifício cívico e quais as implicações desse entendimento para a relação do

edifício com a cidade e para a abordagem do projeto; em segundo lugar, estudar em que medida

essas conclusões teóricas são aplicáveis à prática do projeto arquitetônico, considerando a

transposição de uma articulação verbal do conceito de monumentalidade cívica para a sua

realização gráfica e finalmente edificada. O primeiro termo pressupõe um enfoque nos

antecedentes teóricos, o segundo enfatiza o estudo da forma dos edifícios produzidos durante o

período em estudo.

Ibid., 52.

Ibid., 27.

[L'École n'a pas exporté le classicisme français ni un style architectural mais l'éclectisme en architecture,c'est-à-dire une attitude, une démarche, une méthode toujours particulières à certaines situations et àcertaines circonstances.] Jean-Pierre Épron. Comprendre l'éclectisme. Paris: Norma, 1997 , 84.

[La Liberté dans le présent, le Respect du passé et la Foi dans l'avenir.] César Daly apud Ibid., 246.

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A historiografia da arquitetura do século xx é farta em estudos sobre todos os aspectos do

modernismo, com ênfase nas suas doutrinas sociais, mas conta com relativamente poucas obras de

análise visual, entre as quais predominam livros que são pouco mais que catálogos de croquis,

como os populares trabalhos de Francis D.K. Ching e de Geoffrey Baker, este último tratando da

forma na obra de Le Corbusier. A principal fraqueza desse enfoque, incluindo também o

influente “Mathematics of the Ideal Villa” de Colin Rowe, está em analisar a arquitetura

modernista tomando como ponto de partida o próprio discurso circunstancial dos arquitetos. Tal

atitude contribui para manter a reflexão crítica no campo (minado) da ética do projeto — terreno

escolhido pelos modernistas para travar a sua luta contra o academicismo — e afastada de estudos

mais respeitáveis.

Há pesquisas mais consistentes sobre análise visual em escala urbana bem como nas artes

plásticas, indiferentes a estilos ou épocas. Os trabalhos de Erwin Panofsky e E. H. Gombrich

abarcam um corpo considerável de análises de estilos históricos e vernáculos. Destacam-se

também o clássico Townscape, de Gordon Cullen, além da obra recente de Christopher Alexander,

The Nature of Order. Apesar desses trabalhos, a prática de análise visual continua sendo pouco

aplicada à arquitetura, e em particular à arquitetura acadêmica. Se os próprios arquitetos

acadêmicos, especialmente os bolsistas da Academia Francesa em Roma, legaram à posteridade

uma vasta biblioteca analítica sobre a arquitetura romana antiga e renascentista, a representação

Também popular no Brasil, por exemplo Francis D.K. Ching. Arquitetura, forma, espaço e ordem. SãoPaulo: Martins Fontes, 1998 (Architecture: Form, Space and Order. New York: Van Nostrand Reinhold,1996).

Geoffrey H. Baker. Le Corbusier: uma análise da forma. São Paulo: Martins Fontes, 1998 (Le Corbusier:An Analysis of Form. New York: Van Nostrand Reinhold, 1996).

Colin Rowe. The Mathematics of the Ideal Villa. In: Colin Rowe. The Mathematics of the Ideal Villa andOther Essays,. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1976, 1-28.

Ver, entre outros, Erwin Panofsky. Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento.Lisboa: Estampa, 1986 (Entwickwelte die Ikonologie, 1939), E. H. Gombrich. The Sense of Order: A study inthe psychology of decorative art. London: Phaidon, 1979 e Nold Egenter. Bauform als Zeichen und Symbol:Nichtdomestikales Bauen im japanischen Volkskult. Zürich: Eidgenössiche Technische Hochschule, 1980 .

Gordon Cullen. Townscape. New York: Van Nostrand Reinhold, 1961 e Christopher Alexander. TheNature of Order. Berkeley: Center for Environmental Structure, 2003, 4 v.

Destaque-se duas coletâneas importantes desse material: Hector d'Espouy. Greek and Roman

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gráfica da arquitetura acadêmica, mesmo nos melhores estudos recentes, geralmente se resume a

fotografias e, ocasionalmente, à reprodução de desenhos originais, carecendo de material

verdadeiramente analítico. A situação é ainda mais crítica no que se refere às obras acadêmicas do

século xx, que padeceram da lei do silêncio imposta pela historiografia modernista. Uma exceção

digna de nota é o livro de Thomas Thiis-Evensen, Archetypes in Architecture, que, apesar do título

reminiscente da psicanálise jungiana, estuda formas arquitetônicas elementares com uma

perspectiva próxima da Gestalt.

O intuito desta pesquisa é superar a dicotomia na qual as manifestações modernistas e as

tradicionais têm tratamento diferenciado, e onde o estudo da prática está subordinado às

prescrições do discurso. Uma vez que o modernismo e o academicismo coexistiram durante as

primeiras décadas do século xx, é preciso colocá-los lado a lado, superando uma certa

historiografia convencional, que avalia uma variedade de tendências estilísticas sob a óptica do

modernismo, e submetendo as diversas manifestações da arquitetura cívica ao crivo de uma

mesma rotina, independente da filiação ideológica dos estilos mas envolvida com a sua

formulação teórica.

A arquitetura cívica será considerada primordialmente do ponto de vista do propósito

político incorporado pela sua forma, isto é, os fatores que influenciam a inteligibilidade do

projeto e a representação do decoro urbano. Por isso, a maior ênfase será dada ao estudo de

composições em fachada, com alguma consideração das implicações que a implantação do edifício

tem na malha urbana. Não serão considerados os interiores, por mais que estes possam se

constituir em “salões públicos” de grande importância, uma vez que se busca desvendar a relação

do edifício com a cidade, e não organizações próprias à lógica interna da obra. Por sua vez, os

espaços urbanos exteriores às edificações serão mencionados do ponto de vista da implantação dos

Architecture in Classic Drawings. New York: Dover, 1999 (Fragments d'architecture antique, 1905); e PaulLetarouilly. Édifices de Rome moderne. Paris: Firmin-Didot Frères, Bance, 1840, 3 v,.

Thomas Thiis-Evensen. Archetypes in Architecture. Oslo: Scandinavian University Press, 1987 .

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edifícios, mas não cabe insistir nas suas características específicas, exaustivamente descritas e

interpretadas em diversos textos clássicos incontornáveis.

No decorrer da pesquisa será utilizado um instrumental de análise baseado tanto nos

precedentes teóricos da arquitetura do início do século xx quanto em estudos mais recentes sobre

percepção e produção da ordem geométrica em arquitetura. Conceitos como ordem, escala e

figuração, integrantes da análise visual em história da arte e portanto focados diretamente no

objeto, serão associados a ferramentas analíticas próprias à arquitetura, como decoro, tipologia e

implantação, mais claramente filiados a posições teóricas. De posse desse método de estudo,

poderemos submeter à análise indistintamente edifícios modernistas e tradicionais, para se tentar

estabelecer, então, um panorama da arquitetura cívica em que as realizações dos diferentes estilos

contribuam para uma visão mais abrangente das décadas de 1920 e 1930.

Ver Cullen, Townscape, op. cit.; Rob Krier. Architectural Composition. New York: Rizzoli, 1988 ; e PaulZucker. Town and Square: From the Agora to the Village Green. Cambridge: M.I.T. Press, 1970 (1959).

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Figura Nicodemus Tessin, o velho e Erik Gunnar Asplund. Tribunal de

Gotemburgo, , -

Fonte: Claes Caldenby e Olof Hultin (orgs.) Asplund. Barcelona:G.Gili, (Asplund. Arkitektur Förlag, ), .

Figura Erik Gunnar Asplund. Projeto para o Tribunal de Gotemburgo,

Desenho nosso

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Figura Erik Gunnar Asplund. Crematório do cemitério no bosque, Estocolmo,

-

Fonte: Borsi, L'ordre monumental, op. cit,

Figura Giuseppe Terragni. Casa del Fascio, Como,

Fonte: Marida Talamona. Modernité et fascisme : illusions croisées In:Jean-Louis Cohen (org.), Les années : l'architecture et les arts del'espace entre industrie et nostalgie. Paris: Éditions du Patrimoine,

,

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Figura Marcello Piacentini. Plano urbanístico para o EUR ', Roma,

-

Fonte: Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk e Robert Alminana.The New Civic Art. New York: Rizzoli, figura .

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Figura Demolição do complexo residencial de Punta Perotti, Bari,

Fonte: Punta Perotti va giù . Disponível em <http://www.puntaperottivagiu.com>. Acesso em //

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capítulo

Arquitetura cívica

. Considerações gerais

O cívico (civicus) é o próprio do cidadão (cives). De fato, a glorificação do espaço público

só é possível quando precedida — senão cronologicamente, ao menos conceitualmente — pela

individualização do agente urbano. Enquanto que a etimologia grega aproxima πόλις de πολλοί,

“muitos”, a tradição latina gera “cidade” (civitas) a partir de cives, o cidadão. Paul Zucker associa o

surgimento de praças públicas a este processo de criação do conceito de indivíduo, já que:

(…) somente quando uma civilização onde o ser humano anônimo haviase tornado um “cidadão”, onde a democracia havia se desenvolvido atécerto ponto, poderia o lugar de encontro se tornar suficientementeimportante a ponto de tomar uma forma específica.

De modo semelhante, a palavra japonesa para “cidade” (machi) é idêntica a uma das

palavras que designam a via pública, por sua vez remetendo a certas associações de citadinos para

a defesa e a administração coletivas das ruas em Quioto durante o período das guerras civis

(Figura 7), nos séculos xiv a xvi. Pode-se associar a importância que alcança este espaço cívico,

centro da vida pública, com aquela do “lar”, centro da vida doméstica. Enquanto sede — literal

ou figurada — deste “lar comum” ( Ἕστια κοινή), o espaço cívico se contrapõe pela sua

valorização geométrica, segundo Choay, à malha urbana, cujos “elementos menores das casas, já

[(…) only within a civilization where the anonymous human being had become a “citizen,” wheredemocracy had unfolded to some extent, could the gathering place become important enough to take on aspecific shape.] Zucker, Town and Square, op. cit, 19.

Por outro lado, os nomes específicos das ruas, quando existem, nunca são usados para o endereçamentodos edifícios. Talvez este faso seja sintomático do notório coletivismo japonês. A grafia de machi, quandousada no sentido de “cidade” ( ), corresponde também à de um dos níveis de circunscriçãoadministrativa, o chō, este sim, usado no endereçamento.

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agora similares e dotados de um peso semântico idêntico” remetem à “isonomia”, isto é, à

igualdade dos seus proprietários perante a lei. Tal como o “lar privado”, portanto, também o

espaço cívico, no papel de “lar do cidadão”, organiza-se em função desta vida pública em torno de

alguma “lareira” coletiva (Figura 8). Esse foco da vida pública, contrapartida e complemento do

espaço cívico, é a arquitetura cívica, seja ela sagrada ou secular.

Semelhante materialização da cidadania em elementos edificados corresponde, justamente,

à objetivação da πολιτέια em res publica. Esta, por sua vez, se contrapõe, e é definida por esta

contraposição, à res economica (no sentido estrito, o domínio do οῖχος), de cuja relativa

uniformidade tira a sua própria distinção (Figura 9). O filósofo político David Selbourne opõe o

conceito de cives (πόλιτες), o indivíduo enquanto participante da res publica (πολιτέια), ao

indivíduo isolado, enquanto entidade meramente privada, chamado pelo pouco elogioso nome de

ιδιοτής. A desintegração da harmonia entre a esfera cívica e a esfera particular, nos dias de hoje

em detrimento da primeira, corresponde à própria decadência da vida política. Léon Krier é

categórico, ainda que alarmista, ao afirmar que:

Se as usinas têm fachadas de catedrais e se as habitações têm cara depalácios reais, se os museus se parecem com fábricas e as igrejas comgalpões industriais, um valor fundamental da república está em crise, jáque a própria natureza do objeto arquitetônico está em perigo.

Mesmo assim, ele não diz nada que já não tivesse sido dito antes. John Summerson, em

1948, proclamava o mesmo: “Uma usina elétrica pode ser tão fortemente impressionante em

massa ou em silhueta quanto a catedral de Durham, mas seria pueril tentar elaborá-la ou ‘elevá-la’

ao grau requerido por um edifício religioso (…) A usina elétrica não é a catedral do século xx.”

[(…) éléments mineurs des maisons, désormais semblables et dotés d’un poids sémantique identique(…)] Françoise Choay. “Sémiologie et urbanisme”. L'architecture d'aujourd'hui 132, 1967 , 8.

David Selbourne. The Civic Order In: Norman Crowe, Michael Lykoudis, e Richard Economakis(orgs.), Building Cities: Towards a Civil Society and Sustainable Environment. London: Artmedia, 1999, 18.

[Si les usines ont des façades de cathédrales et si les habitations ont l'air de palais royaux, si les muséesressemblent à des fabriques et les églises à des dépôts industriels, une valeur fondamentale de la républiqueest en crise, car la nature même de l'objet architectural est en péril.] Léon Krier. Architecture : choix oufatalité. Paris: Norma, 1996 , 31.

[A power-station may be as vividly striking in mass and silhouette as Durham Cathedral, but it would be

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Mas por que as usinas não podem ter “fachadas de catedrais” e as residências não podem

ser palácios? A ênfase histórica em “ser o que se é” e não outra coisa permeia a moral moderna em

incontáveis perspectivas; em Shakespeare, a vilania de Iago é evidenciada pela negativa: “eu não

sou o que eu sou” , também relacionada à afirmativa explícita no tetragrama divino: “Eu sou

[quem eu sou]”. Em arquitetura, basta chamar a atenção para a máxima racionalista do arquiteto

eclético Simon Constant-Dufeux (1801-1870), “o belo, o verdadeiro, o útil” . Para além de uma

superficial aproximação mecânica da aparência ao programa — superficial porque, como afirma

Stanford Anderson, “nenhuma descrição de função, por mais completa que seja, se traduz

automaticamente em forma de arquitetura” , o que se busca é uma verossimilhança na intenção,

isto é, um paralelo com algum aspecto da realidade expresso no propósito do objeto

arquitetônico.

.. Arquitetura secular e religiosa

O escopo da arquitetura cívica abrange tanto edificações destinadas à exaltação da ordem

política, isto é, do coletivo civil, quanto edifícios para a glória do sagrado. Não se deve forçar uma

distinção, de origem Iluminista, logo, recente e de cunho intelectual, entre a esfera da religião

coletiva e a vida política. A extensiva ritualização da vida pública e jurídica romana já foi

amplamente demonstrada, a começar pela personificação de Fides, a boa-fé invariavelmente

invocada nos contratos, e em particular a daquele domínio que nos diz respeito, o Terminus

responsável pela delimitação do espaço, do território e da propriedade — uma vez que a

childish to attempt to elaborate or ‘heighten’ it to the degree required by a religious building (…) Thepower-station is not the 20t-century cathedral.] John Summerson. The Mischievous Analogy. In:.Heavenly Mansions. New York: Norton, 1963 (1948), 203.

[I am not what I am.] William Shakespeare: Othello, I, 1. .

[(…) le beau, le vrai, l'utile (…)] Simon Constant-Dufeux apud Épron, Comprendre l'éclectisme, op. cit,83.

Stanford Anderson. A ficção da função. In: Anais do 4.º SEDUR — Seminário sobre Desenho Urbanono Brasil, 1995. Brasília: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, 1995, 11.

Georges Dumézil. Mythes et dieux des Indo-Européens. Paris: Flammarion, 1992 , 22.Ver também GeorgesDumézil. La religion romaine archaïque. Paris: Payot, 1966 .

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construção de uma cidade devia começar pela atividade litúrgica de estabelecer o seu centro e os

seus limites. Pode ser irônico que o urbanismo, essa disciplina que se quis tornar científica na era

moderna, em sendo derivado de urbs remeta justamente à prática ritual de se fundar a cidade

traçando (urvo) os seus limites com um soco de arado (urvum) puxado por uma junta de touros

(taurus, também urus), como registra Varro:

No Lácio etrusco, fundavam-se praças fortes por meio de um rito, isto é:com uma junta de bois, um touro [por fora] e uma vaca do lado de dentro,circundava-se [o sítio] com um sulco por meio do arado (…). À terra quese havia assim escavado, chamava-se de fosso, e do lado de dentro delacolocava-se o muro. Depois que o círculo fora feito, começava a cidade(…)

O círculo, orbis, também remete ao orbis terrarum, o globo terrestre, donde a

aplicabilidade das decisões pontificais, urbi et orbi. Aparece aqui a associação entre a criação de

um conjunto arquitetônico e a criação de um “mundo” ou “universo” fechado, que tem especial

relevância para a arquitetura cívica. No mesmo parágrafo, Varro conclui mencionando as estacas

que seriam fincadas para estabelecer a posição desse sulco. Curiosamente, o ideograma chinês

usado para escrever a palavra “cidade”, em japonês ( machi), é composto por uma quadrícula de

parcelamento agrícola ( ) junto ao ideograma que representa a fração “quarto” ( ), o que

remete também à nomenclatura ocidental (quarteirão, quartier, quarter, viertel, entre outros). A

literatura sobre as implicações místicas do quadrado, e por extensão da quadrícula, é farta,

bastando citar a descrição da Jerusalém celeste, repleta do número 4 e da potência quadrada,

assim como em 12 (4×3) e 144 (4²×3²):

A cidade é quadrangular, seu comprimento é igual à sua largura.[O mensageiro] mede a cidade com a vara, em doze mil estádios.Seu comprimento, sua largura e sua altura são iguais.Ele mede a sua muralha, cento e quarenta e quatro côvados.

[Oppida condebant in Latio Etrusco ritu multi, id est iunctis bobus, tauro et vacca interiore, aratrocircumagebant sulcum (…). Terram unde exculpserant, fossam vocabant et introrsum jactam murum. Postea qui fiebat orbis, urbis principium (…)] M. Terentius Varro De linguā latinā (The Latin Library). AdFontes Academy. Disponível em <http://www.thelatinlibrary.com/varro.html>. Acesso em 08/11/2006 V,xxxii.

Ap. 25, 15-16. A edição usada como referência é: La Bible. André Chouraqui. Paris: Desclée de Brouwer,

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Por outro lado, a própria prática arquitetônica adota procedimentos com conotações

ritualísticas. A preocupação com o aspecto integral e abrangente da disciplina de arquitetura, de

tal modo presente na teoria moderna e reivindicando com pompa, como fez Walter Gropius, a

“grande tarefa do arquiteto” como a “reconstrução efetiva de nosso mundo-ambiente” , tem

raízes evidentes na filosofia antiga. Emendatus, “sem falhas”, é como Vitrúvio descreve o corpus

architecturae, aponta Indra Kagis McEwen, historiadora da teoria da arquitetura na Antigüidade.

Em sua preocupação com a exegese do texto do ponto de vista filosófico e político, contudo,

McEwen não dá maior atenção à insistência, com a repetição por catorze vezes no texto, no

aspecto emendatus da disciplina, o seu aspecto de totalidade, de campo do conhecimento

completo e correto. Essa qualidade, entretanto, também é um requisito óbvio para qualquer

atividade religiosa: basta lembrar que o antigo sacrifício hebreu requeria um animal “intacto”, isto

é, sem falhas ou defeitos físicos, fossem eles congênitos ou adquiridos.

Assim como emendatus é o corpo da arquitetura e o corpo do sacrifício, também o corpo

do governante é necessariamente sem falhas. Por isso, o deus nórdico Týr, apesar de ser “o mais

corajoso e mais valoroso”, havia perdido uma mão e, conseqüentemente “ele não é considerado

um promotor de acordos entre as pessoas” , o que contrasta com o papel de seu equivalente

romano, Dius Fidius, como patrono dos contratos, além de formar com Júpiter o par régio do

panteão romano.

Naturalmente, não é o objetivo dessa enumeração sugerir associações místicas entre o

trabalho do arquiteto e esferas supranaturais — ao menos não para além da influência, evidente,

1989 .

Walter Gropius. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1972 , 118.

Indra Kagis McEwen. Vitruvius: Writing the Body of Architecture. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 2003 ,6.

Explicitado em Lv 3: 1, 6.

[(…) the bravest and most valiant (…) he is not considered a promoter of settlements between people.]Snorri Sturluson. Edda. London: Everyman, 1995 (ca. 1220), 24-25. Por causa deste defeito físico, portanto,Týr não apenas perde a sua posição na dualidade régia que ele dividiria com Óðinn, como também nãopode exercer seu papel de “deus jurista”, depositário da boa-fé nos contratos, uma vez que perdeu a mãojustamente ao apresentá-la como garantia de uma promessa logo quebrada.

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que a vida religiosa do arquiteto e do seu ambiente social tem sobre o projeto. O que essas práticas

religiosas e mitos tradicionais têm em comum com a prática da arquitetura, em particular da

arquitetura cívica, é o seu caráter de expressão dual. Num primeiro passo, enquanto reprodução

na Terra, no ambiente de ação material do ser humano, de uma ordem suposta universal, que

deve necessariamente permear tanto o mundo sagrado quanto o profano, uma ordem que é

garantia de estabilidade e propiciamento com relação às incertezas. Em seguida, esta reprodução

tem como objetivo replicar também alguma estrutura de poder; isso fica bastante evidente no caso

das divindades Indo-Européias mencionadas, uma vez que a trifuncionalidade explícita associada

ao caráter duplo da realeza persiste na cultura ocidental muito além da cristianização e do

conseqüente abandono das religiões pagãs. Veja-se, por exemplo, a divisão trifuncional entre

pregatores, bellatores e laboratores, os quais correspondem à primeira, segunda e terceira função e,

mais importante ainda, preservam uma ordem social milenar. Essa divisão está evidente na rígida

separação tipológica entre edifícios das três funções, em contraste, por exemplo, com a

semelhança entre a arquitetura religiosa e a palaciana no Japão.

.. O cívico e o privado

A potencial diluição da significação cívica por obra da própria democracia emergente na

sociedade liberal já era uma preocupação desde o final do século xviii. A nova discussão

acadêmica, que surge então e se afirma no século xix é, curiosamente, inaugurada por um

conservador, o arquiteto e futuro secretário da Académie des Beaux-Arts, Antoine-Chrysosthome

Entenda-se aqui a distinção entre sagrado e profano tal qual definida por Mircea Eliade, isto é, uma naqual a separação entre os dois mundos se dá não apenas na clivagem entre o material e o etéreo, mastambém — o que tem especial relevância para a arquitetura — na divisão do território entre o espaçoocupado pelo ser humano, onde se dá a sua ação material, e o espaço — fisicamente não menos tangível doque o primeiro, ainda que funcionalmente irredutível ao mecanicismo daquele — sagrado, onde oengenho material humano se dobra perante o poder da deidade. Ver Mircea Eliade. Le sacré et le profane.Paris: Gallimard, 1965 (Das Heilige und das Profane. Hamburg: Rowohlt, 1957), 25.

Dumézil, Mythes et dieux des Indo-Européens, op. cit., por ex. 112-115.

Ver藤田勝也 e古賀秀策 (Fujita, Masaya e Koga, Shūsaku).『日本建築史』 (Nihon kenchiku shi).Tōkyō: 昭和堂 (Shōwadō), 1999 , 22.

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Quatremère de Quincy (1755-1849), refletindo sobre os conceitos de imitação, ideal e contexto que

até então faziam parte do substrato cultural implícito da Academia. Quatremère previa que:

Quando numa cidade o abuso de poder e de riqueza fizeram com que umgrande número de pessoas fosse deslocado do seu nível de qualquer real, ouao menos aparente, igualdade, e quando esse abuso chegou ao ponto de sevalerem abertamente dele, e de contar entre os seus prazeres o de insultarabertamente a miséria alheia, então despreza-se a simplicidade das moradascomuns dos cidadãos.

Arquiteto pela Académie Royale d’Architecture de Paris e vencedor do Prêmio de Roma,

Quatremère fora sucessivamente deputado na primeira Assembléia nacional, perseguido pelo

governo jacobino, anistiado por Napoleão para em seguida se opor à pilhagem de obras de arte

promovida por este durante suas campanhas militares, e ser finalmente reabilitado durante a

Restauração, quando se tornou secretário vitalício da Academia. Sua produção construída é

limitada (Figura 10), mas o impacto dos seus escritos teóricos marcou a École des Beaux-Arts de

maneira duradoura. Não obstante a sua preferência pela monarquia como forma de sucessão

política, Quatremère era um liberal no que dizia respeito à ordem social e econômica, e

condenava a possibilidade de que, desfazendo da já referida isonomia entre os cidadãos, uma certa

elite:

(…) não vive mais em casas, e quer ter templos e monumentos públicos.(…) A arquitetura sofre, na medida que, sob o domínio dessa moralcorrompida, os monumentos públicos encolhem verdadeira enecessariamente, na medida da exaltação das casas particulares. (…) Ecomo esperar que as nuanças próprias a cada caráter de edifício serão

[Lorsque dans une ville l'abus du pouvoir & de la richesse ont fait sortir un grand nombre d’hommesdu niveau réel, ou du moins apparent d’une égalité quelconque, & lorsque cet abus est arrivé au point des’en prévaloir ouvertement & de même au nombre de ses plaisirs le choix d’insulter publiquement à lamisère d’autrui, alors on dédaigne la simplicité des demeures ordinaires des citoyens.] A.C. Quatremère deQuincy. Caractère In: Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C. Quatremère de Quincy (orgs.),Architecture. Paris: Panckouke, 1788, 506.

Édouard Pommier. La Révolution et le destin des œuvres d'art. In: A.C. Quatremère de Quincy. Lettresà Miranda sur le déplacement des monuments de l'art de l'Italie. Paris: Macula, 1989, 8-9.

Egbert, The Beaux-Arts Tradition, op. cit, 42.

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respeitadas, sentidas e apreciadas num povo que não respeitará nemmesmo as gradações mais elementares na ordem das distinções inerentes àsdiversas classes de edifícios?

Os próprios palácios, a residência dos governantes, segundo Quatremère, “em geral não

devem abandonar as formas e a maneira de ser das casas particulares.” Essa restrição suntuária,

aplicável mesmo àqueles que detêm a — ou, na sociedade liberal, são depositários da —

autoridade política, está em franca oposição à tradicional exuberância da arquitetura palaciana. Ao

condenar o fasto da arquitetura absolutista e os seus êmulos na era democrática, em que pese uma

retratação parcial no verbete “Monument”, publicado após a Restauração, Quatremère

estabelece um precedente de controle suntuário que dará a tônica para a questão do decoro em

arquitetura até o advento do Modernismo.

. Caráter e decoro

O cerne da crítica de Quatremère a uma grandiosidade excessiva das residências está no

fato, acima notado, de que “os monumentos públicos encolhem na medida da exaltação das casas

particulares”. O arquiteto da era liberal já não se contenta com a contraposição simples entre os

[(…) n’habite plus des maisons, on veut avoir des temples & des monumens publics. (…) l'architectureperd, en ce que, sous l'empire de ces mœurs corrompues, les monumens publics décroissent réellement &nécessairement, en raison de l'accroissement des maisons particulières. (…) Et comment espérer que lesnuances propres à chaque caractère d’édifice seront observées, senties & appréciées chez un peuple quin’observera pas même les gradations les plus ordinaires dans l'ordre des distinctions inhérentes auxdifférentes classes de bâtimens ?] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 506.

[(…) en général, ne doivent pas sortir des formes & de la manière d’être des maisons particulières.]Ibid., 507.

“C’est ainsi qu’on a vu, dans certains temps, de simples particuliers faire de leurs maisons desmonumens publics, & qui sont encore réputés tels, par la grandeur & la richesse qui y furentdéployées”. A.C. Quatremère de Quincy. Monument In: Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C.Quatremère de Quincy (orgs.), Architecture. Paris: Panckouke, 1820, 722. Os três volumes de arquiteturaredigidos por Quatremère de Quincy, pertencem à Encyclopédie Méthodique inicialmente organizada porDiderot e d’Alembert, publicada em fascículos e, como era de praxe para os livros de interesseespecializado, financiada por subscrições prévias. O primeiro volume, no qual se encontra o verbete“Caractère”, foi publicado em 1788, e a segunda parte do volume 2, onde está o verbete “Monument”, em1820. Quatremère não era nenhum simpatizante do Antigo Regime, muito menos da ostentação, mascertamente tinha, entre a nobreza, protetores que o reabilitaram após 1815 e que convinha respeitar.

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suntuosos palácios do monarca e a residência ordinária do seu súdito. Com o século xix, não é

apenas a complexidade dos programas que aumenta, mas também — e principalmente — a

complexidade das relações sociais entre os indivíduos, levando a uma sofisticação na gama dos

propósitos da arquitetura. Começa, então, a ganhar importância uma hierarquização cada vez

mais clara entre os programas arquitetônicos, não somente distinguindo o cívico do privado, mas

também estabelecendo classificações dentro da própria categoria de “arquitetura cívica”.

.. Boas maneiras em arquitetura

Se ampliarmos a analogia do cives na civitas para incluir a da res aedificatoria na urbs,

constatamos que a etiqueta da sociedade liberal também se aplica à arquitetura. Uma ilusão

retórica bastante comum, neste caso, é confundir a expressão arquitetônica de uma democracia

com a ordem social de uma sociedade anarquista ou igualitária — ilusão, aliás, na qual a

arquitetura dos países ditos comunistas nunca caiu. Essa ilusão consiste em considerar que, em

sendo todas as pessoas iguais — a isonomia à qual se refere Choay — todos os edifícios também

devem ser iguais; ou, na visão conformista do Pós-Modernismo, em sendo as pessoas desiguais, a

arquitetura urbana deve refletir as relações de poder econômico entre as pessoas. Ian Bentley e

outros estudiosos ingleses, no livro Responsive Environments (1985), atacam esses pressupostos:

Antes do século xx, as cidades funcionavam adequadamente em termos delegibilidade. Lugares que aparentavam ser importantes eram importantes, elugares que tinham relevância pública podiam ser facilmente identificados.

A cidade moderna é legível apenas no sentido de que ‘edifícios nãomentem’: grandes prismas de escritórios, de propriedade de fundos depensão e seguradoras, ocupam posições-chave no centro da cidade,expressando o poder das grandes instituições financeiras. Mas essesenclaves burocráticos — irrelevantes com respeito à apropriação da cidadepela maioria das pessoas — ofuscam a visualização de lugares eequipamentos relevantes para a vida pública, jogando confusão emimportantes padrões de atividade.

Essa confusão fica ainda pior porque edifícios públicos importantes eedifícios privados irrelevantes para o público muitas vezes se parecem.

[Before the twentieth century, cities worked well in terms of legibility. Places that looked important wereimportant, and places of public relevance could easily be identified. / The modern city is legible only in the

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O cerne da questão, portanto, não é saber qual edifício é mais “importante” no sentido do

poder econômico — uma atitude refletida, na outra ponta do espectro, nos padrões repetitivos

das moradias para as classes baixas, onde todos se igualam pelo menor denominador comum — e

sim, qual a relevância de cada um para a vida pública. O decoro apropriado a cada categoria de

edifício, então, decorre não do seu papel na ordem econômica, essencialmente privada, mas da

sua importância na esfera política, na res publica da civitas.

Estritamente falando, então, todos os cidadãos são iguais perante a lei e diferentes perante

a economia. Mas o que os edifícios expressam não é nem a situação jurídica nem o poder

econômico dos cidadãos, e sim o seu ofício. Neste sentido, a pessoa enquanto cidadã, na sua

qualidade de agente público, detém um ofício superior à sua própria qualidade enquanto

indivídio privado, donde tiramos a distinção básica entre res publica e res economica. Indo mais a

fundo, ainda se opera a distinção entre o cidadão que detém algum ofício político, e o cidadão

comum — novamente, duas pessoas que são (ou deveriam ser) juridicamente iguais, onde o ofício

exercido por uma delas é superior ao exercido por outra; ao contrário do que acontece na

sociedade tradicional, em que as posições sociais são determinadas pelo nascimento, na sociedade

liberal essas posições podem, teoricamente, se inverter.

A mobilidade na sociedade liberal e as transformações que ocorrem ao longo do tempo na

ordem social, no entanto, não devem ser entendidas como modelo para uma hipotética

“mobilidade” dos edifícios — ou, na evidente impraticabilidade de se “mover” socialmente os

edifícios, um igualitarismo monumentófobo em arquitetura. Existe, como lembra o pesquisador

François Loyer no colóquio L’abus monumental ? Actes des entretiens du patrimoine (1998), uma

solução perfeitamente viável para o problema das transformações sociais e políticas no caso da

arquitetura:

sense that ‘buildings cannot lie’: large office blocks, owned by pension funds and insurance companies,occupy key city centre positions, expressing the power of big financial institutions. But these bureaucraticenclaves—irrelevant to how most people use the city—visually overwhelm publicly-relevant places andfacilities, confusing important activity patterns. / This confusion is made worse because important publicbuildings and publicly-irrelevant private ones often look alike.] Ian Bentley et al. Responsive environments:A manual for designers. Oxford: Architectural Press, 1985 , 42.

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Quanto à representação das instituições mais comum e aparentementemais estável, aquela dos edifícios públicos, ela própria aceita a mudançacom uma desenvoltura formidável. Os palácios reais se tornaram aquelesda república na onda das revoluções.

A solução, portanto, é muito simples: mudem-se os ocupantes dos palácios, et le tour est

joué ! Essa prática, associada à renovação de edifícios antigos para novos fins, aproveita o

investimento já realizado numa edificação durável — posto que construída com materiais nobres

e com a melhor qualidade de mão de obra possível. E se os edifícios da res privata se distinguem

dos da res publica, estes por extensão também se distinguem uns dos outros de acordo com a

importância relativa dos seus “ofícios”. A hierarquia nas expressões do decoro se manifesta, na

forma arquitetônica, através do recurso à monumentalidade. A palavra “monumento” se origina

do latim moneo, comumente traduzida por “lembrar” — donde monumenta, “anais” — mas

significando também “anunciar”, “engajar” — donde monita, “admoestação” — e “fazer pensar”.

A definição etimológica do monumento, no léxico, se presta a digressões filosóficas, sem

dúvida importantes, mas que escapam ao âmbito de um trabalho de análise da composição. O

vocabulário arquitetônico remete a esta definição, contudo, ao falar do monumento histórico. Sob

este aspecto, não se “produz” um monumento no instante da fabricação de um objeto

arquitetônico; ele se torna monumento somente quando o seu legado é recebido e assumido pela

posteridade.

O estudioso da comunicação social Régis Debray, abrindo o colóquio L’abus

monumental ?, classifica o monumento, no sentido histórico, em duas categorias. O “monumento

rastro”, por um lado, equivale ao documento histórico: trata-se de uma “marca”, mas deixada de

maneira não intencional para a posteridade: talvez um sítio arqueológico ou uma obra de

arquitetura vernácula (Figura 11). A segunda categoria de Debray, a do “monumento mensagem” é

[Quant à la représentation des institutions qui est la plus courante et aparemment la plus stable, celledes édifices publics, elle-même subit le changement avec une formidable aisance. Les palais royaux sontdevenus ceux de la République au gré des révolutions.] François Loyer. Les échelles de la monumentalitéIn: Régis Debray (org.), L'abus monumental ? Paris: Fayard / Éditions du Patrimoine, 1998, 182.

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análoga à definição clássica do monumento enunciada por, entre outros, Alois Riegl (1858-1905).

O historiador e conservador de arte abria assim sua obra maior, Der moderne Denkmalkultus:

No seu sentido mais antigo e original o monumento é uma obra humanaerigida com o propósito específico de perpetuar certos feitos ou destinoshumanos (ou uma acumulação complexa deles), mantendo-os vivos epresentes na consciência das gerações futuras.

O monumento histórico, portanto, tem na antigüidade o seu traço distintivo: uma criação

humana, por definição, não pode já nascer histórica. Contudo, é preciso ter em mente que “a

antigüidade enquanto valor é um sinal de modernidade” , reflexo do ato de se colocar o passado

como um lugar (τόπος) diverso do presente, isto é, de modo que ele seja observável e emulável.

Isso implica que a idade do monumento é valorizada na medida em que a arquitetura antiga passa

a ser considerada como intrinsecamente diversa da atual, e por isso inatingível tanto do ponto de

vista de uma plena compreensão científica quanto de uma possível continuidade na tradição. As

motivações para esta valorização do antigo estão inseridas no contexto da transformação do

enfoque historiográfico da arte e também na produção arquitetônica do início do século xx.

A terceira categoria proposta por Debray se aproxima de uma abordagem arquitetônica:

O monumento enquanto forma, por sua vez, é o herdeiro do castelo e daigreja. Pode ser um tribunal, uma estação ferroviária, uma agência centralde correios (…). É, então, um fato arquitetônico, civil ou religioso, deordem estética ou decorativa, independentemente das suas funçõesutilitárias ou do seu valor como testemunho.

[In its oldest and most original sense a monument is a work of man erected for the specific purpose ofkeeping particular human deeds or destinies (or a complex accumulation thereof ) alive and present in theconsciousness of future generations.] Alois Riegl. “The Modern Cult of Monuments: Its Essence and itsOrigin”. Oppositions 25, 1982 (Der moderne Denkmalkultus: sein Wesen und seine Entstehung. 1903), 69.

[(…) l'ancienneté comme valeur est signe de modernité (…)] Régis Debray. Le monument ou latransmission comme tragédie In: Régis Debray (org.), L'abus monumental ? Paris: Fayard / Éditions duPatrimoine, 1998, 13.

[Le monument forme, lui, est l'héritier du château et de l'église. Ce peut être un palais de justice, unegare, une poste centrale (…). Soit un fait architectural, civil ou religieux, ancien ou contemporain, quis’impose pour ses qualités intrinsèques, d’ordre esthétique ou décoratif, indépendamment de ses fonctionsutilitaires ou de sa valeur de témoignage.] Ibid., 16.

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Segundo esta categoria, é o aspecto físico do edifício que lhe confere o seu caráter de

monumento. Trata-se, portanto, de uma monumentalização baseada não naquilo com que o

edifício está relacionado (a rememoração de algum evento), tampouco em valores incutidos com o

passar dos anos (a apreciação de sua antigüidade), muito menos em considerações funcionais ou

técnicas, mas uma monumentalização fundamentada simplesmente na sua natureza, ou seja,

naquilo que o edifício é.

.. Caráter

Uma vez estabelecido o recurso à monumentalidade para expressar a hierarquia da

arquitetura cívica, resta determinar as técnicas de distinção dos edifícios monumentais entre si. A

preocupação em fazer o edifício “ser o que ele é” já foi mencionada. Esta é a razão fundamental da

necessidade de se observar “as nuanças próprias a cada caráter de edifício”, como prega

Quatremère. Mas determinar “cada caráter” não é de todo simples. Donald Drew Egbert

(1902-1973), importante estudioso da tradição acadêmica francesa, indica a existência de três níveis

de caráter que se sobrepõem em toda obra de arquitetura:

Há três principais variedades de caráter que são freqüentementeconfundidas e que deram significados algo diferentes à palavra. As trêsvariedades podem ser caracterizadas de maneira mais precisa como: ocaráter geral, independente do problema arquitetônico específico; o carátertipológico, refletindo o caráter adequado a cada tipo de edifício; e o caráterespecífico, que reflete fatores peculiares ao edifício em questão, que podemsurgir diretamente de requisitos funcionais e estruturais ou da mente doarquiteto.

Também em três níveis se define o caráter em Quatremère, como o essencial, o distintivo, e

o relativo. Mas, ao contrário da hierarquia proposta por Egbert, a de Quatremère coloca a

identificação do tipo funcional do edifício no caráter mais baixo, o relativo:

[There are three chief varieties of character that are often confused and have given somewhat differentmeanings to the term. The three varieties can best be characterized as general character, independent of theparticular architectural problem; type character, reflecting character appropriate to the type of building;and specific character, reflecting factors peculiar to the particular building which may arise directly fromspecific functional and structural requirements or from the genius of the architect.] Egbert, The Beaux-ArtsTradition, op. cit, 122.

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O caráter relativo é uma indicação mais específica das faculdades relativasaos diferentes gêneros de propriedades que a natureza forneceu a certasespécies ou a certos indivíduos, e que os torna reconhecíveis com respeitoao uso para o qual eles estão mais nitidamente destinados.

Mesmo assim, Quatremère adverte contra uma valorização excessiva de uma analogia

funcional na expressão do caráter em arquitetura:

A terceira espécie de caráter, aquela que consiste na adequação aparentedos objetos à sua destinação, na conformidade da sua maneira de ser comaquilo que eles são, é uma coisa ainda rara na natureza.

E adiante, de maneira mais incisiva ainda, Quatremère condena a associação direta entre a

expressão arquitetônica do edifício e um certo “funcionalismo” zoobotânico, que estava sendo

propalado por seu contemporâneo Georges Cuvier (1769-1832) — que, por sinal, não teve

nenhum papel na aplicação das suas teorias à arquitetura. Contra os arquitetos partidários dessa

“analogia biológica”, Quatremère proclama:

Seria um engano bastante grave na expressão do caráter ou das qualidadespróprias a cada edifício, se se tomasse, como modelo dessa convenção,idéias indecisas ou relações pueris entre a aparência do edifício e os seususos. (…) Essas idéias são falsas por serem tão verdadeiras, e é aqui que overdadeiro não seria em nada verossímil.

Quanto ao caráter específico, descrito por Egbert como o resultado de especificidades

funcionais, estruturais e do “gênio” do arquiteto, ele não tem uma equivalência direta com uma

categoria do caráter segundo Quatremère. Para este, toda a expressão do caráter se dá no

desdobramento sutil e sofisticado do caráter em tantos graus quanto for apropriado — longe do

[Le caractère relatif est une indication plus particulière des facultés relatives aux différens genres depropriétés dont la nature a doté certaines espèces ou certains individus, & qui fait reconnoitre à quelemploi ils sont plus spécialement destinés.] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 478.

[La troisième espèce de caractère, celle qui consiste dans la propriété apparente des objets à leurdestination, dans la conformité de leur manière d’être avec ce qu’ils sont, est encore une chose rare dans lanature.] Ibid., 482.

[On se tromperoit assez gravement dans l'expression du caractère ou des qualités propres de chaqueédifice, si l'on alloit prendre pour modèle de cette convenance, ou des idées indécises, ou des rapportspuérils entre l'apparence de l'édifice & ses usages. (…) Ces idées sont fausses à force de vérité, & c’est icique le vrai ne seroit point vraisemblable.] Ibid., 509.

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arquiteto acadêmico querer expressar o seu estilo pessoal ou outra semelhante trivialidade! Tanto a

composição geral do edifício quanto a sua ornamentação devem contribuir para demonstrar o seu

caráter com a maior precisão possível:

Este feliz talento de sentir e de tornar sensível a fisionomia própria a cadamonumento; este discernimento seguro e delicado, que faz perceber asnuanças diferenciais, em edifícios que à primeira vista não parecemsuscetíveis de qualquer distinção característica; este emprego sábio ediscreto dos diversos modos, que são como que os tons da arquitetura; acombinação habilidosa dos signos que esta arte pode empregar para falaraos olhos e ao espírito; este tato preciso e refinado, que não engana nem arespeito da disposição das massas e do emprego dos detalhes, nem de umajusta aplicação de riqueza e simplicidade, e que sabe fazer colaborar com averídica expressão do caráter o acorde harmônico de todas as qualidadesque a arte pode pôr em prática; tudo isso só poderia ser descrito, na teoria,com imperfeição.

Se essa sutileza na expressão do caráter é tão difícil de se explicar no texto, na obra

edificada do século xix ela se manifesta em toda a sua grandeza e complexidade. François Loyer

explica o problema da representação na arquitetura do século xix:

Enquanto fosse possível distinguir a casa do camponês daquela do burguês,do senhor feudal ou do príncipe, a situação estava livre de ambigüidade.Mas assim que é preciso saber se um monumento representa o governocentral ou o departamental, ou o municipal (a menos que ele evoque obairro, como fazem a agência de correios ou a escola primária), torna-senecessário elaborar ao extremo as nuanças nos graus da monumentalidade.

[Cet heureux talent de sentir & de faire sentir la physionomie propre à chaque monument ; cediscernement sûr & délicat, qui fait appercevoir les nuances différentielles d’édifices, qui ne semblentd’abord susceptibles d’aucunes distinctions caractéristiques ; cet emploi sage & discret des différens modes,qui sont comme les tons de l'architecture ; le mélange adroit des signes que cet art peut employer pourparler aux yeux & à l'esprit ; ce tact précis & fin, qui ne méprend ni sur la disposition des masses &l'emploi des détails, ni sur une juste dispensation de richesses & de simplicité & qui sait faire concourir àla véritable expression du caractère l'harmonieux accord de toutes les qualités que l'art peut mettre enœuvre ; tout cela ne sauroit se rendre qu’imparfaitement en théorie.] Ibid., 502. O “accord harmonieux”pode ser entendido tanto como a concordância harmoniosa dos elementos quanto no sentido de acordemusical, metáfora legitimada pela menção aos “tons da arquitetura”.

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O século xix se dedicou a isso com uma verdadeira perseverança (…) Elecodificou um sistema que permitia estabelecer uma espécie de convençãomonumental, isto é, uma adequação entre os recursos e o produto.

Esse sistema tem, para Loyer, o “paradoxo surpreendente de que o monumento codifica a

si próprio. (…) Há uma norma da exceção” . Ou, para retomar o termo usado por Quatremère,

uma ordem da distinção. Göran Therborn, geógrafo, descreve a transformação da paisagem cívica

européia durante o século xix como uma transição entre uma ordem monumental simples e uma

mais complexa, que ocorre concomitantemente com a substituição da celebração dos autocratas

pela celebração da nação enquanto entidade coletiva (Figura 12). Os palácios das autoridades,

então, seguem de um modo geral a prescrição de Quatremère: “na verdade, todos os atuais

palácios de Estado parisienses, o [Palais de] l'Élysée do presidente, [o Hôtel de] Matignon para o

primeiro-ministro, e [o Palais] Bourbon [da Assembléia nacional] são surpreendentemente

discretos e desprovidos de ambição arquitetônica.” Reciprocamente, a celebração coletiva ganha

ênfase:

O padrão subseqüente tinha quatro componentes-chave, cada qual com asua função específica. Um era o conjunto de edifícios para as instituiçõescentrais do Estado nacional, em especial o corpo legislativo, o judiciário, eos ministérios do executivo. (…) Uma segunda característica era oplanejamento de uma ou mais ruas principais, em grande parte criadaspara o comércio elegante e o passeio (…) Em terceiro, uma capitalnacional tinha que ter um conjunto de instituições nacionais de alta

[Tant qu’on pouvait distinguer la maison du paysan de celle du bourgeois, du seigneur ou du prince, leschoses étaient sans ambigüité. Dès lors qu’il faut pouvoir deviner si un monument est représentatif del'État, ou du département, ou de la commune (à moins qu’il n’évoque le quartier, comme le font la posteou l'école primaire), il devient nécessaire de nuancer à l'extrême les degrés de la monumentalité. / Le xixesiècle s’y est employé avec une réelle constance (…) Il a codifié un système qui permettait d’établir unesorte de convenance monumentale, c’est-à-dire une adéquation entre les ressources et le produit.] Loyer,Les échelles de la monumentalité, op. cit, 184.

[(…) surprenant paradoxe, que le monument se codifie lui-même. (…) Il y a une norme del'exception.] Ibid., 185.

[In fact, all the current main Parisian palaces of state, l'Élysée of the president, Matignon for the PrimeMinister, and Bourbon are remarkably discreet and lacking in architectural ambition.] Göran Therborn.“Monumental Europe: The National Years. On the Iconography of European Capital Cities”. Housing,Theory and Society 19, 2002 , 31.

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cultura, e a sua materialização era considerada uma das principais tarefasna construção de cidades capitais. A função no caso era a de identidadenacional por meio de um patrimônio cultural comum.

Finalmente, e não menos importante, as cidades capitais européiasembarcaram numa politização e monumentalização notáveis do espaçourbano.

Mas se essa expressão do caráter é complexa, posto que ao mesmo tempo hierarquizada e

sutil, e que a distinção tem a sua própria ordem, não é menos verdadeiro que ela deve —

justamente por causa da sua complexidade — ser elaborada sobre um fundamento

compartilhado, de modo a se tornar amplamente inteligível. É esse fundamento que, na teoria de

Quatremère, determina o caráter imitativo da arquitetura:

Esse caráter imitativo tem o objetivo de mostrar, pela concordância econvenção de todas as partes constituintes de um edifício, a sua natureza, asua adequação, os seus usos e o seu propósito. Esse gênero de caráter, que,sem dúvida, ainda que inferior ao primeiro [o caráter intelectual oufilosófico] na medida dos conceitos que ele demanda, deve formar umtodo com este, tem no entanto uma diferença: ele é aplicável a todos osedifícios possíveis, ele pode ser encontrado em maior ou menor grau emtodas as regiões, e ele pode ser submetido a observações uniformes e aregras constantes.

Em que consiste, finalmente, esse “caráter imitativo” da arquitetura? O que é o objeto

imitado, diante da diferença entre o “verdadeiro” e o “verossímil” vista acima?

[The ensuing pattern had four key components, each with its specific function. One was a set of buildingsfor central national state institutions, in particular the legislative body, the judiciary and the executiveministries. (…) A second feature was a layout of (a) major street(s), mainly for elegant commerce andpromenading (…) Thirdly, a national capital had to have a set of institutions of national high culture, andtheir architectural materializations were considered major tasks of capital city building. The function wasnational identity through a shared national heritage. / Finally, and not less important, European capitalcities embarked upon a remarkable politicization and monumentalization of urban space.] Ibid., 35-36.

[Ce caractère imitatif a pour objet de faire connoitre, par l'accord & la convenance de toutes les partiesconstitutives d’un édifice, sa nature, sa propriété, ses usages & sa destination. Ce genre de caractère, quisans doute, quoique inférieur au premier par la mesure des conceptions qu’il exige, ne doit faire qu’un aveclui, a cependant cette différence, qu’il est applicable à tous les édifices possibles, qu’il peut plus ou moins serencontrer dans tous les pays, & qu’il peut être soumis à des observations uniformes & à des règlesconstantes.] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 502.

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.. Le beau, le vrai

Quatremère explica o sentido da “imitação” no contexto da arquitetura:

Não é preciso, para que uma arte possa ser chamada de arte imitativa, queo seu modelo seja tirado de modo evidente e sensível da natureza física ematerial. Essa classe de modelo só é dada às duas artes que falam aos olhospor meio da imitação dos corpos e das cores. Não é preciso, ainda, quetodas as artes que são do domínio da poesia tirem suas regras de ummodelo tão fácil de se entender, ou de se conceber, que é o modelo dadramaturgia (…)

As “artes da poesia” mencionadas por Quatremère correspondem à arte poética de

Aristóteles, que ao tratar da literatura estabelece regras tidas como válidas, pelos teóricos da arte

desde a Idade Média, para todas as práticas relacionadas ao ato de criar (ποίησις). Aristóteles

declara, no início da Poética, que essas artes compartilham a característica de que “são todas

miméticas” , isto é, baseiam-se na representação de uma realidade. Aristóteles não explica o

sentido exato de mímese, mas ele pode ser esclarecido por um trecho seguinte do mesmo texto: “e

por meio de cores, e por meio de figuras, as pessoas imitam qualquer coisa, representando-a” .

Tal mímese, portanto, não é a recriação do original, mas uma imagem — uma semelhança ou

mesmo descrição. Quatremère de Quincy, comentando esta afirmação de Aristóteles no seu ensaio

sobre L’imitation dans les beaux-arts, especifica a separação conceitual entre uma coisa e o seu

εἰκών:

[Il n’est pas nécessaire, pour qu’un art puisse être appelé art d’imitation, que son modèle repose d’unemanière évidente & sensible sur la nature physique et matérielle. Cette sorte de modèle n’est accordéequ’aux deux arts qui s’adressent aux yeux par l'imitation des corps & des couleurs. Il n’est pas nécessaireencore que tous les arts qui sont du domaine de la poésie, trouvent à se régler sur un modèle aussi facile àsaisir, ou à faire concevoir, qu’est celui de l'art dramatique (…)] A.C. Quatremère de Quincy. Imitation.In: Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C. Quatremère de Quincy. Encyclopédie méthodique desarts, des sciences et des lettres, Architecture, v. 2. Paris: Panckouke, 1820, 543.

[(…) οὖσαι μιμήσεισ τὸ σύνολον (…)] Αριστοτέλης (Aristotélēs). Ποιήτικη (Poiêtikē) (Perseus DigitalLibrary). Boston: Tufts University (Aristotle. Aristotle's Ars Poetica. Editado por R. Kassel. Oxford:Clarendon Press. 1966). Disponível em <http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?lookup=Aristot.+Poet.>. Acesso em 29/10/2006, 1447a: 10.

[(…) καί χρώμασι καί σχήμασι πολλὰ μιμοῦταί τινες ἀπεικάζοντες (…)] Ibid., 1447a: 15.

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É (…) da essência da imitação das belas-artes não mostrar a realidade senãoatravés da aparência. (…) Devemos concluir que a imitação não seria maisimitação, e sim repetição idêntica, se ela fosse adequada para reproduzir asemelhança real do objeto, isto é, para mostrá-lo sob todos os aspectos queconstituem a sua realidade.

Ou, de maneira mais clara e analógica, na Enciclopédia:

Assim, trata-se de tomar a natureza como modelo, de imitá-la, o ato deadotar como regras, em certos trabalhos artísticos, as regras que a próprianatureza segue (…) Imita-se, portanto, a natureza, fazendo não aquilo queela faz, mas do modo como ela faz, isto é, pode-se imitá-la na sua atuação,quando não se imita a natureza na sua obra.

Trata-se, portanto, não da reprodução de objetos naturais, e sim da perpetuação no

artifício humano de certos princípios tidos como naturais. Não são, portanto, os ornamentos e os

detalhes escultóricos que dão o caráter imitativo à arquitetura clássica, e sim suas características

mais gerais, em que a “imitação que é verdadeiramente própria à arquitetura e ao arquiteto, (…)

se baseia na natureza, mas considerada em termos das leis gerais de ordem e de harmonia, nas

razões que explicam todas as obras” . Essas “leis gerais”, portanto, decorrem de princípios de

organização na natureza que não são diretamente análogos ao objeto arquitetônico, mas passam

por uma transposição de linguagem para se obter a forma do edifício a partir dos princípios

estruturadores “verdadeiros” (Figura 13). Esta transposição, na tradição acadêmica, também segue

um conjunto de regras:

[Il est (…) de l'essence de l'imitation des beaux-arts, de ne faire voir la réalité que par l'apparence. (…)Concluons que l'imitation ne seroit plus imitation, mais répétition identique, si elle étoit propre àreproduire la ressemblance réelle de l'objet, c’est-à-dire le faire voir sous tous les rapports qui en constituentla réalité.] A.C. Quatremère de Quincy. Essai sur la nature, le but et les moyens de l'imitation dans les beaux-arts. Paris: Treuttel et Würz, 1823 , 11-12.

[Ainsi, c’est prendre la nature pour modèle, c’est l'imiter, que de se donner pour règles, dans certainsouvrages de l'art, les règles qu’elle suit elle-même (…) On imite donc la nature, en faisant non pas cequ’elle fait, mais comme elle fait, c’est-à-dire, qu’on peut l'imiter dans son action, lorsqu’on ne l'imite pasdans son ouvrage.] Quatremère de Quincy, Imitation, op. cit, 543.

[(…) imitation qui est véritablement propre & de l'architecture & de l'architecte, (…) repose sur lanature, mais considérée dans les lois générales d’ordre & d’harmonie, dans les raisons qui expliquent tousles ouvrages (…)] Ibid., 543.

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As convenções são, para a teoria, os meios da imitação, já que sem elas suaação não poderia ser realizada. Assim, elas são extremamente numerosas.

Quase tudo, no campo da arte, depende de convenções, e seria mesmoverdade que toda arte é ela própria convenção.

Como que reconhecendo a potencial ameaça ao predomínio desse modo convencional,

implícita no neoclassicismo arqueológico e nas teorias primitivistas sobre a origem da arquitetura,

bastante difundidas em finais do século xviii, Quatremère justifica por analogia a legitimidade

destas convenções:

A decoração, considerada nos seus recursos parciais ou nos seus detalhes, éuma linguagem cujos signos, as expressões devem ser dotados de umsignificado preciso e capaz de representar as idéias. Sem isso, nada haveriaalém de um jargão ininteligível composto de fórmulas pueris einsignificativas, ou de caracteres mudos para o espírito (…)

Mesmo assim, ele não deixa de expressar um certo conformismo pragmático,

reconhecendo a importância tanto de “signos dotados de um significado preciso” quanto de

hábitos sociais e culturais aos quais é difícil escapar:

Há formas dadas, há certas atribuições convencionais que é precisoadmitir: existem até mesmo preconceitos que é preciso respeitar, tirandopartido deles.

Dentre as “atribuições convencionais”, pode-se contar o ornamento clássico, que desde a

Querelle des anciens et des modernes assume esse papel de “hábito cultural”, respeitado mas não tido

como um ordenamento eterno e imutável. No sistema acadêmico, conforme descrito por

Quatremère, o edifício precisa expressar o seu caráter — precisa ter caráter — de modo a ocupar a

[Les conventions sont, théoriquement parlant, les moyens de l'imitation, puisque sans elles son actionne sauroit avoir lieu. Aussi sont-elles extrêmement nombreuses. / Presque tout, en fait d’art, repose sur desconventions, s’il est vrai que tout art est lui-même convention.] Quatremère de Quincy, L'imitation dansles beaux-arts, op. cit, 262.

[La décoration, considérée dans ses ressources partielles ou dans ses détails, est un langage dont lessignes, les expressions doivent être doués d’une signification précise & capable de rendre les idées. Sanscela, l'on n’y voit plus qu’un jargon inintelligible composé de formules puériles & insignificatives, ou decaractères muets pour l'esprit (…)] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 515.

[Il est des formes données, il est certaines attributions convenues qu’il faut ménager : il y a même despréjugés qu’il faut respecter en en tirant parti.] Ibid., 516.

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devida posição na escala do decoro arquitetônico. A definição desse caráter se dá de maneira

bastante complexa, uma vez que os programas arquitetônicos se diversificam durante o século xix.

A hierarquização do caráter, neste caso, segue tanto um conjunto de regras inspiradas no conceito

de natureza, quanto convenções sociais e hábitos culturais, formando assim uma rica teia de

significados na arquitetura.

. O monumento cívico no século XX

.. O valor do monumento

A modernidade do conceito de “antigo enquanto valor” foi reconhecida talvez pela

primeira vez por Alois Riegl, cujo Moderne Denkmalkultus sugere, sem contudo explicitá-lo como

o faria Rodin alguns anos depois, o desconforto da sociedade contemporânea com respeito à

substituição de edifícios antigos por edifícios novos. O historiador da arte ocidental já estava há

algum tempo confrontado com o dilema do valor do objeto artístico. O suíço Heinrich Wölfflin

(1864-1945) certamente não foi o primeiro a descobrir que “não existia olhar objetivo” , mas

coube-lhe dar a formulação atual ao reconhecimento de que é impossível avaliar a arte de outras

culturas com base no conjunto de valores da nossa própria. Logo na introdução de

Kunstgeschichtliche Grundbegriffe (1915), obra dedicada à análise estilística e a problemas específicos

da arte dos séculos xvii e xviii, Wölfflin sintetiza o fundamento da pesquisa histórica moderna,

antecipando mesmo em várias décadas a abordagem da chamada “história das mentalidades”:

“nem tudo é viável para todas as épocas. A própria visão tem a sua história, e a revelação desses

‘períodos visuais’ deverá ser considerada a tarefa mais elementar da história da arte.”

[(…) es ein objektives Sehen nicht gäbe (…)] Heinrich Wölfflin. Kunstgeschichtliche Grundbegriffe: dasProblem der Stilentwicklung in der neueren Kunst. Basel: Benno Schwabe, 1948 (1915), 11.

[Nicht alles ist zu allen Zeiten möglich. Das Sehen an sich hat seine Geschichte, und die Aufdeckungdieser „optischen Schichten“ muß als die elementarste Aufgabe der Kunstgeschichte betrachtet werden.]Ibid., 22. De Schicht (camada ou estrato) deriva Geschichte (história), donde a tradução daquela por“período” nesse contexto.

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A afirmação acima, que num contexto estritamente hegeliano poderia se prestar a uma

interpretação positivista, enfatizando a excelência da visão greco-romana e da tradição ocidental

subseqüente, é cuidadosamente contrabalançada pouco mais adiante. Neste trecho, Wölfflin

demonstra a ruptura do pensamento histórico moderno com a concepção renascentista e

etimológica do clássico:

(…) no que diz respeito ao valor, a arte (clássica) do século xvi e a arte(barroca) do século xvii estão no mesmo nível. A palavra clássico não indicaaqui nenhum juízo de valor, pois também há um classicismo do barroco.O barroco não é nem um declínio nem uma evolução do clássico, masuma arte em tudo diferente. O desenvolvimento ocidental dos temposmodernos não admite uma redução a uma simples curva comdesenvolvimento, auge e decadência (…). Pode-se demonstrar simpatia porum ou por outro: é preciso estar sempre consciente da arbitrariedade que éesse juízo, assim como é arbitrário dizer que a roseira vive o seu auge nodesabrochar da flor, e a macieira na produção da fruta.

Para se ter uma percepção de como essa abordagem não era um dado à época, basta

lembrar Geoffrey Scott, que no ano anterior publicara The Architecture of Humanism, justamente

uma exaltação daquela visão de mundo renascentista, em que o clássico (classicus) adota o seu

significado original de referente à classe — isto é, à única que tradicionalmente recebia este nome,

a classe superior — e por extensão à excelência em todos os domínios. Mesmo assim, Scott é um

homem do seu tempo, e demonstra a moderna rejeição à idéia de progresso em arte:

Os valores da arte não se encontram na seqüência mas nos estágiosindividuais. Para Brunelleschi, nunca houve Bramante; a sua arquiteturanão era a preparação para a de Bramante, mas a realização da sua própria.

[(…) steht die (klassische) Kunst des Cinquecento und die (barocke) Kunst des Seicento dem Wertenach auf einer Linie. Das Wort klassisch bezeichnet hier kein Werturteil, denn es gibt auch eine Klassizitätdes Barock. Der Barock ist weder ein Niedergang noch eine Höherführung des klassischen, sondern isteine generell andere Kunst. Die abendländische Entwicklung der neueren Zeit läßt sich nicht auf dasSchema einer einfachen Kurve mit Anstieg, Höhe und Abstieg bringen (…). Man mag seine Sympathiendem einen oder dem anderen zuwenden : jedenfalls muß man sich bewußt sein, dabei willkürlich zuurteilen, wie es willkürlich ist, zu sagen, der Rosenstrauch erlebe seine Höhe in der Bildung der Blüte undder Apfelbaum in der Bildung der Frucht.] Ibid., 24-25.

[The values of art do not lie in the sequence but in the individual terms. To Brunelleschi there was noBramante; his architecture was not Bramante’s unachieved, but his own fulfilled.] Geoffrey Scott. TheArchitecture of Humanism: A Study in the History of Taste. New York: Norton, 1974 (1914), 176.

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O contexto dessa afirmação, contudo, recoloca a obra de Scott na linhagem ideológica do

Renascimento — uma linhagem até então muito transformada, mas pouco discutida. Ele não

esconde a sua preferência pelo “modo clássico” em detrimento do “modo barroco”, valendo-se da

generalização proposta pelo historiador da arte catalão Eugenio d’Ors (1881-1954) para abarcar a

todos os ciclos estilísticos. Scott considera que:

Algumas obras de arte nos afetam como se fosse por infiltração, e sãocalculados para produzir uma impressão que é lenta, abrangente eprofunda. Estes não buscam nem capturar a atenção nem retê-la; mesmoassim, satisfazem-na quando ela lhes é dada. Outras obras nos seguram, ecom um incisivo ataque sobre os sentidos ou a curiosidade, insistem nanossa rendição. A sua função é estimular e excitar. Mas como, é sabido,não podemos reagir durante muito tempo a um estímulo desse tipo, éessencial que a atenção seja, nesses casos, liberada rapidamente. Casocontrário, presos e provocados, estamos confrontados com um apeloinsistente que, já que não podemos mais reagir a ele, acaba com o tempo setornando cansativo ou desprezível.

Geoffrey Scott, portanto, rejeita abertamente um estudo da arquitetura em que não caiba

elogio ou condenação; nesse sentido, ele se coloca em clara oposição ao emergente “relativismo

expressionista” em que se transformaria a crítica da arte nas décadas mais recentes. Entretanto,

Scott, do mesmo modo que Wölfflin, não admite que um juízo sobre a obra de arte seja exercido

por meio de um discuro heterônomo. Ele qualifica de “falácia da ética” uma certa postura diante

do objeto artístico, que o avalia não pelo seu aspecto formal, mas por uma ordem moral que ele

representa:

“Que signifie dans l'histoire des arts ce terme de « gothique fleuri » ? Il signifie qu’il y eut unautre gothique non fleuri, un gothique d’une structure pure. Ou, pour s’exprimer clairement, ungothique classique — aussi classique que l'art grec put l'être à son époque avant le grec baroque.”Eugenio d'Ors. Du Baroque. Paris: Gallimard, 2000 (Lo Barroco, 1935), 26.

[Some works of art affect us, as it were, by infiltration, and are calculated to produce an impression thatis slow, pervasive and profound. These seek neither to capture the attention nor to retain it; yet they satisfyit when it is given. Other works arrest us, and by a sharp attack upon the senses or the curiosity, insist onour surrender. Their function is to stimulate and excite. But since, as is well known, we cannot long reactto a stimulus of this type, it is essential that the attention should, in these cases, be soon enough released.Otherwise, held captive and provoked, we are confronted with an insistent appeal which, since we can nolonger respond to it, must become in time fatiguing or contemptible.] Scott, Architecture of Humanism, op.cit, 84.

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Isto não é ruim porque é feio; é feio porque, sendo falso, ostentatório,caótico e grotesco, será obviamente e literalmente ruim.

Essa representação crítica — algo não é ruim porque é feio, mas é feio porque é ruim —

pode parecer caricata e exagerada, mas o que se encontra nas apologias ao Movimento Moderno, e

mesmo nas histórias, em princípio, desinteressadas, é surpreendentemente parecido com o resumo

proposto por Scott. Kenneth Frampton, em História crítica da arquitetura moderna, publicada

pela primeira vez já nos anos do Pós-modernismo, em 1980, concede um espaço considerável à

discussão de estilos não-modernistas no início do século xx. Ainda assim, o próprio Frampton

recai com freqüência na analogia fácil entre forma arquitetônica, ideologia e moral:

A retórica cintilante mas exagerada do Grand Palais, por exemplo, eraobviamente inadequada para representar a ideologia progressista de umasociedade avançada e industrializada. O que poderia ser, afinal, maissimbólico de repressão do que o interior ferro-vítreo do Grand Palaisencarcerado numa elaborada cenografia de pedra?

Curiosamente, ninguém menos do que Reyner Banham corrobora a crítica de Scott

contra esse gênero de perspectiva, apontanto, já com uma visão retrospectiva (1962), mas ainda

bem anterior à de Frampton, um problema causado por uma obsessão pela arquitetura ética:

(…) a arquitetura moderna foi assassinada por seus defensores, tãocuidadosos em evitar uma representação enganosa dela que eles nãoconseguiram representá-la a não ser como um deprimente e deprimidoexemplo moral.

A tragédia ética da historiografia e da arte moderna, porém, consiste na fraqueza inerente

a generalizações estabelecidas sobre o arcabouço da ausência de olhar objetivo, uma vez que essa

postura poderia com plausibilidade justificar qualquer conclusão que fosse conveniente. Em sendo

[This is not bad because it is ugly; it is ugly because, being false, ostentatious, slovenly and gross, it isobviously and literally bad.] Ibid., 147.

[The scintillating yet overblown rhetoric of the Grand Palais, for example, was patently ill-equipped torepresent the progressive ideology of an advanced industrialized society. What could after all be moresymbolic of repression than the ferrovitreous interior of the Grand Palais incarcerated in an elaboratescenography of stone?] Frampton, Modern Architecture: A Critical History, op. cit, 210.

[(…) modern architecture has been murdered by its apologists, so careful to prevent itsmisrepresentation that they failed to represent it as anything but an unlovable and unlovely moralexample.] Reyner Banham. Guide to Modern Architecture. London: Architectural Press, 1962 , 10.

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inadequado falar de “crescimento, ápice e declínio” da arte, só resta ao historiador um olhar

supostamente desinteressado sobre o “espírito” próprio a cada época artística. Riegl, apesar de sua

filiação teórica na linhagem que vai de Hegel a Wölfflin, estava consciente do problema:

O ponto de vista mais recente avalia o valor artístico de um monumentode acordo com o grau em que ele contempla os requisitos do Kunstwollen(vontade artística) contemporâneo, requisitos que são ainda menosclaramente formulados e que, em termos estritos, também nunca o serãoporque eles mudam incessantemente entre um indivíduo e outro e entreum movimento e outro.

Desse enunciado, Riegl depreende que o historiador “abre mão de qualquer possibilidade

de falar de ‘monumentos artísticos’ por causa disso” . Uma vez estabelecida tal impossibilidade

de se erigir certas obras em “monumentos artísticos” em virtude do juízo de valor sobre o seu

conteúdo artístico variar de cultura para cultura, resta apenas abrir mão da crítica de arte e

considerar o monumento tão-somente do ponto de vista de testemunho histórico: logo,

retornando ao sentido etimológico estrito da palavra e adotando como parâmetro de avaliação a

única quantidade mensurável do monumento, que é a sua idade.

.. O monumento prescindível?

A argumentação de Alois Riegl deixa, no entanto, uma brecha aberta para a necessidade

de se fazer um juízo de valor da arquitetura monumental. Essa necessidade parte da condição

imprescindível para a expressão do valor histórico do monumento:

O valor histórico de um monumento aumenta na medida em que elepermanece imaculado e revela o estado da sua criação original: distorções edesintegrações parciais são ingredientes incômodos e rejeitados no que dizrespeito ao valor histórico.

[The more recent point of view assesses the artistic value of a monument according to the extent towhich it meets the requirements of contemporary Kunstwollen (artistic volition), requirements that areeven less clearly formulated and, strictly speaking, also never will be because they change incessantly fromsubject to subject and from movement to movement.] Riegl, “The Modern Cult of Monuments: ItsEssence and its Origin”, op. cit, 71.

[(…) forfeits any possibility of speaking about ‘artistic monuments’ because of that.] Ibid., 72.

[A monument’s historical value increases the more it remains uncorrupted and reveals its original stateof creation: distortions and partial disintegrations are disturbing, unwelcome ingredients for historical

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Isso implica que, de modo a preservar o valor documental do monumento histórico —

sem nos determos na controvérsia sobre o “estado original” e as “distorções” — é preciso

interromper o seu processo de envelhecimento natural, isto é, preservar o máximo possível em

estado identificável e funcional para agregar valor histórico e valor de uso, sobrepondo-se assim ao

valor de um edifício novo equivalente:

Se [os edifícios antigos] fossem ser abandonados, substitutos seriamnecessários na maioria dos casos. Essa demanda é tão forte que oargumento sobre o valor da idade, de deixar os monumentos sedegradarem naturalmente, só poderia ser considerado se houvesse aintenção de produzir substitutos com uma qualidade pelo menos igual àdos edifícios antigos.

Há um termo dado, não explicitado na proposição acima, que subverte o aparente

equilíbrio sintático entre as duas alternativas apresentadas. Este dado, evidente para os

contemporâneos de Riegl, Scott e Wölfflin, é a absoluta incapacidade dos arquitetos seus

contemporâneos produzirem os substitutos de alta qualidade. Que o antigo havia se tornado

realmente insubstituível fica claro com a indignação do escultor Rodin, em 1908, contra o

“progresso” da humanidade:

O homem que constrói as pavorosas casas novas deve detestar as belas casasantigas; ele as marcou, condenou, irá demoli-las. Ó belas casas, esperai apicareta!

O sentimento de Rodin pelo charme da malha urbana, no entanto, não se estende à

maioria dos seus contemporâneos. Mesmo os arquitetos de vanguarda no início do século xx

operam uma distinção entre esta malha, tida como decrépita e necessitando renovação segundo os

princípios sanitaristas levados ao extremo, e alguns monumentos individuais que vale a pena

value.] Ibid., 75.

[If they were to go out of use, substitutions would be required in most cases. This demand is socompelling that age value’s counterclaim to leave monuments to their natural fate could only beconsidered if one intended to produce substitutions of at least equal quality.] Ibid., 79.

Auguste Rodin. Grandes catedrais. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Les cathédrales de france, 1908),16.

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preservar. Ainda assim, reduzida pelo discurso à simples extensão da res publica, a cidade

tradicional se apresenta para o arquiteto como um desafio tipológico.

Em que pese a atitude vanguardista, de rejeição ao ecletismo acadêmico dominante no

século xix, o arquiteto Modernista está necessariamente medindo a sua prática contra o padrão de

excelência monumental e urbana oferecido pela arquitetura acadêmica. Se a questão da

arquitetura trivial pode ser facilmente resolvida lançando mão dos bem conhecidos argumentos

sanitarista, industrialista, e, dependendo do caso, socialista ou contra-revolucionário, a arquitetura

cívica evade uma discussão meramente funcional.

.. Interpretações modernistas

Nesse contexto, é evidente que não se deve tomar as afirmações da historiografia

modernista pela teoria, muito menos pela prática, dos arquitetos do início do século xx. Sigfried

Giedion (1888-1968), autor da obra inaugural dessa historiografia, Space, Time and Architecture

(1941), dedica um esforço descomunal a denegrir a arquitetura acadêmica, antes mesmo de tecer

qualquer consideração sobre os modernistas. Nas 21 primeiras páginas do capítulo 1 do seu livro, o

século xix é mencionado, explícita ou implicitamente, e sempre de modo pejorativo, nada menos

do que onze vezes: não passam duas páginas sem que o leitor seja lembrado de que aquele século

foi, para Giedion, uma espécie de Idade das Trevas na história da arquitetura.

Por este prisma da interpretação modernista passaram não apenas os primeiros

historiadores da arquitetura do século xx — e alguns mais recentes também — mas também pelo

menos duas gerações de discípulos. Convém lembrar que antes dessa época não era costume

escrever a história do passado recente; Auguste Choisy encerra a sua Histoire de l'architecture

(1899), após mencionar resumidamente alguns pontos altos da primeira metade do século xix,

com a justificativa: “seria fácil mostrar que há nesses primícios algo mais do que meras promessas,

se não acreditássemos que uma história da arquitetura deva parar antes das obras cujos autores são

Sigfried Giedion. Space, Time and Architecture: The growth of a new tradition. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1962 , 1-21.

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nossos contemporâneos.” Abre-se, então, um fosso entre a interrupção da historiografia

tradicional e a entrada em cena da historiografia modernista, situação que permitiu a esta ser a

primeira a escrever sobre os episódios mais recentes da tradição acadêmica. Affonso Romano de

Sant’Anna recorda que:

Somos de uma geração que aprendeu a ironizar autores do século xix etodo o passado, porque éramos modernos e eles não. Era como setivéssemos tido a felicidade de ter nascido no topo de um monte, com umavisão privilegiada da história e externávamos uma certa pena dos queviveram antes.

No que tange especificamente às questões do decoro e do caráter, a visão engajada e

superficial da historiografia modernista impregna até aqueles autores que se propõem a reabilitar

um entendimento mais aberto das convenções tradicionais. Entre eles, o arquiteto Marcos Moraes

de Sá, ao tratar da codificação das ordens clássicas, pretende que

O ornamento passou então a apresentar, muitas vezes, um valor intrínsecotal que o sobrepunha às características construtivas e mesmo à composiçãoarquitetônica.

Além do fato de que, como foi visto acima, o ornamento pertence à categoria das

convenções artísticas a serviço da expressão do caráter, e por isso se encontrava necessariamente

subordinado à composição, é impressionante a conformidade desta afirmação com uma certa

ideologia do modernismo. Até mesmo um leigo, como o escritor Michel Ragon, adota o discurso

militante ao descrever a arquitetura eclética:

[Il serait aisé de montrer qu’il y a dans ces débuts plus que des promesses, si nous ne croyions qu’unehistoire de l'architecture doit s’arrêter aux œuvres dont les auteurs sont nos contemporains.] AugusteChoisy. Histoire de l'architecture. Paris: Bibliothèque de l'image, 1996 (1899), t. 2, 764.

A respeito da historiografia modernista e da degradação historiográfica do ecletismo, ver MarceloPuppi. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira: questões de historiografia. Campinas: Pontes/Unicamp, 1998 .

Affonso Romano de Sant’Anna. Prefácio. In: Marcos Moraes de Sá. Ornamento e modernismo. Rio deJaneiro: Rocco, 2005, 12.

Marcos Moraes de Sá. Ornamento e modernismo: a construção de imagens na arquitetura. Rio de Janeiro:Rocco, 2005 , 16.

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(…) George Gilbert Scott constrói um hotel de ligação com a nova estaçãode Saint Pancras, em Londres, em estilo gótico, camuflando a estruturametálica do edifício (…) Essa estrutura (…), no entanto, não precisava demodo algum de uma decoração.

Uma conseqüência dessa ideologia retroativa é a atribuição, à arquitetura das primeiras

décadas do século xx, uma intenção iconoclasta que está longe de ser generalizada, senão no

discurso, ao menos na prática. Giedion acredita poder sistematizar essa arquitetura, que ele

presenciou, por conta de uma “uma unidade verdadeira, mesmo se oculta, uma síntese secreta, na

nossa civilização atual.” Esta consistiria, entre outros, numa suposta rejeição a um certo

estilismo, tido — sem outro fundamento que um olhar superficial sobre a guerra dos estilos —

como a verdadeira essência da arquitetura no século xix. Ao contrário desta, segundo Giedion:

“O movimento contemporâneo não é um ‘estilo’ no sentido usado no século xix de caracterização

da forma. É uma abordagem para a vida que dorme profunda e inconscientemente dentro de

todos nós.” Sem dar excessivo crédito à busca pela misteriosa natureza dessa vida que dorme no

nosso subconsciente, pode-se recorrer, mais uma vez, a Reyner Banham, para desfazer noções pré-

concebidas. Banham, pertencente à primeira geração de discípulos dos mestres modernistas,

discorda da posição de Giedion, pelo menos no que diz respeito ao período ao qual ambos se

referem, a primeira metade do século xx:

Qualquer discussão da arquitetura moderna deve se preocupar em grandeparte com este período de conformidade juvenil quase paranóica, quandoparedes eram brancas, janelas eram amplas, coberturas eram planas,senão… (…)

[(…) George Gilbert Scott construit un hôtel de liaison avec la nouvelle gare Saint-Pancras, à Londres,en style gothique, camouflant la structure métallique de l'édifice (…) Cette structure (…) n’avait pourtantaucunement besoin d’un décor.] Michel Ragon. Histoire de l'architecture et de l'urbanisme modernes. Paris:Casterman, 1986 v. 1: Idéologies et pionniers 1800-1910, 176.

[(…) a true, if hidden, unity, a secret synthesis, in our present civilization.] Giedion, Space, Time andArchitecture, op. cit, vii.

[Contemporary movement is not a “style” in the nineteenth-century meaning of form characterization.It is an approach to the life that slumbers unconsciously within all of us.] Ibid., xxvi-xxvii.

[Any discussion of modern architecture must concern itself largely with this period of almost paranoidteenage conformity, when walls where white, windows large, roofs flat, or else (…)] Banham, Guide toModern Architecture, op. cit, 18.

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Ou seja, aqueles eram os tempos em que o Modernismo era um estilo e não uma causa…

Mesmo para arquitetos partidários de uma renovação arquitetônica, estilo estava longe de ser um

anátema. Joseph Rykwert argumenta que até mesmo Adolf Loos (1870-1933), famoso pelo

bombástico título Ornament und Verbrechen (ornamento e delito), tinha a intenção, mais modesta

do que registra a historiografia, e mais clássica, de se opor ao arbitrário e voluntarioso Art

Nouveau:

Loos empregava livremente ornamentos históricos — não apenas tapetespersas e cadeiras Chippendale, mas até colunas clássicas —, uma vez que osconsiderava objetos perfeitamente legítimos para serem emulados e mesmo[apropriar-se deles].

Loos tampouco previu a modernidade ornamentada do Art Déco. Pelocontrário, ele via o retorno francês ao classicismo como um sinal de que ahumanidade estava retomando o bom senso.

Ainda assim, Ornament und Verbrechen foi rapidamente lido como Ornament ist

Verbrechen, e amplamente entendido como a essência do Movimento Moderno. Um

tradicionalista, o Inspetor dos Monumentos Henri Laffillée, criticava em 1941, mesmo ano da

publicação de Space, Time and Architecture:

Dentre esses cavaleiros da tavola rasa, o mais agressivo de todos preconiza,com uma intensa campanha publicitária, a exclusão total de todos osornamentos, quaisquer que sejam, considerando-os como a sobrevivênciade costumes selvagens tal como era o da tatuagem.

Aparentemente, o que Laffillée menciona é a divulgação da obra do austríaco feita por Le

Corbusier. De maneira semelhante, o volume da Œuvre complète corbusiana referente ao período

1910-1929 vê a dissimulação dos aspectos claramente monumentais do projeto para a Liga das

Nações (Figura 14) sob um memorial de inspiração funcionalista, talvez mais ao gosto de uma

audiência já convertida. Rykwert explica que:

Joseph Rykwert. A sedução do lugar: A história e o futuro da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2004(The Seduction of Place. New York: Pantheon, 2000), 177.

[Parmi ces chevaliers de la table rase, le plus agressif de tous préconise, à grand renfort de publicité,l'exclusion totale de tous les ornements quels qu’ils soient, considérant ceux-ci comme une survivance decoutumes sauvages telle que l'était celle du tatouage.] Henri Laffillée. L'architecture et la décoration de l'âgede pierre à nos jours. Paris: Éditions historiques et religieuses, 1941 v. 3, 1294.

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(…) Corbusier, de maneira mais ou menos deliberada, escondeu a suaintenção narrativa insistindo que o seu projeto não era para um palácio,mas para uma residência — uma residência eficiente e totalmente racionalpara um novo governo mundial. Será que ele achou que o seu aceno parauma compreensão mais convencional da natureza pública de um edifícioseria um tanto [quanto] “não-moderna”?

Não contente, no entanto, em deixar subjacente a associação entre o palácio e a

“residência do governo”, aproximando, portanto, o residencial do monumental, Le Corbusier ainda

acrescenta um toque bucólico em 1943, com um comentário sobre a interação do seu projeto com

o “tema idílico” da zona rural genebrina. Apenas a escala gregária é notória pela sua ausência das

justificativas…

Essa desconstrução historiográfica do pensamento arquitetônico tradicional, que estava

longe de ser sistemática, mas nem por isto era menos eficaz, tem duas conseqüências que se

manifestam no discurso arquitetônico a partir da década de 1940. A primeira diz respeito ao

propósito da arquitetura cívica. Durante a primeira metade do século xx, a principal preocupação

teórica dos modernistas é com a habitação; então, ao final da Segunda Guerra Mundial, os

modernistas se tornam o grupo dominante — para não dizer monopolista — do universo

arquitetônico. Junto à farta discussão sobre as funções básicas de moradia, trabalho e lazer —

todas partes da res economica — falta-lhes uma atitude mais elaborada para com a res publica da

cidade, para além da preocupação, ela própria utilitária, com os transportes. Incentivadas por essa

situação, sucedem-se neste período reflexões a respeito da (e, geralmente, engajadas a favor ou

contra a) relação entre arquitetura cívica e monumentalidade.

A tendência é inaugurada com a obra coletiva Nine points on monumentality, por Josep

Lluís Sert, Fernand Léger e Sigfried Giedion — texto sintético que propõe uma “nova”

monumentalidade, desta feita justificando o hiato cronológico na teoria do monumental como

uma fase de transição — e culmina no ciam de 1951, Heart of the City. Merece destaque um texto

de John Summerson (1948), no qual ele argumenta que o século xx não deve, nem pode, ter uma

Rykwert, A sedução do lugar, op. cit, 191.

Le Corbusier. Mensagem aos estudantes de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2005 (Entretien avecles étudiants des écoles d'architecture, 1943), 40.

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arquitetura monumental, uma vez que a sua característica é a democracia. A justificativa é

bastante erudita e retórica, mas repousa no sofisma da identidade entre estruturas sociais e

princípios artísticos, e é tão ilustrativa da ideologia modernista do pós-guerra que merece uma

transcrição mais extensa:

Devemos acatar, positivamente e sem nos compadecermos de nós mesmos,o fato de que a arquitetura hoje não pode ser monumental. A razão é aseguinte. A arquitetura monumental começa com o templo. O templo éum edifício para além da escala humana, construído para abrigar umapersonagem para além da condição humana — um Deus. O templo é umedifício cuja escala é deliberadamente aumentada para além da escalatrivial das necessidades humanas, para expressar a idéia de algo maior doque a humanidade. (…) A monumentalidade em arquitetura (…) foiassumida pelos palácios de reis, imperadores, duques e senhores muitoricos; mais tarde para os palácios de empresas e instituições; ainda maistarde para os locais (a rigor, palácios) de grandes organizações comerciais.Em todos esses casos é principalmente a arquitetura dos templos que foiusada — ou seja, a arquitetura clássica. (…)

Hoje, procurar ser monumental é ser falso perante o nosso próprio tempo.Excetuadas as igrejas e algumas outras coisas muito excepcionais, osgêneros de edifícios que necessitamos não têm aptidão para omonumental. (…) Até mesmo teatros e grandes salões parecem terperdido totalmente aquele caráter de serem lugares de reunião formal quejustificaria sua concepção em termos monumentais.

A segunda conseqüência da destruição do sistema acadêmico está ligada à técnica da

composição arquitetônica. Uma vez que as regras que regiam o decoro e o caráter, na tradição

[We must accept, willingly and without self-pity, the fact that architecture today cannot bemonumental. Reason is thus. Monumental architecture begins with the temple. The temple is a buildingof more-than-human scale, built to house a more-than-human personage—a God. The temple is abuilding whose scale is deliberately increased beyond the ordinary scale of human needs to express the ideaof something greater than humanity. (…) Monumentality in architecture (…) has been appropriated forthe palaces of kings, emperors, dukes and very rich gentlemen; later for the palaces of corporations andinstitutions; later still for the premises (call them palaces if you must) of large commercial organizations.In all these cases it is principally the architecture of temples which has been used—in other words classicalarchitecture. (…) / Today, to endeavour to be monumental is to be untrue to our own times. Except forchurches and certain other very exceptional things, the kind of buildings we need have no aptitude to themonumental. (…) Even theatres and great halls seem entirely to have lost that character of being places offormal assembly which would warrant their being conceived on monumental lines.] Summerson, TheMischievous Analogy, op. cit, 203-204.

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acadêmica, eram essencialmente convenções, e que o caráter imitativo decorrente dessas

convenções “pode ser submetido a observações uniformes e a regras constantes”, estas convenções

e este caráter podiam ser, e de fato eram, ensinados e debatidos. O sistema garantia a produção de

obras que, mesmo quando desprovidas de genialidade, eram “sociáveis” no contexto urbano. Uma

vez que as vanguardas artísticas rejeitam, por princípio, a idéia de convenção, e que o caráter, em

sendo o veículo do tão detestado “estilo”, é degradado juntamente com este, perdem-se os pontos

de referência que permitem ao arquiteto situar a sua obra no conjunto.

Naturalmente, os primeiros mestres modernistas — as gerações de Behrens e Mies, Perret

e Le Corbusier — tinham um domínio fluente da contextualização, ainda que usando a estética

vanguardista. O mesmo não se aplica, no entanto, aos discípulos desses pioneiros: se o

Modernismo não apaga a formação acadêmica dos mestres, ele certamente interrompe a

transmissão dos conhecimentos dessa tradição; o resultado da interrupção é logo constatado, mas

não imediatamente compreendido. Giedion concede, aparentemente sem entender a implicação

mais geral para a qualidade do ambiente construído, que:

Com razão, tem-se ouvido advertências de vários lados como que oexemplo de Ronchamp nas mãos do arquiteto médio pode ser umainfluência desastrosa.

A “solução” proposta por Giedion, contudo, é a de fazer com que todo arquiteto tenha a

formação multidisciplinar de um Le Corbusier, o que lhe permitiria, supostamente, ter a mesma

genialidade. Será preciso esperar 1964 para ver Christopher Alexander, em Notes on the Synthesis of

Form, explicitar o problema do artista desprovido de regras de composição:

Espantado, o criador da forma está só. Ele tem que produzir formasclaramente concebidas sem a possibilidade de tentativa e erro ao longo dotempo. Ele deve ser encorajado agora a pensar na sua tarefa desde oprincípio, e a “criar” a forma que o interessa, já que o que antes se estendiapor várias gerações de desenvolvimento gradual agora é tentado por umúnico indivíduo.

[With good reason, warnings have come from many sides that the example of Romchamps [sic] in thehands of the average architect can be a disastrous influence.] Giedion, Space, Time and Architecture, op. cit,xlii-xliii.

[Bewildered, the form-maker stands alone. He has to make clearly conceived forms without the

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Alexander atribui essa solidão do criador, que não pode se pautar por regras consensuais

sobre a produção arquitetônica, a uma atitude exacerbada no século xx que consiste na

impossibilidade de se enunciar juízos de valor a não ser do ponto de vista de uma opinião pessoal.

É essa mesma atitude que, na obra de Alois Riegl, exclui com resignação fatalista a catagoria de

“monumento artístico” do instrumental do historiador da arte. Em The Nature of Order (2003),

Alexander critica:

No âmbito de uma visão de mundo na qual enunciados de valor nãopodem, dentro do cânone estabelecido, ser considerados comopotencialmente verdadeiros ou falsos, não podemos (em teoria) discutircom legitimidade o que estamos fazendo enquanto arquitetos, comqualquer esperança de alcançarmos um consenso. Se aceitarmos a idéiadominante no século xx, de que enunciados de valor são —necessariamente — apenas postulados de opinião, é por princípioimpossível chegar a qualquer conclusão razoável e coletiva com respeito aoprocesso de se fabricar o ambiente — somente a conclusões arbitrárias eindividuais.

Apesar de rejeitar, ostensivamente, um retorno à tradição do século xix, Alexander aceita,

sem lhe dar o crédito da autoria, a concepção tradicional, predominante na teoria acadêmica, de

que o decoro é tão parte integrante da composição arquitetônica quanto a distribuição funcional:

(…) a Ordem é profundamente funcional e profundamente ornamental.Não há diferença entre a ordem ornamental e a ordem funcional.Aprendemos a ver que, apesar de parecerem diferentes, na verdade elas sãoapenas aspectos diversos de uma única forma de ordem.

possibility of trial and error over time. He has to be encouraged now to think his task through from thebeginning, and to “create” the form he is concerned with, for what once took many generations of gradualdevelopment is now attempted by a single individual.] Christopher Alexander. Notes on the Synthesis ofForm. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1964 (1961), 4-5.

[Within a world-view in which statements about value are not allowed, by the accepted canon, to beconsidered as potentially true or false, we cannot (in theory) legitimately discuss what we are doing asarchitects with any hope of reaching consensus. If we accept the 20t-century idea that statements of valueare—of necessity—merely statements of opinion, it is in principle impossible to reach any sensible sharedconclusion in the process of making the environment—only arbitrary and private conclusions.]Christopher Alexander. The Nature of Order. Berkeley: Center for Environmental Structure, 2003, v. 1: ThePhenomenon of Life, 17.

[(…) Order is profoundly functional and profoundly ornamental. There is no difference betweenornamental order and functional order. We learn to see that while they seem different, they are really only

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Era, talvez, esta integração que os primeiros mestres modernistas tinham em mente ao

proclamar que os elementos do programa eram o ornamento do século xx. De qualquer maneira,

é certo que estes mestres tinham um domínio da ordem arquitetônica muito mais amplo do que a

mera associação da celebração do programa funcional com a celebração da máquina. Esta ordem

tampouco era algo esotérico, como o que Giedion alegava ser o “novo regionalismo” do pós-

guerra: “realizado não por meio da adoção das formas do passado, mas pelo desenvolvimento de

uma ligação espiritual.” Ela consistia, na verdade, em grande parte na transposição — e em

alguns casos inversão consciente — dos princípios de ordem acadêmicos para a estética

modernista.

different aspects of a single kind of order.] Ibid., 22.

[(…) not achieved by adopting the forms of the past but by developing a spiritual bond.] Giedion,Space, Time and Architecture, op. cit, xxxi.

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Figura Um bairro de Quioto, com os “machi” delimitados por nuvens

douradas

Fonte: Detalhe do par de biombos Funaki, do gênero Rakuchūrakugai zu, -, apud Penelope E Mason. History of Japanese

Art. New York: Abrams, , lâmina

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Figura Templo de Vesta no fórum romano

O templo era depositário de um fogo que nunca era apagado, tidocomo essencial para a prosperidade de Roma

Fonte: Soprintendenza Archeologica di Roma. Il foro romano. Milano:Electa, , figura

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Figura Léon Krier. La vraie ville

Fonte: Krier, Architecture : choix ou fatalité, op. cit, .

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Figura A.C. Quatremère de Quincy: púlpito da igreja de Saint-Germain des

Prés, Paris,

Fonte: Robin Middleton e David Watkin. Architecture of theNineteenth Century. History of World Architecture. Milano: Electa,

, figura

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Figura Panorama de Pompéia, um monumento histórico

Fotografia nossa

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Figura Salomon de Brosse. Palais du Luxembourg, Paris, -

Antiga residência de Catarina de Médicis, sogra do rei Henrique iv, eatual sede do Senado da república francesa

Fotografia nossa

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Figura Abade Laugier. A cabana primitiva, litografia por Eisen

Fonte: Gustavo Rocha-Peixoto. Reflexos das Luzes na terra do Sol:Sobre a Teoria da Arquitetura no Brasil da Independência, -.

São Paulo: ProEditores, , figura

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Figura Le Corbusier. Projeto para a sede da Liga das Nações,

Fonte: Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Œuvre complète. Zürich:Éditions d’Architecture, v. : -,

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capítulo

A natureza do objeto cívico

Como ponto de partida, consideramos que existem diferentes maneiras de fazer a

monumentalidade, enquanto elemento excepcional da malha urbana, coexistindo na produção

arquitetônica do período entre guerras, as quais podem ser encontradas sem distinção de estilo

nos exemplares monumentais elaborados seja segundo o método Beaux-Arts, seja segundo o

modernista.

O principal argumento demonstrando que o método Beaux-Arts não era uma questão de

estilo é a sua persistência no ensino da arquitetura modernista. O arquiteto argentino Alfonso

Corona Martinez mostra que o método didático acadêmico, centrado no atelier de projeto,

continua predominante nas escolas de arquitetura atuais. Especificamente, Corona Martinez

explica que:

O sistema da École de[s] Beaux-Arts tem um efeito mais geral que suasparticularidades, algumas de pertinaz sobrevivência em sistemas de ensinoque, sob outros aspectos, nada têm a ver com ele. Refiro-me ao postulado,com valor de axioma, segundo o qual se aprende a ser arquiteto pelarealização de uma série de projetos teóricos, de complexidadeconvencionalmente crescente, sem que haja uma verificação prática e semuma relação estreita com as disciplinas auxiliares que se ocupam dosaspectos materiais dos objetos que são projetados.

Este sistema continua estruturando as escolas de arquitetura (…).Nenhuma dessas influências que rodeiam o tronco central do currículo,constituído por uma sucessão de projetos, consegue transformar essedesenvolvimento autônomo que confirma sua origem naquele processoidealizado há mais de dois séculos.

Alfonso Corona Martínez. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editora UnB, 2000 (Ensayo sobre el proyecto.Librería Técnica, 1991), 27.

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Distingue-se apenas o método moderno, batizado com a inadequada metonímia “projeto

funcionalista”, pela imitação de modelos aclamados no lugar da imitação de tipos ideais. Além

disso, aponta Corona Martinez, “um terceiro e surpreendente critério é a originalidade da

proposta” — originalidade essa que, obviamente, não pode ser descrita por nenhum “método”

pedagógico, por mais elevado que seja o seu prestígio no contexto arquitetônico do século xx.

. Arquitetura da cidade

O enfoque tradicional coloca, sem maiores questionamentos, a arquitetura cívica e

religiosa no topo da hierarquia, e a utilitária no extremo inferior. Ao tratar da arquitetura cívica

no conjunto acadêmico, não devemos perder de vista o principal tour de force que o método

Beaux-Arts tornava possível: a inserção do mais grandioso monumento na malha urbana mais

convencional, de modo que esta reconhecesse a supremacia do primeiro, e aquele contribuísse

para a dignidade desta última. A facilidade com que um edifício ou um conjunto monumental

acadêmico se insere no contexto (Figura 15) é tanto mais surpreendente quanto se recorda a

capacidade de destruição do tecido urbano que a teoria da arquitetura moderna propiciou (Figura

16). Ainda que freqüentemente acusado de fomentar um estilo internacional avant la lettre, a

arquitetura cívica Beaux-Arts invariavelmente se constitui ao mesmo tempo como resposta às

necessidades internas do programa e aos condicionantes do contexto urbano no qual se insere.

A integração entre monumento e contexto se traduz, na prática, por uma proximidade

considerável entre a arquitetura utilitária e a cívica. As diferenças entre ambas não tocam na

essência do que seja arquitetura ou na natureza da construção. O objeto cívico, simplesmente,

pode ter uma implantação monumental, e responderá na sua forma a esta situação. Argumenta-se,

Ibid., 62.

Ibid., 62.

Krier, Architecture : choix ou fatalité, op. cit, 31.

Épron, Comprendre l'éclectisme, op. cit, 142.

Julien Guadet. Éléments et théorie de l’architecture. Paris: Aulanier, 1901, v. 1, 143.

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freqüentemente, que a arquitetura modernista não se relaciona com o contexto urbano da cidade

tradicional, ou, na crítica mais sofisticada do historiador da arquitetura Thomas Schumacher, que

o edifício modernista é incapaz de assumir os compromissos e as deformações inerentes a um

enfoque tipológico da inserção na malha urbana. Sem contestar a existência de inúmeros

exemplos de modernismo anti-urbano, podemos contudo avançar que todo edifício está em

relação com o seu entorno, e essa relação pode ser analisada de um ponto de vista externo às

prescrições teóricas do movimento.

É lícito e produtivo, portanto, estudar a implantação de edifícios modernistas do mesmo

modo que se estuda a implantação daqueles acadêmicos — na verdade, o argumento pela

especificidade modernista tem, muitas vezes, o intuito velado de eximir as manifestações do

Movimento Moderno de críticas pertinentes quanto à sua condição de objetos urbanos. Para

proceder a uma análise frutífera, é preciso ficar indiferente ao enfoque teleológico da obra

modernista como promotora de uma nova e hipotética ordem urbana. O que interessa não é saber

como o monumento cívico ficaria na ville contemporaine, mas como ele de fato fica quando

inserido na vieille ville. Usar os mesmos modelos para avaliar a implantação da arquitetura

modernista e da acadêmica, como faz por exemplo Holston com o método do fundo-figura

aplicado à cidade modernista, pode parecer um vício na medida em que o modernismo propõe

uma realidade sócio-espacial diversa daquela criada pela arquitetura tradicional. Mas, como já foi

advertido, não devemos dar excessivo crédito ao discurso em detrimento do objeto, nem temos

que acatar as prescrições modernistas: pesquisas que não se rendem ao relativismo do discurso,

como a Sintaxe Espacial, apontam para a existência de parâmetros mensuráveis que tornam

legítima a análise da implantação.

Por exemplo, em Krier, Architecture : choix ou fatalité, op. cit, 59.

Thomas L. Schumacher. “Contestualismo: ideali urbani deformati”. Casabella 359-360, 1971 , 80.

James Holston. The Modernist City: An Anthropological Critique of Brasília. Chicago: Chicago UniversityPress, 1989 , 119-127.

Frederico de Holanda. O espaço de exceção. Brasília: Editora UnB, 2002 , 86.

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É importante destacar, ainda, que se há uma teoria modernista que busca eliminar

qualquer resquício da espacialidade tradicional, não são poucos os exemplos que, sem prescindir

da estética “nova”, valem-se dos princípios de implantação legados pela cidade tradicional:

podemos citar as ampliações de Amsterdã e as cidades fundadas pela Itália fascista (Littoria,

Pontinia, Sabaudia, Aprilia e Adis Abeba), que contam com um grande número de edifícios

indubitavelmente modernistas, como exemplos notáveis deste fato.

. A importância da percepção visual

Philippe Panerai denuncia, a propósito do urbanismo modernista, a tendência de se

valorizar excessivamente o desenho, a “figura no chão”, em detrimento de outros elementos de

projeto — ironicamente, a mesma acusação que Le Corbusier fazia aos arquitetos acadêmicos

supostamente mais preocupados com o traçado dos eixos (faire l'étoile) do que com a distribuição

funcional. Não obstante essa troca de acusações entre modernistas e anti-modernistas, cada qual

acusando o outro de dar mais importância à concepção abstrata do projeto do que à sua percepção

prática, é preciso reconhecer que uma preocupação maior da tradição clássica e, por extensão,

acadêmica, era justamente o efeito visual da composição na prática. Os tratados de arquitetura

raramente justificam os programas ornamentais propostos sem se referir aos seus efeitos ópticos

sob a luz, como um fator tão ou mais importante do que a origem construtiva das molduras. Até

mesmo Choisy, que na sua famosa História da arquitetura anunciava a remoção de “detalhes

supérfluos” das ilustrações para não perder de vista o conjunto, explica longamente as diferentes

formas de molduras gregas com respeito às diversas condições de iluminação (Figura 17).

Em Archetypes in Architecture, Thomas Thiis-Evensen estuda as diversas configurações

possíveis de paredes, pilares, pisos e coberturas, determinando para cada variação o seu efeito no

Panerai, Análise urbana, op. cit..

Le Corbusier. Vers une architecture. Paris: Flammarion, 1977 (Paris: Crès, 1923).

Auguste Choisy. Histoire de l'architecture. Paris: Vincent, Fréal & cie, 1964 , 7.

Choisy, Histoire de l'architecture (1899), op. cit, 318-327.

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observador. A argumentação se dá com croquis analíticos amparados em exemplos concretos,

conferindo credibilidade à análise e permitindo que o seu método seja reaproveitado em pesquisas

subseqüentes.

Se Thiis-Evensen trata da experiência da forma construída, Alexander, por outro lado,

concentra-se no processo de criação da ordem. Ainda que enfatizando a natureza holística da

produção arquitetônica, ele enumera quinze “propriedades fundamentais” , dentre as quais a

existência de uma variedade de campos simétricos (local symmetries) é a mais característica. O

mesmo Alexander concorre com o historiador da arte Ernst H. Gombrich (1909-2001) ao atentar

para a importância de três fatores na composição: a escala visual, as bordas e os contrastes.

Destes, a escala é o elemento mais “arquitetônico”, fundamentalmente relacionado à medida do

corpo humano. Ainda que autores como Lucio Costa pretendessem abstrair o corpo, sobrepondo-

lhe a consciência como unidade de medida, Gombrich alerta que a configuração geométrica não

é percebida de maneira independente de suas medidas físicas. Os autores do manual britânico

Responsive Environments vão pelo mesmo caminho, apresentando de modo muito pragmático a

série de escalas em que um objeto arquitetônico pode ser percebido no meio urbano.

A simetria, assunto polêmico na estética modernista, é entendida de uma maneira bastante

elementar, ainda que pouco óbvia, e parecida, na obra do acadêmico Guadet e na do cientista

Alexander. Este ataca as simplórias simetrias neoclássicas, na medida em que seus eixos bilaterais

repetitivos são lidos como construções mecânicas, avessas às redes de simetrias mais complexas

Christopher Alexander. The Nature of Order. Berkeley: Center for Environmental Structure, 2003, v. 2:The Process of Creating Life, 8.

Alexander, The Nature of Order, op. cit, 144.

Ibid., 20.

Ibid., 144 e Gombrich, The Sense of Order, op. cit., 117, 165.

Lucio Costa. Arquitetura. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005 , 23.

Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 117.

Bentley et al., Responsive environments: A manual for designers, op. cit, 94.

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encontradas na natureza e nas grandes obras do gênio humano. Para ambos os autores, a simetria

ou assimetria no conjunto de uma obra não se constituem em decisões de projeto a priori, mas

são resultado de um processo que integra condicionantes de programa, de sítio e contexto, e de

percepção. Nessa linha de pensamento, um elemento será simétrico sempre que não houverem

fatores determinantes pedindo a assimetria. A “beleza da simetria” faz parte da arquitetura tanto

quanto o emprego adequado das escalas, bordas, e outros elementos de projeto.

. Teorias do século XX

.. O cívico e o trivial

A primeira questão a ser abordada no domínio da composição cívica diz respeito à própria

natureza desta arquitetura. Se há, no plano conceitual, uma distinção entre a res economica e a res

publica, cabe então considerar como esta distinção se reflete na composição. Excluída, em virtude

das conclusões tiradas no capítulo 1, a possibilidade de que a arquitetura cívica e a trivial sejam de

caráter idêntico, existem, por definição, três possibilidades elementares para se efetuar esta

separação: a arquitetura cívica pode ser um subconjunto da arquitetura trivial; a arquitetura trivial

pode ser uma derivação da arquitetura cívica; ou finalmente, a arquitetura cívica e a trivial podem

ser de naturezas fundamentalmente diversas.

As três proposições não se referem a um estado de fato, que caberia desvendar de maneira

absoluta ao contrário da distinção entre res publica e res economica. Trata-se, pelo contrário, de três

atitudes diversas para com a arquitetura cívica e a sua inserção na malha da res privata. Nas

percepções atuais do papel da arquitetura, por exemplo, pode-se discernir uma tendência por

considerar o objeto cívico como tendo uma essência diferente da malha urbana. Andrés Duany,

profissional e teórico do urbanismo, sustenta em The New Civic Art que é preciso contrapor, à

regulamentação de gabarito e forma imposta às edificações da res privata, a excepcional liberdade

Alexander, The Nature of Order, op. cit, 186.

Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 128.

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para que edifícios importantes possam expressar seu “mérito” arquitetônico. A fotografia de capa

do livro, ainda que beirando o clichê, reafirma essa opinião ao mostrar o Museu Guggenheim de

Bilbao, por Frank Gehry, visto por entre os edifícios tradicionais alinhados numa rua-corredor da

cidade (Figura 18).

Uma atitude semelhante pode ser inferida das polêmicas declarações de Rem Koolhaas em

S, M, L, XL (1995). No capítulo “Whatever happened to urbanism?”, que de certa forma resume

e conclui o argumento do livro, Koolhaas sugere que o único campo de atuação que reta ao

arquiteto-urbanista na metrópole globalizada é o de contrapor, a uma malha viária — isto é, à

infra-estrutura da malha urbana tridimensional — monótona e tornada ilegível, a mais extrema

variedade de soluções na forma edilícia. Para Koolhaas, então, cada edifício, independentemente

do seu propósito, se torna um monumento cívico pela simples oposição à trivialidade do espaço

público. Essa postura, ao conferir um papel cívico à arquitetura da res privata, de modo algum

invalida a distinção entre monumental e trivial mas, ao contrário, exacerba a tensão entre ambos,

ao ver de forma fatalista e improdutiva a inversão de propósitos presente na monumentalização da

res privata frente à trivialização da res publica.

Nesse sentido, a coletânea de projetos New Public Architecture, apesar de sua reduzida

contribuição teórica, é relevante por expressar um ponto de vista característico do ambiente

arquitetônico contemporâneo — o seu autor, Jeremy Myerson, é um ex-editor de World

Architecture, a revista do Royal Institute of British Architects. Logo no primeiro parágrafo da

introdução, Myerson avisa o leitor que a arquitetura pública digna de entrar no livro se

caracteriza, antes de mais nada, pela mais absoluta diferença, alcançada por meio do culto à

novidade:

Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk, e Robert Alminana. The New Civic Art: Elements of TownPlanning. New York: Rizzoli, 2003 , passim.

Rem Koolhaas. Whatever happened to urbanism? In: Rem Koolhaas, Bruce Mau, Jennifer Sigler, eHans Werlemann (orgs.), S, M, L, XL. Rotterdam: 010 Publishers, 1995, 960-971.

Ibid., 964-965.

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Estes projetos, diversos em escala e em tipo, desde a menor cabine policialaté a mais grandiosa casa de ópera, foram escolhidos porque elesdemonstram abordagens novas e radicais para o projeto dos marcos e dosequipamentos públicos que dão às cidades, regiões e nações as suasidentidades. (…) a seleção também inclui vários outros exemplos menostradicionais de arquitetura pública — piscinas e uma sinagoga, um aquárioe uma embaixada.

O valor intrínseco da diferença “radical”, tal como retratado por Myerson, parece ser uma

herança do Movimento Moderno. À luz do texto de Koolhaas, contudo, essa contradição

implícita entre o cívico “radical” e a malha convencional parece mais uma reação conformista

diante da impossibilidade de se “radicalizar” o trivial. Ao contrário de Duany, que propõe

explicitamente o controle da arquitetura privada dentro de uma solução de uniformidade e a

liberdade para o monumento cívico, os autores vanguardistas subscrevem uma versão moderada

do culto à novidade de inspiração futurista.

Já os arquitetos do Movimento Moderno, mesmo quando não rejeitavam a simples noção

de monumentalidade cívica, não consideravam possível uma separação entre o projeto cívico e o

privado. Walter Gropius, ainda que elusivo quanto à definição de monumento e à sua pertinência,

considera o espaço urbano de maneira suficientemente holística para incluir uma breve discussão

do monumental na sua teoria da unidade de vizinhança.

Mas, à parte a polêmica conceituação da monumentalidade, assunto delicado para um

modernista, Gropius não deixa dúvidas sobre a importância da esfera cívica, para ele associada

exclusivamente — funcionalismo oblige — aos espaços abertos de atividade de encontro social:

[These projects, diverse in scale and type, from the smallest police booth to the grandest opera house,have been chosen because they demonstrate radical new approaches to the design of the public landmarksand facilities that give cities, regions and nations their identities. (…) the selection also includes manyother less traditional examples of public architecture—swimming baths and a synagogue, an aquarium andan embassy.] Jeremy Myerson e Jennifer Hudson. New Public Architecture. London: Laurence King, 1996 ,6.

Gropius, Bauhaus, op. cit, 187-188..

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(...) nas cidades modernas, as praças seriam particularmente necessárias aospedestres, pois aí, no contacto e intercâmbio cotidianos entre os homens,uma forma de vida democrática lograria o seu melhor apoio.

Em todo caso, é difícil saber que forma essas praças tomavam na imaginação de Gropius,

que rejeitava tanto o clichê “dos caprichos modernistas de alguns arquitetos maníacos por

novidades” quanto “a idéia de procurar uma expressão monumental com a ajuda de símbolos

formais convencionais” .

Mesmo um modernista pouco convencional, como Eliel Saarinen, não demonstra

nenhum apreço pela monumentalização da esfera cívica. Para Saarinen, a arte cívica se resume às

quatro funções corbusianas — habitação, trabalho, locomoção e lazer. Nem em Search a Form,

nem no mais detalhado The City, o arquiteto finlandês faz a ponte entre a celebração das catedrais

da Idade Média e prescrições sobre a arquitetura cívica do presente.

O que se pode depreender de certos textos de inspiração modernista, inclusive os de

Saarinen, é a existência de uma mais ou menos elusiva sintonia entre as grandes obras da

arquitetura de cada época e o espírito geral — poderíamos dizer vernáculo — da construção

contemporânea. Saarinen generaliza essa sintonia para as obras-primas das outras artes, além da

arquitetura, com uma declaração bombástica: “Claro, Beethoven foi grande. Mas ele foi grande

justamente porque ele sentiu as características fundamentais do seu tempo e foi capaz de dar-lhes

a mais honesta interpretação musical. Em verdade, eis a sua real grandeza.”

Um tal ponto de vista acaba por sugerir, em última análise, que as grandes obras nada

mais são do que casos especiais dentro do conjunto da cultura de uma época, onde ocorre uma

feliz colusão das “características fundamentais” de uma sociedade. Edgar Graeff, um dos raros

Ibid., 187.

Ibid., 97.

Ibid., 188.

[For sure, Beethoven was great. But he was great just because he sensed the fundamental characteristicsof his time and was able to give them the truest musical interpretation. Indeed, herein lay his realgreatness.] Eliel Saarinen. The Search for Form in Art and Architecture. New York: Dover, 1985 (Search forForm: A Fundamental Approach to Art. New York: Reinhold, 1948), 160.

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teóricos modernistas a não evitar e nem mitigar o uso da palavra “monumentalidade”, não entra

no mérito do Zeitgeist, mas também contribui para esse entendimento do extraordinário como

advindo de uma simples distorção e elevação do ordinário: “A monumentalidade vem a ser,

portanto, a qualidade capaz de imprimir significação especial ao edifício, para destacá-los dos

demais.”

Walter Gropius, por sua vez, contrapõe à “grandeza física” do monumento sua preferência

pela “qualidade artística” e pelo “valor espiritual” de uma arquitetura cívica do século xx.

Igualmente ambígua com relação à natureza da arquitetura cívica é o memorial “Palais pour la

Société des Nations à Genève” de Le Corbusier, que acompanha as imagens do projeto na Œuvre

complète. No texto, a oposição se dá entre o “acadêmico” e o “novo”, e não entre “monumental” e

“utilitário”, apesar de que o projeto é descrito como “uma casa de trabalho prática e

correspondendo ao estado contemporâneo.” . Em 1929, no entanto, Le Corbusier publicara um

artigo na Architectural Record, iniciando com a exortação a respeito do uso e da expressão na

arquitetura moderna: “não devemos confundir a demonstração exterior, por mais impressionante

que seja, com uma verdade essencial que ainda está indistinta no turbilhão de uma época em

plena evolução.”

Aqui fica evidente que a “demonstração exterior” não se refere à grandiosidade, pois o

artigo é ilustrado com o projeto do Centrosoyus (Figura 19) e com o monumentalizado

cruzamento de auto-estradas no centro do Plan Voisin. Na verdade, o autor esclarece que ele

rejeita uma “eloqüência formal” excessivamente voltada para a representação forçada de novidades

tecnológicas.

Edgar Albuquerque Graeff. Uma sistemática para o estudo da teoria da arquitetura. Goiânia: Trilhasurbanas, 2006 (URGS: Tese de livre-docência, 1959), 21-22.

[une maison de travail pratique et correspondant à l'état contemporain] Le Corbusier e Jeanneret,Œuvre complète, op. cit, 160.

[Let us not confuse outward show, however impressive, with an essential truth which is still indistinctin the whirlpool of an epoch in the full tide of evolution.] Le Corbusier. “Architecture, the Expression ofthe Materials and Methods of Our Times”. Architectural Record 117(8), 1929 , 123.

Ibid., 123.

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Entretanto, raros são os escritos modernistas versando sobre o tema e datados do período

em estudo. Os textos de Gropius, Graeff e Saarinen, bem como o vazio Nine Points on

Monumentality, datam dos anos 1940 e 1950. Essa circunstância é bastante infeliz, uma vez que a

arquitetura cívica vive um declínio marcado justamente na época em que os modernistas mais

publicam. Frampton resume o estado de espírito pouco afeito à realização de obras monumentais:

Depois da guerra o clima ideológico geral do Ocidente estava hostil aqualquer modo de monumentalidade. A Liga das Nações foradesacreditada, os britânicos haviam conferido à Índia sua independência, eos regimes que haviam feito da Nova Tradição um instrumento de políticanacional eram vistos como anátema. Além disso, as vantagensmanipulativas de outros modos de representação ideológicas, menospermanentes mas mais baratos, mais flexíveis e mais penetrantes, foramlogo vistos como muito superiores à eficácia da arquitetura.

Esse declínio é sentido não apenas na produção de edifícios, mas também na sua

preservação. Na carta de Atenas dos restauradores como na do ciam, o monumento é descrito

enquanto objeto datado de existência autônoma. Já na carta de Veneza, de 1964, ele fica

relegado — com razão, convenhamos — ao papel de ponto de destaque dentro de um conjunto

histórico.

Talvez esse fato não seja de todo surpreendente, uma vez que o caráter cívico da

arquitetura é uma expressão formal, por definição, enquanto que a ênfase nos discursos

modernistas é de ordem sociológica e industrial, como lembra — devendo algumas ressalvas — o

crítico de arquitetura Colin Rowe (1974):

Assim, a leitura mais superficial de qualquer um dos pronunciamentos dosgrandes novadores da década de 1920 sugere que para personagens comoLe Corbusier, Mies van der Rohe, e Gropius, a existência de quaisquerditos princípios de composição tais como os acadêmicos presumiam não era

[After the war the general ideological climate of the West was hostile to any kind of monumentality.The League of Nations had been discredited, the British had granted India her independence and therégimes that had made the New Tradition into an instrument of national policy were regarded asanathema. Moreover, the manipulatory advantages of less permanent but cheaper, more flexible and morepenetrating modes of ideological representation were soon seen as far surpassing the effectiveness ofarchitecture.] Frampton, Modern Architecture: A Critical History, op. cit, 222.

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só duvidosa, era irrelevante. Esses homens estavam convencidos de queuma arquitetura autêntica só podia ser uma racionalização de fatosobjetivos.

Contudo, a cisão pretendida por Rowe entre uma arquitetura de “fatos objetivos” e outra

com bases empíricas e, por oposição, subjetivas, remete a uma dicotomia marxista entre estrutura

e ideologia, cuja relevância para o assunto em questão está longe de ser consensual. O próprio

movimento vanguardista batizado de Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade) estava fortemente

impregnado das atitudes pessoais de seus protagonistas. E Le Corbusier, num trecho de Vers une

Architecture tão famoso que poderia ser considerado um lugar-comum do modernismo, mostra os

limites do seu apreço pela “objetividade” dos engenheiros:

Utilizamos a pedra, a madeira, o cimento; com eles fazemos casas, palácios;é a construção. A engenhosidade trabalha.

Mas, de repente, você me interessa fortemente, você me faz bem, sou feliz,digo: é belo. Eis aí a arquitetura. A arte está aqui.

Minha casa é prática. Obrigado, assim como obrigado aos engenheiros dasestradas de ferro e à Companhia dos Telefones. Vocês não tocaram meucoração.

De qualquer maneira, mesmo com a relativa ausência da temática cívica dos textos

modernistas, na prática dos integrantes do Movimento Moderno o monumento comemorativo —

território por excelência da elaboração formal desprovida de qualquer preocupação

funcionalista — também está presente: basta citar o projeto para a torre da Terceira

Internacional, de Tatlin (1919, Figura 20), o memorial a Rosa Luxemburgo, de Mies van der Rohe

(1925, Figura 21), e aquele para o monumento a Paul Vaillant-Couturier, por Le Corbusier (1938,

Figura 22), além, é claro, dos pavilhões de exposição, dentre os quais se destacam o do Esprit

[Thus the most cursory reading of any of the pronouncements of the great innovators of the 1920’ssuggests that for such figures as Le Corbusier, Mies Van der Rohe, and Gropius, the existence of any suchprinciples of composition as the academicians presumed was not only dubious but irrelevant. These menwere convinced that an authentic architecture could only be a rationalization of objective facts.] ColinRowe. Character and Composition; Or Some Vicissitudes of Architectural Vocabulary in the NineteenthCentury. In:. The Mathematics of the Ideal Villa and Other Essays,. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1976(Oppositions 2, 1974), 60.

Le Corbusier. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1994 (Vers une architecture. Paris: Crès,1923), 105.

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Nouveau em 1925 e o da Alemanha em 1929. Na verdade, segundo Franco Borsi, os únicos

modernistas declaradamente anti-monumentais seriam os historiadores:

(…) o paradigma da modernidade, entendida no sentido mais estrito,impediu os historiadores de dar valor a essa tentativa; ela foi devidamenteliquidada enquanto compromisso conservador, ou então eles se limitaram aemitir juízos sem recurso a partir do que se supunha que correspondiamais ou menos aos dogmas do Movimento Moderno. Em todo caso, tudoisso foi julgado e condenado na íntegra, sem analisar seriamente ascomponentes e os pontos de amarração, ao contrário do que se deu naspesquisas exaustivas sobre o Art Nouveau e o Art Déco (…)

Se a concepção modernista com respeito à natureza da arquitetura cívica é elíptica nos

textos, os mesmos deixam claro que, qualquer que seja a expressão cívica apropriada para a

“modernidade”, ela estará submetida a uma espécie de civismo utilitário centrado na habitação e

nos transportes, como que um caso especial — lembrando as definições de Saarinen e Graeff —

no universo da arquitetura trivial. Mas, se a teoria e a prática da arquitetura cívica segundo o

Movimento Moderno são ambíguas e variadas, o mesmo não se pode dizer de certos arquitetos

tributários de outros movimentos.

Friedrich Tamms, arquiteto bastante prestigiado na Alemanha nazista, afirma, em uma

polêmica contra o organicismo da arquitetura trivial em 1944, que “não é o grande que nasce do

pequeno, mas o pequeno, o comum, o cotiniano que tira a sua existência do grande. No princípio

era o grande!” Tamms, enquanto êmulo de Albert Speer, se opõe, portanto, à primazia da

arquitetura trivial no modernismo mas também no Heimatstil de Schweizer e da escola de

Stuttgart, grupo de arquitetos que — com tanto apoio do regime quanto o grupo de Speer —

[(…) le paradigme de la modernité, entendue au sens strict, a empêché les historiens d’accorder de lavaleur à cette tentative ; ils l'ont proprement liquidée en tant que compromis conservateur ou ils se sontlimités à prononcer des jugements sans appel à partir de ce qui était censé plus ou moins correspondre auxdogmes du mouvement moderne. On a en tout cas jugé et liquidé tout cela en bloc, sans en analysersérieusement les composantes et les points d’ancrage, à l'inverse de ce qui s’est passé dans les recherchesexhaustives sur l'Art nouveau et l'Art déco (…)] Borsi, L'ordre monumental, op. cit, 55.

[(…) ce n’est pas le grand qui naît du petit, mais le petit, le commun, le quotidien qui tire son existencedu grand. Au début était le grand !] Apud Hartmut Frank. La loi dure et la loi douce : monument etarchitecture du quotidien dans l’Allemagne nazie In: Jean-Louis Cohen (org.), Les années 30 : l'architectureet les arts de l'espace entre industrie et nostalgie. Paris: Éditions du Patrimoine, 1997, 200.

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“buscava dar [à arquitetura moderna] um sentido regionalista e contextual, para usar uma

terminologia contemporânea, reconciliar o moderno e a tradição” , nas palavras de Hartmut

Frank.

Por outro lado, não cabe sobrepor a oposição entre a primazia do trivial e a primazia do

monumental à divisão entre o classicismo de Estado, de um lado, e os movimentos modernistas e

vernáculos do outro. Em primeiro lugar, é importante ter em mente que a associação fácil entre

classicismo e totalitarismo nunca existiu, como alerta Jean Louis Cohen:

Os regimes autoritários estão longe de serem os únicos patronos dosmonumentos clássicos, como demonstram as urbanizações da colina deChaillot em Paris, do Triângulo Federal de Washington e os grandesedifícios públicos britânicos.

Além disso, Franco Borsi oferece uma interpretação para um conjunto de abordagens do

problema da forma no início do século xx — do classicismo “simplificado” de Speer ao

Movimento Moderno — que, se não é de todo convincente, tem o mérito de mostrar o purismo

formal sob uma luz inusitada e intrigante:

(…) é justamente porque a linguagem do Novecento tende a umaprogressiva decantação da forma — em nome do purismo e da rejeição detoda referência direta à história — que ela almeja à própria essência damonumentalidade e que ela determina os seus efeitos. Eliminando-se osistema de símbolos constituídos pela decoração, pelo ornamento plásticoda arquitetura, pela referência às ordens canônicas, então almeja-se aosvalores essenciais de massa, de volume, de cores da matéria, e procura-sedesvendar em quais condições e por meio de quais modelos será possívelreencontrar a função de persuasão expressiva.

[(…) cherche à lui donner un sens régionaliste et contextuel, pour utiliser des termes contemporains, àréconcilier le moderne et la tradition] Ibid., 203.

[Les régimes autoritaires sont loin d’être les seuls commanditaires des monuments classiques, commeles aménagements de la colline de Chaillot à Paris, du Triangle Fédéral de Washington et les grandsbâtiments publics britanniques en font foi.] Jean-Louis Cohen. Les fronts mouvants de la modernité In:Jean-Louis Cohen (org.), Les années 30 : l'architecture et les arts de l'espace entre industrie et nostalgie. Paris:Éditions du Patrimoine, 1997, 26.

[(…) c’est justement parce que le langage du Novecento tend à une progressive décantation de laforme — au nom du purisme et du rejet de toute référence directe à l'histoire — qu’il vise à l'essencemême de la monumentalité et qu’il en détermine les effets. Si l'on élimine le système des symboles que

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.. Civismo e novas arquiteturas

Mais instrutiva ainda é a situação dos arquitetos aos quais não é possível atribuir um dos

dois rótulos ideológicos convencionais — a favor do Movimento Moderno ou retrógrado. Desses,

o mais famoso e polêmico é o italiano Marcello Piacentini. Filho de um arquiteto eclético, como

informa o seu biógrafo Mario Pisani, Piacentini tem um papel de destaque na prática e na teoria

da arquitetura européia nas décadas de 1920 e 1930. Após a Segunda Guerra Mudial, ele foi

associado — juntamente com alguns outros, como o classicista Giovanni Muzio — à arquitetura

oficial do regime fascista, a fim de eximir de responsabilidade política outros colaboradores ou

mesmo entusiastas do fascismo, como os aclamados neo-racionalistas Adalberto Libera, Pietro

Maria Bardi e, postumamente, Giuseppe Terragni.

Na realidade, contudo, Piacentini fora um dos primeiros defensores de uma transformação

arquitetônica, tanto na prática quanto no ensino, e tem o mérito de ter atuado como agente

catalisador das diversas tendências representadas por diversos grupos ideológicos da arquitetura

italiana. Piacentini flertou com o neo-racionalismo, o classicismo simplificado e o nativismo até

desenvolver uma teoria da arquitetura moderna que contemplava uma gama mais ampla de

possibilidades formais do que as doutrinas do Movimento Moderno e do que Frampton chama de

“Nova Tradição”. “Na realidade”, registra Pisani, “ele não tinha apreço pela arquitetura

monumental dos projetistas alemães, dos quais lembra pouco mais que os resultados banais.”

Piacentini pouco se importa, nas suas resenhas, com manifestos abstratos, preferindo

concentrar-se no estudo de projetos de arquitetura propriamente ditos. Pisani continua:

constituent la décoration, l'ornementation plastique de l'architecture, la référence aux ordres canons, alorson vise aux valeurs essentielles de masse, de volume, de couleurs de la matière et l'on essaie de trouver dansquelles conditions et à travers quels modèles on pourra retrouver la fonction de persuasion expressive.]Borsi, L'ordre monumental, op. cit, 52.

Mario Pisani. Gli scritti di Marcello Piacentini sull’architettura del Novecento. In: Marcello Piacentini.Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996, 11.

Ibid., 27.

[In realtà, egli non apprezza l'architettura monumentale dei progettisti tedeschi, di cui ritiene poco piùche i banali risultati.] Ibid., 20.

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“[Piacentini] não se preocupa com aquelas [expressões arquitetônicas] que aparentam ser

unicamente declarações de princípios, não comprovadas por nenhum projeto, quanto mais por

construções.” Numa dessas resenhas, intitulada “Il momento architettonico all'estero” (1921),

Piacentini celebra o senso de decoro cívico, apesar de condenar uma certa manifestação da

monumentalidade:

Na Inglaterra a distinção entre a arquitetura monumental e a privada émais precisa. A primeira é teimosamente ligada às tradições clássicas, vistasprincipalmente através da catedral de São Paulo de Londres, com formaspesadas e na maioria dos casos desprovidas de invenções geniais e derefinamentos individuais.

Piacentini não define com clareza o que ele considera a essência da monumentalidade

cívica. Mas, ao contrário de Gropius e Saarinen, ele tampouco ignora o assunto. De um modo

geral, a teoria piacentiniesca da arquitetura é um exercício de conciliação liberal, em que cada

expressão tem vez e, mais importante, tem o seu ligar ditado pela conveniência prática e cívica:

(…) praticamente não existe esta grande antítese entre o novo e o velho, e(…) pode-se chegar a uma visão de uma arquitetura sã, que não será nemnova nem velha, mas simplesmente verdadeira, não por espírito conciliadora qualquer custo, mas pela lógica e natural valoração dos materiais e dasnecessidades.

[(…) non si preoccupa di quelle che appaiono unicamente dichiarazioni di principio, non dimostrateda nessun progetto o tanto meno da costruzioni.] Ibid., 33.

[In Inghilterra la distinzione tra l'architettura monumental e quella privata è più precisa. La prima ètenacemente legata alle tradizioni classiche, vedute specialmente attraverso S. Paolo di Londra, con formepesanti e per lo più prive di geniali trovate e di raffinatezze individuali.] Marcello Piacentini. Il momentoarchitettonico all’estero. In: Marcello Piacentini. Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996 (In:Architettura e arti decorative 1 (1), maggio-giugno 1921, 32-76), 93.

[(…) praticamente non esiste questa grande antitesi tra il nuovo e il vecchio, e (…) si può giungere aduna visione di sana architettura, che non sarà né nuova né vecchia, ma semplicemente vera, non per spiritodi conciliazione a tutti i costi, ma per logica e naturale valutazione dei materiali e dei bisogni.] MarcelloPiacentini. Bollettino bibliografico. In:. Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996 (In: Architettura earti decorative 2 (2), febbraio 1923, 220-224), 121.

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Seria então, para Piacentini, toda arquitetura de mesma natureza? Foi visto que o italiano

subscreve a distinção enunciada no capítulo 1; essa distinção é aqui bem mais sutil do que na visão

predominante atualmente:

A Roma imperial tinha, nos seus fóruns, templos coríntios de mármore ebasílicas de travertino: os dois milhões de plebeus viviam em casas simples,modestas, como aquelas encontradas em Ostia, anônimas, racionalíssimas.

É questão, portanto, de proporção e de critério.

A questão, portanto, não é de oposição mas de gradação; e essa gradação sofisticada não

diferencia apenas a casa do fórum: dentro do fórum, os “templos coríntios de mármore” são mais

importantes do que as “basílicas de travertino” em virtude da nobreza relativa dos materiais.

Piacentini despreza a arquitetura acadêmica do seu tempo, “caótica” e “plebéia” , mas a sua

concepção de arquitetura cívica como uma distinção de grau e não de essência é exatamente a do

mais importante teórico do método acadêmico no século xx, o professor de teoria da arquitetura

na École des Beaux-Arts, Julien Guadet.

.. Ordem e verdade

Guadet, que tivera um papel precoce na École ao liderar a revolta estudantil de 1863

contra as reformas de Viollet-le-Duc, foi catedrático de teoria na escola de 1884 até a sua morte

em 1908. Mesmo após essa data, o seu livro-texto Éléments et théorie de l'architecture continuou

sendo a bibliografia de referência não apenas em Paris mas também em incontáveis cursos de

arquitetura por todo o mundo. Na própria École, ele assim permaneceu até a reorganização

promovida em 1968, quando o curso já tinha uma orientação modernista havia vários anos.

[Roma imperiale aveva, nei suoi Fori, templi corinzi di marmo e basiliche di travertino: i due milioni dipopolo abitavano in case semplici, modeste, come quelle che si son trovate a Ostia, anonime,razionalissime. / E’ questione, dunque, di proporzione e di criterio.] Marcello Piacentini. Primainternazionale architettonica. In:. Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996 (In Architettura e artidecorative, 7 (12), agosto 1928, 544-562), 131.

Piacentini, Il momento architettonico all’estero, op. cit, 105.

Egbert, The Beaux-Arts Tradition, op. cit, 66.

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Guadet baseia o seu discurso numa máxima comum a toda a tradição clássica acadêmica

francesa, bem como à maioria dos movimentos arquitetônicos do século xix, o conceito de

verdade. De fato, para Guadet — aliás, como para Saarinen e Piacentini — há arquitetura verídica

e arquitetura mendaz. Isso leva de volta à importância de “ser o que se é”, crucial para a expressão

do decoro. Sob essa óptica, a expressão honesta de todos os aspectos que norteiam a produção de

uma determinada forma arquitetônica resulta na expressão apropriada do decoro do edifício.

Assim sendo, tanto a arquitetura cívica quanto a trivial compartilham de um fundamento

comum. Guadet proclama, já em 1901 e com uma intenção didática, o que acabaria se tornando

um lema modernista:

(…) logo, a arte é a busca do belo na verdade, e por meio da verdade.

(…)

Procurem, portanto, essa verdade íntima e profunda, essa verdade daconsciência.

E insiste, mais adiante:

(…) podem vocês imaginar que o edifício executado expresse outra coisaque não essa estrutura, essa construção, outra coisa que não ele mesmo?Não, verdade? E no entanto isto existe, há mentiras em arquiteturatambém (…)

Uma vez esse princípio estabelecido, Guadet pode dar prosseguimento ao seu curso de

teoria considerando o conjunto do universo arquitetônico como uma unidade indivisível. Nesse

conjunto, no entanto, também cabe — e como — a expressão monumental:

O que é, de fato, o monumental? Uma definição completa seria complexa,mas o seu principal caráter é a impressão de grandeza que o homempercebe ao comparar o edifício com as suas próprias dimensões: vocêsmesmos, quando num desenho vocês querem ressaltar essa busca domonumental, inserem uma figura humana.

[(…) l'art est donc la poursuite du beau dans le vrai, et par le vrai. / (…) / Cherchez donc cette véritéintime et profonde, cette vérité de conscience.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 99.

[(…) pouvez-vous concevoir que l'édifice exécuté exprime autre chose que cette structure, que cetteconstruction, exprime autre chose que lui-même ? Non, n'est-ce pas ? Et cependant cela existe, il y a desmensonges en architecture aussi (…)] Ibid., 110.

[Qu'est-ce en effet que le monumental ? Une définition complète en serait complexe, mais son principal

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Encontra-se aí, novamente, o entendimento da arquitetura monumental — apropriada

para o contexto cívico — como situada numa relação de grau, tendo como propriedade a

dimensão relativa, com a arquitetura trivial. E, realmente, excetuadas algumas poucas vozes

dissidentes como a de Tamms, observa-se um relativo consenso — tanto por afirmação quanto

por omissão — entre os arquitetos europeus no início do século xx com respeito à questão da

monumentalidade cívica. Ela é vista como um diferencial de grau, de quantidade, com relação à

arquitetura da res privata, com a qual ela compartilha essencialmente a mesma natureza, baseada

no conceito de “verdade” construtiva e ética. Arquitetos acadêmicos, como Guadet, arquitetos

pertencentes ao Movimento Moderno, como Gropius, e outros modernistas como Piacentini

concordam em defender o argumento ético onde se trata da interação entre arquitetura e

sociedade — aspecto fundamental, por definição, dos propósitos cívicos. David Watkin, em

Morality and Architecture, resume o argumento padrão dessa atitude:

(…) não é apenas um estilo, é uma maneira racional de construir que sedesenvolveu inevitavelmente em resposta às necessidades do que asociedade é na verdade ou do que ela deveria ser; logo, questionar as suasformas é certamente anti-social e provavelmente imoral.

Essa “maneira racional de construir” admite, como já foi visto nas teorias menos fixadas na

simploriedade de uma idéia única, as variações necessárias à devida distinção entre a res publica,

onde predomina a expressão monumental, e a res privata, domínio da arquitetura trivial. As

variações em questão, portanto, consistem em técnicas de projeto com o intuito de enfatizar a

aparência de grandiosidade, sem prejuízo da “verdade” construtiva e moral. Elas se situam no

intervalo a ser vencido entre a etapa da leitura honesta dos requisitos verbais de função e

caractère est l'impression de grandeur que perçoit l'homme en comparant l'édifice avec sa propregrandeur : vous-mêmes, lorsque dans un dessin vous voulez faire ressortir cette recherche du monumental,vous y placez une figure humaine.] Ibid., 161.

[(…) ce n'est pas qu'un style mais une façon rationnelle de construire qui s'est inévitablementdéveloppée en réponse aux besoins de ce que la société est véritablement ou de ce qu'elle devrait être ;mettre en question ses formes est donc certainement antisocial et probablement immoral.] David Watkin.Morale et architecture aux 19e et 20e siècles. Bruxelles: Mardaga, 1979 (Morality and Architecture: TheDevelopment of a Theme in Architectural History and Theory from the Gothic Revival to the ModernMovement. Oxford: Clarendon, 1977), 7.

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construção (propósito e programa) e a realização gráfica do projeto — intervalo que as intenções

reducionistas do funcionalismo estrito teria pretendido, em vão, fechar. “(…) a verdade nas

necessidades a suprir, a verdade na construção que fornece os meios para tanto: mas a verdade nas

mãos de um artista. Eis toda a arte da coisa.”

[(…) le vrai dans les besoins à satisfaire, le vrai dans la construction qui en présente les moyens : mais levrai dans les mais d'un artiste. Là est l'art tout entier.” Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit,166.

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Figura Afonso Hébert. Biblioteca pública de Porto Alegre, -

Um edifício cívico ao mesmo tempo inserido na malha urbana edistinto da arquitetura trivial. Fotografia nossa

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Figura Lucien Kroll. Projeto de intervenção no conjunto habitacional de

Perseigne, Alençon,

Tentativa pós-modernista de requalificação dos desastrosos projetossociais do Movimento Moderno

Fonte: Diane Yvonne Ghirardo. Architecture after Modernism. Worldof Art. New York: Thames and Hudson, , figura

Figura Molduras gregas aplicadas a diferentes condições de iluminação

Fonte: Choisy, Histoire de l'architecture (), op. cit., t. ,

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Figura Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao e a malha urbana

Fonte: Duany et al., The New Civic Art, op. cit., capa

Figura Le Corbusier. Maquete do projeto para o Centrosoyus, Moscou,

Fonte: William J.R. Curtis. Modern Architecture since . London:Phaidon, (London: Phaidon, ), figura

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Figura Vladimir Tatlin. Projeto de torre comemorativa da III Internacional

Socialista, -

Fonte: Ibid., figura

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Figura Ludwig Mies van der Rohe. Monumento a Karl Liebknecht e Rosa

Luxembourg, Berlim,

Fonte: Ibid.,

Figura Le Corbusier. Projeto de monumento a Paul Vaillant-Couturier,

Villejuif,

Fonte: Cohen, Les fronts mouvants de la modernité, op. cit,

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capítulo

Métodos de composição

. Ordem

A devida expressão cívica em arquitetura, ou seja, aquilo que se entende por

monumentalidade, resulta, como foi mencionado, das operações de geração da forma quando da

interpretação dos requisitos não-visuais de função e construção. Essas operações são realizadas

tendo em vista a produção da forma edificada, percebida, entre outros meios, de maneira visual.

Uma vez que esta arquitetura cívica compartilha, no contexto teórico da primeira metade do

século xx, da mesma natureza, construtiva e moral, da arquitetura privada, não é surpreendente

que ambas as normas de linguagem arquitetônica se utilizem de um mesmo conjunto de técnicas,

de um mesmo dialeto, por assim dizer, encontrando-se apenas diferenças na incidência de certos

termos do léxico e na licença permitida no emprego da gramática arquitetônica.

A metáfora acima, associando a arquitetura cívica e a trivial, respectivamente, à norma

culta e à coloquial da linguagem verbal não deve ser forçada a uma correspondência

exageradamente rígida, mas tampouco é despropositada no contexto em questão. A arquitetura se

vale, como também a linguagem, da junção ordenada — por meio de uma gramática

compositiva — de elementos convencionais, isto é, que são tidos, socialmente, como indicadores

(signos) associados a um certo significado. Para citar apenas um exemplo, a forma da ferradura —

como será visto mais adiante — é universalmente identificada, na arquitetura do século xix, com

a função programática de “auditório”, tendo a forma trapezoidal o mesmo significado na

arquitetura modernista.

O ordenamento dos elementos arquitetônicos é, portanto, um elemento essencial da

linguagem formal, especialmente na “norma” cívica. Franco Borsi lembra que:

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Na Europa dos anos trinta, para além das ideologias e dos regimespolíticos, é portanto uma linguagem comum que se instaura emarquitetura, paralelamente às reorientações que se dão nas artes plásticas,na presença — variável mas constante — de dois fatores: realismo etradição. Em arquitetura, porém, a componente ordem é indissociável doconceito de monumentalidade. (…) Todavia, mesmo no modo maiscomum de monumentalidade — isto é, amplidão espacial, grandesdimensões — trata-se implicitamente de uma arquitetura culta, (…) quebusca sempre o efeito expressivo.

Essa ordem, contudo, não é privilégio da monumentalidade cívica. De um modo bastante

amplo, o estudioso da percepção visual Rudolf Arnheim proclama:

A ordem é uma tendência tão fundamental na natureza orgânica einorgânica que nos cabe fazer a seguinte asserção: a ordem se realiza amenos que circunstâncias especial a evitem, ou então, em qualquersituação ter-se-á tanta ordem quanto o permitam as circunstâncias.

.. A natureza da ordem, ou a ordem da natureza

A busca por ordem, aqui entendida como uma organização geométrica da forma dotada

das características fundamentais de inteligibilidade, tem um alcance bastante amplo. E, se a

definição e a valorização da monumentalidade não estava ao gosto dos arquitetos modernistas, a

questão da ordem não lhes era de modo algum estranha. Eliel Saarinen chega mesmo a usar o

conceito de “ordem orgânica” aplicado à arquitetura, defendendo que uma forma orgânica possui

não apenas um, mas dois sistemas ordenadores que se sobrepõem:

[Dans l'Europe des années trente, au-delà des idéologies et des régimes politiques, c’est donc un langagecommun qui s’instaure en architecture, parallèlement aux remaniements qui s’opèrent dans les artsplastiques, en présence — variable mais constante — de deux facteurs: réalisme et tradition. Or pourl'architecture, la composante ordre est indissociable du concept de monumentalité. (…) Toutefois, mêmedans le mode le plus courant de la monumentalité — autrement dit ampleur spatiale, grandesdimensions — il s’agit implicitement d’une architecture cultivée, (…) qui recherche toujours l'effetexpressif.] Borsi, L'ordre monumental, op. cit, 52.

[El orden es una tendencia tan fundamental en la naturaleza orgánica e inorgánica que nos cabe hacer lasiguiente aseveración: el orden se realiza a menos que circunstancias especiales lo eviten, o bien encualquier situación se obtendrá tanto orden como lo permitan las circunstancias.] Rudolf Arnheim. Laforma visual de la arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 2001 (The Dynamics of Architectural Form.Berkeley: University of California, 1977), 130.

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Aqui nós temos também dois movimentos distintos na conformação danatureza. Em primeiro lugar, temos a tendência por “ordem expressiva”. E,em segundo, temos a tendência por “ordem de correlação”. (…) ambasprevalecem sempre e em toda parte, quando a ordem está preservada e anatureza está saudável.

Essa associação da “boa forma” com a saúde física e, por extensão, moral, é um tema

recorrente na teoria da arquitetura no período em questão — associações entre a aparência física e

a moral, como aquela feita pela frenologia, eram amplamente aceitas no início do século xx —

mas não é de modo algum uma novidade para a época, nem mesmo uma exclusividade do

pensamento arquitetônico e muito menos desapareceu após a década de 1930. Já no século xviii o

naturalista francês Buffon (1707-1788) privilegiava a beleza e a ordem da paisagem transformada

pela ação humana como superior à natureza intocada. Buffon, num trecho que deve soar familiar

ao leitor de Le Corbusier, exorta:

Nenhuma estrada, nenhum meio de comunicação, nenhum vestígio deinteligência nestes lugares selvagens; o homem, obrigado a trilhar oscaminhos do animal feroz, se quiser percorrê-los; forçado a estar de guardapermanentemente para evitar de se tornar presa do animal; atemorizadopor seus rugidos, espantado até pelo silêncio destas profundas e solitáriasterras, ele dá meia-volta e diz: a Natureza bruta é horrenda e moribunda;sou eu, somente eu, que posso torná-la agradável e viva: devemos drenarestes pântanos, animar estas águas mortas fazendo-as correr (…) em breve,em vez do junco, da vitória-régia, a partir da qual o sapo produz o seuveneno, veremos aparecer flores do campo, trevos, ervas doces e salutares;(…)

Como ela é bela, esta Natureza cultivada! Como pelos cuidados do homemela se torna brilhante e pomposamente paramentada!

[Here we also have two distinct trends in nature’s form-shaping. First, we have the trend toward“expressive order.” And second, we have the trend toward “correlative order.” (…) they both prevail alwaysand everywhere, where order is maintained and nature is healthy.] Saarinen, Search for Form, op. cit, 26.

Carmen Licia Palazzo. Entre mitos, utopias e razão: Os olhares franceses sobre o Brasil (séculos XVI a XVIII).Nova et Vetera. Porto Alegre: Edipucrs, 2002 , 137.

[Nulle route, nulle communication, nul vestige d’intelligence dans ces lieux sauvages ; l'homme obligé desuivre les sentiers de la bête farouche, s’il veut les parcourir ; contraint de veiller sans cesse pour éviter d’endevenir la proie ; effrayé de leurs rugissements, saisi du silence même de ces profondes solitudes, ilrebrousse chemin & dit : la Nature brute est hideuse & mourante ; c’est Moi, Moi seul qui peux la rendreagréable & vivante : déssechons ces marais, animons ces eaux mortes en les faisant couler (…) bientôt au

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A impropriedade dos “caminhos do animal feroz” para a circulação humana é análoga à

dos “caminho dos asnos” na metáfora corbusiana. Nesse ambiente “bruto”, a missão civilizatória

do ser humano também apresenta nítidos componentes funcional, estético, e “salutar”. O pântano

de “águas mortas” e animais venenosos deve dar lugar à edificante intervenção humana, ao passo

que a natureza intocada embrutece o engenho humano. Predisposições horticulturistas à parte, o

constante e progressivo ordenamento do ambiente parece ser uma tendência natural — com

perdão da palavra — do ser humano mesmo quando esse ordenamento se inspira nas formas da

ordem natural que Buffon pouco apreciava. Gombrich, que estudou questões de ordem e

figuração, relaciona a busca por um ordenamento mais abrangente e mais elaborado com a

necessidade de se demonstrar a qualidade intrínseca do objeto ordenado: “Poucas civilizações

estiveram dispostas a negar que a beleza interior devesse ser enfatizada por uma demonstração

apropriada de riqueza exterior.” Essa ênfase contribui ainda mais para diferenciar o objeto

ordenado do entorno, já que “quanto mais uma pintura ou escultura refletem os aspectos naturais,

mas escassos serão os princípios de ordem e simetria que ela exibe. Inversamente, quanto mais

ordenada for uma configuração, menos provável será que ela reproduza a natureza.” A ordem,

então, pode se dar tanto no sentido de uma maior extensão do conjunto ordenado, quanto de um

detalhamento mais intricado do espaço, cobrindo toda a superfície do objeto; Gombrich descreve

esta qualidade: “A necessidade que leva o decorador a continuar preenchendo qualquer vazio

restante é geralmente expressada pelo termo horror vacui, que é supostamente característico de

várias obras não-clássicas.”

lieu du jonc, du nénuphar, dont le crapaud composoit son venin, nous verrons paraître la renoncule, letreffle, les herbes douces & salutaires ; (…) / Qu’elle est belle, cette Nature cultivée ! que par les soins del'homme elle est brillante & pompeusement parée !] Georges-Louis Leclerc Comte de Buffon. De laNature : Première vue. In: Philippe Taquet, Roland Fiszel, Jacques Garcia, Jean Dorst, Paul-MarieGrinevald, Yves Laissus, Bernard Rignault, Serge Benoît, Jean Piveteau, e Buffon. Buffon 1788-1988. Paris:Imprimerie Nationale, 1988 (Histoire naturelle. Paris: Imprimerie royale, 1764, t. 12, p. iii-xvi), 260.

[Few civilizations were disposed to deny that inner worth should be acknowledged by an appropriatedisplay of outward show.] Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 17.

E. H. Gombrich. Norma e forma: Estudos sobre a arte da Renascença. São Paulo: Martins Fontes, 1990(Norm and Form: Studies in the Art of the Renaissance. London: Phaidon, 1966), 122.

[The urge which drives the decorator to go on filling any resultant void is generally described as horror

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No sentido oposto, a obra pode buscar uma maior quantidade de ordem na organização

do conjunto, criando, por assim dizer, um microcosmo onde nenhum aspecto escapa a um

esquema ordenador amplo. É essa a interpretação dos críticos de arquitetura Alexander Tzonis e

Liane Lefaivre, em seu livro Classical Architecture: The Poetics of Order (1986). Usando o exemplo

da arquitetura religiosa grega, os autores definem o sistema ordenado do classicismo como

resultado de preocupações ritualísticas:

(…) a começar pela obsessão da arquitetura clássica com a enumeraçãorigorosa, exatidão, e detalhe. Essa obsessão deita raízes no que osantropólogos e historiadores chamam de pensamento mágico, típico desociedades tribais. O temenos, o recinto meticulosamente ordenado dotemplo consagrado a um deus ou herói na Grécia arcaica, é o produtodesse pensamento mágico, por ser regido por tabus com respeito àpoluição e à pureza. (…) conceitos arcaicos de composição arquitetônicareemergiram durante a Idade Média e o início do Renascimento.

Apesar dos requisitos específicos no ritual grego, a preocupação com o ordenamento total

do ambiente não é exclusividade do classicismo antigo. Rudolf Arnheim ressalta que:

O significado do termo ordem foi deformado por uma controvérsia queidentifica ordem em geral com um tipo muito particular de ordempropugnado por uma geração de designers, artistas e arquitetos, erechaçado como restritivo por outra geração.

vacui, which is supposedly characteristic of many non-classical works.] Gombrich, The Sense of Order, op.cit, 80.

[(…) starting with classical architecture’s obsession with rigorous quantification, exactitude, and detail.This obsession has its roots in what anthropologists and historians call divinatory thinking, typical of tribalsocieties. The temenos, the meticulously ordered temple precinct dedicated to a god or hero in archaicGreece, is the product of such divinatory thinking, governed as it is by taboos of pollution and purity. (…)archaic concepts of architectural composition resurfaced during the Middle Ages and early Renaissance.]Alexander Tzonis e Liane Lefaivre. Classical Architecture: The Poetics of Order. Cambridge, Mass.: MITPress, 1986 , 1.

[El significado del término orden ha sido deformado por una controversia que identifica orden engeneral con un tipo muy particular de orden propugnado por una generación de dibujantes [diseñadores?],artistas y arquitectos, y rechazado como restrictivo por otra generación.] Arnheim, La forma visual de laarquitectura, op. cit, 129.

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.. Propriedades da ordem

A tradição arquitetônica ocidental, desde o Renascimento, exibe diversas séries de

desenvolvimento onde se alternam uma adesão mais estrita aos princípios de ordem do

classicismo e uma busca por parâmetros alternativos que informem uma composição ordenada.

Isto se dá porque se, por mais difunda que seja a tradição clássica, ela pode não ser incontornável,

ainda assim algum princípio ordenador deve existir. No entender de Edgar Albuquerque Graeff, a

importância de uma composição ordenada está subordinada a requisitos não-formais,

aproximando aparentemente a teoria de Graeff de um entendimento funcionalista convencional.

Para Graeff, o valor dos meios de composição em geral “vai ser medido em função da sua

capacidade de servir para os fins que os programas estabelecem.” Isso não significa, contudo, que

a composição ordenada seja eventualmente dispensável. Arnheim continua: “se não há ordem, não

há maneira de dizer o que a obra está tentando expressar.” E, para contestar qualquer teoria

despropositadamente relativista, acrescenta: “um objeto em desordem pode funcionar como um

sintoma de desordem, mas não como um símbolo ou interpretação de desordem.”

Um dos principais expoentes da teoria da arquitetura contemporânea, o matemático e

arquiteto inglês Christopher Alexander, também dedica a sua obra ao estudo da produção da

forma através da ordem. Já na sua tese de doutorado (1961), Alexander promove um estudo da

ordem enquanto disposição de padrões geométricos no espaço:

Cada componente tem esta natureza dual: ele é, em primeiro lugar, umaunidade, e, em segundo, um padrão, ao mesmo tempo um padrão e umaunidade. A sua natureza de unidade o torna uma entidade distinta do seuentorno. A sua natureza de padrão especifica a disposição das suas própriasunidades constitutivas. O ápice da tarefa do projetista é fazer com que cadaesquema seja ao mesmo tempo um padrão e uma unidade.

Graeff, Teoria da arquitetura, op. cit, 31.

[(…) si no hay orden, no hay manera de decir lo que la obra está tratando de expresar.] Arnheim, Laforma visual de la arquitectura, op. cit, 129.

[Un objeto en desorden puede actuar como síntoma de desorden, pero no como un símbolo óinterpretación de éste.] Ibid., 141.

[Every component has this twofold nature: it is first a unit, and second a pattern, both a pattern and aunit. Its nature as a unit makes it an entity distinct from its surroundings. Its nature as a pattern specifies

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Alexander deu seqüência ao seu trabalho com os padrões de ordem geométrica em A

Pattern Language (1977) e The Timeless Way of Building (1979). Nessas duas obras, ele define os

elementos de ordem espacial e os princípios gerais de produção da ordem como padrões

geométricos: “com certeza, não basta apenas afirmar evasivamente que todo padrão de eventos

está situado no espaço. Isso é óbvio, e não muito interessante. O que queremos saber é

exatamente como a estrutura do espaço permite os padrões de eventos” . Mesmo a abordagem

sociológica, portanto, acaba remetendo ao estudo do ordenamento físico da arquitetura: “para

além dos seus elementos, cada edifício é definido por certos padrões de relações entre os

elementos.”

Mais recentemente, Alexander tem levado adiante essa exploração teórica numa extensa

obra em quatro volumes, cujo título sugestivo — The Nature of Order — indica a importância

dada ao problema da geometria da composição em arquitetura. A preocupação em elaborar um

sistema formal prescritivo, constante na trajetória de Alexander, é enunciada claramente no início

do primeiro volume:

No que segue, eu tentarei mostrar que há uma maneira generalizada decompreender a ordem, que faz jus à natureza da construção e daarquitetura. (…) É, creio eu, um ponto de vista com bom-senso e poder,com resultados práticos.

the arrangement of its own component units. It is the culmination of the designer’s task to make everydiagram both a pattern and a unit].Alexander, Notes on the Synthesis of Form, op. cit, 131.

Christopher Alexander. The Timeless Way of Building. New York: Oxford University Press, 1979 ;Christopher Alexander et al. A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. New York: OxfordUniversity Press, 1977 .

[It is certainly not enough merely to say glibly that every pattern of events resides in space. That isobvious, and not very interesting. What we want to know is just how the structure of the space supportsthe patterns of events (…)] Alexander, Timeless Way, op. cit, 83.

[Beyond its elements, each building is defined by certain patterns of relationships among the elements.]Ibid., 85.

[In what follows I shall try to show that there is a way of understanding order which is general and doesjustice to the nature of building and of architecture. (…) It is, I believe, a common-sense and powerfulview, with practical results.] Alexander, The Nature of Order, op. cit, 1.

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A principal linha de análise seguida por Alexander se dá no sentido de unificar questões de

funcionalidade e estética, transcendendo a ambas dentro da questão mais geral de ordem. Nesse

sentido, cabe levantar a posição semelhante de Eliel Saarinen sobre o assunto da forma e da

função:

(…) argumenta-se que se a forma for funcional, ela só pode já ser bela,simplesmente em virtude disso. Isso não é uma declaração válida, contudo.

(…)

Conseqüentemente, quando falamos que “a forma segue a função”,estamos dispostos a aceitar o lema tão-somente no sentido mais amploindicado acima; isto é, que a forma deve satisfazer aqueles requisitosfuncionais que originaram a sua razão de ser — tanto materiais quantoespirituais.

Alexander pensa de modo semelhante, recusando-se a colocar a funcionalidade material

hierarquicamente acima da espiritual, ao propor, como já foi visto, que “a ordem é

profundamente funcional e profundamente ornamental”. A integração entre a funcionalidade

material e a espiritual ou ornamental é uma clara reação a certos excessos retóricos do

modernismo, que almejavam resolver mecanicamente questões de forma por intermédio de uma

exaltação do aspecto construtivo ou programático. É assim que o arquiteto alemão Ludwig Mies

van der Rohe se recusava ostensivamente “a reconhecer problemas de forma” . Mas, enquanto

Saarinen deixa a questão em aberto, favorecendo uma indefinição do problema de ordem que

pode resultar em um sem número de “conclusões arbitrárias e individuais”, Alexander busca dar

uma credibilidade quase científica ao seu estudo:

[(…) it is maintained that if form is functional, it is bound to be already beautiful for this sole reason.This is no valid statement, however. / (…) / Consequently, when we speak about “form follows function,”we are inclined to accept the slogan only in as broad a sense as above indicated; namely, that form mustsatisfy thos functional requirements that originated its reason for being—both physical and spiritual.]Saarinen, Search for Form, op. cit, 14.

[“We refuse,” writes Mies, “to recognise problems of form” (…)] Rowe, Character and Composition;Or Some Vicissitudes of Architectural Vocabulary in the Nineteenth Century, op. cit, 60.

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As entidades que surgem não são apenas cognitivas. Elas têm umaexistência matemática real, e são características que realmente ocorrem nopróprio espaço. Elas podem ser determinadas matematicamente segundo ashierarquias relativas de diferenciação do espaço. Elas são matematica efisicamente reais.

A fim de descrever com maior clareza a propriedade de ordem presente, em maior ou

menor grau de diferenciação, no espaço — ou seja, a geometria de uma composição — Alexander

enumera quinze “propriedades fundamentais” com as quais é possível explicar os fenômenos

geométricos de ordem. Essas quinze propriedades, na ordem em que elas são apresentadas no

texto, são: escalas, centralidades, limites, repetição alternada, espaço positivo, boa forma, simetrias

localizadas, interpenetração, contraste, gradientes, ajustes, ecos, vazio, simplicidade, e não-

separação. Extrapolando a partir dessa lista, pode-se agrupar as quinze propriedades em dois

conjuntos mais genéricos: forma dos elementos (centralidades, limites, espaço positivo, boa

forma, vazio, e simplicidade) e relações entre elementos (escalas, repetição alternada, simetrias

localizadas, interpenetração, contraste, gradiente, ajustes, ecos, e não-separação). Esse

agrupamento corresponde à distinção entre unidades e padrões, já mencionada, sendo uma

estrutura de análise bastante conveniente.

O aspecto talvez mais instigante na teoria de Alexander é que um sistema ordenado a

partir dessas propriedades já passa a ser, em virtude da sua própria ordem, um sistema funcional,

invertendo assim os termos da hierarquia funcionalista:

Por causa do nosso ponto de vista predominante ao longo do século xx, osestudantes estão convencidos de que a “beleza” surge como um resultado dapreocupação com a eficiência prática. Em outros termos, se você fizer algoprático e eficiente, então disso decorre que a forma será bela. A forma seguea função! (…) parece muito pouco provável que seja isso mesmo o queacontece (…) Exemplo após exemplo mostra insistentemente que isto é o

[The entities which come into existence are not merely cognitive. They have a real mathematicalexistence, and are actually occurring features of the space itself. They may be established mathematicallyaccording to the relative hierarchies of differentiation in the space. They are mathematically and physicallyreal.] Alexander, The Nature of Order, op. cit, 83.

No original: levels of scale, strong centers, boundaries, alternating repetition, positive space, good shape, localsymmetries, deep interlock and ambiguity, contrast, gradients, roughness, echos, the void, simplicity, not-separateness. Ibid., 145-230.

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que veio primeiro: fazer belas centralidades foi o fio condutor. A eficiênciaprática que surgiu junto foi uma parte vital do conjunto. Mas ela nunca foio fio condutor no sentido mecanicista em que se acredita atualmente.

Não vem ao caso, aqui, discutir o ovo e a galinha, mas indicar que essa atitude, que dá a

primazia à ordem sobre o programa, não é exclusividade do pensamento grego antigo ou mesmo

de teorias pré-modernas da arquitetura. A ênfase na “realidade física e matemática” tampouco

representa uma preocupação exclusiva de Alexander; o arquiteto francês David Varon, diplomado

da École des Beaux-Arts e professor nos Estados Unidos no início do século xx, publica em 1916

um manual de composição intitulado Indication in Architectural Design: A Natural Method of

Studying Architectural Design with the Help of Indication as a Means of Analysis. O “método

natural” de Varon, tanto quanto a “realidade física” de Alexander, não implica a redução do

projeto a um mero mecanismo biológico, e sim o exercício de uma sensibilidade constantemente

treinada pela observação e pelo aprendizado teórico. Varon explica:

(…) não estamos obrigados a seguir uma fórmula única, mas devemos nosorientar por meio de princípios. Para deixar claro, a única coisa quedevemos buscar é a expressividade. Estruturas são de certa maneirasimilares a organismos naturais. Alguns têm proporções delicadas, outrossão imponentes. À infinita variedade de expressões em seres podecorresponder semelhante variedade de proporções em arquitetura.

(…)

Cultura geral, bom-gosto, e acima de tudo, uma compreensão das leis danatureza sempre guiarão a mão.

[Because of our prevailing 20t-century viewpoint, students are convinced that “beauty” comes about asa result of the concern with practical efficiency. In other words, if you make it practical and efficient, thenit will follow that it becomes beautiful. Form follows function! (…) it seems very unlikely that this is whattook place (…) Example after example suggests emphatically that this is what came first: making thecenters beautiful was the driving force. The practical efficiency that came along with it was a vital part ofthe package. But it was never the driving force in the mechanistic sense that we believe in today.] Ibid.,423.

[(…) we are not bound to follow one single formula, but are to be guided by principles. The only thingwe must pursue is expression, clearly written. Structures are similar to some extent to natural organisms.Some have very delicate proportions, others are imposing. To the infinite variety of expressions in beingsmay correspond a like variety of proportions in architecture. / (…) / General culture, taste, and above all,understanding of natural laws will always guide the hand.] David Jacob Varon. Indication in ArchitecturalDesign: A Natural Method of Studying Architectural Design with the Help of Indication as a Means of Analysis.

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Mesmo essa visão, combinando um certo entendimento de “leis naturais” com um

relativismo crítico, não era de modo algum novidade. O arquiteto e membro da Académie Claude

Perrault (1613-1688), no prefácio à sua Ordonnance des cinq espèces de colonnes selon la méthode des

anciens (1683) repara que:

(…) todos aqueles que escreveram sobre arquitetura contradizem uns aosoutros, de modo que não se encontra, nem nas ruínas dos edifícios dosantigos, nem dentre o grande número de arquitetos que trataram dasproporções das ordens, que não há dois edifícios nem dois arquitetos quetenham se coordenado e tenham seguido as mesmas regras.

Isso mostra qual fundamento pode ter a opinião dos que acreditam que asproporções que devem ser empregadas na arquitetura sejam coisa certa einvariável, tais como são as proporções que fazem a beleza e ocomplemento dos acordes musicais (…)

A atitude de Varon, portanto, tem precedentes na própria tradição acadêmica do

classicismo francês. No seu livro, Varon explica por meio de diversos exercícios a técnica de

“indicação”, definida como “a taquigrafia do desenho, (…) o tema deve ser considerado como que

a distância, onde os pequenos detalhes desaparecem, mas não todas as expressões da íntegra”

Uma das séries de exercícios onde mais claramente se mostra a utilidade do método é a que

consiste em treinar diversas composições com elementos ressaltados (emphasized) — partidos de

fachadas com corpos enfatizados, isto é.

Varon usa como exemplos apenas edifícios pertencentes à tradição clássica e aos estilos

ecléticos do século xix. O arquiteto N.C. Curtis, que em 1923 publica um manual mais

abrangente intitulado Architectural Composition, já menciona no texto o “credo dos promotores

New York: William T. Comstock, 1916 , 32.

[(…) tous ceux qui ont ecrit de l'architecture, sont contraires les uns aux autres ; en sorte qu'il ne setrouve point, ny dans les restes des Edifices des Anciens, ny parmy le grand nombre des Architectes qui onttraitté des proportions des Ordres, que deux Edifices ny deux Auteurs se soient accordez & ayent suivy lesmesmes regles. / Cela fait connoistre quel fondement peut avoir l'opinion de ceux qui croyent que lesproportions qui doivent estre gardées dans l'Architecture sont des choses certaines & invariables, telles quesont les proportions qui font la beauté et l'agrément des accords de la Musique (…)] Claude Perrault.Ordonnance des cinq espèces de colonnes selon la méthode des anciens. Paris: J.-B. Coignard, 1683 , ii-iii.

[“(…) the shorthand of drawing (…) the subject must be considered from a distance where smallerdetails vanish, but not the expression of the whole.”] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 27

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do funcionalismo” . Como Varon, Curtis tampouco emprega qualquer exemplo pertencente às

vanguardas da época, tendo uma certa preferência por edifícios americanos da virada do século. E

em Architectural Composition encontra-se a mesma ênfase de Indication nas questões de ressaltos

das massas edificadas, principalmente em fachada.

A valorização do que Curtis e Varon chamam de massing — a organização das “massas”

tridimensionais da edificação — não é arbitrária. O conceito de “massa” parece ter sido, na

tradição acadêmica da arquitetura, um tópico teórico de grande importância, sendo também um

dos principais recursos usados para realçar os elementos da geometria.

Heinrich Wölfflin, na sua monografia Prolegomena zu einer Psychologie der Architektur

(1886), enumera as categorias de análise da forma propostas pelo filósofo alemão Friedrich

Theodor Vischer (1807-1887). No sistema de Vischer, “ele define dois momentos externos e quatro

momentos internos.” Os “momentos” são características formais que podem ser percebidos pelo

observador, e que agem seja na definição da forma com relação ao universo perceptivo — são os

momentos externos — quanto nas relações entre os elementos constituintes das subdivisões da

forma — os momentos internos. Os dois momentos externos são a delimitação do espaço e os

efeitos de massa. A esses juntam-se os quatro momentos internos: regularidade, simetria,

proporção e harmonia. Os momentos externos correspondem, nos textos de Varon e Curtis, aos

ressaltos da massa, e nas propriedades de Alexander, àquelas que enfatizam os elementos

constituintes da forma. Já os internos correspondem às propriedades de Alexander que tratam da

relação entre os elementos.

A associação entre essas classificações, oriundas de diversos autores, é relevante na medida

em que sugere não necessariamente uma validade a-histórica de certos princípios formais, como

por vezes se advoga a respeito das teorias de percepção visual, mas sim um contexto cultural mais

[(…) the creed of the advocates of functionalism (…)] N.C Curtis. Architectural Composition. J. H.Janson, 1923 , 117.

Heinrich Wölfflin. Prolegomena zu einer Psychologie der ArchitekturMünchen: Universität München,1886. Inaugural-Dissertation, Filosofia.

[Er unterscheidet 2 äußere un 4 innere Momente.] Ibid., 18.

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amplamente compartilhado. Acima da ruptura entre teorias tradicionais e teorias modernas da

arquitetura, e da celebrada expressão individual dos arquitetos ecléticos e modernistas — ambos

fatores indiscutivelmente em jogo nas décadas de 1920 e 1930 —, existe uma tradição analítica,

por assim dizer, que reconhece questões de forma e as enxerga de modo semelhante, estendendo-

se entre o século xix e o xx. Essa tradição não é válida apenas como estudo intelectual, mas tem

uma relevância para a prática do projeto, especialmente no que diz respeito aos requisitos de

distinção da forma no campo da arquitetura cívica.

. Tipologia

Uma vez estabelecido que uma composição arquitetônica de caráter cívico é antes de mais

nada uma composição ordenada — meticulosamente ordenada, até — é preciso definir em que

termos se dá a identificação do objeto cívico. Já foi visto que o simples ordenamento da

composição, ainda que indispensável, não é suficiente para essa determinação. Retomando a

metáfora da linguagem arquitetônica, cabe identificar como se da a relação entre o significante —

o objeto construído — e o significado — o caráter cívico que ele expressa. De modo mais

específico, importa saber quais características, na forma física da arquitetura, permitem a

identificação de um certo edifício com o seu propósito político — isto é, a sua função social na

πολιτέια.

.. A retórica da arquitetura

Assim como se usam diversos dialetos na comunicação verbal, no entanto, também a

linguagem arquitetônica pode ser vista como uma série de dialetos entre os quais os significados

atribuídos às formas podem variar. Uma identificação desses dialetos com os “estilos” ou

“movimentos” arquitetônicos seria, contudo, prematura neste estágio do estudo, e de qualquer

modo teria uma pertinência duvidosa. Alan Colquhoun, crítico de arquitetura britânico, alerta

para uma diferença fundamental entre a linguagem arquitetônica e a verbal:

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No idioma, a relação indissolúvel entre o significante e o significado é umafunção do valor arbitrário do significante. Em sistemas estéticos, por outrolado, o significado que pode ser atribuído ao signo se deve ao fato de que osigno é ele próprio motivado e o significante está imbuído de significadopotencial.

Mesmo o “significado potencial” da forma estética, porém, opera num nível que se

relaciona, justamente, ao que Aristóteles chama κοινή αισθέσις, a “sensibilidade coletiva”

enquanto acordo tácito no domínio da experiência visual. Já a linguagem verbal, naturalmente, se

dirige ao entendimento racional, o λόγος. Geoffrey Scott contesta a acepção de um conceito de

“leitura” do edifício excessivamente literal e simplório:

Do fato que as esculturas de uma igreja aldeã têm, ou algum dia tiveram,um interesse inteligível para o camponês, argumenta-se que todaarquitetura deve dirigir-se ao nível do seu entendimento.

A inviabilidade de uma prática arquitetônica pautada pela busca da maior densidade

semântica é exposta por Umberto Eco, com respeito à residência do magnata William Randolph

Hearst:

O aspecto espantoso do conjunto não é a quantidade de peças antigassaqueadas de meia Europa, ou a desenvoltura com que o tecido artificialconecta sem emendas o falso e o genuíno, e sim o senso de preenchimento,a determinação obsessiva a não deixar espaço algum que não sugira algumacoisa, e portanto é a obra-prima de bricolagem, assombrada pelo horrorvacui, que é realizada aqui.

[In language, the indissoluble relationship between the signifier and the signified is a function of thearbitrary value of the signifier. In aesthetic systems, on the other hand, the meaning that can be attached tothe sign is due to the fact that the sign is itself motivated and the signifier is invested with potentialsignificance.] Alan Colquhoun. Historicism and the Limits of Semiology. In:. Essays in ArchitecturalCriticism: Modern Architecture and Historical Change,. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1981, 130-131.

[From the fact that the sculptures of a village church have, or once had, an intelligible interest for thepeasant, it is argued that all architecture should address itself to the level of his understanding.] Scott,Architecture of Humanism, op. cit, 138.

[The striking aspect os the whole is not the quantity of anqtique pieces plundered from half of Europe,or the nonchalance with which the artificial tissue seamlessly connects fake and genuine, but rather thesense of fullness, the obsessive determination not to leave a single space that doesn’t suggest something,and hence the masterpiece of bricolage, haunted by horror vacui, that is here achieved.] Umberto Eco.Travels in Hyperreality. In:. Travels in Hyper-Reality: Essays. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1986,23.

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Uma abordagem como essa empregada pelo arquiteto do “castelo” de Hearst, ainda que

legítima expressão social e merecedora eventualmente de algum estudo de cunho antropológico,

não se constitui numa referência útil para o problema da “linguagem” arquitetônica. Feitas as

ressalvas, pode-se encontrar uma abordagem mais proveitosa para o assunto. Uma vez que a

arquitetura cívica, para desempenhar o seu propósito político, precisa expressar de maneira

inteligível esse propósito, mas sem cair numa compreensão excessivamente literal do termo, é

lícito buscar analogias em outro domínio da comunicação verbal: a retórica.

As associações entre retórica e arquitetura têm precedentes respeitáveis na literatura

acadêmica. Em 1986, a historiadora da arquitetura Judith Wolin publica um artigo intitulado

“The Rhetorical Question” , onde ela enumera usos de figuras de linguagem aplicadas à

arquitetura. Para que essas figuras sejam inteligíveis, no entanto, é preciso reconhecer a existência

de alguma forma de linguagem compartilhada entre o produtor da obra e o receptor; Gombrich

alerta para o erro de se ignorar a necessidade desta ponte: “Eu já indiquei esta fraqueza básica

inerente a todas as teorias expressionistas da arte — a convicção de que a expressão é idêntica à

comunicação” . De fato, Wolin prefere o uso do termo “retórica a expressão; (…) o primeiro

aceita tacitamente a premissa de um artifício disciplinado e implica a existência tanto de um

orador quanto de um ouvinte” A comunicação entre “orador” e “ouvinte”, então, se dá através

de um canal mutuamente reconhecido:

De modo a fornecer um pouco de consistência a essas categorias vazias [defiguras de linguagem], devemos partir do princípio que a arquitetura édelimitada por cânones convencionais; devemos reconhecer, por exemplo,uma janela normal imaginária, assim como a linguagem depende daquelaárvore genérica que não possui espécie nem posição. (…) até obras anti-

Judith Wolin. “The Rhetorical Question”. Via 8, 1986, 16-31 .

[I have pointed to this basic weakness inherent in all expressionist theories of art—the conviction thatexpression is identical with communication] Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 43.

[(…) rhetoric to expression; (…) the former tacitly accepts a premise of disciplined artifice andimplies the existence of both speaker and listener.] Wolin, “The Rhetorical Question”, op. cit, 17.

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convencionais e vanguardistas podem ser descritas em termos dessa anlogiaretórica, ainda que seja somente na categoria de litotes (ênfase por meio danegação).

A figura da litote, contudo, não deve ser tida como marca característica, ou mesmo como

elemento especialmente importante, em todas as expressões não-tradicionais e vanguardistas. À

parte isso, merece destaque o fato de que a analogia lingüística, aqui por intermédio da retórica,

ganha uma ferramenta analítica importante. Superando as limitações conceituais vistas

anteriormente, a definição da arquitetura enquanto retórica da forma evidencia que não se trata

simplesmente de uma comunicação de significado, mas de uma relação ao mesmo tempo mais

complexa, indireta, e mais sutil entre forma significativa e significado político. O que se

compreende é algo mais do que o significado literal das palavras que são pronunciadas.

É nesse sentido que Indra Kagis McEwen interpreta o texto vitruviano, o mais antigo

testemunho preservado na íntegra de uma teoria da arquitetura, como sendo um argumento

retórico:

Se for possível entender, com Quintiliano, que toda oratio [discurso]consiste em verba (palavras) significantes e res (assunto) significada, entãosignificante e significado, além de pertencerem à linguagem em geral,pertencem nesse contexto especificamente à disciplina da retórica. Issotambém é o caso do (…) De architectura (…). Por exemplo, muitas daspalavras que Vitrúvio usa para os fatores dos quais depende aarquitetura — ordinatio, dispositio (disposição), eurythmia — são tambémtermos retóricos (…)

A associação da arquitetura à retórica, além de ter historicamente servido de instrumento

para erguer a disciplina “mecânica” ao nível de prestígio das “artes” liberais, também chama

[In order to give any substance to these empty categories [figures of speech] we must assume thatarchitecture is delimited by conventional canons; we must assume, for instance, an imaginary normalwindow, just as language depends on the generic tree that has no particular species or location. (…) evenanti-conventional, avant-garde work can be described within the terms of this rhetorical analogy, if onlywithin the category of litotes (emphasis by negation)] Ibid., 17.

[If one may, with Quintilian, understand that every oratio consists of signifying verba (words) andsignified res (matter), then signifier and signified, while belonging in general to language, belong in thiscontext specifically to the discipline of rhetoric. So too (…) does De architectura (…). For instance, manyof the words Vitruvius uses for the things on which architecture depends—ordinatio, dispositio(arrangement), eurythmia—are also rhetorical terms (…)] McEwen, Vitruvius, op. cit, 79.

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atenção para o papel das figuras de linguagem enquanto figuras (εἰκών). Aqui é preciso diferenciar

figura de forma, que é a propriedade de qualquer objeto existente no universo sensível. A figura

ou imagem não tem identidade com a forma por meio dos expedientes da arte. Em retórica,

ademais, esses expedientes encontram-se, freqüentemente, fora do escopo estrito do objeto, como

afirma Aristóteles:

Agora, por outro lado, outros que compilaram os conhecimentos sobreesta arte na verdade não forneceram senão a parte própria a ela, posto que apersuasão é a única coisa pertencente ao escopo da arte, sendo para além[desse domínio] tudo acréscimo, ainda que [não falem] nada acerca doselementos de argumentação, como a locução enfática, que formam o corpoda persuasão, mas elaboram em maior parte sobre fatos fora desse âmbito(…)

Reconhece-se aí, em primeiro lugar, a existência de elementos externos ao “corpo da

persuasão” propriamente dito, mas que são considerados por certos mestres como merecedores de

atenção; em segundo, é preciso notar que o “corpo” considerado por Aristóteles como a essência

da retórica também inclui elementos que, para o nosso senso comum, não pertenceriam

diretamente à disciplina de uma persuasão “honesta”, mas incluem uma ênfase emocional

estranha a um discurso puramente lógico. O mesmo ocorre em arquitetura, onde a comunicação

da mensagem através da figura envolve fatores que vão além da simples expressividade da forma,

englobando elementos cuja leitura é mais convencional — isto é, baseada em consenso social

relativo a signos arbitrários — do que exclusivamente intuitiva. Desse ponto de vista a leitura da

obra arquitetônica nunca se dá livre de conceitos. Alan Colquhoun critica os defensores da

posição contrária:

O que a teoria da expressão natural ignora é a importância, ao longo dahistória, do significado convencional em arquitetura. Em vez de ver aarquitetura moderna como a última etapa num processo evolutivo onde a

[Νῦν μὲν ούν οί τὰς τέχνας τῶν λόγων συντιθέντεσ οὐδὲν ὡς έιπεῖν πεπορίκοσιν αὐτης πόριοναἰ γὰρ πίστεις ἔντεχνόν εἰσι μόνον, τὰ δ’άλλα προσθῆκαί, οί δὲ περὶ μὲν ἐνθυμεμάτων οὐδὲνλέγουσιν, τῶν ἔξω τοῦ πράγματος τὰ πλεῖστα πραγματευονται (…)] Αριστοτέλης. Ποιήτικη, op. cit,1.1.4.

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relação natural entre forma e função teria sido constante, acredito que seriaútil enxergar o princípio da expressão natural como uma ruptura comuma tradição mais antiga.

Não é de todo pertinente, contudo, dividir a história da arquitetura em um período de

representação figurativa e um de expressão natural, e isso não porque a “relação natural entre

forma e função teria sido constante” mas, ao contrário, porque o uso de figuras em geral não foi

abolido junto com a proscrição do uso de figuras clássicas. A definição dos dois modos de

comunicação, por outro lado, tem a sua relevância para o tema. Colquhoun, que como já foi visto

não ignora o “potencial significativo” intrínseco à forma, reconhece também a especificidade da

figura:

Enquanto que a noção de figura inclua significados convencionais eassociativos, a de forma as exclui. Enquanto a noção de figura parte dopressuposto de que a arquitetura é uma linguagem dotada de um conjuntolimitado de elementos que já existem em sua especificidade histórica, a deforma sustenta que as formas arquitetônicas podem ser reduzidas a um“marco zero” a-histórico: a arquitetura como fenômeno histórico não édeterminada pelo que existiu antes mas por fatos sociais e tecnológicos emformação, operando sobre o menor número possível de leis fisiológicas epsicológicas constantes.

[What the theory of natural expression ignores is the importance throughout history of conventionalmeaning in architecture. Instead of seeing modern architecture as the last step in an evolutionary processin which the natural relationship between form and function has been a constant, I think it would beuseful to see the principle of natural expression as a break with an older tradition.] Alan Colquhoun. Formand Figure. In:. Essays in Architectural Criticism: Modern Architecture and Historical Change. Cambridge:MIT Press, 1981, 190.

[While the notion of figure includes conventional and associative meanings, that of form excludesthem. While the notion of figure assumes that architecture is a language with a limited set of elementswhich already exists in their historical specificity, that of form holds that architectural forms can bereduced to an a-historical “degree zero”: architecture as a historical phenomenon is not determined bywhat has existed before but by emergent social and technological facts operating on a minimum ofconstant physiological and psychological laws.] Ibid., 197.

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.. A forma característica

A forma arquitetônica, portanto, e especialmente a da arquitetura cívica, deve ser legível

em termos de uma figura cuja chave de leitura se encontra tanto em características intrínsecas

quanto em associações convencionais. Há, então, um sistema figural que distingue a arquitetura

cívica. Isso significa que a distinção se dá com a decodificação precisa de uma figura identificável

com o propósito cívico; “uma forma constantemente característica” nas palavras de Quatremère.

Essa “forma característica”, ligada ao propósito político da forma, é conhecida como

“tipo”. O conceito de tipo tem uma importância capital na teoria acadêmica da arquitetura, uma

vez que a expressão do careater cívico — assim como do privado — depende da comunicação de

uma mensagem de acordo com as “regras da arte” reconhecidas pela sociedade. Como numa das

cidades invisíveis na obra de Italo Calvino, “se um edifício não leva nenhuma placa ou figura, a

sua própria forma e o lugar que ocupa na ordem da cidade bastam para indicar a sua função” .

Transpondo a questão para os termos vitruvianos, o tipo é um elemento de decoro.

Decoro, ainda segundo Vitrúvio, consiste em expressar adequadamente a importância relativa de

cada edifício por meio da qualidade da sua construção, do esmero no seu acabamento, e do luxo

na sua ornamentação. Na expressão mais clara e direta de Gombrich, é “o tema apropriado no

lugar apropriado.”

[(…) une forme constamment caractéristique (…)] A.C. Quatremère de Quincy. Type. In: DenisDiderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C. Quatremère de Quincy. Encyclopédie méthodique des arts, dessciences et des lettres, Architecture, v. 3. Paris: Panckouke, 1825, 545.

[Se un edificio non porta nessuna insegna o figura, la sua stessa forma e il posto che occupanell'ordine della città bastano a indicarne la funzione (…)] Italo Calvino. Le città invisibili. Milano:Mondadori, 1993 (Torino: Einaudi, 1972), 13-14.

M. Vitruvius Pollio. De architectura. Roma: G. Herold, 1486 , I, v, 2.

[(…) the fitting subject for the fitting place.] Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 214.

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Apesar da notoriedade que a tipologia tem reconquistado em décadas recentes, vale

lembrar as suas implicações históricas. No último volume sobre arquitetura da Encyclopédie,

publicado em 1825, Quatremère define o tipo — a palavra tipologia ainda não havia sido

cunhada — com extremo cuidado e para que não restem dúvidas sobre a acepção da palavra que

ele defende:

Usa-se também a palavra como sinônimo de modelo, ainda que haja entreambos uma diferença bastante fácil de se compreender. A palavra tipo nãoapresenta tanto a idéia de algo a ser copiado ou imitado inteiramente,quanto a idéia de um elemento que deve, ele próprio, servir de regra àconfecção de um modelo. (…) O modelo, entendido na execução práticada arte, é um objeto que deve ser repetido tal e qual. O tipo é, ao contrário,um objeto a partir do qual cada um pode conceber obras que não separeçam entre si. (…) tudo é mais ou menos vago no tipo.

O fio condutor do conceito, por sua vez, é o reconhecimento de uma continuidade

histórica entre os propósitos da arquitetura do passado e da atual. De modo mais amplo, continua

Quatremère, “é preciso um antecedente para tudo. Nada, em domínio algum, vem do nada” .

Ademais, Quatremère faz uma crítica nada velada aos seguidores do método politécnico, tal como

exposto nas duas obras de J.-N. L. Durand, o Recueil et parallèle e o Précis des Leçons , este último

tendo sido reeditado em 1823. Sem citar nomes, Quatremère adverte contra certas pessoas:

Para um apanhado geral da história remota e recente das questões de tipologia em arquitetura,ver Eneida Ripoll Ströher. Considerações sobre o conceito de tipologia arquitetônica In: EneidaRipoll Ströher (org.), O tipo na arquitetura: da teoria ao projeto. São Leopoldo: Editora Unisinos,2001, 25-41.

[On en use aussi comme d’un mot synonime de modèle, quoiqu’il y ait entre eux une différence assezfacile à comprendre. Le mot type présente moins l'idée d’une chose à copier ou à imiter complètement,que l'idée d’un élément qui doit lui-même servir de règle au modèle. (…) Le modèle, entendu dansl'exécution pratique de l'art, est un objet qu’on doit répéter tel quel. Le type est, au contraire, un objetd’après lequel chacun peut concevoir des ouvrages qui ne se ressembleroient pas entre eux. (…) tout estplus ou moins vague dans le type.] Quatremère de Quincy, Type, op. cit, 544.

[Il faut un antécédent à tout. Rien, en aucun genre, ne vient de rien (…)] Ibid., 544.

Jean-Nicolas-Louis Durand. Recueil et parallèle des édifices de tout genre anciens et modernes. Paris: GilléFils, 1799 ; Jean-Nicolas-Louis Durand. Précis des leçons d'architecture données à l'École polytechnique. Paris:Gillé Fils, 1802 .

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(…) cuja visão curta e o espírito embotado não conseguem compreenderno domínio da imitação nada que não seja claramente definido. Elesaceitam, a rigor, a idéia de tipo, mas só a compreendem sob a forma e coma condição obrigatória de modelo imperativo.

Alfonso Corona Martinez, no seu Ensaio sobre o projeto, retoma essa materialização do tipo

condenada por Quatremère ao asseverar que “quanto ao nível de abstração, o tipo parece ocupar

um lugar equivalente ao do partido para a composição acadêmica.” Com respeito à arquitetura

acadêmica, portanto, Corona Martinez confunde o tipo com as atividades de distribution (a

localização dos diferentes elementos do programa) e composition (que envolve a determinação das

relações de forma, proporção e interação entre os elementos); no entanto a existência de um ou

mais partidos-modelo, por assim dizer, associados a certos tipos de arquitetura é uma constatação

importante. Para Rafael Moneo, ocorreu de fato uma substituição progressiva, ao longo do século

xix, de um método de projeto baseado na tipologia por outro que utilizava um catálogo de

“plantas esquemáticas vagas e imprecisas”, tendo como resultado que “aquela estrutura formal

integral e indestrutível que fora definida como tipo estava irremediavelmente simplificada. Ela

tinha se tornado um mero recurso de composição e esquematização.”

Essa suposta transposição do ponto de partida projetual, do tipo em direção a um partido

preestabelecido, parece justificar a reação modernista contra ambos: segundo Moneo, “os teóricos

do Movimento Moderno rejeitaram a idéia de tipo (…) pois para eles ela significava imobilidade,

um conjunto de restrições impostas ao criador” . Na verdade, essa seqüência de eventos parece

até surpreendentemente coerente, o que deve levantar suspeitas quanto à sua idoneidade histórica.

[(…) dont la vue courte et l'esprit borné ne peuvent comprendre dans la région de l'imitation, que cequi est positif. Ils admettent si l'on veut l'idée de type, mais ne la comprennent que sous la forme et avec lacondition obligatoire de modèle impératif.] Quatremère de Quincy, Type, op. cit, 545.

Corona Martínez, Ensaio sobre o projeto, op. cit, 109.

[(…) vague and imprecise schematic plans (…) That total and indestructible formal structurewhich has been defined as type was irrevocably flattened. It had become a mere compositionaland schematic device.] Rafael Moneo. “On Typology”. Oppositions 13, 1978 , 32.

[The theoreticians of the Modern Movement rejected the idea of type (…) for to them itmeant immobility, a set of restrictions imposed on the creator (…)]Ibid., 32.

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O historiador da arquitetura americano Carroll William Westfall, num ensaio publicado

em Architectural Principles in the Age of Historicism (1991), pode ajudar a esclarecer melhor esse

assunto. Westfall oferece uma definição de tipo próxima daquela de Quatremère:

Uma maneira útil de se definir tipo edilício é como uma idéia generalizadae inconstrutível de um edifício, que pode ser conhecida apenas nointelecto e que contém em si todos os exemplos possíveis de edifícios reaisdaquele tipo que foram e poderão ser construídos.

Dois aspectos dessa definição se mostram especialmente relevantes: o fato de que o tipo é

um construto exclusivamente intelectual e a capacidade do tipo de conter todos os exemplos

dependentes dele. O primeiro remete à teoria da arte imitativa, já discutida do ponto de vista

aristotélico da produção de uma figura, mas também a uma justificativa do trabalho artístico

numa visão neoplatônica. Nesses enfoques, cuja relevância para o método acadêmico foi apontada

por Egbert, como se sabe, é preciso compensar a condenação platônica de que “o artista

imitativo está três vezes afastado (…) da realidade” , compensação que se dá reivindicando a

imitação das idéias e não da sua forma contingente. O segundo aspecto está em clara oposição à

prática contemporânea de se distinguir a arquitetura cívica por meio da “inovação radical”,

postulando que a ordem existente na distinção está igualmente relacionada ao caráter imitativo da

arte.

[A useful way to define building type is as a generalized, unbuildable idea of a building knowable onlyin the intellect and containing within it all the possible examples of actual buildings of that type that havebeen and can be built] Carroll William Westfall. Building Types In: Carroll William Westfall, e Robert Janvan Pelt (orgs.), Architectural Principles in the Age of Historicism. New Haven: Yale University Press, 1991,139.

Egbert, The Beaux-Arts Tradition, op. cit, 42.

[(…) μιμητής ἐστι, τρίτος τις ἀπό (…) τῆς ἀληθείας πεφθκώς (…)] Πλάτων (Plátōn). Πολιτεία(Politeía) (Perseus Digital Library). Boston: Tufts University (In: Platonis Opera. Editado por John Burnet.Oxford University Press, 1903). Disponível em <http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?lookup=Plat.+Rep.>. Acesso em, 10597e.

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.. As tipologias da arquitetura cívica

Esse caráter imitativo, então, é essencial a toda a prática da arquitetura acadêmica, mas

também tem apelo — velado — para o Movimento Moderno. Walter Gropius celebra a existência

de formas ideais como uma realização positiva, deixando claro que isso não se limita à reprodução

industrial de um projeto em particular, mas inclui a existência de uma diversidade de exemplos

ligados a um certo “padrão”:

A existência de produtos padrões [sic] sempre caracteriza o apogeu de umacivilização, uma seleção de qualidade e uma separação entre o pessoal eocasional e o essencial e suprapessoal.

O valor desse exercício intelectual em prol da classificação e produção dos objetos por

meio de tipos também é constatado, de maneira mais sutil mas muito mais profundamente

implantada, na obra de Le Corbusier. O retrato da preocupação do arquiteto suíço com questões

de tipo vai desde a famosa declaração sobre o “jogo sábio, correto e magnífico dos volumes

associados sob a luz.” até a idealização do sistema Dom-Ino, cuja proposta é mais abstrata do

que a de um simples “modelo modular” pré-pronto. Mas a expressão mais elaborada de questões

tipológica explicitamente tratadas na obra corbusiana pode ser vista numa página do primeiro

volume da Œuvre complète. Num croquis ocupando a página inteira e sem maiores explicações, Le

Corbusier estabelece quatro tipos de composição que dão conta de abarcar todos os edifícios

produzidos por ele mesmo, desde as primeiras residências em La Chaux-de-Fonds até pelo menos

meados da década de 1930. Nas anotações, um dos tipos é descrito como “relativamente fácil,

pitoresco” porque derivado diretamente do programa; os outros três são chamados pelo autor de

“composições artísticas” e incluem um “muito difícil” (o prisma de formas puras), um “muito

fácil” (a interseção de uma malha estrutural com formas livres) e o último “muito generoso”

(Figura 23).

Gropius, Bauhaus, op. cit, 41.

[(…) le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la lumière.] Le Corbusier e PierreJeanneret. Œuvre complète. Zürich: Éditions d’Architecture, 1946 v. 1: 1910-1929, 33.

Ibid., 189.

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Os tipos corbusianos, todavia, ainda que fossem — e foram — aplicados tanto a edifícios

privados quanto a cívicos, não estabelecem distinção tipológica entre o cívico e o privado: um

mesmo tipo pode ser aplicado a ambos, e não traz embutida qualquer associação a um ou outro

propósito. Isso não quer dizer, contudo, que o tipo como marca de distinção esteja totalmente

alijado da arquitetura modernista, ou mesmo da corbusiana. Para chegar lá, é preciso ver como

Westfall elabora a questão; ele defende que a determinação do tipo se dá não por características

formais mas pelo “propósito político” da sociedade:

Os tipos edilícios são classificados de acordo com o modo em que elesservem aos propósitos das pessoas em unidades políticas. (…) Para saber [oque será construído], é preciso saber quais são as atividades da entidade e aquais propósitos elas servem.

Essa classificação dos tipos está relacionada à de Quatremère, para quem o tipo é a

necessária expressão do caráter inerente a cada classe de edifícios. Mas, ao contrário de

Quatremère, Westfall distingue com precisão seis tipos, suficientes para dar conta de todas as

atividades — lembrando que se trata aqui de diferenciar propósitos políticos, e não programas

funcionais. Dois dos tipos pertencem à res privata, a habitação (domus) e ao sustento (taberna).

Os outros quatro têm um caráter cívico: são os propósitos de veneração (tholus), congregação

(templum, mas talvez seja historicamente mais correto chamá-lo de aedes), governo (regia) e

imaginação (theatrum) (Figura 24).

A determinação desses tipos não é um mero exercício intelectual, e sim um ponto de

referência para estudar como os seus propósitos se relacionam na ordem social e como eles são

aplicados à criação de edifícios específicos. O propósito da imaginação, por exemplo, desdobra-se

historicamente em apenas três modelos de partido em planta. Dois deles são tradicionais, o

hemiciclo do teatro clássico e renascentista (Figura 25) e a ferradura dos teatros e salas de

concertos a partir do século xvii (Figura 26), e um modelo é modernista em forma de trapézio. A

[The building types are classified according to the way they serve the political purposes of people inpolities. (…) To know that [what to build], he must know what the activities in a polity are and whatpurposes they serve.] Westfall, Building Types, op. cit, 156.

Ibid., 157-160.

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adequação desses modelos ao propósito expresso na definição do seu tipo é tal, que em cada um

dos três contextos sociais mencionados a incidência de formas que fogem ao modelo é desprezível,

e isso mesmo em se tratando do inventivo modernismo — a sala retangular, bastante comum para

salas de concerto, é uma ligeira deformação da ferradura como do trapézio. Uns poucos exemplos

entre muitos são os Centrosoyus (1929) e o plenário da Liga das Nações, por Le Corbusier

(1927), e o auditório do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro (1936), que seguem o

modelo do trapézio; baseados no modelo em ferradura, há o teatro da Exposição das Artes

decorativas por Auguste Perret (1925, Figura 27) e o plenário no projeto Hannes Meyer para a Liga

das Nações (1927, Figura 28).

Os exemplos acima mostram ainda um outro aspecto da tipologia: a absoluta clareza na

distinção entre um tipo cívico e um privado, e entre um exemplo cívico e um privado. De fato,

seria impossível confundir qualquer um dos edifícios citados com uma construção pertencente à

malha trivial. O fato de que essa distinção possa ser fruto de um condicionamento cultural apenas

reforça as analogias entre a linguagem arquitetônica e a expressão verbal. Em ambas encontra-se

uma diferenciação entre um nível de linguagem “trivial” e outro, digamos, “importante”.

Aristóteles, na Poética, explica, com admirável simplicidade, qual a linguagem adequada a uma

obra literária: “a fala notável é clara, mas não ordinária” . Se a clareza se obtém, continua

Aristóteles, com o uso do vocabulário comum, isso pode resultar numa fala ordinária; o uso de

um vocabulário rebuscado, por outro lado, evita o trivial às custas da clareza. A “fala notável”,

portanto, se vale do vocabulário de uso corrente, parcimoniosamente temperado com a sua

recombinação em metáforas. Também segundo Jan Mukařovský (1891-1975), estudioso da estética

da linguagem e das artes, há uma ligeira diferenciação da linguagem “poética” com relação ao

fundo “normal” que lhe serve de base:

Le Corbusier e Jeanneret, Œuvre complète, op. cit, 206-213.

[Λέξεως δὲ ἀρετή σαφῆ καὶ ταπεινὴν εἶσαι.] Αριστοτέλης. Ποιήτικη, op. cit, 1458a.

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De facto, entre as componentes linguísticas de uma obra poética,encontram-se sempre muitas que se não afastam da norma da linguagem-padrão, pois o seu papel consiste em criar o fundo sobre que se projecta adeformação das outras componentes.

É essa sutil distinção de grau que caracteriza, segundo Tzonis e Lefaivre, “a identidade

poética de um edifício” , cujo propósito é o de “tornar as pessoas conscientes da condição de suas

vidas, produzindo um universo no qual os eventos conhecidos são reapresentados num

ordenamento ligeiramente diverso.”

O objetivo final dessa operação é, então, o de propor por meio do propósito: “o universo

do edifício neste caso não está apenas envolvido com o que é, mas também com o que deve ser,

não apenas com a verdade e a epistemologia mas também com o bem e a moral.” É, na mesma

linha de pensamento, a busca de Alexander para saber como “o que um sistema ‘deve ser’ emerge

naturalmente daquilo ‘que ele é’.”

. Elementos enfatizados

O caráter monumental da arquitetura cívica é expressado, sob o aspecto dos padrões

geométricos, por elementos enfatizados e por relações espaciais entre os elementos. Claro está que

essa divisão não implica que a forma dos elementos da arquitetura seja percebida individual e

independentemente da sua interação com o conjunto, muito menos que a interação entre os

elementos seja uma entidade em si separada da forma dos objetos. Também é preciso ter sempre

Jan Mukařovský. Linguagem-padrão e linguagem poética. In:. Escritos sobre estética e semiótica da arte.Lisboa: Estampa, 1993 (In: Boruslav Havránek e Milos Weingart (org.), Spisovná cestina a Jazykovákultura. Praha, 1932, 123-149), 322.

[(…) the poetic identity of a building (…)] Tzonis e Lefaivre, Classical Architecture, op. cit, 276.

[(…) to make people aware of the condition of their lives by making a world in which familiarthings are reset in a slightly different order.] Ibid., 277.

[The world of the building in this case is not only about what is but also about what must bedone, not only about truth and epistemology but also about goodness and morality.] Ibid., 276.

[(…) what a system ‘ought to be’ grows naturally from ‘what is.’] Alexander, Timeless Way, op.cit, 27.

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em mente que a forma edificada não é um objeto autônomo nem um fim em si, desinteressado,

mas um objeto que desempenha funções “materiais e espirituais” perante a sociedade, como

mencionou Saarinen.

No entanto, também é verdade que a produção da forma segue práticas e transformações

que não podem ser explicadas apenas pelo jogo dos condicionantes alheios a ela. Uma práxis

projetual entra em jogo ganhando relevância por efetuar a transição dos requisitos verbais para a

forma espacial. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre as disputas ideológicas com respeito ao ato

de projetar, cujos argumentos alternam entre uma celebração da autonomia do arquiteto e a sua

dissimulação por trás do véu e irresistíveis forças sociais ou históricas. Ao primeiro grupo pertence

a declaração de Lucio Costa, para quem, ainda que seja “indubitável que a origem da arte é

interessada, pois a sua ocorrência depende sempre de fatores que lhe são alheios”, todavia “não é

menos verdadeiro que na sua essência, naquilo por que se distingue de todas as demais atividades

humanas, é manifestação isenta” . Walter Gropius subscreve o segundo grupo ao propor que

“devemos buscar novos valores que estejam fundamentados no conteúdo do pensamento e da

sensibilidade da nossa época” . Julien Guadet defende, e procura inculcar, essa mesma posição:

(…) não convém omitir, e não podemos fazer nada com respeito a isso, ogrande arquiteto de uma época é o seu estado social. O técnico é umrealizador, mas não é ele quem cria ou comanda as aspirações do seutempo, ele só pode adaptar-se a elas, para o bem do interesse da arte.Acima das obras, acima dos programas específicos, há o programa dosprogramas, é a própria civilização de cada século, a fé ou a descrença, aaristocracia ou a democracia, a severidade ou a decadência dos costumes.

Costa, Arquitetura, op. cit, 18.

Gropius, Bauhaus, op. cit, 17-18.

[(...) il ne faut pas se dissimuler, et à cela nous ne pouvons rien, le grand architecte d’une époque, c’estson état social. Le technicien est un réalisateur mais ce n’est pas lui qui crée ou qui gouverne les aspirationsde son temps, il ne peut que s’y adapter au mieux des intérêts de l’art. Au-dessus des oeuvres, ao-dessus desprogrammes spéciaux, il y a le programme des programmes, c’est la civilisation même de chaque siècle, lafoi ou l’incrédulité, l’aristocratie ou la démocratie, la sévérité ou le relâchement des moeurs.] Guadet,Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 135.

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Mesmo assim, em qualquer caso, a transposição desse “programa social” para um risco

envolve operações mais ou menos convencionais, que acabam por se ritualizar em métodos.

Ocorre, no entender de Alfonso Corona Martinez, um desvio no intuito do projeto:

Os meios principais de projeto adquirem autonomia. Os cortes tendem ater uma certa harmonia, própria de cada época e que varia segundo amoda. As plantas mostram perfeccionismos gráficos, ajustes intermináveis,distribuições regulares de pontos estruturais, os quais muitas vezes não sãoencontrados nos cortes correspondentes.

Não é excessivo insistir, no entanto, que em meio a essa ênfase na lógica interna do

projeto, em última análise são os condicionantes externos — necessidades materiais e

espirituais — que têm a última palavra na determinação da forma. O “credo dos promotores do

funcionalismo” pode ser mais árido que a realidade da prática, mas um arquiteto como Gropius

não está dizendo palavras vazias quando proclama que “o provimento de luz e ar para a habitação

é naturalmente a meta de tôdas as leis de planejamento urbano.” E é claro que essa preocupação

não nasceu com o modernismo: várias décadas antes, Guadet já admoestava seus alunos nestes

termos:

(…) pensem bem que precisamos de luz e precisamos de ar (…)

(…) façam com que a água da chuva possa ser escoada facilmente, e comsegurança (…)

A arquitetura do início do século xx, então, aceita essa sobreposição de requisitos externos

e práticas internas, como parte integrante do processo de projeto. O resultado é uma composição

que se desdobra, sucessivamente, das questões políticas e sociais, fornecendo a tipologia e o

partido, funcionais — a distribuição do programa e a inserção de elementos figurativos — e

finalmente de questões mais puramente perceptivas. A respeito destas, Gropius reafirma a

Corona Martínez, Ensaio sobre o projeto, op. cit, 50.

Gropius, Bauhaus, op. cit, 153.

[(...) dites-vous bien qu’il nous faut de la lumière et qu’il nous faut de l’air (...) / (...) faites en sorte queles eaux puissent être rejetées facilement, sûrement (...)] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit,122.

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importância do “tratamento artístico de superfícies” : “Na realidade, o homem precisa de

impressões seguidamente cambiantes para permanecer receptivo, as situações inalteradas, por mais

perfeitas que sejam, o embrutecem e o entorpecem.” Guadet é mais sutil: “Essa variedade

legítima é apenas o caráter, identidade entre a impressão arquitetônica e a impressão moral do

programa.” A “impressão moral”, por sua vez, remete à determinação dos elementos

inicialmente de acordo com o propósito político da arquitetura, ou seja, de acordo com o seu

tipo. O próprio Le Corbusier sugere que, ainda que codependentes, massa e superfície têm cada

qual existência própria, sendo que a superfície deve ser composta de modo a realçar o volume que

ela delimita.

A distinção através da ênfase só é possível no contexto de uma malha urbana tradicional,

onde não apenas a arquitetura trivial se conforma a uma tipologia de fundo, razoavelmente

repetitiva, como também existe uma proximidade suficiente entre a malha e o cívico, permitindo

uma identificação visual simultânea de ambos. A ênfase enquanto técnica de composição está

intimamente ligada à questão tipológica, uma vez que esta determina, direta ou indiretamente, o

partido do edifício. O tipo — ou caráter — geral de uma residência, por exemplo, é bastante

diverso dos quatro tipos cívicos, na classificação de Westfall. Por mais que haja uma sobreposição

devido à metonímia entre os propósitos tipológicos, o lugar da moradia e da subsistência

permanece morfologicamente distinto dos lugares cívicos de veneração, conjugação e imaginação,

com o palácio formando um elo entre os dois grupos de propósitos.

No entanto, da mesma maneira que o tipo, na tradição acadêmica bem como na descrição

de Westfall, tem uma acepção mais ampla do que a simples classificação funcional, também a

ênfase segue princípios mais gerais. Para uma certa leitura dos preceitos modernistas, o edifício

Gropius, Bauhaus, op. cit, 67.

Ibid., 74.

[Cette variété légitime, ce n’est pas autre chose que le caractère, identité entre l’impressionarchitecturale et l’impression morale du programme.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit,132.

Le Corbusier e Jeanneret, Œuvre complète, op. cit, 33.

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seria como uma “bolha de sabão”. Seria difícil, contudo, encontrar exemplos de uma aplicação

literal deste princípio no modernismo do período entre-guerras. Um exemplo típico dessa atitude,

o Atelier Ozenfant de Le Corbusier (1923), combina uma expressão “direta” do espaço interior

com uma iconografia náutica sem relação com o programa funcional. O próprio Le Corbusier

adverte contra uma expressão estrutural e funcional excessivamente direta e prosaica, uma

“expressão exterior” de condicionantes materiais por demais desligada das questões de tratamento

geométrico das superfícies.

Não se deve esperar encontrar uma correlação direta entre elementos do programa

funcional e massas enfatizadas na fachada, ainda que Varon afirme em 1916 que “deve existir uma

razão de ser para toda ênfase, e o elemento resultante deve ser a expressão visível de uma

função.” Na tradição acadêmica, contudo, função não deve ser confundida com programa e a

“expressão de uma função” não é a demonstração de um elemento de um programa de

necessidades. Assim, para Varon, a expressão da função “igreja” equivale ao campanário —

nenhuma menção é feita à “expressão” da nave na fachada. Prova disso é que na lâmina xxix

Varon apresenta uma série de partidos de fachadas; cada um deles é então desenvolvido para um

exemplo cívico e um residencial — caracteres diversos, sem dúvida, o que não exclui a aplicação

dos mesmos princípios de composição (Figura 29).

O contemporâneo de Varon, N.C. Curtis, também defende que a fachada seja enfatizada

de acordo com a distribuição da planta. No mesmo ano em que Le Corbusier publicava a

coletânea Vers une Architecture, contendo a famosa afirmação “a planta é a geradora” . Curtis

defende, em Architectural Composition, que “a fachada é, especialmente, resultado da planta” .

Mas a expressão da função na fachada é temperada pelo genérico propósito, rejeitando uma

[(...) there must be a raison d’être for every emphasis, and the resulting feature must be theoutward expression of a function.] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 30.

Ibid., lâmina XXXI.

Le Corbusier, Por uma arquitetura, op. cit, 27.

[(...) a facade is particularly the resultant of the plan (...)] Curtis, Architectural Composition, op. cit,117.

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associação imediata entre programa e elevação. De fato, Curtis imediatamente ressalva que “em

certos tipos de edifícios a maior realização artística será acentuar de modo visível tanto o

propósito quanto a construção, no maior grau possível, e em outras obras será mais apropriado

buscar torná-los menos evidentes.”

A mensagem dos “promotores do funcionalismo”, por outro lado, está longe de ser tão

evidente. Thomas Schumacher mostra, no artigo “ ‘The Outside is the Result of an Inside’: Some

Sources of One of Modernism’s Most Persistent Doctrines” (2002), que em muitos casos os

arquitetos modernistas — entre eles o autor da “teoria da bolha de sabão”, Le Corbusier em

pessoa — não fizeram corresponder a ênfase exterior a algum elemento do programa interno. A

teoria da “leitura” do edifício, no Modernismo, tem dois aspectos:

Em boa parte da arquitetura do Movimento Moderno, duas premissasimportantes foram tacitamente aceitas sobre o interior e o exterior. Umadelas era que o programa social do edifício devia ser lido, literalmente, noexterior do edifício, sem a ajuda de inscrições. A outra premissa era que osespaços e volumes internos também deveriam ser legíveis no exterior.

A expressão literal do programa no exterior do edifício, argumenta Schumacher, decorre

da valorização de uma composição abstrata, substituindo o ornamento pelo jogo de formas e

volumes, com as vanguardas das décadas de 1910 e 1920. Além disso, ele mostra a ambivalência

do próprio Le Corbusier com relação ao seu preceito.

[In some types of buildings it will be the highest art to accentuate in a visible manner bothpurpose and construction as much as possible, in other wor[k]s it will be appropriate to strive tomake them less evident.] Ibid., 117.

[In much of the architecture of the Modern Movement, two important assumptions weretacitly made about the inside and the outside. One was that a building’s social program ought tobe read quite literally on the outside of the building, without the aid of inscription. The otherassumption was that the interior spaces and volumes ought to be read as well.] Thomas L.Schumacher. “‘The Outside Is the Result of an Inside’: Some Sources of One of Modernism's MostPersistent Doctrines”. Journal of Architectural Education 56 (1), 2001 , 23.

Ibid., 25.

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.. Figuração

A representação figurativa é talvez o expediente mais difundido para a expressão do caráter

na arquitetura tradicional. Ela se dá por meio do emprego de formas convencionalmente

reconhecíveis, que apontam para um significado externo a elas. Não se deve, contudo, associar a

“arquitetura figurativa” com o “pato” de Robert Venturi, ou mesmo com os casos mais extremos

de architecture parlante do século xviii. Isso seria o equivalente a cair no domínio das

“semelhanças pueris” condenadas por Quatremère de Quincy, e não dá conta de descrever o

universo da figuração arquitetônica. “O simbólico era”, nas palavras de Alan Colquhoun, “uma

transfiguração do real (arquitetura como transformação intelectual e representação da

estrutura).” O “real”, nesse caso, equivale à “verdade” promovida por Guadet e à imitação da

natureza em Quatremère, bem como, de modo mais livre, às quinze propriedades fundamentais

de Alexander: não é uma arquitetura de formas “orgânicas”, muito menos “icônicas”, no sentido

de reprodução de um modelo literalmente real. Trata-se, ao contrário, da criação de figuras cuja

legibilidade repousa sobre analogias mais genéricas a respeito do propósito e da solidez da

construção.

Apesar da tendência abstracionista do modernismo, o conceito de imitação da natureza

não lhe é de modo algum estranho, ao menos nesse sentido neoplatônico postulado na tradição

acadêmica. Colquhoun observa que “havia no modernismo a idéia da lei natural e de uma volta

aos princípios fundamentais da forma artística, o que estava próximo ao neoclassicismo

primitiv[ista] do Iluminismo.” O modernismo também tem em comum com o neoclassicismo

um questionamento severo das convenções sobre as quais repousa, nas artes clássicas, a

transposição das leis naturais para a imagem — ou seja, as convenções de linguagem que reforçam

a leitura do significado através da figura.

Alan Colquhoun. Introdução. In:. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre arquitetura 1980-1987.São Paulo: Cosac & Naify, 2004, 19.

Alan Colquhoun. Três tipos de historicismo. In:. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobrearquitetura 1980-1987. São Paulo: Cosac & Naify, 2004 (Architectural Design 53, 1983), 32.

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Por outro lado, a persistência e sucessiva repetição de imagens figurativas não está excluída

do modernismo, assim como não o estava do neoclassicismo. Gombrich argumenta que o “senso

de ordem”, a capacidade humana de perceber padrões geométricos ordenados, é sempre

acompanhado pelo “senso de significação”, que permite ao observador identificar a figura e

compreender a natureza do objeto. Isso implica que mesmo uma arquitetura pautada pela

(relativa) rejeição da figura decorativa pode apresentar a figura significativa associada a alguma

linguagem formal. Pode até mesmo acontecer, como acusa Corona Martinez a respeito de um

certo modernismo “formalista”, que “repertórios completos de [elementos da] arquitetura são

criados para uma obra e descartados na seguinte.”

Essa profusão de linguagens e a sua redução a expressões exclusivamente individuais do

artista só foi possível por causa da teoria da expressão natural, a qual justamente pretendia

transpor sem intermediários a distância entre as supostas leis naturais e a forma, prescindindo da

ponte representada pelas convenções, e descuidou do estabelecimento de uma linguagem coletiva

que fosse explícita na mesma medida dos seus preceitos ideológicos. Mesmo com o seu discurso

sobre padronização e racionalização, Walter Gropius ressalva que a formação acadêmica por ele

dirigida na Bauhaus, pelo menos na cadeia de projeto, almeja mais ao “desenvolvimento da

personalidade do que a habilidade profissional.” Caso essa individualização da linguagem fosse

levada a cabo, ficaria patente a transformação do arquiteto de πόλιτες em ιδιοτής.

Ainda assim, é evidente a existência de certos padrões formais recorrentes nas obras do

modernismo dos anos 20 e 30, que correspondem senão na forma, pelo menos na função

figurativa, aos da arquitetura acadêmica contemporânea. Reyner Banham lembrou a existência de

certas conformidades estilísticas no modernismo, aquilo que Piacentini deplorava como sendo “o

produto da paixão atávica pela arte mediterrânea, vista e assimilada romanticamente” tanto no

Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 143.

Corona Martínez, Ensaio sobre o projeto, op. cit, 133.

Gropius, Bauhaus, op. cit, 91.

[(…) il prodotto dell'innamoramento atavico per l'arte mediterranea, veduta e assimilataromanticamente (…)] Piacentini, Il momento architettonico all’estero, op. cit, 99.

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classicismo quanto no modernismo do norte da Europa. A ênfase dada por Piacentini à busca de

um modernismo impregnado de fatores regionais e bioclimáticos, aliás, reflete essa mesma

necessidade de figuração, retratando um dos elementos mais presentes da sociedade dos anos entre

as guerras mundiais: o caráter nacional.

.. Implantação

Um dos termos da legibilidade e da significação transmitida pela arquitetura cívica se dá

na sua diferenciação não apenas visual, mas também espacial, com relação à arquitetura trivial.

Diferenciar a implantação do edifício cívico é criar um temenos, no sentido clássico o recinto

sagrado no interior do qual tudo deve ser perfeito e não comprometido e, por extensão, a divisa

sólida ou vazia que separa um local importante do tecido urbano à sua volta. É, em suma, a

prática de se isolar o edifício, que deixa de pertencer a uma parcela urbana — quadra ou lote —

para ser uma entidade em separado, implantada de maneira idiossincrática na estrutura da cidade.

A existência de um temenos pode, por si só, indicar a importância de um edifício, mas ela é usada

mais freqüentemente para reforçar e permitir a expressão mais efetiva possível do decoro.

Enquanto que o modernismo pretendia elevar “da chaleira à cidade” ao nível do temenos,

mantendo sempre a pureza formal sonhada pelo projetista, o método acadêmico jamais permitia

que se perdesse de vista o contexto urbano, por mais excepcional que fosse o edifício. Mesmo um

ministério “seria totalmente diferente”, segundo Guade, “se concebido na Praça da Concorde, ou

numa rua qualquer.”

Tradicionalmente, a delimitação de um temenos é uma das maneiras mais comuns de se

definir o caráter cívico de um edifício; ele ocorre, de dois modos, nos fóruns de Pompéia. No caso

dos templos de Apolo (Figura 30) e Ísis, a delimitação é feita por um muro, no interior de cujo

perímetro (templum) o edifício (aedes) fica livre e sem interação com o restante da malha urbana.

Já o templo de Júpiter (Figura 31) está situado na extremidade norte do fórum romano, isolado no

espaço e exposto por todos os lados às fachadas dos edifícios adjacentes. Neste último caso, o

Tzonis e Lefaivre, Classical Architecture, op. cit, 5.

Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 103.

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edifício se torna um marco exposto na malha urbana, um “sólido figural” na linguagem da

Gestalt; na cidade tradicional, esse sólido figural fica em franca oposição ao “espaço figural”

característico da res privata.

Adotam esse modelo de implantação o Tribunal de Gotemburgo (Figura 32) e a National

Gallery of Art de Washington (Figura 33) — cada qual delimitando um quarteirão inteiro — bem

como o Museu Nacional de Tóquio (Figura 34), este situado no interior do Parque Ueno, espécie

de campus cultural da cidade. Por isso, os dois primeiros ajudam a definir a malha urbana,

enquanto que o terceiro compõe um conjunto de exceção interrompendo essa mesma malha. Em

situação semelhante a este último se encontram, por definição, todos os pavilhões de exposições

ao ar livre. São dignos de nota, por sua celebridade, três pavilhões da Alemanha, o de 1929 em

Barcelona, por Mies van der Rohe (Figura 35) , o de 1932 em Liège, por Emil Fahrenkampf

(Figura 36), e o de 1937 em Paris, por Albert Speer (Figura 37).

Edifícios cívicos que ocupam um quarteirão, por outro lado, revelam uma certa

ambigüidade com respeito ao caráter excepcional da sua implantação; afinal, se é verdade que eles

não compartilham esse trecho da malha urbana com arquiteturas privadas, também é verdade que

em termos sintáticos a qualidade da barreira por eles apresentada ao espaço urbano é idêntica à da

res privata. Para realçar o caráter excepcional em tal gênero de edifícios, pode-se recorrer a

deformações na própria malha urbana, situando o bloco da obra cívica de maneira diversa dos

demais quarteirões. Assim, um edifício-quarteirão que interrompa a rede viária, colocando-se

como a terminação de um eixo visual e de movimento, terá a sua importância claramente

expressada: se ao edifício é permitido interromper o desenrolar utilitário da malha urbana, então

entende-se que ele deva ter uma importância condizente com o grau dessa interrupção. Desse

modo, o Palácio do Vice-Rei em Nova Delhi, obra de Edwin Lutyens (1920, Figura 38), encerra de

maneira enfática a longa (e, devido a acidentes topográficos não terraplenados, oscilante)

perspectiva do Rajpath, a esplanada administrativa da então capital colonial do Império Indiano

(Figura). Mas esse expediente pode ser aplicado também ao outro gênero, o do pavilhão no

campus, produzindo um efeito de ordenamento parcial do espaço, sempre comprometido pelo

arranjo mais ou menos livre do conjunto. Isso vale para o Museu Nacional de Tóquio, que

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bloqueia um eixo demarcado por canais e bordado por outras duas alas do museu, além de uma

sala de concerto.

Outra variação ocorre quanto o edifício, por suas dimensões, se exclui da malha urbana

trivial mas participa da criação de outro espaço, este de caráter monumental. É o caso do Palais

Chaillot (1937, Figura 39), o enorme complexo cultural projetado pelos acadêmicos Boileau, Carlu

e Azéma para a Exposição de Artes e Indústrias em Paris (Figura). As duas alas curvas do palácio

apresentam à cidade a sua face convexa, repudiando com bastante clareza qualquer continuidade

do tecido. Do outro lado, as alas abraçam uma esplanada ajardinada que se estende até o Sena,

criando um espaço monumental intra-urbano. Ao mesmo tempo, o palácio atua como a

terminação desse espaço urbano, reafirmando o seu papel de delimitador do espaço, mas deixando

um vão central além do qual se percebe uma solução de continuidade com a malha urbana.

Naturalmente, numa cidade projetada segundo o modelo da Ville radieuse, essa oposição

desaparece por completo, a menos que outros elementos do projeto venham resgatar uma

diferença aparente na implantação dos edifícios. Por outro lado, a questão não se coloca com

respeito a edifícios em áreas rurais ou suburbanas. Os projetos para a Liga das Nações têm um

caráter monumental devido às suas dimensões e tipologia, mas não faz sentido especular sobre a

sua relação com os demais edifícios da Suíça rural.

Todavia, a implantação diferenciada não é um instrumento indispensável à distinção da

arquitetura cívica. Na verdade, e principalmente no caso de níveis hierárquicos mais baixos de

edifícios da res publica, implanta-se o edifício cívico de modo semelhante a um edifício trivial. É o

caso, por exemplo, de inúmeras igrejas e outros tantos palácios de Roma, evidenciados na planta

elaborada por Giambattista Nolli em 1748 (Figura 40). Mesmo em épocas mais recentes, a

implantação de edifícios cívicos nem sempre o separa fisicamente da malha trivial. O atual centro

universitário de Nîmes (Site des Carmes, Figura 41), teatro de meados do século xix quase que

inteiramente reconstruído na década de 1990, é um bom exemplo desse procedimento. Situado

num lote de esquina, a construção ainda assim preserva o alinhamento de fachadas predominante

no quarteirão. Na mesma situação está o Institut d'Art et d'Archéologie de Paris, por Paul Bigot

(1932), situado numa esquina da Avenue de l'Observatoire (Figura 42). Guadet resume a

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ocorrência de ambos os modelos de implantação: “numa cidade — por exemplo Paris — os

monumentos ficam geralmente em sítios monumentais; nem sempre, contudo.”

.. Massa

A forma física de um elemento, considerado — na medida do possível — isoladamente

pode ser subdividida, para efeitos de estudo, de modo muito simples: por um lado, a sua

configuração geral, isto é, o contorno determinando um volume geométrico, e por outro, a forma

dos elementos secundários que o constituem. Essa divisão corresponde à dupla natureza do

“elemento” de composição em Alexander, a de ser ao mesmo tempo uma unidade e um padrão de

unidades inscritas. Em termos mais estritamente arquitetônicos, é também o que se convenciona

chamar de “massas”, por um lado, e “detalhes”, por outro.

Pode-se supor, hipoteticamente, que numa situação em que os elementos de detalhe são

dados, haverá uma preocupação especial com os efeitos de massas, e, reciprocamente, se forem as

massas controladas por fatores externos preestabelecidos, o detalhamento das superfícies é que

merecerá explorações mais largas. Tais situações correspondem justamente ao espectro dos

movimentos e estilos no período entre guerras. De modo bastante simplificado, há de um lado a

tradição acadêmica, que compõe o seu detalhamento com os elementos canônicos da arquitetura

clássica e proclama a variedade nas combinações de massa, e do outro as vanguardas do

funcionalismo derivando as suas massas a partir de analogias diretas com elementos do programa

e desenvolvem detalhes decorativos originais. Entretando, a prática arquitetônica dificilmente

atinge os extremos representados por esses enunciados teóricos absolutistas. No modernismo mais

funcionalista há um certo grau de liberdade na composição plástica com os elementos do

programa, e estes por sua vez determinam até mesmo a mais plástica das composições acadêmicas.

No que diz respeito à estruturação das massas edificadas, os três livros didáticos já vistos

concordam em reconhecer a primazia da planta sobre a fachada. O que muda é o grau de

sofisticação intelectual com que essa relação hierárquica é apresentada nos textos de Guadet,

[Dans une ville — voyez Paris — les monuments sont en général dans des emplacementsmonumentaux ; pas toujours cependant.] Ibid., 103.

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Varon e Curtis. Este, como já foi visto, é bastante claro e direto, ainda que procure se desmarcar

da posição funcionalista, e enfático quanto à sucessão dos termos determinantes:

Já que o propósito do edifício controla a disposição da planta, e o sistemaconstrutivo controla as proporções verticais, depreende-se que esses doisfatores essenciais de propósito e construção também controlam acomposição da fachada.

Varon também explica claramente a relação entre a distribuição em planta e a elevação da

massa edificada, mas o seu ensinamento é mais cuidadosamente mitigado:

Uma regra, porém, ainda que ela possa não ser imediatamente tida comoessencial, deve ser rigidamente adotada: sempre considerar a planta quandose estiver projetando a elevação. A criação bem-sucedida seráfreqüentemente um compromisso entre os requisitos materiais da planta eas necessidades estéticas da fachada.

Na opinião de Varon, portanto, as necessidades da planta e o efeito expressivo da fachada

não se encontram numa relação causal, como para a teoria da “bolha de sabão”, mas numa de

conflito e compromisso. Geoffrey Scott compartilha da mesma posição quando defende que os

três termos da definição vitruviana de arquitetura, a utilidade, a solidez e a beleza, não se

constituem num todo harmonioso nem em fatores relacionados, mas em requisitos independentes

e contraditórios. Varon adverte contra um emprego arbitrário da composição de massas,

relacionando esta sempre com o propósito do edifício: “deve haver uma razão de ser para toda

ênfase, e o elemento resultante deve ser a expressão visível de uma função.” A função, em Varon,

não é idêntica com um elemento do programa de necessidades: como já foi visto, a “função” da

[Since the purpose of the edifice controls the arrangement of the plan and the mode of constructioncontrols the vertical proportions, it follows that these two essential factors of purpose and constructionalso control the composition of the facade.] Curtis, Architectural Composition, op. cit, 117.

[One rule, however, though it may not at once be deemed essential, must be rigidly adhered to: Alwaysconsider the plan when designing the elevation. The successful creation will frequently be a compromisebetween the material requirements of the plan and the aesthetic needs of the elevation.] Varon, Indicationin Architectural Design, op. cit, 29-30.

Scott, Architecture of Humanism, op. cit, 8.

[(…) there must be a raison d'être for every emphasis, and the resulting feature must be the outwardexpression of a function.] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 30.

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igreja é representada por um campanário, e está, portanto, mais próxima da expressão do

propósito, ou seja, do tipo edilício.

Finalmente, Julien Guadet aponta para a necessidade de se considerar não apenas a

utilidade material da planta ou a sua exeqüibilidade construtiva, mas também o seu potencial

expressivo, isto é, a capacidade da planta gerar um sistema de massas atraente:

É mesmo necessário definir uma bela composição? Ela será antes de maisnada boa, mas ela permitirá também belas vistas. Os salões que vocêsprojetarem completar-se-ão cada qual pelo efeito do conjunto se vocêssouberem concertar belas suites; os seus pátios, se elas prolongarem umasàs outras por meio de perspectivas habilmente arranjadas; as suas fachadas,se vocês tiverem disposto belos bastiões, reentrâncias ou pavilhõesenfatizados, silhuetas enérgicas ou elegantes; se tudo isso for variado, sevocês tiverem oposições, até mesmo contrastes — enfim, se vocêssouberem ser artistas para a sua composição.

Nota-se que aqui não é questão de distribuir mecanicamente os espaços em planta e

aceitar qualquer composição resultante. Guadet valoriza os efeitos compositivos, a produção de

uma planta não apenas eficiente, mas também “bela”, de modo a permitir, assim, um igualmente

belo arranjo tridimensional de massas. E, na medida em que essas massas ganham importância

visual e significação, elas respondem de modo mais literal às indicações do propósito do edifício,

deixando de lado as especificidades dos espaços enunciados no programa de necessidades. Verifica-

se essa generalização das massas quando as formas são reutilizadas em edifícios subseqüentes; o

exemplo mais convencional desse processo é a expressão formal dos seis tipos edilícios

elementares, mas não é de modo algum a sua única ocorrência.

No projeto de Le Corbusier para o Palácio dos Sovietes (1931, Figura 43), o conjunto da

composição é determinado pelo equilíbrio entre as duas principais massas formadas pelos

[Est-il nécessaire de définir une belle composition ? Elle sera bonne d'abord, mais elle assurera aussi debeaux aspects. Vos salons se complèteront chacun par l'effet de tous si vous avez su ménager de bellesenfilades ; vos cours, si elles se prolongent l'une l'autre par des perspectives habilement ménagées; vosfaçades, si vous avez disposé de beaux avant-corps, des retraites ou des pavillons accentués, des silhouettesénergiques ou élégantes; si tout cela est varié, si vous avez des oppositions, des contrastes même — en unmot si vous avez su être artistes dans votre composition.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op.cit, 125-126.

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auditórios em forma de leque; estes, além disso, também são percebidos do ponto de vista

figurativo, remetendo, com sua forma derivada do trapézio, à interpretação modernista do tipo

tradicionalmente representado pela ferradura. Mais afastada da associação direta entre espaço

funcional e massa, a barra prismática, adjacente ao auditório menor, que compensa a diferença de

volume entre os dois leques, é outra forma extremamente comum na iconografia modernista.

Encontrada em projetos tão díspares quanto conjuntos habitacionais, sedes de governos e edifícios

comerciais, a barra tem a conotação de elemento repetitivo, contínuo e potencialmente extensível

ao infinito. Se o trapézio é o foco de um edifício cívico onde se dá reunião de pessoas, a barra é o

seu componente trivial, a malha urbana, por assim dizer, na imagem da cidade modernista.

O contraste entre um prisma “de fundo” e outro elemento, muitas vezes de menores

dimensões mas cuja geometria o destaca, é uma composição extremamente comum na arquitetura

cívica do modernismo: ele é encontrado, entre outros, no Ministério da Educação do Rio de

Janeiro (1936, Figura 44), na Casa da Suíça de Le Corbusier para a cidade universitária de Paris

(1932, Figura 45), na sua casa de refúgio do Exército da Salvação (onde o elemento diferenciado é

o diminuto mas evidente pórtico de entrada), na fábrica Van Nelle (1926, Figura 46) por

Brinkman, van der Vlugt e Stam em Rotterdam, e nos projetos de Hannes Meyer e Le Corbusier

para a Liga das Nações.

É possível que esse contraste tenha origem numa prescrição acadêmica, reafirmada por

Guadet, de que o elemento principal de uma composição seja claramente determinado no

projeto, relegando os demais elementos a uma posição de “fundo”. Também há, nesse sentido, a

tradição da arquitetura palaciana francesa, alternando massas proeminentes chamadas de corps de

logis com estruturas conectoras recuadas. Os corps de logis não evidenciam nenhum espaço interior

que demande para sua função essa protuberância, com a possível exceção do salon cuja forma

elíptica multiplica o perímetro de janelas com vista para os jardins; no entanto, eles reforçam uma

leitura do edifício com começo, meio e fim — e um elemento arquitetônico reforçando cada uma

dessas partes.

Ibid., 130.

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A articulação dos términos do edifício, portanto, também pode ser entendida como um

fator da composição de massas. Tzonis e Lefaivre mostram que, de um modo geral, há regras

importantes, ainda que pouco claras, para o tratamento das terminações na arquitetura clássica.

Usando uma analogia musical, os pesquisadores dividem os elementos de arquitetura em partes

fortes (stressed) e partes fracas (unstressed):

De modo a concretizar a idéia do limite, o cânone da arquitetura clássicadetermina que o elemento de terminação de um padrão métrico deva sernão apenas forte, mas duplamente forte. Também há outras possibilidades:alongar a unidade fraca anterior, isto é, “atrasar” a terminação forte,estendendo a seção junto ao seu término; ou o contrário, combinar umencurtamento da unidade fraca com uma ênfase dobrada na unidade forte(…)

O corps de logis, portanto, assume o papel de elemento forte, assim como na linguagem

modernista o paralelepípedo freqüentemente tem o papel de unidade fraca. É importante atentar

para o fato de que a definição de elemento forte é a de haver um “significado formal” na

percepção do elemento, e não a de existir algum efeito perceptivo que cause uma certa reação no

observador. Assim, os corps de logis terminais são elementos fortes maciços que arrematam os

términos de um palácio francês; no entanto, as estruturas em balanço que muitas vezes marcam os

limites dos prismas modernistas também podem ser consideradas fortes, desde que elas não sejam

suplantadas visualmente por outra expressão de massa, como uma demarcação forte da estrutura

vertical.

Na sobreposição de planos horizontais, há uma clara inversão entre a expressão dos limites

na arquitetura tradicional e naquela influenciada pelos “cinco pontos da nova arquitetura”.

Enquanto que, na primeira, as terminações inferior e superior — pódio e cornija — são fortes, no

modernismo canônico elas freqüentemente são fracas — pilotis e parapeito não articulado. A

[To manifest the idea of the boundary, the canon of classical architecture dictates that the terminationelement of a metric pattern should not only be stressed but doubly so. There are also other possibilities:making the previous unstressed unit longer, that is, “delaying” the accentuated termination, extending thesection toward its ends; or the reverse, combining a shortening of the unstressed unit with a doublestressing of the stressed unit (…)] Tzonis e Lefaivre, Classical Architecture, op. cit, 129.

[(…) formal meaning (…)] Ibid., 124.

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diferença fica clara comparando-se a embaixada alemã em São Petersburgo, por Peter Behrens,

com seu estilóbato na base e um pesado entablamento no topo, e o Museu Nacional de Tóquio,

dotado de um alto telhado, com o grande vão horizontal no monumento de Le Corbusier a Paul

Vaillant-Couturier, a mais recatada horizontalidade do monumento a Rosa Luxemburgo por Mies

van der Rohe, ou até mesmo com o minimalista Palazzo della Civiltà Italiana (1937), o “coliseu

quadrado” de Guerrini, la Padula e Romano.

.. Detalhe

Ostensivamente, a menor menção à palavra “ornamento”, para não falar no emprego do

próprio, é considerada uma heresia sob qualquer interpretação da ideologia do Movimento

Moderno. No entanto, não obstante as explorações ornamentais de Frank Lloyd Wright, que não

se reduzia ao discurso modernista, pode-se citar diversas obras célebres mais próximas da

ortodoxia vanguardista européia, como a sede da Shell na Haia, por J.J.P. Oud (1938-1942, Figura

47) ou o Ministério da Educação no Rio de Janeiro, com seus painéis de azulejos e outros

revestimentos nobres. Mas a “ornamentação” modernista não se limita à “força expressiva dos

materiais (…) como elementos de composição arquitetônica” , como sugere Marcos Moraes de

Sá, até porque os materiais são, no mais das vezes, percebidos como uma textura superficial. O

historiador da arquitetura Brent C. Brolin expõe a falácia do ornamento modernista na qual Sá

caiu: “sugerir que uma forma ‘funcional’ não é ornamentada porque ela não está dotada de

ornamento tradicional e imita as formas da máquina é cair num truque semântico do Movimento

Moderno.” E não é nem preciso insistir nos exemplos menos “canônicos” — basta comparar

uma cadeira tradicional da oficina Thonet, como a № 14 (1859, Figura 48), com a moderna Wassily

de Marcel Breuer (1925, Figura 49), e ver qual delas lança mão da maior complexidade de formas

para resolver o mesmo problema básico.

Sá, Ornamento e modernismo, op. cit, 85.

[To imply that a “functional” form is unornamented because it lacks traditional ornament and mimicsmachine forms is to fall victim to a semantic ruse of the Modern Movement.] Brent C. Brolin.Architectural Ornament: Banishment and Return. New York: Norton, 2000 (Flight of Fancy: TheBanishment and Return of Ornament. New York: Norton, 1985), 183.

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Marcello Piacentini, na contramão do discurso mas não necessariamente da prática do

Movimento Moderno, propõe uma certa sistematização de significado para as formas geométricas

mais ou menos abstratas que são empregadas pelos diversos estilos em voga nas décadas de 1920 e

1930. Piacentini começa criticando, por ocasião de uma resenha do primeiro ciam em 1929, a

própria intenção de se eliminar a decoração arquitetônica em nome da racionalidade, associada à

minimalização também das dimensões da habitação: “é o esforço que se torna acadêmico para

alcançar o estrito necessário com os espaços mínimos. Pão e água.” E, enfático, sobre “a

decoração. Não copiá-la dos outros estilos: ótimo, mas isso não deve significar renunciar a ela. Por

que, no seu traje racionalíssimo, vocês não renunciam à gravata (…) ?” A decoração, para

Piacentini, está justamente relacionada ao decoro da arquitetura, sendo mais essencial àquela mais

elevada na hierarquia de propósitos, assim como a gravata marca um traje elegante e não

esportivo.

Nos graus maiores da arquitetura podemos encontrar o prazer doornamento e a intensificação da expressão significativa na aplicação dasartes figurativas. A escultura e a pintura, a pintura mural, devem voltar acumprir as suas funções expressivo-decorativas.

Eliel Saarinen, modernista de filiação tão clara e de discurso tão ambíguo quanto

Piacentini, concorda:

Por que uma forma verdadeira deve necessariamente ser ascética eraquítica? Será honesto apenas aquele homem que ao falar não usa mais doque as palavras absolutamente necessárias para expor o seu pensamentocom clareza, e que nas suas maneiras é seco em mais alto grau? Não será eleassombroso em vez de honesto?

[È lo sforzo che diviene accademico per raggiungere il puro necessario con i minimi spazi. Pane eacqua.] Piacentini, Prima internazionale architettonica, op. cit, 130.

[(…) la decorazione. Non prenderla dagli altri stili: benissimo, ma questo non deve significarerinunciarvi. Perché, nel vostro abito razionalissimo, non rinunciate alla cravatta (…) ?] Ibid., 131.

[Nei gradi maggiori dell'architettura potremo trovare la gioia dell'ornato e la intensificazione dellaespressione significativa nell'applicazione delle arti figurative. La scultura e la pittura, la pittura murale,debbono tornare a compiere le loro funzioni espressive-decorative.] Ibid., 132.

[Why should the truthful form necessarily be ascetic and gaunt? Is only that man honest who in hisspeech uses nothing more than the absolutely necessary words to make his thought clear, and who in his

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Finalmente, Piacentini acaba por concluir, em 1931, que existe uma estética decorativa

apropriada à arquitetura trivial e outra à arquitetura monumental, criada a partir dos elementos

estruturais mas não subordinada a estes:

A horizontal convém, portanto, à arquitetura residencial, íntima, modesta;a vertical convém à monumental.

E um edifício que tenha vários andares, e ao mesmo tempo um propósitode caráter público, poderá exibir essa sobreposição de pisos como queembutidos nas linhas (a ordem, no sentido mais amplo) verticais.

Mesmo assim, há uma certa preferência ideológica por parte dos arquitetos vanguardistas

pela linha horizontal, e a prescrição de Piacentini acaba tendo pouca popularidade. Já em 1933,

uma equipe de neo-racionalistas incluindo Giuseppe Terragni apresenta o seu projeto para o

Palazzo Littorio (sede do partido fascista), tendo como maior destaque a monumentalização de

um enorme bloco horizontal em balanço sobre a calçada (Figura 50).

O emprego por Mies van der Rohe de perfis de aço com uma intenção puramente

decorativa no edifício Seagram é tão conhecido que só teria a perder a sua força como exemplo ao

acompanhá-lo de qualquer comentário explicativo. No entanto, cabe advertir que um

procedimento como esse, por vezes interpretado como uma idiossincrasia ou ironia formalista do

arquiteto, é racionalizado por seu compatriota Walter Gropius:

À distância, cumpre que a silhueta da obra arquitetônica seja bem simples,de modo a ser compreendida, à primeira vista, como um símbolo portodos, desde o observador mais primitivo, até por aquêle que passe por elaràpidamente de automóvel. Quando nos aproximamos, distinguimosprotuberâncias e reentrâncias de partes e entalhes da construção, cujassombras proporcionam o entendimento da escala para essa nova distância.

manner is dry to the utmost? Isn't he dreadful rather than honest?] Saarinen, Search for Form, op. cit, 202.

[L'orizzontale s'addice dunque all'architettura domestica, intima, modesta, la verticale a quellamonumentale. / E un edificio che abbia molti piani, e nello stesso tempo una destinazione di caratterepubblico, potrà far figurare questa sovrapposizione di solai come incastrati in linee (l'ordine, nel senso piùlato) verticali.] Marcello Piacentini. Dove è irragionevole l'architettura razionale. In:. Architettura moderna.Venezia: Marsilio, 1996 (In Dedalo, 11 (3), gennaio 1931, 527-540), 165.

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E quando finalmente estamos bem em frente e não podemos mais avistar oedifício inteiro, é preciso que o ôlho seja atraído por novas surprêsas, naforma de tratamento artístico de superfícies.

. Relações ordenadas

A importância visual da decoração que não ousa dizer o seu nome — pelo menos no

discurso de Gropius — na composição de massas e superfícies arquitetônicas está, portanto,

relacionada com as dimensões da obra construída. Gombrich lembra que:

A estrutura geométrica de um design visual nunca poderá, por si só,permitir-nos predizer o efeito que ela terá no observador. Em certosentido, isso é óbvio: a estrutura é independente de escala, enquanto que apercepção não o é. O simples fato de ampliar ou reduzir um padrão mudadrasticamente o seu efeito.

Além da estrutura geométrica dos seus elementos constituintes, portanto, uma obra de

arquitetura deve levar em consideração as dimensões absolutas desses membros, e sua relação com

a grandeza humana.

.. Escala

É da natureza do objeto arquitetônico ser grande demais para simultaneamente se abarcar

o seu conjunto e se perceber os seus detalhes. Aristóteles considera que a justa medida nas

dimensões de uma obra de arte se dá no meio-termo entre uma realização tão pequena que o todo

e as partes sejam compreendidos com um só olhar, causando um interesse efêmero, e outra tão

grande que se perca o senso do todo ao observar as partes e vice-versa. Devido à própria natureza

do processo projetual, contudo, é bastante fácil perder de vista a noção dessa justa medida,

caindo-se muitas vezes, no que diz respeito à monumentalidade cívica, no exagero do agigantado.

Gropius, Bauhaus, op. cit, 67.

[The geometrical structure of a visual design can never, by itself, allow us to predict the effect it willhave on the beholder. In one respect this is obvious: structure is independent of scale while perception isnot. Merely enlarging or reducing a pattern may change the effect dramatically.] Gombrich, The Sense ofOrder, op. cit, 117.

Αριστοτέλης. Ποιήτικη, op. cit, 1451a.

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Três décadas antes do projeto de Boris Iofan para o Palácio dos Sovietes (1933, Figura 51), Julien

Guadet já admoestava os seus alunos:

Vocês têm a doença do grande, ou melhor, do desmedido: vocês achamque a grandiosidade está no excessivo, vocês acreditam esmagar o vizinhocom esse artifício grosseiro e fácil das dimensões, e o que vocês alcançam éa monstruosidade.

De um modo geral, a questão da escala é um dos grandes dramas da arquitetura no século

xx. Os autores de Responsive Environments corroboram a afirmação de Gropius sobre as distâncias

de observação:

O espectro de distâncias prováveis de visualização afeta o espectro deescalas nas quais a riqueza visual deve ser considerada. (…) Então, demodo a manter a riqueza desde a maior distância até a maior proximidade,precisamos de uma hierarquia de elementos desde a grande escala até apequena escala.

Essa constatação é acompanhada por um elaborado estudo gráfico sobre ângulos,

distâncias e tempos de visualização. O exemplo final produzido para ilustrar a riqueza de escalas,

contudo, é um representante do mais insosso pós-modernismo (Figura 52). Mesmo assim,

enquanto contribuição teórica, a noção de uma hierarquia de elementos visuais tem grande

importância. Christopher Alexander enuncia o mesmo princípio de maneira mais precisa; para

ele, não basta haver um gradiente de dimensões, mas é preciso que existam também distinções

entre os diferentes níveis de escala:

(…) as centralidades que constituem esses objetos tendem a apresentar umbelo espectro de tamanhos, e (…) esses tamanhos existem ao longo de umasérie de níveis bem demarcados, com saltos definidos entre eles.

Além de haver elementos em escalas diversas, portanto, Alexander considera importante

que haja uma diferenciação nítida entre os níveis de escala, em vez de uma continuidade suave

[Vous avez la maladie du grand, ou plutôt du démesuré : vous croyez que la grandeur est dans l'excessif,vous croyez écraser le voisin par cet artifice grossier et facile de la dimension, et vous arrivez aumonstrueux.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 188.

[(…) the centers these objects are made of tend to have a beautiful range of sizes, and (…) these sizesexist at a series of well-marked levels, with definite jumps between them.] Alexander, The Nature of Order,op. cit, 145.

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entre essas dimensões. Essa diferenciação ocorre de modo bastante claro no uso dos elementos da

arquitetura clássica. Um edifício clássico se desdobra em pelo menos cinco níveis de escala, todos

eles bem definidos e separados: a composição de conjunto, geralmente com base, corpo principal

e cornija; a ordem propriamente dita, isto é, a estrutura composta de pedestal, coluna e

entablamento; o nível dos elementos constituintes da ordem, por exemplo, a coluna; as partes em

que se subdividem esses elementos: no caso da coluna, base, fuste e capitel; finalmente, as

molduras que definem a forma de cada uma dessas partes: num capitel dórico, são ábaco, equino

e gola. Alexander também adverte que as diferenças de escala, apesar de nítidas, não devem ser

amplas demais, sugerindo que os saltos entre os níveis ocorram em etapas de uma ordem de

grandeza, ou menos, por vez.

De um modo geral, a diferenciação das escalas é bem menos rica na estética modernista;

observa-se uma grande preocupação com o efeito de massas edificadas, alguma definição de um

partido de composição na superfície, e então um salto direto para o detalhamento de partes

menores, prescindindo de elaborações formais numa escala intermediária. No pavilhão principal

da Cidade Universitária de Roma, obra de Marcello Piacentini (1935, Figura 53), pode-se ver essa

escassez de elementos intermediários: às principais massas da composição, projetando-se para a

frente demarcando o acesso, sucedem-se na escala os detalhes menores, como o entablamento

circundando o edifício, composto de apenas uma moldura formando cornija, e um friso separado

da arquitrave por um estreito filete. A essa terminação superior não corresponde nenhuma

articulação da base, assim como nenhum elemento continua nos pilares a composição decorativa

superior. Mesmo um projeto polemicamente ornamentado como a sede da Shell não oferece

elementos de escala intermediária entre os padrões decorativos e os grandes elementos do partido

arquitetônico.

Que dizer, então, de obras mais “convencionais” do Movimento Moderno? A Casa del

Fascio de Terragni apresenta como únicos elementos de composição o recorte das janelas na malha

estrutural e, abaixo desse nível, as pingadeiras e as juntas das placas de mármore que recobrem as

Ibid., 147.

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fachadas. Efeitos diversos, mas sintomáticos da mesma atitude displicente para com a composição,

apresentam as fachadas do Ministério da Educação e Saúde: numa, o plano inteiro da fachada é

tratado como uma unidade, sem um partido estruturador, sendo imediatamente subdividido pelas

diminutas — na escala do todo — células com quebra-sóis. Na outra, o salto é ainda mais

abrupto, pois a fachada é articulada unicamente pela caixilharia das vidraças, interrompida pelos

planos das lajes.

Por outro lado, considerar que os níveis de escala só se desdobram de maneira adequada

em composições clássicas canônicas é uma visão bitolada. Ainda assim, parece ser verdade que os

arquitetos bem-sucedidos em criar composições ricas de elementos nas diversas escalas nas décadas

de 1920 e 1930 têm uma relação com o classicismo diferente da dos vanguardistas anticlássicos

tanto quanto da dos racionalistas. O equilíbrio no uso de elementos arquitetônicos de todas as

escalas aparece no projeto de Bertram Grosvenor Goodhue que concorreu no concurso do

memorial da Primeira Guerra Mundial em Kansas City (1918, Figura 54). O Palais de Chaillot é o

exemplo ideal desse meio termo; projetado por três arquitetos acadêmicos, o edifício tem linhas

ortogonais formando uma composição severa, próxima da estética racionalista. Porém, ao

contrário desta, a arquitetura do Palais Chaillot apresenta toda a gama de escalas já descrita. As

duas alas do edifício são articuladas com um pedestal rusticado, um corpo central no qual se

elevam os pilares, e um coroamento de linhas simples mas fortes. A escala intermediária é

articulada, no corpo central, pela sobreposição de dois planos construtivos, a malha dos pilares

abraçando a parede perfurada por altas janelas. O detalhamento prossegue numa escala menor,

com a elaborada caixilharia das janelas e as molduras horizontais que definem a cornija e a

transição entre o pedestal e a colunata.

Dando um pouco de crédito ao conhecido argumento modernista de que a arquitetura

acadêmica, na primeira metade do século xx, tinha um certo caráter exagerado, como um prato

excessivamente ornamentado do qual seria incômodo comer, e lembrando também a franciscana

pobreza de detalhes em diversas escalas nos edifícios comumente associados ao Movimento

Le Corbusier, Por uma arquitetura, op. cit, 65.

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Moderno, não seria exagerado sugerir que uma arquitetura como a do Palais Chaillot corresponde

a uma “terza maniera”, na terminologia renascentista retomada por Gombrich, um caminho do

meio entre os extremos do academicismo e do modernismo.

.. Proporções e contrastes

O estudo do Palais Chaillot mostra outro efeito reforçado pelo recurso dos níveis de escala

na composição: há uma sutil mas importante variação na ênfase dada às diferentes escalas ao

longo da extensão dos edifícios. Nos pavilhões das extremidades externas e internas, as

combinações de massa são mais complexas e interessantes, enquanto que nos longos trechos

curvos há um maior equilíbrio entre essa escala e os elementos menores. Essa diferença realça o

papel dominante dos pavilhões, que, apesar de suas reduzidas dimensões no conjunto, ganham

destaque contra o restante do palácio, cuja figura é lida como plano de fundo. Em outros termos,

os pavilhões terminais estão para o conjunto do edifício como este está para a malha urbana

trivial: o contraste entre res publica e res privata é espelhado, dentro da composição arquitetônica

individual, por um contraste análogo entre elementos dominantes e elementos dominados.

Johannes Itten (1888-1967), estudioso da cor e professor da Bauhaus, chama atenção para o

fato de que esse paradoxo do pequeno que assume um caráter dominante e do grande que recua

na mesma medida está presente também nos contrastes de matizes complementares: “A cor

minoritária, como que em desespero, reage defensivamente de modo a parecer mais viva do que se

(…) estivesse presente em quantidade harmoniosa.” É um efeito semelhante ao que ocorre no

Palais Chaillot, onde os elementos menores têm um maior peso visual do que as partes mais

extensas.

Como os demais termos da composição, os elementos constituintes da forma e as relações

de escala entre esses elementos, também as proporções são usadas para dar maior clareza à

Gombrich, Norma e Forma, op. cit, 123.

[The minority color, in distress, as it were, reacts defensively to seem relatively more vivid than if (…)it were present in a harmonious amount.] Johannes Itten e Faber Birren. The Elements of Color: A Treatiseon the Color System of Johannes Itten, Based on his Book The Art of Color. New York: Van NostrandReinhold, 1970 (The Art of Color, 1961), 62.

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expressão do propósito político da arquitetura. O objetivo da composição, no método acadêmico

de Guadet, é ressaltar a relação entre os espaços e elementos principais e os subordinados, e assim

expressar com clareza mas também simbolicamente as funções do edifício; para esse efeito, a

proporção entre esses elementos deve refletir a sua importância relativa. Guadet define o uso

correto das proporções:

E em toda essa planta, antes de ler qualquer legenda, como vocês percebemcom uma olhada apenas tudo aquilo que é principal, tudo o que ésecundário, tudo o que é acessório! Nada de precisar do compasso ou doescalímetro. Eis a proporção na composição!

Logo, o senso de proporção está intimamente ligado à relações de escala. Mas ele inclui

também toda uma gama de operações projetuais que vão além da simples manipulação de

dimensões. Em primeiro lugar, essas proporções, tanto quanto as dimensões absolutas do edifício,

têm um importante papel na determinação do caráter cívico ou privado da arquitetura:

(…) quanto mais vocês quiserem evocar a idéia do monumental, maisvocês deverão manter as proporções tradicionais na medida em que elasforem compatíveis com a sua composição.

Quando, ao contrário, a fantasia e o capricho forem justificados, vocês selibertarão dessa severidade que se tornaria pedante. Tudo é questão de justamedida e de bom-gosto.

Essa “justa medida”, que o observador afere “comparando o edifício com as suas próprias

dimensões”, foi bastante maltratada pela teoria do Movimento Moderno, senão pela sua prática.

Lucio Costa mitigava a admoestação de Guadet, que ele certamente estudara quando aluno, com

a elusiva “consciência” ou as “idéias” tomando o lugar da “dimensão” física do corpo humano. E

[Et dans tout ce plan, avant de lire une légende, comme vous voyez bien d'un coup d'œil tout ce quiest principal, tout ce qui est secondaire, tout ce qui n'est qu'accessoire ! Nul besoin n'est pour cela ducompas ou du décimètre. Voilà la proportion dans la composition !] Guadet, Éléments et théorie del’architecture, op. cit, 140.

[(…) plus vous voudrez éveiller l'idée du monumental, plus vous devrez conserver les proportionstraditionnelles dans ce qu'elles auront de compatible avec votre composition. / Lorsque, au contraire, lafantaisie et le caprice seront à propos, vous vous affranchirez de cette séverité qui deviendrait dupédantisme. Toutes questions de mesure et de goût.] Ibid., 156-157.

Costa, Arquitetura, op. cit, 23.

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Costa ainda propõe, talvez intencionalmente em coro com a pedagogia “purificadora” da

Bauhaus, que não se trata de “justa medida” ou de “bom-gosto”, mas simplesmente de uma

“intenção” : golpe mortal contra a mera insinuação de que o ensino pudesse transmitir algum

conhecimento objetivo em matéria de proporções e composição. E essa “desmedida”

intencionalmente contraposta à “justa medida” acadêmica não fica restrita à teoria; na largura do

Eixo Monumental de Brasília (projetado em 1957) caberia, com folga, o imenso Volkshalle,

epítome da desmesurada arquitetura nazista, projetado por Albert Speer exatos vinte anos antes

(Figura 54).

Ao que se chama hoje de proporção, Vitrúvio dava o nome de symmetria: “a correlação

adequada dos membros da obra entre si, e a relação das partes individuais com o aspecto de

conjunto da figura, segundo a razão de uma das partes.” Por extensão, o sentido moderno da

palavra simetria toma como uma “correlação adequada” a correspondência de elementos em torno

de um eixo ou ponto através do qual eles se espelham. Essa simetria ocorre, segundo modernistas

e críticos do Movimento, como um desdobramento da criação de sistemas ordenados seja na

natureza, seja no engenho humano. Para Saarinen, “na natureza, sempre que se vê uma forma

simétrica é porque há uma razão lógica e funcional para a coincidência entre a ‘beleza do

equilíbrio’ e a ‘beleza da simetria’.” Alexander enuncia, na mesma linha de pensamento, o que

ele entende por transformações que preservam a estrutura geométrica do espaço, fundamentais na

produção da forma:

À medida que o sistema evolui, ele procura destruir o mínimo possíveldessas simetrias e centralidades maiores. Ele mantém tanto da estrutura desimetrias e centralidades quanto possível, e destrói o mínimo possível daestrutura de simetrias e centralidades, sem deixar de avançar.

Ibid., 20.

[(…) ex ipsius operis membris conveniens consensus ex partibusque separatis ad universae figuraespeciem ratae partis responsus.] Vitruvius Pollio, De architectura, op. cit., I, ii, 4.

[In nature, always when one sees a symmetrical form there is a logical and functional reason for having“beauty of balance” coincide with “beauty of symmetry.”] Saarinen, Search for Form, op. cit, 284.

[As the system evolves, it destroys these symmetries and larger centers as little as possible. It maintainsas much of the structure of symmetries and centers as possibles, and destroys as little of the structure ofsymmetries and centers as can be managed while yet moving forward.] Alexander, The Nature of Order, op.

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O exemplo mais comumente citado de simetria em composições associadas a uma estética

moderna é provavelmente o dos edifícios de Mies van der Rohe no pós-guerra, e antes da Segunda

Guerra Mundial os de Auguste Perret, como o depósito do Acervo do Patrimônio (Mobilier

national) em Paris (1931, Figura 56). Mas ele é encontrado também em obras de arquitetos neo-

racionalistas, como no ginásio de Adalberto Libera para o eur '42, e até mesmo no projeto de Le

Corbusier para os Musées de la Ville et de l'État (1937, Figura 57) — não se trata apenas de algum

elemento simétrico na fachada, mas de toda a volumetria do edifício que se rende às exigências da

composição. Em Vers une architecture, Le Corbusier defende que:

O ritmo é um estado de equilíbrio procedente de simetrias simples oucomplexas ou procedentes de sábias compensações. O ritmo é umaequação: igualação (simetria, repetição) (…); compensação (movimentodos contrários) (…); modulação (desenvolvimento de uma invençãoplástica inicial) (…).

Varon defende a simetria bilateral como um elemento de elegante simplificação nas

formas da fachada — uma associação que certamente remete à profusão de temas nas assimétricas

composições pitorescas da arquitetura vitoriana. Ao contrário desta, implicitamente lembrada

ainda que não mencionada, uma boa fachada é mais “comportada”:

(…) simplicidade, regularidade e simetria podem por si sós constituircaracterísticas de fachadas, e elas são geralmente qualidades desejáveis — asimplicidade sempre o é. Uma fachada muito simples, simétrica euniforme, quando bem executada, possuirá em qualquer caso charme enobreza de expressão

Tal austeridade numa estrutura grande ou longa, contudo, pode serexcessivamente severa ou monótona, impedindo a beleza e divergindo dagrandiosidade que se busca num grande edifício.

cit, 46.

Le Corbusier, Por uma arquitetura, op. cit, 32.

[(…) simplicity, regularity and symmetry may of themselves constitute characteristics of elevations,and they are usually desirable qualities—simplicity always is. A very simple, symmetrical and uniformfaçade, well executed, invariably possesses charm and nobility of expression. / Such austerity in a large orlong façade, however, may be too severe or monotonous, precluding beauty and detracting from thegrandeur sought in a big building.] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 29.

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Em suma, alerta Varon, apesar de todas as prescrições didáticas “o absolutismo sufoca a

arte.” Curtis concorda, acrescentando que “o olho deve ser o árbitro daquilo que agrada por sua

forma e daquilo que desagrada.” Guadet já dizia o mesmo, mas adverte que “se a liberdade é o

mais animador dos regimes, é também aquele que impõe o maior número de deveres. Na medida

em que a sua liberdade se expande, a sua responsabilidade aumenta.” O dever cívico do

arquiteto é, então, o de assumir a sua responsabilidade pelo decoro urbano na medida do alcance

da sua realização edificada.

[(…) absolutism stifles art.] Ibid., 29.

[The eye must be the judge of what is pleasing in form and what otherwise.] Curtis, ArchitecturalComposition, op. cit, 120.

[(…) si la liberté est le régime le plus vivifiant, il est aussi celui qui impose le plus de devoirs. A mesureque votre liberté s'affranchit, votre responsabilité s'élève.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op.cit, 139.

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Figura Tipologias arquitetônicas em Le Corbusier

Fonte: Le Corbusier e Jeanneret, Œuvre complète, op. cit,

Figura Carroll William Westfall. Tipos edilícios

Fonte: Westfall, Building Types, op. cit,

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Figura Andrea Palladio. Teatro Olimpico, Vicenza,

Fotografia nossa

Figura Exemplos de teatros com platéia em forma de ferradura

Fonte: Julien Guadet. Éléments et théorie de l’architecture. Paris:Aulanier, v. ,

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Figura Auguste Perret. Teatro da exposição de artes decorativas, Paris,

Fonte: Jean-Louis Cohen, Joseph Abram, e Guy Lambert (orgs.)Encyclopédie Perret. Paris: Éditions du Patrimoine / Le Moniteur,

,

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Figura Hannes Meyer. Projeto para a sede da Liga das Nações, Genebra,

Fonte: Curtis, Modern architecture, op. cit., figura

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Figura David Varon. Temas de composição de fachadas

Fonte: Varon, Indication in Architectural Design, op. cit., lâminaXXIX

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Figura Templo de Apolo, Pompéia

Fonte: Félix-Emmanuel Callet, , apud Henri Stierlin. O ImpérioRomano: dos etruscos ao declínio do império romano. Köln: Taschen,

,

Figura Templo de Júpiter, Pompéia

Fonte: Félix-Emmanuel Callet, , apud Ibid.,

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Figura Erik Gunnar Asplund. Tribunal de Gotemburgo, , implantação

Desenho nosso

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Figura John Russell Pope. National Gallery of Art, Washington, -

Figura Watanabe Jin. Museu Nacional de Tóquio, -

Fotografias nossas

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Figura Ludwig Mies van der Rohe. Pavilhão da Alemanha, exposição de

Barcelona,

Fotografia nossa

Figura Emil Fahrenkampf. Casa da Alemanha, exposição de Liège,

Fonte: Borsi, L'ordre monumental, op. cit,

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Fonte: Curtis, Modern architecture, op. cit., figura

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Figura Jacques Carlu, Louis-Hippolyte Boileau, Léon Azéma. Palais de

Chaillot, Paris,

Fonte: Bruno Foucart. Les artistes de la commande publique : le cas dupalais de Chaillot In: Jean-Louis Cohen (org.), Années :

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Detalhe da Figura

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Figura Giambattista Nolli. Planta de Roma

Fonte: Giambattista Nolli. “Nuova topografia di Roma”.

Figura Centro universitário de Nîmes - site de Carmes

Fotografia nossa

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Figura Paul Bigot. Institut d'Art et d'Archéologie, Paris,

Fonte: Simon Texier (org.) L'institut d'art et d'archéologie, Paris .Paris: Picard, ,

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Figura Le Corbusier. Projeto para o palácio dos Sovietes,

Fonte: Jean-Louis Cohen. Retro-grad ou les impasses du réalisme« socialiste » en URSS In: Jean-Louis Cohen (org.), Années :

l'architecture et les arts de l'espace entre industrie et nostalgie. Paris:Éditions du Patrimoine, ,

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Figura Lucio Costa, Oscar Niemeyer e outros. Ministério da Educação e

Saúde, Rio de Janeiro, -

Fonte: Curtis, Modern architecture, op. cit., figura

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Figura Brinkman, van der Vlugt e Stam. Fábrica Van Nelle, Rotterdã,

-

Fonte: Curtis, Modern architecture, op. cit., figura

Figura J.J.P. Oud. Casa da Shell, Haia, -

Fonte: Borsi, L'ordre monumental, op. cit,

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Figura Michael Thonet. Cadeira n.º ,

Fonte: Artigianapoli . Napoli:. Disponível em <http://www.artigianapoli.com/nuova_pagina_%design.htm>. Acesso em

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Figura Marcel Breuer. Cadeira “Wassily”,

Fonte: Curtis, Modern architecture, op. cit., figura

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Figura Giuseppe Terragni e outros. Projeto para o Palazzo Littorio, Roma,

Fonte: Talamona, Modernité et fascisme : illusions croisées, op. cit,

Figura Boris Iofan. Projeto para o palácio dos Sovietes,

Fonte: Cohen, Retro-grad ou les impasses du réalisme « socialiste » enURSS, op. cit,

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Figura Exemplo de níveis de escala

Fonte: Bentley et al., Responsive environments: A manual for designers,op. cit,

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Figura Marcello Piacentini. Entrada principal da Cidade Universitária,

Roma,

Fonte: Borsi, L'ordre monumental, op. cit,

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Figura Bertram Grosvenor Goodhue. Projeto para o memorial da Primeira

Guerra de Kansas City,

Fonte: Eugene Clute. Drafting Room Practice. New York: Pencil PointsPress, ,

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Figura Albert Speer. Volkshalle, Berlim,

Maquete realizada em comparando as dimensões da Porta deBrandemburgo, do Reichstag e da Volkshalle

Fonte: Hartmut Frank. Les métamorphoses de l’architecture modernedans l’Allemagne nazie In: Jean-Louis Cohen (org.), Les années :l'architecture et les arts de l'espace entre industrie et nostalgie. Paris:

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Figura Auguste Perret. Garde-meuble du Mobilier national, Paris,

Fonte: Borsi, L'ordre monumental, op. cit,

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Figura Le Corbusier. Projeto para os museus da cidade e do Estado, Paris,

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Conclusão

Em janeiro de 1972, a revista britânica The Architect acusava na sua capa (Figura 58) a

incapacidade dos arquitetos modernos para compor uma fachada dotada de um mínimo de

urbanidade. No início dos anos 70, uma década depois da publicação dos polêmicos, e hoje

clássicos, Townscape de Gordon Cullen e The Death and Life of Great American Cities de Jane

Jacobs (ambos de 1961), seis anos depois de Robert Venturi lançar Complexity and Contradiction in

Architecture (1966), e não menos de duas décadas após o ciam intitulado Heart of the City, a

paisagem urbana aparentemente continuava sendo maltratada pelas intervenções arquitetônicas

denunciadas direta ou indiretamente nesses trabalhos.

Na presente pesquisa foram estudados marcos teóricos e edificados relacionados à

transição entre uma visão tradicional da cidade e da arquitetura cívica e a visão vanguardista, anos

antes da infeliz situação retratada acima. Até o início do século xx, predominava um senso de

continuidade com os precedentes teóricos estabelecidos por Quatremère de Quincy no início do

século xix, precedentes reafirmados e atualizados por Julien Guadet no seu livro didático

publicado em 1901. Nas décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial, essa tradição coexistiu

com a ascensão do Movimento Moderno. Viu-se que alguns dos mais importantes teóricos do

Movimento Moderno, apesar de proporem uma transformação urbana em maior ou menor escala

e rejeitarem a linguagem arquitetônica do ecletismo acadêmico, não eram avessos aos métodos de

composição característicos da mesma.

A teoria da composição acadêmica foi ostensivamente criticada mas não imediatamente

eliminada pelos arquitetos do Movimento Moderno. A geração atuante nas décadas de 1920 e 1930

adotou, senão a estética clássica da tradição renascentista, ao menos a importante distinção entre

Cullen, Townscape, op. cit.; Jane Jacobs. The death and life of great American cities. New York: RandomHouse, 1961 ; e Robert Venturi. Complexity and Contradiction in Architecture. New York: Museum ofModern Art, 1966 .

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requisitos verbais e composição geométrica, e em certa medida também respeitou aquela entre a

arquitetura cívica e a trivial. O edifício cívico, tal como concebido no sistema universalizante da

arquitetura acadêmica, compartilha das mesmas regras fundamentais aplicáveis à arquitetura

trivial, mas diferencia-se dela por meio de um sutil gradiente de distinções formais. Em primeiro

lugar, considera-se o propósito político da arquitetura, deixando em segundo plano as analogias

mais diretas entre elementos do programa de necessidades e elementos da forma física. Com isso,

os edifícios podem representar e servir os propósitos da sociedade democrática e liberal, com a

mesma facilidade com que anteriormente serviam a regimes absolutistas. Em conseqüência, o

edifício cívico se torna um signo de uma linguagem formal inteligível ao observador leigo, e se

diferencia claramente da arquitetura trivial. Essa linguagem, por sua vez, se desdobra em métodos

de composição, técnicas de projeto que permitem ao arquiteto organizar desde as massas

edificadas até os detalhes da decoração aplicada.

Evitando repetições excessivas e de conhecimento geral a respeito das diferenças entre o

método acadêmico e o Movimento Moderno, enfatizou-se ao contrário os pontos de

convergência, a importância dada por um e outro método ao propósito político da arquitetura, e

principalmente as semelhanças nas prescrições de importantes teóricos dos dois lados a respeito da

composição arquitetônica. Se a teoria do Movimento Moderno não dá muita atenção à

arquitetura cívica, as técnicas de composição pertencentes ao método acadêmico são utilizadas, e

por vezes reafirmadas no discurso por modernistas como Saarinen, Piacentini, Le Corbusier e

Walter Gropius. Composições de massas edificadas e até mesmo o uso de elementos ornamentais

se fazem presentes, repudiando a alcunha restritiva de “projeto funcionalista” e conferindo uma

certa legibilidade e distinção aos monumentos cívicos produzidos pelo Movimento Moderno no

período entre guerras. E, ainda que a parataxis clássica, a sucessão de edifícios-microcosmos

ordenados internamente e entre si, não apela à sensibilidade modernista, isso não quer dizer que

esta renegue o estudo das proporções, das escalas e da necessidade de ordem inerentes à leitura do

edifício no âmbito da vida urbana.

A importância da composição formal, degradada no pós-guerra a um exercício de

originalidade egotista, mostra nas diversas teorias da arquitetura da primeira metade do século xx

Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão

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uma vitalidade polêmica e criativa. O que não existe na prática da composição arquitetônica, ao

contrário da acusação proferida pelos modernistas, é um receituário restritivo que forneça soluções

prontas aos problemas de projeto. Algum modelo teórico e pedagógico deve existir para permitir a

aplicação e a transmissão de conhecimentos técnicos e artísticos. Mas, como faz questão de

lembrar Julien Guadet em diversos trechos do seu livro, acima de todos os preceitos metódicos

deve-se valorizar o bom-senso e a liberdade artística condicionada por uma atitude sincera para

com os condicionantes materiais, sociais e políticos da produção arquitetônica. Essa atitude

teórica de mesclar a liberdade criativa com um senso de disciplina bastante desenvolvido, aplicável

tanto aos estilos tradicionais quanto à estética modernista, foi interrompida com o advento da

segunda geração de arquitetos do Movimento Moderno no pós-guerra.

Pouca coisa parece ter mudado em anos recentes. Se em diversas revistas de arquitetura

voltadas para a prática profissional tudo parece ir muito bem no melhor dos mundos, pelo menos

para aqueles escritórios que protagonizam as matérias das mesmas, o ambiente da crítica continua

perplexo. Num número recente de L'architecture d'aujourd'hui dedicado ao tema do “senso

comum” , diversos arquitetos e teóricos desferem ininterruptas acusações contra o estado da

cidade contemporânea, e mais ainda contra todas as tentativas já empreendidas para remediá-lo.

As diversas propostas levantadas desde a década de 1950 oscilam entre a proclamação do fim da

modernidade e a denúncia da deturpação do ideal modernista honesto e verdadeiro. Os

partidários deste extremo insistem que, dada mais uma chance de se demonstrar a validade de

uma abordagem vanguardista, todos os problemas das anteriores soluções “comprometidas” serão

resolvidos; os radicais do extremo oposto imputam ao Movimento Moderno todos os males da

cidade do pós-guerra. Entre ambos os extremos, a realidade da prática arquitetônica se acomoda

com um misto de soluções empíricas e especulações teóricas, sobre o qual pode-se dizer que há

tantas variedades quanto arquitetos no mercado. O senso de um propósito comum, parte

essencial tanto ao método acadêmico quanto ao Movimento Moderno, ficou injustamente

desacreditado pela legítima reação contra os totalitarismos ideológicos do século xx, apesar de que

o monopólio ideológico do Movimento Moderno continuava a se firmar por meio do artifício da

L'architecture d'aujourd'hui 362, 2006 .

Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão

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autocrítica controlada. Como conseqüência, a esfera cívica da cidade democrática foi escamoteada

sob o pretexto de pluralismo, e o interesse cívico passou a ser definido como nada além da soma

dos direitos dos indivíduos.

A principal causa de consternação perante esse estado da arquitetura, e uma das razões que

sustentam o argumento da “deturpação dos ideais modernos”, é a constante degradação, desde

1945, da relação entre os grandes monumentos da arquitetura cívica e a malha urbana trivial. Mas,

por mais tentadora que seja a justificativa da prosperidade capitalista para o declínio da

arquitetura cívica, existem também motivos internos à prática arquitetônica.

Erik Gunnar Asplund faleceu em 1940, Giuseppe Terragni em 1943, Edwin Lutyens em

1944. Louis-Hippolyte Boileau, um dos arquitetos do Palais Chaillot, morreu em 1948, Eliel

Saarinen em 1950, Auguste Perret em 1954. Após a Segunda Guerra, arquitetos do Heimatstil

alemão como Schweizer e Poelzig assumiram personae calcadas nos estereótipos do Movimento

Moderno. Marcello Piacentini e Adalberto Libera tiveram seu prestígio reduzido depois de 1945,

assim como Henry van de Velde e Wilem Dudok.

Todos esses arquitetos haviam recebido uma formação seja nos moldes da École des

Beaux-Arts, seja segundo outros procedimentos tradicionais. Já a geração seguinte de arquitetos,

que atuou no pós-guerra, foi formada em sua maioria por instituições que haviam adotado, em

parte ou no todo, princípios didáticos da Bauhaus, ou ao menos o referencial teórico promovido

pelo discurso do Movimento Moderno. Le Corbusier e Mies van der Rohe tornaram-se os

arquitetos mais influentes do seu tempo, cada qual com suas idiossincrasias imitadas por

discípulos empolgados. E, como gosta de lembrar Thomas Schumacher em suas aulas e palestras,

aqueles mestres da primeira geração modernista legara às gerações seguintes tudo o que hoje nós

sabemos sobre a prática do projeto, mas não nos ensinaram tudo o que eles sabiam.

Os antecedentes Beaux-Arts que Frampton deplora foram, na verdade, essenciais para que

fosse possível conciliar uma estética vanguardista com o respeito ao decoro urbano característico

da arquitetura cívica. Foram esses antecedentes, elencados nos capítulos anteriores juntamente

com diversas semelhanças e contrapartidas presentes na teoria e na prática da arquitetura

modernista das décadas de 1920 e 1930, que permitiram a interação frutífera entre os diversos

Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão

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movimentos e estilos arquitetônicos no período entre guerras, sempre pautada pelo respeito à

malha urbana, senão no discurso, pelo menos na prática até mesmo do autor da Ville Radieuse.

Os exemplos mencionados ao longo desse trabalho já são bastante eloqüentes, e mostram como a

preocupação do arquiteto em conciliar os requisitos materiais do projeto com uma visão

abrangente da composição chegou a produzir algumas das mais notáveis obras da arquitetura do

século xx.

Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão

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Figura Capa do The Architect, janeiro de

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