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ENSINO DE LÍNGUAS E LITERATURAS: QUESTÕES DA
CONTEMPORANEIDADE
Aluizio Lendl
Cássia da Silva
José Veranildo Lopes da Costa Junior
Organizadores
Copyright© dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte da obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos dos autores. O conteúdo dos textos apresentados é de inteira responsabilidade dos seus respectivos autores.
Aluizio Lendl; Cássia da Silva; José Veranildo Lopes da Costa Junior [Org.]. Rio de Janeiro:
Oficina da Leitura, 2018. 238 p.
ENSINO DE LÍNGUAS E LITERATURAS: QUESTÕES DA CONTEMPORANEIDADE
ISBN: 978-85-66224-17-7
1. Estudos da Linguagem. 2. Linguística Aplicada. 3. Leitura de textos Literários. 4. Autores. I. Título.
CDD 410
Capa: Mateus Sarmento (URCA)
Conselho Avaliativo
Prof. Dr. Antônio Luciano Pontes (UECE/Brasil)
Prof. Dr. Antônio Suarez Abreu (USP/Brasil)
Profa. Dra. Brenda Carlos de Andrade (UFRPE/Brasil)
Profa. Dra. Eneida Maria Gurgel de Araújo (UEPB/Brasil)
Prof. Dr. Fernando Zolin Vezs (UFMT/Brasil)
Prof. Dr. Marco Antônio Margarido Costa (UFCG/Brasil)
Profa. Dra. Isis Milreu (UFCG/Brasil)
Prof. Dr. Paulo Vinícius Ávila Nóbrega (UEPB/Brasil)
Profa. Dra. Sinara de Oliveira Branco (UFCG/Brasil)
Prof. Dr. Wanderlan Alves (UEPB/Brasil)
Prof. Dr. Wellington Ricardo Fioruci (UTFPA/Brasil)
Sumário
PREFÁCIO ...............................................................................................................................7
Profa. Dra. Maria Edileuza da Costa
Docente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte
POLÍTICAS DA RESISTÊNCIA: apresentação ..............................................................10
Aluizio Lendl
Cássia da Silva
José Veranildo Lopes da Costa Junior
CAPÍTULO I ..........................................................................................................................13
ENSINANDO MULTIMODALIDADE: NOTAS SOBRE A CONCORRÊNCIA
IDEACIONAL
Aluizio Lendl
CAPÍTULO II ........................................................................................................................22
REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO CANÇÃO NA AULA DE ESPANHOL COMO
LÍNGUA ADICIONAL: UNIDADES DIDÁTICAS INTERCULTURAIS
Antonio Ferreira da Silva Junior
Renata Martuchelli Tavela
CAPÍTULO III ......................................................................................................................36
LITERATURA NA ESCOLA: DA SEQUÊNCIA BÁSICA À IDENTIFICAÇÃO COM
O LEITOR LITERÁRIO
Cássia da Silva
Maria Lúcia Pessoa Sampaio
CAPÍTULO IV .......................................................................................................................50
LIVROS, VÍDEOS, MEMES, LINKS À MANCHEIA: POR UMA PEDAGOGIA DO
DISCURSO E DAS MULTIMODALIDADES
Cláudia Rejanne Pinheiro
José Marcos Ernesto Santana de França
CAPÍTULO V ........................................................................................................................68
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES PARA A (RE)SIGNIFICAÇÃO E
(RE)CONSTRUÇÃO DE CRENÇAS DO E NO COMPLEXO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ADICIONAIS
Fábio Marques de Souza
CAPÍTULO VI .......................................................................................................................79
PLANOS DE CURSO DE LETRAS: UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES DE
ENSINO DA ESCRITA DE GÊNEROS ACADÊMICOS
Hermano Aroldo Gois Oliveira
Francisco Vieira da Silva
CAPÍTULO VII .....................................................................................................................98
CONTRATAMOS PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE A (DES)VALORIZAÇÃO
DOCENTE EM ESCOLAS PRIVADAS DE IDIOMAS
José Veranildo Lopes da Costa Junior
CAPÍTULO VIII .................................................................................................................108
TIC‘S E LITERATURA: INOVAÇÕES E DESAFIOS PARA O ENSINO NA ERA
DIGITAL
Juliana Prestes de Oliveira
Amanda L. Jacobsen de Oliveira
Anselmo Peres Alós
CAPÍTULO IX .....................................................................................................................122
ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E INCLUSÃO SOCIAL: DESAFIOS PARA A
FORMAÇÃO DOCENTE
Karyne Soares Duarte Silveira
Márcia Ozinete de Alcântara Pinho Borborema
CAPÍTULO X ......................................................................................................................139
SOBRE IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES DE FRANCÊS
COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA EM FORMAÇÃO INICIAL
Lino Dias Correia Neto
Josilene Pinheiro-Mariz
CAPÍTULO XI .....................................................................................................................155
O GÊNERO RESUMO EM DISTINTAS ÁREAS ACADÊMICAS
Nícollas Oliveira Abreu
Jorge Tércio Soares Pacheco
CAPÍTULO XII ...................................................................................................................173
A DIMENSÃO CULTURAL NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM LETRAS
Raimundo Expedito dos Santos Sousa
Magda Velloso Fernandes de Tolentino
CAPÍTULO XIII .................................................................................................................187
A LEITURA LITERÁRIA COMO RETORNO A SI: ANÁLISE DA RECEPÇÃO DE
MORENO (2003) DE BRINA SVIT EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA (FLE)
Rosiane Xypas
CAPÍTULO XIV ..................................................................................................................202
O USO DO GÊNERO TEXTUAL TIRINHA COMO INCENTIVO À PRÁTICA DE
LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR
Zuleide Fernandes de Queiroz
Josilene Marcelino Ferreira
POSFÁCIO ...........................................................................................................................213
Prof. Dr. André Rezende Benatti
Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
7
PREFÁCIO
Com muita exultação aceitei o convite dos jovens pesquisadores Aluizio Lendl,
Cássia da Silva e José Veranildo Lopes da Costa Junior para prefaciar o livro Ensino de
línguas e literaturas: questões da contemporaneidade. Faço-o com imenso prazer, não
só pela relevância do tema, mas também pelo respeito e admiração que nutro pelos
organizadores - doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. A missão é desafiadora, mas a grandeza do
tema encoraja-me a cumprir com alegria e responsabilidade a missão que me foi
confiada.
O livro Ensino de línguas e literatura: questões da contemporaneidade vai além
de uma simples exposição de problemas relacionados ao ensino de língua e literatura.
Sua leitura não se restringe a discutir perspectivas da contemporaneidade nestes campos
do ensino, mas aborda aspectos relevantes relacionados a essa temática. São XV
capítulos recheados de experiências, saberes, projetos e lutas que nos proporciona uma
viagem recheada de conhecimentos.
Essa viagem se inicia no primeiro capítulo, intitulado de ―Ensinando
multimodalidade: notas sobre a concorrência ideacional‖, em que Aluizio Lendl explora
os elementos fundamentais para a compreensão do gênero meme e de uma poesia
concreta. O texto nos oferece como espaço de discussão a metalinguagem para o ensino
da multimodalidade; uma leitura agradável que comunga com a reflexão relevante
acerca do gênero meme e a elaboração de unidades didáticas de cunho intercultural, no
segundo capítulo: ―Reflexões sobre o gênero canção na aula de espanhol como língua
adicional: unidades didáticas interculturais‖, escrito pelos pesquisadores Antonio
Ferreira da Silva Júnior e Renata Martuchelli Tavela.
Continuando a viagem, desembocamos no terceiro capítulo, ―Literatura na
escola: da sequência básica à identificação com o literário‖, das pesquisadoras Cássia da
Silva e Maria Lúcia Pessoa Sampaio. Redigido em linguagem simples e objetiva, o
texto traz uma bela reflexão sobre o papel do professor de Língua Portuguesa e do
trabalho com o letramento literário, mostrando os desafios de proporcionar, através da
prática social da leitura, o contato com obras literárias. Nesse mesmo sentido, Cláudia
Rejanne Pinheiro e José Marcos Ernesto Santana de França, refletem no capítulo
seguinte, intitulado de ―Livros, vídeos, memes, links à mancheia: por uma pedagogia do
8
discurso e das multimodalidades‖, defendendo que a cultura não é só ―letrada‖, no
sentido etimológico, como ―letra‖, como escrita.
Em seguida, a leitura nos leva a refletir sobre a mudança nas crenças de
aprendizes/professores de língua adicional, com Fábio Marques de Souza, no capítulo
―Potencialidades e limitações para a (re)significação e (re)construção de crenças do e no
complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas adicionais‖. Esse texto reforça a
tese de que a experiência com o cinema pode contribuir significativamente na formação
inicial de professores de espanhol como língua-adicional.
Dentro dessa perspectiva, encontramos uma rica investigação sobre as
concepções de ensino de gêneros acadêmicos sugeridas em planos de curso de
disciplinas, através do texto de Hermano Aroldo Gois Oliveira e Francisco Vieira da
Silva que compõe o capítulo ―Planos de curso de letras: um estudo das concepções de
ensino da escrita de gêneros acadêmicos‖. Em seguida, entram em cena, Juliana Prestes
de Oliveira, Amanda L. Jacobsen de Oliveira e Anselmo Peres Alós, com uma reflexão
acerca da necessidade de o docente buscar se informar e aprender sobre e como utilizar
as TIC‘s como ferramenta para melhorar os processos de aprendizagem, no capítulo
―TIC‘s e literatura: inovações e desafios para o ensino na era digital‖.
Seguindo esse mesmo raciocínio e apresentando uma reflexão sobre formação de
professores de línguas estrangeiras, José Veranildo Lopes da Costa Junior, traz o
capítulo ―Contratamos professores: reflexões sobre a (des)valorização docente em
escolas privadas de idiomas‖, em que reflete acerca da valorização e da profissão
docente, bem como da profissionalização dos professores de idiomas estrangeiros. De
fato, o reconhecimento dos desafios inerentes aos contextos de formação docente em
língua inglesa voltados à educação inclusiva é tratado por Karyne Soares Duarte
Silveira e Márcia Ozinete de Alcântara Pinho Borborema no capítulo ―Ensino de língua
inglesa e inclusão social: desafios para a formação docente‖. Ainda mais, alguns
elementos que trazem à tona a necessidade de se discutir sobre a interculturalidade no
ensino de LE, direcionando o foco para as representações interculturais é tratado por
Lino Dias Correia Neto e Josilene Pinheiro-Mariz em: ―Sobre imaginário e
representações de professores de francês como língua estrangeira em formação inicial‖.
Claro que a leitura ainda nos proporciona a experiência do capítulo ―O gênero
resumo em distintas áreas acadêmicas‖, de Nícollas Oliveira Abreu e Jorge Tércio
Soares Pacheco, em que os pesquisadores discutem a importância de compreender esse
gênero e as influências culturais sofridas em sua configuração textual. Assim, o capítulo
9
denominado ―A dimensão cultural no ensino-aprendizagem de língua estrangeira em
cursos de graduação em letras‖ dos autores Raimundo Expedito dos Santos Sousa e
Magda Velloso Fernandes de Tolentino, reflete sobre a relevância de se considerar a
dimensão cultural da linguagem no ensino-aprendizagem de língua estrangeira em
cursos de graduação em Letras. Uma vez que tais cursos visam formar professores com
habilidade para lecionar conteúdos linguísticos, independentemente do idioma escolhido
pelo licenciando, há que se oferecer uma concepção de linguagem não apenas como
sistema de regras, mas também como prática social.
No capítulo seguinte, ―A leitura literária como retorno a si: análise da recepção
de moreno (2003) de Brina Svit em francês língua estrangeira (FLE)‖ de Rosiane Xypas
aponta a leitura subjetiva como trunfo no desenvolvimento da formação literária do
estudante de francês como língua estrangeira.
Nos momentos finais da nossa viagem por este livro, Zuleide Fernandes de
Queiroz e Josilene Marcelino Ferreira nos contemplam com ―O uso do gênero textual
tirinha como incentivo à prática de leitura no ambiente escolar‖, afirmando que para
despertar a prática da leitura nos alunos de forma crítica, é preciso utilizar textos que
façam parte do contexto social dos educandos; é o caso do gênero tirinha, que trabalha
com temas contextualizados, utilizando uma linguagem próxima ao cotidiano dos seus
leitores.
Resta-nos, por fim, parabenizar os organizadores e os autores, e estender aos
leitores o convite a conhecer tão importante trabalho.
Profa. Dra. Maria Edileuza da Costa
Docente Adjunta IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UERN)
10
POLÍTICAS DA RESISTÊNCIA: apresentação
Em seu tão conhecido O que é o contemporâneo e outros ensaios, Giorgio
Agamben (2009, p. 62) argumenta que ―contemporâneo é aquele que mantém fixo o
olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro‖. Buscando, então,
interpretar o sombrio momento político que presenciamos no Brasil de hoje,
acreditamos que não podemos passar apáticos às especificidades deste contexto sócio-
político o qual estamos inseridos. Por esse viés, com Paulo Freire aprendemos que
educar é, em essência, um ato político e, por esta razão, informamos ao nosso leitor que
decidimos iniciar a apresentação deste livro com algumas palavras de teor político.
Resistir. Conservar-se firme. Não sucumbir. Não ceder. Vários são os
significados para o verbo resistir, o qual, possivelmente, tornou-se uma das palavras
mais recorrentes desde as manifestações de junho de 2013 que culminaram com o Golpe
de 2016. A partir disto, nos deparamos com uma agenda política voltada para o
neoliberalismo, para a formação de um estado menos e para a precarização e desmonte
dos serviços públicos.
Queremos reiterar, ainda, a nossa militância por uma escola pública, de
qualidade e para todos, além de partilharmos das palavras de Denise Lino de Araújo
(2012, p. 724)1 para quem um ―projeto de nação tem na formação docente e na
formação de jovens a sua alavanca de sustentação‖. Outrossim, caberia perguntar: Qual
o projeto de nação que estamos construindo no Brasil de hoje, com a reforma do ensino
médio, com o congelamento dos investimentos em educação e com a construção de um
currículo mínimo, que tira do ensino médio disciplinas do pensamento crítico, como a
Filosofia, a História, a Sociologia e o Espanhol?
Consoante, é preciso também resistir ao estrangulamento da ciência, da
educação superior e da pesquisa nos Programas de Pós-Graduação do nosso país. Entre
inúmeros cortes e congelamentos, a pesquisa nacional tenta sobreviver a uma política de
precarização e de sucateamento.
Neste horizonte, o primeiro ponto que queremos enfatizar é que este livro é
organizado por três alunos do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – campus Pau dos Ferros.
1 Conferência de abertura do Colóquio Nacional 15 de Outubro, realizada na Universidade Federal de
Campina Grande, em 2012. O texto completo pode ser acessado nos arquivos da Revista Letras Raras.
11
Aqui, a nossa resistência tem um significado ainda mais duro: não é nada agradável
elaborar uma tese de doutoramento sem apoio financeiro dos órgãos de fomento.
O segundo ponto que sintetiza a nossa resistência diz respeito ao lugar em que
este livro foi organizado. A UERN tem formado mestres e doutores no interior do Rio
Grande do Norte e, mesmo sabendo da importância da interiorização do ensino superior
para o desenvolvimento do estado, o que presenciamos nestes 40 anos de nossa
instituição é o descaso com a educação pública e de qualidade. Para citar um exemplo,
ainda não conseguimos a autonomia financeira, o que significa dizer que a nossa
Universidade sobrevive de acordo com o bom humor de quem governa este estado.
E é necessário fazer um registro: cobramos respeito. Por mais de vinte meses
consecutivos os professores e técnicos da nossa instituição tiveram atrasos em seus
vencimentos. Infelizmente, este contexto não atingiu unicamente a UERN. Externamos
a nossa solidariedade aos professores de todo o Brasil, da nossa instituição, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e de tantas outras cidades e estados.
Presenciamos também o episódio em que os professores da UERN e os
servidores da saúde tentaram dialogar com o governo do Estado e foram recebidos pela
Polícia Militar do Rio Grande do Norte com spray de pimenta e bombas de gás moral.
Muitos desses policiais, alunos e ex-alunos da UERN. Mas, a violência
institucionalizada contra os servidores não se limitou ao nosso estado. Os professores do
Paraná também apanharam, assim como os docentes do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Nós estamos com vocês! Nós somos vocês!
Por último, é urgente reagir a um discurso manipulador de privatização do
ensino superior e da educação básica no Brasil. Não compactuamos com um projeto de
educação como mercadoria e lutaremos incansavelmente por uma universidade pública,
democrática, de fácil acesso, de qualidade e para todos.
Contrariando, assim, um discurso de que a educação pública não é eficiente,
apresentamos o livro Ensino de línguas e literatura: questões da contemporaneidade,
resultante do nosso diálogo com pesquisadores e professores de outras instituições de
ensino superior e da educação básica. O referido livro é composto por 14 capítulos, cuja
autoria é oriunda de instituições como a UERN, a UFCG, a UFMG, o CEFET/RJ, a
URCA, a SEDUC/RJ, a UEPB, a UFERSA, a UFSM, a UFPB, a UFPE e a UECE. Sem
a disponibilidade e o desejo de compartilhar conhecimento dos nossos autores, este livro
não seria possível.
12
Ressaltamos, ainda, os nossos agradecimentos à Profa. Dra. Maria Edileuza da
Costa, docente e coordenadora do PPGL/UERN pela escrita do Prefácio, bem como nos
sentimos honrados pelo Posfácio que finaliza este livro, de autoria do Prof. Dr. André
Rezende Benatti, da Universidade do Estado de Mato Grosso do Sul. Gratidão!
Aproximando-nos das palavras finais desta apresentação, enfatizamos que os
capítulos que compõem este livro versam sobre questões de ensino de línguas (materna,
adicionais e estrangeiras) e de literatura, além de ilustrar o compromisso de cada
autora/autor com uma educação de qualidade e para todos – ou nas palavras de
Agamben (2009, p. 65) os textos aqui apresentados também possibilitam ―perceber no
escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo, isso significa
ser contemporâneo‖. Por fim, desejamos a todos uma excelente e proveitosa leitura de
cada capítulo que compõe esta obra e como cantou o poeta:
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão...
Eu passarinho!2
Pau dos Ferros – RN, Abril de 2018.
Aluizio Lendl
Cássia da Silva
José Veranildo Lopes da Costa Junior
Os organizadores!
2 Poeminha do contra, de Mario Quintana.
13
CAPÍTULO I
ENSINANDO MULTIMODALIDADE: NOTAS SOBRE A CONCORRÊNCIA
IDEACIONAL
Aluizio LENDL
Introdução
Tem se tornado cada vez mais urgente a necessidade de práticas de ensino que
busquem desencapsular o currículo escolar. No ensino de línguas, especificamente, o
cenário que se destaca é o do direcionamento para o texto verbal, com atividades de
leitura e escrita que priorizam uma única semiose. Uma variedade de gêneros de textos
que emergem com composições diversas, explorando recursos de som, vídeo e imagem,
um complexo sistema de mídias discretas, isto é, mídias estáticas, como gráficos, textos
e imagens, e mídias contínuas, ou seja, que dependem do tempo, como vídeo e som.
Tendo consciência da emergência dessa multiplicidade de gêneros, neste
capítulo, nosso foco são as mídias estáticas. Uma poesia concreta e, em sua maioria, o
gênero ―MEME‖, que é construído a partir de expressões semióticas que ganham
repercussão midiática e buscam construir ideias ou conceitos cômicos, críticos ou com
qualquer finalidade de intervenção no contexto social.
No que diz respeito às pesquisas (HORTA, 2015; ARRUDA; LANDGRAF-
VALERIO, 2016; SILVA; PATRÍCIO, 2017) que envolvem o meme, já é possível
perceber uma grande variedade de abordagens com esse objeto de estudo, entretanto
elas evidenciam uma metalinguagem pouco harmônica entre si. No ensino de línguas
isso não parece ser diferente, muitas são as linguagens usadas para ensinar a analisar e
descrever o meme. Desse modo, há necessidade de uma metalinguagem para o ensino
de textos que inter-relacionem imagem-texto, com uma linguagem que possa ser
específica para o ensino da multimodalidade.
Nesse sentido, esse texto se oferece como espaço de discussão sobre a
metalinguagem para o ensino do meme. Buscamos a partir da concorrência ideacional
(UNSWORTH, 2006) uma opção para a compreensão dos sentidos que emergem da
composição do gênero. A concorrência ideacional é uma abordagem que se filia a
Linguística Sistêmica Funcional, que busca compreender a linguagem como um sistema
de comunicação humana.
14
Esse conceito foi construído a partir da crença de que o texto é
multidimensional, organizado a partir de três metafunções: ideacional, interpessoal e
textual. A concorrência ideacional se desenvolve a partir da metafunção ideacional, que
percebe que os significados são construídos a partir das nossas experiências no mundo,
sejam elas interiores e exteriores. Isto é, o texto é resultado de um sistema que entende
todo o seu sistema de significados, ele ―é qualquer instância da linguagem, em qualquer
meio, que faz sentido a alguém que conhece a linguagem‖ (HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004: 3).
A multimodalidade, portanto, é a teoria que assimila essas linguagens, os
múltiplos modos de representar semioses, que busca criar critérios para análises que
combinam vários sistemas de signos e que ―juntamente com as formas particulares em
que estes modos são combinados, possa, por exemplo, reforçar-se mutuamente,
preencher papéis complementares ou ser hierarquicamente ordenados‖ (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006: 20).
Isso posto, para o estudo da metalinguagem, especificamente, a categoria
multimodal que inclui a concorrência ideacional, coletamos exemplares de memes
disponíveis nas redes sociais e uma poesia concreta. Buscamos descrever a interação
intersemiótica, afim de que ela figure como subsídio para professores e alunos nos
processos de leitura e produção de textos.
Rumo a uma metalinguagem para o ensino da multimodalidade
As múltiplas modalidades, dentre as quais citamos a música, o cinema, os
games, os recursos digitais diversos, contribuem para a construção de sentidos e são
elementos essências para os estudos dos multiletramentos. A relação imagem-texto,
enquanto forma de comunicação multimodal, também aparece como nicho que envolve
a negociação de sentido que são (des) (re) construídos a partir das experiências na vida
pessoal, social, política e profissional dos sujeitos.
Com base nisso, o New London Group (1996) salientou sobre a necessidade de
uma metalinguagem para descrever os significados das relações textuais, visuais e
multimodais. No que lhe diz respeito, Unsworth (2006) fornece uma descrição teórica
da dinâmica da interação entre linguagem e imagem na elaboração de significados. Para
o autor, em termos de significado ideacional, essa interação pode ser caracterizada como
concordância ideacional, complementaridade ou conexão.
15
Para os efeitos deste capítulo, optamos em explorar a concorrência ideacional.
Deste modo, Unsworth (2006; 2008) explica que a concorrência se refere à equivalência
ideacional entre imagem e texto, tendo sido operacionalizado à medida em que a relação
imagem e texto possuíam configurações equivalentes. Nessa perspectiva, Unsworth
delimita a concorrência ideacional em quatro subcategorias:
Diagrama 01: Concorrência ideacional
Fonte: Adaptado de Unsworth (2006)
O esquema apresentado sintetiza que a concorrência ideacional pode variar em
quatro categorias. A primeira é a redundância, esta categoria implica na duplicação
entre os modos. Não se trata de uma simples repetição semiótica em excesso, mas sobre
situações em que as informações disponíveis nos modos promovem conjuntamente
sentido. Esse grau de redundância é variável em detrimento das combinações o dos
contextos em que a multimodalidade é apresentada. A Imagem 01 mostra um exemplo
de redundância.
Concorrência
Redundância
Exposição
Instanciação
homoespacialidade
de
Imagem instancia o texto
Texto instancia a imagem
16
Fonte: adaptado de leninja.com.br
A composição da imagem permite evidenciar a existência de um tema, indicado
a partir do sintagma *banho. Por sua vez, há representação da face do meme
(facememe) e os outros componentes responsáveis por integrar sentido ao meme, o
chuveiro e o basculante. A redundância, portanto, centra-se exatamente na relação
construída entre imagem-texto. Isto é, o chuveiro está soltando água no facememe,
representando banho, enquanto o texto verbal se oferece como equivalente à ação.
A exposição, segunda subcategoria, é uma composição que aqui consideramos
sinônima da redundância. Ela é levantada para explicar que a imagem expõe exatamente
a mesma representação da informação do texto verbal, isso significa dizer que,
conforme Unsworth (2006), estão no mesmo nível de generalidade.
Imagem 02: facememe LOL
Fonte: weknowmemes.com
Imagem 01: redundância em meme
17
A imagem 02 apresentou o facememe com a abreviação de laughing out loud ou
lots of laughs (LOL), que em português seria o equivalente a rindo muito alto, rolando
de rir. Nesse sentido, a exposição entenderia que a imagem e o texto estariam em um
mesmo nível de generalidade, cuja imagem é tão geral quanto o texto. A imagem expõe
a informação construída verbalmente. Entretanto consideramos que a exposição é uma
forma de redundância, já que as representações verbos-visuais possuem equivalência
significativa.
Por outro lado, a imagem pode servir-se de instância para o texto ou este, por sua
vez, pode ser usado como instância para a imagem, essa categoria pode ser chamada de
instanciação. Para Unsworth (2006; 2008), nos casos em que a imagem instancia o
texto, as unidades linguísticas transmitem a natureza da atividade, enquanto a imagem
indica uma instância, ampliando o significado do texto verbal.
Imagem 03: imagem instancia texto
Fonte: brasil.elpais.com
O meme anteriormente exposto apresenta um modelo no qual a imagem fornece
significados adicionais ao texto. No texto verbal, dois destaques são apresentados. O
primeiro ―Michel Temer vai cair‖ e o segundo ―Rodrigo Maia assume no lugar‖, ou
seja, Michel Temer será retirado da presidência da república e Rodrigo Maia, atual
presidente Câmara dos Deputados Federais, tornar-se-ia presidente no lugar de Temer.
18
São duas informações socialmente divulgadas pela grande mídia brasileira sobre a
situação política do país no ano de 2017. Tratam-se de dados noticiários comuns, se não
fosse a representação construída a partir da imagem a qual foi relacionada. A imagem,
portanto, corresponde a capa de um álbum de músicas de 1966 do cantor Chico
Buarque, cujas posições políticas, socialmente conhecidas, legitimam o
descontentamento da situação presidencial do Brasil.
A concorrência por instanciação na qual a imagem fornece instância para o texto
é evidenciada na imagem 03. Podemos observar que as informações só produzem os
efeitos de sentido pretendido pelo produtor do meme, a partir do redesign de
informações disponíveis. Desse modo, a imagem do cantor ora alegue ora triste serve de
instância para informação verbal, oferecendo significados novos para o texto. A imagem
como instância do texto age como elemento adicional de sentidos, responsável por gerar
significados particularizados para a versão verbal.
A linguagem verbal, por sua vez, pode aparecer como elemento que instancia a
imagem, isto é, como mecanismo responsável por completar o sentido do texto
imagético. O caso no qual o texto instancia a imagem, Unsworth (2006; 2008) explicou
que enquanto a imagem transmite a natureza da atividade, as unidades linguísticas
ampliam o significado da imagem.
Imagem 04: Texto instancia imagem
Fonte: twitter.com
19
Na imagem 04 uma face aparece distribuída nos quatro ângulos do close, refere-
se a Nazaré Tedesco, personagem da uma telenovela brasileira transmitida entre os anos
de 2004 e 2005, popularmente conhecida por protagonizar cenas polêmicas, virou meme
que já viralizou entre países como Rússia e EUA (Cf. twitter.com). O meme, mostra,
ainda símbolos matemáticos, que evoluem de gráficos mais simples a equações mais
complexas. O facememe da Nazaré e os símbolos cooperam um com o outro para
promover o sentido geral do meme, mas são os símbolos matemáticos que instanciam a
imagem. A relação imagem-texto a partir da cara confusa da personagem e dos
elementos numéricos legitimam o pensamento da complexidade da ciência em destaque.
Por outro lado, tendo consciência de que o meme é um instrumento muito
versátil, a instanciação ideacional pode ser alterada em decorrência do tipo da
composição visual ou verbal, além dos propósitos comunicativos do sujeito produtor do
texto e dos conhecimentos prévios dos leitores.
O último meio pelo qual a concorrência é alcançada é a homoespacialidade.
Unsworth (2008: 291) explicou que ―refere-se a textos em que dois modos semióticos
diferentes ocorrem em uma entidade homogênea ligada espacialmente‖. A poesia
concreta na imagem 05 mostra essa representação a partir das unidades linguísticas
pluvial e fluvial.
Imagem 05: homoespacialidade
Fonte: Campos (1979)
20
Como vimos, as representações linguísticas pluvial e fluvial são utilizadas para
construir sentido. Cabe esclarecer que pluvial se refere a chuva, enquanto fluvial diz
respeito aos rios. De um lado, a homoespacialidade, portanto, é produzida a partir da
relação da ideia dos pingos da chuva dispostos como as letras do vocábulo pluvial. Por
outro, as unidades linguísticas que formam fluvial constroem o sentido da ideia de rio.
Isto quer dizer que, a chuva cai e escorre para/no rio.
As representações linguísticas correspondem a entidades que possuem a
semelhança de sua contraparte significativa, ou seja, regularidades espaciais
aproximadas ao seu significado.
Com base no que apresentamos, a homoespacialidade e as outras categorias
anteriormente mencionadas cumprem a função de fazer conhecer uma metalinguagem
para o ensino da imagem, no nosso caso, sua maioria o gênero meme. São gêneros
altamente variáveis, que podem ser desenhados e redesenhados a partir das semioses
disponíveis nas mídias digitais ou com o auxílio de ferramentas digitais específicas. Os
memes são sempre multimodais, pois indicam mais de um modo de linguagem.
Considerações finais
Procuramos explorar, neste texto, os elementos fundamentais para a
compreensão do gênero meme e de uma poesia concreta. Consideramos as relações
entre a imagem e o texto à luz da Teoria da Multimodalidade, sob as bases da
Linguística Sistêmica Funcional, enquanto sistema de comunicação humana. Buscamos
discutir sobre a composição visual a partir da concorrência ideacional de Unswoorth
(2006; 2008), parte de um estudo que procura explorar várias formas de interações
intersemióticas.
Este capítulo, portanto, ofereceu-se como espaço de discussão sobre a
metalinguagem para o ensino da multimodalidade. Levantamos a questão da
necessidade do conhecimento dos elementos que compreendem a linguagem da ação de
exploração desses tipos de textos, afim de que os sujeitos possam fazer uso de uma
metalinguagem uniforme e mais apropriada em contexto escolar.
REFERÊNCIA
21
ARRUDA, R. M.; LANDGRAF-VALERIO, C. L. Postagens do gênero meme no
facebook: prática de produção linguística como manifestação do pensamento
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22
CAPÍTULO II
REFLEXÕES SOBRE O GÊNERO CANÇÃO NA AULA DE ESPANHOL
COMO LÍNGUA ADICIONAL: UNIDADES DIDÁTICAS INTERCULTURAIS
Antonio Ferreira da SILVA JÚNIOR
Renata Martuchelli TAVELA
Retomando o assunto: as canções em sala...
Na didática das línguas, normalmente, percebe-se o uso de canções na aula de
idiomas como uma estratégia motivacional e/ou para aperfeiçoamento da competência
auditiva e/ou lexical do estudante. No entanto, notamos que tal visão é reducionista
considerando as potencialidades do gênero canção e as concepções do ensino crítico de
línguas (BAPTISTA, 2010). Em Silva Júnior & Tavela (2017), refletimos sobre o
gênero canção na aula de espanhol em cursos de idiomas através da problematização de
dados gerados mediante o desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa. O foco da
pesquisa esteve em analisar o trabalho do professor ao fazer uso de canções do artista
Alejandro Sanz através da observação de suas aulas e das respostas a um questionário
de pesquisa. Os dados apontaram para a falta de prática com o gênero e/ou o não
reconhecimento do mesmo como um instrumento pedagógico significativo para a
formação crítica do aluno. O contexto investigado foi o do curso livre, porém,
acreditamos que as constatações seriam as mesmas se os dados fossem gerados no
cenário da Educação Básica.
Diante da constatação da ausência de uma abordagem crítica para o ensino de
línguas através do gênero canção, optamos por retomar essa discussão no intuito de
atualizar o debate sobre a inserção desse gênero nas aulas de espanhol como língua
adicional por meio da elaboração de unidades didáticas interculturais. Para isso,
iniciamos a discussão tecendo uma reflexão sobre o ensino de línguas pela perspectiva
adicional (GARCEZ; SCHLATTER, 2009) e sua relação com o conceito de
desentrangeirização (ALMEIDA FILHO, 2010); em seguida, retomamos alguns dados
retratados em Silva Júnior & Tavela (2017), principalmente a observação da prática
docente de uma participante da pesquisa, para refletir sobre as escolhas do professor em
serviço com o uso do gênero canção; posteriormente, associamos o gênero canção à
23
perspectiva intercultural de ensino e, por último, apontamos um pensamento sobre o
trabalho com unidades didáticas interculturais.
Por que línguas adicionais?
No Brasil, muitos professores de línguas atuantes em escolas e em cursos livres
ainda desconhecem a expressão ―línguas adicionais‖, além disso, também acabam por
não acompanhar as discussões nos congressos e/ou publicações da área sobre essa
―perspectiva de trabalho‖ – como nomeamos. Por outro lado, na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), a expressão ―línguas estrangeiras‖ começa a ser rechaçada, pois o
documento menciona somente o componente curricular de língua inglesa, única língua a
ser ensinada na Educação Básica. Esse monolinguismo também é decorrente da Lei nº
13.415/2017, responsável por alterar a LDB nº 9394/1996. Entre os efeitos da referida
reforma do ensino médio está a retirada da língua espanhola do currículo e a imposição
do ensino do inglês sob uma perspectiva de língua franca, visão compartilhada pela
BNCC.
Desde 2009, estamos acompanhando no Brasil o emprego da expressão ―línguas
adicionais‖ como uma nova denominação para o componente de línguas estrangeiras. A
primeira aparição do termo deu-se no documento de Referencias Curriculares do
Estado de Rio Grande do Sul, proposta de orientação curricular para as línguas espanhol
e inglês, que esteve sob a supervisão dos pesquisadores Pedro Garcez e Margarete
Schlatter, ambos da UFRGS. Após isso, os professores também publicaram em 2012 o
livro ―Línguas adicionais na escola‖, dando ênfase para as práticas colaborativas de
ensino de língua inglesa. Dois anos depois, os pesquisadores Vilson Leffa e Valesca
Irala organizam o livro ―Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais
no Brasil‖ como forma de ampliar o debate e a problematização sobre as visões e
práticas pedagógicas de diferentes línguas adicionais. Ao mesmo tempo, um grupo de
pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ
também começa a utilizar a noção de línguas adicionais em suas publicações,
dissertações e teses do Programa. Em síntese, para alguns dos autores citados
anteriormente, as línguas adicionais são aquelas que somam ao repertório linguístico do
aluno. Por exemplo, no Brasil, o espanhol ou o inglês unem-se ao português e/ou
demais línguas de domínio dos aprendizes. Os Referenciais Curriculares também
expressam o fato de que as línguas adicionais podem ser empregadas no próprio país em
24
que se insere o aluno, portanto, tais línguas de estudo não devem ser consideradas como
estrangeiras. A nomenclatura adota-se para situações de uso entre falantes de mais de
uma língua, principalmente, em sociedades cada vez mais plurilíngues.
Acreditamos que seja difícil homogeneizar as classificações para o ensino de
línguas, já que encontramos referências a termos como primeira língua, segunda língua,
língua estrangeira, língua de herança, língua internacional, franca, adicional. Mostra-se,
inclusive, complicado apagar certas designações e impor outras, principalmente, em um
país que, no decorrer de sua história de ensino, empregou a nomenclatura de ―línguas
estrangeiras‖ para nomear as diferentes línguas no currículo escolar.
Defendemos que o uso da expressão ―línguas adicionais‖ é uma aproximação a
uma postura e prática pedagógica mais política e preocupada com uma educação
linguística plural e adequada às múltiplas realidades locais de nossos alunos. Pelo
exposto, podemos depreender que essa perspectiva de língua adicional foi utilizada pelo
professor Almeida Filho em seus textos de 1993 [2010], quando o pesquisador defende
a noção de ―desestrangeirizar‖ as línguas, já que, segundo o especialista, as línguas
começam a ser vistas como estrangeiras e assim permanecem nos currículos. Tal
conceito de Almeida Filho já aludia um primeiro horizonte da denominação de línguas
adicionais, ou seja, línguas que não são estrangeiras, alheias, distantes ao aprendiz. Para
o pesquisador, ―Língua é para viver, se relacionar, conhecer o mundo e as pessoas, se
apresentar, fazer coisas acontecerem em projetos e assim por diante‖. (ALMEIDA
FILHO, 2012, p. 122), e nesse sentido reside a perspectiva de trabalho com a língua
adicional.
Experiências de uma professora em serviço: a prática de preencher lacunas
Em Silva Júnior & Tavela (2017) apresentamos o estudo desenvolvido com três
professores de espanhol em serviço, atuantes em cursos livres vinculados a uma
universidade pública e escolas de línguas privadas, no contexto da cidade do Rio de
Janeiro, sobre o uso do gênero canção em suas práticas pedagógicas. Naquele momento,
o foco de nossa reflexão estava em analisar a elaboração do material didático com as
canções para apresentação do gênero.
As professoras participantes do estudo receberam um kit (letras + CD com o
áudio + DVD com o videoclipe + questionário de pesquisa) contendo as cinco canções
do artista Alejandro Sanz selecionadas por nós, pesquisadores. O objetivo era elaborar
25
uma unidade didática a partir da seleção de uma das canções e responder, após a aula
ministrada, ao questionário. Cada participante teve um mês como tempo de preparação
do material didático antes da observação da aula pelos pesquisadores. Após esse
período, ocorreu o agendamento da observação das aulas e a análise do material em uso.
A escolha pelo referido artista deveu-se a necessidade de descontruir a imagem do
mesmo como cantor romântico, já que ele apresenta em seu repertório canções com
temas mais politizados e questões de cunho sociocultural. No entanto, restava saber se
entre as canções oferecidas como material de trabalho às participantes (uma de cunho
romântico e quatro de recorte mais sociocultural), qual estilo temático elas optariam
para desenvolver a atividade em sala.
No presente artigo, optamos por retomar as experiências com o gênero canção de
uma das participantes: a professora atuante no curso livre da universidade pública. A
mesma, na época, cursava o 7º período da graduação e lecionava três semestres no
projeto de extensão. Nossa escolha por essa docente para a atual reflexão deve-se ao
fato de ter sido a única a fazer uso da música de natureza romântica, em particular a
canção ―Nuestro amor será leyenda‖. Além disso, a participante opta pela prática mais
naturalizada com o gênero canção: o exercício de completar lacunas com palavras,
expressões ou tempos verbais estudados em sala, de modo a promover atividades de
compreensão auditiva. A abordagem da professora não considerou em nenhum
momento a perspectiva de trabalho com a língua adicional (ALMEIDA FILHO, 2012;
GARCEZ; SCHLATTER, 2009), porque, simplesmente, ela não se atentou para o
desenvolvimento da criticidade do gênero canção em aula, nem vislumbrou a
possibilidade de aproximação aos aspectos linguísticos e temáticos na letra da música
escolhida por meio da associação à realidade do aluno.
O material didático elaborado pela participante resume-se a entrega de uma folha
com a cópia da letra da música. Portanto, não percebemos nenhuma orientação teórica
explícita em seu material, como, por exemplo, poderia ser das sequências ou unidades
didáticas para o tratamento do gênero como um objeto de aprendizagem. O material
apresenta-se sem uma prévia contextualização e ausente de questões que problematizem
a temática da canção selecionada, aspecto que consideramos importante, independente
de qual seja a vertente da música, seja ela mais romântica ou social. Na observação da
aula, depreendemos que os alunos não se mostraram motivados, ademais, pela proposta
apresentada, a aula foi direcionada para o trabalho com uma ou duas habilidades
linguísticas: a auditiva e/ou leitora, com ênfase numa visão estruturalista da linguagem,
26
pois o foco recaiu no léxico e na gramática. A abordagem de trabalho da professora
acaba por distanciar o gênero em questão do cotidiano social do aluno, além de não ser
capaz de promover uma perspectiva de formação mais intercultural, pois, a música é
empregada simplesmente como recurso motivacional ou lúdico, sem atribuição de seu
papel cultural e/ou formativo.
Por meio do questionário aplicado, a professora participante expõe que havia
escolhido tal música porque era a mais fácil entre a lista das cinco propostas. Ela
dedicou os minutos finais de sua aula para a atividade e repetiu a música cinco vezes,
pois nem todos conseguiam completar os espaços. Tal procedimento mostrou a
dificuldade dos alunos na compreensão auditiva, desencadeando uma dispersão da
turma. Entretanto, a participante optou, após a última audição, por apresentar o
videoclipe e perguntou oralmente à opinião da turma sobre a letra, a relação entre a letra
e o vídeo, se eles conheciam o intérprete, se gostavam daquele estilo de música. A partir
de tal momento, houve uma descontração da aula e o envolvimento, inclusive, dos
alunos mais tímidos, que, normalmente, permaneciam calados.
Pela observação da regência, acreditamos que a atividade proposta pela
participante não ficou bem estruturada, pois a professora repetiu a tradição de se usar o
gênero canção como pretexto para ressaltar o trabalho com a compreensão auditiva, em
que os alunos apresentaram muita dificuldade. Aliado ao fato de ter formulado questões
de conteúdo extra-linguístico oralmente e rapidamente, pois já havia levado alguns
minutos com a correção das lacunas. As atividades finais ficaram um pouco
descontextualizadas mesmo com a participação dos alunos. Outro ponto prejudicial à
execução da proposta didática foi que na fotocópia entregue não havia as perguntas
orais, somente a letra da música com os espaços em branco para serem completados,
contribuindo para que o aluno não fosse motivado a exercitar a reflexão escrita na
língua espanhola, por exemplo.
Em relação ao questionário respondido, a docente foi bem objetiva em suas
respostas e, quando indagada sobre o gênero canção, ressaltou que busca trazer músicas
que apresentem conteúdos estudados na sala de aula, justamente para sair um pouco da
rotina de frases isoladas do livro didático. No entanto, na aula observada, vemos que a
participante faz uso do recurso somente como simples exercício de compreensão
auditiva, apesar de ter tentado, durante a aplicação da atividade, gerar uma discussão
sobre o tema da canção, de um amor como lenda, um amor que apesar da distância se
mantinha forte, e que por isso era uma lenda, algo que não se esquece, perpetuando-se.
27
Talvez, pelo fato de ser uma canção de temática romântica, seja mais limitado extrair
elementos para o trabalho em sala, o que não aconteceria se a professora optasse pelas
demais canções, que já elas facilitariam um trabalho mais intercultural.
Optamos por reconstruir aspectos da experiência observada junto à professora
em serviço, porque acreditamos que seja possível fomentar um trabalho a partir de
unidades didáticas interculturais com o gênero canção na aula de espanhol como língua
adicional, seja no contexto do curso livre ou escolar. A seguir, tecemos algumas
considerações sobre o gênero canção e a interculturalidade com o objetivo de contribuir
para o entendimento do conceito das unidades didáticas propostas na última seção deste
texto.
Gênero Canção e Interculturalidade
Segundo Bakhtin (2003), o reconhecimento dos gêneros do discurso garante aos
falantes de uma língua o ato de se comunicar. As marcas discursivas (temáticas,
composicionais ou de estilo) diferenciais entre os gêneros servem de apoio à descoberta
de uma remissão a outros textos. Tendo em vista que cada gênero tem as suas
características e que nosso interesse está na aplicação em sala do gênero canção, refletir
sobre ele faz-se necessário.
O gênero canção é um gênero hibrido que une a linguagem verbal (letra) e
musical (ritmo e melodia). Por tal motivo, as funções poéticas, hedonistas, comunicativa
e social, entre outras, vistas como características da literatura lírica, narrativa ou teatral,
também estão presentes nas canções, por isso, há casos de intertextualidade entre
canções e obras da lírica brasileira (COSTA, 2003). E pela canção ser um gênero
híbrido, refletindo o dinamismo e a variabilidade do meio sociocultural, a existência de
intertextualidade intergêneros igualmente deve ser considerada.
Cabe destacar diversos pesquisadores como Simões, Karol e Salomão (2007)
que afirmam ser possível o diálogo das letras de música com o universo dos textos
literários, já que estes também contribuem como mais uma ferramenta de ensino-
aprendizagem. O uso de canções nas aulas é válido pela relação intrínseca que pode ser
estabelecida com a memória e a afetividade de cada sujeito. Pela informalidade e
espontaneidade no trabalho com esse gênero, seu uso permite o desenvolvimento de
uma prática mais dinâmica no intuito de construir, segundo a imaginação do professor e
de seus alunos, os diferentes sentidos para os enunciados. Isso acaba por promover um
28
espaço motivador para a aprendizagem, conforme ressalta Abio (2006). A importância
em se motivar o aprendiz na aula de línguas deve considerar o filtro afetivo, pois, ao
pedir ao aluno uma avaliação sobre a aprendizagem recebida, o mesmo responde,
normalmente, pela via emocional e não cognitiva. Tal fato deve-se porque a memória
ativa é influenciada pelas emoções, sejam agradáveis ou não, e se o aluno gosta da aula,
ele consegue compreender com mais facilidade os conteúdos ensinados.
Conforme aponta Abio (2006), o ensino da língua espanhola é como se fosse um
encantamento em que existe tanto o amor (inconsciente) quanto a técnica (consciente),
assim o aluno que estiver satisfeito aprenderá com mais facilidade. Contudo, o que
observamos, principalmente em aulas de línguas, é a preocupação dos professores com a
transmissão de conteúdos e com a aquisição da estrutura básica da língua, sem refletir
sobre o processo de aprendizagem em si e as finalidades sociais e políticas de tal
prática, distanciando do ensino de línguas da perspectiva adicional.
No histórico da didática de línguas, o trabalho com a canção apresenta-se
vinculado ao desenvolvimento da habilidade auditiva e/ou ao mero reforço do conteúdo
sistêmico, em que o professor apresenta uma letra de música repleta de lacunas para que
o aluno complete com verbos ou palavras, de acordo com o que escuta. Notamos que,
nesse histórico, não se revelou uma postura gerenciada por um letramento ideológico
(KLEIMAN, 2005), ou seja, uma preocupação com o contexto de produção dos
discursos. Devido a nossa concepção de linguagem e ensino, acreditamos que a prática
do preenchimento de lacunas a partir do áudio de uma canção leva a uma interpretação
artificial do texto, pois com essa atividade o professor pode não fazer uso da bagagem
cultural de seu aluno. Portanto, mais uma vez, tal abordagem de trabalho não permite
que o aluno vivencie a língua estrangeira e adicione seus usos ao próprio repertório
linguístico (ALMEIDA FILHO, 2012). O emprego do gênero canção deve ir além do
mero exercício de escutar e reproduzir elementos da língua, pois se espera que o
professor aproveite a interpelação musical e a atração que a música provoca nas pessoas
de modo geral. Na junção a um trabalho intercultural com o gênero, Sallés Martínez
(2003) define as canções como:
[…] un material idóneo para trabajar la competencia intercultural, es
decir, la capacidad de ponerse en el sitio del otro, ya que, además de
ser un material vivo y real de la sociedad que las ha creado,
constituyen un puente de acercamiento y de comprensión. Las
canciones, por la propia naturaleza de su componente musical, poseen
una intrínseca interculturalidad, pues pertenecen no solo a la cultura
29
de la lengua meta sino también a la cultura del aprendiz (SALLÉS
MARTÍNEZ, 2003, p. 8).
A apreensão do gênero canção como uma arte menor ou mero recurso de
entretenimento em aula precisa ser revisitada, visto que, por ser um texto autêntico, a
letra de música permite um trabalho com aspectos comunicativos, linguísticos e
culturais, ou seja, todas as competências, usos e funções da linguagem. Segundo
Candau (2010), o docente inserido no mundo plural tem muitos desafios, como a
interculturalidade, nomenclatura cada vez recorrente nos estudos, que representa as
culturas em contínuo processo de intercruzamentos. Assim uma experiência pedagógica
desculturalizada não é possível, dado que, assim como existe uma relação intrínseca
entre língua e cultura, também há esta relação entre a educação e a cultura.
Já Paraquett (2005) afirma que o multiculturalismo começa a aparecer na prática
pedagógica de ensino de línguas com a publicação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997), logo, a partir desse documento, teve início uma série de
publicações, discutindo temas oriundos desses escritos como interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade, alteridade, pluralidade cultural, identidade. Entretanto, Paraquett e
Candau preferem o término interculturalidade, pois ele significa um diálogo de culturas
e não somente uma resignação, como no caso do multiculturalismo. Uma perspectiva
intercultural de ensino de línguas resulta num diálogo constante entre culturas sem
juízos de valores ou superioridades entre elas, mas sim complementaridades.
Acreditamos que cada docente deva refletir sobre a adequação de determinadas
letras de música ao planejamento de conteúdos temáticos e linguísticos de sua
disciplina. O professor não deve limitar-se a critérios como ritmo contagiante, música
da moda, letra de fácil compreensão e/ou recorrência de elementos gramaticais, por
exemplo, mas sim fazer escolhas que possibilitem reflexões e debates a respeito do
papel do cidadão, da tolerância, da aceitação das diferenças, das distintas culturas,
religiões e etnias, em um mundo cada vez mais pluricultural.
Cabe ao professor conscientizar os alunos para uma reflexão do emprego de
determinada música e das possibilidades que ela oferece, pois, conforme ressalta
Almeida Filho (2010), tais práticas possibilitam a desestrangeirização da língua
adicional de estudo, uma vez que o aprendiz vai vivenciando-a. E, ao dotar a prática
pedagógica de negociação compartilhada dos procedimentos e do material, estamos
caminhando para o ensino da língua pelo viés crítico e reflexivo. Um cidadão que
aprende a negociar os significados está mais preparado para lidar numa sociedade
30
instável e líquida, pois, para Bauman (1998, p. 32), ―[...] o sentimento dominante, agora,
é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de
uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira
corrida de viver nele‖.
A motivação deve ser usada com o intuito de permitir o aluno se conscientizar
de que ele também pode construir e discordar dos sentidos atribuídos para os textos
lidos. O docente até pode usar exercícios de completar lacunas, conforme retratado na
prática da professora participante deste estudo, contudo precisa elaborar atividades que
promovam a reflexão crítica sobre a leitura da palavra e do mundo. A seguir, expomos o
conceito de unidades didáticas e apontamos alguns caminhos para a inserção consciente
do gênero canção em sala.
Unidades didáticas interculturais: alternativas para o trabalho com o gênero
canção
Primeiro, apresentamos o conceito de unidade didática que pautou nossa
reflexão e, segundo, propomos dois exemplos de atividades didáticas que podem
auxiliar o trabalho do professor sob uma perspectiva mais intercultural.
Adotamos o conceito de unidade didática como ―um conjunto ordenado de
atividades, estruturadas e articuladas para a consecução de um objetivo educativo em
relação a um conteúdo concreto‖ (COLL, 1996, p.80). Isso implica um trabalho
sequenciado a partir da escolha de temas e textos de modo que haja uma progressão de
atividades e uma reflexão crítica no final da proposta. De acordo com Matos (2014),
para a elaboração de uma unidade didática o professor deve dividir seu trabalho em três
etapas:
No bloco da preparação, delineiam-se os objetivos da UD para que o
professor tenha um norte e uma visão do que deseja que os alunos
alcancem até a produção final. Escolhe-se o tema sobre o qual será
desenvolvida a UD e selecionam-se os textos para o desenvolvimento
do tema, privilegiando-se o uso de textos autênticos para abordar os
gêneros textuais. No bloco de atividades, o professor vai delinear
quantas atividades sejam necessárias para concretizar os objetivos
traçados, priorizando as que promovam o desenvolvimento da
consciência crítica e cidadã dos alunos. Por fim, no bloco de produção
final, o professor elabora uma atividade de reflexão, que possa
dimensionar se os alunos obtiveram êxito nos objetivos traçados no
início (MATOS, 2014, p. 177).
31
Apesar das etapas propostas, Matos (2014) também pauta seu conceito de
unidade didática pela flexibilidade no planejamento didático do professor, de maneira
que esse avalie as necessidades dos alunos e relacione com suas concepções de
linguagem na elaboração do material didático. Assimilamos as visões de Coll (1996) e
Matos (2014) na elaboração de nossa proposta de exemplificação didática, contudo,
dividimos nossas atividades nas etapas de pré-leitura, leitura e pós-leitura, como forma
de exercitar o letramento (BAPTISTA, 2010) dos discentes.
Defendemos a criação de unidades didáticas interculturais em que o professor
seja capaz de incentivar a reflexão e a discussão de costumes, cultura, religião, temas
gerais ou específicos dos países hispano-falantes, com isso, desconstruindo estereótipos
ou qualquer tipo de preconceito quanto a uma determinada cultura. Com a elaboração
dessas unidades, o docente igualmente contempla diversas linguagens e suportes
textuais, de uma maneira integrada e dinâmica, motivando o aluno e auxiliando-o na
aprendizagem do idioma estudado, afastando-o da prática tradicional em que visava
somente à ênfase na gramática e/ou no vocabulário. Nessa perspectiva formalista, o
conteúdo cultural é tido como um apêndice no final de um livro didático ou em uma
folha solta entregue a turma com a letra de uma canção ou de poema, por exemplo,
sendo essa uma prática totalmente descontextualizada ou focada numa única habilidade
linguística e sem reflexividade crítica.
A seguir, expomos dois exemplos de unidades didáticas com o gênero canção
pautadas no desenvolvimento das habilidades leitora e escrita, como forma de
desenvolver o senso crítico, a cidadania e a diversidade cultural, pois, de acordo com
Matos (2014, p. 180), ―o professor intercultural vai atuar como mediador cultural dos
conflitos que possam surgir do embate de ideias‖ em sala de aula.
A primeira unidade toma como referência a música ―Por bandera‖ de Alejandro
Sanz. A proposta tem como base os conceitos de leitura interacional (KOCH, 2002;
JUNGER, 2002), partindo da divisão de pré-leitura, leitura e pós-leitura. A unidade
didática tem como objetivo fazer com que o aluno identifique a temática bélica proposta
pela canção, já que para o artista/compositor as lutas armadas não deveriam existir.
Caberá ao professor explicar que foi uma canção composta com o intuito de alertar, já
na década de 90, após o período da Guerra Fria, sobre o perigo das lutas armadas. Ou
mesmo, sobre o terror instalado a partir do caos iniciado com o episódio dos 11 de
setembro nos Estados Unidos e a invasão ao Afeganistão e, depois, ao Iraque,
32
ocasionando a morte de muitos soldados e pessoas inocentes. A política militarista de
alguns países sintetiza o tema da canção.
Na pré-leitura, o docente pode explorar o conhecimento de mundo do aluno,
perguntando-lhe se conhece o cantor e compositor espanhol e o que ele espera de uma
canção que receba tal título. Em seguida, o professor pode realizar um trabalho com
alguma fotografia ou outra representação artística a respeito da guerra ou o tema da
violência.
Na etapa da leitura, o docente pode separar a música em estrofes e solicitar a
formação de pequenos grupos com o intuito de sugerir sua ordenação através da
audição. Montada a letra da canção, o professor pode fazer perguntas de compreensão
leitora a respeito da temática. Esse é o momento para confirmar ou refutar informações
sobre o texto, sugeridas na etapa da pré-leitura, levando em conta o contexto de
produção desses enunciados. Nesse momento, também é possível a exibição de um
fragmento do documentário Fahrenheit 11 de setembro, do diretor Michael Moore e
premiado com o Oscar em 2004, em que ele denuncia justamente a política militarista
dos Estados Unidos, que promoveu muitos gastos a economia do país e a perda de
jovens, principalmente os da classe mais baixa, atraídos pelos supostos benefícios em
servir ao exército americano. O professor pode relacionar a canção com trechos do
documentário e também com outras expressões artísticas de Alejandro Sanz, o que
permitirá tanto o entrecruzamento de gêneros/linguagens (o gênero canção, a fotografia,
a pintura, o gênero documentário) quanto o cruzamento de tempo e espaço, pois a
canção foi composta nos anos 90 e pode-se dizer que não especifica qualquer país,
enquanto que o filme foi lançado em 2004 e se direciona aos Estados Unidos.
Na etapa da pós-leitura, o professor pode elaborar uma tarefa em que o aluno se
coloque no lugar desses soldados que retornam da guerra, redigindo um texto (de
determinado gênero) para as autoridades sendo contrário a uma política militarista, por
exemplo, e usando o espanhol na produção textual.
Um segundo exemplo de unidade didática intercultural pode ser pensado a partir
da canção ―Pero nunca te olvidaré‖ do também cantor e compositor espanhol Enrique
Iglesias. Na pré-leitura, o professor pode levantar questionamentos como: ―¿Quién
ustedes no se olvidarán y por qué?‖, ―¿hay algún ente querido que ha fallecido y se lo
echa de menos? ¿Cómo convivir con está perdida y cómo hacer para soportarla?,
¿Conocen al cantautor español Enrique Iglesias?, ¿Saben si él también ha grabado
canciones en otros idiomas y en qué otro estilo musical?, ¿qué opinan sobre este
33
cantautor y sus recientes trabajos?, ¿Qué esperan de esta canción? O docente igualmente
pode fazer uso de imagens e fotos para trabalhar com diferentes sentimentos e memórias
dos alunos presentes.
Na etapa de leitura, os alunos escutam e acompanham a letra da música. Em
seguida, podem responder perguntas de compreensão leitora, tais como: ¿Sobre qué
trata la canción?, Relacionar el título con la letra de la canción, ¿Qué figura literaria se
conoce por la repetición de palabras o versos?, ¿Se percibe otra figura de lenguaje en el
verso ―Pueden pasar tres mil años‖?, ¿Cuál es y qué sentido(s) provoca‖ e ¿Por qué el
yo lírico eligió el presente como tiempo verbal predominante? Para as questões
propostas, o docente pode ir mediando o debate e aproximando seu aluno das diferentes
superficialidades interpretativas da canção.
Na pós-leitura, o professor pode solicitar para cada discente duas produções
textuais em espanhol a partir da aproximação a outros gêneros do discurso. Pode
solicitar a composição de uma carta ou e-mail a uma pessoa que jamais conseguiu
esquecer e um segundo texto orientando um amigo que sofre da dor de um amor ou a
perda de um ente querido. Ao professor cabe facilitar mostras linguísticas e recursos
para que os alunos consigam produzir o gênero em língua espanhola, além de orientar a
busca por elementos necessários para a escrita e refacção dos textos. Os alunos devem
compartilhar suas produções com os colegas de turma e o docente será o mediador de
todo o processo.
Através dessa breve exemplificação com duas propostas de unidades didáticas,
fica evidente que o professor deve e pode elaborar atividades interculturais com
canções, promovendo uma aproximação e diálogo entre culturas. A permanência de
atividades de mero preenchimento de lacunas, conforme apontado na prática docente
retomada neste artigo, já não dá conta dos objetivos do ensino de línguas na atualidade,
muito menos possibilita o acréscimo de novos elementos linguísticos ao repertório do
sujeito. Limitar o trabalho com o gênero canção ao preenchimento de lacunas reduz o
ensino de línguas à oferta de estruturas linguísticas isoladas. Defendemos, aqui, a
possibilidade de o docente aproveitar a riqueza linguística e cultural do contato com
diversificados estilos musicais para tornar a aprendizagem da língua adicional mais
coerente com a educação linguística do momento atual, um ensino capaz de relacionar
distintas linguagens, suportes e temáticas. Trabalhar a língua por uma perspectiva
adicional permite que o estudante vivencie o idioma em diferentes estágios e se aproprie
da língua no decorrer do tempo de estudo e de suas necessidades.
34
Para seguir com as canções em sala...
Por meio deste artigo, ressaltamos a importância da reflexão sobre o gênero
canção e a elaboração de unidades didáticas de cunho intercultural. Pelo fato de a
canção ser um gênero muito recorrente no dia a dia das pessoas, o mesmo já consegue
motivar os aprendizes e pode possibilitar discussões sobre diversos temas na língua
adicional.
O gênero canção não pode ser entendido como um mero recurso para
entretenimento ou facilitador de uma habilidade linguística, sendo usado no final de
uma aula sem uma prévia contextualização. Cabe ao docente intercultural aprender a
selecionar textos, temáticas e recursos apropriados ao público discente, objetivando
planejar unidades didáticas que versem sobre temas do cotidiano e da diversidade
cultural. Novas posturas e atitudes pelo docente auxiliam-no na desconstrução de
estereótipos e crenças sobre determinados países, culturas ou costumes culturais.
A reflexão proposta, neste novo artigo, vislumbra caminhos para a manutenção
do gênero canção nas aulas de línguas adicionais para além dos exercícios de
compreensão auditiva. O docente de espanhol como língua adicional precisa conduzir o
aluno a realizar múltiplas tarefas nesse idioma e ser capaz de estabelecer conexões entre
diferentes culturas e discursos. Além de tornar seu aluno em um cidadão consciente de
seu papel na sociedade, que compreende as diferenças, respeita e colabora, assim, para
uma sociedade mais democrática e livre de quaisquer preconceitos.
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36
CAPÍTULO III
LITERATURA NA ESCOLA: DA SEQUÊNCIA BÁSICA À IDENTIFICAÇÃO
COM O LEITOR LITERÁRIO
Cássia da SILVA
Maria Lúcia Pessoa SAMPAIO
Algumas considerações
A literatura e a leitura são formas discursivas dentre diversos meios os quais
transpassam as estruturações linguísticas comuns. Nessa perspectiva, o texto literário
distingue-se de outros meios comunicativos, porque possibilita ao leitor uma maior
variedade de interpretação. Todavia, é importante salientar que, apesar de possibilitar
uma vastidão de visões, é necessária a prudência, a fim de que o objetivo do autor não
seja inteiramente tangenciado. Para evitar esse afastamento de interpretação real do
texto, o professor deve se fazer presente na função de mediador do texto literário e do
seu sentido.
E para que essa mediação aconteça de forma efetiva, não basta o professor
disponibilizar o texto literário ao aluno e se fazer presente em sala de aula, faz-se
necessário uma abordagem didática, uma sequência de ações que possa transformar a
leitura literária em letramento literário. Dessa forma, esta pesquisa visa a conhecer os
resultados da aplicação de uma sequência de atividades destinadas à promoção do
letramento literário em uma turma de ensino fundamental, numa escola do interior do
Ceará. A escolha desta temática deve-se ao fato da relevância e atualidade nos estudos
de atividades escolares que promovam o letramento dos alunos, bem como pela
importância da literatura na escola para formação do sujeito leitor.
O interesse por este tema surgiu embasado em três motivos que se
complementam e justificam o trabalho dissertativo desenvolvido. O primeiro motivo, de
cunho pessoal, provém do sentimento de afetividade com a literatura, este sentimento
que, como professora da Rede Pública, cultivo e tento repassar aos meus alunos da
melhor maneira possível. Número este como primeiro, pois como afirma Oliveira
(2005, p. 51) ao discorrer sobre pesquisa qualitativa: ―É preciso gostar do tema. Para
isso ele deve estar relacionado com a nossa vida, nossas experiências. É necessário que
sintamos prazer em estudar e aprofundar tal tema para nosso crescimento pessoal‖.
37
O segundo motivo, de caráter profissional, nasce da vontade de poder oferecer
aos meus alunos metodologias diferenciadas para o ensino da literatura como forma de
despertar o prazer de ler e não apenas como mais uma ferramenta de ensino-
aprendizagem da Gramática de Língua Portuguesa. Assim, com essa pesquisa, podemos
(nós, professores de Língua Portuguesa ou/e de Literatura) verificar onde e como
melhorar metodologicamente as aulas de literatura a fim de promover, em sala de aula,
o letramento literário.
O terceiro motivo, de âmbito social, provém da constatação de que a literatura,
ao ser compreendida, analisada e sentida durante a leitura e a escrita de textos literários,
pode se consolidar como modo de unir leitores, de se aproximar, de certa forma, do
outro e de até formar comunidades leitoras. Cosson destaca esse importante papel da
literatura para a sociedade: ―É no exercício da leitura e da escrita dos textos literários
que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos padronizados da
sociedade letrada e se constrói um mundo próprio de se fazer dono da linguagem, que
sendo minha, é também de todos‖ (COSSON, 2014, p. 16).
Feitas essas considerações, passemos agora a descrever a organização deste
capítulo1. A primeira parte versa sobre a temática central: o letramento literário. Nesse
primeiro momento, tratamos especificamente dos pressupostos que compõem a
trajetória do letramento literário. A segunda parte tratará da metodologia abordada com
ênfase na pesquisa qualitativa, bem como a caracterização da abordagem didática
utilizada, abrangendo o campo de estudo e os sujeitos pesquisados. A terceira parte trata
das análises dos dados obtidos que, ao lado de toda a teoria abordada no primeiro
capítulo, fez-nos perceber o quanto é positivo e humanizador o trabalho de ensino de
literatura.
Pressupostos do letramento literário: explorando o terreno
―Era meio sem jeito, mas um belo dia acabaria por aprender‖
(VASCONCELOS, 2008, p. 88).
Ainda hoje há uma confusão entre os significados das palavras letramento e
alfabetização. A discussão gerada entre esses dois termos é realizada frequentemente,
1 Este capítulo resulta da dissertação de mestrado sob o título O uso da sequência básica em prol do
letramento literário em sala de aula (SILVA, 2016).
38
configurando-se como temáticas importantes e que devem ser bem distinguidas para o
favorecimento da prática pedagógica.
De acordo com os pressupostos de Soares (2000), o termo letramento é novo
no vocabulário da língua materna. Segundo ela, etimologicamente, ―a palavra literacy
vem do latim littera (letra), com o sufixo – cy e denota qualidade, condição, estado, fato
de ser, ou seja, literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e
escrever‖. Relacionado a essa definição estão alicerçados aspectos sociais, culturais,
políticos, econômicos, cognitivos, linguísticos, seja para o conjunto social em que sejam
inseridos, seja para os sujeitos que aprendem a utilizá-la.
Ainda, segundo Soares (2000, p. 18),
tornar-se alfabetizado, adquirir a tecnologia de ler e escrever e
envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita – tem
consequências sobre o indivíduo, e altera seu estado ou condição em
aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos
e até mesmo econômicos.
A diferença entre letramento e alfabetização consiste no fato de que
―alfabetizado nomeia aquele que aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o
estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita, incorporando as
práticas sociais que as demandam‖ (SOARES, 2000, p. 19). É preciso ir além do ler e
do escrever, ir além da alfabetização. É primordial a compreensão dos sentidos de ler e
de escrever e do entendimento do que se leu e do que se escreveu.
O indivíduo letrado não é mais o mesmo tanto no sentido social quanto
cultural, visto que ele passa a apreender elementos de outras culturas, outros costumes,
ampliando os seus conhecimentos e habilidades. Além disso, o letramento promove uma
potencialização do vocabulário em decorrência, por assim dizer, dos diversos contatos
estabelecidos com várias formas de se organizar as letras. O letramento ―é o estado ou a
condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de
escrita‖ (SOARES, 2000, p. 44).
As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e escrever, mas não
necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não
necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita,
para envolver-se com as práticas sociais da escrita: não leem livros,
jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma
declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade
para escrever um simples telegrama, uma carta [...] (SOARES, 2000,
p. 46).
39
Assim, a alfabetização está relacionada ao ensinamento da leitura e da escrita,
enquanto que o letramento transpassa o universo mecânico do ler e do escrever e
caracteriza-se pelo seu aspecto de apreensão, interpretação e práticas sociais mediante
essas habilidades. A alfabetização é a ação de ensinar e aprender a ler e escrever.
É essencial que existam condições para o letramento, tanto socioculturais
quanto econômicas. A primeira condição refere-se ao acesso à escolaridade. A segunda
relaciona-se com a disponibilidade de material para a prática da leitura. Não adianta
unicamente o saber ler e escrever, é preciso, a posteriori, gerar meios, a fim de que os
alfabetizados se insiram em um ambiente letrado (SOARES, 2000).
É nessa perspectiva que a ação do professor em proporcionar ao educando a
prática da leitura literária, conduzida por tarefas que perpassem o ato mecânico de ler e
fazem com que o aluno a interprete e apreenda habilidades leitoras mais complexas, se
caracteriza como letramento literário. Assim Cosson define:
Na prática pedagógica, o letramento literário pode ser efetivado de
várias maneiras, mas há quatro características que lhe são
fundamentais. Em primeiro lugar, não há letramento literário sem o
contato direto do leitor com a obra [...]. Depois, o processo do
letramento literário passa necessariamente pela construção de uma
comunidade de leitores, isto é, um espaço de compartilhamento de
leituras no qual há circulação de textos e respeito pelo interesse e pelo
grau de dificuldade que o aluno possa ter em relação à leitura das
obras. Também precisa ter como objetivo a ampliação do repertório
literário, cabendo ao professor acolher no espaço escolar as mais
diversas manifestações culturais [...]. Finalmente, tal objetivo é
atingido quando se oferecem atividades sistematizadas e contínuas
direcionadas para o desenvolvimento da competência literária
(COSSON, 2013, p. 1).
Apesar de ser um termo recente, a promoção do letramento literário como
prática em sala de aula é uma preocupação existente há décadas e estudada por diversos
pesquisadores que até então tratavam o que se nomeia ‗letramento literário‘ por ‗prática
de leitura literária‘ e, ainda, quando se trata desta ação na escola alguns usam a
expressão ‗ensino literário‘. Como exemplo de uso da expressão ‗prática de leitura
literária‘, tem-se o conceito definido por Roxele traduzido por Rezende (2013) ―Na
concepção da leitura como prática, como atividade: o interesse se desloca para o campo
literário para os processos de produção e de recepção das obras e para os diversos
agentes desse campo (escritor, edição, crítica, leitores, escola)‖ (p.18).
40
Ainda sobre as expressões que antecedem/substituem o termo letramento
literário, percebe-se que Colomer (2007) aproxima a definição do ‗ensino literário‘ à
definição de Cosson (acima exposta): ―[...] o ensino literário se caracteriza pela forte
inter-relação que estabelece entre seus objetivos, seu eixo de programação, o corpus de
leitura proposto e as atividades escolares através das quais o ensino se desenvolve‖ (p.
19).
Dessa forma, tratar de ‗letramento literário‘ envolve a percepção da
nomenclatura atual versus a definição provecta deste, assim, há de se atentar para o
conceito desta prática nomeada por expressões como ‗ensino literário‘ e ‗prática de
leitura literária‘ nas obras de diversos autores no decorrer dos tempos.
Repensando a leitura literária na escola: analisando as plantações
As práticas leitoras construídas pela escola fundamental repercutem
diretamente no desenvolvimento do leitor, pois muitos dos alunos que convivem com
classes regulares do ensino fundamental só encontram no ambiente escolar o lugar
favorável para efetuar o exercício da leitura de maneira sólida, isto é, interagindo de
maneira consciente com o texto escrito.
A leitura da literatura é uma das colunas da educação escolar, uma vez que é
prioritariamente no contexto escolar que as habilidades de leitura e escrita são
ordenadas e desenvolvidas formalmente. Dessa forma, a escola colabora na formação do
leitor literário e essa colaboração será maior ou menor dependendo dos pressupostos que
fundamentam o currículo da instituição escolar (MOLINA, 1992).
A ação de interação entre texto e leitor é o norte para a formação de um ser
letrado. Indo além, no âmbito da literatura, um sujeito letrado é aquele ser capaz de
identificar não apenas o texto literário, como também reconhece, na literatura, uma
forma de transformação, de conhecimento, de prazer e de liberdade do outro e de si
próprio – a sua humanização (LIMA, 2016).
Soares, assim nos adverte quanto à noção de literário variante mediante o
tempo e as culturas:
Não podemos, entretanto, esquecer que, se a própria noção do que é e
do que não é literário varia com o transcurso dos tempos, porque cada
época contém uma ideologia específica e sistemas próprios de
manipulação da cultura, a noção de gênero literário é também
histórico-cultural, obedecendo sempre, como já vimos, a um horizonte
41
de expectativas. Embora mantenham as obras literárias uma certa dose
de redundância, o trabalho inusitado que elas vêm apresentando leva,
cada vez mais, a utilizar a designação de gênero para uma forma
literária ou até mesmo para uma obra particular (SOARES, 2007, p.
77).
Dessa forma, também é tarefa do professor ajudar o aluno a verificar as
mudanças conceituais sobre o que é ou não literário mediante determinadas culturas e
determinados períodos históricos e ainda alinhar esse conhecimento ao universo de
descobertas que só a leitura pode proporcionar.
Porém, vale lembrar que o contato com textos literários, consultados e
estudados pelos alunos das escolas públicas, na maioria das vezes, se limita ao uso
direto e diário do livro didático impresso e, consequentemente, esse contato tende a
cessar neste material, assim muitos alunos desconhecem a obra integral da qual o texto
literário faz parte e julgam como concluído o conteúdo apresentado no livro em forma
de trecho.
Nesse sentido, os textos literários para serem trabalhados integralmente são,
então, uma proposta motivadora e desafiadora numa abordagem de ensino e
aprendizagem em sala de aula. Pois, ao contatarmos o aspecto social da literatura e ao
inter-relacioná-lo com o âmbito científico, quando estudados em sala de aula, o
educando é desafiado a acionar conhecimentos de várias áreas de estudos e, por diversas
vezes, essa tarefa de acionamento se impõe sobre o despertar do prazer de ler. Diante
desse fator, alguns questionamentos podem ser levantados aqui e a busca por respostas
para estes será um dos alicerces do nosso trabalho: Como despertar no aluno o prazer de
ler textos literários? Como realmente podemos trabalhar com textos literários em sala de
aula, a fim de promover o letramento literário e acionar no educando o prazer de ler?
Sendo a escola uma das principais promotoras e disseminadoras de leitura e
interpretação de textos literários entre os alunos, bem como umas das mais importantes
receptoras de diretrizes que impulsionam o trabalho educacional, a ela também caberá a
reflexão de metodologias que contemplem o ensino de interpretação desses textos, de
maneira motivadora, visando um aprendizado significativo e que propicie o
desbravamento de práticas de letramento.
A leitura literária e a formação do leitor que compreende: efeitos dos frutos
A leitura literária faz-se imprescindível no processo de produção de
42
conhecimento. É por meio desta prática que se adquire valores essenciais à formação
integral do educando. Além disso, ela constitui-se num instrumento de extrema
importância para a interação entre culturas.
Sobre isso Candido (1995, p. 113) afirma:
[…] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e
educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como
equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade
preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas
diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A
literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate,
fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.
A problemática levantada acima por Candido em torno da leitura vem
permeando discussões entre educadores, escritores etc., que buscam, desde muito
tempo, a concretização de objetivos em torno da compreensão de um texto no ato da
leitura.
É preciso levar em conta, antes de tudo, que a leitura não é um ato solitário.
É interação verbal entre indivíduos e o contexto sócio-histórico-cultural. O leitor, na
medida em que lê se constitui, se representa, se identifica. A compreensão não é uma
questão só do nível da informação, mas também um processo de interação com o
mundo. Só se aprende com a vivência coletiva, em troca contínua de experiências.
Ao se conhecer o conceito de letramento desenvolvido por Rojo,
perceberemos que essa vivência coletiva, para a compreensão do que está sendo lido,
é uma tarefa primordial para a efetivação de tarefas de letramento. Vejamos:
[...] o letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de
linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam
valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo
contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola,
etc.), numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural
(ROJO, 2009, p. 98).
Nesse sentido, uma das tarefas de todo o professor de Língua Portuguesa, que
trabalha em prol do letramento literário, é a de perceber como o aluno interpretou um
texto literário e como realmente ele deveria tê-lo feito. Se a interpretação condiz com o
que se esperava ou se foge do objetivo traçado pelo professor ao levar esse tipo de tarefa
para a sala de aula.
Por conseguinte, espera-se, numa tarefa de interpretação disposta a alunos do
Ensino Fundamental, que estes ultrapassem a simples ação de decodificação das
43
palavras e adentre numa leitura interpretativa, na qual o texto seja compreendido num
todo e essa compreensão se relacione a outros conhecimentos internos e de outras áreas
acionadas pelo educando. Conhecimentos estes que se espera que esses alunos já
possuam para que, finalmente, compreendendo o novo e relacionando-o a outras
competências adquiridas anteriormente, este aluno possa se perceber como ser mais
crítico.
Dessa maneira, esta tarefa corrobora, de certa forma, com o conceito
desenvolvido por Soares (2000) a qual estabelece que ―[...] letramento é o resultado da
ação de ensinar a ler ou a escrever: o estado que adquire um grupo social ou um
indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita‖. Kleiman (2008) dialoga
com esse conceito proposto por Soares (2000) e enfatiza que o letramento deve ser visto
como as práticas sociais que utilizam a escrita como sistema de símbolos, nas mais
variadas situações sociais.
Porém, infelizmente, ainda muito de nossos educandos não possuem
habilidades interpretativas adequadas e sentem ainda uma maior dificuldade, quando
essa habilidade está vinculada a interpretações que demandam conhecimentos de outras
áreas. É perceptível, em sala de aula, que, para a maioria, a ação de interpretar um texto
literário é algo desafiador.
Por isso, trabalhar o letramento literário é unir o útil ao agradável, pois
alinhado ao desafio de interpretar e se conhecer através da prática social da leitura,
estaremos proporcionando ao aluno contato com obras literárias que podem ser
definidas como enunciados de tradição oral ou escrita, nos quais a literariedade, ou seja,
a característica principal do que é literário, daquilo que se define como literatura,
fundamenta toda a enunciação. Esses textos são estudados mediante o caráter científico
de compreensão da arte literária e de forma cultural (ao levar o educando a conhecer
determinadas culturas, tradições e costumes de diferentes épocas). Conhecimentos
esses, associados aos períodos históricos, aos conhecimentos de Geografia, Biologia,
dentre outras disciplinas que fazem parte do currículo escolar e que devem ser
trabalhados de forma holística.
Assim, a obra literária vai ao encontro das abordagens de intervenção nas
escolas e essas intervenções, alinhadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais e às
Diretrizes Curriculares Nacionais, podem ser percebidas, também, como tentativa de
dinamizar as aulas de Língua Portuguesa e permitir ao educando uma melhor noção
teórico-prática do que se propõe ao trabalhar o letramento literário, além de orientá-lo
44
melhor na compreensão e interpretação de textos.
[...] um projeto de investigação, um plano de intervenção [...] deve
partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de
explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma
disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários.
Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem
um conhecimento que vai além da descrição da realidade mobiliza
competências cognitivas para deduzir, tirar inferências ou fazer
previsões a partir do fato observado (BRASIL, 2002, p. 88 - 89).
Dessa forma, uma proposta de intervenção alinhada ao letramento literário
pode auxiliar o aluno numa tarefa que exige a compreensão social de textos literários e
desafiá-lo a inter-relacionar esse conhecimento ao universo da interdisciplinaridade, ao
fazê-lo compreender esses textos, consultando, acionando e interagindo com diversas
outras matérias no decorrer do trabalho interclasse.
A sequência básica (sb) e o plano de intervenção: os adubos necessários
―E todos os dias fui tomando gosto pelas aulas e me aplicando cada vez
mais. Nunca viera uma queixa contra mim de lá‖.
(VASCONCELOS, 2008, p. 44).
A criação de um plano de intervenção alinhou-se a essa pesquisa como recurso
metodológico, visto que para se investigar os resultados de uma abordagem que envolve
o letramento literário em sala de aula, faz–se necessário um trabalho interventivo no
ambiente escolar.
Como professora da turma de 8º ano ―E‖ do Ensino Fundamental, vimos neste
grupo de alunos o perfil-alvo para o desenvolvimento dessa investigação. São eles 22
adolescentes de faixa etária entre 14 e 17 anos, justamente a turma com faixa etária
desalinhada a sua série. A turma pesquisada é composta por 4 (quatro) meninas e 18
(dezoito) meninos, matriculados no turno vespertino. São alunos que demonstram
interesse pela leitura em sala de aula, mas que não tinham tanto acesso a ela; esse fato
foi percebido através da observação participante e será descrito nas respostas dadas por
estes educandos ao questionário da pesquisa. Este contou com questões abertas sobre
cada etapa da sequência básica (SB) desenvolvida em sala de aula. As respostas dadas a
esse questionário serão nosso corpus a fim de que possamos compreender como a SB se
constitui uma abordagem motivadora e mediadora para a promoção do letramento
literário.
45
A intervenção foi pensada de forma a seguir os moldes da SB do autor Rildo
Cosson (2014, p. 48) que assim descreve essa abordagem: ―O caminho que propomos
sistematiza as atividades das aulas de literatura em sequências exemplares [...] O nosso
objetivo é apresentar possibilidades concretas de organização das estratégias a serem
usadas nas aulas de Literatura do ensino básico‖.
A obra indicada aos alunos foi o livro: Meu pé de laranja lima, do autor José
Mauro de Vasconcelos. Percebemos, nessa obra, um grande potencial para a abordagem
que propomos, visto que ela é uma obra curta (189 páginas de textos e imagens), com
uma linguagem muito acessível ao perfil leitor da turma e inteiramente sedutora no que
concerne à imaginação mesclada a aspectos da realidade apresentados num enredo
convidativo aos leitores de primeira viagem.
Com a obra escolhida, partimos para a preparação e uso da SB. Como essa
sequência possui quatro etapas, assim também se estrutura as atividades de intervenção
em sala de aula. A primeira etapa recebe o nome de ―Motivação‖ e, como a própria
nomenclatura indica, é o momento de motivar o aluno para receber a obra literária. A
dinâmica ocorreu mediante um trailler do filme: Meu pé de laranja lima (2013), após
exibir o vídeo, lançamos a pergunta: ―Por que esse título ‗Meu pé de laranja lima‘?‖.
Variadas respostas surgiram; os alunos também questionaram se iriam ver o filme na
íntegra. Aproveitando deste questionamento, lançamos a proposta de todos lerem a
obra. Os educandos mostraram-se bastante interessados.
Já a segunda etapa, nomeada de ―Introdução‖ corresponde ―a apresentação do
autor e da obra‖ (COSSON, 2014, p. 57). Assim fizemos e apresentamos a obra Meu pé
de Laranja lima aos alunos, juntamente com fatos e curiosidades sobre o autor José
Mauro de Vasconcelos.
A terceira etapa desenvolveu-se tranquilamente, visto que as duas anteriores se
complementaram e motivaram o educando à ―leitura‖ da obra, etapa de número três do
processo de letramento literário. Porém, destacamos aqui que não se tratou apenas de
uma leitura mecanizada e tradicional. Cosson alerta que a leitura de livros inteiros
precisa de acompanhamento, porque há um objetivo a ser cumprido e esse não deve ser
perdido. O autor ainda orienta que não se deve vigiar o aluno, mas sim acompanhar o
processo de leitura para auxiliá-lo em suas dificuldades (COSSON, 2014, p. 62).
Realizada a etapa III, a última parte desse processo de letramento é chamada de
―Interpretação‖. Foi neste momento de exposição em que o educando apresentou suas
interpretações sobre a obra lida. ―A interpretação parte do entretecimento dos
46
enunciados que constituem as inferências, para chegar à construção do sentido do texto,
dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade‖ (COSSON, 2014, p. 64).
Essa interpretação ocorreu mediante contato dos educandos com o questionário
da pesquisa, no qual a última pergunta: ―Se você escrevesse em diário, de que forma
descreveria sua identificação, sentimentos, impressões e experiências com a obra
lida?” Será aqui nosso corpus para análise de como os alunos interpretaram a obra
mediante a SB desenvolvida.
As revelações da pesquisa: alguns frutos da farta colheita
“E vieram as novidades... As descobertas de um mundo onde tudo era novo.‖
(VASCONCELOS, 2008, p. 44).
Neste capítulo, expomos alguns resultados pontuais que obtivemos com a
intervenção da SB em sala de aula, mais precisamente tratamos da etapa de
interpretação.
Os dados apresentados resultam da análise qualitativa feita às respostas dos
alunos ao questionário e tentaremos verificar como as etapas da SB, contextualizadas à
vivência do educando, promovem o letramento literário.
Assim, como exemplos de respostas que se aproximam bastante nas palavras
usadas para definir/descrever os sentimentos ativados durante a tarefa de interpretação
(4ª etapa da SB) destacamos estas, presentes no quadro 1:
Quadro 1 – Categoria Interpretação
3 Resposta transcritas conforme escrito pelos alunos no questionário.
ALUNO
Interpretação
3
A3
―... nós lemos o livro Meu pé de laranja lima, foi muito engraçado, porque o
protagonista era muito travesso e parecia comigo. Eu gostei muito da aventura
dele, porque ele tinha uma todo dia e era interessante e foi bom que eu adquiri o
hábito de ler e eu me senti muito feliz por ler dois livros na escola este ano‖.
A5
―Nas últimas semanas, nós lemos a obra Meu é de laranja lima. É uma história
muito boa ela conta a vida do autor na infância, ele conta que era de uma família
pobre, o pai vivia desempregado, quem trabalhava na casa era a mãe deles, Zezé,
o autor do livro, na infância era um menino muito esperto e sabia de coisas que
alguns adultos não sabiam, no decorrer da história ele faz um amigo que era seu
inimigo e também ele tem um amigo que era uma árvore mas algum tempo
depois o portuga – o amigo que era inimigo – morre e ele fica muito triste pensa
até em se matar mas ele continua com a mesma vida‖.
A6 ―Meu pé de laranja lima, ele é um livro que com ele você aprende a ler mais, nele
47
Fonte: Autoria própria. (2016).
A título de exemplo, todos esses cinco alunos demonstraram, em suas
respostas, a interpretação livre e com características bem particulares do que sentiram e
de como entenderam a obra. Esses sentimentos mesclados nas interpretações e expostos
nas respostas foram despertados desde a etapa de motivação.
Ao analisarmos a resposta do A3, percebemos que, ao tempo que ele se
identifica com o protagonista do livro, ele também considera que essa leitura ativou nele
o gosto de ler, além de se mostrar feliz por ter lido, na escola, dois livros literários
durante aquele ano letivo.
Já o A4 expõe a interpretação da obra em gênero resumo, utilizando-se dos
conhecimentos adquiridos durante a etapa chamada Introdução (na qual apresentamos a
obra e curiosidades sobre o autor). Este aluno ver no protagonista Zezé a figura de José
Mauro de Vasconcelos e assim faz conexões entre o enredo da obra e o autor em toda a
sua resposta.
Quando tratamos da resposta do A6, percebemos que a interpretação dele é
mais vaga, porém muito centrada nos sentimentos que ele percebeu presentes no
protagonista Zezé, mas precisamente o sentimento de tristeza, o que denota a empatia
do aluno pelo personagem da obra.
Quanto ao A7, este já inicia sua interpretação afirmando que deseja ler
novamente a obra, porque aprendeu muito com ela. E continua afirmando que se
entristeceu com determinadas partes do enredo, mas é precisamente no fato ocorrido no
desfecho da narrativa que, para esse aluno, reside o momento mais triste da história, a
expressão que resume a interpretação deste aluno é justamente a última: ―me comovi‖.
contém uma história de um menino que era desprezado pela família, este menino
tinha um lado bom e um lado ruim, foi essa a história de um menino que era
triste...‖
A7
―... nós temos e ler de novo porque é muito bom de ler porque eu aprendi algumas
coisas com o livro Meu pé de laranja lima. Eu fiquei triste porque ele cortou o pé
com um caco de vidro, ele ficou com medo de levar uma peia dos pais, mas ele
não parava de fazer travessuras, só não gostei muito do livro porque o português
morre e a história ficou muito triste, mas mesmo assim eu me comovi...‖
A9
―Nas últimas semanas nós lemos o livro e me identifiquei com Meu pé de laranja
lima, que eu me identifiquei muito com o garoto Zezé pelas travessuras que ele
fazia, como tentar pegar frutas no quintal dos outros e muito mais, eu só não
gostei muito do livro porque o português morre e a história fica muito triste.
Eu, quando era pequeno, gostava muito de um homem que andava muito comigo,
mas ele ficou lá em São Paulo e eu vim para o Juazeiro e nunca mais o vi assim
senti muita saudade do meu amigo lendo essa história‖.
48
Por fim, o A8 inicia sua interpretação demonstrando também identificação com
o personagem Zezé e suas travessuras, porém, a revelação que este aluno traz se
diferencia das outras no que concerne ao fato da obra lida e da abordagem feita em sala
de aula proporcionar a este educando a ativação de sentimentos, memórias e lembranças
durante a leitura. É a denotação de como a literatura pode tocar o interior humano, neste
caso, momentos que pareciam inertes nas lembranças foram ativados no encontro do ser
com a palavra literária.
Considerações finais
Os frutos da intervenção e da pesquisa realizada na escola podem ser
degustados quando conseguimos perceber que encontramos algumas respostas que
buscávamos há algum tempo. Por exemplo, em resposta a nossa questão principal: De
que forma a SB utilizada no trabalho com a obra Meu pé de laranja lima contribui na
prática do letramento literário em sala de aula? E também como resposta ao nosso
objetivo geral: investigar os resultados da Sequência Básica trabalhada numa
turma de ensino fundamental, entendemos que as etapas: Motivação, Introdução,
Leitura e Interpretação (SB) foram/são ferramentas muito importantes para fortalecer e
atrair a atenção do aluno, além de contribuírem para um trabalho de maior interação
entre alunos e professor num engajamento pedagógico.
A partir das análises dos dados, pudemos perceber que as atividades propostas
intermediaram o desenvolvimento do gosto pela leitura literária. A atividade de
motivação utilizando-se do trailer e de perguntas motivacionais favoreceu a efetivação
das etapas de introdução e leitura coletiva, e esta última, no que lhe diz respeito,
preparou o aluno para a interpretação. Todas essas etapas da SB, promovidas em sala de
aula, mediadas e planejadas em prol do letramento literário, foram eficazes no que diz
respeito à ativação, no educando, do sentimento de gosto pela leitura literária e
proporcionaram indícios de formação de leitores.
Em resumo, podemos pontuar, diante dessas interpretações, alguns resultados
que emergem de todo o trabalho desenvolvido: a leitura literária promovida em sala de
aula, mediada e planejada numa sequência básica, proporciona aos alunos o contato
amplo com a obra e, para alguns, este foi o primeiro contato (e leitura integral) de um
livro literário. O segundo resultado provém da constatação de que as etapas da
sequência básica contextualizadas à vivência do educando promovem o letramento
49
literário e (re)ativam sentimentos que somente o contato com a literatura poderia
proporcionar. Em ambas as constatações, a ênfase recai no ensino de literatura em sala
de aula e como uma abordagem didática, planejada em prol do letramento literário, pode
ser motivadora e ao mesmo tempo humanizadora num contexto de ensino público onde
ainda há contrariedades e dúvidas sobre o porquê de se ensinar literatura.
REFERÊNCIAS
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Educação, 2002.
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cidades, 1995.
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2007.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.
________. Letramento Literário. In: ______. Termos de Alfabetização e escrita
para educadores. Glossário CEALE. Minas Gerais: Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Educação/ Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, 2013.
Disponível em: ˂https://goo.gl/xSjPxQ˃. Data de acesso: 21 de outubro de 2017.
DALVI, M. A.; REZENDE, N. L.; JOVER-FALEIROS, R. Leitura de literatura na
escola. São Paulo: Parábola, 2013.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Editora Cortez, 1985.
KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a
prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008.
LIMA, A. J.R. de. Letramento poético no ensino fundamental. Recife: Fasa, 2016.
MOLINA, O. Ler para aprender: desenvolvimento de habilidades de estudo. São
Paulo: E.P.U, 1992.
OLIVEIRA, M. M. de. Como fazer pesquisa qualitativa. Recife: Bagaço, 2005.
ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.
SOARES, A. Gêneros Literários. 7ª edição. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2007.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
VASCONCELOS, J. M. de. Meu pé de laranja lima. Dinapress: São Paulo, 2008.
50
CAPÍTULO IV
LIVROS, VÍDEOS, MEMES, LINKS À MANCHEIA: POR UMA PEDAGOGIA
DO DISCURSO E DAS MULTIMODALIDADES
Cláudia Rejanne PINHEIRO
José Marcos Ernesto Santana de FRANÇA
Introdução
As questões concernentes ao ensino da língua materna no Brasil com base na
diversidade de gêneros do discurso não são recentes. Além de um longo caminho já
percorrido pela Linguística e por outras ciências da linguagem para fazer com que as
teorias cheguem até o seu público-alvo preferencial: professores (as) e alunos (as) da
educação básica, tais esforços, encontram-se também, pelo menos enunciados, nos
documentos oficiais de ensino desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
elaborados em 1996, bem como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio,
documento conhecido como PCNs +, ou seja, PCNs + 10, visto que foi publicado dez
anos depois dos PCNs, em 2006.
Segundo este documento, ensinar a língua materna é, hoje, ensinar
a ler/escrever/pensar/olhar/sentir/questionar/refletir/agir. Nesse sentido, discutiremos
algumas questões elementares, presentes no processo de produção/recepção da cultura
―letrada‖, ou mais propriamente, da cultura multissemiotizada contemporânea. Em vista
disso, discutiremos alguns conceitos oriundos de teorias contemporâneas da linguagem,
tais como discurso e texto, articulando o campo teórico conhecido como Análise do
Discurso Francesa com as teorias das multimodalidades e do multiletramento, no
intuito de pensar o ensino da língua materna mais conectado com a hodierna ―sociedade
do espetáculo‖ (DEBORD, 1997).
Função-autor, efeito-leitor, (inter) discurso, texto e contexto
Chame nome, rasgue o verbo
Somos todos figuras de linguagem
(Flora Fenix)
A princípio parece uma tautologia dizer que no processo de letramento estão
presentes alguns elementos como autor, texto, leitor e contexto. No entanto, no âmbito
dos estudos de linguagem, há muitas diferenças conceituais acerca de tais elementos, de
51
acordo com os diferentes pontos de vista teóricos pelos quais são vistos. Tais conceitos
estão longe de ser pacíficos, muito menos óbvios. Por isso, a necessidade de
explicitarmos de que forma compreendemos cada um deles.
A nossa tradição escolar está baseada, em geral, no princípio idealista da
linguagem e do autor, segundo o qual o autor é um sujeito consciente das suas emoções,
opiniões, sentimentos e as expressa através dos textos. O leitor, por sua vez, acessaria
essas opiniões e sentimentos por meio da leitura dos textos, bastando para isso ser
usuário do código escrito, que seria a língua. Tal conceito de linguagem como
―expressão dos pensamentos e sentimentos‖ e como algo pacífico, está há muito tempo
superado. Sabemos com diversos teóricos da linguagem, dentre os quais Bakhtin
(1997), que todo ato verbal é um ato de disputa de poder e que a linguagem, para além
da expressão de pensamentos e sentimentos ou como forma de comunicação, é, na
verdade, ―palco de acordo e arena de conflitos‖. Ela é o ―[…] sistema-suporte das
representações ideológicas [...] é o medium social em que se articulam e defrontam
agentes coletivos e se consubstanciam relações interindividuais‖ (BRAGA, 1980 apud
BRANDÃO, 1996), ou mais precisamente, relações intersubjetivas, na perspectiva da
Análise do Discurso Francesa.
Partindo de tais pressupostos, compreendemos o texto, portanto, em duas
perspectivas que se coadunam: 1) como objeto linguístico e/ou multimodal, que
pressupõe um suporte material e 2) como artefato cultural, inscrito numa complexa rede
de elementos sócio-histórico-ideológicos.
Desta forma, o texto é onde os discursos se materializam, mas não de forma
estática, visto que, à medida que são lidos/vistos/ouvidos/sentidos são, a todo momento,
redimensionados, ressignificados. O conceito de texto assim está sintetizado por Orlandi
(2001, p. 64):
[o texto] é uma unidade feita de som, letras, imagens, sequências,
com uma extensão dada, com (imaginariamente) um começo, meio e
fim, tendo um autor que se representa em sua origem como sua
unidade lhe propiciando coerência, não-contradição, progressão e
finalidade.
Já o conceito de discurso, também não é unívoco, não havendo, portanto, uma
Análise do Discurso, mas diversas. Sem a pretensão de adentrar nas diferenças deste
campo, visto não ser objetivo deste trabalho, buscaremos uma síntese que nos apresenta
tanto difícil como perigosa, visto que deixará de enunciar as diferenças no interior do
52
próprio campo, como por exemplo, as diferentes concepções de sujeito, discurso e
formação discursiva entre Michel Foucault e Michel Pêcheux, discutidas mais
detalhadamente em Grangeiro (2007, 2013). No entanto, para a maioria dos pontos de
vista teóricos que se ocupam desse objeto, o discurso é concebido não apenas como fala
ou como linguagem, mas como prática social para a qual incidem fortemente as relações
de poder que por meio dele se estabelecem. Por exemplo, se alguém se refere a uma
mulher negra como ―neguinha‖, o sufixo diminutivo pode significar carinho,
afetividade, proximidade, ou em outra situação, preconceito, discriminação étnica e/ou
de gênero, dependendo do contexto, dos sujeitos envolvidos no ato e das relações de
poder que envolvem os sujeitos, considerando, também, a formação sócio-histórica do
Brasil imerso em uma cultura patriarcal com fortes tonalidades racistas.
Desta forma, o discurso não é apenas o que se diz, mas os efeitos de sentido
produzidos pelo que é dito e também pelo que não é dito, pelo que poderia ter sido dito,
pelo que se deixou de dizer, visto que o silêncio também significa. E no mundo
multissemiótico contemporâneo, é constituído também pelo que é visto, ouvido, sentido,
(des) percebido, em relação às condições sócio-históricas de produção e entre os
sujeitos envolvidos nos atos sócio-comunicativos. Orlandi (2001, p. 65) considera,
portanto, o discurso como ―efeito de sentido entre locutores‖, ou mais precisamente,
diríamos, efeitos de sentido entre interlocutores, visto que os sentidos são
construídos/constituídos na e pela interação entre os sujeitos.
Foucault, na Arqueologia do Saber, apresenta suas conceituações pela negativa.
O que o discurso não é, é aquilo que o define. Para o autor:
Gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de
contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o
intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar,
por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos,
vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as
palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da
prática discursiva. [...] não mais tratar os discursos como conjunto de
signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a
representações), mas como práticas que formam sistematicamente os
objetos de que falam. (FOUCAULT, 2000c, p. 56)
É, portanto, nessa perspectiva, que o sujeito vai se constituindo/sendo
constituído no e pelo discurso, esse ―mais do que a língua e o ato de fala‖ do qual fala
Foucault. O sujeito não é uma entidade substantiva, referencial, a quem se chega por
meio da leitura de um texto. Também não é a origem nem o autor do seu dizer e/ou do
53
seu não-dizer. Ele se constitui/é constituído na relação intersticial da língua com a
história, com os dizeres/saberes/poderes circulantes do jogo social. É assim que ele ―faz
sentido‖.
Para Foucault, o sujeito não existe a priori, nem na sua origem, nem na sua
suposta essência imanentista. Não há, pois, nenhum tipo de essência identitária per si. A
identidade do sujeito é uma construção histórica, temporal, datada e, como tal, fadada
ao desaparecimento. O sujeito, para Foucault, é disperso, descontínuo, é uma função
neutra, vazia, podendo adquirir diversas posições, inclusive a de autor: ―Somos seres de
linguagem e não seres que possuem linguagem‖ (FOUCAULT, 2000a, p. 20-21).
A questão da autoria foi problematizada por Foucault (2000b, 2011). O que é um
autor? Quem fala? Hoje, com as novas tecnologias da comunicação e informação, tais
perguntas são ainda mais pertinentes: quem é autor no hipertexto, no wikipedia, por
exemplo, em tempos de cibercultura?
Para Foucault, o autor não é entendido como o indivíduo falante que pronunciou
ou escreveu um texto, mas como ―um princípio de agrupamento do discurso‖, ou ainda,
―[...] aquilo que dá à inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de
coerência, sua inserção no real (FOUCAULT, 2000b, p. 28).
Isso quer dizer que um nome próprio de autor tem o seu papel no processo de
significação, visto que cria redes de expectativas. Quando dizemos que um texto é de
―Machado de Assis‖, sabemos que é um autor do século XIX, brasileiro, que escreveu
romances realistas, com personagens de fortes conotações psicológicas, o que o faz
diferente, por exemplo, de Arnaldo Antunes, autor contemporâneo que escreve poesias,
letras de canções com traços marcantes do Modernismo e da poesia concreta.
No entanto, o autor não tem o peso que a nossa tradição escolar o atribuiu e
muito menos a pessoa física do autor pode ser confundida com o enunciador do texto.
Confunde-se leitura com o acesso ao ―infinito particular‖ do autor. O que ele estava
sentindo, pensando, o que ele estava ―querendo dizer‖? Na realidade nunca se saberá,
visto que o sujeito não é agente totalmente consciente do seu dizer, nem do seu sentir,
nem do seu pensar, nem do seu saber.
A Análise do Discurso, a partir de Michel Pêcheux, por exemplo, constituiu-se
sob fortes bases psicanalíticas na perspectiva de Lacan (1994, p. 62), para quem: ―O
sujeito não sabe o que diz por uma razão simples: ele não sabe quem é‖. Isso quer dizer
que a função-autor não tem acesso completo ao que diz nem pode prever todas as
54
possibilidades interpretativas do ―seu‖ texto depois que ele entra na ―ordem do
discurso‖.
Desta forma, os sentidos se constituem numa teia ininterrupta de
dizeres/saberes/poderes, ditos em outros lugares, em outros momentos, de outras
formas. Assim, todo dito é um já dito em outro lugar, que atua de forma decisiva no
processo de memória/esquecimento, responsável pela ativação de determinadas
representações, culturalmente construídas, arquivadas numa memória discursiva,
cultural, sócio-histórica e responsável pela produção e interpretação dos efeitos de
sentidos produzidos nos diversos enunciados. Pêcheux (1999, p. 54) vai denominar este
fenômeno de interdiscurso e defini-lo como:
Aquilo que, em face de um texto que surge como acontecimento a ler,
vem restabelecer os ―implícitos‖ (quer dizer, mais tecnicamente, os
pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos,
etc), de que sua própria leitura necessita: a condição do legível em
relação ao próprio legível. [aspas do autor]
Nesse sentido, Courtine, trabalhando sobre o conceito de interdiscurso de
Pêcheux, define a memória discursiva:
A memória concerne à existência histórica do enunciado, no seio de
práticas discursivas [...], capaz de dar origem a atos novos, no sentido
de que toda a produção discursiva acontece numa conjuntura dada e
coloca em movimento formulações anteriores já enunciadas.
(COURTINE, 1999, p. 16)
Tal concepção de processos de produção de sentidos coaduna-se com os
documentos oficiais da educação brasileira, a respeito do conceito de leitura:
Ler é uma atividade complexa que faz amplas solicitações ao intelecto
e às habilidades cognitivas superiores da mente: reconhecer,
identificar, agrupar, associar, relacionar, generalizar, abstrair,
comparar, deduzir, inferir, hierarquizar. Não está em pauta apenas a
simples decodificação, mas a apreensão de informações explícitas e
implícitas e de sentidos subjacentes, e a construção de sentidos que
dependem de conhecimentos prévios a respeito da língua, dos gêneros,
das práticas sociais de interações, dos estilos, das formas de
organização textual. (INEP, 2009, p.53).
Imaginar, portanto, que é possível acessar os sentimentos, os pensamentos do
autor através dos textos é uma ilusão psicologizante que não nos conduzirá a nenhum
lugar. Se conseguirmos, com a leitura, recuperar: as relações entre os textos e outros
55
textos, entre os discursos e outros discursos que os constituem; os implícitos, os
pressupostos, os não-ditos, já é tarefa demasiada e bastante significativa de leitura e de
letramento.
Nesse sentido, todo texto tem um autor, mesmo que o seu nome próprio não
esteja no texto, mesmo que seja anônimo; todo texto tem uma voz que fala, e dada a
concepção de sujeito como atravessado constitutivamente por discursos diversos, a voz
do autor é sempre, em maior ou menor grau, uma voz coletiva. Portanto, a suposta
unidade do autor é nada mais do que um efeito de sentido do discurso e da sua posição
de sujeito. Por exemplo, o editorial de um jornal ou revista em que não consta o nome
do autor, ainda assim, ele está lá enunciando. É este ―princípio de agrupamento do
discurso‖ que enuncia em nome de um grupo de pessoas que assume e se responsabiliza
por aqueles dizeres.
Há um questionamento de Foucault (2011) também quanto à ―obra‖, visto que
há uma série de dispositivos de apagamentos da história dos textos. ―A Bíblia‖, por
exemplo, são textos distintos, transmitidos durante séculos pela oralidade, escritos por
diversos autores, em diversas línguas, em vários momentos históricos diferentes, muitos
dos quais foram interditados pelas instituições religiosas mais hegemônicas e, no
entanto, pensa-se em uma obra, como ―um livro‖. A ―obra‖ do autor também não passa
de um efeito de unidade.
Assim, a função-autor tem sua contrapartida no ―efeito-leitor‖ e este é
pressuposto na materialidade do texto. Não se pode falar do lugar do outro. No entanto,
―[…] pelo mecanismo da antecipação, o sujeito-autor projeta-se imaginariamente em
que o outro o espera com sua escuta, constituído, assim, em sua textualidade, um leitor
virtual que lhe corresponde como o seu duplo‖ (ORLANDI, 2001, p. 61). Por exemplo,
nas revistas direcionadas ao público feminino no Brasil, as temáticas, em geral, versam
sobre beleza, cuidado com o corpo, a pele, o cabelo. Ao mesmo tempo que pressupõe,
constrói imaginariamente um sujeito feminino que, supõe-se, tenha tais temáticas como
questões primordiais das suas vidas.
Como síntese, temos que a função-autor, como unidade de sentido formulado,
em função de uma imagem de leitor virtual, relaciona-se com o efeito-leitor como
imagem de um sentido lido. Desta forma, segundo Orlandi (2001, p. 65), ―Tanto a
função-autor como o efeito-leitor atestam que, no discurso o que existem são efeitos de
sentidos variados, dispersos, descontínuos, sendo sua unidade uma construção da
ideologia e do inconsciente.‖
56
Nessa perspectiva, se o discurso é, pois, efeito de sentidos entre interlocutores,
os sentidos não são, portanto, propriedade privada, nem do autor, nem do leitor, muito
menos de uma imanência onipotente do texto. Os sentidos são efeitos de troca de
linguagem e são construídos/constituídos na interação conflituosa entre autor, leitor,
texto e contexto, compreendido o contexto, aqui em duas perspectivas: 1) como
condições sócio-históricas ideológicas de produção dos discursos e 2) como um
contexto mais imediato, de interação circunstancial.
Multissemioses e multimodalidades
A grande quantidade de imagens das diferentes práticas de escrita digital
colocou a linguagem visual em evidência. Textos com duas ou mais modalidades
semióticas em sua composição tomaram o lugar das tradicionais práticas da escrita,
provocando efeitos nos formatos e nas características desses textos, resultando no que
foi denominado de ―multimodalidades‖.
Nas palavras de Kress e van Leeuwen (1996, p. 10), ―[…] gêneros orais
combinam a língua e ação em um todo integrado, os gêneros escritos combinam a
língua, a imagem, e as características gráficas em um todo integrado‖. Os
diversos gêneros discursivos produzem significados e estabelecem relações através dos
textos ou discursos neles veiculados. Esses, por sua vez, materializam-se através da
linguagem, seja ela verbal ou não-verbal. Todo o arranjo visual existente no gênero, ou
seja, a diagramação, cores, figuras, tipo de papel (no caso de texto escrito) ou até como
as pessoas se comportam nos textos orais (gestos, entonação de voz, expressões faciais),
Kress e van Leeuwen (op. cit, p. 183), chamam de multimodalidade. Esses elementos
não são apenas ornatio, enfeites, são parte constitutiva dos significados.
Multimodalidade, portanto, refere-se ao uso de mais de um modo de representação num
gênero discursivo. Textos multimodais são, de acordo com Kress e van Leeuwen
(ibidem, p. 183), aqueles que realizam seus significados por meio da utilização de mais
do que um código semiótico.
Desta forma, em todas as esferas da vida social, há uma crescente utilização de
textos multimodais na produção de significados. No entanto, as imagens ainda são
percebidas como um meio de comunicação menos especializado do que o verbal, já que
57
a leitura de textos visuais é menosprezada na escola, que acaba produzindo, de acordo
com Kress e van Leeuwen (1996) ―iletrados visuais‖.
Assim como se aprende a ler e a produzir textos verbais, possuindo uma
―gramática‖ específica para tais processos, também é necessário aprender a ler os textos
não-verbais, compreendendo alguns mecanismos e estruturas formais para formulá-los e
interpretá-los.
Nessa perspectiva, com a multiplicidade das semioses contemporâneas, a
Análise do Discurso vem se aproximando da Semiótica e propondo instrumentos de
análise dos textos multimodais. Uma das grandes contribuições dessa corrente, nesse
sentido, é o trabalho de Jean-Jacques Courtine (2011, 2012), dentre outros, sobre a
leitura da imagem e do corpo.
Leituras em Multiletramento
Com a multiplicidade de textos imagéticos, surge, pois, a necessidade de
repensar a concepção de letramento. Para Soares (2002), letramento refere-se a uma
multiplicidade de habilidades que devem ser aplicadas a uma ampla variedade de
materiais de leitura e escrita e compreende diferentes práticas que dependem da
natureza, estrutura e aspirações de determinada sociedade.
Já o termo multiletramento, por sua vez, foi nomeado em 1996 com a publicação
de um artigo intitulado A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures, na
revista Harvard Educational Review (Cazden et all, 1996), por um grupo de dez
pesquisadores americanos, ingleses e australianos, conhecido como e The New London
Group. O argumento usado pelo grupo é o de que nossa vida pessoal, pública e
profissional vem mudando consideravelmente e que essas mudanças transformam nossa
cultura e o modo como interagimos socialmente. Dessa forma, a concepção de
letramento também vai se alterando no sentido de acompanhar tais mudanças.
Segundo Cope e Kalantzis (2009), dois dos precursores deste grupo, o termo
Multiletramento enfatiza duas mudanças importantes e correlacionadas. A primeira, é a
importância da diversidade linguístico-cultural; e a segunda, é a influência da linguagem
das novas tecnologias da comunicação e da informação. O significado emerge, portanto,
de modos variados (multimodais), – escrita, imagens, movimento, áudio – o que requer
um conceito de letramento novo e multimodal, principalmente no tocante ao letramento
visual, haja vista a força que a imagem adquiriu no mundo contemporâneo.
58
Nesse sentido, é sabido que as cores, os ambientes, os enunciados das falas, os
textos, os sons presentes nas imagens possuem significados que serão administrados
pelas leituras daqueles que as fazem e daqueles que as assistem. Tanto quem vê quanto
quem produz as representações estão sujeitos a leituras sociais reais. Interpretar uma
imagem é um processo complexo que envolve o verbal e os aspectos mais diversos do
mundo social e cultural.
Assim, apesar de fazer parte do cotidiano dos(as) alunos(as), os textos
multimodais ainda são pouco explorados durante a vida escolar. Não somos
―alfabetizados‖ para ler imagens; em geral, não há nenhum tipo de ensinamento formal
para interpretá-las. O conhecimento escolar é preponderantemente verbal, o que acaba
produzindo, de acordo com Kress e van Leeuwen (1996), o ―iletrismo visual‖.
O letramento visual é um processo que exige prática e sólidas bases teóricas. É
importante ao professor conhecer as linguagens das diversas mídias, dominar a
dinâmica dos textos multimodais com seus links para outros textos. A escola não pode
esquecer que a multimodalidade já faz parte de quase tudo em nosso cotidiano. Kress e
van Leeuwen (1996, p. 183) defendem uma pedagogia que reconhece a natureza
dinâmica da comunicação, a importância de entender e experimentar textos presentes e
culturalmente pertinentes e de projetar novos textos, além da necessidade de questionar,
interpretar e criticar o que é visto e experimentado. Assim, eles defendem a visão
semiótico-discursiva da linguagem, ocupada em considerar o discurso como prática
social.
Nessa perspectiva, a língua é entendida, pois, como parte de um
contexto sócio-cultural. Assim, os elementos visuais, sonoros, gestuais existem dentro
dos sistemas de representações moldados pela cultura e pela história e tais informações
são sempre carregadas de conteúdos ideológicos. Desta forma, não mais é possível
conceber a língua como um conjunto de ―signos verbais‖, conforme o fez, no início do
século passado, o mestre Ferdinand de Saussure (1916, 2006). A língua é um conjunto
de signos verbo-voco-visuais e como fenômeno sócio-histórico e ideológico, necessita
ser aprendido.
No contexto brasileiro, Dionísio (2006) também propõe uma revisão do conceito
de letramento a partir da constatação de uma crescente mudança nas formas de interação
humana, influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico. A autora designa por
multiletramento a ―[…] capacidade de atribuir e produzir sentidos a mensagens
multimodais‖ (DIONÍSIO, op. cit, p. 130). Desta forma, a noção de letramento como
59
habilidade de ler e escrever não abrange todos os diferentes tipos de representação do
conhecimento existentes em nossa sociedade. Para a autora, ―[…] na atualidade, uma
pessoa letrada deve ser uma pessoa capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de
múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz de produzir mensagens,
incorporando múltiplas fontes de linguagem‖ (ibidem, p. 131).
Tal concepção coaduna-se com as Orientações Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio, documento conhecido como ―PCNs +‖, o qual atesta que: ―[...] o objeto
de ensino privilegiado são os processos de produção de sentido para os textos, como
materialidade de gêneros discursivos, à luz das diferentes dimensões pelas quais eles se
constituem‖ (BRASIL, 2006, p. 36).
O documento traça, ainda, o perfil do aluno do ensino médio, na disciplina
Língua Portuguesa:
O aluno, ao longo de sua formação, deverá conviver, de forma não só
crítica mas também lúdica, com situações de produção e leitura de
textos, atualizados em diferentes suportes e sistemas de linguagem –
escrito, oral, imagético, digital, etc. –, de modo que conheça – use e
compreenda – a multiplicidade de linguagens que ambientam as
práticas de letramento multissemiótico em emergência em nossa
sociedade, geradas nas (e pelas) diferentes esferas das atividades
sociais – literária, científica, publicitária, religiosa, jurídica,
burocrática, cultural, política, econômica, midiática, esportiva etc.
(BRASIL, 2006, p. 32)
O documento de 2006 vai além dos Parâmetros Curriculares, de 1996, que
enfatizava mais as modalidades oral/escrita, à medida que incorpora as questões das
multiplicidades semióticas do mundo contemporâneo, povoada de gêneros híbridos,
multimodais, como o hipertexto, os textos da publicidade que utilizam mais de uma
forma de semiotização. Nesse sentido, o conceito tradicional de letramento como
inserção do cidadão no universo da fala e da escrita já não é suficiente para dar conta
das hodiernas práticas multissemióticas.
O multiletramento não deve ser compreendido, ainda, apenas no sentido
linguístico e/ou semiótico. O Brasil é um país culturalmente multifacetado, detentor de
um imenso mosaico social, regional e cultural. Temos um sem número de manifestações
tanto das culturas populares tradicionais como das artes urbanas, as quais, em geral, não
estão incorporadas ao cotidiano escolar. Não é possível mais nesses tempos de
diversidade cultural, nossas escolas e universidades continuarem insistindo, por
60
exemplo, no monologismo dos discursos literários canônicos, silenciando outras formas
de expressão como, por exemplo, a poesia, o grafite, a música, a dança, elementos
fortemente presentes na cultura hip hop, a Literatura de cordel, grande riqueza
brasileira, além de outras expressões culturais como contos indígenas, afro-brasileiros,
canções de capoeira, tradicionalmente ausentes das escolas.
Propostas pedagógicas em Língua Portuguesa que consideram a diversidade
cultural brasileira foram desenvolvidas por inúmeros autores, dentre os quais Souza
(2011) e Grangeiro (2017).
Análise de discurso de meme da internet
A palavra meme vem do grego mimema que tem a mesma raiz de mimese,
significando, portanto, "imitação". Através da sua forma em inglês mimeme, pelo
processo de aférese (queda de fonemas) virou meme. Segundo Blackmore (2002, s/p):
―Desde 1998 o termo entrou na língua inglesa e aparece no Oxford English
Dictionary onde é assim definido: Meme (mi:m), n. Biol. (abreviação de mimeme…
aquilo que é imitado, a imitação de GENE n.).‖
A princípio, o termo referia-se aos estudos evolucionistas de Richard Dawkins
(2007), para quem o meme é considerado como uma unidade de informação que se
multiplica de cérebro em cérebro ou entre locais onde a informação é armazenada.
Quanto à sua funcionalidade, é considerado uma unidade de evolução cultural que pode
de alguma forma autopropagar-se. Para o autor:
Exemplos de memes são idéias, melodias, slogans, as modas do
vestuário, as maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Tal como o
gene se propaga no pool gênico saltando de corpo para corpo, através
dos espermatozóides ou dos óvulos, os memes também se propagam
no pool dos memes saltando de cérebro para cérebro. (DAWKINS,
2007, p. 330)
Podem, portanto, ser ideias ou partes de ideias, sons, desenhos, capacidades,
valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser culturalmente
transmitida. Para Blackmore (2002, s/p):
[o meme] é elemento de uma cultura que pode considerar-se
transmitido por meios não genéticos, em particular através da
imitação. Tudo o que se possa ter aprendido copiando de alguém é um
61
meme; cada palavra na língua, cada modo de dizer. Cada história que
se tenha ouvido, cada canção que se conhece é um meme.
Assim, com o advento das novas tecnologias da comunicação e da informação,
os memes transformaram-se em um gênero discursivo marcante e cotidiano na vida de
todos que utilizam as redes sociais. Para o presente estudo, recortamos um meme que
circula na internet, os quais consideramos como um gênero de discurso por conter os
elementos constitutivos de um gênero, na perspectiva de Bakhtin (1997, p. 279):
O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada
uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu
estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua —
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e
sobretudo, por sua construção composicional. [...]. Cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (grifos
do autor)
Temos, portanto, que os memes estão inseridos no interior de práticas discursivas
de interação humana, possuem conteúdo temático: no caso em tela, o papel da mulher
na sociedade; possuem estilo (os enunciados curtos, escolha da personagem
representativa para o desenvolvimento do argumento irônico); circulam na forma
composicional de enunciados verbais sobrepostos a imagens com fotografias, desenhos,
figuras, cujos suportes podem ser o whatsapp, blogs, sites, twitter, instagram etc. ou
podem ser publicados, ainda, na timeline do facebook de alguém e compartilhado em
outras timelines e/ou grupos. Certamente, existem variados conteúdos, estilos e
construções composicionais dos memes, por isso mesmo que são tipos ―relativamente
estáveis‖ de enunciados, e não sempre idênticos a si próprios, sendo, no entanto,
possível, de se admitir regularidades a ponto de aceitá-los como gênero.
O meme que analisamos em seguida, é um exemplo de gênero multimodal
porque combina duas modalidades semióticas: verbal e imagética. Circulou nas redes
sociais, dentre outros da mesma ―série‖, por ocasião das comemorações do Dia
Internacional da Mulher do ano de 2017:
62
Fonte: Facebook
Se considerarmos os textos isoladamente, temos uma foto clássica de uma
mulher destacada no campo da literatura associada ao enunciado: ―Clarice Lispector
atenta ao orçamento doméstico‖, a princípio, poderiam fazer sentido no interior de uma
formação discursiva sexista, produtora de discursos que imputam ao gênero feminino o
espaço doméstico. Desta forma, para se ter acesso aos sentidos outros produzidos pelo
texto, é necessário recuperar os dizeres aos quais o texto se refere, apelando tanto para
os aspectos linguístico-visuais presentes do texto, como um acontecimento discursivo,
quanto para a memória discursiva.
O nome próprio, por exemplo, ativa um halo de significações, elementos pré-
construídos da memória discursiva do leitor. Clarice Lispector foi escritora, jornalista,
tradutora, contista e ensaísta, nascida na Ucrânia e radicada no Brasil. Uma das figuras
mais influentes do Modernismo e da literatura brasileira, sendo considerada uma das
principais influências de várias gerações de escritores (as). É incluída pela crítica
especializada entre os principais autores brasileiros do século XX. No total, a obra de
Clarice Lispector recebeu mais de 200 traduções para mais de 10 idiomas, do tcheco
ao japonês, sendo mais de 180 traduções integrais de livros e 25 de contos publicados
em periódicos. Seus livros mais traduzidos são os romances: A hora da estrela, A
paixão segundo G. H., Perto do coração selvagem, Laços de família e Uma
aprendizagem ou o livro dos prazeres.
63
Considerando, então, tais elementos, qual seria, pois, o efeito de sentido das
expressões verbais: ―Clarice Lispector atenta ao orçamento doméstico‖ associadas à
imagem de Clarice escrevendo? O efeito de sentido lúdico-crítico, que nos chega por
meio do recurso da ironia. A ironia é uma figura retórica que consiste em produzir
sentidos contrários ao que está sendo enunciado. Para Garcia (2003, p. 136):
Conceber a ironia como discurso irônico significa enxergá-lo como
acontecimento discursivo, como um processo peculiar de
ressignificação cujo espaço material é o interdiscurso e cuja
especificidade discursiva, material, constitui-se no intradiscurso
simultaneamente pelos componentes lúdico e crítico.
Tal efeito de sentido nos é indicado pela hashtag (#) Fora Temer, indicado pelo
sinal gráfico # (cerquilha), conhecido popularmente no Brasil por "jogo da velha" ou
"quadrado". A hashtag é utilizada para categorizar os conteúdos publicados nas
redes sociais, os quais ficam disponíveis para qualquer pessoa que acesse a mesma
hashtag sobre o assunto, permitindo-a comentar, compartilhar ou curtir o conteúdo. Na
rede, as hashtags transformam-se em hiperlinks, indexáveis pelos mecanismos de busca.
Tais memes com a hashtag Fora Temer dialogam, portanto, ironicamente, com o
discurso proferido pelo então presidente da República Michel Temer, em 08/03/2017:
[...] De modo que, ao longo do tempo as senhoras, as mulheres, deram
uma colaboração extraordinária ao nosso sistema. E hoje, como as
mulheres participam em intensamente de todos os debates, eu vou até
tomar a liberdade de dizer que na economia também, a mulher tem
uma grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os
desajustes, por exemplo, de preços em supermercados do que a
mulher. Ninguém é capaz de melhor detectar as eventuais flutuações
econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou
menor. (PLANALTO, 2017)
O discurso do meme constitui-se, portanto, como uma réplica, um contra-
discurso ao discurso do presidente. Somente colocando-os em relação é que se pode
perceber o efeito de sentido da ironia do meme. O discurso presente nesse texto busca
desconstruir o argumento do presidente de que a ―colaboração extraordinária‖ das
mulheres à economia e ao ―nosso sistema‖ encontrar-se-ia no âmbito da economia
doméstica.
O discurso dos memes faz falar, por meio da crítica irônica, cujo efeito é o do
humor, os silêncios do discurso do presidente. Todo discurso é ―autoritário‖ porque
tende à univocidade, à homogeneidade, a apagar o que poderia ter sido dito. O silêncio é
64
constitutivo da linguagem e também operador de discurso. Segundo Orlandi (1997, p.
71):
O silêncio não está apenas ‗entre‘ as palavras. Ele as atravessa.
Acontecimento essencial da significação, ele é matéria significante
por excelência. [...]. É, assim, a 'respiração' (o fôlego) da significação;
um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o
sentido faça sentido.
Tal discurso, do então presidente, esteve, portanto, permeado por não-ditos,
retomados de forma irônica pelo discurso dos memes. Esta fala do presidente foi
amplamente criticada na imprensa e nas redes sociais por proferir dizeres, que, na
contramão dos discursos atuais que destacam o papel da mulher em diversas áreas
profissionais: científica, política, artística, além dos discursos dos movimentos sociais
de mulheres que focam na conquista de mais direitos, o foco do discurso presidencial
recaiu sobre os supostos atributos domésticos do gênero feminino.
Assim, de acordo com o discurso do presidente, ironizado pelo discurso do
meme, a expressão ―Clarice Lispector atenta ao orçamento doméstico‖ seguidas da
respectiva foto, poderíamos, como leitores, inferir e acrescentar outro enunciado
bastante popular e bem difundido nas redes sociais: ―só que não‖.
A partir, portanto, de tal análise, dentre muitas outras possibilidades, podemos
perceber em um meme de internet a quantidade de dizeres, de não-ditos, de interditos,
de elementos sócio-histórico-ideológicos presentes, os quais podem ser discutidos nas
salas de aula, demonstrando como os discursos circulam na nossa sociedade e estão
presentes em diversos suportes e em diversas modalidades semióticas.
Considerações Finais
A cultura não é só ―letrada‖, no sentido etimológico, como ―letra‖, como escrita.
Contemporaneamente, é multimodal, multissemiótica. Nesse sentido, é necessário
ampliar o rol de ―coisas a ler‖, bem como ampliar o significado de letramento, de
leitura, de língua. A clássica definição do mestre Saussure de que a língua é um
conjunto de signos verbais há muito está superada. A língua é um conjunto de signos
verbo-voco-visuais, gestuais, discursivos. A propósito da concepção idealista de leitura
que sedimenta as nossas práticas escolares, esta também precisa ser superada. Ler um
65
texto buscando o que o autor quis dizer ou estava pensando ou sentido não nos conduz a
situações minimamente realistas de interação com um texto. Mais produtivo é buscar a
historicidade, fazer as relações do que o que está dito/mostrado com o que não foi dito,
com o que poderia ter sido dito/expresso, ou dito/expresso de outra forma.
Na perspectiva da leitura discursiva de um texto, necessário se faz recuperar os
implícitos, os discursos outros, os discursos dos ―outros‖ posto que é nesse processo
interdiscursivo e intersemiótico que os textos fazem sentido(s).
Certamente, não podemos discutir todos esses elementos, com toda essa
terminologia em todas as séries escolares, mas, dispondo o professor dos meios, das
bases, é possível orientar para as múltiplas possibilidades de leitura, para os múltiplos
possíveis sentidos dos textos, de forma a aumentar o repertório dos alunos,
considerando a variedade de gêneros do discurso que circulam nas várias esferas da
sociedade, na perspectiva também do multiculturalismo, seguindo as diretrizes das
Orientações Curriculares para o Ensino Médio para a área de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias e mais especificamente para o ensino da Língua Portuguesa Brasileira.
Assim, para (não) finalizar, remetemo-nos ao título deste escrito para parodiar
Caetano Veloso que já parodiou Castro Alves, Jair Rodrigues e mais diversos outros
autores em sua antológica canção Língua: livros, vídeos, links, memes à mancheia,
deixe que digam, que pensem, que falem, que escrevam, que postem, que cliquem, que
pensem, que falem...
REFERÊNCIAS
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68
CAPÍTULO V
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES PARA A (RE)SIGNIFICAÇÃO E
(RE)CONSTRUÇÃO DE CRENÇAS DO E NO COMPLEXO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ADICIONAIS
Fábio Marques de SOUZA
A cultura de aprender e ensinar uma língua adicional baseia-se em teorias
implícitas que são compostas por fatores como crenças, motivações, memórias,
intuições e imagens, dentre outros. Dessa forma, as concepções dos agentes envolvidos
na operação global do ensino de línguas exercem profunda influência em todo o
processo, já que cada indivíduo, permeado por seu contexto sócio-histórico-discursivo,
constitui-se por suas crenças que embasam as atitudes que norteiam seu comportamento
em face do complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas (ALMEIDA FILHO,
1993).
Dessa forma, nosso trajeto, neste capítulo§, inicia-se com a apresentação da
definição de crenças que adotamos, logo após, discute, principalmente a partir de
Barcelos (2007), a mudança de crenças de alunos e professores envolvidos no complexo
processo de aprender e ensinar línguas pela lente teórica da Linguística Aplicada
(In)disciplinar. Apresenta, então, um relato de experiência prática que realizamos em
nossa pesquisa de doutorado (SOUZA, 2014). Encerrando o percurso, uma pequena
reflexão sobre a natureza das possibilidades do trabalho com mudança de crenças,
mesmo quando essa mudança não ocorre.
Neste capítulo, todas as vezes em que adjetivamos o processo de ensino-aprendizagem como complexo,
não nos referimos a um vocábulo que representa a mera oposição ―simples‖ versus ―complexo‖. Fazemo-
nos filiados à teoria da complexidade de Edgar Morin. Para o filósofo, a complexidade, do latim
complexus, vem a representar aquilo que é tecido em conjunto, como fruto ―de constituintes heterogêneos
inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. (...) A complexidade é
efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que
constituem o nosso mundo fenomenal‖ (MORIN, 1991, p. 17). Dessa forma, é inevitável que a
complexidade se apresente ―com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da
ambiguidade, da incerteza‖ (p. 18). Utilizaremos, ao longo deste livro, o termo ―adicionais‖, e não ―estrangeiras‖, ao nos referirmos às
línguas não maternas porque consideramos que o termo ―estrangeiro‖ tem conotações que remetem ao
que é alheio, diferente, oposto. Compartilhando da citação de Almeida Filho (1993) de que aprender
Língua Estrangeira ―é crescer numa matriz de relações interativas na língua-alvo que gradualmente se
desestrangeiriza para quem a aprende (p. 15)‖ e, tendo em vista que a língua, para ser aprendida precisa
se desestrangeirizar num complexo contínuo, julgamos mais adequado nomeá-la como uma língua
adicional, e não estrangeira. Agradecemos a Rosana Rogeri e José Veranildo Lopes da Costa Júnior pela valiosa ajuda na revisão
linguística do presente texto e pelas relevantes sugestões de redação. §Recorte da tese de doutoramento em Educação/USP.
69
Definição de crenças e reflexão sobre as possibilidades de mudança
Em relação à concepção de crenças que subsidiará as reflexões que serão tecidas
ao longo desse texto, acreditamos não ser necessário cunhar uma nova definição para o
termo, em meio a tantas outras já existentes na prolífica literatura acerca das crenças
que permeiam o complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas e, por conta
disso, compartilharemos da definição de Barcelos (2006), já que corrobora com o
sentido que temos adotado para as nossas pesquisas:
[As crenças são] uma forma de pensamento, como construções da
realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos,
coconstruídas em nossas experiências e resultantes de um processo de
interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas
também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais (p.18).
São poucos os estudos, em contexto brasileiro, dedicados a colaborar na
construção de conhecimentos a respeito das condições e dos fatores que atuam na
mudança de crenças de alunos e professores de línguas adicionais. Além do trabalho de
Barcelos (2007), que é a nossa base, tivemos contato com as pesquisas de Blatyta
(1999), Araújo (2004), Kudiess (2005), Pessoa & Sebba (2006) e Souza (2014).
Estamos diante de um tema complexo que merece atenção e pode, em alguma medida,
contribuir não apenas com o desenvolvimento de teorias acerca da mudança de crenças
de professores e aprendizes de línguas adicionais, mas sobretudo enriquecer o leque de
possibilidades para melhorar o ensino de línguas adicionais no contexto brasileiro.
A importância de se saber sobre mudança está relacionada ao próprio
contexto educacional. Afinal de contas, educar é provocar mudanças
ou criar condições para que elas aconteçam, sempre partindo de um
lugar que, no caso, são nossas crenças a respeito do mundo que nos
cerca (BARCELOS, 2007, p. 110).
Ao traçar uma revisão a respeito das características das crenças, a autora
apresenta a visão das crenças como uma estrutura mental, pronta e fixa já ultrapassadas
e argumenta que, na abordagem contextual4, estudos apontam a possibilidade de
modificação, desenvolvimento e ressignificação de crenças ―à medida que interagimos e
4 Barcelos (2001) apresenta as características, vantagens, e desvantagens das três abordagens (normativa,
metacognitiva e contextual) para o estudo das crenças. Um quadro-resumo pode, também, ser consultado
em Souza (2014, p. 43).
70
modificamos nossas experiências e somos, ao mesmo tempo, modificados por elas‖ (p.
114).
A pesquisadora busca compreender mudanças relacionando este termo a vários
sentimentos como dúvida, incerteza, ambiguidade, caos e lança mão das propostas de
outros autores para traçar as seguintes considerações relevantes a respeito da mudança:
i) nem sempre significa alteração na ação, mas sim, na consciência do que se faz; ii)
pode não ser uma maneira diferente de ensinar ou aprender, mas de pensar a respeito de
como se ensina ou se aprende; iii) é um processo lento, demanda tempo e é resultado de
um processo de reflexão que inclui novas formas de pensar e compreender nossas ações.
Compartilharemos, neste texto, da visão de mudança apresentada por Barcelos
(2007) a partir das reflexões de Simão et. al. (2005): um processo complexo, interativo
e de múltiplas dimensões, que pressupõe a interação entre fatores pessoais e contextuais,
intrinsecamente ligados à aprendizagem e ao desenvolvimento, incluindo mudanças ao
nível das crenças e das práticas e a articulação entre ambas.
Borg (2006), ao apresentar o esquema com os elementos e processos na
cognição de professores, destacou a importância dos fatores contextuais no sistema. No
que se refere à mudança de crenças não seria diferente, nossa atuação é feita via
interação em contextos sociais e permeada por nossas crenças. Dessa forma, somos
sempre influenciados por fatores contextuais.
A partir do trabalho de Rokeach (1968), que busca representar a metáfora de um
átomo para comparar com a estrutura das crenças, as imagens 1 e 2, de Barcelos (2007),
apresentam as crenças como dotadas de uma estrutura complexa, formada por sistemas
e teias. Na imagem 1 podemos observar que as crenças se organizam em centrais e
periféricas.
Imagem 1: Representação da estrutura das crenças como crenças centrais e periféricas a partir da metáfora
do átomo de Rokeach (1968).
71
Fonte: Barcelos (2007, p. 118).
Nesta perspectiva, as crenças mais centrais são mais resistentes à mudança e
possuem quatro características, esquematizadas na imagem 2:
(a) são mais interconectadas com outras e, por esse motivo, se
comunicam mais entre si e, dessa forma, trazem mais consequências
para outras crenças; (b) estão mais relacionadas com a identidade e
com o ‗eu‘ do indivíduo; (c) são compartilhadas com outros; e (d)
derivam de nossa experiência direta (―ver para crer‖) (BARCELOS,
2007, p. 117).
Imagem 2: Detalhamento da estrutura central das crenças.
Fonte: Barcelos (2007, p. 118).
É consenso entre diversos pesquisadores que a própria natureza das crenças é um
dos elementos que torna a mudança mais difícil e complexa:
Quanto mais centrais as crenças (ou seja, incorporadas mais cedo,
mais relacionadas com nossa emoção e identidade, e mais inter-
relacionadas com as outras crenças), mais difícil mudá-las porque uma
mudança (adição ou abandono de uma crença) implicaria uma
mudança em todo o sistema, conforme afirmado por Rokeach (1968) e
72
Woods (1996). De acordo com Woods, a mudança de uma crença
torna-se difícil então, pois, como estão interconectadas umas às outras,
é preciso que haja uma desconstrução de algumas crenças para que
outras possam ser incorporadas (BARCELOS, 2007, p. 118).
Pajares (1992) cita Posner et al. (1982) para refletir a respeito da substituição de
uma crença. Os autores argumentam que a insatisfação com determinada crença
existente é o pontapé inicial para que ela seja substituída por outra. Para que a troca
ocorra, a nova crença deve ser inteligível, plausível e consistente com as demais que
compõem o sistema de crenças do indivíduo.
A partir do que foi apresentado, Barcelos (2007) recomenda, nos processos
investigativos da alteração de crenças, a observação, análise e descrição o mais
detalhada possível de como crenças e ações se inter-relacionam em determinado
contexto. Ao apresentar as condições para se mudar as crenças, a autora retoma a
sugestão de Borg (2003) a respeito da importância de que a relação entre mudança
cognitiva e comportamental e o mapeamento da mudança no processo de cognição dos
professores seja objeto de estudo.
Blatyta (1999), a partir da operação global do ensino de línguas de Almeida
Filho (1993) sugere a substituição do termo ―ruptura‖ por ―ressignificações‖ buscando
definir a maneira como as mudanças ocorrem, de forma lenta e processualmente, como
fruto de uma relação dialógica. Pessoa & Sebba (2006) propõem que as metamorfoses
nas crenças e ações não ocorrem com facilidade e alertam para o fato de estarmos diante
de um processo gradual. As autoras destacam a importância de se promover
oportunidades de interação e de explicitação das crenças, bem como favorecer o
caminho da reflexão na e sobre a prática de forma a contribuir para a mudança:
Mudar é difícil, mas é preciso. O professor não muda da noite para o
dia, com pacotes de formação prontos. Ele muda procedimentos
simples – a aula é feita deles – para alterar suas teorias mais simples e
elas irem convencendo-o, aos poucos, de que sua filosofia de ensino
deve mudar para obter resultados de aprendizagem mais eficazes. Não
parece haver mágica no caminho do desenvolvimento profissional de
professores (p. 62).
A partir da revisão dos trabalhos de Araújo (2004), Pessoa & Sebba (2006) e
Blatyta (1999), Barcelos (2007) relaciona, respectivamente, movimentos de
reconstrução, mobilização de teorias pessoais e relação dialógica, de forma a apresentar
que ―a mudança das crenças de professores é um processo dinâmico que envolve idas e
73
vindas, reconstrução e reavaliação‖ (p. 124). Na seção seguinte, apresentamos o estudo
de caso de nossa tese de doutorado.
A análise e possível (re)construção de crenças mediada pelo cinema
No sentido de compreender a mudança de crenças com a dinamicidade
apresentada na seção anterior, nossa pesquisa (SOUZA, 2014) buscou possibilitar vários
momentos para que a reflexão e a explicitação de crenças fossem a mola propulsora
para a ressignificação ou mudança. Nossa tese teve como escopo analisar as crenças de
professores de espanhol-língua adicional (E-LA) em formação inicial, no que diz
respeito ao processo de aprendizagem da língua adicional e ao tratamento unidade e
diversidade linguística experimentada pelo espanhol no contexto do ensino desta língua
para brasileiros; todas essas reflexões mediadas pelo cinema.
Guiamo-nos pela pergunta de pesquisa: se e como se transformavam, com a
mediação do cinema, as crenças de professores de espanhol em formação inicial acerca
do processo de aprendizagem da língua adicional, e do tratamento da unidade e
diversidade linguística, no ensino de espanhol-língua adicional para brasileiros? Tratou-
se de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico que se iniciou com a compreensão
panorâmica do nosso contexto e, a partir de um grupo focal, traçou um levantamento
das crenças dos participantes antes, durante e depois das oportunidades de reflexão
propiciadas ao longo do semestre 2013.2, de forma a compreender, no processo, como
elas se transformavam ou não por meio das atividades de reflexão propostas.
Orientamo-nos em Woods (2003) na condução de nossas ações e, a partir da
utilização do cinema como artefato semiótico mediador, buscamos: i) explicitar as
crenças para análise, inspeção e reflexão; ii) promover situações contextualizadas para
que os alunos participantes se engajassem na confrontação e ressignificação de seus
sistemas de crenças; (iii) buscar proporcionar experiências diferenciadas com o apoio da
sétima arte, sempre explicando os objetivos de cada sequência didática.
Kudiess (2005) afirma que o professor tende a manter as crenças que obteve
como aluno de LA, ao passo que aquelas adquiridas na sua prática, ou em cursos de
formação continuada, são menos resistentes à mudança. Neste horizonte, um ponto
positivo de nossa pesquisa foi proporcionar reflexões com o objetivo de propiciar a
potencialização da compreensão do processo no qual estão envolvidos os participantes
74
durante a graduação, de forma a construir e/ou (re)construir ou (re)significar crenças
favoráveis ao próprio processo de aprender/ensinar uma língua adicional.
Não é possível fazer grandes afirmações sobre como as crenças
evoluem, mas o que se percebe é que estas, sempre que em contato
com novas experiências, passam por um processo de
―amadurecimento‖, seja através dos questionamentos dos professores,
reflexões, conflitos, dúvidas ou simplesmente pela assimilação de
novos conhecimentos, informações e aprendizagens, podendo vir a se
transformar em outras crenças (sofrem mudanças) ou acomodar novas
informações, fazendo com que os professores adaptem as suas crenças
a uma situação específica (KUDIESS, 2005, p. 79).
Nas atividades propostas em nossa pesquisa (SOUZA, 2014), tivemos a
interação e a reflexão como molas propulsoras de possíveis mudanças e
ressignificações, num processo contínuo de avaliação e reflexão na e sobre a ação,
encorajando a conscientização a respeito das crenças dos participantes, mediadas pelo
cinema e à luz da teoria especializada, de forma a tornar as crenças explícitas à
autoanálise e possíveis (re)construções ou (re)significações.
Em relação ao conceito de mudança de crenças, após consistente reflexão e
revisão bibliográfica, Barcelos (2007) conclui que:
é importante lembrar que (...) ela pode se dar em duas acepções: (a)
uma consciência do que se faz, seguida de uma ressignificação ou
reafirmação da crença e da prática atual. Nesse caso, a mudança não
necessariamente significa sempre fazer algo novo ou diferente, mas
envolver-se na reflexão e conscientização de como compreendemos o
que fazemos; e (b) acomodação da crença e mudança de
comportamento ou da ação (p. 129).
Como explicitado na segunda seção, a mudança é um processo complexo e
multidimensional que demanda tempo e depende das percepções de todos os envolvidos
no complexo processo de ensinar e aprender línguas. Assim, a autora destaca que
compreender o processo dinâmico e multidimensional da mudança demanda ―um
conhecimento a respeito da própria estrutura cognitiva e social das crenças. As crenças
mais centrais, que são baseadas em nossa experiência anterior, mostram forte relação
com nossa identidade e nossas emoções‖ (p. 130).
A sala de aula torna-se um local privilegiado, na perspectiva sociocultural, não
somente como ambiente adequado para aprender e ensinar línguas, inclusive ―para se
aprender a pensar sobre a aprendizagem ou sobre fatores desse processo, como as
crenças, os estilos e as estratégias de aprendizagem e suas mudanças‖ (p. 131). As
75
atividades, neste contexto, podem propiciar oportunidades para conscientização a
respeito do que os envolvidos creem a respeito da linguagem e do aprendizado, bem
como as consequências destas concepções para o seu desempenho, sua identidade e suas
escolhas como aprendiz e professor.
O mundo é heterogêneo por natureza e, no nosso contexto, não seria diferente.
Como pode ser observado em Souza (2014), as pessoas são diferentes e percebem o
mundo de maneiras distintas. Dessa forma, a massa heterogênea é a liga social
necessária para que uns acelerem o desenvolvimento dos outros. Dito de outra maneira,
é importante que os cursos de formação inicial e continuada de professores, bem como
as escolas, promovam equipes multidisciplinares de ensino com professores e alunos
com crenças distintas e em diferentes estágios de desenvolvimento, proporcionando a
constituição de comunidades de aprendizagem heterogêneas em que um atue como
mediador mais capaz, auxiliando e potencializando o desenvolvimento do outro.
Pudemos observar que o processo de reflexão das nossas participantes foi
carregado de dúvidas, idas e voltas. Parece haver um conflito constante entre as crenças
arraigadas e os novos olhares propiciados com a mediação do cinema, o que nos leva a
perceber que estamos diante de um processo bastante complexo. Buscamos estimular
nossas participantes a refletir a respeito das concepções de linguagem, língua, língua
estrangeira e ensino-aprendizagem de línguas, bem como o papel do cinema neste
processo de forma a promover uma formação inicial voltada para o desenvolvimento
das competências do professor.
Quanto à nossa pergunta de pesquisa, os resultados da investigação mostraram
que as pessoas reagem de maneira diferente aos diferentes estímulos para reflexão,
(re)significação e (re)construção de crenças e, portanto, estamos diante de um processo
complexo e de evolução gradativa. O cinema possibilitou, na maioria das
oportunidades, a expansão do olhar e do sentir.
Dessa forma, a reflexão mediada pelo cinema, pelo diálogo, pelo intercâmbio e
pela negociação de sentidos entre os envolvidos deve ser incentivada e praticada.
Estamos diante da construção de um processo ativo, dinâmico, instável, possibilitador
de possíveis ressignificações e reconstruções. Lançamos as sementes ao solo e regamos.
Sabemos que as condições estão favoráveis a potencial (re)significação e (re)construção
de crenças, que podem ocorrer de forma lenta e processual ao longo de futuras
experiências e práticas, na medida do possível, mediadas pelo cinema.
76
No grupo focal, contamos com três participantes, todas alunas do curso de
Letras-Espanhol de uma universidade pública do Cariri Ocidental paraibano. Não
podemos afirmar até que ponto as crenças de Lourdes Maria e Isabelly foram,
realmente, (re)construídas e proporcionaram ou proporcionarão mudanças em suas
ações, mas temos indícios e acreditamos que as atividades proporcionadas ao longo de
2013.2 contribuíram positivamente nesse sentido e possibilitaram às participantes ter
novos olhares para os temas trabalhados. Elas se engajaram em um processo de reflexão
e ressignificação de suas crenças. Essas participantes demonstraram maior prontidão
conceitual para mudança, já Ana Cecília se mostrou mais resistente e impermeável ao
conteúdo trabalhado o que não impede que sementes tenham sido plantadas em sua
mente e germinem no futuro, já que a relação entre conscientização oportunizada por
conceitos científicos e a transformação de conceitos cotidianos não é linear, do tipo
estímulo-resposta.
Possíveis contribuições do desenvolvimento crítico-reflexivo
Encerrando nosso trajeto em direção à reflexão sobre a mudança nas crenças de
aprendizes/professores de língua adicional, faz-se necessário reconhecer que uma
participante dotada reflexivamente de conceitos científicos pode até não mudar seus
conceitos relacionados à forma como aprende e ensina determinada língua adicional
bem como o tratamento que dá à variação linguística experimentada pelo idioma,
porém, terá condições de saber os motivos de agir da forma como age e de obter, como
consequência, os resultados que obtém.
Dito de outra maneira, parafraseando Blatyta (1999), nossas participantes podem
até optar por uma mesma solução já anteriormente adotada, escolher não mudar diante
das alternativas e visões apresentadas, mas, a partir de uma compreensão crítica, suas
decisões serão por opção e não por falta de alternativas.
A experiência reforçou nossa tese de que o cinema pode contribuir
significativamente na formação inicial de professores de espanhol língua-adicional
promovendo a conscientização linguística a respeito de como se adquire/aprende a
língua, bem como possibilitando o trabalho com a variação linguística no ensino deste
Os perfis de Lourdes Maria, Isabelly e Ana Cecícila podem ser encontrados, respectivamente, a partir
das páginas 246, 229 e 216 de Souza (2014). Os nomes são fictícios e foram escolhidos pelas participantes.
77
idioma para brasileiros a partir do cinema, considerado – conforme a perspectiva
sociocultural que adotamos – como artefato cultural, ferramenta de mediação simbólica
potencializadora do desenvolvimento humano.
REFERÊNCIAS
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MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 1991.
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em Educação: cultura, organização e educação). Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo: USP, 2014.
78
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P; BARCELOS. A. M. F. (Ed.). Beliefs about SLA: New Research Approaches.
Dordrecht: Kluwer, 2003. p. 201-229.
79
CAPÍTULO VI
PLANOS DE CURSO DE LETRAS: UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES DE
ENSINO DA ESCRITA DE GÊNEROS ACADÊMICOS1
Hermano Aroldo Gois OLIVEIRA
Francisco Vieira da SILVA
Introdução
Estudantes universitários, ao ingressarem no ensino superior, deparam-se com
uma prática de escrita com a qual não estão familiarizados e, por vezes, são mal
interpretados pelos professores que, em alguns casos, atribuem a falta do domínio da
prática de escritura ao não atendimento à esfera acadêmica (OLIVEIRA, 2016).
Além dessa realidade, no ensino superior, há um consenso de que os alunos
recém-ingressos já sabem certas convenções de escrita, haja vista os doze anos de
escolarização, o que dispensaria o professor universitário de ensinar a esses sujeitos a
escrever (FIAD, 2011). E quando são ensinadas, realiza-se a partir da produção de
gêneros (discursivos/textuais) acadêmicos em que se privilegiam, especificamente, os
aspectos composicionais e os movimentos retóricos (BIASI-RODRIGUES, 1998;
MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010).
No entanto, essas orientações não são suficientes para que se alcancem
resultados esperados. Segundo Fiad (2011.), é preciso que essas orientações sejam mais
situadas ao contexto dos universitários, a fim de que certas convenções de escrita sejam
inseridas em suas práticas acadêmicas, tais como os significados que determinada
prática de letramento tem nesse domínio, o que está envolvido quando um estudante é
solicitado a elaborar justificativas e argumentação de acordo com as convenções de
escrita típica da academia, entre outros fatores, conforme discute a autora.
Essas constatações se intensificam quando direcionamos a nossa atenção para os
cursos de formação inicial, especificamente, nos cursos de Licenciatura em Letras,
espaço no qual se espera um significativo trabalho com a produção escrita e que deveria
1 Este texto apresenta uma versão adaptada do trabalho monográfico, intitulado Concepções de escrita acadêmica em
Planos de Curso de Letras (2017), elaborado pelo primeiro autor, sob orientação do segundo autor, no curso de Pós-
Graduação Lato Sensu em Ciências da Linguagem com Ênfase no Ensino de Língua Portuguesa (CLELP/UFPB).
80
se dedicar as dificuldades de escritura, a julgar pelo objeto de estudo/ensino – a
língua(gem).
É nos cursos de Letras que, supostamente, proporciona uma proficiência em
textos escritos frente às demandas de qualificação profissional, uma vez que prepara o
acadêmico para trabalhar com a escrita no ensino de língua materna, que propõe a
relação entre a reflexão teórica e a aplicação prática, mas, também, que encaminha
situações de produções as quais exigem do produtor habilidades para se inserir nas
práticas acadêmicas. Todavia, recentes pesquisas da área mostram que nem sempre foi
assim (HOFFNAGEL, 2010; MENEGASSI; OHUSCHI, 2007; VITÓRIA;
CHRISTOFOLI, 2013).
Não por acaso, como forma de contribuir com o acesso ao letramento
acadêmico, encontramos, de um lado, a presença de componentes, no currículo
universitário, voltados, exclusivamente, para as formas em que os gêneros ―devem‖ se
apresentar ou para a configuração de normas técnicas (HOFFNAGEL, 2010). E, de
outro lado, variado material didático – atual e reeditado – com vista a orientar como
ensinar, mas, também, aprender conceitual e estruturalmente a redação de gêneros
textuais próprias do ensino superior. Esse acervo revela a preocupação de estudiosos
com essa matéria que não é nova2.
Sendo assim, diante dessa realidade, este capítulo se propõe a apresentar
reflexões em torno da questão: que concepções de ensino de gêneros acadêmicos são
sugeridas em planos com foco na produção textual em curso de Letras/Português? Com
o propósito de respondê-la, temos como objetivo geral estudar as concepções sugeridas
a partir dos planos coletados para a análise. Para tal, pretendemos identificar e analisar
as crenças, bem como discutir como estas podem interferir no ensino de escrita no curso
em questão.
Nesse sentido, a fim de dar conta da questão de pesquisa e dos objetivos, o
presente texto encontra-se dividido em cinco tópicos, além desta introdução, na qual,
2 A exemplo, o clássico Comunicação em prosa moderna (1969) de Othon Moacyr Garcia; ou os atuais,
resgatados por Ferreira (2014) e Oliveira (2016), como a coleção Leitura e Produção de Textos Técnicos
e Acadêmicos (2007), coordenada por Anna Rachel Machado, composta por quatro volumes; a obra
Produção Textual na Universidade (2010), de Désirée Motta-Roth e Graciela Rabuske Hendges; e os
mais recentes livros Professora, como é que se faz? (2012), organizado por Elizabeth Maria da Silva e
Ateliê de Gêneros Acadêmicos: didatização e construção de saberes (2014), organizado por Regina Celi
Mendes Pereira; Como escrever e ilustrar um artigo científico (2017), de Björn Gustavii; além, claro, de
manuais de metodologia científica (LAKATOS; MARCONI, 1992; SEVERINO, 2007).
81
brevemente, situamos o contexto do tema investigado no cenário brasileiro. O segundo
referente à fundamentação teórica, na qual discutimos acerca dos estudos linguísticos
que tematizam a escrita em contexto acadêmico pelos quais traçamos a fim de
compreender e analisar o corpus. O terceiro tópico dedicado aos procedimentos
metodológicos, no qual caracterizamos a natureza e tipo da pesquisa que originou este
capítulo, bem como apresentamos o contexto de coleta de dados. O quarto e o quinto,
concernentes à análise de dados, identificamos e analisamos as categorias
sistematizadas a partir da leitura do corpus. Por fim, apresentamos as conclusões a que
chegamos.
Ensino/aprendizagem de escrita acadêmica: prática social particularizada
Defendemos, neste estudo, a concepção de linguagem enquanto forma de ação
entre os sujeitos, atrelada a uma determinada comunidade discursiva, por meio de
gêneros textuais (SWALES 1990 apud HEMAIS; BIASI-RODRIGUES, 2005). Assim,
os gêneros, nessa perspectiva analítica, constituem-se como ferramenta produtiva para o
estudo da escrita. Isso porque, segundo Miller (2012), para que haja concretização de
um gênero como ação social, é necessária a realização da situação e do motivo, tendo
em vista que ―a ação humana, seja simbólica ou não, só é interpretável num contexto de
situação e através da atribuição de motivos‖ (MILLER, 2012, p. 23).
Desse modo, segundo a autora, situações são vistas como
construtos sociais que resultam, não da ―percepção‖, mas de
―definição‖. Uma vez que a ação humana é baseada em (e guiada por)
sentido e não em causas materiais, no centro da ação encontra-se um
processo de interpretação. Antes de podermos agir precisamos
interpretar o ambiente material indeterminado; definimos ou
―determinamos‖, uma situação. (MILLER, 2012, p. 29. Grifos da
autora).
Com isto, entendemos que a situação representa a construção social e, assim
sendo, não material e nem objetiva, uma vez que necessita de uma interpretação para ser
reconhecida. Neste sentido, para a escrita acadêmica, a situação seria como recorrências
de práticas de produção textual, as quais podem ser identificadas por meio de
comparações, analogias ou similaridades entre situações já determinadas pelo sujeito
praticante.
Por sua vez, o motivo, ainda de acordo com a autora, existe em dependência da
exigência da situação em que o gênero será produzido e é definido como ―produtos
82
distintivamente lingüísticos‖ (2012, p. 31). Além disso, Miller (2012) assegura que o
motivo é o que faz compreender a exigência, vista como ―um conjunto de padrões e
expectativas sociais particulares que fornece motivo socialmente objetificado‖
(MILLER, 2012, p.32).
Sendo assim, diante das definições postas pela autora, sobre situação e motivo,
fica fácil compreender a definição assumida por ela acerca de gênero, qual seja a de
―ações retóricas tipificadas fundadas em situações recorrentes‖ (MILLER, 2012, p. 32).
Nessa perspectiva, como já exposto anteriormente, os gêneros são realizáveis em
contextos situacionais e são interpretáveis por regras da situação de recorrência –
tipificados –, embora não sejam estáveis, fixos, visto que são organizados de acordo
com as necessidades de cada contexto social no qual estejam inseridos.
O trabalho desenvolvido por Miller (1984, apud MILLER, 2012) tem ecoado em
outras pesquisas, tais como as desenvolvidas por Swales (1990) e Bazerman (2011). Só
para ilustrar, este último autor (2011) defende uma concepção de gênero que
compartilha o entendimento da escrita enquanto ação social. O pesquisador afirma que
os textos organizam atividades sociais estruturadas e que são influenciados uns pelos
outros.
De acordo com Bazerman (2011), a escrita se constitui pelo o que ele denomina
de fatos sociais que, por sua vez, é o modo como os sujeitos percebem as situações e,
por assim dizer, como configuram o gênero. Isso ocorre porque os sujeitos envolvidos
inserem-se em diferentes comunidades discursivas (SILVA, 2012). Dito de outra forma,
a escrita, mesmo inserida na esfera acadêmica, cuja função, mas não somente, é
socializar saberes, apresenta diversas facetas frente às várias disciplinas do currículo
que constituem contextos discursivos diferenciados da academia
Essa concepção de escrita desconsidera o gênero como estrutura formal e fixa
para considerá-lo como forma dinâmica ou, à luz de uma perspectiva social3
3 Em seus estudos, Reinaldo; Bezerra (2012) destacam três perspectivas analíticas existentes para as
abordagens teóricas de gênero, quais sejam a) perspectivas textuais; b) perspectivas contextuais e; c)
perspectivas sociais. As textuais estão relacionadas aos traços formais dos gêneros para fins de
classificação, descrição e/ou ensino. As contextuais, as quais incluem as sociorretóricas e as
sociodiscursivas, estariam voltadas ao contexto de uma situação de uso. E, por fim, as sociais que
examinam como os gêneros refletem e tornam os participantes capazes de engajar-se em eventos
linguísticos, mas, também, sociais particulares.
83
(REINALDO; BEZERRA, 2012), como formas retóricas tipificadas (MILLER, 1984, p.
159 apud BAZERMAN, 2011, p. 27). Desse modo, na esfera acadêmica, os gêneros
solicitados se apresentam com diferenças retóricas em função das exigências e crenças
postas por professores de diferentes áreas do saber em relação com seus alunos.
Para Silva (2012), a escrita vista como prática social é fortemente considerada
pelos teóricos do Letramento, uma vez que atende às particularidades de diferentes
grupos de indivíduos. Outrossim, nessa perspectiva, a escrita, por ser de natureza
situada, estaria voltada às particularidades de um grupo de indivíduos que dialogam
certas exigências e propósitos. Assim, ―escrever é uma prática social orientada por
objetivos específicos dos diferentes membros de uma comunidade‖ (SILVA, 2012, p.
101).
Conforme assinala o autor supracitado, esta abordagem de ensino de escrita
volta-se para um contexto mais amplo, além dos traços formais e discursivos, reflete o
caráter social da linguagem. Reforçamos essa afirmação a partir das considerações
Bawarshi (2003, p. 5 apud SILVA, 2012, p. 100, destaque do autor):
[A virada social nos estudos da composição escrita] reconhece que há
mais em jogo no texto do que aparente cognição autônoma do escritor;
há também várias forças sociais que constituem a cena da produção no
interior da qual a cognição do escritor bem como seu texto estão
situados e moldados.
Logo, a partir do que é posto pelo pesquisador, não seria estranho reconhecer
que as exigências e formas da escrita variem entre as diferentes áreas do conhecimento.
É importante destacar, ainda, que as práticas de escrita são consideradas como
mediadoras das práticas sociais (BAZERMAN, 2007). O principal motivo para isso
ocorrer é que os gêneros fornecem possibilidades de tipificação e reconhecimento das
ações. Nesse sentido, Miller (2012) nos orienta a perceber que, como a escrita é
estabelecida como social, pela situação e pelo motivo, os gêneros seriam ―um meio
retórico para a mediação das intenções privadas e da exigência social‖ (MILLER, 2012,
p. 39).
Assim, diante da explanação sobre a percepção da prática de escrita enquanto
ação social, cuja constituição é feita por indivíduos inseridos em contextos situados e
particularizados, reafirmamos o que já foi posto por Miller (2012) para quem a escrita é
uma ação contextualizada e tipificada. Entendemos por contextualizada porque se vale
de uma situação para se concretizar e ter uma função. Por sua vez, reafirmamos
84
tipificação porque, como assegura Bazerman (2007), contribui para a estabilização e
(re)produção das instituições e comunidades sociais. Com isso, evidenciam-se os
gêneros enquanto unidade de ensino/aprendizagem da escrita para situações específicas
de uso em componentes curriculares, como se verá nas próximas linhas.
Currículo e abordagens sobre ensino de escrita
Em linhas gerais, a noção de Letramento acadêmico, concebida dentro da área
dos Novos Estudos do Letramento, compreende que a prática de escrita não pode ser
entendida como atividade neutra e desvinculada dos contextos de uso, mas que estão
associadas às funções e contextos específicos. Desse modo, Lea e Street (1998 apud DA
CRUZ, 2007) defendem que a escrita acadêmica é orientada sob três principais
perspectivas ou modelos, quais sejam: i) estudo das habilidades, ii) socialização
acadêmica; e iii) letramento acadêmico.
O primeiro modelo compreende que a escrita e o letramento são habilidades
individuais e cognitivas das quais os estudantes precisam adquiri-las, como também
desenvolvê-las para, assim, transferi-las aos contextos mais amplos da universidade.
Contudo, priorizar apenas esse modelo é desconsiderar habilidades do estudante
adquiridas no ensino básico, de modo que qualquer dificuldade surgida seria de inteira
responsabilidade deste.
O segundo modelo, o de socialização acadêmica, diz respeito
à aculturação aos discursos e aos gêneros específicos das disciplinas e
dos conteúdos, ou seja, o estudante adquire os modos de falar, de
escrever, de pensar e de usar o letramento que os membros tipificados
de uma disciplina ou área temática usam (DA CRUZ, 2007, p. 8).
Conforme citação, fica a cargo do professor fornecer oportunidades da vivência
acadêmica para que, assim, o estudante, de fato, insira-se na comunidade discursiva.
Neste modelo, há uma concepção de que os gêneros que permeiam a esfera acadêmica
apresentam regularidades que, uma vez identificadas, permitem àquele que produz um
melhor engajamento na esfera em questão.
O terceiro modelo, chamado de letramento acadêmico, visto de forma mais
específica, compreende os múltiplos letramentos existentes na esfera acadêmica. Nele,
está explícito que no currículo universitário há envolvidas práticas comunicativas que se
diferenciam a julgar pelas disciplinas e pelos gêneros acadêmicos em que se inscrevem.
85
Ainda de acordo com esse modelo, fica a cargo do estudante desenvolver um repertório
linguístico que esteja em comunhão com as diferentes áreas do saber.
Sendo assim, diante da apresentação dos três modelos sugeridos por Lea; Street
(1998 apud DA CRUZ, 2007), fica evidente que não há uma valorização de um em
detrimento do outro, como também que não há uma exclusão, mas sim um contínuo
entre ambos; como assegura Da Cruz (2007):
Compreendemos que um modelo não exclui o outro, pelo contrário,
hibridizam-se, pois privilegiam eixos de trabalho por cujo intermédio
o estudante compreenderia as práticas de escrita necessárias para
transitar em cada contexto acadêmico (p. 8).
Portanto, ressaltamos que esses modelos apresentados, quando trabalhados em
conjunto, possibilitam aos alunos ingressantes (mas não somente estes) transitarem em
diversos contextos acadêmicos que circundam a universidade.
Outrossim, convém considerar que a seleção dessas abordagens reflete a
identidade de currículo no qual componentes curriculares com foco na escrita estão
inseridos. Nesse sentido, ao estudar sobre currículo, Silva (2002) evidencia o papel
formativo deste documento. Para tanto, considera que o currículo tem representações
para além daquelas aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. ―O currículo é
relação de poder. O currículo é trajetória, viagem percurso. [...] O currículo é
documento de identidade‖ (SILVA, 2002, p. 150).
Desse modo, é preciso reconhecer que a necessidade de contemplar um currículo
sobre escrita reflete o contexto atual de cursos de graduação e pós-graduação, no qual
não há disciplinas (ou quase não há) dedicadas ao ensino da escrita (HOFFNAGEL,
2010), diferentemente da realidade nas universidades americanas, as quais, sob a
influência da internacionalização do ensino do inglês (britânico ou norte-americano)
para fins acadêmicos, propõem iniciativas a partir de abordagens e práticas de escrita (e
leitura) no ensino superior, na tentativa de suprir as dificuldades dos alunos com o
gênero acadêmico (SANTOS, 2014).
Procedimentos metodológicos
A pesquisa, a qual originou este capítulo, é de natureza qualitativa. E assim é,
pois não busca relações entre fenômenos nem cria leis universais, mas, sim, procura
86
entender, bem como interpretar fenômenos e processos socialmente situados em um
dado contexto (BORTONI-RICARDO, 2008). O pesquisador, nessa perspectiva, integra
parte do processo de conhecimento e, a partir disso, interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes significado. No que concerne à geração de dados, a pesquisa é
classificada como documental, tendo em vista que o foco se volta para a investigação e
análise de documentos impressos. Sobre esse tipo de pesquisa, Severino (2007) afirma
que
tem-se como fonte de documentos no sentido amplo, ou seja, não só
de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de
documentos [...] Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não
tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir
da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise (p.
122).
Assim, este tipo de pesquisa vale-se de documentos os quais não receberam
tratamento analítico, isto é, são vistos ―em primeira mão‖. Nesse sentido, cabe ao
procedimento do pesquisador o devido tratamento com o material examinado, a partir
de técnicas e rigor científico.
Para a reflexão dos dados, o nosso corpus constitui-se da descrição e
interpretação de três planos do curso voltados ao ensino/aprendizagem de produção
textual em Letras/Português de uma instituição federal pública do estado da
Paraíba/Brasil, são eles: 1.1 Leitura e Escrita: Teorias Sócio-cognitivas; 1.2 Leitura e
Escrita: Teorias Sócio-interacionistas – referente ao grupo de componentes curriculares
obrigatórios –, ofertados nos dois primeiros períodos da respectiva graduação; e 1.3
Teoria de Estudos Linguísticos3: Gêneros acadêmicos – referente ao grupo de
componente curricular optativo – ofertado no quarto período4, conforme consta na
tabela a seguir:
3 Ao longo deste trabalho, este termo será retomado como Tel: gêneros acadêmicos.
4 Conforme Resolução nº 10/2013/CNE/UFCG, os componentes curriculares de natureza optativa é
ofertado a partir do quarto período. Desse modo, como se trata de um componente complementar
optativo, não há garantia que especificamente Tel: gêneros acadêmicos seja ofertado, com regularidade,
em todo o quarto período das turmas de ingressantes no curso em questão.
87
Tabela 1: Descrição do corpus
A coleta de dados foi realizada, por meio da consulta do Fluxograma do Curso
de Licenciatura em Letras: Língua Portuguesa (Diurno)5, no qual selecionamos os
componentes curriculares que apresentassem já nos títulos o termo escrita ou que
fizesse alusão a este objeto. Dentre a grade curricular oficial do curso em questão, a
composição curricular apresenta, na sua distribuição, núcleos de conteúdos básicos,
complementares obrigatórios e optativos (além das atividades extra-acadêmicas),
conforme tabela a seguir:
Tabela 2: Caracterização da grade curricular do curso de Letras
5 Extraído da Resolução nº 10/2013/CNE/UFCG:
http://www.ufcg.edu.br/~costa/resolucoes/res_16162012.pdf. Acesso em 15 de Outubro de 2016.
Componente curricular Crédito (CR) Carga horária (CH) Característica
Leitura e Escrita:
Teorias Sócio-cognitivas
4 60 Obrigatória
Leitura e Escrita:
Teorias Sócio-
interacionistas
4 60 Obrigatória
Teorias de Estudos
Linguísticos: gêneros
acadêmicos
4 60 Optativa
Fonte: Elaboração própria
Fonte: Resolução nº 10/2013/CNE/UFCG
88
Nosso encaminhamento para análise do corpus se dará, essencialmente, sob as
categorias, inicialmente descritas: a) escrita acadêmica como objeto de ensino; b) escrita
acadêmica como objeto de inserção em práticas e eventos de letramentos.
Esse percurso metodológico está articulado à necessidade de desenvolver uma
análise que melhor possa explanar os planos em questão, bem como desenvolver uma
análise que permita desvelar as concepções de ensino de gêneros acadêmicos sugeridas
nos componentes curriculares em foco.
Escrita acadêmica como objeto de ensino
Em outro momento, dissemos que o ensino da escrita no contexto acadêmico é
particularizado por meio do planejamento e produção de gêneros textuais atrelados a
uma determinada comunidade discursiva (SWALES 1990 apud HEMAIS; BIASI-
RODRIGUES, 2005). Não por acaso, percebemos, na leitura do corpus, o apoio a esta
ferramenta como meio produtivo para o estudo da produção escrita nos planos
investigados.
Nesse sentido, claramente, é possível identificar, na seção Conteúdo
programático, gêneros acadêmicos que são estudados conforme o objetivo do currículo
para cada período letivo de atuação do sujeito aprendiz, conforme quadro a seguir:
Quadro 1: Habilidades requeridas conforme vivência acadêmica
Elaboração própria
6 Convém considerar que o nosso foco, nesta investigação, são os gêneros acadêmicos escritos. Logo,
embora estejamos evidenciando todos os gêneros contemplados em cada plano, nos deteremos à análise
essencialmente aos escritos.
Períodos Componentes curriculares Gêneros acadêmicos
1 Leitura e escrita: teorias
sociocognitivas
Resumo e resenha
2 Leitura e escrita: teorias
sociointeracionistas
Seminário6, Artigo científico
4 Tel Gêneros Acadêmicos Esquema, resumo, resenha, artigo científico,
seminário* e relatório
89
Assim, de acordo com o quadro, no primeiro período letivo, sugere que o
aprendiz tenha o contato inicial com o que deveria ser a prática de letramentos, a partir
exemplares de gêneros da ordem do expor e do avaliar, representado pelo resumo e
resenha acadêmica. Praticado esses gêneros, é, supostamente, no segundo período que,
mediante a aquisição de habilidades de escrita em virtude do estudo do resumo e
resenha, o aprendiz deva ter contato com o gênero artigo científico cuja essência abriga
sequências linguísticas de exposição e avaliação.
Essa crença de ensino de escrita indica o interesse, pelo currículo do curso, de
oportunizar, mediante o trabalho do professor-formador, a vivência acadêmica do
aluno/participante a partir do contato com gêneros que exijam, de um lado, habilidades
tais como de síntese de um dado documento, por meio do resumo e, de outro,
habilidades tais como de avaliação/posicionamento crítico, por meio da resenha.
Como é possível perceber no Quadro 1, a partir do 4º período, há a oferta da
disciplina optativa7, que parece servir de complementação de possíveis
8 práticas de
letramento acadêmico que envolvem a produção escrita de textos distintos. Isto é,
conforme leitura dos dados, se em um primeiro momento, houve o reconhecimento e o
desenvolvimento de habilidades ao contexto mais amplo da universidade, a partir do
estudo dos gêneros anteriormente mencionados, é no 4º período que, possivelmente,
espera-se que o aprendiz demonstre competência acadêmica de modo que possa
transferir o conhecimento adquirido nos períodos anteriores para o trabalho com
gêneros diversos praticados em um mesmo componente curricular, evidenciado no
plano de curso.
Neste caso, a escrita é vista como um objeto dinâmico e flexível, uma vez que é
requisitada interativamente para responder a expectativas próprias de um grupo de
indivíduos que compartilham certas convenções de propósitos (SILVA, 2012). Essa
assertiva permite compreender a escolha no plano de curso do componente curricular
7 De acordo com a RESOLUÇÃO Nº 10/2013/CNE/UFCG, os conteúdos das disciplinas optativas
dinamizam conforme o interesse da linha de pesquisa do curso, bem como da solicitação da comunidade
discente frente à coordenação do curso. Contudo, estamos considerando que esta disciplina foi ofertada
no 4º período, a partir de indícios informais em conversa com professores, alunos e coordenador do curso
em questão.
8 Optamos por relativizar o nosso posicionamento, por acreditar que a análise do documento nos permite
enxergar concepções do que deveria ser a prática. Isso porque, defendemos que estes documentos deixam
implícitas concepções, as quais podem ser postas em prática ou não, pois o ―real‖ da sala de aula não se
define por esses documentos, mas pelas concepções de letramento e ensino de língua dos professores.
90
Tel Gêneros Acadêmicos em contemplar o conjunto de gêneros especificamente
requeridos nos componentes dos primeiros períodos. Além disso, é possível perceber,
nos dados analisados, a inferência a estratégias de ensino da escrita, por meio da
identificação dos objetivos pretendidos para cada ementa dos planos de curso. Ou seja,
notamos no tópico Objetivos (gerais e específicos) – Quadro 2, a seguir – marcas
linguístico-discursivas que operacionalizam ações direcionadas ao aprendiz.
As estratégias de ensino da escrita implícitas evidenciam, nesta perspectiva, o
processo de desenvolvimento de habilidades por meio do contato com gêneros
acadêmicos diversos que são requisitadas no curso de Letras, cuja essência configura a
passagem do perfil de aluno aprendiz a aluno especialista, pois estas habilidades são
consideradas como mediadoras das práticas sociais (BAZERMAN, 2007). E não
apenas, mas também que a escrita por ser estabelecida como social, os gêneros,
instrumentos de ensino do professor, são ―um meio retórico para a mediação das
intenções privadas e da exigência social‖ (MILLER, 2012, p. 39). Para melhor
compreensão, consideramos recortes do tópico Objetivos específicos retirados dos
planos, a seguir:
Quadro 2: Estratégias implícitas de ensino da escrita nos Planos de Curso
Como se percebe, a crença sugerida pelos planos de curso é a de que o ensino da
escrita nas disciplinas é realizado, em um primeiro momento, por meio da identificação
Períodos Componentes curriculares Objetivos específicos
1 Leitura e escrita: teorias
sociocognitivas
―Reconhecer concepções e práticas de [...] de escrita
[...]‖
―Utilizar estratégias [...] de escrita em diversos gêneros
―Analisar e produzir gêneros acadêmicos [...]‖
2 Leitura e escrita: teorias
sociointeracionistas
―Desenvolver a prática de [...] escrita acadêmica entre
os alunos‖
―Desenvolver, entre os alunos, a prática da escrita de
artigo científico‖
4 Tel Gêneros Acadêmicos ―Analisar gêneros acadêmicos, observando sua
estrutura textual-discursiva e lingüística, bem como os
aspectos relativos à sua textualidade‖
―Planejar e produzir textos acadêmicos, considerando
a situação comunicativa e sua estrutura proposta‖
Fonte: Elaboração própria
91
de características típicas da comunidade científica em questão. É como se o ensino da
produção textual no componente, Leitura e escrita: teorias sociocognitivas, priorizasse,
a priori, a distinção de ―concepções‖ e ―práticas‖ essencialmente acadêmicas
representada pelo verbo ―reconhecer‖, para que fosse possível desenvolvê-las e, a
posteriori, fosse capaz de refletir e produzir modelos de textos reconhecidos na área de
atuação.
Por sua vez, em um segundo momento, conforme objetivos específicos do Plano
de Curso do componente curricular Leitura e escrita: teorias sociointeracionistas, a
crença identificada compreende a prática com a escrita de modo mais efetivo, isto é,
mediante produções textuais representada pelo verbo ―desenvolver‖. Isso porque,
supostamente, o aprendiz já teve o momento para desenvolver certas competências de
percepção da escrita que o permita executar o esperado. Assim, em virtude da aquisição
dessas habilidades, o aprendiz aparenta estar apto a produzir textos acadêmicos. No
entanto, segundo os dados, essa ação deve vir acompanhada da atividade de ―analisar‖ e
―planejar‖, conforme verbos presentes nos Objetivos Específicos, visto que os
componentes curriculares, em suas ementas, apresentam as teorias científicas que
subjazem o estudo, quais sejam: cognitivas e interacionistas.
Ainda convém destacar que o trabalho com os gêneros acadêmicos sugerido
pelos planos considera o contexto situacional – “Planejar e produzir textos acadêmicos,
considerando a situação comunicativa e sua estrutura proposta‖ –, isto é, além de
elementos de natureza linguística, o plano de curso é orientado também por questões
―fundadas em situações recorrentes‖ (MILLER, 2012, p. 32).
Sendo assim, percebemos que as crenças de ensino da produção textual nos
planos de curso analisados são orientadas sob características que evidenciam a aquisição
e o resgate de habilidades valorizadas na área de atuação, concepção que ilustra o
modelo das habilidades de Lea e Street (1998). Além do mais, os dados sugerem que o
contato com os letramentos existentes na esfera acadêmica é realizado por meio do ato
de produzir significativamente gêneros de textos. Não por acaso, no tópico Avaliação,
de cada plano de curso, há a menção ―produção, elaboração, exames escritos‖ como
instrumento de avaliação, o que nos permite afirmar que, aparentemente, a escrita de
texto tem se particularizado, seja pelo domínio do código linguístico, de aspecto da
estrutura composicional do texto, seja pelo reconhecimento do gênero textual em
circulação no curso de Letras.
92
As concepções discutidas, nesta seção, ilustram como as ementas e/ou os
conteúdos programáticos sugerem práticas de ensino de gêneros acadêmicos que podem
ser didatizadas àquele que aprende. O contato com os principais exemplares de texto, no
interior do curso, conforme interpretação do corpus, dá-se tanto pelo reconhecimento de
traços formais dos gêneros quanto pelo contexto de situação de uso. Contudo, além
dessa percepção, propomos, na próxima seção, discutir como o objeto estudado nesta
investigação, representado nos planos de curso, pode, também, servir de inserção em
práticas e eventos de letramentos.
Escrita acadêmica como objeto de inserção em práticas e eventos de letramentos
Interessa-nos, nesta categoria, discutir, uma vez analisado os planos de curso
desta pesquisa, como a concepção de ensino de escrita sugerida pelos planos pode
favorecer a inserção em práticas e eventos de letramentos. Inicialmente, a nossa
discussão pauta-se nas ementas de cada instrumento de análise. Dito de outra forma, ao
debruçarmo-nos sobre o corpus, procuramos examinar os pontos essenciais de cada
componente curricular por meio da caracterização do tópico Ementas. Assim, no quadro
3, seguem a apresentação destas em cada plano:
9 As informações presentes nas ementas seguem tal como foram redigidas no documento original. Logo,
embora admitamos o emprego do novo acordo ortográfico vigente, optamos por seguir, fielmente, a
redação do texto, com exceção das ênfases por nós realizadas.
Quadro 3: Descrição das ementas
Períodos Componentes curriculares Ementas9
1 Leitura e escrita: teorias
sociocognitivas
Teorias sócio-cognitivas de leitura e escrita: agentes
sociais, meios de circulação. Processos de compreensão
e planejamento textual. Práticas de leituras e escrita
acadêmicas. Implicações para o ensino.
2 Leitura e escrita: teorias
sociointeracionistas
Teorias sócio-interacionistas e discursivas de leitura e
escrita: sujeito, discurso e condições de produção.
Práticas de leitura e escrita acadêmicas. Implicações
para o ensino.
4 Tel Gêneros Acadêmicos Metodologias de leitura de textos acadêmicos.
Características textual-discursivas e linguísticas de
textos acadêmicos. Produção e revisão de textos
acadêmicos.
Fonte: Elaboração do autor (2016)
Fonte: Elaboração própria
93
Como é possível perceber nos destaques realizados, os conteúdos e
procedimentos de cada componente curricular, evidenciado nos planos, sugerem a
possibilidade de permitir que o aprendiz adquira, desenvolva, mas, também, transfira as
habilidades aos contextos mais amplos do curso ou reconheça a existência de condições
psicossociais para cada ação de linguagem.
Desse modo, no primeiro período, a partir do componente Leitura e escrita:
teorias sociocognitivas, há o interesse em apresentar modos de escritura a partir do
contato com os gêneros acadêmicos (representados por meio do resumo, resenha e
seminário, conforme já apresentados na categoria anterior). Contudo, convém
considerar, ainda na leitura desta ementa, a indicação de ―meios de circulação‖, pois, ao
que é possível perceber, subjaz a concepção de escrita, mas de gêneros acadêmicos
também, como prática social, uma vez que as possibilidades de tipificação dos gêneros
estão associadas a contextos situados (MILLER, 2012).
Não por acaso, essa regularidade se faz presente na ementa do plano de curso do
componente Leitura e escrita: teorias sociointeracionistas, sob a marcação da
expressão ―condições de produção‖. Essa correlação indica que a escrita, além de ser
um objeto de ensino, é também um objeto de inserção em práticas e eventos de
letramento, visto que proporciona textualizar exemplares de textos conforme condições
de produção. Outro aspecto equivalente entre as ementas dos planos de curso em
questão diz respeito às possibilidades de desempenhar práticas de escrita. Com isso,
entendemos que a inserção acadêmica seja realizada em virtude do contato com as
diversas situações de produção dos gêneros específicos dos planos.
Assim, diante da correlação existentes entre as ideias presentes nas duas ementas
supramencionadas, constatamos que há o interesse por parte do currículo do curso de
Letras em oportunizar ao aprendiz a inserção à comunidade discursiva a partir do
contato com as práticas mobilizadas. Inevitavelmente, as práticas de leitura e escrita
igualmente se cruzam, mediante análise dos planos, o que reforça a afirmação a qual
temos defendido neste trabalho, qual seja: as práticas de leitura e escrita não podem ser
entendida como atividades neutras e nem independentes.
Além da observação de concepções do que deveria ser a prática de escritura na
academia, como é possível depreender dos dados, é permitido perceber a possibilidade
de desenvolvimento de um repertório linguístico comum ao curso, especificamente a
apresentada ao componente Tel Gêneros Acadêmicos. Afirmamos isso, ao consideramos
a atenção dada às características do código linguístico valorizadas na área de estudo
94
uma vez que centraliza nas ―características textual-discursivas e linguísticas de textos
acadêmicos‖, principalmente porque a universidade, frequentemente, opera com o
letramento dominante.
Nesse sentido, parece ser este o foco do componente, a questões essencialmente
estruturais ou, mais precisamente, a formas retóricas tipificadas (MILLER, 1984 apud
BAZERMAN, 2011). Assim, o contato com essas características da imanência linguística
é adquirido mediante produção e revisão de textos acadêmicos, conforme os dados
expostos no Quadro 3 – Descrição das ementas: características textual-discursivas e
linguísticas de textos acadêmicos (Tel Gêneros Acadêmicos).
Uma significativa atenção às características de textos acadêmicos permite ao
aprendiz o contato com formas de letramentos acadêmicos requeridos e valorizados na
área de estudo. Desse modo, é possível afirmar que o componente em questão se
configura como um instrumento de inserção a práticas de produções textuais
comumente utilizadas no meio. Entendemos, pois, que a concepção de ensino da
produção de gêneros acadêmicos sugerida pelo componente de formato optativo
oportuniza aos interessados ―alfabetizar-se‖, isto é, possibilita dominar o código
linguístico específico da comunidade discursiva, como também direciona para uma
abordagem mais ampla que, além dos traços formais e discursivos, reflete o caráter
social da linguagem (SILVA, 2012).
Com isso, podemos afirmar que as concepções de ensino de escrita sugeridas
pelos planos, aqui discutidas, se aplicadas, interferem efetivamente no modo como o
ensino da escrita é realizado nos componentes objeto de análise. No entanto,
reconhecemos a limitação do estudo em identificar as práticas de ensino da escritura,
que apontem estratégias explícitas, a fim de evidenciar um ensino sistemático e
recorrente, tendo em vista que estas não foram analisadas, defendemos, desse modo, que
as ementas e/ou conteúdos programáticos sugerem práticas que podem ilustrar os
modelos de Lea e Street (1998).
Considerações Finais
Investigar as concepções de ensino de gêneros acadêmicos sugeridas em planos
de curso de disciplinas com foco exclusivamente no ensino desse objeto, permite refletir
sobre as possibilidades de inserção de aprendizes em práticas e eventos de letramentos
acadêmicos realizados por meio do currículo universitário. Além disso, ao estudar esses
95
documentos, é possível compreender pelo menos dois procedimentos teórico-
metodológicos assumidos e/ou sugeridos, isto é, conhecemos concepções de escrita que
ora a legitime como um posicionamento social e ideológico ora a legitime como um
código linguístico.
Em vista disso, ao respondermos à questão que norteou este capítulo – que
concepções de ensino de gêneros acadêmicos são sugeridas em planos com foco na
produção textual em curso de Letras/Português? – pudemos tornar mais inteligíveis
questões à respeito das dificuldades com a escrita acadêmica ainda pouco sistematizada
na área de investigação científica.
Desse modo, no tocante à questão, poderíamos agrupar duas concepções de
ensino de escrita sugerida pelos planos, quais sejam i) escrita acadêmica como objeto de
ensino; e ii) escrita acadêmica como objeto de inserção em práticas e eventos de
letramentos. Essas perspectivas incluem o desenvolvimento de habilidades necessárias a
contextos da universidade, reconhecimento e uso de letramentos existentes na esfera
acadêmica, especificamente, a partir do trabalho com gêneros acadêmicos.
Sobre tal instrumento de ensino da escrita, defendemos a tese de que, a fim de
desenvolver o letramento acadêmico dos discentes a partir da prática de escritura,
deveria apresentar um currículo de escrita em que fossem contemplados gêneros com
sequências linguísticas mais próximas comuns à realidade daquele que ingressa no
ensino superior, por exemplo: esquemas, como meio de desenvolver estratégias de
leitura e reconhecimento de ideias centrais de determinado conteúdo. Logo após, o
trabalho com resumo, uma vez que o primeiro facilitaria no trabalho deste segundo,
visto que já desenvolvido a capacidade de sumarizar conteúdos, o discente, em contato
com o gênero resumo, poderia ampliar suas competências por meio da organização e
relação, de forma coerente e coesa, de um conteúdo topicalizado. Após o contato com
esses gêneros de natureza mais descritivo, o discente teria contato com o gênero
resenha, uma vez que este exige, além da habilidade de descrição, a presença de
avaliação.
Com esse modelo de ensino, poderia em componentes seguintes o trabalho com
gêneros mais complexos, o artigo acadêmico, por exemplo. O que não foi percebido na
análise dos planos, pois, ao que percebemos, só no quarto período, a partir do
componente de natureza optativa é que o discente teria o contato. No entanto, como se
trata de um componente que não apresenta regularidade na grade curricular, por ser de
96
natureza optativa, não é possível afirmar que todos os discentes do curso teriam a
mesma experiência de produção textual.
Os resultados aqui alcançados permitem avaliar o desenvolvimento de uma
pedagogia de produção textual, na qual texto e gênero passam a ser trabalhados na
dimensão de quem aprende, e não só, como também permitem agrupar características
organizacionais e constitutivas dos gêneros específicos do curso em questão, aspecto
importante para didatizar a sujeitos iniciantes na atividade acadêmica.
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98
CAPÍTULO VII
CONTRATAMOS PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE A
(DES)VALORIZAÇÃO DOCENTE EM ESCOLAS PRIVADAS DE IDIOMAS
José Veranildo Lopes da COSTA JUNIOR
Localizando a discussão
Este artigo apresenta uma reflexão sobre formação de professores de línguas
estrangeiras e corrobora com uma série de discussões apresentadas, especialmente, nos
últimos dois anos, como resultado das nossas pesquisas no âmbito da formação docente.
Ao focalizar a nossa atenção para as escolas privadas de idiomas, partimos da
asserção de que alguns destes centros de idiomas buscam contratar usuários fluentes de
determinadas línguas estrangeiras em detrimento de profissionais das Letras – com
habilitação em Línguas Estrangeiras.
Recentemente, enfatizamos (COSTA JUNIOR; ARAÚJO, 2017) que a formação
de professores demanda, pelo menos, a constituição de quatro paradigmas formativos, a
saber: a) formação enquanto usuário da língua; b) a formação enquanto pesquisador; c)
a atuação do profissional em um dos paradigmas: tradicional e/ou emergente e d) a
movimentação do professor de línguas no signo da incompletude profissional.
Buscamos, aqui, ampliar a discussão que envolve os movimentos de formação
do docente de Letras – Estrangeiras, tendo como objetivo revisitar três paradigmas
formativos: a) a profissionalização; b) a reflexão; c) a comunicação, tendo como
arcabouço teórico uma pertinente discussão proposta por Almeida Filho (2004). Com
isto, objetivamos, ainda, refletir sobre um contexto laboral específico: o das escolas
privadas de idiomas.
Assim, o presente texto encontra-se dividido em dois momentos que se
complementam. Inicialmente, analisaremos dois anúncios de escolas de idiomas que
buscam contratar usuários da língua para ministrar aulas de línguas estrangeiras. Em um
segundo momento, revisaremos três movimentos formativos (ALMEIDA FILHO, 2004)
que caracterizam a formação docente no contexto de ensino de Línguas Estrangeiras.
Para além desta discussão, esse texto valoriza a formação do profissional de
Letras, pois entendemos que apenas o profissional devidamente capacitado – e em
formação permanente – é capaz de lidar com a complexidade que envolve o
ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira.
99
Contratamos professores
Falar sobre formação docente, sobretudo no Brasil, demanda reconhecer que este
é um assunto complexo, comumente alvo de disputas educacionais, ideológicas e
políticas. De igual modo, não se pode negar que a educação, embora seja um tema
recorrente nos mais diversos espaços sociais é, ainda, uma das áreas mais
desvalorizadas pela agenda nacional.
Ainda que nosso texto trate do contexto das escolas privadas de idiomas, é
necessário afirmar que o Estado brasileiro é um dos grandes responsáveis pela
desvalorização de professores, seja no âmbito público ou no contexto das escolas
privadas, pelo fato de que pouco se faz, quando se trata da valorização do profissional
da educação em nosso país, em todas as esferas.
Em 2012, Denise Lino de Araújo expôs uma série de variantes e perspectivas
sobre a formação de professores numa conferência intitulada Das razões para ser
professor (de português) hoje. O profissional de Letras: formação constante. Em sua
exposição crítica, a pesquisadora comentou que: ―já não é de hoje que a profissão
docente, não importa a área de atuação, está entre uma das mais desvalorizadas do
país‖. (ARAÚJO, 2012, p. 725).
Em oposição à desvalorização de professores que parece constituir uma política
de Estado, o principal argumento que ancora a profissionalização do professor de Letras
é a formação constante (ARAÚJO, 2012). Entretanto ao considerar a nossa experiência
laboral em escolas de idiomas, notamos que a formação docente é posta em plano
secundário, especialmente, no caso das escolas privadas de idiomas.
Para ilustrar essa ideia, apresentaremos dois anúncios de contratação de
professores**
em centros privados de línguas, retirados de páginas das próprias escolas
de idiomas no Facebook, sob os quais teceremos uma rápida análise. Para fins
metodológicos, as escolas mencionadas em nosso texto serão nomeadas da seguinte
forma:
Localização da Escola Identificação correspondente
Botucatu Escola A
Recife Escola B
**
Ao longo desse texto, algumas ocorrências para o termo ‗professor‘ estão em itálico e correspondem a
usuários da língua que ministram aulas sem formação acadêmica.
100
Tabela 01: elaborada pelo autor
Desse modo, iniciamos a nossa discussão analítica com um anúncio de
contratação de professores da Escola A, o qual é reproduzido a seguir:
Escola A
Imagem 01: PrintScreen retirado da página Yázigi Botucatu no Facebook
O anúncio de contratação de professores de Inglês da Escola A, solicita como
requisito para admissão profissional experiência docente anterior e vivência no exterior.
É importante ressaltar que a formação acadêmica sequer é mencionada pelo referido
centro de idiomas. Esse anúncio encontra-se inserido em um paradigma tradicional para
o ensino de línguas (ALMEIDA FILHO, 2004; COSTA JUNIOR e ARAÚJO, 2017),
cuja crença parte da ideia de que se uma pessoa viajou ao exterior, esta pessoa pode
ensinar um idioma. Embora seja uma crença que demonstra desconhecimento para com
o tema da profissionalização do professor de Letras, o requisito exclusivo de ter
vivência no exterior nos remete à ideia de que qualquer pessoa, independente de sua
formação, pode lecionar línguas.
Imaginemos, agora, o contrário. Qual a nossa reação ao encontrar um anúncio de
contratação de professores de Português, numa escola Argentina, por exemplo, cujo
único requisito para contratação é a vivência no exterior? Entende-se, nesse contexto,
que qualquer pessoa que esteve de férias em um país de Língua Portuguesa poderá
ensinar Português. Em consonância com essa análise, Costa Junior e Araújo (2017,
p.192) afirmam:
101
Em nossa vivência enquanto profissionais de línguas estrangeiras em
escolas de idiomas, notamos que o sujeito que domina e possui
fluência em um determinado idioma é contratado para exercer a
função docente. Ao ser admitido, a formação profissional é posta em
plano secundário, porque a qualificação acadêmica da profissão não é
considerada. Desta forma, o único critério adotado por algumas
escolas de idiomas é o paradigma do ―professor‖ enquanto usuário da
língua.
Em linhas gerais, entendemos que apenas o indivíduo devidamente formado por
cursos de Licenciatura em Letras, em suas respectivas habilitações é o profissional
habilitado a ensinar línguas no Brasil. Essas escolas que ignoram a importância da
formação profissional promovem um processo de sucateamento da educação e do
ensino de idiomas.
De forma semelhante, as pessoas que insistem em lecionar línguas sem formação
acadêmica necessária, além de contribuírem com a desvalorização e o sucateamento do
agir docente, lecionam um idioma sem cumprir com requisitos básicos que envolvem a
profissionalização do professor de Letras, tais como a própria profissionalização, a
reflexividade e a comunicação (ALMEIDA FILHO, 2004).
A seguir, analisaremos um anúncio de contratação de professores de Inglês da
Escola B:
Escola B
Imagem 02: PrintScreen retirado da página CNA Recife no Facebook
Diferentemente da Escola A, o anúncio de contratação de professores de Inglês
da Escola B exige nível linguístico mínimo B2 (Independent User - Vantage) e
disponibilidade para trabalhar aos sábados, além de formação acadêmica. A
102
problemática do anúncio dessa escola de idiomas diz respeito à contratação de
Pedagogos e Psicólogos para lecionar línguas estrangeiras.
Ao longo desse texto, mesmo correndo o risco da repetição, insistimos na ideia
de que apenas o profissional da área de Licenciatura em Letras pode lecionar um idioma
com legitimidade. Sabemos, por outro lado, que um Pedagogo é o profissional
habilitado a lecionar na educação infantil e no Ensino Fundamental I. Esse profissional,
de extrema importância para a escola, não está habilitado a lecionar línguas estrangeiras
em escolas de idiomas. O que falar, então, da contratação de um Psicólogo para
ministrar aulas de línguas? Nesse caso particular, embora saibamos da existência de
cursos de formação de licenciatura em Psicologia e da inserção de disciplinas do eixo
pedagógico no currículo desses cursos, ressaltamos que o profissional da Psicologia
deve se limitar às funções sob as quais a sua profissão habilita. Poderíamos, inclusive,
questionar: Um profissional de Letras pode atuar como Psicólogo? Um profissional de
Letras pode atuar como um Pedagogo? A resposta para estes questionamentos é,
evidentemente, negativa. Nas palavras de Costa Junior e Araújo (2017, p.192):
[...] o professor de língua(s) estrangeira(s) é o profissional de Letras –
cuja certificação profissional é obtida em cursos de licenciatura.
Àqueles que ministram aulas em escolas de idiomas sem formação
acadêmica, a nosso ver, são usuários fluentes da língua e não
professores profissionais.
A ponto de concluir nossa análise, ponderamos que a Escola A e a Escola B, ao
assumir que a formação docente obtida em cursos de Licenciatura em Letras não é o
requisito central para a contratação de professores, corroboram com um processo de
desvalorização e sucateamento da profissionalização do professor de Letras.
Três movimentos de formação de professores de línguas estrangeiras
Em suas pertinentes reflexões sobre a formação de professores, Paulo Freire
(1991, p. 32) sustenta a ideia de que ―ninguém começa a ser educador numa certa terça-
feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador‖
e conclui este pensamento com as seguintes palavras: ―A gente se faz educador, a gente
se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática‖.
(FREIRE, 1991, p. 32).
103
Com outras palavras, Paulo Freire aponta que a formação docente se faz na
prática e na reflexão sobre a prática, cujos princípios fazem parte da formação de
professores em cursos de Licenciatura. E assim, bastaria mencionar, como exemplo, a
importância dos Estágios Supervisionados e das disciplinas do chamado eixo
educacional que promovem o agir docente e a reflexão sobre a prática de professores.
Nesse sentido, sabendo que a profissão docente demanda uma série de
movimentos e paradigmas formativos, vários estudiosos, inscritos nas mais diversas
áreas do saber como a Linguística e a Educação, têm se dedicado ao tema da
profissionalização de professores.
Para Almeida Filho (2004), o professor de línguas é formado a partir da
constituição de três movimentos formativos. O primeiro movimento diz respeito à
profissionalização, o segundo a reflexividade e o terceiro, ao paradigma
comunicacional.
Sobre o paradigma da profissionalização docente, Almeida Filho (2004, p. 02)
expõe: ―Esse trabalho ou ocupação de ensinar tem sido visto ao longo do tempo como
arte que se desenvolve com sensibilidade no exercício da prática a partir de bons
exemplos (boa experiência) de outros professores‖. O autor contextualiza a ideia –
sobretudo formada no senso comum – de que a profissão docente é entendida como a
profissão do ‗amor‘ e da sensibilidade.
Um exemplo que ilustra essa ideia da docência enquanto ocupação afetiva
(ALMEIDA FILHO, 2004) é encontrado todos os anos, durante as comemorações do
dia dos professores. Bastaria pensar no teor das mensagens que recebemos nas redes
sociais e/ou nas propagandas que são vinculadas pela grande mídia.
Em 2014, Alexandre Garcia1, durante a programação do jornal Bom Dia Brasil,
discursou em defesa dos professores, afirmando que: ―Será que eles sabem que
professor é um dom; é uma vocação. A pessoa nasce professor. E não tem que se
envergonhar, a não ser com o salário‖ e conclui o seu raciocínio com a questionável
afirmação: ―Professor é mais que vereador, que prefeito, que não lhe pagam, porque
nem é profissão, é missão‖.
Desde 2015, temos recebido o link com essa fala de Alexandre Garcia de
amigos, parentes e alunos (inclusive de licenciaturas). Não é exagero dizer que o
1 Fonte: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/08/professor-nao-e-profissao-e-missao-afirma-
alexandre-garcia.html Acesso em: 17. Fev. 2018.
104
discurso do jornalista da Rede Globo nos causa repulsa e aversão. Aparentemente
inofensivo, a fala de Alexandre Garcia corrobora com a total desvalorização da
profissionalização docente. É fundamental compreender que ninguém nasce professor,
assim como ninguém nasce médico, advogado ou engenheiro. Nós nos formamos
professores, assim como qualquer outro profissional. O discurso de que ‗nascemos
professores‘ desvaloriza a própria profissionalização docente, pois não reconhece a
importância da formação de professores para atuação profissional.
A fala do jornalista da Rede Globo praticamente sugere que ‗professor é missão,
não é profissão, então sequer é necessário pagá-los‘. Recentemente, o apresentador
Luciano Huck2 envolveu-se em uma grande polêmica ao realizar uma propaganda para
uma universidade privada que dizia: ―torne-se professor e aumente a sua renda‖. Os
responsáveis pela campanha de marketing não conseguiram compreender que ser
professor é optar por uma profissão, e não por um ganho de renda extra.
Todavia em 2017, o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori3 chegou
a lançar um programa que convocava professores aposentados para trabalharem como
professores voluntários, ou seja, regulamentou a ausência de pagamento aos
profissionais da educação.
Esses últimos três exemplos, a fala de Alexandre Garcia, a propaganda do
Luciano Huck e o programa do governador do Rio Grande do Sul, têm em comum um
mesmo traço: estão alinhados a uma política que desvaloriza a educação e sucateia o
trabalho docente. Pode-se então afirmar que estes fatos ocorrem porque, em nosso país,
praticamente não se reconhece a importância da profissionalização docente.
Dessa forma, Almeida Filho (2004, p. 03) apresenta algumas características do
professor contemporâneo, a saber:
Os mestres profissionalizados acumulam traços distintivos que vamos
resumir da seguinte maneira, eles são hoje:
Profissionais com certificação, com experiência prática crescente, em
formação especializada contínua, com postura observadora, aberta,
crítica e flexível;
Intelectuais (conscientes, compromissados, éticos) abertos a se pensar
e pensar a profissão;
2 Fonte: https://www.conversaafiada.com.br/cultura/para-huck-professor-e-bico Acesso em: 17. Fev.
2018.
3 Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/rio-grande-do-sul/em-crise-governo-do-rs-abre-vagas-para-
professores-sem-salario/ Acesso em: 17. Fev. 2018.
105
Leitores e interlocutores no modo oral, interessados que valorizam i
ser professor e ser profissional focalizando dimensões teóricas do
processo de ensinar e aprender língua(s);
Professores que conhecem seu valor, seus direitos e deveres e que
tomam conta de si e de outros colegas profissionais;
Que se empenham em ajudar os alunos a se tornarem aprendentes
melhores (o lado formador que todos os professores têm).
Estas são apenas algumas das características que singularizam o professor
profissional. Outrossim, para Almeida Filho (2004), o segundo paradigma formador que
caracteriza o docente profissional é o reflexivo. Em suas palavras:
Um paradigma é um modo exemplar com que se toma a tarefa
científica de conceber, estudar e articular (verbal e pictoricamente)
uma ordem de fenômenos. No caso da grande área de Teoria de
Ensino e Aprendizagem de Língua(s), o paradigma atual de mais alta
persuasão é o reflexivo. (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 04).
Enquanto movimento teórico, o conceito de professor ‗reflexivo‘ surge nos
Estados Unidos, quando Donald Schön iniciou um período de observação do agir
docente, valorizando, em seguida, a experiência e a reflexão como práticas que
deveriam ser incentivadas no cotidiano docente. Entretanto, a prática reflexiva não é
uma tarefa simples, pois demanda uma série de variantes complexas, como a capacidade
de visualizar erros e alcançar mudanças positivas. Para Pimenta e Ghedin (2005, p. 23):
Só a reflexão não basta, é necessário que o professor seja capaz de
tomar posições concretas para reduzir tais problemas. Os professores
não conseguem refletir concretamente sobre mudanças porque são eles
próprios condicionados ao contexto em que atuam.
Para ilustrar a complexidade do ato reflexivo, recorremos à nossa experiência
docente. Em 2014, lecionamos Língua Espanhola em uma escola privada de idiomas no
Estado da Paraíba. A equipe de professores era formada por licenciados em Letras e
professores forma(n)dos em outras áreas do saber, como as Engenharias e a Arquitetura.
Ao analisar a prática docente dos meus colegas, conseguíamos enxergar erros e
inadequações didático-metodológicas evidentes. Eles, não.
Hoje, compreendemos que os meus colegas não eram capazes de realizar a
reflexão em torno de suas próprias práticas docentes pelo fato de que eles não tinham
formação docente. Em outras palavras, eles não eram professores. Nesse sentido, quiçá
a prática da reflexão seja um dos desafios mais importantes para a prática do professor,
pois a reflexão é capaz de promover mudanças e alçar qualidade educacional.
106
O terceiro paradigma formativo apontado por Almeida Filho (2004) é o
comunicacional. Ora, um professor é um expositor por excelência. Mas o paradigma
comunicacional não se limita apenas a focalizar a oralidade e a capacidade de expressão
do professor. Para Almeida Filho, o paradigma comunicacional é caracterizado pela
constituição de duas macro-filosofias, a saber:
Essas duas macro-filosofias são: (1) a sistêmico-gramatical e, (2) a
interativo-comunicacional. Na primeira categoria estariam métodos
cuja característica é a centralidade/anterioridade da estrutura e do
funcionamento da língua em si (com maior ou menor grau de
explicitude no ensinar e aprender). À segunda categoria pertencem aos
métodos que centram sua prioridade e ação na interação social com
propósitos comunicativos (a cuidadosa construção de sentidos desde o
início com focos opcionais ou justificadamente ocasionais nos
aspectos sistêmicos da língua). (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 05).
O que se pode compreender do terceiro paradigma apontado por Almeida Filho
(2004), ou seja, o comunicacional é que apenas o professor profissional é capaz de lidar
com duas macro-filosofias que explicam a constituição da língua na esfera social. Por
esta linha de pensamento, acreditamos que o desafio do professor de línguas
estrangeiras é ainda mais complexo, dado que é necessário considerar que quem ensina
idiomas estrangeiros interage com uma língua que não é a sua e que demanda, nesse
sentido, uma verdadeira sensibilidade para com a cultura do outro.
Algumas palavras não conclusivas
Ao longo desse texto, buscamos valorizar a profissão docente e a
profissionalização dos professores de idiomas estrangeiros. Em um primeiro momento,
analisamos dois anúncios de contratação de professores de línguas no contexto de
escolas privadas de idiomas. Em nossa leitura, enfatizamos que, alguns centros de
idiomas, desvalorizam a profissão docente, ao colocar a formação acadêmica em plano
secundário em detrimento da contratação de usuários fluentes da língua.
Em um segundo momento, revisamos três movimentos formativos: a
profissionalização, a reflexão e o paradigma comunicacional (ALMEIDA FILHO,
2004), com o objetivo de mostrar a relevância da formação de professores de línguas
estrangeiras.
Essa discussão é fundamental para compreendermos que é urgente respeitar a
profissionalização dos profissionais da educação. Esperamos, assim, que esse texto
contribua com a valorização da profissionalização do professor de línguas estrangeiras,
107
para que possamos promover um ensino profissional, de qualidade, reflexivo e
consciente de idiomas estrangeiros em nosso país.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, J. C. P. O professor de língua(s): profissional, reflexivo e
comunicacional. In: Revista Horizontes de Linguística Aplicada. Brasília:
Universidade de Brasília, 2004.
ARAÚJO, D. L. de. Das razões para ser professor (de português) hoje - o profissional
de Letras: formação constante. In: Revista Letras Raras. Campina Grande:
Universidade Federal de Campina Grande, 2012. Disponível em:
http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/RLR/article/view/245 Acesso em: 07. Fev.
2018.
COSTA JUNIOR, J. V. L. da; ARAÚJO, D. L. de. Paradigmas de ensino e atuação de
professores de língua(s) estrangeira(s): de usuário da língua à incompletude
profissional. In: Revista Letras Raras. Campina Grande: Universidade Federal de
Campina Grande, 2017. Disponível em:
http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/RLR/article/view/799/465 Acesso em: 14. Fev.
2018.
FREIRE, P. A educação na cidade. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1991.
PIMENTA, S. G; GHEDIN, E. O professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um
conceito. São Paulo: Cortez, 2005.
108
CAPÍTULO VIII
TIC’S E LITERATURA: INOVAÇÕES E DESAFIOS PARA O ENSINO NA
ERA DIGITAL
Juliana Prestes de OLIVEIRA
Amanda L. Jacobsen de OLIVEIRA
Anselmo Peres ALÓS
Que a era digital faz parte da nossa vida, isso não podemos negar. Mas,
pensando na Educação, como as tecnologias podem contribuir ou atrapalhar no processo
de ensino-aprendizagem?
É partindo desse questionamento que buscamos pensar o uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC‘s) na sala de aula, principalmente no que diz respeito
ao ensino de literatura, visto o advento do desenvolvimento da tecnologia e sua
respectiva expansão em diversas áreas, bem como o fato de que nossos alunos são
nativos digitais††
e, por isso, os vemos em constante contato com essas tecnologias.
Essa geração de estudantes contribuiu para que a Comunicação e a Educação
fossem repensadas, levando os educadores e pesquisadores a atentarem para o potencial
advindo destes jovens e das tecnologias existentes. Verificou-se, então, que o ensinar
baseado em paradigmas retrógrados não é suficiente para atender as novas demandas
destes alunos e nem atinge o resultado desejado, uma vez que os avanços tecnológicos
mudaram a forma de ser, de agir e de pensar da sociedade.
Segundo Coelho (2012, p. 89, grifo da autora),
[...] constata-se que a geração digital também conhecida como
Geração Y cresce em um mundo no qual a comunicação digital tem
um papel fundamental tanto na sua formação quanto na compreensão
da realidade, pois é a partir da expansão das novas tecnologias que
essa geração se expressa e interage seja por meio de sons, imagens e
textos escritos e verbais.
Dessa forma, é preciso levar para a sala de aula as tecnologias que fazem parte
do cotidiano dos alunos, atrelando-as ao conteúdo do currículo escolar. O professor
precisa refletir sobre quais tecnologias poderá utilizar em suas aulas, se elas o auxiliarão
a atingir seu objetivo, a finalidade pretendida, despertar-se-á nos alunos o interesse pelo
††
Segundo Prensky (2001), as crianças nascidas a partir da década de 1980 e 1990 são definidas como
nativos digitais, pois apresentam familiaridade com o universo digital e possuem a habilidade e
competência para realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo.
109
conteúdo, contribuindo para o aprendizado, e se as tecnologias contribuirão para tornar
a obras literárias do currículo mais interessantes, despertando o gosto pela literatura e
pela leitura.
Assim, como docentes, intentamos refletir acerca dos desafios da implementação
das TIC‘s em sala de aula para o ensino de literatura, bem como acerca das
possibilidades que essas podem nos proporcionar para melhorar nossa prática docente,
bem como para nos aproximar da realidade e vivências dos nossos alunos. Além disso,
pensamos na capacidade das TIC‘s ao tentar aproximar o aluno dos livros literários e
das reflexões que esses podem proporcionar, auxiliando os estudantes a se tornarem
leitores mais ativos e, consequentemente, mais críticos.
Um dos pontos principais para que as TIC‘s sejam incorporadas à prática
docente é o professor; longe de tentar evitar as tecnologias digitais e virtuais, tratando-
as como uma ―tendência de época‖, o professor deve aceitá-las em seu papel de
participante na constituição dessa nova realidade global (em modo crescente na visão
em longo prazo). Veja-se, por exemplo, as mudanças significativas no mercado de
trabalho, que passa a exigir, cada vez mais, profissionais capacitados a trabalhar com
processamento de dados e conteúdos afins. A cada dia que passa, vemos o crescimento
incessante das TIC‘s, e as usamos das mais diversas formas (redes sociais, aplicativos,
websites, softwares e programas), o que mostra que elas têm papel fundamental na
formação intelectual do ser humano e nas atividades cotidianas, descartando a ideia de
que elas não serão mais utilizadas com o passar do tempo.
De acordo com Prensky (2001), os nativos digitais são indivíduos que não
sentem medo ao se depararem com os desafios propostos pelas TIC‘s; eles
experimentam e vivenciam os recursos oferecidos pelos aparatos digitais, conseguindo
realizar múltiplas tarefas. Dessa forma, esses indivíduos, segundo Coelho (2012, p. 89),
―se caracterizam pelas múltiplas competências e habilidades sensórios verbais e visuais
que possuem e utilizam para se comunicarem‖.
Se isso for entendido e aceito pelo docente, o mesmo deve compreender e
adquirir habilidades e competências, por meio de cursos de capacitação continuada ou
pela busca de informações através da internet, para acompanhar esta realidade diversa e
complexa, bem como atentar às mudanças na forma de se comunicar e buscar
conhecimento. Além disso, a escola também precisa acompanhar essas mudanças, pois
novas percepções acerca do ensino-aprendizagem estão surgindo, e ela precisa dar
110
subsídio para que professores e alunos possam usufruir das tecnologias de maneira
adequada.
Além de informatizá-la, é necessário
[...] repensar o projeto pedagógico da escola, realizando uma reflexão
sobre as finalidades da escola, explicitando seu papel social, bem
como quais ações deverão ser empreendidas pela equipe da escola
(diretores, pedagogos, professores, funcionários, pais e alunos) frente
às TIC‘s. Esse processo deverá envolver o conhecimento sobre a
sociedade, a educação, a escola, o aluno numa dimensão ideológica –
expectativa definida, com base em fundamento epistemológico,
fundamento psicológico e fundamento pedagógico. O refletir sobre
estes fundamentos que consubstanciam a proposta da escola vai
explicitar a concepção de seus atores sobre sociedade, educação e
escola que busca a emancipação humana (ENS, 2002, p. 40).
Com o desenvolvimento tecnológico, o professor precisa estar ciente que os
alunos utilizam os recursos digitais e que, para não se sentir ―obsoleto‖, ele deve fazer o
mesmo, implantando-os na sua prática pedagógica. O professor deve ainda pensar
criticamente em seu papel frente ao novo contexto e arranjo global de vivência e
interação social constituído em função do uso dessas ferramentas, buscando formação
adequada para atender às novas demandas do (aluno) nativo digital.
Segundo Bellei (2012, p. 142), não há dúvida de que as vantagens do uso das
TIC‘s, em sala de aula são reais. Cada vez mais professores e alunos percebem que, com
o acesso à internet, o material de ensino torna-se mais fácil de ser encontrado e usado.
Às vezes esses materiais são mais interessantes e dinâmicos (correspondendo à
interação cotidiana dos jovens) e contribuem mais para o aprendizado do aluno do que
aquele apresentado simplesmente pelo professor – que, na maioria das vezes tem, como
ferramenta, apenas o livro didático impresso.
Ademais disso, a utilização das tecnologias nas mais diversas atividades e
setores tornou o mercado mais competitivo. Com isso, as novas exigências recaem
sobre o ser humano em relação à sua preparação para o mundo do trabalho, colocando-o
em uma posição na qual a busca por qualificação, competência e eficiência deve ser
constante. O indivíduo precisará ter conhecimentos gerais, flexíveis e interdisciplinares,
procurando ser criativo, dinâmico, reflexivo, atuante na sociedade e capaz de se adaptar
às suas mudanças – ou contestá-las de forma contundente.
111
Diante disso, e do fato de que estamos na chamada era digital, cabe pensarmos
as vantagens e desvantagens do das TIC‘s em sala de aula. A interação com as
tecnologias faz-nos refletir sobre nossas ações e sobre sermos sujeitos da própria
educação. Isso porque, atualmente, a forma tradicional de ensino está desacreditada,
pois não responde aos anseios dos estudantes, ou às expectativas sociais. Ao pensarmos
nisso, e após estudos sobre ensino e tecnologias digitais, percebemos que é preciso levar
o mundo real para a escola, mostrando aos alunos e à equipe docente as mudanças que
estão ocorrendo, preparando-os para os possíveis enfrentamentos a serem encontrados,
tanto no mercado de trabalho quanto na sociedade em geral, de forma a torná-los
agentes ativos e reflexivos diante dos acontecimentos. Segundo Siluk et. al. (s/d), as
TIC‘s contribuem, enquanto instrumentos, para auxiliar no processo educativo; elas
estão a serviço da educação, seja por meio da utilização criativa do computador e da
internet, ou por meio de estudos à distância, os quais proporcionam a oportunidade de
realizar pesquisas (individual e em grupo), ter interatividade (com o computador ou com
outras pessoas), e trocar conhecimentos e informações com outras pessoas.
As TIC‘s, quando usadas de maneira adequada, com planejamento coerente com
a situação e com o público, são excelentes aliadas no processo ensino-aprendizagem. O
resultado em sua utilização poderá ser uma sala de aula em que haverá interatividade,
coletividade, alteridade e interdisciplinaridade, pois pode promover a aproximação de
diferentes áreas do conhecimento através da navegação por páginas, sites, materiais on-
line e relação com conteúdo de outras disciplinas – principalmente em função da
presença de links e hiperlinks que nos ligam a uma rede repleta de páginas e sites de
temáticas relacionadas ao que estamos estudando/pesquisando, ampliando a gama de
conhecimento. Dessa forma, pode-se encontrar e instigar, por exemplo, a relação entre
Literatura, Artes e História, ao pesquisarmos determinado autor ou obra, a partir do qual
se acessa uma página na qual há textos com links que levam ao contexto histórico, que
levam ainda às demais produções e costumes de época (auxiliando assim na
compreensão de determinado assunto), com base no entendimento e apreensão da
formação interdisciplinar de nossa sociedade.
Destarte,
[...] a informática transforma o conhecimento em algo não material,
variável, fluido e indefinido, por meio dos suportes digitalizados,
trazendo consigo processos provocadores de rupturas: a interatividade,
a manipulação de dados, a correlação dos conhecimentos entre si por
112
meio de links e nós de redes hipertextuais, a plurivocidade, o
pagamento das fronteiras rígidas entre texto-margens e autores-
leitores, a relativização da objetividade do conhecimento e da busca
de verdades definidas (RAMAL, 2002, p. 14).
Apesar da escola, ao fim e ao cabo, ser menos livre que a sociedade, uma vez
que precisa trabalhar com conteúdos contidos em um currículo ou programa (e a
Literatura está submetida a isso), ―não significa que as teorias e [as] práticas sejam
imutáveis. Ao contrário: a escola, assim como todo elemento de cultura, é histórica, e
precisa mudar‖ (REZENDE, 2013, p. 109).
Todavia, é ilusão pensar que somente a informática, um laboratório equipado
com computadores e internet, e a implantação de TIC‘s serão suficientes para melhorar
o ensino, principalmente o ensino-aprendizado de literatura. É também necessário
pensar e construir práticas pedagógicas participativas e de acordo com as necessidades
de cada aluno. O professor deve considerar o contexto sociocultural do aluno e criar
situações de aprendizagem que permitam o desenvolvimento de processos dialógicos e
reflexivos do estudante, possibilitando a busca de novas descobertas e respeitando a
produção individual. Dessa forma, o professor deve ser um mediador, interferindo,
interagindo e articulando o conteúdo literário com as formas tecnológicas disponíveis na
rede, aproximando o conteúdo do cotidiano do aluno, e auxiliando-o na interação com
as informações publicadas e com os recursos tecnológicos, para que consigam se tornar
sujeitos críticos e atentos ao que está publicado na internet, bem como a fazer pesquisas
e investigações de forma autônoma.
Para Nobert Pachler (2014 apud BRATKOWSKI e BAGGIO, 2014),
coordenador do London Mobile Learning, a mobilidade é o âmago do mundo
contemporâneo; por isso, os educadores precisam utilizá-la ao seu favor, sobretudo no
que diz respeito à aprendizagem e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes –
grupos que cada vez mais faz uso dessas plataformas digitais.
Muitas vezes, para incorporar as TIC‘s na sala de aula,
[...] é preciso ousar, vencer desafios, articular saberes, tecer
continuamente a rede, criando e desfrutando novos nós conceituais
que se inter-relacionam com a integração de diferentes tecnologias,
com a linguagem hipermídia, as teorias educacionais, aprendizagem
do aluno, a prática do educador e a construção da mudança em sua
prática, na escola e na sociedade. Essa mudança torna-se possível ao
propiciar ao educador o domínio da TIC e o uso desta para inserir-se
113
no contexto e no mundo, representar, interagir, refletir, compreender e
atuar na melhoria de processos e produções, transformando-se e
transformando-os (ALMEIDA, 2005, p. 73).
A experiência pedagógica, bem como pesquisa por parte do professor, é
fundamental. Ao conhecer as técnicas de informática para a realização das atividades, e
sabendo o que significa construir conhecimento, o professor conseguirá utilizar o
computador, o laboratório de informática e as TIC‘s para a construção de novos
conhecimentos sobre a literatura e, quem sabe, também para a construção do gosto pela
literatura. De acordo com Valente (2008, p. 1),
[...] o computador pode enriquecer ambientes de aprendizagem, onde
o aluno, interagindo com os objetos desses ambientes, tem chance de
construir seu conhecimento. Neste caso, o conhecimento não é
passado para o aluno. O aluno não é mais instruído, ensinado, mas é
construtor de seu próprio conhecimento.
Pensando nisso, perguntamo-nos se o professor de literatura não pode buscar
atrelar às suas práticas pedagógicas e experiências o seu conhecimento acerca da
informática, bem como procurar fazer cursos de capacitação que ensinem a utilizar as
TIC‘s, alterando o velho método de lecionar literatura. Não estamos propondo que esses
docentes abandonem os livros literários, mas que as TIC‘s sejam utilizadas como
aliadas para levar o aluno até eles e, consequentemente, despertar o interesse dos
estudantes em com eles travar um contato significativo.
De acordo com Rezende (2013, p. 111), uma das maiores dificuldades do ensino
de literatura nas escolas ―não se encontra na resistência dos alunos à leitura, mas na falta
de espaço-tempo na escola para esse conteúdo que insere fruição, reflexão e elaboração,
ou seja, uma perspectiva de formação não prevista no currículo, não cabível no ritmo da
cultura escolar‖, além da falta de bibliotecas, ou de bibliotecas equipadas com os
exemplares que estão no currículo escolar.
Dessa forma, as TIC‘s vêm para auxiliar os docentes e discentes no acesso aos
livros e materiais críticos sobre os mesmos. Como exemplos de acesso livre a conteúdo
digital útil ao ensino de literatura, na internet, é possível mencionar as várias obras da
literatura brasileira disponíveis no website Domínio Público
(<http://www.dominiopublico.gov.br>). Além disso, há obras estrangeiras disponíveis,
também em domínio público (principalmente aquelas de autores falecidos há mais de
114
mais de 75 anos), que podem ser usadas para despertar o interesse por leitura e serem
trabalhadas em parceria com os professores de Língua Estrangeira. Há ainda páginas,
tais como blogs e revistas – além de vários vlogs disponíveis em plataformas tais como
o Youtube, nos quais leitores assíduos (estrangeiros e brasileiros, muitos deles
professores) empreendem discussões acerca das mais variadas obras – onde se
encontram resenhas, resumos e análises que podem auxiliar na leitura e entendimento
dos livros e ao instigar o aluno a ler. Como afirmam Bratkowski e Baggio (2014, p. 5),
―muitas são as vantagens do livro digital, já que é através da internet que os livros raros
são disponibilizados para o mundo. O acesso a obras literárias torna-se mais facilitado e
pode ser compartilhado por diversas pessoas de diferentes regiões‖; principalmente se
pensarmos no currículo do 1° ano do Ensino Médio, constituído, muitas vezes, de
Quinhentismo, Barroco e Arcadismo, sendo que os textos dessas épocas dificilmente
são encontrados em forma de livro impresso.
Há, no entanto, muitos docentes que se recusam a utilizar os livros digitais, pois
acreditam que eles não substituem o prazer em manusear, segurar e ler um livro
impresso, e que, caso se abra espaço para o livro digital e para a internet, o professor
não será mais necessário. Apesar disso, é preciso entender que, diante de certas
realidades escolares (leia-se, a ausência de exemplares e livros suficientes para todos os
alunos, por exemplo), ―[o] material eletrônico não substitui completamente o material
impresso, e o professor continua a ser indispensável‖ (BELLEI, 2012, p. 143). Por essa
perspectiva, portanto, o material eletrônico funciona ao auxiliar e propiciar novas
possibilidades para os alunos e, principal e essencialmente, para os professores. O livro
digital não substituirá o impresso em nenhum aspecto, é o que acreditamos e
defendemos. Segundo estudos, ambas as formas coexistem e devem ser usadas, pois
uma complementa a outra.
Em relação à ideia de que o professor será substituído, basta pensar que o
computador e a internet podem ser ferramentas pedagógicas que, quando bem
utilizadas, oferecem maior subsídio para uma nova postura na prática docente. Os
professores constituem papel importante para a mediação entre alunos e recursos
digitais, de modo a usufruí-los da melhor forma, tanto em sala de aula como em casa,
pois ―entende-se que os professores são sujeitos dos saberes e mediadores de toda ação
pedagógica que ocorre no interior da escola‖ (COPPOLA e RAMOS, 2009, p. 3). São
eles que indicarão aos alunos como e onde pesquisar, quais os websites mais confiáveis
e os meios mais ágeis e frutíferos, como baixar arquivos de maneira segura, e em que
115
lugares da internet é possível baixar os arquivos de livros completos. Nisso consiste a
necessidade de que os professores se apropriem ―das novas tecnologias, não apenas para
motivar os alunos, mas para compreender o processo ativo e dinâmico que ocorre nessa
interação entre homem e a máquina‖ (COPPOLA e RAMOS, 2009, p. 3).
Ao introduzir o livro digital e a leitura de textos encontrados na rede, o professor
auxilia o aluno a entender e utilizar a internet como fonte de pesquisa e auxiliadora na
construção do aprendizado, fazendo-os ir além de seu uso somente como acesso de
redes sociais, ampliando assim o seu acesso à informação. Com isso, o aluno passa a
realizar a leitura digital, deparando-se com textos com links e hipertextos, o que rompe
com a linearidade e amplia as possibilidades de intervenção do leitor, permitindo
conexões e acesso a outras fontes de conhecimento, construindo práticas efetivamente
interdisciplinares.
Dessa forma, aquele ensino equivocado da literatura, que abrange apenas
períodos, datas e superficialmente estuda os autores e suas obras (e que não contribui
para a formação de leitores de literatura, tampouco de leitores críticos) amplia-se.
Através da inclusão do aluno em ambientes com conteúdos relevantes, e de uma
abordagem diferenciada, será possível que ele/ela sinta como eram determinadas
épocas, costumes e histórias, podendo refletir a respeito delas, entendendo a nossa
sociedade, e revelando que, por meio dos textos literários, é possível conhecer a nossa
História (e, a partir disso, ampliar nossas perspectivas e opiniões), tornando-o mais
reflexivo, crítico e atento ao modo como nossa sociedade se constituiu e se constitui.
Entretanto, o professor precisa mediar este processo, mostrando ao aluno-leitor a
necessidade de se estar atento para não perder o foco, e a selecionar informações
relevantes para o que está sendo estudado. Para isso, ―é preciso construir uma ponte
resistente entre o mundo que se vive e a sala de aula, estando atento ao cenário cultural
deste grupo de alunos‖ (PACHLER, 2014 apud BRATKOWSKI e BAGGIO, 2014, p.
4).
Além de auxiliar os estudantes a realizarem pesquisas, ampliando a forma de
utilizar a internet, é possível ao professor usar recursos tecnológicos, disponíveis no
computador ou na web, para apresentar os conteúdos, e instigar os alunos à utilização
das TIC‘s na construção de conhecimento. Um dos recursos a ser explorado, e que é
pouco utilizado pelos professores das escolas públicas, é o PowerPoint e o projetor
multimídia. Isso ocorre por vários fatores: ou o equipamento de projeção é inexistente
(ou insuficiente) na escola, impossibilitando o professor de levar o seu notebook
116
(observe-se que, nessa hipótese, o computador, equipamento essencial, deveria ser
fornecido pessoalmente pelo professor), ou porque o próprio docente não sabe como
criar uma apresentação de conteúdo nesse recurso. Outro meio de apresentar conteúdo
são as Ferramentas da Web. Várias delas têm versões gratuitas, com alguns recursos
reduzidos, mas que são muito funcionais. As desvantagens, novamente, incluem a
necessidade dos equipamentos e o fato de necessitar de acesso à internet para mostrar a
apresentação (ou a necessidade de comprar o pacote completo para poder baixar o
arquivo e exibi-lo posteriormente, em qualquer lugar), uma vez mais se deposita uma
gigantesca responsabilidade (que deveria ser profissional, mas se torna pessoal) ao
professor. Dentre essas ferramentas podemos citar as destinadas à apresentação visual
(tais como Emaze, Prezi, Canva, Genially, Easelly e Google Drive), e as ferramentas
para animações e vídeos (tais como Powtoon, Animoto e Aurasma).
Com o Prezi (<https://prezi.com/>), por exemplo, é possível criar apresentações
com slides, como as do PowerPoint. Não obstante, o primeiro recurso permite fazer
uma apresentação em 3D, com animação, inclusão mais interacional e dinâmica, com
estruturas inteligentes, zoom e movimento livre, podendo o professor, inclusive,
disponibilizá-la na nuvem, sem que o aluno precise baixá-la. O Emaze
(<https://www.emaze.com/pt/>) também permite criar apresentações em 2D ou 3D
visualmente estimulantes, podendo acrescentar imagens, vídeos, links e gifs, de modo a
possibilitar o compartilhamento na nuvem ou nas redes sociais. Com ele também é
possível criar websites, e-cards e blogs. O Canva (<https://www.canva.com/>), da
mesma forma que as ferramentas supracitadas, permite a criação de apresentações.
Além disso, há a opção de produção de cartazes, montagem de fotos e criação de e-
books. O Genially (<https://www.genial.ly/es>) permite criar apresentações em slides
de maneira atrativa, contendo vídeos de apresentação, imagens interativas, jogos,
quizzes, infográficos, mapas e listas, entre outros, podendo os arquivos serem
disponibilizados on-line ou descarregados no próprio computador do aluno para acesso
posterior. Já no Easelly (<https://www.easel.ly/>), é possível criar apenas infográficos,
úteis para montar explicações em forma de esquemas, principalmente quando o assunto
é mais complexo e repleto de ramificações. Por fim, o Google Drive também possibilita
criar apresentações em slides. Mesmo seus recursos sendo mais estáticos (semelhantes
ao do PowerPoint), sua vantagem é a de poder compartilhar a elaboração da
apresentação, que pode ser feita e alterada em qualquer computador com acesso à rede,
possibilitando ao professor acessá-la (para visualização ou edição) no computador da
117
escola (caso esse tenha acesso à internet); a apresentação final, por sua vez, poderá ser
construída de forma colaborativa, com outros docentes, bastando compartilhar o link via
e-mail.
Das ferramentas para animação, o Powtoon
(<https://www.powtoon.com/home/>) é um dos mais interessantes e fáceis de ser
manuseado. Com ele, podemos criar uma apresentação visual baseada na construção de
pequenos vídeos animados (colocando áudios com nossa própria voz ou inserindo textos
a serem lidos), dispostos em sequência, formando uma apresentação rica em
movimento, conhecimento, informação e diversão. O Animoto (<https://animoto.com/>)
permite a criação de efeitos em fotos e vídeos, que se fundem criando algo de alto
impacto. Já o Aurasma (<https://www.aurasma.com/>), uma ferramenta de realidade
aumentada, pode animar o mundo visto por um smartphone.
Quando se escolhe fazer uma apresentação com uma destas ferramentas, é
preciso entender que a imagem, para o ensino-aprendizagem, não desempenha um papel
meramente decorativo. A imagem escolhida deve estar integrada ao texto, e ambos
devem se complementar, de maneira a melhorar a qualidade da transmissão da
mensagem, avaliando qual o recurso mais adequado para comunicar a ideia em questão
(ilustração, foto, imagem, esquema, cenário...). Por exemplo, quando vamos apresentar
a contextualização histórica de determinada obra literária, podemos muitas vezes
substituir um texto por uma imagem ou gravura que represente determinado
acontecimento; quando vamos abordar artistas plásticos de uma determinada vanguarda,
ou um poema, podemos colocar imagens de pinturas desses artistas, ou quadros e
gravuras que foram produzidas a partir do poema. Sempre que possível, é importante
acrescentar elementos visuais junto ao texto, de maneira equilibrada, uma vez que a
imagem chama a atenção e contextualiza, e sua interpretação pode ser mais subjetiva,
enquanto que o texto informa, descreve pormenores, e sua interpretação pode ser mais
literal.
Com as ferramentas supracitadas, além de o professor usá-las para apresentar o
conteúdo, de maneira mais interativa e atrativa, ele pode propor atividades nas quais os
alunos precisem realizar pesquisas, individuais ou em grupo, sobre um tópico do
assunto estudado e, posteriormente, apresentar aos colegas utilizando uma das
ferramentas sugeridas. Assim, os alunos estarão mais envolvidos na construção do
próprio conhecimento, poderão trocar informações com os colegas, e terão a
oportunidade de aprender a usar os recursos tecnológicos para estudar, além de entender
118
que a realização de trabalhos em grupo hoje pode ser feita presencial ou virtualmente. O
professor será o mediador desse processo, indicando os caminhos e as realizações
possíveis para a atividade, conduzindo os alunos.
Ao pensar em trabalhos em equipe, temos também as ferramentas para trabalhos
colaborativos, como o Murally, o Padlet e, novamente, o Google Drive. O Murally
(<https://mural.co/>) é um serviço on-line, e permite aos usuários a criação de murais
colaborativos. Nesses, os estudantes podem compartilhar basicamente qualquer coisa:
trechos de textos capturados da internet, imagens, vídeos, links etc., montando um
esquema ou tópicos mais relevantes sobre o tema abordado. Consiste na mesma ideia do
mural físico exposto nas paredes da escola. O Padlet On-Line (<https://pt-
br.padlet.com/>) apresenta-se como um mural, ou quadro, permitindo que os alunos
realizem as tarefas das aulas ou criem as suas próprias ideias. O Google Drive também
permite que os alunos façam um trabalho de maneira colaborativa, tanto em arquivo
Microsoft Word, como uma apresentação de slides. A partir de qualquer uma dessas
ferramentas, pode-se compartilhar a produção em questão na rede, promovendo a troca
de informações entre os grupos.
Com esses recursos, o professor pode planejar trabalhos extraclasse, além de
utilizar as produções dos alunos para entender o modo como organizam seus
pensamentos, sua maneira de aprender e suas maiores dificuldades, auxiliando, assim,
na preparação das aulas subsequentes. Outro recurso tecnológico que pode auxiliar
nesse sentido é o mapa conceitual, disponibilizado pelo Cmaptools
(<https://cmap.ihmc.us/cmaptools/>), que permite ao usuário criar mapas conceituais,
ou esquemas, dispondo conceitos de forma hierárquica, por exemplo.
O blog também poder ser usado pelo professor como uma plataforma onde
alunos poderão postar textos (de sua escolha) sobre o conteúdo e, principalmente, para
acrescentar resenhas, resumos, análises e comentários críticos sobre as obras literárias
estudadas. Dessa forma, o texto produzido pelos alunos não terá somente o docente
como destinatário, e não será lido apenas por ele, mas por todos da turma e por aqueles
que acessarem o blog, sendo que os internautas poderão escrever comentários em cada
texto.
Outro recurso que pode ser incorporado à prática pedagógica é o YouTube. Com
ele, os alunos poderão gravar vídeos das mais variadas temáticas e formas. Como
exemplo, podemos citar uma atividade na qual se solicita aos alunos a elaboração de um
curta-metragem, encenando a história de uma obra literária e/ou adaptando-a; ou em
119
outro formato que desejarem, desde que se conte o enredo. Também podem construir
―telejornais‖ que relatem acontecimentos de uma obra, mostrando os impactos causados
na sociedade, qual o contexto social que produziu aquele comportamento, e que ligação
tem com a época e o contexto histórico. Como forma de incentivar a leitura, pode-se
fazer vídeos em formato de propaganda, estimulando a leitura de determinada obra.
Enfim, são inúmeras possibilidades e a escolha da atividade dependerá do objetivo a ser
alcançado.
Por fim, os games também podem ser aliados no processo de ensino-
aprendizado. No site ClassTools (<http://www.classtools.net/>), há variados jogos que
podem ser formatados pelo professor de acordo com o conteúdo abordado. Para o
ensino de literatura, pode-se utilizar, por exemplo, o 3D Galery
(<http://www.classtools.net/3D/>). Nele é possível criar uma sala virtual de museu em
3D, selecionando-se obras de arte de determinado período literário, com descrições
sobre autor, nome do quadro, estilo etc., e fazer o aluno percorrer (virtualmente) a
galeria de arte. O famoso Pac-Man (<http://www.classtools.net/arcade/>) possui uma
versão editável, onde o professor pode modificar questões de múltipla escolha sobre
determinada obra, autor, ou o que achar pertinente, a serem respondidas pelo aluno,
possibilitando-o jogar na plataforma efetivamente. Essa pode ser uma ferramenta de
revisão de conteúdo, na qual o aluno aprende jogando. Além dos recursos citados, é
possível pesquisar as indicações feitas pelo Ministério da Educação no Guia de
Tecnologias Educacionais (2009).
Nessa esfera, além do computador e da internet, o celular também pode ser uma
ferramenta utilizada para o ensino de literatura. Ele serviria como uma maneira de fazer
pesquisas durante as discussões em sala de aula, através da busca de figuras, imagens de
obras de arte, localidade das cidades onde as histórias acontecem, ou a origem
geográfica de um determinado autor. Além disso, seria uma ferramenta para acessar
plataformas criadas pela turma em parceria com o professor, nas quais estaria disponível
o material virtual da disciplina, ou para acessar alguns dos mecanismos
supramencionados.
Contudo, não basta somente o docente buscar se informar e aprender sobre e
como utilizar as TIC‘s. É preciso que haja investimento, através da criação de políticas
públicas de acesso ao letramento digital, para que as escolas sejam equipadas com
laboratórios de informática com computadores suficientes para todos os alunos que
compõem a turma. Equipamentos esses com bom funcionamento e manutenção, com
120
internet de qualidade. Ainda em relação a equipamentos nas escolas, é preciso que a
mesma disponha daqueles destinados à projeção multimídia (se não um em cada sala, ao
menos em espaços estratégicos da escola, de uso coletivo), proporcionando
revezamentos entre os docentes, bem como verbas para manter os equipamentos
funcionando.
Não obstante,
[...] melhorar somente os aspectos físicos da escola não garante uma
melhora no aspecto educacional. Valorizar o salário do professor
certamente contribui para uma melhora no aspecto educacional, como
já foi demonstrado com estudos realizados pela Câmara do Comércio
Brasil-Estados Unidos (1993). Entretanto, essa valorização salarial
deve ser acompanhada como um todo. Isso significa que a escola deve
dispor de todos os recursos existentes na sociedade (VALENTE,
1998, p. 2).
Ademais, para que todos os professores possam ter acesso ao aprendizado sobre
as TIC‘s, faz-se necessário promover cursos de capacitação nos Núcleos de Educação.
Ainda mais, deve haver divulgação mais intensa (entre os profissionais da educação)
dos cursos ofertados por Instituições de Ensino, como Universidades, com a essencial
permissão para a liberação dos docentes – por parte da instituição empregadora – (de
forma organizada e em revezamento), contabilizando esses cursos de alguma forma
(como na progressão de carreira, ou bônus salarial, entre outros), valorizando, assim, o
professor que busca melhorar sua prática docente e que está em constante estudo e
aprimoramento.
Outro ponto importante na implantação das TIC‘s em sala de aula é a
manutenção e ampliação da carga horária da hora-atividade de cada professor. Trata-se
de um período essencial que possibilita ao docente mais tempo para preparar aulas que
envolvam o uso das tecnologias, importante diante da demanda de tempo e da dedicação
na elaboração do uso dessas práticas, no entrelaçamento entre conteúdo e ferramenta
tecnológica, bem como no manuseio e configuração do recurso, de forma a atender às
necessidades dos alunos.
Por fim, todas as considerações aqui tomadas a partir do desenvolvimento da
reflexão, buscando ainda oferecer possíveis ferramentas constituídas pelos recursos
tecnológicos, levam-nos a perceber que as TIC‘s não são a solução dos problemas
educacionais, mas são uma ferramenta para melhorar os processos de aprendizagem. O
seu uso facilita o aprendizado e permite a circulação e armazenamento de informações,
multiplicando possibilidades da utilização.
121
REFERÊNCIAS
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o saber conviver e o saber ser. Colabor@: revista digital da CVA – RICESU,
Curitiba, v. 1, n. 1, 2002. p. 37-44. Disponível em:
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VALENTE, J. A. Por que o computador na educação? Programa de Pós-Graduação
em Educação, PUC: [s/n], [s/l], 2008. Disponível em:
<http://www.ich.pucminas.br/pged/db/wq/wq1_LE/local/txtie9doc.pdf>. Acesso em: 13
mar. 2018.
122
CAPÍTULO IX
ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E INCLUSÃO SOCIAL:
DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
Karyne Soares Duarte SILVEIRA
Márcia Ozinete de Alcântara Pinho BORBOREMA
Considerações Iniciais
Os contextos de formação docente de língua inglesa enfrentam vários desafios
diários, não apenas no que diz respeito às limitações características dos cursos de
licenciatura em línguas estrangeiras no nosso país, mas também quanto às crescentes
demandas inerentes ao profissional a ser formado.
O professor em formação, além de apresentar habilidades linguístico-
pedagógicas, precisa capacitar-se (mesmo que por conta própria) para saber lidar com as
necessidades mais diversas apresentadas por seus futuros alunos em contextos como:
ensino de inglês para cegos, surdos, autistas, idosos, dentre outros grupos mais
específicos. Conforme esclarecem Celani e Medrado (2017, p. 29), quanto ao que
consideram um dos maiores desafios dos cursos de licenciaturas nos dias de hoje ―[...]
formar professores que estejam dispostos a se transformarem ao longo do processo e da
sua prática e esse posicionamento abrange, a nosso ver, a transformação diante de
contextos inclusivos‖.
Assim, é mister que os cursos de licenciatura contemplem nos seus currículos
disciplinas que forneçam, desde o início, algum suporte teórico e prático sobre inclusão
social, nas suas mais variadas nuances, de forma a capacitar os professores, ainda que
inicialmente, quanto ao desenvolvimento de habilidades necessárias para favorecer a
aprendizagem de seus alunos. Além disso, essa formação deve servir para orientar os
professores quanto à importância de cobrar das instituições de ensino a devida
assistência estrutural para que a prática inclusiva aconteça de forma adequada dentro do
ambiente escolar.
Neste sentido, entendemos que é exatamente esse caráter de compromisso social
das práticas inclusivas (muito mais que seu caráter de prescrição legal) que tem
motivado vários pesquisadores a investigarem sua ocorrência no ensino-aprendizagem
de língua inglesa.
123
Dessa forma, desenvolvemos este capítulo com o objetivo geral de apresentar
um panorama de pesquisas recentes que contemplam o ensino de língua inglesa em
contextos de inclusão social como um desafio da contemporaneidade. Para isso
discorremos inicialmente sobre o conceito de Linguística Aplicada Indisciplinar na
perspectiva de Moita Lopes (2002, 2006, 2009), e refletimos sobre a relevância das
questões relacionadas à justiça social para formação docente, segundo Zeichner (2008).
Em seguida, explicamos o termo inclusão social em um caráter mais geral e, de forma
mais específica, quanto ao ensino de línguas e suas implicações no contexto de
formação docente com base em Celani e Medrado (2017), dentre outros, e apresentamos
algumas pesquisas realizadas sobre essa temática e o papel dos professores e suas
respectivas formações nestas experiências (DANTAS, 2015; TONELLI e FERREIRA,
2017; FISCHER e KIPPER, 2016; e BORGES, 2016). Por fim, expomos nossas
considerações finais sobre o tema em tela.
Uma perspectiva indisciplinar da linguística aplicada para o ensino de línguas
Nas últimas décadas, é possível perceber que a Linguística Aplicada (doravante,
LA) tem passado por mudanças influenciadas por diversas áreas do saber, provocando
profundas reações no que se refere aos questionamentos acerca de seu objeto de estudo
e sobre a forma de produzir conhecimentos. Com isso, surge a formulação da LA
indisciplinar, ou seja, ―uma área mestiça e nômade, e principalmente, porque deseja
ousar pensar de forma diferente, para além de paradigmas consagrados‖ (MOITA
LOPES, 2009, p. 19).
É importante ter consciência da maneira pela qual as pesquisas em LA foram se
transformando e sendo motivadas por diversas abordagens teóricas, com a incorporação
de novos ideais, de novos interesses e de novos olhares – principalmente – um novo
olhar aliado às práticas sociais, que é uma das principais características da LA
indisciplinar. Concomitantemente, foi sendo possível detectar a crescente necessidade
de abranger as discussões sobre formação docente e o processo de ensinar línguas em
contextos inclusivos, isto é, chamando a atenção para ―a necessidade de ouvir as vozes
das periferias ou daqueles que foram alijados dos benefícios da modernidade (os negros,
os homossexuais, as mulheres, os povos colonizados etc.)‖ (op.cit., p. 21). Dessa
maneira, a questão da indisciplinaridade passou a ser um posicionamento
imprescindível para quem realiza pesquisas em LA.
124
Por essa perspectiva indisciplinar da LA, devemos entendê-la como o empenho
dos linguistas aplicados em abordar essa área de conhecimento como ―um modo de criar
inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central‖
(MOITA LOPES, 2006, p. 14), com "múltiplos centros" (op.cit, p. 109) e enfatizando
"problemas do mundo real" (op.cit, p. 138). Com isso, ressaltamos que uma das
maiores mudanças relacionadas às pesquisas em LA foi a relação estabelecida entre as
teorias linguísticas e a elaboração de pesquisas que consideram aspectos da vida social,
visando transformações significativas para os que estão envolvidos de forma (in)direta
em determinado contexto social.
Sob o ponto de vista indisciplinar da Linguística Aplicada, salientamos outra
busca muito importante: a problematização do paradigma objetivista e positivista. É
possível perceber que a partir também da década de 70, os linguistas aplicados
começam a deixar de lado ―a racionalidade técnica e a visão de ensino como
transmissão de conhecimento, assumindo gradativamente uma perspectiva sociocultural
de ensino e aprendizagem (VYGOTSKY, 1978, 1986) e uma perspectiva crítico-
reflexiva (ZEICHNER, 2003, 2008)‖, como explica Vieira-Abrahão (2010). Outro
importante discernimento acerca dessa área de investigação foi perceber que é
fundamental a união de várias áreas de conhecimento, especialmente, aquelas
vinculadas às Ciências Sociais, a fim de compreender, por exemplo, a complexidade
que envolve os processos de ensinar línguas juntamente com a complexidade da
formação docente.
Com base nas novas concepções trazidas pela perspectiva da LA indisciplinar,
entendemos que fazer pesquisa em ciências humanas / sociais é ter oportunidade de nos
entender enquanto sociedade e poder transformá-la através do (re)pensar a linguagem e
de seus estudos vinculados às práticas sociais. Dizemos isso concordando com essa
nova ênfase da LA indisciplinar porque acreditamos que teorias devem ser
desenvolvidas a fim de proporcionar algum impacto na vida social, em outras palavras,
é o fazer ciência através de nossas pesquisas, sem nos conformar simplesmente dentro
delas, mas sim, fazer ciência e produzir conhecimentos, buscando aplicá-los, de fato, de
forma crítica em diferentes contextos da nossa sociedade – isso deve ser o dever de
todos aqueles que se intitulam cientistas.
Atualmente, a busca de participação por / com as vozes do Sul (MOITA LOPES,
2002, 2006; SANTOS, 2004; SANTOS, 2000) é outro aspecto de extrema importância
no campo da LA indisciplinar. Toda a discussão sobre a inclusão dessas tem
125
enriquecido a área e trazido melhorias para os que conseguem participar de projetos
liderados por pesquisadores conscientes do papel político que ―fazer pesquisa‖ deve
apresentar.
Diante desse cenário e da nossa tomada de consciência sobre o que pesquisas em
LA são capazes de fazer, uma contínua reflexão ainda nos acompanha, uma vez que
percebemos que a grande bandeira da LA indisciplinar hoje está relacionada à produção
de conhecimento aliada a uma agenda político-social, ou seja, ―é crucial pensar formas
de fazer pesquisa que sejam também modos de fazer política ao tematizar o que não é
tematizado e dar a voz a quem não tem‖ (MOITA LOPES, 2009, p. 22). É fundamental
que estudos venham colaborar com o esforço que se tem empregado para estabelecer
mudanças no processo de ensino de línguas com o objetivo de favorecer a formação de
sujeitos capazes de ler e escrever o mundo de forma apropriada e mais crítica, incluindo
um novo sujeito da LA, através das vozes do Sul (MOITA LOPES, 2006), reiterando e
reestruturando o papel das relações sociais que podem ser estabelecidas durante o
complexo processo de ensino de línguas.
Formação docente para justiça social
Abordamos nesta seção algumas considerações sobre a necessidade de romper
fronteiras e ampliar os contextos de formação docente e das pesquisas em LA, tendo
como base as reflexões desenvolvidas por Zeichner (2008) cujo tema principal é
formação docente para a justiça social. Tal tema é abordado através de uma análise
qualitativa de alguns programas de formação docente e procura falar àqueles que, de
forma direta ou indireta, trabalham ―com a formação de professores e que acreditam que
na possibilidade da construção de um mundo mais justo, mais humano, fraterno e
solidário, livre de discriminações e ecologicamente sustentável‖ (op.cit., p. 10).
Ao pensar sobre aspectos da formação docente para a justiça social (doravante,
FDJS), consideramos interessante revisitar a definição de justiça. Procurando por alguns
conceitos que o definissem, encontramos o vocábulo justiça (sf) como sendo:
1.Virtude que consiste em dar ou deixar a cada um o que por direito
lhe pertence. 2. Conformidade com o direito. 3. Ação de reconhecer os
direitos de alguém a alguma coisa, de atender às suas reclamações, às
suas queixas etc (MICHAELIS, 2010, p. 49).
126
Levando isso em consideração, é possível perceber a importância de o conceito
de justiça fazer parte do dia-a-dia de todos os cidadãos.
Afunilando a nossa discussão para a proposta da presente seção, podemos
enfatizar a necessidade de aliar os programas de formação docente aos conceitos,
interesses e benefícios que envolvem a justiça social. Já sabemos que os fundamentos
de justiça social se organizam por meio da equidade perante a lei, igualdade de
oportunidades para todos, respeitando os direitos destinados a todos os indivíduos que
compõem determinada sociedade, para que haja, assim, equilíbrio social.
Ao discorrer sobre aspectos da FDJS, vimos que essa abordagem teve como
objetivo inicial ―preparar professores a fim de contribuir para uma diminuição das
desigualdades existentes entre as crianças das classes baixa, média e alta nos sistemas
de escola pública de todo o mundo e das injustiças que existem nas sociedades, fora dos
sistemas de ensino‖ (ZEICHNER, 2008, p. 11). Com o passar do tempo, outro
importante objetivo foi acrescentado à FDJS que é o de ―preparar professores para
lecionarem em sociedades em que formas crescentes de ―responsabilidade‖ (do inglês,
acccountability) têm sido impingidas às escolas‖ (op.cit., p. 11). O autor também nos
informa que, atualmente, a agenda de inúmeros programas que trabalham e pesquisam
com/sobre formação docente tem sido ―a agenda de justiça social, que incorpora vários
aspectos do que tem sido referido como educação sócio-reconstrutivista, multicultural,
anti-racista, bilíngue e inclusiva‖ (op.cit., p. 15).
Com isso em mente, os professores que trabalham com a formação de novos
professores devem procurar despertar a conscientização sobre as diferenças que há em
vários contextos desenhados por histórias de segregação e exclusão de uns em
detrimento de outros. Através desse trabalho de conscientização, acreditamos que ficará
mais completa e inclusiva a formação de professores para que atuem como sujeitos de
transformação social e que se engajem em obras que objetivem superar – ou melhor –
erradicar (ainda que seja apenas no âmbito de sua atuação) as diferenças que impedem a
justiça social de ser feita e vivida pelos cidadãos de cada comunidade.
Essa discussão aponta, como vimos anteriormente, para um pilar fundamental do
campo da LA indisciplinar que é a união das pesquisas desenvolvidas nesta área com
uma postura de compromisso social. É necessário que ideais e forças sejam unidos com
o propósito de que a formação docente aconteça de forma mais abrangente, levando em
consideração a possibilidade de ensinar àqueles que se encontram nas margens de seus
contextos sociais para que as linhas que delimitam essas margens sejam apagadas de
127
nossa sociedade. Bem sabemos que a responsabilidade do apagamento das distâncias
sociais entre os indivíduos de uma mesma sociedade é de responsabilidade de todos,
incluindo aqueles que elaboram e executam as políticas públicas, mas gostaríamos de
enfatizar o poder do ambiente de formação docente, uma vez que acreditamos que há
um grande potencial de transformação social ao formar professores ―capazes de
trabalhar dentro e fora de suas salas de aula, a fim de mudar as desigualdades que
existem tanto no ensino, quanto na sociedade como um todo‖ (op.cit., p. 17).
Gostaríamos igualmente de salientar a relevância de aprofundar as discussões
sobre a implementação de ações para que os objetivos almejados pela FDJS sejam
realmente atingidos nos programas de formação docente, visto que sendo esses
objetivos postos em prática, as dimensões políticas do ensino também poderão ser
ampliadas. Neste sentido, torna-se imprescindível dar atenção ao contínuo apelo feito
por Zeichner (2008) em prol de uma formação docente que tenha como lema ―formar
professores que contribuirão para um mundo mais igual e justo‖ (op.cit., p. 15), ―formar
professores para trabalhar contra injustiças no ensino e na sociedade‖ (op.cit., p. 16) e
―formar professores que assumiriam papéis de liderança na reconstrução da sociedade
para maior igualdade nas oportunidades e resultados entre os diferentes grupos que [a]
constituem‖ (op.cit. p. 19). Dessa forma, os professores podem efetivamente contribuir
para a melhoria da qualidade de vida de seus alunos, seja lá qual for a sua raça, credo,
idade, orientação sexual, poder financeiro, etc. uma vez que ao reconhecer a
necessidade de equidade social, o docente estará contribuindo para a formação de uma
sociedade mais justa.
Inclusão social e ensino de línguas estrangeiras
O termo inclusão social é amplamente difundido e de fácil compreensão. Para
Sassaki (2006, p. 29), inclusão social é ―o processo pelo qual a sociedade se adapta para
poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e,
simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade‖.
Sant‘Ana (2005, p.90), por sua vez, define inclusão como:
[...] a convicção de que todos os indivíduos devem, de forma
democrática, participar ativamente na organização da sociedade, de
modo que possibilite o acesso às oportunidades de desenvolvimento
sociocultural, levando sempre em conta as suas características
individuais.
128
Observamos nas definições apresentadas pelos autores que o termo inclusão
contempla, por um lado, o respeito às necessidades do indivíduo, o reconhecimento de
seu dever de participar de forma ativa da sociedade, mas também, por outro lado, o
compromisso da sociedade de adaptar-se a essa realidade.
Neste sentido, Pires (2006) discute sobre a ética da inclusão e afirma ser este um
aspecto fundamental ao direito da cidadania, garantindo a todos oportunidades iguais
(inclusive educacionais) e respeito às suas diferenças, direitos estes amplamente
amparados por vários documentos legais, a saber: a Declaração Universal de Direitos
Humanos (ONU, 1 948, Artigo XXVI), a Constituição Federal (BRASIL, 1988, Artigo
205), o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994) e, mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015).
Apesar da clareza teórica do termo inclusão social e do respaldo legal para a sua
implementação, na prática do contexto escolar percebemos compreensões ainda
equivocadas. É comum encontrarmos instituições de ensino que se dizem inclusivas,
quando na verdade apenas recebem alunos com necessidades específicas em suas salas
de aula sem oferecer nenhum atendimento individualizado, evidenciando as limitações
do aluno, sem sequer ter a infraestrutura mínima exigida para atendê-los adequadamente
(com classes superlotadas, instalações físicas insuficientes, quadros docentes sem a
devida formação, dentre outros problemas). Na realidade essa prática consiste em
excluir os alunos dentro das salas de aula, ou melhor, trata-se de ―incluir segregando‖,
nas palavras de Fidaldo e Magalhães (2017).
Celani e Medrado (2017, p, 35) reforçam que ―[a] inclusão implica a
reestruturação, a recriação, a reorganização e a transformação de espaços e pessoas.‖
Isto é, para que a prática de inclusão ocorra de fato no ambiente escolar é preciso que
toda a comunidade entenda sua responsabilidade e (re)signifique seus papeis
favorecendo a devida capacitação docente, o desenvolvimento de material pedagógico
adequado, uma adaptação curricular, dentre outras iniciativas. Aq ui é possível constatar
a relação direta entre a proposta de ensino inclusivo de línguas com a ideia de
compromisso social assumido pela LA indisciplinar de Moita Lopes (2006, 2009) e pela
concepção de FDJS defendida por Zeichner (2008).
Em se tratando do contexto específico de ensino de línguas estrangeiras, é
fundamental que o professor tenha consciência do seu papel não só na promoção da
129
aprendizagem de conhecimentos linguísticos, mas também culturais, que, por sua vez,
contemplam, sobretudo, o respeito e devida compreensão das diferenças. Fagundes e
Fontana (apud FONTANA, 2017) falam do papel do professor de línguas estrangeiras
como um mediador intercultural, conforme explicado por Fontana (2017, p. 52):
Isso significa que o docente que ensina línguas é um construtor de
pontes. Ele precisa estabelecer os caminhos para que seus alunos,
imersos em uma determinada cultura, possam tocar com as pontas dos
dedos e, mais tarde, apropriar-se inteiramente de uma nova ou de
novas culturas. São novas maneiras de pensar e sentir. Para ser capaz
disso, o mesmo professor precisa ter muita clareza sobre sua própria
cultura, sobre a cultura de seus alunos e a cultura dos povos cuja
língua estuda. Só assim, conhecendo e respeitando o que pertence ao
outro, ele consegue mostrar o caminho para que seu aluno, sem se
sentir agredido, transponha a ponte e encontre prazer e conhecimento
na cultura alheia.
Para o autor (op. cit.), essa consciência do professor de língua estrangeira só
pode ser desenvolvida por meio de uma formação que o coloque desde o início de sua
carreira docente em contato com os mais diversos tipos de seres humanos e suas
necessidades específicas. Daí a importância, também reforçada por Fontana, de termos
nos currículos das universidades uma prática docente que contemple outros contextos de
ensino-aprendizagem e não apenas o estágio em escola regular. Ideia esta com a qual
concordamos, pois se pretendemos alcançar uma educação de qualidade no nosso país,
precisamos assumir que, inevitavelmente, essa conquista perpassa o reconhecimento e
implementação efetiva da educação inclusiva.
Como sabemos, são vários os desafios inerentes ao ensino de línguas
estrangeiras em contexto inclusivo. Para lidar com esses desafios, além de ser
necessário contar com uma boa infraestrutura geral na escola na qual trabalha, é preciso
que o professor tenha consciência da importância de colocar em prática algumas ações,
dentre elas: entender a necessidade específica de cada aluno, escolher a metodologia
mais adequada, elaborar materiais didáticos específicos que promovam o
desenvolvimento de habilidades linguísticas, promover uma boa interação com os
outros alunos em sala e fazer uso de uma avaliação eficaz da aprendizagem. Para isto,
como afirmam Fidalgo e Magalhães (2017), é fundamental contar com uma formação
inicial e continuada que oriente o professor a ter autonomia para investigar sobre o caso
com o qual se depara, ouvir pais e responsáveis pelos alunos como parceiros no
130
processo de ensino-aprendizagem e fazer uso da prática da aprendizagem colaborativa
em sua sala de aula, ampliando as possibilidades de trabalho com a língua que ensina.
Com base nessas constatações, descrevemos a seguir algumas pesquisas
desenvolvidas a partir de experiências distintas de ensino de língua inglesa em
contextos de inclusão como forma de demonstrar o compromisso assumido pelos
respectivos professores a partir da formação (ou falta de formação) obtida em busca de
caminhos alternativos possíveis em termos de educação inclusiva para línguas
estrangeiras.
Panorama de pesquisas sobre inclusão e ensino de língua inglesa
Dentre os vários estudos realizados sobre inclusão e ensino de língua inglesa,
descrevemos neste capítulo um panorama envolvendo quatro experiências que referem-
se a contextos distintos de inclusão, a saber: ensino de inglês para deficientes visuais,
para criança autista, para surdos e para idosos1. Entendemos que ao demonstrarmos
casos concretos sobre práticas inclusivas distintas, comprovamos a viabilidade de sua
implementação desde que respeitadas as necessidades específicas de cada grupo e a
devida formação docente, considerando a relevância da sensibilidade e compromisso
social assumidos pelos respectivos professores em cada experiência vivenciada.
Inicialmente descrevemos a pesquisa realizada por Dantas (2015) em um
contexto de ensino de inglês para deficientes visuais em séries do ensino fundamental e
médio de uma escola pública entre os anos de 2012 e 2013. Nesta pesquisa quatro
professores de inglês do referido contexto foram entrevistados, tiveram suas aulas
filmadas e, em seguida, viveram a experiência da autoconfrontação com a mediação da
pesquisadora, isto é, assistiram ao vídeo de uma de suas aulas como forma de refletirem
e comentarem sobre suas práticas.
Dentre as reflexões realizadas, os professores apontaram a ausência de formação
para a educação inclusiva como responsável pelo sentimento de despreparo para lidar
com os conflitos inerentes ao trabalho docente nesse contexto. Eles afirmaram entender
que essa formação não trata-se de uma responsabilidade apenas do próprio professor,
1 Embora o conceito de inclusão esteja mais fortemente associado a pessoas com deficiências físicas e/ou
mentais, esclarecemos que a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015) em seu artigo 3º, inciso IX
contempla os idosos como pessoas com mobilidade reduzida, estando, portanto, também acobertados pela
referida lei.
131
mas do governo, da escola e dos cursos de formação. Um dos professores colaboradores
resumiu este sentimento revelando a necessidade de ser também incluído nessa nova
proposta (muitas vezes, imposta) de educação. Sobre essa questão, Dantas (2017, p. 19)
afirma: ―[n]esse sentido, a fala [do professor] corrobora o entendimento de que a
inclusão é para todos, e nesse todos incluímos desde o porteiro da escola até, e
principalmente, os professores.‖
Apesar do sentimento de despreparo para lidar com os conflitos associado à falta
de formação, três2 dos quatro professores reconfiguraram suas práticas no ensino de
inglês para deficientes visuais, dito de outra forma, eles fizeram uso da reestruturação
necessária da prática docente como algo inerente ao contexto de inclusão, conforme
descrito por Celani e Medrado (2017). Dentre as mudanças realizadas pelos professores,
Dantas (2015) cita: adaptação de atividades, aprendizagem de braile, preocupação em
falar mais perto dos alunos, auxílio dado na locomoção em sala, dentre outras. Essas
reconfigurações reforçam a afirmação da autora (op. cit.) sobre o cenário da educação
inclusiva como um lócus de conflito, não como algo negativo, mas significativo na
aprendizagem dos alunos e no desenvolvimento profissional.
Dantas (op. cit.) enfatiza ainda, após a análise dos dados de sua pesquisa, a
importância de uma formação docente voltada ao cenário da educação inclusiva não
como um pedido apenas dos professores colaboradores de seu estudo, mas de todo um
coletivo docente, no qual ela própria se inclui. Com base nessa constatação, a autora
aponta uma série de iniciativas a serem implementadas na formação inicial em línguas
estrangeiras (como a oferta de uma disciplina que contemple a temática da educação
inclusiva, a inclusão de uma disciplina de braile, a realização do estágio supervisionado
em contextos com alunos com alguma necessidade específica, dentre outras), bem como
na formação continuada (como a oferta de cursos e oficinas sobre como lidar com
conflitos em sala de aula, a criação de espaços de troca de ideias entre os membros do
corpo docente da escola, a conscientização através de palestras, debates, entre outras).
A segunda pesquisa, realizada por Tonelli e Ferreira (2017) no ano de 2015,
refere-se a uma proposta de Sequência Didática (SD) elaborada para o ensino de inglês
para crianças, tendo um deles o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo
(TEA). Nesta experiência os autores tiveram como objetivo ensinar inglês por meio do
2 Apenas um dos professores colaboradores desta pesquisa afirmou não ter mudado sua prática devido à
falta de formação específica para lidar com educação inclusiva.
132
desenvolvimento de capacidades de linguagem de seus alunos através do gênero textual
história infantil.
Tonelli e Ferreira descrevem inicialmente o TEA e as limitações, diretamente
associadas, quanto à capacidade de expressão e comunicação. Em seguida, relacionam
possibilidades de ensino de inglês para pessoas com TEA como forma de favorecer o
seu desenvolvimento através do fortalecimento das referidas capacidades, ampliando,
por consequência, as possibilidades de aprendizagem.
Os autores (op. cit.) relatam como o esquema da SD foi adaptado, desde a
motivação para escolha da história a ser (re)produzida (The Very Hungry Caterpillar), a
forma como o aluno com TEA foi estrategicamente posicionado em sala, a maneira
como os questionamentos sobre a história foram feitos a ele até a sua produção final e
os critérios para sua avaliação.
Os autores concluem apontando o sucesso do dispositivo utilizado no
favorecimento da inclusão, possibilitando o aluno com TEA compreender a proposta da
atividade e envolver-se nos grupos, propiciando o desenvolvimento das capacidades de
linguagem pretendidas, a saber: compreensão dos comandos dados no momento de
apresentação da história; identificação por meio de gestos do que estava sendo
solicitado e reconhecimento dos itens lexicais durante a produção inicial da história;
organização das figuras referentes à história na etapa de produção final demonstrando
compreensão do conteúdo abordado.
Ao final, Tonelli e Ferreira (2017) evidenciam o fato de que, apesar do sucesso
na adaptação e utilização da SD, os desafios sobre o ensino de língua inglesa em
contexto de inclusão ainda são presentes, sobretudo, no que se refere à formação inicial
e continuada, pois requer dos professores o devido conhecimento não só sobre o
dispositivo a ser utilizado (no caso deste estudo, a SD), mas, principalmente, sobre
saber como lidar com a inclusão de modo a não reforçar um rótulo de incapacidade
muitas vezes associado aos seus alunos com necessidades especiais.
Esta experiência reforça o que foi mencionado por Fidalgo e Magalhães (2017)
quanto ao papel da formação inicial e continuada que oriente o professor a ter
autonomia para investigar a realidade de inclusão em sua sala de aula, dentre outras
iniciativas ou, ainda de modo mais abrangente, à luz do conceito de FDJS (ZEICHNER,
2008, p. 17), a formar professores ―capazes de trabalhar dentro e fora de suas salas de
aula, a fim de mudar as desigualdades que existem tanto no ensino, quanto na sociedade
como um todo.‖
133
A terceira pesquisa, desenvolvida por Fischer e Kipper (2016), consiste em uma
experiência de ensino de inglês (realizada no ano de 2014) para uma turma de alunos
surdos do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública situada no interior do
Rio Grande do Sul. Com este estudo as autoras tiveram o objetivo de analisar as
estratégias e recursos visuais utilizados no ensino da língua alvo.
As autoras (op. cit.) esclarecem que apesar de nem todas as habilidades
linguísticas poderem ser trabalhadas no contexto de ensino de inglês para surdos,
entendem que os alunos têm condições de desenvolver as demais habilidades se forem
oferecidas as devidas oportunidades. Neste sentido, a escola na qual a pesquisa foi
realizada parece atender adequadamente aos critérios de acessibilidade previstos para o
ensino de pessoas com necessidades especiais tanto no aspecto estrutural (sinais
luminosos para indicar início e término das aulas; biblioteca com livros em Libras,
materiais multimídias, dicionários trilíngues), quanto em termos de equipe pedagógica
(professores intérpretes de Libras, professores ouvintes e uma professora surda).
Ressaltamos aqui o quanto essa estrutura geral da escola nos chamou atenção, uma vez
não retratar nem minimamente a realidade da grande maioria das escolas públicas (ou
mesmo privadas) do nosso país.
Segundo Fischer e Kipper (2016), a pesquisa foi iniciada com a observação de
uma aula, seguida de algumas aulas práticas, entrevistas com os alunos surdos, com a
ajuda da professora intérprete (uma destinada a identificar seus interesses e dificuldades
em relação ao inglês e outra com a finalidade de saber quais estratégias e recursos
favoreciam a aprendizagem dos alunos). As autoras entendem que os alunos surdos têm
capacidade de aprender, desde que respeitadas suas diferenças linguísticas e culturais,
compreensão esta que corrobora a noção de Fontana (2017) do professor de línguas
estrangeiras como um construtor de pontes entre culturas (e línguas) distintas.
Ao final da pesquisa, Fischer e Kipper (2016) identificaram nas respostas dos
próprios alunos surdos que a aprendizagem da língua inglesa é favorecida pelo uso de
recursos visuais apresentados com o auxílio de computadores e da Libras, isto é,
concluíram que o uso das tecnologias, especialmente o computador conectado à
internet, contribui na aprendizagem da língua alvo.
Verificamos nesta pesquisa de Fischer e Kipper (2016), tanto em relação à
estrutura da escola em si, quanto nas práticas utilizadas pelas pesquisadoras o cuidado
em vivenciar a inclusão social conforme descrito por Sassaki (2006, p. 29): ―o processo
pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais,
134
pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir
seus papéis na sociedade‖. Postura essa que revela um verdadeiro compromisso social
(MOITA LOPES, 2006) com a questão da educação inclusiva.
Embora Fischer e Kipper (2016) não tenham citado informações específicas
sobre a formação obtida para realização desta pesquisa-ação, verificamos ao longo do
relato a constatação por parte das pesquisadoras (op. cit., p. 8 e 9, respectivamente)
sobre a importância desta formação tanto no que se refere ao conhecimento de Libras
(―O professor deverá saber se comunicar com seus alunos surdos e para que isso ocorra
é fundamental que o mesmo seja fluente em Libras [...]‖), quanto em relação às escolhas
pedagógicas a serem feitas (―[...]a importância de continuar pesquisando novas
metodologias e incluir cada vez mais o uso de tecnologias no dia a dia dos alunos
surdos [...]‖).
A quarta pesquisa, desenvolvida por Borges (2016), refere-se a uma experiência
de ensino de língua inglesa para idosos de uma Universidade Aberta à Maturidade
vinculada a uma universidade pública no interior da Paraíba realizada no ano de 2016,
cujos objetivos específicos foram:
(1) refletir sobre as implicações dos aspectos sociais, isto é, o impacto
do aprendizado de inglês como língua estrangeira na vida social dos
alunos; (2) analisar os aspectos cognitivos, isto é, memória, acuidade
auditiva, atenção e maturidade cognitiva nesse contexto de
aprendizagem; e (3) entender o papel da emoção (aspecto afetivo) no
ensino-aprendizagem de inglês para idosos. (BORGES, 2016, p.7)
A autora (op. cit.) relata em sua pesquisa-ação de que forma a intervenção
realizada por ela e outro colega professor naquele contexto alcançou os objetivos
descritos. Primeiro, a preocupação com as implicações sociais da aprendizagem de
língua inglesa para os idosos. A autora afirma, a partir de relatos dos próprios alunos
nas entrevistas realizadas, os benefícios da metodologia utilizada pautada na
Abordagem Comunicativa, bem como o uso do dispositivo da Sequência Didática
(desenvolvido a partir de assuntos de interesses dos alunos). Para a professora-
pesquisadora, as escolhas pedagógicas utilizadas favoreceram a interação entre os
alunos e a boa atmosfera geral da sala de aula.
Quanto ao segundo objetivo de pesquisa, Borges (op. cit.) demonstrou a
relevância de o professor conhecer o aluno e suas necessidades específicas para
promover um ensino-aprendizagem de qualidade. Para isso, os professores observaram
o contexto no qual estavam inseridos e repensaram práticas, atividades e materiais
135
didáticos que pudessem auxiliar os idosos quanto aos aspectos cognitivos característicos
de sua faixa etária. Por exemplo, foi a partir do reconhecimento das limitações de
memória por parte dos alunos que os professores elaboraram um resumo da aula,
denominado de handout (sempre entregue no final de cada aula) para que servisse de
apoio ao estudo em casa, bem como de resgate de conteúdo na aula seguinte. Outro
exemplo de cuidado por parte dos professores em relação às características cognitivas
dos alunos foi com suas limitações visuais, o que os levou a adaptarem o conteúdo das
aulas em slides com fontes maiores, com imagens e em cores visíveis, dentre outros
cuidados.
No que se refere ao terceiro objetivo apresentado por Borges (2016), relacionado
ao papel da emoção neste contexto de ensino-aprendizagem, a autora verificou sua
importância fundamental. Para ela, foi necessário realizar algumas mudanças na postura
e na relação professor-aluno durante a experiência de ensino, tais como: sentar perto,
olhar nos olhos, observar com atenção às expressões faciais e, sobretudo, ouvir mais.
Borges (op. cit.) afirma que o sentimento que prevaleceu nesta experiência de
intervenção foi o de empatia dos professores em relação aos alunos, permitindo-lhes, ao
colocarem-se no lugar do aluno, melhor compreendê-lo, favorecendo, nesta prática
social inclusiva, sua valorização e empoderamento como aprendizes de língua inglesa.
Verificamos nas práticas adotadas pela professora pesquisadora3 o reflexo de sua
recente formação (ainda em andamento na época da pesquisa) em plena sintonia com a
proposta da LA Indisciplinar de Moita Lopes (2006), no que se refere ao interesse do
professor, ao ouvir as ―vozes do sul‖, ser capaz de realizar uma intervenção pedagógica
que contemple aspectos da vida social, promovendo transformações para todos os
sujeitos envolvidos naquele contexto específico.
Diante do exposto, constatamos que, apesar de cada pesquisa retratar um
contexto específico de inclusão e suas respectivas necessidades, todas elas têm em
comum não apenas o reconhecimento do desafio apresentado, mas, sobretudo, a postura
docente reflexiva (desenvolvida a partir da devida formação seja inicial ou continuada),
reforçando uma prática fundamental e inerente em se tratando de educação inclusiva: o
constante (re)pensar e (re)significar do agir e das escolhas pedagógicas a serem feitas,
sobre o que já se sabe e o precisa saber em prol de uma prática efetiva de inclusão.
3 Exemplos de práticas adotadas: escolhas metodológicas, preocupação em conhecer o aluno e suas
necessidades, cuidado na utilização de recursos didáticos, observância dos fatores afetivos na relação com
os alunos, dentre outras. (BORGES, 2016)
136
Considerações finais
O reconhecimento dos desafios inerentes aos contextos de formação docente em
língua inglesa voltados à educação inclusiva não pode nos impedir de buscar meios
viáveis de superação. Do contrário, é exatamente essa constatação que nos impulsiona a
seguir buscando caminhos legítimos de vivenciar a inclusão em sua plenitude e respeitar
a diversidade de histórias de cada aluno que cruzar as nossas salas de aula. Além disso,
devemos procurar (re)significar constantemente a nossa prática docente a fim de formar
alunos conscientes do papel social que podem desempenhar no mundo e que sejam
aptos para agir pela transformação e melhoramento da sociedade em que vivem
(MOITA LOPES, 2006, 2009. ZEICHNER, 2008).
Ressaltamos ainda que o caráter reflexivo e inclusivo dos programas de
formação docente pode ser considerado um fator decisivo para que os ideais pretendidos
pelos teóricos aqui citados, bem como as práticas dos professores das pesquisas aqui
descritas tornem-se ações ou exemplos de ações que possam impactar diversos
contextos sociais, visando a construção de uma vivência mais igualitária e respeitosa
por/para todos – dentro e fora de sala de aula.
Para concluir nosso pensamento, gostaríamos de advogar a favor dos princípios
encontrados na agenda da linguística aplicada indisciplinar, na agenda da justiça social,
assim como, na agenda daqueles que trabalham com a inclusão social em contextos de
ensino de língua inglesa, uma vez que percebemos que a harmonia em seus interesses
favorece o acesso de todos a uma vida com dignidade. Consequentemente, enfatizamos
a necessidade de nós, professores, sermos sensíveis às diferenças que nos rodeiam e
fazermos o nosso melhor para a garantia da qualidade na educação, almejando, assim,
que esta qualidade se propague para os demais setores da vida.
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139
CAPÍTULO X
SOBRE IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES DE
FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA EM FORMAÇÃO INICIAL
Lino Dias Correia Neto
Josilene Pinheiro-Mariz
Introdução
Há pelo menos quatro décadas, o tratamento do componente (inter)cultural no
processo de ensino-aprendizagem de línguas se tornou objeto de um debate substancial
na didática de línguas estrangeiras (doravante, LE). A evolução dos livros didáticos,
metodologias e abordagens – notadamente, o advento da abordagem comunicativa que,
nos anos 1970, avançava com a noção de competência comunicativa – estabeleceu um
terreno capaz de revigorar a relação entre a língua e a cultura na didática de LE. Desde
então, os debates em torno das perspectivas didático-pedagógicas que colocam em
relevo a interdependência língua-cultura se ampliaram significativamente.
Com a expansão desses debates no campo didático de LE, tornou-se consenso
entender que não basta abordar o componente cultural pelo viés da transmissão de
conhecimentos sobre a cultura do outro; mas, sim, pelo redirecionamento do foco
didático para o desenvolvimento de competências que possibilitem ao aluno a inter-
relação constante com e na diversidade cultural. Nesse contexto, segundo Abdallah-
Pretceille (2005), a perspectiva intercultural se estabelece na didática das LE como um
meio de abordar, na sala de aula, a heterogeneidade cultural, com vistas a desenvolver
nos aprendizes da língua, a capacidade de relacionarem-se com a cultura do outro
tomando como base a alteridade.
No interior dessa perspectiva, as representações sobre a cultura do outro
passaram a ter um espaço fundamental no plano didático. Enquanto um saber do senso
comum, prático e funcional, entende-se que as representações atuam na interação do
sujeito com o mundo e com os outros sujeitos (JODELET, 1999). Com efeito, elas
constituem um dos principais objetos didáticos concernentes ao componente
intercultural no processo de ensino-aprendizagem de LE (GARDIES, 2003; AMOSSY,
2005; LIPIANSKY, 2007; PUREN, 2013). Diante isso, o professor recebe, de certo
modo, o papel de agente cultural (ZARATE, 1986) que, tendo suas próprias
140
representações sobre a língua-cultura que ensina (GARDIES, 2003), precisa oferecer,
aos seus aprendizes, meios para relativizarem e ampliarem suas representações.
Em vista disso, compreendendo as representações como um objeto central da
perspectiva intercultural para o ensino de LE, no presente texto1, temos o objetivo de
analisar as representações interculturais de professores de francês como língua
estrangeira (doravante, FLE) em formação inicial. Para tanto, procedemos à aplicação
de um questionário semiaberto – que foi elaborado a partir dos campos
representacionais de Boyer (1998) – e, em seguida, à análise de cunho qualitativo-
interpretativista dos dados obtidos.
Começaremos apresentando uma breve retrospectiva da inserção da perspectiva
intercultural no ensino de línguas, acompanhada por uma discussão teórica referente aos
principais aspectos conceituais de cultura e interculturalidade na didática de LE;
trataremos, em seguida, das representações enquanto uma categoria de base da
perspectiva intercultural no ensino-aprendizagem de LE para, enfim, apresentar a
análise das representações interculturais dos professores de FLE que foram coletadas no
contexto deste estudo. Finalizaremos o texto com algumas considerações amparadas na
interpretação do conjunto de representações analisadas.
A inserção da interculturalidade no discurso da didática de LE
Podemos considerar que a entrada do componente intercultural no âmbito
didático se relaciona principalmente a dois fatores. O primeiro, como aponta Cuq (2003)
e Windmüller (2011), diz respeito a um importante crescimento do movimento
migratório na Europa nos anos 1970, acompanhado pela massificação escolar. Nesse
período, em meio a determinações políticas diversas, à escola foi atribuído o dever de
elaborar seus meios de enfrentamento a esse novo contexto no qual os conflitos
culturais ganhavam evidência. Para tanto, a instituição escolar europeia precisou admitir
que, diferentemente do que se acreditava, não seria possível criar uma cultura educativa
unificada; fato que se tornava ainda mais evidente à medida em que a inserção de alunos
imigrantes no sistema educativo se ampliava (CUQ, 2003). Assim, o desafio posto era
encontrar um modelo educacional que não impusesse ―a outra cultura‖; mas, que fosse
dado espaço à interação entre as diferenças culturais, à valorização de culturas
1 Trata-se de um recorte da pesquisa de Mestrado que desenvolvemos no programa de Pós-graduação em
Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande.
141
minoritárias e ao desenvolvimento da alteridade; em outras palavras, uma escola menos
―civilizatória‖. Nesse sentido, Cuq (2003) afirma que:
Tornava-se cada vez mais claro aos olhos progressistas que, assim
como na sociedade, a cidadela escolar transformava-se em uma
instituição multicultural e que caberia à essa instituição assegurar que
todos e todas participassem de uma mesma referência cultural sem que
cada um perdesse de vista a sua própria. (CUQ, 2013, p. 136)2.
O segundo fator – cronologicamente paralelo ao primeiro, mas especificamente
relacionado ao ensino de LE – se trata do movimento comunicativista que começava a
tomar forma, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos3. Além de revisar
substancialmente as práticas de ensino das habilidades relacionadas à oralidade e à
escrita, a abordagem comunicativa trouxe consigo uma interessante noção de
competência sociolinguística ou sociocultural4. López (2011) analisa que foi a
concepção dessa nova competência que possibilitou a entrada, no processo de ensino-
aprendizagem de LE, de habilidades anteriormente ignoradas, que se agrupam em torno
das regras sociais e culturais necessárias para que o ato comunicativo se adeque a
qualquer contexto linguístico e sociocultural. Do mesmo modo, Petráková (2015)
considera que, no ensino de LE, a abordagem comunicativa teve um papel fundamental
para a inserção da interculturalidade no discurso didático e para a elaboração de outras
abordagens atentas ao componente intercultural.
Em decorrência disso, ao longo dos anos 1980, o debate acerca do componente
intercultural se ampliou significativamente no campo da didática de línguas. Petráková
(2015) relata que, nessa década, instituições como a UNESCO e o Conselho da Europa
passaram a desenvolver, em parceria com especialistas, diversos estudos científicos e
publicações abordando a interculturalidade e sua importante integração ao ensino de LE.
Destaque-se que, entre os objetivos desses organismos europeus, está a constituição de
uma ―identidade europeia‖. Fato criticado por alguns estudiosos da perspectiva
antropológica dos estudos interculturais, já que, segundo aponta Zarate (2003), a busca
por práticas sociais comuns a partir de um prisma universalista parece ignorar aquilo
que pode ser ideologicamente imposto pela própria universalidade. Assim, o que se
2 As traduções de textos em línguas estrangeira são de nossa autoria, salvo menção contrária.
3 Conforme relata Almeida Filho (2001) em sua retrospectiva histórica da abordagem comunicativa.
4 Pode-se afirmar o mesmo em relação a outras abordagens que compartilham princípios semelhantes aos
da comunicativa, tais como a abordagem acional.
142
propõe nas perspectivas interculturais é que o universal seja tomado como ―uma
categoria epistemológica que possibilita sistematizar as regras da diversidade que é
observável entre as línguas e culturas‖ (ZARATE, 2003, p. 96).
Ainda segundo Petráková (2015), a preocupação com uma perspectiva
intercultural nos 1980 também foi paralela ao início do longo processo de elaboração do
Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas (QCERL) que, desde sua
publicação em 2001, passou a ter um importante papel de parâmetro para professores de
LE e para editoras de materiais didático, até mesmo fora do território europeu.
Definindo sua concepção de ensino-aprendizagem de uma LE e investindo em uma
noção de competência intercultural, o QCERL postula que:
O aprendente de uma língua e cultura segunda ou estrangeira não
deixa de ser competente na sua língua materna e na cultura que lhe
está associada. A nova competência também não é guardada à parte da
antiga. O aprendente não adquire pura e simplesmente dois modos de
atuar e de comunicar distintos e autónomos. O aprendente da língua
torna-se plurilíngue e desenvolve a interculturalidade. As
competências linguísticas e culturais respeitantes a uma língua são
alteradas pelo conhecimento de outra e contribuem para uma
consciencialização, uma capacidade e uma competência de realização
interculturais. (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p. 73).
Com a disseminação dos princípios norteadores do QCERL, a perspectiva
intercultural consolidou seu espaço no debate didático como uma resposta às práticas
multiculturalistas que, definidas por Cuq (2013), consistiam no reconhecimento e na
simples justaposição das diferenças culturais, com pouco ou nenhum interesse pelos
fenômenos resultantes da interação entre tais diferenças no processo comunicativo e de
ensino-aprendizagem. Assim, um novo modelo para abordar a cultura na sala de aula de
LE se estabelece com objetivos que vão além da descrição da cultura do outro.
Ao contrário do ensino descritivo de uma cultura estrangeira que, conforme
aponta Abdallah-Pretceille (2005), se limita à transmissão de dados pontuais e fatuais da
cultura-alvo, a abordagem intercultural busca desenvolver no aluno a capacidade de
percepção e relativização das culturas que acompanham a LE. Isso porque, como
explicam Byram et al. (2002), as culturas evoluem constantemente e, por esta razão,
seria impossível antecipar, no processo de ensino-aprendizagem, todos os saberes
necessários à interação entre pessoas de diferentes culturas. Diante disso, limitar-se a
uma abordagem descritiva perde todo o sentido numa perspectiva intercultural, cujo
foco incide sobre o desenvolvimento de um conjunto versátil de habilidades que permite
ao aluno a capacidade de interagir com outros povos e outras culturas através do
143
entendimento e da alteridade. Nesse contexto, o trabalho sistemático em torno das
representações sobre a língua-cultura alvo ganha relevância no plano didático, como
abordaremos mais adiante.
Cultura e interculturalidade: uma breve retomada conceitual
Do ponto de vista antropológico, Laraia (2008, p. 25) reconhece que Edward
Tylor foi o primeiro a propor um conceito de cultura. Em sua definição, Tylor (1871
apud LARAIA, 2008) afirma que o termo reflete um sistema complexo de
conhecimentos, costumes, leis, artes, moral ou qualquer outra capacidade/hábito
adquiridos ou desenvolvidos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. É a
partir dessa definição que a cultura passa a ser observada como um objeto de estudo
sistemático, pois ―[...] possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e
uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a
evolução‖ (LARAIA, 2008, p. 28).
No campo filosófico, o termo cultura ganha, inicialmente, uma definição voltada
à aquisição de conhecimento ou produção intelectual humana. Nessa percepção, como
afirma Chauí (2001), a cultura passa a ser vista como a forma de produção humana para
a resolução dos seus problemas, ou seja, um conjunto de conhecimentos que se aprende
e transmite aos contemporâneos e futuros. Para a autora, tal definição de cultura pode
ser abordada como sinônima de civilização, tendo em vista que ela se relaciona
diretamente com os resultados do processo de formação e educação dos seres humanos,
materializados em instituições, obras e ações nos âmbitos das artes, do trabalho, da
religião e do Estado.
Em seus estudos na área da linguística aplicada, Galisson (1991) propõe uma
distinção entre dois tipos de culturas que parecem sintetizar as concepções filosófica e
antropológica do conceito. Para o autor, há dois gêneros de cultura possíveis: a cultura
cultivée e a cultura partagée. A cultura cultivée seria o conjunto de conhecimentos
enciclopédicos adquiridos por um ser humano como, por exemplo, a literatura, a
geografia, a história etc.; já a cultura partagée corresponde, segundo o autor, aos
saberes e práticas que são transmitidos e compartilhados por um grupo social que tem
uma língua em comum, como os valores, as crenças, as representações, os costumes,
etc. A cultura partagée permite, de acordo com Galisson (1991), que os sujeitos se
144
identifiquem em seus grupos e contribui diretamente com a construção da identidade
coletiva.
Ainda segundo Galisson (1991), a cultura partagée, embora seja adquirida pelos
nativos no exterior da escola, pode se tornar objeto de reflexão dos estrangeiros no
interior das escolas. Em meio aos modos de desenvolver tal reflexão entre diferentes
culturas – em suas interfaces cutivée ou partagée –, encontra-se a interculturalidade,
que, como define Abdallah-Pretceille (2005), trata-se de uma forma de interagir e
abordar a heterogeneidade cultural, caracterizando-se como uma prática de se relacionar
com o outro tomando como base as relações de alteridade.
Verbunt (2011, p. 45) afirma que, na contemporaneidade, as culturas estão
inseridas numa espécie de turbilhão de trocas, numa inter-relação que leva os diferentes
sistemas culturais a exercerem influência uns sobre os outros, de modo que as fronteiras
linguísticas não correspondem mais às fronteiras territoriais. Na mesma esteira,
Abdallah-Pretceille (2005, p. 56) afirma que ―o indivíduo é cada vez menos
determinado pela sua cultura de origem. Ele não é mais produto da sua cultura, ao
contrário, ele é ator. A cultura perdeu seu valor de determinação dos comportamentos‖.
Assim, o panorama atual não exige apenas que o sujeito possua conhecimentos sobre a
cultura do outro, mas que esteja preparado para desenvolver um conjunto de habilidades
que possibilite a relação constante com a diversidade cultural.
Nesse contexto, conhecer as possíveis barreiras que as diferenças culturais
podem trazer no contato com o outro permite que relativizemos a nossa visão de mundo,
além de ser uma grande fonte de conhecimento. De acordo com Verbunt (2001), quando
estamos em contato com um sistema cultural diferente do nosso não compreendemos
apenas os outros e suas culturas, também entendemos os problemas que o sujeito
advindo de determinada cultura tem para adaptar-se ao nosso sistema cultural. Nos
termos do autor: ―o enriquecimento vem do fato de que, ao concordar em aceitar o
outro, o horizonte habitual alarga-se e outras maneiras de agir, mais eficaz em
determinadas situações, tornam-se familiar‖; portanto, ―a perspectiva intercultural pode
criar uma ordem dinâmica que dá sentido a esse tipo de interação‖ (VERBUNT, 2001,
p. 38).
Assim, a interculturalidade, conforme Cuq (2003), é capaz de dar coerência à
interação diante da diversidade cultural das comunidades discursivas, já que seus
princípios têm como base as trocas entre as diferentes culturas, a articulação, a conexão
e, consequentemente, o enriquecimento mútuo, tanto pelo conhecimento do outro
145
quanto pelo reconhecimento de si mesmo. Isso se torna possível porque tal perspectiva
preceitua que ―[...] as culturas são iguais em dignidade e, no plano ético, devem ser
tratadas como tal em uma ordem de respeito mútuo‖ (CUQ, 2003, p. 137).
Representação: uma categoria de base das perspectivas interculturais
Para Zarate (2003), a língua é uma manifestação da identidade cultural e, por
consequência, todos os alunos de uma LE carregam consigo elementos visíveis e
invisíveis sobre determinada cultura. A autora afirma que, ao longo do desenvolvimento
e aprendizagem, os sujeitos/alunos desenvolvem algumas imagens sobre a língua-
cultura estrangeira que oscilam do caráter individual ao coletivo. Essa passagem do
individual para o coletivo é explicada como um processo dinâmico e progressivo:
primeiro eles tomam conhecimento das crenças dominantes sobre a língua-cultura; em
seguida, eles percebem as diferentes relações que limitam a construção dessas imagens
e, de certa forma, se tornam sensíveis para transformá-las (ZARATE, 2003). Essas
imagens que, de modo relativamente simplificado, categorizam e reificam o outro, são
denominadas representações sociais; conceito frequentemente abordado na didática de
LE, a partir do que Jodelet (1999) postula:
Representação social designa uma forma de conhecimento específico,
o saber do senso comum do qual os conteúdos manifestam a opção do
processo gerativo e funcional socialmente marcados. Mais
vastamente, ela designa uma forma de pensamento social prático
orientado pela comunicação, compreensão e destreza do meio social,
material e ideológico. Ela apresenta características específicas em um
plano de organização de conteúdo, operações mentais e da lógica. A
marca representacional desses conteúdos e dos processos
representacionais, junto com a comunicação pelas quais elas circulam
e com as suas funções, orientam a interação do indivíduo com o
mundo e com os outros (JODELET, 1999, p. 306).
Partir de uma perspectiva intercultural no ensino de LE pressupõe não
subestimar o papel que as representações operam nos processos comunicativo e de
ensino-aprendizagem. Ao contrário disso, entende-se que, em tal perspectiva, as
representações constituem o principal objeto do trabalho didático concernente ao
componente cultural, uma vez que são elementos fundamentais para a comunicação
entre sujeitos de diferentes referenciais culturais (GARDIES, 2003; AMOSSY, 2005;
LIPIANSKY, 2007; PUREN, 2013). Segundo Puren (2013), o que difere a abordagem
da cultura na perspectiva intercultural é justamente a possibilidade de desenvolver nos
alunos a competência de regular, na interação intercultural, as incompreensões
146
provocadas pelas representações previamente elaboradas da cultura do outro e
interpretadas a partir do seu próprio referencial cultural‡‡
.
Amossy (2005) considera que, no processo de ensino-aprendizagem de uma LE,
essas representações muitas vezes se constituem próximas ao conceito de estereótipo,
isto é, uma categoria de representação social ilustradora de uma significação ou uma
imagem compartilhada por um grupo e que circula livremente entre seus membros, mas
que não passa de uma profunda simplificação e redução do outro. Por esta razão, explica
a autora, os estereótipos são capazes de prejudicar as relações de interação entre os
grupos, já que se constroem a partir de representações que não condizem com a
realidade ou que limitam a percepção que temos do outro.
No contexto investigativo das didáticas de LE, diferentes estudos têm se
dedicado à análise das representações no processo interativo e de ensino-aprendizagem,
ratificando a importância desse componente em sala de aula. Auger et al. (2012), por
exemplo, reagruparam pesquisas que se apoiam na pragmática e na análise da
conversação para observar os diferentes tipos de trocas comunicativas em língua
francesa entre membros de diferentes comunidades discursivas. Nas análises desses
estudos, diversos aspectos sociopragmáticos são postos em evidência na comunicação
intercultural, mostrando que as representações, sobretudo aquelas que se relacionam a
uma noção de superioridade da cultura do outro ou a uma ilusória equivalência entre
códigos culturais, afetam significativamente a interação intercultural e, por isso, não
podem ser ignoradas no processo de ensino-aprendizagem.
Uma análise das representações interculturais de professores de FLE em formação
inicial
Como qualquer perspectiva didática, a abordagem intercultural vem
acompanhada de um conjunto de saberes didático-pedagógicos que se torna objeto de
reflexão para a prática de professores de LE, sobretudo, quando estão em formação
inicial. Zarate (1986) considera que, dentro dessa abordagem, o professor ocupa o papel
de um agente cultural capaz de colaborar com a educação para a alteridade, que
favorecerá o desenvolvimento de um saber-fazer social e de um ―saber ser‖, permitindo
ao aprendiz e a si mesmo, situar-se em seu próprio universo e tornar-se, então, um
sujeito socialmente crítico e consciente. Não podemos ignorar que, pela própria
‡‡
Razão pela qual, na didática de LE, passou a ser empregado o termo ―representações interculturais‖.
147
natureza social do seu trabalho, o professor de LE é um dos principais responsáveis pelo
fluxo e pela abordagem dada às representações interculturais que intercruzam o
processo de ensino-aprendizagem de uma LE. Nesse sentido, concordamos com Gardies
(2003), ao afirmar que, assim como qualquer sujeito plurilíngue, os professores de LE
carregam consigo as mais diversas representações sobre a língua-cultura que ensinam e,
por esta razão, devem buscar meios para agir em sentido oposto ao da ancoragem dessas
representações, já que eles podem ser importantes transmissores ou agentes de
relativização e transformação de tais imagens.
Diante disso, nosso interesse se volta para o levantamento e a análise
qualitativo-interpretativista das representações interculturais de dezoito professores de
FLE em formação inicial de duas Universidades situadas no estado da Paraíba. Na
ocasião da coleta de dados, esses professores se encontravam numa faixa etária de 17 a
30 anos de idade e cursavam diferentes períodos letivos da Licenciatura em Letras,
desde o primeiro até o sétimo. No conjunto de participantes da pesquisa, cinco já
haviam tido algum contato com a língua francesa antes de ingressarem na Universidade
e dois deles já atuavam profissionalmente como professores de FLE. Para a coleta dos
dados, utilizamos um questionário semiaberto, elaborado a partir do repertório dos
campos representacionais de Boyer (1998).
Em seus estudos, Boyer (1998) propõe técnicas de coleta e um modelo de
categorização para a análise das representações interculturais na didática de línguas com
base no aporte teórico-metodológico da psicologia social. Para tanto, define cinco
campos representacionais, a saber: 1. percepção global do povo; 2. identificação
institucional; 3. patrimônio cultural; 4. localização geográfica e/ou geopolítica; 5.
caracterização da língua do país; alusões a situações/relações/fatos intercomunitários.
Dentre os campos representacionais propostos pelo autor, escolhemos os três primeiros
para compor o objeto das nossas análises. No questionário aplicado, foi solicitado aos
sujeitos que relacionassem, a partir o termo indutor ―língua francesa‖, até dez termos a
cada um dos três campos representacionais em questão.
Segundo Boyer (1998), o campo representacional percepção global do povo
envolve, de modo bastante amplo, as primeiras imagens representacionais que se têm
sobre os falantes de uma língua-cultura, possibilitando identificar as representações
sobre comportamentos sociais e psicológicos, situação socioeconômica, crenças e
ideologias. Com frequência, as representações que emergem nessa categoria se
organizam em torno da cultura partagée (GALISSON, 1991), pois apresentam um
148
conteúdo majoritariamente alusivo às imagens elaboradas sobre as práticas e saberes
transmitidos e compartilhados pelos grupos sociais que têm uma língua em comum. O
levantamento das representações inseridas nesse campo representacional se encontra na
tabela abaixo:
G1-i01§§
Educados, cerveja, cigarros, expressão, felizes, inteligentes, alimentação, simpáticos.
G1-i02 Elegância, glamour, status, classe, frieza, reservados, ateísmo.
G1-i03 ***
G1-i04 Frios (personalidade), conservadores.
G1-i05 Educação, liberdade religiosa, alto IDH
G1-i06 Sistema laico, pessoas educadas, inteligentes.
G1-i07 Maneiras de se vestir: elegância, discrição; traços de personalidade: mau humor.
G1-i08 Elegância, esnobe, frieza, antipatia, bons leitores.
G2-i01 Negro, branco, moreno, amarelo, catolicismo, dinheiro, pobreza, ateísmo.
G2-i02 Cristianismos, islamismo, crise.
G2-i03 Chiques, ricos, não tomam banho.
G2-i04 Altos, brancos, educados, isolados, protestantes, ricos.
G2-i05 Pessoas altas, claras, antipáticas, católicas.
G2-i06 Elegância, ateus, boa situação econômica, românticos, altos, brancos, olhos claros.
G2-i07
Povo de estatura mediana, frio (no sentido de não ser íntimo, ou melhor, de não
demonstrar intimidade com as pessoas que não conhecem direito), ateus, situação econômica média.
G2-i08 Pessoas que mal tomam banho, são educados, devem ser protestantes, católicas, bem-sucedido financeiramente, altos, magros, olhos claros.
G2-i09 Povo branco, individualista, ricos.
G2-i10 Pontual, educado.
Quadro 3 – Percepção global do povo
Considerando o caráter avaliativo das representações, encontramos nas respostas
de diferentes informantes (G1-i02, G1-i04, G1-i07, G1-i08, G2-i05, G2-i07, G2-i09) a
predominância de traços de personalidade e de comportamento social prioritariamente
negativos, em detrimento de uma minoria de informantes (G2-i04 e G2-i10) que
mencionam traços positivos de personalidade. Em se tratando dos traços físicos, entre
os informantes que mencionaram esse aspecto, os falantes de língua francesa são
percebidos como altos, brancos, pessoas claras, olhos claros, magros. Contudo, vemos
uma exceção no informante G2-i01 que revela uma representação pluriétnica dos
francófonos.
Quanto à religião, encontramos representações que associam os falantes de
língua francesa ao ateísmo (G1-i02, G2-i01, G2-i06, G2-i07), ao cristianismo (G2-i01,
G2-i02, G2-i04, G2-i05, G2-i08), à liberdade religiosa (G1-i05, G1-i06) e ao islamismo
(G2-i02). De certa forma, podemos observar que a diversidade religiosa presente entre
§§
Legendas: G1 = grupo 1/Universidade 1; G2 = grupo 2/Universidade 2; i01 = informante 01; i02 =
informante 02, e assim sucessivamente.
149
os francófonos não é revelada, em proporções próximas à realidade, quando se
considera o conjunto dessas representações. Apenas um dos informantes (G2-i02)
menciona uma religião que não está em consonância com o que foi mencionado pela
maioria. Do mesmo modo, tratando das representações associadas à situação
econômica, encontramos uma imagem do falante da língua francesa ligada à
prosperidade (G1-i02, G1-i05, G2-i01, G2-i03, G2-i06, G2-i08, G2-i09), sendo
contradita apenas em duas representações que mencionam os termos ―crise‖ e ―pobreza‖
(G2-i01, G2-i02).
No campo identificação institucional, são classificadas as referências sobre a
identidade coletiva da língua-cultura em questão. Essa categoria possibilita a análise de
representações associadas aos fenômenos culturais de diferentes naturezas que se
estabeleceram dentro de uma comunidade e que se relaciona às imagens construídas
sobre as identidades dos falantes. O conteúdo das representações desse campo transita
entre as noções de cultura cultivée e cultura partagée (GALISSON, 1991), já
compreendem tanto os elementos de tradição cultural e produção humana, quanto as
práticas dos grupos sociais falantes da língua-alvo. Como afirma Boyer (1998), esse
campo traz com frequência representações associadas a um sistema cultural mais amplo
e, por isso, têm um nível mais reduzido de variações pessoais sobre a língua-cultura do
outro; portanto, podemos encontrar, nessa categoria, traços representacionais associados
à identificação etnográfica, folclórica, gastronômica e turística.
G1-i01 Educação laica, comida refinada de boa qualidade, vinhos, queijos.
G1-i02
Com relação ao folclore acredito que ligação forte se pensarmos/associarmos
algumas datas comemorativas presentes no nosso calendário, um ex. disso é o São João (sabendo que na França a comemoração é diferente).
G1-i03 ***
G1-i04 Política, pluriétnicos.
G1-i05 Glamour, grande população, melhor gastronomia, vinhos, perfumes, moda.
G1-i06 Vinho, queijo, trovadores, museu do Louvre, torre Eiffel, arco do triunfo.
G1-i07 ***
G1-i08 País que mantém sua cultura, conservadores, turismo, gastronomia fortes e
atraentes.
G2-i01 Beleza, cultura boa
G2-i02 África, Europa, arquitetura, União Europeia.
G2-i03 Gastronomia perfeita, tudo perfeito.
G2-i04 Chefs de cozinha, vinho, pão.
G2-i05 Torre Eiffel, queijo podre.
G2-i06 Castelos, lindas universidades, quadrilha, torre Eiffel, chefe de cozinha, museus.
G2-i07 Universidades, arco do triunfo, torre Eiffel e grandes chefes de cozinha.
G2-i08 Castelos, torre Eiffel, scargot, queijos, pães.
G2-i09 Croissant, bailes.
G2-i10 ***
Quadro 4 – Identificação institucional
150
Nesse campo, a língua francesa é identificada como a língua do turismo, dos
museus e da gastronomia, também representada através de imagens específicas como
―vinho‖, ―queijos‖ e ―pães‖. O que pode ser observado, de início, é uma imagem
predominantemente valorizadora da cultura do outro revelada através de qualificações
tais como ―refinada‖, ―de boa qualidade‖ (G1-i01), ―melhor‖ (G1-i05), ―forte,
atraentes‖ (G1-i08), ―perfeita, tudo perfeito‖ (G2-i03), ―lindas‖ (G2-i06) e ―grandes‖
(G2-i07). Essa lógica de qualificações fica ainda mais clara quando encontramos um
evidente juízo mais generalizante associado à cultura através da representação do
informante G2-i01 que menciona ―cultura boa‖.
Necessário se faz também destacar as representações de G1-i04 e G2-i02 que, ao
contrário das demais, ampliam a identificação institucional da cultura-língua em questão
para além das imagens relacionadas a uma cultura nacional específica e, com isso,
expõem representações ligadas à noção de língua-cultura francófona. É igualmente
interessante observar o paralelo feito por G1-i02 em relação à uma manifestação cultual
que, de forma ―diferente‖, ocorre em seu país de origem e na França.
O campo representacional patrimônio cultural, segundo Boyer (1998), diz
respeito aos elementos materiais ou imateriais que possuem um valor artístico e/ou
histórico de determinada língua-cultura; sendo geralmente utilizado para classificar
imagens representacionais sobre obras, eventos, datas, fatos históricos etc. O conteúdo
das representações desse campo se relaciona estreitamente com a noção de cultura
cultivée (GALISSON, 1991), pois trazem à tona referenciais ligados aos conhecimentos
enciclopédicos, históricos e artísticos sobre a língua-cultura. Destacaram-se, nesse
campo representacional, imagens fortemente relacionadas a uma cultura nacional
específica, como observa-se abaixo:
G1-i01 Museu do Louvre, festival de Cannes, o país da literatura e das manifestações.
G1-i02 ***
G1-i03 ***
G1-i04 Museu do Louvre, Arco do Triunfo, Palácio de Versailles.
G1-i05 Torre Eiffel, boina francesa, piteira, Moulin Rouge.
G1-i06 Edith Piaf, literatura, moda, Monet, Festival de Cannes.
G1-i07 Literatura, pontos turísticos
G1-i08 14 de julho, ―muguet‖, fête de la musique, Notre Dame de Paris, Victor Hugo,
Émilie Zola, Balzac.
G2-i01 Arte, cinema, festival, especial, beleza.
G2-i02 Torre Eiffel, Revolução Francesa.
G2-i03 Torre Eiffel, Arco do Triunfo.
G2-i04 Museu, festa da música, Arco da esperança, 1789.
151
G2-i05 ***
G2-i06 Telas, 1789.
G2-i07 Le Petit prince, Les Misérables, 1789.
G2-i08 Castelos.
G2-i09 Castelos, palácios, museus, romances.
G2-i10 ***
Quadro 5 – Patrimônio cultural
As imagens observadas nesse campo representacional são caracterizadas por
uma grande presença de artistas de diversas áreas, monumentos e acontecimentos
históricos franceses. Percebemos uma frequência importante de representações oriundas
da literatura que são especificadas nas menções aos escritores e às obras literárias. Os
patrimônios materiais mais citados são a Torre Eiffel (G1-i05, G2-i02, G2-i03) e o Arco
do Triunfo (G1-i04, G2-i03); em aspecto mais amplo, também encontramos referências
aos museus (G1-i01, G1-i04, G2-i04, G2-i09). Do lado imaterial e histórico, vemos uma
predileção aos festivais, manifestações e ao ano 1789, que se refere ao momento
histórico da Revolução Francesa.
A partir das representações levantadas nas três categorias acima, é possível
identificar com clareza algumas zonas de recorrência, indicando que os futuros
professores de FLE compartilham as representações mais comuns e dominantes sobre as
língua-cultura em questão. Cabe também observar que não há uma variação
significativa entre os conteúdos das representações e o tempo ou o contexto de
aprendizagem do FLE; nem em relação ao fato de alguns dos participantes já atuarem
profissionalmente como professores de FLE.
De modo geral, nos campos representacionais percepção global do povo e
identificação institucional, as representações parecem oscilar entre a idealização da
cultura do outro e a elaboração de imagens negativas. Esses campos, como afirma
Boyer (1998), são os mais vulneráveis à elaboração de representações estereotipadas,
cujo conteúdo apresenta um maior distanciamento da realidade. Isso pode ser
observado, por exemplo, nas representações que associam o falante de língua francesa
unicamente ao estereótipo do europeu ―alto‖ e ―branco‖. A constância dessas imagens
pode ser explicada, a partir de Moscovici (2004), pela função que a representação
desempenha na atribuição de uma forma definitiva às pessoas, objetos ou
comportamentos, criando um ―modelo‖.
Embora o termo indutor utilizado no questionário tenha sido ―língua francesa‖,
se destaca o fato de as representações obtidas serem quase exclusivamente relacionadas
152
a uma única ―cultura nacional‖ europeia. Essa tendência fica ainda mais evidente no
campo representacional patrimônio cultural, em que todas as imagens expressas pelos
participantes se relacionam à França. Cabe destacar que, por um lado, no ensino de LE,
as imagens ligadas ao campo dos conhecimentos prioritariamente enciclopédicos são
abordadas sistematicamente na sala de aula, com o suporte dos livros didáticos. Do
mesmo modo, como aponta Boyer (1998), por se tratarem de conhecimentos concretos,
as imagens expressas nessa categoria revelam um conteúdo representacional menos
provido de estereótipos. Por outro lado, do nosso ponto de vista, a concentração de tais
representações em torno da França expressa, de certo modo, o quanto o processo de
ensino-aprendizagem de FLE ainda carrega a marca de uma única cultura nacional,
mesmo que, em paralelo às perspectivas interculturais para o ensino do FLE, haja uma
importante tentativa de ampliação de tais representações em direção ao ensino-
aprendizagem de uma língua-cultura francófona.
Considerações finais
Ao longo destas reflexões, abordamos alguns elementos que trazem à tona a
necessidade de se discutir sobre a interculturalidade no ensino de LE, direcionando
nosso foco para as representações interculturais enquanto um dos principais objetos do
trabalho didático no interior dessa perspectiva. Apresentamos uma parcela dos
resultados de um estudo que, a partir da categorização dos campos representacionais
proposta por Boyer (1998), realizou o levantamento das representações interculturais de
um grupo de dezoito professores de FLE em formação inicial. A análise desse
levantamento evidenciou que parcela importante dos sujeitos participantes do estudo
compartilham as representações mais comuns sobre a cultura-língua em questão.
Considerando as representações enquanto um saber complexo, no sentido de
revelarem a experiência, o contexto e as condições nas quais elas foram produzidas
(JODELET, 1999), por extensão, nossas análises também colocam em evidência a
necessidade de um investimento didático mais sistemático em torno das representações.
Nesse sentido, torna-se cada vez mais relevante ultrapassar os modelos descritivos e
transmissivos do componente cultural e apreender a perspectiva intercultural como uma
abordagem de natureza genuinamente não-diretiva, a partir da qual é possível suscitar,
deslocar e ampliar as representações dos alunos sobre a língua-cultura estrangeira. Nos
termos de Zarate (2003), se trata de levar os sujeitos a tomarem consciência das
153
limitações que atingem a construção das representações que eles possuem e, assim, se
tornarem sensíveis à superação das crenças dominantes sobre a língua-cultura.
Cabe-nos acrescentar ainda que a noção de língua-cultura francesa ligada à dita
―francofonia‖ parece-nos, de certa forma, um pouco distante da realidade do professor
de francês em formação inicial. Ora, não se pode esquecer que a língua francesa está
presente nos cinco continentes e ainda nos três grandes oceanos do nosso planeta e é
falada por mais de duzentos milhões de pessoas; entretanto, ainda não é tão presente na
sala de aula quanto a Torre Eiffel ou o Arco do Triunfo. A língua francesa está presente
em ilhas do Oceano Índico, do Caribe, da Oceania; mas, muito provavelmente, como
esta língua francesa do mundo está ausente dos livros didáticos para o ensino do francês
(os conhecidos manuais de FLE) em todo o mundo, os estudantes da língua, professores
em formação, ainda têm pouca familiaridade com essa perspectiva.
Daí, portanto, a necessidade de se formar professores despidos de ideias pré-
concebidas, uma vez que se vive em um mundo que busca a diversidade linguística e
cultural. Por certo, as representações, os clichês etc. são alimentados por elementos
reais, mas, cabe a nós pensar na língua francesa como uma língua aberta, língua da
Organização das Nações Unidas e de outros órgãos internacionais; assim, estaremos
contribuindo para a formação de professores mais abertos para um mundo amplo e
diverso.
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155
CAPÍTULO XI
O GÊNERO RESUMO EM DISTINTAS ÁREAS ACADÊMICAS
Nícollas Oliveira ABREU
Jorge Tércio Soares PACHECO
Introdução
Os estudos sobre os gêneros textuais têm alcançado um espaço relevante na
esfera acadêmica, promovendo uma mudança de posicionamento no que concerne ao
ensino de língua materna na educação básica, visto que os gêneros discursivos
constituem a base para o desenvolvimento dos diversos eixos de aprendizagem (leitura,
compreensão, escrita e análise linguística). Dessa forma, não se é concebível uma
educação voltada para o ensino sem levar em consideração os diversos gêneros textuais
que permeiam a nossa vida cotidiana, profissional e acadêmica. Já na educação superior,
geralmente, são oferecidas disciplinas que discutem os processos de elaboração dos
gêneros, considerando, dentre variados aspectos que os compõem, a relevância que as
pistas lexicais de uma língua trazem para a produção e a compreensão dos gêneros.
Direcionando nosso olhar para os gêneros acadêmicos, em especial o resumo,
podemos mencionar as pesquisas de Bhatia (1993), Biasi-Rodrigues (2009), Motta-Roth
e Hendges (2010), e Bernardino e Valentim (2016). Muitos desses estudos têm
investigado o resumo por se tratar de um gênero recorrente nas mais variadas instâncias
da academia, seja na submissão de um trabalho para um evento, para a concessão de
uma bolsa, seja na composição de outros gêneros acadêmicos, como a dissertação, a
tese, o artigo, entre outros. Embora o referido gênero já tenha sido explorado em muitas
pesquisas anteriores, ainda há muito o que se investigar no que diz respeito ao
comportamento sociorretórico do resumo nas mais diversas culturas disciplinares
(HYLAND, 2000). Salientamos ainda que cada vez mais se faz recorrente o uso desse
gênero na educação básica, por meio de atividades que visam à integração entre a
universidade e a escola, como as feiras científicas que exigem a submissão de um
resumo para a apresentação de um trabalho.
Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo analisar e comparar como
o gênero resumo de artigo acadêmico é elaborado nas áreas de Nutrição e Psicologia
quanto à sua organização sociorretórica, considerando as variações disciplinares entre as
áreas investigadas.
156
Para a realização desse estudo exploratório-descritivo de base quali-quantitativo,
dispusemos de 60 exemplares de resumos de artigos acadêmicos de duas culturas
disciplinares distintas, 30 da área de Nutrição e 30 da área de Psicologia. A descrição
sociorretórica do gênero resumo tomou como norte a proposta metodológica CARS
(Create a Research Space) de Swales (1990), as proposições de Bhatia (1993) e o
estudo retórico de resumos realizado por Biasi-Rodrigues (2009).
No tocante à análise, propriamente dita, contamos ainda com os dados da
literatura das áreas envolvidas, os dados dos periódicos e dos manuais de produção
específicos das duas áreas (International Committee of Medical Journal Editors e
American Psychological Association), como também pelas considerações dos
professores-pesquisadores das referidas áreas1. Em suma, nossa investigação é fruto da
descrição das unidades informacionais prototípicas do resumo que estão em constante
diálogo com as informações presentes na cultura disciplinar das áreas. Nesta pesquisa2,
tomamos como critério de prototipicidade das unidades informacionais do gênero
resumo a frequência igual ou superior a 50%.
Concepções teóricas
Nas palavras de Biasi-Rodrigues (2009), os resumos são como formas reduzidas
dos respectivos gêneros expandidos (artigos, comunicações orais, dissertações, teses
etc), e apresentam, geralmente, uma seleção e distribuição de informações que
delineiam como o texto-fonte é organizado retoricamente. Motta-Roth e Hendges
(2010) sustentam que o resumo carrega consigo a essência do texto integral que o segue,
ou seja, o conteúdo e a estrutura do trabalho que se resume.
Bhatia (1993) se dedicou ao estudo dos resumos em artigos acadêmicos,
procurando identificar como eles eram construídos e quais unidades informacionais
estavam frequentemente presentes. Para o autor, o resumo de artigo acadêmico deve
1 Os participantes envolvidos nesta pesquisa são marcados textualmente com ―C‖ de colaboradores, com
uma inscrição numérica que flutuará do C1 ao C7 para a área de Nutrição e do C1 ao C11 para a área de
Psicologia. Esses sujeitos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, reservando-nos,
assim, o direito legal dos dados obtidos por meio das entrevistas e questionários. 2 A nossa pesquisa está vinculada ao projeto maior Práticas Discursivas em Comunidades Disciplinares
Acadêmicas, o qual se encontra registrado no Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da UECE –
Universidade Estadual do Ceará, processo nº 0671978/2014.
157
conter informações de quatro aspectos da pesquisa, como: informar o que o autor fez,
como o autor fez, o que o autor encontrou e o que o autor concluiu.
Quanto às unidades informacionais dos resumos, Bhatia (1993) indica que as
que foram observadas por ele correspondem aos quatro aspectos que são descritos nas
pesquisas, a saber: 1) Introduzindo o propósito: momento em que o autor apresenta o
objetivo do estudo ou o problema que pretende resolver; 2) Descrevendo a metodologia:
nesta unidade, o autor discorre sobre dados da amostra, procedimentos ou métodos
utilizados na pesquisa; 3) Sumarizando resultados: são apresentados os achados dos
estudos; e 4) Apresentando conclusões: nesta unidade informacional são interpretados
os resultados e, geralmente, são incluídas as implicações e aplicações dos achados da
pesquisa.
No que tange ao trabalho de Biasi-Rodrigues (2009), a autora investigou um
corpus proveniente de resumos de dissertações de mestrado da área da Linguística.
Como resultados dessa análise, a autora descreveu a organização retórica de resumos de
dissertações em Linguística a partir de cinco unidades retóricas: 1) Apresentação da
pesquisa; 2) Contextualização da pesquisa; 3) Apresentação da metodologia; 4)
Sumarização dos resultados e; 5) Conclusão (ões) da pesquisa.
A proposta de Biasi-Rodrigues (2009), que se inspirou na metodologia CARS
(Create a Research Space) proposta por Swales (1990)3, descreve cinco unidades
retóricas. Podemos observar que, relacionadas às unidades retóricas descritas, são
encontradas variadas subunidades a elas associadas, as quais identificam a função
retórica que exercem. É necessário salientar que, nas descrições do gênero resumo, os
autores utilizam diferentes terminologias para denominar as unidades informacionais.
Biasi-Rodrigues (2009) identifica essas unidades pelos termos unidade retórica e
subunidade. Motta-Roth e Hendges (2010), por sua vez, nomeiam as unidades
informacionais seguindo a nomenclatura movimento e passo, originalmente adotada por
Swales (1990), terminologia que também é utilizada neste trabalho. De acordo com
Bernardino e Pacheco (2017), movimentos e passos são unidades informacionais que
respondem aos propósitos comunicativos de determinada comunidade discursiva por
meio dos gêneros.
3 Teórico relevante para os estudos que se dedicam à análise de gêneros textuais/discursivos. A
metodologia CARS, de sua autoria, foi elaborada a partir da investigação da seção de Introdução em
artigos acadêmicos por meio da descrição das unidades informacionais prototípicas observadas em sua
pesquisa.
158
Motta-Roth e Hendges (2010) realizaram um estudo descrevendo as unidades
informacionais de resumos de artigos acadêmicos nas áreas de Economia, Linguística e
Química, a partir de 60 exemplares. As autoras obtiveram como resultado a descrição
dos resumos com base em cinco movimentos, são eles: 1) Situar a pesquisa; 2)
Apresentar a pesquisa; 3) Descrever a metodologia; 4) Sumarizar os resultados; e 5)
Discutir as pesquisas.
Bernardino e Valentim (2016), também explorando o gênero resumo, se
propuseram a investigar seis exemplares provenientes de diferentes modalidades: dois
resumos publicados em anais de eventos, um resumo de dissertação, um de tese e dois
resumos de artigos acadêmicos. Vale ressaltar que todos os exemplares são da área de
Linguística. Como resultados dessa pesquisa, foi percebido que as unidades
informacionais mais frequentes foram: apresentação da pesquisa, contextualização da
pesquisa, apresentação da metodologia e conclusão da pesquisa.
A partir da compreensão de como o gênero resumo foi investigado em distintas
pesquisas, passemos, a seguir, para a seção de análise do nosso estudo.
A configuração sociorretórica do resumo na área de Nutrição
O resumo consiste em uma vitrine do artigo acadêmico, isto é, uma carta-convite
curta, clara e objetiva capaz de chamar a atenção para a leitura de seu trabalho,
conforme apontou um dos colaboradores da área de Nutrição (C1). É importante
sublinhar que, muitas vezes, as pesquisas se tornam mais acessíveis por meio dos
resumos que se encontram em diversos bancos de indexação (ICMJE, 2014), tornando-
se possível o filtro de pesquisas relevantes ou não para determinado campo de estudo,
principalmente quando o fluxo de pesquisas é muito intenso, como a área de Nutrição,
demandando assim uma seleção do que é relevante ou não.
A partir da análise de 30 exemplares de resumos de artigos acadêmicos da área
de Nutrição, percebemos que o referido gênero se mostra breve e conciso, apresentando
uma média aritmética de 197,53 palavras, confirmando as orientações da Revista de
Nutrição de que o resumo deve ter entre 150 e 250 palavras. Além disso, 73,33% dos
resumos analisados são estruturados em tópicos (Objetivos, Métodos, Resultados e
Conclusão), confirmando as orientações da Revista de Nutrição de que o resumo deve
ser estruturado, mostrando os objetivos, dados metodológicos, resultados e conclusões
da pesquisa. Um dos professores-pesquisadores sugere que tal fato ocorre por exigência
159
dos periódicos, como também pelo ―paradigma positivista da área de estruturar e fechar
as coisas‖ (C4).
Depois dessas breves considerações, vejamos uma possível proposta de
configuração sociorretórica para o resumo de artigos originais da área de Nutrição, a
partir de uma amostra de 30 exemplares:
Quadro 01 - Descrição retórica de resumos de artigos originais da cultura disciplinar da área de
Nutrição Movimento 1 - Apresentando os objetivos
Movimento 2 - Descrevendo a metodologia
Passo 1 – Indicando o tipo de pesquisa
Passo 2 – Apresentando dados sobre a amostra
Passo 3 – Relatando processo de análise de dados
Movimento 3- Sumarizando os resultados
Movimento 4 - Apresentando conclusões
Fonte: os autores.
De acordo com o Quadro 01, podemos evidenciar que os resumos na área de
Nutrição são constituídos por 4 movimentos, que vêm marcados explicitamente pelos
tópicos: objetivos, métodos, resultados e conclusões, conforme orientam os periódicos
da área (Revista de Nutrição, Nutrire e Alimentos e Nutrição) e o ICMJE (2014).
O primeiro movimento, Apresentando os objetivos, caracteriza-se por apontar os
objetivos que norteiam o estudo empreendido. O referido movimento é construído por
meio de verbos no infinitivo que remetem a uma avaliação investigativa, tais como:
―analisar, avaliar, investigar, verificar, entre outros‖ e pelo uso da expressão ―objetivo‖,
seja no uso corrente do texto (nos resumos não estruturados), seja no tópico que indica o
início do referido movimento (nos resumos estruturados), conforme os exemplos 1 e 2.
1. O objetivo deste artigo é avaliar a qualidade da alimentação de pré-escolares
beneficiados pelo Programa Bolsa Família (PBF), do município de Viçosa-MG,
segundo a situação de (in)segurança alimentar do domicílio. (RAON114)
2. Objetivo: analisar associação entre práticas alimentares (PrA) com maior ação preventiva
e baixo risco cardiometabólico (RCM) em mulheres obesas. (RAON27)
4 RAON – Resumo de artigo original da área de Nutrição: terminologia utilizada para identificar os
exemplares do corpus da área de Nutrição, os quais são acompanhados pela numeração de 01 a 30.
160
O segundo movimento, Apresentando a metodologia, é constituído de três
passos, Indicando o tipo de pesquisa, Apresentando dados sobre a amostra e Relatando
o processo de análise de dados. Esses passos têm por objetivo descrever aspectos
relacionados aos caminhos metodológicos empregados nas análises, conforme aponta a
revista Cadernos de Saúde Pública. O primeiro passo, Indicando o tipo de pesquisa,
caracteriza-se por apontar, de forma sucinta, o tipo de estudo/pesquisa realizado (a),
conforme evidenciamos nos exemplos 3 e 4.
3. Estudo de delineamento transversal [...] (RAON20)
4. Métodos: Realizou-se uma pesquisa qualitativa, exploratória, [...] (RAON14)
O segundo passo, Apresentando dados sobre a amostra, configura-se pela
indicação numérica da dimensão da amostra (conforme os exemplos 5 e 6),
corroborando os dados do ICMJE (2014) de que, nessa unidade informacional, faz-se
necessário apontar o tamanho da amostra. Nesse passo, os autores recorrem ainda a uma
breve descrição dos sujeitos/objetos dessa amostra, se se trata de crianças, de mulheres,
alimentos, de pacientes com determinada enfermidade, faixa etária, etc, apontando para
os participantes do estudo (C1). Em alguns exemplares, tal unidade informacional é
marcada pela expressão ―amostra‖, conforme o exemplo 7.
5. [Foi realizado um estudo transversal] com 22 adolescentes sobrepesos ou obesos.
(RAON13)
6. No total, 77 pessoas com obesidade e 105 que fizeram uma perda de peso bem-
sucedida [...](RAON16) 7. A amostra foi composta por 25 pacotes de biscoitos recheados de diferentes tipos e
marcas. (RAON06)
O terceiro passo, Relatando o processo de análise de dados, caracteriza-se por
mostrar os principais caminhos metodológicos seguidos na realização da pesquisa,
desde a coleta de dados até os métodos de mensuração e avaliação desses dados. Nesse
passo, os autores utilizam-se predominantemente locuções verbais que apontam para a
realização de algum procedimento de análise investigativa, tais como ―foi avaliada,
foram coletadas‖, conforme os exemplos 8 e 9.
8. O estado nutricional de vitamina A foi avaliado pelas concentrações séricas de retinol.
O estado nutricional antropométrico foi avaliado utilizando-se os índices peso/altura e
altura/idade. (RAON05)
161
9. Aplicaram-se duas questões abertas e o conteúdo das declarações foi gravado,
transcrito, analisado, categorizado e tratado, quando possível, com a técnica do
Discurso do Sujeito Coletivo. (RAON14)
O terceiro movimento, Sumarizando os resultados, apresenta brevemente os
resultados obtidos na pesquisa, confirmando as orientações da revista Cadernos de
Saúde Pública de que se faz necessário indicar os principais resultados alcançados no
estudo. Esse movimento foi construído por verbos que apontam para os resultados
alcançados, tais como: ―apresentaram, detectou-se, encontraram‖ (exemplos 10 e 11).
10. [...]Não foi detectada diferença estatística significante em relação ao número de
refeições por merendeira ao dia e ao custo médio da refeição entre os diferentes portes dos
municípios ou índice de desenvolvimento humano (p=0,584). Detectou-se adequação no
número de nutricionistas por aluno matriculado estatisticamente maior nos municípios de
pequeno porte (p<0,001), assim com nos municípios de médio índice de desenvolvimento
humano (p<0,001). (RAON03)
11. Resultados: de acordo com o questionário, 35% das mulheres estudadas apresentavam
risco de desenvolvimento de transtornos alimentares e 75,8% apresentavam-se eutróficas.
Encontramos correlação positiva entre EAT+ e índice de massa corporal no grupo de
estudantes eutróficas. (RAON10)
O último movimento, Apresentando conclusões, tem como função, por meio dos
resultados mais relevantes, responder aos objetivos da pesquisa, apontando para as suas
principais considerações, como indicou a revista de Nutrição. Nesse movimento, as
formas verbais mais evidentes estão relacionadas à apreciação dos resultados, como:
―apresentaram, encontrou-se, obtiveram-se‖.
12. Conclui-se que esse estado de insegurança alimentar pode estar relacionado não
somente à diminuição da quantidade de alimentos como à perda da qualidade nutritiva.
(RAON21)
13. Conclusão: a prevalência de sobrepeso e obesidade encontrada foi elevada,
confirmando a magnitude do problema e a necessidade de ações preventivas. (RAON26)
Depois da descrição de resumos de artigos da área de Nutrição, vejamos um resumo
prototípico dessa área.
162
Figura 1 – Resumo prototípico da área de Nutrição
Fonte: os autores.
De acordo com a análise, o padrão prototípico para exemplares do gênero resumo
da área de Nutrição se aproximou da proposta de Bhatia (1993). Como podemos
evidenciar, o resumo de artigos acadêmicos da área de Nutrição se mostra enxuto e
organizado, considerando que a maioria dos exemplares se apresenta de forma
estruturada, o que facilita a identificação de cada informação do resumo. Tal fato se
justifica pelas proposições do ICMJE (2014) de que o resumo, por estar presente em
muitos bancos de indexação, é lido por um número maior de pessoas, por isso exige-se
dos autores a apresentação precisa das informações mais relevantes do artigo.
163
A configuração sociorretórica do resumo na área de Psicologia
Para a descrição do resumo em artigos acadêmicos empíricos da área de
Psicologia, nos embasamos nas descrições do Manual de publicação da American
Psychological Association - APA (2010) e dos periódicos a partir dos quais os resumos
de artigos analisados foram compilados. Com base na investigação dessas informações,
analisamos um corpus de 30 exemplares de resumos de artigos empíricos, identificando
suas unidades informacionais prototípicas por meio da discussão com as orientações da
APA e das revistas da área, desenhando, assim, a configuração sociorretórica recorrente
do referido gênero.
Ao analisarmos a quantidade média de palavras dos 30 resumos investigados,
chegamos ao resultado de 166,87 palavras por resumo, o que corrobora as orientações
do manual da APA (2010) e das revistas analisadas, as quais defendem que o resumo
deve apresentar uma média de 150 a 250 palavras. A APA (2010) ressalta, a partir de
suas orientações, que não deve ser excedido o limite de palavras estabelecido pelos
periódicos.
Vejamos, a seguir, as unidades informacionais prototípicas encontradas a partir
na análise do corpus de resumos de artigos acadêmicos da área de Psicologia:
Quadro 02 – Descrição retórica de resumos de artigos acadêmicos empíricos na área de
Psicologia
Movimento 1 – Apresentando a pesquisa
Passo 1 – Apresentando o tema
Passo 2 – Apresentando os objetivos
Movimento 2 – Descrevendo a metodologia
Passo 1 – Apresentando dados sobre a amostra
Passo 2 – Indicando os instrumentos utilizados
Passo 3 – Relatando processo de análise de dados
Movimento 3 – Sumarizando os resultados
Passo 1 – Apresentando os resultados
Passo 2 – Interpretando os resultados
Movimento 4 – Apresentando conclusões
Fonte: os autores.
De acordo com o Quadro 02, compreendemos que os resumos da área de
Psicologia são constituídos por quatro movimentos. O primeiro, Apresentando a
164
pesquisa, o qual tem como função retórica caracterizar o estudo realizado, apresenta
dois passos: Passo 1, Apresentando o tema, e o Passo 2, Apresentando os objetivos. O
primeiro passo visa determinar a temática investigada nos estudos analisados. É
possível observar que, nos resumos, essa unidade informacional antecede as
informações que se referem aos objetivos, sendo realizada a partir da apresentação da
temática e por meio de breves contextualizações, situando o leitor acerca do tema que
será explorado no artigo. Essas informações, geralmente, se fazem suficientes para
apresentar o tema investigado, podendo despertar ou não no leitor o interesse em
prosseguir a leitura, conforme ressalta o C1. Para o C3, o resumo deve trazer um
panorama geral das informações mais relevantes e, dentre elas, o colaborador ressalta
o objetivo da pesquisa. Vejamos, abaixo, os exemplos 1 e 2, os quais ilustram o passo
em questão:
1. A sobrecarga física e emocional associada ao cuidado de crianças com
patologias crônicas pode ocasionar prejuízos na vida cotidiana das mães e de
outros membros da família. O sofrimento psicológico tem sido identificado e
caracterizado, sendo ainda importante a investigação de variáveis preditoras
desse fenômeno (RAEP11***).
2. A empatia é uma habilidade social multidimensional, que torna o indivíduo
capaz de compreender sentimentos, necessidades e perspectivas de alguém,
expressando esse entendimento de modo que o outro se sinta compreendido e
validado (RAEP15).
O segundo passo, Apresentando os objetivos, evidencia os objetivos da pesquisa
desenvolvida e é descrito por expressões lexicais como ―objetivo‖ e suas variações,
como ―objetiva-se‖ e ‗objetivamos‖, que desempenham o propósito dessa unidade
informacional, que é demarcar os objetivos da pesquisa. Acompanhando essas pistas
lexicais, destacamos verbos no infinitivo que se referem a ações investigativas, como
―avaliar, identificar, investigar, verificar‖ etc. Observemos os exemplos 3 e 4, a seguir:
3. Este trabalho teve por objetivo compreender como Psicólogos lidam com esses
pacientes na prática clínica, bem como investigar as questões éticas envolvidas
(RAEP03).
4. Este trabalho buscou investigar se há associação entre queixas e sintomas
depressivos e a estação do ano em que pacientes buscam atendimento na área
da saúde mental (RAEP22).
***
RAEP – Resumo de artigo empírico da área de Psicologia: terminologia adotada para designar os
exemplares do corpus da área de Psicologia, que são acompanhados pela numeração de 01 a 30.
165
No segundo movimento, Descrevendo a metodologia, são discutidos os dados
referentes aos empreendimentos metodológicos adotados no estudo. Essas informações
dizem respeito à amostra envolvida, aos instrumentos utilizados e procedimentos de
pesquisa. Vale salientar que essas características estão de acordo com o que orienta o
manual de publicação da APA (2010), o qual julga pertinente caracterizar
pormenorizadamente as informações acerca da amostra que devem estar presentes no
resumo, como perfil dos participantes envolvidos, idade, sexo, etnia etc. O primeiro
passo, Apresentando dados sobre a amostra, compreende características das amostras
que contribuíram para o desenvolvimento dos estudos. Esses dados caracterizam a
amostra quanto à dimensão do referido passo, idade, sexo, local de origem, ou seja, são
descritos os perfis dos participantes envolvidos. Podemos compreender essas
informações nos trechos abaixo:
5. Participaram do estudo 122 mães de crianças com paralisia cerebral, em
tratamento na Associação Mineira de Reabilitação, na cidade de Belo
Horizonte (RAEP11).
6. Participaram 50 adolescentes com média de 11,3 anos (DP=0,7),
matriculados em duas turmas de Ensino Fundamental II (6º e 7º anos) de uma
escola pública paulista (RAEP12).
Após a descrição da amostra, na sequência, pode ser observado o passo 2,
Indicando os instrumentos utilizados. Nesse passo, são apontados os instrumentos
adotados para a realização das pesquisas. Vale ressaltar que, na maioria dos exemplares,
apenas são apresentados os nomes dos instrumentos, não sendo frequente a discussão de
dados referentes a esses instrumentos, como podemos ver nos exemplos 7 e 8:
7. Foram realizadas 17 entrevistas semiestruturadas com psicólogas atuantes
na atenção básica à saúde, pertencentes à Coordenadoria de Saúde da região
oeste da cidade de São Paulo (RAEP1).
8. Os instrumentos utilizados foram: perfil gestacional, perfil puerperal,
sessões e materiais produzidos no PNP, Inventário Beck de Depressão, Escala
de depressão pós-natal de Edimburgo questionário avaliativo e completamento
de frases (RAEP8).
Concluindo o Movimento 2, Descrevendo a metodologia, há o Passo 3,
Relatando processo de análise dos dados, o qual caracteriza o passo-a-passo da
metodologia, se referindo a informações como coleta e análise de dados. Essas
informações, de acordo com o manual da APA (2010), são essenciais para esclarecer
166
relevantes características acerca dos procedimentos metodológicos adotados nos
estudos. Nesse momento, são descritos os procedimentos adotados para obter dados da
amostra, sobre a utilização dos instrumentos e, ainda, discute sobre o processo de
análise dos dados. Atentemos para os exemplos 9 e 10:
9. Aplicou-se um instrumento com 77 questões sobre situações cotidianas e fez-
se análise dos itens relativos à vivência de situações de violência (RAEP5).
10. Os participantes foram divididos em duas condições experimentais. Todos
assistiram ao vídeo de um crime e responderam a um questionário sobre
informações nele descritas. Em uma condição, os participantes preencheram o
questionário individualmente e, em seguida, discutiram suas respostas com um
confederado, que fornecia informações falsas ao participante (RAEP29).
O Movimento 3, Sumarizando os resultados, contém dois passos: o primeiro é
intitulado Apresentando os resultados, já o segundo passo é denominado Interpretando
os resultados. O primeiro passo, como a sua função retórica indica, apresenta os
resultados obtidos nas pesquisas, característica que é enfatizada pelo manual da APA
(2010). Já o periódico Fractal: revista de Psicologia justifica que, na descrição dos
resultados, é preciso sintetizar o que foi encontrado. É pertinente salientar que,
geralmente, os achados dos estudos são destacados pela expressão lexical ―resultados‖,
que vem acompanhada por verbos no pretérito do indicativo, como ―apontaram,
indicaram, mostraram, revelaram‖ etc. Além disso, é possível observar que os
resultados, em muitos casos, vêm seguidos por dados percentuais, já que, conforme a
revista Fractal, se necessário, os autores do resumo devem explicitar as medidas e os
resultados de provas estatísticas aplicadas. Observemos os exemplos 11 e 12 para
entendermos como o referido passo é elaborado:
14. Os resultados apontaram o agrupamento dos itens da escala em três
fatores, correspondentes à meta performance-evitação, performance-
aproximação e aprender, que explicaram 39,41% da variância (RAEP2).
15. Os resultados demonstram que as variáveis preditoras do sofrimento
psicológico foram: severidade dos comportamentos identificados como problemas;
idade da criança e a escolaridade das mães (RAEP11).
No segundo passo do Movimento 3, Interpretando resultados, são discutidos os
dados obtidos nos estudos. Dessa forma, a função retórica desse passo é realizar breves
intepretações acerca dos achados da pesquisa. Quanto às formas verbais, encontramos
variadas expressões que acompanham os resultados e indicam interpretação desses
167
achados, como ―foi possível observar, demonstraram, ocorreu, ajudam a compreender‖
etc. Podemos verificar como esse passo é construído a partir dos exemplos 13 e 14:
16. Considera-se que o trabalho na política de Assistência Social colocou os
psicólogos diante de uma classe trabalhadora ainda mais pauperizada,
com demandas diversas daquelas tradicionalmente consideradas pela
Psicologia (RAEP17).
17. Tais resultados permitiram diferenciar o desempenho das crianças no
2º e 3º ano daquele de crianças em outros anos escolares, e o
desempenho de crianças com nível intelectualmente deficiente daquele
de crianças com outros níveis intelectuais. Houve correlações positivas
e significativas entre os escores do TLN-C e o quociente de inteligência
total da WISC (RAEP18).
O último movimento, intitulado Apresentando conclusões, tem como função
retórica expressar as conclusões da pesquisa. Para o periódico Saúde em Debate, essas
informações devem constar nas pesquisas, e, segundo a APA (2010), podem vir
acompanhadas das implicações ou aplicações dos estudos. Consoante a revista Fractal, a
conclusão deve estar baseada nos dados discutidos, sendo relevante relacionar aos
objetivos ou hipóteses previamente descritas.
Foi possível notar que essa unidade informacional se faz concisa no corpus
analisado. O Movimento 4 tem como propósito, portanto, realizar um fechamento do
resumo, apresentando, a partir dos resultados e das interpretações desses achados, uma
conclusão geral sobre o estudo executado, conforme defende o periódico Fractal. Vale
ressaltar que conclusões são perceptíveis a partir de expressões lexicais como
―conclusão‖ e ―conclui-se‖, como podemos ver nos exemplos 15 e 16:
18. As análises conduzem à conclusão de que a percepção da violência como fator
de risco precisa ser compreendida no contexto de participação do jovem e na
sua história (RAEP5). 19. Conclui-se, a partir da necessidade dos futuros profissionais, o aprimoramento
de suas habilidades empáticas (RAEP15).
168
Após descrevermos os resumos em artigos da área de Psicologia, observemos, a
seguir, um resumo prototípico desta área.
Conforme percebemos a partir da análise do gênero resumo da área de
Psicologia, o padrão prototípico se aproximou da proposta descrita por Biasi-Rodrigues
(2009). Compreendemos que o resumo de artigos acadêmicos da área de Psicologia se
apresenta claro e conciso, composto por informações que são descritas pela APA
(2010), visando caracterizar a pesquisa desenvolvida e permitindo que os leitores
pesquisem o conteúdo de um artigo de maneira rápida.
Figura 2 – Resumo prototípico da área de Psicologia
Fonte: os autores.
Comparando o resumo nas áreas de Nutrição e de Psicologia
Os exemplares analisados mostraram-se breves e concisos nas duas áreas, não
ultrapassando a média de 200 palavras por resumo. Tal fato corrobora as orientações
dos periódicos e do ICMJE e da APA, de que os resumos de artigos devem apresentar
uma variação média de 150 a 250 palavras por exemplar do gênero.
169
Em relação à configuração global do resumo, evidenciamos que na área de
Nutrição o referido gênero apresenta-se estruturado, marcado por meio de tópicos
(objetivos, métodos, resultados, conclusão), promovendo, assim, uma identificação
rápida e clara dos pontos discutidos no resumo, enquanto que, na área de Psicologia, o
resumo apresenta-se através de um texto corrido.
Depois dessas considerações mais gerais acerca dos resumos nas áreas de
Nutrição e de Psicologia, passemos ao quadro comparativo das descrições
sociorretóricas nas duas áreas envolvidas:
Quadro 03 - Comparando sociorretoricamente resumos nas culturas disciplinares das áreas de
Nutrição e de Psicologia
Unidades Informacionais Resumo
(Nutrição)
Resumo
(Psicologia)
Apresentando a Pesquisa
Apresentando o tema X
Apresentando os objetivos X X
Descrevendo a Metodologia
Apresentando o tipo de pesquisa X
Apresentando dados sobre a amostra X X
Indicando os instrumentos utilizados X
Relatando o processo de análise de dados X X
Sumarizando os resultados
Apresentando os resultados X X
Interpretando os resultados X
Apresentando Conclusões X X
Fonte: os autores.
De acordo com o Quadro 03, podemos perceber que o padrão prototípico de
resumos da área de Nutrição se mostra mais conciso do que na área de Psicologia, tendo
em vista que esta área apresenta duas unidades informacionais a mais que aquela.
Embora seja perceptível essa sutil discrepância, as demais informações apresentam
função retórica semelhante.
Os resumos da área de Psicologia iniciam-se pela apresentação do tema, fazendo
uma contextualização da pesquisa para, em seguida, estabelecer os objetivos traçados
170
para a investigação, enquanto que, na área de Nutrição, a apresentação da pesquisa se
faz presente pela descrição clara dos objetivos estipulados para a investigação, sem
recorrer a maiores rodeios, considerando que tal unidade informacional já vem marcada
pelo tópico ―objetivos‖.
Quanto aos aspectos metodológicos, os autores constroem essa unidade
informacional com teor maior de detalhes, embora os passos que compõem essa unidade
não correspondam fielmente nas duas áreas. Na área de Nutrição, por exemplo, a
descrição dos métodos se inicia pela apresentação breve do tipo de pesquisa, seguindo
da apresentação de dados sobre a amostra, para finalizar com o relato dos
procedimentos envolvidos para a análise dos dados da pesquisa. Já na área de
Psicologia, a indicação do tipo de pesquisa não foi recorrente, por outro lado, a
indicação de instrumento utilizado para análise de dados mostrou-se relevante.
Para a sumarização dos resultados, as duas áreas recorrem à apresentação dos
resultados mais relevantes da pesquisa, no entanto, a área de Psicologia conta ainda com
uma breve interpretação dos achados da pesquisa. Por fim, os autores tentam fazer o
fechamento do resumo, apresentando, por meio dos resultados, as considerações finais
acerca do estudo empreendido.
Salvo as devidas diferenças sociorretóricas pertinentes ao resumo em cada uma
das áreas analisadas, podemos evidenciar que o resumo tem como propósito persuadir o
leitor quanto à apreciação de um trabalho empreendido, talvez por isso a
correspondência entre as unidades informacionais dos resumos e as seções dos artigos
acadêmicos se mostraram evidentes.
Considerações Finais
Mais do que traçar diferenças e semelhanças sociorretóricas do gênero resumo
nas áreas analisadas, o que consideramos importante é compreender que o referido
gênero sofre influências de cada uma dessas culturas disciplinares em sua configuração
textual.
Assim, não podemos engessar o gênero resumo, pois uma característica que se
revela fulcral na configuração do gênero em uma área, em outra pode não se mostrar tão
relevante. Podemos citar, a título de exemplo, a unidade informacional que indica o tipo
de pesquisa, recorrente na área de Nutrição, enquanto que, na área de Psicologia, essa
unidade informacional não recebe a mesma significância.
171
Esperamos que as discussões aqui lançadas tornem-se profícuas na construção
de saberes, subsidiando professores e alunos na produção do referido gênero da forma
como as áreas o compreendem. Devemos atentar, ainda, para o fato de que os gêneros
acadêmicos, mesmo dentro de certos padrões, apresentam diferenças sutis, como
também mais explícitas, que devem ser levadas em conta.
Para finalizar, acreditamos que essa discussão não está perto de findar, pelo
contrário, há muito a ser discutido no que diz respeito às culturas disciplinares e suas
influências na produção dos gêneros acadêmicos.
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bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/alimentos>. Acesso em: 29.05.2015.
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BERNARDINO, C. G.; VALENTIM, D. L. Uma breve análise comparativa entre
exemplares do gênero textual ―resumo acadêmico‖. Entrepalavras, v. 6, n. 1, p. 26-46,
2016.
BHATIA, V. K. Analysing genre: language use in professional settings. London:
Longman, 1993.
BIASI-RODRIGUES, B. O gênero resumo: uma prática discursive da comunidade
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Disponível
em:<http://www.saudeemdebate.org.br/artigos/Instrucoes_aos_autores_nova.pdf>.
Acesso em: 26.03.2016.
172
SWALES, J. M. Genre analysis: English in academic and research settings.
Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
173
CAPÍTULO XII
A DIMENSÃO CULTURAL NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA EM CURSOS DE GRADUAÇÃO EM LETRAS
Raimundo Expedito dos Santos SOUSA
Magda Velloso Fernandes de TOLENTINO
Introdução
Uma vez que as práticas textuais deitam raízes no solo movediço da cultura,
onde a linguagem empresta significado ao aqui-e-agora das relações sociais, conhecer
uma língua não significa apenas aprender as palavras do idioma e saber juntá-las numa
sintaxe que produza sentido compreensível para os que também conseguem fazer a
mesma coisa, ou para os falantes nativos daquela língua. Nesse sentido, uma primeira
questão que nos move neste ensaio consiste na concepção de linguagem que pauta o
processo de ensino-aprendizagem na formação de professores em cursos de graduação
em Letras. Já que compete a tais cursos formar docentes habilitados a lecionarem
conteúdos linguísticos, independentemente do idioma escolhido pelo licenciando, o
currículo universitário deve oferecer uma concepção de linguagem não apenas como
sistema de regras, mas também como prática social. Assim, este ensaio empreende,
numa primeira reflexão, digressões sobre a caráter cultural da linguagem e o papel dos
gêneros textuais, modais e/ou multimodais na exploração desse aspecto.
O ensaio traz, ainda, uma segunda reflexão, articulada à primeira, que desdobra
a reflexão sobre o cariz cultural da linguagem ao discutir o papel que se tem conferido à
literatura no processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira em disciplinas de
linguística em cursos graduação em Letras. Ora, no ensino-aprendizagem oferecido em
tais disciplinas, chama atenção, por vezes, o estatuto disjuntivo conferido à literatura
nas modalidades de licenciatura em Português e Inglês. De um lado, não se discute o
ensino das literaturas de língua portuguesa no currículo de graduação em Português; de
outro, o ensino de literaturas anglófonas costuma ser tratado com reservas na graduação
em Inglês. Por isso, a segunda reflexão que move este ensaio reside na exploração da
174
literatura como ponto de engajamento do graduando com aspectos culturais da língua
estrangeira.
Linguagem como ferramenta para (re)(d)(escre)(ver) o mundo
Se passarmos em revista as formas por que se tem concebido historicamente os
processos de significação pela linguagem, predominarão, grosso modo, três abordagens
distintas, quais sejam, a reflexiva, a intencional e a construcionista. A primeira, de cariz
especular, presume transparência entre representação e referente, tal que cumpre à
linguagem atuar apenas como ―espelho‖ refletor do real. A segunda, subjetivista, reduz
a representação às intenções do autor ao tomá-lo como detentor único de um significado
restrito às suas pretensões de significação e passa ao largo, portanto, da natureza
interativa da linguagem, uma vez que a construção de sentidos depende de convenções
enunciativas e códigos socialmente partilhados. A terceira, tributária da virada
linguística, reconhece o caráter coletivo dos processos linguísticos, sustenta que os
significados são constituídos na e pela linguagem, não confunde o mundo material com
os processos simbólicos por que esta opera e tampouco refuta a existência deste,
porquanto os significados são forjados não por ele, mas, sim, pelos sistemas linguísticos
atuantes como medium de interpretação, codificação e atribuição de sentidos ao mundo
material. Logo, considera que o sentido, em vez de intrínseco à materialidade do signo,
é construído conforme a função simbólica que lhe é imputada; considera, ainda, que não
refletimos o mundo ao representá-lo, mas de fato o criamos, pois é precisamente a
mediação dos sistemas de significação que o torna inteligível (cf. HALL, 2003).
Como sabemos por dever de ofício, esquemas formalistas circunscreveram, no
passado, o escopo de pesquisas em literatura, linguística e retórica, campos
epistemológicos nos quais as teorias de gênero emergiram. Como corolário desse
ligame, essas teorias, em tempos idos, pautavam seus regimes taxonômicos nas
idiossincrasias formais dos tipos textuais. À medida que o século XX avançava, a
categorização dos textos simplesmente em seu esquema estrutural (narrativo, descritivo
ou dissertativo) perdia crédito por eclipsar a diversidade de competências comunicativas
que transcendem o patamar estrutural. Ao conceber os textos estritamente quanto à
fatura de sua organização interna, esse viés analítico desconsidera a dimensão interativa
dos gêneros enquanto práticas discursivas. Se, pelo menos, desde Aristóteles se tem
procedido à categorização de padrões orais e escriturais, a novidade introduzida por
175
estudiosos como Mikhail Bakhtin consiste no estudo do gênero antes como práxis do
que como forma por colocar em primeiro plano sua relação com situações de uso, que,
por seu turno, relacionam-se com o contexto sociocultural. Tal concepção de gênero
como construção dinâmica e semiótica coaduna forma e conteúdo, estrutura e função,
texto e contexto, além de reconhecer o caráter social dos processos de significação.
Nessa acepção linguística forçosamente pragmática, taxonomias balizadas estritamente
na instância da palavra são antepostas por categorizações atentas à dimensão
enunciativa na qual a estrutura textual não é senão parte de uma instância discursiva de
mais ampla envergadura. Os domínios da literatura, da linguística e da retórica são
largamente tributários, portanto, do exercício teorético de Bakhtin em definir uma noção
de linguagem que contempla seu aspecto interativo e à qual se colam noções axiais,
como enunciação, dialogismo, polifonia e gênero discursivo. A esse último conceito o
filósofo russo conferiu definição de que ainda nos valemos: ―Qualquer enunciado
considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua
elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso‖ (BAKHTIN, 2000, p. 279; ênfase original). Concebida a
linguagem, à luz bakhtiniana, numa acepção linguística interativa, os gêneros
discursivos, como recursos cognitivos de significação do mundo, são a viga-mestra do
princípio dialógico; por conseguinte, os gêneros, se bem que amoldados à textualidade,
são timbrados por sua extração discursivo-interacionista.
Ainda que um gênero seja investido de relativa estabilidade e se diferencie dos
demais por quesitos como conteúdo temático (assunto), construção composicional
(estrutura formal) e estilo (particularidades escriturais), as categorias, porque forjadas na
cultura e, portanto, sujeitas à sua contingencialidade, não são tão estáveis quanto se nos
afiguram. Em instigante estudo sobre a precariedade dos sistemas classificatórios, o
escritor francês Georges Perec toma como exemplo o modo de organização de seus
livros para concluir ironicamente: ―O que não está ordenado de forma definitivamente
provisória o está de forma provisoriamente definitiva‖†††
(PEREC, 1985, p. 40). Ora,
dadas as indeterminações da cultura, condicionantes de ordem contextual delimitam os
modos de produção, circulação e recepção de gêneros medrados numa comunidade
linguística. Por isso, sem embargo de sua aparente fixidez, o gênero tem inflexão
movediça porque sujeito às contingências históricas, sociais e culturais dos grupos que
†††
Nossa tradução. Doravante, todas as traduções de citações em língua estrangeira são de nossa autoria.
176
dele fazem uso. Porque a linguagem é social por excelência, à proporção que uma
comunidade linguística se altera, o repertório de gêneros também se modifica, de
maneira que cada âmbito da atividade humana ―comporta um repertório de gêneros do
discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se
desenvolve e fica mais complexa‖ (BAKHTIN, 2000, p. 279).
Embora já sobejamente explorada, a tópica das teorias de gênero permanece
atual devido, sobretudo, à constante e crescente aparição de novas linguagens expressas
em novos suportes linguísticos. Para dar conta dessa multiplicidade semiológica, o
conceito de multimodalidade estende ainda mais o campo perceptual dos gêneros.
Nesses termos, a multimodalidade consiste, sumariamente, no ―uso de vários modos
semióticos no design de um produto ou evento semiótico, juntamente com a maneira
particular em que esses modos são combinados‖ (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p.
20). Trata-se, noutros termos, da ―integração de duas ou mais formas ou modos de
comunicação, de maneira que seu significado como um todo seja maior do que qualquer
modo separadamente ou do que sua combinação simples‖ (DRESSMAN, 2001, p. 71).
A comunicação multimodal implica diversidade de modos comunicativos em sistemas
de signos os mais diversos, que carregam significados conhecidos e reconhecidos por
um grupo (cf. HALLIDAY, 1985; HODGE, KRESS, 1988; KRESS, VAN LEEUWEN,
1996, 2001; BATEMAN, 2010). No campo específico do ensino-aprendizagem, a
abordagem multimodal possibilita aos estudantes diferentes formas de engajamento com
um texto, quer nos pontos de entrada, quer nos possíveis itinerários de exploração, quer,
ainda, nos procedimentos de leitura. Afinal, textos multimodais se notabilizam pelo fato
de que ―cada modo oferece uma maneira diferente de representação e se concentra em
diferentes aspectos do significado‖ (JEWITT, 2005, p. 7).
Uma vez que o estudo de gêneros textuais abrange um sem-número de
possibilidades investigativas, torna-se um instrumento imprescindível para o ensino-
aprendizagem que pretenda contemplar a linguagem em sua dimensão cultural, seja num
prisma teorético, seja num viés empírico. Essa perspectiva de ensino-aprendizagem
como processo socioeducativo de multiletramento permite preparar futuros professores
para formarem cidadãos capazes de ler e criar uma variedade de textos medrados em
diversos sistemas linguísticos, como recomendam os Parâmetros Curriculares Nacionais
(cf. BRASIL, 1998).
Literatura e engajamento cultural com a língua estrangeira
177
Compagnon, ao proferir a aula inaugural da cátedra de literatura no Collège de
France, em 30 de novembro de 2006, faz algumas perguntas pertinentes: ―Quais valores
a literatura pode criar e transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu espaço
público? Ela é útil para a vida? Por que defender sua presença na escola?‖
(COMPAGNON, 2012, p. 23). Se desdobrarmos essas questões para o escopo dos
currículos de Letras, nos quais se tenta discutir o papel das literaturas na formação do
professor de língua estrangeira, nossas reflexões não seguem a ordem de Compagnon,
mas pretendemos abordar todas as questões colocadas por ele.
Mas antes de tentar responder às questões colocadas por esse teórico, façamos
algumas reflexões. Uma primeira reflexão, que mais nos interessa aqui, é a de qual é o
lugar da literatura nos currículos dos cursos de Letras, se não do lugar da literatura na
vida dos professores das diversas áreas das Ciências Humanas e mesmo na vida da
população em geral. De certa forma, não raro se questiona a validade do ensino de
literatura em cursos de primeiro e segundo
graus, e até a exigência da leitura de textos literários para a prestação de provas
de ingresso em universidades. Pedimos, contudo, licença para buscar numa
manifestação artística bastante popular, o cinema, algumas respostas para a permanência
da literatura na formação da população de qualquer país: no filme Sociedade dos Poetas
Mortos, dirigido por Peter Weir, o novo professor de Literatura Inglesa leva os alunos a
refletirem sobre a poesia e sintetiza: ―Nós não lemos ou escrevemos poesia porque é
bonitinha. Nós lemos e escrevemos poesia porque é paixão, é vida!‖. E de que é feita a
vida, senão de paixão? E o que estaremos fazendo ao perseguir um ideal de profissão e
de vida, ao escolhermos um curso
universitário, senão viver a vida, da melhor forma possível, conforme nossas
aspirações? Outro filme, O espelho tem duas faces, dirigido por Barbra Streisand,
retrata a vida de dois professores universitários. A aula de Matemática é representada
como tediosa e esvaziada, enquanto a de Literatura é mostrada como viva, animada e
cheia de interesse para os alunos. Não se trata aqui de julgar as disciplinas em si
mesmas: o que as caracteriza como de uma e outra forma é a maneira como são
ministradas, e a disciplina de literatura é oferecida como algo que se refere à vida das
pessoas. Para não parecer aqui que adotamos postura preconceituosa em relação às
Ciências Exatas, podemos citar outro momento do mesmo filme, em que a professora de
178
Literatura tenta mostrar ao de Matemática como este poderia conduzir sua disciplina
mais dinamicamente, aproximando-a da realidade das pessoas.
Ora, a literatura não só retrata a vida como ela é, mas também faz projeções, cria
devaneios, torna reais sonhos impossíveis, coloca-nos frente a frente com culturas
diversas, ensina-nos através da experiência do Outro, e o aprendizado vai além dos
limites da literatura per se, pois, através dela, pode-se levantar questões pertinentes à
História, à Sociologia, à Psicologia, à Antropologia e a tantas outras Ciências. É aqui
que nos reportamos a Roland Barthes, que, também em aula inaugural no Collège de
France, em 1977, declarou:
Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas
disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina
literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no
monumento literário (BARTHES, 1989, p. 18).
De acordo com Barthes, ―a literatura assume vários saberes. Num romance como
Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico,
antropológico‖ (BARTHES, 1989, p. 18). Acreditamos que o mesmo possa ser dito de
um infinito número de obras literárias, e poderíamos passar toda a extensão deste ensaio
citando exemplos do nosso universo de leitura. Mas precisamos ir adiante. Podemos, a
partir dessa visão de Barthes, enumerar como uma das utilidades da literatura a
introdução a saberes variados da escala das Ciências, ao nos introduzir, como já nos
referimos, à História, à Geografia, à Psicologia, à Filosofia, à Antropologia e a tantos
outros saberes. Definir literatura é tarefa
hercúlea. A maioria das definições são de dois tipos: uma que vê a literatura como
linguagem usada com fins de mimese, ou com a finalidade de se criar ficção; e outra
que a vê como linguagem usada com o objetivo de agradar esteticamente, neste caso
chamando atenção para si mesma como um meio. Nenhuma das definições é completa
ou desprovida de verdades,
mas não cabe aqui a preocupação com uma definição categórica, mas introduzir
os diversos interesses que a literatura pode ter para nós, profissionais das Letras...
Voltando a Compagnon e tentando nos reportar às suas questões primordiais,
pensamos: a utilidade da literatura é múltipla e complexa. Em primeiro lugar, não
podemos desprezar a utilidade do prazer que a literatura nos proporciona. Afinal, o ser
humano vive em busca da felicidade, e o caminho é sempre o prazer. Ninguém procura
179
a felicidade no sofrimento. E talvez
possamos dizer que a utilidade primeira da literatura, em qualquer de suas
manifestações, esteja no entretenimento, que só se busca pelo prazer. Pode não ser a
utilidade principal, mas não deixa de ser de grande importância. Através da literatura o
indivíduo pode viajar por lugares diferentes, por sentimentos diferenciados e perder-se
num mundo outro que não o seu do dia a dia. Ele viaja o mundo, conhece
personalidades diferentes, descobre a história de países com
que jamais sonhou se identificar, percebe as diversas maneiras de viver que o
universo abriga. Agora, nenhum indivíduo não passa por todas as experiências possíveis
em uma só vida – e sabe-se lá se haverá outra? – e, por mais observador que seja,
não vislumbra a multiplicidade de experiências que pode contemplar ao seu
redor e que sejam consideradas universais. Somente a literatura poderá lhe trazer
o conhecimento da variedade de experiências que a vida pode oferecer. O
aprendizado da vida através da literatura trará inúmeros benefícios, pois, através
do conhecimento que a literatura nos dá, podemos aprender a refletir sobre os diversos
aspectos da vida cotidiana ou da vida extraordinária; podemos ter uma ideia de como se
sente um jovem, uma velha, uma rainha, um prisioneiro, uma cortesã, e assim por
diante. São experiências de segunda mão que não poderíamos compartilhar de outra
forma. E essa experiência transmitida através da literatura transcende o espaço e o
tempo. É uma forma de se perceber a alteridade e aprender a conviver com valores e
costumes diferentes. Proust já dizia que a realização de si não acontece na vida
mundana, mas pela literatura. ―Somente pela arte podemos sair de nós mesmos‖ (Proust,
apud COMPAGNON, 2012, p. 24).
No mundo de hoje, em que as experiências são mediadas pelo ciberespaço e
suas ferramentas várias, com os aplicativos e as redes sociais, não resta dúvida de que a
leitura, em sua configuração tradicional, tem se afastado de nossa vida cotidiana de tal
modo que livros não fazem mais parte da vida de crianças e jovens como nos tempos
antediluvianos da criação da internet. No dizer de Harold Bloom,
Existem muitas explicações convenientes sobre o motivo pelo qual muitas
crianças (de todas as idades) não leem mais ou acham difícil ser desafiadas
pelo que leem. A Era da informação enfatiza a tela – imagem em
movimento, televisão e computador pessoal – e o e-book começa a ser uma
alternativa ao livro impresso (BLOOM, 2001, p. 16).
Em que pese o tom pessimista do crítico literário frente às mudanças
operacionais da prática de leitura estimuladas por novos suportes linguísticos, havemos
180
de concordar com ele no seguinte ponto: se hoje a relação do jovem com os livros tende
a ser mais distante, o que poderíamos dizer de um aluno de Letras que não tem um
mínimo de convivência com a literatura da língua a que se dedica? O aprendizado da
literatura não se restringe ao aprendizado das escolas literárias em seus momentos
históricos e suas características próprias, das teorias
literárias e das correntes críticas. Muito antes, o estudo das literaturas, sejam quais
forem, vão fazer do nosso aluno um leitor crítico em todas as instâncias, e isso eu
coloco como uma de suas utilidades. Se o indivíduo se torna um leitor crítico de um
texto canônico, naturalmente vai ser um leitor crítico de jornais, de propagandas e
comerciais, de programas de televisão, de telenovelas, dos discursos de políticos e da
vida em si mesma. E o leitor crítico é aquele capaz de efetuar mudanças na escola, em
sua vida e na sociedade. Mas a literatura, além de ser um fim, pode também ser um
meio de aprendizado, e aqui também estamos levantando uma utilidade para ela.
O ensino de língua estrangeira em nosso país ainda não alcançou um nível
adequado, mas o lugar que ocupamos, como professores e alunos de cursos de Letras,
fornece-nos um locus de discussão e de luta em prol do objetivo de alcançarmos uma
melhoria nesse setor. Cabe a nós, professores de terceiro grau, e aos alunos que em
breve sairão habilitados a ensinar a língua estrangeira, o papel de lutar para que esse
ensino alcance um patamar desejável,
proporcionando aos alunos de primeiro e segundo graus, tanto de escolas particulares
quanto de instituições públicas, a oportunidade de aprenderem a outra língua em todas
as suas habilidades: ler, ouvir, falar e escrever. Inútil falar em motivações. A
necessidade do conhecimento de uma segunda língua se faz ver a cada momento: no
comércio exterior, na computação, na vida profissional em todas as áreas, nos estudos
avançados de graduação e
pós-graduação, no dia a dia, no turismo – mesmo que este último motivo possa
não ser a prioridade nesse aprendizado, por não ter ainda alcance universal.
Ora, qualquer que seja o objetivo do aprendizado de uma outra língua, sua
respectiva
literatura terá papel fundamental para a formação desse ser aprendiz. Para que
esse aprendizado se dê de forma completa, uma das questões fundamentais é a
do conhecimento da cultura dos países onde a língua de aprendizagem é falada. Isso
inclui conhecimentos socioculturais, tais como vestiário, alimentação, música, sistema
educacional, lazer, costumes etc. Que forma poderia ser mais efetiva para esse
181
aprendizado que a leitura de textos autênticos produzidos nos países de origem? Nós
incluiríamos aqui não só os textos literários, mas também a absorção de filmes,
documentários, canções populares, jornais e revistas, entrevistas, artigos acadêmicos,
programas de noticiários de televisão a cabo, e qualquer outra forma de se entrar em
contato com a cultura através de manifestações que incluam a linguagem. Quanto aos
textos literários, sejam eles do gênero lírico, épico ou dramático, constituem uma rica
fonte desses conhecimentos extensamente listados em meus últimos parágrafos. Todas
as habilidades que se incluem num aprendizado de língua estrangeira se beneficiarão
desses textos. Além do aprendizado de História, Sociologia e outras ciências, como já
foi dito, há o acréscimo de outros aspectos da cultura que se pode adquirir através da
literatura, como a geografia, o folclore, os hábitos, mapas de cidades, sistema de
comunicação e transporte, entretenimento, e muito mais.
Por meio da literatura aprendemos que o tópico de conversação favorito
dos britânicos é o tempo, apesar de ser necessária uma estadia no país para compreender
o porquê disso – o tempo constantemente chuvoso, a imprevisibilidade da temperatura,
a alegria trazida pelas primeiras nesgas azuis nos céus, prenunciando a primavera, que
levam, num mesmo bolo, os estudantes e os executivos de ternos a andarem descalços
nos parques, assim como a impessoalidade do assunto, já que os britânicos raramente
discutem assuntos
pessoais. E onde mais poderemos encontrar múltiplos exemplos da preocupação com e
da influência que o tempo exerce sobre as pessoas a não ser em textos
literários? Patrícia Nora de Souza e Margarida Salomão (1996) apresentam
resultados de um estudo feito na graduação em Letras da Universidade Federal
de Juiz de Fora, em que diferentes turmas foram submetidas ao estudo de inglês
mediante uso de dois tipos de textos: um grupo fez seu aprendizado através de
textos de um livro didático (da série Break into English) e outro através de textos
literários. Após detalhar as estratégias da experiência, as duas autoras narram a
conclusão a que chegaram: o estudo comparativo demonstra melhor
performance dos leitores de textos literários, confirmando a hipótese de que a
experiência de leitura é grandemente beneficiada pelo uso de textos que são algo
mais do que meros pre-textos para o veículo da informação, isto é, a linguagem;
são também instrumentos numa prática pedagógica que compreende a leitura
como uma busca de coerência. As autoras sugerem, portanto, o uso de textos
literários, mesmo se usados como complementares em atividades de leitura,
182
como uma forma de levar o aprendiz a um envolvimento com o significado do
texto. O resultado desse estudo reitera a necessidade de ruptura com modelos
obsoletos de ensino-aprendizagem de língua estrangeira pautados unicamente
no método grammar translation, ou seja, memorização de regras gramaticais
descoladas de contexto prático. Essa abordagem tradicional, segundo pesquisadores
como Muhammed, resulta em um ensino-aprendizagem mutilador da criatividade do
aluno:
A educação tradicional não observa as experiências que os jovens podem ter,
nem combina suas habilidades e necessidades, uma vez que impõe suas
regras e fatos sobre o processo de aprendizagem, no qual os alunos ficam em
estado de completa receptividade e obediência. Esse processo deveria ser
visto como uma experiência, uma atividade livre e um desenvolvimento da
individualidade de uma forma que utiliza as oportunidades da vida presente
para familiarizar a geração jovem com o que está acontecendo no
mundo e também prepará-la para o futuro. [...] Estudar, memorizar e aplicar
regras de gramática de um determinado idioma pode induzir à perda da
identidade de um aluno na medida em que a capacidade de auto impressão
provavelmente será interrompida ou invariavelmente obliterada.
(MUHAMMED, 2013, p. 29).
Nesse sentido, para esse autor, com o qual tendemos a concordar, o aprendizado
de uma língua estrangeira por meio da literatura permite ao estudante fazer uso da
imaginação e da criatividade e, assim, não experimentar de forma tão contundente a
sensação de deslocamento que a entrada em um universo linguístico estrangeiro
provoca. Todavia, a introdução de textos
literários em aulas de língua estrangeira ainda é vista com reservas por muitos
professores, seja por despreparo para trabalhar com literatura, seja por considerarem
dispendioso o tempo gasto com a exploração de textos ficcionais:
O uso da literatura em escolas de idiomas [...] ainda é um assunto discutível
entre professores de línguas. Alguns acreditam que o aprendizado de uma
língua deve incluir inteiramente aqueles aspectos relacionados às atividades
do cotidiano (falar, ouvir, e assim por diante). Neste caso, passar muito
tempo tentando entender textos literários provavelmente escritos em inglês
antigo não tem [para eles] nada a ver com o processo geral [de ensino-
aprendizagem].
MUHAMMED, 2013, p. 29).
A propósito dessa clivagem entre estudos linguísticos e estudos literários,
Bassnett e Grundy (1995) escreveram um livro (Language through Literature) com o
propósito de ajudar o aprendizado de língua através da literatura, baseando-se no fato de
que a Divisão que foi levantada entre o ensino da literatura e o ensino da língua não é
183
somente infeliz, mas também falso. Foram encontrados professores que pensam na
literatura como irrelevante e que argumentam que o que os alunos precisam é de textos
que sejam ―práticos‖ e ―baseados na
experiência do dia-a-dia‖, e não obras de arte. E foram encontrados professores que
desprezam o trabalho ―meramente linguístico‖, como se textos literários fossem feitos
de algum material etéreo e não construídos pela linguagem. (BASSNETT, GRUNDY,
1995, p. 1). Mais adiante, esses autores acrescentam que ―Quando lemos Shakespeare,
não deveríamos faze-lo porque ele é considerado um mestre, mas porque sua habilidade
no uso da língua é um prazer digno de ser usufruído‖ (BASSNETT; GRUNDY, 1995, p.
2). Isso nos traz à essência da leitura, e
qualquer um que já tenha trabalhado com a habilidade de leitura sabe que, entre
as diversas razões existentes para se ler, uma delas é essencial: o prazer. Bassnett e
Grundy não centram seus objetivos na leitura somente. Uma das razões que eles listam
para embarcar nessa tarefa de criar tal livro é a de desenvolver condições para a
produção escrita criativa por parte do aprendiz, ao invés de fazê-lo parafrasear apenas
ou redigir parágrafos pré-determinados. E a metodologia do livro é baseada na
abordagem colaborativa e centrada no aprendiz, por meio do método comunicativo.
Como categoricamente afirmou o Prof. Kevin Keyes, da Universidade Federal de Minas
Gerais, em palestra proferida por ocasião do III Congresso da Apliemge no CEFET-
Minas, nos anos 1990, a abordagem comunicativa é um marco nas estratégias de
aprendizado de língua estrangeira do qual não se pode fugir – não será possível voltar
atrás; o único caminho é para frente, diferenciando, se necessário, a partir dela.
Ao passar nosso foco da leitura para a produção de textos, poderíamos abrir mais
o leque de interesse do uso da literatura na sala de aula de língua estrangeira e abranger
as quatro habilidades envolvidas na aprendizagem da língua. Susan Stern, em capítulo
do livro Teahing English as a Second or Foreign Language, organizado por Marianne
Celce-Murcia, afirma que
A literatura oferece benefícios potenciais de alta qualidade para
o inglês como segunda língua ou língua estrangeira. Do ponto de vista
linguístico, a literatura pode ajudar o aprendiz a dominar o vocabulário e a
gramática da língua, assim como as quatro habilidades da língua: ler,
escrever, ouvir e falar. [...] Do ponto de vista da cultura, a literatura habilita o
leitor a examinar a experiência humana universal dentro do contexto de um
pano de fundo específico e da consciência de um povo em
particular. Do ponto de vista estético, dentre os benefícios se
incluem o ensino da literatura em si, pelo olhar introspectivo
que ela introduz à existência humana dentro dos limites
artísticos e intelectuais de uma obra literária. (STERN, 1991, p. 11).
184
O texto literário tem a vantagem de trazer dentro de si itens do maior interesse,
compactados numa construção que possui tudo o que desejamos trazer para o aprendiz
quando lidamos com uma língua estrangeira: pano de fundo cultural; vocabulário novo;
estruturação natural de frases (mesmo quando se lida com dialetos regionais ou étnico);
coesão, que pressupõe os vários elementos de um texto e depende das falas que
compõem o discurso; coerência, a partir da qual tiramos sentido do discurso, e que
depende do conhecimento do assunto, do conhecimento do mundo, da sequência das
frases no texto, reconhecimento dos
elementos a que as elipses remetem, etc.; pontuação; pares adjacentes. Se quisermos
usar estratégias de leitura, podemos fazer predição (prediction); leitura por alto
(skimming); busca de informação específica (scanning); inferência, exercício mental
para compreensão de qualquer texto autêntico, literário ou não; apreensão de novo
vocabulário, usando indicações contextuais ou informação estrutural; reconhecimento
de esquemas organizacionais do texto e tudo o mais que as estratégias de leitura
preveem.
Retornamos, aqui, às questões de Compagnon: ―Quais valores a literatura pode
criar e transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu espaço público? Ela é útil
para a vida? Por que defender sua presença na escola?‖ (COMPAGNON, 2012, p. 23).
Ora, em termos de valores, a literatura nos transmite tal amplitude de vivência que não
podemos desprezar
os valores éticos, sociais e culturais que ela nos traz. Como afirmamos anteriormente, é
através do nosso senso crítico, muito exacerbado pelo aprendizado por meio de textos
literários, que reiteramos nossos valores, em vista de uma universalidade com a qual só
podemos tomar conhecimento através da leitura, já que não podemos viver em todos os
lugares do mundo e nem experienciar todas as instâncias de vida. E é na escola,
principalmente na escola pública – e aqui nos referimos aos cursos de Letras das
universidades públicas, mas também aos professores dela advindos que poderão inserir
leituras em seus cursos ministrados em escolas de cursos elementar e médio –, que
teremos o espaço para trazer aos aprendizes a oportunidade de abertura a esse mundo de
infinitas possibilidades. Além do mais, a literatura é o guarda-chuva que nos
possibilitará incluir as mudanças em Estudos Culturais que acontecem na academia
desde a metade do século XX.
185
Não mais compreendemos os estudos literários como a busca exclusiva de
conhecimento de textos canônicos, mas como um locus que abriga todo tipo de texto. Se
não, em que outro lugar em nossos currículos poderemos achar lugar para trabalhar com
quadrinhos, canções, filmes, propagandas, novelas, séries televisivas e outros textos que
virão a aparecer, como manifestações culturais legítimas? Essa expansão de objetos de
estudo é apenas uma das razões por que os currículos devem ser flexíveis e abraçar
todas as possibilidades para o trabalho acadêmico. A contingência e o dinamismo do
plano cultural resultam que a significação de um texto não se dá, por evidente, apenas
em seus elementos organizacionais internos, tal que tanto os protocolos composicionais
dos gêneros quanto suas matrizes de legibilidade se dão na esfera das práticas sociais,
donde a linguagem emerge e onde é investida de sentido. Embora difiram, em maior ou
menor grau, nas escolhas teórico-metodológicas, os professores de língua estrangeira
devem contemplar uma concepção de linguagem como ferramenta para
(re)(d)(escre)(ver) o mundo, valendo-se de gêneros textuais modais e/ou multimodais e
da literatura como manifestação da língua-alvo.
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Boston: Heinle & Heinle Publishers, 1991, p. 328-345.
187
CAPÍTULO XIII
A LEITURA LITERÁRIA COMO RETORNO A SI: ANÁLISE DA RECEPÇÃO
DE MORENO (2003) DE BRINA SVIT EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA
(FLE)
Rosiane XYPAS
Introdução
« L‟attitude de jouissance dont l‟art implique la possibilité et
qu‟il provoque est le fondement même de l‟expérience esthétique ».
Jauss (1978:137)
Faz parte dos estudos dos teóricos da Recepção a análise das reações dos leitores
na leitura das Obras literárias. Mas até onde sou mais livre para inovar o ensino da
Literatura em Língua estrangeira? Qual o papel do sujeito leitor na leitura literária? Que
liberdade nós concebemos ao leitor pela leitura do texto? Se a leitura tem a ver com a
empatia, a projeção e a identificação como afirmou Proust, o que estamos fazendo, nós
professores de Francês língua estrangeira (doravante, FLE), por um retorno do leitor à
cena literária? E de que leitor, falo eu?
Este capítulo propõe apresentar uma análise da Recepção da leitura literária da
Obra Moreno (2003) escrita por Brina Svit, escritora eslovena de expressão francesa.
Apresentaremos neste, as reações de leitura de três alunas de graduação na disciplina de
Literatura Francesa I no que diz respeito à leitura literária como retorno a si. Para tal, a
análise será feita à luz das teorias da recepção a partir dos escritos dos diários de leitura
literária das alunas em questão.
Ora, como se sabe, há exatos vinte anos atrás o professor e crítico francês
Antoine Compagnon (2001) afirmava que o leitor é o elemento literário a ser examinado
com maior urgência nos estudos literários. Mas as teorias sobre esse elemento literário
são radicais a ponto de hoje no século XXI diversos profissionais dos estudos literários
as ignorarem ainda. Exemplo disto? Poucas são as teses em que se preocupam aqui no
Brasil, os pesquisadores com as reações do sujeito leitor na leitura de Obras literárias.
Além disso, os livros didáticos da escola continuam apresentando atividades que
valorizam a dissecação do texto literário limitando a leitura literária no que diz respeito
ao autor e à Obra. Constata-se, pois, que raríssima é a atividade em que se volta para a
188
análise do deleite do leitor. O pior é que quando uma ou outra se apresenta, ela se
contenta com a pergunta: qual a sua opinião sobre? O que você acha de? E nada mais.
Nenhuma atividade que pense realmente em explorar o prazer da leitura literária do
sujeito leitor, em, por exemplo, explicitar sua subjetividade como marca de construção
de sentidos.
Uma pergunta me vem à mente: até quando se vai continuar alimentando uma
teoria literária estruturalista que só pensa em um funcionamento neutro do texto, que
não põe em prática uma teoria literária que receba o leitor como elemento literário não
ameaçador ou de negação da Literatura? Não quero mais um leitor abstrato, perfeito ou
ideal cotejando a leitura literária ou as atividades que compõem um livro didático.
Quero sim, um leitor real no sentido de Michel Picard (1998) que tantas teorias ainda
tentam ofuscá-lo ou simplesmente ignorá-lo.
Busco compreender os processos do leitor real que convive neste século com
todo tipo de obstáculo no tocante à realidade de sua atividade leitora. Desafio-me a
fazer presente o leitor real na aplicabilidade da leitura literária porque o represento
como àquele que se autoquestiona, se reelabora e sinaliza seus tempos e lugares de
leitura apontando assim uma verdadeira vivência em seu horizonte de expectativa na
Obra lida. Este leitor real mostra-se, explicitando suas reminiscências de leituras
anteriores, percebendo o trabalho artístico com a língua, lutando por dialogar com o
texto, firmando o que chamo, no encontro com o texto literário, de diálogo intercultural,
e por fim, realizando um engajamento pessoal.
Preocupante, portanto é a negação do leitor ou a não presença de pesquisas que
desvendem os processos desse elemento literário. Compagnon (1998/2001) afirma ainda
que a negação do leitor vem tanto do positivismo quanto do formalismo alimentado pelo
New Criticism e por fim, pelo estruturalismo nos estudos literários. Ao que me consta,
os estudos dos textos literários da Literatura Francesa da Idade Média, séculos XV,
XVI, XVII, XVIII e XIX ou outro século qualquer, só se promovem juntos aos
estudantes de graduação ou mesmo da pós, quando esses textos lhes falam algo, quando
se manifestam para o sujeito leitor em seu eterno presente poético! Partindo deste
princípio, precisam-se promover situações que façam repensar a integração do sujeito
leitor como elemento legítimo e participante da Obra.
O professor de FLE pode começar a inserção do sujeito leitor, pensando como
Proust (1907), a saber, no cenário em que lemos: como o leitor ler a Obra? O que ele lê
na Obra? Como a Obra o lê? Em outras palavras, a leitura é vista, neste, como atitude
189
empática. Pergunto então, que sensações despertam no leitor? Se a leitura é vista como
projeção, o que acontece para que ele se projete na leitura? Se ela é vista como
identificação, qual seu horizonte de expectativa? Esses processos de leitura são dignos
de um estudo tanto na Literatura de língua materna quanto na dita estrangeira.
Sabendo-se que a explicitação da subjetividade do sujeito leitor será o elemento
privilegiado neste capítulo, a metodologia de análise utilizada será qualitativa visando à
investigação das reações dos alunos encontrados em seus escritos nos diários de leitura
literária deles em relação à leitura do texto literário Moreno (2003) de Brina Svit.
O diário de leitura literária lhes foi pedido desde o primeiro dia de aula e teve
como objetivo de aproximar os estudantes ainda mais de si próprios como leitores
literários, de se aproximarem de cada texto lido como leitura de retorno a si. Esta se
fundamenta tanto na explicitação da emoção sentida quanto na demonstração da
reapropriação do texto do sujeito leitor graças às reminiscências que o texto literário
pode despertar. Esta é a teoria privilegiada na análise do diário de leitura literária na
disciplina de Literatura Francesa I na UFPE. Ela teve como objetivo de verificar os
tempos e lugares da leitura da Obra lida de cada estudante, para explicitação das marcas
subjetivas da construção de sentidos do leitor literário. Vale ressaltar que compreendo
como marcas subjetivas todas as explicitações sobre o texto lido advindas em forma de
descrição, de opinião, de índices de sentimentos pessoais do leitor literário.
A fim de que a análise dos diários seja clara e direta, eu elaborei uma grelha de
análises para verificar se o sujeito leitor apresenta ou não na sua atividade leitora,
partindo de seu horizonte de expectativa: os tempos e lugares da leitura; a insegurança
linguística; a descoberta de novas palavras e/ou expressões em língua francesa e enfim,
a leitura como retorno a si que é tudo que aponta para reminiscências, identificação,
projeção ou empatia do leitor com o texto.
Enfim, busco dar lugar a uma análise dos resultados obtidos da atividade de
leitura literária iniciada desde o primeiro encontro no âmbito da sala de aula de FLE na
universidade até a devolução do diário de leitura das três alunas escolhidas para este
estudo.1
No semestre letivo em questão, foram lidas cinco Obras, todas de prosa. Mas
apresento neste, apenas uma das cinco, visando a uma análise das reações individuais,
1 As três alunas permitiram a utilização de seus escritos encontrados no diário de leitura para fins
científicos na apresentação deste texto. Cada uma delas será apresentada com nomes fictícios para
preservar suas identidades.
190
primeiramente, e em seguida, das reações coletivas expondo e analisando os pontos
convergentes e divergentes de cada uma com a mesma Obra acima mencionada.
Leitura literária em francês como língua estrangeira (FLE): o alterleitor em ação
Quanto à leitura literária, começo por dizer que não é nada comum a leitura em
língua estrangeira, em geral, e em particular, a de Literatura. O aluno pode até se fazer
violência mesmo em textos ditos informativos, imagine, pois, com textos polissêmicos
no qual a dimensão linguístico-cultural está marcantemente presente podendo
desencadear diversas inseguranças cognitivas e emocionais.
Considero a atividade de leitura literária como atividade que abriga emoções
diversas do leitor literário. A atividade é vista assim como espaço privilegiado nos
estudos literários em língua estrangeira e pode ampliar as dimensões linguístico-
culturais dos estudantes apesar de suas inseguranças. Mas, postulo que sua carga
linguístico-cultural vinculada à língua materna se desdobra nos esforços cognitivo e
emocional que o leitor faz para ler uma Obra em seu idioma original.
Desde 2008, o texto literário me desafia quanto à sua abordagem mesmo que as
teorias sejam diversas para as abordagens desse campo de pesquisa. Em minhas
pesquisas percebi analisando os resultados de uma experiência pedagógica na época
como professora de Português língua estrangeira (PLE) na França que se os alunos não
conseguem atingir uma experiência estética prazerosa a partir de uma crônica literária
lida em língua estrangeira e cheia de humor, não fora o vocabulário que lhes faltara, o
texto estava condizente com o nível deles, o que lhes faltou, para o deleite da mesma,
foi a dimensão cultural e não linguística como normalmente se pensa.
As atividades de leitura literária se encontram igualmente em livros didáticos
(LDs) de Literatura do francês língua estrangeira. Em outros estudos meus, constatei
que há uma relação de força entre o que as teorias dizem e o que é proposto
metodologicamente para a exploração pedagógica da leitura literária em LDs. Fora dos
limites dos LDs, o ler e o ouvir textos literários demanda do sujeito leitor suas
faculdades de leitura e de escuta em língua estrangeira. Ora, relevamos diversos
componentes tais como os linguísticos, culturais e interculturais como dimensões
indissociáveis que devem ser exploradas pelo professor na sala de aula.
Para o leitor, futuros professores de FLE, elaborei uma atividade na qual
desencadeassem as ações para se tornarem um alterleitor em ação. Meu esquema mental
desse alterleitor se apresenta como uma pirâmide na qual, no topo da mesma, se
191
encontra o leitor e nas bases da pirâmide, à esquerda, se encontram a Obra, e à direita, a
leitura. São esses três elementos que formam a tríade. Como disse em outro artigo2, eu
os considero como um alter que significa amigos inseparáveis fundamentando a
construção desse alterleitor.
O alterleitor é um ser em elaboração, em processo. Ressalto o valor que dou aos
três elementos literários acima citados e ao redor deles indico que o alterleitor só pode
ser constituído, só pode existir a partir desta tríade – leitor-Obra-leitura – dinâmica que
busco compreender nos processos do investimento do imaginário daquele que virá se
tornar um alterleitor. Porém, é só com a atividade leitora que se pode chegar a ser um
Outro diferente. Apenas recolhendo suas impressões de leitura é que se pode
acompanhar o leitor em formação. Assim, recolhi as impressões de leitura das três
estudantes através de seus diários de leitura literária da obra Moreno (2003). A
propósito do diário de leitura literária, Demougin (2004) diz o que segue:
[...] Os escritos reativos e o diário de bordo contribuíram
enormemente a apreender o que o leitor escolar de literatura, até em
seus silêncios e anotações marginais em seus romances, investe em
leitura, compilações integrando marcas do leitor são ferramentas
preciosas para adentrar nos caminhos íntimos do leitor de literatura.
(DEMOUGIN, 2004, p.118).
É assim que os diários de leitura literária ou diário de bordo se apresentam nesse
texto: como instrumento precioso de análise das marcas do sujeito leitor na leitura da
Obra Moreno (2003) escrita por Brina Svit escritora de origem eslovena que escreve em
francês. Essa escritora faz parte da Literatura de expressão francesa conhecida como
Littérature-monde expressão criada por Michel Le Bris para designar uma nova
literatura nascente em língua francesa rica de diversas culturas miscigenada com
pessoas de culturas diferentes3.
Ora, a análise dos escritos encontrados nos diários de leitura literária das três
estudantes só se tornou viável para mim porque busquei apresentar seus escritos criando
classificações inspiradas da noção da leitura subjetiva que adoto:
1. Tempos e lugares da leitura literária
2 Rosiane Xypas. A Leitura subjetiva no ensino de Literatura: O texto do leitor em L‟Analphabète de
Agora Kristof. Revista Eletrônica de Educação – RELEDUC, v. 1, p. 33-48, 2018.
http://portal.fundacaojau.edu.br:8081/journal/index.php/revista_educacao
3 Quem se interessar pela Littérature-monde pode começar lendo o livro Pour une Littérature-monde
organizado por Michel Le Bris e Jean Rouaud, Paris: Gallimard, 2007.
192
2. Leitura como empatia, projeção e identificação
3. Inseguranças linguísticas
4. Descoberta de novas palavras e/ou expressões em língua francesa
5. Leitura como retorno a si
A leitura literária como empatia, projeção e identificação pode permitir ao
sujeito leitor vislumbrar o texto literário como um espelho no qual ele vai refletir
mesmo que inconscientemente suas aceitações e recusas das ações cometidas pelos
personagens no caso da prosa, mas também do eu poético no sentimento suscitado no
poema. A leitura literária como insegurança linguística é manifesta toda vez que o
estudante, futuro professor de FLE afirmar em seu diário que teme se exprimir em
francês por falta de domínio da língua. A descoberta de novas palavras e/ou expressões
em língua francesa pode levar o sujeito leitor a avançar na parte linguística da língua
estudada mesmo que a leitura do texto literário não intencione nada sobre isto. Enfim, a
leitura literária como retorno a si é o encontro do leitor com o texto de forma peculiar e
particular revelando certa reapropriação da Obra lida.
Das teorias da Recepção, da problemática do ensino da Literatura em FLE às
teorias da leitura subjetiva: Uma breve apresentação convergindo para a
construção do alterleitor
Em busca de compreender a história da experiência estética que ―ainda não foi
escrita‖ como afirma Jauss (1978:145), focalizaremos o estudo da recepção de Obra
Moreno (2003) privilegiando, neste capítulo, a investigação sobre a atividade do sujeito
leitor como dito anteriormente. Partimos da premissa que todo sujeito leitor é um ser
que apreende a Obra com sua experiência de vida, seu intelecto e sua emoção. Mas qual
o lugar deste nas pesquisas em Literatura?
Começando pela teoria da Recepção e aqui me deterei sobre o leitor apenas, há
mais de quarenta anos, os estudos literários falam sobre a importância da Recepção das
Obras literárias. Jauss (1978), perguntando sobre a experiência estética espontânea,
elaborou diversas questões das quais exponho as seguintes: Como o gozo estético se
distingue do gozo sensual em geral? Qual a relação da função estética com as outras
funções da atividade humana na vida quotidiana? O autor em questão afirma que, por
um lado, a experiência estética se distingue de todas as outras atividades, e por outro,
que na atitude de gozo estético, o sujeito é liberado pelo imaginário daquilo que faz a
realidade limitante de sua vida quotidiana.
193
Mais adiante, Jauss (1978) afirma que se liberando da consciência imaginante
da restrição dos hábitos e interesses, a atitude do gozo estético permite ao homem
aprisionado em suas atividades quotidianas de se liberar para outras experiências. Ele
diz mais ainda que ―a liberação pela experiência estética pode se realizar em três planos:
1.A consciência enquanto atividade produtora cria um mundo que é sua própria obra; 2.
A consciência enquanto atividade receptora busca a possibilidade de renovar sua
percepção do mundo; 3. Enfim, e aqui - a experiência subjetiva conduz à experiência
intersubjetiva – a reflexão estética adere a um julgamento requisitado pela obra ou se
identifica às de normas de ação que ela inicia e no qual cabe a seus destinatários
prosseguir a definição.‖ (JAUSS, 1978:141-142).4
Em 1970, a exatos quarenta e oito anos atrás, pesquisadores dos estudos
literários já se preocupavam com o ensino da literatura aos estrangeiros. Michel Delon
citado por Morot-Sir (1970) afirma que na França, no século XVIII, lia-se então com a
pluma na mão. Poder-se-ia fazer cópias dos excertos que se leu. Penso que quando
acontece isso, o leitor está implicado na atividade leitora e faz cópia do que mais gosta.
Acompanha-se, diz Delon (1970) o texto, as primeiras reações, comentários e marcas de
leitura. Essas prolongam a leitura e fixam-na ampliando-a. Quando o sujeito leitor
anota, ele se apropria da leitura feita do texto, criando o texto do leitor sempre subjetivo.
Chamo a esta atitude de formação do alterleitor condição necessária para a evolução do
processo de leitura e da construção dos sentidos do texto literário. Em sua leitura cada
leitor vai fazer surgir um texto de forma peculiar graças à riqueza de seu mundo interior.
Quando o leitor lê transpõe um trabalho com a língua, um diálogo intelectual e um
engajamento pessoal.
À busca de saber como ensinar a Literatura Francesa aos estrangeiros, desde
1970 especialistas visam ao ensino da Literatura moderna, a conservação do patrimônio
histórico, a definição do texto literário, as hesitações sobre os modos de leitura dos
textos etc. Em 2004, cheguei a pensar na falência do ensino da Literatura e no crivo do
abismo aberto entre mim e a disciplina e, logo naquele ano que eu já contava com um
diploma de Mestre em Teorias Literárias nas mãos! Pensava isso porque nunca me foi
4 La libération par l‘expérience esthétique peut s‘accomplir sur trois plans : la conscience en tant
qu‘activité productrice crée un monde qui est son œuvre propre ; la conscience en tant qu‘activité
réceptrice saisit la possibilité de renouveler sa perception du monde ; enfin, - et ici l‘expérience
subjective débouche sur l‘expérience intersubjective – la réflexion esthétique adhère à un jugement
requis par l‘œuvre , ou s‘identifie à des normes d‘action qu‘elle ébauche et dont il appartient à ses
destinataires de poursuivre la définition. (Tradução nossa).
194
falado sobre o que permitem os erros, os silêncios, as ―falhas‖ de leitura, os obstáculos
sobre os quais topam os discursos dos alunos, os saberes, a informação e enfim o que os
pode guiar na apreensão de suas próprias leituras literárias.
Segundo Édouard Morot-Sir (1970, p. 12) ―a mistura de ver a literatura como um
nacionalismo, imperialismo e paternalismo polui a atmosfera cultural. Seria conveniente
substituir o que ele chama de pretensão por uma pesquisa de complementariedade‖.
Não vejo a disciplina em questão como complementariedade no ensino de língua
francesa. A Literatura é uma disciplina por total legítima com suas problemáticas e
conceitos a serem estudados e definidos pelos seus estudiosos. Nessas definições, penso
que as que menos vemos em pesquisas são as que abordam os processos de Recepção da
Obra literária tendo o sujeito leitor como centro da atenção científica. Que atividades de
leitura engajaria o sujeito leitor de FLE? É uma pergunta que não tenho resposta pronta.
Busco meios, abro-me para testar novos instrumentos para a recepção da experiência
estética porque assim como toda teoria evolui, os instrumentos de avaliação também
devem evoluir. Minha preocupação é a de fazer com que não se corte os estudos
literários da vida dos estudantes de Letras.
Albert Audubert (1970, p. 17) afirma que ―as famosas humanidades são
geralmente cortadas da realidade‖. Queremos continuar cortados da realidade no ensino
da Literatura? Penso que não. Mas de que realidade se fala? Vou trocar a pergunta: qual
a Literatura que me interessa e como ensinar no FLE? Já em nossa era, acrescentamos
aos estudos literários, a Literatura com outras artes, nela incluímos o teatro, a pintura, a
música, o desenho, os quadrinhos porque vivemos em uma sociedade semiótica.
Fizemos muito. Mas qual é o lugar do leitor nisso tudo? Em FLE, Audubert (1970, p.
21) vai afirmar o que segue:
[...] desde que os alunos adquirem o gosto da leitura, eles são capazes
de fornecer brilhantes resultados. (...) É preciso tentar se separar da
tradição do ensino da literatura com suas técnicas e hábitos
acadêmicos do formalismo e da retórica, frequentemente da
verbiagem da supremacia dos estudos jurídicos, apoiando-se na
tradição do discurso e do sermão gênero em voga no tempo da
colônia.
Minha experiência na sala de aula pode confirmar sobre a aquisição do gosto dos
alunos pela leitura. Eles são capazes de ‗fornecer brilhantes resultados‘. Conforme,
Audubert (1970) pensa em separar a tradição do ensino da literatura com suas técnicas e
hábitos acadêmicos do formalismo e da retórica, penso em incluir novos hábitos na
195
academia relativos à fenomenologia examinando a voz do sujeito leitor na atividade de
sua formação na Literatura.
Dito isso, penso que o leitor não deve ficar fora do jogo, que este deve resistir e
que se trate cada vez mais do leitor real, aquele que segura em suas mãos o livro que lê,
aquele que interrompe muitas vezes sua leitura para fazer outras coisas da academia ou
fora dela, aquele que lê no ônibus em pé ou sentado, aquele que faz estágios em escolas
e que se depara com a realidade árdua do ensino de Literatura nas mesmas, aquele leitor
que sendo real não está querendo ler, não tem tempo, não sabe como fazer, aquele leitor
real que lê em língua estrangeira e não entende, dado a gama de constatações culturais
no tecido do texto literário escrito na língua do Outro. Enfim, quero tratar daquele leitor
que tem direito ao erro, aos enganos, as atrofias oferecidas por eles ao texto literário,
aos desvios do que diz o texto, quero aquele leitor menosprezado pela academia que faz
acontecer a subjetividade acidental, segundo Jouve (2004). É esse leitor em vias de se
tornar um alterleitor que temos todos os dias na universidade. Quero sua voz, suas
marcas de leitura, sua reapropriação do texto lido. Quero conhecer suas reações
individuais às passagens do texto lido e depois confrontá-las com seus iguais para
compreender os pontos convergentes e divergentes, os singulares, os similares na
construção de sentidos de uma mesma Obra.
A Recepção da Obra Moreno (2003) de Brina Svit à luz das teorias da leitura
subjetiva no ensino da literatura
Brina Svit (1957-) nasceu na Eslovênia e foi morar na França aos 25 anos de
idade. Casou-se com um francês e obteve a nacionalidade francesa. Escreveu três
romances em sua língua materna e em 2003 seu primeiro romance publicado pela
Gallimard, intitulado Moreno que estudaremos agora brevemente em uma apresentação
descritiva.
A história se passa em uma casa para escritores situada na Itália. Nessa casa, a
personagem principal que se confunde com a autora, diz que está sendo muito difícil
escrever seu romance em francês porque não sabe como fazê-lo. Primeiro há os
impasses da língua. Não que ela não conheça o francês, mas tenta saber o porquê de ter
trocado sua língua materna por uma língua que não é de sua herança familiar. Ela se
compara com outros autores franceses que fizeram o mesmo: Kristeva, Ionesco,
Cioran... todos deixaram suas línguas maternas pela língua francesa para escreverem
196
suas obras. O fio condutor do romance além de apresentar sua luta íntima com as
palavras para desejar descobrir porque ela quis trocar sua língua materna pela francesa
não é desenrolado. Ou seja, o leitor não fica sabendo por que ela a trocou. O
personagem – narrador apresenta diversas possibilidades desse trocar, mas não afirma
nenhuma delas e nem as contradiz. Ao leitor de se identificar com essa gama de
possibilidades ou não.
Para o estudante de FLE na universidade, esse tipo de romance de autores da
expressão francesa me parece, como tenho dito em outros artigos, um trunfo para a
reflexão do aluno brasileiro ou de qualquer aluno estrangeiro aprendendo a língua-
cultura francesa. Entretanto, o ensino da Literatura Francesa que pratico é no aluno de
segundo ano cursando Língua francesa IV, ou seja, este já obteve no mínimo 180 horas
aulas de língua. O caso de duas das três alunas que apresentarei neste estudo, portanto, é
atípico: Uma chegou à universidade com nível zero do francês. Isso é mais comum.
Outra morou na suíça francófona mais de quatro anos, e finalmente, a outra, morou dos
cinco aos dezenove anos na Argélia francófona! A língua francesa para esta, não é
língua estrangeira, pois afirma escrever com pouco de dificuldade o português.
No entanto, na hora de ―academicizar‖ o ensino da literatura na universidade,
elas tiveram dificuldade em resolver suas leituras - como leitoras reais que são - para
dar conta do que se foi pedido no âmbito acadêmico. Nenhuma delas tinha hábito com a
escrita em diários de leitura literária. Mas, Anne, Marie e Jeanne aprenderam a escrever
suas marcas de subjetividades de leitura explicitando suas reações de leitura do texto
lido. Vale ressaltar que quando o leitor lê Obras literárias, ele se abre para o mundo que
não construiu e reage a cada linha lida. Ao desvendar esse universo particular do leitor
estou pedindo para que ele se abra para si mesmo, se olhe de outra forma e marque suas
subjetividades desencadeadas pela leitura da Obra escolhida. Eu lhes dou o direito à
escrita sobre o texto que ele leu para que compreenda que ele criou um texto dele a
partir de sua própria leitura às vezes considerada por eles mesmos como um fiasco.
Segundo Langlade (2013, p.32) ―a vida útil de um texto se fundamenta sobre os
martelamentos com as lembranças, as imagens mentais, as representações íntimas de si,
dos Outros, do mundo do leitor‖. É também, dirá o mesmo autor, ―pensar nas
lembranças circulares desencadeadas pelas leituras‖ e eu acrescendo que faz dele um
leitor em ação, um alterleitor que se constrói a cada passo da leitura. Esses ecos de
experiências vividas é um dos postulados das teorias da Recepção. Essas reminiscências
aparecem quando o sujeito leitor se depara com passagens de um texto que lhe sugere
197
empatia, em que ele pode se projetar ou se identificar. Esse movimento de adentramento
do texto é ver a leitura como retorno a si, ponte na construção do alterleitor.
Na análise das passagens dos diários de leitura das três estudantes, apresento as
reações individuas de cada uma sobre a mesma Obra. Elaborei uma grelha de análises
contendo: a. tempos e lugares da leitura literária; b. insegurança linguística; c.
identificação, projeção ou empatia; d. descoberta de novas palavras e/ou expressões em
francês e. leitura como retorno a si.5
Recepção de Anne em Moreno (2003)
a. Tempos e lugares da leitura literária; ―Eu comecei a ler este romance no ônibus.”.
b. Insegurança linguística; Sei que será difícil de escrever apenas em francês,
sei que cometerei erros, mas pouco importa. Eu
vou tentar.”
c. Identificação, projeção ou empatia; Eu aprendi com esse livro, novas definições do
amor. Eu gosto muito dessa escritora. Estou
quebrando muito minha cabeça porque ela só fala
o tempo todo de sua dor de ter deixado sua língua
materna. Este livro é fardo para mim. Eu não
gosto do ambiente da história, ele é pesado. Há
passagens lindas neste romance, passagens bem
interessantes... há muito sentimento mas ele fica lá
dentro e não há nada que possa coloca-los aqui.
Enfim, esse livro não foi uma paixão. Sofri muito
para concluí-lo. Pena porque gosto de Brina Svit,
seu modo de escrever... mas este livro aqui (...)
indigesto e repetitivo.”
d. Descoberta de novas palavras e/ou expressões
em francês
Engin (engenho); Pesanteur (gravidade);
Nonchalant (indolente). On pète facilement les
plombs. (Explodir facilmente). J‟en sais quelque
chose (Disso eu sei algo). „J‟ai pressé les oranges
qu‟il m‟a apportées‟ (Anne acrescenta em seu
diário: Senhoras e senhores eu não conhecia esta
concordância)6.
e. Leitura como retorno a si ―Eu não poderia escrever em um lugar voltado só
5 Ressalto que os diários de leitura literária de nossas estudantes foram escritos em língua francesa. Eu
mesma os traduzi para este capítulo.
6 A estudante em questão se refere à concordância do particípio passado em gênero e número quando o
pronome que é precedido de palavra feminina, masculina, singular ou plural.
198
para a escrita: fechado demais, chato demais.
Meus melhores momentos de escrita são dentro do
ônibus. Os questionamentos de Brina sobre o
trocar de língua, me remetem a minha escrita
acadêmica que é para mim uma produção em uma
língua estrangeira”.
Fonte da autora
Recepção de Marie em Moreno (2003)
a. Tempos e lugares da leitura literária; “Eu li Moreno em meu quarto sobre minha mesa
de trabalho”.
b. Insegurança linguística; Não há.
c. Identificação, projeção ou empatia; “Tudo me parece confuso. Eu sinto dificuldades
quando entram diversos personagens em cena ao
mesmo tempo. Uma língua deve ser regada
regularmente como uma planta se não ela seca e
morre. Que sentir quando se está entre duas
línguas? Os pés nus são como um outro rosto: eu
adoro!
d. Descoberta de novas palavras e/ou expressões
em francês
Não há.
e. Leitura como retorno a si “Condições de escrita na Torre. É tudo que eu
peço às vezes sobre condições ideais para
escrever. “A mudança em direção a Torre é como
um movimento em direção ao isolamento, a
necessária solidão. Escreve em primeira pessoa. A
bicicleta que coloca as histórias em movimento,
como o ritmo da usina, os poemas (Agota Kristof)
o papel do francês no “eu”. Os velhos sapatos de
plástico me fazem lembrar dos sapatos de Habiba
que calçam os mulçumanos”.
Fonte da autora
Recepção de Jeanne em Moreno (2003)
a. Tempos e lugares da leitura literária; “li o romance no ônibus e em meu quarto”. “Eu
lia durante o percurso do ônibus, ou seja, uma
hora e meia. E tentava ler sempre cinquenta
páginas por dia”.
b. Insegurança linguística; Não houve
199
c. Identificação, projeção ou empatia; “Fiquei muito em dúvida se o relato era
“verdadeiro” ou ficcional. Se for biográfico terei
pena do marido da Brina, pois ela se envolve
muito com o marroquino”. “A baronesa é
insuportável”; “Ela pede que Brina não se misture
aos empregados que são inferiores. Eu achei isso
ridículo”. “Não concordei com o ponto de vista de
Brina, sobre que não há bilinguismo feliz, pois no
seu caso, a língua francesa é sua língua do
“amor”, do “casamento”; Brina não foi obrigada
a nada, foi uma escolha sua”. “Brina escreve algo
muito lindo sobre a língua: “uma língua deve se
regada regularmente como uma planta, se não ela
seca e morre! Estou totalmente de acordo com
essa passagem no romance. “De volta à Paris,
Brina soube que Mohamed tornou-se alcoólatra,
foi despedido, sofreu um acidente de carro e se
encontra no fundo do poço. “Essa parte mexeu
muito comigo, pois já conheci/convivi com alguém
assim, o que marcou muito a minha vida, mas não
irei falar sobre isso”.
d. Descoberta de novas palavras e/ou expressões
em francês
Não houve.
e. Leitura como retorno a si “... Brina entra em contato com o mundo dos
imigrantes que moram na Itália e encontra-se bem
confortável com essa realidade, pois ela também
se sente „imigrante‟. Isso me lembrou que
normalmente os imigrantes costumam fazer
amizades e conviver com outros imigrantes, o que
pode dificultar o processo de adaptação ao novo
país. Em minha experiência no exterior, realmente
eu só fiz amizades com outros brasileiros que
moravam nas proximidades”.
Fonte da autora
Conclusão
O objetivo deste capítulo foi de apresentar as marcas da subjetividade de três
estudantes de Literatura Francesa de graduação da UFPE. Para tal, utilizamos as teorias
da Recepção na Obra literária Moreno (2003) da escritora eslovena de expressão
francesa Brina Svit. Como também as teorias da leitura subjetiva, tendo como pontos
200
principais de análise, a leitura como retorno a si através das lembranças de outras
leituras, da aquisição de palavras e/ou expressões em língua francesa, a identificação, a
projeção e /ou a empatia durante a leitura e os tempos e lugares da leitura porque
tratamos o sujeito leitor como leitor real.
Constatamos que Anne, Marie e Jeanne apresentam pontos convergentes no
tocante ao lugar da leitura: Anne lê no ônibus como Jeanne. E Marie e Jeanne em seus
quartos. Quanto ao tempo, cada uma tem um ritmo diferente. Constatei ainda que Anne,
Marie e Jeanne se identificaram com algumas ações dos personagens do romance lido.
Entretanto, Jeanne apresenta uma maior projeção com a Baronesa, a discente a odeia;
quanto à identificação, sente pena do marido da autora e exalta diversas passagens sobre
a língua-cultura e imigração com empatia. Convergem Marie e Jeanne quanto ao
aprendizado do vocabulário novo, pois nem uma nem outra adquiriram novas palavras
ou expressões com a leitura do romance. Diferente de Anne que aprendeu algumas
como ela mesma afirma em seu diário. Finalmente, a leitura como retorno a si pelas
lembranças de outras leituras e/ou vivência: Anne foi remetida à sua própria escrita
acadêmica pelas dificuldades que enfrenta. Marie foi remetida às lembranças de
sandálias que conheceu no país de língua francesa que morou e Jeanne à um momento
trágico em sua vida ao ponto de não querer falar sobre o que de fato acontecera.
Como pesquisadora, fico pensando em minha prática pedagógica com textos
literários na aula de Literatura e constato que eu devo pedir aos estudantes para
apontarem como sair do embaraço causado na leitura de passagens que os remetem às
lembranças dolorosas. Quanto ao gozo na leitura, todas as três alunas tiveram e sugerem
em seus diários o mesmo romance para ser lido por outros.
Enfim, a leitura subjetiva como apoio teórico na análise das marcas de
subjetividade do leitor literário pode ser um trunfo no desenvolvimento da formação
literária do estudante de francês como língua estrangeira. Para concluir, aponto que
houve a utilização do diário de leitura foi importante para recolher a explicitação da
emoção sentida e a reapropriação singular da mesma Obra. Isso suscita a leitura literária
como retorno a si favorecendo um interesse pedagógico da leitura subjetiva no ensino
da Literatura.
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202
CAPÍTULO XIV
O USO DO GÊNERO TEXTUAL TIRINHA COMO INCENTIVO À PRÁTICA
DE LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR
Zuleide Fernandes de QUEIROZ Josilene Marcelino FERREIRA
Introdução
Saber ler pressupõe não apenas conseguir codificar e decodificar as letras que
constituem uma palavra, mas a possibilidade de utilizar esse conhecimento em forma de
comunicação inserindo-a em um determinado contexto social ou cultural, o que só se
torna possível com a realização da compreensão do que foi lido anteriormente. Visto
que, a leitura é antes de tudo a construção de sentido para o que foi lido.
Porém, a realização de trabalhos que venham a proporcionar um maior interesse
pela leitura, nem sempre é uma tarefa fácil, necessitando disposição tanto do professor
quanto do aluno. Por esse motivo, professores devem procurar alternativas que facilitem
o seu trabalho em sala. Desempenhando, assim, estratégias que venham a envolver os
diversos gêneros textuais, já que segundo Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011), o
reconhecimento dos gêneros textuais é uma das condições indispensáveis para a
formação de alunos competentes na realização de leituras aprofundadas e
compreensivas.
Assim sendo, os professores necessitam de métodos que aperfeiçoem a
aprendizagem de seus alunos. Apresentamos assim, o trabalho com os gêneros textuais,
em específico o gênero tirinha, como recurso norteador para o incentivo à leitura em
ambiente escolar.
Sendo conhecedores das dificuldades enfrentadas pelos professores em relação à
formação de leitores competentes, os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN (1998),
sugerem que o ensino esteja embasado em textos dos diversos gêneros, orientando-os a
abandonarem suas metodologias tradicionais, e que trabalhassem conciliando a
gramática ao texto. O que pode ser complementado por Karwoski, Gaydeczka e Brito
(2011), ao assegurarem que o ensino com base nos gêneros deveria inicialmente
orientar-se mais para os aspectos da realidade do aluno, trabalhando primeiramente,
com os que fazem parte do cotidiano dos mesmos para depois introduzi-los a novos
gêneros.
203
Nada melhor que iniciar o trabalho a partir do gênero Histórias em Quadrinhos-
HQ, visto que fazem parte do contexto dos jovens e crianças abordando fatos
cotidianos, possuindo uma linguagem de fácil entendimento e utilizam a linguagem
verbal e a visual.
Apesar disso, o ensino fundamentado no gênero HQ encontrou grandes
impedimentos no âmbito escolar, chegando até a serem banidos das escolas. Entretanto,
em oposição a essa teoria, estudos demonstram a eficácia de se inseri-las nas aulas
como mecanismo de aperfeiçoamento da leitura.
Este trabalho objetiva-se a desvendar e apontar as possibilidades e contribuições
desempenhadas pelo gênero tirinha na formação de leitores críticos, conduzindo-os a
refletirem sobre a importância do trabalho com gêneros que façam parte da vivência
diária dos educandos, inserindo assim a leitura no contexto dos alunos.
Para o desenvolvimento deste trabalho foi realizado um estudo de natureza
qualitativa de tipo bibliográfica, com o propósito de encontrar subsídios teóricos, foram
analisadas teorias de pesquisadores que abordam e estudam sobre a importância do
trabalho com o gênero quadrinho em sala de aula. Para tanto, tomamos como
embasamentos teóricos estudiosos como: Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011), Ramos
(2013a, 2014b), Barbosa (2014), Santos e Vergueiro(2012), Bakhtin (2003) dentre
outros que se fizeram necessários para o aprofundamento de nosso trabalho.
Referencial teórico
Apanhado Histórico do uso dos Quadrinhos em Sala de Aula
Por muito tempo as histórias em quadrinhos foram objeto de fortes críticas e
rejeição por parte de pais e professores, por os mesmos estarem convictos que por
apresentarem narrativas curtas e serem ilustradas, elas poderiam afastar os educandos de
leituras mais desenvolvidas e dinâmicas O preconceito que existia, em relação ao
gênero quadrinho por parte deles, fechava a possibilidade da utilização desse gênero
como recurso de incentivo à leitura. Como afirma Barbosa (2014, p.16), vários são os
motivos que os levaram (pais e mestres) a essa rejeição, entre elas podemos enfatizar
que:
Tinha-se como certo que sua leitura afastava as crianças de ―objetivos
mais nobres‖ - como o conhecimento do ―mundo dos livros‖ e o
estudo de ―assuntos sérios‖ - que causava prejuízos ao rendimento
204
escolar e poderia, inclusive, gerar consequências ainda mais
aterradoras como o embotamento do raciocínio lógico, a dificuldade
para apreensão de ideias abstratas e o mergulho em um ambiente
imaginativo prejudicial ao relacionamento social e afetivo de seus
leitores.
Fazendo uma retrospectiva histórica com os autores Santos e Vergueiro (2012,
apud CARVALHO 2006, p.32), podemos constatar que, em 1928 surgiram as primeiras
críticas formais em relação ao uso do gênero em sala, a Associação Brasileira de
Educadores (ABE), fez um protesto contra o seu uso, pois acreditavam que os
quadrinhos ―incutiam hábitos estrangeiros nas crianças‖. Em 1939, diversos bispos
reuniram-se, em São Paulo, dando continuidade ao protesto propondo a censura dos
quadrinhos.
Em 1950 ocorreu o auge da rejeição dos quadrinhos, quando foi publicado o
livro Seduction of the Innocent (Sedução do Inocente) do psiquiatra Fredric Wertham
(apud NYBERG, 1998), no qual o autor faz fortes críticas, exageradamente, à cultura de
massa e que levou pais e professores a queimarem revistas nos pátios das escolas,
levando editores a criarem um Código de Ética dos Quadrinhos para as suas
publicações, na tentativa de impedir a censura oficial e reverter a queda das vendas.
Em quase todos os países em que os quadrinhos eram editados ocorreram
manifestações contrárias ao movimento partindo de representantes do mundo cultural,
educativo e científico. Estas manifestações alcançaram resultados positivos, visto que,
segundo os mesmos autores, em 1970 já era possível encontrar narrativas gráficas
sequenciais nos livros didáticos que serviam para sintetizar, exemplificar ou
complementar, de forma mais simplificada, o conteúdo do tópico do capítulo.
Em 1998, depois que os órgãos oficiais de educação, como por exemplo, os
Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN (1998) reconheceram a sua importância no
currículo escolar sugerindo que o ensino da língua estivesse baseado no texto
pertencente a um determinado gênero e começaram a inseri-las em avaliações externas,
principiaram a quebra de alguns rótulos errôneos a respeito do gênero.
A concepção de que o uso das tirinhas em sala de aula acarretaria prejuízos no
rendimento escolar, logo foi quebrada, pesquisas demonstraram porque essa teoria era
errônea.
Os quadrinhos não afastam os jovens da leitura. Pelo contrário. Muitos
adultos que hoje cultivam o hábito da leitura [...], costumavam ler
histórias em quadrinhos durante a infância e a adolescência. Crianças
que tem acesso às histórias em quadrinhos podem ser letradas mais
205
facilmente e apresentar rendimento superior nos estudos se
comparadas às que não possuem contato com esse material.
(VERGUEIRO e RAMOS, 2009, p.77)
O uso do gênero é mencionado nos PCNs do ensino médio, no volume dedicado
a Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (2008); destacando a importância dos
diversos gêneros dos quadrinhos como fontes históricas e de pesquisa sociológica. Faz-
se presente também, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) onde é cobrado dos
alunos o domínio de leitura de outras linguagens além do código verbal escrito.
O que, de acordo com Barbosa (2014), logo após constatarem que os resultados
foram satisfatórios e percebendo, então, que sua utilização auxiliava o jovem na
consolidação do hábito e do prazer pela leitura, algumas editoras começaram a incluí-
los com mais frequência em suas obras, o que favoreceu a sua volta ao espaço escolar,
agora como um intercessor da leitura.
A presença deles nas provas de vestibular, a sua inclusão no PCN
(Parâmetro Curricular Nacional) e a distribuição de obras ao ensino
fundamental (Por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola)
levaram obrigatoriamente a linguagem dos quadrinhos para dentro da
escola e para a realidade pedagógica do professor. (RAMOS,
2014.p.13)
As história em quadrinhos chegaram, enfim, ao processo de ensino e
aprendizagem. Favorecendo, então, os educadores, a utilizá-las como ferramenta de
trabalho, uma vez que elas podem contribuir para o desenvolvimento da leitura dos
alunos.
A inclusão efetiva das histórias em quadrinhos em materiais didáticos
começou de forma tímida. Inicialmente, elas eram utilizadas para
ilustrar aspectos específicos das matérias que antes eram explicados
por um texto escrito. Nesse momento, as HQs apareciam nos livros
didáticos em quantidade bastante restrita, pois ainda temia-se que sua
inclusão pudesse ser objeto de resistência ao uso do material por parte
das escolas. No entanto, constatando os resultados favoráveis de sua
utilização, alguns autores de livros didáticos – muitas vezes, inclusive,
por solicitação das próprias editoras -, começaram a incluir os
quadrinhos com mais frequência em suas obras, ampliando sua
penetração no ambiente escolar. (BARBOSA, 2014, p.20).
Por apresentar vários recursos textuais, o gênero tirinha, possibilita várias
estratégias para o desenvolvimento do processo de leitura e auxiliar na aprendizagem.
Visto que, estimulam o senso crítico ao conduzir o leitor a analisar a relação existente
entre as linguagens verbal e não-verbal; a fala e a escrita; contribuindo para o
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desenvolvimento de seu conhecimento cognitivo e a formação de leitores capacitados
para a vida.
Conforme Barbosa (2014) são vários os motivos que confirmam que os
quadrinhos favorecem o bom desempenho escolar auxiliando a alcançar resultados mais
satisfatórios do que se obteria sem o seu uso.
Por ser um gênero que é aceito por todos os estudantes, a leitura começa a ser
desenvolvida por boa parte dos alunos tornando a aula mais participativa no momento
da realização da leitura e nas realizações das atividades escolares. Auxiliando no
desenvolvimento do hábito da leitura de textos mais extensos, visto que, sua
concentração foi trabalhada durante a leitura dos gêneros curtos, como a tirinha- que é
um quadrinho mais curto, que se utiliza do humor e da ironia para satirizar problemas
cotidianos.
Este gênero abrange vários temas que podem ser trabalhados em qualquer nível
escolar e disciplina, por contemplarem um alto nível de informações diferenciadas que
podem ser trabalhados em todas as disciplinas, de acordo com a demanda do conteúdo e
do professor, reforçando ou aplicando conteúdos, aproximando o aluno do conteúdo
dispensando, na maioria das vezes, que o professor retome as cansativas explicações em
suas aulas. De acordo com os PCN:
O ensino de língua deve dar subsídio para que o aluno possa analisar,
interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,
relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,
organização das manifestações, de acordo com as condições de
produção e recepção (BRASIL,1998, p.8)
Compreende-se então que a melhor metodologia para proporcionar aos
estudantes esse conhecimento é trabalhar com gêneros que utilizem as várias formas da
língua. Como é o caso dos quadrinhos, que de acordo com Barbosa (2014) ―constituem
um sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em constante interação: o
visual e o verbal‖. Ele faz a mescla de desenhos e palavras, onde um sistema de
linguagem complementa o sentido do outro. Capacitando-nos assim a compreender e
utilizar a linguagem de forma mais eficaz nas nossas atividades sociais, como afirma
Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011, p. 43):
O domínio dos gêneros se constitui como instrumento que possibilita
aos agentes produtores e leitores uma melhor relação com os textos,
pois, ao compreender como utilizar um texto pertencente a
determinado gênero, pressupõe-se que esses agentes poderão agir com
207
a linguagem de forma mais eficaz, mesmo diante de textos
pertencentes a gêneros até então desconhecidos.
A percepção de que as histórias em quadrinhos poderiam ir além do
entretenimento e serem usadas de maneira eficaz na transmissão de conhecimentos na
educação, pode ser registrado por Barbosa (2014, p. 17):
[...] as primeiras revistas de quadrinhos de caráter educacional
publicadas nos Estados Unidos, tais como True Comics, Real Life
Comics e Real Fact Comics, editadas durante a década de 1940,
traziam antologias de histórias em quadrinhos sobre personagens
famosos da história, figuras literárias e eventos históricos.
O autor, afirma os benefícios do gênero para os professores trabalharem em sala
de aula, pois as Histórias em Quadrinhos- HQs auxiliam os alunos a ampliar a
compreensão de conceitos e enriquecer vocabulário, obrigando o leitor a pensar na
informação, tem caráter globalizador e também podem ser utilizados em qualquer nível
escolar. O próprio autor explicita:
[...] há varias décadas, as histórias em quadrinhos fazem parte do
cotidiano das crianças e jovens, sua leitura sendo muito popular entre
eles. Assim, a inclusão das historias em quadrinhos na sala de aula não
e objeto de qualquer tipo de rejeição por parte dos estudantes, que, em
geral, as recebem de forma entusiasmada, sentindo-se, com sua
utilização, propensos a uma participação mais ativa nas atividades em
aula. As histórias em quadrinhos aumentam a motivação dos
estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e
desafiando seu senso crítico (BARBOSA, 2014, p. 21).
Além de que, são várias as maneiras de se trabalhar com elas em sala. Eles
podem ser utilizados para introduzir temas, aprofundar conceitos, dar subsídio a uma
discussão a respeito de um tema, ilustrar ideias, explicar temas difíceis.
Porém como afirma o mesmo autor, para que a sua utilização seja bem
proveitosa em âmbito escolar, é de suma importância que o professor reconheça os
principais elementos de sua composição. Ele não poderá utilizá-las sem objetivos
previstos, pois a aplicação da mesma, deverá se adaptar ao cronograma de sua aula.
Visto que, se não for esse o seu objetivo, os alunos conceberão o gênero tirinha como
apenas ―passa- tempo‖ e os benefícios que poderiam ser alcançados com seu uso serão
limitados. ―Além de ficar evidente para os alunos que eles estão sendo sutilmente
enganados pelo professor, pode gerar desconfiança e mesmo aberta resistência à leitura
e uso de historias em quadrinhos em ambiente escolar [...]‖, (p.27). Dominando esses
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elementos e tendo um embasamento para o seu uso, o processo de aprendizagem será
positivo e conseguirá melhores resultados do que os alcançados sem a sua utilização.
A Contribuição do Gênero Tirinha para a Formação de Leitores Críticos:
Sugestões e Possibilidades Metodológicas
Entende-se que o ato de ler é uma das formas mais eficazes de desenvolvimento
social e cultural dos indivíduos. Porém despertar o interesse dos alunos para a leitura em
sala de aula requer esforços e metodologias diferenciadas por parte do professor. Sendo
de suma importância que o mesmo procure envolver o seu público alvo no momento da
realização das atividades de leitura visando um efetivo exercício de cidadania.
Para que se consiga formar alunos leitores críticos faz-se necessário que o
professor torne-se, primeiramente, um leitor ativo e interativo com os alunos.
Esclarecendo aos alunos a importância da leitura para a vida estudantil e pessoal.
Expondo a leitura não apenas como sendo constituída por letras no papel, mas como
uma prática significativa que envolve os conhecimentos que o leitor já adquiriu a
respeito do tema possibilitando-os a fazerem as inferências necessárias para a
construção de sentido do texto. A leitura é uma prática que ocorre diariamente, seja de
modo didático ou de mundo.
A fim de propor novas estratégias para o ensino de leitura em sala de aula, faz-se
necessário compreender, inicialmente, algumas concepções teóricas sobre leitura. Os
PCN afirmam que a leitura:
[...] é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
construção do significado do texto, a partir de seus objetivos, do seu
conhecimento sobre o assunto [...] não se trata simplesmente de extrair
informações da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por
palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente,
compreensão. (BRASIL, 1998, p. 41)
Assim sendo, nessa perspectiva, a leitura é um processo que abrange desde a
decodificação das letras constituintes de uma palavra até a compreensão textual,
realizando antecipação de ideias, de inferências e da retomada de conhecimentos
prévios, ultrapassando o nível da decodificação tão presente nos materiais feitos
exclusivamente para ensinar a ler no ambiente escolar (com vista à realização de
atividades ou avaliações).
Ler é entender o significado do conjunto dos símbolos decodificados, tentando
descobrir o sentido que o autor deu à narrativa e comparar as próprias experiências com
209
as que estão sendo descritas no texto, descobrindo novos conceitos e reformulando os
antigos.
A realização e o aperfeiçoamento de uma leitura crítica conduzem o aluno a uma
interpretação de mundo mais consciente, capacitando-os a terem uma participação mais
efetiva em sociedade, dando subsídios para interagirem com o meio e discutindo com
mais segurança o seu posicionamento sobre assuntos que permeiam em seu contexto
social.
Nos dizeres de Karwoski, Gaydeczka e Brito (2011, p.28) ―vivemos em uma era
que integra de maneira bastante fundamental, no cotidiano das forças sociais que
determinam nosso mundo, vários modos de letramento que exorbitam o estritamente
linguístico‖. Não basta conseguir decodificar uma palavra temos que relaciona-la com o
contexto e veiculação em que esta palavra foi transmitida. No contexto histórico atual, o
lidar com imagens requer tratamento minucioso, pois os alunos estão inseridos em um
mundo imagético e textual. As mídias utilizam a todo momento notícias e imagens para
a sociedade, que, na grande maioria das vezes, não faz uma reflexão sobre os
acontecimentos e fatos.
O gênero tirinha, por ser um texto multimodal faz uso tanto da linguagem verbal
quanto da não verbal. Pois em seu contexto está contido a escrita e o desenho. Barbosa
(2014, p. 31), afirma que as histórias em quadrinhos constituem um sistema narrativo
composto por dois códigos que atuam em constante interação; o visual e o verbal; de
modo que cada um ocupa um papel especial reforçando um ao outro.
O gênero tirinha é um texto multimodal pertencente ao hipergênero História em
Quadrinhos, contém suas peculiaridades próprias, apresentando recursos próprios da
linguagem (balões, onomatopeias, entre outros). Segundo Ramos (2014) ―trata-se de um
texto curto construído em um ou mais quadrinhos (suas narrativas são curtas, porém
apresentam introdução desenvolvimento e conclusão), possui personagens fixos ou não
e apresenta um desfecho inesperado no final‖.
Entre os vários motivos para utilizar os quadrinhos na escola como incentivador
da leitura está à atração dos estudantes por esse tipo de material, a união de palavras e
imagens, que representa uma forma mais eficiente de ensino, o alto nível de informação
deles, o enriquecimento da comunicação, o auxílio no desenvolvimento do hábito de
leitura e a ampliação do vocabulário. Como também eles aumentam a motivação dos
alunos para o conteúdo das aulas, estimulando sua curiosidade e desafiando seu senso
crítico (BARBOSA, 2014).
210
Além do que, ―todo professor tem convicção de que imagens ajudam a
aprendizagem, quer seja como recurso para prender a atenção dos alunos, quer seja
como portador de informação complementar ao texto verbal‖ (KARWOSKI,
GAYDECZKA e BRITO, 2011.p.149).
Sendo assim, a ampliação da familiaridade com a leitura dos quadrinhos
proporciona aos alunos perceberem os benefícios que a leitura trará para as suas vidas,
encontrando mais facilidade em concentrar-se em leituras dos mais diversos gêneros
textuais.
E de acordo com os PCN (1998) é preciso que se ofereçam ao leitor
oportunidades de aprender a ler a partir da antecipação de ideias, da realização de
inferências e da retomada de conhecimentos prévios, ultrapassando o nível da
decodificação tão presente nos materiais feitos exclusivamente para ensinar a ler na
escola, conduzindo o leitor a uma leitura compreensiva do texto.
Ao trabalhar com o gênero tirinha é possível desenvolver as etapas descritas
logo acima. Antecipação de ideias- o gênero apresenta acontecimentos presentes na
realidade dos seus leitores, ao serem utilizadas em sala de aula, será admissível que o
professor em conjunto com os alunos faça um levantamento dos possíveis
desdobramentos do enredo, trabalhando assim o seu conhecimento
enciclopédico/mundo (conhecimento que se encontra armazenado na memória de cada
indivíduo, seja por experiências ou proposições a respeito de fatos do mundo), para logo
após a leitura constatarem se suas ideias foram corretas ou o autor utilizou outro
posicionamento frente ao texto, realizando então, a retomada dos conhecimentos
prévios, que são o que já sabiam sobre o assunto trabalhado na proposta.
Esses aspectos sendo trabalhados pelo professor envolverão a participação do
aluno de forma mais efetiva em suas aulas não só com a leitura do gênero tirinha como
também quando for solicitada a leitura de textos mais extensos. Pois, a partir do
momento que os alunos perceberem que o professor encontra-se apto para construírem
conjunto com eles, um sentido para o texto inferirá que não haverá a enfadonha
atividade de transcrição logo após a sua leitura e sentindo-se mais confiante na sua
leitura e compreensão.
Em outras palavras, por apresentar uma linguagem próxima ao cotidiano e
envolver acontecimentos presentes na realidade dos alunos, torna-se uma leitura fácil e
prazerosa, visto que facilita o entendimento da mensagem num todo sem a necessidade
de consultas a dicionários ou outra fonte de informação, pois o que não foi dito na
211
linguagem verbal e inserido através dos desenhos já que um complementará ao sentido
do outro.
Considerações
A tirinha é um gênero que há muitos anos está presente na vida dos leitores. Esse
gênero atrai o público não só por sua linguagem acessível a todos os níveis de leitura,
mas por utilizar a linguagem verbal e a não verbal em sua composição.
A realização deste trabalho nos possibilitou percebermos que para despertar os
alunos para a prática da leitura de forma crítica é preciso utilizar textos que façam parte
do contexto social dos educandos, como é o caso do gênero tirinha, que trabalha com
temas contextualizados, utilizando uma linguagem próxima ao cotidiano dos seus
leitores.
Trabalhando desde a predição até a confirmação de ideias, o aluno é conduzido a
analisar de forma coerente a mensagem que o texto está transmitindo, sendo capaz de
reformular seus conhecimentos a respeito do tema como também acrescentar de forma
concisa novas conclusões em relação ao conteúdo, fazendo de forma automática com
qualquer gênero.
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VERGUEIRO, W; RAMOS, P (orgs). Quadrinhos na educação: da rejeição à prática.
São Paulo: Contexto, 2009.
213
POSFÁCIO
Para Adorno e Horkheimer, se existe um sentido para a ciência, tal como a
conhecemos, este está longe de ser algo que nos provoque prazer puro e simplesmente.
Contudo tal prazer trazido pelo conhecimento se faz, talvez, na transformação que o
conhecer provoca na natureza e no homem, tornando-os, quem sabe, em formas mais
amigáveis, moldadas ao gosto das necessidades humanas.
Contudo o conhecimento também é um poder. O poder de ―impor‖ sua própria
vontade pela argumentação daquilo que se conhece. Todavia o conhecimento só se
torna, realmente, poder quando o homem é capaz de refletir sobre a natureza que o cerca
e sobre o próprio ser humano, sobre sua racionalidade, que se confunde com a
operacionalidade da natureza que o cerca. Talvez atingindo um viés político, nos
atrevemos a dizer que o poder do conhecimento é alcançado somente por meio da
linguagem, do saber ler o mundo, seja ele ficcional ou empírico.
Roland Barthes, em Aula nos afirma que a língua está sempre a serviço de um
poder e que seus signos só existem na medida que o repetimos. Barthes ainda afirma
que a língua nos obriga a dizer coisas, que ela é, desta forma, fascista. Quando tratamos
de língua sempre temos a confusão com a qual não podemos lidar da servidão e do
poder. A qual estamos sujeitos?
Se pensarmos à luz de Barthes, o autor afirma que não se poder haver liberdade
dentro de um sistema de linguagem. A liberdade estaria fora dele. Algo impossível pois
a linguagem do homem é fechada, não há um ambiente externo. Todavia, o homem, que
não é um super-herói dotado de poderes fantásticos, nem um cavaleiro das épicas
medievais, mas que é possuidor de todas as fraquezas necessárias, tem, tal como
Lazarillo de Tormes, a trapaça como única maneira de fuga daquilo que o aprisiona, a
língua. O homem trapaceia a língua para poder ser livre. A essa trapaça Barthes chama
literatura.
Se o conhecimento científico é frio e grosseiro, a vida criada na trapaça da
língua é sutil, nos mostra o conhecimento a partir de outra perspectiva. É outro tipo de
poder, talvez muito mais humano. Fala de um conhecer a si próprio também, mas de um
conhecer também o outro.
Os textos que compuseram este livre se permitem, em alguma medida, trabalhar
com o conhecimento, o poder, a língua e a literatura. Lançando novas perspectivas e
214
averiguando os desafios travados na contemporaneidade para que possamos pensar em
algo diferente. Se para Giorgio Agamben o contemporâneo é aquele que pensa o seu
próprio lugar e tempo, temos a convicção que os estudos que aqui foram apresentados
se firmam enquanto parte da contemporaneidade e que tornam-se eficazes nas raízes
humanas com que abordam os problemas, anseios e desafios que envolvem o ensino de
língua e literatura.
Prof. Dr. Andre Rezende Benatti.
215
SOBRE OS AUTORES
ALUIZIO LENDL
Doutorando em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
Mestre em Letras pela mesma instituição, graduado em Letras pela Universidade
Estadual do Ceara (UECE). É integrante do grupo Lexicografia, Terminologia e Ensino
(LETENS – CNPq/UECE) e pesquisa os fenômenos da Multimodalidade em diferentes
textos.
E-mail: [email protected]
AMANDA L. JACOBSEN DE OLIVEIRA
Possui Licenciatura em Letras Português-Inglês pela Universidade Tecnológica do
Paraná – Campus Pato Branco (2014). Participou como voluntária do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC por dois anos, onde realizou
pesquisas referentes à Literatura Contemporânea. Também foi bolsista de Extensão no
Programa de Extensão Parceria Universidade-Escola, do Curso de Licenciatura em
Letras Português-Inglês da UTFPR, Campus Pato Branco. Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas:
literaturas de língua inglesa, literatura contemporânea, literatura, cultura e
interdisciplinaridade. É Mestra pelo programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, e, atualmente, Doutoranda na mesma
instituição, como bolsista CAPES. Participa, também na UFSM, do Grupo de Pesquisa
Trânsitos teóricos e deslocamentos epistêmicos: feminismo(s), estudos de gênero e
teoria queer, liderado por Anselmo Peres Alós.
E-mail: [email protected]
ANSELMO PERES ALÓS
Possui Graduação em Letras (2002) e Doutorado em Letras (2007) pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Realizou estudos de Pós-Doutorado na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). É professor Adjunto III na Universidade Federal de
Santa Maria, na cidade de Santa Maria/RS. Foi Professor-Visitante na Universidade
Federal da Integração Latino-americana (UNILA). Foi Professor-Leitor junto ao
Instituto Superior de Ciência e Tecnologia de Moçambique e Professor-Colaborador do
Centro Cultural Brasil-Moçambique e do Instituto Superior de Comunicação e Imagem
de Moçambique. Tem experiência na área de Letras, com ênfase nos seguintes temas:
Literatura Comparada e Teoria Literária. É Líder do grupo de Pesquisa Trânsitos
teóricos e deslocamentos epistêmicos: feminismos, estudos de gênero e teoria queer.
E-mail: [email protected]
ANTONIO FERREIRA DA SILVA JUNIOR
Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português-Espanhol) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialização em Língua Espanhola Instrumental
para Leitura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestrado e
Doutorado em Letras Neolatinas pela UFRJ. Pós-Doutorado em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(LAEL/PUCSP). Atualmente, é Professor do Departamento de Línguas Estrangeiras
Aplicadas do Ensino Superior (Área: Espanhol) do Cefet/Rj, atuando no Bacharelado
em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais e na Especialização
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em Ensino de Línguas Adicionais. Atuou como Coordenador Adjunto de Língua
Estrangeira Moderna (Espanhol) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
Ensino Médio 2018 (Ministério da Educação). Tem experiência na área de Linguística
Aplicada com ênfase nos seguintes temas: formação de professores de Letras/ Espanhol
nos Institutos Federais, narrativas docentes e ensino de espanhol para fins específicos.
E-mail: [email protected]
ANDRE REZENDE BENATTI
Doutor em Letras Neolatinas: estudos literários neolatinos (literaturas hispânicas) pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre em Letras: estudos literários pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2013) e graduado em Letras, habilitação
em Português/Espanhol, pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2009).
Atualmente é professor convocado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
Editor-chefe da REVELL - Revista de Estudos Literários da UEMS. É membro da
Asociación Internacional de Hispanistas - AIH e da Associação Brasileira de
Hispanistas - ABH. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas
Estrangeiras Modernas, na qual desenvolve pesquisas relativas às temáticas da
Violência, Cultura e Modernidade na Literatura Latino-americana e Espanhola,
especialmente na obra de Josefina Plá.
E-mail: [email protected]
CÁSSIA DA SILVA
Possui Graduação em Letras e Especialização em Psicologia aplicada à Educação pela
Universidade Regional do Cariri. Possui, também, Mestrado em Letras pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde atualmente é aluna regular do
curso de Doutorado em Letras. É professora do curso de Letras da Universidade
Regional do Cariri, Campus Missão Velha.
E-mail: [email protected]
CLÁUDIA REJANNE PINHEIRO GRANGEIRO Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/FCLAR, com estágio no CEDITEC
(Centre d'Études des Discours, Images, Textes, Écrits e Communications) - Sorbonne - Paris XII e
Pós-Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Adjunta do
Departamento de Línguas e Literaturas da Universidade Regional do Cariri (URCA). Líder do
DISCULTI (Grupo de Estudos em Discurso, Cultura e Identidades). Pesquisa na área de Análise
do Discurso os temas: Discurso político, Discurso religioso, mídias, multimodalidades, Literatura
de Cordel e Música Popular Brasileira.
E-mail: [email protected]
FÁBIO MARQUES DE SOUZA
Desenvolve e orienta pesquisas dedicadas à compreensão e potencialização do
complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras/adicionais pelo viés
da Linguística Aplicada (In)disciplinar. Atualmente, está credenciado - como professor
permanente - no PPGFP (Mestrado Profissional em Formação de Professores), da
UEPB; no POSLE (Mestrado Acadêmico em Linguagem e Ensino), da UFCG, e no
PPGEduC (Mestrado Acadêmico em Educação Contemporânea), da UFPE.
Coordenador adjunto do Programa de Pós-graduação em Formação de Professores
(PPGFP/UEPB). Editor da coleção "Ensino & Aprendizagem", da EdUEPB. Professor
efetivo do curso de Letras, na UEPB, desde 2011. Cursou estágio de pós-doutorado no
Programa de Pós-graduação em Educação Contemporânea (PPGEduC), da UFPE, com
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pesquisa a respeito da mediação, com o apoio das Tecnologias Digitais da Informação e
Comunicação, do complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas
estrangeiras/adicionais. Mestre e Doutor em Educação, tendo como foco de investigação
o ensino-aprendizagem de Língua Estrangeira/Adicional e a formação de professores de
línguas, obtidos, respectivamente, pela UNESP/Marília (2009) e pela Faculdade de
Educação da USP (2014). Licenciado em Letras (UNESP/Assis - 2006) e em Pedagogia
(UNINOVE - 2014). Líder dos grupos de pesquisa TECLIN, Tecnologias, Culturas e
Linguagens e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras/Adicionais (UEPB) e
membro do grupo de pesquisa Estudos Bakhtinianos (UNESP), cadastrados no DGP do
CNPq. Tem experiência na educação básica e no ensino superior (no âmbito público e
privado) e na autoria de materiais didáticos de Português, Inglês e Espanhol como
línguas adicionais. Atua em educação e estudos da linguagem.
E-mail: [email protected]
FRANCISCO VIEIRA DA SILVA
Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Letras
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Especialista em
Ciências da Linguagem aplicadas à Educação a Distância (CLEAD) pela Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) Graduado em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB). Professor efetivo de Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Federal
Rural do Semi-Árido (UFERSA), Campus de Caraúbas. Professor Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN). Atua, principalmente, nas seguintes temáticas: Análise do
Discurso, mídia e discurso, construção de identidades, bem como a formação de
professores numa perspectiva discursiva. Pesquisador do Círculo de Discussões em
Análise do Discurso (CIDADI), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), do Grupo
de Estudos do Discurso (GRED), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) e do Grupo de Estudos do Discurso da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte (GEDUERN).
E-mail: [email protected]
HERMANO AROLDO GOIS OLIVEIRA
Doutorando em Linguística (PROLING/UFPB). Mestre em Linguagem e Ensino
(POSLE/UFCG). Especialista em Ciências da Linguagem com ênfase no ensino de
Língua Portuguesa (CLELP/UFPB). Licenciado em Letras/Português (UAL/UFCG).
Integra os grupos de pesquisas Teorias da Linguagem e Ensino (UFCG) e Estudos em
Letramentos, Interação e Trabalho (GELIT/UFPB/CNPq). Editor do volume especial
PIBID línguas (materna e estrangeiras) da Revista Práticas de Linguagem. Foi professor
substituto na Universidade Estadual da Paraíba, no CCHE, entre 2015 a 2017.
Desenvolve e orienta pesquisas vinculadas à Linguística Aplicada com ênfase nos
seguintes temas: gêneros discursivos/textuais, letramentos acadêmicos, processos de
ensino-aprendizagem de produção textual escolar/acadêmica e escrita na universidade a
partir da relação interdisciplinar construída com a Teoria das Representações Sociais da
Psicologia Social.
Contato: [email protected]
JORGE TÉRCIO SOARES PACHECO
Doutorando e Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada - PosLA da Universidade Estadual do Ceará/ UECE (2016.1).
Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Cidade de São Paulo/UNICID
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(2010.1). Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Ceará/UFC (2005.1).
Membro do Grupo de Pesquisa em Discurso, Identidade e Letramento Acadêmicos
(DILETA) da UECE. Professor de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Ensino de
Fortaleza.
E-mail: [email protected]
JOSÉ MARCOS ERNESTO SANTANA DE FRANÇA Doutor em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor Assistente do Departamento de Línguas
e Literaturas da Universidade Regional do Cariri (URCA). Membro-pesquisador do DISCULTI
(Grupo de Estudos em Discurso, Cultura e Identidades). Pesquisa na área de Análise do Discurso
e Sociolinguística os temas: discursos da formação docente e ensino de língua materna; discursos
dos documentos oficiais e livros didáticos sobre variação linguística e ensino.
E-mail: [email protected]
JOSÉ VERANILDO LOPES DA COSTA JUNIOR
Doutorando em Letras/Literatura pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). Mestre em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG), Especialista em Ciências da Linguagem com ênfase em Ensino de
Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Licenciado em
Letras/Espanhol pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Integra o Grupo de
Estudos de Literatura e Crítica Contemporâneas (CNPq/UEPB). Em função das
pesquisas desenvolvidas no eixo dos Estudos Literários e na área de Linguagem e
Ensino, interessa-se pelos seguintes temas: Contemporaneidades na América Latina.
Deleuze e Guattari. Literatura e Política. Literatura, gênero e sexualidades. Ensino de
Literatura. Formação e atuação do profissional de Letras.
E-mail: [email protected]
JOSILENE MARCELINO FERREIRA
Professora concursada da Rede Municipal do Município de Santana do Cariri- CE
(Polivalente 1º ao 5º). Professora Temporária da Universidade Regional do Cariri-
URCA- Unidade (UDMV). Pós-Graduada em Gestão Escolar pela Universidade
Regional do Cariri- URCA. Graduada em Pedagogia pela Universidade Regional do
Cariri-URCA. Participante de grupos de estudos relacionados a História da Educação e
Educação e Políticas Públicas. Área do conhecimento: História da Educação, Gestão
Escolar e Avaliação Educacional.
E-mail: [email protected]
JOSILENE PINHEIRO-MARIZ
Possui Graduação em Letras Português-Francês pela Universidade Federal do Maranhão
(1996), Mestrado (2001) e Doutorado (2008) em Letras (Estudos Linguísticos,
Literários e Tradutológicos em Francês) pela Universidade de São Paulo e Pós-
Doutorado pela Universidade Paris 8 - Vincennes-Saint Denis (2013). É Professora
Associada na Unidade Acadêmica de Letras, da Universidade Federal de Campina
Grande, atuando na graduação em Letras - Língua Portuguesa e Língua Francesa e na
Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da mesma Universidade.
E-mail: [email protected]
JULIANA PRESTES DE OLIVEIRA
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É Mestre em Letras Literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Graduada em Letras pelo Curso de
Licenciatura em Letras Português-Inglês, da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná - UTFPR - Campus Pato Branco. Participou como voluntária do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC por dois anos, onde realizou
pesquisas referentes a Literatura Contemporânea, na UTFPR. Foi professora substituta
da Prefeitura Municipal de Santa Maria em 2014, ministrando a disciplina de Inglês
para alunos do Ensino Fundamental. Também foi professora substituta do Colégio
Politécnico da UFSM, no ano de 2015, lecionando as disciplinas de Literatura, Inglês e
Redação para alunos do Ensino Médio, tutora a distância no Curso de Licenciatura em
Letras - EAD da UFSM e professora Da disciplina de Leitura e Produção de textos na
FISMA. atuou em 2015 como coorientadora de PIBIC-EM, desenvolvendo pesquisas
sobre Literatura Africana de Língua Portuguesa. De 2016 a 2017 foi Revisora
Pedagógica de materiais didáticos e Revisora Linguística instrucional no
NEaD/CTISM/UFSM. Atualmente é bolsista de Doutorado pelo PPGLetras da UFSM.
E-mail: [email protected]
KARYNE SOARES DUARTE SILVEIRA
Possui Graduação em Direito (1998) e Letras-Inglês (2006) pela Universidade Estadual
da Paraíba (UEPB), Especialização em Ensino-Aprendizagem (2003) pela Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas, Mestrado em Linguagem e Ensino (2010) pela
Universidade Federal de Campina Grande e, desde 2016, é doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Linguística (PROLING) pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). É professora do Departamento de Letras e Artes da UEPB no curso de Letras-
Inglês desde 2007. Suas áreas de interesse incluem os estudos sobre: ensino-
aprendizagem de língua inglesa, formação docente, educação inclusiva e docência e
construção identitária do professor.
E-mail: [email protected]
LINO DIAS CORREIA NETO
Possui Graduação em Letras – Língua Francesa pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e Mestrado em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG). Atualmente, cursa o Doutorado em Educação (Educação e
Linguagem) na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professor Assistente do
curso de Letras – Língua Portuguesa e Língua Francesa da UFCG.
E-mail: [email protected]
MAGDA VELLOSO FERNANDES DE TOLENTINO
Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983),
Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, com pesquisa no
Birkbeck College da Universidade de Londres, (1989) e Doutorado em Estudos
Literários (Literatura Comparada) pela Universidade Federal de Minas Gerais, com
pesquisa na Universidade de Nottingham e no Goldsmiths College da Universidade de
Londres (1999). Foi professora do Mestrado em Letras da Universidade Federal de São
João del-Rei, na área de Teoria Literária e Crítica da Cultura.
E-mail: magda.velloso.gmail.com
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MÁRCIA OZINETE DE ALCÂNTARA PINHO BORBOREMA
Possui Graduação em Licenciatura Plena em Letras (2006), Especialização em Estudos
Linguísticos e Literários em Língua Inglesa (2008) pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística (PROLING / UFPB - 2011). Trabalha como secretária executiva bilíngue na
UFPB e tutora da disciplina Inglês Instrumental no Curso de Licenciatura em
Computação a Distância. Atualmente, é doutoranda pelo PROLING / UFPB, atuando
principalmente na pesquisa dos seguintes temas: formação docente; letramento;
processo de ensino-aprendizagem de L2.
E-mail: [email protected]
MARIA LÚCIA PESSOA SAMPAIO
Professora adjunto IV do Departamento de Educação e docente permanente do
Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE), no Mestrado Profissional em Letras
(PROFLETRAS) e colaboradora do Curso de Doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Letras (PPGL) no Campus Avançado Professora Maria Eliza de
Albuquerque Maia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
E-mail: [email protected].
NÍCOLLAS OLIVEIRA ABREU
Doutorando e Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e licenciado
em Letras Português pela referida instituição. Membro do Grupo de Pesquisa em
Discurso, Identidade e Letramento Acadêmicos (DILETA) da UECE.
E-mail: [email protected]
RAIMUNDO EXPEDITO DOS SANTOS SOUSA
Doutorando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais (FAPEMIG); mestre em Estudos Literários pela Universidade
Federal de São João del-Rei (UFSJ), com financiamento da Capes/REUNI.
E-mail: [email protected]
RENATA MARTUCHELLI TAVELA
Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português- Espanhol) pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Especialização em Línguas Estrangeiras com
ênfase na língua espanhola (CEFET/RJ), Especialização em Dança Cigana Artística
pelo Instituto Brasileiro de Aprimoramento Cultural (IBAC), Mestrado em Literatura
Portuguesa (UERJ). Atualmente, é professora de literatura hispânica do Colégio
Estadual Hispano Brasileiro João Cabral de Melo Neto (Seeduc). Atuou como
professora de língua espanhola em cursos de idiomas, em escolas particulares e também
na própria Seeduc, já que é professora concursada de língua espanhola desde 2015. Tem
experiência na área de Linguística Aplicada com ênfase no ensino da língua espanhola e
na área de Literatura, Artes e Dança.
E-mail: [email protected]
ROSIANE XYPAS
Possui graduação em Letras Português/Francês pela Faculdade de Formação de
Professores (1990), Mestrado em Teorias Literárias pela Universidade Federal de
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Pernambuco (2004), Mestrado em Didática de Francês Língua Estrangeira - Université
Catholique de I'Ouest (2010) e Doutorado em Análise Estatística Aplicada na Leitura de
Obras Literárias pela Université de Nantes (2009). É professora pesquisadora da
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Líder do Grupo de Pesquisa de
Aprendizagem da Língua e Literaturas Francesas - GEFALL. Faz parte da Pós-
Graduação do Mestrado PROFLETRAS da UFPE. Na Graduação ministra cursos de
Didática da Literatura, Língua I, VI e VIII e Literatura dos séculos XVII e XXI. Suas
pesquisas se voltam para a área da Leitura de textos em geral, e dos literários em
particular. Na Pós-graduação leciona a cadeira de Leitura Literária. Membro da CLEFS-
AMSUD.
E-mail: [email protected]
ZULEIDE FERNANDES DE QUEIROZ
Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (1986), Mestrado
em Educação pela Universidade Federal do Ceará (1992) e Doutorado em Educação
pela Universidade Federal do Ceará (2003) e Pós - Doutorado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (2014). Atualmente é professora em cursos de
graduação das instituições: Universidade Regional do Cariri - URCA, Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte - FMJ, Faculdade de Juazeiro do Norte - FJN. Professora
dos Programas de Pós-Graduação: Mestrado Profissional em Educação (MPEDU)-
Departamento de Educação da URCA, PROFHISTÒRIA - Departamento de História da
URCA e PRODER/UFCA. Pesquisa nas áreas de: Educação, com ênfase em História da
Educação e Política Educacional; Saúde e Violência; Feminino e Violência; Infância -
adolescência e Violência. Atua em ações de Extensão nas áreas de: Educação e Saúde;
Educação e movimentos sociais.
E-mail: [email protected]