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[email protected] @jornallona lona.up.com.br O único jornal-laboratório DIÁRIO do Brasil Ano XII - Número 660 Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo Depois da Guerra vão nascer lírios nas pe- dras. Começa assim a segunda crônica de Para uma menina com uma flor, coletânea de textos de jornal de Vinicius de Moraes. A crônica e o folhetim nasceram nas entra- nhas do jornalismo impresso, impelindo ao noticiário diário uma marca de leveza, diálogo, imaginação e afeto. A literatura e o jornalismo sempre tiveram conversações profundas. O jornalismo literá- rio de Gay Talese e Truman Capote - para ficar somente em dois cânones - modernizou a nar- rativa da informação e trouxe para dentro das redações uma visão ao mesmo tempo subjetiva e ampliada da realidade. Naturalmente, o lide e os mecanismos de ob- jetividade do jornalismo diário impedem que a notícia seja trabalhada de forma literária em sua totalidade. Humberto Werneck dizia que a crô- nica de Otto Lara Rezende na Folha de S.Paulo dos anos 80 era como uma janela na página dois, trazendo ao noticiário uma respiração e lumino- sidade própria - o que demonstra a importância do escritor dentro dessa dinâmica. Em defesa da literatura, do prazer de ler e da formação de novos leitores, esta edição do Lona que você tem em mãos é um esforço coletivo na busca do leitor desconhecido e apaixonado, ca- paz de se emocionar ao ler um conto, conversar com a vizinha sobre a crônica do dia, recitar em silêncio a poesia de corações aos tropeços. Contra um jornalismo comercial que faz re- portagens-anúncio e cumpre tabela, a favor de textos mais criativas, abordagens novas, riscos e perigos iminentes - num jornal-laboratório em- penhado na tentativa de um jornalismo impres- so permanente e socialmente relevante. Uma boa leitura a todos. Editorial Curitiba, segunda-feira, 10 de outubro de 2011 lona.up.com.br Allan George Em homenagem a todos os Joaquins do Brasil

LONA 660 - ESPECIAL - 10/10/2011

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JORNAL-LABORATÓRIO DIÁRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE POSITIVO

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Curitiba, segunda-feira, 10 de outubro de 2011

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O único jornal-laboratório

DIÁRIOdo Brasil

Ano XII - Número 660Jornal-Laboratório do Curso de

Jornalismo da Universidade Positivo

Depois da Guerra vão nascer lírios nas pe-dras. Começa assim a segunda crônica de Para uma menina com uma fl or, coletânea de textos de jornal de Vinicius de Moraes.

A crônica e o folhetim nasceram nas entra-nhas do jornalismo impresso, impelindo ao noticiário diário uma marca de leveza, diálogo, imaginação e afeto.

A literatura e o jornalismo sempre tiveram conversações profundas. O jornalismo literá-rio de Gay Talese e Truman Capote - para fi car somente em dois cânones - modernizou a nar-rativa da informação e trouxe para dentro das redações uma visão ao mesmo tempo subjetiva e ampliada da realidade.

Naturalmente, o lide e os mecanismos de ob-jetividade do jornalismo diário impedem que a notícia seja trabalhada de forma literária em sua totalidade. Humberto Werneck dizia que a crô-nica de Otto Lara Rezende na Folha de S.Paulo dos anos 80 era como uma janela na página dois, trazendo ao noticiário uma respiração e lumino-sidade própria - o que demonstra a importância do escritor dentro dessa dinâmica.

Em defesa da literatura, do prazer de ler e da formação de novos leitores, esta edição do Lona que você tem em mãos é um esforço coletivo na busca do leitor desconhecido e apaixonado, ca-paz de se emocionar ao ler um conto, conversar com a vizinha sobre a crônica do dia, recitar em silêncio a poesia de corações aos tropeços.

Contra um jornalismo comercial que faz re-portagens-anúncio e cumpre tabela, a favor de textos mais criativas, abordagens novas, riscos e perigos iminentes - num jornal-laboratório em-penhado na tentativa de um jornalismo impres-so permanente e socialmente relevante.

Uma boa leitura a todos.

Editorial

Curitiba, segunda-feira, 10 de outubro de 2011 lona.up.com.br

Allan George

Em homenagem a todos os Joaquins do Brasil

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Os livros estão todos na estante, com pó, sem pó. Com ela. São todos fragmentos de momentos ao lado da garota que está tanto neles quanto em mim. Sabe o lance do vire a página? Aqui se tornou o lance do incinere os livros.

A saída foi destruir tudo o que tinha dela em mim. Estou no décimo sétimo andar de um prédio qualquer, de uma cidade qualquer. No apar-tamento número qualquer. Onde tínhamos a nossa vida. Regada a cerveja, carne (nos dois sentidos), música, filmes, livros e discussões. Um relac-ionamento trivial. Pelo menos pra gente. Tudo era tão nor-mal e tão perfeito. Certezas que se vão. Juras, clichês pos-tos sobre a mesa. Breguices tão verdadeiras. Planos tão sóli-dos. Amor verdadeiro.

O fogo alcançou os filmes em cima da estante. Todos vis-tos ao lado dela.

Acho que começamos bem. Tudo começa bem né? Só que acho que depois de ter tomado tanta pancada, simplesmente não me lembro mais onde começamos e onde nos per-demos. Onde acabamos. Não sei definir.

Tudo é tão incerto. Acho que a fumaça está me deix-ando meio zonzo. Ainda bem que tenho cerveja aqui do meu lado. Gelada. Ela sem-pre preferiu tequila, vivia a me zombar por eu ser mais fraco que ela em relação a bebidas. Adorava isso nela. Assim como todo o resto. As calcinhas lisas de algodão, o sorriso contido, o gosto musi-cal diferente do meu; porém aceitável, a maneira como de-itava sobre o meu peito, as ol-heiras pela manhã. É, tudo era bom.

Agora, aqui sentado na janela, escrevendo, bebendo e tonto devido a uma fumaça

que não é a boa. Não tenho mais certeza nenhuma, não sei de mais nada. Só queria fazer tudo aquilo novamente. Ac-ertar, errar, ser bom, ser uma merda. De novo e de novo. Sem me importar que estáva-mos fadados ao erro, simples-mente começar, dar merda… E começar novamente. Acho que é isso o que quero.

Assim como a quis, desde o inicio. Ela parecia ser a minha idealização de mulher perfeita. E depois veio a continuar sen-do. Só não soube viver sem tal projeto em minha vida. Teve uma época em que começa-mos a discutir por coisas bo-bas. Eu me surpreendia com a capacidade que tínhamos de nos irritar. Mas no fim do dia acabávamos nos acertando e terminávamos melhores do que jamais estivemos. Só que um dia estes acertos no fim do

dia simplesmente acabaram não vindo mais. E ficávamos restritos ao fator cama. Nada como uma boa foda pra fazer perdurar um relacionamento desgastado. Era tudo tão cô-modo, continuávamos com nossas vidas, tínhamos nossos momentos, mas éramos tristes, insatisfeitos um com o outro. Não me peça uma explicação lógica pra isso. Ainda éramos os mesmos, mas separados. Não éramos juntos um. Éramos duas pessoas acima da média, que tinham perfis condizentes para um bom relacionamento. Mas que simplesmente não funcionavam mais juntas. Mas continuavam a terem fodas ex-cepcionais. O sexo e o respeito por nosso passado nos man-tinha juntos. Fui eu quem to-mou a iniciativa que viria a me arrepender tanto. Disse pra ela que não queria ficar com uma

A menina na janela, nessa noite tão abandonada e sem historicidade, pode estar pensando imensas lumino-sidades, uma infinidade de fragmentos de pensar, pode pensar na mãe que ainda não voltou, apesar de já escuro e silencioso, no pai que viajou a negócios e nunca mais retor-nou, no irmão que estuda de noite e namora uma moça sem maiores brilhos, no cachorro do vizinho, que tem um lati-do insuportável e avança nos carros desconhecidos, na filha da dona da quitanda, que não anda e não fala, na lotérica que foi roubada novamente nessa semana, no guarda de

trânsito a organizar o fluxo após a queda de energia no bairro, nos motoristas que dirigem com suas pressas e descuidos, nos insuportáveis adeptos da bicicleta como sal-vação do mundo, no aviário que oferece duas ninhadas de gatos brancos para adoção, no assessor de imprensa que reescreve desimportâncias dia após dia, no vereador que confere a minuta que deve as-sinar ou não, nos ideólogos que patrulham os comedi-antes, no prefeito que está a tratar de um câncer…

Ou, simplesmente, a meni-na na janela pode não pensar em nada, olhar-me através da

escuridão e sentir indiferença diante de meus olhos pousa-dos e curiosos – enquanto es-vazia a vista além do tempo e dos sentidos.

A menina na janela ainda não tem que se preocupar com o salário a findar muito antes do próximo, com seus rumos literários e profission-ais, seus desafios diante das próprias limitações – tão evi-dentes – não tem que discutir o fim do impresso e do livro, diferenciar autor de narrador e não tem que escurecer seus desejos só porque tem sau-dades.

A menina na janela ainda não sabe o que é contradição.

pessoa por o que vivemos e sim por o que vivíamos, e que o que tínhamos atualmente não era o suficiente. Não era justo com nenhum de nós. Nós merecíamos mais que aquilo. Bosta, aquilo o que tínhamos atualmente, era justamente o que eu mais queria, ainda que fosse daquela maneira. Ela chorou. E quando questionada o porquê de tal choro, ela re-spondeu que eu havia insinu-ado uma separação e ainda es-perava que ela não chorasse? Beijei as lágrimas caindo sobre o rosto dela. Disse que a ama-va, pedi desculpas, trepamos e fizemos em silêncio um acordo de que as coisas iam ser dife-rentes, íamos melhorar. Não melhoramos.

O fogo começou a alcançar o rack e a TV. Será que tem al-guma coisa na TV que em con-tato com o fogo possa causar

alguma explosão? Espero que não.

Essa fumaça está me deix-ando confuso, mas vou ten-tar ir adiante. Realmente não lembro o motivo da discussão, mas lembro exatamente no que ela culminou. Ela foi embora. Depois disso nos vimos mais vezes, transamos novamente. Era bom e triste. As despedi-das eram estranhas, não tinha mais o eu te amo e o te ligo quando chegar em casa. Era apenas um “até mais.” Cheio de incertezas e arrependimen-tos. Mas com vontade de que acontecesse novamente.

Puta merda. Nunca pensei que um tapete pegasse fogo tão rápido. Acho que tem um carro de bombeiros virando a esquina. A cerveja já nem está mais tão gelada.

Acredita que ela me deu uma foda de despedida? Foi a última vez que a vi. Depois que transamos, ela disse que tinha conhecido um novo cara. Eu pedi detalhes, ela disse que não queria me machucar. E foi embora.

O fogo nas cortinas. Você pode por fogo em uma TV e ela não vai explodir. A cer-veja quente está acabando. Os bombeiros estão falando algu-ma coisa no megafone lá em-baixo. Também tem câmeras e pessoas sedentas por um pulo. Muitas pessoas.

Depois que ela se foi, eu conheci e comi outras. Mas não era ela. Isso não fazia sen-tido pra mim. Ela mudou de telefone, endereço, trabalho e de vida. Simplesmente era como se ela fosse abstrata. Mas ainda estivesse sólida, aqui dentro de mim. E por isso, após dois anos sem esquecer a minha garotinha, eu escolhi estar aqui. Basta um pulo pra baixo e você sai do fundo do poço. Preciso terminar a cer-veja.

Cerveja, fumaça e amor.

por Cleverson Antoninho

amor.fumaça eCerveja,

Menina na JanelaPor Daniel Zanella

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Curitiba, segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Maria não completou 18 anos ainda, mas já é mãe de duas crianças, que não são as primeiras que cria. Cuidou dos ir-mãos mais novos assim como foi cuidada pe-los irmãos mais velhos. Como em uma linha de produção, as obrigações vão passando, cada um faz um pouco e no final se dá o resultado. O re-sultado que nem sempre é positivo.

Maria mora na mes-ma rua e casa em que nasceu. Mora com a mãe, já morou com o pai, mas ele sempre de-saparecia, da última vez não voltou, por um tem-po procuraram notícia, depois se acostumaram a não saber. Mora com mais cinco irmãos, dois mais velhos e três mais novos. Mora com seus dois filhos e com os fi-lhos dos irmãos. È tanta gente na casa, que Maria não faz mais as contas, as contas que um dia

aprendeu na escola.A escola deixou cedo.

Tinha pena de deixar os irmãos pequenos sozi-nhos em casa enquanto sua mãe saia para traba-lhar. Quando a mãe vol-tava, era a vez de Maria puxar o carrinho e reco-lher o lixo que encontras-se. Assim não sobrava tempo para escola.

Hoje Maria não é a fi-lha que puxa o carrinho quando a mãe se cansa, hoje ela tem o carrinho dela. Os filhos, um com quatro anos e o outro com dois, acompanham. Maria coloca-os dentro do carrinho para não pre-cisarem andar. Já chegou a deixá-los em casa com suas irmãs mais novas, mas Maria não gosta de ficar longe dos filhos. Pensa que o lugar deles é ao lado dela, mesmo que seja no carrinho. No car-rinho que um dia vai ser deles.

Maria vive em Curi-tiba, a capital que ficou

conhecida como a cida-de modelo do país em 2001. Porém, este não é o modelo que ela conhe-ce. Maria vive na Curi-tiba que abriga a quinta maior desigualdade so-cial do país, na que con-centra cerca de 15 mil carrinheiros.

Estima-se que os carri-nheiros são responsáveis por 500 toneladas de lixo reciclável retirado da ci-dade, enquanto a coleta de lixo da prefeitura só é responsável por 150 tone-ladas. Por atuar no mes-mo ramo, os carrinheiros são quase concorrentes. Concorrentes que usam carrinhos que compor-tam um pouco mais de 100 quilos de papel e que rendem, ao final de um dia inteiro de trabalho, de 12 a 15 reais.

Nesse cenário, ao final do dia, Maria pesa seu lixo, recebe seus mais-ou-menos treze reais e arras-ta o carrinho e os filhos, ao lado de outras Marias.

Carrinhos de MariaPriscila Schip

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- Amor, vamos pra Belém.- Vamos sim, amor.- Eu estou falando sério! Não dá pra ficar aqui em Curitiba. - Ah, Belém do Pará!- O quê?- Nada, amor, nada. Qual o motivo da vez?- Inflação.-Vamos discutir inflação? - Sim. Curitiba lidera no Brasil, sabia?- Estamos na frente de São Paulo?

- Sim.- Olha só! - Eu gostaria mesmo que você me levasse a sério.- Amor. Pensa. Quanto isso nos afeta?- Você come, não come?- Aham.- Você precisa de gaso-lina, não precisa?- Preciso.- Tudo mais caro!- Nem senti...- Você nunca sente nada.- E se fossemos pro Rio?

- Pouca diferença.- Porto Alegre?- Também.- Ah, então ficamos aqui mesmo.- Não. Você nunca me dá ouvidos. É sempre as-sim. Eu só quero o mel-hor pra gente, sabia? Mas você parece viver só no seu mundo, só do seu jeito...- Amor?- O que?- Vamos pra Belém.

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Joaquim foi criado em 1946 por Dalton Trevisan. Teve 21 edições. Feito na provinciana e anódina Curitiba, com sede na Rua Emiliano Perneta, 476, era um periódico em espírito de permanente guerra e de derrubada de todas as trincheiras e barreiras. É um marco da literatura nacional e alçou Trevisan a um altar que ainda não havia sido atingido por um escritor paranaense. (Naturalmente, a obra posterior do “Vampiro de Curitiba” sustentou-se sozinha).

Reinvenção da provínciaJoaquim foi aquilo

que o crítico Miguel San-ches Neto chamou em tese de doutorado como a reinvenção da provín-cia. Escreviam e ilus-travam o jornal nomes como Poty Lazarotto, Vi-nicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, Guido Viaro, Otto Maria Carpe-aux, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Ser-gio Milliet, Lêdo Ivo, Ma-rio Pedrosa, além de con-tos e poemas do próprio Dalton Trevisan. Tam-bém havia espaço para a publicação de inéditos em português de Louis Aragon, Tristan Tzara, T.S. Elliot, Garcia Lorca, Rainer Maria Rilke, An-

dré Gide e arti-gos de Jean Paul Sartre.

Manifesto... Eu me domo,

o pé sobre a gar-ganta de minha própria canção. Com uma epí-grafe de Maiako-vski, o Joaquim abria a primeira edição, um ma-nifesto contra a arte deslocada de seu tempo, um questiona-mento incisivo aos cânones lo-cais, em prol de uma literatura acima de seus limites geográ-ficos. Há um editorial escla-recedor em que o Joaquim se posiciona como a nova geração que veio para derrubar os mu-ros, participar de seu tempo, deixando o sinal terrível de sua passagem.

“Por tudo, a literatura pa-ranaense inicia agora”.

Vira-bostaNa segunda

edição sobrou para Emiliano Perneta. Em Emiliano, poeta medío-cre, Dalton simplesmente passa por cima do céle-bre poeta simbolista pa-

ranaense. Veja: Dalton alega que Perneta fazia uma poesia de casinha de chocolate, que sua poesia estava para Bilac como o

canto do vira-bosta esta-va para o canto do sabiá, que sua inspiração rasa era como capim, repre-sentativo de uma fase in-

color de nossas letras, um poeta ausente da literatu-ra, sem lugar no coração do povo. “Pobre de quem lê Ciúme da Morte (famo-

Para derrubar todos os totensEm homenagem a todos os Joaquins do Brasil

Daniel Zanella

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so poema do simbolista), em vez de Dostoievski”.

Algumas edições de-pois é chegado o momen-to de destruir Monteiro Lobato, classificado como máxima concepção do re-tornismo e do atraso, a verdadeira manifestação caduca e servil de uma pseudo-arte. Para Tre-visan, Lobato era um es-critor póstumo em vida, quando muito, um cria-dor de um terceiro in-dianismo na literatura brasileira.

Balada dos mortos dos campos de concentraçãoVinicius de Moraes

Cadáveres de NordhausenErla, Belsen e Buchenwald!Ocos, flácidos, cadáveres

Como espantalhos, largados

Na sementeira espectralDos ermos campos estéreisDe Buchenwald e Dachau

Cadáveres neurosadosAmontoados no chãoEsquálidos enlaçados

Em beijos estupefactos

Como ascetas sideradosEm presença da visãoCadáveres putrefactos

Canção AmigaCarlos Drummond de Andrade

Eu preparo uma canção Em que minha mãe se reconheça

Todas as mães se reconheçam,E que fale como dois olhos.

Caminho por uma ruaQue passa em vários países

Se não me veem, eu vejoE saúdo velhos amigos.

Enterrando os mortosA lista de contendas lite-

rárias inclui também o críti-co Gustavo Corção, a quem o periódico acusava de re-acionário, que nos nega ao mundo o direito de sermos ateus, existencialistas ou in-diferentes. O famoso artista plástico norueguês Alfred Anderson, radicado no Bra-sil, também não estava em melhor conta. Em contra-posição à arte iconoclasta e agregada ao seu tempo feita por Guido Viaro, Andersen é considerado um totem

sem razão de sê-lo. “Entre Andersen e Viaro, nós, os moços, preferimos os vivos, que criam a arte dos novos tempos”, finaliza a crítica.

ContinuaAs últimas edições do

Joaquim – um jornal ineren-te a Dalton Trevisan – abar-cam as primeiras críticas ao trabalho do escritor, que co-meçava a se projetar nacio-nalmente. Antônio Cândi-do, o maior crítico literário brasileiro – e vivo – disse à época que os rapazes de-

vem dispender a maior par-te de sua energia em der-rubar os fósseis e educar o gosto dos leitores.

O último conto de Dal-ton Trevisan, em dezembro de 1948, se chama Ulisses em Curitiba, ilustrado por Poty. O último trecho:

“Ali, no meio da pra-ça, o enorme obelisco com um relógio e os inexoráveis ponteiros dos dias. Subiu no pedestal para ver as ho-ras – o relógio tinha parado. (Continúa)”.

E continua.

Oh! as idéias da província era uma seção mantida por Trevisan que replica-va alguns trechos da crítica literária para-naense e claramente espezinhava la haute culture local.

O Sr. Valfrido Piloto é o maior prosador paranaense.I. Serro Azul, na Gazeta do Povo

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Desconstruindo Paulo Francis: quem é? Quais são seus herdei-ros intelectuais?

Nasci em 2 de setembro de 1930, na Rua São Clemente, Botafogo, Rio, Franz Paulo Trannin da Mat-ta Heilborn, numa família burgue-sa. Ainda jovem, perdi um irmão e um dos melhores amigos, Mário Faustino, poeta e crítico, Meu pai ganhava bem, na Esso. Quando criança, passava o dia inteiro len-do. Na década de 40, fui rebati-zado Paulo Francis pelo [diretor de teatro] Paschoal Carlos Mag-no, que me ajudou a descobrir o Brasil. Ator frustrado, me tornei crítico de teatro e, depois disso, jornalista. Depois da ditadura, me mudei para Manhattan. Me criti-caram isso. Escrevem que detesto o Brasil e renego. Vim porque não me deixavam escrever no Brasil. Nunca pretendi me radicar. Quan-to à segunda parte da pergunta, parafraseio o Machado: não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa misé-ria.

Qual é a função do intelectual?

Fugir da escola. O tédio e desres-peito pela academia são constan-tes na minha vida. Há gente de gênio na academia, claro, mas é rara e termina, exceto em ciências exatas, marginal, precisamente porque não se sujeita à burocracia da cultura, aos modismos e, em li-teratura, a um senescente e voulu experimentalismo. As maiores in-fluências no que escrevo, Shaw em jornalismo, e Joyce em literatura, foram autodidatas. Não é aciden-tal que Eliot, o poeta mais papa-ricado pelos burocratas literários, tenha preferido ser bancário a vi-ver nesse meio de pobres-diabos.

Quem é o novo revolucionário e o

“ O tédio e desrespeito pela academia são constantes na minha vida.

“A ignorância é a maior multinacional do mundo”

Divulgação

velho reacionário de nossos dias?

Como estou morto, não tenho acompanhado muito a cena lite-rária.

Definições: Paulo Coelho, Zibia Gasparetto, Augusto Cury, pa-dres escritores.

Wall! Só falta incluir os esotéricos na Academia Brasileira de Letras.

Quem é o novo EUA?

É o velho, o de sempre. Sartre, que não conhece os esteites bem, escre-veu que em nenhum lugar do mun-do se vê tanto a simultaneidade da vida das pessoas. True, true. Um dos problemas sérios de se viver no estrangeiro é a perda de iden-tidade nacional e do status que te-mos no nosso paíss. Do status sin-to certa falta. No Rio, você faz mil amigos; nos EUA, não. Quando era vivo, morei dois andares abaixo de um cara que havia encontrado em várias reuniões. Nunca aconteceu a ele tomar um drinque na minha casa e eu na dele. Em compensa-ção, ninguém puxa conversa quan-do você está lendo alguma coisa, um Harry Potter mais miserável que seja. Prefiro assim. É como vo-cês dizem aí: cada um no seu qua-drado.

Você que já esteve lá, quais são as intermitências da morte?

Vim, vi e não gostei! Prefiro Nova York.

Paulo Francis: presidente do Bra-sil.

Estou nessa, ou melhor, estaria se vivo fosse: Os baianos invadiram o Rio para cantar “Ó que saudade da Bahia...”. Bem, se é por falta de adeus, PT saudações.

Paulo Francis foi um dos mais polêmicos pensadores a passar por uma redação de jornal. Suas máximas e verve crítica de-marcam até hoje um formato peculiar de se fazer jornalismo. A seguir, uma colagem de textos de Paulo Francis em uma entrevista simulada pelo Lona.

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Entre o jornalismo e o mistério

“Com licença. Não vou pedir, não vou roubar e não estou aqui pra ven-der nada. A não ser que vocês quei-ram, é claro”. Pois não, pode falar. Caras de desconfiança. “Sou músico, e estou aqui pra divulgar minha pro-dução pra vocês, pode ser?” Aé? Que tipo de música? “É pop. Rastapop,na verdade. Quem vai ser o primeiro?” Ah, qualquer um. Coloca aí. Nossa, bacana seu som mesmo. Faz isso há muito tempo? “Ah, então... desde semana passada”. Nossa como as-sim? “Pois é, gosto de música desde de pequenininho saca? Sempre sou-be que isso que eu queria fazer assim pra valer. Mas sabe como é, viver de música não é pra qualquer um. Tive outros empregos, vivi de muitas ou-tras coisas, mas pensei: que importa ganhar pouco se é pra ser feliz né?” Pois é, concordo contigo. “Hoje faço tudo sozinho. Componho, canto, faço os arranjos, minha assessoria de imprensa...” Nossa, até assessoria de imprensa... E quanto custa o teu cd? “Dez reais”. E se a gente fizer uma vaquinha e depois fazer cópias pros outros tu se importa? “Não, capaz. É curto, é mais divulgação”. Opa, pi-rataria autorizada galera! Mas conta aí, o que você fazia? “Era jornalis-ta”. Ahh, mas não me diga. Jornalis-ta? Que máximo. Trabalhava onde? “Nossa, já trabalhei em tudo quanto é lugar”. Defina lugar. “Aaah para jornal, televisão. Fiz de tudo mesmo. Sabe, quando eu era criança ainda, lembro da professora na escola fa-lando: Nossa, como você tem uma voz bonita menino. Vai ser jornalis-ta”. Pior que tu tem voz boa mesmo. Já trabalhou em rádio? “Ooo, traba-lhei sim”. Engraçado, nossas pro-fessoras sempre estão meio certas na verdade. Eu tinha vários sonhos, inventava cada profissão pra mim.

Até pensava na política, pode isso? E lembro que ela falava assim: vou te ver no jornal e vou lembrar disso. E talvez um dia ela me veja no jornal, mas do outro lado. “Ah, mas claro que elas sabem. Eu nem pensava nisso, só queria cantar mesmo. Mas o jornalismo até que é uma pira”. E me diga, o que tu fazia no jornal? “Escrevia...matéria”. Ah, legal. E onde mais tu trabalhou? “Na grande maioria das emissoras. Tava pra fechar um con-trato com a RPC, mas dai não deu muito cer-to. Ai que decidi seguir pra minha música”. Nossa cara. E diz aí, qual foi a melhor reportagem que você já fez? “Melhor reportagem que eu já fiz... sabe. Acho que não fiz ela ainda não”. Boa resposta. “Acho que gostaria de escrever sobre... mistérios. Sou fã dos mistérios”. De-fina mistérios. “Ah, sei lá. As coisas misteriosas do mundo, coisas sobre

Laura Beal Bordin

as quais normalmente não falamos”. Tipo o que? “Sei lá, gosto de loucu-ras, de pensar no nada e no tudo”. Defina nada e tudo. “Etês. Gostaria de falar sobre etês. Me interesso. Até me chamaram pra falar sobre isso lá na Federal. Um ufologista, um ateu e eu, que não sou nem ufologista e muito menos ateu”. E você seria o quê? “Não sei me definir”. Pois é, ninguém sabe. Viu... preciso ir. Mas

curti tuas histórias. Eu faço jornalismo e temos um jornal –laboratório lá, sabe? Quem sabe não po-

díamos escrever alguma coisa sobre você, marcar uma entrevista, sei lá. O que tu acha? “Nossa, pode con-tar comigo, pra o que quiser mes-mo. Gostei de ti”. Também te achei um cara legal. Tu tem um cartão aí? “Tenho, o contato tá aí atrás”. Valeu, nos falamos. “Obrigado, até mais”.

E você seria o quê? “Não sei me definir”.

Sofia Ricciardi

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Expediente

Por uma Curitiba em busca de redenção e de leitoresCândido chega para resgatar a tradição de Joaquim e Nicolau

Rodolfo Tazoniero

O Cândido foi lançado no mês de agosto. Segue a tra-dição de grandes impressos literários paranaenses, como o Joaquim, e traz mensalmen-te entrevistas com escritores, contos, poemas e romances, com ênfase na produção local

O nome do jornal é uma ho-menagem ao endereço da Bi-blioteca, que fi ca localizada na Rua Cândido Lopes, no centro de Curitiba. A distribuição do jornal é gratuita e a tiragem inicial é de 5 mil exemplares.

Segundo o diretor da Bi-blioteca Pública do Paraná e um dos idealizadores do jor-nal, Rogério Pereira, um dos objetivos do Cândido é con-tribuir para a transformação da Biblioteca Pública do Pa-raná em um centro de cultu-ra. “Para que tenhamos uma sociedade de leitores e uma biblioteca posicionada em seu tempo”.

Rogério Pereira tem planos de levar o Cândido para a in-ternet, visando uma interação maior entre leitores e escrito-res, o que não signifi que que o Cândido deixe de permanecer

em sua forma original impressa.“Nossa intenção com o

Cândido é manter a versão impressa que é uma mídia tra-dicional”, disse.

A Biblioteca Pública do Pa-raná está refazendo o site para que o Cândido tenha destaque especial.

Em agosto, a primeira edi-ção do Jornal Cândido teve re-portagem especisal sobre o es-critor e poeta curitibano Paulo Leminski, e uma entrevista com a escritora carioca Elvira Vigna.

A edição de setembro trou-xe reportagens sobre o “pro-feta barroco” Wilson Bueno e o autor mineiro Luiz Ruffato. Já a última edição, lançada no mês de outubro, tem repor-tagens sobre o escritor baia-no Antônio Torres e uns dos autores infanto-juvenis mais premiados do Brasil, Ricardo Azevedo.

Além da Biblioteca Pública do Paraná, o Jornal Cândido também é distribuído na Cine-mateca de Curitiba, em alguns Faróis do Saber da cidade e do interior do estado e enviado para diversas cidades do Bra-sil.

Para assim como o Ras-cunho, recolocar Curitiba no mapa da discussão literária nacional.

Reitor: José Pio Martins | Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração: Arno Gnoatto | Pró-Reitora Acadêmica: Marcia Sebastiani | Coordenação dos Cursos de Comunicação Social: André Tezza Consentino | Coordenadora do Curso de Jornalismo: Maria Zaclis Veiga Ferreira | Professores-orienta-dores: Elza Aparecida de Oliveira Filha e Marcelo Lima | Editores-chefes: Daniel Zanella, Laura Beal Bordin, Priscila Schip

O LONA é o jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Rua Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 -Conectora 5. Campo Comprido. Curitiba -PR CEP 81280-30 Fone: (41) 3317-3044.

Cerveja, fumaça e amor. Pág 2

Menina na Janela. Pág 2

Vamos pra Belém. Pág 3

Carrinhos de Maria. Pág 3

Para derrubar todos os totens. Pág 4

Entrevista. Pág 6

Entre o jornalismo e o mistério. Pág 7

Por uma Curitiba em busca de redenção e de leitores. Pág 8