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8 INTRODUÇÃO A arte é uma das manifestações humanas mais antigas. Ela tem a missão de interagir com o observador, levando-o a questionar, discutir, apreciar e também conscientizar de um momento histórico. Através de suas várias modalidades, permite idéias, sentidos, críticas e constatações, por meio de interações diretas e/ou indiretas. Várias das modalidades das artes plásticas são expostas de forma estática, em que o espectador se limita a ser um mero observador. Apesar da interação, ainda ocorre uma distância entre a obra e o espectador. Por exemplo, em alguns museus ou exposições não se pode tocar a obra, às vezes nem avaliá-la de perto. O happening é uma manifestação artística que envolve diversas linguagens e formas inusitadas para se firmar, surgiu num período histórico de questionamento da arte, com a pretensão de quebrar paradigmas e de se aproximar do público. Este trabalho pretende diminuir a distância entre a arte e o seu espectador, fazendo com que esse público não só tenha oportunidade de observar a obra, como também possa estar inserido em seu contexto, participando assim do trabalho artístico em um momento específico, no caso, na defesa desta monografia. A pesquisa feita para a fundamentação da obra-evento, aborda diversas passagens pela qual o happening se enveredou, desde a história até suas interpretações. O texto está dividido em cinco capítulos: o primeiro aborda seus aspectos históricos, tanto na Europa, Estados Unidos como no Brasil; já o segundo capítulo é dedicado a esclarecer pontos relacionados à linguagem, com a análise de algumas interpretações e ações semelhantes, expondo alguns fatos e exemplos; o terceiro analisa de forma comparativa o happening e a performance; o quarto discorre sobre a idéia do

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INTRODUÇÃO

A arte é uma das manifestações humanas mais antigas. Ela

tem a missão de interagir com o observador, levando-o a questionar,

discutir, apreciar e também conscientizar de um momento histórico.

Através de suas várias modalidades, permite idéias, sentidos,

críticas e constatações, por meio de interações diretas e/ou

indiretas.

Várias das modalidades das artes plásticas são expostas de

forma estática, em que o espectador se limita a ser um mero

observador. Apesar da interação, ainda ocorre uma distância entre a

obra e o espectador. Por exemplo, em alguns museus ou

exposições não se pode tocar a obra, às vezes nem avaliá-la de

perto.

O happening é uma manifestação artística que envolve

diversas linguagens e formas inusitadas para se firmar, surgiu num

período histórico de questionamento da arte, com a pretensão de

quebrar paradigmas e de se aproximar do público. Este trabalho

pretende diminuir a distância entre a arte e o seu espectador,

fazendo com que esse público não só tenha oportunidade de

observar a obra, como também possa estar inserido em seu

contexto, participando assim do trabalho artístico em um momento

específico, no caso, na defesa desta monografia.

A pesquisa feita para a fundamentação da obra-evento,

aborda diversas passagens pela qual o happening se enveredou,

desde a história até suas interpretações. O texto está dividido em

cinco capítulos: o primeiro aborda seus aspectos históricos, tanto na

Europa, Estados Unidos como no Brasil; já o segundo capítulo é

dedicado a esclarecer pontos relacionados à linguagem, com a

análise de algumas interpretações e ações semelhantes, expondo

alguns fatos e exemplos; o terceiro analisa de forma comparativa o

happening e a performance; o quarto discorre sobre a idéia do

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9

evento como arte; e o quinto e último é a descrição e análise da

intervenção proposta pelo trabalho de conclusão de curso.

Em termos gerais, há uma reflexão sobre a visão do cotidiano

pelas lentes da arte, e ladeada por uma linguagem que permite esta

visão, passando pelas formas que assumiu, adquirindo de acordo

com cada realidade interferida, como age e como se assume no

trabalho em questão.

Do ponto de vista teórico, o problema que se apresentou para

a realização deste trabalho foi reunir e considerar vários aspectos

isolados da arte e de fatos ocorridos no cotidiano, incluindo-os em

todo um conceito, de forma que demonstrasse a justificativa de ser o

happening uma linguagem presente em muitas realidades, ora

semelhantes, ora distintas entre si.

Do ponto de vista prático, o desafio é o fato do trabalho

somente ser desenvolvido no momento exato da defesa deste

relatório, ou seja, uma inversão de valores, onde geralmente o

relatório fundamenta o trabalho plástico exposto como finalização da

graduação em Artes Visuais. No caso seria uma “quebra de rotina”,

onde o relatório é feito antes, compondo toda sua análise, e a obra

plástica ser produzida depois, estando junto à defesa desta

pesquisa. Essa coexistência entre o happening e o momento da

defesa da monografia constitui a intervenção proposta pelo trabalho.

O primeiro capítulo explora os princípios das tendências

vanguardistas, começando pelo dadaísmo, que promoveu

manifestações performáticas interativas, que tinham como um dos

objetivos aproximar o artista do público. Manifestações essas que

mais tarde foram retomadas por artistas ativistas dos anos 60, que

abordavam temas conceituais, sendo neste período o surgimento da

denominação happening. Ainda neste capítulo, são relatados

exemplos históricos do happening sob forma de protestos políticos e

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10

sociais, e depois a chegada desta linguagem no Brasil e sua difusão

por artistas conceituais dentro do mesmo contexto.

O segundo capítulo vislumbra as definições do happening e

de algumas formas de intervenções relativas, fazendo uma

intersecção entre esses tópicos, reforçados com exemplos e como

são utilizados em favorecimento da integração proposta. Nesta

parte, se explana sobre vivências e manifestos, defende a existência

de conceitos e sua realização transformadora, com base em textos

que discutem temas gerais variados. No último momento, consta

uma breve conceituação do boneco, que é um elemento utilizado

como instrumento da produção plástica, expondo sua origem e

analisando sua função de representação.

O terceiro capítulo se dedica a fazer uma análise comparativa

entre o happening e sua linguagem-irmã: a performance. Esta

análise é necessária para estabelecer uma noção de cada uma

dessas formas de arte, pois em vários registros são exploradas

juntas e até mencionadas como a mesma linguagem, porém com

nomeações diferentes. Isto gera equívocos em relação às suas

definições, mas que são esclarecidas no decorrer do trabalho.

No quarto capítulo reside a defesa do happening como uma

ação eventual transformadora, que por ser uma modalidade

artística, interfere em um momento, elevando-o à condição de obra

de arte. Para isso utiliza-se do argumento proposto pelo dadaísta

Marcel Duchamp, criador do conceito de “ready-made”, onde se

apropria de um objeto qualquer e o denomina de arte. Reforçando

essa idéia, neste segmento contém um relato geral da obra e

trajetória desse artista no contexto em que se inseriu.

Como todo esse apoio teórico, o quinto capítulo descreve o

trabalho proposto, destacando suas características e analisando os

principais elementos que o constitui, aliados a uma análise das

características do happening.

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11

Nas considerações finais verifica-se a idéia de que o trabalho

não propõe resultados definitivos, assim como a própria linguagem

do happening se faz: de propor o começo, e o desenvolvimento se

dá por si só, não havendo como controlá-lo ou verificá-lo como algo

fechado, concluso. Esta é uma forma de enxergarmos um caminho

novo para as produções artísticas realizadas a partir daqui.

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12

1 – ASPECTOS HISTÓRICOS

1.1 - Primeiros Registros no Dadaísmo

O dadaísmo foi um movimento surgido entre artistas e

intelectuais durante a I Guerra Mundial, como forma de repúdio ao

conflito e aos valores da civilização ocidental, e que se extinguiu no

início da década de 1920, quando muitos de seus adeptos

passaram a integrar novas correntes da literatura e das artes

plásticas.

O movimento é caracterizado pela oposição a qualquer tipo de equilíbrio, pela combinação de pessimismo irônico e ingenuidade radical, pelo ceticismo absoluto e improvisação. Enfatizou o ilógico e o absurdo. Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, o movimento protestava contra a loucura da guerra. Assim, sua principal estratégia era mesmo denunciar e escandalizar. A princípio, o movimento não envolveu estética específica, mas talvez as formas principais da expressão dada tenham sido o poema aleatório e o ready made.1

Embora a palavra dadá em francês signifique “cavalo de

brinquedo”, sua utilização marca o non-sense ou falta de sentido

que pode ter a linguagem (como na língua de um bebê). Para

reforçar esta idéia foi criado o mito de que o nome foi escolhido

aleatoriamente, abrindo-se uma página de um dicionário e

interferindo nele, afim de recortar palavras qualquer e agrupá-las.

Isso foi feito para simbolizar o caráter anti-racional do movimento,

claramente contrário à Primeira Guerra Mundial. A palavra dadá não

tem uma origem conhecida, e várias foram as polêmicas que

surgiram em torno da autoria do termo.

O poeta romeno Tristan Tzara, um dos principais

representantes do movimento, mostra em seu último manifesto

como fazer um poema dadaísta:

1 Wikipedia, a enciclopédia livre. Dadaísmo. Disponível em :

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo. Acesso: 14 de nov 2006.

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Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.2

O dadaísmo possui um discurso agressivo, é extremamente

avesso às regras pré-estabelecidas, tanto políticas, como morais e

também artísticas. A sua base se constituía em não ter uma forma,

em não possuir parâmetros estéticos e sociais:

“O dadaísmo se mostra povoado de ecos do futurismo, no seu discurso agressivo, na linguagem violenta de seus manifestos, em suas experiências com o ruído e a simultaneidade, mas com uma diferença: o futurismo possuía um programa e o dadaísmo era visceralmente anti-programático. A busca de uma verdade não sujeita às regras pré-estabelecidas, regras políticas e morais e também, artísticas. O seu programa era não ter programa, não ter liames estéticos e sociais. (...)

Opondo-se à paralisia que esta situação parecia conduzir, alguns jovens artistas voltaram-se para o absurdo, para o primitivo, para o elementar. Aspiravam uma nova ordem que poderia restaurar o equilíbrio entre o céu e o inferno. Eram contra a arte como instrumento para emburrecer a humanidade. Mais do que a obra é o gesto. Um gesto provocador contra o sentido comum, a moral, a lei ou qualquer norma ou ortodoxia. Transformar poesia em ação. Unir arte e vida.”3

Em 14 de julho de 1916 realizou-se a primeira noite Dadá em

Zurique, como descreve Cristina Tolenttino: “música, danças,

manifestos, poemas, pinturas, figurinos, máscaras”. Hans Richter,

um dos representantes do início do movimento, escreveu a respeito:

2RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

3 TOLENTTINO, Cristina. Dadaísmo. Disponível em :

http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/dadaismo_zurique.htm. Acesso:

30 de set 2006.

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"o caldeirão da arte fervia no Cabaré Voltaire, certa noite, ele transbordou."(...) "Campainhas, tambores, chocalhos, batidas na mesa ou em caixas vazias animavam as exigências selvagens da nova linguagem, na nova forma, e excitavam, a partir do físico, um público que inicialmente quedava atordoado atrás dos seus copos de cerveja. Pouco a pouco eram sacudidos e despertados de seu estado de letargia a tal ponto que irrompiam num verdadeiro frenesi de participação. Isto era arte, isto era vida, e era isto o que se queria."4

Tolenttino complementa sobre o dadá e faz uma relação com

a linguagem do happening:

“Serões provocadores, recitais inconformistas, declamações cacofônicas e, podemos dizer, os primeiros happenings da história, baseados na inspiração casual, no absurdo e no anti-racionalismo. Este era o clima do Cabaré Voltaire, onde nasceu o "movimento mais subversivo da história da arte e das letras." 5

Os dadaístas quebraram as barreiras do significado das

palavras. O importante era criar palavras pela sonoridade. O

importante era o grito, o urro contra o capitalismo burguês e o

mundo em guerra. Outra noite, parecida com a primeira noite dadá,

Hugo Ball recita o seu primeiro poema sonorista, chamado O Gadji

Beri Bimba:

"Gadji beri bimba glandridi laula lonni dacori Gadjama gramma berida bimbala glandri galassassa laulitalomini Gadji beri bin blassa glassala laula lonni cadorsu sassala bim gadjama tuffm i zimzalla binban gkigia wowolimai bin beri ban o katalominal rhinozerossola hosamen laulitalomini hoooo gadjama rhinozerossola hopsamen bluku terullala blaulala looooo..."6

4 RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

5 TOLENTTINO, Cristina. Dadaísmo. Disponível em :

http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/dadaismo_zurique.htm. Acesso:

30 de set 2006. 6 Ibid.

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15

Ball realizou também algumas leituras dos seus poemas, que

são um prelúdio dos happenings e das performances que se

desenvolveriam como formas de arte nos anos sessenta. E que

ainda hoje continuam sendo considerados como manifestações

artísticas.

1.2 - O nascimento do termo Happening

Os anos 60 constituem um período de efervescência artística

em que a experimentação de linguagens da obra de arte se

expande por novos caminhos. Até então, as fronteiras entre as

disciplinas artísticas eram estanques e os seus gêneros

reconhecíveis pelos materiais e linguagens específicos de cada arte.

Do contexto pós-guerra, emerge a segunda vanguarda (ou neo-

vanguarda) do século XX, na qual se incluem nomes como, por

exemplo, Piero Manzoni na Itália, Yves Klein na França, Kantor na

Polónia, o movimento Fluxus entre a Europa e a América, Claes

Oldenburg, Jim Dine e Valie Export nos Estados Unidos.

Como relata Ana Pais7, neste ambiente de agitação, recebem

em casa um convite para a inauguração de uma galeria de arte no

qual se diz que terão lugar 18 “happenings”, palavra até então

desconhecida e enigmática, em que se convida o visitante a

“colaborar” com Allan Kaprow8, conhecido artista plástico e

professor de história de arte na Universidade de Rutgers, para a

realização do acontecimento. Acrescenta-se que os convidados se

tornariam parte integrante dos happenings e, simultaneamente, os

experimentariam.

Mais ainda, acautela-se o público para não esperar encontrar

pinturas, esculturas, dança ou música; apenas situações

“envolventes” cujo formato o artista entende por bem deixar sem

7 PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow (1927-2006) e A herança viva de Allan Kaprow. Texto

disponível em Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006. 8 Ibid.

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título. Outros materiais promocionais anunciavam ações “íntimas e

austeras”, sem qualquer ambição de produzir um sentido claramente

formulado por parte do autor.

O termo happening, como categoria artística foi utilizado pela

primeira vez em 1959 pelo artista Allan Kaprow. Como evento

artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de

museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim.

Artistas como Allan Kaprow e Jim Dine, programavam

happenings com o intuito de "tirar a arte das telas e trazê-la para a

vida". Robert Rauschenberg, em Spring Training (do inglês, Treino

de Primavera), alugou trinta tartarugas para soltá-las sobre um palco

escuro, com lanternas presas nos cascos. Enquanto as tartarugas

emitiam luzes em direções aleatórias, o artista perambulava entre

elas vestindo calças de jóquei. No final, sobre pernas-de-pau,

Rauschenberg jogou água em um balde de gelo seco preso a sua

cintura, levantando nuvens de vapor ao seu redor. Ao terminar o

happening, o artista afirmou: "As tartarugas foram verdadeiras

artistas, não foi?"9

1.2.1 - Allan Kaprow e o Happening

O happening sempre existiu sob diversas facetas, em vários

contextos, porém no fim dos anos 50, o artista Alan Kaprow, que na

época já fazia várias intervenções nos ambientes, estava inserindo

uma nova forma de arte. Com isso começou a utilizar de interação

com o público, como se estivesse fazendo jogos, fazendo uma

revolução nos jogos teatrais. Kaprow foi se juntando com outros

artistas, juntos faziam várias intervenções, utilizando instalações e

jogos interativos em galerias, espaços públicos, tentando novas

técnicas artísticas, buscando inovar, propondo novas formas de

arte. Havia uma mistura de técnicas, fazendo uma hibridação na 9 Wikipedia, a enciclopédia livre. Happening. Disponível em :

http://pt.wikipedia.org/wiki/Happening. Acesso: 14 de nov 2006

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arte. A pretensão de Kaprow era romper com o conceito de arte da

época.

Por conta disso, Kaprow realizava eventos e ações que só

existiam com a presença do público, para ele, fazendo-o participar

dos eventos. Quebrando os conceitos de arte, tinha uma tendência

anti-acadêmica. Esta era limitada aos autores românticos, com

obras consideradas civilizadas, os artistas que queriam inovar eram

considerados marginais. Esses artistas não tinham a mesma

oportunidade que os outros. A arte vinha de uma forma conclusiva,

tudo pronto. Os artistas considerados marginais encontraram novas

formas de comunicação com o público, inventando eventos, ações e

intervenções, chamando a atenção para uma nova visão da arte.

Então inventaram atrativos, que eram formas de interação.

Allan Kaprow é considerado o pai do happening, porque

conceituou esses jogos atrativos, em que as interações

momentâneas envolviam as pessoas. Aderiu essa atitude dos

artistas anteriores com o intuito de chamar atenção do público e

definiu essa postura como uma linguagem artística, chamando-a de

happening.

“Havia uma sensação de mistério (nas instalações) até que seu olho alcançava uma parede. Então, havia um fim de linha. Eu pensava em como seria muito melhor se você pudesse exatamente sair porta afora e fazer flutuar uma instalação em toda a vida restante, de modo que a censura não estivesse lá. Tentei camuflar as paredes de uma maneira ou outra. Com mais som que nunca, tocado continuamente, tentei destruir a sensação de um espaço preso. Mas isso não era nenhuma solução, só aumentava o crescente desacordo entre a minha obra e o espaço ou as conotações da galeria de arte. Vi imediatamente que toda visita à instalação era parte deste. Eu realmente não pensava nisso antes. Foi assim que eu lhe dei ocupações, como mexer em algo, ligar interruptores – somente umas poucas coisas. Cada vez mais, durante 1957 e 1958, isso sugeriu uma responsabilidade mais “marcada” para essa visita. Ofereci-lhe , crescentemente o que fazer, até o

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18

ponto em que se desenvolveu o happening.”10

Sair das portas das galerias e adentrar espaços públicos foi

uma revolução nas artes plásticas que Kaprow estabeleceu quando

apresentou ao público a obra “18 Happenings in Six Parts” (18

Happenings em Seis Partes). Percebeu-se ali que a obra de arte iria

além de sua própria idéia: era também um ambiente que deveria ser

vivido. O criador ainda teoriza que o artista que vive o mais puro dos

melodramas: “Sua obra é uma perfeita representação do mito do

Não-Sucesso, porque os happenings não podem ser vendidos ou

levados pra casa, só podem ser estimulados”11, finaliza. A partir

desse momento, os happenings foram se proliferando fora dos EUA,

mas sem aquele forte intelectualismo, ainda sim com o ideal de luta,

como forma de protesto contra a arte contemporânea que já havia

se rendido à indústria cultural.

1.3 - O happening utilizado como apelo político

Em Amsterdã, no ano de 1962, o artista Daniel Spoerri lança o

“Dylaby em Bewogen Beweging” (O labirinto dinâmico e o seu

movimento movido) exposto no Stedelijk Museum, o primeiro

happening holandês. Ele transforma as duas salas do museu: uma

se torna um labirinto escuro em que os visitantes ficam expostos a

experiências sensoriais (superfícies quentes e úmidas, vários tipos

de tecidos, sons e cheiros) já na segunda sala as pinturas são

expostas no chão, ao mesmo tempo as esculturas são apoiadas nas

paredes. Haja vista a transformação: o chão torna-se parede e a

parede se transforma em chão.

Porém, o que é considerado como o primeiro happening oficial

naquela cidade é o evento coletivo intitulado “Open Hat Graf ” (Abra

o túmulo), descrito pelo catálogo que o acompanhava como

10

PAIS, Ana. Relembrar Allan Kaprow e A herança viva de Allan Kaprow. Texto disponível em

Rede <http://omelhoranjo.blogspot.com> acesso em agosto de 2006. 11

Ibid

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19

“necrófilo bilíngüe e multinacional”. Era uma paródia de um

programa de TV da época “Open Het Dorp” (Abra o lugarejo), a idéia

se constituía num telefone que era usado para a comunicação com

os defuntos e um altar para orar a Marylin Monroe. Obra preparada

pelos artistas Melvin Clay, Frank Stern e Simon Vinkenoog. No

catálogo, Vinkenoog procura informar aos leigos o que vem a ser

um happening:

1.O Happening não é arte, a arte é um happening. 2.Pode acontecer a você também. 3.Está acontecendo aqui e agora. 4.O happening responde a todas as perguntas! 5.O happening responde a todo desejo seu. 6.Toda palavra é um happening. 7.Toda pessoa é um happening. 8.Acontece agora, seja humano! 9.As pessoas são um happening bem aceito. 10.Torna-se um happening respondendo a

imediatamente à essa pergunta: O QUE É UM HAPPENING? 12

Não tem como falar do happening europeu sem citar o nome

de Bart Huges. Estudante de Medicina perfurou o próprio crânio com

uma broca de dentista alegando que a abertura da caixa craniana

tornaria permanente o estado da consciência alterada, como se ele

tomasse LSD o dia inteiro ou também meditasse. Huges tornou

público seu experimento transformando-o em uma performance

intitulada “Stoned in the Streets”. Ao retirar as ataduras revelava à

todos o seu terceiro olho.

Outra figura carimbada das ruas de Amsterdã é o performático

Robert Jasper Grootveld. Foi um dos principais "personagens" da

contracultura mundial e dos primeiros a iniciar o movimento Provos

em Amsterdã, na Holanda em 1964.

O artista promove performances em que critica o consumo de

cigarros, apesar de sempre estar vestido de uma forma

12

GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. pp 32-33

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20

extravagante, Grootveld teve a idéia sensacional de parar de fumar

“filando” cigarros dos outros, e transformando essa atitude num

happening. “Não vou ficar aqui contando-lhes que parei de fumar, e

não pretendo que vocês façam isso. Não! Ao me expor, coloco

vocês diante de um problema, eu sou o problema!”13, ironiza

Grootveld.

O sujeito torna-se praticamente um assistente social, sua

função é acabar com os cigarros dos outros até esgotar o estoque.

Segundo a enciclopédia on-line Wikpedia14, Grootveld construiu um

templo anti-tabaco e uma farmácia chamada "Africanesse

Marijuana", que vendia maconha abertamente no centro de

Amsterdã. O artista foi preso várias vezes, inclusive quando

incendiou o próprio templo.

Outra forma de protesto: escrever K ou a palavra Kanker

(câncer) nos cartazes publicitários de cigarro. Ele faz tanto sucesso

que até funda uma igreja “K-Temple”, em que celebra encontros

bizarros, cerimônias mágicas, usando mantras como “Ugge,

Ugge,Ugge” , traduzindo para o português seria “Cof ,Cof, Cof”.

Acontece então o encontro inevitável das duas figuras: Huges e

Grootveld, lançam o “Marihu Project”, onde espalham cigarros de

maconha (alguns falsos, outros não) pelas praças e vias públicas de

Amsterdam. Definição dos autores deste projeto:

“Mari quem? Mari onde? Marihu! Prestem atenção ao Mari patrão! Marihu é qualquer coisa que produza fumaça...Os verdadeiros tóxicos têm medo dela(..) as regras do jogo são vagas, pois o resultado desejado é produzir o máximo caos, de modo que qualquer um possa tomar a iniciativa (...) O jogo baseia-se no Sistema Procriativo em Bola de Neve. (...) Cada qual pode melhor as regras ou omiti-las. Enviem para quem quiser um maço de alguma coisa que vocês considerem ser Marihu. Os participantes do jogo experimentarão um estranho

13

Ibid. p 45. 14

Wikipedia, a enciclopédia livre. Robert-Jasper Grootveld. Disponível em :

http://pt.wikipedia.org/wiki/Grootveld. Acesso: 14 de nov 2006.

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senso de conspiração, uma grande fonte de força nesta cinzenta época de prosperidade (...) Tudo é Marihu. Fiquem atentos a falsa Marihu (...) Cada qual pode fabricar sua Marihu. Entre os diversos tipos de Marihu, recordamos a Marivodu, a Marimonstro, a Maribomba, a Maritabu, a Marihomo, a Marimaumau, a Mariogurte..”15

Ou seja, o happening se transformava em um jogo, dentro dos

maços de Marihu se encontravam as regras: se os participantes

fossem interrogados pela polícia ganhavam dez pontos, se suas

casas fossem revistadas 50 pontos, se fossem presos 150 pontos,

ou se por iniciativa própria fizessem uma visita aos agentes de

narcóticos também adquiriam 150 pontos. Daí para o surgimento

dos Provos foi um pulo. Tudo isso acontece quando os happenings

passam a ter um sentido estritamente político, e não tão

escrachado.

1.3.1 - Provos

As bicicletas brancas, elas dizem por si o que vem a ser os

Provos. Amsterdã é a Meca da contestação, não tinha como ser

diferente, ainda mais nos contagiantes anos 60. Vamos por partes.

A gênese: Buikhusein, um sociólogo, faz um estudo sobre a

juventude delinqüente e a denomina de “Provos” jovens proletários,

que se destacam pela absoluta falta de interesse com relação à

política e à cultura, cujos atos de vandalismo são motivados

essencialmente pelo tédio. Definição magnífica para Roel Van

Duijin, anarquista, leitor assíduo de Bakunin, e seu amigo Stolk,

usarem para começar suas guerrilhas internas:

“Tomamos o nome Provos porque temos de nos basear no potencial revolucionário dos Nozem, canalizando seus sentimentos agressivos para uma força revolucionária consciente. Também os representantes mais conscientes da juventude, como os estudantes, têm de se tornar Provos, provocar as autoridades, o estado, a propriedade privada, os grandes magnatas cheios de

15

GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. p 49.

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22

poder, o militarismo e a bomba. Neste particular período histórico, os anarquistas têm de se provar Provos. Não podem mais ter esperança numa revolução: a única arma que lhes restou é provocar as autoridades.”16

Juntaram-se com Grootveld para disseminar seus planos

libertários. Surge daí o fanzine Provos, que a cada edição saia uma

idéia mirabolante: Plano das Bicicletas Brancas, Plano do Cadáver

Branco, Plano dos Pés descalços, Plano das Galinhas Brancas.

O mais famoso foi justamente o das Bicicletas Brancas. O

movimento foi uma forma de demonstrar o descontentamento do

povo em relação aos grandes poluidores, os assassinos, ou seja, os

automóveis:

“O plano Provos das bicicletas nos libertará desse monstro. Provos lança a bicicleta branca de propriedade comum. A primeira bicicleta branca será apresentada ao público quarta-feira, 28 de julho, às três da tarde no Liverdje, o monumento ao consumismo que nos torna escravo. A bicicleta branca está sempre aberta. A bicicleta branca é o primeiro transporte gratuito coletivo. A bicicleta branca é uma provocação contra a propriedade privada capitalista, porque a bicicleta branca é anarquista! A bicicleta branca está à disposição de quem que dela necessite. Uma vez utilizada, nós a deixamos para o usuário seguinte. As bicicletas brancas aumentarão em número até que haja bicicletas suficientes para todos, e o transporte branco fará desaparecer a ameaça automobilística. A bicicleta branca simboliza simplicidade e higiene diante da cafonice e da sujeira do automóvel. Uma bicicleta não é nada, mas já é alguma coisa”.17

De repente, ocorre uma transformação da paisagem de

Amsterdã, que foi invadida por várias bicicletas brancas. Começava

lá a repressão policial que dá um fim naquele transporte

comunitário.

A cada edição do Provos, a luta, com novos projetos e planos,

ia se intensificando, além de conquistar novos simpatizantes. Até

16

GUARNACCIA, Matteo. Provos. São Paulo: Conrad, 1ª ed, 2001. p 65. 17

Ibid. p 76.

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23

que surgiram as eleições para vereador e um provo foi eleito com

três mil votos. Este provo reveza sua cadeira na Câmara com outros

companheiros, inovando no trejeito de assistir as seções: livremente

descalços!

Os Provos deixaram o exemplo de contestação para as

gerações futuras, usando a imaginação no poder, conceito também

utilizado pelos estudantes franceses em maio de 68. Esses

revolucionários fizeram de Amsterdã uma capital libertária,

característica que ainda hoje se percebe nos coffee shops, nos

museus do sexo, nas ciclovias, enfim, os provos realmente

mudaram o modo de se presenciar o mundo, pelo menos naquela

parte da Europa.

1.4 - Registros de happening no Brasil

Os primeiros happenings brasileiros foram realizados por

artistas ligados à arte contemporânea, como o pioneiro "O Grande

Espetáculo das Artes", de Wesley Duke Lee18, em 1963.

Essa explosão tem um nome, Rex, um grupo que o artista

plástico Nelson Leirner formou em 1966 com Wesley Duke Lee e

Geraldo de Barros, e que teve a participação de Carlos Fajardo e

José Resende, entre outros. O grupo durou apenas um ano, mas foi

o suficiente para contestar frontalmente o mercado de arte através

da galeria Rex Gallery and Sons e do jornal Rex Time. Terminou

com um grande happening, “Exposição-não-Exposição”, em que

Leirner propunha que o público superasse obstáculos para levar

para casa de graça as obras que estavam presas na parede.

A esta altura, a obra de Leirner já estava centrada no objeto e

na apropriação de coisas cotidianas para a construção de uma peça

18

NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com:

09/01/2002> acesso em março de 2006.

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24

de arte, como relata Daniela Name19. É um artista plástico que

desde os anos 50 possui discordâncias com o modo de como a arte

era levada, no que se refere ao convencionalismo e comercialização

do circuito artístico. Passou a produzir obras de caráter crítico, com

reivindicações em relação a essas questões. Suas produções

tinham apelo irônico, desmistificando a relação autor-obra-público, e

criticando a comercialização da arte.

“A obra de arte, tratada ironicamente pelo artista, é vista como banal mercadoria, produzida visando a um consumidor médio pouco interessado em investir em arte – e/ou sem condições financeiras para tal – e completamente ignorante no assunto”.20

Um de seus objetivos, como diz Chiarelli, era a

“dessacralização do objeto de arte”. No texto deste autor, consta a

idéia de Leirner que diz “Só quero mostrar que a arte moderna pode

trilhar outros caminhos com produção em massa, tornando as obras

acessíveis a todos (...)”21, enfatizando que o objeto de arte na

sociedade contemporânea fosse visto de uma maneira diferente. E

aos poucos foi produzindo trabalhos que aproximassem a obra com

o espectador, onde eram convidados a participar.

No início dos anos 70, Leirner realizou uma mostra de

múltiplos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os múltiplos eram

séries de obras que utilizavam de materiais existentes, formando

uma configuração com vários objetos idênticos agrupados,

resultando em um objeto artístico. A idéia era juntar materiais

extremamente frágeis e baratos - feitos de vidro, por exemplo – e

multiplica-los, atestando que podem ser reproduzidos por qualquer

pessoa. Isso mostra o conceito de Leirner sobre “a obra de arte

anônima e da morte do artista romântico como o único detentor do 19

NAME, Daniela. Longe da “panela” carioca. Texto disponível em Rede <www.oglobo.com:

09/01/2002> acesso em março de 2006. 20

CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leiner: arte e não Arte. Galeria Brito Cimino & Grupo Takano.

São Paulo: Takano, 2002. p 68. 21

Ibid.

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25

poder de criar”22

Em uma matéria publicada em jornal sobre uma exposição

onde Leirner participava, havia a seguinte chamada dele para o

leitor:

“Nelson convida nossos leitores a usarem bocas de garrafas, copos, porcas, funis de vidro e bolas de pingue-pongue para fazer seus múltiplos. (...)”23

E assim foi interagindo com o espectador através de suas

investidas conceituais, criando obras cada vez mais interativas, até

começar a produzir happenings.

Seus happenings inicialmente vinham sempre acompanhando

seus trabalhos, principalmente instalações. Leirner buscava fazer o

espectador entrar na prática de suas idéias e conceitos. Para isso,

em geral, distribuía alguns objetos ao público para incrementar suas

participações nessas ações.

Essas intervenções tinham vários propósitos e tipos de

interação, mas sempre focalizando a aproximação do espectador

com a obra na função de criticar a inacessibilidade da arte. E nisso

convidava o público participante a se submeter às situações,

posições e empreitadas nada convencionais.

Alguns exemplos de happenings de Leirner e do grupo REX:

- Bandeiras na Praça, 1967 e 1968, realizada em uma rua

de São Paulo, e depois no Rio de Janeiro, foi uma manifestação

onde Leirner expunha, com ajuda de outros artistas e amigos,

bandeiras com vários motivos, tais como bandeiras de estados,

países, times de futebol, símbolos e iconografias culturais, sociais e

políticas. Sua intenção era mostrar uma dessacralização do cunho

patriótico e militar das bandeiras, causando provocação ao regime

militar vigente na época.

22

Ibid. 23

Ibid. p 79.

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26

- Exposição-não-exposição, 1967, que consistia na

disposição de vinte de seus objetos artísticos no interior e no jardim

da galeria Rex, onde todos estavam presos por correntes à parede

ou a bases. Ao lado dessas, havia serras que convidavam o público

a cortar as correntes. Em certo horário, o público entraria na sala e

poderia levar o que quisesse e conseguisse pegar. E quando saísse

de lá a última obra, a Galeria seria fechada e se “aposentava”. Por

isso o título Exposição não-exposição.

- Happening da Crítica, 1968, a mais polêmica investida

interativa de Leirner, que acabou se tornando efetivamente num

happening, inscrevendo seu trabalho Porco Empalhado, em 1967,

em um salão de artes, e tendo sido selecionado. Depois de enviado

o trabalho, divulgou em jornais questionamentos acerca da crítica de

arte no Brasil, indagando o júri do salão em questão sobre os

critérios de seleção de uma obra de arte. Disso se gerou várias

interrogações, entre elas a questão “O que é arte?”.

- Vestidos de Branco, 1971, onde o happening aconteceu a

partir da instalação Tecnologia do Cotidiano, produzindo efeitos

psicodélicos com lâmpadas e chamas de velas em que luzes

incendiam em vidros fantasias. No final da exposição, foi feito este

happening, como descreve o próprio Leirner no livro de Chiarelli:

“A partir da instalação fiz o happening. O esquema era o mesmo, apenas que, no lugar da sala, armei no jardim da Galeria um pequeno circo de lona espelhada por dentro. Havia, numa altura de uns 40 cm por toda base do toldo, uma rede, como uma tela de galinheiro. Na parte de cima dessa rede caiam fios de luzes coloridas, que refletiam nos espelhos. E também uns 120 óculos espalhados caiam pendurados por fios de náilon até uma altura de 25 cm do chão. Fiz duas sessões à noite, convidando as pessoas a irem vestidas de branco e, quando cem pessoas já se encontravam na porta da Galeria, foi permitida a entrada. E para entrar no pseudo-circo, elas tinham que rastejar, ocupando os espaços deitadas, pois a tela os impedia de ficarem em pé.” 24

24

Ibid. p 81.

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27

- Plásticos, 1970, instalação-happening, uma das últimas

investidas de Leirner nessa área. Convidado por seu amigo e artista

plástico Flávio Motta, produziria uma intervenção na Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da USP. Consistia em montar uma

estrutura que envolvia o prédio da faculdade, utilizando tubos de

ferro feitos para andaimes e plásticos pretos dos quais se fazem

sacos de lixo. Essa armação, além de envolver o prédio, adentrava

parte de suas dependências, tornando o local um tanto quanto

impraticável. A idéia era, de forma prática, incomodar os transeuntes

do prédio em um dia comum de funcionamento, resultando em uma

interação que buscava representar a repressão política da época.

Porém o trabalho acabou por ser frustrado pela atitude dos

ocupantes do prédio, que quando se depararam com aquilo, aos

poucos foram rasgando e tirando os plásticos de seus caminhos,

como se estivessem limpando um ambiente infestado por algum tipo

de impureza. O real propósito da intervenção não foi cumprida, o

que muito frustrou Leirner, fazendo com que ele entrasse numa fase

de introspecção artística e passasse a refletir sobre suas investidas

em mega-projetos.

Porém, Leirner, junto com seus amigos e artistas, já havia

produzido muita arte e muito conceitualismo, marcando assim a

história da arte brasileira, que, entre muitas produções, inseriu a

linguagem do happening no Brasil.

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28

2 – DEFINIÇÕES RELATIVAS

2.1 – O Happening

O happening (do inglês, acontecimento) é uma forma de

expressão das artes visuais que, de certa maneira, não se utiliza

prioritariamente de objetos concretos. É uma manifestação artística

coletiva que se constitui de eventos, ações ou atos de intervenção.

Possui características híbridas e mutáveis, utilizando muitas vezes

mecanismos das outras formas de arte.

“O happening é uma arte plástica, mas sua “natureza” não é exclusivamente pictórica; é também cinematográfica, poética, teatral, alucinatória, social-dramática, musical, política, erótica, psicoquímica.”25

Nesse tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se

algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se

repete da mesma maneira a cada nova apresentação.

Surgiu um momento em que os artistas tentavam romper as

fronteiras entre a arte e a vida. “O happening põe em ação (em lugar

de representar simplesmente) as diversas relações entre o indivíduo

e seu entrono psicossocial.”26 Com esta afirmação, Lebel explana

sobre a idéia de relacionamento entre indivíduo e ambiente, em que

se utiliza do argumento de Hegel para justificar sua teoria acerca da

utilização do happening como intervenção e interação social .

Sua criação deve-se inicialmente a Allan Kaprow, que realizou

a maioria de suas ações procurando ambientes, a partir de uma

combinação entre "assemblages", e introduzindo outros elementos

25

LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva

Visión, 1967. p 74. 26

Ibid. p 43.

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29

inesperados, criando impacto e levando as pessoas a tomar

consciência de seu espaço, de seu corpo e de sua realidade. Seus

trabalhos sugerem um tipo de arte onde o artista utiliza o corpo

como expressão.

Lebel incorpora em seu texto um argumento de Allan Kaprow

falando do happening como ruptura aos moldes da arte do passado.

Nessa discussão emerge a idéia de efemeridade dessa linguagem,

estampada no trecho27 “Só existem uma vez (ou somente algumas

vezes), e logo desaparecem para sempre e outros os substituem...”

O happening (termo que para Kaprow naquele momento

designava somente as ações particulares de cada parte do evento,

que ele preferia não nomear) é composto por uma estrutura

seqüencial de ações de caráter performativo, simultâneos e sem

relação causal entre si, num ambiente visualmente cuidado, ou seja,

num “environment”.

É, sobretudo, uma ação, um ato que assenta na

experimentação dos limites das artes que convoca, reunindo uma

comunidade de espectadores. Os tempos, os locais ou formas que

viriam a assumir são tantas quantas de seus autores; cada um

desenvolve um conceito próprio de happening. “O happening, como

a música ou o cinema, é uma linguagem pela qual cada um aborda

um conteúdo diferente (...)”28

Na questão da autoria, o gestor de um happening

basicamente se comporta como membro da ação promovida por ele

mesmo, porém é dele a função de conduzir o evento. Em certo

momento de seu livro, Lebel29 compara um autor de happening a um

xamã e seus rituais, dizendo que uma cerimônia conduzida pelo

xamã se desenvolve dentro de um esquema dogma e sistemático, e

já o autor de happening faz o contrário, buscando a gênese

27

Ibid. p 38. 28

Ibid. p 23. 29

Ibid. p 33.

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30

justamente na ação, reinventando o mundo em contato com ele

mesmo, não obedecendo uma regra. Acrescenta-se a idéia de Lebel

que afirma que “não se sabe nunca como terminará um happening,

sabemos o que tem que fazer para que tenha impulso e contato

subjetivo”.30 Esta idéia adverte o fato da linguagem ser imprevisível,

sendo impossível dizer como será o resultado. O autor apenas

propõe um ato, o conduz, promove todas as idéias e oferece alguns

artefatos para sua realização.

Para aceitar um happening temos que nos livrar de

preconceitos, sofisticações, idéias fixas, massificadas, convenções e

ditames da indústria e dos meios culturais. Pois a essa linguagem

não se aplicam teorias estáticas, podendo ela mesma ter várias

interpretações ou até mutações em suas características,

dependendo de sua aplicação e principalmente da forma como cada

ação é levada pelos espectadores.

“Não há uma teoria do happening, cada participante tem a sua... Em matéria de criação coletiva é impossível generalizar a partir de percepções mais ou menos fragmentárias.”31

Porém um resultado prático que se vê em sua realização é a

integração que causa entre os vários elementos contidos em cada

ato. Como Lebel assume:

“O happening é a concretização do sonho coletivo e o veículo de uma intercomunicação. Assim, se estabelece um novo tipo de relações entre o “autor” e o “espectador” por uma parte, e entre a “obra” e o “mundo” por outra”.32

Ou seja, funciona como um mecanismo de comunicação entre

tudo o que está incluído no contexto, e produz uma interação, se

tornando arte. Cada ação, ato ou evento se firma como obra de arte.

O enfoque é mais voltado para o espectador, pois é através

dele que vai gerar comunicação essencial para sua identificação e

30

Ibid. p 55. 31

Ibid. p 24. 32

Ibid. p 34.

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31

demonstrar seu propósito, pois seria através do ser humano que

aparecem as reações oriundas daquele momento artístico, fazendo-

o lidar com uma situação, com um momento.

“Sua ação (do happening) se faz condicionada pelo subconsciente coletivo, que é o motor que a impulsa, mas se pode dizer que a equação homem-mundo é uma equação aberta pela qual cada happening aborda uma solução nova e evolutiva.”33

Em suma, o happening é uma forma de arte que possui

conceitos e características, porém são dados como inconstantes por

dependerem do alvo a consumi-lo, permitindo uma liberdade em sua

forma, conceito, realização, idealização e qualquer definição.

2.2 - As Intervenções Conceituais

do Lat. Conceptu s.m., entendimento, idéia,

opinião; concepção; definição; caracterização; síntese; a mente, o juízo, o entendimento; pensamento.34

Como se sabe, o conceito é a designação dos elementos

alvos a serem decodificados. Segundo Campos, Gomes e Motta, há

pelo menos três definições de conceito:

conceito é uma unidade de pensamento conceito é uma unidade de comunicação

conceito é uma unidade de conhecimento 35

Isto quer dizer que conceituar algo permite constatar

referências para o entendimento do objeto a ser definido,

sustentando a sua existência.

O conceito sempre esteve ligado a qualquer atividade

artística. Uma obra de arte sempre quer dizer algo, e isso por si só

33

Ibid. p 33. 34

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da

língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição.

1999. 35

CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha; MOTTA, Dilza Fonseca da.

Elaboração de tesauro documentário: conceito. Texto disponível em Rede

<http://www.conexaorio.com/biti/tesauro/conceito.htm> acesso em novembro de 2006.

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32

já é um conceito. Dentro dessa idéia surge a arte conceitual, que

aborda o conceito como protagonista da obra de arte.

A Arte Conceitual é uma vanguarda surgida inicialmente na

Europa e nos Estados Unidos no final da década de 1960 e meados

dos anos 1970, e considera que a arte não tem que ser incorporada

numa forma física e que a própria idéia é o seu material básico

tendo o conceito ou a atitude mental como prioridade em relação à

aparência da obra.

George Maciunas, um dos fundadores do Grupo Fluxus,

redige em 1963, um manifesto, que dizia:

"Livrem o mundo da doença burguesa, da cultura 'intelectual', profissional e comercializada. Livrem o mundo da arte morta, da imitação, da arte artificial, da arte abstrata... Promovam uma arte viva, uma antiarte, uma realidade não artística, para ser compreendida por todos (...)".36

A contundente crítica ao materialismo da sociedade de

consumo, elemento constitutivo das performances e ações do artista

alemão Joseph Beuys, pode ser compreendido como arte

conceitual.

Na arte conceitual se pregava a idéia de que o conceito era o

motor, o protagonista da obra, se fixando como uma das vertentes

dos movimentos de ruptura e inovação artística que existiam a partir

dos anos 60. Dentro da arte conceitual se utilizavam muitas ações

de intervenção, tais como a performance e o happening.

Entretanto, o conceitualismo era apenas a chave da arte

conceitual, não estando ligado somente a esse movimento. Toda

arte em geral tem seu conceito, assim com suas técnicas e seus

propósitos, presente desde a era pré-histórica e sempre junto a

História da Arte e seu desenvolvimento.

“Os fins do Conceitualismo consistem em analisar a Arte a partir dela própria, a Natureza, a obra, o artista, alargá-lo a novas estruturas, explorar os meios de

36

MIRA, Fábio. AR - Elemento de Poética. Relatório de conclusão de bacharelado, UFMS, 2005.

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33

comunicação de massas (mass media) que possam facilitar os contactos e as transmissões, incluindo as da Arte”.37

Nas pinturas renascentistas, por exemplo, onde artistas, como

Michelangelo, produziam afrescos nas igrejas, além de possuir o

conceito de representação de ícones religiosos, exaltavam-lhes de

forma que parecessem grandiosos, magníficos, especiais – e assim

aumentando o poder da Igreja.

Como o happening é uma forma de arte, também tem seus

conceitos e fundamentos a serem explorados, e pode ser incluído

como linguagem usada em arte conceitual, mas não

necessariamente exclusivo dela. Portanto assim como as outras

modalidades artísticas, cada happening se apega a um motivo para

sua realização, tendo enfim, um conceito, um fundamento. A própria

atitude de intervir em algum lugar ou ambiente já é uma questão

conceitual. A intervenção, por si só, como demonstrado antes, já é

um conceito. “O Happening é antes de tudo um meio de expressão

plástica.”38

2.3 - As Intervenções – manifestos

Quando se fala de happening, as pessoas que conhecem

essa linguagem ou tem idéia do que ela seja, geralmente a

associam a intervenções buscando manifestar algo. Essas

manifestações relacionadas ao happening, em geral, são

interligadas a protestos de cunho social e político, como denúncias e

críticas.

Geralmente protestos são intervenções em um meio, seja ele

nas ruas, em forma de passeatas, em greves, ou outras formas de

questionamentos de uma realidade onde os integrantes destas não

estão satisfeitos, ou indagando a respeito dela.

37

LOBO, Huertas. História contemporânea das artes visuais. Livros Horizonte: 1981. p 214. 38

LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva

Visión, 1967. p 49.

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34

do Lat. Manifestatione s. f., ato ou efeito de manifestar; expressão pública e coletiva de uma opinião ou sentimento; expressão; revelação.39

O happening utilizado como manifestação foi bastante

freqüente nos casos de artistas que queriam se aproximar do

público e do meio que estava sendo interferido, questionando a arte

e seus paradigmas. Ele nasceu com o cunho do protesto, direto ou

indireto, que por si só queria transformar, inovar e mudar uma

realidade. Como exemplo, Allan Kaprow, que criou o happening

como sendo uma nova manifestação artística, sabia que seu

mecanismo tinha impacto sobre as pessoas.

Outros artistas adotaram igual procedimento. Até hoje

ativistas de várias causas utilizam de happenings para fazer suas

manifestações, seus protestos, suas lutas. Por si só a linguagem

tem como característica chamar a atenção para uma causa, propõe

uma interação diretamente com o alvo, intensificando-o.

Podem ser considerados happenings manifestações como as

passeatas, pois, de certa forma agrupam pessoas para uma

finalidade e as fazem refletir o tema apresentado.

Um exemplo interessante é uma manifestação registrada em

vídeo e exibido na internet40, em que algumas pessoas se

propunham a caminharem peladas e manchadas de tinta pela

Avenida Paulista em São Paulo, com a finalidade de protestar a

atitude alienada dos brasileiros, que param tudo o que fazem para

assistir e homenagear seu time de futebol na Copa do Mundo, em

2006, mas não param quando o assunto é a situação de nosso país,

como a fome, miséria, injustiças sociais e corrupção.

Durante esse protesto, feito por artistas e ativistas políticos,

39

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da

língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição.

1999. 40

FARIAS, Rogério. Pelados na Av. paulista. Vídeo disponível em Rede

<http://www.youtube.com/watch?v=fty-48QOy-Q > acesso em setembro de 2006.

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35

enquanto caminhavam nus, as pessoas que transitavam pela rua

eram abordadas por membros desse grupo, sendo questionadas

sobre o que achavam do que estavam vendo. As opiniões eram

diversas, sendo que uns achavam ultrajante, outros achavam muito

interessante, e havia os que entenderam a idéia daquela ação.

O intuito era exatamente esse, chamar a atenção para os

problemas sociais, promovendo uma intervenção que nesse caso foi

utilizado a quebra dos padrões morais e sociais, que era andar nu,

sabendo que toda ruptura causa impacto e consequentemente

chama a atenção.

Outro bom exemplo de happening – manifestação foi um fato

ocorrido no dia 02 de agosto de 2005, nas dependências da

Universidade Estadual Paulista (UNESP), no campus de Franca,

cidade do interior do Estado de São Paulo. Nesse ato, durante a

visita do reitor da universidade para reunião com os administradores

do campus, alguns alunos invadiram o local onde estava sendo a

reunião, sendo que um chegou próximo do reitor, segurando um

balde, ajoelhou-se e pôs-se a vomitar dentro do balde, logo depois

justificando: “Com licença, caríssimo reitor, estamos aqui para

mostrar todo nosso cotidiano. Afinal, o senhor não se faz presente

com frequência no campus”41.

Em seguida este mesmo estudante defecou em um jornal,

enquanto outros estudantes se levantaram e colocaram na mesa do

reitor objetos representando coquetéis molotov, um tipo de bomba

caseira, demonstrando total indignação com o descaso com que o

reitor tratava aquele campus, que estava às ruínas, inclusive no que

se referia à condição física das construções. Segundo Bernardo,

aquele ato classifica-se como happening.

41

BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível

em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de

2005.

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36

Naquele happening as autoridades académicas foram um elemento tão importante quanto o colectivo artístico que o promoveu, com a diferença porém de que elas não quiseram participar do acto, e foi a sua própria recusa – totalmente previsível, claro – que teve ali valor estético, conferindo ao dinamismo do happening o seu motor principal e instalando nele uma linha de clivagem que tornou a leitura clara para os assistentes. Foi graças à actuação das autoridades académicas, que ao mesmo tempo estiveram envolvidas e recusaram estar, que o simbolismo daquela manifestação se tornou perfeitamente legível, o que contrasta com as ambíguas obscuridades a que se remete a grande maioria da arte conceptual dos nossos dias. 42

E como se pode ver estes dois exemplos de manifestação

utilizaram do happening para se desenvolverem, dentre eles várias

atitudes desse cunho podem ser atribuídas a essa linguagem

artística que permeia uma diversidade de valores.

2.4 - As vivências

O happening está em várias situações. Assim como as

famosas frases de cunho poético e filosófico dizem, a arte está em

todos os lugares. Então isto quer dizer que podemos enxergá-la em

tudo que vivemos. Nas situações pelas quais passamos, em nossa

rotina, nosso cotidiano, temos contato com inúmeros e pequenos

fatos que geram um contexto, e acaba por se chamar “vida”.

Dentro desse contexto, seja ele social ou individual, passamos

por vivências. O que isso significa? Vivência, segundo o dicionário:

“do Lat. Viventia, o fato de ter vida, de viver; existência; experiência

de vida; o que se viveu; situação, modos ou hábitos de vida.”43. Ou

seja, nós vivemos, seja qual for o modo, hábito ou experiência.

Portanto tem-se noção de que a vida é um conjunto de

vivências que criamos e manuseamos, formando nosso cotidiano. E

42

Id. 43

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989.Novo Aurélio Século XXI: o dicionário

da língua portuguesa – totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 3ª Edição.

1999.

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37

muitas vezes o dia-a-dia sofre interferência de meios diversos,

causando “uma quebra de rotina”.

Baseado nessas peregrinações conceituais acerca de

vivência pode-se dizer que o happening tem também sua inserção

nessa questão. Esta linguagem é muito usada, apesar de não ser

exatamente com o nome de “happening” - mas com as mesmas

características e resultados - nas intervenções feitas em hospitais,

empresas, terapias psicológicas em grupo e nas ruas.

As intervenções são feitas de formas distintas, porém geram

integração entre todos os elementos no momento de sua ação, além

de contribuir para o metabolismo vivencial da oportunidade em

questão.

Em formas mais práticas, uma idéia de criar um jogo lúdico

onde os transeuntes de uma praça qualquer participem, como por

exemplo, em uma peça teatral de rua de apelo participativo que faz

do espectador o condutor da idéia central; em interferências nos

locais de trabalho, levando os funcionários de uma empresa a

participarem de esquemas de descontração através de jogos e

brincadeiras; e até a utilização de jogos participativos em hospitais,

com finalidades de descontração e melhoria da situação do

paciente.

Alguns resultados observados foram a integração entre os

componentes envolvidos, melhorias nos relacionamentos e nos

ambientes. A essas experiências podemos definir como vivências.

As vivências podem ser consideradas happenings por terem

qualidades iguais ou semelhantes, da mesma maneira que o

happening pode ser entendido como uma linguagem que aplica e é

aplicado por vivências.

Tadeusz Kantor foi um artista plástico polonês, teórico e

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38

diretor teatral, em que Barros44 se baseou para argumentar sobre a

utilização de métodos do happening em outros meios e linguagens,

como o teatro por exemplo. Para isso utilizou o argumento da

integração entre arte e vida, captando uma idéia de Kantor:

“Para mim, o happening é a arte em meio à sociedade. Se um objeto é pintado sobre uma tela, não tem risco, são as condições da tela, da ilusão; mas se este mesmo objeto está no meio de nós, se nós, de boa vontade, o fazemos penetrar entre nós, na rua ou em uma sala, isto é happening, é a arte que extrapola o âmbito da arte. Aí teremos atingido a fronteira entre a vida e a arte”.45

Com essa linha ideológica, e ainda tendo a noção de que uma

de suas características é interferir no cotidiano, os exemplos dados

de vivência podem ser tidos como formas de happenings.

2.5 - As intervenções decorativas

Uma intervenção artística não é somente utilizada para expor

manifestos, críticas, ações políticas ou para chegar a algum tipo de

conclusão sobre uma realidade já existente. Pode também sugerir

um mundo novo, criando artifícios próprios da arte para se chegar a

esse ponto.

A obra de arte apresenta um modo novo de ver a realidade, porque ela não se refere necessariamente ao que de fato existe. A arte pode não só representar o mundo como ele é, mas como poderia ser. (...) Inova em temas, inova em estilos e linguagens, cria novos códigos para ser fiel à sua função de evocar um sentimento de mundo. A arte não tem a obrigação de explicar nada, não é um discurso lógico e, nesse sentido, não fica presa a enfoques teóricos. Ela nos faz sentir, por meio de uma obra concreta, uma possibilidade do mundo entrevista pelo artista. Ela nos traz a compreensão de certos aspectos do mundo.46

44

BARROS, Márcia de. As vanguardas históricas e o Happening segundo Kantor. Texto

disponível em Rede <http://www.fabricasaopaulo.com.br/articles.php?id=176> acesso em agosto

de 2006. 45

Ibid. 46

MARTINS, Maria Helena Pires. A Importância da Arte na Cultura. Texto disponível em Rede

<http://www.educarede.org.br/educa/oassuntoe/index.cfm?pagina=interna&id_tema=16&id_subte

ma=1&cd_area_atv=1> acesso em junho de 2006.

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39

Porém, assim como em todas as formas de arte, as pessoas

chegam a algum lugar, com algum propósito, mesmo que esse

propósito seja o mais simples possível.

Dentro desse parâmetro, cabe mencionar então a existência

de happenings que tenham a função única de alegoria. Isto quer

dizer, em modo mais coloquial, que existem happenings feitos com

o simples objetivo de decorar, de “enfeitar” seu momento a ser

interferido, alterando seu cotidiano.

Essa forma seria mais um dos vários propósitos que existem e

que podem vir a existir em uma intervenção dessas. Levando em

conta que o happening é uma manifestação performática que busca

“a reintegração da arte e da vida”47, e que arte é uma forma de

expressar os sentidos, acrescentando algo à realidade, podemos

afirmar que uma obra com o intuito de decorar algo estaria também

desempenhando sua função de acréscimo, por ter também algo a

dizer.

Sendo assim, no caso do happening, o objeto a ser decorado

seria a situação, o momento, e logo então a obra se completa com a

intervenção feita sobre este elemento. Seus objetivos dentro desse

propósito, portanto, pode ter várias facetas, como por exemplo,

descontrair uma situação, levar os espectadores a se

movimentarem diante de um momento mais monótono, dar um

aspecto mais lúdico, uma estética visual integrada com o contexto

ocorrido etc.

Para isso podemos citar várias ocorrências que podem ser

consideradas happenings ou até então da mesma família. Temos

como exemplo uma intervenção artística proposta por um grupo de

artistas de um centro de pesquisa em arte contemporânea – o Ateliê

Aberto – e localizado em Campinas. Idealizada pelas artistas Sylvia

47

LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva

Visión, 1967. p75.

Page 33: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

40

Furegatti, Samantha Moreira e Érika Pozetti, essa intervenção foi

promovida em uma série de Palestras de um Espaço Cultural na

mesma cidade, tendo como nome “Projeto VIP – Very Important

Persons”. E para ladear esse ciclo de palestras, a curadora do

espaço elaborou uma exposição de arte contemporânea, chamada

Por um fio.48

Convidado a integrar esse projeto expositivo, o grupo do

Ateliê Aberto decidiu propor uma participação que buscasse a

mesma idéia de fragilidade e configuração do título do projeto. Com

isso, criou o projeto VIP, essa proposta de intervenção artística que

ocorre noutro tempo e espaço da curadoria para o espaço cultural.

Ao invés de se instalar junto dos demais trabalhos que

estavam apresentados no espaço expositivo da mostra Por um Fio,

o projeto VIP buscou agregar-se ao Ciclo de Palestras, que estava

programado para certos períodos, trazendo o questionamento sobre

os códigos de acesso à arte e pensamento contemporâneo

praticados em nosso cotidiano.

Nas palestras renova-se a ação/intervenção do projeto,

constituída pela entrega de uma camiseta para cada participante

das palestras. A cada semana, a camiseta, sempre na cor preta,

trazia estampada em seu peito o primeiro nome do palestrante

daquela noite em letras garrafais e cores vibrantes. A penumbra

natural do ambiente reforça a leitura do nome repetido na totalidade

do auditório.

As pessoas que vêm para as palestras eram estimuladas pelo

grupo do Ateliê Aberto a vestirem a camiseta para participar da

construção de uma paisagem formada pela repetição do nome

daquela pessoa a quem vieram prestigiar. Com isso, formou-se um

primeiro momento-homenagem no qual um projeto constrói uma

48

FUREGATTI, Sylvia; MOREIRA, Samantha; POZETTI, Érika. Release do Projeto VIP – Very

Important Persons. Campinas: 2006.

Page 34: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

41

imagem possível de ser vista integralmente apenas por uma pessoa.

Pretendeu-se que essa paisagem construída suscitasse pequenas

intervenções na própria fala do palestrante incorporando,

indagando, duvidando talvez, de sua visão privilegiada, da

circunstância ali criada.

Em exemplos como esse, se tem a idéia de que a intervenção

proporcionada por um happening pode ter resultados práticos de

integração, conscientização e tratamento momentâneo, mesmo

sendo um item de cunho alegórico.

2.6 - Os Flash - Mobs

Os “Flash Mobs” são manifestações aparentemente sem

objetivo que são organizadas rapidamente com o uso de recursos

da Internet, como e-mails e mensagens instantâneas. Em um curto

espaço de tempo, um grupo de internautas combina um ponto de

encontro, onde realizam alguma ação inusitada e em seguida se

dispersam sem dar nenhuma explicação.

Traduzido do inglês para "mobilização instantânea”, é um

evento em que um grupo de pessoas vai, de repente, a um lugar

público, desenhando movimentos pré-coreografados e sem sentido

aparente, apenas por entretenimento ou muitas vezes com

finalidades políticas e de reivindicação.

O fenômeno começou em junho de 2003 quando as pessoas

se tornaram cientes, através da Internet, de um evento chamado de

"o projeto mob", em Nova York. Depois que se encontrarem em

Manhattan, instruções adicionais foram emitidas, e um grupo de

aproximadamente 100 pessoas convergiu no departamento de

tapetes da loja Macy, reunindo-se em volta de um tapete específico.

Um segundo mob foi organizado na estação Grand Central.

Lá aconteceu com um aplauso espontâneo por um período de 15

segundos, após as pessoas se dispersaram tão rapidamente como

Page 35: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

42

tinham aparecido.

O fenômeno espalhou-se para fora dos Estados Unidos, com

graus muito variáveis de sucesso. O primeiro flash mob em

Portugal, por exemplo, apesar de muito exposto pela publicidade,

reuniu apenas três pessoas nas escadarias da Assembléia da

República, marcando, muito provavelmente, o princípio e o fim

dessa moda no país.

No Brasil, um flash mob ocorreu em São Paulo, no ano de

2004, na Avenida Paulista. Um grupo de pessoas combinou de fazer

uma performance ao primeiro sinal verde (para os pedestres) depois

do meio-dia de um certo semáforo.

Quando o sinal abriu, os pedestres em vez de atravessar a

rua normalmente, tiraram um dos sapatos e começaram a bater no

chão, como se estivessem matando baratas. Depois disso, todos se

dispersaram. Esse foi tido como o primeiro flash mob oficial

brasileiro.

“Essa forma de manifestação coletiva, ainda que ocorra sem qualquer justificativa aparente, a não ser o desejo do inusitado, guarda consigo possibilidades infinitas, cujo limite é a criatividade humana. E eventos relâmpagos desse tipo começam a surgir imbuídos, por exemplo, de uma finalidade critativa”.49

Tal como observaram Ribeiro e Pereira50, algumas marcas

dos desafios analíticos visíveis no caso dos flash mobs envolvem,

por exemplo, considerações a respeito de seu caráter enquanto

manifestações artísticas – algo que surge ao considerarmos como

os flash mobs se aproximam de formas canônicas e estabelecidas

de expressão, como o happening e a performance.

Além de haver questões políticas propostas por esse

49

GURGEL, Rodrigo. Flash mob: uma nova fissura na sociedade do espetáculo. Texto disponível

em Rede <http://www.nova-e.inf.br/centrodaterra/nova_fissura.htm> acesso em outubro de 2006. 50

RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo

Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede

<http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/jribeiro.html> acesso em

outubro de 2006.

Page 36: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

43

movimento – pois, evidentemente, trata-se de eventos que ocorrem

na contemporaneidade e são portadores de uma pauta de

interesses.

“Há uma série de formas híbridas que parecem dar conta de um fenômeno como as flash mobs. A arte engajada, por exemplo, nos traz endereçamentos políticos explícitos, e configura assim uma manifestação que é, ao mesmo tempo, artística e política. Ainda, os eventos políticos hoje aparecem muitas vezes de tal maneira envoltos na aura do espetáculo que adquirem algo da expressão artística. O apuro estético e o apelo freqüente a convocações emocionais tornam o ambiente da política cada dia mais afim às manifestações tomadas como artísticas tais como o happening e a performance.”51

Ainda de acordo com Ribeiro e Pereira, outro ponto passível

de reflexão é o fato de um evento como esse causar uma variedade

de percepções e interpretações que podem ser geradas. Como não

se pode perceber à primeira vista nenhum sentido para a presente

aglomeração de pessoas, bem como para as ações sincronizadas

desenvolvidas por elas, os observadores tendem a buscar razões

que justifiquem ou, pelo menos, que mostrem a plausibilidade de

tais manifestações.

O que se nota é uma identificação inicial com a forma de protesto tradicional (“Será uma passeata?”). Logo outras questões se apresentam: “Protesto a favor de quê?” ou “Contra o quê?”. Entretanto, antes mesmo de se intuir uma resposta, o aglomerado se dissipa sem deixar qualquer sinal de sua existência. Ali, onde apenas há um ou dois minutos havia um grupo organizado de pessoas realizando uma manifestação consistente, já não há mais nada a não ser a memória dos que testemunharam o ocorrido. E todo esse mecanismo intensifica as dúvidas e os questionamentos dos circunstantes: “Alguém pode me dizer o que aconteceu?”, “Onde estão as pessoas que estavam reunidas aqui?”52

Sob a perspectiva de um observador casual, a incoerência

mostra-se alarmante, uma vez que não há pistas disponíveis que o

ajudem no enquadramento da situação peculiar vivenciada.

51

Ibid. 52

Ibid.

Page 37: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

44

2.7 – Bonecos e a Representação

O ser humano buscou representar a si mesmo desde seu

princípio. Seja através de pinturas, entalhes, modelagem, enfim,

uma infinidade de sinais para demonstrar uma relativização do ser.

Na pré-história os humanos pintavam as paredes das cavernas,

faziam algumas esculturas e em geral a finalidade era registrar de

certa forma suas atitudes, meios, formas de viver e tudo o que viam.

Os bonecos estão inseridos nesse contexto, sendo

instrumentos utilizados para representação de algo, seja um sujeito,

animal ou objeto da vida cotidiana. Isso existe há milhares de anos,

desde os tempos das cavernas e no começo de sua história, e eles

não eram usados como brinquedos.

Tinham, quase sempre, uma função religiosa, só podendo ser

manuseados por sacerdotes e curandeiros. Sua utilização é feita de

formas diversas, tanto para ser imagem de ícones religiosos como

também para artefatos lúdicos, brinquedos, geralmente direcionados

a crianças.

A grande maioria dos bonecos são brinquedos para crianças... Alguns puramente decorativos ou ainda tem significação cultural, às vezes usados em cerimônias ou rituais - outras vezes principalmente - e representam mais raramente de divindades.53

Os bonecos têm uma grande influência tanto em crianças

quanto em adultos, pois estimulam a imaginação e a criatividade,

agindo como um meio de transição entre a vida pessoal e social

do público infantil.

A criança como o homem adulto, não se contenta em se relacionar com o mundo real, com os objetos; ela deve dominar os mediadores indispensáveis que são as

53

Wikipedia, a enciclopédia livre. Poupée. Texto disponível em rede

<http://fr.wikipedia.org/wiki/Poup%C3%A9e> acesso em julho de 2006.

Page 38: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

45

representações, as imagens, os símbolos ou os significados (...)54

As representações das coisas (entre elas objetos, animais e

outros humanos) se dão de diversas formas de acordo com a

realidade deste, que pode ser a forma do boneco, que material foi

utilizado em sua construção, sua customização e sua expressão.

Existe uma grande variedade de bonecos: com corpos rígidos ou

articulados (o modelo mais comum), macios (com o corpo

recheado, às vezes com material sintético), de luxo (os mais

procurados pelos colecionadores), fonográficos (que andam ou

falam), banhistas (novidades) e manequins (aqueles que têm uma

vitrine com suas próprias roupas), e vários outros exemplos,

dentro de uma infinidade possível.

A forma como é feito o boneco é fruto da configuração que

se pretende dar a ele, como a customização, vestimenta e

adereçamento. Tem função mais ligada ao fator cultural em que o

objeto em questão está inserido, e em termos gerais sua

expressão se coloca a serviço do entendimento de uma situação

em que se envolve, assim como acontece com os humanos.

“Na idade média, as bonecas passaram a ter

grande importância na moda. Estilistas vestiam-nas com suas criações e as enviavam para rainhas e damas escolherem os modelos de seus vestidos. Os meninos romanos, por sua vez, se divertiam com bonecos de cera e argila que representavam soldados.”55

Alguns exemplos de materiais usados na confecção de

bonecos são de madeira, biscuit, porcelana, papel machê,

celulóide, cera, feltro, tecido ou plástico. Os bonecos de pano, em

especial, têm muito significado cultural em toda sua existência,

pois sua construção remete à simplicidade, acessibilidade, tanto

54

BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995. p 40. 55

ATZINGEM, M. C. Von. História do brinquedo. São Paulo: Alegro, 2001. p 06.

Page 39: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

46

que na sociedade ocidental os ursos de pelúcia e bonecos do tipo

eram freqüentes nas mãos de crianças e até de adultos.

Sua composição, feita com tecido e com enchimentos

variando entre mais tecidos e espuma, favorece o toque, o

conforto, unido com a graça e o fator lúdico que essas peças

provocam.

Porém, com a evolução da tecnologia e da inovação de

materiais, os bonecos de pano foram ficando obsoletos. Com a

vinda de novos modos de fabricação de imagens e brinquedos em

geral, gerou-se formas mais práticas de se manipular e interagir

com bonecos.

Isso fez com que os artefatos de pano fossem vítimas de

receios, de exclusão, visto que um boneco de pano é muito menos

prático de se relacionar do que um de plástico, onde as formas

são mais exatas, o material é lavável, duro, e representa o real

com mais veracidade.

Em contrapartida, o material em pano ainda é valorizado por

algumas culturas, que consideram que além de promover o lúdico,

são artefatos interessantes para o desenvolvimento e valorização

de meios sociais, tendo baixo custo, como por exemplo, no texto

de Santos, que explana sobre a importância de bonecas de

caráter afro-brasileiras para uma valorização desse segmento:

“A produção de bonecas negras é pensada como uma necessidade de investimento industrial e mercadológico para vencer a resistência às bonecas feitas de pano, vistas como um "brinquedo pobre" e associadas à espiga de milho de Emília, personagem do escritor Monteiro Lobato, ou mesmo como objetos de

rituais afro-brasileiros...” 56

O interessante é que apesar de sua suposta obsolescência,

o boneco de pano tem importância inerente a qualquer objeto de

56

SANTOS, Jocélio Teles dos. O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza

étnicos. Texto disponível em Rede <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-

546X2000000200003&script=sci_arttext&tlng=en> acesso em outubro de 2006.

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47

representação, seja qual for sua forma de existir. E como todo

produto simbólico que é produzido pelo ser humano buscando se

representar, o boneco é dotado de conceitos complexos e com

isso apresenta uma diversidade de interpretações.

3 – ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE HAPPENING E

PERFORMANCE

[O happening] “Trata-se de uma forma efémera, em que o artista, neste caso um colectivo artístico, é ao mesmo tempo encenador e representante, e em que o público é envolvido. Em todo o verdadeiro happening a participação do público, voluntária ou involuntária, é indispensável, e deve ser este o critério para distinguir happening e performance. A performance assemelha-se a uma representação teatral, embora na maioria dos casos inclua uma boa parte de improviso, à semelhança do que sucede no jazz. Por seu lado, através de um envolvimento mais amplo do público, os happenings permitem ultrapassar a noção de espaço cénico fechado e convertem-se numa estetização da vida quotidiana.”57

Apesar de ser definida por alguns historiadores como um

sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do

aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação

direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John

Cage, os happenings eram "eventos teatrais espontâneos e sem

trama".

Foi da integração entre o happening e a arte conceitual, que

nasceu na década de 1970, a performance, que se pode realizar

com gestos intimistas ou numa grande apresentação de cunho

teatral. Sua duração pode variar de alguns minutos a várias horas,

acontecer apenas uma vez ou repetir-se em inúmeras ocasiões,

realizando-se com ou sem um roteiro, improvisada na hora ou

ensaiada durante meses. Já os happenings surgem tendo uma

diversa definição na condição de utilização do social.

57

BERNARDO, João. Um Acto Estético. Sobre as expulsões na Unesp-Franca. Texto disponível

em Rede <http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm> acesso em setembro de

2005.

Page 41: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

48

Renato Cohen58 defende que a performance tem uma

preocupação mais estética do que o happening, como se estivesse

incorporando maior aspecto visual e, logo, aumentando sua

esteticidade. A performance seria extraída do happening e atribuída

maior apelo estético. O autor menciona, em relação ao happening, o

fato de ter certa simplicidade no que se refere à questão estética:

“No happening interessa mais o processo, o rito, a interação e

menos o resultado estético final”59

O happening e a performance têm estruturas semelhantes,

ambos têm caráter de contestação, são linguagens instantâneas,

fugazes, e sua expressão se utiliza mais do apelo visual do que da

palavra, apresentando maior liberdade de relações entre os

elementos de foco. Possuem outros pontos em comum, desde

aspectos temáticos, organizacionais, estilísticos etc.

Porém, apesar de terem relações quanto à estrutura, o

happening e a performance possuem uma série de pontos a

diferenciá-los. Em princípio, a diferença começa no tempo em que

cada linguagem é evidenciada. O happening surgiu a partir dos anos

60, tendo a performance se extraído deste para se firmar nos anos

70. “Pode-se dizer, de uma forma genérica, que a Performance está

para os anos 70 assim como o happening esteve para os anos

60.”60

A performance se desprendeu do ideal anárquico-alternativo,

típico da contracultura, e incorporou-se maior apelo estético, porém

com a mesma estrutura de ação que tem o happening. Disso se

depara com a idéia de que no happening o ponto chave é a

interação coletiva, onde o artista proponente da ação é o condutor

da vivência que envolve o espectador, sendo o público o motor da

58

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Col. Debates, Perspectiva, 1980. p

134. 59

Ibid. p 132. 60

Ibid. p 134.

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49

obra; já na performance a pretensão seria causar reação ao público,

não necessariamente interagindo com este.“A possibilidade de

intervenção do público numa performance é muito menor que no

happening”. 61

Já no happening essa absorção maior do público está em sua

possibilidade de participar, se integrando à obra junto com o autor,

sendo que este último não fica sozinho na produção do ato, assim

como Cohen62 acrescenta, “a participação do público diminuía sua

responsabilidade [do autor] enquanto atuante”. E ainda diz que “no

happening, o limite entre o ficcional e o real é muito tênue”63,

justamente por ter caráter de integração intensa com o público,

permitindo situações de imprevisto.

Somente por essa característica já pode se dizer que o

happening possui mais “quebras” de convenções que a

performance, dotado de tendências anárquicas da contracultura.

Esta é mais próxima da criação plástica convencional, onde o autor

produz a obra e apresenta ao público, com o diferencial de ele

mesmo ser parte da obra.

“O performer vai conceituar, criar e apresentar sua performance, à semelhança da criação plástica. Seria uma exposição de sua ‘pintura viva’, que utiliza também os recursos da dimensionalidade e da temporalidade”.64

Isso quer dizer que a performance permite maior fixação da

obra, maior estabilidade, e como diz Cohen, uma cristalização, se

tornando mais previsível, pois não se permite improvisos alheios

durante a apresentação. Esta cristalização mencionada possibilita

sua reprodução.

Cohen elaborou em seu texto uma tabela65 que faz uma

análise comparativa entra as duas linguagens, demonstrando seus

61

Ibid. p 138. 62

Ibid. 63

Ibid. p 133. 64

Ibid. p 137. 65

Ibid. p 136.

Page 43: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

50

pontos divergentes:

Período Happening Performance

1960-1970 1970-1980

Sustentação Ritual Ritual - Conceitual

Fio Condutor Sketches

(algum controle)

Colagem – Sketches

(aumento de controle)

Forma de Estruturação Grupal Individual

(Colaboração)

Ênfase Social

Integrativa

Individual

Utopia Pessoal

Objetivo Terapêutico

Anárquico

Estético

Conceitual

Material Plástico Eletrônico

Tempo de Apresentação Evento

(sem repetição)

Evento

(alguma repetição)

O happening é uma linguagem que deu à luz a performance, e

esta cresceu de acordo com os paradigmas daquele, adquirindo ao

longo de sua existência novas formas de agir, desenvolvendo sua

própria personalidade, sendo uma geração seguinte à do

happening.

Essas duas linguagens têm o mesmo processo, mas de

maneiras diferentes, e como Cohen66 diz, “duas versões de um

único movimento”.

66

Ibid. p 136.

Page 44: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

51

4 – A ARTE- EVENTO

Cabe inicialmente esclarecer e definir o que é um evento no

âmbito da arte. Evento é um acontecimento baseado em situações

proporcionadas pelo cotidiano e que se constitui de objetos

concretos ou não. Essas situações se relacionam entre si e com o

meio em que se inserem.

As situações são infinitamente mais complexas que meros

objetos. Fazer de um objeto que geralmente é de uso comum pelas

pessoas, e o elevar a condição de arte foi uma idéia desenvolvida

por Marcel Duchamp no começo do século XX. Se considerarmos

de uma forma simplista, que uma determinada situação (evento ou

acontecimento), por mais complexa que pareça, é tratada como um

objeto comum a sofrer interferência artística, então se pode fazer

desta também uma obra de arte.

Fazendo uma comparação simples, podemos dizer que na

pintura a idéia é o que faz o artista. A concretização dessa idéia é a

mão de obra dele na criação da obra, com tinta, pincel e o suporte

principal que, por sua vez, é a tela. Neste presente trabalho de

intervenção, apesar do artista também propor a sua própria idéia, o

principal suporte será a situação específica da defesa. Os

instrumentos são os próprios elementos que compõem o cenário na

hora. E o desenvolvimento da obra seria a forma com que o evento

“se conduz”. Isso pode ser afirmado dada a imprevisibilidade do

happening, que se conduz por si mesmo.

“(...) a possível aproximação com o que se convencionou chamar de forma genérica como ‘zona autônoma temporária’ (Bey, 2001), ou seja, uma série de

Page 45: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

52

manifestações de teor anarquista que não se vinculam ao padrão de agrupamento regido por uma lógica produtivista ou utilitária. Em tais manifestações, a ludicidade, por um lado, e a expressão de sentimentos e de comportamentos não habituais, por outro, são predominantemente privilegiados.”67

A arte, como evento, serve para explicar um fato enquanto

ritual artístico. Seria como se o ritual em si e o próprio tempo em

que esse ato se desenvolve, fossem considerados a obra de arte

em sua totalidade. Isso se baseia também na linguagem das

assemblages, que antecedeu ao happening.

As assemblages (ou collages), eram técnicas de colagens de

materiais em algum suporte, fossem eles distintos ou iguais, onde o

artista caminhava pela incorporação de materiais não artísticos nas

telas68. Este trabalho artístico pretende romper definitivamente as

fronteiras entre a arte e a vida cotidiana; ruptura já ensaiada pelo

dadaísmo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp, por

quem a elevação de um objeto comum à obra de arte pode ser ou

não sujeito a incorporações de outros elementos. Lebel, em certa

altura de seu texto, insere uma idéia de Allan Kaprow que fala sobre

essa questão no happening, que desmonta sua própria idéia

original:

“Em suas origens, o happening era concebido como uma arte de justaposição, uma ‘collage’ de acontecimentos. Porém esta concepção, apesar de seu interesse real, foi sobrepassada pelo caráter irresistível da combinação dos acontecimentos: era como se, subitamente, acontecimentos imprevistos e algumas vezes sofisticados e primitivos substituíssem o roteiro original.”69

67

RIBEIRO, José Carlos; PEREIRA, Antônio Marcos. Os Desafios Analíticos Propostos pelo

Fenômeno das Flash Mobs. Texto disponível em Rede

<http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/jribeiro.html> acesso em

outubro de 2006. 68

Itaú Cultural. Texto disponível em rede

<http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_text

o&cd_verbete=325> acesso em outubro de 2006. 69

LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva

Visión, 1967. p 70.

Page 46: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

53

4.1 – Marcel Duchamp e o Ready Made

Duchamp é um dadaísta por excelência. Por volta de 1915,

quando abandona a pintura, assume uma atitude de rompimento

com o conceito de arte. O ready-made (em tradução literal, “pronto-

feito”) é uma manifestação ainda mais radical da sua intenção de

romper com o fazer artístico na época: a escolha de produtos

industriais, realizados com finalidade prática e não artística, por

exemplo: urinol de louça, pá e roda de bicicleta, elevados à

categoria de obra de arte. Nesses casos, está implícito também o

propósito de chocar o espectador tradicional e conservador.

Ainda em 1915, o artista vai de Paris à Nova York, trazendo

consigo um balão de vidro, com o qual pretendia presentear o seu

amigo, o colecionador de arte Walter Arensberg, e sua esposa. No

mesmo ano confrontou o mundo artístico de Nova York, que em

1913 considerara o seu quadro Nu Descendant Un Escalier ora uma

"fábrica de ripas em explosão", ora uma obra-prima, com uma nova

surpresa: os ready-mades.

O ready-made era a dedução lógica a que Duchamp havia

chegado a partir da recusa dos empreendimentos comerciais com a

arte, e da incerteza quanto a um sentido da vida, de modo geral.

Ele ainda afirmaria mais tarde que "será arte tudo o que eu

disser que é arte"70, ou seja, todo acervo artístico que nos foi legado

pelo passado só é considerado arte porque alguém assim o disse e

nós nos habituamos a admiti-lo.

Seus ready-mades, de acordo com seu decreto, tornavam-se

obra de arte, na medida em que ele lhes dava tal título. De onde se

conclui que ‘Monalisa’, de Da Vinci, ou, de ‘O Enterro do Conde de

Orgaz’, de El Greco, não seriam mais arte do que um urinol ou uma

pá de lixo. Essa tese se explicita quando Duchamp acrescenta uma

barbicha e um bigode na obra-prima de Da Vinci, em 1919.

70

RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Page 47: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

54

De acordo com o livro “Dada e Antiarte”, de Hans Richter, o

autor afirma que um dos desejos do artista era ressaltar que a

escolha dos ready-mades nunca foi ditada por consideração de

prazer estético, mas baseava-se numa reação de diferença visual,

independentemente de bom ou mal gosto.

“Na realidade, um estado de anestesia total (ausência de

consciência)”71, segundo o próprio artista, que ainda tinha uma

palavra final com relação a este círculo vicioso: “como todos os

tubos de tinta que são usados pelo artista são produtos industriais

'ready-made', é forçoso concluir que todos os quadros são 'ready-

made’ confeccionados".72

Portanto se afirma que tudo o que o artista utiliza para a sua

produção e em todo seu desenvolvimento, é um elemento artístico

e, portanto, uma arte.

71

Ibid. 72

Ibid.

Page 48: Lopes; leonardo henrique da silva   como assistir a uma defesa de trabalho de conclusão de curso

55

5 – O TRABALHO

A manifestação do happening do presente trabalho se dá no

anfiteatro do DAC (Departamento de Artes e Comunicação) desta

universidade, local pré-escolhido para a execução da obra. O local

constitui-se de poltronas e um tablado onde se localizaram a banca

de professores e o acadêmico em defesa da monografia. Das

poltronas, 34 são ocupadas por bonecos, trajados com roupas

comuns e também de fantasias, do tamanho de uma pessoa normal,

dispostos de forma que fiquem sentados aleatoriamente pelo

espaço. Há também um boneco sentado junto à banca, totalizando

quatro os seus ocupantes.

Faz-se necessário que não apenas os bonecos, mas que

todas as pessoas (inclusive a banca) estejam customizadas, e, para

tanto, uma pessoa se responsabilizará pela distribuição de

máscaras para o público presente, na entrada do anfiteatro, no dia

da apresentação. A caracterização do público se faz não só

necessária como também obrigatória, para atender ao propósito da

obra, causando assim todo o dinamismo e a interatividade proposta

inicialmente pelo trabalho.

5.1 - O momento da defesa como evento artístico

Uma vez que este trabalho é uma intervenção, é necessário

que ele interfira no meio onde acontecerá. O interessante desta

intervenção, é que ela se dá exatamente no momento da defesa da

monografia.

A arte acontece enquanto durar a apresentação e essa

situação foi escolhida justamente pela intenção de transformar um

momento cotidiano em objeto artístico. Por isso foi utilizada a

linguagem do happening, por ir ao encontro do objetivo deste

trabalho, integrando os elementos presentes no momento e

transformando-os. O happening é uma arte, uma linguagem, que de

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56

certa forma utiliza traços do cotidiano como essência da sua

realização, integrando arte e vida.

“O happening intervém no mito pela experiência

diretamente vivida. Não se contenta com interpretar a vida, mas participa de seu desenvolvimento na realidade. Tal atitude postula um laço profundo entre o vivido e o alucinatório, o real e o imaginário.”73

Traçando um paralelo com as obras ready-made de Marcel

Duchamp, é possível dizer que a intervenção acontece baseada no

mesmo conceito: um objeto já existente (defesa da monografia,

cotidiano, público) que sofre algumas interferências (bonecos,

máscaras) e elevado à condição de obra de arte (happening, arte-

evento).

5.2 - Os bonecos como forma de intervenção

Com a intenção de colocar o público sob reações e

questionamentos e de transformar a situação de apresentação da

monografia, os bonecos são os principais instrumentos utilizados

para a realização da intervenção. Apesar de causarem um impacto

estético e visual importante para a obra como um todo, eles também

causam reações imprevisíveis, mas que serão relevantes por serem

exatamente o propósito de interação entre os componentes da obra,

assim como numa obra convencional, em que uma pintura exposta

num museu fica sujeita a avaliação crítica do espectador.

“Consideremos os ‘utensílios’ utilizados no

percurso dos happenings, sejam objetos de funcionamento simbólico ou também objetos usuais de funcionamento real. São agentes condutores, signos (...)”74

O fato de alguns bonecos estarem devidamente customizados

e alguns vestidos como pessoas, tem vários motivos, além de

73

LEBEL, Jean-Jacques. El Happening. Buenos Aires: Colección Ensayos, Ediciones Nueva

Visión, 1967. p 19. 74

Ibid. p 74.

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57

auxiliar a intenção estética do trabalho, provocar reações e

aproximá-los ao público que estará sentado entre eles.

Essa aproximação se dá pelo fato de eles representarem o

ser humano, tanto como representação fiel, quanto caricata e lúdica.

Dentre essas formas variadas, eles ficam dispostos de maneiras

diversas, alguns em posições costumeiramente humanas e outros

de outros modos pouco ortodoxos.

Os bonecos vão estar todos caracterizados, com exceção das

cabeças, para demonstrar um padrão que representa justamente

uma atitude comum do público que vai a uma defesa de monografia,

onde ficam sentados, assistindo à explanação.

Como as cabeças não estão customizadas para justamente

representar este padrão, isso gerará certo paradoxo entre padrão e

não padrão, possibilitando ainda mais questionamentos em relação

ao happening desenvolvido.

5.2.1 - A questão do boneco-bicho

As cabeças dos bonecos serão a representação do padrão,

pelo fato de estarem sem customização. Os corpos customizados já

querem representar o contrário, porém, em termos gerais, todos vão

ser bonecos representando o ser humano, esteja caricato ou não.

Logo, isto se encaixa em mais um padrão (conflito existente

entre padrão e não padrão - um paradoxo) que será quebrado com

a presença de um boneco representando um bicho caricato, sentado

junto aos demais bonecos e ao público.

Por não ser o boneco-bicho uma representação humana, para

demonstrar a diferença dos demais bonecos, ele é um instrumento

único, que provavelmente é passível de levantar diferentes reações,

tal qual a utilização dos bonecos pretende. Como se não bastassem

apenas a representação humana, o boneco-bicho pode vir a

promover mais reação do que a já cumprida pelos outros bonecos.

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58

Isso finaliza a justificação da proposta do trabalho, que é

interferir no momento, de forma que cause interação entre os

elementos constituintes da obra, inclusive o espectador, formando o

jogo proposto pela ação.

5.3 - O público e os professores da banca como parte do trabalho

Segundo Lebel, o circundante é o elemento essencial do

happening e a arte deve fugir da forma tradicional de sua exposição.

Ele ainda acredita que “o princípio de integração cena-auditório, o

primado da criação artística sobre o exame racional, a importância

acordada ao circundante e ao ambiente constituem a especificidade

do happening”75.

A utilização do público e dos professores acontecerá para

fazer parte da transformação do evento, que é a defesa da

monografia no curso de Artes Visuais. O artista regente determina

que tudo que se relaciona com o evento será considerado arte,

inclusive a participação dos professores da banca e do público como

um todo.

Como bem lembram as lições de Lebel76, está fixado que com

a “arte de participação”, o espectador não se comporta somente

como observador, como se faz com a pintura, por exemplo. No

presente caso, já se porta de uma forma mais dinâmica, cujo

funcionamento condiz com a intervenção do espectador, e não

somente a contemplação.

E ainda segundo o autor, cada espectador vai ter algum tipo

de reação e conseqüentemente uma interpretação da obra, de

acordo com sua experiência pessoal, pois “Cada participante de um

happening possuí uma mandala interior diferente; a comunicação

tem lugar, pois, transconscientemente” .77

75

Ibid. p 58. 76

Ibid. p 44. 77

Ibid. p 33.

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59

O público também estará utilizando máscaras como forma de

adereço. Isso acontecerá para deixar em evidência a participação

do público enquanto parte da obra, além dar um toque estético e de

ajudar na interação. De certa forma o fato do público estar usando

máscaras, propõe um contraponto com os bonecos,

complementando-os.

Essa complementação se dá pela idéia de suprir a ausência

de customização na cabeça dos bonecos, pois como eles vão estar

com essa parte nua, o público os complementa, estando enfeitados

nessa parte do corpo. Isso propõe um jogo onde se oferece artifícios

para se fazer parte da obra, como relata Lebel:

É necessário inventar uma maneira de entrar em um jogo que não lhes choque violentamente, que não os traumatize. Criar um estado de espírito intensamente receptivo, a partir do qual o happening pode largar amarras. Em uma oportunidade distribuímos a cada participante dois sapatos que não formavam o par. A sala inteira se pôs a trocar um sapato esquerdo por um direito, um 38 por um 42, etc. Em seguida, se criou um clima.78

Este exemplo de happening exemplifica claramente a idéia de

utilização de objetos para formar o ritual proposto, sendo

manuseados pelos participantes e assim criando uma interação

maior entre os componentes da obra.

A arte faz parte da gente e a gente faz parte da arte. A arte

influencia o público e o público a influencia. Tudo isso acontece

numa interação máxima onde a realidade e o evento se confundem,

criando assim uma grande obra viva.

78

Ibid. p 55.

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60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inovar num projeto de conclusão de curso, além de ser uma

experiência desafiadora, requer bastante responsabilidade. Mostrar

que existem outros caminhos na arte foi um dos meus objetivos.

Utilizar novas linguagens para manifestar uma idéia não apenas traz

novos conhecimentos, como também questiona e aprimora os

antigos.

Desde o início do curso de Artes Visuais, havia o sonho de

integrar e reunir as pessoas, celebrando a união e confraternizando

com todos. O Trabalho de Conclusão do curso foi a oportunidade

encontrada para manifestar esse sonho, que antes parecia utópico.

Unir o real e o imaginário foi o grande desafio, tornando a

apresentação deste projeto um momento especial. Foi, aliás, uma

atitude que levou ao conhecimento do happening, suas nuances e

seus caprichos.

O happening não é apenas uma forma de questionar um

assunto ou tema, mas também de unir as pessoas e torná-las parte

essencial de uma obra de arte. Assim cria-se uma mescla da

capacidade criadora do artista, que transmite sensações e

sentimentos, inovando na forma e no conteúdo, podendo opor-se

aos padrões aceitos pelo consenso geral e agindo de modo

provocante e com determinado fim. O happening é uma

manifestação artística que mistura as artes visuais com as

improvisações cênicas e outras linguagens, através de objetos nem

sempre considerados artísticos, além de ser aberto à participação

do público, sendo efêmero, porém, vital enquanto presente o

espectador.

Embora esta seção seja conclusiva, ela não se propõe a

apresentar respostas prontas ou a defender verdades concretas. Ao

contrário, busca estimular a reflexão e levantar pontos de partida

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61

para futuros trabalhos ou investigações científicas no campo da arte,

a partir da linguagem do happening ou de qualquer outra que possa

vir a ser utilizada e até transformada em benefício da evolução

artística.

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62

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