342

Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

  • Upload
    ludover

  • View
    330

  • Download
    20

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia
Page 2: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

2

O Nobre e a Plebéia

Surrender To The Devil

Lorraine Heath

Londres, 1851.

Um duque sedutor.

Frannie Darling foi uma menina de rua que cresceu rodeada de ladrões, delinquentes e marginais

perigosos. Mas embora tenha sobrevivido a esses tempos difíceis de infância e adolescência, e tenha se

tornado uma mulher de incomparável beleza. Frannie não quer envolvimento com os homens que se

Page 3: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

3

interessam por ela, os cavalheiros que frequentam a casa de jogos onde ela trabalha. Frannie é

perfeitamente capaz de tomar conta de si mesma e sabe se cuidar... isto é, até ela retornar ao submundo

onde cresceu, e descobrir que, de fato, é um lugar muito perigoso...

Diversão sim, casamento não.

É assim que pensa Sterling Mabry, o duque de Greystone. Frannie, porém, abomina aristocratas

arrogantes e egoístas que só pensam em seu próprio prazer. Mas então por que o simples pensamento de

um encontro ilícito com o atraente duque a deixa trêmula do desejo? E por que seu solitário coração

anseia por se entregar para sempre àquele homem?

Page 4: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

4

Querida leitora,

Frannie Darling cresceu nas ruas de Londres, onde aprendeu a sobreviver. Quando ela fica

conhecendo Sterling Mabry, ela lhe rouba o coração com a mesma facilidade com que lhe rouba a carteira,

e tudo o que arrogante lorde deseja é possuir aquela mulher. A atração de Sterling é correspondida, e á

medida que ele e Frannie se apaixonam, os dois são dragados para o sombrio submundo londrino. Isto, por

si só, representa um enorme perigo, mas Sterling guarda um segredo que o coloca num perigo maior ainda...

Leonice Pompônio Editora

Copyright © 2009 by Lorraine Heath

Originalmente publicado em 2009 pela HarperCollins Publishers

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS.

NY.NY — USA

Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá

sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: SURRENDER TO THE DEVIL

EDITORA

Leonice Pomponio

ASSISTENTES EDITORIAIS

Patrícia Chaves

EDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Sulamita Pen

ARTE

Mônica Maldonado

PRODUÇÃO GRÁFICA

Sônia Sassi

PAGINAÇÃO

Ana Beatriz Pádua

Copyright© 2011 Editora Nova Cultural Ltda.

Rua Texas, 111, sl. 20A, Jardim Rancho Alegre, Santana do Parnaíba - SP

www.novacultural.com.br

Impressão e acabamento: Prol Editora Gráfica

Page 5: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

5

Prólogo

Trecho do diário de Frannie Darling.

Minha memória mais remota é Feagan dizendo, com

seu sotaque do bairro do extremo leste londrino:

— Frannie querida, venha sentar-se no meu colo.

Para ele eu era sempre "Frannie querida".

Frannie querida, pegue o gim.

Frannie querida, esfregue meus pés cansados.

Frannie querida, eu lhe contarei uma história.

Todos me conheciam por Frannie Darling, ou seja,

Frannie querida.

Eu morava em um quarto com Feagan e seu notório

bando de crianças conhecidas pelas mãos leves. Não me

lembro de uma época em que Feagan não estivesse em

minha vida. Algumas vezes eu imaginava que ele era meu

verdadeiro pai. Os cabelos dele eram vermelhos e rebeldes

como os meus. Mas ele nunca me chamou de filha. Eu era

uma de suas crianças, aquela que se sentava em seu colo e

o ajudava a contar os lenços e as moedas que os outros

traziam.

Eu removia cuidadosamente da seda os monogramas

Page 6: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

6

bordados. Aprendi muitas letras com essa tarefa tediosa,

pois os volteios rebuscados me fascinavam. Eu sempre

perguntava a Feagan o significado das letras antes de

começar a apagar todas as evidências de que elas haviam

existido. Pensando nessa época, eu me surpreendia ao

entender que um pedaço de pano tivesse tanto valor. E

tinha.

Suponho que Feagan poderia ter sido um professor em

sua juventude, lecionando letras e números, e admirado

por seus alunos. Ou talvez, se ele fosse meu pai, eu

gostaria que ele fosse mais do que um criminoso.

Ele não falava em seu passado e eu nunca lhe perguntei

do meu.

Eu simplesmente aceitava minha vida no triste cortiço

como algo que me fosse devido. Os meninos de Feagan

tratavam-me como se eu fosse especial, talvez por eu

remendar-lhes as roupas e aconchegar-me neles quando ia

dormir. Quando fiquei mais velha, cozinhava para eles e

cuidava de seus ferimentos. E algumas vezes eu os ajudava

a furtar.

Mas nada disso havia me preparado para o medo ou o

horror quando, aos doze anos, fui raptada e vendida para

um bordel. Luke e Jack, na época os meninos mais velhos

de Feagan, salvaram-me do pesadelo.

Mas não a tempo. Luke matou o homem que tão

cruelmente roubara minha inocência.

Enquanto ele esperava o julgamento, recebeu a visita

Page 7: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

7

do pai do morto, o conde de Claybourne, que reconheceu

Luke como seu neto há muito tempo sumido e nossas vidas

tiveram uma reviravolta drástica. A coroa perdoou Luke,

devolveu-o aos cuidados de seu avô que me levou junto.

O conde estava determinado a dar-nos as

oportunidades que nunca havíamos tido. Ele contratou

tutores, e eu aprendi rapidamente a ler, a escrever e a

fazer cálculos complicados. Aprendi etiqueta e bom

comportamento, mas sempre me senti constrangida na

residência de St. James.

Luke começou a freqüentar o universo da aristocracia,

e eu comecei a sentir-me desajeitada a seu lado. Eu ficava

muito mais à vontade na companhia de Jack. Quando a

sorte lhe sorriu e ele abriu um clube para cavalheiros,

ofereceu-me um belo salário para cuidar da contabilidade.

Agradeci ao conde tudo o que ele havia feito por mim e,

mesmo sabendo que minha vida melhorara em todos os

aspectos devido a seus esforços, foi com certo alívio que

deixei a mansão da St. James.

No íntimo eu estava convicta de que não merecia aque-

la vida. Eu não fazia parte da aristocracia, onde um lugar

raramente era conseguido por meio de esforço ou realiza-

ção, e sim por descendência, o que não era meu caso. Fiquei

satisfeita por não ter de suportar os olhares, os falatórios

e as especulações sussurradas.

Convenci-me de que seria feliz se não tivesse mais de

conviver com os lordes e as damas da aristocracia, e aboli-

Page 8: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

8

os de minha vida.

Trabalhei duro para criar um porto seguro onde eu me

sentisse contente e feliz. Eu sabia ter conseguido o que

desejava e não almejava mais nada.

Então, ele entrou em meu mundo pequeno e seguro...

que, mais uma vez, tornou-se um lugar muito perigoso.

Capítulo I

Londres, 1851.

Sterling Mabry, o oitavo duque de Greystone, não

soube dizer por que a notara.

Mais tarde ele refletiria se não tinha sido atraído pelo

vermelho vibrante de seus cabelos. Ou talvez fosse o fato

de ela encontrar-se no altar ao lado de Catherine, irmã

dele, que se casava com Lucian Langdon, conde de

Claybourne. Ou talvez, quem sabe, fosse a maneira súbita

— durante a recepção na residência recém-adquirida do

cunhado — com que três homens se aproximaram dela,

cada um reivindicando seu território, da mesma maneira

como acontecia entre os leões da África que ele vira.

Surpreendeu-o nenhum deles ter rugido.

Page 9: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

9

Ao lado da janela da sala de estar, com a taça de

champanhe na mão e à espera do brinde obrigatório que

liberaria sua volta para casa, Sterling observou o sorriso

tímido com que ela conversava e a maneira como inclinava

a cabeça de lado, como se partilhasse de um segredo

escandaloso. Ele desejou saber do que se tratava e mesmo

sem escutá-la pela distância que se encontrava, imaginou

se a voz seria doce como a de um anjo ou se ela cantava

como uma sereia, pois os três pareciam hipnotizados pela

jovem.

Era óbvio que eles tinham em comum algo de muito

especial, pois foi possível ver a afeição que ela

demonstrava, em um seu rosto adorável e expressivo, por

cada um deles.

Sterling pouco se interessou por aqueles homens,

exceto pelo papel que deveriam desempenhar na vida dela.

O primeiro ele conhecia muito bem. Tratava-se de Jack

Dodger, proprietário do notório clube masculino aonde

Sterling ia com frequência desde sua volta a Londres. O

segundo, o mais alto e corpulento dos três, era uma

criatura que ele não gostaria de encontrar em uma viela à

noite... nem durante o dia. O terceiro cavalheiro era

William Graves, o médico que Luke Claybourne mandara

quando Catherine desmaiara no recente velório do pai de

ambos.

Sterling notou com interesse a aproximação de Luke e

a maneira como o pequeno grupo o saudou, com sorrisos

largos, tapinhas nas costas, apertos de mão e uma leve

Page 10: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

10

zombaria. Nenhum abraço da dama, apenas um sorriso

caloroso que falava por si. Ela o admirava, ficava feliz por

ele, desejava-lhe as melhores coisas e, sobretudo, o amava.

Os cinco estavam juntos de novo, todos, sem dúvida,

provenientes das ruas. Ladrões, batedores de carteiras,

assassinos e sabe-se lá mais quais outras ligações entre

eles. Esse entendimento deveria ter posto um fim ao

interesse de Sterling pela jovem, mas, ao contrário, a

atração só fez aumentar.

Ele escutou os passos leves e conhecidos, e se virou no

momento exato em que Catherine chegava perto dele. Com

os cabelos louros presos no alto da cabeça, ela estava

corada pela excitação do casamento e seus olhos azuis

brilhavam como joias.

— Fascinado por eles? — ela caçoou.

Ele se deu conta de que seu olhar fixo poderia ter sido

não apenas rude, mas também óbvio, embora tivesse

certeza de que outros convidados também notavam o

grupo.

Sterling não deveria surpreender-se com a presença

de tantos membros da aristocracia. A notícia do

casamento apressado entre o Conde Diabólico e Catherine

corria por toda Londres. A curiosidade da elite lotara a

pequena capela e no momento eram muito bem recebidos

na casa de Luke. Até mesmo Marcus Langdon, o antigo

herdeiro ao título de conde de Claybourne, comparecera.

Parecia que ele aceitara seu destino de ex-sucessor. Sem

Page 11: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

11

dúvida, todos estavam intrigados e o escândalo era

murmurado de boca em boca.

— Eu estava apenas curioso, só isso — ele foi lacônico.

— Eles não fazem parte de nosso meio. Quem é a mulher

estava ao seu lado no altar?

— Frannie. Nós nos tornamos amigas. Se o senhor meu

irmão tivesse vindo ao jantar comemorativo que

oferecemos ontem à noite, ou chegado à igreja mais cedo,

eu poderia ter feito as apresentações.

Sterling ignorou a admoestação — ele não se sentiria

bem no jantar, assim como ela não se sentiria à vontade ao

lado dele, quando tudo fora dito e feito — e fixou-se no

nome. Frannie. Esperava algo mais exótico e, no entanto, o

nome combinava com ela.

— Ela se veste com muita simplicidade.

O traje azul de tecido grosso que ela usava não estava

de acordo com o ambiente. Sterling imaginou-a com um

vestido de seda escarlate ou violeta para destacar as

curvas e os pés descalços.

— Ultimamente aprendi a não julgar pelas aparências

— Catherine censurou-o.

Sterling julgava as pessoas pela aparência e pelo

status. Ele separava a elite daqueles com quem só mantinha

uma associação se fosse absolutamente necessário. Nunca

tivera razão nem desejo de reunir-se com antigos

criminosos.

— Eles a sustentam? — ele perguntou.

Page 12: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

12

— Como é?

— Os homens que a rodeiam são parentes dela? Do que

ela vive?

— Está fazendo perguntas indiscretas, meu irmão.

— Ela é amante de algum deles? — Ele a fitou com

seriedade.

Sterling não podia imaginar Catherine relacionando-se

com eles, muito menos ela incluir em sua festa de

casamento uma mulher de moral questionável, mas se a

outra fosse amiga de Luke do tempo em que perambulavam

pelas ruas...

— Quem lhe disse isso? — Catherine escarneceu. —

Ela é guarda-livros do Dodger’s, o clube masculino de jogo.

Um nome respeitável para um clube de cavalheiros

nem tanto, o que deveria ser importante, Sterling supôs.

— Estranho.

— Acho admirável. Nem todas as mulheres têm um pai

que as sustente.

— Encolha as garras, Catherine, não estou insultando

a jovem, mas admita que as mulheres costumam se ocupar

com a casa e não com negócios.

Ela tocou-lhe o braço.

— Perdão, mas eu não gosto que critiquem os amigos

de Claybourne. Na sua ausência, Sterling, eles me

ajudaram várias vezes.

Então sua longa viagem forçara a irmã a procurar

Page 13: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

13

patifes conhecidos? O fato deve ter agradado o pai deles

e dado mais um motivo para ele ficar desapontado com o

herdeiro, a quem considerava um perdulário.

Sterling admitia que vivera como esbanjador, visando

os próprios prazeres acima de tudo. Muitas vezes discutira

com o pai sobre as escolhas que fazia, mas o pai fora

incapaz de compreender o que representava não estar no

controle da própria vida e o que era ter medo de enfrentar

um futuro sombrio e solitário.

— Eu deveria tê-lo apresentado. — Catherine procurou

animar Sterling, percebendo que os pensamentos do irmão

trilhavam caminhos áridos.

— Não é necessário. — Ele não achava que sua

aproximação fosse apreciada.

— Uma pena que tenha mudado tanto, Sterling.

— Já a escutei comentar isso antes. Todos mudam,

Catherine, e eu poderia dizer o mesmo a seu respeito.

— Não dessa maneira. Tenho a impressão de que o

cinismo tomou conta de suas ideias.

— Apenas me tornei realista. Procure seu marido, pois

quero fazer o brinde e terminar com minha obrigação.

Os olhos azuis de Catherine, semelhantes ao do irmão,

não esconderam o pesar, e Sterling segurou-a pelo braço

antes de ela se afastar.

— Perdoe-me. Eu lhe desejo felicidades mais do que

merecidas. Como fiquei afastado durante um período e

Page 14: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

14

passei a maior parte desse tempo ao ar livre, não me sinto

bem confinado em um salão cheio de gente.

Mover-se em meio a tamanha confusão sem colidir com

ninguém se tornara uma tarefa desagradável. Se ele

soubesse que o número de convidados de Catherine e Luke

era excessivo, teria se despedido na igreja.

— Por isso não saiu de perto da janela, como se

quisesse pular daí a qualquer momento?

— No meio da tempestade? — Sterling olhou a chuva

batendo na vidraça. As nuvens negras faziam a manhã

parecer noite, e a noite se tornara sua inimiga. — O dia

hoje está melancólico.

— Discordo. Este é o dia mais maravilhoso de minha

vida. Sterling reconheceu a própria grosseria e resolveu

corrigir-se.

— Posso lhe garantir que será o primeiro de muitos

dias maravilhosos de sua vida, minha querida.

— Sei que não conto com sua aprovação na minha esco-

lha para um marido, pois, como a maioria dos lordes, você

só enxerga que o passado está contra ele. Mas tenho a

esperança de que o tempo se encarregará de fazê-lo

apreciar as melhores qualidades de Claybourne.

Provavelmente não, mas Sterling não queria ofuscar a

alegria da irmã com a negativa.

— Sterling, suponho que depois de tanto tempo

despendido nas viagens pelo mundo sua atenção se

concentrará na busca de uma esposa.

Page 15: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

15

— Posteriormente. Estamos de luto e até por isso eu

não esperava que este evento fosse tão exuberante.

— Pois não foi nem um pouco exagerado. Talvez

tenhamos um pouco mais de convidados do que seria

apropriado, mas eles facilitarão o caminho de Claybourne

em meio à aristocracia, depois de anos andando à margem

dela. Além disso, os homens não se prendem tão

rigorosamente ao luto quanto as mulheres. Se quiser

dançar esta noite, ninguém o repreenderá.

— Ah, esse é o poder que vem com o ducado.

— Por acaso alguém ocupou seus pensamentos

enquanto esteve fora? — Catherine interessou-se.

— Fazendo o papel de casamenteira? Será melhor

pensar em sua viagem de núpcias.

— Não poderemos viajar. Temos alguns assuntos para

resolver em Londres.

— Mesmo assim suponho que seu marido estará

contando com sua atenção completa por uns tempos. Sou

perfeitamente capaz de procurar uma esposa sem

perturbá-la.

— Isso não seria perturbação, mas um prazer — Ela

apertou-lhe o braço. — Senti sua falta, Sterling, e estou

muito feliz com sua presença. Agora, se me der licença,

vou procurar Claybourne, para que você possa fazer seu

brinde.

Catherine afastou-se e ele abafou a culpa que as

palavras dela provocaram. Sterling gostaria de estar em

Page 16: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

16

qualquer outro lugar, menos ali. Ele bebeu o champanhe,

chamou um criado e pediu outra taça. Será que a festa não

terminaria nunca?

Catherine aproximou-se do marido e Sterling notou

que ele a fitava com adoração. Por que não adorá-la? Ela

era a filha de um duque, e sua linhagem era o melhor que a

aristocracia britânica tinha para oferecer. Catherine

entendia seu lugar no mundo e ajustava-se perfeitamente

dentro dele. Sterling já não podia afirmar isso sobre si

mesmo. A urgência de escapar dali rugia em sua mente e

ele estava no limite de sua paciência. Então os murmúrios

no salão cessaram e ele aproveitou para erguer a taça.

— À minha irmã, Catherine, a nova condessa de

Claybourne e a seu afortunado marido. Minha querida, que

o sol sempre a ilumine, mesmo durante o mais escuro dos

dias.

Ele tomou o líquido borbulhante enquanto uma roda de

aplausos e vivas ecoavam pelo salão. Luke e Catherine

beberam o champanhe e beijaram-se. Os presentes riram,

aplaudiram e desejaram felicidades ao casal.

Sterling tomou mais uma taça de champanhe. Talvez

se bebesse além do usual, pudesse afogar a dor de saber

que jamais poderia alcançar o que o jovem casal alcançara.

A felicidade de um amor verdadeiro.

***

Ele era o aristocrata mais perigoso da recepção.

Page 17: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

17

Frannie Darling entendeu que dava um crédito

excessivo ao homem que estava em pé junto à janela, tendo

em vista estar rodeada por pessoas que não tinham

escrúpulos em infringir a lei se isso lhes fosse conveniente.

Mas enquanto seus amigos eram perigosos para todos,

exceto para ela, aquele homem representava perigo apenas

para ela.

Sabia disso da mesma forma que intuía quais eram os

bolsos mais recheados para ali meter a mão, ou da mesma

forma que sabia quando uma lista de número fora

registrada de forma incorreta antes de fazer a soma ou

também como a certeza que naquele recinto coalhado de

gente, seus amigos eram apenas Jack, Jim e Bill.

Havia pouco tempo descobrira que Luke sempre

duvidara de que fosse o verdadeiro conde de Claybourne,

mas os últimos acontecimentos convenceram-no da

verdade, e ele não mais questionara a herança do título.

Confiante, ele circulava por entre os convidados, sem

temer que estivesse vivendo na pele de outro.

Frannie não podia admitir sentir-se tão à vontade em

um mundo enorme, importante e que não lhe pertencia.

Apesar de seu pequeno universo sumir na comparação, era

onde se sentia satisfeita. Era possível que o desagrado

com os circuns-tantes a tivesse feito notar o homem que

estava junto à janela e que parecia querer fugir dali como

ela. Sabia de quem se tratava. Era o irmão de Catherine, o

recém-sagrado duque de Greystone.

Page 18: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

18

Pensou tê-lo visto olhar para ela e observou-o

sorrateiramente. Tinha pele bronzeada, como se

trabalhasse ao ar livre. Não havia um fio fora do lugar dos

cabelos louro-escuros que tinham sido penteados para a

ocasião, mas Frannie não pôde deixar de imaginá-los soltos

ao vento enquanto ele galopava pelos mesmos caminhos

explorados por Marco Polo. Greystone era um aventureiro

destemido. Havia pouco quando falava com os demais, ele

demonstrava polidez, uma certa tolerância, como se

desejasse outra fonte de entretenimento.

— Acha que eles serão felizes? — Jack perguntou e

ofereceu-lhe outra taça de champanhe, forçando-a a

desviar a atenção do homem que a fascinava.

Ele superava a importância da vida e, por regra geral,

ela preferia o pequeno e o rotineiro.

— Tenho certeza disso. Catherine e Luke combinam.

— O que acha do irmão dela?

Ele era tão poderoso quanto a tempestade que

inundava a cidade. Alguma mulher certamente descobriria

em seus braços prazeres para ela desconhecidos. O calor

a invadiu e ela teve de mentir.

— Não sei.

— Ele nos observava — Jim afirmou.

— Muitos convidados estão fazendo a mesma coisa —

Bill murmurou.

— Sem perder de vista os próprios bolsos — Jack

Page 19: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

19

acrescentou. — Sinto-me tentado a circular por aí e furtar

algumas coisas.

Frannie franziu o cenho. O avô de Luke os livrara dos

cortiços, mas não fora capaz de tirar completamente os

cortiços de dentro deles.

— Não faça nada que possa embaraçar Luke. Ele

finalmente foi aceito por seus pares e convidar-nos me faz

pensar em um pouco de rebelião.

Eles eram os patifes de sua juventude que nunca

tinham sido abandonados. O passado deles forjara um

liame inquebrantável.

— Ainda à espreita dele? — Jack perguntou.

— Assim como eu espreito todos vocês e vocês fazem

o mesmo comigo.

Havia ocasiões em que a observação deles era muito

íntima e superprotetora. Frannie os amava muito, mas às

vezes ela desejava algo que não podia identificar. Talvez

esse fosse o motivo de ela ter vontade de encenar uma

rebelião. Espiou o cavalheiro parado junto à janela.

— Creio que vou me apresentar.

— Ele é um miserável duque — Jack lembrou-a.

— Sei disso — Frannie murmurou antes de entregar a

ele a taça, suspirar e atravessar o recinto.

Como princípio, ela costumava evitar os nobres, pois

eles a lembravam de sua origem humilde, mas algo naquele

homem despertava sua atenção e a fazia almejar por um

Page 20: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

20

momento de imprudência. Durante toda sua vida ela

procurara isolar-se de tudo que a fizesse sofrer, o que

tornara sua existência monótona, mas nada aquele homem

lembrava monotonia.

Frannie sentiu-se observada pelos presentes e

poderia ter se aborrecido, mas teve uma sensação de

carícia ao notar que ele a analisava e por pouco não

tropeçou. Os rapazes de Feagan nunca a olhavam com

desejo. E talvez por esse fato, Greystone fosse tão

perigoso para ela. Com apenas um olhar, ele a fazia

experimentar a transformação de menina desajeitada em

uma mulher tentadora capaz de atrair um homem para o

pecado.

O mais surpreendente era a atração que sentia por

ele. Ela jamais encontrara um homem que lhe despertasse

paixão ou que a fizesse desejar ser beijada e acariciada.

Derrotou a vontade de voltar a seu porto seguro e

parou diante dele. Os olhos azuis de Greystone a

lembraram de uma safira que adornava uma corrente por

ela roubada de uma rica mulher. Feagan ficara tão feliz

com a peça que lhe comprara um morango. Àquela altura

ela não conseguia comer a fruta sem lembrar-se de que a

mesma representava a recompensa por seu

comportamento depravado. Uma noite com Greystone

resultaria em comer uma tigela inteira de morangos

deliciosos.

— Creio que nós ainda não fomos apresentados. Sou

Page 21: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

21

Frannie Darling.

— A guarda-livros do Dodger’s.

Frannie arregalou os olhos. Ela raramente entrava no

recinto de jogos e poucas pessoas tinham a chave para

acesso em seu local de trabalho.

— Eu me recordo de que o senhor é um dos membros

do clube.

— E eu me lembro de que seus amigos — ele apontou

Jack, Jim e Bill que esperavam ansiosos a volta da parceira

— são gatunos.

Desapontada, Frannie concluiu que ele fazia parte do

grupo que desacreditava na ascensão social, o mesmo grupo

que a fizera sofrer enquanto morara com o conde de

Claybourne. Ela deveria tê-lo deixado entregue à sua

mesquinhez, mas sentiu-se compelida a ficar. Talvez

quisesse dar a ele a oportunidade de se redimir.

— Suponho que tenha desaprovado a lista de

convidados, mesmo que seja costume após as núpcias

oferecer um café da manhã na casa da família da noiva.

— Pense o que quiser, mas eu valorizo minha

propriedade e prefiro não ter mãos leves circulando por

aqui.

— Entendo.

Frannie sabia julgar como ninguém o caráter das

pessoas, mas o dele não se revelava. Os mendigos eram os

melhores atores do mundo. Com um olhar para a vítima,

Page 22: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

22

eles conquistavam corações e simpatia, e podiam fazer uma

pessoa doar sua última moeda. Ao que parecia, Greystone

fingia uma atuação que lhe garantia não ter de

recompensar ninguém. Ela imaginou quais seriam os

motivos.

— Ele a fará feliz? — Ele perscrutou a multidão.

— Luke?

— Claybourne.

Pelo menos ele reconhecia o título de Luke e

importava-se com a felicidade da irmã.

— Imensamente.

Ele anuiu com brusquidão.

— Então isso é tudo o que importa. Se me der licença...

Ele deu alguns passos e Frannie o chamou.

— Vossa Graça?

Sterling virou-se e Frannie sorriu com malícia, sem

saber se pretendia irritá-lo, embora ele o merecesse. Ela

não pretendia deixar sem resposta o insulto a seus amigos

e tinha sua própria declaração para fazer. Eles não eram

os únicos ladrões presentes. Frannie levantou a mão e em

seus dedos estava pendurado um relógio de ouro preso a

uma grossa corrente.

— Milorde esqueceu seu relógio.

Sterling olhou para o colete, apalpou-o sem acreditar

e voltou para Frannie um olhar ameaçador, estendendo a

mão. Ela deixou a peça valiosa na palma da mão dele e não

Page 23: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

23

teve como se livrar do aperto em seu pulso.

— Cuidado, srta. Darling — ele a avisou com rispidez.

— Fiquei fora muito tempo e agora sou muito menos

civilizado do que era antes de minha partida.

Frannie não duvidou da afirmativa e teve a impressão

de que seria devorada. Seu coração disparou e as pernas

amoleceram.

Com uma mesura brusca, Sterling soltou-a e afastou-

se. Frannie observou-o sair pela porta e surpreendeu-se

como o feitiço se virara contra o feiticeiro. Não esperava

ser deixada sem fôlego pelo encontro, nem muito menos se

aborrecer por isso. Um sentimento incomum e poderoso a

impediu de desejar que ele partisse.

Sterling queria sair logo dali, mas moderou os passos

para não colidir com as pessoas e conseguiu deixar o

recinto com facilidade. Sua expressão sombria não animou

ninguém a detê-lo para uma conversa.

Admitia que seu comportamento com a srta. Darling

fora odioso, mas ele não contava com a própria reação

diante da proximidade dela. Ela não tinha voz angelical,

mas sim um tom que despertava paixões dentro de quatro

paredes. Quente, sensual e de tirar o fôlego, como se eles

já houvessem feito amor e ela desejasse repetir a dose.

Ele quase gemeu ao lembrar-se dos olhos dela, verdes

e fulgurantes. O que mais o atraíra fora a diferença com

as outras jovens. O olhar dela não era inocente, mas sim

de quem aprendera com a vida. Ela vira muito e

Page 24: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

24

provavelmente agira de maneira que faria as outras

desmaiar.

Sterling perdia o controle em raras ocasiões, mas

entendeu que se não se afastasse dela, provavelmente a

tomaria nos braços, independentemente de onde

estivesse.

E ainda por cima não a sentira surrupiar seu relógio de

bolso. O que era uma pena, pois ele gostaria de sentir seu

toque. Por isso tratou de afastar-se a passos largos.

O encontro com Sterling Mabry, o oitavo duque de

Greystone, deixara Frannie inquieta.

Os meninos de Feagan — ela sempre pensava neles

como meninos apesar de adultos — não lhe fizeram

perguntas. Ela precisava de um pouco de solidão para se

recompor. Como a chuva não permitia um passeio pelos

jardins, ela teria de contentar-se com a imensa residência

dos Claybourne. Como os criados a conheciam, não a

impediriam de andar pelos corredores e salas onde

convidados não teriam acesso. Desde que se mudara

daquela casa, viera visitar o conde de Claybourne apenas

uma vez. Embora não se sentisse muito à vontade ali, havia

um dos recintos que ela tinha uma grata lembrança.

Sem hesitar, abriu a porta da grande biblioteca e

entrou. Fechou os olhos por um instante e inalou a

maravilhosa fragrância dos livros. Livros razão não tinham

esse cheiro agradável. Fechou a porta e caminhou por

entre as poltronas e pequenas mesas que formavam áreas

Page 25: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

25

de leitura individual, passou pelas estantes lotadas de

livros e deslizou os dedos pelas lombadas dos muitos

volumes que o antigo conde de Claybourne colecionara

durante anos. Ele havia sido um leitor voraz e apresentara

a ela os trabalhos de Jane Austen e Charles Dickens, entre

outros. Dentro desse recinto, ela viajara pelo mundo.

Isso a fez lembrar-se de Sterling. Por intermédio de

Catherine, soubera que ele explorara o mundo e as

maravilhas que ele relatara. Era difícil imaginar a coragem

necessária para tal empenho. Viajar de navio pela

imensidão do oceano e ter a certeza de chegar ao destino.

O que afinal ele fizera para tornar-se tão amargo e menos

civilizado? E por que ela não podia parar de pensar nele,

apesar da rudeza com que fora tratada? E por que achava

que ele temia algo?

Ao descobrir que ela levara seu relógio, o medo

reluzira por milésimos de segundo em seu olhar antes de

brilhar perigosamente. Ela conhecera muitas almas

amedrontadas, inclusive a própria. Podia entender a reação

de raiva, mas por que o incomodara não ter percebido o

furto? Ou ela estaria fazendo uma interpretação errônea

do caso? O que não aconteceria se Sterling fosse um livro.

Recriminou a si mesma por haver se apossado do

relógio dele. Ela já havia superado suas origens e se

irritara com o fato de ele trazê-las de volta. Por que

sentira a necessidade de provar que era uma ladra

experiente?

Page 26: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

26

Na verdade, não havia motivos para se importar com a

opinião dele a respeito de seus amigos ou de si mesma.

Sterling era arrogante, rude e representava a aristocracia

que ela desprezava. Mesmo o avô de Luke, apesar de toda

a bondade que demonstrava, olhava com altivez para os

infelizes a quem o neto chamava de amigos. Ainda assim,

Frannie não podia deixar de pensar nele com carinho.

Foi até a escrivaninha e sentou-se. Passou a mão sobre

a superfície polida da mesa e recordou-se da figura

imponente do conde de Claybourne que ali se sentava. Até

o dia em que ela descobrira a fraqueza dele por balas de

limão e a partir de então ele se tornara humano a seus

olhos, principalmente quando lhe oferecera uma. Abriu a

gaveta onde o velho lorde guardava seus doces.

— Planejando furtar alguma coisa?

Frannie deu um pequeno grito e pressionou a mão no

peito. Com o coração aos saltos, virou-se para encarar o

acusador.

Sterling estava encostado na parede de um canto

escuro, de braços cruzados, e Frannie não entendeu por

que não o notara antes. Os trovões ribombavam e a chuva

parecia ter aumentado de intensidade.

— Vossa Graça assustou-me.

Ela sempre havia pensado que Luke e Jack possuíam

uma presença dominadora, mas tinha de admitir que eles

sumiam se comparados ao duque de Greystone. Ele não era

um homem acostumado a ser ignorado e a atração que por

Page 27: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

27

ele sentira no salão tornava a se manifestar, contudo ela

se recusava a ceder. Não permitiria que o duque zombasse

de sua ternura pelos amigos, mas não cometeria a

infantilidade de espernear.

Engoliu em seco, determinada a enfrentá-lo.

— Ele costumava esconder nesta gaveta as balas de

que tanto gostava — ela respondeu ao silêncio pesado que

se seguiu. — O antigo conde — explicou. — O avô de Luke.

Diante do mutismo de Sterling, Frannie fechou a

gaveta e levantou-se da poltrona, recusando-se a se

acovardar. Com o coração batendo quase tão forte quanto

os trovões, foi até a janela e olhou para fora.

— Quando eu morava aqui, milorde sentava-se nesta

poltrona — ela apontou a cadeira estofada de verde

próxima da janela — e fazia com que eu lesse para ele

todas as tardes. Estranho. Quando menina, morei com um

jovem que eu estava certa de ter matado alguém, mas eu

não o temia. Porém o velho conde me aterrorizava.

— Por quê?

Finalmente ele falava. Frannie encarou-o, surpresa ao

descobrir que estavam muito próximos e suspeitou que a

pergunta havia sido feita para impedi-la de escapar. Por

que razão a ideia de ele querer que ela ficasse a deixava

tão excitada?

— Talvez por ele ser tão grande. — Frannie sacudiu a

cabeça, frustrada pela inabilidade de descrever o avô de

Luke. Ela era mais experiente no uso de número do que com

Page 28: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

28

palavras. — Não fisicamente, é claro. Ele era alto como

Luke, porém bem mais magro e curvado pela idade, mas ele

era imponente e tudo o que o rodeava era grande. As casas

nas quais vivia, tanto na cidade como no campo, ou o coche

onde viajava. Quando eu o acompanhava em alguma visita

em Londres, notava a deferência como era tratada, o que

me dava a certeza de que ele era um homem muito

poderoso... assim como Vossa Graça.

— Homens poderosos a assustam?

— Causam-me uma certa hesitação, mas não sou mais

criança para ser intimidada por eles. Eu diria que a idade

traz uma tendência a não se importar muito com que os

outros pensam.

Sterling ergueu um dos cantos da boca, e Frannie teve

uma vontade absurda de fazê-lo rir, mesmo que ele

houvesse desconfiado da mentira. Não podia negar que a

incomodava a opinião degradante da aristocracia a seu

respeito e também de seus amigos. Cada um deles, à sua

maneira, ajudava os menos favorecidos e todos eram muito

leais, capazes de dar a vida um pelo outro. E a incomodava

profundamente o fato de pessoas menosprezarem essas

boas qualidades e esperarem sempre o pior.

— A senhorita fala como se fosse uma anciã.

— Tenho quase trinta anos.

Frannie se sentiu compelida a revelar a idade, talvez

para assegurá-lo de que não se tratava de nenhuma jovem

inocente, mas sim de uma mulher de opinião própria... pelo

Page 29: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

29

menos até aproximar-se dele. Naquele instante não tinha

certeza se queria que ele chegasse mais perto ou se

afastasse antes de a situação escapar de seu controle. E

com ele, ela não garantia um controle completo. Teve

vontade de desmanchar-lhe os cabelos e deixar vir à tona

o aspecto não civilizado a que ele se referira.

— Idade suficiente para estar casada e ter filhos.

— Ah, eu tenho filhos. — Frannie notou a reprimenda

em sua expressão e irritou-se por ele pensar o pior a seu

respeito. Teve vontade de não explicar nada e deixá-lo

imaginar o que quisesse. Por um lado, queria que ele tivesse

uma má impressão, mas, por outro, que a achasse

merecedora... de algo inexplicável. — Quero dizer...

recolho órfãos ou o farei uma vez que a casa de minhas

crianças esteja terminada.

— Ah, uma reformista.

— Vejo que desaprova. Vossa Graça não crê em boas

ações?

— Elas têm seu lugar, mas trabalhar com órfãos

parece-me um desperdício para uma mulher tão adorável.

Frannie sentiu um calor percorrer seu corpo dos pés à

cabeça. Ela sempre se considerara comum e a agradava que

assim fosse. Não queria favores masculinos e fazia o

possível para não parecer atraente. Até o vestido que ela

usava para aquela ocasião especial fora escolhido para não

chamar a atenção, contudo não adiantara.

— Não tenho certeza se devo me sentir insultada ou

Page 30: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

30

elogiada.

— Elogiada, eu lhe asseguro. Creio que nós tivemos um

início infeliz com nossa apresentação ou talvez pela falta

dela. Vim até aqui em busca de solidão para pensar na

melhor maneira de me redimir. Em geral não sou tão

descortês. — Sterling olhou pela janela. — Quem era o

cavalheiro de casaco marrom com quem a senhorita falava

há pouco?

Ela se surpreendeu com a mudança súbita de assunto.

— James Swindler, um inspetor da Scotland Yard.

Frannie poderia jurar que o duque segurava o riso.

— Não me referi à ocupação dele, mas o que ele é seu.

Frannie achou a declaração estranha. O que mais ele

poderia ser?

— Um amigo. Vossa Graça deseja uma apresentação?

Sterling deixou escapar uma risada antes de sacudir a

cabeça e comprimir os lábios um contra o outro.

— Não. Mas ele agia como seu protetor.

— Todos eles são muito protetores.

— Todos?

— Os meninos de Feagan

— E Feagan é...

— O pai de rua que nos acolheu e criou.

— O que os ensinou a roubar?

— Entre outras coisas.

Page 31: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

31

— A senhorita deve ter sido uma aluna aplicada, pois

nem mesmo senti a ação de seus dedos. O problema é que

eu gostaria muito de conhecer seu contato.

Sem pressa, Sterling tornou a fitá-la como quem fazia

um convite e uma promessa. Como responder a isso?

Admitir que também gostaria de sentir o toque dele? Aos

doze anos Frannie perdera a inocência, porém nunca tivera

interesse sexual por homens. Não que os temesse.

Aprendera com os meninos de Feagan que nem todos os

homens eram brutos. Ainda assim, não se sentira atraída

por nenhum, nem queria atraí-los. Nunca sentira aquela

estranha agitação no estômago ao olhar para um homem,

nunca sentira o coração disparar daquela maneira pela

proximidade masculina, nem encontrara dificuldade para

respirar ao analisar o contorno de lábios masculinos.

— Nenhuma resposta, nem ao menos para negar que

esteja curiosa para saber como eu poderia tocá-la?

— Não tenho habilidade nesses jogos de flerte.

Frannie novamente revelava segredos de sua

intimidade. Ela sempre colaborava com os meninos quando

o assunto era furto, encontrar um estratagema ou espoliar

alguém. Eles sempre buscavam sua opinião nos negócios.

Mas isso tudo era muito distante do que acontecia ali. Ela

se sentia como uma exploradora iniciante viajando sem

mapa.

— Não se trata de um jogo, srta. Darling — Sterling

disse num tom de voz baixo, que repercutiu dentro dela e

Page 32: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

32

se alojou nas proximidades do coração.

— E por tocá-la, Vossa Graça quer dizer...

— Simplesmente tocar.

Frannie, que sempre se dera conta do ambiente e de

quem a cercava, julgando o melhor momento para tomar ou

sair, não percebera a aproximação maior de Sterling com

olhos escurecidos de desejo. Com extrema delicadeza, ele

passou a ponta dos dedos na face, na testa e no queixo

dela.

— Tão suave — ele sussurrou, acariciando-lhe o lábio

com a ponta do polegar, seguindo os próprios movimentos

com o olhar, como se nunca tivesse visto nada tão

fascinante ou como se ela fosse uma criatura rara. —

Algum dos cavalheiros que a acompanham... é seu amante?

— Não! — Insultada, ela teria recuado se não

estivesse presa pela carícia do polegar sob o lábio.

— A senhorita tem um amante?

— Isso não é de sua conta.

— Tem? — ele insistiu.

— Não.

— Ótimo.

Sterling não tirava os olhos dela e o fogo neles contido

intensificou-se e pareceu queimá-la. Frannie pensou que

entraria em ebulição e teve uma vontade ridícula de abrir

alguns botões do corpete e deixar que o duque assoprasse

sua pele.

Page 33: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

33

— Por que isso é ótimo? — Ela quase não reconheceu a

própria voz, de tão ardente.

— Porque eu gostaria muito de beijá-la, srta. Darling,

e ao contrário de seu costume, não tenho o hábito de tomar

o que pertence a outrem.

Sterling segurou o rosto de Frannie e aproximou-se

devagar, dando-lhe a oportunidade de recuar ou recusar.

Mas Frannie inclinou-se na direção dele, cerrando os olhos.

E Sterling beijou-a.

Ela já havia recebido beijos forçados e castiços, mas

nenhum homem tocara seus lábios com tanta ternura e

determinação, abrindo-os para permitir sua entrada.

Também ela nunca quisera tanto corresponder. Sterling

tinha sabor de champanhe e de desejo.

Ele a abraçou e Frannie jamais experimentara estar

tão próxima de um homem, nem tivera o busto apertado

por um peito sólido ou inalara tão profundamente o

perfume masculino. Nunca tivera dentro de sua boca a

língua de um homem, nem correspondera àquela dança

sensual. E, sobretudo, desejava com desespero o que não

conhecia e que deveria amedrontá-la.

Sterling não lhe causava receio. Frannie abraçou-o

pelo pescoço e ficou na ponta dos pés para facilitar o

acesso do que ela tanto desejava. Com um gemido surdo,

ele mudou o ângulo do beijo, aprofundou-o e explorou cada

centímetro da boca desconhecida. O calor aumentou e

Frannie supôs que poderia derreter. A paixão e as

Page 34: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

34

sensações arrebatadoras permitiriam que os dois se

tornassem um só?

Ele se afastou ligeiramente e fitou-a com intensidade.

— Como a senhorita não tem um amante, eu gostaria

de oferecer-lhe meus serviços. Pelo visto, nós somos

compatíveis.

Capítulo II

— Você está bem? Na volta ao Dodger's no coche

emprestado por Luke, Frannie, que olhava a chuva pela

janela, voltou-se para Jack.

— Claro, por que a pergunta?

— Você parece preocupada.

Era verdade. Ela pensava na proposta escandalosa de

Sterling e em sua resposta ainda mais indecente.

— Pensarei em sua oferta.

Estaria ela considerando a hipótese ou apenas não

soubera o que responder? Se negasse, ele insistiria na

pergunta? Ela o veria novamente? Se aceitasse, mudaria

de idéia mais tarde? Teria remorso?

Page 35: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

35

Oh, céus, eram tantas as suas dúvidas!

Frannie tirou uma luva e passou os dedos na face que

Sterling acariciara. A sensação nada representava em

comparação à sensualidade despertada por ele. Um calor

incrível serpenteara em seu ventre e a envolvera até ela

se sentir como cera derretida. Passou com traços

irregulares a ponta dos dedos nos lábios e novamente a

impressão não se comparou à doce pressão da boca de

Sterling na sua, forçando seus lábios a se abrirem.

Uma vez Luke a beijara com a leveza de uma borboleta

na pétala de uma flor. O beijo de Sterling não fora leve,

mas também não tinha sido rude. Fora como se apenas ela

pudesse matar a avidez de um homem famélico. De onde

provinham esses pensamentos insanos? Seria um reflexo

de seus próprios desejos e de sua vontade de

experimentar tudo o que ele tinha a oferecer?

— Jack, você já teve alguma amante? — Frannie

perguntou, olhando novamente pela janela.

— Depende.

Ela se voltou para o amigo. A pergunta fora simples.

Ele tivera ou não tivera. O que poderia ser acrescentado?

— Depende do quê?

— Se considerarmos ou não uma mulher paga como

amante. — Jack cruzou os braços na altura do peito e

fixou-se no teto do coche. — Para mim, uma amante teria

de ficar comigo por vontade própria, sem intenção de

ganhar uma recompensa. Sob essa perspectiva, nunca tive

Page 36: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

36

uma amante. — Ele a fitou.

— Parece-me uma questão estranha partindo de você.

Pela primeira vez na vida, ela não se sentia à vontade

com Jack. Não poderia contar-lhe que o encontro ardente

com Sterling provocara sua indagação e que se desse

ouvidos aos próprios anseios, iria à procura do duque nessa

noite.

— Simples curiosidade. Não sei quais são as

expectativas para uma amante e o que a situação acarreta

na verdade. Um amante... ama sua parceira e vice-versa?

— Por deus, Frannie, o amor não está envolvido no fato.

Trata-se apenas de uma maneira cortês de explicar que um

cavalheiro deseja o que está sob as saias de uma dama.

Ela anuiu e tornou a observar a janela. Certamente

isso era tudo o que Sterling desejava. Frannie Darling

servia para a cama, mas não para esposa. Ele a enxergava

como uma meretriz e usava a boca depravada como moeda.

E ela quase pensara em aceitar a proposta dele.

— Desculpe-me, Frannie, eu não deveria ter sido tão

rude. — Jack inclinou-se para a frente e apoiou os

cotovelos nas coxas. — Por que a súbita curiosidade?

Frannie sentiu no rosto o calor do constrangimento...

ou seria vergonha?... e ficou satisfeita que o tempo

obscuro impedisse a visão de suas faces coradas. A

infância forjara uma união que lhes permitia compartilhar

os pensamentos mais íntimos, sem fiscalização ou

cobrança. Ela o fitou e abaixou o olhar.

Page 37: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

37

— Tive uma proposta.

— De que tipo?

Frannie reuniu coragem para responder:

— Alguém deseja ser meu amante.

Jack estreitou os olhos por um segundo e ela percebeu

que já tinha visto aquela expressão que precedia uma

tempestade.

— Quem é o patife?

Frannie admitiu que nada deveria ter dito, mas Jack

era um de seus melhores amigos. De repente entendeu que

havia fatos que não deveriam ser compartilhados, mas ela

não tinha mais ninguém a quem procurar. Certamente não

poderia fazer o comentário com Catherine, uma vez que o

irmão dela fora o causador do dilema.

— Não vou dizer. Esqueça o que eu perguntei. Jack

recostou-se no assento com força.

— Foi o infeliz do Greystone.

— O quê? Oh, não! Por que pensou nele?

Jack tornou a inclinar-se para a frente e segurou as

mãos de Frannie.

— Frannie, minha querida, sou um homem e notei a

maneira como ele a olhava. Como se você fosse uma

guloseima apetitosa para satisfazer a fome masculina. Ele

sumiu por um tempo e você também. Parece-me que ele se

aproveitou da oportunidade e durante o momento

clandestino lhe fez a proposta indecente.

Page 38: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

38

Não foi o que lhe parecera. Pelo contrário, ela se

sentira lisonjeada, embora estivesse zonza e perdida em

uma névoa de paixão quando ele a beijara. Espantava-se

com a maneira de Jack descrever o olhar de Sterling. Já

vira homens a fitarem de soslaio ou mais diretamente, mas

sempre como se ela fosse um cristal delicado que poderia

quebrar-se e jamais com fome. Era estimulante e ela

apertou os dedos de Jack.

— Acha que seria tão ruim acalentar a idéia de ser

amante de alguém? Fui ladra, prostituta...

— Não por sua escolha, Frannie.

— Um homem pagou por mim, Jack. Chame isso como

quiser, embora eu nunca tenha me entregado por vontade

própria a um cavalheiro. Estou com quase trinta anos,

muito além da idade em que a maioria das jovens se casa.

Até Luke pedir minha mão em casamento, eu não havia

pensado em ser uma esposa. Não me vejo casada.

— Por que não? Jim a desposaria em um piscar de

olhos. E eu também, por falar nisso, se eu não achasse que

você merecia coisa melhor.

Frannie deu um sorriso torto.

— Jack Dodger casado? Não posso acreditar nisso.

— Ele é um duque — Jack lembrou-a, favorecendo a

argumentação.

Jack sabia o mal-estar que ela experimentava diante

da aristocracia. Todos eles eram da mesma opinião e por

isso a tinham rodeado na festa.

Page 39: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

39

— Isso seria um problema se eu pensasse em me casar

com ele, mas não é esse o caso. Amantes fazem parte de

um pecado secreto, não é? Eu não teria de me imiscuir no

mundo dele.

— A resposta a sua pergunta anterior é "não". Não

existe amor entre amantes. Você provavelmente sofreria

muito e eu me sentiria responsável por você ter uma visão

errônea do mundo pelo fato de trabalhar no Dodger's. Eu

providencio um lugar seguro para homens se envolverem no

pecado, mas não quero que façam isso com você. Além

disso, qualquer homem decente ficaria feliz em tê-la como

esposa. Nada menos do que isso.

Frannie anuiu, desvencilhou as mãos e recostou-se no

assento.

— Suponho que ele não tenha me feito um elogio.

— Não fez.

— Talvez eu devesse ter lhe dado uma bofetada.

— Certamente.

Frannie suspirou e mais uma vez fixou o olhar para

fora. O problema todo era ela desejar beijá-lo novamente.

Estar tão perto de um homem era uma experiência

estimulante. Uma pena que ela não parava de pensar nisso

e, quanto mais pensava, mais desejava.

Sterling sabia que se aproximava a hora em que

Page 40: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

40

perderia tudo o que estivera em seu alcance.

Sentado na sua biblioteca, bebia conhaque, escutava o

tique-taque incessante do relógio sobre o consolo da

lareira e impedia a fúria de emergir. Raiva requeria uma

energia que ele não podia desperdiçar no momento. Talvez

mais tarde, quando não tivesse nada melhor para fazer do

que refletir em como a vida poderia ter sido melhor se...

Sempre estivera determinado a não se entristecer,

mesmo que a tristeza o ameaçasse. Também pensaria nisso

mais tarde.

No entanto, preocupava-se em preencher seu

reservatório de lembranças. E tinha mais uma que desejava

muito adicionar à sua coleção de tesouros. Uma noite com

ela poderia muito bem ser a coroação gloriosa, o último

prazer, sua última travessura antes de voltar a atenção

para o dever. Duvidava de que ela valesse a pena adiar o

rumo inevitável de sua vida.

Frannie Darling.

Ela era esguia, mas tinha uma certa imponência de

quem lutara contra os desapontamentos da vida e saíra

vitoriosa. Por ser uma plebéia, um aristocrata como ele não

cogitaria em tomá-la como esposa. Mas ele supunha que ela

seria uma amante a contento.

Fechou os olhos e trouxe à mente imagens do encontro

deles na biblioteca. Os dedos que se entrelaçaram em seus

cabelos, a boca que respondera às suas carícias e o

perfume delicado de rosas que ainda não sumira de suas

Page 41: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

41

roupas. Ele queria aquela fragrância em sua cama. Havia

muito tempo não ansiava tanto por uma mulher e ela não o

desapontara.

Não podia acreditar na proposta que fizera para se

tornarem amantes e a resposta corajosa o espantara.

— Pensarei em sua oferta.

Frannie estaria falando a sério ou apenas caçoava

dele? Eles se empenhavam em um jogo estranho. Ela era o

demônio fantasiado de mulher sedutora ou pelo menos era

uma feiticeira por tê-lo envolvido em um encanto do qual

ele era incapaz de escapar. Estava obcecado pela maciez

da pele de Frannie, por seus olhos verdes e pelo vermelho

radiante de seus cabelos. Desejava beijá-la novamente e

tirar-lhe as roupas aos poucos para revelar os tesouros

escondidos. Tivera muitas aventuras em suas viagens, mas

nada que se comparasse ao interesse que Frannie lhe

despertava. A resposta dela seria positiva? Ela não ousaria

recusar um duque.

Chegaria uma época em que seu título de nada valeria

e ela não se interessaria por ele, assim como outras

mulheres o rejeitariam. Seu pai não gritara a verdade em

uma altura suficiente?

Por esse motivo seu pai se opusera às suas viagens pelo

mundo e insistira que ele deveria se casar antes de tudo.

Mas ele não poderia explorar o mundo... e as mulheres...

com uma esposa a tiracolo. Sterling tinha intenções de

permanecer fiel à esposa, embora duvidasse de que ela

Page 42: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

42

teria a mesma consideração quando soubesse da verdade.

E ele aprendera pelo caminho mais difícil que seria melhor

manter sua deficiência em segredo por mais tempo

possível. Lady Angelina zombara dele e o ensinara que o

amor era uma ilusão facilmente destrutível pela verdade.

Não cometeria novamente o mesmo engano. Guardaria

seu segredo até depois do casamento. Mas antes de pensar

em uma esposa, queria uma noite de paixão sem freios. E,

para isso, apenas uma mulher serviria.

Frannie Darling.

Ainda podia sentir o gosto de seus lábios. Ansiava por

desabotoar o corpete que o impedira de ver a pele de

alabastro. Baseado na face sedosa, não duvidava de que a

cútis dela sob as roupas fosse uma perfeição. Os seios

caberiam dentro de suas palmas e os mamilos

endureceriam sob a provocação suave de sua língua. Queria

passar os lábios sobre...

— Mais conhaque, sir?

Letárgico por não esquecer a srta. Darling nem por um

minuto e pelo consumo excessivo de bebida, Sterling não

se assustou com a interrupção. Sentia-se flutuar e sabia

que deveria recusar a oferta, pois nem ouvira o criado

entrar, o que também não era incomum. Seus criados

esmeravam-se no decoro e deslizavam no maior silêncio,

como se os pés não tocassem o chão.

Sterling levantou a taça, sem se preocupar com a

embriaguez que lhe permitiria afastar Frannie de sua

Page 43: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

43

mente para conseguir pegar no sono. Ou talvez fosse

melhor seduzi-la em seus sonhos, onde o desejo dela seria

equivalente ao dele.

O conhaque derramou-se sobre sua coxa e sua camisa.

— Cuidado, homem!

Ele se levantou da poltrona e virou-se...

Para descobrir que nenhum criado entrara em seu

santuário, mas que Jack Dodger e James Jim Swindler

estavam ali dentro. Supôs que devesse agradecer por

serem apenas dois e não quatro rufiões em sua biblioteca.

Jim deixou a garrafa na mesa com uma delicadeza

surpreendente para um homem daquele tamanho.

— Como foi que entraram? — Sterling indagou,

desejando não estar com a fala tão arrastada.

Ele encontrava dificuldade em focalizar seu mundo

naturalmente sombreado. Por que não acendera mais

lamparinas ou não bebera menos?

— Não importa — Jack respondeu. — O principal é

entender que você nada poderá fazer para impedir-nos de

ficar fora quando desejamos estar dentro.

— Eu poderia chamar um guarda, mas suponho que nin-

guém me dará atenção se souberem que um inspetor

invadiu minha residência.

— Tem razão, Vossa Graça. — O tom de zombaria de

Jim deixava claro o quanto desprezava o título e o próprio

Sterling, considerando-os de pouca serventia.

Page 44: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

44

— Posso oferecer um drinque aos senhores?

— Fique afastado de Frannie — Jim foi direto ao

assunto. Eles não aceitavam a bebida.

— Ou então? — Sterling perguntou.

— Eu o farei sumir.

Nada como uma ameaça direta para esclarecer o

assunto. Infelizmente, Sterling não era muito amigo de

ameaças que apenas serviam para torná-lo ainda mais

teimoso e determinado a fazer o que desejava.

— Verdade? E seus superiores têm conhecimento

dessa destreza incomum que o senhor parece cultivar?

— Greystone, Frannie é uma pessoa muito especial

para nós — Jack afirmou — e não temos a menor intenção

de vê-la sofrer.

— Bem, isso me inclui no trio, pois também não tenho

intenções de causar-lhe sofrimento.

— Milorde pode não pretender, mas o resultado será

trágico se fizer dela sua amante.

Sterling estreitou os olhos. Teria ele sido tão

transparente?

— Ela nos contou — Jack respondeu à pergunta não

formulada. — Imagine que a inocência de Frannie chega a

esse ponto.

— Ela não beija como uma jovem inocente.

Jim avançou com as mãos grandes fechadas em punho,

mas Jack agarrou-o pelo paletó.

Page 45: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

45

— Calma, Swindler.

Jim obedeceu à voz autoritária, mesmo sem gostar da

interferência que, no entanto, agradou a Sterling. O

homenzarrão parecia acostumado a brigar e a vencer, o que

daria poucas chances a Sterling, por mais que ele se

empenhasse.

Jack deu um passo adiante e interpôs-se entre Jim e

Sterling, porém Jim era bem mais alto, e Sterling pôde ver

a fúria nos olhos verdes. Dos dois, ele era sem dúvida o

mais perigoso, ainda que Sterling não fosse tolo para

subestimar Jack Dodger.

— Greystone, o caso é que Swindler, Graves,

Claybourne e eu nos consideramos como irmãos de Frannie

e cada um de nós subiria ao patíbulo por ela — Jack

afirmou.

— Ouvi contar que você é muito zeloso do que é seu.

— Acertou e por isso serei obrigado a destituí-lo como

membro do Dodger's. Você terá de procurar seus prazeres

em outro local.

— Cavalheiros, se eu realmente quiser alguma coisa, os

senhores não terão poder para impedir-me de obter o que

desejo.

A dor que ricocheteou no rosto de Sterling foi tão

intensa quanto a de sua cabeça ao atingir o chão. Ele não

vira o movimento de Jim e muito menos o punho dele vir

pela lateral no que era seu calcanhar de Aquiles. Jim

ajoelhou-se a seu lado e, com a mão do tamanho de uma

Page 46: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

46

pata de elefante, agarrou-o pela camisa e sentou-o.

— Se a fizer sofrer, eu o matarei.

Jim soltou-o e Sterling bateu novamente com a cabeça

no chão. Jim levantou-se, saiu da biblioteca e os passos

pesados reverberaram pelo chão.

Jack ajoelhou-se ao lado de Sterling.

— Greystone, nunca se esqueça de que viemos das

ruas. Quando Frannie era pequena, não podíamos impedir

que a fizessem sofrer e nós quatro fizemos um juramento.

Nós morreremos antes de deixar mais alguém magoá-la e

esse é um voto que manteremos a qualquer custo.

Sterling continuou deitado muito tempo após a saída

de Jack e entendeu ter acertado em uma coisa. Eles a

amavam.

O que não o confortou, mas o fez ainda mais

determinado em possuí-la.

Após fazer a última anotação no livro caixa, Frannie

assoprou a tinta para secá-la mais depressa. Os números

eram atordoantes. Empregada no Dodger's havia dez anos

e parceira de Jack fazia cinco, deveria estar acostumada

ao montante de dinheiro desperdiçado pelos homens no

jogo.

— Frannie, a casa sempre acaba ganhando — Jack

Dodger lhe dissera quando ela inicialmente questionara o

Page 47: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

47

empenho dele em abrir uma casa de jogos — e, no final, é

isso o que importa.

Suspirou e deixou na mesa a caneta com ponta de ouro

— um presente de Jack que gostava de objetos finos e

sabia que ela não gastaria em supérfluos — e fechou com

cuidado o volume. Jack gostava de tudo muito limpo e

arrumado, e nisso eles combinavam. Na certa era por

terem crescido na imundície.

O escritório era decorado com simplicidade. Uma

escrivaninha, duas poltronas, um sofá onde ela às vezes

descansava e prateleiras onde estavam enfileirados os

livros de contabilidade que forneciam a história do

estabelecimento.

Eram quase duas da manhã. Embora estivesse cansada,

gostava de trabalhar à noite. Fazer a contabilidade em

horários tardios a deixava com tempo livre para planejar o

lar das crianças que pretendia abrir em breve. A mobília

chegaria no começo da semana seguinte e ela precisava

contratar empregados. Resolveu deixar a tarefa para o dia

seguinte, pois ainda tinha assuntos pendentes.

Abriu o volume onde havia inscrito a contabilidade dos

sócios e começou a fazer anotações quanto aos membros

devedores. Quando as costas começaram a latejar,

endireitou-as, bocejou, espreguiçou-se e...

Uma silhueta grandalhona assomou à porta.

Ela riu e assumiu uma posição mais decorosa.

— Não deixe de relaxar por minha causa — Jim

Page 48: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

48

Swindler disse ao entrar.

O paletó marrom dele não era bonito, mas combinava

com seu comportamento modesto. Tinha cabelos castanhos

espessos, olhos verdes e não aparentava ser ameaçador em

sua simplicidade. Na verdade, ela o considerava o mais

inteligente e perigoso de todos.

— Eu fazia um intervalo antes de estudar as contas

dos fregueses — ela explicou.

— Você faz isso em horários esquisitos.

— Não mais do que você. Está trabalhando agora, Jim?

— Jack pediu-me para fazer averiguações de caráter

pessoal em relação à herança que recebeu. Eu apresentei

um relatório do que descobri e aproveitei para ver como

você estava passando.

— Eu vou bem, Jim.

Ele anuiu, pôs as mãos nos bolsos do paletó e tirou-as.

— Alguém a tem aborrecido?

Uma pergunta estranha.

— Está se referindo a alguém em particular?

— Não, simples curiosidade. — Ele adiantou-se e

depois recuou como se temesse assustá-la. — Quero que

saiba que estarei disponível caso precise de alguma coisa.

— Talvez eu necessite de sua ajuda para reunir os

órfãos quando chegar a hora.

— Isso nem se discute. Estou guardando uma lista de

Page 49: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

49

meninos que foram para a prisão e o tempo em que ficarão

detidos. Cuidarei dos mais jovens, os que podem ser

recuperados e os trarei para você.

Frannie sorriu.

— Para mim isso significa muito, Jim. A mobília

chegará na próxima semana, você estará livre para ajudar?

— Pode contar comigo.

— Obrigada. Eu me sinto culpada por ainda não ter

resolvido o assunto de como abrigar as crianças

abandonadas nas ruas, embora tenha os meios para isso.

— Você está trabalhando muito nisso, Frannie.

— Porque essa é uma coisa que desejo demais. Há

muito tempo venho pensando, planejando e finalmente a

meta está para ser concretizada. Mandarei avisá-lo assim

que chegar a hora.

— Esplêndido. — Jim deu um sorriso brilhante, o que

raramente fazia. — Estou ansioso para ajudá-la. — Ele fez

menção de tocar no chapéu, mas como não o estava usando,

fez uma mesura desajeitada. — Eu a verei em breve.

Ele saiu com uma rapidez que a espantou. Frannie não

entendia por que Jim era desajeitado com ela e não com os

outros. Talvez por ser dois anos mais moço e ela ter

cuidado mais dele do que dos demais. Lembrava-se do dia

em que Jack e Luke o tinham trazido para a casa de

Feagan, logo após o enforcamento do pai de Jim. Ele se

conservara tão quieto que ela temeu por um mutismo

permanente pelo choque. Naquela noite, depois de todos

Page 50: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

50

terem ido para a cama, ela escutara choramingos e deixara

o conforto dos braços de Luke e fora segurar Jim

enquanto o menino dormitava. Ela entendia a dor da perda.

As crianças que moravam com Feagan haviam perdido

algo de muito valor que alguns ainda procuravam. Não era

o caso de Luke. Ela sorriu. Nunca o vira tão feliz como no

casamento.

E pensando em Catherine, lembrou-se do irmão dela.

Passara pouco mais de uma semana após o casamento,

ela não podia esquecer Sterling. Por uma escada posterior

a que os fregueses não tinham acesso, ela e Jack podiam

chegar a um balcão pouco iluminado de onde podiam

observar o movimento do salão sem serem vistos. Nas duas

vezes em que procurara por Sterling, não o vira. Mesmo

sem saber o que faria se o visse, sentiu-se desapontada

por sua ausência. Seria ele tão bonito quanto sua

lembrança? Ou seria muito perigoso?

Sterling estaria ansioso por uma resposta dela? Ele

desconfiaria que a mesma seria negativa? Deveria dizer

pessoalmente a ele caso o visse? Ou seria melhor mandar

uma carta? Talvez o silêncio fosse a melhor solução.

Frannie refletia sobre os métodos com a mesma

freqüência como pensava na resposta. Jack estava certo e

ela teria de retrucar com uma sonora negativa, mas

Sterling a intrigava. Não havia explicação lógica para o

fato. Os dois pertenciam a mundos opostos. Mas por que

ele fora o único que atraíra sua atenção em meio a tantos

Page 51: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

51

convidados que lotavam o salão de Luke? E o mais

importante. Por que fora notada, apesar de todos seus

esforços em contrário?

Por que os homens podiam procurar os prazeres com

várias mulheres e elas tinham de conhecer apenas um?

Porém na região de Londres onde ela e os amigos haviam

crescido, as garotas ficavam com um rapaz por algum

tempo e depois se envolviam com outro. Sua amiga Nancy

fizera isso e não fora repudiada. Frannie supôs que o preço

para ser aceita na sociedade fosse seguir as regras de boa

conduta e que as damas deveriam preservar sua castidade,

o que para ela seria impossível.

Ela fora violada fazia dezoito anos. Ao longo do tempo,

os pesadelos sobre aquela noite terrível haviam diminuído,

mas a lembrança ainda não se apagara. No entanto ela não

temia os homens e conhecia a paixão e a ternura que

acontecia entre homens e mulheres.

Jim fizera questão de mostrar a ela, alguns anos

atrás. O Dodger's tinha uma sala de observação onde os

homens que desejavam demonstrar suas proezas atuavam

com uma dama de sua escolha enquanto clientes

observavam escondidos em cantos escuros ou através de

discretos olhos-mágicos. Jim a convidara a espiar

enquanto ele fazia amor com uma jovem.. Fazer amor fora

o termo que ele empregara para explicar como poderia ser

o relacionamento. Aquela noite ele lhe dera um presente

espantoso.

Page 52: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

52

Frannie sempre soubera que sua experiência aos doze

anos não fora normal e depois de observar Jim com

Prudence, perdera sua relutância em relação aos homens.

Ainda assim, não conhecera nenhum homem com quem

desejasse fazer amor. Até conhecer Sterling Mabry, um

duque, e o último homem que ela deveria desejar.

Seria o toque do proibido que a atraía ou haveria algo

mais?

Céus, ela acabaria louca de tanto pensar nisso e seria

mais sensato verificar os registros de devedores!

Nesse momento, percebeu uma anotação feita com a

letra quase indecifrável de Jack. Então era isso!

Frannie pegou o volume, saiu de sua sala e entrou na

de Jack, que também trabalhava até tarde. Ele estava

sentado atrás da escrivaninha, fazendo contas.

— O que significa isso? — ela indagou, brusca, e

levantando a brochura.

— O que? — Ele franziu a testa. Ela largou o livro em

cima do dele.

— Aqui diz que Greystone foi excluído do quadro de

associados.

Jack virou-se para trás, pegou uma das garrafas e

encheu o copo que estava em cima da mesa.

— Não gosto dele.

— Jack...

— Frannie. — Ele bebeu o uísque e fez menção de

Page 53: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

53

servir-se novamente, mas Frannie agarrou o copo.

— Mas que droga, Frannie! — Jack recuou, pegou um

pedaço de papel e enxugou as gotas espalhadas. — Este é

meu melhor uísque, por que desperdiçá-lo?

— Todas as suas bebidas são as melhores. Eu o aviso

de que vou reintegrá-lo na lista dos freqüentadores.

— Eu desfarei tudo. — Ele a fitou com raiva.

— Você não pode cancelar o registro de cada homem

que se interessa por mim. — Nenhum manifestara vontade

de conhecê-la melhor até o momento, mas ela precisava

dar importância à frase.

— Ele fez mais do que demonstrar interesse.

— Sei que está tentando proteger-me e eu o amo por

isso, mas você está errado. Sei como me defender.

Jack fitou-a por um momento e Frannie sabia que ele

desejava prosseguir a discussão.

— Devolva-me o copo.

Frannie obedeceu. Jack jamais admitiria seu erro,

porém o fato de mudar de assunto significava uma vitória

para ela. Além disso, Jack tinha assuntos importantes para

resolver. Um de seus clientes, o duque de Lovingdon,

deixara para Jack todas as propriedades não vinculadas

aos bens inalienáveis. E Jack, desconfiado como sempre,

suspeitou de sua boa sorte e pretendia analisar cada

aspecto do legado.

— Você mandará uma mensagem a Greystone ou eu

Page 54: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

54

mesma terei de fazê-lo?

Jack não respondeu, mantendo o olhar feroz.

— Suponho que eu terei de tomar a iniciativa.

Greystone será incapaz de decifrar sua letra. Você não fez

nada com ele, fez?

— Não fiz.

— Jure.

— Por Deus, Frannie, eu disse que não. — Ele a fitou.

— Você ainda carrega o punhal que lhe dei?

Frannie bateu no quadril onde uma bainha estava

escondida sob a saia.

— Sempre.

— Faz muito tempo que não nos exercitamos.

Poderíamos fazê-lo amanhã, para ter certeza de que você

não esqueceu como usar a arma.

— Sei como usá-la.

— Lembre-se, o objetivo não é ferir, mas matar. Não

se preocupe pelo fato de ele ser um maldito nobre. Jim

dará um jeito nas investigações.

Jack sugeria que ela matasse Sterling? Uma sugestão

primorosa.

— Se Greystone pretendia aproveitar-se, ele o teria

feito na biblioteca quando... — Frannie deu-se conta de ter

falado demais.

— O que ele fez na biblioteca de Luke?

Page 55: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

55

— Conversou.

— O que ele disse?

— Que eu era interessante. — Ela pegou seu livro e

apertou-o junto ao peito. — Devo interrogá-lo a respeito

de seu encontro com a jovem duquesa de Lovingdon?

— Isso é diferente. A viúva não está tentando tirar

vantagem de mim.

Frannie anuiu. Por mais estranho que pudesse parecer,

ela não tivera a impressão de que Sterling quisesse

aproveitar-se dela. Ele queria dar e receber algo que

poderia ser agradável para os dois.

— Boa noite, Jack. — Ela se virou e...

— Frannie, meu coração está no lugar certo. Era muito

difícil ficar com raiva dos meninos.

— Eu sei.

Frannie voltou à sua sala e escreveu oito cartas

endereçadas a Sterling até finalmente encontrar os

termos certos que não fossem exagerados nem pouco

ilustrativos, e que não denunciassem seus próprios

sentimentos sobre a situação. Aquela era uma questão de

negócios.

Ela levantou-se da cadeira e atravessou a sala. Pegou

a capa que estava pendurada perto da porta, jogou-a sobre

os ombros, saiu do escritório e foi para o vestíbulo que

nunca permanecia muito sossegado. As atividades

exuberantes do salão de jogos que tinham lugar atrás da

Page 56: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

56

porta fechada dos fundos ecoavam pelo prédio. Ela já se

acostumara com os ruídos e mal os escutava. Do lado

oposto do saguão ficava a porta que dava para fora.

Ela a destrancou e foi para a varanda onde a lamparina

acesa lançava uma luz fantasmagórica na alameda escura.

Trancou a porta e, sem pegar a lamparina, atravessou o

caminho que conhecia como a palma da mão. Seu quarto

ficava à esquerda, subindo a escada. Usou outra chave para

abrir a porta e entrou. O apartamento de Jack era

contíguo ao dela, mas ele não ficava ali desde que herdara

a bela residência de St. James.

Ela fechou e trancou a porta, foi até a mesa que ficava

a um canto do cômodo e acendeu uma lamparina. Com um

suspiro, pendurou o manto e começou a tirar a roupa

enquanto caminhava para o local onde dormia. O recinto

era pequeno e simplesmente mobiliado como seu escritório.

Havia um sofá, uma cama, uma penteadeira, algumas

cadeiras e duas mesas pequenas. Ela não precisava de

muito para ser feliz.

Frannie se lavou, vestiu a camisola, sentou-se junto à

penteadeira e começou a escovar os cabelos. Detestava

aquela cor e o excesso de cachos que os tornavam

rebeldes. Imaginou se Sterling os considerara sem graça.

Inclinou-se em direção do espelho. Os olhos verdes eram

o que tinha de melhor. Lembrou-se da freqüência com que

Sterling os fitara. Poderia ele perder-se naquele olhar? O

que ela teria de fazer para que isso acontecesse?

Page 57: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

57

Contudo não queria que ele se perdesse apenas no

olhar, e sim nela, o que era um desejo perigoso.

Ela gemeu, levantou-se e levou a lamparina até a mesa

de cabeceira. Deitou-se sob os lençóis, apagou o pavio e

olhou a escuridão acima de sua cabeça. Logo lhe veio a

imagem de Sterling vindo por cima dela, despido e exibindo

a pele bronzeada.

Com mais um gemido, ela se virou de lado. Quando

conseguiu adormecer, sonhou que mandara para ele uma

carta diferente da que escrevera. Uma onde estava

escrita apenas uma palavra.

Sim.

Capítulo III

Catherine encontrava-se sentada na biblioteca que

fora de seu pai e agora então pertencia a Sterling, e

reparava nas mudanças de seu irmão que estava em pé

junto à janela bebendo conhaque e olhando o sol do

entardecer. Os cabelos dourados dele haviam escurecido,

o que o fazia parecer mais velho do que seus vinte e oito

anos. Os ombros estavam mais largos como se ele houvesse

Page 58: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

58

enfrentado trabalhos pesados nas viagens pelos

continentes. Havia uma pequena cicatriz abaixo do olho

esquerdo e Sterling perdera a capacidade de sorrir.

De todas as mudanças que haviam ocorrido durante os

anos em que ele se ausentara, a última cortava-lhe o

coração.

— Então você tratará disso? — ela perguntou ao irmão.

Assim que ela fizera o pedido, ele se levantara da

poltrona que ficava atrás da escrivaninha, servira-se de

uma dose de conhaque e fora até a janela.

Ele se virou e fitou-a, como se duvidasse da sanidade

dela.

— Deixe-me ver se entendi. Você pretende que eu

tome providências para que as duzentas libras mensais

estipuladas por nosso pai em testamento para serem dadas

a você sejam transferidas para a srta. Frannie Darling.

— Exatamente.

— Ela a está chantageando?

— Não seja tolo, Sterling, é para o orfanato dela!

Entendo que eu poderia dar a ela o dinheiro, mas dessa

maneira parece mais eficiente, e ela saberá que pode

contar com a quantia todo dia primeiro de cada mês.

O pedido dela servia como desculpa para visitá-lo e

talvez para atraí-lo de volta à sociedade. O fato de

Catherine precisar de uma desculpa para ver o irmão era

um atestado da tensão existente no relacionamento de

Page 59: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

59

ambos. Afinal, ele era seu irmão e ela não o vira nem uma

vez nas duas semanas que se seguiram ao casamento. Na

verdade, ela não vira mais ninguém.

— Papai queria que você tivesse dinheiro para manter

sua independência — Sterling afirmou.

— Estou casada com um dos lordes mais ricos da

Inglaterra...

— O que não garante sua independência.

Era uma verdade irrefutável. O desejo dela em ajudar

a duquesa de Avendale a escapar de um casamento

horrendo levara Catherine à porta de Luke Claybourne.

— Sinto muito, Catherine, mas não posso alterar a

vontade de papai, mesmo a seu pedido. Poderá chegar uma

época em que você precisará ter seus próprios meios de

sobrevivência. Enquanto isso, mande a quantia desejada

para a srta. Darling, se não precisa do dinheiro.

— Por que você é tão teimoso? O dinheiro é meu e

posso fazer com ele o que eu quiser.

— Como seu irmão, estou encarregado de assistir ao

seu bem estar e impedi-la de agir erroneamente.

— Não mais, Sterling, lembre-se de que estou casada.

E quanto ao amor por mim ou por outra pessoa? Eu soube

que você esteve em Londres por no mínimo quatro meses e

mesmo assim não visitou nosso pai. Não era segredo que

ele estava doente e você sabia disso.

— Mandou fazer verificações?

Page 60: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

60

Não propositadamente. Mas desde que seus amigos

mais recentes conheciam o lado obscuro de Londres, ela

contava com informações úteis algumas vezes.

— Estou tentando entender o que aconteceu com o

irmão que me deu de presente uma pedra mágica para

proteger-me dos pesadelos quando eu acordava chorando

como uma criança depois da morte de mamãe. Não tenho

certeza se ainda o conheço.

— Pois dê graças a Deus.

— O que está querendo dizer com isso?

Ele foi até o aparador e tornou a encher a taça.

— Assunto encerrado? Não pela metade.

Catherine levantou-se da poltrona com graça e decidiu

usar uma tática diferente. O título de Sterling era um dos

mais poderosos da Inglaterra, o que acarretava influência

e valor. O pai deles ficaria muito desapontado se Sterling

vivesse à margem de seu potencial.

— Você não gostaria de fazer-nos companhia amanhã?

Claybourne e eu vamos ao orfanato ajudar Frannie a

receber a mobília. Um par de mãos extras será bem-vindo.

— Você não está sugerindo que eu me rebaixe a ponto

de me engajar em um trabalho manual, está?

— Estou sugerindo que se envolva em uma obra

benemérita. Frannie pretende estabelecer um lar para cem

crianças.

— Não sei o que tenho a ver com isso.

Page 61: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

61

— Se você não entende, certamente não poderei lhe

explicar. — Decidida a não recuar diante do tom de enfado,

ela rodeou a mesa, abriu uma gaveta e tirou uma folha de

papel.

— O que está fazendo?

Ah, finalmente uma ponta de interesse. Talvez nem

tudo estivesse perdido.

— Vou escrever o endereço com esperança de que você

mudará de idéia e virá nos ajudar. Descobri, Sterling, que

se envolver nesse tipo de trabalho pode mudar a

perspectiva de vida.

— Não preciso mudar nada.

Catherine estava certa de que se tratava de um

engano. Ela escreveu o endereço, deixou a caneta de lado

e aproximou-se do irmão.

— Eu gostaria de saber a respeito do que você e papai

discutiram.

Catherine acreditava que a atual atitude de Sterling

estava de alguma forma relacionada com o que acontecera

antes de ele partir. Ele e o pai haviam se envolvido em uma

forte discussão em uma noite. Ela escutara o ódio ecoar

pelas paredes, mas não entendera as palavras. Na manhã

seguinte recebera uma carta de Sterling pedindo para ela

não se preocupar, mas que ele decidira viajar pelo mundo.

Ela não o vira mais até depois da morte do pai. Sterling

desviou o olhar.

— Como eu lhe disse antes, Catherine, isso não é de

Page 62: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

62

sua conta.

— Por quê? — Ela viu o músculo do queixo dele se

mover. Tocou no braço dele e sentiu-o retesar-se.

— Eu o amo, Sterling. Se eu puder fazer alguma coisa...

— Deixe-me em paz.

— Então você não está em paz? Sterling suspirou.

— Você se tornou uma jovem irritante.

Ela sorriu com esperança de tocar o local onde antes

existira um coração.

— Você não tem idéia do quanto.

— Mais um motivo para eu não atender a seu pedido e

não permitir que seu dinheiro seja desviado. Claybourne se

cansará de você em pouco tempo.

Ela riu.

— Ele gosta que eu seja voluntariosa e determinada.

Eu gostaria que você o conhecesse melhor.

— O conde diabólico? Ele é um, assassino, Catherine.

— Sim, ele matou um homem...

— O tio dele.

— ...por um bom motivo — continuou ela. — Não há nada

que eu não admire em meu marido. Acho que os dois se

dariam muito bem, se você lhe desse uma chance.

— Pelo contrário, acho que ele não gostaria de mim,

assim como seus amigos me detestam.

Ela franziu a testa.

Page 63: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

63

— Por que tem essa impressão dos amigos dele?

Sem comentários, Sterling voltou até a janela, com a

taça novamente cheia.

— Se precisar de mim, mande me avisar. — Catherine

pegou a pequena bolsa da mesa ao lado da poltrona onde

estivera sentada.

— Cuide de sua vida, Catherine, não preciso de você.

— Nós sempre precisamos uns dos outros, Sterling.

— Pois eu espero que tal coisa não aconteça comigo.

Sim, seu irmão precisava de algo ou de alguém, pensou

Catherine com amargura antes de sair.

Frannie Darling.

No momento era que Catherine mencionara aquele

nome, Sterling desejou que a irmã fosse embora. Ele

saboreou as imagens de Frannie que vieram à sua mente e

apesar das ameaças que recebera, não estava disposto a

desistir de tornar-se íntimo dela.

Depois da saída de Catherine — felizmente ela não

viera antes das marcas do encontro desagradável com Jim

desaparecerem — Sterling trocou o conhaque refinado por

uma garrafa de uísque e foi para o jardim.

Frannie Darling.

O nome desencadeava em sua mente as poucas

memórias dela que estavam guardadas.

Uma noite com ela era tudo o que ele desejava. O que

era essa loucura que o atingira desde que a conhecera? Os

Page 64: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

64

cabelos de Frannie eram rebeldes como se ela estivesse na

cama, os olhos verdes como a primavera, os lábios carnudos

e maduros prontos para serem saboreados. O sabor dela

cedera lugar ao conhaque que vinha bebendo em um

esforço para calcar a impaciência enquanto ela analisava a

proposta dele.

Havia poucos dias recebera uma mensagem de Frannie

e uma ansiedade fora do comum o acometera. Até abrir a

carta.

Caro Duque de Greystone,

Sua adesão como membro do clube Dodgers foi

restabelecida.

Sem mais para o momento, Frannie Darling.

Extremamente formal. Nem uma indicação referente

à sua proposta. Desde então, não conseguia esquecê-la.

Largou-se no banco nos fundos do jardim e levou a gar-

rafa aos lábios. Uma maneira nada civilizada de beber, mas

ultimamente ele se sentia à margem da civilização.

Sterling passara aquelas duas semanas dentro de casa

esperando que sumissem os hematomas do olho e da face.

Por seu status, não precisava despertar suspeitas nem

boatos sobre o envolvimento em alguma briga, ainda mais

com o aspecto de um perdedor. Bom Deus, ele por pouco

não fora atacado por um gorila na África e fora atacado

por um tigre na Índia, mas nenhuma dessas criaturas

parecera tão perigosa quanto Jim Swindler.

Se ao menos ele tivesse percebido a aproximação do

Page 65: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

65

golpe, poderia ter se desviado ou se defendido, mas nada

pudera fazer. O que o levou a refletir que no final de sua

adolescência, sua visão começara a dar sinais de cansaço.

No começo parecera um fato sem importância e ele tivera

dificuldade para enxergar à noite. Os óculos de nada

adiantaram e a visão periférica começara a desgastar-se

até ele ter a impressão de usar antolhos permanentes.

Testara seus limites durante suas viagens de maneira que

não poderia fazer em Londres ou em suas propriedades

rurais. Aquela altura, tinha dificuldade em admitir que não

podia mais controlar alguns aspectos de sua vida.

Talvez fosse esse o motivo por ter se oposto ao pedido

de Catherine. Ele não queria que a adorável Frannie

ganhasse independência financeira e rejeitasse sua

proposta. Ela teria de precisar muito da ajuda dele, assim

como ele desejava ficar com ela. O dinheiro era um forte

incentivo. Se fosse ao orfanato, teria oportunidade de

relembrá-la da oferta. Poderia até sugerir uma ajuda aos

órfãos...

Frannie encararia a atitude como um insulto? Ela

imaginaria que a aceitação de um presente dele seria uma

troca para uma noite de prazer em seus braços? Talvez

devesse esperar um pouco mais de tempo do que o

planejado, mas acabaria por seduzi-la. No futuro, não

poderia ter tudo o que quisesse, mas esse tempo ainda não

havia chegado.

Satisfeito com os rumos de seu plano, tomou o

restante do uísque e recostou-se no banco. Teve um

Page 66: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

66

momento de pânico ao notar a escuridão. Fora uma tolice

sair tão perto do anoitecer. Ficara tão absorto ao pensar

em Frannie que não notara a luminosidade diminuir.

Levantou-se e focalizou as luzes das janelas de sua

casa, mas teve dificuldade em visualizá-las. A noite era

sempre mais difícil de se locomover, mas se fosse

devagar...

Parecia que ele ia mais devagar à medida que o tempo

passava. Não fora uma extravagância a ânsia por Frannie.

Ele precisava se casar enquanto ainda podia dar a

impressão de não ter problemas de visão. O que significava

que precisava provar com urgência as delícias de todos os

detalhes sensuais de Frannie Darling.

Sterling não esperava a longa fila de carroças dos

quais seu cocheiro teve de desviar-se para atravessar os

portões do orfanato. Também não poderia supor que esse

lar para crianças nas cercanias de Londres fosse tão

grande e exibisse tão bela arquitetura. Como não imaginara

que houvesse tantas pessoas carregando mobília para

dentro.

O cocheiro parou a carruagem e Sterling desejou não

ter vindo. Por sua visão prejudicada, multidões haviam se

tornado a maldição de sua existência.

Um criado abriu a portinhola e Sterling não chegou a

pedir ao homem que ordenasse ao cocheiro a volta para

Page 67: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

67

casa. Ele viu Catherine e ela também o viu. A alegria da

irmã somente aumentou sua inquietação.

— Oh, Sterling, você veio!

Ela se aproximou correndo e Sterling entendeu que

não havia escolha. Teria de agüentar por alguns momentos

todas aquelas pessoas e a agitação barulhenta. Apeou com

agilidade e virou a cabeça para ver se os criados já haviam

desembarcado da carruagem e estavam aguardando

ordens. Refletiu que Frannie ficaria satisfeita pela

generosidade dele em oferecer a ajuda de sua criadagem...

Estupidez. Por que sentia essa necessidade absurda

de impressionar uma mulher das ruas? Seria suficiente

desejá-la. A maioria das mulheres se sentiriam lisonjeadas

com sua atenção e nada mais exigiriam.

Catherine parou diante dele. Ela usava luto pela morte

do pai e o vestido dela mais parecia o de uma criada. Ela

estava com o nariz e uma das faces sujos, e os cabelos

pareciam a ponto de despencar dos grampos. Entretanto

ele nunca a vira mais feliz.

— Eu trouxe criados para ajudar — Sterling disse com

rispidez.

— Percebe-se. Frannie vai adorar. Vamos entrar,

quero que ela veja que você está aqui.

— Você disse a ela para me esperar? — Se ele mudasse

de idéia, ela certamente ficaria desapontada.

— Claro que não, mas ela é guarda-livros e tem por

costume anotar tudo. Por isso ela vai querer saber que você

Page 68: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

68

veio ajudar.

Enquanto o conduzia para a entrada, Catherine

tagarelava sobre o trabalho que precisava ser feito.

Sterling entendeu por que Catherine queria que seu

dinheiro fosse para esse empreendimento. O custo de

manutenção seria imenso e Frannie certamente precisaria

de financiamento para a obra. O salário dos guarda-livros

não era tão grande.

Enquanto eles entravam no prédio, Luke Claybourne

que se preparava para sair, parou.

— Vossa Graça, que surpresa inesperada.

— Por sua própria natureza, as surpresas são

inesperadas — Sterling afirmou, aborrecido por Luke

parecer tão à vontade nesse meio, enquanto ele se sentia

tão fora de seu elemento.

— Se quiser, deixe seu paletó no canto do escritório,

arregace as mangas e...

— Eu trouxe alguns criados.

— Frannie ficará contente com mais pessoas para

trabalhar.

— Onde ela está? — Catherine perguntou.

— Acho que está lá em cima, mas vai descer logo.

— Quero que ela saiba da presença de Sterling.

— Milorde sabe que ela é muito preciosa para nós —

Luke disse com olhar estreitado.

Outro aviso? Ele não sabe que já recebi um?

Page 69: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

69

— Assim como Catherine é para mim — Sterling

respondeu.

Catherine suspirou.

— Não sei por que os dois sempre têm de desconfiar

um do outro.

Talvez por eles conhecerem o pensamento masculino.

Sterling, aborrecido pelo encontro, resolveu ir embora,

mas de repente tudo mudou. Ele olhou na direção da escada

e viu Frannie em um dos degraus do meio. Jim Swindler,

que vinha na frente, parou e olhou para trás.

A memória de Sterling não fizera justiça a Frannie.

Pessoalmente os cabelos dela eram de um vermelho intenso

e seu olhar era ainda mais verde. O vestido, abotoado até

o queixo, deixava tudo para a imaginação de um homem,

fazendo-o refletir se tudo em que pensava existiria na

verdade sob as camadas de tecido. Nada seria mais

satisfatório do que abrir cada um daqueles botões e

descobrir os tesouros ali ocultos.

Jim olhou para Sterling, disse qualquer coisa para

Frannie que fitou o amigo e sorriu. O movimento vagaroso

dos lábios de Frannie deixou Sterling com vontade de

ajoelhar-se. O que haveria de errado com ele? Frannie nem

se preocupava em derramar seu charme e assim mesmo ele

estava encantado.

Frannie recomeçou a descer os degraus acompanhada

por Jim que, atento, tentava descobrir o estranho elo que

parecia unir Sterling a Frannie. Sterling sabia não contar

Page 70: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

70

com a aprovação dele e deu-se por satisfeito que os

hematomas houvessem sumido.

— Vossa Graça — Frannie cumprimentou Sterling com

uma leve mesura e parou diante dele.

Como Catherine, ela estava com uma mancha na face,

e Sterling levou as mãos às costas para não ser tentado a

limpar a sujeira que aumentava ainda mais o encanto dela.

Sterling fez uma reverência.

— Srta. Darling, eu trouxe seis criados para ajudá-la

em sua tarefa.

— Muita bondade sua. — Frannie virou-se ligeiramen-

te. — Vossa Graça já foi apresentado ao inspetor Swindler

da Scotland Yard?

— Já nos conhecemos — Sterling respondeu, seco.

Frannie franziu a testa ao fitar com suspeita os dois

homens.

— Entendo. Milorde gostaria de ver o que estamos

fazendo?

— Nada me agradaria mais, obrigado. — Talvez eles

pudessem dispensar algumas formalidades.

— Jim, por favor, você poderia dar instruções aos

criados de milorde?

— Seria melhor eu ficar com você. — Embora falasse

com Frannie, ele continuava a analisar criticamente

Sterling.

— Estaremos bem, não se preocupe. Quanto mais

Page 71: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

71

pessoas trabalharem, mais cedo a arrumação será

concluída e eu poderei cuidar da internação dos órfãos. —

Ela tocou no braço de Jim e Sterling teve uma necessidade

irracional de impedir o gesto. Não queria que ela

encostasse em outros, mas apenas nele. — Por favor.

Jim anuiu.

— Não posso recusar-lhe nada, sabe disso.

Ele se afastou, mas apertou o ombro de Sterling na

passagem. Embora devesse ter antecipado que uma

demonstração dessas aconteceria, Sterling continuou

impávido como se preferisse ignorar o aviso implícito.

— Vamos voltar ao trabalho. — Catherine passou o

braço no de Luke e afastou-se com ele.

Sterling ainda não tivera tempo de julgar o

relacionamento da irmã com o marido, mas pelo visto ela

não se constrangia de dar algumas ordens e seu cunhado

não se importava em segui-las.

— Lá em cima ficam os dormitórios e será enfadonho

visitá-los — Frannie explicou assim que os amigos se

afastaram.

— Nunca achei dormitórios enfadonhos.

Frannie corou, olhando o chão, e Sterling desejou ter

mordido a língua antes de falar. Ele a deixara

envergonhada. Trabalhar no Dodger's, onde era muito

comum mulheres fazerem companhia aos homens, na certa

a deixava ciente do que acontecia entre os casais. Ela ainda

se lembraria da proposta dele?

Page 72: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

72

— Suponho que eles devem ser parecidos uns com os

outros.

Frannie franziu o cenho e Sterling imaginou que ela

estivesse tentando decifrar se ele se referia à

familiaridade dela ou dele com dormitórios.

— Por onde a senhorita sugere que comecemos?

— Se quiser me acompanhar. — Ela o conduziu a um

vestíbulo e abriu uma porta que dava para um recinto com

prateleiras na parede.

— Deve ser a biblioteca — ele disse. — Adoro

bibliotecas.

Frannie tornou a corar e foi até uma janela grande por

onde se divisava um jardim com vários homens cuidando da

terra. Pelo visto Frannie estava determinada a deixar o

orfanato o mais parecido possível com um lar. Sterling

pensou em fechar a porta, mas depois dos avisos que

recebera seria melhor tomar cuidado para não ofender

ninguém nem causar má impressão. Além disso, se fechasse

a porta, poderia ser tentado a não agir como um cavalheiro,

pois na presença dela seu desejo se exacerbava.

— Estou surpresa com seu comparecimento — ela

falou em voz baixa e olhou-o. — Suponho que milorde veio

para ter uma resposta.

— Para falar a verdade, não sei por que vim. — Ele se

aproximou da janela e fitou Frannie. — Isso é mentira, sei

por que vim. Eu queria vê-la novamente.

— Estou todas as noites na casa de Jack Dodger e

Page 73: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

73

cuido da contabilidade dele, como deve saber.

— Creio que se eu tentasse percorrer os corredores

barrados aos fregueses, encontraria resistência. Diga-me,

srta. Darling, onde mora?

— Tenho um apartamento nos fundos do Dodger's.

Sterling ouvira contar que Jack providenciava

acomodações para alguns de seus empregados. Na certa

ela gastava cada centavo de sua remuneração com o asilo.

Sterling observou os jardineiros cavando e plantando.

— Eu não esperava nada tão... esmerado. O terreno, o

prédio... não podem ter custado barato. Como pensa mantê-

los?

— Temos benfeitores. Luke, em particular, é muito

generoso. Vossa Graça não se interessaria em fazer uma

doação?

O verde do olhar travesso de Frannie adquiriu um

brilho ainda maior. O sol, que estivera ausente da outra

vez em que os dois estavam junto a uma janela, derramava-

se sobre seu rosto. Algumas sardas salpicavam o nariz

levemente arrebitado. Sterling pensou em desabotoar os

dois primeiros botões da blusa só para ver o pescoço dela.

Ansiava por uma noite com Frannie sem problemas de

horário.

— O quanto lhe agradaria, srta. Darling?

Frannie passou a língua nos lábios que ele desejava

experimentar novamente,

Page 74: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

74

— Estamos falando sobre uma contribuição para o

orfanato, não é?

— Sim.

— Isso viria sem condições nem expectativas de

receber algo em troca?

— Quem sabe um sorriso serviria como pagamento.

Quanto vale um sorriso para a senhorita?

Frannie não pôde esconder o desapontamento e

Sterling ensimesmou se a ofendera.

— É errado estabelecer um valor para coisas que não

devem ter preço.

— Tudo tem seu preço, srta. Darling. A senhorita devia

estar ciente disso, pela maneira como a foi criada.

— É muita presunção de sua parte, Vossa Graça,

acreditar que sabe a maneira como fui educada.

Sterling pensou em uma imprecação. Frannie estava

certa, ele nada sabia sobre a realidade da vida dela.

— Acho que consegui ofendê-la.

— Nós tivemos origem em mundos diversos. Vossa

Graça nunca se desfez de nada pelo simples prazer de

doar?

— Mesmo assim é possível haver uma permuta. Pode-

se doar alguma coisa e em troca receber alegria.

— Por esta noção, ver o sorriso poderia ser a única

recompensa e não deveria requerer pagamento.

Page 75: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

75

— A senhorita é muito inteligente. Muito bem, doarei

quinhentas libras para sua causa.

— Obrigada, Vossa Graça, e por isso eu deverei sorrir

de coração.

Um sorriso radiante iluminou o rosto de Frannie.

Sterling gastaria dez vezes mais para não apagar aquele

sorriso, mas desconfiava de que o dinheiro não era a chave

para o coração de Frannie. Ele se assustou. Não era o

coração dela que o interessava, mas sim as curvas, a pele,

o calor...

Antes de convencer-se para não agir com insensatez,

ele a beijou e não foi surpresa descobrir que os lábios de

ambos se ajustavam perfeitamente. Havia duas semanas

sonhava com esse momento. Frannie tinha gosto de limão e

açúcar. Podia apostar que o antigo conde de Claybourne não

era o único a gostar de balas. Com um gemido surdo,

Frannie abriu a boca para Sterling e ele esqueceu de tudo

exceto da maravilha de tê-la novamente nos braços.

Frannie ajustava-se de encontro a ele como nenhuma

antes o fizera e como se lhe pertencesse. Sterling

recriminou-se por não ter fechado a porta antes.

Ela o abraçou pelo pescoço e entrelaçou os dedos em

seus cabelos. Sterling sentiu o desejo invadi-lo com uma

ferocidade cega; precisava conhecer a paixão de Frannie

em toda plenitude.

Arfante, Frannie afastou-se e ele só pensava em

abraçá-la e carregá-la até o coche. Ele precisava levá-la

Page 76: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

76

para a cama e possuí-la aos poucos. O fogo da paixão do

olhar dela aumentava as chamas do próprio desejo.

Estivera com mulheres em todos os países por onde

viajara, mas não se lembrava de querer nenhuma mais do

que a ela.

— Venha comigo. — Sterling mal reconheceu como sua

a voz baixa e rouca.

Frannie sacudiu a cabeça.

— Não posso. Tenho responsabilidades aqui. — Ela

tocou o queixo dele como se quisesse outro beijo, mas

deixou cair a mão.

Sterling acariciou-lhe a face.

— Acho que menti sem intenção. Parece que vim para

saber sua resposta e agora a tive.

Ela abriu a boca para responder...

— Frannie?

Ela assustou-se com a voz de Jim. O inspetor estava

na entrada e flexionava as mãos.

— Temos algumas poltronas que não sabemos onde

deixar.

— Verei isso pessoalmente. — Apesar das palavras de

dispensa, Jim continuou no mesmo lugar, e Frannie voltou

a atenção para Sterling. — Se me der licença, preciso

tratar de alguns assuntos.

Sterling gostaria de impedi-la de afastar-se.

— Sim, claro.

Page 77: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

77

— Por favor, sinta-se à vontade para visitar nossas

dependências. — Frannie admirou-se pela calma que

demonstrava. Deu um passo adiante e olhou para trás. —

Encontre-me no jardim em dez minutos e terá sua

resposta.

Sterling observou-a afastar-se no vestido simples

que, por algum motivo, já não parecia tão simples. Ela tocou

no braço de Jim e o carinho entre os dois foi evidente.

Sterling flexionou os dedos e pensou que poderia derrubar

o inspetor com apenas um soco. Ele se tornara possessivo

como jamais ocorrera.

Jim fitou Sterling com raiva e seguiu Frannie até o

saguão. Sterling voltou a observar o jardim e pressionou a

palma na janela fria, porém seu sangue não parou de

ferver. Apenas um fato resolveria a situação: uma noite

com Frannie Darling.

Frannie encomendara a mobília, planejando

exatamente onde colocar cada peça e naquele momento ela

fitava a poltrona amarela de plush, sem saber se a mesma

fora destinada à sala de estar, à biblioteca ou a algum

escritório. Ela não conseguia raciocinar.

Vira nos olhos de Sterling que ele pretendia beijá-la e

em vez de desencorajá-lo ou escapar, ela ficara onde

estava e recebeu com prazer a boca que devastara a sua.

Ainda podia sentir o gosto, o cheiro e a pele de Sterling.

Ela queria estar com ele no jardim e desejava coisas

que não poderia ter.

Page 78: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

78

Escutou uma tossidela e virou-se. Jim esperava por

uma resposta e a analisava com desconfiança.

— Na biblioteca — ela decidiu depressa, pensando que

poderia mudá-la de lugar mais tarde. — Com licença...

Frannie não chegou a dar dois passos e Jim se pôs

diante dela, sem esconder a preocupação. O que não era

exatamente uma novidade, pois ele sempre a olhava como

se ela fosse um cristal pronto a se romper.

— Ele não é um dos nossos — Jim afirmou em voz

baixa.

— Catherine também não é, mas ela e Luke se dão mui-

to bem.

— Porque ele é um deles.

Frannie não podia recriminá-lo, porque pensara a

mesma coisa durante o casamento. Ela entendia e

agradecia a preocupação dos amigos, mas havia momentos

em que desejava liberdade absoluta, embora na única vez

em que procurara liberdade o final fora um desastre.

Provavelmente, a situação com Sterling acabaria da mesma

maneira: com tristeza.

— É tão óbvio o que Greystone deseja ou Jack lhe

deixou escapar algum indício?

Ele contraiu o maxilar e ficou vermelho, e Frannie

pensou na animosidade que ela sentira entre os dois

homens.

— Você conversou com Greystone? — ela o provocou.

Page 79: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

79

— Enviei uma mensagem.

— De Jack.

— De nós dois.

Frannie os amava, mas eles tinham de entender que ela

era uma mulher adulta capaz de tomar suas próprias

decisões.

— Diga-me, por favor, qual foi a mensagem?

— Para ficar afastado de você.

O fato de ele ter obedecido até aquela data

despertou-lhe uma suspeita.

— O que foi que fizeram com ele?

Ele cerrou os dentes e olhou por cima da cabeça dela.

Frannie sentiu um misto de raiva, pavor e desapontamento.

— Você o machucou?

Jim jamais mentiria para ela.

— Não tanto como eu poderia ter feito — ele a fitou

—, nem tanto como eu gostaria.

Eles haviam enfrentado juntos uma infância difícil,

mas algumas vezes ela se cansava deles.

— Você confia em mim, Jim?

— Com a minha vida.

— Então acredite que saberei resolver o assunto.

— Não quero que você sofra. Ela sorriu com doçura.

— Também não quero sofrer.

Page 80: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

80

— Greystone não gostará do que você está fazendo.

Um dos meninos que trarei para cá esteve três meses na

prisão por roubar uma coroa. O pior é que ele não sabe a

diferença entre um xelim e uma coroa. Meus companheiros

de trabalho acham que estarão pondo um fim no crime ao

prender essas crianças por ninharias como roubar uma

maçã. Você deveria perguntar a seu duque quantas maçãs

ele roubou.

— Ele não é meu duque e por que ele haveria de

roubar?

— Pergunte a ele.

— Na biblioteca. — Frannie apontou a poltrona. Ele

anuiu e ela teve certeza de que era a contragosto.

— Obrigada, Jim, por se importar comigo.

Frannie encontrou Sterling no pátio, olhando o

trabalho dos jardineiros e teve a impressão de que ele

desejava dar-lhes conselhos. Por que os homens eram tão

implicantes?

Ela se aproximou, mas Sterling, absorto na tarefa dos

homens que cavavam o solo; não percebeu sua presença,

dando a ela a oportunidade de observá-lo. Ele tinha traços

bem definidos, nariz aquilino e queixo forte. E uma pequena

cicatriz na face, da qual ela não se lembrava. Seria uma

conseqüência da visita de Jim Swindler?

Os cílios era mais escuros do que os cabelos e ela

refletiu se os cabelos escureceriam com o tempo. Eles se

tornariam grisalhos ou brancos? A cor grisalha era mais

Page 81: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

81

distinta. Afinal ele viajara pelo mundo e assumiria seu

lugar na Câmara dos Lordes. Sterling era um homem que

faria toda a diferença se ele se empenhasse. Sua

determinação era evidente pelo interesse com que

verificava uma tarefa tão simples como cavar a terra,

excluindo todo o restante.

— Não creio que essas flores terão um perfume tão

inebriante quanto o seu — ele disse em voz baixa.

Sterling tinha o poder de fazer o coração de Frannie

disparar, sem encostar nela.

— Eu pensei que nem houvesse notado minha presença.

Ele virou ligeiramente a cabeça para ela e sorriu.

— Estou sempre consciente de sua proximidade.

Frannie gostaria de ter mais experiência com flertes

para jogar no mesmo nível.

— Nosso pequeno jardim deve empalidecer se

comparado com todas as plantas exóticas que milorde viu

em suas viagens.

— Nada é mais bonito do que um jardim inglês... exceto

a mulher que está dentro dele.

A satisfação aqueceu as faces de Frannie, mas ela

crescera em um mundo onde cada palavra, ato ou proeza

era um estratagema para ganhar alguma coisa a que não se

tinha direito.

— Vossa Graça, eu nunca me deixei impressionar por

falsas lisonjas.

Page 82: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

82

— Eu me entristeço por entender que a senhorita

rotula minhas palavras como não verdadeiras. Isso me leva

a crer que não está ciente de sua atratividade. Eu lhe

asseguro, srta. Darling, que a acho adorável. — Ele se

inclinou para sussurrar: — Não tenho por hábito beijar

bruxas.

Frannie evitou dar risada, procurou não se deixar

seduzir e sentiu-se corar.

Sterling deu-se conta da proximidade dos jardineiros

e conduziu Frannie para um local onde não pudessem ser

ouvidos.

— A senhorita tem um belo pedaço de terra.

— Meus planos incluem um bom espaço. — Frannie se

sentiu mais à vontade falando sobre seu trabalho. — Quer

conhecer a área?

Ela desejava afastar-se dos camaradas, por intuir que

a conversa se tornaria muito pessoal. Sterling ofereceu-

lhe o braço e ela não se surpreendeu com a firmeza do

mesmo. Sentira a energia dos braços dele quando ele a

enlaçara. Ah, como ela gostaria que o fato se repetisse!

— Vossa Graça está em boa forma — ela afirmou

quando começaram a andar.

— Eu escalei uma montanha, srta. Darling

— Verdade? Ele sorriu.

— Bem, pelo menos era uma colina muito alta.

— Nem posso imaginar as coisas que Vossa Graça já

Page 83: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

83

viu.

— Elas foram realmente notáveis, mas de novo, não

tanto como a senhorita.

Frannie tornou a corar.

— Perdoe-me, srta. Darling, mas gosto de vê-la

enrubescer. Não imaginava que uma pessoa criada nas ruas

pudesse corar com tanta facilidade.

— Eu era bem jovem quando deixei as ruas.

— Mas elas nunca a abandonaram completamente, não

é? — Sterling fez um gesto largo para encampar as terras

que a ela pertenciam. — Esse seu trabalho diz tudo.

Frannie ficou impressionada com a sensibilidade de

Sterling que entendia a importância de seus planos.

— Tem razão, um lar para os meninos é apenas o

começo.

— Ela apontou o oeste. —Ali planejo construir um

dormitório para meninas. E com o aumento das crianças,

construiremos uma enfermaria e uma escola. No momento,

teremos de usar recintos do prédio atual para essas

finalidades, mas acabaremos ficando com espaço pequeno,

o que não me deixa satisfeita. Eu preferia que não

houvesse órfãos nem crianças perdidas.

— E por que fez deles a sua causa?

Frannie não sabia se Sterling se interessava

verdadeiramente pelo assunto ou se pretendia apenas

prolongar o passeio. Mas ela aprendera a nunca perder uma

Page 84: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

84

oportunidade e se pudesse fazer um duque se interessar

por sua causa, estaria um passo adiante rumo à vitória.

Afinal ele, como Luke, ocupariam um lugar na Câmara dos

Lordes. Seus órfãos seriam defendidos, pelo menos, por

duas vozes.

— Meus amigos mais queridos são órfãos e se não

fosse por Feagan, eles teriam vivido ou provavelmente

morrido nas ruas.

— A senhorita não é órfã?

Como responder a isso? Seria melhor ter sido

abandonada ou ter um pai desonroso? Por que se importava

com a opinião de Sterling sobre ela ou sua família? Talvez

por ele saber quem eram seus pais, avós e ancestrais

durante várias gerações. Assim como Luke tinha dentro de

casa retratos de seus antepassados, Sterling também

deveria ter.

— Não sei se eu era órfã ou se fui roubada. Isso

também acontece, sabia? Homens roubam crianças para

servir a seus propósitos nefandos. Mesmo Feagan, que nos

deu casa e comida, ficou conosco pelo que poderíamos

fazer por ele. Quando não se faz parte das ruas, não se

pode saber quantas crianças perdidas vagam por elas.

Mesmo os que não são órfãos, têm pais horríveis. Aquele é

um mundo de medo e de imundície, e uma criança não tem

condições de escapar dele. Elas acreditam em promessas

que jamais serão cumpridas e acabam na prisão. São

Page 85: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

85

transportadas para colônias penais. Com meu empreendi-

mento, poderei ajudar mudar o destino de algumas

crianças e não posso deixar de acreditar que a Inglaterra

será melhor por isso.

Como de costume, Frannie se inflamava tanto com o

assunto a ponto de ficar sem ar. Eles pararam de andar e

Sterling postou-se à frente dela. Frannie lembrou-se de

que eleja fizera isso antes para poder encará-la. Era uma

atitude que a agradava. Sterling não desviava o olhar

quando conversava.

— A senhorita vem fazendo um trabalho admirável.

— Não faço isso para receber elogios. Não me importo

nem um pouco se o crédito de minha obra for para outra

pessoa. Eu me preocupo apenas com as crianças.

— E eu receio estar competindo com outros homens

por sua atenção. O inspetor Swindler, por exemplo.

— Jim e eu somos apenas amigos.

— Não sei se essa é a opinião dele.

Claro que era. Ou não? Mas Jim não era o motivo de

ela finalmente ter decidido qual resposta daria ao duque.

— Minha resposta à sua proposta é "não". Sabe a que...

— Sei exatamente qual foi minha pergunta e a

senhorita foi a única a quem propus isso. — Ele não pareceu

ter raiva, mas sim desapontamento. — Terá de perdoar-

me, srta. Darling, mas não sei por que uma noite em meus

braços roubará algo que pretenda completar com bom

Page 86: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

86

êxito.

— Uma garota nas ruas não dá importância a deitar-se

com um homem. Vim das ruas, mas gosto de pensar que não

estou mais lá.

Sterling anuiu.

— Eu a ofendi com minha proposta.

— Não, por mais estranho que possa parecer. Sinto-

me lisonjeada, mas quando eu me deitar com um homem,

prefiro que ele me queira por mais de uma noite.

— Isso poderá ser arranjado.

Frannie não podia explicar por que ele a atraía ou por

que ela achava deliciosa aquelas palavras depravadas. Até

mesmo Luke, que já lhe propusera casamento, nunca

deixara transparecer que a desejava. Sterling a desejava,

mas não a amava. Talvez não tivesse nenhum tipo de

afeição por ela. Mas a desejava e ser desejada era uma

experiência nova para ela.

— Vossa Graça é encantador, mas não creio que

combinemos.

— Se Claybourne não estivesse vindo para cá, eu

poderia tentar convencê-la do contrário com outro beijo.

Mas como eu insisti para que ele se casasse com Catherine

depois de vê-los aos beijos, suspeito de que ele possa não

compreender uma paixão que eu não possa controlar.

Fosse ou não verdade, Sterling acabava de confirmar

que casamento jamais seria uma opção para eles. Ele queria

Page 87: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

87

seu corpo, mas não seu coração e, no entanto, ela não se

sentia insultada. Frannie era realista e não uma sonhadora.

Entendia que eles vinham de esferas diferentes.

Sterling ergueu-lhe a mão e beijou-lhe os dedos.

— Se mudar de idéia...

Frannie viu o olhar escurecido e teve uma resposta

sobre a qual matutara. Ela recusara, mas ele voltaria a

insistir.

Capítulo IV

Desapontado com a resposta de Frannie, Sterling

decidiu prosseguir com sua vida e resolver assuntos mais

importantes. Por esse motivo aproveitou para ir ao baile

daquela noite, pois a temporada estava próxima de

terminar. Queria verificar o que se passava com as jovens

aristocratas que ainda estavam no mercado matrimonial.

Essas festas eram destinadas a exibir a última safra das

donzelas em idade de se casar.

Considerando o que ele tinha para oferecer, achava

que não devia sonhar muito alto. Mas sob outra

perspectiva, sua esposa seria a mãe de seu herdeiro e sua

Page 88: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

88

companheira. E, se fosse o caso, ainda poderiam ter mais

um filho. Como desprezava o primo que ficaria o título se

não houvesse herdeiro legítimo, Sterling pensava em uma

mulher de boa cepa.

Observou os casais que circulavam numa pista de

dança e considerou que desposar uma jovem sem atrativos

seria um erro, pois elas sempre pareciam agradecidas

demais. Precisava de uma jovem segura que desse valor a

si mesma. Era imperativo que não exigisse amor e que não

se apaixonasse por ele. Amá-lo seria um caminho certo

para o desastre.

Embora não pudesse ver quem se aproximava, a

fragrância exagerada anunciou bem antes a chegada.

— Vossa Graça?

Sterling virou-se e sorriu para a anfitriã.

— Lady Chesney.

A dama sorridente igualava o marido em volume

corporal, o que não era para se surpreender. A residência

dos Chesney tinha a melhor cozinha de Londres.

— Sentir-me-ei honrada em apresentar-lhe algumas

damas que estão precisando de parceiros para dançar.

— Agradeço sua oferta, mas tenho as pernas

enferrujadas. Prefiro observar o baile.

— Ah, Vossa Graça, lembro-me de como era arrojado

nas pistas de dança. Não se pode esquecer os dons

naturais.

Page 89: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

89

— Lady Chesney, esta é a primeira recepção a que

compareço desde meu retorno a Londres. Prefiro voltar

sem pressa à vida social.

— Mas este é um baile, Vossa Graça. Lady Charlotte é

uma ótima dançarina. Tenho certeza de que milorde

apreciará rodar com ela...

— Não quero dançar — Sterling retrucou com certa

rudeza, sabendo que seria incapaz de movimentar-se com

elegância.

Lady Chesney levou a cabeça para trás, arregalou os

olhos e Sterling fez uma mesura.

— Peço-lhe perdão, mas ainda estou de luto pela morte

de meu pai. Eu não me sentiria bem se me divertisse

dançando.

— Claro, desculpe-me. Eu não pensei nisso.

— Tenho certeza de que algumas pessoas devem estar

estranhando minha presença, sendo que meu pai faleceu há

pouco mais de um mês, porém — ele olhou em volta e

inclinou-se para a dama como se fosse lhe contar um

segredo — estou pensando em casar-me e não quero

esperar a próxima temporada para fazer a escolha.

Os olhos dela brilharam de alegria.

— Não se preocupe, Vossa Graça. Os homens são

perdoados por não levarem o luto tão a sério quanto as

mulheres.

— Para mim o luto é muito importante, mas tenho um

Page 90: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

90

dever com meu título e meu pai esperava que eu o honrasse.

— Ninguém ousará questionar sua dedicação ao dever

e se correr a notícia de que Vossa Graça pretende casar-

se, não faltarão interessadas. Agora se me der licença,

preciso cuidar de meus outros convidados.

E espalhar o boato de que ele procurava por uma

esposa. Ótimo. Como Catherine estava honrando o período

de luto, ela pouco poderia ajudá-lo. Nesse caso não lhe

restava alternativa a não ser apelar para outros, pois

necessitava encontrar uma esposa com urgência.

Seu pai, o infeliz, estivera certo. Procurar prazeres e

viajar pelos continentes o deixara em uma posição

delicada, mas ele não se arrependia.

Voltou sua atenção para a pista de dança, decidido a

escolher uma mulher bonita. Afinal, teria de deitar-se com

ela. Seria preciso que ela fosse segura, pois teria

necessidade de energia no futuro. De preferência que

confiasse em si mesma, para desprezá-lo quando a verdade

viesse à tona, resolvida a continuar com a própria vida.

Nada de culpa. Ele a deixaria em Londres e se mudaria

para o campo. Ele e o pai haviam discutido sobre isso

também. Seu lugar será na Câmara dos Lordes — ele

dissera.

Ou no inferno.

Viu lorde Canton e lorde Milner caminharem em sua

direção e anuiu. Gostava dos dois. Freqüentara o colégio

com eles e muitas vezes os acompanhava em jogos de

Page 91: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

91

cartas no Dodger's.

— Greystone, velho amigo — Canton falou. — Será que

ouvi bem? Está procurando por uma esposa?

Lady Chesney não perdera tempo.

— Não deveria ter anunciado isso, meu caro — Milner

declarou. — As mamães vão esperar o mesmo de nós.

— A temporada está quase no final e não tenho muito

tempo. Pensei que a franqueza aceleraria o processo.

— Por Deus, Greystone, essa não é uma conversa para

um homem de vinte e oito anos. E é muito jovem para ficar

atado à mesma mulher todas as noites — Canton avaliou.

— Cavalheiros, aprendi uma coisa nas minhas viagens.

A vida é muito instável e não pretendo deixar o ducado cair

nas mãos de meu maldito primo.

— Tem toda razão — Canton murmurou. — Wilson

Mabry é um canalha.

— Essa afirmativa é generosa demais. — Wilson

personificava os sete pecados capitais.

Canton e Milner voltaram a atenção para a pista de

dança.

— Minha irmã ainda não está comprometida — Canton

alegou. — Tenho certeza de que meu pai não se oporia se

você lhe fizesse a corte.

— Gosto de sua irmã, Canton, mas ela não consta de

minha lista de prováveis noivas.

Canton virou a cabeça e fitou Sterling com olhar

Page 92: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

92

interrogador. Sterling deu de ombros.

— Eu me conheço e sei que me faltam qualidades para

marido. Suponho que sua irmã vai querer no mínimo afeição,

se não amor de verdade, no casamento e eu seria incapaz

de suprir essa fantasia. Procuro uma mulher que se

contente em cumprir com seus deveres sem se queixar,

nem espere mais do que poderei dar.

— Lady Annabelle Lawrence se enquadra em seus

requisitos — Milner afirmou, estremecendo. — Pelo que

ouvi contar, ela é fria como gelo e quer um marido que não

interfira em sua vida.

— Onde está ela?

— Ali — Milner apontou. — Dançando com Deerfield.

Sterling olhou o casal. O semblante de lady Annabelle não

deixava dúvidas quanto à sua alta classe, o que seria muito

útil no caso de herdeiros, mas até lá a vida seria miserável.

Ela era bonita, tinha cabelos negros...

Um clarão vermelho passou diante de seus olhos e a

dama atraente foi esquecida enquanto ele perscrutava a

multidão com desespero...

Recriminou-se. Ela não estaria ali. Frannie não

freqüentava esses círculos sociais, embora uma vez ele

tivesse convivido com o dela.

— Quer que o apresente? — Canton perguntou.

— Agora não, agradecido. Vou sair um pouco para

tomar ar.

Page 93: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

93

Assim que ele chegou ao terraço, entendeu a tolice de

estar ali. No escuro, era mais difícil enxergar. Com

cuidado, caminhou até a beira da varanda, apoiou os dedos

na parte superior da grade de proteção e suspirou,

Ninguém tinha cabelos vermelhos tão vibrantes como

os de Frannie, a única a quem desejava com ardor, embora

pudesse escolher qualquer mulher em Londres. Frannie não

só lhe aparecia em sonhos, como também em plena luz do

dia.

Naquela noite viera à residência dos Chesney para

distrair-se e esquecer a necessidade feroz de vê-la, mas

um relance de vermelho a trouxera de volta à sua mente.

O mais estranho era pensar não apenas no prazer que

desfrutaria, mas no que poderia dar a ela. Ele usaria as

mãos e a boca para despertar-lhe a paixão, faria com que

o desejo a queimasse para ela gritar o nome dele.

Aquilo era uma insanidade. Se pudesse vê-la e beijá-la

mais uma vez, talvez pudesse continuar com sua vida.

— Aqui! Ela está aqui!

Frannie apressou o passo para acompanhar o menino

que agarrara sua mão na rua e a puxava para a travessa.

Ela quase terminava sua ronda noturna pelos cortiços,

procurando por crianças que precisavam do que ela tinha a

oferecer, quando o menino se aproximara dela.

— A senhora é o anjo vermelho que leva os meninos

para um lugar melhor?

Frannie costumava usar os cabelos soltos quando vinha

Page 94: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

94

para aquela região de Londres, para se distinguir dos

outros. Ficava satisfeita de ser conhecida como aquela que

ajudava as crianças. Àquela altura ela já recolhera oito,

mas sua fama certamente se espalhava.

— Sou, você quer vir comigo?

— Não, mas Mick... acho que ele está morrendo.

Frannie acompanhou-o e logo chegaram perto de Mick. Ela

se ajoelhou ao lado do menino que estava deitado de lado

e enrolado como um caracol. O garoto tremia de febre e

apresentava contusões e hematomas, e ela temeu que o

primeiro menino estivesse certo.

— A senhora pode ajudá-lo? — o amigo perguntou.

— Sim.

Ou pelo menos William Graves poderia. Como se

sentiriam os pobres e indigentes se soubessem que o

homem que curava suas doenças e não aceitava pagamento

também era médico da rainha? Frannie virou-se e segurou

o braço do mais velho.

— Eu ajudarei seu amigo se você vier comigo.

— Não posso fazer isso, Sykes me mataria.

Ela não se surpreendeu ao descobrir que Sykes era o

pai de rua deles. Os dois meninos preenchiam os requisitos

exigidos por ele. Eram pequenos e magros. Ela também

reconheceu as marcas de espancamento que ele deixava

nas crianças.

— O que seu amigo fez de errado? O menino mexeu-

Page 95: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

95

se, constrangido.

— Ele não roubou lenços suficientes.

Na certa o menino não atingira a quota exigida. Sykes

provavelmente o acusara de ser preguiçoso e decidira

matá-lo para dar um exemplo aos outros. Ele não dava valor

à vida das crianças. Aliás, não dava valor à vida de ninguém,

exceto a sua própria.

— Juro que não deixarei Sykes machucá-lo.

O menino sacudiu a cabeça, desvencilhou-se e sumiu na

escuridão sem que Frannie pudesse detê-lo. Com muito

cuidado, ela ergueu nos braços o garoto ferido. Com a

ajuda de Bill, ela o salvaria.

Mais tarde ela voltou às ruas infectas à procura de

mais meninos, principalmente os que trabalhavam para

Sykes. Como não podia impedir a brutalidade dele, tiraria

de sua proteção o maior número possível de garotos.

Na semana seguinte ao baile, Sterling perdeu uma

quantidade razoável de dinheiro nas mesas de jogos, com

esperança de ver Frannie. Não teve sorte. Não a viu nem

recuperou as apostas perdidas.

Aquela noite não era exceção. Sterling comprara as

fichas a crédito, mas nesse ponto o estabelecimento era

civilizado. No final do mês era mandada uma conta para os

devedores. Considerando-se a reputação de Jack Dodger,

Sterling duvidava de que alguém se negasse a pagar a

dívida. Caso isso acontecesse, ele imaginou se Frannie, por

ser guarda-livros, cobraria a conta pessoalmente. Isso

Page 96: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

96

daria a ele a oportunidade de vê-la, pois ficar ali jogando

não adiantara. Ele não se concentrava no jogo e seu

estoque de fichas definhava.

Por sua visão limitada, talvez nem a visse passar e,

quando a visse, seria tarde demais. Várias vezes ele

considerara a hipótese de entrar nos escritórios, mas vira

Dodger abrir a porta com uma chave que tirara do bolso, o

que lhe dava a certeza de que ela permanecia trancada.

Sabia que a escada externa dava acesso ao apartamento

de Frannie e pensara em esperá-la na viela, mas ela já lhe

dera a resposta. Devia respeitar a decisão e preocupar-se

mais com seus assuntos.

Contudo o fervor com que ela falara dos órfãos o

atormentava. Haveria algo na vida com que ele se

envolvesse tão apaixonadamente? Claro que seu título era

importante e suas propriedades eram fontes de orgulho.

Mas nada o consumia com ardor semelhante ao que Frannie

empregava para ajudar os órfãos.

Sterling estava acostumado com damas que discutiam

assuntos corriqueiros como modistas ou chapéus. Supunha

que Frannie não tivesse tempo nem paciência para

frivolidades. Ela era apaixonada por tudo que fosse

importante em relação a seu trabalho

Ele queria ser importante para ela.

Havia deixado os criados trabalhando no asilo até que

toda mobília fosse colocada no lugar certo, de acordo com

o gosto de Frannie. Ela mandara uma mensagem cortês em

Page 97: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

97

agradecimento por ele ter-lhe cedido, como empréstimo,

empregados tão eficientes.

Ele enviara para Frannie quinhentas libras e ela

escrevera prometendo fazer bom uso do dinheiro.

As cartas eram precisas, sem emoção, indicando que

ele prosseguia com sua vida, como deveria ser.

Uma sensação estranha o invadira várias vezes.

— No Dodger's há olhos-mágicos? — Sterling

perguntou sem tirar os olhos das cartas.

— Eles estão por toda parte — o conde de Chesney

respondeu.

— Também aqui no salão de jogos?

— Sim, nas galerias de cima com cortinas. Pelo que ouvi

contar, a área é acessível somente pelos fundos e para

Dodger.

E para sua guarda-livros.

Sterling mirou uma parte da galeria situada nos

fundos e na sombra. Como não notara aquilo antes? Apesar

da distância e da obscuridade...

Frannie deu um pulo para trás da pequena abertura

pela qual vinha espiando. Estava quase certa de que

Sterling a vira espreitando. Sentira o olhar dele como se

estivessem juntos na galeria, ele passando o dedo no

pescoço dela.

Naquela noite ele estava muito elegante. Vestia casaco

verde-escuro, colete preto e calça cinza-claro. Teria ele

Page 98: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

98

passado a noite em companhia de uma dama antes, de vir

jogar? Não lhe agradava imaginar que Sterling pudesse

estar na companhia de outra mulher, o que era uma tolice

de sua parte. Afinal, ele era um duque, acabaria se casando

com uma aristocrata e apenas desejava uma noite de

prazer. Ela, por outro lado, tinha poucas dúvidas de que

passaria horas plena de ternura, com palavras

encantadoras, toques sensuais e beijos loucos. Seria uma

noite que a deixaria com vontade de ter outras iguais.

Seria melhor ter uma noite e sempre desejar outra ou

imaginar a vida inteira como poderia ter sido aquele

encontro?

Ela conhecera muitos meninos de Feagan, mas nenhum

deles lhe causara o desejo que se enovelava dentro dela.

Quando dera a resposta para Sterling, pensara que

poderia afastar-se e nunca mais pensar nele. Em vez disso,

via-se imaginando se não cometera um engano.

Se fosse esse o caso, teria coragem de admitir o erro

para si mesma e para ele?

O barulho no pub era estridente, mas Feagan, sentado

no canto escuro tomando gim, apreciava as arruaças e as

atividades turbulentas. Sentia cada vez mais solidão em

sua morada tranqüila depois que suas crianças o haviam

abandonado, no entanto ele não pensava em substituí-las.

Transformá-las em gatunos eficientes demandava muito

Page 99: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

99

trabalho. Ele conseguia manter-se trabalhando sozinho.

Precisava de pouco para viver. Um pouco de gim ou rum

quando a situação permitia, um bom tabaco para seu

cachimbo, roupas para agasalhar do frio os ossos

doloridos, um ensopado quente de vez em quando e um teto

para se abrigar da chuva. Na verdade, ele se considerava

um homem afortunado.

Uma sombra grande e desajeitada bloqueou a pouca

luminosidade, e ele ergueu o olhar. A única coisa que

Feagan temia era o homem diante dele.

— Olá Sykes, a que devo o prazer de sua visita?

Sykes puxou uma cadeira, sentou-se e inclinou-se para

a frente.

— Você precisa falar com sua menina. Ela está

interferindo em meus negócios.

— Frannie?

— Sim, ela vem percorrendo os cortiços e levando

meus aprendizes. Você sabe muito bem quanto trabalho

está envolvido em treinar um garoto.

Feagan tomou um gole de gim. Sua Frannie sempre

tivera bom coração. Suspeitava de que os meninos tinham

ficado com ele por causa de Frannie e que muitos o haviam

abandonado depois de ela ter ido embora.

— Não sei como poderei ajudá-lo. Eu não a vejo desde

que ela partiu com aquele maldito lorde.

— Você sabe tudo sobre todo mundo. Sabe onde ela

Page 100: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

100

está ou pelo menos como lhe mandar um aviso. Diga a ela

para deixar meus meninos em paz. Ela que pegue outros,

mas não os meus.

Feagan passou a mão áspera sobre os lábios rachados.

— Direi a ela.

— Faça isso. Eu odiaria que algo desagradável

acontecesse com ela.

Sykes foi embora antes que Feagan pudesse

responder com outro aviso.

— Frannie, Frannie... — Ele espiou para dentro do copo.

— Em que tipo de encrenca você se meteu agora?

Frannie andava pelas ruas de sua infância com o capuz

do manto sobre a cabeça. Era cedo para os mais atrevidos

aparecerem e tarde para os gatunos e prostitutas agirem.

Imaginou o que Sterling pensaria se ela o trouxesse até ali

e mostrasse de onde ela viera.

— Que tal uma rapidinha na viela? — um homem

perguntou, bloqueando sua passagem.

— Não, obrigada. — Ela tocou no punhal escondido e

empurrou o camarada com o ombro para passar.

— Você não é daqui. — Ele tornou a impedi-la de andar.

— Na verdade sou.

— Pois mais parece uma dama da nobreza.

Page 101: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

101

— Vou me encontrar com um homenzarrão de mãos

grandes que adora apertar o pescoço das pessoas.

Portanto acho melhor deixar-me passar.

— Eu não o vi, mas ficarei feliz se...

— Ah, ali está ele. Com licença.

Frannie correu, mas o homem não a seguiu nem havia

nenhum sujeito enorme à sua espera. O maior homem que

ela conhecia era Bob Sykes e ela certamente não tinha

vontade de se encontrar com ele.

Passou por meio da multidão e permaneceu alerta,

sempre consciente dos ladrões de bolsa, embora não

carregasse nada de valor quando vinha àquela parte de

Londres.

Ela sentiu dedos magros e fortes que a puxavam para

a travessa e puxou o punhal, mas logo reconheceu de quem

se tratava.

— Feagan.

— Olá, Frannie querida.

— Você me assustou. O que está fazendo aqui?

— Tenho algo para você. — Ele empurrou um menino

pequeno e esquálido para a frente. — Charles Byerly.

Fazia dezessete anos que ela não via Feagan. Os

cabelos vermelhos dele haviam perdido o viço e seu rosto

estava mais enrugado. De alguma forma esperava que ele

permanecesse da mesma forma. Recriminou-se por não

haver confiado nele. O olhar poderia ter mudado, mas o

Page 102: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

102

caráter fora esculpido em pedra e nunca se alterara.

— Como é que você sabia que eu estava à procura de

órfãos?

— Escuto coisas.

Frannie agachou-se na frente do menino.

— Olá, Charley, eu sou Frannie e lhe darei um lar.

— Não preciso de lares. Feagan bateu na cabeça do

menino.

— O que eu lhe disse, garoto? Tenha modos. Charley

fitou Feagan com obstinação.

— Você tem pai ou mãe? — Frannie quis saber.

— Se ele tivesse, eu não o teria trazido — Feagan

protestou.

— Charley? — Frannie insistiu.

— Não tenho ninguém e não preciso de ninguém.

Frannie segurou a mão do garoto. Não queria ficar naquele

local por mais tempo.

— Quanto lhe devo, Feagan?

— Frannie querida, por que estragar nosso encontro?

Por que acha que eu espero uma recompensa?

— Porque com você sempre há uma forma de

pagamento. Você não tem natureza caritativa.

— Mas que jovem decidida. Frannie procurou no bolso

oculto.

— Tenho somente uma coroa.

Page 103: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

103

— Ora, mas isso é muito bom, obrigado. Ela deixou a

moeda na mão estendida.

— Gaste com consciência, Feagan.

— É o que sempre faço.

Ela se virou para ir embora, mas ele a segurou pelo

braço.

— Sykes veio me procurar — Feagan cochichou. —

Será melhor deixar os meninos dele em paz.

— Eu pego os garotos onde os encontro e não pergunto

a quem eles pertencem.

— Frannie querida, não seja tola em meter-se com

Sykes. Ele se tornou mais desprezível com o passar do

tempo. Esqueça o grupo dele.

Mesmo na escuridão da travessa, Frannie viu a

preocupação nos olhos verdes de Feagan tão parecidos com

os seus. Ela se inclinou e beijou-lhe a testa.

— Não o provocarei de propósito.

— Boa menina. — Ele deu um sorriso torto.

Enquanto se afastava com Charley, ela jurou para si

mesma que não deixaria de acolher um menino só porque

ele tivera o azar de cair sob o jugo de Sykes.

Sterling se enganara. Apesar de muitos de seus pares

terem ido para o campo após o término da temporada, a

Page 104: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

104

Grande Exposição ainda estava lotada. Durante o verão ele

ouvira contar sobre o número espantoso de pessoas que

haviam visitado o local. Por sua visão diminuída, não se

sentia bem no meio de aglomerações, por isso imaginara

que aquela ocasião seria mais favorável. Fora um

julgamento errôneo.

Como era teimoso não ordenou ao cocheiro que

voltasse para casa, mesmo ao ver a fila de pessoas que se

acotovelavam para entrar no Palácio de Cristal. Uma coisa

era confrontar-se com o inimigo, outra bem diferente era

recuar depois da confrontação feita. Sua vista ainda não

estava tão ruim a ponto de ele desistir e fugir com o rabo

entre as pernas.

Portanto, enfrentou a multidão e caminhou devagar

pelos corredores, que, felizmente, eram bem largos. Se

colidia com alguém, desculpava-se afirmando que estava

enfeitiçado pelas maravilhas diante dele.

Mesmo para quem vira o Taj Mahal como ele, era

fascinante observar a estrutura de metal e vidro onde

estavam expostas culturas representativas do mundo

inteiro. Ele pensou tratar-se de algo mais majestoso do

que todo o conteúdo. A mais pura ingenuidade inglesa.

Sterling olhou ao redor para decidir que direção

tomar e concluiu que era uma maravilha estar vivo. Dentro

daquela construção magnificente, o homem mais simples

teria uma pequena visão do que era o mundo além das

fronteiras inglesas. Observou com satisfação a surpresa

Page 105: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

105

das pessoas que se extasiavam, assim como ele.

Sentiu um movimento no paletó e pensou em quem

teria batido. Virou-se. Ninguém estava perto dele, mas viu

um menino sair correndo. Enfiou a mão no bolso... vazio.

— Você aí. Pegue o ladrão.

O menino continuou a correr e Sterling disparou atrás

dele. Era apenas um lenço e Sterling tinha dúzias deles,

mas sentiu-se revoltado pelo princípio do ato.

— Peguem o menino! Polícia! É um ladrão!

Muitas pessoas olhavam ao redor, confusas e as que

tentavam pegar o garoto, agarravam o vazio, pois o menino

era muito rápido.

Se Sterling não houvesse perambulado pelos

continentes, carregando um rifle pesado ou suprimentos

indispensáveis, teria ficado tonto enquanto perseguia o

pequeno gatuno irritante. Porém o menino tinha uma

vantagem. Desviava-se das pessoas com eficiência,

enquanto Sterling julgava mal a proximidade delas,

tropeçava e escutava gemidos espantados quando elas

recuavam. No íntimo, sabia que a perseguição seria inútil,

mas estava determinado a não deixar escapar o menino

esperto que precisava de uma lição.

Sem saber como, o duque venceu as dificuldades e

agarrou o pequeno marginal no momento em que ele se

escondia atrás de uma saia escura. Com muita raiva,

Sterling agarrou-o por trás do colarinho, puxou-o pelo

peito magro e ergueu-o.

Page 106: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

106

— Solte-me! Solte-me!

— Seu pequeno malandro, eu o levarei para a prisão. —

Sterling deu meia-volta e viu-se de frente com os olhos

verdes que atormentavam seus sonhos.

— Vossa Graça. — Frannie sorriu com delicadeza,

obviamente encantada em vê-lo, assim como ele também se

encantava.

— Srta. Darling.

O menino lutava para desvencilhar-se, mas não

conseguia virar-se para causar algum malefício a seu

captor. Sterling viu-se tentado a soltar o diabinho, só para

poder beijar a mão de Frannie e cumprimentá-la da

maneira correta. Quanta ironia. Passara tantas noites no

Dodger's, esperando vê-la nem que fosse de relance e

acabara por encontrá-la na exposição.

— O que foi que Charley fez agora?

Sterling olhou o menino, examinou os circunstantes e

notou que mais três garotos do mesmo tamanho estavam

ao redor das saias delas.

— Ele é seu?

Frannie anuiu, constrangida.

— O que você fez, Charley?

— Nada. — Charley parou de lutar e pendeu a cabeça

como se estivesse sem forças.

— O que você fez, Charley? — Frannie repetiu. — Se

Sua Graça tiver de me contar, você passará o resto da

Page 107: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

107

tarde na carruagem com o sr. Donner.

— Oh, não. Com ele não.

— Charley. — A voz séria e desapontada de Frannie

fez Sterling ter vontade de confessar alguma coisa só

para vê-la sorrir de novo..

— Peguei um lenço — Charley resmungou. Frannie

estendeu a mão.

— Tudo bem por aqui?

Sterling virou-se depressa ao ouvir a voz grossa. No

meio de tantas pessoas, ele não ouvira a aproximação de

um guarda, por quem ele procurara havia poucos minutos.

O oficial poderia prender, o garoto, levá-lo para a prisão e

puni-lo por seus delitos.

— Está tudo em ordem, policial. Apenas um dos

meninos ficou um pouco mais exaltado no meio de tanta

gente, mas eu já dei um jeito nele. — Sterling decidiu não

denunciar o garoto para cair nas boas graças de Frannie.

— Muito bem. — No alto de sua importância, o policial

se afastou.

Sterling virou-se para Frannie que o fitava com

gratidão.

Ele não queria agradecimento, mas sim paixão, fogo,

desejo.

— Vossa Graça, o senhor pode largar Charley, seu

braço já deve estar cansado.

— Sou muito mais forte do que pareço, srta. Darling.

Page 108: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

108

— E rápido também — Charley murmurou.

— Ele fugirá, se eu o soltar? — Sterling perguntou.

— Não. Você não fará isso, não é, Charley? Se o fizer,

ficarei muito desapontada.

Charley sacudiu a cabeça e, para surpresa de Sterling,

ele não saiu do lugar quando foi deixado com os pés no

chão. Frannie estendeu a mão de novo.

— Devolva o lenço, Charley.

O menino devolveu o que antes era um lenço imaculado

e agora não passava de um pedaço de pano amassado.

Sterling esperava não precisar do lenço antes de voltar

para casa.

— Vossa Graça, eu o lavarei e passarei antes de

devolvê-lo.

— Está certo. — Sterling analisou os garotos que se

esfregavam nas saias dela. Um era mais alto do que os

outros, dois tinham cabelos negros e Charley ostentava

cabelos castanhos.

— Essas são suas crianças?

— Sim, do meu orfanato. Sempre que tenho tempo,

trago alguns para verem a exposição. Nós íamos almoçar

quando perdi Charley de vista. Eu agradeço por tê-lo

trazido de volta. — Frannie relanceou um olhar ao redor

como se fosse pedir-lhe que roubasse o diamante Koh-i-

noor que estava na mostra.

— Nós vamos fazer um piquenique e eu gostaria de

Page 109: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

109

convidá-lo para desfazer a má impressão do problema que

Charley lhe causou. Vossa Graça aceitaria?

Sterling fez uma mesura.

— Eu adoraria, srta. Darling.

Sentada na manta que estendera sobre o gramado,

Frannie mal podia acreditar que Sterling aceitara o convite

e que estava deitado de lado a meio metro de distância.

Ele desabotoara o paletó bege, deixando à mostra o colete

amarelo-claro e a gravata verde combinava muito bem com

sua tez bronzeada.

Donner, o cocheiro de Luke e o criado, vigiavam os

meninos que corriam pelo parque para gastar energia.

Frannie reconhecia que era difícil para os meninos ter um

bom comportamento, confinados dentro da exposição. Eles

eram recém-saídos das ruas, acostumados a correr para

todos os cantos sem a supervisão de adultos e muito

amadurecidos para a idade.

— Tenho de me desculpar de novo. Sinto muito por

Charley ter levado seu lenço.

Sterling mordeu um pedaço de queijo.

— Eu, não. A senhorita tem idéia de quanto dinheiro

gastei jogando no Dodger's, na esperança de vê-la por um

instante?

— Cinco mil libras.

Ele arregalou os olhos e ela deu um sorriso travesso.

— Eu sou a guarda-livros.

Page 110: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

110

A risada profunda de Sterling envolveu-a como se ele

a tivesse abraçado. Logo ele ficou sério e a encarou.

— Confesso que estou intrigado, srta. Darling. A

senhorita deve ter algum interesse em mim ou não teria se

lembrado de quando dinheiro eu perdi, não é?

— Eu nunca disse que não me interessava por Vossa

Graça. Na verdade, se considerarmos nossos encontros, é

fácil deduzir que expressei meu interesse por milorde.

Ele se apoiou no cotovelo e veio para mais perto dela.

— Diga-me uma coisa, a senhorita esteve me

espionando durante minhas visitas ao clube?

Frannie teve vontade de segurar o rosto dele entre as

mãos e beijá-lo. Seria uma atitude decorosa para uma

dama? Ele a julgaria mal ou ficaria satisfeito como ela

ficara?

— Por que milorde pensou nisso?

Sterling passou a ponta de um dedo na palma de

Frannie e subiu até o pulso. Ela imaginou se ele podia sentir

os batimentos acelerados.

— Algumas vezes tive a impressão de que a senhorita

me observava.

Frannie refletiu se apertara demais o espartilho, pois

a respiração se tornava difícil.

— Eu tive curiosidade em saber se Vossa Graça

retornaria ao Dodger's após o incidente desagradável de

sua suspensão do quadro de associados. Só isso.

Page 111: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

111

Sterling ergueu-lhe a mão e beijou-a no centro da

palma.

— Imaginei que uma criança das ruas fosse uma

mentirosa de gabarito.

Em geral ela era, quando podia se concentrar, o que

não acontecia na presença de Sterling.

— Não é muito cavalheiresco acusar diretamente uma

mulher de mentirosa.

Sterling passou a língua na pele de Frannie,

saboreando-a.

— A senhorita me parece não se importar com o que

dizem às suas costas, e prefere que a desfeita venha pela

frente.

Frannie sentiu o rosto em fogo e para retomar o equilí-

brio, procurou desvencilhar-se. Escutou a risada profunda

e observou os meninos que se divertiam em desabalada

carreira. Ela conseguira trazer, de volta a alegria deles,

ajudada pelo próprio sofrimento.

— Milorde não está se comportando como um

cavalheiro.

— A senhorita prefere que eu seja um? — Sterling

sentou-se e os ombros deles quase se tocaram. — O que a

senhorita desejava quando me espiava pelo olho-mágico?

— Era através da cortina.

— De uma galeria oculta?

— Não tão oculta quando se sabe. Costumamos

Page 112: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

112

observar por ali os trapaceiros e os desordeiros.

— Em qual categoria eu me encaixo?

Frannie fitou-o e surpreendeu-se ao notar que ele se

divertia.

— Está caçoando de mim?

Sterling inclinou-se por cima dela, arrancou uma flor

amarela e roçou as pétalas no queixo delicado.

— Sinto-me lisonjeado pelo fato de a senhorita achar

que valia a pena observar-me. Talvez agora, possa

reconsiderar minha proposta.

Ela segurou a flor antes que ficasse louca de desejo

por imaginar as cadeias que ele seria capaz de fazer.

— Continuo com a mesma opinião.

— Uma pena. — Ele não pareceu desapontado, mas sim

descrente.

Frannie lembrou-se de quando podia mentir com

maestria. Estaria perdendo o jeito ou ele era capaz de ler

seus pensamentos?

— A carruagem é sua? — Sterling perguntou com o

pulso apoiado na perna erguida.

Frannie adorou a mudança de assunto.

— É de Claybourne e ele me empresta quando preciso.

Ainda não tive dinheiro para comprar uma e, além disso, há

o problema dos cavalos.

— A senhorita não gosta de cavalos?

Page 113: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

113

— Não me agrada gastar dinheiro para cuidar deles.

Prefiro gastar com as crianças.

— A senhoria devia ter seus próprios filhos.

Ela riu, procurando ignorar o desapontamento que

sentia havia anos. Era uma tolice, pois ela sabia que

qualquer um dos meninos de Feagan ficaria feliz em ter um

filho com ela. Mas Frannie queria mais. Ela pensava em uma

família construída com amor.

— Eu já passei da idade de pensar em casamento. —

Ela observou os garotos brincarem de pegador. — Londres

tem muitas crianças que precisam de auxílio e minhas

intenções vão além de alfabetizá-los, pois quero dar a eles

condições de conseguir um bom emprego. A pobreza é

terrível. — Ela sacudiu a cabeça. — Perdoe-me, mas creio

que a reforma social é necessária, por isso me inflamo e

acabo falando coisas que talvez não lhe interessem.

— Srta. Darling, tudo a seu respeito me interessa.

— Tenho de avisá-lo de que não me encanto facilmente

com palavras. Prefiro ações.

O olhar de Sterling escureceu e Frannie entendeu que

escolhera muito mal as palavras quando ele falou em voz

baixa e sensual:

— Estou de pleno acordo. Talvez mais tarde...

— Vossa Graça é um nobre e eu sou uma plebéia. Nem

mesmo tenho certeza se amizade entre nós seria

permitida.

Page 114: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

114

— A senhorita é amiga de Claybourne.

— Isso é diferente, ele já foi um de nós. Não se dá as

costas a quem se deve muito.

— Então terei de encontrar uma maneira de a

senhorita tornar-se minha devedora.

Frannie esperara que eles se despedissem depois do

lanche, mas ele não foi embora e ajudou-a a agrupar os

meninos quando eles ficaram impacientes. A paciência dele

com os garotos a surpreendia.

Eles foram ver um elefante empalhado e Sterling

ajoelhou-se ao lado dos meninos para contar que já

montara em um. Eles ficaram boquiabertos e de olhar

arregalado.

— Milorde teve medo? — Charley perguntou.

— Nem um pouco. Ele é muito grande, mas aprendemos

na floresta que nem sempre o maior é o mais perigoso.

Existe um que é o mais astucioso, inteligente esperto.

— Quem poderia ser. Sterling sorriu.

— Eu, é claro.

Os meninos gargalharam e Frannie riu. Sterling

levantou-se e estendeu o braço que Frannie não hesitou em

aceitar.

— Então milorde é a fera mais perigosa da floresta.

— Isso sem contar que eu carregava um rifle. Eles

retomaram o passeio.

— Milorde realmente não teve medo?

Page 115: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

115

— Algumas vezes eu ficava aterrorizado, mas esse era

o objetivo.

— Vossa Graça procurava ficar com medo? — Ela não

podia imaginar que alguém se pusesse deliberadamente em

risco.

— Eu pretendia testar minha coragem e minha

determinação. Foi uma viagem de descobertas,

principalmente as que fiz em relação a meu íntimo. O que

me foi revelado do mundo foi simplesmente um bônus.

— E o que descobriu acerca de si mesmo?

— Que não sou tão fraco como eu acreditava que fosse

nem tão forte como eu esperava ser. Montei um elefante,

mas não quis enfrentar o tigre. — Ele parecia desapontado

consigo mesmo.

— O que prova que milorde era na verdade o animal

mais, inteligente e perigoso da selva.

Ele sorriu.

— Não creio que eu tenha pensado no assunto nesses

termos. Suponho que teria sido uma tolice acabar como

jantar deles.

— Fico feliz que isso não tenha acontecido. — Frannie

também sorriu.

— Eu também, srta. Darling, ou eu teria perdido esses

preciosos momentos a seu lado.

Eles chegaram à mostra do Egito, onde Sterling

discorreu a respeito das pirâmides e das esfinges, com a

Comentado [Senira1]:

Comentado [Senira2]:

Page 116: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

116

excitação costumeira com que se referia às suas viagens,

e Frannie ficou fascinada com tudo o que ele vira e fizera.

Finalmente eles deixaram o recinto da Grande

Exposição e chegaram à carruagem onde Donner os

aguardava.

— Vossa Graça teve uma vida fascinante.

— Haverá algum sentido em ter outra espécie de vida?

— Sempre ouvi dizer que Vossa Graça era um homem

que priorizava os próprios prazeres.

— É bom saber que os boatos nem sempre estão

errados. E por falar em meus próprios prazeres... embora

o piquenique tenha sido adorável, isso não reparou o mal do

pequeno patife ter roubado meu lenço.

Enquanto os meninos subiam na carruagem, Frannie

admoestou-se por estar antecipando outra proposta não

apropriada.

— E o que repararia o erro de ele ter surrupiado um

pedacinho de seda, Vossa Graça?

— A ópera.

— Como é?

— Venha comigo à ópera esta noite e poderemos

jantar mais tarde. Caso contrário, serei obrigado a mandar

um policial ao orfanato para prender Charley.

— Milorde não faria isso. Ele deu de ombros.

— A senhorita está querendo arriscar o acerto quanto

à natureza do meu caráter?

Page 117: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

117

— E eu que já estava começando a gostar de milorde.

— Frannie virou-se.

— Mandarei meu coche buscá-la no Dodger's às sete.

Ele era mesmo arrogante. Com a ajuda do criado,

Frannie pôs o pé no degrau e olhou por sobre o ombro.

— Sete e meia.

Sterling deu um sorriso vitorioso que a deixou zonza

pela antecipação. Frannie recostou-se no assento, sem se

recordar da última vez em que estivera tão alegre.

— Srta. Frannie, por que está sorrindo feito uma tola?

— Charley indagou.

Porque estava descobrindo que adorava atenções

masculinas, ainda mais quando elas provinham do duque de

Greystone.

Frannie vestia-se com simplicidade e não contava com

a ajuda de criadas. Mas naquela noite, pediu a colaboração

de uma das meninas de Jack.

Sentada em um banco, segurava o espelho revestido

de prata, presente de Luke, e avaliava a habilidade de

Prudence em domar seus cabelos vermelhos. Um coque

simples na nuca não era o que ela queria para essa noite.

Frannie não duvidava para onde aquele encontro a

levaria. A lugar nenhum. Ele era um duque e ela... Frannie

Darling. Porém teve de admitir que existia uma atração

entre ambos jamais experimentada por ela. A maneira

Page 118: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

118

como Sterling a olhava — como se quisesse devorá-la — de

início a assustara, mas naquela altura a deliciava. Gostava

de escutar as histórias que ele contava, ficava fascinada

com os cuidados que ele dispensava aos meninos e

encantava-se com o brilho demoníaco de seu olhar quando

a tocava de maneira ousada. O piquenique fora uma das

experiências mais sensuais de sua vida e tudo o que ele

fizera fora dar atenção à palma de sua mão. Ela queria

atenções semelhantes por toda parte.

Era uma libertação descobrir-se desejando atenções

masculinas. Mesmo que não passassem de um beijo, pela

primeira vez ela desejava partilhar com um homem as inti-

midades de sua vida. Era estranho ter crescido rodeada

pelos meninos de Feagan e nunca ter sentido aquele

despertar da feminilidade. Os risos, as provocações e os

olhares deles não incitavam a nenhuma das emoções

turbulentas desencadeadas por Sterling. Mesmo quando

ele não a tocava, era como se o fizesse. Não entendia por

que ele era tão diferente dos outros homens de sua vida

nem por que ansiava pela afeição dele.

Frannie sempre preferira vestidos que não chamassem

a atenção, mas que fossem confortáveis. E naquela noite,

Deus que a perdoasse, ela não queria parecer uma jovem

comum.

Havia um ano, Jack — que gostava de cores vibrantes

— a presenteara com um vestido verde-esmeralda. Uma

vez, sozinha no quarto, experimentara o traje e rodopiara,

fingindo ser o que não era: uma dama. Era um vestido que

Page 119: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

119

acentuava suas curvas e ela sentiu calor ao imaginar a mão

grande de dedos esguios percorrendo as linhas de seu

corpo.

— Quem é o cavalheiro que conquistou sua

preferência? — Prudence perguntou.

Espantada por sua fantasia — jamais as tivera

envolvendo homens —, Frannie não quis responder para não

ouvir a outra dizer que o conhecia, que ele era ótimo de

cama e que na semana anterior se deitara com ele.

— Vamos lá, sabe que eu guardarei segredo.

Frannie olhou para o espelho que estava em seu colo e

passou a ponta do dedo nos desenhos intrincados de seu

dorso.

— Greystone.

— Não o conheço.

O alívio envolveu Frannie. Prudence supervisionava

todas as meninas. Se ela não o conhecia, as outras

provavelmente também não haviam estado com ele.

— Ele é cliente?

— Sim, é. — Frannie virou-se na banqueta e olhou para

Prudence. — Não diga nada para Jack.

Prudence fez bico com os lábios polpudos que

certamente haviam beijado muitos homens.

— Eu já afirmei que não direi nada.

— Eu sei. Era só para enfatizar, pois Jack não

aprovaria.

Page 120: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

120

— Então ele deve ser um nobre. Jack não gosta de

cavalheiros com título.

— Ele é um duque. — Frannie sentiu-se compelida a

confessar.

— Deus do céu!

Frannie levantou-se e começou a andar de um lado a

outro, nervosa.

— Prudence, será que estou cometendo um grave

erro?

— Depende de sua expectativa. É como digo para

minhas meninas, não esperem casamento e você sabe disso.

Frannie inspirou fundo, tentando acalmar as batidas

desordenadas do coração.

— Eu sei.

Encostou-se na penteadeira e analisou Prudence. A

outra era dois anos mais jovem do que ela, mas seu rosto

revelava a dureza da vida que enfrentara antes de vir para

o Dodger's. Os cabelos loiros caíam pelas costas e ela

sempre usava seda que ondulava a seu redor e que poderia

facilmente deslizar por seu corpo com um movimento de

ombros.

— Prudence, você já esteve com um homem sem ser a

pagamento?

— Sim.

— Você se sentiu suja depois?

Prudence atirou a cabeça para trás e deu a risada

Page 121: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

121

rouca e gutural pela qual era conhecida.

— Claro que não! Foi maravilhoso. Ele foi deportado

para a Austrália. Algumas vezes eu sonho que ele voltará

para mim. As jovens sempre sonham. — Ela olhou para

Frannie e bateu a escova na palma da mão. — Quer algumas

dicas para não engravidar?

Frannie riu com a idéia de levar aquilo até o ponto de

se arriscar a uma gravidez, sacudiu a cabeça, mas anuiu em

seguida. Feagan lhe dera conhecimentos, afirmando que

talvez nunca os utilizassem, mas o saber sempre tinha suas

vantagens.

— Provavelmente não precisarei de nenhum

preventivo, mas eu só penso em Greystone e imagino o que

será se ele fizer mais do que beijar.

— Ah, ele já a beijou, não é?

Frannie se sentia dez anos mais jovem, livre e sem pre-

ocupações. Teve uma vontade absurda de rir como vira uma

jovem fazer enquanto passeava de braços dados com seu

amado, um perdido no olhar do outro. Ah, que tolice

experimentar tal estouvamento nessa idade!

— Não ouse contar para Jack.

— Nem sonhe com isso. Vamos, agora queira sentar-se

para eu terminar de penteá-la e eu lhe direi o que sei.

O que ela sabia, envolvia a colaboração de um homem.

Frannie não podia imaginar-se discutindo temas tão

íntimos com Sterling, mas se ela não tocasse no assunto,

provavelmente não faria nada com o duque.

Page 122: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

122

Então por que se preocupar tanto? O penteado alto

estava lindo, com fitas verdes entrelaçadas. Prudence

conseguira encontrar — sabe-se lá onde — tiras da mesma

cor do vestido que deixava exposta boa parte dos ombros.

Sterling sentiria vontade de beijá-los? Ela gostaria disso?

Chamou a si mesma de covarde e pegou um xale de seda.

Calçou as luvas brancas de pelica que lhe haviam sido dadas

pelo avô de Luke anos atrás. Precisava de algo mais. O que

seria?

Lembrou-se do presente que Feagan lhe dera na

despedida. Ela e os outros estavam de mudança para a

residência urbana de Claybourne, abandonando Feagan. Ela

não quisera ir, mas ele havia insistido.

— Você terá uma vida melhor, Frannie Darling. E não

lhe ensinei sempre que se deve procurar a bolsa maior em

vez de a pequena?

Abriu a pequena caixa de madeira entalhada e dali

tirou um colar de pérolas.

— Uma pequena lembrança para você não se esquecer

de mim.

Além da roupa do corpo, fora a única coisa que ela

trouxera do cortiço. Seu vestido fora queimado naquela

noite, depois da sujeira ter sido escovada de seu corpo. Ela

nunca usara as pérolas, por temer que estas tivessem sido

roubadas por Feagan e que pudessem ser reconhecidas.

Tolice, pérolas não tinham marcas de identificação. Ela

estava nervosa e precisava de algo que a recordasse de

Page 123: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

123

Feagan.

— Você é tão boa como qualquer outra — ele lhe

dissera certa vez.

Frannie suspirou e guardou o sentimento junto com as

outras memórias preciosas.

Já escurecia quando ela pegou a pequena bolsa, deixou

o apartamento e fechou a porta.

Ela não se sentia tão apavorada, nem tão excitada

desde o dia em que ela, Luke e Jack haviam saído da casa

de Feagan ao amanhecer para ir a uma feira. Ele não teria

se incomodado se houvesse sido avisado. Feagan poderia

pensar que eles pensavam em roubar bolsos. Na noite

anterior, enquanto contavam moedas, Frannie separara um

coroa para eles se divertirem sem medo de serem presos.

Em vez de roubar, haviam comprado comida. Apesar da

alegria, temera que Feagan descobrisse a moeda que

faltava e ficasse desapontado com ela. Uma coisa era

roubar de estranhos, outra bem diferente, roubar dele.

Era como se sentia agora. Excitada pelo que a

aguardava e apavorada. Não queria desapontar os meninos

de Feagan caso eles descobrissem seus planos, pois

certamente não os aprovariam quando soubessem que nada

resultaria daquele encontro. Ela representava uma

pequena diversão para um nobre inglês. Mesmo que ele a

tratasse como uma dama no começo, ela acabaria como uma

vaga memória, se tanto.

Frannie estava no meio da escada quando viu Sterling,

Page 124: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

124

iluminado pelo lampião pendurado na porta dos fundos do

Dodger's. Apesar da pouca iluminação foi possível

reconhecê-lo pela largura dos ombros, quadris estreitos e

a elegância usual.

Como ela se atrevia a sair com um homem desses?

— Srta. Darling. — Ele fez uma reverência e estendeu

a mão para ajudá-la a descer os últimos degraus.

Frannie sentiu os dedos longos e fortes, e seu coração

deu um solavanco, apesar dos dois usarem luvas. No último

degrau, ela pôde fitá-lo, olhos nos olhos.

— A senhorita está linda — Sterling falou em voz

baixa e sensual.

— Qualquer um fica bonito nas sombras. — Por que ela

estava sem ar, como se houvesse descido a escada

correndo?

Sterling sorriu e seus dentes brancos brilharam

apesar da obscuridade da rua. Teria suposto que ela

poderia desmaiar devido ao nervosismo?

— Meu coche está à espera.

Frannie desceu o degrau, mas Sterling a impediu de

continuar.

— Relaxe, srta. Darling. Esta noite será apenas a ópera

e o jantar.

— Estou sabendo disso e não tenho planos para mais

nada.

Dessa vez o sorriso de Sterling pareceu chamá-la de

Page 125: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

125

mentirosa, mas ela não o desafiou. Apesar da insegurança,

pusera na bolsa o preservativo que Prudence lhe dera... por

precaução.

Não saberia dizer se sentia alívio ou se ficava

desapontada ao pressupor que o mesmo não seria usado.

Dentro do coche, eles se sentaram em lados opostos

enquanto percorriam as ruas de Londres. Ele não afastava

dela o olhar e ela teve de desviar o seu, pois se sentia

acalorada. Não experimentara essa mudança inexplicável

em seu corpo com nenhum dos meninos de Feagan, nem

mesmo quando eram pequenos e dormiam no mesmo catre.

Essa consciência da atração masculina só acontecia na

presença de Sterling.

Era apavorante e a intrigava.

— Vossa Graça sabia que Luke pediu-me em

casamento? — Frannie procurou distrair a mente. — Foi

como ele e Catherine se conheceram. Ela teria de ensinar-

me o comportamento de uma dama da nobreza.

— Eu não sabia disso. E por que não se casou com

Claybourne?

— Estou bem consciente de que não pertenço à

aristocracia.

— No entanto está aqui, com um aristocrata.

— Nós dois sabemos, Vossa Graça, que casamento não

é o que lhe passa pela mente.

O olhar de Sterling escureceu e ele a fitou desde os

Page 126: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

126

cabelos presos no alto da cabeça até o bico dos sapatos

recém-engraxados.

— Não, o casamento não é o que tenho em mente.

Sem querer, Frannie anuiu, sem saber com o que

concordava e sem se ofender com a sinceridade de

Sterling. Pelo menos ela sabia em que terreno pisava.

Mas nada indicava que tivesse a chave para a solução

do problema.

Foi um milagre Sterling ser capaz de andar sem

tropeços até o coche, depois de perder o fôlego ao ver

Frannie descer a escada. Fora somente no caminho para

casa, depois de ter feito o convite, que lhe ocorrera que

ela poderia não ter um traje apropriado para ir ao teatro.

Pensara em pedir a Catherine um vestido emprestado — as

duas tinha porte físico semelhante —, mas seria um risco

Luke descobrir do que se tratava e Sterling acabar com

outro olho roxo. Decidira que seria uma delícia andar com

ela de braço dado, independentemente do que estivesse

vestindo.

Em vez disso, descobrira que Frannie era uma beldade

estonteante. Felizmente a lamparina do coche permitia que

ele se deslumbrasse com tanta beleza.

Frannie se calara após a confirmação de que um matri-

mônio não estava nos planos dele, mas ele pretendera

apenas ser honesto. Nunca usara de falsas promessas para

atrair uma dama e não pretendia começar com Frannie. Ela

merecia muita consideração. Na verdade, merecia muito

Page 127: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

127

mais.

— Vossa Graça nunca viu uma mulher em trajes de

noite?

— É evidente que sim, mas eu a estou admirando.

Nunca a vi vestida de maneira tão provocante. Por que não

usou esse vestido no casamento de minha irmã?

— Era o dia de Catherine e ninguém mais deveria cha-

mar a atenção. Além disso, ele é um pouco audacioso para

tais ocasiões.

— Gosto de audácia em mulheres.

Frannie deu um sorriso leve, um som surpreendente e

bem mais adorável do que a melhor orquestra que ele j;í

vira.

— Vossa Graça deveria medir as palavras ou poderei

tomá-las ao pé da letra.

— Pois eu adoraria, srta. Darling.

— Parece que Vossa Graça está flertando comigo, mas

não se esqueça de que vim esta noite somente por sua

ameaça de mandar prender um de meus órfãos.

— Apenas parece? Então deverei esforçar-me mais

para que não haja dúvida.

— Pois eu preferia que não se esforçasse tanto.

— Muitas mulheres ficariam lisonjeadas por ter um

duque para levá-las à ópera.

— Por que não convidou uma delas?

Page 128: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

128

— Nenhuma me intriga tanto quanto a senhorita.

— A paixão tem vida curta.

— Pelo contrário, conheço homens que tem a mesma

amante durante anos.

Frannie olhou pela janela e Sterling analisou seu perfil

e a curva elegante do nariz. Ele gostaria de sentar-se ao

lado dela, beijá-la do ombro até o ponto sensível atrás da

orelha e sentir nos lábios a circulação acelerada. Porém ele

temia apressar-se, assustá-la e perder a recompensa

máxima, pois Frannie poderia fugir tão depressa como

Charley fizera.

Por outro lado, queria apreciar com ela a ópera e o

jantar. Sem dúvida desejava Frannie em sua cama, mas não

era só isso. Ele almejava mais. Queria guardar lembranças

dela que nunca procurara em outra mulher.

— Por que acha que mulheres se submetem a ser

amantes em vez de esposas? — Frannie indagou em voz

baixa.

— Algumas vezes essa é a única maneira de ter alguém

na vida, quando as circunstâncias prescrevem que o

casamento deve ser por causas diversas do amor.

Frannie voltou-se para Sterling.

— Milorde já amou alguém?

— A senhorita deve estar se referindo a algo

diferente do amor fraterno que sinto por Catherine. — Foi

a vez de ele olhar pela janela. — Uma vez pensei amar uma

Page 129: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

129

mulher, mas o sentimento se transformou tão depressa em

aversão, que nem tenho certeza que se tratou de amor.

— O que aconteceu?

— Eu disse a ela a verdade.

— Sobre o quê?

Sterling virou-se para fitar Frannie.

— Sobre mim, srta. Darling. Apesar de meu status e

de minha riqueza, não serei um marido adequado.

Considere-se feliz por não haver esperança de casamento

entre nós.

— Qual é o problema? — Ela franziu a testa.

— Srta. Darling, tenho intenção de seduzi-la e minha

experiência assegura de que contar a verdade não c o

melhor caminho para seduzir uma mulher.

— Pois prefiro ser sincera e revelar que não tenho a

menor intenção de ser seduzida.

— Adoro um desafio, srta. Darling.

— Não esquecerei, Vossa Graça.

— A senhorita está nervosa por jantar em minha

residência mais tarde?

Frannie sacudiu a cabeça e o encarou.

— Não.

— Não conheço nenhuma mulher que sustente meu

olhar com tanta freqüência.

— O olhar de um homem é muito significativo. Pode

Page 130: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

130

denunciar raiva, vingança ou orgulho. Os orgulhosos são os

mais fáceis de serem despojados.

— Pensei que fossem os mais difíceis.

— Em geral eles não contam que tiveram seus bolsos

saqueados, por temer que isso os faria parecerem tolos.

Então eles simplesmente repõem o que foi furtado.

— A senhorita diz isso com orgulho, como se

acreditasse que furtar é honroso.

— Não posso negar que sempre tive uma certa

satisfação em ser perita no que eu fazia. Eu fui a única das

crianças de Feagan que não teve ameaça de prisão.

— Devem ser seus olhos. Desconfio de que mesmo se

fosse presa, a senhorita poderia convencer um juiz a soltá-

la.

— Já me disseram que os olhos são meu melhor

atributo físico.

— A senhorita não tem espelho?

— Eu o uso muito pouco.

Fascinante. Sterling jamais conhecera uma mulher que

não ficasse horas diante de um espelho.

— Qual a causa dessa aversão?

— No espelho vejo meus olhos e neles está refletido

meu passado onde há muitas passagens que prefiro

esquecer.

— E é o passado que faz da senhorita uma mulher

fascinante.

Page 131: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

131

Sterling se encantava com cada aspecto de Frannie.

Era provável que retardasse a ocasião de levá-la para a

cama para desfrutar de mais momentos como aquele. Ao

mesmo tempo em que pensava nessa estratégia, ele a

desejava demais e não poderia esperar muito tempo para

possuí-la.

O coche parou diante da Ópera Royal Italian. Quando

ele deixara a Inglaterra, o espaço chamava-se Teatro

Covent Garden. Nada permanecera igual durante esse

período. O criado abriu a porta, Sterling desceu e

estendeu a mão para Frannie.

— Já esteve em uma ópera antes? — ele perguntou.

— O antigo conde de Claybourne me trouxe uma vez.

Fiquei atônita com os figurinos, com os atores e cantores.

Foi inacreditável.

— Fico feliz em ouvir isso. — Ele a conduziu até o

saguão, imaginando por que não se lembrara da multidão

que esperava para ocupar os lugares e lamentou a perda de

tempo em concentrar-se nos arredores. — Detesto ópera.

Frannie parou de andar e Sterling teve de fazer o

mesmo. Com alguma sorte poderiam ficar ali até que a

maioria das pessoas fosse em busca de seus assentos.

— Então por que viemos?

— Foi a única possibilidade que me ocorreu para que a

senhorita concordasse com o convite.

Sterling não soube dizer se ela se sentia lisonjeada ou

se estava com raiva.

Page 132: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

132

— O avô de Luke também não ficou até o fim e saímos

no meio do espetáculo. Não tenho certeza se deverei fazê-

lo ficar — ela afirmou com um sorriso atrevido.

— Se lhe agradar, aceitarei minha punição sem queixas

e até aplaudirei no final, mas devo confessar que tê-la ao

meu lado fará tudo suportável.

— Milorde tem muita prática em lisonjear uma dama.

— Devo admitir que me destaco nessa arte, mas não

cometa o erro de pensar que falo o que não penso.

— Vossa Graça deve querer... querer muito o que

deseja para assistir à ópera até o fim.

— Para ser honesto, srta. Darling, desde que voltei

para Londres, os melhores momentos que passei foram no

piquenique dessa tarde. Pensei em prolongar as horas

agradáveis e por isso estamos aqui.

Sterling não soube se a havia agradado, porque algo ao

longe chamou a atenção de Frannie e ela sorriu. Sterling

virou a cabeça e viu Marcus Langdon — primo de Luke e

anteriormente herdeiro do título — caminhando na direção

deles acompanhado de lady Charlotte Somner, filha do

conde de Millbank. Marcus não se parecia com Luke, talvez

pela infância totalmente diversa que haviam tido.

Sorridente, Langdon fez uma mesura. -

— Vossa Graça.

— Sr. Langdon... lady Charlotte.

— Vossa Graça. — Charlotte derreteu-se em um

Page 133: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

133

sorriso.

— Srta. Darling. — Langdon beijou a mão de Frannie.

— Que prazer em vê-los. — Ele se virou para a dama a seu

lado. — Lady Charlotte, permita-me apresentar-lhe a srta.

Frannie Darling.

Charlotte, embevecida em contemplar Sterling, não

tomou conhecimento da apresentação.

— Vossa Graça não pode imaginar minha satisfação em

encontrá-lo. Venha jantar conosco uma noite dessas para

nos encantar com histórias de suas viagens.

Langdon pareceu desconcertado com o

comportamento rude de Charlotte.

— Lady Charlotte, a srta. Darling é uma das amigas

mais queridas de meu primo, o conde de Claybourne.

— Ah, então ela é uma daquelas pessoas?

— E que pessoas são essas, lady Charlotte? — Frannie

não permitiu que Sterling a defendesse. — As pessoas que

se preocupam com os pobres e indigentes de nossa

sociedade? As que vêem o sistema judiciário e penal como

injusto?

— São as que carregam sujeira das ruas em suas

roupas. Se me der licença, preciso ir à sala das damas.

Ficar aqui me fez sentir impura. — Charlotte se virou e

afastou-se.

— Ah, Senhor — Langdon gaguejou. — Srta. Darling,

minhas desculpas mais sinceras. Vossa Graça, eu não podia

Page 134: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

134

imaginar...

Frannie tocou-lhe o braço.

— Não se preocupe, sr. Langdon. É uma pena que alguns

tenham essa péssima opinião a meu respeito, mas posso

assegurar-lhe de que não perco o sono por isso.

— Mesmo assim, meu primo...

— Nada direi a ele.

Langdon suspirou, aliviado e Sterling entendeu que ele

deveria ter receio de enfrentar a cólera de Luke

Claybourne. Não o culpava, pois ele mesmo recebera a

visita de Jack Dodger e Jim Swindler.

— A senhorita é muito bondosa — Langdon afirmou.

— Nada disso. Não se pode ser responsável pelas

ações alheias. Aproveite a ópera.

— A senhorita também. — Ele anuiu para Sterling. —

Vossa Graça.

Langdon afastou-se para ir ao encontro de Charlotte

com quem decerto se desiludira. Uma pena para ela, na

opinião de Sterling, pois ouvira dizer que Langdon fora

empregado por seu primo com um salário muito vantajoso.

— Isso costuma acontecer com freqüência? —

Sterling perguntou a Frannie.

— Não, porque eu me mantenho afastada da

aristocracia o mais possível.

— Não nos comportamos de maneira tão abominável.

Page 135: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

135

— Não todos, mas a grande maioria. Vamos procurar

nossos lugares?

— A senhorita não preferia ir embora?

— De jeito nenhum. Posso estar ferida, mas não me

nego a carregar a espada.

— A senhorita é notável. Sinto-me honrado em estar

a seu lado esta noite. — Ele estendeu o braço e adorou

sentir o dela que nele se apoiava.

— Vamos ver como se sentirá amanhã, quando os

boatos se espalharem.

— A senhorita é céptica quando se trata da

aristocracia.

— Apenas realista.

As palavras dela o abalaram. Afinal não dissera a

mesma coisa para Catherine?

Sterling conduziu Frannie até a escada e descobriu

que era mais fácil se mover com ela a seu lado.

— No casamento de minha irmã, quando seus amigos a

rodearam, eles na certa procuravam protegê-la dos

comentários maldosos dos convidados.

Eles caminharam até o camarote de Sterling onde se

sentaram.

— Quando eu era bem mais jovem e morava na

residência dos Claybourne, o avô de Luke organizou um chá

da tarde nos jardins com algumas meninas da minha idade.

Elas eram lindas e chegavam em coches e carruagens. As

Page 136: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

136

risadas delas eram doces e suaves, bem diferentes das

risadas ásperas que se ouvia nos cortiços. E por isso achei

que gostaria de todas. Elas não encostaram em mim e

ensinaram-me que palavras podiam ferir como facas. Elas

queriam saber como era a vida nos cortiços e cometi o erro

de contar que eu dormira com Luke, Jack e Jim, e que

algumas vezes eu ainda dormia com Luke. Elas trans-

formaram o fato em algo hediondo e eu era inocente.

Dormir nos braços de alguém pode ser muito gostoso, mas

eu não tornei a repetir a situação sem, no entanto, contar

a eles o motivo. Deixei que as meninas tolhessem minha

naturalidade.

Frannie contava os fatos sem demonstrar emoção, mas

Sterling sabia que ela devia ter sofrido muito. Frannie

possuía uma bondade que excedia a de qualquer pessoa que

ele conhecia. Não podia imaginá-la trazendo

intencionalmente sofrimento a alguém. Teve vergonha de

admitir que poderia conhecer muitas que zombariam dela.

— Diga-me quem são e eu tratarei de adverti-las.

Frannie sorriu.

— Isso foi há muito tempo, Vossa Graça, e eu não

guardo rancor, mesmo admitindo que às vezes eu gostaria

de ter alguém dormindo comigo.

Sterling passou o dedo enluvado no braço descoberto

de Frannie.

— Podemos remediar isso, até esta noite, se quiser.

— Tenho a impressão, Vossa Graça, de que pretende

Page 137: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

137

fazer muito mais do que dormir.

— A senhorita deveria encarar isso como um

cumprimento. Desde que voltei para a Inglaterra, não fiz

essa proposta a nenhuma dama.

— Admirável, em princípio. — Ela deu um sorriso mali-

cioso. — Porém suspeito que milorde não considera todas

as mulheres como damas.

— Muito poucas, de fato.

As luzes foram apagadas e Sterling amaldiçoou a

escuridão. Nem as luzes que iluminavam o palco diminuíram

a escuridão do camarote. Ele não podia ver Frannie com

clareza. Podia apenas sentir a fragrância doce, memorizar

o contorno de sua silhueta e sentir o calor do corpo ao lado

do seu.

Ele se inclinou para o lado.

— Fique descansada, eu a considero uma dama — ele

cochichou.

— Uma que milorde deseja levar para a cama.

Sterling tirou a luva e passou o dedo no ombro exposto

pelo xale que deslizara um pouco.

— Isso não é um insulto, sou muito exigente.

Sterling estava perto o suficiente para ouvi-la engolir

em seco.

— Eu também sou, Vossa Graça.

Sterling cessou a carícia e recostou-se na poltrona.

Frannie não cederia com facilidade, mas ele gostava de um

Page 138: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

138

desafio.

Capítulo VI

No intervalo da ópera, Frannie resolveu ser

misericordiosa e sugeriu .que fossem embora. Ela queria

evitar a aglomeração das pessoas e não era capaz de

apreciar o espetáculo com Sterling olhando para ela e não

para o palco. Não se aborrecia por ele não afastar o olhar.

Na verdade, o fato a agradava, mas ela encontrava

dificuldade em descontrair-se, imaginando aonde o jantar

os levaria.

O coche chegou a uma curva larga e Frannie teve a

primeira visão da residência Greystone. Ela sempre

considerara magnífica a mansão dos Claybourne, mas a de

Sterling era muito maior e mais elegante. À porta do coche

foi aberta e Sterling saiu antes de estender a mão para

ela. Decidida, Frannie pôs a mão na dele e permitiu que ele

a ajudasse a descer do veículo. Impressionada pela

magnificência da habitação, ela o seguiu pelos degraus

largos e lembrou-se de que Catherine havia vivido ali.

Poderia considerar que estava visitando a casa de uma

Page 139: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

139

amiga que tinha um irmão encantador e perigoso.

No interior da residência, Sterling a levou por

corredores e ela procurou não parecer pasma diante dos

retratos dos antepassados que guardavam grande

semelhança com ele. Deveria ser maravilhoso conhecer

suas origens, enquanto ela só tinha conhecimento da

própria existência. Quem seria sua mãe? Uma mulher

casada, uma criada, uma dama? Alguém a teria amado? Ou

era o que Frannie temia. Ser o resultado de um encontro

violento que sua mãe não desejara e ninguém quisera a

criança?

Sterling a levou até uma sala pequena que parecia

deslocada em uma residência de amplas dimensões. Dentro

havia poltronas estofadas e um sofá. Na lareira o fogo

crepi-tava e ao lado havia uma mesa redonda com uma

toalha de renda. A luz das velas estrategicamente

dispostas deixava a maior parte do recinto nas sombras,

exceto a área onde deveriam jantar. Pelas cortinas

abertas podia-se ver um jardim iluminado por lampiões. A

um canto da sala, um homem estava em pé, segurando um

violino. O coração de Frannie bateu em descompasso. Ela

não sabia exatamente o que esperar. Enquanto ela havia

morado com os Claybourne, o jantar era em geral servido

formalmente em uma sala grande. Ela não antecipara um

clima tão romântico. Estava consciente de que Sterling a

desejava na cama, mas o cenário sugeria muito mais do que

uma cópula rápida.

Frannie assustou-se quando Sterling encostou em seu

Page 140: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

140

ombro para tirar-lhe o xale. Ele deveria ter feito um sinal,

pois o som suave do violino começou a ecoar pela sala.

— Calma, srta. Darling — ele sussurrou por trás e

junto ao ouvido dela. — Nós vamos apenas jantar.

Frannie anuiu e olhou para Sterling. Os preparativos a

deixaram nervosa por recear haver se enganado quanto às

intenções dele. Se Sterling a envolvesse em romantismo,

ela seria capaz de afastar-se da cama dele sem um

sentimento grande de perda?

— Vossa Graça teve muito trabalho.

— Não tive nenhum. — Ele deu um sorriso malicioso. —

Meus criados, sim. Presumo que a senhorita aprovou os

esforços deles.

— Tudo é adorável em demasia.

— Fico satisfeito que tenha gostado. — Sterling

levantou a mão dela e começou a tirar-lhe a luva.

— Posso fazer isso — Frannie alegou, sem ar.

— Eu preferia fazê-lo, se a senhorita não tivesse

objeções.

Frannie negou com um gesto de cabeça e a pulsação

acelerada ao sentir os dedos cálidos tocarem sua pele.

Nem mesmo notara quando ele tirara as luvas. Parecia que

ele também tinha dedos leves. Embora ainda não

lamentasse a decisão de aceitar o jantar, tinha certeza de

que ele poderia ser mais perigoso do que qualquer um dos

homens que pudesse encontrar na rua em sua peregrinação

Page 141: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

141

atrás dos órfãos.

Depois de tirar uma luva, ele beijou-lhe a ponta dos

dedos antes de se voltar para a outra mão. Ela o imaginou

tirando seu vestido e beijando cada lugar que era revelado.

Sterling tirou a segunda luva e deixou-as sobre o xale,

levou Frannie até a mesa e puxou uma cadeira de onde ela

poderia ver o jardim.

— A música dá um toque agradável — Frannie afirmou

ao sentar-se, sem conseguir aparentar a indiferença que

pretendia para dar sofisticação a si mesma.

— Não gosto de silêncio. Na selva é um sinal de perigo.

— Ele fez um sinal com a cabeça e de repente o vinho foi

vertido nas taças e a refeição começou a ser servida.

— Como é a selva?

— É quente. Muitas árvores e vegetação, trepadeiras,

gritos dos macacos e cricrilar de insetos. De repente tudo

fica quieto e sabe-se que um predador está por perto.

— Milorde ficava apavorado?

— Na verdade, fortalecido. Era desafiador, tanto

física como mentalmente. Apesar de termos guias, lorde

Wexford, meu companheiro de viagem, e eu muitas vezes

atacávamos por nossa conta. E quase fomos mortos uma ou

duas vezes. Mesmo assim foi excitante.

— Vossa Graça ficava excitado com a possibilidade de

ser morto?

— Sei que parece uma tolice ou talvez uma

Page 142: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

142

imprudência, mas nós nos sentíamos como se estivéssemos

reduzidos a mais elementar luta pela sobrevivência. A

vitória é embriagadora.

— Milorde andou mesmo em cima de um elefante?

— Sim e sobre um camelo que sacudia demais. Pensei

que fosse perder todos os meus dentes.

Frannie riu.

— Nem posso imaginar como isso deve ser diferente

do que temos aqui.

— Tenho alguns desenhos de minhas viagens. Se

quiser, posso mostrar-lhe depois do jantar.

Frannie mal percebeu um criado tornar a encher sua

taça com vinho, o prato sendo removido e outro sendo

trazido.

— Não imaginei que Vossa Graça fosse um artista —

ela disse, enquanto provava a carne.

— Amador, eu lhe asseguro. Wexford entende de

fotografia, mas ele teve dificuldade em fazer criaturas

selvagens ficarem quietas. No entanto, captou a imagem

de belas paisagens. Bem, chega de falar de mim, srta.

Darling. — Ele a fitou por cima da borda do cálice, enquanto

bebia o vinho. — Estou interessado em escutar suas

histórias.

— Depois de tantas viagens, milorde vai achar

enfadonho o que tenho para contar.

Page 143: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

143

— Pois eu lhe digo que nunca fiquei tão intrigado a res-

peito de uma mulher. Os malandrinhos que a acompanhavam

hoje, em particular Charley, tem um pouco de maldade

dentro deles. Como vieram parar sob seus cuidados?

— Se uma criança é presa e Jim acredita que ela pode

se modificar, ele a traz para mim. Os quatro de hoje

estiveram em uma prisão e quero que eles vejam que a vida

é bem melhor do que o cortiço.

Sterling roçou-lhe as costas da mão com o polegar e

Frannie admitiu que era um conforto hipnótico fitar os

olhos sérios dele.

— Tenho interesse por crianças que foram levadas ao

crime, pois são as mais vulneráveis. Se forem apanhadas,

as punições podem ser severas, mesmo que os crimes

cometidos sejam ínfimos. — Ela se lembrou do comentário

de Jim. — Vossa Graça já roubou uma maçã?

Ele continuou os movimentos vagarosos com o polegar,

enquanto tomava mais um gole de vinho.

— Sim, por que a pergunta?

— Milorde não acha isso errado?

— Eu devia ter uns oito anos e... tratava-se de um jogo.

— As últimas palavras foram ditas em tom mais baixo como

se um entendimento o atingisse. — Suas crianças

criminosas acreditam estar fazendo um jogo.

— Na maioria dos casos. Quando uma criança é muito

pequena, ela acha que deve fazer o que lhe é ensinado, por

exemplo o bolso se destina a guardar objetos que devem

Page 144: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

144

ser furtados. Da mesma forma como o estabelecimento do

merceeiro poderia ser destinado para diversão: pegar uma

maçã e apostar que o merceeiro não o pegará. Se ninguém

diz à criança que isso é errado, como ela poderá saber?

— Mas se o objeto não lhe pertence...

— Uma criança não tem posses e não entende de

propriedade. Quando é apanhada, vai para a prisão ou é

deportada por roubar uma maçã ou uma bobagem qualquer

que não vale nem meio xelim. As punições são sempre

severas e execráveis quando se trata de crianças, e eu fui

criada nesse mundo. Felizmente o homem que ficou comigo

não batia em crianças, embora tenha nos ensinado a roubar

e usava nossas habilidades para encher os bolsos com

moedas. — Frannie sacudiu a cabeça. — É difícil quando se

ama uma pessoa que é reconhecidamente corrompida.

Sterling passou os nós dos dedos na face de Frannie.

— Estraguei uma noite que prometia ser agradável.

— Não, fui eu quem estragou tudo. As crianças são a

minha paixão e eu me empolgo quando falo nelas.

— Essa sua paixão que me intriga — Sterling afirmou,

sério. — Quer dar um passeio no jardim antes de eu levar

para casa?

Então ele pretendia apenas levá-la à ópera e para

jantar. Frannie deveria sentir-se aliviada, mas temeu que

ele pretendesse atraí-la para a cama sem parecer muito

óbvio. Certamente não seria naquela noite.

— Posso ver antes seus desenhos?

Page 145: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

145

Sterling ordenou que se limpasse a mesa, dispensou o

violinista, pegou os desenhos e dois cálices de conhaque.

Ele nunca oferecera conhaque a uma mulher, mas Frannie

aceitou sem hesitar o que o fez supor que ela bebesse

ocasionalmente. Afinal ela trabalhava em um

estabelecimento onde se vendiam bebidas alcoólicas em

abundância.

Eles se sentaram no pequeno sofá. A arte de sedução

de Sterling não tivera o efeito esperado. Àquela hora

Frannie já deveria estar nos braços dele, mas era

impossível negar que havia muito ele não passava uma noite

mais agradável.

— Um leão — Sterling afirmou ao mostrar o primeiro

desenho.

— Ele parece tão... régio — Frannie comentou.

Agradou-o Frannie perceber o que ele tentara capturar: a

essência do animal.

— Por isso o chamam de rei da selva. Quando ele ruge,

um frio lhe percorre a espinha, independentemente de

quem seja. E quando se olha para ele... tem-se a impressão

de que existe muito orgulho imbuído nele.

— Pensei a mesma coisa de milorde quando o vi na

recepção do casamento. — Frannie corou e olhou-o de lado.

— Vossa Graça se comporta com grande dose de uma

confiança que Luke apenas agora começa a demonstrar.

Milorde não questiona a deferência que lhe é devida.

— Não a mim, mas a meu título.

Page 146: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

146

— Mas Vossa Graça representa o título, não é?

Sterling anuiu com gesto de cabeça. Ele nunca

questionara que um dia ficaria com o título, mas então

imaginou se ela seria mais receptiva se ele não fosse um

duque.

— Vossa Graça sabe quem é sua família e de onde ela

vem há gerações. Também deve apreciar o legado que lhe

foi entregue. Quanto a mim, é como se antes não houvesse

ninguém.

Sterling não podia conceber como seria não conhecer

os ancestrais. Devia ser um vazio imenso saber que se

brotou do nada.

— Deve existir uma família Darling a quem você pode

pertencer. Seu amigo inspetor pode fazer averiguações.

O riso que sugeria um menosprezo a si própria tocou o

coração de Sterling. Ela era encantadora em sua

sinceridade e falta de arrogância.

— Não tenho a menor idéia de quem eu seja. Sempre

fui chamada de Frannie Darling e supus que esse fosse meu

nome. É muito fácil uma pessoa mudar de localização em

Londres e assumir uma identidade diferente. Feagan

sempre mudava o nome de uma criança que ele recolhia,

como forma de proteção e permitir a ela um recomeço.

Sterling pôs a braço no encosto do sofá e passou o

dedo na pele alva do ombro desnudo, e teve uma idéia dos

tesouros que a roupa escondia.

— Então a senhorita realmente nada sabe a respeito

Page 147: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

147

de seus ancestrais?

— Nada. Nem mesmo se isso é uma bênção ou uma pra-

ga. Luke pertence à nobreza, o pai de Jim foi enforcado e

Jack foi vendido pela mãe. Meus pais teriam sido de alta

classe e eu fui roubada ou eles pertenciam à escória da

sociedade? Não sei.

Se Sterling estivesse pensando em um compromisso

permanente com Frannie, o que seria improvável, o relato

dela o teria feito reconsiderar. Os nobres se casavam com

nobres, com uma pessoa que tivesse uma herança em

comum, com entendimento e apreciação pelo status

ocupado. Ele não se considerava melhor do que ninguém,

mas carregava a responsabilidade pelos que o haviam

precedido e assegurado a ele privilégios especiais,

requerendo certos deveres e comportamento, com não

poucas expectativas.

— A senhorita gostaria de saber? — ele perguntou.

— Suponho que depende da resposta.

— E qual delas seria de sua preferência?

— Não tenho certeza. As duas deixam muito a desejar.

Frannie queria desviar-se do assunto de seu passado.

Virou a página do bloco e deparou-se com um macaco

pequeno.

Sterling achava aborrecido falar de suas viagens; que-

ria falar de Frannie e conhecer todos os aspectos de sua

vida. Mais do que isso, queria vê-la sorrir de novo. Com esse

intuito aceitou mudar o assunto para um terreno mais

Page 148: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

148

seguro e menos excitante.

— Esse pequeno animal nos adotou e vez por outra,

vinha para meu ombro.

— Milorde é talentoso para capturar imagens.

Ele sempre observava o mundo à sua volta e gostava

de desenhar o que via. Supunha que esse passatempo fora

um dos motivos que o fizera notar uma mudança gradual

em sua vida. Foi quando se dera conta da diminuição de seu

campo visual.

— Sempre gostei de desenhar. — Sterling passou a

ponta do dedo pela clavícula de Frannie. — Eu teria um

grande prazer em retratá-la.

— Não sei se me agradaria posar.

— Talvez eu consiga convencê-la do contrário, durante

meu objetivo de fazê-la aceitar outras coisas.

Sterling segurou-lhe o pescoço e Frannie arregalou os

olhos verdes antes de estreitá-los em provocação. Ele

prometera comportar-se naquela noite, mas parecia

impossível manter a palavra. Embora julgasse que Frannie

perdera a inocência, a cada momento captava sinais da mais

pura ingenuidade em um sorriso ou em um flerte inseguro.

Ela era uma combinação de sobrevivência e bondade,

ousando e inventando suas próprias regras quando as

existentes não lhe convinham. Com o polegar, ele acariciou

a pele suave sob o queixo e sentiu a pulsação dela se

acelerar.

— Srta. Darling, eu gostaria de refazer nossos planos

Page 149: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

149

para esta noite.

— Ah?

Frannie ficou arfante e seus batimentos triplicaram

de ritmo. No olhar dela, nenhum medo, apenas a

antecipação que o encorajava a continuar.

— A ópera, o jantar... e um beijo.

O leve gesto de anuência de Frannie passaria

despercebido para outro homem, mas Sterling estava

acostumado a esmiuçar o mundo ao seu redor, a reunir os

menores detalhes para o dia em que as minúcias ficassem

perdidas para ele.

Sterling pretendia ser gentil, mas o vestido sedutor

causara imagens provocantes e o beijo não pôde ser

contido. O mais estranho foi seu coração disparar quando

ela o acolheu. Durante suas viagens, tivera centenas de

mulheres em seus braços. Mulheres de todos os países e

muitas delas, exóticas. No entanto nenhuma despertara

seu desejo com tanta ferocidade como acontecia com

Frannie. Ele varreu a boca de Frannie com a língua e

refletiu que apenas uma lhe parecera tão doce e tão

quente. Afastou-se da boca e deslizou os lábios pelo pes-

coço lânguido. Ouviu-a gemer e notou que ela atirava a

cabeça para trás a fim de facilitar o acesso. Depois ele

mordiscou-lhe a ponta da orelha.

— Quero soltar seus cabelos.

A anuência veio em forma de um suspiro.

Sterling soltou os grampos que prendiam os cabelos

Page 150: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

150

sedosos e, com habilidade, afrouxou as fitas que foram

atiradas no chão. Ele segurou, as mechas que despencavam,

deslizou uma parte sobre um dos ombros e os cabelos se

aninharam no colo de Frannie.

— Gloriosos — ele murmurou.

— São rebeldes.

— Eu gosto de rebeldia. — Ele sorriu.

Faminto, ele tornou a beijar-lhe os lábios,

desconfiando de que ela não fosse inocente. Ninguém podia

conservar a ingenuidade trabalhando em uma casa como o

Dodger's. No entanto ele sentiu uma hesitação nos

movimentos de Frannie como se ela receasse tocar nos

dentes dele com a língua ou explorar-lhe a boca como ele

fazia com a dela. Ele teve vontade de dizer que não

encontraria falha no que ela fizesse, mas não ousou

quebrar o encanto do momento. Sterling ergueu a mão,

aconchegou o seio dela em sua palma e deliciou-se com o

peso. Roçou o polegar sobre o mamilo, sentiu-o endurecer

e desejou deslizar a língua nele. Fez uma trilha úmida de

beijos pelo pescoço de Frannie, passou a língua na cavidade

de sua base antes de descer, deslizar o dedo para dentro

do corpete e abaixá-lo, expondo o busto alvo e o mamilo

róseo.

Arfando, Frannie deixou pender a cabeça para trás,

perdida em bem-aventurança.

Com facilidade, Sterling virou-a, deitou-a de costas no

sofá, ajoelhou-se a seu lado e recriminou-se. Não queria

Page 151: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

151

que seu relacionamento com Frannie se assemelhasse às

centenas de casos que tivera antes. Não queria que nada

fosse fácil. Sua Frannie Darling era diferente em aspectos

que ele não podia compreender, mas que desejava explorar

a seu bel-prazer.

Frannie segurou o rosto de Sterling e beijou-lhe a

boca com intensidade voraz. Sua resistência o fizera

duvidar de que ela o desejava com o mesmo fervor que o

inundava. Mas ali estavam a paixão, o desespero, a

necessidade de ser tocada.

Sterling interrompeu o beijo, mordiscou-lhe o queixo

antes de dar atenção ao seio exposto.

— Perfeito — ele sussurrou antes de sugá-lo.

Frannie olhou para Sterling e agarrou-se nos ombros

dele. Ela era indomada como os animais selvagens que ele

vira na selva. Não se assemelhava a uma jovem decorosa.

Nada a impedia de passar os dedos nos cabelos dele e no

peito sob o colete. Era como se desejasse tocá-lo por

inteiro e estivesse frustrada por encontrar tão pouca

cútis exposta. No entanto Sterling tinha certeza de que

não se deteria, se tirasse as roupas. Ele romperia a

promessa. Ele a possuiria ali mesmo e que se danassem as

conseqüências. Não convencido de que Frannie desejava

tudo o que ele poderia lhe dar, Sterling deslizou a mão por

baixo da saia dela e acariciou-lhe a perna.

Frannie fez um movimento brusco e choramingou

quando ele alcançou o centro doce de sua feminilidade e

Page 152: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

152

ele a acalmou, beijando-lhe o rosto. Ela estava úmida,

quente e pronta para receber o que ele não poderia dar

sem remorso. Sterling nunca hesitara com uma mulher,

nem questionara seus atos, muito menos quisera que uma

delas iniciasse o que ele alegremente terminaria. Frannie

estava perdida de paixão, fervente de desejo, mas

Sterling não desejava que ela tivesse remorsos nem que

fosse além do que ela esperava.

Frannie colou-se em Sterling, contorcendo-se de

encontro a ele, enquanto ele usava os dedos e a boca para

aumentar-lhe a satisfação. Ela arqueou as costas, prendeu

a respiração e Sterling beijou-a, engolindo o gemido de

prazer, ciente de que o corpo dela pulsava de encontro a

seus dedos, o que arrancou dele um gemido profundo de

aprazimento.

Sterling nunca dera prazer sem nada receber em

troca, mas naquela noite parecia imperativo não tomar

posse completa, mesmo que isso o deixasse com uma ânsia

insuportável. Ao recuar, ele viu o assombro e as lágrimas,

e ela virou o rosto.

— Não me evite — ele pediu.

— Você disse que seria apenas um beijo.

Sterling segurou-lhe o rosto, virou-a para ele e deu um

sorriso torto.

— Eu me entusiasmei com a vontade de lhe dar prazer.

Frannie apertou os olhos e uma lágrima deslizou por

seu rosto. Sterling abaixou-se e limpou-a com um beijo.

Page 153: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

153

— Não há motivo para chorar, doçura.

— Eu nunca... eu não sei... — a voz de Frannie fazia

supor que ela estivesse contendo o choro.

— Ninguém lhe deu prazer antes? — Sterling indagou,

atônito.

Frannie meneou a cabeça. Ele fitou as pernas que

apareciam sob a saia erguida.

Ela seria virgem? Como poderia ser, se ela trabalhava

no Dodger's?

Como guarda-livros e não como meretriz, idiota!

— O que há com você? — ela perguntou em voz baixa.

— Como é?

— Você não... não quis... — O rubor das faces de

Frannie escondia as sardas.

— Eu prometi que não passaria de um beijo, e mantive

a promessa. — Sterling beijou-lhe as pontas dos dedos.

Não era para admirar que os outros estivessem tão

empenhados em protegê-la.

Dentro do coche, Sterling a segurava como se odiasse

a próxima separação. Frannie não esperava por aquilo, mas

nada a respeito do duque correspondia às suas

expectativas.

— Quero vê-la de novo — Sterling afirmou.

— Creio que não seria conveniente. Pertencemos a

mundos diferentes. No seu eu viverei apenas uma noite, e

no meu milorde será destinado às lembranças.

Page 154: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

154

— Pensei que depois do que houve entre nós, você

poderia me chamar de Sterling.

— Nós não somos iguais — ela declarou com um aperto

no coração.

Eles fizeram o restante do trajeto em silêncio, o que

a fez acreditar que estava certa. Independentemente dos

sentimentos que florescessem entre eles, a posição na

sociedade determinada pelo nascimento haveria de

separá-los.

Por fim, chegaram ao Dodger's e Sterling

acompanhou-a até o apartamento.

— Srta. Darling, agradeço por aceitar meu convite

para esta noite. Seu pequeno diabrete não será preso.

Frannie tirou a chave da pequena bolsa, destrancou a

porta e olhou por sobre o ombro.

— Para ser franca, Vossa Graça, desconfio de que ele

sempre esteve a salvo desse destino.

Sterling não teve tempo de negar ou confirmar a

veracidade das palavras de Frannie. Ela entrou, fechou a

porta e trancou-a. Depois de um longo momento, ela

escutou-o descer a escada. Teve vontade de abrir a porta

e convidá-lo a entrar.

Aquela noite ele a brindara com um presente

extraordinário. Seus sentimentos a respeito de Sterling

haviam se aprofundado. Se nada acontecera, não sabia

como tivera coragem de fechar a porta para ele.

Page 155: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

155

Sentiu a pele sensível ao se preparar para dormir.

Tirou do bolso do vestido que usara na exposição, o lenço

que teria de lavar e passar. Entrou na cama, apagou a

lamparina e virou-se de lado, pressionando o lenço no nariz

e inalando o cheiro de Sterling. O que acontecera seria o

máximo que teria do duque.

E apesar de ser confortante, era uma triste verdade.

— Vossa Graça, que prazer receber sua visita — lorde

Millbank disse ao entrar na sala de estar onde Sterling

aguardava enquanto era anunciado.

— Milorde.

— Eu estava ansioso para encontrá-lo e escutar os

relatos de suas viagens. Por favor, sente-se, fique à

vontade e conte-me tudo. Pedirei um chá...

— Esta não é uma visita social.

Millbank alisou para trás os poucos fios de cabelo de

sua careca.

— Não?

— Não. Fui à ópera a noite passada.

— Programa horrível. Acredito que a ópera foi criada

pelas mulheres para atormentar os homens.

— Independentemente disso, sua filha também estava

lá.

Page 156: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

156

— Qual delas? — Ele estreitou os olhos, duvidando de

que Sterling conhecesse todas.

— Lady Charlotte.

— Ah, sem dúvida ela estava com o sr. Marcus

Langdon. Creio que ele gosta de minha filha, mas se o

senhor tem interesse — ele piscou —, ela estará de volta

logo depois das visitas matinais. A mãe dela ficará

encantada em acompanhá-los a uma caminhada ao jardim.

— Meu interesse em sua filha se origina no fato de ela

ter insultado uma dama que estava em minha companhia, o

que não é muito diferente de ter me ofendido. Eu não gosto

de insultos.

O homem arregalou os olhos.

— É evidente que não. Nem sei onde Charlotte estava

com a cabeça.

— Por favor, queira informá-la de que não se aproxime

de mim, caso nossos caminhos voltem a se cruzar.

— Esteja certo de falarei com ela. Obrigado por me

avisar.

— Tenha um bom dia, Millbank.

Sterling deu três passos em direção da porta antes de

Millbank perguntar.

— Posso perguntar quem era a dama?

— O mais importante foi ela ser minha dama —

Sterling respondeu sem se virar.

O que, ele refletiu pouco depois no coche na volta para

Page 157: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

157

casa, eram palavras corajosas, considerando-se que

Frannie insinuara que ele não deveria procurá-la mais.

Seria preciso fazer o que fosse possível para mudar a

opinião dela sobre o assunto, porque ele pretendia

terminar o que começara naquela noite.

Sterling chegou em casa e foi surpreendido ao

encontrar Catherine e o marido esperando por ele na

biblioteca. E pela seriedade de ambos, era evidente que

não se tratava de uma visita corriqueira. Luke estava perto

da janela, com os braços cruzados, como se pretendesse

apoiar Catherine em suas reivindicações. Ela estava em pé

diante da escrivaninha e, conforme seu estilo, foi direto

ao assunto.

— Sterling, ouvi um boato de que esteve

acompanhando Frannie à ópera a noite passada.

Sterling sentou-se na poltrona atrás da escrivaninha

com pose de pouco-caso e olhou para Catherine, o que

resultou em perder Luke de vista. Terrível. Sem mudar de

posição, não podia manter os dois no mesmo ângulo de visão

e distanciar-se pareceria estranho. Tinha certeza de que

o pai jamais dissera a Catherine a respeito da condição que

rotulara de vergonhosa e uma desgraça para a herança da

família, como se Sterling perdesse propositadamente a

visão aos poucos.

— Não deveria estar no campo, Catherine?

— Houve um incêndio na casa da herdade e até que os

reparos sejam efetuados, ficaremos em Londres.

Page 158: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

158

— Está certo. — Sterling virou-se para Luke. —

Lembro-me de que Avendale morreu nesse incêndio, mas

não entendi por que ele os visitava. Ele não fazia segredo

em sua descrença de que você fosse o herdeiro ao título

Claybourne e advogava que o mesmo fosse dado a Marcus

Langdon.

— Não estamos aqui para falar sobre Avendale — Luke

afirmou. — Viemos tratar do boato que envolve Frannie.

Sterling fitou-o com olhar contundente e revirou os

olhos para a irmã.

— O caso proveio de alguém confiável?

— Lady Charlotte — ela respondeu.

Sterling deveria ter imaginado. Visitas matinais.

Apesar do adiantado da hora, deveria ter falado com

Millbank depois de deixar Frannie em casa.

— Espero que aquela mulher detestável seja sua

amiga.

— Então é verdade? Estão correndo rumores que

Frannie é sua amante, por terem ido ao teatro sem

acompanhante.

Embora fosse previsível, Sterling suspeitava de que o

boato se espalhara mais pela diferença social entre eles

do que pela falta de dama de companhia. Seria preciso

encontrar uma maneira de abafar os comentários. Ele

desejava Frannie, mas não à custa de prejuízos à

reputação dela, embora nada revelasse à irmã nem ao

cunhado.

Page 159: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

159

— No meu entender, ela tem quase trinta anos, idade

em que uma acompanhante se torna desnecessária.

Na verdade, essa tola regra de etiqueta existia.

— Sterling, os seus vinte e oito anos...

— Então sou eu quem precisa de acompanhante?

— Não seja tolo, estou me referindo ao fato de

Frannie ser mais velha.

— Não entendo qual o problema.

— Em geral os homens não procuram mulheres mais

velhas para se casar e aí reside mais um motivo para

boatos.

Outra bobagem. Embora homens procurassem sempre

mulheres mais jovens, não se tratava de uma regra impos-

ta. Sterling ouviu o tilintar de cristais e virou-se. Luke

servia uísque em dois copos.

— Sinta-se em casa — Sterling ironizou.

Luke foi até a escrivaninha lembrando a Sterling uma

pantera que vira certa vez pronta para o ataque. Luke

segurou um copo, deixou o outro diante de Sterling e

sentou-se na beira da mesa.

— Beba. Vossa Graça vai precisar disso.

Sterling não experimentara a dura existência das

ruas, mas vivera momentos cruciais em suas viagens e

chegara perto da morte algumas vezes. Isso fazia uma

pessoa desenvolver um entendimento aguçado de seus

limites e um profundo respeito por sua resistência.

Page 160: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

160

— Por acaso envenenou o uísque? Asseguro-lhe de que

a ameaça é desnecessária. Já recebi aviso de Dodger e

Swindler.

Luke bateu o copo no de Sterling e tomou o uísque.

Onde se encontrava, Sterling podia ver a irmã e o cunhado.

Catherine, que parecia tentada a interferir, deu as costas

e saiu de seu campo de visão. O que agradou a Sterling que

queria concentrar-se em Luke. O casamento com

Catherine, porém, não o tornara confiável.

Luke inclinou-se para a frente e apoiou o antebraço na

coxa.

— Vossa Graça quer saber por que matei o segundo

filho do conde de Claybourne, um homem que, à época, eu

não sabia tratar-se de meu tio, e que agora nem quero

reconhecer como tal?

Então era isso. A confirmação para o que a maioria dos

londrinos acreditava ser verdade. Mas como Luke nunca

enfrentara um julgamento nem fora condenado, alguns se

prevaleciam da dúvida. Como se poderia receber com

satisfação um assassino nas fileiras da mais alta

aristocracia?

— É mais fácil roubar de um morto.

— Ele estuprou brutalmente Frannie.

As palavras tiveram o impacto de um soco no estômago

de Sterling e ele sentiu a vista escurecer.

— Ela estava com doze anos — Luke continuou,

ocultando a fúria sob a voz uniforme — e foi vendida a uma

Page 161: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

161

casa de má reputação especializada em virgens. Ele foi o

primeiro e, que eu saiba, o único. Assim, nós a cercamos

como se faria com uma borboleta ferida, jamais a tocando

por medo de machucá-la ainda mais, esperando que um dia

ela voltasse a voar. Se você ousar fazê-la sofrer, por

menor que seja o motivo, terá de se haver conosco. Mesmo

que Graves não tenha vindo para dar sua advertência, não

o desdenhe. Ele tem um bisturi que pode alcançar o

coração sem que a vítima perceba.

— Nunca tive intenção de fazê-la sofrer — ele repetiu

o que dissera a Jack e Jim.

— Muitas vezes causamos sofrimento sem intenção,

portanto esteja avisado. Ela é mais preciosa para nós do

que as jóias da coroa para a rainha.

Luke levantou-se e andou rumo à saída.

— Claybourne! — Sterling chamou e ficou em pé

enquanto Luke parou e virou-se. — Em minhas viagens pelo

mundo encontrei muitas espécies de borboletas, criaturas

delicadas, mas que não devem ser subestimadas.

Observando-as aprendi uma lição valiosa. Muitas vezes se

rodearmos uma borboleta muito de perto, nós a impedimos

de voar.

Luke analisou-o por um momento como se procurasse

um argumento convincente. Acabou por anuir com

brusquidão e esperou por Catherine que se aproximara de

Sterling. O recinto era bem grande e onde os irmãos se

encontravam, Luke não ouviria o que falassem.

Page 162: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

162

— Sterling, ela não é da nobreza.

— Sei disso, Catherine, não se preocupe. Tenho muitas

restrições em relação a uma esposa e a srta. Darling não

se adequaria ao posto.

Para o bem dele. Sterling não queria testemunhar o

mesmo desapontamento nos belos olhos verdes que vira

nos de Angelina quando ela soubera da verdadeira condição

de seu sentido de vista. Não, ele precisava de uma esposa

que não lhe despertasse nenhum sentimento se ela

resolvesse se divertir.

— Não quero vê-los sofrer... — Catherine espiou o

marido — Claybourne pediu a mão de Frannie em casamento

e ela recusou. Um de seus motivos foi ela não querer fazer

parte da aristocracia.

Sterling estreitou os olhos.

— Não pense jamais que foi esse o motivo por ele se

decidir para seu lado, Catherine. Ele a adora.

Catherine deu um sorriso radiante e apertou-lhe o

braço.

— Sei disso, Sterling, eu apenas quis contar o que eu

sabia. Mesmo que não esteja pensando nela como esposa,

algumas vezes os sentimentos podem sobrepujar a razão.

Tenho grande apreço por Frannie, mas também acredito

que se você pensa em qualquer relacionamento com ela que

não seja platônico, ambos sofrerão.

— Sua preocupação foi convenientemente anotada.

Page 163: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

163

Catherine ficou na ponta dos pés e beijou-o na face

antes de ir ao encontro do marido. Assim que eles saíram,

Sterling duvidou de que eles houvessem expressado essa

mesma preocupação para Frannie. A mensagem era só para

ele e fora clara.

Pare de persegui-la ou...

Sterling sentou-se em sua poltrona e, com mão

trêmula, pegou o copo de uísque que Luke lhe servira.

Tomou tudo de um só gole. Recostou-se, fechou os olhos e

lutou para controlar os tremores que o invadiam. Não pelas

ameaças que Luke fizera, mas pela revelação a respeito do

homem que ele assassinara e pelo que o lorde fizera com

Frannie.

Ela era uma criança!

Sterling saiu da poltrona com tanta força que por

pouco não a derrubou e procurou um lugar para bater o

punho. Acabou por pegar um vaso que trouxera da China e

jogou-o na lareira.

— Oh, Deus. — Ele se largou em uma cadeira e

escondeu o rosto entre as mãos. —Ah, Frannie, minha doce

Frannie.

Ele queria abraçá-la. Ela tivera a inocência roubada.

Pensou no espanto nos olhos dela, nas lágrimas quando lhe

dera prazer...

Gostaria de mudar o passado de Frannie, mas ao mes-

mo tempo refletiu que fora o passado que a transformara

na mulher que o fascinava. Doçura e determinação férrea.

Page 164: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

164

Mesmo aceitando que não poderia ter uma noite com ela,

desejava milhares.

Capítulo VII

Uma semana após a ópera, Sterling passou um bom

tempo sentado na biblioteca iluminada apenas pelas

chamas da lareira. Mandara flores para Frannie, sem

incluir cartão. Não saberia o que dizer. Ela crescera em um

espaço violento que ele não podia compreender. Embora ele

também enfrentasse problemas, não havia termo de

comparação entre a vida deles.

O mais sensato seria deixar Londres e ir para o campo,

cuidar de suas propriedades, freqüentar festas, conhecer

algumas jovens...

Levantou-se. Passava da meia-noite. Iria para o

Dodger's, perder algum dinheiro e pensar que Frannie o

contaria.

Foi para o saguão e parou. De quem fora a idéia de

apagar as lamparinas? Pensou em voltar para a biblioteca

onde tocaria a campainha para acordar o mordomo. Pediria

que iluminasse a casa e aprontasse uma carruagem. Nesse

Page 165: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

165

instante, escutou alguém se mover furtivamente.

Sabendo que o vestíbulo ficaria mais claro à medida

que se aproximasse do centro, caminhou sem fazer ruído

naquela direção e os sons ficaram mais fortes quando

cruzou um canto...

— Droga!

Pelo tamanho e pelo timbre de voz, tratava-se de uma

criança cujos contornos apareciam por causa de uma

lamparina coberta em três lados e a luz em direção única.

Com uma velocidade incomum que o lembrou a de Charley,

o diabrete saiu correndo e Sterling foi atrás dele.

— Pare, garoto! Wedgeworth! Um ladrão entrou em

casa!

O pequeno malandro abaixou a luminária e apagou a

chama, mas a luz fraca que vinha da cozinha evitava a

escuridão total. A cozinheira, felizmente, devia ter

escutado o grito de Sterling e a comoção que se seguiu foi

geral. Ela apareceu carregando uma lamparina e um pau de

macarrão, e sua silhueta avantajada ocupou a entrada.

O menino gritou, virou-se e começou a correr de um

lado a outro para evitar ser agarrado. Sterling, por sua

vez, conseguiu agarrar as costas do casaco do garoto, mas

logo descobriu que ficara na mão apenas com a roupa.

Patife astucioso!

Sterling correu atrás dele, disposto a não deixá-lo

escapar.

— Vossa Graça, Jenkins o agarrou! —A voz de

Page 166: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

166

Wedgeworth ecoou pela residência.

A cozinheira iluminou o recinto e Sterling apressou-se

na direção de onde Wedgeworth chamara. Encontrou-o no

hall em direção à biblioteca. Um criado vestindo apenas

calça e com o cabelo desgrenhado segurava o garoto que

esperneava.

— Mandaremos buscar um policial — Wedgeworth

disse.

— Não — Sterling retrucou. — Tenho algo em mente

para o pequeno gatuno.

Srta. Frannie,

Creio estar em posse de algo que lhe pertence. Meu

coche está à sua disposição. Greystone.

Frannie, sentada à escrivaninha de sua sala no

Dodger's, leu a mensagem e olhou o relógio de bolso em

ouro que viera junto. Ela reconheceu o brasão, embora não

estivesse familiarizada com o escudo de armas das

famílias nobres. Fora o que ela tirara do colete de Sterling

durante a festa de casamento.

Por que ele teria mandado a peça para ela? Por que ele

não a trouxera pessoalmente em vez de insinuar que ela

deveria ir à casa dele? Sabia o que ele desejava e também

o significado oculto atrás do envio do relógio. Ela teria de

devolvê-lo para recuperar o que estava em mãos dele.

Uma permuta.

Ela fechou o relógio dentro da palma e imaginou poder

Page 167: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

167

sentir o calor da peça que estivera dentro de um bolso.

Absurdo. Fazia tempo que Sterling o mandara.

Por que isso acontecia justo quando ela finalmente

conseguira sonhar menos com ele, quase não espiava o salão

de jogos à sua procura, nem pensava nos prazeres que

desfrutaria se entrasse na casa e na cama dele à meia-

noite? Em virtude de algumas palavras escritas, ela se

recordava de tudo o que lutava para esquecer e queria

rever Sterling com um desespero que a apavorava.

Aquela hora da noite ninguém a veria subir no coche

que portava o escudo de armas do ducado. E se a vissem, o

que importava? Damas de companhia, etiqueta e

comportamento apropriado eram tão estranhos para uma

egressa das ruas quanto muito dinheiro.

Frannie fitou o rapazinho de olhar arregalado que

trouxera a missiva. Thomas Lark estava no Dodger's havia

poucos meses e era outro órfão trazido por Jack que

sempre providenciava emprego para garotos promissores.

Para Thomas, ele conseguira um local para se esconder.

— O cavalheiro que deu isso a você veio pela porta da

frente?

— Sim, senhora.

— Alguém mais sabe sobre isso?

— Não, senhora.

Então ninguém interferiria. Ela anuiu, tomando uma

decisão.

Page 168: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

168

— Diga a ele para trazer o coche até a saída dos

fundos.

Ele concordou com um gesto de cabeça e saiu correndo

para executar o pedido, sempre ansioso para agradar.

Frannie fechou o livro contábil no qual estivera

trabalhando. O restante das contas poderia esperar até o

dia seguinte. Por enquanto estava ansiosa para descobrir o

que Sterling planejava.

Ou pelo menos era a desculpa que pretendia dar a ela

mesma. Não queria admitir a ansiedade que a invadira.

Desde a noite que ele a apresentara às maravilhas da

paixão, esquecendo as próprias necessidades, Sterling não

voltara ao Dodger's. Mandara flores e nada mais. Não a

pressionara para tornar-se sua amante. Não podia negar o

desapontamento que sentira ao supor que ele desistira de

possuí-la.

Estava consciente de que um casamento entre eles

seria inviável. Um nobre jamais ofereceria casamento a

uma mulher das ruas ou a uma guarda-livros de um

estabelecimento de jogos. E mesmo se ele demonstrasse

desejo de se casar com ela, não a agradaria viver em meio

à nobreza.

Mas a intimidade por apenas uma noite, deitar-se nos

braços dele, sufocar-se em seus beijos, tocar na pele

bronzeada enquanto ele acariciava a sua, dar-lhe tanto

prazer como o que ele lhe proporcionara...

E era no que ela refletia todas as noites, agarrada no

Page 169: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

169

lenço dele como se o pedaço de seda tivesse o poder de

trazê-lo de volta.

Decidida, levantou-se, atravessou a sala, pegou o man-

to pendurado ao lado da porta, colocou-o sobre os ombros,

abriu a porta, foi até o saguão e saiu. Do lado de fora,

ergueu a barra das saias e foi até o coche onde um criado

a esperava ao lado da porta fechada que exibia o brasão

ducal. Sem dizer nada, ele abriu a portinhola e ajudou-a a

subir.

Frannie sentou-se, desapontada por não ver Sterling.

Na certa o serviçal entregara a mensagem. No piso do

veículo havia um tijolo quente, o que a deixou mais animada.

Sterling pensara em seu conforto.

Com um cambaleio, o coche partiu. De repente, Frannie

lembrou-se de que deveria ter se arrumado um pouco,

trocado de roupa ou prendido os cabelos. Sem escova, nada

poderia fazer com as mechas rebeldes. E por que se

importar com a impressão causada em Sterling?

Contudo ela queria que ele a visse como uma mulher

desejável, não como os meninos de Feagan a viam.

Frannie tinha certeza de que até mesmo Luke, que a

pedira em casamento, jamais imaginara deitar-se com ela.

Ou Jim, que vez por outra deixava cair a armadura e

demonstrava o quanto a amava, a enxergava como um

animalzinho de estimação que precisava ser cuidado.

Jamais para compartilhar sofrimentos, adversidades e

alegrias. E certamente não para se perder em um selvagem

Page 170: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

170

abandono sexual.

Nenhum deles jamais a fitara como Sterling, que

sempre parecia despi-la com o olhar. E ela imaginava os

prazeres ainda maiores que ele poderia proporcionar-lhe

com as mãos e a boca que ela tão bem conhecera.

Pensando que tudo aconteceria com os dois desnudos,

Frannie sentiu muito calor e encostou a face na vidraça

fria. Não queria chegar afogueada e, de repente, preferia

voltar. Por que não tinha energia para resistir a Sterling?

Tarde demais. O coche parou e Frannie percebeu que

se tratava da entrada principal e não a dos criados para

manter o caso em segredo. Seria por respeito ou Sterling

nem ao menos se importava com a reputação dela se a

vissem chegar ali bem depois da meia-noite?

A porta do coche foi aberta e o criado estendeu a mão

para ajudá-la a descer. Ele abriu a porta principal da

residência e Frannie precedeu-o, notando que o mordomo

a aguardava.

— Srta. Darling. — Ele fez uma leve mesura. — Sua

Graça a aguarda na biblioteca. Por favor, queira

acompanhar-me.

Frannie, surpresa com o número de criados que

estavam acordados àquela hora, seguiu-o pelo grande

saguão e um criado abriu a porta da biblioteca. Um

movimento junto à janela dos fundos chamou-lhe a

atenção. Era Sterling.

Por um segundo, enquanto se aproximava, ela pensou

Page 171: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

171

ter visto um lampejo de satisfação no olhar dele que logo

se apagou. Ela deu-se ao luxo de observá-lo. Nunca o vira

sem casaco nem colete. Sterling tinha ombros largos,

mesmo sem a ajuda de camadas de tecido. Frannie

lembrou-se de ter se agarrado neles nos arroubos de

paixão e de como lhe pareceram poderosos. Os cabelos

desalinhados o deixavam mais jovem e ela, em um súbito

acesso de ciúme, desejou que ele os houvesse des-

manchado e não uma mulher.

— A senhorita deseja beber alguma coisa? — A

formalidade de Sterling deixou-a confusa.

Seria ele o mesmo homem que engolira seus gemidos

de prazer?

— Não, obrigada. — Ela bebera com os meninos várias

vezes, mas queria manter o raciocínio perfeito. Algo entre

eles mudara e não na direção que ela esperava. — Seu

bilhete dizia...

— Falaremos sobre isso em um minuto. Por favor,

sente-se.

Sterling indicou duas poltronas próximas à janela, sem

dúvida mais seguras do que um sofá, mas Frannie não

estava certa de que desejasse segurança. Ela sentou-se

em uma e ele logo ocupou a outra.

— Como tem passado? Presumo que, por ter chegado

tão depressa, eles a tenham encontrado no Dodger's.

Frannie procurou não demonstrar frustração pelo tom

imparcial que se usava entre estranhos.

Page 172: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

172

— Sim, eu estava trabalhando. Em geral vou ao

orfanato durante o dia e tenho empregados que ficam lá o

tempo inteiro. — Por que se ater a assuntos

insignificantes? — Não o tenho visto no Dodger's

ultimamente.

— Achei que seria melhor afastar-me.

Frannie teve vontade de perguntar-lhe o motivo, mas

a naturalidade existente entre eles já não existia e fora

substituída por uma cortesia rígida.

— Recebi suas flores.

— Não me lembro de ter mandado um cartão.

— Não mandou, mas quem me enviaria flores?

— Espero que tenha gostado delas.

— Muito. Obrigada. — Por que o constrangimento e a

formalidade? — Ah, seu relógio. — Frannie tirou-o do bolso

e estendeu a mão.

Sterling segurou o relógio e balançou-o diante do

rosto.

— Era de meu pai e creio que foi um presente de minha

mãe. Pelo que me lembro, ela gostava muito de ser uma

duquesa.

— Não posso imaginar.

— Ser um a duquesa? — Sterling fitou-a.

— Gostar dessa condição social. Para falar a verdade,

não invejo os nobres. Não posso imaginar nada pior do que

viver a sua vida.

Page 173: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

173

— E eu não posso imaginar nada pior do que viver a sua.

Por que Sterling a fitava como se procurasse alguma

evidência?

Oh, Deus! Sterling passara a olhar para ela como se

fosse um dos meninos de Feagan que não a tocavam com

receio de que ela se quebrasse. E pior. Ela tinha certeza

de que ele lamentava o tempo que haviam passado juntos e

a intimidade que haviam partilhado.

— Claybourne lhe contou — ela falou em voz baixa,

sabendo que ele fora o mais afetado pelo horror que ela

enfrentara — a respeito do incidente infeliz de minha

juventude.

— Incidente infeliz? É como você se refere...

Sterling levantou-se da poltrona, agarrou uma

estatueta de porcelana, foi até a lareira e atirou a peça no

fogo. O ruído da porcelana que se espedaçava ecoou de

maneira pavorosa no silêncio da noite. De cabeça baixa e

agarrado ao consolo da lareira, Sterling contemplou a

destruição.

Frannie ficou em pé e aproximou-se dele.

— Sterling, está tudo bem.

Ele se virou e o coração de Frannie confrangeu-se ao

ver a angústia estampada em sua face.

— Tudo bem? Juro por Deus que se o infeliz não

estivesse morto, eu o mataria.

Trêmula pela evidência daquela emoção crua e

Page 174: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

174

legítima, Frannie acariciou-lhe a face hirsuta. Sterling pôs

a mão sobre a dela e beijou-lhe a palma.

— Sim, o caso ocorreu há muito tempo.

— Você era uma criança.

— Não sou mais.

— Se tivesse me contado, eu teria sido mais

cuidadoso. Frannie sacudiu a cabeça.

— Você foi o primeiro a olhar para mim como se eu

fosse desejável. Por que eu haveria de perder isso?

Próximo ao desespero, Sterling tomou-a nos braços e

beijou-a com sofreguidão. Frannie sentiu o gosto de uísque

e grande excitação. Pelos movimentos da língua, pelos

gemidos que ecoavam no peito de Sterling e pela pressão

das mãos em suas costas, era evidente que ele ainda a

desejava. A ansiedade de Frannie era imensa e ela nem se

importava se ele não a desejasse para sempre.

Ela passou as mãos pelos ombros dele, sentindo a

energia dos músculos que se agrupavam no esforço de não

deixá-la escapar. Desejava Sterling e tudo o que ele fazia.

Sterling recuou, arfante e encostou a testa na de

Frannie.

— Essa não foi a razão por que a mandei chamar.

Ele olhou para a porta, decidindo se a pegava no colo

para sair dali e Frannie entendeu, atônita, que não se

rebelaria. No olhar do duque, ela leu a indecisão. Ou ele

permaneceria um cavalheiro ou aproveitaria a situação.

Page 175: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

175

Frannie precisou o momento em que a nobreza de

caráter foi vitoriosa. Um traço de lamento e perda passou

pelo olhar de Sterling antes da aceitação do correto, e ele

fitou-a.

— Não se engane, Frannie, eu ainda a desejo como

jamais desejei outra. Mas agora não é o momento certo.

— Sua mensagem dizia que você estava em posse de

algo que me pertencia. — Frannie procurou ocultar o

desapontamento com a decisão dele.

Sterling passou o dedo nos contornos do rosto de

Frannie como se quisesse memorizar os traços.

— Creio que sim. Venha comigo e eu lhe mostrarei.

Ele ofereceu-lhe o braço e conduziu-a para fora da

biblioteca. Atravessaram vários corredores até chegarem

à cozinha. Junto à mesa dos criados, um menino muito

magro comia um pedaço de torta de carne.

— Oh!

Sterling observou Frannie correr e abaixar-se ao lado

do garoto. Ele não podia imaginar a força de vontade que

fora necessária para Frannie deixar o passado para trás.

Certo que tudo ocorrera havia muito tempo, mas ela

vivenciara um fato terrível. Quanto mais tempo passava na

presença de Frannie, mais ele se sentia humilhado. Alguma

vez ela chegara a priorizar a si mesma em vez de pensar

nos outros?

Ela passou os dedos nos cabelos longos e escuros do

menino como se não estivessem infestados de piolhos.

Page 176: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

176

Alguém, a cozinheira ou Jenkins, limpara o rosto dele que

era rosado e pálido.

Frannie voltou-se para o duque com olhar

interrogativo.

— Ele invadiu minha casa — Sterling comentou. Ela se

virou para o garoto.

— Como é seu nome?

Ele enfiou mais um pedaço de torta na boca e Sterling

perguntou-se como a bochecha não estourava.

— Pobrezinho — a cozinheira comentou. — Ele está

comendo assim desde que passei a alimentá-lo. Esse é o

terceiro pedaço de torta.

— Mastigue a refeição e responda a pergunta da dama

— Sterling ordenou.

O garoto engoliu e Sterling admirou-se por ele não

engasgar.

— Jimmy — ele resmungou e pôs mais comida na boca.

— Quem é seu pai de rua? O menino sacudiu a cabeça.

— Sei que você não planejou este roubo sozinho. Ele

sacudiu de novo a cabeça.

— Você conhece Feagan? — ela perguntou. Ele

balançou a cabeça mais uma vez.

— Fiz parte do bando dele. Sou Frannie Darling. O

menino arregalou os olhos, horrorizado.

— Sykes disse que a senhora era um demônio.

Page 177: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

177

Sterling observou o queixo de Frannie contrair-se e

supôs que ela conhecesse o tal de Sykes e não gostasse

dele, ou não a agradara ser comparada ao diabo. Ainda que,

Deus o ajudasse, Sterling pensava a mesma coisa, mas de

modo bem mais lisonjeiro. Ela estava vestida com

simplicidade e os cabelos não estavam bem presos,

ameaçando soltar-se a qualquer hora. Ele rezava para que

isso acontecesse; assim poderia enterrar os dedos nas

mechas sedosas.

Queria abrir os botões do punho de Frannie, beijar a

cútis pálida que ali encontrara e sentir nos lábios a

pulsação acelerar-se. Gostaria que ela fosse tão carinhosa

com ele como era com o garoto, e queria inundá-la de

carícias.

Frannie levantou-se e caminhou até Sterling, sem

esconder a preocupação.

— O que pretende fazer com ele?

— Suponho que entregá-lo à senhorita.

Pelo alívio e gratidão que viu no olhar de Frannie, o

duque esperava descobrir milhares de garotos em sua

residência.

— Eu gostaria de levá-lo para o orfanato. Vossa Graça

me permitiria usar seu coche?

— Farei melhor do que isso, eu a acompanharei.

Enquanto o coche se dirigia para os arredores de

Londres, Sterling refletiu sobre a inutilidade de prolongar

sua permanência ao lado de Frannie. Os pensamentos dela

Page 178: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

178

concentravam-se no menino estendido no assento que

estava com a cabeça em seu colo, enquanto ela passava a

mão nos cabelos sujos. O garoto lembrava um filhote de

cão sem raça, imundo e mal-cuidado. Ele comera e viera

comendo até alcançar a carruagem. Sterling queria

acreditar que o menino fosse um pequeno meliante, mas

era visível que o pobrezinho estava esfomeado. Seus

braços pareciam duas varetas e Sterling não podia

imaginar que ele pudesse carregar o mata-borrão para

fora da casa, mas os bolsos dele diziam o contrário.

— Foi muita bondade sua não mandar prendê-lo —

Frannie disse em voz baixa.

Sterling pedira para o criado acender a luminária do

coche para assegurar-se de que Frannie ficaria mais à

vontade e que o garoto não pudesse achar um meio de fuga,

no que ele certamente era artista. Além disso, a luz lhe

dava a oportunidade de vê-la mais claramente, ainda que

as sombras trabalhassem contra ele.

— De que adiantaria eu agir dessa forma se seu amigo

da Scotland Yard o libertaria e lhe entregaria?

Frannie sorriu, dando razão a ele em acreditar

naquelas palavras e olhou para o menino que parecia

adormecido.

— Então ele faz parte do bando de Sykes? — Sterling

perguntou.

Frannie não respondeu à pergunta.

— Quantos anos acha que ele tem?

Page 179: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

179

— Talvez uns cinco.

— Eu diria oito, talvez nove. — Frannie parecia

confiante na dedução.

— Ele é muito pequeno.

— Mas é assim que Sykes gosta que eles sejam.

Frannie levantou o olhar onde Sterling leu tristeza

profunda e fúria. Ela era uma mulher capaz de sentir

paixões discrepantes e de senti-las simultaneamente.

Conhecendo seu passado, ele seria tão canalha a ponto de

ainda desejá-la na cama? Sabendo que não poderia casar-

se com ela, ele seria um patife de querê-la em sua vida.

— Ele vasculha as ruas para encontrar os menores

meninos e batalha para mantê-los pequenos. Ele os

alimenta apenas para que sobrevivam. Acho que esse

entrou na sua casa pela chaminé ou por alguma janela que

raramente é fechada por ser considerada muito pequena

para permitir a entrada de alguém. Esse é o motivo por que

Sykes trabalha com afinco para eles ficarem sempre

pequenos.

Enquanto falava, Frannie não deixava de acariciar os

cabelos do menino.

— Ele os aterroriza para que cumpram suas ordens.

Eles não conhecem o carinho nem a bondade. Se adoecem,

não recebem conforto nem comida, por não estarem

trabalhando para o próprio sustento.

— E ele se refere a você como um demônio?

Page 180: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

180

Frannie deu um sorriso largo, e Sterling deduziu que

era do agrado dela saber que incomodava Sykes.

— O demônio pode assumir as mais variadas formas —

ela afirmou.

— Você o apunhala.

— Dou um lar e um porto seguro a seus meninos quando

posso encontrá-los.

— Ele parece uma pessoa detestável e não haverá de

apreciar o que você vem fazendo.

Com semblante determinado, ela ergueu o queixo.

— Sei o que é temer pela vida e não me acovardarei

diante do caminho correto.

— Mesmo se isso puser em risco sua vida?

— Não seja melodramático. Há muitas crianças

abandonadas e Sykes sempre encontrará outra. — Frannie

fitou o menino adormecido em seu colo. — Este me

pertence.

— Acha que poderá modificá-lo?

— Ele ainda é muito novo e sua alma não está perdida.

Os mais velhos, que já conheceram a prisão, são mais

difíceis de alcançar.

— Conheço as ruas de Londres e há centenas de

crianças perambulando por elas. Não é possível salvar a

todas.

— Não, mas se eu puder salvar esta, por enquanto será

suficiente.

Page 181: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

181

E quanto à Frannie Darling?, ele quis perguntar. Quem

a salvará?

Frannie se entregava aos outros. Sterling gostaria que

ela pensasse primeiro nos próprios prazeres, como ele.

Sterling olhou pela janela quando o coche fez a curva

e passou pelos portões do orfanato. Os lampiões a gás

iluminavam o caminho ascendente de pedras arredondadas.

Quando o veículo parou, o menino se mexeu.

— Eu o levarei — Sterling ofereceu-se quando a porta

foi aberta e ele desceu.

Virou-se e pegou o garoto que se agarrou nele

instintivamente com as mãos no pescoço e as pernas ao

redor da cintura. Sterling ficou parado, atônito de ver que

a criança não pesava quase nada. Ele era magro, mas dessa

forma... Na certa não tinha oito anos.

— Sterling? — Frannie indicou o caminho para a porta

bem iluminada.

— Espero que ele não tenha pulgas ou piolhos.

— Pode ficar descansado, não notei nenhum desses.

Frannie tirou uma chave do bolso e abriu a porta. Entrando,

Sterling espantou-se com a mudança ocorrida. O

ambiente era aconchegante, com plantas no chão e quadros

nas paredes. Lamparinas com chamas baixas estavam

espalhadas ao redor. Um homenzarrão com mãos enormes

levantou-se de uma poltrona como se saísse das

profundezas do inferno.

Page 182: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

182

— Srta. Frannie.

— Boa noite, sr. Bates. Como estão as coisas?

— Tudo em ordem. A senhora está trazendo mais um...

— Sim, estou. — Frannie virou-se para Sterling. — O

sr. Bates é o guardião noturno.

Como Cérbero guardando os portões de Hades,

Sterling pensou, ainda que ali eles estivessem mais

próximos do paraíso. Frannie tocou no braço de Sterling.

— Nós o deixaremos em um quarto aqui em baixo.

Amanhã, quando tivermos oportunidade de dar-lhe um

banho e conversar, ele será transferido para um quarto

com outro garoto.

Ela caminhou, seguida por Sterling, até um quarto com

uma cama e uma poltrona confortável. Acendeu a lamparina

da mesa de cabeceira e Sterling deitou com cuidado o

menino que pretendera roubá-lo, pensando na ironia do

fato.

Sterling recuou e observou Frannie tirar os sapatos

surrados muito grandes para os pequenos pés sujos. Como

se lesse os pensamentos do duque, ela pegou um sapato e

tirou de dentro um bolo de jornal amassado. Frannie

estremeceu. Pelo menos ele tinha sapatos.

Ela não tirou a roupa dele e cobriu-o com uma manta.

Tocou nos cabelos do garoto, inclinou-se e beijou

levemente sua testa.

— Bons sonhos.

Page 183: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

183

O menino murmurou qualquer coisa ininteligível e

começou a ressonar.

Frannie acenou com um gesto de cabeça e eles

voltaram ao corredor.

— Sempre que venho aqui à noite, dou uma volta pelos

quartos. Eu gostaria muito que você me acompanhasse.

Como isso prolongaria o tempo ao lado dela, ele anuiu.

Frannie pegou uma lamparina de uma mesa próxima e

conduziu-o até a escada.

— Você vem aqui todas as noites? — Sterling

perguntou, enquanto subiam os degraus.

— Nem sempre. Depende da hora que termino meu

trabalho no Dodger's. Em geral fico no meu apartamento e

venho para cá durante o dia para ver o que está

acontecendo, ficar com as crianças — ela o fitou por sobre

o ombro — e para verificar a contabilidade, como parece

ser meu destino.

No pavimento superior, todas as portas estavam

abertas e ela entrou no primeiro quarto. Dois meninos

dormiam em camas separadas. Duas pequenas arcas, na

certa com os pertences deles, estavam aos pés de cada

cama. Frannie se abaixou e beijou um e depois o outro.

Nenhum se mexeu e Sterling imaginou que deviam estar

acostumados a receber beijos angelicais enquanto

dormiam.

Em todos os quartos, ela cumpriu o mesmo ritual.

Sterling acabou se sentindo inútil e segurou a lamparina

Page 184: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

184

para contribuir de alguma forma com a ronda. Dessa

maneira ele podia direcionar a luz mais para Frannie do que

para as crianças, permitindo vê-la melhor. Frannie não

fingia. Ela gostava daqueles meninos de verdade e

procurava dar-lhes uma vida melhor. Quanto mais ela

amaria os próprios filhos? Seria infinita sua capacidade de

amar?

Sterling espantou-se com o número de meninos.

— Onde os descobriu? — ele perguntou depois de ela

dar o último beijo e eles começarem a descer a escada.

— A maioria me encontrou. Enquanto Sykes me chama

de demônio, outros se referem a mim como um anjo. Nas

ruas eles ficam sabendo que aqui acharão um santuário

onde ninguém mais os fará sofrer. Alguns não acreditam

nisso e outros acham que não têm mais nada a perder. E

Jim também fica sabendo quem foi preso. Ele trás para cá

as crianças depois de elas terem sido castigadas.

Claro. O inspetor da Scotland Yard. Sterling nunca

pensara que chegasse a ponto de competir com um plebeu

pela afeição de... Deus o ajudasse!... Uma plebéia. E isso em

nada denegria a imagem de Frannie.

Ele deixou a lamparina na mesa junto à entrada e saiu,

feliz por Frannie acompanhá-lo. Cada momento com ela o

fazia desejar mais.

— Não vi Charley, onde ele está? — Sterling

perguntou. Frannie sorriu com simpatia.

— Consegui encontrar uma família decente para ficar

Page 185: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

185

com Charley Byerly.

— Deus os ajude.

— Ele não é tão mau. Há poucos dias eu os visitei e ele

está se ajustando muito bem.

— Então além de tudo o que você faz, ainda procura

encontrar lares para os meninos?

— Sim.

— Você é extraordinária. Posso levá-la de volta ao

Dodger's?

— Não, mas eu agradeço. Farei companhia a Jimmy ou

ele ficará assustado ao acordar em um local estranho.

Sterling achou melhor não insistir.

— Então me perdoe por um prazer.

Frannie não teve tempo de compreender o significado

da frase. Sterling abraçou-a e beijou-a. Frannie deu um

gemido baixo, mas não se opôs. O beijo foi mais carinhoso,

diferente do que acontecera na biblioteca, quando

Sterling estava desesperado. Ele queria mais de Frannie

do que podia ter e mais do que merecia. Frannie queria que

ele a desejasse e isso acontecia com uma força que o

aterrorizava.

Sterling afastou o rosto e segurou-lhe o queixo.

— Muita coisa permanece sem solução entre nós, mas

jamais pense que não a desejo. Durma bem, Frannie.

Logo depois, recostado no assento do coche, Sterling

pôs o polegar no bolso do colete e sorriu. Q relógio não

Page 186: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

186

estava lá. Frannie o tirara em um convite que ele pensava

aceitar.

Frannie sentou-se ao lado da cama, com a luz baixa, à

espera de Jimmy acordar. Ela conhecia o terror dos

meninos pelo castigo prometido por Sykes caso eles não

voltassem. Quando adolescente, Sykes fora um valentão.

Adulto, transformara-se em monstro que só pensava em si

mesmo. Ela não o via desde os doze anos, mas ouvia falar

muito nele e em suas andanças pelos cortiços à procura de

órfãos.

Enfiou a mão no bolso e tirou o relógio de Sterling.

Queria vê-lo de novo e tinha fé de que ele entendesse a

mensagem.

O duque jamais poderia entender como ela se

comovera por ele ter mandado chamá-la em vez de

recorrer a um policial. Se ao menos ela pudesse convencer

outros a fazerem o mesmo. Se essas crianças jamais

tivessem a experiência da prisão ou do castigo... e seu o

seu trabalho pudesse fazer a diferença.

Sem perceber, adormeceu. Acordou com o pescoço

doendo e o sol entrando no quarto. Jimmy ainda dormia.

— Srta. Darling?

Frannie sorriu e olhou a entrada onde se encontrava a

sra. Prosser, diretora do orfanato.

— Bom dia.

A sra. Prosser fez uma mesura. Frannie não conseguira

convencê-la de que ela não merecia nenhuma reverência.

Page 187: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

187

— Perdoe-me incomodá-la, mas um cavalheiro deseja

falar-lhe.

O sorriso de Frannie aumentou. Sterling não perdera

tempo, viera buscar o relógio e talvez tomasse o café da

manhã com ela. Mas quando entrou no saguão, ficou

desapontada. Um homem de baixa estatura, grosseiro e

careca a aguardava, apertando o chapéu nas mãos

rachadas.

— O que deseja, senhor?

— Sou um sapateiro e estou aqui para ajudá-la,

senhora. Sua Graça, o duque de Greystone, contratou-me

para fazer calçados para os meninos.

Frannie sentiu lágrimas umedecerem seus olhos diante

de mais uma amostra da generosidade de Sterling.

— Verdade?

— Sim, senhora. Sempre que um menino precisar de

um par de sapatos, a senhora mandará me avisar e virei

aqui para tirar as medidas. Sua Graça pagará por todos os

calçados que a senhora precisar.

— É muita bondade dele.

— Sim, senhora. Eu trouxe muitas folhas de papel e se

a senhora chamar os garotos, começarei a tirar as medidas

e voltarei ao trabalho em minha loja.

Frannie pediu a alguns empregados para reunir as

crianças e voltou ao quarto onde Jimmy dormia, e

descobriu que ele não se encontrava lá.

Page 188: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

188

— Sra. Prosser?

A diretora entrou no quarto.

— Pois não, senhora.

— A senhora viu o garoto que estava neste quarto?

Alguém foi dar banho nele ou coisa parecida?

— Não, senhora. Quando saí, ele estava dormindo.

Mesmo antecipando que de nada adiantaria, Frannie

mandou o pessoal à procura dele no prédio e nas

redondezas por mais de uma hora. Ninguém viu sinal do

garoto. Ela sentiu que desapontara não apenas Jimmy, mas

também Sterling.

Capítulo VIII

Na travessa escura, Sterling pôs instintivamente a

mão no bolso do colete, antes de lembrar-se que a falta do

relógio era o motivo para ele estar ali no momento. Tinha

como hábito tirar o objeto, abrir a tampa e verificar as

horas, mesmo que o escuro impedisse de vê-las claramente.

Instruíra o cocheiro para deixar o veículo na rua, no final

da viela. Não queria que o avistassem, caso Jim ou Jack

Page 189: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

189

estivessem por perto. Havia também a possibilidade de ele

ter interpretado mal o fato de Frannie pegar um objeto

seu. Talvez ela pretendesse vendê-lo para comprar comida

para o pequeno marginal que invadira sua casa.

Ou, como esperava que fosse, era possível que se

tratasse de um convite. Ele entrara no Dodger's e

interrogara um dos rapazes que por ali circulava. O

funcionário confirmara que Frannie estava trabalhando.

Com um pouco de sorte, ela terminaria logo e ele a

convidaria para jantar em sua casa ou para um passeio de

coche. Ela insinuara esse encontro e ele se alegrara com a

iniciativa.

Desde a visita de Luke, Sterling ficara indeciso quanto

a seus sentimentos. Tendo em conta o passado de Frannie,

seduzi-la pensando no próprio prazer parecia um erro. Não

podia negar que ainda a desejava, mas reconhecia que não

a queria apenas por uma noite. Gostaria de fazê-la

esquecer o horror do passado e apresentá-la aos prazeres

sensuais que ela deveria ter conhecido.

Poderia torná-la sua amante, prover fundos para o

orfanato, tirá-lo do Dodger's. Durante anos encontrariam

uma felicidade satisfatória. Era provável que ele teria de

casar-se com a filha de algum nobre, mas era de

conhecimento público que muitos homens tinham esposa e

amante. Assim era a vida. Ainda havia o problema de

atrelá-la a um cego, negar-lhe o casamento que ela merecia

e também filhos que a mereceriam. Não, fazê-la sua

amante não era o caminho certo. Seria muito egoísmo.

Page 190: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

190

Mesmo que sempre pensasse primeiro nos próprios

prazeres, quando se tratava de Frannie, os interesses dela

se sobrepunham aos dele.

A porta foi aberta e Frannie saiu na varanda. Depois

de trancar a porta, pôs na cabeça o capuz do manto. Uma

iniciativa estranha sendo que o apartamento dela era tão

próximo. A noite era fria, mas...

Ela correu pela alameda e passou pela escada que

conduzia à sua habitação. Para onde ela iria?

Sterling não tinha o costume de investigar a vida

alheia, mas Frannie parecia não desejar ser descoberta.

Ele recriminou-se pela interferência e foi atrás dela.

Poderia tratar-se de uma coincidência, pois seu coche

estava bem na esquina.

Frannie apressara-se para terminar o trabalho.

Queria visitar os cortiços enquanto as crianças ainda

estavam em pé, os homens não se encontravam

completamente bêbados e as mulheres não haviam levado

seus últimos clientes para a cama. Passara o dia tentando

localizar Jimmy, sem sucesso. Mas à noite a atmosfera era

diferente. Por vezes Feagan também circulava pelas ruas.

Se pudesse encontrá-lo, certamente o convenceria a

ajudá-la. Ele conhecia todos os cantos e embora seu corpo

já estivesse curvado pela idade, ainda era um homem

inteligente.

Ao chegar no final da travessa, seu coração acelerou-

se. Alugaria um cabriolé e...

Page 191: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

191

Alguém a puxou por trás e jogou-a contra a parede.

Frannie não teve tempo de se defender. O homem

pressionou o corpo contra o dela, prendeu-a no lugar e com

uma das mãos levantou-lhe a saia.

— Tenho um recado de Bob Sykes — o homem falou,

exalando um forte hálito de bebida e dentes estragados.

— Deixe os garotos em paz.

— Solte-me! — Frannie procurou afastá-lo.

Ele comprimiu violentamente o joelho no meio das

pernas dela.

— Não até eu ter a recompensa por estar entregando

a mensagem. Sempre tive vontade de experimentar uma

mulher bonita.

Ele segurou-lhe o queixo e tentou beijá-la, enquanto a

tocava com a outra mão...

Não, não, não!

De repente, Frannie estava novamente com doze anos

e lutava, lutava...

Tudo aconteceu em segundos. Ela debateu-se contra o

abismo escuro no qual desejava cair, puxou a faca e atacou-

o.

O sujeito gritou e largou-a. Ela escutou um ruído surdo

quando a faca atingiu algo duro e o impacto repercutiu em

seu braço.

Soou um gemido.

Ela ouviu a respiração difícil e sentiu que lhe

Page 192: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

192

seguravam o ombro. Sob a luz pálida de um distante

lampião a gás, viu-se diante de Sterling que apertava as

costelas, enquanto o sangue escoava por seus dedos.

Frannie percebeu que alguém se mexia e que o outro

homem fugia.

— Isso ainda não terminou, Frannie Darling — o

atacante gritou antes de desaparecer na escuridão ao

redor do prédio.

Frannie soltou a faca e apertou a mão de Sterling. Ele

murmurou uma imprecação e ela sentiu o sangue quente que

escorria. Muito sangue.

— Santo Deus! Está muito ferido! Será que conseguirá

subir a escada? Preciso ver o ferimento e...

Sterling abraçou-a pelo pescoço e puxou-a para perto

dele.

— Se eu tiver de morrer — ele disse com voz rouca —

, quero que seja com o gosto de seus lábios.

Sem a cortesia usual, Sterling beijou-a e Frannie

refletiu que ele não poderia estar mortalmente ferido se

ele a segurava com força e o beijo revelava tanta paixão.

Por um capricho do destino, Sterling puxara o marginal

de cima dela no momento em que ela se preparava para

enfiar a faca na ilharga do camarada. Sterling, por seu

heroísmo, estava sangrando e muito.

Frannie empurrou-o.

— Seu tolo, vai sangrar até morrer.

Page 193: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

193

— É apenas um arranhão.

— Então é um tolo ainda maior por deixar-me

preocupada. Acha que consegue subir a escada?

— Sim.

Frannie pôs um dos braços nas costas de Sterling que

se apoiou no ombro dela. Eles cambalearam em direção da

escada. O peso de Sterling aumentava a cada passo, como

se ele estivesse perdendo as forças junto com a

hemorragia. Não era um simples arranhão. Se fosse, a mão

de Frannie não estaria encharcada de sangue. No meio da

escada, ele caiu de joelhos,

— Acho que me enganei — ele murmurou.

— Seria indigno para milorde morrer aqui. Ele riu

baixo.

— Eu não seria nada se não fosse digno.

— Ainda bem que você acha graça.

— Não de todo.

Sterling agarrou-se no corrimão para subir e eles

bordejaram para cima. Quem os visse pensaria que

estavam embriagados. Eles chegaram ao alto e Sterling

recostou-se na parede enquanto Frannie tirava a chave do

bolso e abria a porta.

Ela o ajudou a entrar em seu apartamento.

Da mesma forma que o escritório, o local era pouco

mobiliado. Ela pensou no sofá, mas decidiu-se pela cama.

Seria mais confortável e ele poderia deitar-se. Sterling

Page 194: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

194

sentou-se na beira da cama e Frannie afastou-se para

pegar toalhas. Ao voltar ajoelhou-se diante dele. A roupa

de Sterling estava ensopada. Muito sangue. Era no que ela

conseguia pensar enquanto procurava estancar o

sangramento.

— Isso não me dá boa impressão.

— Foi só um corte, embora esteja doendo demais.

Terei de lembrar-me de... nunca mais tentar salvá-la.

— Não posso acreditar que você se aproximou no

momento em que eu investia. Eu não o vi.

— Estamos quites, pois também não vi a faca. De

forma nenhuma.

— Posso... desabotoar seu colete e erguer a camisa?

Sterling concordou, empalidecendo à medida que o

tempo passava. Com cuidado, ela agiu depressa. O corte

dava má impressão, era longo, profundo e atingira a ilharga.

Por sorte, não se via outra coisa a não ser o sangue.

— Deite-se. Mandarei alguém chamar Bill.

— Bill? — Sterling arfava de dor e com um gemido

surdo, esticou-se na cama de Frannie.

— William Graves. Ele é médico.

— Ah, eu sei. Ele cuidou de Catherine.

— Esse mesmo. Espere aqui enquanto tentamos

localizá-lo. Sterling teve vontade de rir com a ordem, pois

não poderia se mexer, mesmo se quisesse.

Frannie deu um passo e virou-se.

Page 195: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

195

— O que você estava fazendo aqui?

— Vim buscar meu relógio. Achei que pegá-lo... fosse

um convite.

Frannie havia esquecido do caso. Tirou o relógio do

bolso onde a peça estivera guardada durante todo o dia,

deixou-o na palma de Sterling e fechou-lhe os dedos sobre

o mesmo.

— Era — ela sussurrou e beijou-lhe a testa. Mas não

certamente para o que ocorrera.

Frannie enviou um empregado à procura de Bill e foi

até o escritório de Jack onde ele se encontrava ao lado de

Jim. Eles a acompanharam na volta ao apartamento.

Apavorada, ela continuou a pressionar toalhas no

ferimento e estas continuavam a se encharcar de sangue.

Sterling, com dificuldade para respirar, fazia caretas

e arfava. O queixo cerrado com força fez Frannie temer

pela ruptura de algum dente. Seria mais fácil não sentir

culpa, se ele não a olhasse tão fixamente. O olhar azul

demonstrava o sofrimento.

— Sinto muito — ela disse, pesarosa.

— O que você sente? — Jack perguntou, de braços

cruzados ao pé da cama. — Você estava tentando se

proteger e não é sua culpa ele estar no caminho.

Um canto da boca de Sterling tremeu e Frannie

imaginou se ele queria rir. Ela apostava que no futuro o

duque não acharia engraçado o acidente, caso

sobrevivesse.

Page 196: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

196

— Você prefere que eu segure a toalha no ferimento?

— Jim perguntou a Frannie.

Sterling fitou-a com intensidade e agarrou-lhe o pulso

para não deixá-la sair, como se ela pretendesse abandoná-

lo.

— Não, eu sou responsável por isso. Cuidarei dele.

Frannie gostaria de passar as mãos pelos cabelos dele,

acariciar-lhe o rosto, encostar a testa na sua e desculpar-

se novamente. Mas seria inútil ele sobreviver e ser atacado

por Jack e Jim.

— Onde está Bill?

Foi como tê-lo atraído e Bill entrou no quarto.

— O que está acontecendo? Disseram-me que Frannie

estava ferida.

— Não se trata de Frannie — Jack disse e virou-se

para ela. — Oh, Deus, você está ferida? Nem me ocorreu

perguntar.

— Estou bem.

Exceto por alguns hematomas e arranhões que Frannie

não quis citar para não desviar a atenção de Sterling que

precisava de assistência imediata. Ela se virou para Bill e

explicou o que ocorrera. Seu movimento sacudiu a cama e

Sterling gemeu, embora não quisesse demonstrar a

extensão de sua dor.

— Deixe-me ver, Frannie. — Bill aproximou-se.

— Está sangrando demais.

Page 197: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

197

— Às vezes o mais raso dos ferimentos dá a impressão

de ser muito grave. Posso examiná-lo?

Frannie anuiu e recuou, deixando de fazer pressão

com a toalha. Afastou-se, foi abraçada por Jim e escondeu

o rosto no ombro dele, sentindo-se confortada. Ele

procurou afastá-la da cama, mas Frannie não podia nem

pensar em sair dali.

— Tenho de ficar por perto, Jim. — Ela se soltou e

voltou para a cama. — Bill, você precisa de mais luz?

— Sim, por favor.

Frannie ergueu a lamparina da mesa de cabeceira e

segurou-a sobre Sterling para que Bill pudesse enxergar

melhor.

— Viu como está horrível? — ela falou com o médico.

— Não creio que esteja tão ruim. — Bill pressionou o

peito de Sterling e ele prendeu a respiração. — Está

doendo, Vossa Graça?

Sterling fitou-o com olhar feroz.

— É, vejo que sim, foi tolice minha perguntar. Deve ter

afetado um pouco as costelas. Você o pegou de jeito,

Frannie.

— Eu tentava matá-lo. — Ela fez uma careta. — Bem,

não Greystone, mas o homem que me atacou.

— E quem era ele? — Jack quis saber.

— Não sei.

— Como não sabe? Você conhece todos os

Page 198: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

198

freqüentadores do clube.

— Ele não era um de nossos clientes.

— O que ele queria?

— O que um homem quer quando atira uma mulher

contra a parede?

— Você o reconheceria se o visse novamente?

— Não podemos deixar o interrogatório para depois?

— Ela fitou Jack com raiva.

— Quanto antes sairmos à procura dele, será maior a

possibilidade de o encontrarmos para uma conversa séria.

Frannie olhou para Jim. Ele era da Scotland Yard e

deveria estar fazendo as perguntas.

— Não importa quando teremos as questões respondi-

das — Jim falou com calma. — Eu o encontrarei e tomarei

conta dele.

— Não faça nenhuma tolice.

— Tente lembrar-se da aparência do camarada.

— Sei apenas que era moreno, mas o instinto de

sobrevivência não me permitiu ver detalhes.

— Talvez o duque tenha reparado.

— Não, estava muito escuro. — Sterling deu um

assobio por causa dos procedimentos de Bill.

— Vossa Graça, procure ficar imóvel — Bill avisou-o.

— Vou ter de tirar suas roupas, depois dar alguns pontos e

enfaixar as costelas.

Page 199: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

199

Sterling anuiu.

Com a ajuda de Jim, Bill tirou o casaco, o colete e a

camisa de Sterling, todos de confecção fina. Frannie,

preocupada com o ferimento, nem ficou envergonhada ao

ver Sterling de peito nu e apenas refletiu que a estrutura

física dele era tão perfeita quanto seu traje.

— Mas o que é isso? — Jack perguntou.

Frannie deu a volta para ver do que se tratava. Nas

costas de Sterling havia uma pintura. Era uma criatura

incomum que lançava fogo pela boca e estava com as asas

abertas.

— É uma tatuagem — Sterling explicou e deitou-se de

costas.

— Nunca vi nada parecido.

— Vá ao Japão. — Sterling arqueou uma sobrancelha

como se Jack não soubesse onde estava situado o Japão.

— Do outro lado do mundo.

— Frannie, aproxime mais a lamparina — Bill pediu,

atraindo a atenção de todos para o problema mais

premente.

— Ah, sim, desculpe.

Ela se ajoelhou ao lado da cama, segurando a

iluminação de maneira mais adequada e sentiu-se enjoada

ao ver o que Bill estava fazendo. Ela desviou a vista e deu

com o olhar sofredor de Sterling. Gostaria de desculpar-

se novamente, mas temeu aborrecê-lo. Para segurar a mão

Page 200: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

200

de Sterling, teria de rodear Bill ou ir para o outro lado da

cama. O fato de Jack e Jim estarem observando deixou-a

inibida e ela imaginou que poderia deixar escapar. Ela não

podia esquecer que Sterling era um duque. Não se casara

com Luke por ele ser um conde e no caso de Sterling era

ainda pior. Além de ser um duque, ele fora educado e

treinado para assumir sua posição. Ele transpirava sangue

azul na maneira como se comportava, na postura e nos

movimentos. Mesmo naquela altura, ele suportava a dor

apenas fazendo caretas.

— Vossa Graça, vamos tentar sentá-lo — Bill avisou. —

Por precaução, prefiro enfaixar-lhe as costelas.

Frannie afastou-se para que ele pudesse jogar as

pernas para fora da cama. Teve a impressão de que sua

cama diminuíra com Sterling deitado nela. Assim que se

sentou, ele voltou a fitá-la, como se ela tivesse o poder de

aliviar o sofrimento dele.

Bill terminou os procedimentos e deu um pouco de

láudano para Sterling.

— Sei que Vossa Graça passou por um grande

desconforto. O medicamento deverá acalmar sua dor no

caminho para casa.

— Quer dizer que ele está em condições de ir embora?

— Frannie perguntou.

— Tenho certeza de que ele tem um coche com boas

molas. O trajeto será suportável.

— Eu preferia que Greystone ficasse aqui para eu

Page 201: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

201

poder cuidar dele.

— Frannie, ele não corre risco de morte. Admito que o

ferimento poderá infeccionar, mas...

— É meu dever. Eu deveria cuidar dele, apenas por

algumas horas.

— Não tenho objeções — Sterling declarou.

Frannie ficou encantada, embora a voz de Sterling

denunciasse sofrimento.

— Então está combinado — ela disse.

— Não sei se é uma boa idéia — Jim declarou. — Sua

reputação...

— Por acaso você vai percorrer Londres para espalhar

boatos?

— Não, Frannie, mas...

— Oh, Deus, Jim, agora não — ela pediu. — Ajude-me

a trocar a roupa de cama.

Quando eles terminaram, Sterling deitou-se de costas

e fechou os olhos. A respiração dele não estava tão difícil,

mas ele continuava pálido. Depois de argumentar e insistir,

Frannie conseguiu convencer Jack e Bill a saírem.

Agradava-lhe a preocupação dos amigos com ela, mas não

queria que eles a pajeassem como se ela fosse uma menina

pequena. Jim foi um pouco mais persistente.

— Tem certeza de que não está machucada? — Jim

olhou-a de cima a baixo.

Page 202: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

202

Frannie olhou o vestido manchado de sangue.

— Por favor, fique um pouco com ele. Vou me lavar e

trocar de roupa.

Frannie não se incomodava em lavar-se e trocar de

vestido perto de Jim, separada dele apenas por um biombo.

Eles haviam dormido no mesmo quarto e tomado banho

junto quando eram crianças. E Sterling adormecera.

Sterling abriu os olhos e não viu os amigos de Frannie.

Na certa tinham ido embora. Ele apenas viu a silhueta de

Frannie atrás de um biombo. Ela ergueu um braço acima da

cabeça e passou a outra mão nele. Deduziu que ela se

lavava. Mesmo vendo apenas sua sombra, entendeu que ela

estava despida. De imediato, sentiu o corpo enrijecer-se

dolorosamente, mas não perto do ferimento, quando ela

moveu as mãos pelos ombros e abaixou-as...

— No lugar de Vossa Graça, eu tornaria a fechar os

olhos. Sterling virou a cabeça para descobrir que seu pior

pesadelo estava sentado a seu lado. Jim não tirava os olhos

dele.

— Seria uma infelicidade se Graves houvesse se

enganado a respeito da gravidade de seu ferimento e

Vossa Graça de repente morresse. Frannie ficaria muito

desapontada — Jim comentou.

— E você não gostaria de vê-la desapontada.

— Esse é o único motivo por Vossa Graça ainda estar

respirando.

— Para alguém que deve sustentar a lei, suas ameaças

Page 203: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

203

são um tanto desordenadas.

— Quando se trata de Frannie, tenho minhas próprias

leis.

— Como eu já afirmei antes, não tenho intenção de

fazê-la sofrer. Esta noite eu poderia ter salvado a vida

dela e espero apenas uma ponta de reconhecimento.

— Essa é a diferença entre nós, Vossa Graça. Se eu

salvasse a vida de Frannie, jamais esperaria

agradecimentos, nem mesmo os desejaria.

Frustrado, Sterling sacudiu a cabeça.

— Não importa o que eu faça, Swindler, você sempre

achará errado. Vá para o inferno.

Jim riu baixo.

— Eu o levarei comigo.

— Já estou lá, Swindler.

Jim pareceu surpreso e estreitou os olhos.

— Não achei que o ferimento fosse tão sério.

— Isto — Sterling espiou as ataduras ao redor do

peito — não é nada. Você se vangloria em pensar que o

demônio visita apenas os pobres e os destituídos.

Honestamente, inspetor, começo a me aborrecer com sua

visão farisaica de que apenas você sabe o que é o inferno.

Jim não chegou a responder. Frannie saiu de trás do

biombo, vestida de preto, como se Sterling já tivesse

morrido e ela estivesse pronta para o funeral. Sterling

desejava vê-la vestida de verde ou de preferência sem

Page 204: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

204

nada.

— Vossa Graça já acordou.

— Acabei de abrir os olhos. Frannie sorriu para Jim.

— Obrigada por cuidar dele enquanto eu me arrumava.

Agora já pode ir, está dispensado.

— Frannie, não creio que seja sensato deixá-la

sozinha...

— Jim, estou com meu punhal. — Ela bateu no quadril.

— Ele já está consciente que sei como usar a arma. Além

disso, ele arriscou a vida e por isso merece um pouco de

confiança.

Antes de se levantar, Jim destinou a Sterling um

último olhar rancoroso capaz de matar um incauto. Foi até

a porta e parou para tocar na face de Frannie.

— Cuide-se.

Frannie seguiu-o até a porta, sorriu e empurrou-o

delicadamente até a varanda. Entrou e trancou a porta. O

seguidor de Sykes fugira, mas não custava prevenir-se

caso ele retornasse. Com um suspiro de cansaço, ela foi até

a cama, observada por Sterling.

— Esse inspetor... a ama — Sterling afirmou.

— Assim como os demais meninos de Feagan. —

Frannie fez pouco-caso das palavras dele e sentou-se.

— Não como ele.

— Somos amigos, nada mais.

Page 205: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

205

— Por que mentiu para eles? — Sterling jogou os pés

para o lado da cama e sentou-se. — Você sabe quem a

atacou e também não ignora o que ele queria.

— Não o conheci e eles se preocupariam à toa.

— Eu não estava tão perto para escutar tudo, mas ouvi

o nome Sykes. Ele tem algo a ver com o garoto?

— É possível. Jimmy fugiu. Passei o dia todo nos

cortiços à procura dele e vim embora com quatro meninos,

mas sem Jimmy. Presumo que Sykes estivesse do lado de

fora de sua residência ontem à noite e provavelmente viu

quando nós levamos o menino para o orfanato. Ele pode ter

me visto entrar em sua casa e ter me reconhecido. Não sei.

Talvez Jimmy tenha dito alguma coisa.

— Por que não explica isso para Swindler? Ele poderia

prender esse tal de Sykes.

— Não é contra a lei fazer ameaças.

— Ele mandou alguém para machucá-la.

— Não tenho prova de que Sykes está por trás disso.

Não vi direito o assecla dele, portanto não há testemunhas.

Mesmo se eu soubesse quem me atacou e Jim o localizasse

— Frannie meneou a cabeça — ninguém testemunharia

contra Sykes. Ele é a encarnação do demônio.

Frannie não gostou da maneira como Sterling a

analisava, como se pudesse ler seus pensamentos.

— Você nada contou a eles por saber que tentariam

resolver o problema.

Page 206: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

206

— E por isso correrão riscos. E porque...

— Por quê?

— Quais deles o ameaçaram?

Frannie viu um músculo do queixo de Sterling pular.

Homens! Sempre orgulhosos. Eles queriam resolver os pró-

prios problemas, não demonstrar fraqueza, não pedir

ajuda. Por que não entendiam que, às vezes, uma mulher

sentia necessidade da mesma consideração?

— Todos — Frannie disse com convicção.

— Não é verdade. Frannie anuiu, pensativa.

— Bill não faria isso, por ser médico. Ele não pode ver

ninguém sofrer. Mas os outros... Eu amo os rapazes e

sempre os amei. Mas às vezes sinto como se eles me

sufocassem.

— A ajuda deles é necessária.

Frannie sabia disso, mas ela também queria sua

independência.

Sterling segurou-lhe a mão e passou o polegar sobre

os nós dos dedos de Frannie.-Ele procurava qualquer

desculpa para tocá-la, como se a proximidade agradasse

tanto a ele como a ela.

— Venha ficar na minha casa por alguns dias.

— E ir para sua cama?

— Não, a menos que seja essa sua vontade. — Sterling

gemeu, pegou a camisa e começou a vesti-la. — Depois de

ser atacada esta noite, tudo poderá ficar... mais difícil.

Page 207: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

207

Frannie piscou para afastar as lágrimas. De certa

forma não fora como antes, mas assim mesmo as memórias

terríveis haviam voltado.

— Você quase me matou, o que poderia ser trágico.

Frannie sorriu.

Como ele podia fazê-la rir e chorar ao mesmo tempo?

— Sei que se sentirá culpada por isso e ainda terá de

se preocupar com esse tal de Sykes. Como poderá

raciocinar com clareza, Frannie? Ele não ousará procurá-la

em minha casa. Mesmo que ele a tenha visto a noite

passada, não imaginará que eu a convidei para voltar.

— Meus órfãos...

— Sobreviverão alguns dias sem a sua presença e os

empregados cuidarão deles. Além do mais, preciso de uma

enfermeira para ajudar-me na recuperação e você será a

pessoa ideal. Quando foi a última vez que teve alguns dias

sem se preocupar com nada?

Ficar na casa dele acarretaria outro conjunto de

preocupações. Poderia ficar ao lado dele e não o desejar?

— Meu coche está esperando no final da rua.

— Pobre cocheiro...

— Ele está acostumado a esperar até a madrugada

quando é necessário e eu o pago muito bem por isso. — Ele

enrolou na mão o colete e o casaco. — Venha comigo, senão

terei de ficar aqui. Não se ofenda, mas aqui falta

comodidade. Dodger está se aproveitando de sua bondade

Page 208: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

208

e precisa elevar seu salário. Posso mandar meu advogado

discutir o assunto com ele.

— Não tenho queixas em relação a meu pagamento. —

Pela primeira vez, viu as próprias acomodações pelo olhar

de Sterling. Eram bastante... depressivas. — Meu dinheiro

tem um destino melhor no orfanato.

— Mas sacrificar tudo...

— Não sacrifico o que eu realmente desejo. — Exceto

Sterling.

Ela estava argumentando para não ir, quando era isso

o que ela mais desejava.

— Venha comigo. Meus criados e eu a encheremos de

mimos.

— Vossa Graça é quem deve ser cuidado. Sterling

sorriu. Frannie caíra na armadilha dele.

— Ótimo. Permitirei que cuide de mim.

— Eu o levarei até sua casa — ela concedeu.

— E ficará.

— Até a madrugada, só para ter certeza que você está

bem. O sorriso de Sterling era de quem conseguira o que

queria.

Quando chegaram à residência dele, ele ajudou

Frannie a descer do coche e afirmou em voz baixa e

sensual.

— Felizmente você não especificou qual madrugada.

Page 209: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

209

Eram quase duas da manhã, mas o mordomo de

Sterling saudou-os na entrada do saguão. Pegou o agasalho

de Frannie, além do colete e do casaco amassados. A

camisa suja de sangue não foi tirada e o pobre homem

assustou-se.

— Por Deus, Vossa Graça. Mandarei buscar seu médico

imediatamente.

— Não há necessidade, Wedgeworth. Já fui atendido

e não há nada mais com que se preocupar. A srta. Darling

ficará esta noite nos aposentos de lady Catherine. Peça a

uma das criadas que a atenda no que for necessário.

— Sim, Vossa Graça.

Parecia estranho, mas Frannie não se sentiu

constrangida quando Sterling a conduziu escadaria acima

rumo ao pavimento onde se encontravam os quartos de

dormir. Pensou na última vez em que estivera ali e no que

acontecera. Ele podia dizer que nada esperava dela, mas

era mentira, o que também não a aborrecia. A sinceridade

com ela mesma a fez admitir que estava ali porque nada

poderia recusar a Sterling.

— Eu mencionei o quanto estou feliz por tê-la aqui? Ela

o fitou e sorriu.

— Não creio tê-lo ouvido comentar isso.

— E quero que se alegre por ter voltado à minha casa.

No alto da escadaria havia um corredor tão largo que,

apesar de mesas e cadeiras alinhadas nas paredes,

permitia livre trânsito de pessoas. Frannie imaginou que,

Page 210: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

210

durante os bailes, as damas ali trocassem confidencias

enquanto retocavam a toalete.

— É este o aposento — ele a conduzira até uma porta

aberta.

Ela espiou o forro artístico, a grande cama de dossel,

um luxo que ela não tinha desde que deixara a residência

dos Claybourne.

— É magnífico.

— Mesmo sem ser de seu gosto?

— Sim, mas eu me adapto.

Com o canto do olho, Frannie viu uma mulher caminhar

com calma pelo corredor depois de subir pela escada dos

fundos que era a de serviço. Frannie surpreendeu-se por

Sterling não se virar diante da aproximação da jovem.

— Vossa Graça. — A moça fez uma reverência

respeitosa. Foi então que Sterling tomou conhecimento

dela.

— Agnes, quero que atenda às necessidades da srta.

Darling enquanto ela estiver aqui.

— Pois não, Vossa Graça.

— A srta. Darling fará uso do guarda-roupa de lady

Catherine.

— Isso não será necessário — Frannie protestou.

— Fique à vontade, mas saiba que Catherine deixou

roupas que não voltará a usar. Os trajes dela, assim como

tudo nessa casa, poderão ser utilizados a seu bel-prazer.

Page 211: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

211

— Sterling deu um passo à frente, tomou-lhe a mão e

beijou-a. — Frannie, agora vou me recolher e deixá-la

fazer o mesmo.

Sterling parecia exausto e ela entendeu que o

sangramento devia tê-lo enfraquecido.

— Eu tomarei conta de milorde.

— Será melhor dormir primeiro. Swindler me matará

se a senhorita adoecer. Além disso, preciso me lavar e

tirar as roupas sujas de sangue.

Frannie anuiu e viu Sterling dirigir-se a um quarto do

outro lado. Ela planejara ficar até a madrugada e não

pensara em dormir ali. Escutou um ruído, virou-se e viu

Agnes tirando uma camisola de uma gaveta aberta.

— A senhora gostaria que eu mandasse preparar um

banho? — Agnes deu um sorriso tímido.

— Ah, é muito tarde para se preocupar com isso.

— Se a senhora quiser, não será incômodo nenhum.

Frannie pegou a camisola e surpreendeu-se com a maciez

do tecido.

— Volte para a cama, eu mesma me trocarei.

— Mas Sua Graça...

— Ele não ficará sabendo. Agnes fez uma pequena

cortesia.

— Sim, senhora. Obrigada, senhora.

Frannie trocou-se, escovou os cabelos e foi para a

cama. Depois de olhar por alguns minutos o sobrecéu,

Page 212: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

212

virou-se de lado e observou a luz que entrava pela janela.

Seria do luar ou de um lampião? E o que isso importava? Se

ficasse na residência de Sterling até a madrugada,

certamente o sol não entraria no quarto.

Afastou as cobertas para um lado, saiu da cama, foi

até o corredor e encostou a palma na porta dos aposentos

de Sterling. Pensou como ele distraíra os meninos com suas

histórias na exposição, em como mandara chamá-la em vez

de um policial, quando descobrira o menino em sua casa.

Sterling também lhe dera muito prazer na noite da ópera

e se arriscara naquela noite.

Sterling a deixara confiante como mulher e, mesmo

que não se casasse com ela, outro poderia fazê-lo. Mas a

vida era precária e oportunidades nem sempre apareciam.

Sterling era um homem de quem ela gostava muito. Talvez

o pouco fosse suficiente para ela.

Frannie abriu a porta e entrou. Sterling fitou-a

imediatamente, o que a fez supor que não o acordara.

— Vim ver como está passando. — Ela foi até a cama.

— Está com muita dor?

Ele negou com um gesto de cabeça.

— Meu criado de quarto deu-me um pouco de láudano.

— Então você não deveria estar com problema de

insônia.

— E quanto a você?

— Estou ótima, ainda mais com a certeza de que está

Page 213: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

213

tudo bem com você.

— Você me disse uma vez que acha confortante

dormir, e apenas dormir, com alguém. Se quiser, estou de

calça... — Sterling levantou as cobertas à guisa de convite.

— Desconfiava que eu viria.

— Eu tinha esperança que o fizesse.

Frannie deixou a lamparina na mesa, deitou-se na cama

ao lado dele, pôs a cabeça em seu ombro e Sterling

abraçou-a.

— Viu só? Eu lhe disse que ficaria mais confortável

aqui — Ele arrastou as palavras por efeito do

medicamento. — Quero conhecê-la de verdade, Frannie.

Apesar de ter agido como se o ataque de hoje afetasse só

a mim, sei que deve ter-se sentido apavorada com isso.

Frannie acariciou-lhe o peito.

— Creio que eu estava furiosa. Sempre tomo muito

cuidado quando vou até os cortiços e assim mesma fui

surpreendida. E tive vontade de acabar com ele diante da

menção a Sykes.

— Essas visitas aos cortiços são sempre feitas à

noite? Teria de mentir para ele.

— Frannie? — Sterling cutucou-a no braço.

— Algumas vezes.

— Sozinha?

— Mas que insensatez, Frannie, por acaso não sabe o

perigo que isso representa?

Page 214: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

214

— As crianças não se aproximarão de mim se eu não

estiver sozinha.

— Eles não são mais importantes do que você. Contrate

uma pessoa que possa perscrutar a área sem ser visto, mas

que não a perca de vista.

— Você está se tornando tão opressor quanto os

meninos de Feagan.

— Por que você está se tornando muito preciosa para

mim. — Sterling beijou-a no alto da cabeça. — Por favor

não ande mais sozinha por lá.

Frannie anuiu. Era mais fácil quebrar promessas

quando eram mudas.

— O que é o desenho das suas costas? — Frannie

mudou de assunto.

— Um dragão.

— Por acaso o viu em suas viagens? Eles existem?

— Pelo que eu saiba, só em lendas. Segundo uma delas,

São Jorge matou um dragão.

— Não sei nada a respeito.

— Talvez eu lhe conte a história algum dia.

— A tatuagem vai desaparecer?

— Não.

— Então por que permitiu que fizessem o desenho?

— Pelo que eu me lembro, eu estava bêbado e achei

que seria uma boa idéia.

Page 215: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

215

— E por que um dragão?

— Simbologia. Todos nós temos de enfrentar um

dragão vez por outra.

— Então não se trata de uma coisa boa.

— Depende se o derrotarmos e tudo fazia sentido

quando eu estava embriagado.

— Você matou o seu?

— Na época, pensei que sim.

Sterling acariciava-lhe o braço enquanto falava, e

Frannie desejou que seu vestido não tivesse mangas.

Deitar-se ao lado do duque era diferente do que se deitar

com os meninos quando era criança. O corpo e a fragrância

eram de um homem.

— Eu podia tê-lo matado — ela considerou de repente.

Sterling ficou imóvel. Depois a abraçou com força.

— Mas não matou e mesmo que o houvesse feito, não

teria sido sua culpa.

— De qualquer forma eu poderia ser executada por

matar um lorde.

— Swindler não teria deixado isso acontecer.

Era verdade, Jim a protegeria, como fazia com tantos

outros.

— Não me agradaria se você tivesse morrido.

— Eu também não gostaria de morrer.

Frannie sentiu o peito dele erguer-se como se

Page 216: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

216

estivesse no meio de um suspiro e parar de repente pela

dor do ferimento.

— Não sei se eu diria o mesmo há um ano — Sterling

acrescentou.

Frannie ergueu-se em um cotovelo e fitou-lhe as

pálpebras pesadas.

— É estranho ouvir isso. Nas piores fases de minha

vida, nunca desejei a morte.

— Como pode ser tão otimista, mesmo vendo coisas tão

terríveis?

— Feagan costumava dizer: Frannie querida, não

importa quão ruim esteja a situação, ela sempre pode

piorar ou melhorar. Esperar o pior não a desapontará e

esperar o melhor sempre a deixará na expectativa. Prefiro

esperar o melhor.

— Onde você se escondia quando eu era um jovem

raivoso?

— Provavelmente na mansão dos Claybourne,

usufruindo o que havia de melhor, sem que isso me

agradasse. Eu tinha saudades de Feagan e Claybourne

proibia que o visitássemos. — Frannie ajeitou-se

novamente no calor do ombro de Sterling. — Contudo tenho

certeza de que isso não impedia Jack de voltar lá. Ele não

gostava de receber ordens.

— Aposto nisso.

— Ouviu falar que ele se casou recentemente?

Page 217: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

217

— Não. Quem haveria de querê-lo? Frannie riu.

— Eu o aconselho a ter melhor opinião a respeito de

meus amigos.

— Talvez eu o faça quando eles pararem de me

ameaçar.

— Eles continuam a ameaçá-lo?

— Ultimamente, não. E quem é a infeliz dama?

— A viúva de Lovingdon.

— Olívia? Mas que surpresa.

— Nem me fale, mas parece que são muito felizes.

— A felicidade dos outros a delicia.

— Sem dúvida e não é como deve ser?

— Pois eu nunca me preocupei muito com isso. Frannie

desenhou círculos no peito de Sterling.

— Eu deveria deixá-lo dormir. Sterling segurou mão

de Frannie.

— Fique comigo.

A respiração de Sterling ficou mais lenta e uniforme.

Frannie entendeu que se ele acordasse primeiro, não se

aproveitaria dela. Luke garantira isso revelando a Sterling

o passado dela, mas esse conhecimento talvez nem fosse

necessário. Embora ele fosse um lorde e acostumado ao

poder, era também um cavalheiro.

Assim, ela adormeceu pensando que Sterling era seu

cavalheiro.

Page 218: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

218

Sterling acordou deitado na parte sadia do corpo,

abraçando Frannie e com a mão no busto dela de forma

inocente, em uma posição que jamais estivera com outra

mulher. Sempre tocara em uma mulher com desejo e

propósitos. Admitiu que gostaria de tocá-la novamente

dessa maneira. Mas teria de ser no compasso de Frannie,

quando ela estivesse pronta. Frannie estava de costas,

aconchegada em seu corpo e a reação dele não era tão

inocente. Ele se afastou um pouco, pois não desejava que

ela acordasse e se sentisse importunada pela ereção.

Com um suspiro, Frannie tornou a se aconchegar.

Que situação. Ele tentava ser um cavalheiro e ela o

provocava. Ele concentrou-se no som da chuva batendo na

vidraça, o que o fez pensar em água, no banho que Frannie

tomara, em como vira a silhueta dela atrás do biombo e

sentiu-se ainda mais excitado. Começou mentalmente a

catalogar todos os tesouros que trouxera de suas viagens:

vasos, estatuetas, cerâmicas e jóias. Seu corpo começou a

responder à falta de imagens excitantes. Lembrou-se das

sacudidelas da viagem sobre o camelo. Pensou no medo que

o invadira quando fora atacado por um tigre e Wexford o

matara. Se houvesse morrido, teria perdido a sensação

maravilhosa de estar deitado com Frannie nos braços,

sentindo a fragrância dela, o corpo separado do dela

apenas por uma fina camada de tecido.

Sterling disse uma imprecação quando a dor retornou.

— Você sempre acorda de mau humor? — Frannie

Page 219: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

219

perguntou.

— Há quanto tempo está acordada?

— Não muito.

Frannie afastou-se dele e saiu da cama. As cortinas

estavam fechadas, mas a lamparina acesa permitiu-o vê-la

claramente.

— A despeito do que aconteceu na minha adolescência,

não receio intimidades. Tenho medo de falta de

honestidade. Seja sempre honesto comigo.

Sterling fitou-a de alto a baixo.

— Eu a desejo... desesperadamente. Frannie sorriu

com malícia.

— Eu sei. Infelizmente para você, estou com vontade

de tomar o desjejum.

Sterling deitou-se de costas, começou a rir e

amaldiçoou a reação infeliz que lhe causava dor nas

costelas.

— Ou talvez fosse felizmente. Ele a fitou.

— Não me faça rir.

— Ficarei até a madrugada de amanhã.

Frannie saiu do quarto, Sterling fitou o dossel púrpura

e planejou a recuperação mais rápida de que se tivera

notícia.

Sterling prometera mimá-la e por isso pediu para que

o café da manhã fosse servido na cama, mesmo que fosse

Page 220: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

220

na dele e com a bandeja de comida entre eles. Frannie

estava sentada aos pés da cama, usando um dos vestidos

mais simples de Catherine, enquanto ele estava recostado

nas almofadas na cabeceira. O criado trocara suas

ataduras e o ajudara a vestir calça limpa e uma camisa

folgada que o deixava à vontade.

— Suponho que por trabalhar no Dodger's, deve estar

familiarizada com os comportamentos mais inadequados —

Sterling afirmou, espalhando geleia na torrada.

— Também fiz um juramento para manter segredo

sobre o que eu via. Jack sempre fez questão de garantir a

privacidade de nossos clientes.

— Uma pena. Imaginei que você conhecesse histórias

fascinantes.

— Bem... creio que poderei lhe contar uma. — Frannie

sorriu, matreira.

— Diga. — Sterling endireitou-se.

— Uma noite, por volta da meia-noite... — Frannie

sacudiu a cabeça — não sei se devo contar-lhe.

— Nada direi a ninguém.

— Promete?

— Prometo.

— Está bem. — Frannie ficou séria, o que aumentou a

ansiedade de Sterling. — Foi uma vergonha. Lancei no livro

uma coluna errada de números, Jack descobriu e fiquei

mortificada.

Page 221: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

221

— Números...

— Sou a guarda-livros e, em regra geral, os números

não se comportam tão mal.

— Então você mantém-se absorta na contabilidade e

nunca espiou pelos olhos-mágicos?

— As pessoas têm direito à privacidade e a ter

segredos.

— Isso é desanimador. Tenho visto mulheres dançando

quase sem roupas.

Foi a vez de Frannie endireitar-se.

— Verdade?

Sterling anuiu e mordeu um pedaço de torrada.

— Elas são capazes de ondular os ventres como se

fossem cobras. Muito interessante. Você deveria pensar

em convidá-las para trabalhar no Dodger's. Acredito que

os cavalheiros nem pensariam em sair.

— Uma sugestão pertinente. — Frannie deixou o prato

de lado, levantou os joelhos e abraçou-os. —Nem posso

imaginar tudo o que você já viu.

— Foi realmente maravilhoso. Meu pai não concordou

com minha decisão de partir e discutimos muito sobre isso.

Ele afirmou que se eu partisse, nunca mais desejaria me

ver. Ele achou que eu estivesse priorizando minhas

vontades, esquecido de meus deveres, com o que de certa

maneira eu até poderia concordar. Ele não me entendia e

garantiu que eu poderia conhecer o mundo mais tarde.

Page 222: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

222

— Com certeza ele não falava sério quanto a não vê-lo

mais.

— Voltei para a Inglaterra quatro meses antes de ele

morrer. Vim visitá-lo e Catherine não se encontrava em

casa. Meu pai estava enfermo e não falava, mas a

enfermeira disse que ele se comunicava com os olhos.

Porém, como dissera antes, ele se recusou a olhar para

mim.

Sterling não pretendia contar a Frannie que o pai se

envergonhava pelas limitações do filho. Talvez ele mesmo

se envergonhasse. Frannie trabalhava na ruas sombrias de

Londres e ali ele também poderia ser cego-a despeito de

todo bem que sua visão limitada lhe impunha.

— Pelo menos você conheceu seu pai.

— Sim e suponho que haja consolo nisso. Frannie

encostou o queixo nos joelhos.

— E por ter voltado, você se ocupará com seus

deveres.

— Exatamente. Terei uma vida tediosa, mas não filhos

que possam aborrecer-me.

O riso de Frannie foi forçado e Sterling compreendeu

que, devido às circunstâncias, não deveria conversar com

ela a respeito da mulher com quem deveria casar-se, mas

ela pedira honestidade.

— Frannie, eu não sou o marido ideal.

— Está se subestimando, embora eu nada espere de

Page 223: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

223

você. Pode ficar descansado. Nunca sonhei em tornar-me

duquesa.

— Pensei que todas as jovens sonhassem em casar-se

com um duque.

— Oh, não. Eu preferia um rei — ela caçoou,

— Creio que Ana Bolegna pensava o mesmo. Frannie riu

e Sterling adorava ouvi-la rir.

— Ah, você é impossível. Sorrindo, Sterling deu de

ombros.

— Está certo, rainha Frannie.

— Ah, que tolice! Na verdade, não me vejo casada.

— Seus órfãos preencherão sua vida?

— Acredito que sim. — Frannie olhou pela janela. — Eu

deveria estar procurando outras crianças.

— Nesse tempo horroroso? Na certa elas deverão

estar dentro de casa.

— Se tiverem lugar para ir. — Frannie suspirou. — É

bom ler o tempo, não é? Você lê muitos livros?

— Não tantos como eu costumava. Ultimamente e

leitura têm-me deixado com dor de cabeça.

— Óculos poderiam ajudar.

Sterling não queria negar o fato.

— Vou pensar nisso.

— Você gosta de Dickens?

— Achou as histórias dele bastante tristes.

Page 224: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

224

— Creio que ele escreve sobre o que sabe. Talvez eu

leia para você hoje à tarde.

— Eu gostaria muito.

Frannie saiu da cama e reuniu os pratos vazios.

— Chame um criado — Sterling disse.

— Posso fazer isso sozinha. Ele segurou-lhe o pulso.

— Frannie, por que insiste em lembrar-me das

diferenças que existem entre nós?

— Estou lembrando a mim mesma para permanecer

honesta com você a respeito do que e de quem eu sou. Eu

só fingia ser o que não era quando queria enganar alguém

para conseguir o que eu queria. Você sabe que há pessoas

que bondosamente acolhiam um soldado abandonado pela

sorte? O soldado e sua pequena filha. E enquanto a família

generosa estava dormindo, juntávamos o que eles tinham

de valor e nos esgueirávamos noite adentro. Nunca se

esqueça que já fui um dos gatunos que você prefere

manter longe de sua casa.

— E eu fui um jovem que priorizava seus próprios

prazeres em detrimento dos deveres. Nós todos mudamos,

Frannie, e recompensamos nossas falhas passadas. Você

roubava e eu desapontei meu pai. Agora você faz boas

obras e eu honrarei minhas responsabilidades e meu título.

A sua feição atual é que me intriga e desperta meu

interesse de forma incomum.

— Não quero aparentar algo que não sou nem seria

capaz de ser. Não quero enganá-lo.

Page 225: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

225

— Você faz tão pouco de mim a ponto de acreditar que

posso ser facilmente enganado? Fui desencorajado várias

vezes e assim mesmo você acabou na minha cama. E a meu

convite, segundo me recordo.

— Isso poderia fazer parte de meu plano bem

concebido. É como trabalhamos. Nós fazemos a pessoa

acreditar no que precisamos para poder tirar vantagem.

Sterling soltou-lhe o pulso, recostou-se nos

travesseiros e abriu os braços.

— Pode tirar quantas vantagens quiser.

Frannie olhou-o por inteira e o corpo de Sterling

reagiu no mesmo instante. Ele a observou engolir em seco

e passar a língua nos lábios. Depois ela pegou a bandeja e

piscou.

— Está vendo? Agora você não está em posição de

impedir-me de tirar os pratos e era isso o que eu desejava.

Sterling riu. Ele não acreditava nela, mas se era esse

o jogo, ele concederia a derrota para sair vitorioso mais

tarde.

— Descanse agora, milorde, para recuperar suas

forças.

Sterling observou-a sair do quarto e fechou os olhos.

Frannie estava certa. Ele precisava recuperar

rapidamente as forças. Os minutos se escoavam e uma vez

que ela fosse embora, seria muito difícil fazê-la voltar.

Page 226: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

226

Capítulo IX

Enquanto Sterling descansava, Frannie foi para sala

que se projetava para o jardim com três paredes de

janelas e um telhado de vidro onde a chuva batia e

reverberava. Ela desejava fugir não apenas dele, mas,

sobretudo, de si mesma. Poderia ela olhar-se no espelho

depois de se entregar a um homem que jamais a desposaria

e com o qual ela não pretendia se casar? Seria tão errado

querer saber o que era ser desejada ao menos uma vez na

vida?

Sterling era um homem de paixões, de aventuras e a

desejava. Isso havia sido mais do que evidente quando ela

acordara naquela manhã e sentira a pressão nas nádegas.

A proximidade de Sterling a entusiasmava.

Sterling não se importava com o passado dela, nem que

ela tivesse sido uma gatuna. Frannie jamais gostara dos

tempos em que Feagan fingia ser um soldado, quando as

pessoas eram bondosas com eles e, como retribuição, elas

ficavam sem seus pertences. Mesmo sabendo por instinto

que cometiam erros, ela fazia tudo para agradar Feagan.

Page 227: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

227

Ela usava a desculpa que o avô de Luke proibia as crian-

ças de visitarem Feagan para explicar por que nunca mais

o vira. Na verdade ela se envergonhava das coisas que

Feagan lhe pedira para fazer. Em parte esse era o motivo

por ela gastar tão pouco com si mesma e ter tão poucas

coisas. Quando era menina, apossara-se do que não lhe

pertencia e naquela altura, tentava redimir-se. Se pudesse

ensinar crianças a não violarem a lei, se pudesse provê-los

com bons exemplos a serem seguidos, se pudesse desfazer

as lições que haviam aprendido...

Talvez não se sentisse tão manchada pelo passado e

pela associação com Feagan.

— Eu gostaria de um dia de sol para fazermos um

piquenique no jardim — Sterling disse ao sentar-se ao lado

de Frannie.

— Gosto de chuva. — Ela sorriu. — Devo ser a única

pessoa da Inglaterra a ter essa predileção.

— Acho o mau tempo melancólico.

— Prefiro pensar nele como um período destinado à

reflexão.

— Você é uma eterna otimista. E sobre o que estava

refletindo?

— Nada importante. Como está se sentindo agora?

— Um pouco dolorido, mas confiante que a

sobrevivência será meu futuro.

Pelo olhar estreitado e pela testa franzida, Frannie

Page 228: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

228

deduziu que a dor não o abandonara. Por que os homens

sempre davam a impressão de serem fortes?

— Quero agradecê-lo novamente por mandar o

sapateiro.

— Isso melhorou sua opinião a meu respeito?

— Sim.

— Então valeu a despesa.

— Estive pensando em fazer placa com o nome de

nossos beneméritos para pendurar na parede. Seria um

bom gesto de reconhecimento, não acha?

— Prefiro ficar no anonimato. Fiz isso por sua causa e

não pela glória.

— E eu que pensei que você houvesse tomado essa

atitude pelos meninos.

Sterling mirou a chuva e corou ligeiramente, mas

Frannie suspeitou que isso nada tivesse a ver com o

ferimento. Sterling fizera isso por ela, para agradá-la e

conseguir seus favores. Outro ramalhete de flores não

teria o mesmo efeito. Para ela significava muito ele

entender o que era importante para ela e o que não era;

— Gostaria de vestir-se para jantar esta noite?

— Sim. Encontrei um vestido de Catherine que me

servirá perfeitamente.

Ele a fitou.

— Fico feliz com isso. Pedirei à cozinheira para fazer

algo especial. Existe algo que não a agrade?

Page 229: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

229

— Pela infância que eu tive, fico agradecida por

qualquer tipo de refeição.

— Vejo que não é difícil agradá-la.

Frannie tentou se lembrar de que ele era um duque,

mas com a chuva que os impedia de sair, era como se o

mundo real não os rodeasse. Por algumas horas poderiam

fingir que pertenciam ao mesmo universo.

— Temos algum tempo antes do jantar — alegou. —

Quer que eu leia para você?

— Somente se nos sentarmos no sofá para que eu

possa esfregar seus pés enquanto estiver lendo.

Frannie sorriu.

— Sterling, nós fizemos um trato.

O jantar foi servido no mesmo cenário íntimo de

antes, mas sem música. Menos velas foram acesas, pouco

se falou e parecia que não se respirava. Frannie imaginou

se o corpete um pouco apertado a fazia perder o fôlego,

mas desconfiava de que o motivo era a maneira de Sterling

a olhar, como se ela fosse uma sobremesa apetitosa.

Ele se vestira com a mesma formalidade usada na

ópera, atraente como sempre. Por cima da borda da taça

de vinho ele a analisava com langor, o que fazia brilhar e

escurecer o azul de seu olhar. Era uma combinação

estranha e inebriante saber que ela o afetava daquela

maneira.

Frannie tomara banho antes e experimentara todos os

Page 230: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

230

perfumes dos frascos que enfeitavam a penteadeira de

Catherine até encontrar um que a fizesse lembrar-se de

ninfas brincando em um jardim. Preferia fragrâncias leves,

talvez porque em sua infância tivera de usar perfumes

fortes que mascaravam o cheiro fétido dos cortiços.

Naquela altura, ela procurava comportar-se de maneira

oposta ao que fora acostumada a fazer antes.

Mesmo assim, sentia-se mal preparada para o

momento.

— Relaxe, Frannie — Sterling aconselhou-a com voz

calma que teve o poder de tranquilizar o coração

disparado. — Nada acontecerá esta noite contra sua

vontade.

— E se não acontecerem coisas que você deseja?

— Ficarei desapontado, mas sou capaz de suportar um

desapontamento. Você não terá de conviver com a noção

de que foi forçada a agir contra sua vontade. — Sterling

compreendia o significado do que dissera. — Nada será

como antes.

— Eu não estaria aqui se essa não fosse minha

expectativa. Sterling bateu a taça de vinho contra o dela

que permanecia ao lado do prato.

— Eu lhe agradeço por estar preocupada com a minha

recuperação.

— E eu estou satisfeita por seu ferimento não ser tão

severo como eu imaginava.

— Sou duplamente agradecido. Suponho que Swindler

Page 231: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

231

deve estar procurando pelo culpado.

— Provavelmente. Mesmo sem uma descrição

detalhada ele conseguirá descobrir o assaltante. Ele é um

perito nesse assunto.

— Você o admira. Frannie ficou séria.

— Admiro todos os meninos de Feagan.

— Eu acho que eles parecem mais os meninos de

Claybourne do que os de Feagan. Claybourne acolheu todos,

não foi?

— Sim, mas Feagan ensinou-nos sozinho e Claybourne

contratou tutores. É muito fácil realizar alguma coisa

quando se tem meios para comprar o necessário.

— Você também admira Feagan.

— Não sei se admirar seria a palavra certa. — Frannie

pensou no assunto. Alguns aspectos de Feagan a

desapontavam, mas não podia negar que ele cuidava das

crianças que levava para casa. — Suponho que seja. Ele nos

ensinou artes questionáveis, mas de certa forma nos deu

um lar. Tenho pensado em dar o nome dele ao orfanato.

— Lar das Crianças Feagan? Ele merece essa honra?

Frannie tomou dois goles de vinho. Embora soubesse

que Sterling desejava apenas uma noite de amor, sentiu-se

na obrigação de perguntar.

— Sua consideração por mim diminuiria se soubesse

que eu acredito na possibilidade de ser filha dele?

Sterling pensou, girando a taça de vinho.

Page 232: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

232

— Posso acreditar que uma pessoa eleve seu status na

sociedade baseando-se em seus ancestrais, mas

ultimamente aprendi a julgar o indivíduo por seus méritos

e realizações.

Frannie sorriu.

— Um ponto de vista incomum, bastante raro eu diria.

— Se ele fosse seu pai, não lhe teria dito nada?

— Foi o que imaginei e uma vez perguntei para Jack

que sabe de muitos segredos.

— O que ele disse?

— Evitou responder e não tenho certeza se foi por

achar que eu me desapontaria com uma resposta, qualquer

que ela fosse ou se estava tentando me proteger.

— Os segredos sempre acabam descobertos.

— Você também tem segredos, Sterling?

— Todos nós temos segredos.

Frannie não podia imaginar que os dele fossem quase

tão sombrios quanto os dela.

Sentada diante do toucador e vestida com uma das

camisolas de Catherine, Frannie escovava os cabelos. Cem

escovadelas. Essa fora uma das regras de Feagan. Ela

sempre se perguntava se alguma mulher escovara os

cabelos diante ele. Feagan a amara e fora amado por ela.

Ele, porém, nada revelara sobre o passado. Mas naquela

noite ela não queria refletir sobre suas origens. Estava

interessada apenas no presente.

Page 233: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

233

Sterling se despedira dela na porta do quarto, dando

a impressão que não viria procurá-la.

Ele nunca se casaria com ela e, portanto, deixara a

decisão de passarem ou não uma noite juntos ao encargo

dela. Frannie olhou-se no espelho. Procurar por vontade

própria um homem que não faria dela uma mulher honesta...

Porém não seria mais desonesto negar a si mesma o

prazer que desejava tanto? Depois da ópera, Sterling a

fizera experimentar uma pitada do prazer que ela

encontraria nos braços dele.

Havia dezoito anos um homem a deflorara e ela

trancara em um canto escuro de sua mente a repugnância

daquelas mãos rechonchudas beliscando e puxando, o corpo

que se cravava no dela, a dor, do sangue, o eco dos próprios

gritos e das risadas hediondas dele...

Então as lembranças retornavam, esperando serem

substituídas por algo forte que as destruísse.

Sentado em uma poltrona ao lado da lareira de seus

aposentos, Sterling olhava as chamas que diminuíam como

sua visão. Além dessa pouca luminosidade, apenas uma

lamparina acesa ao lado de sua cabeceira. Vestia calça e as

ataduras de seu ferimento ao redor do peito.

Desde o momento em que beijara Frannie na biblioteca

de Claybourne, pensara em seduzi-la, em levá-la para a

cama. No entanto ele fora o seduzido para tornar-se um

homem melhor. Decidira deixá-la ir, sem ter o gosto de

uma apreciação plena. Ela o rebaixara além da conta com

Page 234: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

234

Dickens, com os órfãos, e com sua habilidade de deslindar

intenções nobres mesmo naqueles com passado criminoso.

No mundo da aristocracia, havia o certo e o errado, o bem

e o mal. O universo de Frannie não admitia o absoluto; era

o mundo cinzento como o dele estava se tornando. A ironia

não escapou a Sterling. A noite, nada era claro. As linhas

ficavam borradas e as sombras removiam definições.

Os sonhos de Frannie levavam-na às partes mais

escuras de Londres onde ele não podia segui-la nem mantê-

la em segurança. Os sonhos de Sterling haviam deixado de

existir havia muito. Cumpriria seus deveres e assumiria

suas responsabilidades, mas não poderia levar Frannie com

ele. Mesmo se desejasse incluí-la, Frannie não desejava a

vida de um aristocrata. Ele não podia ignorar o legado que

recebera. Para honrar seu título, pagara um preço muito

mais alto que seu pai poderia ter imaginado.

Escutou o clique da porta sendo aberta e uma onda de

satisfação atingiu-o. Mesmo se Frannie estivesse ali

apenas para dormir em seus braços, ele se contentaria com

isso. Adotaria a tendência de encontrar alegria nos

pequenos prazeres. Dormir com ela aninhada a seu lado era

a maior das doçuras.

Sterling deixou a taça de conhaque sobre uma pequena

mesa, ficou em pé e virou-se. Frannie estava ao pé da cama,

abraçada em uma das colunas. Descalço, ele caminhou em

cima do tapete grosso e aproximou-se dela.

Frannie olhou-o sem. apreensão ou dúvida.

Page 235: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

235

— Quero uma noite com você — ela sussurrou.

Sterling não estava preparado para a força daquelas

palavras que o atingiram no coração. Até aquele momento

estivera enganando a si mesmo por acreditar que poderia

viver sem Frannie porque nunca esperara possuí-la. E ali

estava ela, uma mistura de inocência e coragem que o

encantava como nenhuma outra.

— Então você terá uma noite.

Ele não podia negar a ela mais do que podia negar a si

mesmo. Enlaçou-a, abaixou a cabeça e beijou-a.

Frannie acolheu-o como o ar que respirava ou o sol que

a aquecia. O sabor do conhaque era um afrodisíaco que

incendiava as chamas do desejo que se espalharam por seu

corpo, aquecendo-a no íntimo e lambendo a ponta de seus

dedos. Ela deslizou-os pelos braços desnudos de Sterling

e sentiu os músculos ondularem. A energia de Sterling era

palpável e sua determinação, evidente. O beijo dele foi

mais agressivo do que os anteriores, como se com a

rendição de Frannie, a fera que estivera aguardando,

deslanchava.

Com a respiração ofegante, Sterling fez uma trilha de

beijos quentes pelo pescoço de Frannie, lambendo e

mordiscando.

— Diga-me para parar se eu a estiver assustando, e

saiba que não a farei sofrer, mas também não poderei agir

com gentileza. Eu a desejo demais e fui muito paciente.

Sterling uma vez a advertira não ser mais civilizado.

Page 236: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

236

Então Frannie entendeu ao que ele se referia, quando o

tecido que os separava foi rasgado e caiu a seus pés antes

de ela se dar conta do que ele pretendia. E com a fera

satisfeita, ele a tocou com mãos gentis que acariciaram

suas curvas. O mais estranho era ela não se sentir exposta

nem ter vontade de cobrir-se. Em vez disso, preferia

acender mais velas para revelar a ele o que tinha a

oferecer. Se antes se envergonhava de sua feminilidade,

agora a glorificava.

— Meu Deus, você é tão linda como imaginei. —

Sterling fitou-a. — Diga-me o que não quer.

— Não quero que me trate como se eu fosse vulnerável

ou pudesse quebrar. Quero ser como qualquer outra

mulher que você tenha conhecido.

— Você é completamente diferente delas. Jamais

cometa o engano de achar que é igual a elas ou que poderia

ser.

Sterling tornou a beijá-la profundamente e o busto de

Frannie achatou-se de encontro ao peito dele. Ela deslizou

as mãos por suas coxas e entre elas até encontrar, através

da calça, o que a estivera pressionando pela manhã.

Sterling deu um gemido grave, interrompeu o beijo e ficou

imóvel para dar a ela a liberdade de explorar e fazer o que

quisesse.

Frannie passou a língua pelos lábios e, com a boca seca,

olhou para o volume rijo embaixo da calça. Nem por um

segundo teve dúvida do poder que se escondia atrás da

Page 237: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

237

braguilha deformada e admirou-se que os botões ainda

estivessem no lugar.

— Eu não lhe causarei sofrimento — Sterling disse

com voz rouca enquanto a beijava na testa.

— Eu sei.

Frannie estava consciente da tensão muscular de

Sterling, das gotas de suor que lhe cobriam o pescoço e

ele segurou o primeiro botão...

— Farei isso — ela o interrompeu, afastou a mão dele

e com um simples movimento os botões pipocaram, gratos

pela liberdade.

Frannie notou que ele nada usava sob a calça, mas não

se assustou. Apressou-se em revelar o que o tecido

escondera. Sterling tirou a calça e ficou em pé diante dela,

ereto, orgulhoso e magnífico.

— Você também é lindo. — Frannie fitou-o.

A preocupação que ela vira no olhar de Sterling

desaparecera. Rindo, ele a ergueu nos braços.

— Vamos passar horas maravilhosas, Frannie — ele

afirmou ao deitá-las nos lençóis frios de cetim.

Frannie era mais bela do que Sterling imaginara e mais

corajosa do que ele ousara esperar. Ela não viera para a

cama carregando as experiências dolorosas do passado.

Frannie era tímida, mas não o evitava com falsa vergonha.

Ela o recebeu como se fosse a cortesã mais refinada, com

um sorriso sedutor e braços abertos.

Page 238: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

238

Frannie viera não pelo dinheiro que ele poderia lhe

fornecer, mas sim pelo prazer que cada um poderia dar ao

outro. Sterling jamais desejara tanto uma mulher e seu

corpo ardia pela necessidade de possuí-la, mas sem pressa.

Seria apenas uma noite, mas poderia durar a vida inteira.

Ele nunca encontraria outra mulher mais corajosa,

determinada e fascinante do que Frannie. Os momentos

passados na ausência dela eram vazios. Deitou-se ao lado

dela e enquanto se acariciavam, ele procurou não pensar na

perspectiva do vácuo sem fim que o aguardava.

— Imagino o que aconteceria com sua pele clara se

fosse submetida ao sol do deserto — murmurou.

— Quer dizer tirando a roupa? E por acaso você fez

isso?

— Uma ou duas vezes. — Ele deu um sorriso malicioso.

Frannie acariciou-lhe a coxa, os quadris e se deteve,

fazendo cócegas.

— O que é isso? — Frannie sentou-se e olhou as

nádegas de Sterling.

Com cuidado, ela passou os dedos sobre cinco

cicatrizes desiguais que marcavam o quadril em sentido

descendente.

— Foi um tigre — Sterling respondeu. — Eu só o vi

quando ele estava por cima de mim. Felizmente lorde

Wexford é um exímio atirador.

— Você poderia ter sido morto.

— Em vez disso, uma pele de tigre está enfeitando o

Page 239: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

239

piso do gabinete de Wexford. Pensei que mulheres

gostassem de cicatrizes.

— Não me importo com a aparência delas, mas não me

agrada saber que você foi ferido com gravidade.

A afirmativa de uma jovem que trazia cicatrizes inter-

nas. Sterling segurou-lhe o pescoço e voltou-a de novo para

o travesseiro.

— Como você pode ter tanta bondade e nenhuma

amargura?

Frannie não respondeu e Sterling beijou-a. Ele

conhecera intimamente muitas mulheres durante suas

viagens, mas não desejara nenhuma com essa intensidade.

As outras tinham sido fantasias passageiras e Frannie era

muito mais do que isso. Frannie era o motivo por ele se

esconder pelas vielas e alimentar os ladrõezinhos. Ela o

fizera entender o que levava um homem a matar.

Antes dela, suas emoções haviam permanecido

adormecidas. Ele jamais conhecera com tanta intensidade

a raiva, o ciúmes, a alegria... e o amor.

Os pensamentos dele vacilaram. Não era amor o que

sentia. Podia ser estima, paixão, mas não amor. Nenhum

vínculo tão permanente. Frannie iria embora e não levaria

seu coração. Mas enquanto ela estivesse em sua cama, ele

faria de tudo para proporcionar-lhe lembranças

inesquecíveis.

Frannie deduzira que Sterling fosse um homem sujeito

a paixões, mas ela não esperava aquela maneira de acariciá-

Page 240: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

240

la. Ele era incansável e não apenas com as mãos, mas

também com a boca.

Sterling rodeou o mamilo com a língua até endurecê-lo

e depois o sugou gulosamente. Frannie passou os dedos nos

cabelos de Sterling, enfiou as unhas nos ombros dele e

passou a sola de um pé na sua panturrilha. O prazer refluía

até ela pensar que ficaria louca pela vontade de realização.

Sterling, paciente, se deteve no outro seio. Ela, egressa

das ruas, jamais conhecera tanta reverência,

especialmente de um homem que estava tão acima da ralé.

Na cama de Sterling, Frannie encontrou o inesperado.

Receber e doar-se sem egoísmo, e um senso de igualdade

difícil de explicar. Ele conhecia o passado dela, mas por

nada haver testemunhado não havia a obsessão da culpa do

que não fora capaz de impedir. Sterling não a tratava como

uma porcelana delicada. Ele apertava, bajulava e a beijava

no colo, no quadril e na coxa.

Sterling levantou a cabeça e sorriu com malícia

irresistível que prometia aventuras, delícias e beijos do

sol. Cutucou-lhe a coxa com gentileza e Frannie abriu-se

para ele. Sterling movimentou-se e não deixou de beijá-la

até ficar acomodado entre as pernas dela. Depois se

abaixou devagar.

Frannie pensou que ficaria com receio ou pelo menos

precavida, mas entendeu com surpreendente clareza que

confiava em Sterling e que ele nunca a faria sofrer. Jamais

lhe causaria desconforto, nem trairia esses sentimentos

Page 241: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

241

ternos que a haviam trazido até aquela cama, sendo que ela

jamais faria o mesmo com outro homem.

Então Sterling acariciou-a intimamente com a língua.

Frannie suspirou de prazer, arqueou as costas e levantou

os quadris. Ela imaginou que seu corpo fosse o mundo e que

Sterling estivesse viajando por ele, experimentando-o em

toda sua extensão. Se fizesse o mesmo com ele, Sterling

a acusaria de devassa?

Ah, e o que importava isso se ele fazia o corpo dela

cantar em uma progressão tornando sua respiração

desarmônica e rápida? Os seios de Frannie ficaram ainda

mais firmes e o ventre retesou-se. Sterling criava, com a

boca e as mãos, sensações mais vividas das que

experimentara no sofá. Onde estaria o duque egoísta que

só pensava nos próprios prazeres? Ele estaria se

comprazendo tanto quanto ela?

O prazer aumentou e as perguntas perderam o

sentido.

— Oh, Deus, você deveria parar agora. — Frannie

enterrou os dedos nos ombros dele.

Sterling riu e sua respiração fez cócegas nela, antes

de retornar onde estivera. Frannie queria chorar e rir ao

mesmo tempo... o cataclisma atingiu-a e ela começou a

gritar. Gritava para ele parar e para prosseguir. Gritava o

nome dele enquanto o prazer a atingia.

Frannie voltou a si, trêmula. Sterling lambeu-a de

baixo para cima até chegar à boca que beijou vorazmente,

Page 242: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

242

como se quisesse provar o que ela acabara de

experimentar.

Ele beijou-lhe as faces e os lóbulos das orelhas.

— Adoro os sons que você faz — afirmou, na certa

achando deliciosos os gritos dela.

Sterling mexeu-se para fitá-la nos olhos e Frannie viu

neles a mais absoluta alegria de quem se doara sem nada

exigir. O pescoço e os ombros dele brilhavam de suor.

Frannie passou as mãos nas costas de Sterling e sentiu a

tensão de seus músculos.

— Isso não é tudo... — ela disse, arfante.

— Não é, mas será se você assim o desejar.

Frannie procurou compreender o sentido daquelas

palavras. Sterling garantiria o prazer dela em detrimento

de si mesmo? As palavras que ele dissera na biblioteca

assumiam um novo significado. Ele lhe pedira para ser

amante dele. Doar-se sem nenhuma expectativa de

receber?

Frannie sacudiu a cabeça.

— Eu quero tudo. Eu quero você.

— Então você terá. — Um sorriso triunfante iluminou

o rosto de Sterling.

Ele mudou de posição e inclinou-se na direção da mesa

de cabeceira. Frannie escutou uma gaveta sendo aberta e

Sterling puxou algo de dentro...

Frannie entendeu que se tratava de um preservativo.

Page 243: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

243

Era um momento estranho para se sentir desapontada,

mas admitiu a sensatez do gesto. Ela chegou a apreciar o

esforço para protegê-la do escândalo, embora não pudesse

negar um desejo súbito de trazer ao mundo um filho de

Sterling.

Fascinada, ela o observou cobrir-se. Os dois se

entreolharam quando Sterling se ergueu sobre ela e iniciou

uma penetração vagarosa. A rigidez não provocou

desconforto, mas sim uma sensação de prazer à medida

que ele se aprofundava. Essa satisfação e essa posse eram

a demonstração do homem que desejava partilhar seu

corpo.

— Eu a estou machucando? — Sterling perguntou com

olhar semicerrado.

Frannie meneou a cabeça.

— Não.

— Quero ouvi-la gritar novamente meu nome, mas de

prazer e não de agonia.

— De novo?

— Sim, de novo. — Ele sorriu.

Saciada, Frannie não se julgava capaz de fazer nada

além de acariciar-lhe as costas, enquanto Sterling se

impelia de encontro a ela. Mas os movimentos dele

despertaram-na novamente e a surpresa a deixou arfante.

Sterling aumentou o ritmo e o poder de suas investidas até

a cama bater na parede. Frannie agarrou-se nas nádegas

dele, sentido a força e o poder de sua masculinidade.

Page 244: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

244

Os movimentos de ambos continham selvageria e com

essa incivilidade, ele a levou novamente às alturas e ela

tornou a gritar o nome dele.

Quase ao mesmo tempo ele a chamou em um grunhido,

atirando a cabeça para trás, o corpo arqueado investindo,

tremendo e se sacudindo.

Sterling largou-se sobre Frannie e escondeu a face na

curva do ombro dela. Frannie ouviu a respiração difícil,

sentiu os tremores que se sucediam e o próprio corpo que

estremecia mais do que na vez anterior. Ela imaginou se

uma pessoa poderia morrer de tanto prazer.

Frannie adorou o peso do corpo sobre o seu e passou

os dedos com leveza nas costas de Sterling.

— Está fazendo cócegas — ele murmurou.

Maliciosa, Frannie passou os dedos pelas costelas e

Sterling deu um pulo.

— Você é uma feiticeira. Espere um pouco.

Ela teria rido se não estivesse tão exausta. Sterling

saiu de cima dela e foi até o quarto contíguo. Voltou com

uma toalha e, com carinho, limpou o suor do corpo de

Frannie. Depois veio para a cama e puxou as cobertas por

cima deles.

Frannie deitou-se sobre o braço de Sterling e escutou

as batidas fortes do coração do amado. Quando a

respiração dele se normalizou, ela ergueu a cabeça e fitou-

lhe o rosto. Ele adormecera e as linhas de preocupação

haviam sumido. Ela sentiu lágrimas nos olhos ao entender

Page 245: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

245

que cometera um grande engano ao procurar Sterling.

Naquele momento, Frannie temeu ter se apaixonado

pelo duque de Greystone.

Frannie não teve noção da hora quando acordou,

deitada de bruços e espalhada na cama de Sterling que não

se encontrava ao seu lado. Mesmo de olhos fechados,

sentiu a ausência dele. Estaria tudo terminado entre eles?

— Não se mexa.

Frannie abriu os olhos. Sterling estava sentado em

uma cadeira próximo à cama, de pernas cruzadas que

serviam de apoio para sua prancha de desenho.

— O que está fazendo?

— Eu a estou desenhando.

— Você desenha toda mulher com quem se deita?

Sterling levantou a cabeça, como se algo lhe ocorresse.

— Na verdade, não. Você é a primeira que eu pretendo

me lembrar.

As palavras a encantaram e tornaram ainda mais difícil

não se mover, sendo que desejava sentar-se em seu colo e

beijá-lo ruidosamente.

— Por mais quanto tempo terei de ficar imóvel?

— Mais um pouco e depois lhe mostrarei o que fiz.

— Você não mostrará a ninguém mais, não é?

— De jeito nenhum. Estes vão para minha coleção

particular.

Page 246: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

246

— Estes?

— Você me proporcionou uma noite de prazer e eu não

pretendia passar a maior parte dela dormindo.

Frannie abafou a vontade de rir e ficou quieta. Jamais

conhecera nenhuma pessoa que a fizesse sentir-se tão

apreciada. Os meninos de Feagan gostavam do que ela

fazia, mas não se lembrava de ter encolhido os dedos dos

pés quando eles a fitavam.

— Você é capaz de pintar um auto-retrato? — ela

perguntou,

— Não. E para que eu haveria de querer isso?

— Você poderia dá-lo para mim. Sterling sorriu.

— Tenho certeza de que encontraremos algo que a

satisfaça.

— Todas as pinturas daqui são tão grandes que se

tornaria difícil guardá-la em uma coleção particular.

Sterling piscou para Frannie e ela teve a impressão de

que se transformava em uma bola de prazer.

— Encontraremos alguma coisa — ele insistiu.

Frannie surpreendeu-se com os desenhos, quando

Sterling deitou-se na cama para mostrá-los. Eles se

recostaram nos travesseiros, enquanto ele mostrava um

por um.

Seus pés, um cruzado sobre o outro.

— Você esfrega seus pés enquanto dorme — ele

afirmou.

Page 247: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

247

— Deve ser um hábito. Quando eu era menina, passava

frio. O carvão era uma raridade na casa de Feagan.

— Se eles esfriarem antes de você sair da minha cama,

encoste-os em mim e isso os aquecerá.

O lençol enrolado sobre suas costas, um ombro

exposto.

— Você tem ombros lindos. — Sterling se inclinou e

beijou um deles.

— Você é um ótimo artista.

— Eu pratico bastante. Meus desenhos jamais serão

expostos em um museu, mas eles ajudam-me a relaxar.

— E você precisa relaxar depois do que fizemos antes?

Sterling enrolou no dedo os cabelos de Frannie.

— Não, eu estava literalmente derretido na cama. A

mão dela dobrada sob o queixo.

— Este é meu favorito — Sterling afirmou. — Um

misto de inocência e sensualidade. Imagino com o que

estaria sonhando.

— Provavelmente com você.

— Não se lembra exatamente?

— Eu raramente me lembro dos sonhos.

Sterling brindou-a com um olhar engraçado antes de

atirar os papéis no chão e puxá-la para debaixo dele.

— Você disse uma noite, mas ela ainda não terminou.

Ainda não. Frannie deu um suspiro e Sterling beijou-a.

Page 248: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

248

Frannie planejara sair de madrugada, mas antes de o

sol se erguer no horizonte, Sterling fazia amor com ela

novamente e sem pressa. Por ser a última vez, os dois

saboreavam cada toque e cada beijo. Frannie deixou a

cama de Sterling quando o café da manhã já estava pronto.

Eles se vestiram e desceram juntos para a sala de

almoço. Ele contou suas peripécias de como aprendera a

montar um camelo. Frannie riu tão alto que não conseguiu

comer. Ela adorava o sorriso de Sterling e a alegria que

iluminava seu olhar. Ela amava...

— Vossa Graça, sinto perturbá-lo, mas o inspetor

Swindler da Scotland Yard está aqui — o mordomo

anunciou.

Frannie sentiu um nó no estômago. Seu mundo mágico

se despedaçava com a realidade.

— Mande-o entrar — Sterling ordenou e apertou a mão

de Frannie. — Tudo dará certo.

Frannie anuiu e ficou em pé junto com Sterling. Jim

entrou na sala e parou de repente ao vê-la. Ela viu o

desapontamento da expressão de Jim e calculou que não

era preciso ser um gênio para descobrir o que ali

acontecera. Estaria evidente no corar dela, impossível de

esconder?

— Inspetor, não gostaria de tomar o desjejum

conosco? — Sterling perguntou.

— Não. Eu apenas... nós estávamos preocupados a seu

respeito, Frannie. Não sabíamos...

Page 249: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

249

— Deixei um recado na mesa de Jack. — Ela escrevera

que sairia para cuidar de Sterling, o que indicava seu

paradeiro.

Não havia motivo para preocupação... exceto que ela

prometera voltar na véspera. Jim anuiu.

— Então você está bem?

— Muito bem, obrigada.

— Perdão por haver perturbado sua manhã. — Jim se

virou e saiu da sala.

— Jim! — Frannie jogou o guardanapo sobre a mesa e

correu atrás dele.

— Frannie! — Sterling chamou-a, mas ela não lhe deu

atenção.

Frannie correu pelo corredor, alcançou Jim no saguão

e segurou o braço dele.

— Jim.

Ele a fitou e Frannie notou preocupação e sofrimento

nos olhos verdes. E raiva também, como se ele não

soubesse exatamente o que sentir, assim como ela.

— Frannie, ele não se casará com você.

— Estou consciente disso.

Jim olhou o chão, sem querer fitá-la e Frannie teve

certeza de que ele lutava com as próprias emoções. Apesar

da vontade de confortá-lo de alguma forma, estava certa

de que isso não o agradaria no momento. Ele a fitou, com

todo amor que sempre sentira por ela.

Page 250: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

250

— Mesmo se o filho dele estiver crescendo em seu

ventre, eu me casarei com você.

Jim foi até a porta que o criado abriu e foi embora

sem se virar para trás.

Oh, Deus, o que ela fizera? Por que nunca vira isso

antes, por que não reconhecera a profundidade de seus

sentimentos?

— Está tudo bem com você? — Sterling chegou por

trás e pôs as mãos em seus ombros.

— Agora preciso ir — Frannie disse com lágrimas nos

olhos.

— Mandarei aprontar o coche.

Frannie anuiu refletindo sobre o que haviam feito e

sobre o que teriam de fazer. Sterling virou-a devagar e

abraçou-a. Ela inalou a fragrância dele e absorveu sua

energia. Levantou a cabeça e Sterling abaixou a dele para...

— Obrigada, Vossa Graça.

Sterling engoliu em seco e soltou-a devagar.

— O prazer foi meu, srta. Darling.

Frannie deixou-o em pé no hall de entrada e subiu para

trocar-se. Vestiria as próprias roupas e voltaria para seu

mundo. Seu coração doía tanto que dava a impressão de

que se romperia a qualquer instante. Choraria mais tarde

no seu apartamento onde ninguém pudesse ouvi-la e rezou

para que suas lágrimas um dia secassem.

Page 251: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

251

Capítulo X

Frannie suspirou, apoiando o cotovelo na mesa e o

queixo na palma. Em vez de fazer a contabilidade, estivera

escrevendo Greystone, Sterling, duque em um pedaço de

papel. Escrevera até duquesa, mas rasurara a palavra.

Jamais seria a duquesa de Greystone.

Havia duas noites, desde que voltara da residência de

Sterling, fora um sem-número de vezes até a galeria oculta

para ver se ele se encontrava nas mesas de jogo. Como não

o vira presumia que ele também poderia estar escondido.

Jack nada lhe perguntara sobre o motivo de sua

ausência. Ele se tornara menos crítico e passara a aceitar

mais a nobreza desde o casamento. Jim não aparecera.

Frannie esfregou a testa. Receava o encontro com ele, se

é que o mesmo aconteceria. Ele deveria estar constrangido

por ter revelado os sentimentos. E, por mais que ela

quisesse, não poderia retribuir essa espécie de afeição.

Pensou em falar com Luke. Embora ele a houvesse

pedido em casamento, ele não a amava verdadeiramente.

Fora um entusiasmo de juventude e, felizmente, Catherine

entrara na vida de Luke que passou a entender o erro que

Page 252: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

252

cometeria.

Considerou também a hipótese de conversar com

Catherine. Afinal, Sterling era seu irmão, mas Frannie

desconfiava de que a intimidade entre eles diminuíra.

Sentiu-se cansada. Não dormia bem por causa dos

sonhos com Sterling que a atormentavam. Neles, Sterling

repetia os jogos eróticos em que ela acabava gritando o

nome dele. Em alguns sonhos, ela se entregava à devassidão

e era Sterling quem gritava o nome dela.

Frannie levantou-se da cadeira e deu uma última

olhada ao redor do escritório arrumado e simples. Na

certa acabaria levando os livros contábeis para o orfanato

onde poderia trabalhar e ficar com as crianças todas as

noites, em vez de visitá-los durante o dia. O local de

trabalho não importava, contanto que desempenhasse as

tarefas.

Foi até o saguão, endireitou o punhal sob a saia, pegou

no bolso a chave da porta e destrancou-a. Não se

acovardaria diante dos capangas de Sykes. Se alguém a

atacasse, ela revidaria.

Nos degraus do lado de fora pouco iluminados pela

lamparina, ela fechou e trancou a porta. Esperou um pouco

para a vista acostumar-se à obscuridade e à neblina:

— Frannie?

Ela escutou o sussurro quase desesperado de quem

não sabia se desejava ser ouvido. Virou-se, pegou a

lamparina e levantou-a. Embora houvesse reconhecido a

Page 253: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

253

voz, a cautela era necessária.

— Nancy?

Uma mulher saiu das sombras. Apesar de ser apenas

dois anos mais velha do que Frannie tinha o rosto e os olhos

encovados, e manchas de ferimentos nas faces.

— Como vai você?

Elas tinham sido amigas nas ruas, mesmo estando sob

a proteção de diferentes pais de rua. Quando Nancy fizera

doze anos, havia ido morar com um garoto três anos mais

velho, Bob Sykes. Não era incomum as meninas se juntarem

a meninos pouco mais velhos do que elas e que poderiam

oferecer-lhes proteção. Para os meninos, ter uma amante

era um símbolo de realização. Frannie sempre soubera

quem eram os garotos que tinham uma namorada fixa, pois

eles andavam com arrogância e o conceito deles crescia

entre os colegas pela demonstração de masculinidade.

Frannie não vira Nancy desde que fora raptada e

vendida como prostituta. Ela e Nancy haviam planejado

entrar em um teatro às escondidas para assistir a uma

peça muito comentada por Nancy. E aí começara a

desgraça. Nancy conseguira escapar e Frannie fora levada

para um inferno.

— Estou bem, Nancy, e você, ainda com Sykes?

— Ah, sim. Ele não é uma pessoa que aceita

desistência, não é? Você continua trabalhando para

Dodger?

Nancy estava abaixada, com receio da luz e Frannie

Page 254: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

254

recuou. Ela sabia o que era não querer ser vista. As roupas

de Nancy estavam em mau estado, mas tinham sido

passadas para dar boa impressão. E embora fosse noite,

Nancy usava um chapéu que estava torto sobre os cabelos

presos para cima.

— Sim, ainda estou com Dodger — Frannie respondeu.

— Temos uma cozinheira que prepara comida toda a noite,

o que faz os cavalheiros continuarem jogando nas mesas.

Vamos para a cozinha e verei o que há para comer.

— Não, obrigada, não se preocupe. Aquele lorde idoso

que a levou ensinou-a a falar muito bem.

— Ele me ensinou muitas coisas.

— Então não foi tão ruim o que aconteceu naquela

noite. Frannie havia sido brutalizada. E dizer que isso não

fora tão ruim era o mesmo que comparar uma facada no

coração com a picada de um alfinete no dedo.

— Eu sobrevivi. — Frannie olhou ao redor. — Está

muito úmido aqui fora por causa do fog. Pelo menos vamos

nos abrigar em meu apartamento.

— Ouvi falar que você está recolhendo órfãos —

Nancy apressou-se em falar.

— Sim, eu...

— Então leve este. — Nancy literalmente jogou nas

pernas de Frannie um menino que estivera escondido nas

sombras.

— Ele é um dos meninos de Sykes e se você ficar com

Page 255: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

255

ele, posso trazer mais.

— Nancy...

— Por favor, ele também é meu filho e quero algo

diferente do que a rua para ele. Ele se chama Peter e é um

bom menino.

Frannie abraçou o garoto e, apesar de ele usar um

casaco, foi possível perceber que era somente pele e ossos.

Sykes se empenhava em manter os meninos pequenos e

desnutridos para poderem entrar nas casas por pequenos

espaços e abrir a porta da frente para ele.

— Venha conosco, Nancy. Providenciarei um porto

seguro para você e o menino.

— Imagine, estou com Sykes desde os doze anos e ele

não me deixará ir embora tão facilmente.

— Posso arrumar-lhe um emprego no campo... —

Frannie fitou o rosto enrugado de Nancy.

— Você sempre foi tão linda. — Nancy disse em tom

de penitência. — Por favor, acredite, eu não queria fazer

aquilo.

— Aquilo o quê?

— A culpa foi de Sykes. Ele me garantiu que faríamos

um bom dinheiro vendendo você para aquela velha e nunca

vi um centavo daquilo.

Frannie sentiu-se congelar. A velha de cabelos

grisalhos que dirigia o prostíbulo para onde ela fora

levada? Ela se agarrou ao menino para manter-se em pé.

Page 256: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

256

— Você parece assustada, Frannie. Não sabia? Frannie

sacudiu a cabeça.

— Não.

— Você sempre foi tão esperta que calculei que

soubesse. Não use isso contra meu menino.

— Eu jamais descontaria os pecados da mãe em uma

criança. Você sabe o que fizeram comigo, Nancy?

— Posso imaginar.

— Não, não pode.

— Suponho que deve ser bem parecido ao que Sykes

faz comigo todas as noites. Ele é um animal, um cão. Alguém

deveria matá-lo. Se puder, eu lhe trarei mais garotos.

Frannie não chegou a responder. Nancy eclipsou-se na

escuridão e os passos rápidos se perderam no nevoeiro

espesso. Frannie abaixou a lamparina e olhou o menino.

Era Jimmy.

O pequeno gatuno estava de novo na cozinha de

Sterling, sentado à mesa dos criados, comendo

vorazmente.

O fato de Frannie tê-lo trazido para ali em vez de

levá-lo para o orfanato era sintomático. Infelizmente ela

não dissera quase nada e Sterling sentiu que a preocupação

de Frannie era muito mais angustiante do que haver

descoberto quem eram os pais do menino.

Page 257: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

257

— Então ele é filho de Sykes? — Sterling repetiu.

— Sim, de acordo com Nancy.

— Isso explica por que ele não gostou da tentativa de

ficar com o garoto.

— Desculpe-me tê-lo trazido para cá, mas se eu o

levasse para o orfanato, Sykes poderia ir buscá-lo.

Sterling fitou-a e viu no olhar de Frannie a confiança

absoluta de que ele seria a solução adequada.

— Se ele ficar aqui e dormir em uma de minhas camas,

terá de tomar banho primeiro. Não me importa a hora.

O sorriso de Frannie aqueceu o coração de Sterling.

Incrível. Haveria alguma coisa que poderia negar a ela? Ele

já a deixara partir uma vez e não sabia se poderia fazer

aquilo de novo. Observá-la afastar-se fora a pior coisa que

já lhe acontecera.

— Acho que a senhorita deveria ficar aqui esta noite.

A Sterling não agradava a idéia de ela sair sozinha.

Além disso, ela seria capaz de ir ao cortiço para tirar

satisfações de Sykes. Por mais que ele não gostasse dos

amigos dela, pensava em alertá-los a respeito do ocorrido.

Não, Frannie veria isso como uma traição. Ele deveria

contratar guardas para acompanhá-la.

— Se Vossa Graça não se incomodar...

— Eu não teria oferecido se me incomodasse. Outra

coisa, trabalhar no Dodger's é muito arriscado, pois Sykes

sabe onde encontrá-la.

Page 258: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

258

Ela sorriu.

— O Dodger's me proporciona os meios para minha

obra com os órfãos. — Ela olhou para Peter. — Não

deveríamos deixá-lo comer tanto esta noite.

— Concordo. Uma torta é tudo que ele vai conseguir.

Frannie apertou a mão de Sterling e foi o mesmo que aper-

tar o coração dele.

— Sei que não lhe agrada ter gatunos em sua casa, mas

eu darei um jeito ele não roubar nada. Sterling acariciou-

lhe a face.

— Ele a trouxe de volta e por isso pode levar o que

quiser.

O riso doce afastou um pouco as preocupações de

Frannie, mas elas voltaram logo e com força. Sterling notou

o fato e admitiu que teria de descobrir do que se tratava.

Ele acordou o mais novo de seus criados e mandou-o

preparar o banho para o garoto. Enquanto Frannie

esfregava o visitante, Sterling foi até seu quarto de

infância pegar uma camisola. A roupa ficaria larga, mas não

importava.

Quando voltou para baixo e entrou na cozinha, o

menino estava fora da água e Frannie o enxugava.

— Calma! A senhora está tirando minha pele!

— Pare de se queixar — Sterling respondeu por

Frannie. — Saiba que já paguei muito dinheiro para belas

damas me enxugarem.

Page 259: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

259

Frannie, corada, virou a cabeça para fitá-lo e ele

sorriu.

— Alguns países têm costumes adoráveis. — Sterling

ergueu o traje de dormir. — Ele poderá vestir esta. — Com

a ponta do sapato ele cutucou os trapos. — Essas

provavelmente serão queimadas.

— Sem dúvida. — Ao pegar a roupa entregue por

Sterling, Frannie deixou cair a toalha.

Sterling não pretendia demonstrar espanto, mas por

Deus...

— Ele é esquelético...

— É.

Sterling viu algumas marcas na ilharga e no ombro, e

virou o menino.

— O que é agora? — o pequeno gritou.

Sterling ignorou-o e avaliou as cicatrizes que se

entrecruzavam nas costas do menino.

— Quem o chicoteou?

Frannie mandou-o erguer os braços e enfiou o

camisolão sobre sua cabeça.

— As autoridades — ela respondeu em voz baixa. —

Parece que ele foi preso por roubar meio xelim. Em vez de

mandá-lo para a prisão, açoitaram-no.

— Mas... ele é uma criança.

— Alguns cavalheiros apreciam mais os xelins.

Page 260: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

260

— O que tem isso? — O garoto cruzou os braços

magros sobre o peito fundo. — Eu não chorei.

— Quantos anos você tem?

— Não lhe direi nada, maldito nobre.

— Ele tem oito — Frannie respondeu. — Podemos

ajeitá-lo em uma cama?

— Sim, claro.

O quarto escolhido por Sterling ficava no pavimento

inferior, na direção do seu, o que facilitaria para Frannie

verificar o estado do garoto quando quisesse. Além disso,

um criado ficaria dentro do quarto para impedir o menino

de sair.

Sterling fitou o garoto que parecia ainda menor

naquela cama enorme e a maneira carinhosa de Frannie

passar os dedos nos cabelos escuros.

— Peter, você tem de ficar aqui, pois é o que sua mãe

deseja. Amanhã tomaremos um belo café da manhã e

arrumaremos algumas roupas apropriadas. Tudo vai dar

certo. Não é preciso ter medo.

— Não tenho medo de nada.

— E não fuja de novo, está bem?

O menino deu de ombros, anuiu e virou-se, tudo ao

mesmo tempo. Frannie levantou-se e sorriu para Sterling.

— Isso não foi bem uma promessa, foi? — Sterling

perguntou.

Frannie negou com um gesto de cabeça antes de sair

Page 261: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

261

e Sterling parou ao lado do criado.

— Na certa haverá problemas — ele disse em voz

baixa.

— Sim, Vossa Graça — o serviçal anuiu.

— Mande me avisar diante de qualquer anormalidade.

— Sim, Vossa Graça.

Sterling entrou nos seus aposentos e encontrou

Frannie sentada no sofá diante da lareira onde o fogo

baixo crepitava. Os pés descalços estavam sobre o assento

e ela esfregava os braços como se estivesse com frio. Ele

foi até a mesa onde ficava o conhaque, serviu duas doses

generosas e sentou-se no sofá.

Frannie aceitou uma das taças e bebeu antes de

segurá-la com as duas mãos sobre a coxa, com olhar

longínquo.

— Diga-me o que há de errado — Sterling pediu.

— Não acha que Peter merece que se preocupem com

ele? Sterling passou a ponta do polegar entre as

sobrancelhas cerradas.

— Sei que outra coisa a preocupa. Por que não me diz

do que se trata?

Frannie sacudiu a cabeça.

— Nada que eu fique sabendo poderá alterar... a

afeição que sinto por você.

— Você sente afeição por mim, Sterling?

Page 262: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

262

Na verdade era muito mais do que isso, mas admitir o

fato os levaria a uma barreira intransponível e tornaria

tudo mais difícil.

— Eu me preocupo muito com você, Frannie e não

gostaria de vê-la infeliz. O menino tomou banho,

alimentou-se, está em uma cama decente e voltou aos seus

cuidados. Isso deveria ser um motivo de alegria. Frannie,

minha querida, por que está tão triste?

Frannie apertou os olhos, tomou mais um gole de

conhaque e virou-se para Sterling.

— Nancy era minha... amiga e não uma das crianças de

Feagan. Mas ela estava nas ruas e era uma de nós. Ela era

dois anos mais velha do que eu e aos doze ela foi morar

com Sykes. As meninas de rua fazem isso como uma

maneira de sobrevivência. Mas nós éramos amigas.

Amigas.

A palavra pareceu engasgá-la.

— Vocês eram amigas. Por acaso brincavam juntas?

Frannie riu e sacudiu a cabeça.

— Na verdade, tratava-se de uma maneira de

conseguir algumas moedas. Eu tinha duas caixas de

fósforos que oferecia aos pedestres. Todos me ignoravam

por eu ser uma pedinte. Eu batia em uma pessoa ao acaso

e deixava as caixas cair na terra. Eu começava a chorar e

Nancy, a gritar que nossa mãe me mataria. O camarada em

que eu batia logo nos pagava condignamente para acalmar-

nos. Nós representávamos muito bem.

Page 263: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

263

— E por isso você se achou na obrigação de ajudar o

filho dela?

Sterling limpou a lágrima que deslizava pela face de

Frannie e acariciou-lhe o pescoço.

— Frannie...

— Um dia ela me falou sobre uma apresentação teatral

e disse que conhecia um sujeito que permitiria nossa

entrada no teatro pela porta dos fundos. Feagan sempre

me dizia que a noite era perigosa e para eu sempre voltar

antes do escurecer. Mas eu queria ver a peça e fiquei com

Nancy até a noite. Enquanto andávamos por uma travessa,

alguém pulou diante de nós, pôs um saco em minha cabeça

e eu gritei para Nancy correr...

Frannie soluçou e mais lágrimas deslizaram por sua

face. Sterling tirou a taça das mãos dela e deixou-a na

mesa ao lado da sua. Cedeu à vontade de confortá-la, por

saber que o relato não terminara. Ah, como ele gostaria de

afastar o sofrimento que via naqueles olhos, mas até não

saber o motivo...

— Durante todos esses anos, Sterling, pensei merecer

o que aconteceu comigo.

— Ninguém merece uma coisa dessas. Frannie meneou

a cabeça.

— Não obedeci a Feagan e fiquei na rua até a noite.

Quando me levaram, achei que fosse um castigo. Quando

Luke matou Geoffrey Langdon e foi preso, pensei que

fossem enforcá-lo por minha causa. Você nem pode

Page 264: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

264

imaginar como eu me sentia culpada.

— Frannie, você não tem de se culpar por coisa

nenhuma. Frannie limpou as lágrimas com as costas da mão.

— Esta noite, Nancy me disse que ela e Sykes

tramaram tudo para que me pegassem.

— Santo Deus, Frannie. — Sterling levou-a para o colo

dele e embalou-a enquanto ela chorava.

— Eles sabiam o que aconteceria e fizeram tudo

propositadamente.

Sterling controlou a fúria que o acometia. O momento

não era para desatinos, era preciso cuidar de sua preciosa

Frannie e consolá-la.

— Não sei para onde fui levada. Tiraram minhas roupas

e amarraram-me a uma cama. Aquele homem horrível ria e

me examinava. Eu tinha de ser virgem, pois virgens não têm

doenças. Alguns homens só aceitam deitar-se com

donzelas.

As lágrimas de Frannie ensopavam a camisa de

Sterling.

— Pensei que eu já havia afastado de mim todo o

horror, mas é muito mais triste saber que alguém planejou

isso contra você.

— Se algum dia eu encontrar Sykes, eu o matarei.

Frannie se afastou para fitá-lo.

— Eles o enforcarão e ele não vale isso. Ajude-me a

esquecer, Sterling. Ajude-me a enterrar de vez essas

Page 265: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

265

memórias horríveis. Dê-me algo belo para lembrar.

Frannie encostou os lábios nos dele. Sterling duvidou

do acerto da idéia, mas não teve coragem de negar-lhe o

pedido. Levantou-se do sofá, ergueu-a nos braços e levou-

a até a cama.

Sterling não poderia ter sido mais terno. Da outra vez

quando haviam se deitado juntos, não houvera

interferência de sombras do passado. Nessa noite ele se

esmerava em apagá-las com leveza, embora com maestria.

Sem pressa, ele lhe tirou as roupas e beijou cada

ponto de pele que ficava exposta. Seu olhar era um misto

de carinho e desejo. Frannie percebeu que Sterling ainda

a desejava, apesar de tudo o que ela revelara. Esquecido

das próprias ânsias, ele usava as mãos e a boca com

adoração..

Frannie o tocou com cuidado semelhante, embora ele

não fosse frágil, mas aquela noite requeria algo diferente

do que eles haviam compartilhado antes.

Sterling sabia exatamente quando provocar, beijar ou

murmurar palavras doces junto ao ouvido de Frannie. Eles

estavam em sintonia perfeita, sem necessidade de rapidez

ou desespero.

Sterling deitou-a de bruços e beijou-a ao longo da

espinha. Friccionou-lhe as costas, apertou-lhe as nádegas,

beijou-a atrás dos joelhos. Massageou-lhe os pés, as

panturrilhas, as coxas... até ela se descontrair a ponto de

imaginar que não poderia mais ficar em pé. Puxou-a para

Page 266: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

266

cima dele e Frannie montou-o, envolvendo-os com a cortina

de cabelos. Sterling entrelaçou os dedos nas mechas,

abaixou a cabeça de Frannie e beijou-a com paixão, mas

ainda sem pressa. Frannie não pensava em nada, exceto em

Sterling, em seus afagos reverentes e a maneira como a

fazia esquecer do mundo.

Eles se encontravam em um mundo particular, onde

somente eles existiam. Não havia nobreza, nem menina de

rua. Eram apenas Frannie e Sterling. Nenhuma diferença e

apenas um objetivo comum: dar e receber prazer.

Sterling levantou-a pelos quadris e abaixou-a até ser

envolvido por ela e preenchê-la. Frannie sorriu, beijou-lhe

o peito e sentiu a vibração nos lábios quando Sterling

ronronou como o leão que desenhara.

Frannie cavalgou-o, observou o prazer do rosto dele e

experimentou a força dos dedos nos quadris. O prazer

aumentou e tornou-se quase insuportável. Ela escondeu a

face no pescoço dele para camuflar os gritos de abandono.

Segurando-a, Sterling investia e movia-se aos solavancos

debaixo dela.

Pouco depois, ela não conseguiu entender onde ele

encontrava forças para acariciar-lhe as costas. Frannie

adormeceu sentindo os carinhos de Sterling e ouvindo as

palavras apaziguadoras que ele murmurava em seus sonhos.

Sterling viu Frannie abrir os olhos quando o sol

começava a espiar por entre as cortinas.

— Bom dia. — Ele passou a mão nos seios de Frannie.

Page 267: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

267

— Bom dia. — Ela suspirou e espreguiçou-se.

Sterling deitou-se por cima de Frannie e penetrou-a,

aninhando o rosto no pescoço dela.

— Você é deliciosa.

Ele se balançou de encontro a ela, observando o

sorriso de contentamento.

— Esta é uma bela maneira de saudar a manhã —

Sterling sussurrou.

Frannie acariciou-lhe as costas e apalpou-lhe as

nádegas.

— Adoro quando você está dentro de mim. — Ela

gemeu e virou a cabeça para o lado. Arregalou os olhos,

enrijeceu-se, gritou e enterrou as unhas na pele de

Sterling.

Ele também virou a cabeça para o lado.

— O que é isso nas suas costas? — Peter perguntou.

— Não é de sua conta. Mas o que está fazendo aqui,

pirralho?

— Estou com fome.

— E o sujeito que está em seu quarto? O menino

ergueu os ombros ossudos.

— Ele continua dormindo. Sabe que o senhor não está

fazendo nada certo?

— Como é? — Sterling espantou-se.

— O senhor deveria fazê-la gritar. Minha mãe sempre

Page 268: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

268

grita.

— Bem, não estou surpreso com sua revelação, mas

estou fazendo amor com a srta. Darling, o que requer certa

fineza que certamente seu pai não possui.

Frannie começou a rir e o que prometia ser a manhã

mais adorável que Sterling já experimentara morreu na

praia. Agarrou o lençol para cobrir Frannie, saiu de cima

dela e sentou-se, amarrando outra ponta do lençol nos

quadris.

— Não está horrorizada? — ele perguntou. Frannie fez

um gesto negativo com a cabeça.

— Nos cortiços, as crianças costumam dormir com os

pais e às vezes na mesma cama.

Era para admirar-se que eles tivessem mais filhos

depois do primeiro.

— Peter, vá para a cozinha e procure algo para comer.

E não ouse fugir. Se você fizer isso, mandarei esse

monstro das minhas costas buscá-lo.

O garoto arregalou os olhos.

— Ele é de verdade?

— Apenas lembre-se do que eu disse.

— Posso conhecê-lo?

— Depende se você ainda estiver aqui quando eu

descer para tomar o café da manhã.

— Estarei, prometo.

Page 269: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

269

O menino saiu correndo com as pernas finas.

— Onde é que vai encontrar um dragão? — Frannie

perguntou.

— Eu me preocuparei com isso mais tarde. Pelo menos

por enquanto, ele não fugirá.

Frannie passou os dedos nas costas de Sterling.

— Você estava fazendo amor comigo de verdade?

Sterling deitou-se de novo sobre ela.

— Se você teve de perguntar, sem dúvida não fiz a

coisa certa. Deixe-me tentar com mais empenho antes de

ir atrás de um dragão.

Sterling fez amor verdadeiro com Frannie duas vezes.

Depois ela foi ao quarto de Catherine para se arrumar.

Encontrou um banho preparado e ensaboou-se devagar.

Ela não queria pensar em Sykes, mas preocupou-se

com uma possível retaliação se ele descobrisse o paradeiro

do filho. Quanto a Nancy, a moça enfrentava o que

merecia. Mas logo mudou de idéia. Ninguém merecia Sykes.

Apesar da rebeldia de Peter, Frannie acreditava que o

menino poderia ser redimido, mas o que a surpreendia era

a comunicação que começava a se desenvolver entre Peter

e Sterling. Para um homem que proclamava desprezar os

ladrãozinhos, ele parecia ter se afeiçoado ao garoto.

Depois do banho, Agnes ajudou-a a pentear os cabelos

e escolheu um dos vestidos de Catherine para uso

doméstico. Era azul-marinho, recatado, mas provocante.

Page 270: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

270

Frannie refletiu que Sterling na certa se arrumara mais

depressa do que ela.

Surpreendeu-se ao não encontrá-lo na sala de almoço.

— Sua Graça já tomou o café da manhã? — ela

perguntou a um dos criados.

— Sim, senhora.

— Por favor, onde poderei encontrá-lo?

— Não sei, senhora. O sr. Wedgeworth deve saber.

— E onde ele está?

— Creio que deve estar falando com a cozinheira a

respeito do almoço.

De fato, Frannie encontrou-o na cozinha.

— Srta. Darling, o desjejum não a agradou? — ele

inquiriu, preocupado.

— Estava ótimo, obrigada. — Embora não houvesse

comido, estava ansiosa para falar com Sterling. — O

senhor sabe onde posso encontrar o duque?

— No ateliê. Quer que a acompanhe até lá?

— Sim, por favor.

O ateliê ficava na parte de cima de uma das alas que

ela não conhecia. As paredes externas eram de vidro e os

raios de sol criavam um halo ao redor de Sterling que

estava sentado atrás de Peter. O menino usava calça, mas

uma camisa que alguém arrumara para ele estava

amarrotada no chão.

Page 271: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

271

Sterling, segurando uma paleta, pintava um dragão nas

costas do garoto.

— Ele precisa de muito fogo — Peter anunciou.

— Sim, mas terá de se satisfazer com o que eu lhe der

e ainda agradecer — Sterling respondeu.

— Por favor, sir?

Sterling tremeu os lábios como quem se divertia,

satisfeito por ter conseguido um pouco de cortesia do

garoto.

— O fogo pelo ombro será suficiente?

— Sim.

Frannie atravessou a sala e parou ao lado de Sterling.

— O que está fazendo?

— Acabo de iniciar Peter na Ordem do Dragão. Ele fez

um juramento para ficar onde a srta. Darling, que é a

rainha da ordem, determine que ele fique.

— Espero que eu possa ficar aqui. — Peter virou a

cabeça para trás.

— Fique quieto, rapaz — Sterling repreendeu-o,

adiando a resposta.

Frannie comoveu-se. Ficar ali não era uma das opções.

— Terei de revisar minha contabilidade — ela

anunciou, evitando desapontar Peter. — É um dragão

espetacular. Eu não sabia que milorde também pintava a

óleo. — Ela olhou as paredes. — São seus trabalhos?

Page 272: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

272

— São. — Sterling deixou a paleta sobre uma mesa. —

Fique sentado, Peter, enquanto a tinta seca.

— Sim, senhor. Sterling levantou-se.

— É surpreendente o que a dignidade de cavaleiro faz

em prol da cortesia.

— Ele é um bom menino que não teve oportunidade de

demonstrar seu caráter.

— E quem o ensinará como agir?

— Eu tentarei.

— Ótimo. Frannie, se quiser, pode olhar meus

trabalhos.

Frannie começou a andar ao redor da sala e Sterling,

que parecia preferir paisagens, seguiu-a. Ela parou ao lado

de uma pintura que retratava montanhas, árvores e um lago

em primeiro plano. Não parecia um local de civilização, mas

tinha um toque especial.

— É lindo.

— É a primeira propriedade de meus ancestrais.

Frannie foi até o quadro seguinte que exibia o mesmo

cenário.

— Essa é sua vista favorita?

— Está vendo este salgueiro? — Ele indicou um

arbusto do outro lado do lago. — Papai plantou-o depois da

morte de mamãe. Sempre pensei nele como a árvore de

minha mãe e a cada ano eu registrava seu crescimento.

Sempre no aniversário de sua morte, eu montava o cavalete

Page 273: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

273

e pintava o local.

Frannie observou as pinturas alinhadas em ordem.

— Gostei de seu trabalho — ela afirmou ao chegar à

última tela.

— É mesmo?

— Nas primeiras pinturas foi retratado o cenário

global do campo. Com o passar dos anos, a árvore passou a

ter maior destaque, à medida que ela crescia.

— Genial, não é? — ele perguntou, sem entusiasmo.

Frannie virou-se para encará-lo, para ver se era uma

ironia.

— É, sim. Imagino deve ter começado a pintar muito

jovem. Vejo mais de doze telas.

— Bem mais e acho que está certa. Minha perspectiva

do mundo mudou nesse tempo. — Sterling virou-se. —

Vamos ver o estado do dragão.

— Preciso voltar ao orfanato.

— Iremos juntos. — Sterling fitou-a por sobre o

ombro. — Prefiro que não vá sozinha a lugar nenhum.

Frannie não tinha intenção de tornar-se prisioneira,

mas só por um dia não lhe faria mal.

Mais tarde naquela noite, Frannie fechou as brochuras

contábeis. Os números se juntavam uns aos outros, talvez

Page 274: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

274

pelo cansaço excessivo. Se não fosse pela grande

quantidade de dinheiro envolvido, ela poderia deixar os

lançamentos se acumularem, mas se não os mantivesse em

dia, ficaria sempre atrasada. Chegou a considerar a

possibilidade de entregar a incumbência para outra

pessoa, mas era imprescindível que o menor número de

pessoas soubesse quais eram os valores que mudavam de

mãos no Dodger's.

Ela passara a maior parte do dia no orfanato ao lado

de Sterling e Peter.

— Se o forçar a ficar aqui — Sterling comentou —,

acabará transformando o local em uma prisão para ele.

— Concordo, mas prometi a Nancy que cuidaria dele.

— Talvez ele possa ficar na minha casa até você

encontrar quem queira adotá-lo.

Frannie ficara sensibilizada com a oferta. Olhou no

pequeno relógio de cima de sua mesa. Era quase meia-noite.

Quando Sterling a deixara — com relutância — no

Dodger's, ela prometera que estaria em casa àquela hora.

O coche que ele mandaria já estava esperando na travessa.

Em casa. Não era sua casa, mas seria um abrigo para

Peter até o menino perder o pavor e acostumar-se ao

orfanato enquanto ela não achasse uma pessoa para ficar

com ele.

Com o canto do olho notou um movimento, fixou-se na

entrada e levou um susto. Inspirou fundo para se acalmar,

afastou a cadeira e levantou-se.

Page 275: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

275

— Olá, Jim. Há quanto tempo está aí?

Frannie não o via desde a manhã em que ele

interrompera o desjejum na residência de Sterling. Jim

estava com péssima aparência, como se não houvesse

dormido desde aquele dia.

— Há alguns minutos. Não conheço ninguém que se con-

centre tanto no trabalho quanto você.

— Pois eu estava pensando exatamente na minha falta

de concentração. Como tem passado?

Jim ergueu os ombros largos.

— Sinto muito, Frannie, pelo que eu disse outro dia.

— Não se desculpe. — Frannie parou em frente da

escrivaninha. — Sei que você teve boa vontade e apreciei

sua vontade de casar-se comigo caso eu me encontrasse

em dificuldade.

— Mesmo se não for por isso. — Jim sorriu. — Eu

sempre a amei, Frannie. Você foi a razão de eu ter ficado

com Feagan, mas eu sabia que você amava mais Luke e Jack

do que a mim.

— Não seja tolo, eu amo vocês todos... como irmãos.

— Não penso em você como uma irmã e também sinto

por isso, mas não se pode mandar no coração. Você o ama?

Não foi necessário perguntar a quem ele estava se

referindo. Frannie pressionou a mão na boca e sentiu as

lágrimas se formarem.

— Deus me ajude, Jim, mas eu o amo mesmo sabendo

Page 276: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

276

que ele não se casará comigo. Você estava certo. E, por

favor, não adiantará interferir. Eu não me casaria com

Greystone, mesmo se ele pedisse. Ele é um duque e não

quero ser uma duquesa. Continue sendo meu amigo, Jim,

pois tenho pressentimento de que precisarei de meus

amigos.

— Eu jamais a abandonaria. Sé você pensar o

contrário, estará me ofendendo.

Frannie aproximou-se dele, ficou na ponta dos pés e

beijou-lhe a face.

— Obrigada.

O constrangimento dos dois fez Frannie entender que

eles nunca mais poderiam desfrutar de uma amizade

espontânea.

— Bem, é tarde, e preciso ir embora.

— Certo, eu o verei outro dia.

Jim virou-se para sair, e Frannie pegou o manto.

— Ah — Jim disse, já na porta. — Lembra-se de Nancy

que conhecíamos desde pequenos?

Frannie parou, segurando a capa de encontro ao peito.

— A Nancy que morava com Sykes?

— Ela mesma. Nós a encontramos boiando no Tâmisa.

— Morta?

Jim anuiu com seriedade.

— A julgar pelos ferimentos ao redor do pescoço, é

Page 277: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

277

provável que tenha sido estrangulada.

Capítulo XI

Jack nem chegou a adormecer depois de ter feito um

amor apaixonado com a esposa Livy. Escutou um assobio e

retesou-se. Ela, que estava aconchegada nele e lhe cobria

peito com os cabelos castanho-avermelhados, percebeu o

movimento e mexeu-se.

— O que foi? — ela murmurou.

— Preciso verificar uma coisa. — Jack beijou-lhe o

alto da cabeça e saiu debaixo dela. — Continue dormindo.

— Jack?

— Fique quietinha — ele sussurrou no ouvido de Livy.

— Tenho certeza de que não é nada.

Jack vestiu a calça e uma camisa antes de sair do

quarto e descer. Mesmo após alguns meses de ter recebido

como legado aquela mansão em St. James, ele custava a

acreditar que tivesse a felicidade de ter Livy como sua

esposa. Ao alcançar o grande vestíbulo, pensou em abrir a

porta da frente e verificar do lado de fora a origem do

Page 278: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

278

assobio, mas suspeitava de que o autor da façanha já

estivesse dentro da casa.

Fechaduras nunca tinham sido empecilhos para

Feagan. Jack o conhecia muito bem e supôs que o

encontraria na biblioteca onde ficavam guardadas as

bebidas.

Encontrou o antigo, protetor servindo-se de uísque,

vestido com o capote que conhecera melhores dias e com

o chapéu de feltro de copa alta que ele usava mesmo

dentro de casa.

— Feagan.

— Ah, meu Dodger, não vou me demorar. Espero não

ter perturbado o que poderia ter sido uma noite agradável.

— Feagan olhou ao redor. — Você conseguiu uma bela casa.

— Que o senhor certamente já visitou na minha

ausência. Portanto, seu velho malandro, o que está fazendo

aqui? — Jack aceitou o copo de uísque que Feagan lhe

oferecia.

— Estou preocupado com minha querida Frannie. —

Feagan completou outro copo com a bebida. — Sykes

espalhou a notícia de que pagará bem pela morte dela.

— Mas por que cargas d'água Sykes pretende que a

matem?

— Frannie está interferindo nos negócios dele,

tirando os meninos da rua.

— Pois então você mande dizer por aí que se alguém

Page 279: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

279

tocar em um só fio de cabelo dela... droga, ela foi atacada

outra noite. Cheguei a concordar com Frannie que se

tratava de um acaso, um ataque de algum ladrão.

— Ela deve ter dito isso pelo sentimento de culpa por

Luke ter matado um lorde. Na certa não queria vê-los

metidos em encrencas que os levassem à forca.

Jack praguejou. Devia ter desconfiado de que ela

quisesse proteger a todos, menos a ela mesma.

— Torne público que seus rapazes farão dos cortiços

um inferno se tocarem nela.

— Já fiz isso, mas desconfio de que não adiantará.

Vocês saíram do cortiço, mas Sykes continua no mesmo

local. Meus novos meninos não o conhecem, mas sabem que

Sykes é um demônio.

Jack tornou a praguejar. Independentemente do que

fizessem, do degrau que haviam escalado, do sucesso que

houvessem atingido, os cortiços sempre os puxavam para

trás.

— Está bem, reunirei todos, apareceremos no seu bar

preferido amanhã à noite e faremos com que os novos

meninos tenham uma idéia do que somos capazes.

— Para falar a verdade, tenho receio de que seja

tarde demais.

Jack sentiu um aperto no estômago.

— Feagan, o que você ficou sabendo?

— Que pretendem matá-la esta noite.

Page 280: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

280

* * *

Frannie admitiu que deveria ter contado a Jim que

Sykes na certa matara Nancy, mas havia assuntos mais

prementes para resolver. Precisava tirar Peter e as outras

crianças de Londres. E para isso teria de pedir ajuda a

Sterling e não a Jim.

Além disso, se Jim soubesse o que ela suspeitava,

faria perguntas e tentaria protegê-la, mas não havia tempo

para isso. As crianças tinham prioridade sobre todo o

restante.

Abriu a porta dos fundos e deu um grito ao ver um

homem alto e moreno parado. À sua espera.

— Perdão, querida, mas eu não pretendia assustá-la. —

Sterling abraçou-a.

— Eu não o esperava.

— Eu a avisei de que não a deixaria andar sozinha. Você

está bem? Parece trêmula.

— Sykes matou Nancy.

— O quê? Frannie anuiu.

— Jim contou-me. Acharam o corpo dela no rio Tâmisa,

mas tenho certeza que foi Sykes. Eu não deveria tê-la

deixado voltar, deveria ter insistido...

— Frannie, querida, você não é responsável por todas

as maldades que são cometidas contra os outros.

— Eu sei, mas fiquei tão furiosa com ela...

Page 281: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

281

— Por um motivo justo.

— Ela não merecia isso. Onde está Peter?

— Estava dormindo quando saí.

— Deixou alguém tomando conta dele?

— Não, ele prometeu não sair.

— Ah, Sterling, uma criança não sabe o que é

prometer.

— Então vamos para casa, ver como ele está.

O coche transitava com rapidez e Sterling abraçava

Frannie.

— Sterling, sei que é pedir muito, mas não poderíamos

levá-lo para sua propriedade rural?

— Acha mesmo isso necessário? Por que Sykes

pensaria que o garoto está conosco?

— Nancy pode ter dito a ele, não sei. Apenas acho que

Peter não está seguro em Londres.

— Então o levaremos para o campo. Frannie apertou a

mão de Sterling.

— Eu gostaria de levar também as outras crianças.

— Quantas são?

— Trinta e seis. Sei que são muitas, mas pode ter

certeza de que elas não roubarão nada.

— Frannie, eu não me preocupo com isso, estou pensan-

do em acomodações. Tenho mais duas carruagens que

poderão levar o pessoal que trabalha no orfanato. Temos

Page 282: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

282

um carroção usado para transportar nossos pertences

para a temporada de Londres e levar tudo de volta. Creio

que esse veículo acomodará as crianças. Será

desconfortável para eles se chover, mas será apenas um

dia de viagem, se sairmos cedo.

Frannie abraçou-o com força pela cintura.

— Não imagina o quanto lhe sou grata.

— Por acaso imaginou que eu me omitiria?

— Eu sabia que poderia contar com você.

Dois meses antes, Sterling não teria feito isso. Antes

disso, só se preocupava com os próprios prazeres e não

dava importância aos órfãos da rua. Ele tinha de admitir,

havia sido um homem bem egoísta e vazio.

Quando chegaram à residência de Sterling, Frannie

subiu a escada correndo, enquanto o duque falava com

Wedgeworth sobre os preparativos para a viagem com o

carroção e as carruagens.

— Sterling!

Ele olhou para cima e ao ver Frannie, imaginou o que

acontecera.

— Ele foi embora.

Eles procuraram por toda parte e até no ateliê onde

Sterling deixara o menino pintar com carvão antes de

dormir.

Por um momento Frannie analisou a figura do desenho

de Peter. Linhas duras, olhos redondos e negros, dentes

Page 283: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

283

pontudos.

— Deve ser algo que lhe aparece em pesadelos —

Sterling comentou, tão constrangido como ficara ao ver o

desenho pela primeira vez.

Que tipos de pensamentos sombrios passam pela

cabeça de Peter?

Frannie deu um sorriso triste.

— É Sykes. — Ela se virou, rumo à porta. — Preciso ver

o que se passa no orfanato.

— Posso imaginar que ele vá atrás do filho — Sterling

admitiu enquanto a seguia escada abaixo —, mas os

outros...

— Você não entende Sykes. Quando eu tinha doze anos

ele me disse que me desejava para ser sua garota e tentou

me beijar. Acertei nele um pontapé e afirmei que preferia

morrer. Sykes garantiu que havia coisas piores do que a

morte e suponho ser esse o motivo por ele ter arranjado

minha pequena jornada ao inferno.

— Você não me contou sobre isso.

— Lembrei-me do fato esta noite quando soube da

morte de Nancy.

— Cada vez gosto menos desse sujeito. Talvez

Swindler possa dar um jeito nele.

— Não sem provas. Sykes se esconde nas sombras e é

muito difícil de encontrar.

O que dava a ele uma vantagem sobre Sterling.

Page 284: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

284

Eles saíram e desceram os degraus. O coche estava

esperando, mas Sterling não viu o cocheiro nem o criado.

Deviam estar tomando chá na cozinha.

— Tenho de avisar o cocheiro.

Frannie chegou ao final da escada antes de Sterling e

ele notou que dois lampiões de gás não estavam acesos.

Onde estava Frannie? Ela estava no campo de visão

dele e de repente desaparecera atrás da cerca viva.

— Wedgeworth! — Sterling gritou a plenos pulmões e

desceu correndo a escada.

Ele amaldiçoou a escuridão que a engolira, viu a sombra

se mover... e um gemido feminino.

— Frannie!

Escutou passos rápidos que vinham da mansão.

— Vossa Graça!

Mais luz vinha em sua direção e ele pôde distinguir as

formas. Dois homens estavam curvados sobre alguém...

— Frannie!

Os dois homens saíram correndo.

— Peguem os canalhas! — Sterling gritou para seus

criados, enquanto se ajoelhava ao lado da mulher ferida.

— Santo Deus, é a srta. Darling — Wedgeworth disse,

segurando a lamparina no alto.

Sterling não pôde responder por causa das lágrimas

que lhe tolhiam a garganta. Pegou Frannie no colo com

Page 285: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

285

cuidado, levantou-se e engoliu o medo.

— Quando Catherine desmaiou, Claybourne mandou um

dos criados chamar o dr. Bill Graves.

— Sim, Vossa Graça. Deve ter sido Jessup.

— Mande-o imediatamente à procura de Graves.

A imobilidade de Frannie assustou Sterling e ele

mantinha os dedos pressionados na leve pulsação do

pescoço para certificar-se de que ela estava viva. Frannie

apresentava um grave ferimento na cabeça. Uma das

criadas o ajudara a pôr nela uma camisola para deixá-la

mais confortável. Pelos hematomas era evidente que

haviam batido nela. Ah, se ao menos os tivesse visto e se

não houvesse parado na escada! Se ao menos sua visão

fosse melhor à noite. Se...

Mandar o criado chamar Bill foi como avisar todos por

telegrama. Luke, Catherine e Jim chegaram logo depois,

seguidos rapidamente por Jack que trouxe com ele um

homem que Sterling considerou de aparência suspeita e

que foi apresentado como sendo Feagan. O homem idoso,

apoiado na bengala, observou Frannie que estava com os

cabelos espalhados no travesseiro. Aquele era o sujeito

que Frannie pensava ser seu pai. A julgar pela maneira

como a fitava, como se perdê-la acabaria por matá-lo, era

possível que ela tivesse razão.

— Frannie levou uma pancada violenta na cabeça. — Bill

inclinou-se sobre ela e abriu uma pálpebra fechada de cada

vez. Endireitou-se e olhou em volta. — Quero que todos,

Page 286: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

286

exceto Catherine, saiam para que eu possa fazer um bom

exame.

Várias bocas se abriram...

— Os senhores o ouviram — Catherine protestou com

energia. — Vão embora e depressa. Uma demora poderá

prejudicá-la. Quando soubermos de mais alguma coisa, nós

os encontraremos na biblioteca.

Sterling escutou os outros se afastarem, mas

continuou ao lado da cama, fitando Frannie.

— Sterling, você também precisa sair. — Catherine

tocou seu braço.

— Deixe-nos a sós por um momento. Ela anuiu e levou

Bill até a sala de estar.

Sterling curvou-se e murmurou junto à orelha de

Frannie.

— Por favor, minha doce Frannie, não permita que

Sykes a leve. Juro que jamais deixarei que ele torne a

machucá-la.

Ele a beijou na testa. Não foi o suficiente, mas era

tudo o que tinha para oferecer.

— Não vi ninguém rondando a casa — Sterling disse

pela enésima vez.

Ele não estava acostumado a defender seus atos e

procurou ser amável, convidando a todos para tomar uísque

e o que mais desejassem na sua biblioteca. Parecia que

todos desejavam determinar sua responsabilidade na

Page 287: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

287

tragédia.

— Como isso é possível? — Jim perguntou com raiva

aparente depois de um interrogatório tedioso.

— Chega! — Jack gritou. — O que aconteceu não tem

volta. De agora em diante teremos de protegê-la melhor.

— Sykes provavelmente não a perdoou — Feagan disse.

— Só há uma maneira de evitar que ele nunca mais volte a

atacá-la.

— E qual é? — Sterling perguntou.

Jim fitou-o como se ele tivesse perdido o juízo.

— Nós o mataremos — Feagan disse com simplicidade.

— E como faremos isso? — Sterling não acreditou na

própria pergunta.

— Primeiro teremos de encontrá-lo — Luke afirmou.

— Não se pode ir até a casa dele e esperar por ele nas

sombras como ele fez com Frannie? — Sterling indagou.

— Alguém como Sykes não costuma divulgar o

endereço — Jim disse. — Ele trabalha em segredo e

contrata sequazes para fazer o serviço sujo, a menos que

seja muito pessoal. Nesse caso ele mesmo pode resolver o

assunto, mas ninguém ousa trair Satã, pois sua vingança é

cruel.

— Precisamos atrair Sykes em uma emboscada — Jack

argumentou. — O problema é ele nos conhecer e saber de

nossa afeição por Frannie. Não confiará em nós se

pedirmos um encontro.

Page 288: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

288

— Ele não me conhece — Sterling falou e seguiu-se um

silêncio total na sala.

— Pode dar certo — Feagan disse após alguns

instantes, coçando a barba.

Sterling esperava que ali não houvesse piolhos, mas

não se importaria de enfrentá-los se isso significasse não

perder Frannie.

— Como assim? — Jim indagou, impaciente.

— Sykes não é apenas um ladrão, mas fornece garotos

para outros no negócio. Certo? Certo. Por isso

espalharemos um boato que um tal de senhor... — Feagan

olhou para Sterling como se estivesse avaliando seu valor

— Knight? Acho que dará certo. Um tal de sr. Knight está

precisando de um menino experiente em entradas furtivas

e gostaria de falar com o sr. Sykes.

— Sykes não se encontrará com ele sem antes fazer

uma verificação — Luke interveio.

— Claro que não. Ele não é nenhum tolo. Nós ficaremos

escondidos observando tudo. Sykes acabará aparecendo

porque o sr. Knight insistirá em fazer o negócio

pessoalmente com ele. Quando ele aparecer, tomaremos

conta dele.

Carrancudo, Jim fitou Sterling.

— Precisamos ter certeza se Vossa Graça

compreendeu perfeitamente o que estamos propondo.

— Posso assegura-lhes de que não sou o tolo que os

Page 289: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

289

senhores pensam que sou. Servirei de isca e quando a presa

a engolir, os senhores o matarão. E quero crer, inspetor,

que por suas investigações, o senhor concluirá que se

tratou de um acidente.

— Ou defesa própria. — Jim deu de ombros.

Luke, sentado na beira da mesa, inclinou-se para a

frente.

— Greystone, é preciso entender que não é fácil

conviver com a responsabilidade da morte de um homem na

consciência. Essa não é uma decisão que deve ser tomada

com rapidez nem com raiva.

Sterling fitou Feagan.

— Pode espalhar o boato.

Sentado ao lado da cama, Sterling segurava a mão de

Frannie e com o polegar acariciava-lhe os nós dos dedos.

Segundo Bill, ela acabaria acordando. Frannie saíra do

episódio com duas costelas quebradas, várias escoriações,

mas sem graves ferimentos internos. Bill creditou a

Sterling o fato de tê-la encontrado em tempo.

Mas todos na biblioteca haviam reconhecido a

desesperada tentativa de Bill de culpar um camarada sem

nome e sem rosto pela condição terrível em que Frannie se

encontrava, sendo que todos sabiam quem era o criminoso.

Um homem que não via sua mão se a estendesse para o lado.

Um homem para quem o escuro era o maior inimigo. Claro

que eles não sabiam dessas particularidades que Sterling

também não pensava esclarecer. Ele não teria de ver Sykes

Page 290: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

290

uma vez que conseguisse atraí-lo, a menos que Sykes

pretendesse atirar nele, o que era uma possibilidade.

Muitas vezes usara rifles na África, mas também chegara

a usar uma pistola que era mais fácil de esconder.

Algumas vezes um dos homens vinha substituí-lo ou

entrava para dizer que nada se ouvira falar sobre Sykes.

Na certa um encontro demoraria de vinte e quatro a

quarenta e oito horas para ser marcado.

Sterling reconhecia a imprudência de envolver-se, mas

ele não protegera Frannie quando deveria tê-lo feito. E

faria o impossível para que ela fosse resguardada para

sempre, independentemente do preço a pagar.

Escutou passos leves, olhou por sobre o ombro e viu

Catherine. Ela puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dele.

— Como ela está?

— Ainda está dormindo.

— Mas ela acordará. — Catherine apertou-lhe a mão.

— Pode confiar neles, Sterling.

— Não creio nisso. Eu não ficaria surpreso se Swindler

usasse a oportunidade para que eu fosse enforcado. Ele

tem uma péssima opinião a meu respeito.

— Eles a amam.

— É muito fácil gostar de Frannie.

— Você a ama, Sterling? Ele anuiu.

— Ela é tão bondosa, Catherine. Jamais conheci

ninguém tão altruísta. Seria preferível ela pensar mais um

Page 291: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

291

pouco em si mesma e eu poderia ensiná-la a ser mais

egoísta.

— Era por isso que você e papai brigaram?

— Em parte. Catherine, quando voltei para Londres,

vim vê-lo, mas ele não me recebeu.

— Por que você não veio falar comigo?

— Porque você estava se saindo muito bem sem a minha

presença e eu só complicaria o assunto.

Catherine acariciou o braço do irmão.

— Está certo, acredito no que está me dizendo.

Eles ficaram em silêncio por algum tempo. Sterling

pensava em escovar os cabelos de Frannie, em deitar-se a

seu lado e abraçá-la... uma última vez. Depois que o assunto

Sykes fosse resolvido, tudo mudaria. Ele sabia o que teria

de- fazer, mesmo contra sua vontade. O estranho era

Frannie tê-lo modificado a ponto de torná-lo o homem que

seu pai idealizara.

— Sterling, sei o que pretende fazer, mas há muitos

perigos envolvidos. Se algo acontecer a você, não haverá

herdeiros.

— Temos nosso primo.

— Wilson? Você não o tolera.

Sterling ficou em silêncio. Nada, nem mesmo seu título

era mais importante do que a mulher que estava em sua

cama. Catherine abraçou-o e encostou a cabeça em seu

ombro.

Page 292: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

292

— Sterling, para mim parece que você finalmente

voltou para casa.

Sterling teve de admitir que parecia mesmo um

facínora. Não dormira, nem se barbeara, o que o deixava

com aspecto grosseiro. Não se barbear fora idéia de Jack

e a falta de sono resultará das horas passadas ao lado da

cama olhando para Frannie. Queria demais vê-la acordada,

mas assim pelo menos não teria de mentir para ela. Frannie

não aprovaria o que ele se preparava para fazer, porém era

preciso agir dessa forma para o bem dela e talvez um pouco

por si mesmo.

Nada perguntara sobre a procedência das roupas

sujas que Jim trouxera e que lhe provocavam coceiras.

Mesmo assim não parecia um mendigo, mas também não

com o homem que se vestia com um dos mais exclusivos

alfaiates londrinos.

Feagan mandara avisar que o sr. Knight deveria ocupar

uma mesa de canto no bar às dez da noite. Alguém o

encontraria lá.

— Provavelmente não será Sykes — Jack explicou

quando ele, Jack, Luke e Feagan aguardavam na travessa

escura a aproximação do horário. — Deverá ser um dos

lacaios dele e Vossa Graça terá de insistir que deseja falar

pessoalmente com Sykes. Procure falar sem muita fineza.

— Eu planejava imitá-lo.

— Na verdade, milorde terá de ser um pouco mais rude

— Jack disse. — Lembre-se, nós todos tivemos um certo

Page 293: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

293

nível de educação.

— Posso falar do jeito que for necessário — Sterling

respondeu, arrastando as palavras.

Jack sorriu.

— Nada mau. Faremos que se torne um dos meninos de

Feagan.

— Não, obrigado. Esta é uma performance de uma

noite. — Sterling olhou para Jim. — Por falar nisso, Frannie

está convencida de que Sykes matou Nancy. Ela entregou

o filho para Frannie cuidar.

— Maldição.

— O menino esteve em minha casa, mas acabou

fugindo. O nome dele é Peter, mas diz chamar-se Jimmy,

Deus sabe lá o motivo. Quando resolvermos o caso de

Sykes, seria melhor procurá-lo. Frannie ficará muito feliz

se o encontrarem.

— Por que Vossa Graça não o procura?

— Não planejo encontrar-me com Frannie depois

deste caso encerrado.

Jim agarrou Sterling pelo casaco emprestado e

afastou-o dos outros.

— Ela o ama — Jim afirmou com o rosto a centímetros

de Sterling.

— Sim, e essa é uma infelicidade para ela. Pelo que me

lembro, você garantiu que se casaria com ela e você é um

homem honrado. Tome conta de Frannie e faça o que

Page 294: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

294

estiver ao seu alcance para fazê-la feliz. — Sterling

passou por Jim e quase o derrubou. Tratou de sair da

travessa antes que os outros pudessem reagir.

Ele acabara de representar o papel mais difícil da

noite. Fingir que Frannie nada significava para ele. O resto

seria bem mais fácil.

Frannie sentiu forte dor de cabeça e apesar da luz que

machucava seus olhos, reconheceu a cama de dossel de

Sterling. Por que estava tão dolorida?

Escutou alguém dizer suavemente que ela havia

acordado e viu Catherine curvar-se sobre ela.

— Olá, Frannie, como está se sentindo?

— Parece que fui moída.

— Lembra-se do que houve? — Bill perguntou,

aproximou uma lamparina de seu rosto. Frannie tentou

virar a cabeça, mas ele segurou-a pelo queixo. — Fique

quietinha e responda.

— Eu... — ela procurou lembrar-se. — Estávamos

procurando Jimmy... Peter.

— A última coisa de que se recorda é estar no

orfanato?

— Não. Estávamos aqui.

— Aqui onde?

— Você não sabe onde estamos? Bill sorriu.

— Eu sei, mas você levou uma pancada na cabeça e

quero ter certeza de sua percepção.

Page 295: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

295

— Estamos na casa de Sterling. Onde ele está?

Bill deu uma tossidela e deixou a lamparina na mesa.

— Você está dormindo há quase vinte e quatro horas

e eu gostaria que tentasse tomar um pouco de caldo

quente. Catherine, providencie isso para nós.

— Volto em instantes. — Ela saiu do quarto. Frannie

assustou-se.

— Onde está Sterling?

Bill sentou-se na beira da cama.

— Frannie, está lembrada do que houve?

Ela sentou-se depressa e precisou agarrar mão de Bill,

pois teve a impressão de que sua cabeça se partiria ao

meio.

— Ele está morto? Oh, não, meu Deus! Não!

— Ele está bem, Frannie. — Bill apertou-lhe a mão, pôs

alguns travesseiros atrás da cabeça dela e deitou-a. —

Você se lembra de terem sido atacados?

— Não.

— Lembra-se de Sykes?

— Quem poderia esquecer aquele monstro?

— Ele quer assassiná-la, Frannie.

— Ele matou Nancy. — De repente a recordação

apareceu muito nítida.

— Não posso afirmar nada, mas sei que ele jurou matar

você. Por isso os outros estão tentando atraí-lo para uma

Page 296: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

296

cilada.

— Outros? — Frannie apertou os olhos, tentando

lembrar-se dos nomes. Como pudera esquecê-los? — Luke,

Jack e Jim. — Anuiu e abriu os olhos. Eram três, embora

chegasse a pensar que Luke não fazia mais parte do grupo.

Fora um engano. Sempre que um estivesse em apuros, os

outros largavam tudo para ajudar. — Mas onde está

Sterling?

— Com os outros.

Aquilo não fazia sentido.

— E onde estão os outros?

— Já lhe disse, procurando Sykes.

— Nas ruas, nos cortiços?

— Sim.

— Não. — Frannie tentou sair da cama, mas Bill a

impediu.

— Cuidado, Frannie. Vai se machucar.

— Ele não é um dos nossos. Ele nunca...

— Por isso ele é uma isca perfeita. Sykes não o

conhecerá. Frannie bateu o punho fechado no ombro de Bill

que se levantou e recuou.

— Você melhorou depressa, querida.

— O que foi planejado?

— Frannie...

— Diga logo.

Page 297: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

297

Frannie horrorizou-se ao escutar a explicação.

Sterling não era como eles. Se houvesse uma pequena

falha, ele poderia ser morto.

Sentado em um canto escuro, Sterling olhava para

fora. Nessa posição poderia ver quem se aproximasse de

lado e, quando o camarada se sentasse, ficaria em seu

ângulo de visão.

O salão estava lotado e o bar recém-polido que se

estendia pela largura do recinto parecia novo. Sterling

tomava a cerveja devagar para não chamar a atenção e

para manter o raciocínio perfeito. Trazia uma pistola no

bolso do casaco. Ocorrera-lhe que se Sykes fosse o

primeiro a aparecer, ele poderia simplesmente atirar no

sujeito. Mas como havia muitas pessoas no recinto, não

poderia arriscar a vida de inocentes, embora duvidasse de

que naquele ambiente de mau gosto houvesse muitos

inocentes.

Recriminou-se por esse pensamento de mente estreita

que também considerara o casamento de Catherine como

um desastre. Em vez disso, ela se unira a um homem que

não se importava com o custo pessoal ao distribuir as

inúmeras recompensas. Rotulara os três e Luke como

sujeitos pouco acima de marginais e estava descobrindo o

que Catherine já sabia. Eram pessoas extremamente leais.

Wexford também faria o necessário para proteger

Sterling? Ou ele só agiria como lhe fosse conveniente?

Sabia que era injusto julgar Wexford pelos padrões

Page 298: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

298

estabelecidos pelos amigos de Frannie. A vida dele nunca

estivera exposta aos mesmos perigos. Dera a volta ao

mundo à procura de excitação, mas seu coração nunca

batera tão forte como naquele momento.

— Sr. Knight?

Sterling levantou o olhar. Não era Sykes, era um

homem loiro.

— Quem é você?

— Um assistente do sr. Sykes. — O homem puxou uma

cadeira e sentou-se.

— Está perdendo seu tempo, não falo com assistentes

— Sterling esmerava-se no sotaque das ruas.

— O sr. Sykes não fala com camaradas que não

conhece.

— Ele virá se estiver interessado em ganhar dez mil.

— É muito dinheiro.

Sterling deu um sorriso arrogante e tomou um gole de

cerveja.

— Qual é o negócio? — o homem perguntou

— Seu nome é sr. Sykes? O homem olhou ao redor.

— Volte amanhã.

— Não.

O homem o fitava como se estivesse com uma pistola

apontada no peito e Sterling deu de ombros.

— Preciso do garoto hoje, tenho um compromisso.

Page 299: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

299

— Não parece que tenha planejado bem o encontro.

— Planejei tudo muito bem e com rapidez. Assim as

chances de sermos descobertos são menores.

— É um homem cauteloso, sr. Knight.

— E muito perto de tornar-me rico. O sujeito anuiu e

cocou a barba rala.

— Está certo. Encontre-me na travessa atrás do bar

em dez minutos. Eu o levarei ao sr. Sykes.

O sujeito foi embora e Sterling tomou o restante de

cerveja. Como de hábito, procurou o relógio para conferir

a hora e lembrou-se de que não o havia trazido. O brasão

poderia tê-lo denunciado. Poderia dizer que o roubara, mas

resolvera não arriscar. Se sobrevivesse, queria entregá-lo

ao filho e, se não o tivesse, deixaria em sua mesa com um

recado para Frannie.

E ela só saberia o quanto fora amada, depois da morte

dele. Calculou que haviam se passado dez minutos e saiu

pela porta da frente. Ficou parado por alguns segundos

como quem se orientava e levantou a gola do casaco para

evitar o frio da noite. Era o sinal que o contato havia sido

feito e que o encontro fora arranjado.

Foi até a esquina e entrou na travessa. Não chegou a

dar dois passos. Foi agarrado e encostado no muro, de

costas para quem o pegara.

— Calma, sr. Knight. — Era a voz do homem loiro. —

Estamos procurando suas armas.

Page 300: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

300

— Tenho uma.

Ele foi virado e defrontou-se com um gigante. Aquilo

não era uma maravilha?

— Você não acha que eu viria desarmado a esta região

londrina, não é? Espero que me considerem um pouco mais

esperto.

O homem apontou com a cabeça.

— Por aqui.

Sterling seguiu-o pela travessa até uma escada onde

estava sentado um homenzarrão vestido de preto e com os

cabelos negros caídos nos olhos. A semelhança do desenho

de Peter era notável. Ali estava o pusilânime Sykes.

— Dê-me a arma, Tiny.

O gigante entregou a pistola para Sykes. Sykes virou

a arma de um lado a outro, examinando-a sob a pouca

luminosidade da lamparina que estava acima dele.

— Muito boa.

Sykes olhou para Sterling e deu um sorriso maldoso.

— Tire o chapéu, sr. Knight.

— Por quê? — Sterling estreitou os olhos.

— Porque gosto de ver a cara do homem com quem vou

negociar.

Sterling deu de ombros, como se isso pouco o

incomodasse, e tirou o chapéu.

— Jimmy! — Sykes gritou.

Page 301: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

301

Um menino raquítico saiu de trás da escada onde se

ocultava nas sombras. Era Peter.

Sterling acreditou que não poderia haver melhor

coincidência para o ardil.

Assim que Peter se aproximou, Sykes puxou-o de

encontro a sua perna.

— Já o viu antes, garoto?

Peter olhou para cima e analisou Sterling de vários

ângulos.

— Não, senhor.

Sterling procurou não demonstrar alívio. Por seus

trajes, o garoto não o teria reconhecido?

— Posso ir embora? — Peter perguntou.

— Vá. — Sykes não pareceu contente com a resposta

do menino.

Peter passou correndo e Sterling pediu a Deus para

que Jim o visse e o agarrasse.

— Meu filho. Eu o chamo de Jimmy e sua mãe deu-lhe

o nome de Peter, mesmo sabendo que eu não gostava do

nome. O que fazer com uma mulher que não faz o que a

gente quer?

— Matá-la — Tiny afirmou e deu uma risadinha ridícula

para um homem daquele tamanho.

— Cale a boca, Tiny, ou eu o matarei também — Sykes

respondeu antes de voltar a falar com Sterling: — Sr.

Knight, já deve ter percebido que não sou homem com quem

Page 302: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

302

se deve indispor. Conte-me sobre o assalto que está

planejando.

Sterling gostaria de poder enxergar nas sombras para

saber se os outros estavam por perto.

— Já ouviu falar no diamante Koh-i-noor que está

exposto no Palácio de Cristal? É o maior diamante do

mundo.

— Claro. — Sykes levantou-se com um sorriso largo. —

O senhor planeja furtá-lo?

— Exatamente.

— Então vamos.

— Mande esses dois embora. Sykes pareceu hesitar.

— Se quiser, pode apontar a pistola para mim, sr.

Sykes. Sykes anuiu.

— Vocês dois, podem entrar. Sterling escutou os

passos se afastarem,

— Bem? — Sykes provocou-o.

— É muito simples. Você irá direto para o inferno.

Sterling sentiu o calor antes de escutar o estampido.

Não que isso importasse. Ele se jogara sobre Sykes e o

derrubara. O primeiro soco no queixo de Sykes devia tê-lo

entorpecido, pois ele mal se mexeu.

Sterling não soube quantas vezes atingiu Sykes antes

de alguém puxá-lo para trás.

— Espere, ele não está morto! — Sterling protestou.

Page 303: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

303

— Você não tem de matá-lo — Luke ajoelhou-se a seu

lado. — O que ele disse será suficiente para enforcá-lo,

segundo Swindler.

Sterling sacudiu a cabeça.

— Não será preciso acabar com Sykes se a lei pode

fazer isso por nós — Luke afirmou com calma. — Confie em

mim, Greystone. — Se não tiver de matá-lo, não terá

vontade de fazê-lo.

— Ele machucou Frannie.

— Ela vai se recuperar. Frannie nunca mais olhou para

mim do mesmo jeito depois que matei Geoffrey Langdon.

Ela também se acha culpada.

Sterling anuiu. Se fosse melhor para ela... De repente

ele sentiu uma dor violenta que ameaçava derrubá-lo.

— Onde está Swindler?

— Aqui. — Jim ajoelhou-se ao lado de Sterling.:—

Levamos o menino.

Sterling agarrou a camisa de Jim, disse uma

imprecação e caiu para trás levando Jim com ele.

— Nunca a faça chorar.

Ele não soube se Jim anuiu, porque mergulhou na

escuridão.

Page 304: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

304

Capítulo XII

Sterling acordou com o ombro latejando e a cabeça

doendo. A primeira pessoa que viu foi Jim que, aos pés da

cama e com os braços cruzados na altura do peito, fitava-

o sem a habitual desconfiança.

— Como está Frannie? — Sterling resmungou.

— Por que não pergunta diretamente? — uma voz suave

retrucou.

Sterling virou a cabeça para o lado. Frannie estava

sentada na lateral da cabeceira, em uma poltrona onde um

homem com visão normal poderia tê-la percebido antes.

Frannie acariciou os cabelos dele, assim como fazia com os

órfãos por quem daria a vida. Ela segurou a mão de

Sterling, ergueu-a junto aos lábios e beijou-a, sem se

importar com as lágrimas que molhavam os dedos dele.

— Não chore, Frannie.

— Você poderia ter sido assassinado, seu tolo. — Ela

entrelaçou os dedos nos cabelos dele e virou a cabeça para

falar com Jim. — Quer trazê-lo?

Jim saiu.

— Quem? — Sterling perguntou.

— Peter. Ele tem se preocupado muito com você. —

Frannie afofou alguns travesseiros atrás de Sterling e

Page 305: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

305

ajudou-o a sentar-se.

— Há quanto tempo estou dormindo?

— Três dias e sua febre somente cedeu ontem à noite.

Foi muita sorte, pois houve uma hemorragia no local onde

a bala atravessou seu ombro, mas Bill deu um jeito em tudo.

Sterling anuiu, exausto. Frannie apoiou no braço a

cabeça dele e segurou um copo de água para que ele

pudesse beber. O menino apareceu e Frannie segurou-o

antes de ele pular na cama.

— O senhor vai ficar bom? — Peter indagou. Sterling

anuiu.

— Por que você mentiu para Sykes?

— Ele não é um dragão. — Peter balançou a cabeça.

Sterling achou graça.

— Não é, e você não devia ter fugido.

— Eu não queria ir embora, mas eles vieram me buscar.

— Eles não farão mais isso, não é, Swindler?

Jim postou-se de novo aos pés da cama.

— Não. Sykes está preso e não vai sair mais.

Sterling não duvidou da determinação daquela voz.

Mesmo se o tribunal não julgasse Sykes culpado, Jim daria

um jeito para ele jamais sair da prisão. Se ele não o

fizesse, o duque de Greystone o faria. Esperava nunca vir

a arrepender-se de não ter matado Sykes quando tivera a

oportunidade.

Page 306: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

306

Frannie abraçou Peter.

— Agora diga até logo para o duque.

— Até logo, sir.

— Comporte-se, Peter.

— Jim, por favor, leve-o — Frannie pediu.

Jim anuiu, virou-se, mas tornou a olhar para Sterling.

— Você não é tão ruim para um camarada que não foi

criado nas ruas. Tive muita honra de lutar a seu lado.

Sterling não chegou a retribuir o cumprimento. Jim

levou Peter para fora do quarto e fechou a porta.

Sterling virou-se para Frannie, sempre bela, e desejou

poder acreditar que ela não correria mais perigo. Mas era

de se prever que ela continuasse a peregrinação pelos

becos de Londres.

— Você continuará as visitas aos cortiços, não é?

Frannie olhou para as mãos entrelaçadas e fez um gesto

positivo de cabeça, antes de fitar Sterling.

— É onde as crianças se encontram.

E onde ele não poderia protegê-la. Tivera sorte com

Sykes, mas sua experiência com o carteado do Dodger's

afirmava que a sorte era uma amante volúvel.

Sterling se recuperava aos poucos e os dias

transcorriam com felicidade. Frannie trazia as refeições,

dava banho em Sterling e todas as noites eles dormiam

abraçados.

Page 307: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

307

Quando se sentiu mais forte, ele começou a andar pela

residência e mais tarde pelo jardim, onde Peter costumava

encontrá-lo.

Eles pouco conversavam, mas havia se formado uma

camaradagem inexplicável entre os dois. Sterling sentiria

falta quando o menino fosse embora, e isso aconteceria

bem antes do que ele gostaria.

Sentada no terraço, Frannie observava Sterling, sem-

pre atraente, e o menino abandonado passearem pelo

jardim. Era curioso como se formara um laço de união

entre duas pessoas tão diferentes.

O tempo da plebéia com o duque também se esgotava.

Não faziam amor desde o encontro dele com Sykes, e

Frannie podia sentir que ele recuava. Por sua vez, ela lutava

para proteger o coração, temendo que fosse tarde demais.

Desde o começo, soubera que Sterling seria um

acréscimo temporário em sua vida e passara a aceitar o

inevitável. Algumas vezes, à noite, no escuro, morria de

vontade de revelar que se apaixonara por ele, mas isso

faria a despedida muito mais difícil.

— Preciso voltar aos cortiços — Frannie disse para

Sterling durante o jantar daquela noite. — E eu gostaria

que você viesse comigo.

— Creio ter provado que não sirvo como protetor.

— Você provou que arriscaria sua vida por mim e isso

não é irrelevante.

Sterling meneou a cabeça e fitou o alimento do prato.

Page 308: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

308

— Você deveria pedir a Swindler para acompanhá-la.

— Tenho de conversar com Feagan e estou certa de

que o encontrarei em seu pub favorito. —Frannie queria

Sterling a seu lado. — Não me demorarei por lá e eu

gostaria muito de ter sua companhia.

Sterling concordou, como se intuísse a importância do

assunto.

— Mandarei aprontar o coche.

O trajeto foi tão calmo como o transcorrer dos dias,

mas pelo menos Sterling a abraçava. Como sempre, ele

sentia quando ela precisava de conforto.

Depois de muitos tropeços, paradas e reinícios, o

cocheiro manobrou o veículo pelas ruas mal conservadas

até chegar ao local onde Frannie esperava encontrar

Feagan. Tudo havia se deteriorado desde o tempo em que

ela estivera ali, acompanhando Feagan para todos os lados,

pois ele alegava que não queria perdê-la de vista. Frannie

não demorou em localizá-lo, por conhecer a mesa preferida

dele. Ela sentiu um aperto no coração ao ver sozinho a um

canto um homem que fora rodeado por crianças.

Ele levantou o olhar e deu um sorriso torto.

— Frannie, querida, a que devo esse prazer?

Sterling puxou uma cadeira e ela sentou-se ao lado de

Feagan.

— Vossa Graça, o senhor me pagaria um drinque? —

Feagan perguntou.

Page 309: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

309

Sterling fitou Frannie e ela concordou.

— Um excelente cavalheiro — Feagan disse assim que

Sterling se afastou — e gosta de você.

— Você quase o matou.

— Não me culpe, a idéia não foi minha, foi dele.

Feagan nunca assumia responsabilidade. Quando um

dos meninos era preso, a culpa era sempre do garoto por

ter sido imprudente, não de Feagan que o enviara para o

perigo.

Sterling voltou, deixou um caneco diante de Feagan e

sentou-se ao lado de Frannie. Sob a mesa, segurou a mão

de Frannie para dar-lhe forças.

Frannie engoliu em seco e deu um longo suspiro.

— Feagan, você é meu pai?

Feagan deu uma risadinha e esfregou a mão na boca.

— Frannie, querida, de onde você tirou uma idéia tola

como essa?

— Eu sempre pensei... que você fosse meu pai.

— Não, você é muito fina e não poderia ter sido gerada

por um sujeito como eu. Eu a encontrei em um cesto na

entrada de uma varanda e a levei. Você sabe como sou.

Quando vejo algo fácil de surrupiar, não hesito.

Frannie não sabia se estava desapontada ou aliviada.

— Eu o amo de qualquer maneira — ela declarou com

um sorriso terno.

Page 310: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

310

— Eu também a amo, minha doce menina. — Feagan

piscou para ela, ergueu o caneco e tomou a cerveja.

O encontro estava terminado. Sterling levantou-se e

puxou a cadeira de Frannie.

Do lado de fora, Frannie comprazeu-se com o ar frio

da noite.

— Você acredita nele? — Sterling perguntou.

— E você? — Frannie fitou-o.

— Não sei.

Frannie inspirou fundo.

— Não importa. Será como ele quer me fazer

acreditar.

— Frannie?

Ela pressentiu o que viria pelo tom de voz de Sterling.

— Amanhã partirei para o campo.

— Esse é um adeus? — ela perguntou.

— Sim.

— E Peter?

— Ele ficará com você. Afinal você é a rainha dos

dragões. Sterling se esforçava para suavizar algo que

partia o coração dela.

— Ele se tornou muito apegado a você. Ele foi avisado

sobre a separação?

— Peter sabe e entende.

Page 311: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

311

Então o garoto era mais inteligente do que ela.

Naquela noite eles fizeram amor e houve uma certa

rudeza, como se ambos quisessem agarrar-se a uma coisa

que jamais poderiam segurar.

Mais tarde, um nos braços do outro, a ocasião foi

agridoce. Frannie sempre temera o momento em que não

poderia mais fazer parte da vida de Sterling, mas não

esperava que isso a fizesse sofrer tanto.

Sterling acordou na manhã seguinte e não encontrou

Frannie na cama. Seria inútil procurá-la. Ela tinha ido

embora e levara Peter. A ausência deles o fazia

experimentar um grande vazio na alma.

Deu um berro de desespero e sua angústia ecoou pelo

quarto, sem trazer-lhe conforto.

Frannie fechou o volume contábil com um suspiro de

cansaço. Sterling partira havia um mês para o campo.

Naquele dia não pensava nele pelo menos durante meia

hora. A cada dia acrescentava um minuto até que não se

lembrasse mais dele.

Peter se adaptara à vida do orfanato, o que a alegrava.

Não imaginava como faria se não tivesse o amor do garoto.

Percebeu que havia alguém na entrada. Levantou a

cabeça, viu que era Jim e levantou-se da cadeira.

— Você sabe que não precisa levar-me até o orfanato

Page 312: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

312

todas as noites.

— Mas eu gosto de andar na sua carruagem elegante.

O veículo chegara uma semana depois que ela deixara

a casa de Sterling. Ela não suportaria despedir-se dele e

por isso se afastara sem dizer adeus.

Ela recebera uma mensagem simples trazida pelo

cocheiro.

Para que você possa sempre viajar com segurança. Não

se preocupe, eu providenciarei a manutenção dos cavalos.

Greystone.

Jim ajudou-a a pôr o manto sobre os ombros.

— Teve notícias dele, Frannie?

— Não e eu nem as esperava, pois Sterling foi para o

campo. Você sabe que a nobreza não suporta Londres no

inverno.

— Nunca me dei conta disso. Frannie riu.

— Faz tempo que não a ouço rir — Jim comentou.

— Então deveria frequentar mais o orfanato. As

crianças são uns amores e me divirto muito com elas.

Quando chegaram ao orfanato, um criado ajudou-a a

descer. Frannie caminhou em direção ao prédio e ao chegar

mais perto, apressou-se. Era sempre bom voltar para casa.

O conde e a condessa de Claybourne têm o prazer de

convidá-lo para uma palestra do sr. Charles Dickens a

Page 313: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

313

realizar-se no dia 15 de dezembro de 1851.

Após o evento haverá recepção e baile, teremos

satisfação de receber sua doação em forma de brinquedo

que será encaminhado ao Lar das Crianças Feagan na manhã

de Natal.

A pequena temporada ocorria em dezembro, quando os

lordes retornavam a Londres para uma rápida sessão no

Parlamento. Sterling divertia-se ao saber que Catherine,

com um pequeno empurrão de Frannie, planejava

aproveitar a oportunidade para praticar uma obra

benemérita. Ele não sabia se tomava o convite que

recebera como um presente ou uma punição.

Sterling se recuperara do ferimento e fora para o

campo assim que seu estado de saúde permitira. Pensara

que se afastar de Londres o ajudaria esquecer Frannie,

mas lembrava-se dela o tempo inteiro, mesmo quando

caminhava pela propriedade até a exaustão.

Por meio de Charles Beckwith, o advogado da família,

mandara elaborar um documento assinado por Catherine,

autorizando-o a enviar mensalmente uma quantia para o

orfanato como ela pedira. As doações pessoais de Sterling

eram anônimas, exceto pelos calçados providenciados pelo

sapateiro que recebia imediatamente após cada remessa

de serviço. Com a chegada do inverno, pelo menos os pés

das crianças ficariam aquecidos.

Em Londres, quando dormia em sua cama, Sterling

tinha a impressão de sentir no travesseiro o perfume de

Page 314: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

314

Frannie. Ela fora mais um presente em sua vida pelo qual

não sabia se deveria agradecer, pois a falta que sentia dela

era imensa.

Ele calçou as luvas brancas no saguão, enquanto os

criados carregavam os cem conjuntos de aquarela que ele

havia comprado para as crianças. Depois de ler o convite

inúmeras vezes, pensara em não comparecer, mas sua

ausência não seria bem interpretada. Em primeiro lugar

não se ignorava o convite de uma irmã e, além disso, quando

se ostentava um título tão respeitado como o seu, era

importante apoiar eventos de caridade. Essa seria uma

declaração que obras sociais valiam seu tempo e davam-lhe

créditos. Como ele e Luke vinham delineando uma legislação

que protegiam as crianças, era realmente imperativo

tornar-se público que ele acreditava no próprio trabalho.

E haveria melhor maneira de divulgar isso do que

comparecer ao evento?

Tudo daria certo e ele não ficaria por muito tempo na

recepção. Falaria alguns minutos com Frannie, perguntaria

por Peter e sairia.

Frannie, ao lado de Catherine, saudava os convidados,

todos em trajes de noite. Ela usava um vestido roxo que

mandara fazer para a ocasião, pois ela queria que o lar das

crianças se orgulhasse dela. Seu nervosismo, porém, nada

tinha a ver com a grande quantidade de nobres ali

presentes, mas sim com o temor de que Sterling viesse e

ela fosse incapaz esconder a falta que sentia dele.

Page 315: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

315

Catherine lhe dissera que Sterling estava muito bem

no campo, mas não dera detalhes. Frannie não ficara

sabendo se ele encontrara outra pessoa e se estava feliz,

o que a deixaria mais satisfeita. Acima de tudo ela

desejava a felicidade de Sterling.

Os convidados chegavam, entregavam os brinquedos

que eram levados pelos serviçais a outro recinto e

acompanhavam Frannie até o salão onde cadeiras haviam

sido dispostas em fileiras e um atril fora colocado à frente

de todos.

Ela viu um rosto na multidão que entrava e sorriu.

— Sr. Dickens, é muito bom vê-lo.

— Srta. Darling, está adorável como sempre.

— Bondade sua, sr. Dickens. Permita-me pegar seu

chapéu e seu casaco. — Ela o conduziu para longe da

aglomeração e entregou os pertences dele ao mordomo.

— Sr. Dickens, nem sei como lhe agradecer por aceitar

o convite desta noite. Veja quantas pessoas vieram para

escutá-lo — Frannie comentou.

— Fico muito contente em ajudar sua causa. — Dickens

olhou por sobre o ombro de Frannie e deu um sorriso largo.

— Sr. Dodger, pensei que já houvesse sido deportado.

Jack deu risada ao lado da esposa e de Henry, o

enteado de cinco anos.

— Ah, sr. Dickens, o senhor sempre subestimou minha

habilidade de sair de um aperto. Por favor, lady Olívia,

Page 316: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

316

permita-me apresentar-lhe o sr. Charles Dickens.

— Sinto-me honrada, senhor — Livy disse.

— E meu enteado, o duque de Lovingdon. Sr. Charles

Dickens.

Dickens fez uma mesura.

— Vossa Graça.

— Sei que crianças não foram convidadas, mas como

Henry é apaixonado por sua obra, sr. Dickens, implorei a

Catherine que fizesse uma exceção — Jack explicou.

— Então gosta de minhas histórias, Vossa Graça?

Henry anuiu.

— Posso fazer-lhe uma pergunta? — o menino indagou.

— Sem dúvida, Vossa Graça. Henry apontou para Jack.

— Ele é o Artful Dodger? Dickens abaixou-se.

— Vossa Graça, escrevo ficção. Os personagens de

meus livros não existem, mas se existissem — ele piscou —

acredito que ele poderia ser Artful Dodger.

— Eu sabia!

— Está vendo aquele cavalheiro?

— Lorde Claybourne? Dickens anuiu.

— Ele seria Oliver.

— E a srta. Frannie?

— Ela seria cada uma das ternas jovens que aparecem

na história.

Page 317: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

317

Henry deu boas risadas e Frannie desejou que as

crianças de seu orfanato também chegassem a rir com

tanto abandono.

— Sinto interrompê-los — Catherine aproximou-se —,

mas creio que está na hora de começarmos.

Frannie apertou a mão de Dickens.

— Vou apresentá-lo à platéia.

— Será ótimo.

Frannie foi até o salão na companhia de Catherine.

— Seu irmão...

— Não veio, sinto muito. Eu esperava...

— Ele deve estar muito ocupado.

— Ou talvez ele tenha voltado ao campo

— Claro. — Era onde ele preferia morar.

Eles foram até o atril e Catherine bateu palmas,

pedindo a atenção da platéia.

— Eu e meu marido, lorde Claybourne, agradecemos a

todos pela presença e esperamos que aproveitem a noite.

Como patrocinadores entusiasmados do Lar das Crianças

Feagan, levaremos os brinquedos trazidos esta noite para

as crianças na manhã de Natal. Para muitos deles será a

primeira vez que receberão um presente. Agora eu

gostaria de apresentar-lhe a srta. Frannie Darling, que é a

proprietária e a administradora do Lar.

Os presentes aplaudiram e Frannie desejou que não o

Page 318: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

318

houvessem feito. Ela ficava muito nervosa quando as

atenções se concentravam nela, mas sua intenção era

deixar as crianças orgulhosas.

— Obrigada. — Frannie teve a impressão de que sua

voz soava como o coaxar de um sapo e deu uma tossidela...

Foi então que ela o viu em pé nos fundos do salão, ao

lado da porta. Sterling estava muito elegante e Frannie

pensou que se acalmaria se falasse apenas para ele...

— Eu me criei nas ruas de Londres e fui uma órfã que

não conheceu os pais. Feagan foi o pai de rua que me deu

um lar em troca do que eu conseguisse com furtos e

mentiras. Talvez pareça estranho eu ter dado o nome de

um fora da lei a um orfanato, mas ele não foi um criminoso

para mim, pois eu não conhecia outra coisa. Ele me

alimentou, me vestiu e deu-me um lugar para dormir.

Quando eu tinha doze anos, o antigo conde de Claybourne

me acolheu e foi só então que aprendi que roubar era

errado. O atual conde de Claybourne não sabe disso, mas

recentemente eu comprei terras onde pretendo construir

outro lar para crianças e a este darei o nome em

homenagem ao seu avô.

Frannie foi novamente aplaudida e Luke, que estava

nos fundos do salão, ergueu a taça de champanhe em

homenagem a ela com fisionomia de satisfação.

— As crianças da rua não somente são pobres de

posses, mas também de espírito. Tenho esperança de que

esses lares deem a eles o que cada criança merece: um

Page 319: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

319

lugar aprazível para viver. Assim, a condessa de

Claybourne e eu agradecemos pelos brinquedos que foram

trazidos e pela alegria que eles proporcionarão. E agora,

para a alegria de todos, apresento-lhes o sr. Charles

Dickens.

Novamente espocaram aplausos. Dickens aproximou-

se e beijou Frannie no rosto. Ela ouvira falar que Dickens,

como ela, também não gostava da nobreza. Por isso, o fato

de ele ter vindo tinha muita importância. Quando o

conhecera, ela era uma menina e ele, um jovem que

percorria os cortiços à procura de histórias.

Beirando a parede, ela caminhou até os fundos do

salão. Ao chegar perto de Luke, ele a puxou e abraçou-a.

— Meu avô teria gostado disso — ele sussurrou para

não incomodar a palestra sobre Contos de Natal que

Dickens iniciara.

Frannie anuiu e relanceou um olhar pelo salão.

— Ele veio e já foi embora — Luke afirmou. Frannie

sorriu para esconder o desapontamento.

— Vou até o salão de baile, verificar se tudo está

pronto.

Entretanto ela não fez o que disse, mas sim

atravessou o corredor rumo à biblioteca. Hesitou diante

da porta por causa das memórias do encontro com Sterling

naquele dia chuvoso. Porém, queria lembrar-se de tudo e

dele.

Abriu a porta, entrou sem fazer ruído e fechou-a.

Page 320: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

320

Várias lamparinas estavam acesas, assim como os lampiões

a gás do jardim. As cortinas estavam abertas e Sterling

olhava para fora, com as mãos às costas. Ele a fitou por

sobre o ombro e ensaiou um sorriso.

Frannie temeu que ele escutasse as batidas fortes de

seu coração. Com a maior calma possível para o momento,

ela se aproximou de Sterling que tornou a mirar o gramado

sobre o qual a neve caía em flocos.

— Começou a nevar. Nós paramos para ajudar um

cocheiro que estava com a carruagem atolada. Por isso

cheguei tarde.

— Fico feliz que tenha vindo. Eu estava nervosa até

que o vi.

— Nem posso acreditar que você conseguiu trazer

Charles Dickens aqui para dar uma palestra. Você o

conheceu por intermédio do conde de Claybourne?

— Não. Na verdade foi Feagan quem nos apresentou.

O sr. Dickens fazia uma pesquisa sobre a vida nos cortiços

e por isso nos entrevistou. Segundo ele, fomos retratados

em suas histórias, mas eu não vejo as semelhanças.

— Não as li. Talvez eu contrate alguém para ler os

contos.

— Ler ainda o deixa com dor de cabeça?

— Elas pioraram. Bom, mas como está Peter?

Encontrou uma família para ele?

— Não e decidi que ele ficará comigo. Prometi a Nancy

Page 321: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

321

cuidar dele e manterei a promessa. Atualmente ele e eu

moramos no orfanato, mas mandarei construir um pequeno

chalé para nós. Ele será o filho que eu nunca tive.

— Certamente Swindler lhe dará filhos.

— Não me casarei com Jim.

— Ele não lhe fez uma proposta?

— Não, pois ele sabe qual será a resposta. Eu não o

amo como marido e aceitar seria injusto para ele. —

Frannie resistiu à vontade de abraçá-lo e suspirou. — Como

tem passado?

Finalmente Sterling a fitou e Frannie contemplou os

belos olhos azuis que a perseguiam nos sonhos.

— Estive pensando sobre o dia do casamento de

Catherine e na facilidade com que você levou meu relógio

— Sterling comentou.

— Por Deus, não me lembre disso. Nem sei por que

tomei aquela atitude. Sinto-me envergonhada...

Sterling tocou os lábios dela com a ponta do dedo, pois

nenhuma lembrança de Frannie era desagradável.

— Você conseguiu fazer o mesmo com meu coração,

não é, Frannie? Você o roubou e eu não percebi o que

acontecia.

As emoções fortes que se desenhavam na fisionomia

de Sterling levaram lágrimas aos olhos de Frannie e

deixaram seu coração com a esperança de que pudesse

existir um sentimento maior e verdadeiro entre eles.

Page 322: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

322

— Oh, Sterling, eu...

Antes que Frannie pudesse confessar seu amor por

ele, Sterling pressionou novamente o dedo nos lábios dela.

— Eu imaginei que, mantendo distância, meu coração

voltaria a me pertencer.

Frannie meneou a cabeça.

— Enquanto eu estiver em posse dele, não o devolverei.

— Mas terá de fazê-lo.

Ele se voltou novamente para o jardim e Frannie

pensou que ficaria despedaçada se perdesse Sterling. Ela

jamais havia conhecido tanta solidão como depois que ele

fora para o campo. Os sonhos de ajudar os órfãos perdiam

importância em comparação ao sonho de tê-lo de volta à

sua vida. Frannie queria poder falar com Sterling a

qualquer hora do dia ou da noite. Gostaria de ter novos

projetos para dividir com ele. Necessitava vê-lo e sentir-

se observada por ele. Desejava adormecer e acordar ao

lado dele.

— Sterling...

— Frannie, eu ficarei cego.

Ela sentiu uma forte dor no peito, sem entender

direito ao que Sterling se referia.

— Agora não posso vê-la. Você está observando o

jardim?

— Não, estou olhando para você.

— Olhe para o jardim.

Page 323: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

323

Frannie obedeceu, embora quisesse continuar a fitá-

lo.

— Pode me ver? — ele indagou.

— Sim, com o canto do olho. — Ela se virou e viu-o

olhando para ela.

— Assim eu posso vê-la — Sterling afirmou com um

sorriso de autodesvalorização. — Mas não a enxergo com o

canto dos olhos, isto é, não vejo os lados. E no escuro,

perco ainda mais a visão.

— O que houve? Isso aconteceu por causa do encontro

com Sykes? — Ela ficou horrorizada ao pensar...

— Não. Isso vem acontecendo já há algum tempo. Você

se lembra de minhas pinturas do salgueiro?

— Sim, e como passou a focalizar apenas a árvore.

— Afinal, não sou um artista tão talentoso. Quando eu

estava com vinte e um anos, notei que eu não desenhava as

paisagens como antes, embora estivesse sempre no mesmo

local. Comparei os últimos trabalhos aos anteriores e vi que

as diferenças entre eles eram sutis, mas em relação ao

primeiro e ao último... Envergonho-me de admitir que a

primeira reação foi de puro medo.

Frannie ergueu a mão para acariciar-lhe o rosto ou os

cabelos, mas abaixou-a por não saber se seria bem

acolhida.

— Não se pode culpá-lo por isso. Você já consultou um

médico?

Page 324: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

324

— Muitos em diferentes cidades da Grã-Bretanha e

nos vários países do mundo. Não há esperança de cura.

Minha visão diminuirá até desaparecer totalmente.

— Em quanto tempo?

— Não sei, pode levar anos.

— Por isso você foi contra os desejos de seu pai e

resolveu viajar pelo mundo.

— Sim. Eu não sabia por quanto tempo minha autono-

mia de oportunidades permaneceria íntegra, pois a janela

de minha visão se fechava aos poucos.

— Catherine sabe disso?

— Não. Estou quase certo de que meu pai carregou

para o túmulo a vergonha de minha imperfeição.

— Ele não poderia se envergonhar de algo sobre o qual

você não tinha controle.

Sterling fitou a neve que caía.

— É onde você está enganada. Na verdade ele afirmou

preferir que seu segundo filho tivesse sobrevivido e o

primeiro, morrido. Eu nunca disse nada a Catherine. Ela

adorava meu pai e achava que ele não tinha defeitos. Ele

também a adorava e eu seria incapaz de manchar as

memórias de minha irmã.

E ele se dizia um homem que via apenas os próprios

interesses?

— Você me contou que pensava ter amado uma mulher,

mas que ela descobriu sua deficiência.

Page 325: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

325

— Foi Angelina e eu a cortejava. Ela adorava dançar e

para mim era muito difícil conduzir uma dama pelo salão de

baile por causa da visão estreita. Ela começou a ficar

ofendida porque eu não dançava e quando expliquei o

motivo, ela começou a interessar-se por outro. Felizmente

ela não espalhou a notícia e por isso tenho de agradecê-la.

— Ela não o merecia.

A risada de Sterling foi dura.

— Nenhuma mulher merece.

— Isso não é verdade.

Sterling fixou o olhar em Frannie e segurou-lhe o

rosto.

— Na noite em que fomos atrás de Sykes, deixei uma

carta para você ficar sabendo que havia roubado meu

coração com a mesma facilidade com que roubara meu

relógio. E nessas semanas em que estive no campo, pensei

na injustiça de não lhe contar o quanto eu estava

apaixonado por você.

Frannie pôs a mão sobre a de Sterling, virou o rosto

na palma e beijou-a no centro.

— Sterling, eu também o amo muito.

— E por isso, minha querida, eu não posso me casar

com você. Não quero tornar-me um peso no futuro.

— Mas que absurdo! Você se tornará um duque

poderoso, um marido e um excelente...

Sterling tornou a impedi-la de falar com o dedo em

Page 326: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

326

seus lábios.

— Frannie, você se expõe a perigos para ajudar os

órfãos e eu nem mesmo posso ver se alguém pretende

atacá-la. O escuro, doçura, é meu inimigo.

— Então não irei mais a lugares perigosos.

— Com o tempo, você se ressentirá comigo.

— Nunca. Contratarei uma pessoa para fazer a busca

por mim e encontrarei solução para qualquer empecilho.

— Você não gosta da aristocracia.

— No entanto esta noite falei com várias damas que

foram muito amáveis, bem diferentes das jovens tolas que

encontramos por aí.

— Se formos a bailes como os de hoje, terei de

contentar-me em observá-la dançar com outros homens,

sabendo que jamais poderei conduzi-la pelo salão.

— Não diga bobagens, claro que você pode dançar.

— Você não escutou o que eu disse? Dançar comigo

será tropeçar nas pessoas...

— Então eu conduzirei. — Frannie estendeu o braço

para ele. — Podemos fazer isso, Sterling.

Ele olhou a mão estendida.

— Eu o amo, Sterling, com todo meu coração. Ele

voltou a fitar Frannie.

— Angelina também me amava.

— Se ela o amasse, ela não o teria abandonado por uma

Page 327: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

327

bobagem como dançar. Vamos fazer uma tentativa esta

noite e se não der certo, não dançaremos mais. Eu posso

viver sem dançar, mas não poderia viver sem você.

Sterling considerou o assunto por alguns instantes,

suspirou, para em seguida fazer uma mesura.

— Srta. Darling, queira conceder-me a honra da

próxima valsa.

Frannie sorriu.

— A honra, Vossa Graça, é toda minha.

Sterling não estivera preparado para o impacto de

tornar a ver Frannie. Os cabelos dela haviam sido presos

para cima, o vestido era vaporoso e ela estava bem à

vontade. Mesmo que Frannie não se importasse em dançar,

ele gostaria de tentar.

Os acordes da valsa começaram e Sterling conduziu-a

até a pista de dança.

— Sterling, mantenha os olhos fixos nos meus — ela

recomendou.

— O que não será difícil, pois você está deslumbrante

esta noite.

— Mandei fazer esse vestido com esperança de

chamar sua atenção, caso você resolvesse vir até aqui.

— Mesmo vestida com simplicidade, você chamou

minha atenção no casamento de Catherine. — Apesar da

estranheza de deixar-se conduzir por Frannie, Sterling

não achou errado.

Page 328: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

328

— Deve ter sido por causa de meus cabelos. Jamais

gostei da cor deles.

— Pois eles me encantam. E não é que você sabe

conduzir muito bem?

— É por que sou boa no jogo de truques.

— Como assim?

— Quando se apresenta uma ocasião para um furto,

em geral se usa um parceiro. É preciso aprender a ler a

situação rapidamente e saber o que seu parceiro irá fazer.

Não queira jamais fazer um jogo quando Luke e Jack

estiverem presentes. Eles sempre sabem o que o outro

está pensando. De qualquer forma, dançar é como um

truque. Você segue seu parceiro ou deixa que seu parceiro

o siga.

— Vejo por cima de seus ombros que há muitas pessoas

dançando.

Frannie deu um sorriso brilhante.

— Sim, e não tropeçamos em ninguém.

— Creio que isso vai mudar.

Frannie ficou surpresa quando Sterling parou de

repente, sentindo uma pessoa esbarrar nele. Os casais se

afastaram, Sterling ajoelhou-se em uma das pernas e

Frannie arregalou os olhos.

Sterling percebeu que as pessoas paravam de dançar,

que a música foi interrompida e que a expectativa tomou

conta de todos. Solene, ele segurou a mão de Frannie.

Page 329: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

329

— Srta. Frannie Darling, poderia conceder-me a honra

de tornar-se minha esposa, minha duquesa e meu amor?

A respiração entrecortada de Frannie não foi a única

que ele ouviu, mas era a que importava.

— Sim! Sim! — Frannie respondeu, radiante e com

lágrimas nos olhos.

Sterling ficou em pé, tomou-a nos braços e beijou-a.

Sem a presença de Frannie, os últimos meses tinham

sido um verdadeiro tormento. Sterling viajara pelo mundo

em busca de algo que nem podia identificar. E, naquela

noite, pela primeira vez, entendeu o estivera procurando.

A mulher que estava dentro do círculo de seus braços.

No dia seguinte, Sterling recebeu um pedido para

encontrar-se com Luke e chegou à casa dele no horário

combinado. Na biblioteca, ele não esperava encontrar

Luke, Dodger e Beckwith, o advogado de sua família que

parecia trabalhar também para algum dos cavalheiros.

Frannie estava presente e parecia um pouco exausta.

— Suponho que o motivo desse encontro seja para

advertir-me sobre o comportamento de um bom marido ou

algo parecido, mas não entendo a necessidade de um

advogado.

— Precisamos fechar um acordo sobre o legado —

Luke explicou.

Page 330: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

330

— Os senhores estão pensando em dote? Pois eu lhes

asseguro que o mesmo é desnecessário. Não há o menor

problema se Frannie não trouxer nada para o casamento.

— Viram? Eu não disse? — Frannie interveio. — Avisei-

os que de isso não seria necessário.

Luke suspirou.

— Frannie, isso é imprescindível, pois você não poderá

casar-se sem nada.

— Espere um pouco — Jack falou, descruzou os braços

e descontraiu-se. — Vossa Graça acha que ela iria ao seu

encontro sem nada?

— Além do salário desprezível que você vem lhe

pagando para ela fazer a contabilidade. Sei que Frannie

pratica a caridade com essa quantia. Qualquer que seja o

salário, eu estabelecerei um subsídio no mesmo valor para

Frannie gastar como lhe aprouver. Podemos fazer um

contrato por escrito, se você quiser. E se ela ainda não o

fez, deverá avisar-lhe que não mais cuidará de seus livros

contábeis.

Frannie deu um passo adiante e pôs a mão em seu

braço.

— Sterling, não sou paga para fazer o serviço contábil,

pois ele é de minha responsabilidade.

Sterling fitou Jack com raiva.

— Seu canalha. Durante todo esse tempo aproveitou-

se...

Page 331: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

331

— Não, Sterling. — Frannie apertou-lhe o braço até

ele tornar a fitá-la.

— Nós três somos sócios em vários empreendimentos.

Na verdade, cuido da contabilidade que trata da minha

empresa, da nossa empresa. Tenho bastante dinheiro.

— Que se tornará de Vossa Graça uma vez que se

casar com ela, a menos que definirmos um acordo — Luke

declarou.

— Estou recomendando que as finanças atuais de

Frannie, assim como o dinheiro futuro que receberá dos

negócios, sejam aplicados em um depósito que será

administrado por ela — Beckwith afirmou.

Sterling deu de ombros.

— Para mim tanto faz, não estou casando com Frannie

por causa do dinheiro dela. — Beijou a mão de Frannie, —

Vou me casar com ela porque a amo.

Frannie deu um sorriso irresistível.

— Em todo caso, seria justo você conhecer a quantia.

— Frannie ficou na ponta dos pés e cochichou um número

que o abalou.

— Dois milhões? — Sterling perguntou com voz rouca.

— Com erro provável de duas libras para mais ou para

menos.

— Se isso se tornasse de domínio público, todos os

lordes disponíveis da Inglaterra cairiam a seus pés.

— Por isso mantivemos o segredo — Jack disse. —

Page 332: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

332

Assim evitamos os caça-dotes.

— De pleno acordo. Agora me mostre onde devo

assinar — Sterling piscou para Frannie —, embora eu não

possa dar-lhe a mesada inicialmente planejada.

Frannie abraçou-o pelo pescoço.

— Prometo que jamais deixarei de amá-lo.

— Enquanto eu puder, lhe darei tudo o que você

desejar.

Na carruagem aberta de Luke, Frannie e ele

atravessaram as ruas de Londres rumo à igreja onde ela se

casaria. Frannie usava um vestido branco, véu e grinalda de

flores de laranjeira. Catherine seguia adiante em outra

carruagem, mas o filho deles nascido na primavera ficara

em casa com a babá.

Frannie e Sterling haviam seguido a etiqueta

recomendável, esperando para casar-se em junho. Não

houve necessidade de licença especial nem de arranjos

apressados. Nenhum rumor ou escândalo. Nenhum filho

chegaria antes da hora, mas se dependesse de Frannie, o

rebento viria exatamente nove meses após o dia do

casamento. Fora uma tortura não dormir com Sterling

durante tantos meses.

— Frannie, você está linda — Luke assegurou.

Na falta de um pai, Luke a levaria ao altar, o que

Page 333: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

333

parecia estranhamente apropriado, embora ele houvesse

sido o primeiro a pedir-lhe a mão em casamento. Era difícil

acreditar que o motivo da recusa fora ela temer a solidão

de entrar no mundo da aristocracia.

— Você também está muito atraente, embora um

pouco cansado — ela o provocou.

— Meu filho não é de muito dormir à noite e eu acordo

toda vez que ele chora.

— Daqui a alguns anos as andanças noturnas

continuarão a mantê-lo acordado.

— Você tem razão. Catherine advertiu-me que ele tem

jeito de malandro.

— Jack me disse que não deixará a filha sair de casa

até os quarenta anos. — Emily, que tinha o nome da avó

paterna, nascera no final da primavera e com apenas alguns

momentos de vida conseguira dominar o pai.

Luke deu risada.

— Você o viu alguma vez tão encantado? Ele deve

pensar que é o único pai do mundo a ter uma filha.

Frannie não comentou que Luke agia como se fosse o

único homem a ter um filho.

— Ele dispensou todas as moças do Dodger's —

Frannie comentou. — Ele sempre fez questão de pagar-

lhes bem para que não precisassem recorrer a outros

expedientes para se sustentar. Elas vão trabalhar no

orfanato, mas continuarão a receber dele os salários.

Page 334: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

334

— Para um homem que apenas se preocupava em

ganhar dinheiro, ele certamente mudou muito.

— Ele pode permitir-se isso, Luke. Nós todos podemos

e temos uma boa vida, em conjunto.

— Estou de pleno acordo.

Por mais que sua vida houvesse prosperado, Frannie

antecipava que a mesma se tornaria muito melhor e com

muito mais alegria ao ser compartilhada com Sterling.

Ficaria com ele dia e noite, conversariam muito e fariam

amor. Dariam longos passeios, ela veria o mundo através

dos olhos de Sterling e o ajudaria a ver através dos dela

quando chegasse o momento.

Ao se aproximaram da igreja, Frannie apertou a mão

de Luke e inspirou fundo. Havia muitas carruagens na rua

e uma multidão no gramado.

— A igreja já deve estar lotada — Luke comentou.

A lei não permitia cerimônias religiosas privativas.

Qualquer um, mesmo sem ser convidado, poderia

comparecer. E o casamento de um duque atraía muitos

curiosos.

— Você não tem de suportar isso, Frannie. Podemos

seguir adiante e vocês se casarão no campo.

Frannie fitou-o e sorriu, com lágrimas nos olhos.

— Sterling convidaria o mundo inteiro, se pudesse. É a

sua maneira de confirmar que não há dúvida de que sou a

esposa que ele deseja. Ele é um duque e escolheu a mim. Eu

Page 335: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

335

o amo demais e atravessaria o inferno por ele. — Ela

inspirou fundo. — O que são centenas de pessoas

comparadas a isso?

— Nada, na verdade. — Luke abraçou-a pelos ombros.

Parcialmente escondido atrás de um olmeiro, Feagan

sorriu com malícia. A elite sempre atraía uma multidão.

Seus dedos ansiavam para esvaziar os bolsos alheios mais

próximos, mas ele agarrou a bengala, inclinou-se para a

frente e maldisse os olhos embaçados. Não queria admitir

que a umidade neles fosse por ver Frannie saudando as

pessoas com confiança ao lado de Luke.

Frannie aproximou-se dos degraus da igreja e Feagan

viu que ela usava o colar de pérolas que pertencera ao amor

de sua vida.

Ele espiou o céu claro e sem nuvens.

— Você está vendo, Mags, a nossa menina? Está

maravilhosa e vai ser uma duquesa. — Ele sacudiu a cabeça,

assombrado. — Eu lhe prometi que tomaria conta dela e

talvez eu tenha feito a coisa certa.

Quando o casal entrou na igreja, Feagan foi embora

claudicando, em direção aos cortiços.

— Tenho muitas saudades suas, Mags, minha querida.

Acho que não vai demorar muito para nos encontrarmos.

Mas até lá... bem, sempre havia um bolso pedindo para

ser depenado.

Page 336: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

336

* * *

Frannie estava em pé na proa da embarcação que

singrava os mares, com os cabelos ao vento. Sterling e ela

passariam alguns dias no sul da França. Ela nem acreditava

que estivesse em um navio sobre as águas.

Sterling soltara-lhe os cabelos e estes flutuavam

livremente ao redor de seu rosto. A cada momento,

Frannie voltava-os ao lugar e eles tornavam a esvoaçar.

— Está gostando? — Sterling acariciou-lhe o pescoço.

— É maravilhoso.

Após a cerimônia de casamento, houve uma recepção

na residência de Luke com a presença de muitas pessoas.

Até lady Charlotte comparecera, embora Marcus Langdon

aparentemente tivesse desistido dela.

O momento mais difícil fora aceitar os cumprimentos

de Jim, que não escondia a tristeza.

— Jim, eu não seria a pessoa certa para você. Tenho

certeza de que acabará encontrando sua metade da

laranja. — Frannie percebera que ele não acreditava na

afirmativa.

Finda a recepção, Sterling a levara até o navio.

— Você ficará encantada quando a noite chegar — ele

afirmou. — Teremos lua cheia e muitas estrelas.

— Não sei nadar.

— Felizmente não terá de fazê-lo. Quando voltarmos

para casa, eu a ensinarei a nadar.

Page 337: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

337

Eles permaneceram no deque durante uma hora antes

de ir para a cabina onde passariam a noite. Após tantos

meses de ansiedade, as roupas foram jogadas no chão

depois de ser rapidamente tiradas. Em seguida eles se

largaram na cama estreita em um emaranhado de braços e

pernas.

— Teremos acomodações muito mais adequadas na

França — Sterling garantiu, beijando-lhe o pescoço.

— Nada me importa, contanto que eu esteja a seu lado,

Sterling.

— Você deve saber que, como minha esposa, deverá

comprar uma grande quantidade de roupas.

— Já mandei fazer cinqüenta trajes.

Ele beliscou a lateral do busto de Frannie.

— Não é para os órfãos e sim para você.

Frannie segurou o rosto dele com as mãos em concha.

— Eu não comprava roupas porque não havia ninguém

que eu pretendesse impressionar. Mas fique tranqüilo,

daqui por diante tenho intenção de deixá-lo de queixo

caído.

— Ótimo, embora eu sempre vá preferi-la sem nada.

Sterling beijou-a carinhosamente enquanto eles se

apalpavam e acariciavam para recordar os contornos já

conhecidos. Frannie inclinou-se para beijar a longa cicatriz

por ela causada na ilharga de Sterling e depois beijou a

marca deixada pelo tiro. Sterling beijou a cicatriz na testa

Page 338: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

338

de Frannie, mas nenhuma das mudanças alterava os

sentimentos deles... ou melhor, apenas os aprofundava.

Eles haviam sobrevivido e sempre sobreviveriam.

Quando Sterling a possuiu, o calor de ambos foi

idêntico e os uniu ainda mais.

— Você é deliciosa — ele murmurou junto à orelha de

Frannie. — Quente, úmida e macia. É a primeira vez que

tenho um relacionamento sem proteção e devo dizer-lhe

que gostei muito, muito. Posso afirmar ainda, minha

duquesa, que vamos ter muitos filhos.

Frannie riu e abraçou-o com as pernas, apertando o

corpo até Sterling gemer de prazer. Duquesa. Ela não

poderia imaginar que lhe agradaria ouvir a palavra aplicada

a si mesma. E o que mais a encantava era a idéia de ter

filhos de Sterling.

— Espero que eles se pareçam com o pai,

— E eu, que se assemelhem à mãe.

— Mal posso esperar, Sterling, para dar-lhe um filho.

— Terá de esperar nove meses no mínimo.

— Apenas nove meses. Deus, eu sou muito feliz e o amo

demais.

— Eu a amo com todo meu coração.

Sterling começou a se impulsionar de encontro a

Frannie e as sensações explodiram em uma realização

gloriosa.

Page 339: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

339

Epílogo

Extraído do diário de Frannie Mabry, duquesa de

Greystone.

Minha lembrança mais preciosa é de Sterling, com

lágrimas nos belos olhos azuis, segurando nosso primeiro

filho instantes após o nascimento. Sterling insistiu em

ficar perto de mim durante o parto, apesar de a atitude

não ser considerada elegante. Ele não quis deixar de

testemunhar nenhuma parte da vida enquanto ainda podia

enxergar sua glória.

Sterling também viu o nascimento de nosso segundo

filho e de nossa única filha. Dançou com ela na noite em

que a jovem foi apresentada à sociedade e no dia em que

ela se casou com o duque de Lovingdon. Embora sua visão

houvesse diminuído consideravelmente quando nosso

primeiro neto nasceu, Sterling ainda foi capaz de

contemplar o rostinho enrugado e rir com felicidade.

Nossos problemas diminuíram após a prisão de Bob

Sykes. O julgamento não lhe foi favorável, pois uma das

principais testemunhas contra ele foi um duque

pertencente a uma linhagem antiga e influente, e cujo

Page 340: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

340

título estava entre ao mais poderosos da Grã-Bretanha. A

outra testemunha foi um inspetor da Scotland Yard muito

respeitado e que tinha a misteriosa habilidade de decifrar

assassinatos com o mínimo de indícios.

Jim sempre me dizia que eu não deveria assistir a um

enforcamento, mas como estes ainda eram públicos em

1852, quando Sykes ficou pendurado ao vento, Sterling e

eu observamos, de um quarto alugado de onde se avistava

a prisão de Newgate, a justiça ser feita. Talvez tenha sido

uma falta de generosidade de minha parte ter grande

satisfação ao ver um homem tão desprezível balbuciando

incongruências entre soluços e lágrimas, e se sujando

antes de o laço ser posto em seu pescoço. Nunca mais

presenciei um enforcamento. Jim estava certo. É uma coi-

sa horrível de ser vista, mas eu dormi melhor à noite por

saber que pessoas como Bob Sykes jamais ameaçariam

nossas vidas nem as das crianças órfãs.

Sterling e eu adotamos o filho de Nancy. Nunca pensei

em Peter como filho de Sykes e o menino nunca

demonstrou a maldade que caracterizava seu pai. Eu lhe

contei muitas histórias bonitas sobre sua mãe e ele só

ficou sabendo que o pai tivera um fim prematuro e trágico.

Peter trouxe muitas alegrias a nossas vidas e éramos muito

gratos por tê-lo conosco.

Durante muito tempo, nossa família viajou pelo mundo.

Sterling e eu construímos mais dois orfanatos e um lar

para mães desamparadas. Nossas obras de caridade foram

muitas e entre elas incluímos o legado de Feagan que dera

Page 341: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

341

uma casa para crianças abandonadas. Permaneceu um

mistério se ele era ou não meu pai, mas embora ele sempre

negasse o fato, não acreditei muito nele. O mundo dele era

de decepções e artimanhas. Mas mesmo se ele não fosse

meu pai de acordo com a lei, ele foi meu pai de coração.

Jim, ou sir James como ele passou a ser conhecido

depois de receber a comenda de cavaleiro, continuou a ter

um lugar muito especial em meus afetos. Uma vez, quando

nos encontramos, ele afirmou que a melhor coisa que eu

havia feito foi não me casar com ele. Talvez tivesse dito

isso por estar apaixonado por uma mulher que o adorava

como ele merecia.

Sterling perdeu completamente a visão quando

estávamos já idosos e nos contentávamos em ficar,

sentados em nosso jardim, refletindo sobre o que havíamos

feito de maravilhoso e excitante em nossas vidas. Ele não

viu meus cabelos ficarem grisalhos. Para Sterling, eles

continuavam a ser de um vermelho brilhante. Eu o vi

envelhecer com graça e dignidade. Ele se apoiava em mim,

muito mais em mim do que na bengala, o que era muito

justo, porque quando mais precisei, ele sempre me

protegeu. Todos os dias, eu pensava que não poderia amá-

lo mais do que já amava, mas no dia seguinte eu sempre

comprovava meu erro, pois eu acordava amando-o sempre

um pouco mais.

Eu nunca tive vontade de fazer parte da aristocracia,

mas não posso negar que, com Sterling a meu lado, eu me

sentia feliz.

Page 342: Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia

Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia

342

— A vida é uma viagem, Frannie querida — Feagan me

dissera uma vez. — Escolha bem aqueles com quem irá

viajar.

Como sempre, tenho seguido os conselhos de Feagan.