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lua vermelha

Lua Vermelha

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Poemas de Ronaldo Bressane

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lua vermelha

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Oração à lua vermelha

Só tem essa Corisco pra beber Meu filho aprendeu a dizer o teu nome Sobre algum de teus mares um tapa-olhoEsta montanha que habito escancara a ti dentes cariadosDe um mar grafite imóvel milhares de setas vermelhas para ti apontam Disseram de um ciclone com nome de mulher – tu segues ímpar anônima

Lua bucaneira me guarda com teu rubro olho de osso enquanto durmo para reaver o meu nome

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Estratégia de branding

Demarca território neste couro com os dentes escreve nome sobrenomevermelho roxo verde pro teu logo

Com as unhas anota instruções para este uso o que é teu embala com sangue suor saliva nesta página escande ou rasura a tua serifa

Demarca território neste couro só não repõe no mercado este produto – antes ruminado em fogo de marfimque reciclado em brechó ou camelô

Se der na telha rasga frita come : só não o devolve nunca sem teu nome

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Outro domingo 2

Sol das seiso ácido ainda faz efeitoSó o som das rodinhasdo carrinho do meu único filhoO sol se arma de cima a baixo na praçagritos de pássarose cortadores de gramae latidos de cães presos nas mansõese cheiro verde e sexy das árvores na pelee o sol nos cabelos do menino

Quase ninguémentão a hora dos mocorongos – devagar eles surgindo detrás das árvores com suas parelhas de totós e leggings verde-limãoe peles celulíticase varizes de fitnesse suores friose poses artríticasdevagarduros elessolosconcentraçãoolhos baixos: os velhos e seus últimos músculos

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O zelador de uma mansão chicoteia um cachorrão brancoaté que ele volte com um pedaço de pau entre os dentesUma senhora estaciona a cadeira de rodasao lado do carrinho do meu filho o sol doura sua dentaduraPerdeusse cão beje labrador de pelajemcumprida atende por Nêne gratificasse quemencontrar 3898 8263 9155 8674 3081 7100

Acendo um cigarrodou um pedaço de pão pro meu filhoninguém se cumprimentaa não ser seus cães seus cusSó o vigia armado me diz– DiaCada vez mais eles se exercitamcada vez mais altos os latidoscada vez mais alto o sol

Na voltameu filho morde o miolo de pão com seu dente únicode sabre

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Este poema se autodestruirá

O reino da Dinamarca fica tão longeo cheiro de podre não chegará aquimeu filho constrói castelos de Legodevo não nego pago quando puderas saudades que invento de Londrinaa oitocentos quilômetros da retinase sente mais o fogo de um escorpião

I think I made you up inside my headKim Jong Il brinca no mar de Big Bange eu que nunca fui fã de Nara Leãocismei de ouvir bossanova e levitarenquanto meu filho destrói castelosKim Jong Il aperta o botão da bombae Nara manda notas safadas do Paraná

Nuvens de metal escurecem o horizonte e as peças do castelo de Lego se tornamversos de um poema que vou explodir41.279 graus norte 129.087 graus leste

Mas mesmo que a bomba coreanadevaste nosso reino dinamarquêse pulverize toda a saudade que tenhonada importará à ácida garoa daqui

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Neste domingo de Lego e Sylvia Plathsó quero recriar o perfume de LondrinaLes Paradis Artificiels na cama estreitaI shut my eyes and all the world drops dead.

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O cacto e o perfume

Encontro um cacto em uma gavetacalmo e arisco e verdedeixo a gaveta abertalogo floriram nele uns pontos vermelhos

Enquanto o furacão se insinua na TVminha vodca se dissolvia junto às pedras de geloe eu jogarei dadosbuscando compor um símile

A chuva não passariaentanto eu e o cacto víssemos o céu sempre azulOs vidros da sala criariam estrias alvasenquanto as músicas se escondessem em aleatórios envelopesMelhor morrer de vodcaque de perfume, sorrirá o cacto – voz de acaso, de espinho

Estaciona-se hoje pela hora da morteo preço de uma vaga é superior a um apartamento de luxoe em minha casa se formará uma névoa grossaque corto entre e-mail e outro com uma faca Ginsu

Meus ouvidos captarão trovõeso cacto me diz serem as sandálias da vizinha do andar de cima

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Descascava-se a parede e os dados rolavam e os ralos rugiamas janelas brigavamatrás de minha geladeira os sapatos se enregelavame as flores vermelhas do cacto criariam mamilos frios tentáculos nas paredes

As pessoas estão doentes de pressajá eu sigo vago na mesma gavetarezando ansioso que meu mestrenunca me feche de novo lá dentro

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Sister Siren

Tão linda suspensa na amuradaSeus pés minhas mãos recriam os caminhosEspiar um ao outro com a íris da línguanavegando sobre as sirenes da Cidade-Olho

O beijo que te dei volta mascadoo beijo que te dei volta um segundo antes de entrar na última ilhaLua e areias negras suas fronteirasSeus olhos fechados um tsunamitanto que me amarro aos rochedos

Mas você permanece suspensa suspensa na íris da língua

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Ontem em Buenos Aires

Felizes frente ao cemitérioPedimos a última QuilmesEstá linda nessa digital, digoAo lado da tumba de EvitaNem se percebe quem é quemVocê se levanta rebolandoO sol reboa nas cruzes por sobre os murosE o garçom sem gorjeta chia Um beijo atrás da placa art decô do metrôMas você some no subterrâneoTe amarei como nunca, agoraQue já é ficção

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Piscina vazia

Lembro de você num vestido prateadoum spot de luz bem sobre onde estavasentada no palco sorrindo os pés flutuamos pés nus flutuam entre palco e platéiaDesconhecia se era a peça ou a vidaentre palco e platéia seus pés flutuamvocê prestes a saltar na piscina vaziaprateada o sorriso e os pés que flutuam

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Beira

De musa não se abusaeu já devia suporbeber chá pela florespiar lua no subsolodevagar com o andorque o abismo ali florano seio do precipícioonde outro ritmo ruicru muito íntimoou o amor apavoraem jazz de pétalas mimsem ti sintaxe solta secoar de sustos clara fulôsabe a sol sobe ao sul sépalas dissolvidasda pele perfumena língua muda

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Ciclo das águas

Acordo às cinco da manhãas narinas sangrammeu filho mijou na cama outra veznão consigo acordá-lovou à sala vaziao dia é frio e preto ainda outra vezpreparo um caféem meu cacto surgem pontos vermelhosdevo banhá-lo e espio pela janelaum avião surge prateado entre nuvensmeu filho surge na salapergunta se ainda é noitenão sei o que responderdevo banhá-loantes disso ele diz não vou fazer outra veze ainda antes disso nas janelas gotas de chuva

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Dentro da noite

O bebê chorandoa mulher chorandoa gata no cio

– o cão na lua –

a certeza de que uma verdade dolorosamente bela acontecia dentro da noite[mas você jamais estaria lá]

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Samba 747

Lua eclipse de janeiroQuem vai atirar primeiro?À mesa os dedos num sambano batente é que se suicida

Conselho de um marinheirode dentro do casaco de lãQuando não se quer mais nadamelhor procurar a saída

Ir e não voltar nunca mais está bem mais perto do que o cinzeiro

Uma nuvem celacanto vem engole a lua antes que sumaGatos passeiam na mesaalguém assobia Greensleeves

Vento frio o som de um aviãoum halo de luz a nuvem saiuNem sempre se pode esperar que o escuro te lave e te leve

Ir e não voltar nunca mais está bem mais perto do que o cinzeiro

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Pisando em uvas

Às seis da manhã você me chamavolta pra cama vem deixa dissoDa janela vejo um cara pisar em latascomo quem pisa em uvas ou ovospeão da Roma antiga Sísifo-de-obraAlcanço outra taça outro cara passaatira latas pro catador de alumíniosque se abaixa e pega pisa e guardaFecha essa janela você só reclamauma concubina romana Messalinaa me espremer olhos miolos ovosoh nós otários sectários de DionisoVou e venho cato minhas sobrasme reciclo a ti em trigo daí cismode pular no colchão feito meninovocê ri só que logo se dobra destroçopés que esmagam seios você escamaossos estalam vísceras trituradas minha cama vindima de leite e sangue e te bebo dos olhos um límpido vinho

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Assim nascem os oxímoros

Quando menos se esperasua casa é uma mulher barbadae você dá carona aos cactose bananas às câmeras no elevador

Bom dia banco 24 horasinsuficientes para minha vida inteira

As ruas foram obturadas antes do dilúviomas você assistia ao giro dos frangos na TVenquanto amamentava debêntures e begôniasindiferente aos talismãs que tentam te vender

Por favor esqueci a minha senhame deixem entrar

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Just do Bin

No lixo o cioem anticristo espia da gavetasombras nos olhosuma uzi na panelano microondas o biquíni

Quando então os gênios do vento fecham suas portas e caminhões labutam léxicos novos descendo a garganta até as árvores do fundo

Passos no peitona película a camano lodo a damae o cadarço fechando o pescoço

– um despenhadeiro de isqueiros vermelhos –

na rua o osso

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French fries dream

Minha mãe caiu na estradaFoi morar na cidade de KerouacLowell Massachusetts USADali Kerouac fugiu mas voltoupara buscar sua mãe e só aí morrerAli minha mãe acorda todo dia cedoEsquece as dores nos joelhosesquece que nunca viu o seu netoe que tem medo só de ir ao correioe vai alegre fritar batatas na Wendy’sEnquanto pensa que tem um empregoenquanto pensa que se existe Jesusnão é o mesmo de Kerouac e Bushsuas batatas reluzem no óleoestáticas clandestinas órfãsqueimam

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Metafísica prática

Pai o que é o infinitoO infinito o infinito hummm um número tão grande que a gente nem consegue contarEntão não existeExisteMas se não dá pra contar não existeClaro que existe hmm só que a gente não consegue ver hmm é como se não exis-tisseEntão existem coisas que existem mas não existemHummm acho que simAcho que sim quer dizer é e não éÉEntão não éNão é e éEntão o infinito é invisívelAcho que simSe é invisível ele está aqui mas a gente não está vendoHummm éSe a gente não está vendo ele é porque a gente não consegue ver ou é por que ele não existeFilho termina a sua comida simHummm que comida?

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Quintal crescente

Em suas marés todos os sangues confluemda pele nuvem dos passos em eclipseao verbo que vagalume a vozFolha bolacha bola ilha sobrancelhase o espelho sideral é seu playgroundseja ao menino o mundo a luao outro lado que é este

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Enquanto uma música de bytes minimalistas cortados por um trompete suicida

O filho acorda de madrugadaE vai dormir na minha camaDesperta faltando quinze para as seteQue era a hora em que o alarme estava ativadoO bloco de notas e a caneta caindo no chão fazem um som estranhoDepois me levantoBanhoCorro pra não ser multadoDor no peitoJejumÔnibus da escola para o acampamentoEle se despede com os olhos limpos Talvez tristesOu é mera impressãoCorro pra não ser multadoBrigo com a ex ao celularBrigo com a secretária da escola ao celularBrigo com o gerente do banco ao celularBrigo com o personagem da matéria ao celularBrigo com a vendedora do telemarketing ao celularMas nada nem era muito importanteNo meio tempo tirei sangue no laboratórioRessabiado

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Então compro o jornal para ler o que eu já sabiaMais tarde cortar o cabelo às 10h20A cabeleireira conta que também corta o cabelo da CéuAcima da cabeça há nuvens pretasDentro da cabeça uma canção de Shiva Las VegasComo a coruja ama a trave e o bacurau ama o luarComo esse mundo teme se acabarEi-de comê-laTroca de SMS safadas com NaraCoisas sobre sua bunda e o jeito como gemePelo Setestrelo eu firmo essa intençãoSob o selo de SalomãoHá de me amarPenso que estou doente da geometria desses dias falsamente retosou descrer em si é só mera superstição a que se apega para tentar a todo custo se sentir salvoTomo banhoAstronome DomineEstou sob o signo do deus ShuffleNunca sei que música pode acontecerMas no trabalho nenhuma surpresaApenas reuniões idiotas e conversas fiadasA não ser um belo almoço cheio de risos cachaças comida boae de ganhar uma gata de uma amiga judiadepois de ter conversado com outra amiga judiae ter ficado meio apaixonado por uma ruiva que parece judia tambéme trabalha na sala ao lado

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e uma loura que trabalha na sala acimae uma morena cujo nome é um segredo ou uma receita ou mera cacofoniaE agora completamente louco e sentindo-me péssimo e sóansiando por Nara que chega amanhãe talvez me salve para alguma humanidadeComo há quem tema ataques de ladrões nas ruastemo me converter em cyborg de mim mesmoAfinal ouço vozes que me mandam fazer coisase nem sempre elas falam a minha línguaComunication breakdownA ruiva intrigante e a loura de olhos brilhantes e a morena matemática somem Saio do trabalho às 22hCansado pensando vagamente em fazer algo ou nadainstalo a gata em sua nova casaOnde ontem um meninoonde agora dois animaisResolvo não ir à festa de aniversário do amigo cantorentedio-mea gata entedia-seno copo as pedras entediam-se e se dissolvemligo o somque agora vem com Fellinieu vejo as ruas e você o tempo não pára de correro espaço comprimido e vocêos nossos vizinhos como mar

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um vulcão particularQuase vivo quase mortoem novembro dia nove para o dia dezas mulheres que nada humildemente amei desfilam por meus olhos ovelhas negras que me fazem perder o sonohá dezoito anos começava a namorar Geeniehá dez anos começava a namorar Marianaque depois de quase me fazer perder o primeiro livroagora é de novo minha amiga ela diz que o marido é esquizofrênico e ouve vozes e se sente perseguidoora me conte uma notícia novacomo as doenças são comuns entre os caras que namorae como o tempo se mistura na minha cabeçawith whisky and grass and cigarettesand a silent cat in tha housevocê é músicaHarley Davidsons pilotadas por gerentes de banco cortam o silêncio da noiteLike a Hurricane veme lembro de Minela costumava me chamar assimin a crowded hazy barme lembro de Rosariocom quem havia sonhado esta madrugadaela docemente matava sua sede em mim no meio da ruatodas tão doce e violentamente mataram sua sede em mim em ruas hoje friase ouço Love Street com Jim Morrisone o shuffle desliga sozinho

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O bloco de notas e a caneta no chão fazem um silêncio estranho Penso em dormirmas não possopois tenho medo de o dia não ter valido nadaporque o tempo não pára de correre às sete da manhã não virá a redenção sempre esperadae sim um samba de um prego único perfurando uma paredeuma música de bytes minimalistas cortados por um trompete suicida

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Shhh

cada vez que ela diz xisshhhquero morrer entre a promessa do não-ditoe o interdito da promessa

– No me adorabisbisea el fuego para la salamandra

shhh

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Prometeu no Bradesco

Sete da manhã de terçao termômetro marca 7 grausNa frente do Bradesco do Copansete corpos estendidos na calçadaUm cobertor laranja outro xadrezum farrapo cinza noutro um cãose enrola em volta duma garrafaO Bradesco só abre dali a três horasmas os corpos na calçada já na filapruma misteriosa operação financeiraUma manta marrom outra rosaum lençol azul um jornal de empregosTrabalhadores rumam ao largo invejamos corpos ainda largados que roncam O ‘banco que põe você sempre à frente’mandou instalar vitrôs negrospra que os corpos não dormissem de lado esticados frente às janelaspra que seus clientes não vissem corposflutuando sobre seus limites de créditoSete corpos estendidos na calçadaUm de boca aberta atravessadode banda numa cadeira executiva rota de três pernas segura um sacode pipocas que caem em seu colo

pros bicos das pombas bradescas – as aves que aqui rapinamum Prometeu sem fogo nem deuses

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Nós os super-homens

Este é o meu corpoeste que aqui se excruciasuando na esteira da academia

Vós que observais daí de baixoda rua mortal que andais a pénão sabereis das dores e sacrifícios a que eu e meus irmãos de vícionos submetemos neste zoológico

Hamsters teleguiados olhamos à frentecorremos parados a mente noutro lugarouvidos plugados a cordões umbilicais sempre estamos e nunca estamos aquiem segredo vos invejo irmão mortal pois passeias enquanto somos torturadospor carrascos que nós mesmos contratamospara que sejamos belos e fortes e poderosospara que admireis nossa super-humanidade

Nós que aqui estamos por vós esperamos

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Depois de amanhã

para Joca Reiners Terron, Xico Sá, Marcelino Freire, Daniel Galera, Marçal Aquino, Mário Bortolotto e Marcos Behute

E aí vem essa estranheza de estar o tempo todo fazendo coisas criando ficções e eventos e relações entre os sentidos e o mundo e subitamente perceber que essa ligação é absolutamente impossível pois já foi para sempre perdida essa plenitude de pedra digital sustada sem conexão alguma além do fato de ela ser pacificado minério – porque por enquanto pedras rolando depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que seráa não ser evidentemente as latas de cerveja e as bitucas de cigarro amassadas despojos de nossa guerra particular contra o tempo

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Outro domingo 3

O céu claro sem nuvensreflete as bombásticas recordações de uma semana inócuana TV duas louras rebolam a bunda no nariz de uma dupla de anõesa amiga afunda o pé no acelerador com elegânciano closet um casal brinca de roleta russaenquanto as nuvens pintadas no muro do cemitério passam tão rápido

Um domingo de sol é uma espada a separar passado e futuroabismo e abismo esfíncter e esfinge lama e melo dia divino uma ponte pênsil entre zero e umas mãos do cantor tremem ao te servir cervejae ainda que o time da infância ganhe de três a zeroo sol afundará teus olhos pra dentro

I gonna take you higher é o refrão que ritmas no abismo duplo com os mesmos dedos com que desbastas a carcaça de um caranguejoporém nenhuma fome se extingue sob o verão meridiano pois domingo é o mais cruel dos diasas raízes do sol se enterram no húmus da memóriae o que sobrou da semana passada senão um brechó sem estiloe o que será da próxima senão adiamentos de bandeiras negras

Que doce agrado seria o mar vis à vis

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sem cismar em sismos sem buzinas nem sinos de igrejas bêbadasou celulares pedindo tua atenção para o cheiro de carne queimadao mais vil desse abismo é ser biso mergulho incessante sem sair do lugarcomo um domingo insolente por indeciso

– o vento demais azul do final de tarde é só mais um truque

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Nevermind Neverland

Faz sol chove venta garoae nuvens voam velozescomo nas telas de Turnersinto fome sono saudadegente grita em mongregohebrárabe aimarusso e até inglêsviro estátua em KensingtonPeter Pan ergue braços pretosme sopra mind your mindesquilos me pedem rangogringos exilados pedem rangoo guitarrista do tube pede rangoe uma banana custa um dólarno meu país compraria dúziasuma nova tropicália em Hoxtonos risos dos amigos apagamas 52 cruzes de King’s Crosssete do sete uma santidade ímpiasevera como os parques londrinoshá virgens com véus nos cabelose putas com véus nos olhostodas com bundas tristeshoje almoço uma Guinnessgente grita em tupinésio

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teutocoreo italoruba vietinglêsfalsofarsi portuñol salvajenão estou aqui e ainda estoucomo em um sonho de outroem todo canto há placasinformando aonde não irem todo canto há câmerasinformando que sou atorno filme de um ser anônimoLondres é um parque temático e avós espiam minha mochilaplease dont’ you be very longplease don’t belongme pede George no iPodo exílio é só pra quem podee é proibido fumar nos pubsos dias passam velozesfome saudade libras somemminha barba cresce atrozos pés viram cascos de cavaloviro planta no Hyde Parkviro bomba no Eros de Piccadillyviro aramaia afrisânscrito mandatimviro o Thames a cor dos teus olhosI wish I was at the Big Bangnevermind the gap diz Peter Pan

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Lengua extraña

Yo abandoné esto en tu oreja para cuando tú despertaresUna lengua una hambre una batalla de ser comprendidoYo abandoné esto en tu orilla para cuando tú despertaresLa extraña sensación de quedarse perdida en tu barrio

Yo abandoné esto en tu ordeña para cuando tú despertares Para que sientas mi susto como si fuera tu mismo gustoYo abandoné esto en tu oración para cuando tú despertares La palabra que dulcinea a nosotros una mentira salvaje

Yo abandoné esto en tu origen para cuando tú despertares El deseo que ya te vayas y yo te olvides por todo siempreYo abandoné esto en tu orina para cuando tú despertares El hijo que tendríamos si tú fueras más puta y no tan pura

Yo me abandoné todo en tu orbita indócilpero tu jamás despiertas y así seguimosvecinos de cama espaldas uno para el otrosueños que solo se tocan en abandono

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Luna ondula sus mareas

Tenderly desintégrameesta noche estoy pronto si tú estásyou’re with that tartan of kryptoniteI’m just that guy outside who writesLuna ondula sus mareas

En la nube nueve sé lo que tú eresla rainha diaba a anunciar felices nuevas en la teley sonríes perversa y entonces macérame tenderlyLuna ondula sus mareas

The guy who writes es solo un fontanerotiene de comunicar vasos ríos corrientes fluir mierdas aguas alcoholes lechesLuna ondula sus mareas

Lo que puedo hablar de tu olor que no sea leviatancuando sobre la nube nueve me follas en el tartany bisbisea ‘voy a sumergirte’Luna ondula sus mareas

Oferta tus senos como vino tus cabellos mi textocada libro un ladrillo creando su precipiciosangre es la única voz que escribeLuna ondula sus mareas

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Tenderly desintégramekeep your teeth over my veinskeep kryptonite inside your tonguekeep my blood playing the wordsLuna ondula sus mareas

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Espinha

tento te cuspirvocê não saiesqueceu a escovae os dentes brancosna cômoda no espelhoesfrego a língua a pele o ossoa espuma clara descendo pelo raloteu cabelo ruído branco ainda suanos meus dentestento te cuspirvocê não sai

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Não é você sou eu

Ela bate o portão e abre a sombrinhaDois cães fuçam rango no meio-fioRápido ela atravessa a rua molhadaO ar da noite aos poucos se secandoem blues automático uma nostalgiaCarros passam derrapam buzinamSeu gosto ainda na boca se dissipana velha fome sempre incompletaEla parece feliz dobrando a esquinaE os cães brigam por um hot-dog frio

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Nova

deve ser gravidadea lei do que movesem largar pegadasvai minando dentroe fora faz satélite

nada disso é tantoando sem palavraspra nomear silêncioquando o não o simque cada passo some

e entre aí e aquio ar onde se escondetão outras de sique só os vastos vaziostoda ela existe

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