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TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR Cipriano Luckesi Nos capítulos anteriores, fizemos um esforço para compreender a relação existente entre Pedagogia e Filosofia, mostrando, de um lado, que pedagogia se delineia a partir de uma posição filosófica definida; e, de outro lado, compreender as perspectivas das relações entre educação e sociedade. Verificamos que são três as tendências que interpretam o papel da educação na sociedade: educação como redenção, educação como reprodução e educação como transformação da sociedade. Neste capítulo, vamos tratar das concepções pedagógicas propriamente ditas, ou seja, vamos abordar as diversas tendências teóricas que pretenderam dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana. Desse modo, estaremos aprofundando a compreensão da articulação entre filosofia e educação, que, aqui, atinge o nível da concepção filosófica da educação, que se sedimenta em uma pedagogia. Genericamente, podemos dizer que a perspectiva redentora se traduz pelas pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias progressistas. Essa discussão tem uma importância prática da maior relevância, pois permite a cada professor situar-se teoricamente sobre suas opções, articulando-se e autodefinindo-se. 1 O presente capítulo de autoria de José Carlos Libâneo é a reprodução do capítulo 1 - "Tendências Pedagógicas na Prática Escolar" - do livro Democratização da escola pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos, São Paulo, Loyola, 1985, autorizada pela Editora e pelo autor, aos quais agradecemos. Foram 1

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Tendncias pedaggicas na prtica escolar

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TENDNCIAS PEDAGGICAS NA PRTICA ESCOLAR

Cipriano Luckesi

Nos captulos anteriores, fizemos um esforo para compreender a relao existente entre Pedagogia e Filosofia, mostrando, de um lado, que pedagogia se delineia a partir de uma posio filosfica definida; e, de outro lado, compreender as perspectivas das relaes entre educao e sociedade. Verificamos que so trs as tendncias que interpretam o papel da educao na sociedade: educao como redeno, educao como reproduo e educao como transformao da sociedade.

Neste captulo, vamos tratar das concepes pedaggicas propriamente ditas, ou seja, vamos abordar as diversas tendncias tericas que pretenderam dar conta da compreenso e da orientao da prtica educacional em diversos momentos e circunstncias da histria humana. Desse modo, estaremos aprofundando a compreenso da articulao entre filosofia e educao, que, aqui, atinge o nvel da concepo filosfica da educao, que se sedimenta em uma pedagogia. Genericamente, podemos dizer que a perspectiva redentora se traduz pelas pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias progressistas.

Essa discusso tem uma importncia prtica da maior relevncia, pois permite a cada professor situar-se teoricamente sobre suas opes, articulando-se e autodefinindo-se.

1 O presente captulo de autoria de Jos Carlos Libneo a reproduo do captulo 1 - "Tendncias Pedaggicas na Prtica Escolar" - do livro Democratizao da escola pblica: pedagogia crtico-social dos contedos, So Paulo, Loyola, 1985, autorizada pela Editora e pelo autor, aos quais agradecemos. Foram introduzidas modificaes na Introduo do captulo para articul-lo com o contedo deste livro.

Para desenvolver a abordagem das tendncias pedaggicas utilizamos como critrio a posio que cada tendncia adota em relao s finalidades sociais da escola. Assim vamos organizar o conjunto das pedagogias em dois grupos, conforme aparece a seguir:

l. Pedagogia liberal

1.1 tradicional

1.2 renovada progressivista

1.3 renovada no-diretiva

1.4 tecnicista

2. Pedagogia progressista

2.1 libertadora

2.2 libertria

2.3 crtico-social dos contedos

evidente que tanto as tendncias quanto suas manifestaes no so puras nem mutuamente exclusivas o que, alis, a limitao principal de qualquer tentativa de classificao. Em alguns casos as tendncias se complementam, em outros, divergem. De qualquer modo, a classificao e sua descrio podero funcionar como um instrumento de anlise para o professor avaliar a sua prtica de sala de aula.

A exposio das tendncias pedaggicas compe-se de uma caracterizao geral das tendncias liberal e progressista, seguidas da apresentao das pedagogias que as traduzem e que se manifestam na prtica docente.

1. Pedagogia liberal

O termo liberal no tem o sentido de "avanado", "democrtico", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificao do sistema capitalista que, ao defender a predominncia da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organizao social baseada na propriedade privada dos meios de produo, tambm denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, uma manifestao prpria desse tipo de sociedade.

A educao brasileira, pelo menos nos ltimos cinqenta anos, tem sido marcada pelas tendncias liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendncias se manifestam, concretamente, nas prticas escolares e no iderio pedaggico de muitos professores, ainda que estes no se dem conta dessa influncia.

A pedagogia liberal sustenta a idia de que a escola tem por funo preparar os indivduos para o desempenho de papis sociais, de acordo com as aptides individuais, por isso os indivduos precisam aprender a se adaptar aos valores e s normas vigentes na sociedade de classes atravs do desenvolvimento da cultura individual. A nfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenas de classes, pois, embora difunda a idia de igualdade de oportunidades, no leva em conta a desigualdade de condies. Historicamente, a educao liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razes de recomposio da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (tambm denominada escola nova ou ativa), o que no significou a substituio de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prtica escolar.

Na tendncia tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por acentuar o ensino humanstico, de cultura geral, no qual o aluno educado para atingir, pelo prprio esforo, sua plena realizao como pessoa. Os contedos, os procedimentos didticos, a relao professor-aluno no tm nenhuma relao com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. a predominncia da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual.

A tendncia liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptides individuais. Mas a educao um processo interno, no externo; ela parte das necessidades e interesses individuais necessrios para a adaptao ao meio. A educao a vida presente, a parte da prpria experincia humana. A escola renovada prope um ensino que valorize a auto-educao (o aluno como sujeito do conhecimento), a experincia direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. A tendncia liberal renovada apresenta-se, entre ns, em duas verses distintas: a renovada progressivista2, ou pragmatista, principalmente na forma difundida pelos pioneiros da educao nova, entre os quais se destaca Ansio Teixeira (deve-se destacar, tambm a influncia de Montessori, Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada no-diretiva orientada para os objetivos de auto-realizao (desenvolvimento pessoal) e para as relaes interpessoais, na formulao do psiclogo norte-americano Carl Rogers.

A tendncia liberal tecnicista subordina a educao sociedade, tendo como funo a preparao de "recursos humanos" (mo-de-obra para a indstria). A sociedade industrial e tecnolgica estabelece (cientificamente) as metas econmicas, sociais e polticas, a educao treina (tambm cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade contm em si suas prprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplic-las. Dessa forma, o essencial no o contedo da realidade, mas as tcnicas (forma) de descoberta e aplicao. A tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento cientfico) o meio eficaz de obter a maximizao da produo e garantir um timo funcionamento da sociedade; a educao um recurso tecnolgico por excelncia. Ela " encarada como um instrumento capaz de promover, sem contradio, o desenvolvimento econmico pela qualificao da mo-de-obra, pela redistribuio da renda, pela maximizao da produo e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da conscincia polticaindispensvel manuteno do Estado autoritrio3. Utiliza-se basicamente do enfoque sistmico, da tecnologia educacional e da anlise experimental do comportamento.

2 A designao "progressivista" vem de "educao progressiva", termo usado por AnsioTeixeira para indicar a funo da educao numa civilizao em mudana, decorrente do desenvolvimento cientifico (idia equivalente a "evoluo" em biologia). Esta tendncia inspira-se no filsofo e educador norte-americano John Dewey. Cr. Ansio Teixeira, Educao progressiva.

3 Kuenzer, Accia A. e Machado, Luclia R. S. "Pedagogia tecnicista". In: Mello, Guiomar N. de (org.), Escola nova, tecnicismo e educao compensatria. 3 ed. So Paulo, Ed. Loyola, [1988]. p. 34.

1.1 Tendncia liberal tradicional

Papel da escola - A atuao da escola consiste na preparao intelectual e moral dos alunos para assumir sua posio na sociedade. O compromisso da escola com a cultura, os problemas sociais pertencem sociedade. O caminho cultural em direo ao saber o mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim, os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Caso no consigam, devem procurar o ensino mais profissionalizante.

Contedos de ensino - So os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas geraes adultas e repassados ao aluno como verdades. As matrias de estudo visam preparar o aluno para a vida, so determinadas pela sociedade e ordenadas na legislao. Os contedos so separados da experincia do aluno e das realidades sociais, valendo pelo valor intelectual, razo pela qual a pedagogia tradicional criticada como intelectualista e, s vezes, como enciclopdica.

Mtodos - Baseiam-se na exposio verbal da matria e/ou demostrao. Tanto a exposio quanto a anlise so feitas pelo professor, observados os seguintes passos: a) preparao do aluno (definio do trabalho, recordao da matria anterior, despertar interesse); b) apresentao (realce de pontos-chaves, demonstrao); c) associao (combinao do conhecimento novo com o j conhecido por comparao e abstrao); d) generalizao (dos aspectos particulares chega-se ao conceito geral, a exposio sistematizada); e) aplicao (explicao de fatos adicionais e/ou resolues de exerccios). A nfase nos exerccios, na repetio de conceitos ou frmulas na memorizao visa disciplinar a mente e formar hbitos.

Relacionamento professor-aluno - Predomina a autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comunicao entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o contedo na forma de verdade a ser absorvida; em conseqncia, a disciplina imposta o meio mais eficaz para assegurar a ateno e o silncio.

Pressupostos de aprendizagem - A idia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o esprito da criana acompanhada de uma outra: a de que a capacidade de assimilao da criana idntica do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas, ento, devem ser dados numa progresso lgica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as caractersticas prprias de cada idade. A aprendizagem, assim, receptiva e mecnica, para o que se recorre freqentemente coao. A reteno do material ensinado garantida pela repetio de exerccios sistemticos e recapitulao da matria. A transferncia da aprendizagem depende do treino; indispensvel a reteno, a fim de que o aluno possa responder s situaes novas de forma semelhante s respostas dadas em situaes anteriores. A avaliao se d por verificaes de curto prazo (interrogatrios orais, exerccio de casa) e de prazo mais longo (provas escritas, trabalhos de casa). O esforo , em geral, negativo (punio, notas baixas, apelos aos pais); s vezes, positivo (emulao, classificaes).

Manifestaes na prtica escolar - A pedagogia liberal tradicional viva e atuante em nossas escolas. Na descrio apresentada aqui incluem-se as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientao clssico-humanista ou uma orientao humano-cientfica, sendo que esta se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa histria educacional.

1.2 Tendncia liberal renovada progressivista

Papel da escola - A finalidade da escola adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar, o quanto possvel, a vida. Todo ser dispe dentro de si mesmo de mecanismos de adaptao progressiva ao meio e de uma conseqente integrao dessas formas de adaptao no comportamento. Tal integrao se d por meio de experincias que devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do aluno e as exigncias sociais. escola cabe suprir as experincias que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de construo e reconstruo do objeto, numa interao entre estruturas cognitivas do indivduo e estruturas do ambiente.

Contedos de ensino - Como o conhecimento resulta da ao a partir dos interesses e necessidades, os contedos de ensino so estabelecidos em funo de experincias que o sujeito vivencia frente a desafios cognitivos e situaes problemticas. D-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a contedos organizados racionalmente. Trata-se de "aprender a aprender", ou seja, mais importante o processo de aquisio do saber do que o saber propriamente dito.

Mtodo de ensino - A idia de "aprender fazendo" est sempre presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o mtodo de soluo de problemas. Embora os mtodos variem, as escolas ativas ou novas (Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) partem sempre de atividades adequadas natureza do aluno e s etapas do seu desenvolvimento. Na maioria delas, acentua-se a importncia do trabalho em grupo no apenas como tcnica, mas como condio bsica do desenvolvimento mental. Os passos bsicos do mtodo ativo so: a) colocar o aluno numa situao de experincia que tenha um interesse por si mesma; b) o problema deve ser desafiante, como estmulo reflexo; c) o aluno deve dispor de informaes e instrues que lhe permitam pesquisar a descoberta de solues; d) solues provisrias devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta do professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as solues prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida.

Relacionamento professor-aluno - No h lugar privilegiado para o professor; antes, seu papel auxiliar o desenvolvimento livre e espontneo da criana; se intervm, para dar forma ao raciocnio dela. A disciplina surge de uma tomada de conscincia dos limites da vida grupal; assim, aluno disciplinado aquele que solidrio, participante, respeitador das regras do grupo. Para se garantir um clima harmonioso dentro da sala de aula indispensvel um relacionamento positivo entre professores e alunos, uma forma de instaurar a "vivncia democrtica" tal qual deve ser a vida em sociedade.

Pressupostos de aprendizagem - A motivao depende da fora de estimulao do problema e das disposies internas e interesses do aluno. Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, uma auto-aprendizagem, sendo o ambiente apenas o meio estimulador. retido o que se incorpora atividade do aluno pela descoberta pessoal; o que incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado em novas situaes. A avaliao fluida e tenta ser eficaz medida que os esforos e os xitos so pronta e explicitamente reconhecidos pelo professor.

Manifestaes na prtica escolar - Os princpios da pedagogia progressivista vm sendo difundidos, em larga escala, nos cursos de licenciatura, e muitos professores sofrem sua influncia. Entretanto, sua aplicao reduzidssima, no somente por falta de condies objetivas como tambm porque se choca com uma prtica pedaggica basicamente tradicional. Alguns mtodos so adotados em escolas particulares, como o mtodo Montessori, o mtodo dos centros de interesse de Decroly, o mtodo de projetos de Dewey. O ensino baseado na psicologia gentica de Piaget tem larga aceitao na educao pr-escolar. Pertencem, tambm, tendncia progressivista muitas das escolas denominadas "experimentais", as "escolas comunitrias" e mais remotamente (dcada de 60) a "escola secundria moderna", na verso difundida por Lauro de Oliveira Lima.

1.3 Tendncia liberal renovada no-diretiva

Papel da escola - Acentua-se nesta tendncia o papel da escola na formao de atitudes, razo pela qual deve estar mais preocupada com os problemas psicolgicos do que com os pedaggicos ou sociais. Todo esforo est em estabelecer um clima favorvel a uma mudana dentro do indivduo, isto , a uma adequao pessoal s solicitaes do ambiente. Rogers4 considera que o ensino uma atividade excessivamente valorizada; para ele os procedimentos didticos, a competncia na matria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importncia, face ao propsito de favorecer pessoa um clima de autodesenvolvimento e realizao pessoal, o que implica estar bem consigo prprio e com seus semelhantes. O resultado de uma boa educao muito semelhante ao de uma boa terapia.

Contedos de ensino - A nfase que esta tendncia pe nos processos de desenvolvimento das relaes e da comunicao torna secundria a transmisso de contedos. Os processos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos que, no entanto, so dispensveis.

Mtodos de ensino - Os mtodos usuais so dispensados, prevalecendo quase que exclusivamente o esforo do professor em desenvolver um estilo prprio para facilitar a aprendizagem dos alunos. Rogers explicita algumas das caractersticas do professor "facilitador": aceitao da pessoa do aluno, capacidade de ser confivel, receptivo e ter plena convico na capacidade de autodesenvolvimento do estudante. Sua funo restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, utilizando tcnicas de sensibilizao onde os sentimentos de cada um possam ser expostos, sem ameaas. Assim, o objetivo do trabalho escolar se esgota nos processos de melhor relacionamento interpessoal, como condio para o crescimento pessoal.

Relacionamento professor-aluno - A pedagogia no-diretiva prope uma educao centrada no aluno, visando formar sua personalidade atravs da vivncia de experincias significativas que lhe permitam desenvolver caractersticas inerentes sua natureza. O professor um especialista em relaes humanas, ao garantir o clima de relacionamento pessoal e autntico. "Ausentar-se" a melhor forma de respeito e aceitao plena do aluno. Toda interveno ameaadora, inibidora da aprendizagem.

Pressupostos de aprendizagem - A motivao resulta do desejo de adequao pessoal na busca da auto-realizao; , portanto um ato interno. A motivao aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento de que capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais, isto , desenvolve a valorizao do "eu". Aprender, portanto, modificar suas prprias percepes; da que apenas se aprende o que estiver significativamente relacionado com essas percepes. Resulta que a reteno se d pela relevncia do aprendido em relao ao "eu", ou seja, o que no est envolvido com o "eu" no retido e nem transferido. Portanto, a avaliao escolar perde inteiramente o sentido, privilegiando-se a autoavaliao.

Manifestaes na prtica escolar - Entre ns, o inspirador da pedagogia no-diretiva C. Rogers, na verdade mais psiclogo clnico que educador. Suas idias influenciam um nmero expressivo de educadores e professores, principalmente orientadores educacionais e psiclogos escolares que se dedicam ao aconselhamento. Menos recentemente, podem-se citar tambm tendncias inspiradas na escola de Summerhill do educador ingls A. Neill.

4 Cf. Rogers, Carl. Liberdade para aprender.

1.4 Tendncia liberal tecnicista

Papel da escola - Num sistema social harmnico, orgnico e funcional, a escola funciona como modeladora do comportamento humano, atravs de tcnicas especficas. educao escolar compete organizar o processo de aquisio de habilidades, atitudes e conhecimentos especficos, teis e necessrios para que os indivduos se integrem na mquina do sistema social global. Tal sistema social regido por leis naturais (h na sociedade a mesma regularidade e as mesmas relaes funcionais observveis entre os fenmenos da natureza), cientificamente descobertas. Basta aplic-las. A atividade da "descoberta" funo da educao, mas deve ser restrita aos especialistas; a "aplicao" competncia do processo educacional comum. A escola atua, assim, no aperfeioamento da ordem social vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto, emprega a cincia da mudana de comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato o de produzir indivduos "competentes" para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informaes precisas, objetivas e rpidas. A pesquisa cientfica, a tecnologia educacional, a anlise experimental do comportamento garantem a objetividade da prtica escolar, uma vez que os objetivos instrucionais (contedos) resultam da aplicao de leis naturais que independem dos que a conhecem ou executam.

Contedos de ensino - So as informaes, princpios cientficos, leis etc., estabelecidos e ordenados numa seqncia lgica e psicolgica por especialistas. matria de ensino apenas o que redutvel ao conhecimento observvel e mensurvel; os contedos decorrem, assim, da cincia objetiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. O material instrucional encontra-se sistematizado nos manuais, nos livros didticos, nos mdulos de ensino, nos dispositivos audiovisuais etc.

Mtodos de ensino - Consistem nos procedimentos e tcnicas necessrias ao arranjo e controle nas condies ambientais que assegurem a transmisso/recepo de informaes. Se a primeira tarefa do professor modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais, a principal conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino; da a importncia da tecnologia educacional. A tecnologia educacional a "aplicao sistemtica de princpios cientficos comportamentais e tecnolgicos a problemas educacionais, em funo de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e abordagem sistmica abrangente"5. Qualquer sistema instrucional (h uma grande variedade deles) possui trs componentes bsicos: objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos observveis e mensurveis, procedimentos instrucionais e avaliao. As etapas bsicas de um processo ensino-aprendizagem so: a) estabelecimento de comportamentos terminais, atravs de objetivos instrucionais; b) anlise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar seqencialmente os passos da instruo; c) executar o programa, reforando gradualmente as respostas corretas correspondentes aos objetivos. O essencial da tecnologia educacional a programao por passos seqenciais empregada na instruo programada, nas tcnicas de microensino, multimeios, mdulos etc. O emprego da tecnologia instrucional na escola pblica aparece nas formas de: planejamento em moldes sistmicos, concepo de aprendizagem como mudana de comportamento, operacionalizao de objetivos, uso de procedimentos cientficos (instruo programada, audiovisuais, avaliao etc., inclusive a programao de livros didticos)6.

Relacionamento professor-aluno - So relaes estruturadas e objetivas, com papis bem definidos: o professor administra as condies de transmisso da matria, conforme um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem; o aluno recebe, aprende e fixa as informaes. O professor apenas um elo de ligao entre a verdade cientfica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrucional previsto. O aluno um indivduo responsivo, no participa da elaborao do programa educacional. Ambos so espectadores frente verdade objetiva. A comunicao professor-aluno tem um sentido exclusivamente tcnico, que o de garantir a eficcia da transmisso do conhecimento. Debates, discusses, questionamentos so desnecessrios, assim como pouco importam as relaes afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensinoaprendizagem.

Pressupostos de aprendizagem - As teorias de aprendizagem que fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender uma questo de modificao do desempenho: o bom ensino depende de organizar eficientemente as condies estimuladoras, de modo a que o aluno saia da situao de aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, o ensino um processo de condicionamento atravs do uso de reforamento das respostas que se quer obter. Assim, os sistemas instrucionais visam ao controle do comportamento individual face objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino, centrado no controle das condies que cercam o organismo que se comporta. O objetivo da cincia pedaggica, a partir da psicologia, o estudo cientfico do comportamento: descobrir as leis naturais que presidem as reaes fsicas do organismo que aprende, a fim de aumentar o controle das variveis que o afetam. Os componentes da aprendizagem - motivao, reteno, transferncia - decorrem da aplicao do comportamento operante Segundo Skinner, o comportamento aprendido uma resposta a estmulos externos, controlados por meio de reforos que ocorrem com a resposta ou aps a mesma: "Se a ocorrncia de um (comportamento) operante seguida pela apresentao de um estimulo (reforador), a probabilidade de reforamento aumentada". Entre os autores que contribuem para os estudos de aprendizagem destacam-se: Skinner, Gagn, Bloon e Mager7.

Manifestaes na prtica escolar - A influncia da pedagogia tecnicista remonta 2 metade dos anos 50 (PABAEE - Programa Brasileiro-americano de Auxlio ao Ensino Elementar). Entretanto foi introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adequar o sistema educacional orientao poltico-econmica do regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalizao do sistema de produo capitalista. quando a orientao escolanovista cede lugar tendncia tecnicista, pelo menos no nvel de poltica oficial; os marcos de implantao do modelo tecnicista so as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorganizam o ensino superior e o ensino de 1 e 2 graus. A despeito da mquina oficial, entretanto, no h indcios seguros de que os professores da escola pblica tenham assimilado a pedagogia tecnicista, pelo menos em termos de iderio. A aplicao da metodologia tecnicista (planejamento, livros didticos programados, procedimentos de avaliao etc.) no configura uma postura tecnicista do professor; antes, o exerccio profissional continua mais para uma postura ecltica em torno de princpios pedaggicos assentados nas pedagogias tradicional e renovada8.

5Auricchio, Lgia O. Manual de tecnologia educacional, p. 25.

6 Cf. Kuenzer, Accia e Machado,Luclia R.S.,op.cit.,p.47.

7 Para maiores esclarecimentos, cr. Auricchio, Lgia de O. Manual de tecnologia educacional; Oliveira, J. G. A. Tecnologia educacional: teorias da instruo.

8 Sobre a introduo da pedagogia tecnicista no Brasil, cf. Freitag, Brbara. Escola, Estado e Sociedade; Garcia, Laymert G. S. Desregulagens - Educao, planejamento e tecnologia como ferramenta social; Cunha, Luis A. Educao e desenvolvimento social no Brasil entre outros.

2. Pedagogia progressista O termo "progressista", emprestado de Snyders9, usado aqui para designar as tendncias que, partindo de uma anlise crtica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolticas da educao. Evidentemente a pedagogia progressista no tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; da ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras prticas sociais.A pedagogia progressista tem-se manifestado em trs tendncias: a libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire; a libertria, que rene os defensores da autogesto pedaggica; a crtico-social dos contedos que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos contedos no seu confronto com as realidades sociais.

As verses libertadora e libertria tm em comum o antiautoritarismo, a valorizao da experincia vvida como base da relao educativa e a idia de autogesto pedaggica. Em funo disso, do mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participao em discusses, assemblias, votaes) do que aos contedos de ensino. Como decorrncia, a prtica educativa somente faz sentido numa prtica social junto ao povo, razo pela qual preferem as modalidades de educao popular "no-formal".

A tendncia da pedagogia crtico-social dos contedos prope uma sntese superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ao pedaggica enquanto inserida na prtica social concreta. Entende a escola como mediao entre o individual e o social, exercendo a a articulao entre a transmisso dos contedos e a assimilao ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relaes sociais); dessa articulao resulta o saber criticamente reelaborado.

9 Cf. Snyders, Georges. Pedagogia progressista. Lisboa, Ed. Almedina.

2.1 Tendncia progressista libertadora

Papel da escola - No prprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar, j que sua marca a atuao "no-formal". Entretanto, professores e educadores engajados no ensino escolar vm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, quando se fala na educao em geral, diz-se que ela uma atividade onde professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o contedo de aprendizagem, atingem um nvel de conscincia dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformao social. Tanto a educao tradicional, denominada "bancria" - que visa apenas depositar informaes sobre o aluno -, quanto a educao renovada - que pretenderia uma libertao psicolgica individual - so domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade social de opresso. A educao libertadora, ao contrrio, questiona concretamente a realidade das relaes do homem com a natureza e com os outros homens, visando a uma transformao - dai ser uma educao crtica10.

Contedos de ensino - Denominados temas geradores", so extrados da problematizao da prtica de vida dos educandos. Os contedos tradicionais so recusados porque cada pessoa, cada grupo envolvido na ao pedaggica dispe em si prprio, ainda que de forma rudimentar, dos contedos necessrios dos quais se parte. O importante no a transmisso de contedos especficos, mas despertar uma nova forma da relao com a experincia vivida. A transmisso de contedos estruturados a partir de fora considerada como "invaso cultural" ou depsito de informao porque no emerge do saber popular. Se forem necessrios textos de leitura estes devero ser redigidos pelos prprios educandos com a orientao do educador.

Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertador Paulo Freire, deixa de mencionar o carter essencialmente poltico de sua pedagogia, o que, segundo suas prprias palavras, impede que ela seja posta em prtica em termos sistemticos, nas instituies oficiais, antes da transformao da sociedade. Da porque sua atuao se d mais a nvel da educao extra-escolar. O que no tem impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por numerosos professores.

Mtodos de ensino - "Para ser um ato de conhecimento o processo de alfabetizao de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relao de autntico dilogo; aquela em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido" (...) "O dilogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer: educador-educando e educando-educador".

Assim sendo, a forma de trabalho educativo o "grupo de discusso a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o contedo e a dinmico das atividades. O professor um animador que, por princpio, deve descer ao nvel dos alunos, adaptando-se s suas caractersticas ao desenvolvimento prprio de cada grupo. Deve caminhar "junto", intervir o mnimo indispensvel, embora no se furte, quando necessrio, a fornecer uma informao mais sistematizada.

Os passos da aprendizagem - Codificao-decodificao, e problematizao da situao - permitiro aos educandos um esforo de compreenso do "vivido", at chegar a um nvel mais crtico de conhecimento e sua realidade, sempre atravs da troca de experincia em torno da prtica social. Se nisso consiste o contedo do trabalho educativo, dispensam um programa previamente estruturado, trabalhos escritos, aulas expositivas assim como qualquer tipo de verificao direta da aprendizagem, formas essas prprias da "educao bancria", portanto, domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliao da pratica vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo e, s vezes, a autoavaliao feita em termos dos compromissos assumidos com a pratica social.

Relacionamento professor-aluno - No dilogo, como mtodo bsico, a relao horizontal, onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. O critrio de bom relacionamento a "' total identificao com o povo, sem o que a relao pedaggica perde consistncia. Elimina-se, por pressuposto, toda relao de autoridade, sob pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientizao, de "aproximao de conscincias". Trata-se de uma "no-diretividade", mas no no sentido do professor que se ausenta (como em Rogers), mas que permanece vigilante para assegurar ao grupo um espao humano para "dizer sua palavra" para se exprimir sem se neutralizar.

Pressupostos de aprendizagem - A prpria designao de "educao problematizadora" como correlata de educao libertadora revela a fora motivadora da aprendizagem. A motivao se d a partir da codificao de uma situao-problema, da qual se toma distncia para analis-la criticamente. "Esta anlise envolve o exerccio da abstrao, atravs da qual procuramos alcanar, por meio de representaes da realidade concreta, a razo de ser dos fatos".

Aprender um ato de conhecimento da realidade concreta, isto , da situao real vivida pelo educando, e s tem sentido se resulta de uma aproximao crtica dessa realidade. O que aprendido no decorre de uma imposio ou memorizao, mas do nvel crtico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreenso, reflexo e crtica. O que o educando transfere, em termos de conhecimento, o que foi incorporado como resposta s situaes de opresso - ou seja, seu engajamento na militncia poltica.

Manifestaes na prtica escolar - A pedagogia libertadora tem como inspirador e divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas idias pessoalmente em diversos pases, primeiro no Chile, depois na frica. Entre ns, tem exercido uma influencia expressiva nos movimentos populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com a maior parte das experincias do que se denomina "educao popular". H diversos grupos desta natureza que vm atuando no somente no nvel da prtica popular, mas tambm por meio de publicaes, com relativa independncia em relao s idias originais da pedagogia libertadora. Embora as formulaes tericas de Paulo Freire se restrinjam educao de adultos ou educao popular em geral, muitos professores vm tentando coloc-las em prtica em todos os graus de ensino formal.

10 Cf. Freire, Paulo. Ao cultural como prtica de liberdade; Pedagogia do Oprimido e Extenso ou comunicao?

2.2 Tendncia progressista libertriaPapel da escola - A pedagogia libertria espera que a escola exera uma transformao na personalidade dos alunos num sentido libertrio e autogestionrio. A idia bsica introduzir modificaes institucionais, a partir dos nveis subalternos que, em seguida, vo "contaminando" todo o sistema. A escola instituir, com base na participao grupal, mecanismos institucionais de mudana (assemblias, conselhos, eleies, reunies, associaes etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas instituies "externas", leve para l tudo o que aprendeu. Outra forma de atuao da pedagogia libertria, correlata primeira, - aproveitando a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com princpios educativos autogestionrios (associaes, grupos informais, escolas autogestionrios). H, portanto, um sentido expressamente poltico, medida que se afirma o indivduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogesto , assim, o contedo e o mtodo; resume tanto o objetivo pedaggico quanto o poltico. A pedagogia libertria, na sua modalidade mais conhecida entre ns, a "pedagogia institucional", pretende ser uma forma de resistncia contra a burocracia como instrumento da ao dominadora do Estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia11.

Contedos de ensino - As matrias so colocadas disposio do aluno, mas no so exigidas. So um instrumento a mais, porque importante o conhecimento que resulta das experincias vividas pelo grupo, especialmente a vivncia de mecanismos de participao crtica. "Conhecimento" aqui no a investigao cognitiva do real, para extrair dele um sistema de representaes mentais, mas a descoberta de respostas as necessidades e s exigncias da vida social. Assim, os contedos propriamente ditos so os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que no so, necessria nem indispensavelmente, as matrias de estudo.

Mtodo de ensino - na vivncia grupal, na forma de autogesto, que os alunos buscaro encontrar as bases mais satisfatrias de sua prpria "instituio", graas sua prpria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de "colocar nas mos dos alunos tudo o que for possvel: o conjunto da vida, as atividades e a organizao do trabalho no interior da escola (menos a elaborao dos programas e a deciso dos exames que no dependem nem dos docentes, nem dos alunos)". Os alunos tm liberdade de trabalhar ou no, ficando o interesse pedaggico na dependncia de suas necessidades ou das do grupo.

O progresso da autonomia, excluda qualquer direo de fora do grupo, se d num "crescendo": primeiramente a oportunidade de contatos, aberturas, relaes informais entre os alunos. Em seguida, o grupo comea a se organizar, de modo que todos possam participar de discusses, cooperativas, assemblias, isto , diversas formas de participao e expresso pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o grupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execuo do trabalho.

Relao professor-aluno - A pedagogia institucional visa "em primeiro lugar, transformar a relao professor-aluno no sentido da no-diretividade, isto , considerar desde o incio a ineficcia e a nocividade de todos os mtodos base de obrigaes e ameaas". Embora professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha a servio do aluno, sem impor suas concepes e idias, sem transformar o aluno em objeto". O professor um orientador e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma reflexo em comum.

Se os alunos so livres frente ao professor, tambm este o em relao aos alunos (ele pode, por exemplo, recusar-se a responder uma pergunta, permanecendo em silncio). Entretanto, essa liberdade de deciso tem um sentido bastante claro: se um aluno resolve no participar, o faz porque no se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questo; quando o professor se cala diante de uma pergunta, seu silncio tem um significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o grupo assuma a resposta ou a situao criada. No mais, ao professor cabe a funo de "conselheiro" e, outras vezes, de instrutor-monitor disposio do grupo. Em nenhum momento esses papis do professor se confundem com o de "modelo", pois a pedagogia libertria recusa qualquer forma de poder ou autoridade.

Pressupostos de aprendizagem - As formas burocrticas das instituies existentes, por seu trao de impessoalidade, comprometem o crescimento pessoal. A nfase na aprendizagem informal, via grupo, e a negao de toda forma de represso visam favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivao est, portanto, no interesse em crescer dentro da vivncia grupal, pois supe-se que o grupo devolva a cada um de seus membros a satisfao de suas aspiraes e necessidades.

Somente o vivido, o experimentado incorporado e utilizvel em situaes novas. Assim, o critrio de relevncia do saber sistematizado seu possvel uso prtico. Por isso mesmo, no faz sentido qualquer tentativa de avaliao da aprendizagem, ao menos em termos de contedo.

Outras tendncias pedaggicas correlatas - A pedagogia libertria abrange quase todas as tendncias antiautoritrias em educao, entre elas, a anarquista, a psicanalista, a dos socilogos, e tambm a dos professores progressistas. Embora Neill e Rogers no possam ser considerados progressistas (conforme entendemos aqui), no deixam de influenciar alguns libertrios, como Lobrot. Entre os estrangeiros devemos citar Vasquez c Oury entre os mais recentes, Ferrer y Guardia entre os mais antigos. Particularmente significativo o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado entre ns, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu mtodol2.

Entre os estudiosos e divulgadores da tendncia libertria pode-se citar Maurcio Tragtenberg, apesar da tnica de seus trabalhos no ser propriamente pedaggica, mas de crtica das instituies em favor de um projeto autogestionrio.

11 Cf. Lobrot, Michel. Pedagoga institucional, la escuela hacia la autogestin.

12 Cf., a esse respeito, Snyders, G. Para onde vo as pedagogias no-diretivas?

2.3 Tendncia progressista crtico social dos contedos

Papel da escola - A difuso de contedos a tarefa primordial. No contedos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociveis das realidades sociais. A valorizao da escola como instrumento de apropriao do saber o melhor servio que se presta aos interesses populares, j que a prpria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torn-la democrtica. Se a escola parte integrante do todo social, agir dentro dela tambm agir no rumo da transformao da sociedade. Se o que define uma pedagogia crtica a conscincia de seus condicionantes histrico-sociais, a funo da pedagogia "dos contedos" dar um passo frente no papel transformador da escola, mas a partir das condies existentes. Assim, a condio para que a escola sirva aos interesses populares garantir a todos um bom ensino, isto , a apropriao dos contedos escolares bsicos que tenham ressonncia na vida dos alunos. Entendida nesse sentido, a educao "uma atividade mediadora no seio da prtica social global", ou seja, uma das mediaes pela qual o aluno, pela interveno do professor e por sua prpria participao ativa, passa de uma experincia inicialmente confusa e fragmentada (sincrtica) a uma viso sinttica, mais organizada e unificada13.

Em sntese, a atuao da escola consiste na preparao do aluno para, o mundo adulto e suas contradies, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisio de contedos e da socializao, para uma participao organizada e ativa na democratizao da sociedade.

Contedos de ensino - So os contedos culturais universais que se constituram em domnios de conhecimento relativamente autnomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face s realidades sociais. Embora se aceite que os contedos so realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e no simplesmente reinventados eles no so fechados e refratrios s realidades sociais. No basta que os contedos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados, preciso que se liguem, de forma indissocivel, sua significao humana e social.

Essa maneira de conceber os contedos do saber no estabelece oposio entre cultura erudita e cultura popular, ou espontnea, mas uma relao de continuidade em que, progressivamente, se passa da experincia imediata e desorganizada ao conhecimento sistematematizado. No que a primeira apreenso da realidade seja errada, mas necessria a ascenso a uma forma de elaborao superior, conseguida pelo prprio aluno, com a interveno do professor.

A postura da pedagogia "dos contedos" - Ao admitir um conhecimento relativamente autnomo - assume o saber como tendo um contedo relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma reavaliao crtica frente a esse contedo. Como sintetiza Snyders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de um lado, de obter o acesso do aluno aos contedos, ligando-os com a experincia concreta dele - a continuidade; mas, de outro, de proporcionar elementos de anlise crtica que ajudem o aluno a ultrapassar a experincia, os esteretipos, as presses difusas da ideologia dominante - a ruptura.

Dessas consideraes resulta claro que se pode ir do saber ao engajamento poltico, mas no o inverso, sob o risco de se afetar a prpria especificidade do saber e at cair-se numa forma de pedagogia ideolgica, que o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.

Mtodos de ensino - A questo dos mtodos se subordina dos contedos: se o objetivo privilegiar a aquisio do saber, e de um saber vinculado s realidades sociais, preciso que os mtodos favoream a correspondncia dos contedos com os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos contedos o auxlio ao seu esforo de compreenso da realidade (prtica social). Assim, nem se trata dos mtodos dogmticos de transmisso do saber da pedagogia tradicional, nem da sua substituio pela descoberta, investigao ou livre expresso das opinies, como se o saber pudesse ser inventado pela criana, na concepo da pedagogia renovada.

Os mtodos de uma pedagogia crtico-social dos contedos no partem, ento, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontneo, mas de uma relao direta com a experincia do aluno, confrontada com o saber trazido de fora. O trabalho docente relaciona a prtica vivida pelos alunos com os contedos propostos pelo professor, momento em que se dar a "ruptura" em relao experincia pouco elaborada. Tal ruptura apenas possvel com a introduo explcita, pelo professor, dos elementos novos de anlise a serem aplicados criticamente prtica do aluno. Em outras palavras, uma aula comea pela constatao da prtica real, havendo, em seguida, a conscincia dessa prtica no sentido de referi-la aos termos do contedo proposto, na forma de um confronto entre a experincia e a explicao do professor. Vale dizer: vai-se da ao compreenso e da compreenso ao, at a sntese, o que no outra coisa seno a unidade entre a teoria e a prtica.

Relao professor-aluno - Se, como mostramos anteriormente, o conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interao entre o meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador, ento a relao pedaggica consiste no provimento das condies em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do adulto insubstituvel, mas acentua-se tambm a participao do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experincia imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao confront-la com os contedos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforo do professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos contedos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos, tendo conscincia inclusive dos contrastes entre sua prpria cultura e a do aluno. No se contentar, entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e carncias; buscar despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os mtodos de estudo, exigir o esforo do aluno, propor contedos e modelos compatveis com suas experincias vividas, para que o aluno se mobilize para uma participao ativa.

Evidentemente o papel de mediao exercido em torno da anlise dos contedos exclui a no-diretividade como forma de orientao do trabalho escolar, por que o dilogo adulto-aluno desigual. O adulto tem mais experincia acerca das realidades sociais, dispe de uma formao (ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a ele cabe fazer a anlise dos contedos em confronto com as realidades sociais. A no-diretividade abandona os alunos a seus prprios desejos, como se eles tivessem uma tendncia espontnea a alcanar os objetivos esperados da educao. Sabemos que as tendncias espontneas e naturais no so naturais, antes so tributrias das condies de vida e do meio. No so suficientes o amor, a aceitao, para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de progredir: necessria a interveno do professor para levar o aluno a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experincia vivida.

Pressupostos de aprendizagem - Por um esforo prprio, o aluno se reconhece nos contedos e modelos sociais apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua prpria experincia.O conhecimento novo se apia numa estrutura cognitiva j existente, ou o professor prov a estrutura de que o aluno ainda no dispe. O grau de envolvimento na aprendizagem dependa tanto da prontido e disposio do aluno, quanto do professor e do contexto da sala de aula.

Aprender, dentro da viso da pedagogia dos contedos, desenvolver a capacidade de processar informaes e lidar com os estmulos do ambiente, organizando os dados disponveis da experincia. Em conseqncia, admite-se o princpio da aprendizagem significativa que supe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno j sabe. O professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor procura dizer-lhes. A transferncia da aprendizagem se d a partir do momento da sntese, isto , quando o aluno supera sua viso parcial e confusa e adquire uma viso mais clara e unificadora.

Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, no como julgamento definitivo e dogmtico do professor, mas como uma comprovao para o aluno de seu progresso em direo a noes mais sistematizadas.

Manifestaes na prtica escolar - O esforo de elaborao de uma pedagogia dos contedos est em propor modelos de ensino voltados para a interao contedos-realidades sociais; portanto, visando avanar em termos de uma articulao do poltico e do pedaggico, aquele como extenso deste, ou seja, a educao "a servio da transformao das relaes de produo". Ainda que a curto prazo se espere do professor maior conhecimento dos contedos de sua matria e o domnio de formas de transmisso, a fim de garantir maior competncia tcnica, sua contribuio "ser tanto mais eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vnculos de sua prtica com a prtica social global", tendo em vista (...) "a democratizao da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a transformao estrutural da sociedade brasileira"14.

Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a experincia pioneira, mas mais remota do educador e escritor russo, Makarenko. Entre os autores atuais citamos B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial, G. Snyders, alm dos autores brasileiros que vem desenvolvendo investigaes relevantes, destacando-se Demerval Saviani. Representam tambm as propostas aqui apresentadas os inmeros professores da rede escolar pblica que se ocupam, competentemente, de uma pedagogia de contedos articulada com a adoo de mtodos que garantam a participao do aluno que, muitas vezes sem saber avanam na democratizao do ensino para as camadas populares.

13 Cf. Saviani, Dermeval. Educao: do senso comum conscincia filosfica, p. 120; Mello, Guiomar N. de. Magistrio do 1..., p. 24; Cury, Carlos R. J. Educao e contradio:elementos..., p. 75.

14 Saviani. Dermeval. Escola e democracia, p. 83.