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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO RAFAEL ANDRADE PRÉ-PROJETO MONOGRÁFICO: LUÍS ARANHA OU UMA INTERROGAÇÃO NO MODERNISMO

Luís Aranha e o Problema Da Poesia

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Estudo de graduação sobre o poeta modernista Luís Aranha.

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Page 1: Luís Aranha e o Problema Da Poesia

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

RAFAEL ANDRADE

PRÉ-PROJETO MONOGRÁFICO: LUÍS ARANHA OU UMA INTERROGAÇÃO NO MODERNISMO

SEROPÉDICA – RJ

JULHO DE 2015

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RAFAEL ANDRADE

PRÉ-PROJETO MONOGRÁFICO: LUÍS ARANHA OU UMA INTERROGAÇÃO NO MODERNISMO

Trabalho apresentado ao professor Christian Dutilleux na disciplina “Curso Monográfico”.

SEROPÉDICA – RJ

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JULHO DE 2015

INTRODUÇÃO

Luís Aranha Pereira (1901-1987) nasceu em São Paulo, no dia 17 de maio, filho de

família burguesa - seu pai era advogado e homem de negócios. Sua produção poética

compreende os anos entre 1920 e 1922, época em que iniciou seus estudos no curso de direito

da Faculdade do Largo São Francisco. Em 1926 concluiu o curso e entrou para o Ministério das

Relações Exteriores, servindo nos anos seguintes em diversos países, como Portugal, Itália,

Vaticano, Venezuela, Chile, Alemanha, Japão e Ceilão (onde encerrou a carreira por limite de

idade servindo como embaixador). Apenas 26 de seus poemas são conhecidos, dos quais a

maior parte ficou inédita até o lançamento de seu livro Cocktails em 1984 pela editora

Brasiliense.

CONTEXTO HISTÓRICO

Ativo participante do movimento modernista brasileiro em seu primeiro

momento, Luís Aranha travou contato com Mário de Andrade através de conhecidos,

passando também a se relacionar com outros importantes nomes do modernismo da

época – como Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e

Tarsila do Amaral – nas reuniões que Mário promovia em sua casa semanalmente.

Além de ter participado da Semana de Arte Moderna de 1922, Luís Aranha também

colaborou com a revista modernista Klaxon, tanto publicando poemas quanto

trabalhando com a preparação de originais e questões administrativas.

RELAÇÃO COM MÁRIO DE ANDRADE

Muitos são os indícios que possuímos de que Luís Aranha e Mário de Andrade

travaram relações estreitas, pelo menos durante os anos da efervescência modernista

(década de 20). Se por um lado havia o vínculo intelectual ligado à preparação da

Semana de Arte Moderna e da revista Klaxon, por outro Luís Aranha dispunha, na

figura de Mário, de um mentor, com quem discutia os poemas que escrevia. Em carta

datada de 15 de julho de 1922 podemos observar o jovem poeta acatando

recomendações do amigo a respeito de um poema seu a ser publicado no nº3 de Klaxon:

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“Mandei Klaxon para a D. Cordélia e vou hoje corrigir com o Guilherme a Paulicéia

desvairada. Vou acatar o que disseste respeitando o que mandaste conservar. ”1

Além disso, Luís Aranha via em Mário uma figura de confiança, a quem

inclusive confiou o manuscrito de seu livro de poemas Cocktails, fato que o autor de

Macunaíma atesta em Luís Aranha ou a poesia preparatoriana: “Enfim já no acabar

desse ano de 1922, o poeta me aparecia com um livro a que, pelos cacoetes da época,

dera o nome de Cocktails. ”2

CRÍTICA

Não se pode dizer que Luís Aranha passou despercebido pela intelectualidade da

época. Apesar de, quando citado, seu nome sempre acompanhar comentários sobre o

quanto sua poesia estava ainda imatura, já chamava a atenção de algumas

personalidades muito influentes no meio modernista. Em carta a Mário de Andrade,

escrita em 7 de outubro de 1925, por exemplo, Manuel Bandeira fala com entusiasmo

do jovem poeta, igualando-o a Mário e Oswald:

"Não te ofendas com as opiniões do grupinho. Certamente eles não

têm intenção nenhuma de te ofender. Acho que não vale a pena dar

importância: acho-os fraquinhos, muito fraquinhos, menos Oswald,

cuja crítica não tem valor algum porque é toda de parti-pris. Couto

sabe pensar, mas não tem temperamento, me parece puramente

cerebral. Com franqueza São Paulo – Você, Oswald e Luís Aranha.

Há muito tempo andava de expectativa com o Luís Aranha. Não

achava graça no que conhecia dele. A sua admiração, porém, e aquele

ar de passarinho estupefacto que via na sua casa me impunham

respeito. Hoje posso dizer que é um poetão pois li a “Drogaria de

Éter” e achei estupendo (alguma influência sua, mas que não

desmerece em nada o valor do poema que me pareceu

personalíssimo). A propósito, quando estiver com ele, dê-lhe um

grande abraço de minha parte”.3

1 Luís Aranha sobre seu poema Paulicéia Desvairada. Carta de Luís Aranha a Mário de Andrade; data atestada: [São Paulo, ant. 15 jul. 1922]. Correspondência passiva. Arquivo Mário de Andrade, IEB-USP.2 ANDRADE, Mário de. “Luís Aranha ou a poesia preparatoriana”. In: Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora S. A., sem data.3 “Correspondência – Mário de Andrade & Manuel Bandeira”, organizado por Marcos Antonio de Moraes. São Paulo: Editora Edusp.

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Em reposta, numa carta de mesma data, Mário diz ter gostado da opinião do

amigo: “A carta de você tem outros assuntos que quereria responder. Mas estou com

sono vou dormir. Gostei da opinião de você sobre o Luís.”4

Ainda assim, de tudo o que se produziu sobre Luís Aranha, poucos são os

estudos que se estendem de fato sobre sua obra. A grande maioria trata-se de artigos de

poucas páginas e de cunho “revisitacionista” da Semana de Arte Moderna – como o

artigo de José Lino Grünewald, Um poeta esquecido, de 1962, ano do quadragésimo

aniversário do movimento modernista, e Um marco esquecido: Luís Aranha, de 1972,

no aniversário de cinquenta anos. No entanto, são dignos de nota alguns trabalhos que

se demoram mais no assunto, como A escrava que não é Isaura (1924) e Luís Aranha

ou a poesia preparatoriana (1932), ambos de Mário de Andrade; e a organização e

pesquisa que Nelson Ascher e Rui Moreira Leite fizeram para a edição de Cocktails

(1984), incluindo aqui o prefácio do livro Uma órbita excêntrica no modernismo, de

autoria de Nelson Ascher. Nele, Ascher faz um interessante passeio pela obra do poeta e

empreende uma tentativa, inédita, de organização cronológica de sua poesia, valendo-se,

para tanto, dos conceitos elaborados pelo teórico americano Edmund Wilson (WILSON,

1931) para estudar o simbolismo europeu. Desse modo, os 26 poemas de Luís Aranha

se dividiriam em dois momentos. No primeiro momento (sério-estético), cinco poemas

revelariam maestria técnica em versos polimétricos (mas não livres), imagens felizes, e

poética convencional: A Patas dos Cavalos; Vigília; Noturno; Canção das Névoas; O

Vento. A Ponte e O Trem revelariam temas mais atuais, mas ainda sem grande alteração

estrutural. Apesar de trabalharem um tema anterior, Os Amores do Vento e Canção de

um Louco já esboçam uma estética modernista através do esforço de síntese e

despojamento. Por fim, com uma temática mais contemporânea e com processos de

justaposição, reiteração e simultaneidade, aparece O Túnel.

Nenhum desses textos, no entanto, possui o humor peculiar dos seguintes, apesar

de cada vez mais presente a linguagem coloquial, o verso livre, e a rima menos

esquemática.

Assim, no segundo momento (coloquial-irônico), são composições modernistas

modelares e irônicas os poemas Tico-tico, Minha Amada, Cocktail, Telegrama, Poema

Pneumático. O Aeroplano, Vagalume e Estelário são também composições modernistas

(pelo tema ou pela estrutura) sem, no entanto, ironia ou sarcasmo.

4 Idem.

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A mescla das duas vertentes se inicia em Epigrama à Lua e Passeio. Enquanto

que Paulicéia Desvairada, Crepúsculo e Projetos prenunciam as composições longas

posteriores, tidas, por Ascher, como as mais bem executadas (Drogaria de Éter e de

Sombra [juntamente com o Poema Elétrico, poema dentro do poema], Poema Giratório

e Poema Pitágoras).

POEMAS E APONTAMENTOS

N’A escrava que não é Isaura, Mário de Andrade faz alguns apontamentos

teóricos sobre a poética modernista, os quais podemos encontrar exemplo na obra de

Luís Aranha. Sobre a associação de imagens, por exemplo, Mário discorre em tom

preocupado, chamando atenção para o erro que viria do uso indiscriminado dessa

técnica por parte do poeta (inclusive, citando o próprio Luís Aranha como um exemplo

dos que estariam incorrendo nesse “erro”):

“Derivada dêsse princípio da Ordem Subconsciente avulta na poesia

modernista a associação de imagens. Para alguns mesmo parece ela

tornar-se uma norma fundamental. Outro erro perigosíssimo. É a

mesma confusão de Marinetti: o meio pelo fim. Inegável: a associação

de imagens é de efeito esfusiante, magnifico e principalmente natural,

psicológica mas... olhai a cobra entre as flores:

O poeta torna-se tão habil no manejo dela que substitui a

sensibilidade, o lirismo produzido pelas sensações por um simples,

divertidíssimo jogo de imagens nascido duma inspiração única inicial.

É a lei do menor esforço, é scismar constante que podem conduzir á

ruína. Além disso: pode tornar-se consciente, provocada, procurada, e

nêsse caso uma virtuosidade. Aqueles dentre nós que estão mais perto

dêsse abismo são: Sergio Milliet, Luis Aranha (p. 52).”5

No Poema Giratório, a imagem convulsionada de giros e círculos é recorrente

durante todo o poema que, por ser muito extenso, aqui ficou exposto apenas em parte.

Tais imagens são associadas a outras em diferentes graus: o giro de danças e músicas

dançantes, dos discos de gramofone, do efeito de entorpecentes, dos diferentes locais

5 ANDRADE, Mário de. “A Escrava que não é Isaura”. In: Obra Imatura. 3ª ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda., 1980.

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(por simultaneidade) e, portanto, dos astros (giro da terra, do mundo, e da lua), por fim

se revelando um padrão universal:

Paris

Bailarinas de café-concerto rodopiando na ponta dos pés

Ou então a casa de um chinês esquecimento da vida

Antro de vícios elegantes

Morfina e cocaína em champagne

Ópio

Haxixe

Maxixe

Todas as danças modernas

Doente perdi um baile numa sociedade americana de S. Paulo

Minha cabeça girava como depois de muito dançar

A lua disco de gramofone gira furiosamente um

ragtime

E o mundo é uma bailarina de vermelho rodopiando

na ponta dos pés no café-concerto universal...

[...]

(ARANHA, 1984, p. 56-57)

Em um outro poema, Cocktail, é possível encontrar um exemplo de simultaneísmo

capaz de misturar a autorreflexão de ordem poética e etílica do poeta, enquanto que

colagens (como o primeiro verso, que aparece como um letreiro da entrada do bar)

exprimem elementos cotidianos:

COCKTAIL

HOTEL RESTAURANT BAR

A cadeira guincha

Garçon

No espelho “Experimente nosso COCKTAIL”

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Champagne cocktail

Gin cocktail

Whisky cocktail

Álcool

Absinto

Açúcar

Aromáticos

Sacode num tubo de metal

É frio estimulante e forte

Cocktail

Cocteau

Cendrars

Rimbaud cabaretier

Espontaneidade

Simultaneísmo

O só plano intelectual traz confusão

Associação

Rapidez

Alegria

Poema

Arte moderna

COCKTAIL PARA UM!

Não; para todos

Vinde encher o copo do coração com o meu cocktail sentimental

Sentimental?!(ARANHA, 1984, p. 66)

É nesse sentido que Mário de Andrade fala da técnica simultaneísta de Luís Aranha,

dessa vez enaltecendo-o:

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“É entre nós, o que milhor percebeu a simultaneidade exterior da vida

moderna. Não procura realiza-la propriamente nos seus versos, mas a

vive e sente com uma intensidade singular entre nós (272).”

CONCLUSÕES PARCIAIS

Recentemente o livro de Luís Aranha, Cocktails, tem sido traduzido para outras

línguas (como o espanhol e o francês) e lançado em diversos países, o que configura

uma redescoberta desse poeta também internacionalmente. Esse fato corrobora com a

aura de ineditismo que sua obra possui já há quase cem anos. Aura esta que muito deve,

podemos supor, ao fato do poeta ter abandonado a poesia tão prematuramente, o que

vem alimentando a revisitação de sua obra periodicamente devido à esperança daqueles

que se entusiasmam, não apenas em tentar “desvendar”, mas também conhecer (nas

palavras de Sérgio Milliet) o “mistério Luís Aranha”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Luiz de. Luís Aranha: nas teias do modernismo. Disponível em:

<http://literalmeida.blogspot.com.br/2009/03/luis-aranha-poeta-modernista-

bissexto.html>. Acesso em: 10 jul. 2015.

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ALMEIDA, Luiz de. Cocktails de Luís Aranha: publicado na Espanha. Disponível em:

< http://literalmeida.blogspot.com.br/2012/08/luis-aranha-coctails-publicado-na.html>

ARANHA, Luís. Cocktails. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

ANDRADE, Mário de. “Luís Aranha ou a poesia preparatoriana”. In: Aspectos da

Literatura Brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora S. A., sem data.

BOZZETTI, Roberto. Luís Aranha. Disponível em:

<http://robertobozzetti.blogspot.com.br/2012/05/luis-aranha.html>. Acesso em: 10 jul.

2015.

MACHADO, Marcia Regina Jaschke. Manuscritos do Modernista Luís Aranha. Manuscrítica: revista de crítica genética. São Paulo, n. 10, 2001. Disponível em: <http://www.revistas.fflch.usp.br/manuscritica/article/view/936/848>. Acesso em: 03 jul. 2015.

“Nove edições da revista Klaxon para baixar”. Disponível em:

<http://noticias.universia.com.br/tempo-livre/noticia/2012/09/11/965395/9-edices-da-

revista-klaxon-baixar-gratis.html>. Acesso em: 19 jun. 2015.

VALENZUELA, Alfredo. Poeta modernista brasileiro Luís Aranha é publicado pela 1ª

vez em espanhol. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/poeta-

modernista-brasileiro-luis-aranha-e-publicado-pela-1a-vez-em-espanhol/>. Acesso em:

10 jul. 2015.

“Vient de paraître - Qui connaît Luis Aranha?”. Disponível:

<http://boisbresilcie.blogspot.fr/2010/11/qui-connait-luis-aranha.html>. Acesso em: 10

jul. 2015.

WILSON, Edmund. Axel's castle: a study in the imaginative literature of 1870-1930.

New York: Charles Scribner's sons, 1931.

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