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Curadoria Educativa : Percepção Imaginativa / Consciência do Olhar 1
Luiz Guilherme Vergara2
Resumo
As questões provenientes da produção artística, seja ela do período da arte moderna ou 'da aqui e agora' chamada arte contemporânea, se tornaram de crescente interesse para filósofos como também intelectuais dos mais variados campos. Assim John C. Gilmour3 inicia seu livro "Picturing the World"l .Da mesma maneira podemos afirmar que os artistas se transformaram em produtores de expressão cultural cuja esfera de interferência é cada vez mais ampla. Artistas conceituais, minimalistas, multimidia, com suas instalações, estão notadamente explorando a reflexão e crítica filosófica expandindo os conceitos do que se pode constituir como arte. As fronteiras entre arte, ciência, ' filosofia e vida estão constantemente sendo redefinidas. Nesta ausência de demarcação absoluta está um dos problemas que a arte contemporânea aponta ou até melhor quer explorar. Daí vem a questão: O QUE SE PODE CONSTITUIR COMO ARTE? É uma pergunta da curadora independente Mary Jane Jacob em carta sugerindo tópicos a serem abordadas para o Seminário Internacional "Museu em Transformação: As novas identidades dos museus", realizado no Rio de Janeiro, setembro passado. É ainda Mary Jane quem indaga “Como a cultura se objetifica e o que é uma expressão cultural válida?" se referindo 'a relação de inclusão multidisciplinar entre arte e cultura. Mas ao mesmo tempo Philip Yenawine reconhece: "Nós vivemos numa época na qual a arte frequentemente parece ser uma língua estrangeira". 4
1 Texto apresentado no Encontro da ANPAP - São Paulo, 1996 2 Luiz Guilherme Vergara (resumo atualizado em 2011) Mestrado em Artes e Instalações Ambientais no Studio Art and Environmental Program do Art Department. New York University, 1993. Doutor no Programa de Arte e Educação no Departamento de Arte da Universidade de Nova Iorque (New York University), concluindo em 2006 com a Dissertação -‐ In Search Of Mission And Identity For Brazilian -‐ Contemporary Art Museums In The 21st Century:Study Case Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Diretor Geral (2005-‐2008) -‐ Museu de Arte Contemporânea de Niterói [diretor da Divisão de Arte Educação (1996-‐2005)] e atual coordenador do curso de Graduação em Produção Cultural da UFF (2007-‐dez2010), junto ao Departamento de Arte da UFF. A partir da saída da direção do MAC-‐Niterói, em dezembro de 2008, o horizonte de pesquisa também se ampliou para o próprio mapeamento deste campo de convergências conceituais que tencionam o encontro entre sociedade e arte, como agenciamentos sócio-‐cultural, assumindo uma dimensão transdisciplinar. Projetos como Arte Ação Ambiental gestados no MAC-‐Niterói, assim como o Núcleo Experimental de Educação e Arte para o MAM-‐RJ (2009-‐2010), passam a ser territórios de pesquisa-‐processos de interesse transdisciplinar, onde a construção coletiva de conhecimento emerge sistemicamente das relações entre artistas e outros pesquisadores afins, na mediação com a sociedade. 3 Gilmour. .Iohn C. Picturing the World. State University of New York Press, 1986. 4 Yenawine. Philip, How to look at Modern Art. Harry Abrams Inc. Publishers. New York, 1991.
Introdução
"Nós vivemos numa época na qual a arte frequentemente parece ser uma lingua estrangeira".
Philip Yenawine (YENOWINE, 1991)
A proposta deste texto é justamente levantar as bases de uma reflexão sobre uma atitude estética formadora de um olhar que se fundamente numa prática do encontro com a arte contemporânea. No que consiste a vivência de significados da arte contemporânea? -‐ seja ela uma língua estrangeira para o grande público ou deslocamentos de objetos achados do nosso dia a dia. Estes dois pontos antagônicos, a simultânea distância e proximidade entre a arte contemporânea e o mundo cotidiano, se desdobram na problemática do que estas tendências demandam por parte do sujeito da experiência estética. Que relações e atitudes estéticas são estimuladas para o encontro e diálogo com os significados desses objetos / espaços metaf6ricos ou arqueologia contemporânea?
Diante destas premissas pode-‐se dizer que aquilo que se por um lado é um sintoma de distanciamento da arte, vista 'como língua estrangeira' por Philip Yenawine. Por outro, invoca uma ação de descoberta, de revelações e conquistas por parte deste sujeito da obra de arte, o anônimo público, nunca antes explorada.
A Consciência do Olhar A arte contemporânea se encaminha para uma atitude temporal, perceptiva, que doravante abordarei como percepção imaginativa. Desde os anos 60, os artistas minimalistas, com as instalações chamadas Instalações para Lugares Específicos ("Site Specific Installations"), Richard Serra, Robert Morris entre outros, declaravam o fim da escultura como tal, ao mesmo tempo que implatavam interferências em espaços arquitetõnicos, que se deslocadas seriam destruidas. "To remove the work is to destroy the work!"3 O fim da escultura se desdobra em redefinição e expansão da arte. A então nova proposta de arte (1960) se expande para um espaço / tempo não específico da tradição do mundo da arte. Douglas Crimp5 relata a incompreensão do grande público diante de um Richard Serra. Quais eram as prerrogativas necessárias por parte do sujeito para entender tais interferências urbanas minimalistas? Sem dúvida, uma língua estrangeira!!! Pois as rupturas que estavam ali expressas envolviam um complexo percurso da história da arte e como também da filosofia. O que estava em foco era os espaços institucionais -‐ o museu, o pedestal e os materiais que formaram a história da escultura e da arte. Mas toda essa discussão só era compartilhada por um restrito número de
5 Crimn. Douglas, On the Museum's Ruim. Redefining Site Specificity, p. 153. The MIT Press Cambridge, Massachussetts USA 1995
pessoas dentro da esfera do mundo da arte. Para o grande público mais uma vez a incompreensão. Era mais uma dobradura da história da arte moderna ou já Pós -‐ Moderna?
A escultura "Site Specific" proposta nos anos 60 pelos artistas minimalistas vem também como uma materialização pioneira da relação sujeito/arte/mundo. O meu interesse aqui ao mencionar este momento é registrar o quão importante este movimento foi na expansão de fronteiras entre arte e vida. Ali se encontram as sementes do idealismo da nova escultura -‐ a própria desmaterialização da arte -‐ ou materialização desta como consciência no mundo. Ao mesmo tempo, estas instalações demandam um engajamento de consciência para espaço integralmente fenomenológico. A arte então quer ser construtora de consciência - a consciência do olhar. Os espaços (interno e externo) das instalações são fisicamente percorridos pelo sujeito. Esta situação é totalmente inédita. É extremamente interessante se aprofundar na relação arte e filosofia, no estudo deste período dos anos 60 na história da arte. Merleau-‐Ponty publicava em inglês o livro "The Primacy of Perception" e quase ao mesmo tempo, Gaston Bachelard publicava em Paris a "Poética do Espaço" na França (1957). Ambos os trabalhos são exploram relações entre percepção, espaço e a construção de consciência, que estão extremamente afins com as propostas minimalistas. A arte passa a propor muito mais que história e memória, mas sim a construção de consciência, que aqui será referida como consciência do olhar. Pois se esta deve emergir do encontro com a arte, da experiência estética, ela é da esfera do 'primado do olhar-consciente'.
A arte se torna matéria filosófica, matéria mental e poética pura, pois ela conquistou o direito / responsabilidade (?) de levantar questões sobre a condição humana, a realidade, a mente humana, o meio ambiente, o pensamento, a percepção e interpretação estética. Acima de tudo a arte se constitui ou oferece um campo metafórico de experiência que reflete as transformações na relação sujeito / objeto, sujeito / mundo. E ainda assim, ela é tida como incompreensível língua estrangeira.
A maior tendência ao final de nosso século é representada pelas instalações intermidias ou multimidias. Do fim do suporte tradicional da pintura (de limites bidimensionais), ou do pedestal na escultura, já muito discutido, a arte se expande para objetos, daí para espaços públicos (site specific art),arquitetura, cenários. À todas as manifestações eu chamaria de materialização de espaços metafóricos e, parafraseando Arthur Danto, " transfiguração do lugar comum", no qual o sujeito é parte penetrante da obra. Ao inverso do que se chama desmaterialização da arte. O que se nota é que paradoxalmente, a arte se esforça para redefinir sua inserção ou sua relação com a matéria ou material que constitui o universo cotidiano. Isto se dá através de apropriações e deslocamentos deste universo para o espaço 'sagrado' dos museus e galerias -‐ a arte volta ao MUSEU! Mas quer trazer o mundo junto e dentro de si para dentro do museu. Ao mesmo tempo, cresce o desentendimento e a distância para se acessar a intenção estética da produção artística contemporânea. Essa questão foi muito bem explorada pelo New Museum of Contemporary Art em Nova York, numa instalação montada com o nome" Rhetorical Image Resource Room" que solicitava ao visitante que respondesse num cartão as seguintes perguntas: Aonde está o significado da arte? No próprio objeto? No sujeito, o observador? Ou no contexto aonde este objeto está sendo exibido?
Todas essas estratégias e discussões se fazem como conseqüências do problema de fragmentação e busca de integração entre arte e sociedade, mais acima de tudo da crise sujeito/mundo. Quanto mais nos aprofundamos no conhecimento do nível crescente de complexidade que atinge a sociedade contemporânea no processo irreversível de transformações (globalização). Por mais ativos culturalmente que sejamos, ainda nos sentimos impotentes ou apenas passageiros deste trem chamado humanidade.
Arte e Ação Cultural – Curadoria Educativa
Uma Curadoria Educativa tem como objetivo explorar a potência da arte como veículo de ação cultural. Ela se baseia num estudo iniciado em Nova York em três situações institucionais da arte bastantes distintas, são elas: o Metropolitan Museum of Art, The New Museum of Contemporary Art, e as curadorias de Arte Pública de Mary Jane Jacob (Culture in Action -‐Public Art). O que existe em comum entre todos estes casos, são os seus esforços para expandir os conceitos de curadoria para tornar suas exibições aquilo que Mary Jane Jacob aponta como foco de uma Ação Cultural. Tornar arte acessível a um público diversificado é torná-‐Ia ativa culturalmente. Esse é um ponto que tem sido crucial de debates e simp6sios internacionais sobre museus de arte e sua redefinição. Ação Cultural da Arte implica em dinamização da relação arte/indivíduo/sociedade -‐ isto é, formação de consciência e olhar. Pode-‐se dizer que esta questão é muito embrionária aqui no Brasil. Reconhecendo o pouco valor e investimento que é dado para a expansão do horizonte relacional das exibições de arte e a sociedade, realizadas em espaços culturais públicos, esta preocupação se torna emergente como um embate contra a situação geral do sistema de artes vigente no Brasil. Neste sentido, ao se propor a exibição de arte como ação cultural -‐ se tem como objetivo criar uma perspectiva de alcance para a arte ampliada como multiplicadora e catalisadora dentro de um processo de conscientização e identificação cultural. Sem dúvida, é preciso fundamento teórico/prático para transformar a experiência estética junto as exposições em um centro de interações multidisciplinar e diversificado acessível para vários níveis de público. Isto não significa uma subtração de potência da arte per si, em favor de prioridades didáticas. Mas, pelo contrário, expandir o conceito da relação arte/sociedade segundo perspectivas já apontadas pelo John Dewey (Art as an Experience), e até mais recente Joseph Beuys. Estratégias de Engajamento de público na Experiência da Arte Contemporânea A Consciência do Olhar: Percepção Imaginativa Perspectivas Fenomenológicas para a Experiência Estética
Esta abordagem que principalmente enfoca um estudo da experiência estética tem na fenomenologia sua base filos6fica e metodol6gica. A questão fundamental está na relação arte e consciência, que implica paralelamente num conceito de arte como experiência sujeito/objeto. A construção de consciência através da experiência estética é o ponto chave para se explorar a potencialidade da arte com esta abordagem fenomenol6gica. Resgatando a abordagem de John Dewey (Art as an Experience , 1930) para a relação Experiência! Consciência: “Consciência não é algo a priori em si que então também entra em relação com algo -‐ outro. A relação com o outro entra na pr6pria essência do ato consciente. Assim, segue que a consciência é codeterminada pelo o outro com o qual esta se relaciona". O que aqui se torna ponto de interesse nesta relação recíproca de construção sujeito/mundo através da dialética entre consciência e experiência, que se dá no encontro com o objeto artístico. A
construção da 'consciência do olhar' será a nota chave desta abordagem. O olhar de Cezanne, a tensão entre percepção e consciência, que Merleau-‐Ponty e mais tarde Argan vão elaborar como reflexão do estar no mundo do artista.
A construção e formação de olhar que se faz através da experiência estética é sem dúvida um veículo de materialização da consciência -‐ Estar e Ser no Mundo -‐ se revelando pelo tempo e experiência (Consciência). Talvez ao se apontar para a desmaterialização da arte, se considere a desmaterialização de suas fronteiras com a vida e a matéria cultural. Ao mesmo tempo, o que a experiência da arte contemporânea pede é a materialização desta 'consciência do olhar', deste ente que tanto foi ponto de questionamento de Heidegger. Heidegger vai resgatar no pensamento grego a resposta para Ser e Tempo (Experiência): "Os gregos denominam o ser, ente, de ousia que significa "estância"... O seu modo de ser ou "estância" tem, portanto sentido temporal de 3a presença... . 6 Daí o que se propõe como questão: a potência para a arte está na esfera da experiência do olhar que é acima de tudo a experiência da consciência ativa. A arte é a materialização de uma consciência ativa ( do artista) que se faz multiplicada em cada tempo / experiência no sujeito que se abre para esta experiência. O que se invoca é a supremacia do olhar/consciência com estância -‐ o emergir do ente, do ser no tempo.
Arte como Ponto de Encontro / Estranhamento – Admiração e Reconhecimento: Tempo I: Experiência Perceptiva (individual): Estranhamento e/ou admiração Tempo 2: Ato Crítico / Perceptivo: descrição e reconhecimento; (individual/ grupo) Tempo 3 : Emergência de um Ser Poético / Imaginação Ativa: Associações, interpretação. (Interação em Grupo). A Fruição e Posse da Obra de Arte, isto é, quando a obra se abre para o sujeito, significando a vivência de significados, s6 se dá quando este sujeito atinge o tempo 1. A emergência desse ser poético, consciência poética, não é a priori, anterior a experiência, esta se faz numa relação recíproca de despertar que envolve simultâneamente: estranhamento / admiração; percepção e imaginação. O que se propõe aqui é uma aplicação à nível de metodologia daquilo que constitui o sentido fenomenológico de experiência estética de John Dewey7 . Se existe a possibilidade de se reintegrar a arte a uma dimensão de ação cultural, o que está sendo proposto é que esse caminho se abra pela experiência do olhar -‐ um despertar e construção de consciência. A Consciência do Olhar.
6 Zeljko. Lonaric, O ponto cego do Olhar Fenomenológico. O que nos faz pensar. VoI.l n° 10. PUC / RI. 1996 7 Nota de revisão em 11 de abril de 2011: Esta dimensão de aquisição de linguagem e Pedagogia Existencial – vem sendo retomada em vários outros textos - Antropofagia Contínua (2004). A proposta de uma pedagogia existencial toma Paulo Freire para a formação de uma fundamentação teórica em que o aprendizado pela arte contemporânea exposta nos museus e centros culturais se desdobre da alienação (estranhamento) para a conscientização de relações entre o mundo da arte e a arte no mundo. Na XXIV Bienal de São Paulo, Paulo Freire foi tomado como uma das fontes para uma leitura transcultural, em que do estranhamento perante a diversidade dos discursos artísticos contemporâneos, em sua maioria expressando questões de engajamento com culturas locais (ênfase da curadoria do Paulo Herkenhoff – Antropofagias) se propunha uma atitude dialogal de potencialização do eu – identidade cultural. Admiração (odd- miration), o aprendizado de uma linguagem pelo encontro com o estranho, atinge uma dimensão também de ato de antropofagia contínua como processo educativo.