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Curadoria Educativa : Percepção Imaginativa / Consciência do Olhar 1 Luiz Guilherme Vergara 2 Resumo As questões provenientes da produção artística, seja ela do período da arte moderna ou 'da aqui e agora' chamada arte contemporânea, se tornaram de crescente interesse para filósofos como também intelectuais dos mais variados campos. Assim John C. Gilmour 3 inicia seu livro "Picturing the World"l .Da mesma maneira podemos afirmar que os artistas se transformaram em produtores de expressão cultural cuja esfera de interferência é cada vez mais ampla. Artistas conceituais, minimalistas, multimidia, com suas instalações, estão notadamente explorando a reflexão e crítica filosófica expandindo os conceitos do que se pode constituir como arte. As fronteiras entre arte, ciência, ' filosofia e vida estão constantemente sendo redefinidas. Nesta ausência de demarcação absoluta está um dos problemas que a arte contemporânea aponta ou até melhor quer explorar. Daí vem a questão: O QUE SE PODE CONSTITUIR COMO ARTE? É uma pergunta da curadora independente Mary Jane Jacob em carta sugerindo tópicos a serem abordadas para o Seminário Internacional "Museu em Transformação: As novas identidades dos museus", realizado no Rio de Janeiro, setembro passado. É ainda Mary Jane quem indaga “Como a cultura se objetifica e o que é uma expressão cultural válida?" se referindo 'a relação de inclusão multidisciplinar entre arte e cultura. Mas ao mesmo tempo Philip Yenawine reconhece: "Nós vivemos numa época na qual a arte frequentemente parece ser uma língua estrangeira". 4 1 Texto apresentado no Encontro da ANPAP - São Paulo, 1996 2 Luiz Guilherme Vergara (resumo atualizado em 2011) Mestrado em Artes e Instalações Ambientais no Studio Art and Environmental Program do Art Department. New York University, 1993. Doutor no Programa de Arte e Educação no Departamento de Arte da Universidade de Nova Iorque (New York University), concluindo em 2006 com a Dissertação In Search Of Mission And Identity For Brazilian Contemporary Art Museums In The 21st Century:Study Case Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Diretor Geral (20052008) Museu de Arte Contemporânea de Niterói [diretor da Divisão de Arte Educação (1996 2005)] e atual coordenador do curso de Graduação em Produção Cultural da UFF (2007dez2010), junto ao Departamento de Arte da UFF. A partir da saída da direção do MACNiterói, em dezembro de 2008, o horizonte de pesquisa também se ampliou para o próprio mapeamento deste campo de convergências conceituais que tencionam o encontro entre sociedade e arte, como agenciamentos sóciocultural, assumindo uma dimensão transdisciplinar. Projetos como Arte Ação Ambiental gestados no MACNiterói, assim como o Núcleo Experimental de Educação e Arte para o MAMRJ (20092010), passam a ser territórios de pesquisaprocessos de interesse transdisciplinar, onde a construção coletiva de conhecimento emerge sistemicamente das relações entre artistas e outros pesquisadores afins, na mediação com a sociedade. 3 Gilmour. .Iohn C. Picturing the World. State University of New York Press, 1986. 4 Yenawine. Philip, How to look at Modern Art. Harry Abrams Inc. Publishers. New York, 1991.

(Luiz Guilherme Vergara) VERGARA, Luiz Guilherme. Curadorias educativas a consciência do olhar percepção imaginativa

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Curadoria  Educativa   :  Percepção   Imaginativa  /  Consciência  do  Olhar  1                                                                                                                                                                                                                    

Luiz  Guilherme  Vergara2  

 

Resumo  

As  questões  provenientes  da  produção  artística,  seja  ela  do  período  da  arte  moderna  ou  'da  aqui  e  agora'  chamada  arte  contemporânea,  se  tornaram  de  crescente  interesse  para  filósofos  como  também  intelectuais  dos  mais  variados  campos.  Assim  John  C.  Gilmour3  inicia  seu  livro  "Picturing  the  World"l  .Da  mesma  maneira  podemos  afirmar  que  os  artistas  se  transformaram  em  produtores  de  expressão  cultural  cuja  esfera  de  interferência  é  cada  vez  mais  ampla.  Artistas  conceituais,  minimalistas,  multimidia,  com  suas  instalações,  estão  notadamente  explorando  a  reflexão  e  crítica  filosófica  expandindo  os  conceitos  do  que  se  pode  constituir  como  arte.  As  fronteiras  entre  arte,  ciência,  '  filosofia  e  vida  estão  constantemente  sendo  redefinidas.  Nesta  ausência  de  demarcação  absoluta  está  um  dos  problemas  que  a  arte  contemporânea  aponta  ou  até  melhor  quer  explorar.  Daí  vem  a  questão:    O  QUE  SE  PODE  CONSTITUIR  COMO  ARTE?  É  uma  pergunta  da  curadora  independente  Mary  Jane  Jacob  em  carta  sugerindo  tópicos  a  serem  abordadas  para  o  Seminário  Internacional  "Museu  em  Transformação:  As  novas  identidades  dos  museus",  realizado  no  Rio  de  Janeiro,  setembro  passado.  É  ainda  Mary  Jane  quem  indaga  “Como  a  cultura  se  objetifica  e  o  que  é  uma  expressão  cultural  válida?"  se  referindo  'a  relação  de  inclusão  multidisciplinar  entre  arte  e  cultura.  Mas  ao  mesmo  tempo  Philip  Yenawine  reconhece:  "Nós  vivemos  numa  época  na  qual  a  arte  frequentemente  parece  ser  uma  língua  estrangeira".  4      

1 Texto apresentado no Encontro da ANPAP - São Paulo, 1996 2 Luiz  Guilherme  Vergara  (resumo  atualizado  em  2011)    Mestrado  em  Artes  e  Instalações  Ambientais  no  Studio  Art  and  Environmental  Program  do  Art  Department.  New  York  University,  1993.    Doutor  no  Programa  de  Arte  e  Educação  no  Departamento  de  Arte  da  Universidade  de  Nova  Iorque  (New  York  University),  concluindo  em  2006  com  a  Dissertação  -­‐  In  Search  Of  Mission  And  Identity  For  Brazilian  -­‐  Contemporary  Art  Museums  In  The  21st  Century:Study  Case  Museu  de  Arte  Contemporânea  de  Niterói.  Diretor  Geral  (2005-­‐2008)  -­‐  Museu  de  Arte  Contemporânea  de  Niterói  [diretor  da  Divisão  de  Arte  Educação  (1996-­‐2005)]  e  atual  coordenador  do  curso  de  Graduação  em  Produção  Cultural  da  UFF  (2007-­‐dez2010),  junto  ao  Departamento  de  Arte  da  UFF.  A  partir  da  saída  da  direção  do  MAC-­‐Niterói,  em  dezembro  de  2008,  o  horizonte  de  pesquisa  também  se  ampliou  para  o  próprio  mapeamento  deste  campo  de  convergências  conceituais  que  tencionam  o  encontro  entre  sociedade  e  arte,  como  agenciamentos  sócio-­‐cultural,  assumindo  uma  dimensão  transdisciplinar.  Projetos  como  Arte  Ação  Ambiental  gestados  no  MAC-­‐Niterói,  assim  como  o  Núcleo  Experimental  de  Educação  e  Arte  para  o  MAM-­‐RJ  (2009-­‐2010),  passam  a  ser  territórios  de  pesquisa-­‐processos  de  interesse  transdisciplinar,  onde  a  construção  coletiva  de  conhecimento  emerge  sistemicamente  das  relações  entre  artistas  e  outros  pesquisadores  afins,  na  mediação  com  a  sociedade.   3  Gilmour.  .Iohn  C.  Picturing  the  World.  State  University  of  New  York  Press,  1986.   4 Yenawine. Philip, How to look at Modern Art. Harry Abrams Inc. Publishers. New York, 1991.

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Introdução  

"Nós  vivemos  numa  época  na  qual  a  arte  frequentemente  parece  ser  uma  lingua  estrangeira".    

Philip  Yenawine  (YENOWINE,  1991)  

A  proposta  deste  texto  é  justamente  levantar  as  bases  de  uma  reflexão  sobre  uma  atitude  estética  formadora  de  um  olhar  que  se  fundamente  numa  prática  do  encontro  com  a  arte  contemporânea.  No  que  consiste  a  vivência  de  significados  da  arte  contemporânea?  -­‐  seja  ela  uma  língua  estrangeira  para  o  grande  público  ou  deslocamentos  de  objetos  achados  do  nosso  dia  a  dia.  Estes  dois  pontos  antagônicos,  a  simultânea  distância  e  proximidade  entre  a  arte  contemporânea  e  o  mundo  cotidiano,  se  desdobram  na  problemática  do  que  estas  tendências  demandam  por  parte  do  sujeito  da  experiência  estética.  Que  relações  e  atitudes  estéticas  são  estimuladas  para  o  encontro  e  diálogo  com  os  significados  desses  objetos  /  espaços  metaf6ricos  ou  arqueologia  contemporânea?    

Diante  destas  premissas  pode-­‐se  dizer  que  aquilo  que  se  por  um  lado  é  um  sintoma  de  distanciamento  da  arte,  vista  'como  língua  estrangeira'  por  Philip  Yenawine.  Por  outro,  invoca  uma  ação  de  descoberta,  de  revelações  e  conquistas  por  parte  deste  sujeito  da  obra  de  arte,  o  anônimo  público,  nunca  antes  explorada.    

A  Consciência  do  Olhar    A  arte  contemporânea  se  encaminha  para  uma  atitude  temporal,  perceptiva,  que  doravante  abordarei  como  percepção  imaginativa.  Desde  os  anos  60,  os  artistas  minimalistas,  com  as  instalações  chamadas  Instalações  para  Lugares  Específicos  ("Site  Specific  Installations"),  Richard  Serra,  Robert  Morris  entre  outros,  declaravam  o  fim  da  escultura  como  tal,  ao  mesmo    tempo  que  implatavam  interferências  em  espaços  arquitetõnicos,  que  se  deslocadas  seriam  destruidas.  "To  remove  the  work  is  to  destroy  the  work!"3  O  fim  da  escultura  se  desdobra  em  redefinição  e  expansão  da  arte.  A  então  nova  proposta  de  arte  (1960)  se  expande  para  um  espaço  /  tempo  não  específico  da  tradição  do  mundo  da  arte.  Douglas  Crimp5  relata  a  incompreensão  do  grande  público  diante  de  um  Richard  Serra.  Quais  eram  as  prerrogativas  necessárias  por  parte  do  sujeito  para  entender  tais  interferências  urbanas  minimalistas?  Sem  dúvida,  uma  língua  estrangeira!!!  Pois  as  rupturas  que  estavam  ali  expressas  envolviam  um  complexo  percurso  da  história  da  arte  e  como  também  da  filosofia.  O  que  estava  em  foco  era  os  espaços  institucionais  -­‐  o  museu,  o  pedestal  e  os  materiais  que  formaram  a  história  da  escultura  e  da  arte.  Mas  toda  essa  discussão  só  era  compartilhada  por  um  restrito  número  de  

5 Crimn.  Douglas,  On  the  Museum's  Ruim.  Redefining  Site  Specificity,  p.  153.  The  MIT  Press  Cambridge,  Massachussetts  USA  1995    

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pessoas  dentro  da  esfera  do  mundo  da  arte.  Para  o  grande  público  mais  uma  vez  a  incompreensão.  Era  mais  uma  dobradura  da  história  da  arte  moderna  ou  já  Pós  -­‐  Moderna?    

A  escultura  "Site  Specific"  proposta  nos  anos  60  pelos  artistas  minimalistas  vem  também  como  uma  materialização  pioneira  da  relação  sujeito/arte/mundo.  O  meu  interesse  aqui  ao  mencionar  este  momento  é  registrar  o  quão  importante  este  movimento  foi  na  expansão  de  fronteiras  entre  arte  e  vida.  Ali  se  encontram  as  sementes  do  idealismo  da  nova  escultura  -­‐  a  própria  desmaterialização  da  arte  -­‐  ou  materialização  desta  como  consciência  no  mundo.  Ao  mesmo  tempo,  estas  instalações  demandam  um  engajamento  de  consciência  para  espaço  integralmente  fenomenológico.  A  arte  então  quer  ser  construtora  de  consciência  -­  a  consciência  do  olhar.  Os  espaços  (interno  e  externo)  das  instalações  são  fisicamente  percorridos  pelo  sujeito.  Esta  situação  é  totalmente  inédita.  É  extremamente  interessante  se  aprofundar  na  relação  arte  e  filosofia,  no  estudo  deste  período  dos  anos  60  na  história  da  arte.  Merleau-­‐Ponty  publicava  em  inglês  o  livro  "The  Primacy  of  Perception"  e  quase  ao  mesmo  tempo,  Gaston  Bachelard  publicava  em  Paris  a  "Poética  do  Espaço"  na  França  (1957).  Ambos  os  trabalhos  são  exploram  relações  entre  percepção,  espaço  e  a  construção  de  consciência,  que  estão  extremamente  afins  com  as  propostas  minimalistas.      A  arte  passa  a  propor  muito  mais  que  história  e  memória,  mas  sim  a  construção  de  consciência,  que  aqui  será  referida  como  consciência  do  olhar.  Pois  se  esta  deve  emergir  do  encontro  com  a  arte,  da  experiência  estética,  ela  é  da  esfera  do  'primado  do  olhar-­consciente'.    

A  arte  se  torna  matéria  filosófica,  matéria  mental  e  poética  pura,  pois  ela  conquistou  o  direito  /  responsabilidade  (?)  de  levantar  questões  sobre  a  condição  humana,  a  realidade,  a  mente  humana,  o  meio  ambiente,  o  pensamento,  a  percepção  e  interpretação  estética.  Acima  de  tudo  a  arte  se  constitui  ou  oferece  um  campo  metafórico  de  experiência  que  reflete  as  transformações  na  relação  sujeito  /  objeto,  sujeito  /  mundo.  E  ainda  assim,  ela  é  tida  como  incompreensível  língua  estrangeira.    

A  maior  tendência  ao  final  de  nosso  século  é  representada  pelas  instalações  intermidias  ou  multimidias.  Do  fim  do  suporte  tradicional  da  pintura  (de  limites  bidimensionais),  ou  do  pedestal  na  escultura,  já  muito  discutido,  a  arte  se  expande  para  objetos,  daí  para  espaços  públicos  (site  specific  art),arquitetura,  cenários.  À  todas  as  manifestações  eu  chamaria  de  materialização  de  espaços  metafóricos  e,  parafraseando  Arthur  Danto,  "  transfiguração  do  lugar  comum",  no  qual  o  sujeito  é  parte  penetrante  da  obra.  Ao  inverso  do  que  se  chama  desmaterialização  da  arte.  O  que  se  nota  é  que  paradoxalmente,  a  arte  se  esforça  para  redefinir  sua  inserção  ou  sua  relação  com  a  matéria  ou  material  que  constitui  o  universo  cotidiano.  Isto  se  dá  através  de  apropriações  e  deslocamentos  deste  universo  para  o  espaço  'sagrado'  dos  museus  e  galerias  -­‐  a  arte  volta  ao  MUSEU!  Mas  quer  trazer  o  mundo  junto  e  dentro  de  si  para  dentro  do  museu.  Ao  mesmo  tempo,  cresce  o  desentendimento  e  a  distância  para  se  acessar  a  intenção  estética  da  produção  artística  contemporânea.    Essa  questão  foi  muito  bem  explorada  pelo  New  Museum  of  Contemporary  Art  em  Nova  York,  numa  instalação  montada  com  o  nome"  Rhetorical  Image  Resource  Room"  que  solicitava  ao  visitante  que  respondesse  num  cartão  as  seguintes  perguntas:  Aonde  está  o  significado  da  arte?  No  próprio  objeto?  No  sujeito,  o  observador?  Ou  no  contexto  aonde  este  objeto  está  sendo  exibido?    

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Todas  essas  estratégias  e  discussões  se  fazem  como  conseqüências  do  problema  de  fragmentação  e  busca  de  integração  entre  arte  e  sociedade,  mais  acima  de  tudo  da  crise  sujeito/mundo.  Quanto  mais  nos  aprofundamos  no  conhecimento  do  nível  crescente  de  complexidade  que  atinge  a  sociedade  contemporânea  no  processo  irreversível  de  transformações  (globalização).  Por  mais  ativos  culturalmente  que  sejamos,  ainda  nos  sentimos  impotentes  ou  apenas  passageiros  deste  trem  chamado  humanidade.    

Arte  e  Ação  Cultural  –  Curadoria  Educativa  

Uma  Curadoria  Educativa  tem  como  objetivo  explorar  a  potência  da  arte  como  veículo  de  ação  cultural.  Ela  se  baseia  num  estudo  iniciado  em  Nova  York  em  três  situações  institucionais  da  arte  bastantes  distintas,  são  elas:  o  Metropolitan  Museum  of  Art,  The  New  Museum  of  Contemporary  Art,  e  as  curadorias  de  Arte  Pública  de  Mary  Jane  Jacob  (Culture  in  Action  -­‐Public  Art).    O  que  existe  em  comum  entre  todos  estes  casos,  são  os  seus  esforços  para  expandir  os  conceitos  de  curadoria  para  tornar  suas  exibições  aquilo  que  Mary  Jane  Jacob  aponta  como  foco  de  uma  Ação  Cultural.  Tornar  arte  acessível  a  um  público  diversificado  é  torná-­‐Ia  ativa  culturalmente.  Esse  é  um  ponto  que  tem  sido  crucial  de  debates  e  simp6sios  internacionais  sobre  museus  de  arte  e  sua  redefinição.  Ação  Cultural  da  Arte  implica  em  dinamização  da  relação  arte/indivíduo/sociedade  -­‐  isto  é,  formação  de  consciência  e  olhar.  Pode-­‐se  dizer  que  esta  questão  é  muito  embrionária  aqui  no  Brasil.  Reconhecendo  o  pouco  valor  e  investimento  que  é  dado  para  a  expansão  do  horizonte  relacional  das  exibições  de  arte  e  a  sociedade,  realizadas  em  espaços  culturais  públicos,  esta  preocupação  se  torna  emergente  como  um  embate  contra  a  situação  geral  do  sistema  de  artes  vigente  no  Brasil.  Neste  sentido,  ao  se  propor  a  exibição  de  arte  como  ação  cultural  -­‐  se  tem  como  objetivo  criar  uma  perspectiva  de  alcance  para  a  arte  ampliada  como  multiplicadora  e  catalisadora  dentro  de  um  processo  de  conscientização  e  identificação  cultural.  Sem  dúvida,  é  preciso  fundamento  teórico/prático  para  transformar  a  experiência  estética  junto  as  exposições  em  um  centro  de  interações  multidisciplinar  e  diversificado  acessível  para  vários  níveis  de  público.  Isto  não  significa  uma  subtração  de  potência  da  arte  per  si,  em  favor  de  prioridades  didáticas.  Mas,  pelo  contrário,  expandir  o  conceito  da  relação  arte/sociedade  segundo  perspectivas  já  apontadas  pelo  John  Dewey  (Art  as  an  Experience),  e  até  mais  recente  Joseph  Beuys.        Estratégias  de  Engajamento  de  público  na  Experiência  da  Arte  Contemporânea  A  Consciência  do  Olhar:  Percepção  Imaginativa    Perspectivas  Fenomenológicas  para  a  Experiência  Estética    

Esta  abordagem  que  principalmente  enfoca  um  estudo  da  experiência  estética  tem  na  fenomenologia  sua  base  filos6fica  e  metodol6gica.  A  questão  fundamental  está  na  relação  arte  e  consciência,  que  implica  paralelamente  num  conceito  de  arte  como  experiência  sujeito/objeto.  A  construção  de  consciência  através  da  experiência  estética  é  o  ponto  chave  para  se  explorar  a  potencialidade  da  arte  com  esta  abordagem  fenomenol6gica.  Resgatando  a  abordagem  de  John  Dewey  (Art  as  an  Experience  ,  1930)  para  a  relação  Experiência!  Consciência:  “Consciência  não  é  algo  a  priori  em  si  que  então  também  entra  em  relação  com  algo  -­‐  outro.  A  relação  com  o  outro  entra  na  pr6pria  essência  do  ato  consciente.  Assim,  segue  que  a  consciência  é  codeterminada  pelo  o  outro  com  o  qual  esta  se  relaciona".  O  que  aqui  se  torna  ponto  de  interesse  nesta  relação  recíproca  de  construção  sujeito/mundo  através  da  dialética  entre  consciência  e  experiência,  que  se  dá  no  encontro  com  o  objeto  artístico.  A  

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construção  da  'consciência  do  olhar'  será  a  nota  chave  desta  abordagem.  O  olhar  de  Cezanne,  a  tensão  entre  percepção  e  consciência,  que  Merleau-­‐Ponty  e  mais  tarde  Argan  vão  elaborar  como  reflexão  do  estar  no  mundo  do  artista.    

A  construção  e  formação  de  olhar  que  se  faz  através  da  experiência  estética  é  sem  dúvida  um  veículo  de  materialização  da  consciência  -­‐  Estar  e  Ser  no  Mundo  -­‐  se  revelando  pelo  tempo  e  experiência  (Consciência).  Talvez  ao  se  apontar  para  a  desmaterialização  da  arte,  se  considere  a  desmaterialização  de  suas  fronteiras  com  a  vida  e  a  matéria  cultural.  Ao  mesmo  tempo,  o  que  a  experiência  da  arte  contemporânea  pede  é  a  materialização  desta  'consciência  do  olhar',  deste  ente  que  tanto  foi  ponto  de  questionamento  de  Heidegger.  Heidegger  vai  resgatar  no  pensamento  grego  a  resposta  para  Ser  e  Tempo  (Experiência):  "Os  gregos  denominam  o  ser,  ente,  de  ousia  que  significa  "estância"...  O  seu  modo  de  ser  ou  "estância"  tem,  portanto  sentido  temporal  de  3a  presença...  .  6  Daí  o  que  se  propõe  como  questão:  a  potência  para  a  arte  está  na  esfera  da  experiência  do  olhar  que  é  acima  de  tudo  a  experiência  da  consciência  ativa.  A  arte  é  a  materialização  de  uma  consciência  ativa  (  do  artista)  que  se  faz  multiplicada  em  cada  tempo  /  experiência  no  sujeito  que  se  abre  para  esta  experiência.  O  que  se  invoca  é  a  supremacia  do  olhar/consciência  com  estância  -­‐  o  emergir  do  ente,  do  ser  no  tempo.    

Arte  como  Ponto  de  Encontro    /  Estranhamento  –  Admiração  e  Reconhecimento:  Tempo  I:  Experiência  Perceptiva  (individual):  Estranhamento  e/ou  admiração    Tempo  2:  Ato  Crítico  /  Perceptivo:  descrição  e  reconhecimento;  (individual/  grupo)    Tempo  3  :  Emergência  de  um  Ser  Poético  /  Imaginação  Ativa:  Associações,  interpretação.  (Interação  em  Grupo).    A  Fruição  e  Posse  da  Obra  de  Arte,  isto  é,  quando  a  obra  se  abre  para  o  sujeito,  significando  a  vivência  de  significados,  s6  se  dá  quando  este  sujeito  atinge  o  tempo  1.  A  emergência  desse  ser  poético,  consciência  poética,  não  é  a  priori,  anterior  a  experiência,  esta  se  faz  numa  relação  recíproca  de  despertar  que  envolve  simultâneamente:  estranhamento  /  admiração;  percepção  e  imaginação.  O  que  se  propõe  aqui  é  uma  aplicação  à  nível  de  metodologia  daquilo  que  constitui  o  sentido  fenomenológico  de  experiência  estética  de  John  Dewey7  .  Se  existe  a  possibilidade  de  se  reintegrar  a  arte  a  uma  dimensão  de  ação  cultural,  o  que  está  sendo  proposto  é  que  esse  caminho  se  abra  pela  experiência  do  olhar  -­‐  um  despertar  e  construção  de  consciência.  A  Consciência  do  Olhar.        

6 Zeljko.  Lonaric,  O  ponto  cego  do  Olhar  Fenomenológico.  O  que  nos  faz  pensar.  VoI.l  n°  10.  PUC  /  RI.  1996 7 Nota de revisão em 11 de abril de 2011: Esta dimensão de aquisição de linguagem e Pedagogia Existencial – vem sendo retomada em vários outros textos - Antropofagia Contínua (2004). A proposta de uma pedagogia existencial toma Paulo Freire para a formação de uma fundamentação teórica em que o aprendizado pela arte contemporânea exposta nos museus e centros culturais se desdobre da alienação (estranhamento) para a conscientização de relações entre o mundo da arte e a arte no mundo. Na XXIV Bienal de São Paulo, Paulo Freire foi tomado como uma das fontes para uma leitura transcultural, em que do estranhamento perante a diversidade dos discursos artísticos contemporâneos, em sua maioria expressando questões de engajamento com culturas locais (ênfase da curadoria do Paulo Herkenhoff – Antropofagias) se propunha uma atitude dialogal de potencialização do eu – identidade cultural. Admiração (odd- miration), o aprendizado de uma linguagem pelo encontro com o estranho, atinge uma dimensão também de ato de antropofagia contínua como processo educativo.