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NORMA PENAL COMO NORMA DE CONDUTA Ciências Penais | vol. 12 | p. 231 | Jan / 2010 | DTR\2010\585 Luiz Regis Prado Professor Titular de Teoria Geral do Direito e Direito Penal da Universidade Estadual de Maringá. Área do Direito: Penal Resumo: Este artigo versa sobre a dicotomia norma de determinação/norma de valoração, para concluir no sentido de ser a norma penal norma jurídica de conduta, prescritora de determinado modo de agir. Da mesma forma, assinala sua estrutura lógica e características principais, bem como os seus efeitos no plano da ilicitude. Palavras-chave: Norma jurídica - Norma de conduta - Norma de determinação - Norma de valoração - Ilicitude penal Abstract: This article deals with the dichotomy determination rule/valuation rule, in order to conclude in the sense of being the penal law, the conduct rule of law, prescription of a certain way of acting. Similarly, it points out its logical structure and main characteristics, as well as the effects of this concept in the illegality field. Keywords: Penal law - Conduct rule of law - Determination rule - Valuation rule - Penal illegality Sumário: 1.Considerações gerais - 2.Norma penal como norma de conduta. Norma de determinação ou norma de valoração: delimitação conceitual - 3.Norma penal: estrutura lógica e elementos - 4.Síntese conclusiva 1. Considerações gerais O Direito, como fenômeno humano cultural, é criado e desenvolvido pelo homem exatamente para regular seu comportamento em sociedade, desenvolvendo-se em um contínuo processo histórico e social, no intuito de conformar a realidade ou experiência jurídica.1 Em rigor, apresenta-se, primacialmente, como ordem reguladora e de direcionamento da conduta dos homens em comunidade, do seu coexistir, espacial e temporalmente. De conseguinte, pertence ao universo dos valores, da liberdade, à esfera do dever-ser, mais especificamente à esfera do "ser enquanto deve ser", visto que o Direito só pode compreender "o ser referido ao dever-ser".2 A norma jurídica, além de ter existência real (é, existe, está no mundo do ser, da realidade ou experiência social), representa um sentido, é expressão de valores (mundo do dever-ser). Em outras palavras: "A norma de direito é real, é algo que tem consigo o seu valor. A norma é um ser cultural a que corresponde um valor (dever-ser). A norma é um ser devido",3 e não um valor em si. Apresenta-se, então, como portadora de determinados valores, é uma realização de valores. Isso porque os valores "só podem tornar-se existenciais sob a forma de qualidades, características, modos de ser. Não possuem um ser independente, mas são de certo modo 'trazidos', 'sustentados' pelos objectos nos quais se realizam; estes objectos tornam-se seu 'suporte'".4 Por isso, emerge então com uma teleologia própria, um significado - algo do homem e para o homem, a quem procura dirigir e controlar -, estabelecendo "uma virtualidade objetiva de vinculação dos sujeitos da relação social. A norma jurídica é, pois, um fenômeno humano de positividade prática, de regulação e direção social".5 Para tornar efetivo tal desiderato, adota a forma de pautas ou modelos6 de comportamento, exteriorizados em normas jurídicas de conduta. Constitui-se fundamentalmente em um ordenamento normativo, integrado por normas que convertem em jurídica determinada relação social ou organização. É, nesse sentido, um conjunto de normas que disciplinam a conduta do homem em sociedade. No entanto, isso não significa o agasalho de uma postura meramente normativa, de caráter reducionista, visto que a realidade jurídica é bem mais complexa e vai além da norma, ainda que esta última lhe seja essencial.7 Nesse sentido, afirma-se que a norma constitui apenas uma parte do mundo jurídico, visto que este apresenta uma enorme complexidade de elementos subjetivos e objetivos, princípios e faculdades, ações e instituições, em cujo âmbito se fusionam Norma penal como norma de conduta Página 1

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  • NORMA PENAL COMO NORMA DE CONDUTA

    Cincias Penais | vol. 12 | p. 231 | Jan / 2010 | DTR\2010\585

    Luiz Regis PradoProfessor Titular de Teoria Geral do Direito e Direito Penal da Universidade Estadual de Maring.

    rea do Direito: PenalResumo: Este artigo versa sobre a dicotomia norma de determinao/norma de valorao, paraconcluir no sentido de ser a norma penal norma jurdica de conduta, prescritora de determinadomodo de agir. Da mesma forma, assinala sua estrutura lgica e caractersticas principais, bem comoos seus efeitos no plano da ilicitude.

    Palavras-chave: Norma jurdica - Norma de conduta - Norma de determinao - Norma devalorao - Ilicitude penalAbstract: This article deals with the dichotomy determination rule/valuation rule, in order to concludein the sense of being the penal law, the conduct rule of law, prescription of a certain way of acting.Similarly, it points out its logical structure and main characteristics, as well as the effects of thisconcept in the illegality field.

    Keywords: Penal law - Conduct rule of law - Determination rule - Valuation rule - Penal illegalitySumrio: 1.Consideraes gerais - 2.Norma penal como norma de conduta. Norma de determinaoou norma de valorao: delimitao conceitual - 3.Norma penal: estrutura lgica e elementos -4.Sntese conclusiva1. Consideraes gerais

    O Direito, como fenmeno humano cultural, criado e desenvolvido pelo homem exatamente pararegular seu comportamento em sociedade, desenvolvendo-se em um contnuo processo histrico esocial, no intuito de conformar a realidade ou experincia jurdica.1 Em rigor, apresenta-se,primacialmente, como ordem reguladora e de direcionamento da conduta dos homens emcomunidade, do seu coexistir, espacial e temporalmente.

    De conseguinte, pertence ao universo dos valores, da liberdade, esfera do dever-ser, maisespecificamente esfera do "ser enquanto deve ser", visto que o Direito s pode compreender "o serreferido ao dever-ser".2

    A norma jurdica, alm de ter existncia real (, existe, est no mundo do ser, da realidade ouexperincia social), representa um sentido, expresso de valores (mundo do dever-ser). Em outraspalavras: "A norma de direito real, algo que tem consigo o seu valor. A norma um ser cultural aque corresponde um valor (dever-ser). A norma um ser devido",3 e no um valor em si.Apresenta-se, ento, como portadora de determinados valores, uma realizao de valores. Issoporque os valores "s podem tornar-se existenciais sob a forma de qualidades, caractersticas,modos de ser. No possuem um ser independente, mas so de certo modo 'trazidos', 'sustentados'pelos objectos nos quais se realizam; estes objectos tornam-se seu 'suporte'".4

    Por isso, emerge ento com uma teleologia prpria, um significado - algo do homem e para ohomem, a quem procura dirigir e controlar -, estabelecendo "uma virtualidade objetiva de vinculaodos sujeitos da relao social. A norma jurdica , pois, um fenmeno humano de positividadeprtica, de regulao e direo social".5

    Para tornar efetivo tal desiderato, adota a forma de pautas ou modelos6 de comportamento,exteriorizados em normas jurdicas de conduta. Constitui-se fundamentalmente em um ordenamentonormativo, integrado por normas que convertem em jurdica determinada relao social ouorganizao. , nesse sentido, um conjunto de normas que disciplinam a conduta do homem emsociedade.

    No entanto, isso no significa o agasalho de uma postura meramente normativa, de carterreducionista, visto que a realidade jurdica bem mais complexa e vai alm da norma, ainda queesta ltima lhe seja essencial.7 Nesse sentido, afirma-se que a norma constitui apenas uma parte domundo jurdico, visto que este apresenta uma enorme complexidade de elementos subjetivos eobjetivos, princpios e faculdades, aes e instituies, em cujo mbito se fusionam

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  • concomitantemente a historicidade e a imutabilidade do ser humano.8

    Muitas, peculiares e intrincadas so as funes do Direito, tais como direo de conduta - funoprioritria -, resoluo de conflitos, configurao das condies de vida, organizao e legitimao dopoder.9

    Enquanto ordem normativa positiva, prope ao indivduo "uma diretiva para o seu comportamentopara com os outros, mas tambm o confirma na sua confiana no comportamento dos outros; noconstitui apenas em obrigao, mas tambm legitima e autoriza. Cria ou 'funda', assim, entre oshomens relaes de espcie peculiarssima: invisveis, inacessveis percepo sensorial, e,contudo, eficazes. O Direito tem eficcia por ser considerado como determinante pela grande maioriados homens, por estes reconhecerem praticamente a sua pretenso de vigncia, na medida em quealinham o seu agir pelo Direito, mesmo sem serem coagidos a tal em cada caso. assim 'real', como'modo geral de agir'; uma 'ordem de vida' continuamente observada pelos homens com aconscincia do seu carter vinculatrio, e que por isso se mantm - um 'ser' que tem a significaode um 'devido'".10

    Do ponto de vista lgico, por sistema ou ordenamento jurdico11 se entende um complexo normativodinmico, portador de coerncia e unidade, ou, no dizer de Bobbio, "uma totalidade ordenada, umconjunto de entes entre os quais existe certa ordem".12 Compe-se de estrutura (relaohierrquica) e repertrio (elementos normativos ou normas jurdicas).13 Trata-se, portanto, de umcorpo ou grupo de elementos, de entidades, relacionados14 entre si, ou seja, que formam parte einteragem no contexto de um todo ordenado hierarquicamente, esttico/dinmico e interdependente(relaes de subordinao e coordenao).15

    de ser destacado neste momento que o sistema jurdico, como sistema misto (esttico/ dinmico),postula que todas as normas reconhecidas como vlidas tenham sido formuladas pelo legisladordemocrtico, em conformidade com os preceitos constitucionais.162. Norma penal como norma de conduta. Norma de determinao ou norma de valorao:delimitao conceitual

    Como se vislumbra, o universo jurdico , por excelncia, normativo real ou concreto, de cunho ticointersubjetivo e funcional,17 e se exprime por meio de norma jurdica de conduta essencialmenteimperativa,18 integrante do ordenamento jurdico. Isso quer dizer que prescreve19 - ordena, probeou permite - determinada maneira de agir, regulando, assim, com carter geral e abstrato, a vida dohomem em sociedade. Por seu intermdio enuncia-se o modo como devem ser disciplinadas asrelaes sociais.20 Ento, traduz-se em expresso do dever-ser21 atravs da qual determinadaconduta considerada penalmente proibida, obrigatria ou permitida.

    Como norma de carter prescritivo, estatui uma diretriz para o comportamento e intercmbiohumanos, sendo sua finalidade influenciar no agir dos indivduos para modific-lo, e nosimplesmente descrever uma relao de direitos e deveres.

    Todo indivduo pode ser em princpio destinatrio de uma norma jurdica de conduta; todavia,enfatiza-se que o decisivo o fato de ser por ela diretamente obrigado.22 Tanto assim que anorma de conduta s "obriga aquele que capaz tanto de cumpri-la como de viol-la".23

    Desse modo, cabe sublinhar que "os verdadeiros portadores do sentido da ordem jurdica so asproibies e as prescries (comandos) dirigidas aos destinatrios do Direito, entre os quais secontam, de resto, os prprios rgos estatais. Essas proibies e prescries so elaboradas econstrudas a partir das proposies gramaticais contidas no Cdigo".24

    Para espancar qualquer dvida, convm de logo dizer que a razo da imperatividade significa, emprimeiro lugar, que h um valor que deve ser realizado na conduta, "como um dever-serimperativo".25 No se trata aqui de agasalhar nenhuma ideia de vinculao estrita teoriaimperativista clssica que converte o Direito em um conglomerado de imperativos, em que anormatividade no passa de um mandato arbitrrio injustificado,26 como inadvertidamente muitasvezes se tem entendido. Como acentua Bobbio, "o antigo imperativismo partia de uma noo pordemais restringida da norma jurdica como mandato, ou seja, como imposies do soberano ( aconcepo da norma como mandato que de Hobbes chega at Austin e que domina grande parte dopositivismo jurdico estatista do sculo passado)".27 Embora a reao anti-imperativista tenha sido

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  • correta - em face do contedo do antigo imperativismo como "identificao do Direito com o Direitoestatal -, essa reao foi desmesurada, quando para combater a noo restringida de mandato ou deimperativo acabou por acreditar ou fazer acreditar que as normas jurdicas, ainda que tidas comomandatos, no eram sequer imperativos no sentido mais amplo do termo, nem prescries, senojuzos ou valoraes que pertenciam a uma linguagem diferente da mandamental, a linguagem dacincia e no do normativo".28

    No Estado Democrtico de Direito29 no h falar em "vontade superior" (individual ou soberana), decunho autoritrio, como fundamento da norma.30 O que se quer evidenciar to somente que essacaracterstica do Direito primordial para "uma compreenso realstica da experincia jurdica oumoral". No h, porm, conceb-la "em termos antropomrficos, como se atrs de cada regra dedireito houvesse sempre uma autoridade de arma em punho para impor seu adimplemento".31

    Com efeito, esse vetor de determinao independe da vontade pessoal da autoridade estatal,principalmente num Estado de Direito, onde o poder estatal, democraticamente constitudo, estvinculado ao Direito, no sentido de seus valores materiais e princpios gerais.32 O contedoprescritivo da norma jurdica deve emanar apenas da autoridade legtima democraticamenteconstituda, e pressupe sempre a existncia de um juzo axiolgico.

    No contexto da matria veiculada, interessa realizar breve digresso sobre a natureza da norma deconduta: norma de determinao ou norma de valorao.33

    Para logo, de enfatizar-se que a norma de conduta no pode ser reduzida a mero juzo de valor - auma norma de valorao. Isso porque no tem esta ltima o condo de impor nenhuma direo aoatuar do seu destinatrio, no exerce nenhuma influncia sobre o seu comportamento. A valoraojurdica de determinado fato vem a ser apenas uma condicionante do dever jurdico, sem nenhumvnculo com a imposio da conduta devida ou prescrita.

    De conformidade com a doutrina axiolgica da norma, "o Direito no outra coisa que uma soma dejuzos de valor, com que se distingue entre comportamento lcito e ilcito. (...). O Direito no contmum imperativo dirigido ao indivduo. Mas sim, e de acordo com essa teoria, estatui um 'dever-serimpessoal' que se limita a sinalizar situaes e acontecimentos como 'desejveis' ou'indesejveis'".34 No tem a norma de valorao por escopo disciplinar o comportamento humano,mas sim "garantir objetivamente a ordem social desejada pelo Direito".35 A matria por ela versada -objeto do juzo de valorao normativo - no seno uma situao, estado de coisas, fato,acontecimento ou pura causalidade,36 e jamais a conduta do homem. Esta no passa de um simples"fator causal objetivo que em nada se distingue de outros focos no humanos com potencial causal,como as foras da natureza e do cosmos ou a atividade animal ou vegetal".37

    A propsito dessa teoria, salienta-se, com razo, que, "quando se diz que um fato valorado poruma norma, no se afirma nada diferente do que esse fato seja condio para o surgimento de umaobrigao. Mas a obrigao reenvia a uma prescrio. Por isso, dizer que certos fatos tmdeterminadas consequncias jurdicas significa reconhecer que certos comportamentos, mais queoutros, so obrigatrios enquanto prescritos; que, por exemplo, determinados comportamentos, sema previso normativa, seriam lcitos, mas esto, ao contrrio, proibidos, ou que determinadoscomportamentos, sem previso normativa, seriam proibidos, mas tornam-se lcitos; quer dizer, emsuma, referir-se alterao comportamental, que o fim a que objetiva toda prescrio.

    "Com efeito, no se v como uma norma poder atribuir determinadas consequncias seno quandoestas forem tidas como obrigaes, prescries que tendem a influir no comportamento dos demais.A funo da norma no a de descrever as consequncias decorrentes de certos fatos, seno a deexecut-las."38

    Trata-se a norma valorativa to somente de uma proposio descritiva de valorao (= declarao,comunicao, informao, narrao), ainda que com natureza normativa (carter formal de norma),mesmo porque "valorar no ainda normar".39 Entendida ento como norma jurdica valorativa,exprime um juzo negativo de valor (= desvalor) sobre certo estado ou situao, sobre a realidade doser (fato, relao causal, evento ou acontecimento).40

    Assim sendo, no pode a norma valorativa ser erigida condio de norma jurdica de conduta. Emrealidade, a norma de valorao no est apta a disciplinar a conduta especificamente humana,

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  • influir ou modific-la, visto que no impe um dever de agir. Melhor explicando: "Para as normas devalorao, a conduta humana no mais que um fator causal objetivo que em nada se distingue deoutros focos no humanos com potencial causal, como as foras da natureza e do cosmos ou aatividade animal ou vegetal. Na medida em que as foras causais so governadas conforme suasprprias leis naturais, e as normas de valorao se limitam a valorar o acontecer causal de acordocom o significado que tem para a sociedade e os indivduos que a compem, as regulaes jurdicasdesse nvel no dispem de mecanismos de influncia sobre o acontecer causal. Portanto, suasconsequncias reativas no podem consistir em uma atuao sobre a causa do resultado, mas simdevem limitar-se restaurao ou reposio da situao juridicamente indesejada ao status quoante. As consequncias jurdicas prprias das normas de valorao carecem de eficcia parapreservar de leses, perturbaes e perigos a ordem jurdica criada por tais normas".41 Para suprirtal deficincia, faz-se necessrio o concurso das normas imperativas (mandato/proibio/permisso),que, ao estabelecerem o "modelo de conduta socialmente correta", surgem como as nicas capazesde proteger a ordem social.42

    A partir de uma postura terica geral, explica-se que a proposio imperativa ou prescritiva no seconfunde com a proposio valorativa ou descritiva, apresentando alguns tpicos essenciais dediferenciao, tais como: 1) funo - a proposio prescritiva visa modificar diretamente ocomportamento individual, ao passo que a descritiva objetiva esclarec-lo ou inform-lo; 2)destinatrio - na proposio prescritiva, a aceitao do destinatrio se manifesta no fato de sercumprida (aceitar executar); na descritiva ocorre quando tida como verdadeira (aceitar acreditar); 3) valorao - a proposio prescritiva vlida ou invlida, enquanto a descritiva pode serverdadeira ou falsa.43

    Nada obstante, toda norma de determinao arranca de um substrato cultural, isto , de anterioresatos cognoscitivos e axiolgicos, de modo que o seu destinatrio, no exerccio de sua liberdade,pode livremente escolher certa alternativa. A liberdade de ao ou de omisso condio essencialde toda norma de conduta. Da enunciar ela o que deve-ser (no o que ). A noo de dever-serimplica necessariamente a de valor e norma, e tem como condio primria a de liberdade. Trata-sede uma doutrina neoimperativista da norma jurdica: "O momento valorativo interno ao processolegislativo, e est situado nos estgios prvios de elaborao de uma proposta ou anteprojetolegislativos".44

    Agir, atuar, implica sempre valorar. A noo de fim decorre da de valor: "Fim o dever-ser do valor,reconhecido racionalmente como motivo de agir. O valor, portanto, aquilo a que a ao humanatende, porque se reconhece, em um determinado momento, ser motivo, positivo ou negativo, da aomesma".45

    Sustenta-se, pois, que o contedo da norma de determinao est em razo de juzos de valor queconstituem seu pressuposto lgico e sem os quais careceria de sentido, de significado.46 Em relaoa isso, destaca-se que "a valorao s se torna genuna regra jurdica ao armar-se com umimperativo. Com simples normas de valorao no poderia o Direito exercer o domnio que lhecompete sobre a vida dos homens em comunidade. S na medida em que as normas de valoraoadquirem a fora de manifestao de vontade, e, portanto, de ordens ou comandos, que elas setransformam em normas jurdicas".47 dizer, h uma valorao positiva ou negativa a priori aomomento da construo normolgica.

    Na verdade, toda norma elaborada a partir de um juzo de valor prvio da realidade. O queencarece lembrar que a toda proibio ou mandato se encontra subjacente uma deciso, umaopo, enfim, um valor:48 o que se quer preservar ou criar valorado juridicamente de formapositiva. Bem por isso o "dever-ser pressupe o valor e este constitui o pressuposto de qualquer tipode experincia",49 inclusive e especialmente a experincia jurdica.

    Observe-se igualmente que a teleologia interna da norma de conduta vincula-se ao ser humano,50dirige-se sua capacidade: "O homem o obrigado, ele o sujeito da norma, o portador dodever",51 sendo certo tambm que somente pode ser mandada ou proibida a realizao final de umaconduta, jamais a causao de um resultado.52 Bem se nota que "o Direito pode proibir unicamentea realizao de aes dirigidas pela vontade do sujeito produo da leso de um bem jurdico ouque levem consigo o perigo de dita leso, mas no pode proibir a causao de um determinadoresultado".53

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  • Fica assente, ento, que toda norma prescritiva s pode ter como objeto aes ou omisses e geraum dever em relao aos seus destinatrios. Aponta, portanto, ao sujeito capaz de agir: "O homem uma unidade 'psicofsica', e s a essa unidade se referem a exigncia e a esperana da norma".54Nessa perspectiva, sustenta-se, com acerto, que "os preceitos legais contm invariavelmenteimperativos, quer dizer, proibies ou mandatos de um atuar humano. Por isso, a finalidade imediatadas diretivas jurdicas de comportamento sempre a omisso ou a realizao de uma determinadaconduta humana".55 Seu contedo basilar imperativo s pode ser ento uma ao ou omissohumana final, em que figure como indispensvel conduo da vontade. "As normas jurdicas, isto ,as proibies e os mandatos do Direito, no podem se destinar aos processos causais cegos, masto somente a aes, que podem configurar finalisticamente o futuro. As normas s podem mandarou proibir uma conduta final".56 No outro o asserto tracejado de que "o especfico do homem conduzir-se, escolher fins e pr em correspondncia meios a fins. A ao dirigida finalisticamente(o ato propriamente dito ou a ao em seu sentido prprio e especfico) algo que s pertence aohomem".57

    O adimplemento da norma, seu cumprimento, significa a criao do objeto de um juzo de valorpositivo ou a no criao do objeto de um juzo de valor negativo, o que d lugar, portanto, a umaidentidade: "O objeto da norma idntico ao objeto do correspondente juzo de valor".58

    Em termos conceituais e genricos, a norma uma "forma ideal de obrigao humana, de carterabstrato, separada de cada indivduo e de atos concretos. Seu objeto uma ao final. Dirige-se atodos os que esto na condio de sujeitos ou partcipes do ato, aos quais probe ou ordena".59

    Ainda no sentido do exposto, ressai que "ao imperativo precede logicamente a valorao negativa daconduta proibida ou ordenada, mas essa valorao no mais que um momento interno, parte deum processo legislativo, enquanto para a efetividade da norma penal o decisivo que o legisladorlhe assinale a virtualidade de um imperativo. Isso o que distingue um mero desejo de uma normavigente".60

    De sua vez, a norma penal como espcie de norma jurdica de conduta contm preceito jurdicoobrigatrio, em forma, principalmente, de um mandato ou de uma proibio,61 e no se confundecom a lei, seu invlucro ou revestimento.

    Nesse mbito de atuao, salienta-se que a norma de valorao descreve ou explica de modoobjetivo o delito (concepo causal de injusto), como mera leso ao bem jurdico, e anteposta,logicamente, norma de determinao.62

    Importa aqui reter que a teoria da norma penal como norma de cunho prescritivo estabelece, aocontrrio da concepo valorativa, que no suficiente o desvalor do resultado para a constituiodo injusto penal, sem, entretanto, querer com isso afirmar tambm a aptido nica do desvalor daao.

    Ento, pode-se afirmar que o injusto penal cofundamentado pelo desvalor da ao e pelo desvalordo resultado (concepo pessoal de injusto). No obstante, apesar de o desvalor do resultadointegrar o injusto, no compe a matria de proibio.63

    No outra a base da formidvel concepo pessoal do injusto: "O injusto no se esgota nacausao de um resultado (leso do bem jurdico) desligada em seu contedo da pessoa do autor,de forma que a ao s antijurdica enquanto obra de um autor determinado: o fim que o autorassociou ao fato objetivo, a atitude durante a sua prtica, os deveres que o obrigavam a esserespeito, tudo isso determina de modo decisivo o injusto do fato junto eventual leso do bemjurdico. A antijuridicidade sempre a reprovabilidade de um fato referido a um autor determinado. Oinjusto injusto da ao referido ao autor, injusto pessoal".64

    Demais disso, cabe ainda sublinhar que do agasalho da concepo normativa da norma penal deconduta como norma de determinao deduz-se importante consequncia em relao ilicitudepenal.

    A partir dessa considerao, a ilicitude emerge como infrao a uma norma de determinao(desvalor da ao) e no como simples leso a uma norma de valorao (desvalor doresultado/resultado de leso ou de perigo para determinado bem jurdico).

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  • Todavia, e em princpio, pode o legislador fazer incidir o juzo negativo de valor da ilicitude sobre aunidade final causal (norma de determinao) ou sobre a relao causal (norma de valorao).65

    No mbito deste texto, no se coloca em pauta de considerao a postura que entende que a normapenal tem dupla funo:66 norma de determinao e norma de valorao simultaneamente, visto queressalta evidncia sua fragilidade, inconcebvel a partir da verdadeira natureza da norma penalcomo norma de conduta.67

    Enquanto norma de valorao, a ilicitude vem conformada pela "mera causao de uma situaocontrria norma de valorao".68 Ainda nesse sentido, destaca-se que "a funo valoradora danorma penal consiste em estabelecer um dever-ser ideal, mediante a seleo dos valores e dascondutas que se pretende evitar por lhes ser negativas (os delitos). Dita valorao, no entanto, realizada integrando a lei penal com o restante do ordenamento jurdico, que no admitecontradies valorativas em seu seio. Uma conduta antijurdica quando contradiz tal dever-serideal".69

    Em corroborao postura axiolgica, vale assertar que o "objeto da vontade jurdica ordenadora adeterminao do que conforme a ordem jurdica e do que a contradiz. Essa determinao tem lugarem virtude das normas do Direito, que por isso aparecem como normas objetivas de valorao, comojuzos sobre determinados acontecimentos e estados desde o ponto de vista do Direito. Objeto dessavalorao jurdica pode ser tudo: a conduta dos seres humanos capazes e incapazes de ao,culpveis ou no culpveis, a conduta de outros seres animados, os acontecimentos e estados domundo circundante, que, mesmo no procedentes diretamente de seres animados, sempreaparecem referidos convivncia humana. H tambm estados antijurdicos e estados conformes aoDireito. A essa concepo do Direito corresponde a da antijuridicidade, a do injusto, como umacontradio objetiva com os preceitos jurdicos, como uma leso objetiva das normas jurdicas devalorao.70

    Em suma: segundo a teoria valorativa, as normas consagram valores e a consequncia jurdicadecorre do ataque ao valor (ao seu contedo) e no exatamente da infrao lei.71

    Portanto, o juzo de ilicitude deve incidir sobre o lado objetivo externo da conduta, sendo que ocontedo da vontade fica para ser analisado posteriormente no juzo de culpabilidade. Da segue aafirmao de que "a norma ou, se preferido, o conjunto de normas que compem a legislao penal,supem uma ordem objetiva de valores: contm nelas o conjunto de valores selecionados. Diz-se,por isso, que a norma penal objetiva de valorao. Objetiva, por ser expresso da vontade geral, ede valorao por estabelecer o dever-ser ideal que essa generalidade proclama. Obviamente, adesvalorao de condutas definidas como delitos decorre de seu carter negativo para osvalores".72

    Nada obstante, e como examinado, a disciplina jurdica do comportamento humano s pode ser feitaatravs da norma de determinao, condicionada pelo seu objeto - a vontade final.73 Desse modo, ojuzo de ilicitude deve ter incidncia sobre a unidade interna objetiva ou subjetiva externa da conduta,bem como e necessariamente tambm sobre o contedo da vontade de realizao. Bem por issoassinala-se que o "objeto que considerado antijurdico, ou seja, a conduta tpica do homemconstitui uma unidade de elementos do mundo exterior (objetivos) e anmicos (subjetivos)".74

    De acordo com a linha de pensar acolhida, significa especificamente que no tipo de injusto doloso aconduta desvalorada exatamente pelo sentido de sua direo final, ao passo que no tipo de injustoculposo o juzo negativo de valor decorre de sua contradio com o cuidado objetivamente devido.

    Igualmente, sintetiza-se, com acerto, que "a forma imperativa da norma de prescrio exige adefinio da conduta tpica atravs do dolo ou de determinada perigosidade ex ante, o que implicarno fato do dolo pertencer ao injusto no primeiro caso e da contrariedade ao cuidado objetivo nosegundo".753. Norma penal: estrutura lgica e elementos

    O Direito, como ente normativo, integra o mundo tico, dos valores, regido pelo princpio dafinalidade, nexo teleolgico manifestado por meio das normas jurdicas. Faz-se conhecer atravs dacompreenso:76 ato de entender o sentido ou significado de algo, sua referncia a valores(dever-ser axiolgico).

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  • Manifesta-se a norma jurdica de conduta como um enunciado prescritivo do que deve acontecer, ese expressa do modo seguinte: posto o antecedente, deve ser o consequente (esquema: se A , Bdeve-ser). O functor ou cpula lgica dentica (dever-ser lgico) indica o carternormativo-imperativo, de imputar ou atribuir consequncia jurdica a algum. A relao deimputao,77 prpria do Direito, tem base na liberdade do destinatrio diante da obrigao, proibioou permisso normativa.

    Cuida-se, pois, de uma regra de comportamento social, que opera com modais denticos, termolgico de dever-ser78 (mandato/proibio/permisso). Assim, se uma prescrio estabelecida paraque algo deva ser feito (dever-fazer), h mandato ou ordem; se para que algo no deva ser feito,h proibio (no dever-fazer); e, finalmente, se para que algo possa ser feito (poder-fazer), hpermisso.79

    Por outro lado, as leis da natureza - expresso necessria de fenmenos - so descritivas, explicamo que o homem acredita ter descoberto no curso da natureza, sendo verdadeiras ou falsas.80

    Em termos cientficos, lei a formulao sinttica do que realmente se verifica no mundo danatureza (esquema: se A , B ). O conectivo lgico ntico () indica o ser, a realidade, o fato, acausalidade (juzo de realidade). As leis da natureza no so normas propriamente ditas; pertencemao mundo da natureza,81 da realidade (fenmenos ou fatos), governado pelo princpio dacausalidade - nexo de causalidade (= todo fenmeno/fato tem uma causa) -, sendo verificveis pelaexperincia, pela observao. Manifestam-se pela explicao:82 ato de descrever/demonstrar umfenmeno ou fato em suas relaes objetivas ou concretas.

    A norma jurdico-penal tem caracterstica de proposio imperativa e enderea-se a todos oscidados genericamente considerados, atravs de mandatos (imperativo positivo) ou proibies(imperativo negativo) implcita e previamente formulados, visto que a lei penal modernamente nocontm ordem direta (v.g., no deixar de; no matar; no ofender a integridade corporal), mas, sim,vedao indireta, na qual se descreve o comportamento humano como pressuposto daconsequncia jurdica. Alm disso, o que realmente importa o contedo prprio da norma, que sempre prescrio.

    A respeito da formulao tcnica do tipo incriminador, merece referncia a distino feita por Bindingde que o delinquente realiza o tipo penal da lei, quer dizer, no viola a lei penal e sim a norma, aproposio que lhe prescreve o modelo de sua conduta, que um preceito no escrito (v.g., nofurtar), diferente da lei, e que se encontra no Direito Pblico. A norma cria o ilcito; a lei, o delito.Porm, o que releva aqui o fato de ter sido por ele prevista a necessidade de uma lei escrita para ocrime e sua sano e de uma regra proibitiva no expressa de tal conduta. As leis penaisdeterminam o que delito punvel e como deve ser medida a pena.83 Na verdade, com a prticadelitiva, transgridem-se a norma e o seu invlucro, a lei penal.

    A proposio prescritiva, como forma de linguagem,84 pode ser positiva ou negativa,85 segundoexprima um dever/obrigao ou uma omisso. Tendo em vista a sua natureza, viola-se umaproibio (ao) ou uma ordem/comando de agir (omisso). So exemplos: art. 135, caput, do CP (LGL 1940\2 ) (omisso de socorro): "Deixar de prestar assistncia, quando possvel faz-lo sem riscopessoal, criana abandonada ou extraviada, ou pessoa invlida ou ferida, ao desamparo ou emgrave e iminente perigo; ou no pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pblica: Pena -deteno, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa"; art. 129, caput, do CP ( LGL 1940\2 ) (lesocorporal): "Ofender a integridade corporal ou a sade de outrem: Pena - deteno, de 3 (trs) mesesa 1 (um) ano"; art. 121, caput, do CP ( LGL 1940\2 ) (homicdio simples): "Matar algum: Pena -recluso, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos".

    Ao lado das normas penais incriminadoras (chamadas tambm de normas penais em sentido estrito),constantes, por exemplo, da Parte Especial do Cdigo Penal ( LGL 1940\2 ) , h as normas penaisno incriminadoras (v.g., art. 23 do CP ( LGL 1940\2 ) ), gerais ou excepcionais, conforme previstasou no na Parte Geral do Cdigo Penal ( LGL 1940\2 ) . Estas ltimas - normas permissivas,autorizadoras ou de habilitao - no deixam de ter fundamento mandamental, isto , supem asnormas prescritivas.86

    Na sequncia dessa ideia, as normas permissivas87 referem-se s normas incriminadoras:delimitam, negam ou restringem seu alcance.88 Com efeito, as normas no incriminadoras

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  • permissivas - permisso positiva ou negativa - representam um imperativo: em concreto, aspermisses positivas servem para derrogar ou limitar uma proibio anterior, enquanto aspermisses negativas servem para derrogar ou limitar uma obrigao precedente, impondo umarestrio, introduzindo uma exceo na obrigatoriedade de outras normas ou revogando diretamentenormas que estabelecem obrigaes ou proibies.89

    Assim, tem-se que a permisso contida na norma pode se apresentar como permisso positiva (=fazer) ou negativa (= no fazer), sendo que a primeira constitui a negao de uma proibio e asegunda a negao de uma obrigao. Essas conexes denticas so assim sintetizadas:"Imperativo positivo (obrigao), segue a frmula 'A deve B' (quer dizer, o sujeito A deve realizar aao B); imperativo negativo (proibio), segue a frmula 'A deve no B' (isto , o sujeito A deveomitir, abster-se de realizar a ao B); permisso positiva, segue a frmula 'A no deve B' (isto , osujeito A pode realizar a ao B); permisso negativa, segue a frmula 'A no deve no B' (querdizer, o sujeito A pode omitir a ao B)".90

    Convm elucidar que as normas de permisso no so independentes ou autnomas, e apenas tmsentido quando em "combinao com imperativos que por elas so esclarecidos ou limitados.Inversamente, esses imperativos tambm s se tornam completos quando lhes acrescentamos osesclarecimentos que resultam das definies legais e das limitaes de seu alcance, daspermisses, assim como de outras excepes".91 Tendo em vista sempre o conjunto doordenamento jurdico, v-se que a regra permissiva interfere em relao ao disposto nas normas decarter geral, mandatos ou proibies",92 tornando lcito determinado comportamento tpico(exemplo: art. 23, CP ( LGL 1940\2 ) ).

    Do ponto de vista lgico-formal, estrutura-se a norma penal basicamente como uma proposio93condicional,94 composta de dois elementos: hiptese legal, previso ftica ou antecedente (tipo legal= modelo de conduta), denominada norma primria;95 e consequncia jurdica, efeito ou estatuiojurdica (sano penal = pena/medida de segurana), denominada norma secundria. Isso quer dizerque uma proposio hipottica, afirmando um dever-ser condicionado pelo preceito legal.96

    As normas jurdicas so imperativas ou prescritivas, no sentido de que impem um dever-ser a umaconduta alheia, sendo consideradas devidas "sempre que sua realizao valorada positivamente ea sua omisso valorada negativamente".97 Esclarea-se bem que o imperativo jurdico hipottico, ou melhor, condicional, no sentido de ser conexionado ou vinculado a certo pressuposto,expressando a relao entre um fato condicionante e uma consequncia condicionada. Vale dizer: formado pela hiptese legal (preceito, prtase/antecedente) e sua consequncia jurdica (efeitojurdico, apdose/consequente) - ligadas por um liame ou conectivo lgico (dever-ser) -, que,enquanto elementos integrantes da norma jurdica, so conceitos de natureza abstrata.98 Nessalinha, afirma-se: "A consequncia do ilcito imputada ao ilcito, mas no produzida pelo ilcito,como sua causa".99

    Convm lembrar que a meno a imperativo hipottico no corresponde noo kantiana do termo,visto que hipottico "no no sentido de que temos de seguir determinadas prescries quandoqueremos alcanar certos fins, no nos sendo imposto nada de vinculativo quanto aos mesmos fins,mas, antes, no sentido de serem conexionados a determinados pressupostos, em parteexpressamente fixados, em parte tacitamente subentendidos. (...). 'Toda regra jurdica representa emcerto sentido uma hiptese, pois que ela apenas aplicvel quando se apresenta em certascircunstncias de facto que na prpria regra se achem descritas.' Assim, por exemplo, a proibio dematar, no obstante seu carter categrico, pressupe que esteja em face duma situao normal, eno duma situao excepcional, como seriam a situao de legtima defesa, a existncia de umasentena de morte passada em julgado ou estado de guerra".100

    Trata-se de uma relao de imputativa ou de atribuio, fundada no princpio da imputao, e no nacausalidade, consistente na conexo normativa (cpula lgica de dever-ser) entre o enunciado e suaconsequncia. A frmula lgica da estrutura da norma jurdica pode ser anunciada: "Se A, deve serB", sendo a relao entre o condicionante A e o condicionado B simplesmente de imputao.

    Entretanto, Ferrajoli prope uma correo dessa frmula lgica bsica kelseniana nos termosseguintes: "Para expressar o valor garantista dessa relao, a frmula kelseniana deve sertransformada em implicao inversa 'se B, ento (deve ser) A', ou na equivalente 'se no A, entono (deve ser) B, que precisamente o princpio nulla poena sine crimine". Em seguida, explicita o

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  • citado autor: "O ilcito de acordo com a estrutura lgica das garantias , com efeito, uma condionormativa s necessria e no tambm suficiente para a aplicao da pena, visto que podem existircondies ulteriores, tais como a ausncia de eximentes, as condies de punibilidade e deprocedibilidade, alm de todo o restante de garantias penais e processuais que condicionam avalidade da definio legal e a comprovao judicial do delito".101

    Em continuao ao exposto, oportuno evidenciar ainda que a imputao no significa liame "deuma determinada conduta com a pessoa que assim se conduz. Para tal no seria preciso qualquerligao atravs de uma norma jurdica, pois a conduta de modo algum se deixa separar do homemque a realiza (...). Por isso pode dizer-se: a consequn- cia do ilcito imputada ao ilcito, mas no produzida pelo ilcito, como sua causa".102 Melhor explicando: a diferena fundamental entre leinatural e lei jurdica reside exatamente no princpio regulador: o princpio da causalidade(causa-efeito), pertencente ao mundo do ser (nexo de causalidade - modal ntico), da realidade,governa os fenmenos naturais (se A, tambm B), ao passo que o princpio da imputao,prprio da normatividade, integrante do plano do dever-ser (nexo de imputao - modal dentico),rege os atos jurdicos.

    A norma jurdica no se identifica ou confunde com a sua formulao lgica: to somente umpreceito obrigatrio, uma prescrio, que pode manifestar-se na forma lgica - expresso lingustica -de uma proposio condicional ou hipottica.

    Alis, na segunda fase da evoluo de seu pensamento, tambm Kelsen estabelece a distinoentre norma jurdica e proposio jurdica: "As proposies jurdicas so juzos hipotticos queenunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurdica - nacional ouinternacional - dada ao conhecimento jurdico, sob certas condies ou pressupostos fixados poresse ordenamento, devem intervir certas consequncias pelo mesmo ordenamento determinadas. Asnormas jurdicas, por seu lado, no so juzos, isto , enunciados sobre um objeto dado aoconhecimento. Elas so, antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos,imperativos".103

    Para o referido autor, as normas jurdicas, em sua realidade, so imperativas. Essa realidadenormativa imperativa da norma jurdica descrita pelas proposies jurdicas. A norma, comoimperativo, um preceito, uma prescrio, e, em sua base, h um juzo, um ditame racional que adescreve. Portanto, a realidade normativa pode ser reduzida a um juzo, que sua estrutura lgica. Aestrutura lgica da norma jurdica vem a ser a de um juzo hipottico ou condicional. A relao deimputao ou de atribuio sempre condicional e dentica.104 Ao ser elaborada a norma, olegislador utiliza-se da forma gramatical de um juzo lgico, mas seu significado sempre umaprescrio, uma determinao, como ato de autoridade. A proposio, de seu turno, axiologicamente asctica, e se apresenta como um juzo hipottico, como forma de dever-ser. Comoenunciado normativo, integra a cincia jurdica,105 tem carter intelectual, constituindo a formulaolgica da norma feita pelos juristas (tericos do Direito), e, por isso, seu dever-ser tem sentidoindicativo, como ato de conhecimento. assim a linguagem atravs da qual a cincia descreve seuobjeto: a norma jurdica.

    Em uma palavra: no momento em que o enunciado jurdico utilizado pela autoridade normativa, dlugar norma jurdica, de natureza prescritiva, vlida ou invlida; ao passo que, quando mencionado ou declarado pela cincia do Direito, constitui-se em proposio jurdica, de cunhodescritivo, assertivo ou indicativo, verdadeira ou falsa.1064. Sntese conclusiva

    O Direito, enquanto objeto sociocultural e normativo, constitui-se em um fenmeno complexopertencente ao universo dos valores - do dever-ser, mais exatamente do "ser enquanto deve ser".

    A norma jurdica, enquanto parte integrante do ordenamento jurdico, vem a ser com primazia normade conduta, e tem por escopo influir nas relaes sociais com vistas a determinada finalidade.

    Em sendo norma de conduta, a norma penal tem, por excelncia, funo imperativa, e opera pormeio de modais denticos (proibido/obrigatrio/permitido).

    Em sede lgica, formata-se como norma primria (preceito) e norma secundria (sano).

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  • Trata-se, pois, de uma norma jurdica de determinao e no de mero juzo de valor. Da emergir ailicitude penal como transgresso norma de determinao (desvalor da ao), ainda que o injustoacabe conformado apenas quando ao desvalor da ao agregar-se o desvalor do resultado.

    1. Cf. REALE, M. O direito como experincia. So Paulo: Saraiva, 1968. p. 31-33. Com clarezaexplicita este autor que " o direito como experincia jurdica concreta, isto , como realidadehistrico-cultural, enquanto atual e concretamente presente conscincia em geral, tanto em seusaspectos teorticos como prticos (...) constitui o complexo de valoraes e comportamentos que oshomens realizam em seu viver comum, atribuindo-lhes um significado suscetvel de qualificaojurdica no plano teortico, e correlatamente, o valor objetivo das ideias, normas, instituies eprovidncias tcnicas vigentes em funo daquela tomada de conscincia teortica e dos finshumanos a que se destinam" (p. 31 - grifo no original).

    2. REALE, M. FILOSOFIA DO DIREITO. So Paulo: Saraiva, 1953. vol. 1, p. 176. Os objetosculturais no se confundem com os valores; so "objetos derivados e complexos, representando umaforma de integrao de ser e dever ser. So enquanto devem ser" (p. 171).

    3. DINIZ, M. H. CONCEITO DE NORMA JURDICA COMO PROBLEMA DE ESSNCIA. So Paulo:Ed. RT, 1999. p. 44-45. "A norma uma realidade histrico-cultural que se constitui e se desenvolveem funo das exigncias eliminveis da vida humana, posta pelo homem de acordo com situaesconcretas de determinado espao e tempo" (p. 48).

    4. HESSEN, J. FILOSOFIA DOS VALORES. Trad. Cabral de Moncada. Coimbra: Armnio Amado,1980. p. 57-58. Vide, tambm, RESWEBER, J-P. LA PHILOSOPHIE DES VALEURS. Paris: PUF,1992. p. 5 e ss.

    5. LOPEZ CALERA, N. M. LA ESTRUCTURA LGICO-REAL DE LA NORMA JURDICA. Madrid:Nacional, 1969. p. 22.

    6. O conceito de modelo em sentido genrico "est sempre ligado ideia de planificao lgica e representao simblica e antecipada dos resultados a serem alcanados por meio de umasequncia ordenada de medidas ou prescries. Cada modelo expressa, pois, uma ordenao lgicade meios e fins". De sua vez, os modelos jurdicos (dogmticos ou hermenuticos e os modelosjurdicos stricto sensu) vm a ser "as estruturas normativas de fatos segundo valores, instauradas emvirtude de um ato concomitante de escolha e prescrio" (REALE, M. DIREITO NATURAL/DIREITOPOSITIVO. So Paulo: Saraiva, 1984. p. 42-43).

    7. O dado normativo " o momento conclusivo do processo de objetivao inerente experinciajurdica, podendo-se dizer que nenhuma relao social poder ser jurdica se no atingir a fase dasignificao preceptiva (...). De maneira relativa, porm, pode-se dizer que, para o jurista enquantojurista, o momento culminante o normativo: a norma jurdica no ser, contudo, integralmentecompreendida se reduzida ao seu aspecto formal de proposio lgica (...), pois ela envolve,necessria e concomitantemente, uma referncia tensional aos dados de fato e s exignciasaxiolgicas que lhe deram vida, assim como s intercorrentes ou sucessivas implicaesftico-axiolgicas capazes de alterar-lhe o significado" (REALE, M. O DIREITO COMOEXPERINCIA... cit., p. 200-201 - grifos no original). Assim, conclui este autor por um normativismoconcreto e no abstrato e formal.

    8. Cf. LOPEZ CALERA, N. M., op. cit., p. 57.

    9. Cf. Prieto Sanchs, L. Apuntes de teora del derecho. Madrid: Trotta, 2007. p. 34 e ss.

    10. LARENZ, K. METODOLOGIA DA CINCIA DO DIREITO. Trad. Jos de Souza e Brito e Jos A.Veloso. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1969, p. 208-209.

    11. Para Kelsen, o Direito se apresenta como um sistema normativo de conduta humana, assentadoem uma norma hipottica fundamental que lhe d unidade, coerncia e validade, e que pode servisto sob trs dimenses (gnoseolgica, ontolgica e axiolgica). Diz ele: o ordenamento jurdico "um sistema de normas cuja unidade constituda pelo fato de todas elas terem o mesmofundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa (...) uma normafundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem" (Teoria

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  • pura do direito. Trad. Joo Baptista Machado. Coimbra: Armnio Amado, 1974. p. 57). Em SantiRomano, o ordenamento jurdico aparece como instituio ou organizao social, sendo o Direito,antes de norma, instituio ou ordem social. "Todo ordenamento jurdico uma instituio e,inversamente, toda instituio um ordenamento jurdico: h, entre os dois conceitos, uma equaonecessria e absoluta" (SANTI ROMANO. L'ORDRE JURIDIQUE. Trad. Lucien Franois PierreGothot. Paris: Dalloz, 2002, p. 19). De sua vez, Hart procura compor o normativo com o institucional,atravs da unio de regras primrias (aspecto imperativo) e secundrias (aspecto institucional). Cf.HART, H. L. A. O CONCEITO DE DIREITO. TRAD. A. RIBEIRO MENDES. LISBOA: FUNDAOCALOUSTE GULBENKIAN, SEM DATA. P. 92 E SS. Ainda sobre o tema, ROSS, A. SOBRE ELDERECHO Y LA JUSTICIA. Buenos Aires: Eudeba, 1977, p. 55 e ss.; CARACCIOLO, R. LANOCIN DE SISTEMA EN LA TEORA DEL DERECHO. Mexico: Fontamara, 1999. p. 47 e ss.;MAGNON, X. THORIE (S) DU DROIT. Paris: Ellipses, 2008. p. 72 e ss.; VILANOVA, L. ASESTRUTURAS LGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO. So Paulo: Ed. RT/EDUC, 1977.p. 108 e ss.; 215 e ss.).

    12. BOBBIO, N. TEORIA DO ORDENAMENTO JURDICO. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dosSantos. 8. ed. Braslia: UnB, 1996. p. 71. Como se explica, "todo sistema , pois, um conjunto; masnem todos os conjuntos so sistemas. Para que um conjunto seja um sistema, necessrio quetodas as entidades que integram o conjunto estejam relacionadas de algum modo com outraentidade pertencente ao mesmo conjunto" (HRNANDEZ MARN, R. INTRODUCCIN A LATEORA DE LA NORMA JURDICA. Madrid: Marcial Pons, 1998. p. 35).

    13. Assim, FERRAZ JNIOR, T. S. CONCEITO DE SISTEMA NO DIREITO. SO PAULO:EDUSP/ED. RT, 1976. P. 9 E SS.; ______. INTRODUO AO ESTUDO DO DIREITO. 2. ed. SoPaulo: Atlas, 1994. p. 163 e ss.

    14. O ordenamento tem carter relacional e disciplina a relao dos homens com seus semelhantes,e com as coisas. Assim, j em TOMS DE AQUINO: ORDO NON EST SUBSTANTIA, SEDRELATIO (SUMMA THEOLOGICA, I, 116, 2).

    15. A relao de coordenao significa que "a introduo de uma nova norma modifica todo osistema e, de sua vez, cada norma extrai seu significado de sua relao com as demais normas doordenamento", e a relao de subordinao quer dizer que "as normas de um ordenamento noesto dispostas somente de modo horizontal sobre um mesmo plano em relao de coordenaorecproca, mas esto dispostas tambm verticalmente em uma relao de progressiva subordinao,de forma que cada norma obtm sua validade de outra norma de nvel (ou grau) superior atalcanar a norma fundamental que d validade a todo o ordenamento e lhe confere unidade"(LUMIA, G. PRINCPIOS DE TEORA E IDEOLOGA DEL DERECHO. TRAD. ALFONSO RUIZMIGUEL. Madrid: Debate, 1986, p. 55-56).

    16. Cf. PRIETO SANCHS, L., op. cit., p. 111.

    17. Nas palavras de Miguel Reale, a norma jurdica no um modelo lgico definitivo, mastico-funcional (Reale, M. O direito como experincia... cit., p. 200).

    18. Assim, por exemplo, LUMIA, G., op. cit, p. 27 e ss.; GAVAZZI, G. ELEMENTI DI TEORIA DELDIRITTO. Torino: Giappichelli, 1970, p. 21 e ss.; BERGEL, J.-L. THORIE GNRALE DU DROIT.Paris: Dalloz, 1989, p. 18, 40; ENGISCH, K. INTRODUO AO PENSAMENTO JURDICO. Trad. J.Baptista Machado. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1964, p. 28-29; BOBBIO, N. TEORAGENERAL DEL DERECHO. Trad. Eduardo Rozo Acun. Madrid: Debate, 1999, p. 53 e ss.;KELSEN, H., op. cit., p. 111; DINIZ, M. H., op. cit., p. 57 e ss.; ALVAREZ GARCIA, F. J. SOBRE LAESTRUCTURA DE LA NORMA PENAL: la polmica entre valorativismo e imperativismo. Valencia:Tirant-lo-blanch, 2001, p. 20 e ss.; LOPEZ CALERA, N. M., op. cit., p. 3 e ss., entre tantos outros."No se pode conceber uma norma que no tenha carter imperativo, mesmo que apenas sobdeterminadas condies. O comando (positivo ou negativo) elemento constitutivo do conceito deDireito, pois este, como vimos, coloca sempre face a face dois sujeitos, a um dos quais atribui afaculdade ou pretenso, e a outro impe o dever, a obrigao correlativa. Impor um dever significaprecisamente IMPERAR" (DEL VECCHIO, G. LIES DE FILOSOFIA DO DIREITO. TRAD.ANTONIO JOS BRANDO. COIMBRA: ARMNIO AMADO, 1979, p. 381-382).

    19. A norma jurdica vem a ser o sentido de um enunciado prescritivo, que tem por objeto tornar para

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  • outrem obrigatria, proibida ou permitida determinada conduta. Assim, "sua expresso lingustica um imperativo ou uma proposio de dever-ser. O ato, cujo sentido que alguma coisa estordenada, prescrita, representa, prima facie, uma conduta humana definida. Quem ordena algo,prescreve, quer que algo deva acontecer" (KELSEN, H. TEORIA GERAL DAS NORMAS. Trad. JosFlorentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1986, p. 2 - grifo no original). Quanto estrutura, aprescrio se compe de seis elementos bsicos: carter, contedo, condio de aplicao (= ncleonormativo), autoridade, sujeito e ocasio. E ainda promulgao e sano, embora no comoelementos (cf. V. WRIGHT, G. H. NORMA Y ACCIN. Trad. Pedro Garcia Ferrero. Madrid: Tecnos,1979, p. 86 e ss.).

    20. Dentre os enunciados normativos, destacam-se trs modalidades: prescrio (= obrigadeterminado comportamento); descrio (= descreve uma situao) e valorao (= qualifica umasituao). "A norma jurdica a significao de um enunciado prescritivo" (MAGNON, X., op. cit., p.35 e ss.). So elas sempre "prescries destinadas a ordenar as relaes sociais, impondodeterminados comportamentos cujo respeito assegurado pela autoridade pblica" (BERGEL, J-L.op. cit., p. 40). Tais normas regulam a conduta e intercmbio humanos, sem valor de verdade e comfinalidade de exercer influncia (V. WRIGHT, G. H., op. cit., p. 22). No dizer de Ross, o discursojurdico exprime uma diretiva, isto , "uma ideia de ao considerada como modelo decomportamento" (ROSS, A. DIRETTIVE E NORME. Trad. Mario Jori. Milano: Ed.di Comunit, 1978,p. 87).

    21. Entre ser e dever-ser (realidade e valor), diz Kelsen, h uma irredutibilidade lgico-conceitual:"um dever-ser no pode se reduzir a um ser, um ser no pode se reduzir a um dever-ser; assimtambm no se pode de um ser deduzir um dever-ser, nem de um dever-ser deduzir um ser.Dever-ser e ser so dois sentidos completamente diferentes um do outro. Nos enunciados, que algo e o que ; que algo deve (ser), e o que deve (ser). O que e o que deve, o contedo do ser e ocontedo do dever-ser, so um substrato modalmente indiferente (...). Como ser e dever-ser so doismodos essencialmente diferentes, pode, o que existente, ao mesmo tempo no ser devido, e o que devido pode, ao mesmo tempo, no ser existente. Que algo como deve ser, que um ser"corresponde" a um dever-ser, significa: o contedo de um ser igual a um contedo de umdever-ser; o substrato modalmente indiferente igual em ambos os casos. O que existe so doissubstratos iguais, modalmente indiferentes, em dois modos distintos. No a conduta existente esim a conduta devida que aparece na norma que prescreve uma certa conduta. A conduta devida nanorma e a existente na realidade, condutas correspondentes norma, so coisas diferentes,diferentes com referncia ao modo". Igualmente, "no se pode deduzir da realidade nenhum valor edo valor nenhuma realidade" (KELSEN, H. TEORIA GERAL DAS NORMAS... CIT., P. 70-75).CONTUDO, BEM ASSINALA REALE QUE "DO SER NO SE PODE PASSAR AO DEVER SER,MAS A RECPROCA NO VERDADEIRA: SE OS VALORES JAMAIS SE REALIZASSEM, PELOMENOS RELATIVAMENTE, NADA SIGNIFICARIAM PARA O HOMEM. H UM VASTSSIMOCAMPO DA EXPERINCIA CUJA EXISTNCIA DECORRE DA OBJETIVAO HISTRICA DOSVALORES: O MUNDO HISTRICO-CULTURAL..." (FILOSOFIA DO DIREITO... cit., I, p. 174).

    22. Cf. KAUFMANN, A. TEORA DE LAS NORMAS. TRAD. ENRIQUE BACIGALUPO E ERNESTOGARZN VALDS. Buenos Aires: Depalma, 1977, p. 167.

    23. Idem, p. 13.

    24. ENGISCH, K., op. cit., p. 29.

    25. Legaz y Lacambra, L. Filosofa del derecho. Barcelona: Bosch, 1953, p. 202.

    26. Idem, p. 204-205. Para uma viso das teorias imperativas, vide Vasconcelos, A. Teoria da normajurdica... cit., p. 55 e ss.

    27. BOBBIO, N. TEORA GENERAL DEL DERECHO... CIT., p. 110-111.

    28. Idem, p. 111.

    29. Acerca do tema, vide PRADO, L. R. BEM JURDICO-PENAL E CONSTITUIO. 4. ed. SoPaulo: Ed. RT, 2009, p. 61 e ss.

    30. "O Direito Penal de um Estado Social no h de se ocupar em respaldar mandatos puramente

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  • formais, valores puramente morais, nem interesses no fundamentais que no comprometemseriamente o funcionamento do sistema social" (MIR PUIG, S. DERECHO PENAL - PARTEGENERAL. 4. ed. Barcelona: PPU, 1996, p. 92).

    31. REALE, M. LIES PRELIMINARES DE DIREITO. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 33.

    32. Cf. GARCA ENTERRA, E. REFLEXIONES SOBRE LA LEY Y LOS PRINCIPIOS GENERALESDEL DERECHO. Madrid: Civitas, 1996, p. 104.

    33. Na cincia do Direito Penal, versam sobre essa distino, por exemplo, ALVAREZ GARCIA, F. J.SOBRE LA ESTRUCTURA DE LA NORMA PENAL: la polmica entre valorativismo e imperativismo.Valencia: Tirant-lo-blanch, 2001, p. 19 e ss.; JESCHECK, H-H; WEIGEND, T. TRATADO DEDERECHO PENAL - PARTE GENERAL. Trad. Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002,p. 252 e ss.; ROXIN, C. DERECHO PENAL - PARTE GENERAL. TRAD. DIEGO-MANUEL LUZONPEA, MIGUEL DAZ Y GARCIA CONLLEDO, JAVIER DE VICENTE REMENSAL. Madrid: Civitas,1997, p. 322-323; CUELLO CONTRERAS, J. EL DERECHO PENAL ESPAOL. Madrid: Dykinson,2002, p. 435-437, 484-486; LUZON PEA, D-M. CURSO DE DERECHO PENAL - PARTEGENERAL. Madrid: Universitas, 2007, p. 64 e ss.; GRACIA MARTN, L. FUNDAMENTOS DEDOGMTICA PENAL. Barcelona: Atelier, 2006, p. 84 e ss.; GIL GIL, A. EL DELITO IMPRUDENTE.Barcelona: Atelier, 2007, p. 43 e ss.; MIR PUIG, S., op. cit., p. 36-39; TOLEDO Y UBIETO, E. O.SOBRE EL CONCEPTO DEL DERECHO PENAL. Madrid: Universidad de Madrid, 1991, p. 86 e ss.;CARBONELL MATEU, J. C. DERECHO PENAL: CONCEPTO Y PRINCIPIOS. Valencia:Tirant-lo-blanch, 1996, p. 54-57; LAMAS LEITE, A. AS POSIES DE GARANTIA NA OMISSOIMPURA. Coimbra: Coimbra Ed., 2007, p. 62; MARQUES DA SILVA, G. DIREITO PENALPORTUGUS - PARTE GERAL. Lisboa:Verbo, 1997, Vol. 1, p. 216-218.

    34. JESCHECK, H-H.; WEIGEND, T., op. cit., p. 253.

    35. Gracia Martn, L., op. cit., p. 90.

    36. Idem, p. 88-92.

    37. Idem, p. 94.

    38. Bobbio, N. Teora general del derecho... cit., p. 109-110.

    39. MIR PUIG, S. DERECHO PENAL, p. 36. A valorao no pode ser entendida como norma,sendo que esta ltima s pode ser de determinao (GIL GIL, A., op. cit., p. 116-117). A propsito,salienta-se que "toda norma contm um juzo de valor, mas no constitui em si mesma um juzo devalor, seno norma, e, portanto, forma abstrata de obrigao jurdica" (KAUFMANN, A. TEORA DELAS NORMAS... cit., p. 171).

    40. Como expresso de "um 'dever ser impessoal' caracteriza como desejveis ou indesejveiscertos estados ou acontecimentos"(SERRANO-PIEDECASAS FERNANDEZ, J. R.FUNDAMENTACIN DEL INJUSTO DE LA TENTATIVA. Cordoba: Marcos Lerner Ed., sem data, p.88).

    41. GRACIA MARTIN, L. FUNDAMENTOS DE DOGMTICA PENAL... cit., p. 94. Em relao aoordenamento jurdico, limitam-se, como puros juzos de valor, a expressar determinada posturaaxiolgica sobre o acontecer (p. 97).

    42. Idem, p. 97.

    43. BOBBIO, N., op. cit., p. 61-63.

    44. Alvarez Garcia, F. J., op. cit., p. 91.

    45. Reale, M. Filosofia do direito. So Paulo: Saraiva, 1975, p. 334-335. Conforme a posturaagasalhada no texto, o aspecto axiolgico envolve o teleolgico (valor sempre valor referido a algo,a um fim). Para Kaufmann, h dois momentos - ao axiolgico agrega-se o teleolgico: "a normaobriga a algo, o objeto do juzo de valor pensado como meta. A finalidade no pensar converte umjuzo de valor vlido em norma obrigatria, em dever. Na norma, portanto, confluem o momentoaxiolgico e o momento teleolgico. O mero juzo de valor pode ser vlido, mas no obrigatrio. O

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  • objeto de um juzo de valor tem de ser concebido como fim para ter obrigatoriedade" (op. cit., p. 99).

    46. CEREZO MIR, J. CURSO DE DERECHO PENAL ESPAOL. MADRID: TECNOS, 1998. Vol. 2, p.156.

    47. ENGISCH, K., op. cit., p. 36.

    48. A propsito, diz-se, com acerto, que "toda norma contm um juzo de valor, mas no constitui emsi mesma um juzo de valor, seno norma, portanto, forma abstrata de obrigao jurdica"(Kaufmann, A., op. cit., p. 171).

    49. Reale, M. Experincia e cultura. So Paulo: Edusp, 1977. p. 175 (citando M. Scheler e N.Hartmann). Semelhante, Bergel, J.-L., op. cit., p. 46.

    50. Por sua vez, explicita-se que "o objeto da norma aquilo que est nela prescrito, fixado comodevido, a conduta de um ser dotado de razo e de vontade (...), a conduta de uma pessoa. Oobjeto da norma jurdica to somente a conduta humana" (Kelsen, H. Teoria geral das normas.Trad. Jos Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1986. p. 113-115).

    51. KAUFMANN, A., op. cit., p. 140.

    52. Cf. Welzel, H. Derecho penal alemn - Parte general. Trad. Juan Bustos Ramrez e Srgio YaezPrez. 11. ed. Santiago: Jurdica de Chile, 1970. p. 59; ______. O novo sistema jurdico-penal. Trad.Luiz Regis Prado. So Paulo: Ed. RT, 2001. p. 32.

    53. CEREZO MIR, J., op. cit., p. 96. A respeito dessa questo, ensina Welzel que "a ao em sentidoestrito e preciso a atividade da inteno humana. Tornar real as intenes significa utilizar comomeios fatores causais do mundo externo, que tornam real um preciso resultado como meta - nissoconsiste basicamente a especificidade da ao humana, pela qual se destaca o atuar sobre simplesprocesso causal. Causalidade, em sentido prprio, uma categoria cega; ela a ordem do processocego e indiferente da inteno do impulso: o efeito o resultante 'cego' dos componentes causais demotivaes presentes" (WELZEL, H. ESTUDIOS DE DERECHO PENAL: ESTUDIOS SOBRE ELSISTEMA DE DERECHO PENAL, CAUSALIDAD Y ACCIN, DERECHO PENAL Y FILOSOFA.Trad. Gustavo Eduardo Aboso y Tea Lw. Montevideo-Buenos Aires: Julio Csar Faira, 2002. p. 30).Por isso, "a finalidade - dito de forma grfica - 'vidente', a causalidade, 'cega'" (WELZEL, H.DERECHO PENAL ALEMN - PARTE GENERAL cit., p. 53-54).

    54. KAUFMANN, A., op. cit., p. 140. NO TEM, POR ISSO, NENHUM SENTIDO FALAR EM "AO"DE ANIMAIS OU DE ENTES JURDICOS. O SIMPLES FATO DE, EVENTUALMENTE, COMO EMCERTAS LEGISLAES PRETRITAS (V.G., ORDENAES DO REINO), PREVER-SE PUNIOPARA O ANIMAL, NO QUER DIZER QUE POSSA SER CONSIDERADA PENA, E AO sua"atividade".

    55. RUDOLPHI, H.-J. El derecho penal y las formas de imputacin jurdico-penal. In:SCHUNEMANN, Bernd (coord.). EL SISTEMA MODERNO DEL DERECHO PENAL: cuestionesfundamentales. Madrid: Tecnos, 1991. p. 81.

    56. WELZEL, H. O NOVO SISTEMA JURDICO-PENAL, P. 32; ______. DERECHO PENALALEMN, p. 59.

    57. REALE, M. FILOSOFIA DO DIREITO, p. 334 (grifo no original).

    58. KAUFMANN, A., op. cit., p. 98.

    59. Idem, p. 165.

    60. Mir Puig, S. Introduccin a las bases del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1976. p. 55.

    61. Cf. KAUFMANN, A., op. cit., p. 50-51.

    62. Cf. Stratenwerth, G. Accin y resultado en derecho penal. Trad. Marcelo Sancinetti e PatriciaZiffer. Buenos Aires: Hammurabi, 1991. p. 46. Vide, tambm, Kaufmann, A., op. cit., p. 90 e ss.

    63. Cf. Cerezo Mir, J., op. cit., p. 156-157; Gil Gil, A., op. cit., p. 115; Prado, L. R. Curso de direito

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  • penal brasileiro - Parte geral. 9. ed. So Paulo: Ed. RT, 2010, p. 324-325. Adotam tambm umconceito pessoal de injusto, Demtrio Crespo, E. La tentativa en la autora mediata y en la actiolibera in causa. Granada: Comares, 2003, p. 7 e ss.; Serrano-Piedecasas Fernandez, J.R., op. cit., p.87-88; Lamas Leite, A., op. cit., p. 62-63.

    64. Welzel, H. O novo sistema jurdico penal... cit., p. 80-81.

    65. GRACIA MARTN, L., op. cit., p. 100.

    66. Por todos, Jescheck, H.-H.; Weigend, T., op. cit., p. 254 ("E dado que o Direito deve atuar nacomunidade, sua funo como norma de determinao tem uma significao preferente. Massimultaneamente o Direito tem tambm a misso de processar com posteridade o comportamento doautor, o que conduz a que seja tambm norma de valorao").

    67. De modo similar, Gil Gil, A., op.cit., p. 107.

    68. Idem, p. 90.

    69. Carbonell Mateu, J. C., op. cit., p. 51.

    70. Mezger, E. Tratado de derecho penal. Trad. Jos Arturo Rodriguez Muoz. Madrid: Revista deDerecho Privado, 1955, t. I, p. 340-341 (grifo no original).

    71. LVAREZ GARCIA, F. J., op. cit., p. 24.

    72. Carbonell Mateu, J. C., op. cit., p. 49.

    73. Gracia Martn, L., op. cit., p. 103. Discorre ainda o citado autor: "A regulao jurdica que tenhapor objeto condutas humanas s pode ser levada a cabo mediante norma de determinao. Dessemodo, a formulao de uma norma de determinao est condicionada lgica e objetivamente a queseu objeto seja necessariamente a vontade final da ao" (op. cit., p. 102).

    74. Welzel, H., op. cit., p. 57.

    75. Gil Gil, A., op. cit., p. 79. Tambm, Prado, L. R. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral...cit., p. 341-342.

    76. Por outro lado, "compreender no ver as coisas segundo nexos causais, mas ver as coisasna integridade de seus sentidos ou de seus fins, segundo conexes determinadas valorativamente"(REALE, M., op. cit., p. 228 - grifo no original).

    77. A respeito das diferenas entre cincia causal e normativa, entre causalidade e imputao, videKelsen, H., op. cit., p. 117-139; ______. Teoria geral das normas... cit., p. 31 e ss.

    78. Vide, sobre a distino lgica entre ser e dever-ser, REALE, M. LIES PRELIMINARES DEDIREITO... cit., p. 86-87.

    79. Cf. V. WRIGHT, G. H., op. cit., p. 88.

    80. Cf. V. Wright, G. H., op. cit., p. 22-23.

    81. A propsito da diferenciao entre o mundo da natureza (mundo do ser) e o mundo dos valores(mundo do dever-ser), vide, amplamente, Reale, M. Filosofia do direito... cit., I, p. 169-194, 218 e ss.;Vasconcelos, A. Teoria da norma jurdica... cit., p. 2-3.

    82. Explica-se um fenmeno "quando indagamos de suas causas e variaes funcionais, ou seja,quando buscamos os nexos necessrios de antecedente e consequente, assim como os deinterdependncia, capazes de nos esclarecer sobre a natureza ou a estrutura dos fatos" (REALE, M.,op. cit., p. 223).

    83. Kaufmann, A., op. cit., p. 3-22; Toledo y Ubieto, E. O., op. cit., p. 74 e ss.; Alvarez Garcia, F. J.,op. cit., p. 31 e ss.

    84. s funes bsicas da linguagem correspondem trs diferentes espcies: "a linguagem cientfica

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  • - funo descritiva - tem como escopo informar, comunicar, ensinar, fazer conhecer; a potica -funo expressiva - visa evocar ou evidenciar a outro certo sentimento, fazer participar; e anormativa - funo prescritiva - consiste em ordenar, advertir, determinar de modo a influir sobre ocomportamento dos demais para modific-lo, fazer fazer" (Bobbio, N., op. cit., p. 59-61). A respeitodos pressupostos da filosofia da linguagem, vide, com detalhes, Hernndez Marn, R., op. cit., p. 165e ss.

    85. Cf. Bobbio, N., op. cit., p. 83 e ss. (mandatos de fazer e de no fazer).

    86. Para Bobbio, as normas permissivas podem ser positivas (permitem fazer) e negativas (permitemno fazer). As normas permissivas positivas negam um imperativo negativo (proibio) e as normaspermissivas negativas negam um imperativo positivo - mandato (Bobbio, N., op. cit., p. 97-98).

    87. Em geral, as permisses so cominudas em: inequvocas (prescritivas /qualificativas) eambguas. H, tambm, nesse mbito, as negaes de prescries e as disposies derrogatrias(Hernndez Marn, R., op. cit., p. 357 e ss.).

    88. Cf. Del Vecchio, G., op. cit., p. 386; Toledo y Ubieto, E. O., op. cit., p. 174; Alvarez Garcia, F. J.,op. cit., p. 123-124.

    89. Cf. Bobbio, N., op. cit., p. 98; Lumia, G., op. cit., p. 34.

    90. LUMIA, G., op. cit., p. 33-34. Vide, tambm, BOBBIO, N., op. cit., p. 99-102, 147-148; KELSEN,H. TEORIA GERAL DAS NORMAS, P. 123 E SS.; _____ TEORIA PURA DO DIREITO, p. 37;MAGNON, X., op. cit., p. 37.

    91. Engisch, K., op. cit., p. 29. Da a afirmao contundente no sentido de que "uma normameramente permissiva no tem, pois, razo de ser, no concebvel de per si: s pode ter sentidoem correlao com outra norma de carcter imperativo" (Del Vecchio, G., op. cit., p. 386).

    92. Cerezo Mir, J., op. cit., p. 189.

    93. Em termos genricos, a norma de conduta se apresenta do ponto de vista lgico-formal comoproposio, ou seja, juzo composto de um sujeito e de um predicado, unidos por um conectivolgico. Pode ela ser conceituada como o "conjunto de palavras que tem um significado" (Bobbio, N.,op. cit., p. 56-57). Faz-se a diferenciao entre as vrias espcies de proposio jurdica, como, porexemplo, proposio completa e incompleta, esta subdividida em proposies explicativas, restritivase remissivas (cf. Larenz, K., op. cit., p. 232 e ss.).

    94. A teoria dos imperativos de origem kantiana. Distinguiu Kant entre imperativo categrico (obrigade modo incondicionado, absoluto), prprio da moral, e imperativo hipottico (objetiva alcanardeterminado fim), caracterstico do Direito (cf. KANT, E. METAFSICA DE LAS COSTUMBRES.TRAD. ADELA CORTINA ORTS Y JESS CONILL SANCHO. MADRID: TECNOS, 1999. P. 28-29).Os imperativos condicionais so obrigatrios (ato de autoridade), com vistas consecuo dedeterminada finalidade, sendo a relao entre antecedente e consequente de ordem imputativa(assim, BOBBIO, N., op. cit., p. 68 e ss.; VON WRIGHT, op. cit., p. 91; KELSEN, H., op. cit., p. 119 ess.; BERGEL, J.-L., op. cit., p. 40-41).

    95. Fica evidenciada a estrutura dual interna da norma jurdica de conduta como norma primria(antecedente/preceito) e norma secundria (consequente/sano), sendo que esta ltima pressupeaquela ("norma definidora da conduta exigida"), de modo inverso do inicialmente proposto por Kelsen(Vilanova, L. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo. So Paulo: Ed. RT, 1977. p. 64).Isso porque Kelsen, em sua obra pstuma - Teoria geral das normas -, acabou por modificar suaposio anterior, adotando a diviso conceitual posta no texto: "Nesta relao nada se modifica, seao lado das normas que, sob a condio de uma determinada conduta dos sujeitos de direito,estaturem a fixao de um certo ato de coao por parte do rgo judicial, aceitem-se normas quepem como devida a recproca conduta dos sujeitos de direito; ou, com outras palavras: se sepressupe que cada norma jurdica geral seja a ligao de duas normas, das quais uma estabelececomo devida uma certa conduta e a outra pe como devida a fixao de um condicional ato decoao por parte de um rgo judicial para o caso de violao desta norma. Eu designei a segundanorma como primria, a primeira como norma jurdica secundria" ( Teoria geral das normas cit., p.68). De seu turno, Haffke, com lastro em Binding, distingue entre norma de conduta e norma de

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  • sano. Como pautas comportamentais, as normas jurdicas "devem ser eficazes na situao deao do autor, isto , indicando e prescrevendo, antes do seu atuar ou omitir, o que deve ou nodeve fazer ou deixar de fazer no futuro. Portanto, as normas de conduta esto dispostas de modoprospectivo e isso explica tambm seu carter genrico, antiutilitarista. As normas de conduta ounormas primrias tm, pois, funo preventiva, em certa medida, profiltico-policial; devem evitar deantemo leses de bens e valores (...); as normas de sano so concebidas de modo retrospectivo,regulam o tratamento das infraes s normas ocorridas no passado"(Haffke, B. El significado de ladistincin entre norma de conduta y norma de sancin para la imputacin jurdico-penal. In: SilvaSanchez, J. M. Fundamentos de um sistema europeo del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1995. p.133).

    96. Cf. ENGISCH, K., op. cit., p. 26. Admitem tambm a dicotomia norma primria/norma secundria,ainda que com certo matiz, LVAREZ GARCIA, F. J., op. cit., p. 58-59; CUELLO CONTRERAS, J.,op. cit., p. 435-437.

    97. Idem, p. 27.

    98. Cf. Engisch, K., op. cit., p. 42 e ss.

    99. Kelsen, H. Teoria pura do direito... cit., p. 127.

    100. ENGISCH, K., op. cit., p. 41-42.

    101. Ferrajoli, L. Derecho y razn. Trad. Perfecto Andrs Ibez et al. Madrid: Trotta, 1997. p. 368.

    102. KELSEN, H., op. cit., p. 137-138.

    103. Kelsen, H., op. cit., p. 111.

    104. Idem, p. 119 e ss.

    105. "A cincia jurdica tem por misso conhecer - de fora, por assim dizer - o Direito e descrev-locom base no seu conhecimento. Os rgos jurdicos tm - como autoridade jurdica - antes de tudo amisso de produzir o Direito para que ele possa ento ser conhecido e descrito pela cincia jurdica"(Kelsen, H., op. cit., p. 112).

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