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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS LUIZ RENATO GOMES MOURA A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE TEATRO NATAL/RN 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

LUIZ RENATO GOMES MOURA

A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO

TRABALHO DO ATOR DE TEATRO

NATAL/RN

2014

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LUIZ RENATO GOMES MOURA

A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para a obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas. Linha de pesquisa: Pedagogias da Cena: corpo e processos de criação. Orientador: Dr. José Sávio Oliveira de Araújo.

NATAL-RN 2014

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Catalogação da Publicação na Fonte UFRN / CCHLA/ DEART

Biblioteca Setorial do DEART

Moura, Luiz Renato Gomes. A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro / Luiz Renato

Gomes Moura– Natal, RN, 2014. 132 f. : il. Orientador: Prof.º Dr. José Sávio Oliveira de Araújo. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Departamento de

Artes. 1.Teatro – Iluminação Cênica. 2. Engenharia cênica. 3. Ator – Teatro.

4. Teatro – Sala de Ensaio. I. Araújo, José Sávio Oliveira de. II.

Título. RN/UF/BSDEART 2014/06 CDU 792.022

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AGRADECIMENTOS

À Cecília Raiffer, minha esposa, com a qual fundei a Cia. de Teatro Engenharia

Cênica.

Aos meus pais, Antônio Faustino e Cristiane Gomes Moura, pela confiança.

Aos meus irmãos Raul Moura e Rhenam Moura.

Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGArC – UFRN.

Ao Professor Dr. José Sávio Oliveira Araújo, pelas orientações precisas.

À Professora Dra. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco, pela

generosidade oferecida na qualificação.

Ao professor Dr. Eduardo Tudella.

Ao Professor Dr. Robson Carlos Haderchpek, pelo encorajamento.

Aos discentes e docentes do PPGArC-UFRN pela troca de experiências em

sala de aula.

Ao Professor Ms. Benedito Genésio Ferreira, pelo exemplo de pesquisador.

Ao Professor Dr. Fábio José Rodrigues da Costa, pela orientação na escrita do

projeto da presente dissertação.

Ao professor Ronaldo Costa pela atenção e orientação.

Ao colega de turma Mauricio Motta pela colaboração.

Ao Professor Alysson Amâncio, por ter me apresentado o edital de seleção do

mestrado e ter me encorajado a tentar.

À professora Dra. Antônia Pereira Bezerra, pelos endereçamentos iniciais na

minha vida de pesquisador acadêmico.

Ao Grupo Ninho de Teatro, com o qual a Cia. de Teatro Engenharia Cênica

realizou o espetáculo “O Menino Fotógrafo”, na Casa Ninho, na cidade de

Crato, no Ceará.

Ao Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da

Universidade Regional do Cariri – URCA.

A CAPES pela concessão de bolsa, que me possibilitou a elaboração dessa

pesquisa.

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RESUMO

A presente pesquisa tem como foco principal, investigar como a iluminação

cênica pode ser articulada no processo de criação do ator de teatro. Para

chegarmos a essa reflexão, se faz necessário compreendermos o espaço da

sala de ensaio, no qual o ator trabalha, como um lugar em que sua formação,

recebe influências dos demais artistas, que estão também criando o

espetáculo. São analisados três processos colaborativos da Cia. de Teatro

Engenharia Cênica: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino

Fotógrafo”, com intuito de compreendermos que o teatro colaborativo

potencializa o cruzamento e a troca de experiências na sala de ensaio,

colaborando ativamente para a formação dos sujeitos envolvidos na criação do

espetáculo. A pesquisa propõe uma investigação de como o processo criativo

da iluminação cênica ganhou espaço na sala de ensaio na linguagem da

encenação teatral, evidenciando principalmente sua criação “co-evolutiva” com

o processo criativo do ator.

PALAVRAS CHAVES:

Sala de ensaio; Iluminação Cênica; Ator; Teatro Colaborativo

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ABSTRACT

This research aims to investigate how the stage lighting can be articulated in

the creation of theater actor process. To we reach this reflection, it is necessary

to understand the space of the rehearsal room, where the actor works as a

place where their function receives influences of other artists who are creating

the spectacle.Collaborative processes are analyzed three Cia de Teatro

Engenharia Cênica: Irremediável, 2007; Doralinas e Marias , 2009; O Menino

Fotógrafo, 2011, aiming to understand the collaborative theater potentializes,

the intersection and the exchange of experiences in the rehearsal room,

collaborating actively for the training of persons involved in creating the show.

The research proposes an investigation of how the creative process of stage

lighting is gaining ground in the rehearsal room in the language of theater

directing, showing mainly how is your "co-evolutionary" creation with the

creative process of the actor.

KEY-WORDS:

Rehearsal Room, Stage Light, Actor; Collaborative Theater

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................08 CAPÍTULO 1: A SALA DE ENSAIO E OS PROCESSOS COLABORATIVOS DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA: “IRREMEDIÁVEL”; “DORALINAS E MARIAS” E “O MENINO FOTÓGRAFO”...................................................................................................13 1.1 – Teatro: a arte do encontro no espaço cênico da Sala de Ensaio................................................................................................................14 1.2 – A Cia. de Teatro Engenharia Cênica: processos colaborativos?.............18 1.3 – A Imagem Propulsora...............................................................................26 1.3.1 – “Irremediável”.........................................................................................31 1.3.2 – “Doralinas e Marias”...............................................................................38 1.3.3 – “O Menino Fotógrafo”.............................................................................45 1.4 - Improvisação e imagem propulsora..........................................................52 CAPÍTULO 2: O PROCESSO CRIATIVO DA ILUMINAÇÃO CÊNICA NA SALA DE ENSAIO.......................................................................................................56 2.1 – A iluminação cênica como linguagem ativa na era da encenação.........................................................................................................56 2.2 – Apropriações da iluminação cênica no processo criativo.........................69 CAPÍTULO 3: A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE TEATRO............................................................................................................74 3.1 – O trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos.....75 3.2 – O ator-iluminador......................................................................................83 3.3 - A criação da iluminação cênica nos processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.................................................................................87 3.3.1 – “Irremediável” – o encorajamento.........................................................90 3.3.2 – “Doralinas e Marias” – o desafio...........................................................98 3.3.3 – “O Menino Fotógrafo” – a investigação de uma poética......................108 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................113

REFERÊNCIAS...............................................................................................118

ANEXO............................................................................................................124

ANEXO A - HISTÓRIA DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA..........125

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INTRODUÇÃO

À atividade artística é indispensável uma poética explícita ou implícita, já que o artista pode passar sem um conceito de arte mas não sem um ideal, expresso ou inexpresso, de arte. (...) uma poética é eficaz somente se adere à espiritualidade do artista e traduz seu gosto em termos normativos e operativos, o que explica como uma poética está ligada ao seu tempo, pois somente nele se realiza aquela aderência e, por isso, se opera aquela eficácia. (PAREYSON, 2001, p. 18).

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A presente dissertação de mestrado propõe uma investigação da poética

de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, com a finalidade de

compreender a concepção da iluminação cênica em consonância com o

trabalho do ator na sala de ensaio, partindo exclusivamente de três processos

colaborativos: “Irremediável”, Sobral – CE, 2007; “Doralinas e Marias”, Salvador

– BA – 2009 e “O Menino Fotógrafo”, Crato – CE – 2011.

A Cia. de Teatro Engenharia Cênica se torna o grande ponto de partida

para o desenvolvimento da pesquisa, porque eu, autor da presente dissertação,

sou fundador da Cia., e venho ao longo dos seus oito anos de existência,

participando ativamente dos seus processos criativos e da produção de seus

projetos culturais. Nos espetáculos, “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O

Menino Fotógrafo”, trabalhei como ator-iluminador cênico, competência que fui

adquirindo ao longo dos três processos colaborativos, uma relação

interdisciplinar, da qual parto para desenvolver a dissertação, na tentativa de

compreender a relação entre a iluminação cênica e o trabalho do ator de teatro

na sala de ensaio.

A diretora e também fundadora da Cia., Cecília Raiffer, desenvolveu em

2009, uma dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Artes

Cênicas da Universidade Federal da Bahia – PPGAC/UFBA, intitulada Cena e

Jogo: o imaginário na carne, na qual aborda o processo de criação do

espetáculo “Irremediável”. Sua análise se baseou na investigação dos

percursos trilhados no processo, a partir de cadernos de bordo, dos rascunhos

e das várias versões da dramaturgia. Essa pesquisa é de extrema importância

para a presente dissertação, sobretudo na articulação de conceitos utilizados

ao longo da escrita, e sem dúvida é um importante referencial para a

compreensão da espinha dorsal da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.

Para chegar à reflexão sobre a iluminação cênica no trabalho do ator,

precisaremos fazer um percurso metodológico que compreendo ser necessário

para entendermos como o ator, se utiliza da iluminação cênica no seu processo

criativo e como sua atuação no processo de concepção da iluminação, deve

ser ativa. Essa relação é extensível a todos os elementos cenográficos que

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influenciam de maneira determinante o sentido do espetáculo e que fortalecem

o processo de significação do trabalho do ator em cena.

A metodologia se dá em três etapas, ou seja, em três capítulos que se

estruturam da seguinte forma:

CAPÍTULO 1 - Apresenta a investigação da sala de ensaio como

um espaço que agencia as experiências dos artistas, tendo-as como fontes

inesgotáveis de conhecimento, que quando exercidas dialogicamente por meio

da ação-reflexão-ação, acabam por contribuir para a formação de todos os que

estão presentes no processo criativo. Um lugar que investe na construção de

diálogos colaborativos como processo de formação. Refletiremos, portanto,

sobre a poética de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, nas

montagens de três espetáculos: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O

Menino Fotógrafo”. Desse modo exploraremos o conceito de Imagem

Propulsora (FERREIRA, 2009, p. 49), como a base inicial para a criação,

especificamente como se dá o seu processo de mudança e de materialização

cênica, ou seja, quando passa de apenas uma ideia para à cena propriamente

dita.

CAPÍTULO 2 - Passaremos a analisar na “era da encenação”

(DORT, 1977, p. 61), alguns aspectos de como a iluminação cênica passou a

ser articulada nos processos criativos, possibilitando o entendimento da mesma

como uma “linguagem ativa” (ARTAUD, 2006, p. 92), de extrema importância

para a construção de um espetáculo teatral. Elaboramos essa base para

investigarmos a iluminação cênica e o seu processo de criação “co-evolutivo”

(CAMARGO, 2005, p. 11) com o trabalho do ator. O objetivo principal é a

análise da concepção, montagem e execução da iluminação cênica, em

estreita colaboração com o trabalho do ator.

CAPÍTULO 3 - Apresenta uma análise sobre o processo criativo

do ator na sala de ensaio e principalmente como acontece sua relação com os

processos criativos dos elementos cenográficos (cenário, iluminação,

maquiagem, figurino e som). Na continuação, nos deteremos aos processos

criativos da iluminação cênica nos espetáculos “Irremediável”, “Doralinas e

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Marias” e “O Menino Fotógrafo”, sobretudo, como se deu o processo de criação

da personagem em estreita consonância com a iluminação cênica na sala de

ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Algumas questões são

levantadas para uma melhor fundamentação da experiência, são perguntas

que serão estendidas também às considerações finais desta dissertação, quais

sejam: como um ator pode conceber a iluminação de um espetáculo em que

ele atua? A criação da personagem contribui para a concepção da iluminação

ou vice-versa? Que especificidades podem ser desenvolvidas no trabalho de

um ator que também concebe a iluminação? Como se dá a criação colaborativa

da iluminação na sala de ensaio?

Observemos que a Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o escopo central

da pesquisa. Logo no primeiro capítulo, ela é trazida como uma espinha dorsal,

que sem a qual, não seria possível estruturar os capítulos subsequentes.

Compreendi que manter-se firme sobre um recorte de pesquisa, no caso a Cia.,

me ajudaria muito na escrita e principalmente me colocaria em um lugar de

onde pudesse experimentar teoria sem ter medo de errar. A presente

dissertação investiga uma poética, tentando esclarecer os caminhos que as

experiências nos levam a percorrer, observando como uma prática pode agir

interdisciplinarmente com outras dentro da sala de ensaio, estabelecendo

diálogos geradores de pesquisas.

Nesse sentido, percorro os caminhos dissertativos, ora em primeira

pessoa, quando me refiro especificamente aos processos colaborativos da Cia.

de Teatro Engenharia Cênica, pois não consigo falar de fora porque sou o

próprio processo também. Por vezes me coloco de maneira distanciada na

escrita, principalmente quando abordo conceitos dos quais me utilizo para a

fundamentação teórica.

Essa pesquisa recebeu influências de muitos artistas que, na sala de

ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, trocaram suas experiências

comigo, nos três espetáculos analisados, no decorrer da escrita, o nome

desses artistas aparecerão para serem devidamente creditados. São de grande

relevância também os diálogos que estabelecidos com o orientador deste

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trabalho, prof. Dr. José Savio Oliveira Araújo, cuja produção se concentra, nos

últimos seis anos, no CENOTEC – Laboratório de Estudos Cenográficos da

Cena, DEART, UFRN, espaço esse que abriu minha atuação para o universo

conceitual da iluminação cênica, a partir de seu vasto acervo bibliográfico,

concentrado na área dos elementos cenográficos. E por fim, tive importantes

contribuições dos demais professores do PPGARC nas disciplinas que cursei,

ao longo dos dois anos de mestrado, pois pude dialogar com diferentes

estratégias de pesquisa, e, sobretudo, com diversas poéticas de criação, fosse

na dança ou no teatro, o pensar e o fazer arte, fortalecia o meu objetivo para

esta dissertação.

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Capítulo 1

A sala de ensaio e os processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”.

Assim, cada sujeito, ao desenvolver suas aprendizagens, deve ser estimulado a refletir, articular e reinventar os saberes com os quais estará lidando para, assim, desenvolver suas potencialidades criativas, seu discernimento crítico, suas habilidades de socialização e seu crescimento pessoal, instrumentalizando-se para as ações que pode exercer como agente transformador de sua própria história. (ARAÚJO, 2005, p.122)

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1.1 – Teatro: a arte do encontro na sala de ensaio.

A sala de ensaio é por sua vez o cadinho1 onde se fundem as ideias

que levam um grupo de artistas a pensarem e a criarem um espetáculo cênico.

É o lugar em que os erros são sempre o melhor caminho para a criação. Os

artistas no processo criativo em teatro utilizam a sala de ensaio, “como o

espaço enquanto ferramenta” (BROOK, 1994, p. 201) onde a criação acontece

na intersecção de pensamentos, na profusão de proposições e, sobretudo, na

troca de experiências, que estão contidas na sala de ensaio ou trazidas para

ela. Para o artista sempre haverá a necessidade desse lugar onde ele gesta,

durante todo o processo criativo, sua obra e consequentemente sua poética.

Na sala de ensaio os artistas envolvidos na elaboração de um

espetáculo teatral, se relacionam em diferentes dinâmicas, e muitas vezes, de

maneira ritualística, acabam instalando atmosferas, através da expressividade

e da contracena de corpos, que fogem da noção de realidade. O diretor é quem

conduz todo o processo e “os ensaios devem criar uma atmosfera na qual os

atores sintam-se livres para mostrar tudo que puderem trazer para a peça.”

(Ibidem. p. 20), não só os atores, mais também iluminadores, cenógrafos,

figurinistas, sonoplastas e etc. que desejem participar colaborativamente para o

processo de criação do espetáculo.

A sala de ensaio devido a essa capacidade de fazer com que artistas

interajam a partir dos seus saberes, em prol da construção de um espetáculo,

faz da mesma, um ambiente pedagógico em que todos são aprendizes um dos

outros e de si mesmos, pois descobrem e aprimoram suas poéticas, na medida

em que estabelecem contato uns com os outros.

Uma prática teatral educativa não se caracteriza por uma única ação isolada e sim como uma ação artística, que articula diversos atos de conhecimento, cujas particularidades e competências específicas produzem articulações entre si e com o todo da cena, constituindo os instrumentos de intervenção dos sujeitos na construção de uma representação teatral (ARAÚJO, 2005, p. 59-60).

Dessa forma, a reflexão de Araújo compreende que a formação de

sujeitos acontece através da relação dialógica, mediados pela realidade

1 Recipiente utilizado na química para misturar substâncias.

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partilhada. Na sala de ensaio as diferentes poéticas possibilitam a criação e

estabelecem o percurso por onde o processo criativo caminhará. Mesmo que o

diretor tenha com muita precisão os seus objetivos práticos, como marcações,

intenções e etc., ele sempre caminhará por percursos incertos, uma

improvisação ou uma proposição de um cenógrafo, de um iluminador, pode

mudar o caminho da criação, atualizando o processo incessantemente.

Na sala de ensaio não existe um pensamento uno, mas sim, uma

coletividade que pensa e age a partir da relação do “eu” com o “tu”, como nos

propõe Paulo Freire, ao se referir à “co-laboração”, como um pressuposto para

a relação dialógica que gera a formação dos sujeitos:

O eu dialógico [...] sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – não-eu – esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na teoria dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu. (1981, p. 196)

O espectador comum quando assiste ao espetáculo, não consegue

imaginar o processo criativo do mesmo, somente se detêm a apreciar um

universo que se desenrola dentro de uma pluralidade de significações,

produzido pela interdisciplinaridade dos elementos cenográficos que estão

presentes na cena, quais sejam: atuação, cenografia2, encenação e

dramaturgia. O teatro é uma arte feita a partir do encontro, como nos propõe o

emblemático e revolucionário pensador do teatro moderno Jerzy Grotowski:

O âmago é o encontro. (...) A essência do teatro é um encontro. (...) O teatro é também o encontro entre pessoas criativas. Sou eu, o diretor, que me defronto com o ator, e a auto-revelação do ator me dá a revelação de mim mesmo. (...) O encontro resulta de um fascínio. Implica numa luta, e também em algo tão idêntico, em profundidade, que existe uma identidade entre aqueles que tomam parte do encontro. (1971, p. 40-41-42).

O processo criativo na linguagem teatral é uma busca em que todos os

artistas constroem o encontro com o espetáculo. A partir do momento que

passam a colocar suas ideias, e com isso, as suas experiências, as formações

de todos se ampliam. Vejamos por exemplo o caso do ator: quando o mesmo

2 Cenografia na presente pesquisa é entendida como os elementos que compõem a organização do espaço

da cena, a saber: iluminação, figurino, maquiagem, cenário e som.

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começa a interagir com o processo criativo da luz, passa a entendê-la como

uma constituinte de uma gramática da cena, que contribuirá para criação de

sua personagem, principalmente no que diz respeito, aos aspectos de

atmosfera, tempo e emoção. Esse mesmo processo de troca do ator pode ser

estabelecido com todas as demais linguagens, trata-se de uma fusão de

experiências, de uma mistura, que passa a compor sua poética e que

reverberará em muitos outros processos criativos que vier participar.

A sala de ensaio é, portanto, o lugar do encontro, do “tateio lúdico”

(FERREIRA, 2009, p. 68) e sua natureza é volátil, transmuta-se a cada vez que

os artistas se encontram para continuar a criação do espetáculo. É como um

atelier no qual o pintor experimenta suas combinações de pigmentos ou um

escultor se integra à argila em busca de uma escultura ou “tal como um oleiro

molda seu vaso, o autor escreve seu livro, o cineasta faz seu filme “ (BROOK,

1994, p. 24).

No caso do teatro há um grande diferencial, o fato do espetáculo não ser

um objeto que ficará guardado na sala de ensaio enquanto os atores, diretor, e

demais artistas da cena, voltam para suas casas. O que é gerado na sala de

ensaio é uma combinação de corpos, de vidas, de experiências, que unidas

presencialmente, dão substancialidade ao processo. Os artistas quando vão

embora, levam consigo a criação, essa por sua vez, deixa de ser pensada

numa esfera coletiva e passa a ruminar na individualidade, o que faz do

processo criativo em teatro, algo ininterrupto. Pensar dessa forma nos faz

compreender que o conceito da sala de ensaio é extensível aos corpos dos

artistas, que envolvidos de maneira intrínseca com o processo criativo, vivem

associando, refletindo, burilando... Como um ator que ensaia sempre que tem

uma oportunidade, ou simplesmente em pensamento, vai percebendo e

conhecendo sua personagem, num intenso diálogo entre arte e vida, que gera

conhecimento e auto-revelação.

O homem que realiza um ato de auto-revelação é, por assim dizer, o que estabelece contato consigo mesmo. Quer dizer, um extremo confronto, sincero, disciplinado, preciso e total – não apenas um confronto com seus pensamentos, mas um encontro que envolve todo o seu ser, desde os seus instintos e seu inconsciente até o seu estado mais lúcido. (GROTOWSKI, 1971, p. 41).

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O aprendizado do artista de teatro é gerado nos ensaios de muitos

espetáculos, nos encontros estabelecidos com diversos outros artistas, nas

salas de ensaios de todos os processos criativos de sua vida. Essas vivências

são experiências que sempre serão levadas consigo num intenso processo de

atualização.

A sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o ponto de

partida para a presente dissertação, investigaremos na mesma, os elementos

necessários para discutirmos a relação interdisciplinar entre iluminação e

interpretação, portanto, cabe a essa pesquisa, pelo menos, apontar os

princípios técnicos adotados pela Cia., para compreendermos a sua poética de

criação, que permite que artistas possam agenciar funções dentro dos seus

processos criativos, e dessa forma, ampliarem as suas competências para a

criação teatral.

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1.2 – A Cia de Teatro Engenharia Cênica: processos

colaborativos?

A Cia. de Teatro Engenharia Cênica tem pesquisado uma maneira de

criar os seus espetáculos na sala de ensaio, que aproximaremos com o teatro

colaborativo. Não é nossa intenção afirmar ou enquadrar a Cia. dentro de um

procedimento técnico, até porque em se tratando de processos colaborativos,

isso é impossível. Acreditamos que a Cia. tem experimentado outras poéticas

de criação3, mas em se tratando dos espetáculos, “Irremediável”, “Doralinas e

Marias” e “O Menino Fotógrafo”, encontramos pontos de ligação dos princípios

adotados pela Cia. com os debates e as discussões acerca do teatro

colaborativo.

A presente dissertação reflete e identifica o Teatro Colaborativo, como

uma entre as várias possibilidades de construção cênica na

contemporaneidade, que potencializa o imbricamento entre vida e arte. Faz-se

a partir do amálgama entre reflexões e ações que emergem na sala de ensaio,

geradas através da junção de artistas-colaboradores: encenador, ator,

cenógrafo, iluminador, figurinista, maquiador, etc. Reunidos em um mesmo

espaço para gerar tessituras criativas em torno de uma ideia, leitmotiv, imagem

propulsora, temática, etc.

A expressão processo colaborativo começou a ser usada na segunda metade da década de 90 dentro de um contexto de retomada do movimento de teatro de grupo na cena paulistana. O retorno desta perspectiva grupal, que aparece quase como um contraponto à hegemonia do encenador no teatro brasileiro da década anterior, vai, aos poucos, ganhando uma dimensão nacional. Não que os grupos tenham deixado de existir após a década de 70 – entre outros coletivos importantes e atuantes nesse período, poderíamos destacar o Grupo Galpão, o Imbuaça, o Ponkã ou ainda o Oi Nóis Aqui Traveiz – mas o forte da produção nacional orbitava em torno dos encenadores. São, desse período, montagens importantes de Gerald Thomas, Ulysses Cruz, Bia Lessa, Gabriel Vilella, entre outros. (ARAÚJO, 2002, p.57)

3 Como por exemplo, a montagem do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” (2012), obra de Nelson

Rodrigues, que foi encenada na íntegra, ou seja, um processo criativo que tinha uma dramaturgia definida

e que o seu procedimento de criação foi diametralmente oposto aos processos criativos dos espetáculos

analisados nesta dissertação. Maiores informações vide anexo.

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O termo “teatro colaborativo” passa a ser conhecido a partir das

pesquisas e trabalhos realizados pelo encenador Antônio Araújo, no grupo de

Teatro da Vertigem, da cidade de São Paulo, subvertidas dos primeiros

espetáculos do grupo: “Paraíso Perdido”, “O Livro de Jó”, “Apocalipse 1.11”4.

Esses processos colaborativos foram desenvolvidos dentro de uma

metodologia de trabalho que articulava a criação total dos espetáculos na sala

de ensaio, ou seja, a criação colaborativa que se pauta na troca e na

experiência de cada artista presente na sala de ensaio.

É um percurso coerente de experimentação de ideias em espaços públicos, que se inicia com Paraíso Perdido, em 1992, e se desenvolve em processo colaborativo até Apocalipse 1.11, estreado em 2000. A marca mais radical dessa proposta é a concepção do teatro como pesquisa coletiva de atores, dramaturgo e encenador em busca de resposta a questões urgentes do país, especialmente das grandes metrópoles brasileiras, projetadas, porém, num pano de fundo amplo, retalhado de inquietações metafísicas, ligadas a uma tradição de teatro sagrado que, nesse caso, paradoxalmente, dramatiza a insegurança social e a criminalização sistemática das questões públicas. (...) todos consideram o processo teatral uma pesquisa coletiva, que só tem sentido se experimentada em parceria e, em geral, criam a cena em simbiose com o ator, ainda que haja distinções marcantes na concepção. (...) a concepção cênica (...) funciona como uma espécie de edição das contribuições individuais dos parceiros de criação. (FERNANDES, 2010, p. 61-62)

Devido ao espaço propositivo aberto a todos na sala de ensaio, a

criação colaborativa gera um processo pedagógico, porém caótico, cheio de

crises. Estamos tratando de processos que geram espetáculos com uma

polifonia estética “que pode ser qualificada como agonística” (Ibidem. p. 6-7.). A

encenação é construída a partir da justaposição de textos, que acabam por

4 Esses três espetáculos foram realizados em espaços públicos da cidade de São Paulo. O primeiro foi

apresentado na Igreja de Santa Ifigênia, esse fato ocasionou um movimento por parte de fieis católicos

fanáticos contra a temporada do espetáculo, porque acreditavam que tudo não se passava de profanação

do templo sagrado de Deus. Antônio Araújo, bem como o elenco, receberam ameaças, inclusive cartas

anônimas exigindo o cancelamento da programação, além de ameaças de morte. Depois de uma

apresentação fechada para representantes da Igreja católica de São Paulo, foi constatado que o espetáculo

não conturbava a imagem e muito menos profanava o nome de Deus, pelo contrário, o fato de o

espetáculo tratar da história de um anjo decaído, segundo os padres e bispos, era de extrema importância

que o homem contemporâneo pudesse assistir ao espetáculo, para assim, refletir sobre sua condição. Já

“O Livro de Jó” foi apresentado no hospital desativado Humberto I, localizado na parte central de São

Paulo e “Apocalipse 1.11” aconteceu no presídio do Hipódromo e a mobilização principal para a criação

do espetáculo foram fatos brutais que aconteceram no Brasil como a queima do índio pataxó, em Brasília,

e principalmente o massacre dos cento e onze detentos no presídio do Carandiru.

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20

estruturar uma dramaturgia que mais está para uma colagem e que foge dos

princípios aristotélicos de começo, meio e fim. Uma cena que de acordo com

Bernard Dort (apud FERNANDES, 2010, p. 7) “supõe uma luta pelo sentido,

luta da qual o espectador é juiz”.5.

Os processos colaborativos começam, sobretudo, a partir da década de

90, em consequência de um movimento intitulado “Criação Coletiva” das

décadas de 70 e 80 no teatro brasileiro, que se tratava da reunião de um grupo

de artistas que montavam um espetáculo na sua totalidade, assumindo todas

as funções, negando, portanto, uma hierarquia na sala de ensaio, todos

dirigiam, atuavam, produziam, concebiam luz, cenografia, maquiagem, figurino.

Essa metodologia gerava um processo caótico e bastante complexo no seu

acontecer, pois era necessário um grande exercício de democracia dentro da

sala de ensaio, pois todas as contribuições deveriam ser acatadas e colocadas

de alguma forma no espetáculo. O que vale a pena salientar é que esses

grupos se estruturam para pensar um modos operandi de fazer teatro,

fortalecendo o movimento de teatro de grupo no Brasil.

O que diferencia o teatro colaborativo da criação coletiva, é que por mais

que o espetáculo seja fruto do trabalho de todos na sala de ensaio, no final há

uma hierarquia que define as funções. Vários outros aspectos são comuns aos

dois tipos de processo, como por exemplo, o principal talvez, a ausência de

uma dramaturgia como um elemento que determina todos os procedimentos da

construção do espetáculo. Os artistas vão para a sala de ensaio apenas com

uma ideia central, uma temática, e a partir dela, é que se desenvolve todo

processo de criação do espetáculo.

É preciso identificar que essa ruptura da não utilização de uma

dramaturgia pré-definida para a montagem de um espetáculo, e,

5 Um grande exemplo dessa nova perspectiva de encenações no teatro brasileiro é o encenador Gerald

Thomas, que na década de 80, revolucionou poeticamente a forma como se pensava e se produzia teatro

no nosso país. Encenações que se apoiavam em justaposições de textos e que geravam um espetáculo

intitulado de “teatro de imagens” que se contrapunha a ideia Wagneriana de unidade entre os elementos

utilizados na cena, em Thomas o foco era exatamente ressaltar a independência de cada um, gerando

espetáculos em “que o espectador é convidado a progredir através de imagens, sons e movimentos que o

obrigam a olhar as coisas de maneira inédita. Em todos eles há um princípio de negação que inverte os

significados tradicionais e mostra um processo de investigação transgressora, que submete o teatro de seu

tempo a uma prova de instabilidade” (FERNANDES, 2010. p, 11).

Page 22: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

21

principalmente, a junção de artistas para a formação de um grupo, pautado

numa poética de fazer teatro coletivamente, se tornou um diferencial, uma

ousadia, no teatro brasileiro feito na década de 1980, onde o diretor

“funcionava como principal eixo de concepção dos espetáculos e concebiam

uma escritura cênica autoral, de grafia inconfundível, às vezes altamente

formalizada” (FERNANDES, 2010, p. 62).

Essa força motriz do encenador, muito serviu para que o conceito e o

entendimento da “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61), mudasse as

estratégias de criação de espetáculos no Brasil na segunda metade do século

XX6, sobretudo no entendimento do teatro como pesquisa. São expoentes

desse movimento o TBC7, como também o Arena8 e o grupo Oficina de

Teatro9, coletivos que são grandes referências para se discutir uma concepção

6 A encenação teatral é um movimento que se iniciou na Europa no final do séc. XIX e será discutido no

segundo capítulo, porém em se tratando de Brasil, esse conceito só começa a reverberar na cena teatral do

nosso país, no final da década de 1940 com a encenação de Ziembinski para a peça O Vestido de Noiva,

de Nelson Rodrigues. 7 Teatro Brasileiro de Comédia é isso o que significa a sigla, fundado pelo empresário Franco Zampari

com o objetivo de realizar espetáculos teatrais de qualidade e que pudessem colaborar para uma

profissionalização e principalmente para uma mudança de paradigma no teatro brasileiro. De fato, é

graças a essa Cia., que temos uma ruptura na cena brasileira, pois a mesma passa a ter o contato e a

aprofundar o conceito de encenação teatral desenvolvido na Europa, que devido às duas grandes guerras

mundiais, principalmente pelo motivo da não comunicação entre países durante esse período, o Brasil não

teve contato com esse movimento que mudou a forma como se fazia e se pensava teatro no ocidente. O

TBC foi uma grande escola para os atores brasileiros a partir do final da década de 40, que espalhados

pelo movimento teatral, foram reunidos para pesquisar e experimentar com encenadores estrangeiros,

trazidos exclusivamente para dirigirem os espetáculos. Um momento de grande contato com a

dramaturgia produzida lá fora e com as pesquisas desenvolvidas em torno da criação de cenários,

iluminação, maquiagem, figurino e etc. A importância do TBC é grandiosa na colaboração para o

desenvolvimento da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e também para a formação

de vários grupos após o final de sua existência. 8 Importante grupo da história do teatro brasileiro que passa a surgir na década de 1950, cujo seus

principais componentes saíram da formação oferecida pela EAD- Escola de Arte Dramática de Alfredo

Mesquita. Segundo SANT’ANNA (2012, p. 156-157) “tinham iniciado atividades em 1953,

experimentando seu palco inovador em apresentações em escolas, fábricas e outros espaços, até

constituírem sede própria em 1955, ainda com um repertório semelhante ao do TBC, embora com

encenações bem mais econômicas. Em 1958, a partir do sucesso da encenação de Eles Não Usam Black-

tie, de Gianfrancesco Guarnieri – inspirada em A Moratória, de Jorge Andrade -, com o enfoque de

operários em grave, o grupo sentiu ali o caminho certo e promoveu um Seminário de Dramaturgia,

visando descobrir e/ou formar atores nacionais que trouxessem à cena os problemas contemporâneos da

realidade do país. (...) O Arena visava criar uma dramaturgia que, além de tudo, pudesse formar um novo

público, o popular, que, por sua vez, exigiria mais tarde outra dramaturgia.”. 9 Sobre o grupo, prefiro citar as primeiras páginas da edição 26, da revista Dionysos, publicada em 1982:

“O Oficina foi organizado em 1958 na Faculdade de Direito (Largo São Francisco) em São Paulo. Mas

sem qualquer vínculo direto com o centro Acadêmico XI de Agosto. O que permite supor: sem relações

com questões de política estudantil. Estreou no bairro Bexiga num prédio onde antes funcionava um

teatro espirita. Em 1980, ameaçado de despejo sumário (o local seria vendido ao grupo econômico de

Sílvio Santos), o grupo empreende uma batalha, em diversas fontes, procurando obter recursos para

Page 23: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

22

de experimentação e de pesquisa inovadora na cena teatral brasileira

contemporânea. O que vale ressaltar é que todo esse movimento gerado por

esses grupos, e por esses encenadores no Brasil, consolidou-se como uma

base muito forte, que deu suporte para o surgimento de vários artistas e grupos

que passaram a realizar processos criativos com novas abordagens e

procedimentos técnicos particulares, que diversificaram e enriqueceram de

poéticas o teatro brasileiro.

Os processos colaborativos geram na cena contemporânea brasileira,

um procedimento que não se trata de uma metodologia cartesiana com manual

de regra a ser seguido para se criar um espetáculo. É mais um modelo do que

até mesmo um referencial estético. Apresenta-se muito mais como princípio

técnico, e que por isso, a interpretação e articulação é multidisciplinar. O

encenador é quem geralmente conduz o processo colaborativo, acaba criando

um próprio método, uma forma particular de coordenar a criação. A força motriz

nesse tipo de processo está nas experiências que são trocadas na sala de

ensaio, nesse lugar em que as competências técnicas são alargadas, todos

são coautores do espetáculo/encenação/dramaturgia da cena. O que se

estabelece na sala de ensaio é um espaço propositivo horizontal, sem uma

hierarquia fixa, e sim, como propõe ARAÚJO (2002, p. 56) “hierarquias

momentâneas ou flutuantes” que abrem um espaço de proposição para todos

os que estão envolvidos no processo criativo e transforma a criação em um

work in progress que se articula através de:

Redes de leitmotiv, da superposição de estruturas, de procedimentos gerativos, da hibridização de conteúdos, em que o processo, o risco, a permeação, o entremeio criador-obra, a interatividade de construção e a possibilidade de incorporação de acontecimentos de percurso são as ontologias da linguagem. (COHEN, 2006, p. 2)

comprar definitivamente o terreno e a casa de espetáculos. Sensibilizou diferentes áreas, inclusive

oficiais, e acabou vencendo. (...) Ainda no principio afirmou-se diante da crítica lançando um novo autor

que logo em seguida encerraria sua promissora carreira como dramaturgo para transformar-se no mais

criativo e corajoso, controvertido e polêmico, encenador do teatro brasileiro contemporâneo (José Celso

Martinez Correa). (...) Depois de conturbadas discussões internas o grupo abandonou o amadorismo e, nas

pegadas do Teatro de Arena, assumiu o profissionalismo. Estabeleceu sede própria, na rua Jaceguai 520.

Transformou-se na mais expressiva companhia de teatro do país através de um trabalho contínuo marcado

por permanente inquietação e sempre surpreendente renovação da linguagem cênica. (PEIXOTO, 1982, p.

37)

Page 24: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

23

O que ganha força no teatro colaborativo é o projeto artístico-pedagógico

gerado por um grupo que se forma para criar seus espetáculos num espaço de

proposição horizontal, onde todos participam e colocam o seu pensar e fazer, o

que leva a construção de uma cena ampliada por diversas experiências e

pontos de vista, enriquecendo o processo de criação e gerando um grupo que

tem como força o diálogo e o cruzamento de culturas. É nesse jogo de

fronteiras entre os partícipes do processo, em que um atua na área específica

do outro, que atores acabam por descobrir potencialidades para também serem

pensadores de cenografias, de figurinos, luz, assim como cenógrafos para

serem atores, e diretores arriscam-se como atores e vice e versa,

sucessivamente.

Quem ao final assina a concepção das linguagens10? É nessa área de

acordos que se estabelece um elo de confiança entre os participantes do

processo colaborativo e o trabalho individual ganha estrutura ampliada para a

concepção do espetáculo. É importante entender que mesmo a criação no

teatro colaborativo se dê num campo propositivo aberto, alguém sempre se

responsabiliza pela concepção final de cada elemento, por exemplo, um

cenógrafo define com qual material irá trabalhar e de que maneira ele tornará

expressiva as suas ideias. Cabe aos profissionais envolvidos e responsáveis

por suas funções, imbricar todas as vontades e desejos do coletivo, mas,

sobretudo materializar cenicamente a concepção final.

No entanto, é preciso reconhecer que a autoria no processo colaborativo está localizada numa zona de fronteira, de acordos delicados e tensos, pois tenta lidar com as exigências do coletivo, ao mesmo tempo em que reclama o reconhecimento individual. Trata tanto da autoria de grupo, à medida que todos são criadores e agentes de múltiplas apropriações e transformações, quanto da autoria particular, que acontece quando determinado artista opera a reunião, a filtragem ou a organização dos materiais apresentados pelo coletivo. (RINALDI, 2006, p. 136).

10

Nesta dissertação compreendemos que a cenografia, iluminação cênica, figurino, interpretação,

maquiagem, sonoplastia e etc., são linguagens distintas, “ativas”, como nos propõe Artaud (2006), que

possibilitam, individualmente, um vasto campo de pesquisa e técnica, porém, o mais significante é

entendermos que a atuação desses elementos em um espetáculo é determinante na concepção da

encenação. Nos próximos capítulos ressaltaremos ainda mais essa reflexão a respeito da importância de

articulação dessas linguagens no processo criativo de uma encenação.

Page 25: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

24

O teatro colaborativo embora seja uma matriz cada vez mais utilizada

para montagens de espetáculos, carrega uma singularidade e que merece um

enfoque: cada grupo ou companhia, de acordo com suas vontades para a

criação, estabelecem seus próprios princípios criativo-metodológicos. Esses

grupos ao longo de anos de trabalho, apuram através das experiências, uma

forma de condução que se torna a sua poética, que faz com que o processo

criativo ganhe movimento e se estruture a cada novo encontro na sala de

ensaio.

No caso do Teatro da Vertigem, por exemplo, embora todos participem

ativamente dos processos criativos de todos os elementos, no começo as

funções já são ocupadas, o dramaturgo é convidado para o processo, sabendo

que sua função será a de construir a dramaturgia, assim como o iluminador, o

figurinista, os atores e etc. o que é característico no caso da Cia. de Teatro

Engenharia Cênica, é que as competências são aproveitadas na sala de

ensaio, ou seja, se um ator tem experiência na área de iluminação cênica, se já

desenvolve pesquisa e se dedica a entender os caminhos para a criação da luz

no teatro, sua função dentro do processo será também a de conceber a

iluminação do espetáculo.

Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, as questões que se referem à

autoralidade dentro da sala de ensaio, são ainda mais aberta. No começo cada

sujeito tem uma função previamente estabelecida, mas no decorrer do

processo criativo, esse artista poderá não somente colaborar com os outros

processos, mas também assumir a concepção final da cenografia, dramaturgia,

iluminação e etc., em alguns casos, até três funções na criação do espetáculo.

Essa informação é importante de frisar, porque potencializa o entendimento de

que cada grupo que desenvolve processos colaborativos tem o seu próprio

procedimento na construção de espetáculos. É exatamente nesse ponto que

aparece uma relação dentro da sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia

Cênica, que incentiva e fomenta a possibilidade de um ator poder ser também

o iluminador cênico. Dessa forma, os demais artistas passam a colaborar nos

Page 26: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

25

outros processos criativos, e com isso, acrescentam às suas competências,

diferentes experiências que enriquecem sua poética de criação.

A sala de ensaio é um espaço que oscila entre o que podemos

compreender por espaço trivial, ou seja, um lugar comum, geralmente aberto,

sem muitos móveis e objetos e ao mesmo tempo, é um lugar que se transforma

com os ensaios, pois instalam diferentes atmosferas a partir da expressão

corporal dos atores, que se mantêm em estado alterado e ainda assim,

refletem, burilam, constroem o espetáculo em total diálogo colaborativo com

todos os artistas da cena. Esse entendimento da sala de ensaio unido ao

processo colaborativo, é que abre caminho para irmos adiante.

Page 27: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

26

1.3 – A Imagem Propulsora.

A imagem para a criação artística tem caráter impulsionador. Os

processos criativos em teatro estão ligados à construção e elaboração de

imagens, sejam elas pictóricas ou corporais, sempre abrangem signos que

levam a múltiplas compreensões. Michael Chekhov apresenta alguns exemplos

na história da arte em que as imagens são fontes de inspiração para a criação:

Estou sempre cercado de imagens”, disse Max Reinhardt. Ao longo de toda uma manhã, Dickens permaneceu sentado em seu gabinete de trabalho esperando que Oliver Twist aparecesse. Goethe observou que imagens inspiradoras surgem diante de nós por sua própria iniciativa, exclamando: “Aqui estamos!” Rafael viu uma imagem passar diante dele em seu quarto, e essa foi a Madonna da Capela Sistina. Michelangelo exclamou, em desespero, que imagens o perseguiam e o forçavam a esculpir suas figuras na pedra (2003, p. 27)

O embate entre artista e imagem é extremamente dinâmico. A imagem

vai se transformando na medida em que ela é trabalhada pelo artista, ela

“muda sob seu olhar indagador, transforma-se repetidas vezes, até que,

gradualmente (ou subitamente), você se sente satisfeito com ela” (Ibidem. p.

29). No caso do teatro, a busca é de materialização da imagem em cena. Na

sala de ensaio ela vai possuir uma corporeidade, que bifurcará gerando outras

imagens, cria narrativas e personagens, num processo constante de

retroalimentação, pondo em movimento o processo criativo e constituindo um

arcabouço de signos imagéticos que é o próprio espetáculo se construindo.

Nessa perspectiva o corpo se torna o lugar onde as imagens ganham

movimento. O ator é também uma imagem na cena que é responsável por

articular outras imagens e construir sentido para tudo que o espetáculo

pretende representar. Para Bergson (2006, p. 20) o corpo é a imagem central

“sobre ela regulam-se todas as outras; a cada um de seus movimentos tudo

muda, como se girássemos um caleidoscópio”, portanto quando uma imagem é

fonte primeira para a criação, ela se torna um elemento que se modifica a cada

vez que o artista a manipula e por isso constitui-se num universo de

descobertas que ampliam o sentido e a imaginação.

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27

No caso da Cia. De Teatro Engenharia Cênica a palavra propulsão está

acompanhada da palavra imagem, exatamente porque dentro da Cia. essa

imagem criada e elaborada, funciona como o primeiro impulso para que todos

os integrantes possam agir na sala de ensaio, ou seja, quando a ideia passa a

ser materializada cenicamente. É importante informar que essa imagem

propulsora não corresponde a uma pintura ou uma fotografia, ou seja, não está

relacionada a algo que seja pictórico bidimensionalmente ou

tridimensionalmente, nos processos da Cia. Engenharia Cênica ela é um

hipertexto que apresenta uma narrativa sobre a qual se definem a temática e o

sentido para a construção do espetáculo. Esse texto é considerado imagem

exatamente por ser ele uma projeção de como se dará o espetáculo.

Os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica (“Irremediável”, “Doralinas e

Marias” e “O Menino Fotógrafo”) apresentam em comum, processos que têm a

imagem propulsora, como princípio norteador para criação. De acordo com a

pesquisa de FERREIRA (2009) 11, a partir da analise do processo de criação do

espetáculo Irremediável (Sobral, CE, 2007), define-se a imagem propulsora

como:

...uma bússola que norteia a criação, mas ela é apenas uma diretriz para o caminho, o percurso será trilhado ao longo das descobertas que serão interpostas no decorrer do processo de criação na sala de ensaio. Compreendo esse processo como um labirinto de possibilidades que se abrem em encruzilhadas de encaminhamento poético. Testamos as possibilidades e as escolhemos dia-a-dia. Esta escolha é movida por nossas percepções e individualidade. (FERREIRA, 2009, p. 49 e 50)

Se tratando dos espetáculos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, a

imagem propulsora é responsável por abordar todo o discurso do espetáculo.

Pode ser um pequeno texto narrativo, como uma única frase que apresenta

diretamente todo o universo pelo qual o processo do espetáculo caminhará no

que diz respeito à criação e também ao campo epistemológico fundamentador

da pesquisa e que dá sentido à estrutura dramatúrgica do espetáculo.

No grupo de Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo no Brasil, tem-

se o conceito de workshop como o lugar da imagem inicial, ou seja, do ponto

11

Diretora da Cia. de Teatro Engenharia Cênica (nome artístico Cecília Raiffer)

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28

de partida para a construção do espetáculo, assemelhando-se ao conceito de

imagem propulsora. Segundo (RINALDI, 2006, p. 136) atriz e pesquisadora do

referido grupo, o workshop “é uma cena criada pelo ator em resposta a uma

pergunta ou um lema lançados em sala de ensaio”. Diversos grupos se

identificam com a criação teatral a partir de processos colaborativos. Muitos

fatores contribuem para o crescimento de espetáculos que são criados na

contemporaneidade a partir desses processos, podemos dizer que a relação

com o texto é uma questão, pois o encenador ou ator não encontrando mais

uma dramaturgia que apresente um lugar, uma motivação, ou antes, uma

possibilidade de realização do seu desejo, passa a escrever seu próprio texto,

partindo de improvisações ou de outros princípios, sempre caminhando dentro

de um percurso norteado por um sentido, pela imagem propulsora, que gera no

sujeito a necessidade de se lançar no processo de experimentação, para a

descoberta do espetáculo no seu corpo, potencializando o imbricamento

artista-vida-obra.

A criação na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica gera

uma dramaturgia em processo. A cada improvisação12 as personagens

emergiam em gestos, atitudes, verbos, ações que eram bases para a

construção do texto. A diretora dos espetáculos, Cecília Raiffer, assumia a

função de dramaturga, cabia a ela ficar atenta às possibilidades textuais que

surgiam no jogo entre atores e imagem propulsora. O texto que é elaborado

dessa forma, sempre acaba adquirindo uma estruturação fragmentária que

possibilita uma maior mobilidade no que se diz respeito a uma narratividade.

Nos três processos analisados nesta pesquisa, a dramaturgia só se definia

após varias organizações, cenas que seriam o começo passaram para o meio

ou até mesmo o fim do espetáculo, o trabalho na sala de ensaio de um

processo colaborativo é incógnito, imprevisível, a cada novo encontro tudo se

amplia, trata-se, portanto, no que se diz respeito à dramaturgia, de um jogo de

descobertas.

12

Ainda nesse capítulo discutiremos a respeito da improvisação como técnica de articulação da imagem

propulsora.

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29

No processo colaborativo, como ainda não há um todo a ser analisado, e sim uma progressão de cenas que vão sendo elaboradas ao longo dos ensaios, a análise é feita de maneira inversa: tem-se somente alguns segmentos, a princípio independentes. Praticamente às cegas, vai-se intuindo um encaixe das cenas apresentadas na tentativa de formar um todo coerente – é como um quebra-cabeça do qual se vai recebendo as peças aos poucos, sempre com a certeza de que haveria um sem número de possibilidades de outras configurações/imagens finais. E essa coerência, essa unidade pretendida, normalmente tem como norteadora a proposta inicial do grupo – geralmente o tema eleito pela equipe, sempre amparado pelas pesquisas e discussões. É importante que se tenha em mente esse objetivo geral que possa guiar a análise – tema, proposta formal – um fator que fica de fundo na hora do trabalho analítico. A proposta da cena, ela sim, pode ser decomposta pelo dramaturgo, analisada em suas diferentes partes, recomposta e compreendida num processo de fragmentação do que já é um fragmento. A cena é analisada como um todo, num primeiro momento, e depois pode ser decomposta e analisada em vários aspectos entre os quais ação, fábula, unidade, personagens, situação, conflito, núcleo dramático, pertinência quanto ao tema, relevância no contexto geral. (NICOLETE, 2005, p. 50)

O tema do qual a pesquisadora se refere, no caso dos processos

colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, se trata da imagem

propulsora que na sala de ensaio torna-se um elemento que gera crise para a

criação do espetáculo. Articula-se na sala de ensaio através do trabalho

improvisacional do ator que gera cenas que se tornam as bases para a

concepção da iluminação, cenografia e etc. Nesse entrelaçamento de

experiências entre os profissionais (iluminador, cenógrafo, encenador, ator,

maquiador, sonoplasta e etc.) emerge uma pedagogia pautada na troca,

confiança e na colaboração, fatores que possibilitam o surgimento de artistas

híbridos, pois são criadores de todas as partes do espetáculo, agentes ativos

nas bifurcações, sujeitos significadores de suas próprias formações.

No momento inicial dos espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias e

O Menino Fotógrafo, foram realizados encontros para debate, pesquisa e

construção de ideias, para só assim, iniciar o processo de materialização das

cenas. O processo do espetáculo “Irremediável” teve duração de 09 (nove)

meses, “Doralinas e Marias” teve 09 (nove) e “O Menino Fotógrafo” 12 (doze)

meses. Como se tratam de Processos Colaborativos, essa etapa específica

voltada para a pesquisa, para o levantamento de imagens propulsoras,

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30

assemelha-se ao momento em que O Teatro da Vertigem, grupo de São Paulo,

referência na linha de Teatro Colaborativo, desenvolveu o espetáculo “Paraíso

Perdido”:

Pretendíamos garantir e estimular a participação de cada uma das pessoas do grupo, não apenas na criação material da obra, mas igualmente na reflexão crítica sobre as escolhas estéticas e os posicionamentos ideológicos. (ARAÚJO, 2002, p. 102).

Percebemos na fala de Silva que a pesquisa é no Teatro Colaborativo

base para todo o processo se desenvolver. As leituras são os caminhos para a

construção de ideias, o debate na sala de ensaio desenvolve reflexões em

volta da ideia, da imagem propulsora, e assim o espetáculo se estrutura, num

processo em que a pesquisa prática e teoria sedimentam a criação cênica.

[...] a pesquisa é um dos principais fatores a colocar todos os componentes em pé de igualdade para a criação. A partir da leitura dos mesmos textos, da análise dos mesmos filmes, da visita aos mesmos lugares, o grupo desenvolve um vocabulário comum e forma um manancial de imagens que serão reelaboradas e traduzidos cenicamente. Nessa etapa inicial, cada elemento da equipe pode acrescentar ao material pesquisado os conteúdos pessoais e sua própria interpretação de informações, o que vai gerar uma infinidade de cenas e situações propostas [...] Enfim, o que se vai pesquisar e como isso vai ser feito pode se configurar de um sem-número de formas. Incontestável parece ser a necessidade da pesquisa, já que é preciso conhecer satisfatoriamente o tema que se quer abordar, e isso durante todo o processo. A pesquisa, em suas diversas formas e intensidades, está presente em todas as etapas, não só no início. A ela cabe, muitas vezes, o aprimoramento contínuo e a busca de solução para questões surgidas ao longo do trabalho. (NICOLETE, 2005, p. 44-45)

Quando os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica são levados à fruição

do público, o ciclo da criação se fortalece. A partir da recepção dos

espectadores, buscamos estratégias de mediação para entendermos os

resultados gerados.

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31

1.3.1 – “Irremediável” 13

.

A indefinição do nome do espetáculo apresenta o quanto caótico e

crítico o processo foi no princípio. No primeiro encontro na sala de ensaio não

tínhamos uma dramaturgia pronta, nem mesmo personagens ou “lugar teatral”

(MANTOVANI, 1989, p. 7) 14 definidos, apenas uma imagem propulsora que

girava em torno de questionamentos sobre o homem contemporâneo e a sua

condição de vida. Nessa época a Cia. não sabia ainda conceitualmente da

existência do teatro colaborativo. Essa realidade é a mesma de vários grupos

que no Brasil se estruturaram ao longo das décadas de 70, 80 e 90 para

criarem seus espetáculos a partir de ideias, de imagens, sem estarem ligados

diretamente a uma dramaturgia, simplesmente os artistas se reúnem na sala de

ensaio e paulatinamente criam seus espetáculos desde a dramaturgia à

construção de personagens e atmosferas através do cenário e da iluminação.

No espetáculo “Irremediável”, após refletirmos demasiado sobre a

condição do homem contemporâneo, buscamos referenciais teóricos e

exemplos de personagens que pudessem ser fontes inspiradoras e

alimentadoras da imagem propulsora para que pudessem ser criadas ações,

cenas, possibilidades de espaços cênicos, atmosferas e principalmente

personagens. Foi então que surgiu uma imagem propulsora que estabeleceu

claramente os caminhos e definiu um lugar teatral que significava um dos

principais pontos filosóficos sobre a condição do homem na

contemporaneidade: “a prisão irremediável do homem contemporâneo –

aprisionado, vigiado e perdido na terra que gira.” (FERREIRA, 2009. p. 30). O

espaço no qual os atores atuavam no espetáculo, era um losango de 3m², que

13

Espetáculo realizado através do Prêmio Myrian Muniz de Teatro da FUNARTE 2006. Estreou em

Sobral no teatro municipal da cidade: Theatro São João, em seguida através de um apoio do SESC-CE o

espetáculo circulou pelas suas principais instituições (SESC) situadas no estado. Foi apresentado na

mostra competitiva do FETAC (Festival de Teatro de Acopiara) onde ganhou cinco prêmios: melhor

direção, ator (Luiz Renato), sonoplastia, iluminação e conjunto cênico; foi apresentado da XII Mostra

SESC Cariri de Cultura e no Festival Nordestino de Guaramiranga; além de realizar uma temporada na

cidade de Fortaleza capital do estado, e participar da Mostra Nacional Palco Giratório, tudo no ano de

2007. 14

Entender “lugar teatral” como o espaço que é próprio do espetáculo. Anna Mantovani no seu livro

intitulado “Cenografia”, do ano de 1998, apresenta a diferença entre espaço cênico e lugar teatral,

segundo o seu pensamento todo espaço serve para a cena acontecer, mas o que se instala nesses espaços é

o lugar do espetáculo, ou seja, o espaço criado e elaborado na sala de ensaio para o seu discurso

dramatúrgico, visual , atmosférico e sígnico.

Page 33: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

32

impunha limites para a movimentação cênica dos atores. A imagem propulsora,

depois de muitas escolhas e desapegos ganhou a seguinte estruturação:

[...] três pontos iniciais inspiradores, três linhas paralelas [...]: Vida de Galileu de Bertolt Brecht – a certeza que a terra não é o centro do universo e que as estrelas não estão presas a uma esfera de cristal abala as convicções da humanidade; Vigiar e punir de Michel Foucault – somos diuturnamente vigiados, conduzidos e elaborados pelo sistema que obriga, sufoca e desnatura; O Mito de Sísifo de Albert Camus – a humanidade carrega absurdamente uma pedra para o cume de uma montanha, quando lá chegamos, “a pedra sempre rola” e tudo começa novamente. Quando a razão deixa de ser razão e o homem perde-se de si, dos seus sonhos, da sua vida. Quando a certeza da existência de bilhões de sóis e bilhões de galáxias é comprovada. Quando o humano deixa de ser humano... Realidade irremediável da vida. (FERREIRA, 2009. p. 30)

Analisando a imagem propulsora é possível apontarmos caminhos pelos

quais o espetáculo foi trilhando ao longo do processo criativo. Os personagens

eram agentes ativos do espetáculo “Irremediável”, pois eram responsáveis de

instalar na cena, o homem aprisionado. Porém, a iluminação cênica passou a

ter uma ação expressiva e determinante na construção de significados do

espetáculo, sobretudo, porque editava dentro do pequeno losango, o espaço

cênico das personagens15. O espetáculo “Irremediável” começou então a ser

estruturado a partir da imagem propulsora. Os personagens foram inspirados

nas figuras de Galileu e de Sísifo, ambos, sujeitos da história da humanidade,

que foram aprisionados por um sistema que não possibilitava escapatória.16 Na

dramaturgia de Cecília Raiffer, seus nomes eram “Cego” e “Aleijado”, e em

nenhum momento do espetáculo eram pronunciados em cena, serviram muito

mais para o trabalho dos atores, na construção de “ações físicas”

(STANISLAVSKI, 2001, p. 2), para a compreensão da identidade desses

personagens. Em cena apenas dois jovens homens presos, tentando se

livrarem daquele lugar, inventando uma fabulação ou um universo imaginário

como estratégia de livramento, com o passar dos ensaios o espetáculo ganha a

seguinte estruturação dramatúrgica:

15

Analisaremos no terceiro capítulo o processo criativo da iluminação do espetáculo Irremediável em

consonância com o trabalho do ator na criação de cenas e personagens. 16

Na peça de Bertolt Brecht, Galileu abjura de sua descoberta para não ser morto pela Inquisição. Sísifo

foi condenado por Ades a rolar uma pedra até o cume de uma montanha, depois de chegado ao objetivo, a

pedra rolaria novamente e Sísifo continuaria irremediavelmente a rolar a pedra.

Page 34: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

33

Irremediável (2007). Dois homens de identidade desconhecida habitam um espaço inóspito, na solidão diária buscam estratégias de salvamento para as suas existências continuarem valendo. Um rapaz, o Cego, espera o vento que sopra do norte e passa toda a vida construindo bonecos, barcos e caixas de papel para serem colocados no rio que corre quando o esperado vento chegar. O outro rapaz, o Aleijado, apresenta surtos psicóticos, toma vários remédios, fala do universo e das estrelas – “elas estão livres e sem amarras”; quer ir para a cidade das portas, mas ao contrário do outro rapaz não produz possibilidades de saída. Finalmente o vento que sopra do norte chega, os dois rapazes vão para a sonhada cidade das portas, mas são bombardeados pela plateia, e o barco que estava no rio que corre é queimado, a luz cai em resistência, a sonoplastia continua até a última centelha, silêncio e fim!17

Outros signos foram criados para enfatizar ainda mais a condição de

vigilância e de punição para os personagens. A sonoplastia do espetáculo foi

criada por Daniel Glaydson Ribeiro que na época do processo de criação do

espetáculo, além de estudante de letras era também DJ de músicas

eletrônicas, o fato de ele experimentar a técnica computadorizada de produzir

variados tipos de sonoridades, fez com que de imediato surgisse um convite

para ele colaborar na sala de ensaio na criação da trilha do espetáculo. A

sonoplastia acabou se tornando um elemento que intensificou sobremaneira as

atmosferas de aprisionamento e de desespero por parte das personagens. A

movimentação cênica dos atores ganharam sonoridades, ruídos, dialogando

com as emoções que se materializavam cenicamente, os ruídos

acompanhavam as sensações, o que possibilitava uma construção ainda mais

ampliada das noções de personagem. Toda a trilha era operada ao vivo,

portanto, era necessária a presença do DJ em cena, respirando o espetáculo a

cada apresentação.

Essa necessidade acabou levando para a cena um signo que ressaltou

ainda mais a construção desse espaço enclausurado e principalmente

presentificou os personagens que vigiavam, pois colocando o sonoplasta na

cena o operador de luz também ocupou seu espaço no meio da plateia,

portanto entre os espectadores existiam os sujeitos com suas mesas de luz e

17

Rubrica retirada da dramaturgia, acervo pessoal da diretora Cecília Raiffer. No primeiro semestre de

2014 será lançado o livro “Três pontos sem ponto final” que reunirá o texto dos três espetáculos

Irremediável, Doralinas e Marias e O Menino Fotógrafo, objetos de analises da presente dissertação.

Page 35: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

34

pick up. A iluminação cênica foi também um elemento de aprisionamento para

as personagens. Editava o espaço cênico com seus recortes em formato de

losango, ampliava e o diminuía constantemente, a luz era fria para ressaltar a

atmosfera de solidão e quente quando os surtos de ambos os personagens na

tentativa de saírem dali se presentificavam. Trilha sonora e iluminação

dialogavam cenicamente. Luz e som acompanhavam todo o ritmo da

interpretação dos atores, não existia um momento de silêncio no espetáculo.

Para melhor compreensão do espetáculo Irremediável, principalmente no que

se diz respeito ao seu “lugar teatral” (MANTOVANI, 1998, p. 7), bem como a

encenação, faz-se necessário observar uma fotografia retirada por Hudson

Costa na primeira temporada do trabalho no Theatro São João na cidade de

Sobral – CE.

Figura 1- foto Hudson Costa: Lugar teatral em formato de losango, o público sentava-se

exatamente em volta do losango sobre almofadas pretas evidenciando o aprisionamento e o estado

de vigilância. As bolas distribuídas pelas almofadas eram utilizadas na cena final pelo público como

bombas.

O ator Jander Alcântara – Personagem: Cego,

representação de Galileu Galileu de Bertolt

Brecht – Atrás um guarda-chuva feito de contas

para simbolizar a via láctea e as estrelas.

Operador de luz Maicon

Rocha Ator Luiz Renato –

Personagem Aleijado,

representação de

Sísifo de Albert

Camus.

Pick-up e notebook do

sonoplasta Daniel Glaydson

Ribeiro

Page 36: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

35

A presença desses dois artistas (operador de luz e sonoplasta) se deu

desde o meio do processo, quando o espetáculo já apresentava cenas

construídas. Entraram na sala de ensaio para colaborarem com todos os outros

elementos da cena, dialogavam com todas as esferas da criação que se

desenvolviam a partir da relação com a imagem propulsora. Todos tinham

espaço para propor e refletir sobre as cenas elaboradas, contribuíam com suas

colocações no sentido de mostrarem outras possibilidades. Mesmo com esse

espaço de proposição aberto, no final a diretora Cecília Raiffer sempre é quem

coordenava o processo, era a responsável por ligar os elementos um ao outro

e nessa teia de agenciamentos, construir o sentido geral da encenação.

Figura 2 – foto Hudson Costa: Cena em que o personagem criado por Luiz Renato que se chama

Aleijado (Sísifo), de pé, tenta construir um barco para fugir do aprisionamento, no chão o ator

Jander Alcântara com o personagem Cego (Galileu), em um transe gerado pela ação do Aleijado.

Page 37: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

36

Figura 3 – Foto Hudson Costa: Momento de grande desespero quando os dois personagens buscam

estratégias para saírem do lugar teatral claustrofóbico.

Figura 4 – Foto Hudson Costa: Cena em que o personagem Cego, representação de Galileu Galilei,

através de um guarda-chuva repleto de contas e pedras semipreciosas, faz referência a Via-Láctea.

Page 38: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

37

Uma forte característica desse processo é o fato de que não tínhamos

ainda noção dos processos colaborativos. Alguns elementos como a

cenografia, por exemplo, foi concebida por todos, não existiu no processo

alguém que se responsabilizasse por essa concepção, o que levou a uma

criação coletiva, ou seja, todos foram os autores desse elemento.

Esse processo apresenta um caos em sua totalidade, pois não tínhamos

condições de entender até quando teríamos condições de criar na sala de

ensaio. A cada novo encontro, surgiam muitas possibilidades de continuação, o

que levou a Cia. em alguns momentos a desistir, dar pausas longas para que

pudéssemos assimilar o caminho que estava sendo trilhado pelos artistas

envolvidos. Foi com muitas dificuldades, sobretudo na finalização da

dramaturgia e consequentemente da encenação que o espetáculo chegou a

uma estrutura final.18·.

18

Uma análise mais elaborada a respeito do processo criativo do espetáculo Irremediável encontra-se na

dissertação: FERREIRA, Cecília Maria de Araújo. Cena e jogo: o imaginário na carne. 2009. 163f.

Dissertação (Mestrado) – Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. Disponível

no acervo do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC/UFBA, no seguinte endereço

eletrônico: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9434.

Page 39: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

38

1.3.2 – “Doralinas e Marias”19

.

Diferente do espetáculo “Irremediável”, o processo de criação de

“Doralinas e Marias” em 2009, na cidade de Salvador, BA, a Cia. Engenharia

Cênica (núcleo fixo) já sabia, a partir da experiência adquirida com o

“Irremediável”, o caminho que deveria ser percorrido, no que diz respeito, à

criação de todo o espetáculo. A imagem propulsora já era algo aceito por

todos, tínhamos em mente que sua elaboração era de extrema importância

para que o processo pudesse ser iniciado. A Engenharia Cênica com a

experiência do primeiro processo de criação, em que só tínhamos a convicção

de que um grupo de artistas reunidos numa sala de ensaio, agenciando

experiências a partir de uma ideia, estruturaria um espetáculo, fez com que em

“Doralinas e Marias” começássemos a perceber os caminhos pelos quais o seu

processo de criação se guiaria e principalmente reconhecer que nesse novo

trabalho, estávamos consolidando uma poética, mas também um pensar, um

refletir do “como”.

Foi então que em “Doralinas e Marias” a Engenharia Cênica passa a ter

conhecimento do que é o Teatro Colaborativo e encontra no mesmo, sua

poética criativa, tal como os grupos Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo

e os Finos Trapos20 da cidade de Salvador, que embora tenham processos

criativos conduzidos de forma absolutamente diferentes, apresentam um

processo de construção total do espetáculo dentro da sala de ensaio, lugar

este que unirá uma equipe em torno de uma ideia, de uma imagem propulsora,

19

Sob a direção de Cecília Raiffer, Doralinas e Marias foi realizado através do Prêmio Manoel Lopes

Pontes da Fundação Cultural do Estado da Bahia na categoria montagem de espetáculo. Sua temporada de

estreia se deu nos teatros Martim Gonçalves da Escola de Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e

SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de agosto) no ano de 2009. O espetáculo fez participação no

Festival Internacional de Artes Cênicas - FiacBa ano 2 nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra

SESC Cariri de Cultura 2009 nos dias 14 de outubro no Memorial Padre Cícero em Juazeiro do Norte e

no dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes na cidade do Crato-Ce; e em março de 2010

participou da Mostra SESC-ATU de Teatro de Uberlândia em Minas Gerais. 20

No caso do grupo Finos Trapos da cidade de Salvador-Ba, podemos citar a pesquisa de mestrado do

diretor Roberto Ives Abreu Schettini intitulada O TEATRO COMO ARTE DO ENCONTRO:

dramaturgia da sala de ensaio, uma abordagem metodológica para a composição do espetáculo “Genesius

– histriônica epopeia de um martírio em flor” junto ao grupo Finos Trapos.

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39

e fará a cada novo encontro se descortinar através da colaboração: a

dramaturgia, personagens, cena, cenografia, iluminação e etc.21.

A imagem propulsora do espetáculo “Doralinas e Marias” é a seguinte:

A mulher e sua relação com o tempo – O tempo de espera, o tempo

de chegada e o tempo de partida.

Para inspiração e estruturação da imagem propulsora foram utilizadas

algumas obras que foram fontes de pesquisa, ou seja, um campo de encontro

do imaginário de toda a equipe e que trazem relações de sujeitos com o tempo,

no caso, adaptado para a figura da mulher:

O livro “Casa e Tempo” de Sônia Rangel;

O poema “O Caso do Vestido” para a investigação do Tempo de

Espera;

A música “Valsinha” de Chico Buarque de Holanda para a

investigação do Tempo de Chegada;

A música Triste Partida de Patativa do Assaré cantada por Luiz

Gonzaga para a investigação do Tempo de Partida.

A partir dessas obras estabeleceram-se três pontos centrais que

serviram como base para a criação do espetáculo: tempo de chegada, tempo

de partida e tempo de espera. Cada um desses temas estavam ligados a uma

personagem, quais sejam: Alice, Doralina, Sofia, Doralice (mãe de Doralina que

no espetáculo é luz) e Manoel, o único personagem masculino que simbolizava

o próprio tempo das mulheres. O espetáculo estreou com a seguinte

estruturação dramatúrgica:

Doralinas e Marias (2009): Quatro mulheres e uma casa. Essas mulheres

fazem parte da mesma família. Doralice é mãe de Doralina, Sofia é filha de

Doralina e Alice é filha de Sofia. Esse laço familiar traz a relação dessas

21

Podemos citar as pesquisas do diretor do Teatro da Vertigem Antônio Araújo que refletem o fazer desse

grupo através da trilogia bíblica “Paraíso Perdido”, “Livro de Jó” e “Apocalipse 1.11” todos

desenvolvidos colaborativamente na sala de ensaio.

Page 41: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

40

personagens a partir de ciclos de 17 anos de idade entre uma personagem e

outra. Assuntos como o nascimento e a morte, a espera e a chegada, a

maternidade e a desilusão do amor compõem o texto do espetáculo. Doralina,

representa o tempo de chegada, após viver muito, deseja ficar em sua casa, no

jardim, e lá descansar até a morte; Sofia simbolizando o tempo de espera,

aguarda na janela o marido que foi, mas disse que ia voltar e não volta; Alice

traz o tempo de partida, uma jovem de 17 anos, vive na varanda da casa em

contato com a lua e o seu maior desejo é o de voar para “o vasto e grande

mundo”; Doralice morreu quando paria Doralina aos 17 anos, sua narrativa e

presentificação desenvolve-se através da iluminação num jogo que estabelece

através da luz a contracena com as demais personagens; Manoel é o menino e

velho tempo, rege essas mulheres nas suas vidas diárias.22

Figura 5 - foto Zélia Uchôa: Em primeiro plano no lado esquerdo a atriz Adriana Amorim,

personagem Sofia, carregava uma longa trança que simbolizava o tempo de espera da vinda do seu

amado; no lado direito a atriz Meran Vargens, personagem Doralina, vivia no seu jardim embaixo

do “pé de goiaba branca misturado com goiaba vermelha”, desse lugar não quer mais sair, vive

tomando chá e simboliza o tempo de chegada; em segundo plano a atriz Daniele França com a

personagem Alice, a jovem de 17 anos que quer conhecer o mundo, simbolizava o tempo de partida;

o ator Luiz Renato com o personagem Manoel, esse nome significa em hebraico “Deus presente”,

Manoel é a materialização do tempo, é o senhor absoluto na narrativa das personagens femininas,

ele dorme velho e acorda criança.

22

Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer que será publicado no primeiro

semestre de 2014.

Page 42: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

41

Cada personagem possuía um lugar específico dentro da casa. Doralina

vivia no jardim, Sofia na janela a esperar e Alice na varanda. Esses lugares

foram materializados a partir da iluminação cênica de maneira que para cada

um, foi criada uma atmosfera específica de acordo com as emoções geradas

pelas personagens nas suas narrativas atreladas ao tempo. No jardim a cor

amarela simbolizava um tempo vivo e pulsante, na janela um âmbar esmaecido

provocava a sensação de um lugar antigo e na varanda um azul-claro quase

branco foi utilizado para simbolizar a luz da lua.

Figura 6 - foto Zélia Uchôa: Doralina no seu jardim escrevendo no seu diário

Page 43: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

42

Figura 7 - foto Zélia Uchôa: Sofia sentada na cadeira de frente para a janela a esperar Leonam seu

marido que se foi e que disse que voltaria

Figura 8 - foto Zélia Uchôa: Alice na varanda, através de uma lira alça seus voos imaginários em

direção à lua.

Page 44: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

43

Figura 9 - foto Zélia Uchôa: o ator Luiz Renato com o personagem Manoel que tinha todo o

controle do tempo e da ação da luz através de gestos e movimentações, controlava o tempo das três

mulheres.

Figura 10 – Foto Zélia Uchôa: cena inicial do espetáculo quando a personagem Doralina conversa

com o público sobre os desconhecidos que permeiam nossas vidas.

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44

Figura 11 – Foto Zélia Uchôa: Cena em que Alice domina Manoel que no espetáculo é a metáfora

do tempo. Ao fundo Doralina observando as ações da neta.

O que deve ser ressaltado e que tem uma grande importância no

processo colaborativo de “Doralinas e Marias”, é a tomada de consciência da

Cia. de Teatro Engenharia Cênica em relação à pesquisa e o começo de um

amadurecimento conceitual e metodológico na maneira como cria os seus

trabalhos, aprofundando e investigando o teatro colaborativo e elaborando os

seus próprios princípios para a criação dos seus espetáculos.

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45

1.3.3 – “O Menino Fotógrafo”.

A primeira coisa que se deve falar é sobre a junção de dois grupos para

a criação desse espetáculo. A parceria com o Grupo Ninho de Teatro surgiu

porque o mesmo gostaria de ter uma experiência com um processo

colaborativo, e o fato da Engenharia Cênica estar situada desde 2011, na

região do cariri cearense, exatamente no trecho CRAJUBAR, que se refere a

três cidades muito próximas, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, foi que se

tornou possível essa colaboração de dois coletivos para a pesquisa e

montagem do espetáculo “O Menino Fotógrafo”.

O Grupo Ninho de Teatro tem sede própria na cidade do Crato,

especificamente na Casa Ninho e a Engenharia Cênica na cidade de Juazeiro

do Norte, a distância entre um lugar e outro é de aproximadamente 11 km.

Com a decisão de montarmos um trabalho, passamos então a buscar

estruturar a primeira etapa do processo, exatamente a que corresponde à

escolha daquilo que gostaríamos de abordar cenicamente, um contexto, uma

ideia, precisamente uma imagem propulsora.

A região do Cariri, sobretudo a cidade de Juazeiro do Norte é permeada

por um imaginário religioso muito forte, isso em decorrência da presença da

figura de Padre Cícero Romão Batista, um grande visionário que através da fé

e da política, segundo nos conta a história, é protagonista de casos de milagres

como o da hóstia que virou sangue na boca da beata Maria do Araújo, fato que

reverberou intensamente por todo o nordeste, fazendo com que muitos

romeiros migrassem para essa região a procura de curas, milagres, realização

de sonhos e fé. Todo esse movimento acabou aumentando sobremaneira a

população local que em quase total maioria, ainda é, muito religiosa.

Devido a isso se foi construindo em torno dessa região um universo

mítico-religioso, que para o espetáculo “O Menino Fotógrafo” se tornou base de

pesquisa e observação. Os dois grupos sentiam a necessidade de trabalhar

com essas temáticas religiosas que permeiam essa região, investigando

principalmente o percurso que vai do nascer ao morrer. Podemos então dizer

Page 47: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

46

que esse percurso tornou-se inicialmente uma frase que impulsionou a

estruturação da imagem propulsora.

No decorrer da pesquisa nos deparamos com dois fatos que

simbolizavam exatamente a vida e a morte, quais sejam: o movimento

messiânico Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, dos anos 30 do século XX, e

os Campos de Concentração da mesma época. O primeiro surge na região do

cariri cearense. A mando de Padre Cícero, cria-se na chapada do Araripe um

pequeno lugarejo comandado por Frei Lourenço que abrigaria exatamente

parte dessa população de romeiros que chegavam à região do cariri, sem

trabalho, sem moradia, sem dinheiro. Nesse local o grupo de pessoas que

chegou a contabilizar um número de mil, viveram em prol da comunidade,

através do trabalho, plantaram e colheram a própria comida, tudo era

absolutamente dividido entre todos e a religiosidade era à base de sustentação.

Até que o governo do estado do Ceará na época, acreditando ser um

movimento comunista que começara a se formar e que isso prejudicaria a

política do estado, manda, a partir de um ataque aéreo, bombardear o local,

matando quase todos que ali se encontravam. Os Campos de Concentração,

por sua vez, são também conhecidos como Currais do Governo. Sua existência

está ligada às duas grandes secas que assolaram o Ceará (1915 e 1932).

Estes “campos” são considerados por estudiosos como um ato político,

patrocinado pelo governo, de extrema desumanidade contra os flagelados da

seca. O objetivo principal desses Currais era sitiar, em um mesmo local, esses

cearenses, com a intenção de evitar uma manifestação de grande porte na

capital do estado, Fortaleza, contra a precária situação em que estavam

inseridos em decorrência da seca. Estrategicamente, esses campos foram

construídos em cidades que possuíam linhas férreas, pois facilitavam tanto o

deslocamento das forças armadas quanto o envio da miserável alimentação

disponibilizada para os flagelados concentrados. Segundo Cordeiro:

a comida era composta de alguma variedade de alimentos – farinha de mandioca, macarrão, arroz, feijão e sardinha, mas apenas aqueles de menor valor nutricional e financeiro chegavam aos destinatários. No campo, a única comida disponibilizada era farinha de mandioca antiga e de baixa qualidade. A maioria dos retirantes, que lá era confinada

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47

desnutrida, adoecia com indigestão, empanzinada pela farinha. Sem higiene, pesteados e abandonados, muitos morriam e eram enterrados em valas comuns. Paralelamente, o Caldeirão oferecia guarita para uma multidão de flagelados famintos: alimentação suficiente, água, moradia, remédios, trabalho para os que quisessem ficar e amparo espiritual. Isto fez com que, após a seca, sua população tivesse aumentado bastante. Era uma “comunidade” auto-sustentável. (2008, p. 05)

O que nos chamou a atenção foi exatamente a potência de vida que

existia no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e a morte latente que abarcava

os Campos de Concentração. Criamos então o percurso que vai da

possibilidade de vida à possibilidade de morte, com base nessas duas

referências, buscamos histórias de vida, relatos, estudos históricos que nos

apresentassem a realidade de ambos os casos.

A imagem propulsora ganha então a seguinte estrutura:

O percurso da vida para a morte: Caldeirão da Santa Cruz do

Deserto e os Campos de Concentração.

E apresenta a seguinte estrutura dramatúrgica elaborada pela diretora

Cecília Raiffer para o programa do espetáculo:

“O Menino Fotógrafo é uma dramaturgia simbolista-fantástica, entrecortada

por fragmentos de cenas simultâneas, tudo é contado/vivido pela íris de um

velho que um dia foi criança, viu os Dentes-de-Leão no céu azul sem nuvens,

mas viu também nuvens de fumaça formadas pelos pássaros de fogo em um

ataque aéreo que ceifou parte da sua família, história e memória. A narrativa

cênica é composta por dois núcleos em ação simultânea, o plano do sonho

composto por aparições, projeções do passado, lembranças e personagens

imaginárias – Inês, a mulher com o olho de flor e as facas na saia, nas

lembranças um amor perdido para a inexorável morte; a menina Alva com os

seus incessantes Cata Ventos e os seus sopros... O do coração e dos ventos,

uma metáfora da morte; a velha Víbia tece os fios da vida, canta as melodias

da existência, metáfora ao correr da vida. No outro núcleo complementar

encontram-se Sampro e Amanda, vendedores ambulantes de quinquilharias e

máquinas fantásticas, fazem ventos, porções de amor, aprisionam almas com

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48

as suas invencionices. Na vila, debaixo de um enorme Pé-de-Juazeiro, Manoel

e Ulisses, avô e neto, dividem a existência entre Dentes-de-Leão e confissões

de um tempo que já passou.” 23

Figura 12 – foto Verônica Leite: Cenário do espetáculo O Menino Fotógrafo que faz citação ao

universo mítico religioso da região do cariri cearense, inspiração para a criação.

23

Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer a ser publicado em livro no

primeiro semestre de 2014.

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49

Figura 13 – foto Verônica Leite: Cena que faz citação as almas do Caldeirão da Santa Cruz do

Deserto e dos Campos de Concentração.

Figura 14 – foto Verônica Leite: Cena das facas, momento em que a figura do sertanejo é citada

com a presença de sua única arma para lutar contra os ataques, retrata sua vida através da fé e da

morte.

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50

Figura 15 – foto de Verônica Leite: Cena em que Ulisses (Luiz Renato) olha para o céu e observa o

ataque aéreo.

Figura 16 – Foto de Nívea Uchôa: Cena que simbolizava a felicidade dos habitantes do Sítio Baixa

Dantas, conhecido como Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. A atriz Zizi Telécio portadora de

necessidades especiais participava do espetáculo fazendo a personagem Víbia, nesta fotografia,

sendo levantada pelo ator Elizieldon Dantas que faz o personagem Sampro.

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51

O processo criativo de “O Menino Fotógrafo” já apresentou um percurso

metodológico mais consciente devido às duas experiências passadas. A Cia.

de Teatro Engenharia Cênica aprofundou os seus princípios criativos dentro da

criação colaborativa nesse espetáculo, e passou a observar com mais foco a

forma como se estruturam dramaturgia, personagens, cenas, cenografia e

iluminação cênica, etc. com a intenção de sempre alcançar uma nova

reelaboração dos seus princípios técnicos que se modificam principalmente na

sala de ensaio no jogo entre encenador, atores e imagem propulsora.

A cada novo espetáculo, uma nova temática, uma nova imagem

propulsora que apresenta uma situação dramatúrgica específica, e que devido

a isso, instala um campo de atuação para os artistas que exige estratégias de

trabalho condizentes com esses elementos, isso faz com que os princípios

técnicos para os processos colaborativos da Cia. Engenharia Cênica se

transformem a cada novo trabalho.

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52

1.4 - Improvisação e imagem propulsora.

Com a construção das imagens propulsoras definidas, a próxima etapa

do trabalho foi a que se realizou na sala de ensaio, no encontro entre

encenador-dramaturgo e atores. O processo de busca nessa etapa foi a da

materialização das imagens em cena. Investigaram-se os verbos que

possibilitavam a construção de ações físicas, geradas principalmente nos jogos

improvisacionais, que podiam ser individuais (diretamente voltados para a

construção da personagem) como coletivos (personagens agindo na

construção de cenas).

As experimentações práticas não seguiam um modelo de jogo teatral

que tem como característica o estabelecimento de regras e uma plateia que

assiste. A pesquisa prática se pautava na livre criação que aos poucos foram

se transformando em ações físicas, estruturas cênicas com personagens em

processo, marcas, texto, iluminação, cenografia e etc.. Esse processo é

exatamente a materialização da imagem propulsora em corpo, vida, realidade.

Tal pensamento aproxima-se dos conceitos de reinterpretação e interpretação

proposto por Jacques Lecoq, sobretudo no que se refere a essa busca inicial

que tem como ponto de partida a própria vida do ator, encenador, iluminador e

demais artistas.

Por meio da reinterpretação psicológica silenciosa, abordamos a improvisação. A reinterpretação é a maneira mais simples de restituir os fenômenos da vida. Sem nenhuma transposição, sem exagero, o mais fiel possível ao real, à psicologia dos indivíduos, [...] sem preocupar-se com o público. [...] A interpretação vem mais tarde, quando o ator, consciente da dimensão teatral, dá um ritmo, uma medida, uma duração, um espaço, uma forma à sua improvisação, agora para um público. (2010, p. 59).

A improvisação foi de fato a técnica-base para a criação dos três

espetáculos (“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”)

exatamente pelo motivo de que a mesma transformava o processo num campo

aberto para a experimentação, que embora estivesse norteada por uma

imagem propulsora que delimitava o campo de atuação, apresentava uma

natureza de liberdade para que os atores pudessem, principalmente, criar um

Page 54: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

53

imaginário que correspondesse tanto ao subjetivo como a corporalidade das

personagens.

[...] podemos chamar de improvisação, como algo inesperado ou inacabado, que vai surgindo no decorrer da criação artística, aquilo que se manifesta durante os ensaios para se chagar à criação acabada. Com a conjugação do espontâneo e do intencional, o improviso vai tomando forma para alcançar o modelo desejado, passando a ser traduzido numa forma inteligível e esteticamente fruível. (CHACRA, 1991, p. 15).

Essa primeira etapa que diz respeito à “livre exploração e investigação”

(ARAÚJO, 2002, p. 106), trata-se de uma etapa em que as questões centrais

da imagem propulsora são pesquisadas na prática, através de improvisações

que geram reflexões que não foram possíveis de serem feitas no momento em

que a ideia era só escrita, palavras. Com o corpo do ator em ação, temos uma

mudança de percurso, a imagem propulsora começa a se desdobrar em outras

leituras e a sinalizar como se dará o levantamento do material cênico, ou seja,

as cenas. Era nesse momento que a encenadora-dramaturga Cecília Raiffer,

ficava atenta ao que devia ser aproveitado para o espetáculo.

Com a experimentação as cenas começavam a surgir e com elas

vinham o texto, o espaço, atmosferas, personagens, enfim, percursos para a

construção dos elementos cenográficos do espetáculo. Tudo era criado junto,

portanto, os artistas ali envolvidos no jogo da improvisação, dialogavam com

esses campos, propondo, modelando-os, organizando-os dentro de um

percurso, que nas etapas iniciais, era duvidoso, volúvel, incógnito. Não se tinha

o certo e o errado, apenas a necessidade de descobrir o espetáculo no corpo.

A encenadora-dramaturga Cecília Raiffer era o olhar de fora que

coordenava, estimulava os atores com proposições e norteava o caminho da

improvisação para que não se perdessem materiais cênicos e o foco na

imagem propulsora. Sua atenção era voltada para a construção da cena que

resultava imediatamente em proposta dramatúrgica. Ao fim das improvisações

uma reflexão se fazia necessária para que pudéssemos registrar os momentos

de maior importância, as sensações, impressões e novamente, agora com o

pensamento já editado pela conversa e com o foco mais objetivado,

Page 55: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

54

voltávamos a repetir para que as cenas pudessem ganhar uma estruturação

definida.

Nessa etapa a repetição passava a ser a forma de consolidação das

cenas e “de estruturação dramatúrgica”, ou seja, “em que ocorre a seleção do

que foi levantado, visando à criação de partituras de ação, esboços de cena e,

em seguida, à roteirização propriamente dita.” (ARAÚJO, 2002 p. 106) fazia

com que surgissem as primeiras versões das dramaturgias, que nessa etapa

tratava-se de uma sequência de cenas que oscilavam durante o processo de

criação dentro da ordem do próprio espetáculo, tudo mudava a cada novo

encontro na sala de ensaio.

A improvisação foi nos processos colaborativos da Cia. de Teatro

Engenharia Cênica, a força motriz, através dela surgia o embate da criação

entre ator e imagem propulsora. Dessa relação estruturaram-se os caminhos

para a construção das personagens, que na ação dos atores, criavam

ativamente a dramaturgia, e com isso, um complexo de atmosferas que

estabeleciam planos de ação e mudanças de energia, possibilitando o campo

de atuação para os demais profissionais envolvidos, como o iluminador, o

cenógrafo, por exemplo, fazendo dos mesmos, improvisadores e criadores

ativos de todo o espetáculo.

A improvisação cênica gera a ampliação da imaginação criativa. Através do jogo os atores e o diretor podem conectar os seus universos imaginário-expressivos. Quando este estado de prontidão é alcançado, configura-se um lócus laboral de criação, retroalimentação e elaboração das imagens poéticas em torno de uma ideia inicial. A conexão dos universos criativos só é realizada mediante a aptidão de reagir aos impulsos e propostas dos outros artistas na hora do jogo, no calor da cena. (FERREIRA, 2009, p. 53)

A imagem propulsora é o que sustenta os processos colaborativos da

Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Essa imagem quando abordada pelo

trabalho do ator, a partir da improvisação, se dissipa em várias bifurcações,

gerando múltiplas possibilidades de construções cênicas o que acaba

configurando o processo como uma estrutura caótica, em crise, um sistema

que pulsa em busca de uma organização: o espetáculo.

Page 56: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

55

O fato é que no início dos processos criativos dos espetáculos

(“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”), existia uma ideia

inicial, um centro de gravidade onde se encontravam também todos os

princípios para a criação dos demais elementos da cena, foi na sala de ensaio,

através da improvisação, que se estabeleceu o jogo, e dessa forma, a imagem

propulsora bifurcava, sinalizando e construindo variados caminhos para a

criação do espetáculo, ao mesmo tempo em que ela norteava a escolha,

evidenciando por onde o processo deveria caminhar.

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56

Capítulo 2

O processo criativo da iluminação cênica na sala de ensaio

[...] a luz cênica deve ser entendida não como um elemento

separado, mas como um processo que deve fazer parte da

construção da cena, isto é, luz e cena necessitam ser pensadas

como um processo vivo e co-evolutivo. Não há como

compreender o papel que a luz desempenha nesse processo sem

levar em consideração a relação de trocas que ela estabelece

com a cena, e vice-versa (CAMARGO, 2006, p.11).

Page 58: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

57

2.1- A iluminação cênica como linguagem ativa na era

da encenação.

Para compreender os processos de criação da iluminação cênica no

teatro, sobretudo na perspectiva de entendê-la como linguagem, requer que

reflitamos sobre a “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61). Um movimento

europeu que repensou o fazer teatral no ocidente, a partir do final do século

XIX, e principalmente ao longo do século XX. Nesse período aconteceram

grandes avanços tecnológicos na área da iluminação cênica que aprimoraram

tecnicamente os refletores, possibilitando cada vez mais opções de utilização

dos mesmos e pesquisas que se voltaram para entender o papel da luz no

espetáculo, tanto tecnicamente como artisticamente. A encenação fez

perceber “que a função da iluminação não é apenas dar visibilidade ao

espetáculo, mas sim, e principalmente, compor juntamente com outros

instrumentos do espetáculo, um discurso cênico coerente e articulado”

(ARAÚJO, 2005, p. 124).

Historicamente sabemos que a lâmpada elétrica foi criada no século XIX,

e que logo após de ter sido descoberta, foi sendo aprimorada para que o seu

uso pudesse ser ampliado para todos os lugares em que o ser humano

habitava.24 Esse processo tecnológico que se desenvolveu com a luz a partir

do advento da eletricidade, unindo-se à força do movimento da encenação,

possibilitou o surgimento de um novo olhar para o entendimento da iluminação

cênica teatral, o que potencializa a ideia de que “enquanto for registrada a

presença da luz, será imprescindível sua abordagem como sujeito estético”

(TUDELLA, 2012, p. 14).

[...] as técnicas nascidas do progresso e da investigação científica, das fórmulas propostas pela indústria, introduziram-se, a pouco e pouco, no teatro, a partir do final do século passado. E, sobretudo, a luz, depois de ter sido apenas um meio de iluminar, tornou-se um dos fatores essenciais da encenação, um dos principais elementos do espetáculo. (BABLET, 1964, p. 290)

24

Sabe-se que antes da lâmpada elétrica em 1849 já se utilizava a de arco-voltaico que produzia uma luz

muito branca e só poderia acender e apagar de uma vez. Já a lâmpada incandescente o seu fluxo de

elétrons pode ser controlado o que permite uma graduação de intensidade do escuro à claridade total.

Page 59: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

58

Podemos analisar alguns pontos na “era da encenação” (DORT, 1977, p.

71) que vão de maneira determinante transformar o fazer e o pensar teatro no

século XX. O primeiro é o surgimento do encenador que passa a ser

considerado como “o gerador da unidade, da coesão interna e da dinâmica da

realização cênica. É ele quem determina e mostra os laços que interligam

cenários e personagens, objetos e discursos, luzes e gestos.” (ROUBINE,

1998, p. 41). Age a partir de um ideal, de um conceito e principalmente de um

sentido particular, que se coletiviza, para compor o espetáculo. Seus propósitos

para a criação cênica têm objetivos claros. Complexo é o caminho das

descobertas na sala de ensaio. Segundo Bernard Dort, antes do surgimento do

encenador:

Ainda no século XIX era muitas vezes um ator que, segundo suas afinidades, gostos literários pessoais ou segundo a autoridade que tinha sobre seus companheiros, se encarregava da organização material do espetáculo, daquilo enfim que chamaremos sua “direção” (ou esta função era assumida pelo cenógrafo, pelo diretor do teatro, ou pelo maquinista chefe). Hoje esta confusão de funções não mais existe: a encenação não vem se acumular a outra função. [...] é uma atividade em si, geralmente, assumida por alguém que a ela se dedica integralmente, excluindo-se de qualquer outra tarefa. (1977, p. 62)

Na encenação tudo que compõe o espetáculo precisa estar

rigorosamente dentro de um sentido, exatamente a força motriz, a ideia central,

ou seja, o elo de comunicação entre cena e espectador. Esse pensamento gera

uma compreensão que entende que os elementos cenográficos não devem ser

postos no palco de maneira a decorar a cena, pelo contrário, tudo precisa agir

em torno do sentido da encenação. É nessa perspectiva que passaram a surgir

artistas-pesquisadores com um olhar voltado para o processo criativo da

iluminação e demais elementos, tais como cenografia, maquiagem, figurino e

etc. Dessa forma iluminadores, cenógrafos, figurinistas tornaram-se artistas

presentes no processo criativo dentro da sala de ensaio.

O grande diferencial é que as concepções passam a ser norteadas pelo

mesmo sentido que impulsiona o encenador, o que de fato vai mover a criação

na sala de ensaio, é a interação de diálogos e de experimentações práticas,

Page 60: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

59

orquestradas pelo um mesmo objetivo, um mesmo desejo que constantemente

é atualizado devido a incessante pulsação da criação. O encenador é então a

figura que sinaliza percursos para o processo criativo da encenação e os

demais artistas o encorajam gerando um elo de confiança e de proposições

que fortalecem a criação na sala de ensaio.

[...] reconhecemos o encenador pelo fato de que a sua obra é outra coisa – e é mais – do que a simples definição de uma disposição em cena, uma simples marcação das entradas e saídas ou determinação das inflexões a gestos dos intérpretes. A verdadeira encenação dá um sentido global não apenas à peça representada, mas à prática do teatro em geral. Para tanto, ela deriva de uma visão teórica que abrange todos os elementos componentes da montagem: o espaço (palco plateia), o texto, o espectador, o ator. (ROUBINE, 1998, p. 24)

Dentro da perspectiva histórica e, sobretudo, para termos um exemplo,

podemos analisar o Teatro da Corte de Meiningen, mantido e dirigido pelo

duque George II, na Alemanha25, considerado no final do século XIX, pioneiro e

de grande importância para a compreensão do conceito de encenação,

principalmente, no que se diz respeito à relação mais elaborada e processual

dos elementos cenográficos que compõem o espetáculo.

[...] foram os grandes inovadores: a autenticidade dos seus cenários, figurinos e objetos de cena não só é pioneira como influenciou, com as suas famosas tournées pela Europa, vários encenadores como Stanislávski e Antoine, dando início à era das reconstituições arqueológicas e ao realismo histórico, que terá grande influência nas técnicas do espetáculo [...] Em relação à iluminação havia o mesmo esmero técnico e cuidado com a precisão na escolha do posicionamento dos equipamentos, visando maior realidade nos ângulos de incidência da luz. [...] Mas a grande inovação dos Meininger, que pontua uma mudança fundamental de procedimento em relação à iluminação cênica, se deve ao fato do Duque Georg II ensaiar com a luz pronta (assim como cenário e figurinos), permitindo uma relação pensada e experimentada entre o espaço e a sua ocupação, entre a luz e a marcação do espetáculo. Essa necessidade de ensaiar com a luz de cena, que na prática significa o ineditismo de ensaiar a própria ação da luz, diferia dos costumes da época, onde a iluminação só encontrava com os intérpretes, na hora apresentação. (FORJAZ, 2008, p. 70)

25

Em funcionamento até os dias de hoje.

Page 61: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

60

O fato da Cia. Meiningen ensaiar com os elementos cenográficos

pensados, construídos e elaborados de acordo com a encenação, descortinou

um caminho de descobertas sobre o processo criativo da luz, por exemplo,

ressaltando o quanto é necessário e importante que toda a equipe do

espetáculo, sobretudo o ator, tenha contato com a cenografia, iluminação,

figurino para estar cada vez mais imbuído do sentido global da encenação. É

nessa perspectiva que entendemos que é extremamente necessário que os

processos criativos na sala de ensaio interajam em todas as etapas, para que

todos os artistas estejam envolvidos conscientemente com a ação

dramatúrgica da iluminação, bem como com a compreensão do papel da

cenografia, figurino e maquiagem na execução do espetáculo.

Em se tratando especificamente da luz no século XX, o conceito de

encenação se modificava e principalmente se ampliava a cada nova

vanguarda. No caso do teatro naturalista, por exemplo, percebemos nas

pesquisas que abordam os trabalhos de grandes encenadores tais como André

Antoine e Constantin Stanislávski, que pelo fato do espetáculo ser uma

tentativa mimética da realidade, exige que a iluminação tivesse uma atuação

mais determinante e limitada nos processos de significação da cena, sua

função era meramente descritiva. É preciso reconhecer que em se tratando do

realismo, de fato, não podemos nos utilizar de alguns efeitos de luz ou de cores

na cena, pois não é possível de maneira repentina, um foco de luz em formato

de círculo ou retangular, atravessar o teto de uma casa e se fazer presente

numa sala de jantar, a não ser que algo aconteça para que esse efeito possa

ter uma ação justificada e contundente na cena. Os espetáculos teatrais que

são criados nessa perspectiva do realismo na contemporaneidade, estão cada

vez mais buscando estratégias de apresentarem, não somente uma luz que

torne visível a cena, mas que possa também construir significados e ter uma

ação expressiva na construção cênica.

Ainda no século XX temos no simbolismo uma compreensão da

construção cênica diametralmente oposta ao que o naturalismo entendia. A

diferença principal é que o simbolismo no teatro se dedica a criação fabulosa e

fantástica, numa perspectiva que instala cenicamente ambientes mais diversos

Page 62: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

61

e distantes possíveis da noção de realidade. A poesia é levada à cena através

da dramaturgia, da interpretação e, sobretudo, a partir dos elementos

cenográficos que conseguem na estética simbolista uma atuação expressiva,

totalmente importante para a compreensão sígnica do espetáculo teatral. Para

(CAMARGO, 2006, p. 13), na estética simbolista é que “Pela primeira vez, foi

possível perceber que a luz trocava informações com a cena”, deixando de ser

um elemento apenas pictórico, no sentido de descrever cenograficamente um

espaço, e atingindo “uma concepção de luz diretamente vinculada à dinâmica,

à mobilidade do fenômeno cênico”. Adolph Appia foi um grande pensador da

luz no teatro influenciado pelo simbolismo, que evidenciou a iluminação na

perspectiva de considerá-la como um elemento aglutinador dos elementos

cenográficos. Refletia sobre a cena como um lugar em que todas as suas

partes se amalgamavam para produzir uma unidade viva, pulsante,

absolutamente contundente e mantenedora de um mesmo sentido. A

iluminação para Appia não deveria ser apenas descritiva ou simuladora da

realidade, sua atuação no espetáculo é muito mais que criar paisagens

pictóricas para sugerir um determinado espaço.

A questão principal é investigar o fenômeno da luz como elemento integrado ao fluxo da cena, àquela realidade física que se apresenta num dado momento e com a qual a luz negocia, troca informações, como parte de um organismo vivo. Em outras palavras, não basta criar uma luz que possibilite vislumbrar a cena enquanto paisagem, quadro ou fotografia, com a intenção de imitar a realidade ou simbolizá-la de algum modo. É necessário entender a luz como algo que vibra e acompanha o fluxo da cena e não como um elemento de representação que obedece às didascálias do texto ou às „deixas‟ e marcas preestabelecidas na mesa de operação. Appia refere-se à luz como aglutinador de todos os elementos cenográficos. Segundo ele, nenhum dos códigos visuais do teatro dispõe de autonomia. Ao contrário, todos se complementam, produzindo uma unidade viva. (CAMARGO, 2006, p. 55-56)

Outra questão sobre a encenação é a que corresponde “a explosão do

espaço” refletida e abordada por Jean-Jacques Roubine (1998, p. 81). É

preciso que entendamos o espaço sob duas perspectivas, a primeira no sentido

de uma popularização do teatro, ou seja, o espetáculo deixa de ser algo

absolutamente fechado para a elite, e, passa a ser, um lugar para a apreciação

Page 63: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

62

de um trabalho artístico oferecido para toda a população; e em segundo lugar,

a noção de cena ampliada, podendo ser qualquer espaço o lugar para que o

fenômeno teatral possa acontecer “cuja natureza extrapola o campo da

materialidade e opera a travessia entre aquilo que consideramos concreto e

aquilo que consideramos existir apenas no nosso imaginário” (ARAÚJO, 2005,

p. 84). Algumas encenações durante o século XX é que vão elucidar esse

pensamento e por isso modificaram a relação espacial entre espetáculo e

espectador. Os trabalhos de Jerzy Grotowski no teatro das 7 Filas em Wroclan

na Polônia, são exemplos de espetáculos que mudaram de maneira

determinante a relação do espectador com a encenação:

“Renunciamos a uma área determinada para o palco e para a plateia: para cada montagem, um novo espaço é desenhado para os atores e para os espectadores. Dessa forma, torna-se possível infinita variedade no relacionamento entre atores e público. Os atores podem representar entre o espectadores, estabelecendo contato direto com a plateia e conferindo-lhe um papel passivo no drama (por exemplo, as nossas montagens de Cain, de Byron, e de Shakuntala, de Kalidasa). Ou os atores podem construir estruturas entre os espectadores e dessa forma incluí-los na arquitetura da ação, submetendo-os a um sentido de pressão, congestão e limitação de espaço (como a montagem de Acropolis, de Wyspianski). Ou os atores podem representar entre os espectadores, ignorando-os, olhando “através” deles. Os espectadores podem estar separados dos atores – por exemplo, por um tapume alto que lhes chegue ao queixo (como a montagem de O Príncipe Constante, de Calderón); dessa perspectiva radicalmente inclinada, eles olham para os atores como se vissem animais numa arena, ou como estudantes de Medicina observando uma operação (além disso, o olhar para baixo confere à ação um sentido de transgressão moral). Ou então a sala inteira é usada como um lugar concreto: a última ceia de Fausto, no refeitório de um mosteiro, onde ele recebe os espectadores que são convidados de uma festa barroca servida em enormes mesas cujos pratos são episódios de sua vida. A eliminação da dicotomia palco-plateia não é o mais importante: apenas cria uma situação de laboratório, uma área apropriada para a pesquisa.” (GROTOWSKI, 1971, p. 6)

A iluminação cênica na encenação passa a ser “A Fada Eletricidade, [...]

deslumbrando o espectador, facilmente conquistado pela magia do efeito e da

ilusão de um mundo irreal." (BABLET, 1964, p. 289), ou seja, é a capacidade

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63

de reinvenção do espaço cênico no sentido de criar sobre ele inumeráveis

possibilidades de “lugares teatrais” (MANTOVANI, 1989, p. 7) 26.

O público durante todo o século XX se deparou com uma propulsão de

espetáculos ligados a variados conceitos vanguardistas. Estamos refletindo

sobre um período de grandes reviravoltas sociais que vão influenciar

diretamente a arte. Os movimentos de vanguarda tais como o simbolismo,

expressionismo, o teatro épico e moderno modificaram intensamente, cada um

a seu modo, os procedimentos de criação da encenação em todos os seus

aspectos. A iluminação cênica por sua vez, na medida em que foram sendo

aprimorados os seus equipamentos, constituiu-se como um elemento cênico de

grande importância que pode “modificar” (SERRAT, 2006, p. 44) o espetáculo,

tanto no seu aspecto visual, mas principalmente, na sua semântica. A

possibilidade de controlar a luz através de mecanismos elétricos faz com que o

homem se volte para a iluminação cênica com um olhar criativo e, sobretudo,

de pesquisador. A luz começa a ganhar movimento na cena, ajuda na criação

de paisagens, edita os espaços escondendo e revelando a cenografia e o ator,

constrói focos em diversos formatos geométricos e sua intensidade pode ser da

escuridão à claridade total. Essas novas dinâmicas é que começam a despertar

um novo olhar para a construção cênica da luz no século XX, especialmente,

para o seu entendimento sígnico no teatro. É nessa perspectiva que

acreditamos ter iniciado de maneira mais enfática a compreensão da

iluminação cênica como uma linguagem de incomensurável importância para a

criação teatral, e, devido a isso, o seu processo de criação passa a ter rigor e

valor na sala de ensaio.

Antonin Artaud, artista de teatro, poeta, dramaturgo que viveu de 1896 a

1948, presenciou a “linguagem da encenação teatral” (ROUBINE, 1998) no seu

auge de transformação ininterrupta. A partir dessa experiência escreveu um

livro intitulado “O Teatro e seu duplo” que apresenta apontamentos críticos ao

teatro feito no ocidente, através de uma comparação com o do oriente e, além

26

A luz elétrica só foi utilizada no palco no ano de 1849 na ópera Meyerbeer. Sua função foi a de criar e

demonstrar o sol nascente, fato que maravilhou o público. Os experimentos de utilização da luz apenas

como um elemento que passará a possibilitar criar ambientes da realidade vai fazer com que essas

técnicas se espalhem ligeiramente pela Europa.

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64

disso, reflete sobre o processo de criação no teatro, evidenciando o potencial

semântico que tem os elementos cenográficos, sobretudo a iluminação. Artaud

(2006, p. 92) se refere a uma luz “que não é feita apenas para colorir ou

iluminar e que traz consigo sua força, sua influência, suas sugestões”, ou seja,

é compreendida como uma linguagem que não está ligada a uma expressão

verbal para ser entendida, sua natureza é física e sensorial, não estabelece

significação por meio de palavras, age na cena teatral através de uma

compreensão que se dá na sensibilidade do espectador. Esse agir pelo

sensível se trata de uma “linguagem concreta” que se articula no teatro através

da “música, dança, artes plásticas, pantomima, mímica, gesticulação,

entonações, arquitetura, iluminação e cenário”, reconhecendo que cada um

desses elementos tem uma “poesia própria, intrínseca” (ARTAUD, 2006, p. 38).

Embora Antonin Artaud esteja no seu livro fazendo uma crítica ao teatro

ocidental, sobretudo ao naturalismo que “obedece à expressão através dos

discursos, das palavras” (Ibidem. p. 35), ele nos possibilita alargar os níveis de

compreensão dos elementos cenográficos que estão presentes na cena,

reconhecendo-os como fatores que se estabelecem como “linguagens ativas”,

ou seja, que são responsáveis pela significação do espetáculo tanto quanto a

palavra. A forma como a luz é concebida, organizada e colocada em prática,

requer princípios criativos específicos, ou seja, os percursos criados e

elaborados estrategicamente para que a iluminação consiga dialogar com a

cena instalando uma ação determinante na encenação.

A luz intervém no espetáculo; ela não é simplesmente decorativa, mas participa da produção de sentido do espetáculo. Suas funções dramatúrgicas ou semiológicas são infinitas: iluminar ou comentar uma ação, isolar um ator ou um elemento da cena, criar uma atmosfera, dar ritmo à representação, fazer como que a encenação seja lida, principalmente a evolução dos argumentos e dos sentimentos etc. Situada na articulação do espaço e do tempo, a luz é um dos principais enunciadores da encenação, pois comenta toda a representação e até mesmo a constitui, marcando o seu percurso. Material milagroso de inigualáveis fluidez e flexibilidade, a luz dá o tom de uma cena, modaliza a ação cênica, controla o ritmo do espetáculo, assegura a transição de diferentes momentos, coordena os outros ritmos cênicos colocando-os em relação ou isolando-os. (PAVIS, 2008, p. 202).

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65

Todos esses pontos históricos tocados até agora à respeito da

iluminação cênica no teatro, demonstram que houve um processo longo para

que pudéssemos entendê-la como um sistema determinante na construção da

semântica teatral. Durante o teatro moderno, período que corresponde até

meados do século XX, é que vamos ter um olhar ainda mais apurado para essa

questão, ou seja, a luz passa a ser um elemento utilizado intensamente para

ajudar a compor as noções de significação de um espetáculo, principalmente

as que estão ligadas às questões de tempo e espaço da encenação. Em se

tratando de Brasil, muitos artistas se profissionalizaram na condução criativa da

luz e passaram a se dedicar sobremaneira ao seu processo minucioso de ação

na cena. É no modernismo do teatro que a encenação vai iniciar uma

propulsão de novos iluminadores para suprir a demanda significativa da luz

para a construção de espetáculos, isso abriu espaços para se desenvolverem

pesquisas e pensamentos que objetivam construir uma epistemologia para se

compreender a luz enquanto linguagem.

A linguagem da luz [...] interrompe a ação, quebra a lógica linear, fragmenta a narrativa. Mais do que isso, na medida em que a luz rege o que é visível, e como é visível, ela pode iluminar várias ações ao mesmo tempo, porém de forma diferente, separando e multiplicando os planos de realidade. A luz coloca em cena vários tempos em um mesmo espaço, ou vários espaços visíveis ao mesmo tempo. Muitas vezes, em não-lugares ou não-tempos, outras vezes, aqui e agora, convidando a plateia a uma quebra da própria ideia de espaço e tempo. (FORJAZ, 2010. p. 154)

A iluminação no teatro contemporâneo além de dialogar diretamente

com a citação, adota com mais rigor, as questões criativas da luz desde o

primeiro momento da criação, exatamente quando o espetáculo ainda está nas

ideias. As criações da iluminação, e de todos os outros elementos cenográficos

que compõem a cena, são realizadas paulatinamente a cada novo ensaio,

como um ator que cria seu personagem. A cena é pensada em sua totalidade

onde todos os elementos cenográficos agem juntos construindo a cena. Mesmo

que não haja cadeira, mesa ou qualquer objeto que comporá o cenário há

sempre uma busca de tentar materializar nos ensaios, aquilo que será de fato a

cenografia do espetáculo. Do mesmo modo se dá com o processo da

iluminação. Podemos ensaiar com luz mesmo que os refletores não estejam

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66

presentes. É preciso compreender a iluminação cênica como um processo que

se desenvolve concomitante a criação das cenas. Na medida em que se

definem os aspectos cenográficos do “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7)

do espetáculo, se definem as atmosferas e as noções de tempo da

dramaturgia.

Nessa perspectiva podemos até pensar a iluminação cênica como um

elemento que está completamente imbricado à cena. É claro que essa

compreensão só pode ser articulada num processo criativo, se os artistas

compreenderem que toda e qualquer cena desenvolvida por um ator, já contém

presente uma luz possível, uma ambiência, uma atmosfera que sugere uma

ação da iluminação.

A sala de ensaio na criação teatral é o lugar onde as trocas de

experiências acontecem a partir do desenvolvimento do processo criativo. O

diálogo entre os artistas que nela se encontram, é enriquecedor nas suas

mínimas especificidades. Estamos falando de um espaço absolutamente

pedagógico e artístico, em que o conhecimento é construído em coletivo, a

partir de um objetivo que é o de compor a encenação. É na sala de ensaio que

se inicia a criação da cena e com isso de todos os elementos cenográficos que

constituem o espetáculo. O ator ao iniciar o seu trabalho na “construção da

personagem” (STANISLAVSKI, 2005, p. 28), estabelece princípios espaciais e

filosóficos que dão provimento para a criação dos demais elementos da cena.

Esse trabalho quando observado pelo iluminador, resulta na concepção de uma

possível iluminação para as cenas que emergem da atuação ativa e viva do

ator. A presença do iluminador na sala de ensaio pode estimular um interesse

no ator para entender a luz na cena em que atua, uma consciência que só é

possível, se ultrapassarmos o pensamento de que a iluminação só pode ser

compreendida se estiver materializada através da eletricidade e dos refletores.

Estamos propondo pensar uma luz que antes de sua tecnologia é sensação,

emoção, leitmotiv, atmosfera, a própria cena.

É na relação que se estabelece na sala de ensaio entre ator e

iluminador, cenógrafo e figurinista, maquiador e ator, e depois uma interação

geral entre todos, que se pode identificar um processo pedagógico que entende

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67

que o teatro é uma arte do encontro entre pessoas que têm experiências,

histórias de vida e que cada artista tem o seu espaço criativo dentro do

espetáculo, ou seja, uma função da qual a obra necessita para se fazer existir

no seu sentido pleno almejado.

Na sala de ensaio todos colocam suas questões, seus desejos e

inquietações para serem transformadas em teatro. Para que possamos

entender a sala de ensaio como um lugar em que se estabelece uma

pedagogia entre os participantes, é necessário que rompamos com os limites

que são, às vezes, impostos, por um pensamento que restringe o ato de

ensinar e aprender somente à sala de aula. Um processo criativo estabelece

uma união de conhecimentos que se articulam através de um diálogo intenso,

gerador de uma complementaridade entre todas as partes do espetáculo. Essa

interação potencializa as dimensões pedagógicas que existem dentro de uma

sala de ensaio. Os conhecimentos são as ferramentas para o trabalho e por

isso são colocados na prática, gerando um agenciamento de experiências que

se constitui como um arcabouço de ensinamentos e aprendizagens, que

possibilita a transculturalidade, que gera um espaço em que a

interdisciplinaridade é o elemento que põe em movimento a troca e o processo

criativo do espetáculo.

Esta rede de conhecimentos, relações, sentidos e significados, encontram na ideia de Encenação, enquanto espaço de representação e síntese do fenômeno teatral, o meio pelo qual o teatro se apresenta como forma estética, poética e semântica, cuja produção é capaz de mobilizar uma ação cultural educativa, articulando diferentes saberes, conhecimentos, técnicas, tecnologias, funções e razões. (ARAÚJO, 2005, p. 57)

Essa troca de experiências na sala de ensaio faz com que o processo

criativo alargue as noções de autoralidade e de aprendizado, possibilitando que

a interdisciplinaridade entre os conhecimentos, desperte interesses, entre os

artistas participes do processo, em experimentar o universo criativo de outros

elementos cenográficos. O que pode acontecer naturalmente é que algum

artista possa hibridizar a concepção de linguagens dentro de um mesmo

processo, ou seja, podem emergir “atores dramaturgos” como “encenador

cenógrafo” “maquiador figurinista” e assim sucessivamente, infinitas

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68

possibilidades para o artista se aventurar nos caminhos criativos na sala de

ensaio.

Essas hibridizações é que potencializam o sentido da formação de

artistas de teatro dentro da sala de ensaio. É no percurso da criação, às vezes

complexos, que as experiências de um iluminador, por exemplo, se tornam a

formação de um ator que não sabe dialogar com os princípios criativos da luz

ou vice-versa. O que não podemos deixar de reconhecer é essa natureza

absolutamente pedagógica e artística que existe na sala de ensaio e que

possibilita a construção e a formação de artistas.

Partiremos agora para um recorte que objetiva compreender como a

iluminação cênica é articulada dentro desse espaço, como os demais

profissionais se relacionam com o seu processo criativo e, sobretudo como a

sua linguagem contribui para o desenvolvimento da construção cênica dos

demais elementos do espetáculo.

Page 70: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

69

2.2 – Apropriações da iluminação cênica no processo

criativo.

Para (CAMARGO, 2006, p.10), em um espetáculo teatral “a luz cênica

deve ser entendida não como um elemento separado”, o seu processo criativo

desenvolve-se concomitante ao processo de criação, ou seja, “luz e cena

necessitam ser pensadas como um processo vivo e co-evolutivo”. Nessa

perspectiva compreendemos que a iluminação cênica não se articula em um

espetáculo teatral como uma linguagem à parte, mas sim, como algo que está

completamente imbricado e presente no momento em que a criação na sala de

ensaio, gera cenas e constitui paulatinamente o espetáculo.

Em muitos espetáculos de teatro são perceptíveis à ação da iluminação

cênica desconectada da cena, se desenrola por meio de uma narrativa que

acaba por constituir uma apresentação à parte. Esse problema é muitas vezes

decorrente de dois aspectos: da falta de uma compreensão dos artistas

envolvidos no processo criativo, da importância da iluminação cênica ser

articulada na sala de ensaio, desde o primeiro ensaio; ou quando existe um

iluminador que não entende que o seu trabalho é fazer significar junto com a

encenação o “um sentido global” (ROUBINE, 1998, p. 24). O pensamento de

Eduardo Tudella nos acrescenta outras questões que levam a iluminação

cênica para fora da sala de ensaio.

Ainda hoje se tem notícia de espetáculos contemporâneos que estreiam sem um único ensaio para a luz. Em parte, por pressões de natureza econômica que obrigam um diretor e sua equipe a levar à cena um espetáculo por amadurecer. Afinal, pode não ser suficiente ensaiar exaustivamente fora do teatro – ou local onde o evento vai ocorrer – chegando aí apenas num momento tão próximo da estreia que não permite qualquer amadurecimento da visualidade, o que inclui ensaios de luz. (2012, p. 20)

Existe um pensamento hermético que contribui para a ausência da

criação da iluminação cênica, desde o princípio do processo criativo. Trata-se

de um entendimento que não é na sala de ensaio, mas em outro lugar, que se

encontram os refletores e toda a estrutura elétrica para poder assim ter de fato

a luz. Esse pensamento, portanto, compreende que para se criar ou pensar

Page 71: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

70

uma iluminação cênica para um espetáculo, é de extrema importância que se

saiba de eletricidade. Sabemos que essa realidade está mudando. É muito fácil

de notar, basta olharmos as fichas técnicas de espetáculos durante um festival

de teatro e perceberemos que atores estão se propondo a exercer outros

processos criativos no espetáculo em que atuam, assim como cenógrafos que

concebem o figurino e etc., ou seja, os elementos cenográficos ganham espaço

no processo criativo na sala de ensaio.

Compreendemos que a ação da iluminação cênica no teatro se dá

principalmente, por meio dos signos estabelecidos na construção da cena.

Opõe-se ao caminho que compreende que só se pode pensar iluminação

através de sua técnica e passa a entendê-la pela sensorialidade, onde as

emoções despertadas no jogo da cena são as “imagens propulsoras”

(FERREIRA, 2009, p. 49) para a criação atmosférica da luz. Qualquer artista na

sala de ensaio que se permitir a entender sobre esse último aspecto, saberá

expressar suas impressões para o processo criativo da luz cênica e com isso

criar intersecções com o seu processo criativo.

Na sala de ensaio todos precisam mirar um mesmo foco. As ligações

que são estabelecidas entre o trabalho de um artista e de outro, são

absolutamente necessárias para a construção da encenação. Quanto mais o

iluminador entender dos processos criativos das personagens, da cenografia,

figurino, maquiagem e demais elementos cenográficos, mais ele estará

caminhando dentro de um percurso que evitará a criação de uma iluminação

que demonstre somente as qualidades tecnológicas dos refletores, ou que não

se apresente como um elemento que constrói a narrativa da cena. O que se

estabelece entre todos os envolvidos no processo criativo é um jogo que está

para ser jogado através da imaginação. Para que o elenco entenda as ideias

de um iluminador na sala de ensaio é necessário se deixar levar pelo fluxo das

imagens que as proposições do mesmo despertam. Evidentemente a luz não

será imaginada tal qual se passa na mente do iluminador, mas pelo menos

suas bases estéticas e sensoriais são minimamente transmitidas para

enriquecer os processos criativos dos demais elementos cenográficos do

espetáculo.

Page 72: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

71

Podemos pontuar duas estratégias que permeiam o processo criativo da

iluminação cênica na sala de ensaio, uma em que o iluminador aparece

somente nos momentos finais do processo de criação e a outra em que o

iluminador participa ativamente do processo, desde o primeiro dia de ensaio.

Nas duas metodologias o trabalho criativo da luz cênica deve se fazer presente

de maneira rigorosa, uma opção não é a mais correta do que a outra. Em

ambas as alternativas a iluminação é desenvolvida de acordo com os princípios

estéticos da encenação, dando provimento, principalmente, para a

compreensão da cena, fazendo parte inteiramente dos seus sentidos e

emoções, deve tornar-se uma luz que se integra ao ponto de se fazer

imperceptível. Tanto em um modelo como no outro, o iluminador na sala de

ensaio, precisará expor suas ideias de maneira concisa e principalmente se

deixar invadir com novas propostas que possam vir a ser discutidas numa roda

de conversa.

O elenco durante os ensaios, principalmente nos momentos finais do

processo criativo, tem sede de retornos, feedbacks, quanto mais pessoas

assistirem aos ensaios, mais a equipe tentará sugar desse espectador as suas

compreensões e impressões, portanto, o iluminador, que está presente na sala

de ensaio é sempre um espectador com uma fonte de novas reflexões sobre o

constructo cênico, ele necessita ao máximo possível estabelecer uma

pluralidade de possíveis leituras para assim desenvolver o seu desenho de luz.

O iluminador muitas vezes é tido pelo elenco como aquele sujeito que

vai apresentar um discurso sobre as atmosferas, as cores, a maneira como a

luz envolverá a cena e principalmente como ela passará a ser um elemento

completamente imbricado e ser o próprio espetáculo. Um discurso que não

deve ser distante e muito menos incompreensível pelos demais artistas, se um

encenador, por exemplo, não souber compreender imageticamente a

proposição de um iluminador, o jogo para a criação é de alguma forma

estagnado, ou seja, é necessário que todos tenham minimamente algumas

noções básicas de iluminação, tanto no sentido técnico, ou seja, compreender

o que é um foco ou um corredor de luz, como também no aspecto criativo nas

composições de atmosferas, penumbras, luzes frias ou quentes.

Page 73: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

72

A intenção da presente dissertação não é impor que os artistas da sala

de ensaio da criação teatral façam cursos técnicos ou busquem uma formação

na área da luz, se houver uma disponibilidade para entender o processo

criativo do iluminador, já será aí uma grande escola.

Quando o iluminador não está presente desde o início do processo na

sala de ensaio, suas estratégias se modificam, principalmente no que diz

respeito a um processo criativo mais objetivo, pois muitas vezes só lhe restam

algumas semanas para concluir um desenho de luz para o espetáculo. O

iluminador vai ao ensaio e assiste uma passada do trabalho na íntegra. Muitos

fazem anotações e já pensam as melhores estratégias de angulação dos

refletores para conseguir determinados desenhos; registram possíveis cenas

que devem ter uma pontuação de iluminação diferenciada; ficam atentos às

suas sensações e impressões advindas da sua reação em relação às cenas

assistidas para extrair as noções de emoções que podem se transformar em

possíveis atmosferas.

O processo de criação do iluminador após se debruçar e se permitir

fazer presente na sala de ensaio, e, principalmente, se compreender como

agente ativo da equipe, vai se tornar potente na sua vida, pois o processo vai

tomar os seus percursos e tudo o que estiver à sua volta poderá ser inspiração

para a construção da luz. Trata-se, portanto, de um processo que dialoga em

um mesmo tempo com as questões sensíveis da criação e a tecnologia dos

refletores, esses, serão os instrumentos que possibilitarão expressar os

anseios e inquietudes do iluminador. O seu trabalho vai do que é meramente

subjetivo ao que é físico e químico, o iluminador para expressar sua arte se

transforma num filtro que decanta a ideia para a materialidade da luz.

Esse processo em que um iluminador conversa com o elenco de atores

para expor suas questões, pode ser analisado pelo viés pedagógico como uma

sala de ensaio-aula, pois todos passam a apreender as funções da luz somente

a partir das ideias do iluminador. É importante frisar que toda a equipe de um

processo criativo está trabalhando em torno de uma encenação que tem seus

objetivos específicos e que devido a isso se constroem limites para a criação,

ou seja, existe uma consciência sobre por quais caminhos o processo criativo

deve caminhar, o que facilita o diálogo e a compreensão das proposições entre

Page 74: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

73

todos os participantes, que vão pensar a criação dos elementos em torno de

um mesmo foco. A troca de experiência é sempre um passar de memória,

portanto de sabedoria. Mesmo que não exista a presença de um iluminador

durante todo o processo criativo do espetáculo “o grupo pode encontrar ou

discutir soluções de iluminação para as cenas, tornando a luz mais próxima ao

contexto de criação do espetáculo” (COSTA, 2010, p. 47).

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74

Capítulo 3

A Iluminação cênica no trabalho do ator de teatro.

A cena é um espaço vazio, mais ou menos iluminado e de

dimensões arbitrárias. Uma das paredes que limitam esse espaço

é principalmente aberta sobre a sala destinada aos espectadores e

forma, assim, um quadro rígido, para além do qual a ordenação

dos lugares é rigidamente fixada. Se o espaço da cena espera

sempre uma nova ordenação e, por consequência, deve ser

apetrechado para mudanças contínuas. É mais ou menos

iluminado; os objetos que lá se colocam esperam uma luz que os

torne visíveis. Esse espaço não está, portanto, de qualquer

maneira, senão em potência (latente) tanto para o espaço como

para luz. - Eis dois elementos essenciais da nossa síntese, o

espaço e a luz, que a cena contém em potência e por definição.

(APPIA, s/d, p.32)

Page 76: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

75

3.1 – O trabalho do ator em consonância com os

elementos cenográficos.

A arte teatral se dá pela união de vários conhecimentos que

interdisciplinarmente constroem, por exemplo, uma encenação, cujo objetivo é

comunicar um sentido global gerado através de um discurso “polifônico”

(MALETTA, 2005, p. 50). O espetáculo que chega ao espectador se constitui e

instala os signos, a trama, as atmosferas, as emoções, a teatralidade. Para

Artaud (2006, p. 38), os elementos cenográficos são “linguagens ativas” que

possuem uma gramática própria e que cada um oferece um vasto campo para

a experimentação e para pesquisa acadêmica, quais sejam: a iluminação

cênica, o cenário, a maquiagem, o figurino, o som e o ator.

O teatro se constitui como uma arte que é resultante do diálogo entre

outras artes. No entanto, sabemos que essa interdisciplinaridade, na história do

teatro, dificilmente foi utilizada como pressuposto para o processo criativo na

sala de ensaio, quase sempre foi negada. No século XIX o teatro por muito

tempo esteve destinado somente às questões dramatúrgicas, os elementos

cenográficos, apenas contribuíam de maneira muito simplistas, ou seja, sem

uma concepção criativa determinante no conceito da representação. A partir da

encenação teatral, os elementos ganham espaço para se colocarem como

artes autônomas, e passam a possuir uma poética essencial para a criação.

Passamos de uma concepção do teatro herdada do século XIX, na qual o texto dramático estava no centro da representação, a uma prática na qual os diferentes sistemas de signos (entre os quais o espaço, a imagem, a iluminação, o ator em movimento, o som) passam a ter, cada um, maior peso no trabalho final

apresentado ao espectador. (RYNGAERT, 1998, p. 66).

Nessa perspectiva do autor, podemos afirmar que esses sistemas só

chegam ao espectador como elementos autônomos, se participarem

ativamente do processo criativo do espetáculo, na sala de ensaio. A partir do

momento que a iluminação cênica passa a ter um espaço diferenciado nas

criações de cenas, na construção de personagens, sua ação no espetáculo

teatral se apresentará de maneira mais contundente, pois haverá um diálogo

entre as partes na busca de uma construção única, de uma encenação

norteada pela orquestração dos elementos cenográficos.

Page 77: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

76

No teatro o ator por sua vez, é o responsável por conduzir a ação

cênica. Sua ação é a força viva, o ânima que faz com que tudo que esteja em

cena possa ter sentido. O ator no teatro dramático27 dedica-se a construir um

personagem que enfatiza as ações dos elementos cenográficos na cena. Há

uma relação aí que faz com que compreendamos que a criação de um cenário

ou de uma iluminação, por exemplo, parte da cena, mas antes de termos a

cena, temos um ser que vive e que instala com o seu viver o universo a sua

volta. Porém não podemos pensar que a personagem é um elemento fora da

encenação, deslocado. Quando criado, necessita da atuação dos elementos

cenográficos para construir o sentido de sua própria existência. É necessário

que ampliemos o conceito de personagem para algo que extrapola a simples

construção de “um, outro”, e vislumbrar a possibilidade de entendê-la para

além do corpo do ator, ou seja, os elementos cenográficos que estão em sua

volta instalando atmosferas, construindo “lugares teatrais” (MANTOVANNI,

1989, p. 7), contribuindo para as emoções, são como suas extensões que se

articulam para criar um todo com minuciosos detalhes, esse todo é o

espetáculo.

Para Stanislavski (2001), o trabalho do ator é regido por uma “dupla

função” (p. 67), que corresponde à ficção e a realidade ao mesmo tempo. Por

um lado ele defende com sua personagem a cena, seus paroxismos, cria

percursos elaborando uma dramaturgia que é recebida pelo espectador, e o

mesmo, tece o sentido do espetáculo. O ator age, portanto, dentro de um

universo ficcional que convida o espectador a concordar e a aceitar viver a

mesma situação. Por outro lado, o ator é um ser humano comum, está em cena

com uma máscara, sem a mesma, ele é alguém que observa o seu público,

sente as reações que vêm da plateia e com isso se vê, faz um pacto com os

seus espectadores para que juntos possam enveredar nas teias da

imaginação.

O ator é rachado em dois pedaços quando está atuando. [...] o ator vive, chora, ri, em cena, mas enquanto chora e ri ele observa suas próprias lágrimas e alegria. Essa dupla existência, esse equilíbrio entre vida e atuação, é que faz a

27

Diferenciamos teatro dramático do pós-dramático porque as relações conceituais sobre a personagem se

modificam de acordo com a concepção cênica.

Page 78: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

77

arte. [...] essa divisão não prejudica a inspiração. Pelo contrário, uma coisa estimula a outra. (STANISLAVSKI, 2005, p. 237)

O trabalho do ator há muito tempo deixou de ser apenas decorar um

texto, ir para uma sala de ensaio e aprender as marcações. Cada vez mais sua

arte se alarga como conhecimento. Durante o processo de criação de um

espetáculo, o ator que se preocupa em entender como se dão os outros

processos criativos, que se preocupa com a criação e dedicação dos demais

componentes da equipe, evidencia o seu caráter de observador e potencializa

o seu campo de atuação, na medida em que compreende os motivos pelos

quais os seus companheiros constroem uma cenografia especifica ou uma

iluminação. Com essa atitude o próprio ator entende o caminho que o

espetáculo percorre para atingir um todo. Identificamos em um ator que

trabalha dessa forma, uma ética para com os demais artistas envolvidos no

processo, mas também, uma relação mais ampliada com o seu fazer, com o

seu construir. Da mesma forma que um ator deve estar completamente

envolvido na construção de seu personagem, é importante que esteja também

ligado ao papel da iluminação cênica na cena em que atua.

Qualquer cena, por mais improvisada que seja, apresenta uma estrutura

de tempo, espaço, luz, cenário, figurino etc.. Esse grau de percepção amplia a

relação entre ator e criação, no sentido de que ele precisa ser o primeiro a

reconhecer, que em sua volta, na cena, os elementos cenográficos atuam na

construção da narrativa do espetáculo. Quando o ator preocupa-se em

entender para além do seu personagem, o como uma cena se articula, o seu

trabalho ganha amplitude. Um ator que se deixa imbuir pelo sentido global do

espetáculo, contribui ainda mais para a narrativa do seu personagem. Se o ator

compreende as atmosferas que a iluminação instala, por exemplo, a luz do

ambiente em que sua personagem está vivendo, ou seja, se ele supera o

entendimento de que a luz somente serve para iluminá-lo, sua atuação se

constituirá ainda mais potente para o espectador, pois estará assumindo com

sua personagem a ação, a emoção, o sentido e o significado da luz sobre ele.

O cenário, os adereços e todos os elementos externos da produção só têm valor na medida em que acentuam a expressividade da ação dramática, da atuação (...) a luz e o som (...) [Em cena], porém, só são eficazes quando estão

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78

impregnados de verdade artística, (...) O importante é que tanto o cenário quanto toda a produção de uma peça sejam convincentes (...) para o público e para os atores. (...) O ambiente exerce uma grande influência sobre os seus sentimentos. (...) Se for capaz de produzir o estado de espírito ideal, será mais fácil, para o ator, dar uma conformação aos aspectos interiores de seu papel, influenciando todo o seu estado psíquico e toda a sua capacidade de sentir. Em tais condições, o cenário é um poderoso estímulo às nossas emoções. (STANISLAVSKI, 2001, p. 43-44-45)

Esses elementos cenográficos precisam de ensaios para fazer sentido

na cena. Os ensaios criam para o espetáculo, momentos em que a iluminação

terá uma ação mais expressiva e desencadeará alguma outra ação, para isso é

necessário que o ator compreenda esse fato como se existisse outro ser vivo

do seu lado, que ele entenda que é necessário deixar a iluminação cênica agir,

não só porque ela foi ensaiada para executar tal ação em determinado

momento, mas compreender que essa ação é de extrema importância para a

construção da sua ação. Com essa reflexão o ator passa a deixar de pensar

que o teatro é somente a sua arte, o seu potencial criativo, ou somente sua boa

personagem, um espetáculo não se resume a isso, ele tem um todo que é feito

por muitas linguagens que se unem mutuamente para conseguir um trabalho

eficaz, completo.

O ator não precisa dominar tecnicamente a construção de cenografias e

nem entender a tecnologia dos refletores para compreender a atuação dos

elementos cenográficos na cena, basta que ele tente construir um ponto de

encontro entre o trabalho que faz com a personagem e esses elementos. Esse

ponto de encontro que se dá entre os elementos cenográficos e o trabalho do

ator, se estabelece também através de vias sensitivas, sensoriais, físicas,

emocionais e não somente técnicas.

Essa compreensão por parte do ator, em relação a uma noção maior dos

meios de criação de um espetáculo, é conquistada na medida em que sua

participação nos processos criativos dos elementos cenográficos seja ativa, ou

seja, que ele discuta os desenhos de cenografia, luz, figurino, maquiagem e

etc. para se utilizar das ideias, das projeções, como “imagens propulsoras”

(FERREIRA, 2009, p. 49) para uma construção da personagem mais profunda,

Page 80: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

79

e, que, objetiva, a conscientização no corpo de um espetáculo na sua

totalidade, nos seus meios de fazer realizar o imponderável.

Estamos a analisar essa relação entre ator e elementos cenográficos a

partir de uma encenação que apresente uma concepção de luz, de figurino, de

maquiagem, de cenografia e etc. É necessário evidenciar esse fato porque

temos linhas de pensamentos que se contrapõem ao espetáculo que apresente

uma ação dramática dos elementos supracitados, como é o caso das reflexões

de Jerzy Grotowski, quando se refere ao “teatro rico”. Para ele o ator e o

público são as chaves principais para que o teatro possa acontecer. Mas em

todos os seus trabalhos são perceptíveis à utilização de cenografia, como por

exemplo, a grande mesa para o espetáculo Fausto ou o tapume que ficava na

frente do espectador em O Príncipe Constante, e até mesmo os seus atores

estavam sempre vestidos, portanto, apresentavam um figurino. O que podemos

extrair de reflexão sobre os princípios que Grotowski trabalhava é de que esses

elementos cenográficos não podem suprimir o trabalho do ator, não devem

significar mais do que ele, mas sim, estabelecer diálogos. Façamos, porém

uma análise do seu pensamento em relação à iluminação cênica no “teatro

pobre”:

Abandonamos os efeitos de luz, o que revelou amplas possibilidades de uso pelo ator, de focos estacionários, mediante o emprego deliberado de contrastes entre sombras e luz forte. É particularmente significativo que, uma vez que o espectador esteja colocado numa zona iluminada, tornando-se assim visível, passe ele também a tomar parte na representação. Ficou também evidente que os atores, como as figuras das pinturas de El Greco, podem “iluminar” com sua técnica pessoal, transformando-se em fonte de “luz espiritual”. (GROTOWSKI, 1971, p. 6-7).

Em relação ao espetáculo, a partir da citação, podemos identificar que

não existe uma iluminação cênica com uma ação expressiva, o que fica

entendido é que o espaço cênico que envolve público e espetáculo é iluminado

de maneira que não há uma separação entre cena e público, o que nos faz

questionar: essa luz da forma como está citada, não se trata da luz concebida

para o espetáculo? Dizer que não existia iluminação nos espetáculos de

Grotowski é incorrer no mesmo erro de dizer que no teatro Greco também não

tinha luz. Não podemos esquecer que a iluminação cênica de um espetáculo,

Page 81: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

80

independentemente se ela foi concebida ou não, se ela é natural ou não, é a

luz do momento presente, que fará parte da cena no seu sentido, na sua

significação.

Grotowski com esse pensamento se opôs ao teatro moderno que utilizou

os mecanismos do cinema e da TV para a construção cênica, o que levava o

esquecimento do ator e do sentido da encenação, dando margem somente aos

efeitos da iluminação, que pareciam desconectados do trabalho, que se

colocavam em cena como um espetáculo à parte, não existia a menor ligação

entre todos os elementos cenográficos, o que constituía um teatro “sem

espinha dorsal ou integridade”. (GROTOWSKI, 1971, p. 5)

Concordamos que a integridade dos elementos cenográficos é algo que

deve ser elaborado com muito afinco. O teatro é uma arte do encontro entre

muitas linguagens para se constituir uma única. A sala de ensaio configura-se

no lugar onde essa “espinha dorsal” proposta por Grotowski é construída, é

nela, portanto, que as dúvidas devem ser sanadas, que o ator compreende a

ação de cada elemento presente na cena, por menor que seja ela, tudo tem um

sentido para que tudo possa acontecer.

Não existe um responsável para designar que o ator deva dialogar com

os processos criativos dos elementos cenográficos, essa ação tem que partir

dele. Sua investigação na criação de um personagem deve ser ampla, alargada

para além de uma movimentação, ou entonação vocal, e atingir todos os

elementos cenográficos, mesmo que tudo não passe de projeções articuladas

pela imaginação.

Tendo em vista o Teatro como uma Arte essencialmente polifônica, o ator, que é certamente uma das vozes da partitura cênica, deveria apropriar-se das diversas outras vozes responsáveis pelos vários discursos que acontecem simultaneamente no ato teatral: a voz do autor, do diretor, do diretor musical, do diretor corporal, do cenógrafo, do figurinista, do iluminador, etc. Assim, ao incorporar conscientemente, ao seu próprio discurso, vários outros discursos, apropriando-se deles, o ator se tornaria, portanto, um artista polifônico. Em síntese, por tudo que foi exposto, entende-se por ATOR POLIFÔNICO aquele que, tendo incorporado os conceitos fundamentais das diversas linguagens artísticas (literatura, música, artes corporais, artes plásticas, além das teorias e gramáticas da atuação), é capaz de, conscientemente, se apropriar deles, construindo um discurso polifônico através do contraponto entre os múltiplos discursos provenientes dessas

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linguagens; ou seja, pode atuar polifonicamente apropriando-se das várias vozes autoras desses discursos: os outros atores, o autor, os diversos diretores (cênico, musical, vocal, corporal), o cenógrafo, o figurinista, o iluminador e os demais criadores do espetáculo. (MALETTA, 2005. p. 53)

Esse pensamento muito corrobora para o objetivo central dessa

dissertação, exatamente o que compreende que essa relação no qual o ator

estabelece dentro da sala de ensaio com os demais processos criativos dos

elementos cenográficos, é que desenha uma formação diferenciada para ele

próprio. O ator deve entender sua arte como um desafio da observação, deve

assimilar o seu trabalho através de uma criteriosa análise que o leve a

perceber até onde vai sua vida e a personagem que constrói, ou seja, sua

capacidade de interpretação é vivida de maneira distanciada, sem que haja

uma mistura entre ele e sua personagem ao ponto de embaralharem-se as

questões sensíveis e emocionais como já nos propunha Diderot:

É a extrema sensibilidade que faz os atores medíocres; é a sensibilidade medíocre que faz a multidão dos maus atores; é a falta absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes. (1973, p. 462).

O oficio do ator é de investigar inumeráveis possibilidades de construir a

fantasia, o ilusionismo da arte teatral, portanto, se há essa compreensão na

interface entre ator e personagem, por que não haver a mesma na relação com

a iluminação cênica e os demais elementos cenográficos? Por que o ator não

observa a criação da iluminação cênica no espetáculo que atua? Por que o ator

não se coloca como agente ativo de proposições para a criação dos demais

elementos cenográficos? Essas indagações já podem ser compreendidas como

respostas se retirarmos o sinal de interrogação, para termos exclamações

diretas que dialogam precisamente com o objetivo da presente dissertação.

Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, tratando do trabalho do ator nos

processos colaborativos, de imediato, podemos destacar, a ausência de

personagem, o que leva a uma compreensão pós-dramática. É no contato com

a “imagem propulsora” na sala de ensaio, que o ator passa a construí-la, dando

nome, texto, peso, tamanho, idade, comportamentos psicológicos, cria suas

relações, descobre percursos variados, se envolve num emaranhado de

dúvidas, até que ele possa chegar a uma estrutura de personagem, que por

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82

mais construído, sempre estará em processo. O ator cria uma relação forte

com essa personagem porque o mesmo foi extraído do seu corpo, de suas

memórias e experiências, o ator tem total domínio dessa personagem,

conhece-a em todos os seus aspectos de maneira que pode rememorá-la para

além do texto e da marca. As emoções dos personagens são vividas e geradas

na improvisação, tem a força de algo que não foi editado e estimulado porque

no primeiro momento é real, é a própria vida que depois virará cena construída.

O impacto dessa emoção fica latente no corpo do ator e sempre terá uma ação

expressiva quando levada ao público com o seu trabalho.

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83

3.2 - O Ator-Iluminador.

A presente pesquisa já apontou caminhos que sedimenta uma reflexão a

respeito do trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos,

mas como se estabelece especificamente a relação entre ator e iluminação

cênica? E o que é esse ator-iluminador?

O ator quando em cena instala uma integração entre todos os elementos

que compõem um espetáculo teatral “é, por excelência, um dos elementos

dêiticos do espetáculo. Todo espaço e tempo se organizam a partir dele, como

uma espécie de auréola que não o abandona jamais” (PAVIS, 2008, p. 88). Sua

movimentação cênica faz com que o tempo e o espaço se tornem dramático,

gerando uma rede de significações a ser observada, sentida e experimentada

pelo espectador. Nessa perspectiva concordamos com Adolphe Appia que nos

propõe entendermos o teatro como uma arte que “dirige-se [...] aos nossos

olhos, aos nossos ouvidos, ao nosso entendimento - em suma, à nossa

presença integral. (s/d, p. 29).

Essa presença do ator em cena é possível graças ao processo criativo

do espetáculo, que faz com que ele saiba exatamente os seus percursos

durante toda a encenação, ou seja, o ator já domina e tem consciência do

começo do meio e do fim, assim, o espectador é guiado por ele nas tramas da

imaginação. Podemos então afirmar que o domínio que o ator tem sobre o

espetáculo é fundamental para a construção de uma encenação contundente,

firme, sem insegurança, fatores que contribuem para um adentrar do

espectador na obra.

Analisamos a questão do domínio na relação ator e encenação, ou seja,

com o todo, porém é importante ressaltar que a mesma pode ser analisada

especificamente se nos propusermos a entender, por exemplo, quais são os

aspectos entre o ator e o cenário ou com a sonoplastia, a indumentária e etc..

Essa proposição alarga as potencialidades da presente pesquisa, no entanto

nos deteremos a entender esse domínio na relação ator e iluminação cênica,

não só porque este é o objetivo central da dissertação, mas também porque

compreendemos que estabelecer um pensamento global sobre esses pontos é

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84

tarefa complexa para apenas uma dissertação, digamos que quase impossível,

pois acreditamos que a experiência do artista-pesquisador é de extrema

importância para a consolidação de uma reflexão potente, e sabemos que a

existência desse artista que faz tudo na criação de um espetáculo é duvidosa.

Quando nos referimos a esse ator-iluminador, nos propomos a pensar

essa relação sob dois aspectos. Primeiro, estamos sugerindo um ator que

também concebe a iluminação cênica, que participa ativamente do processo

criativo da mesma, sugerindo, interferindo, experimentando, imaginando, ou

seja, um ator que é responsável pela criação total da iluminação do espetáculo

que atua. Nesse caso um ator que além de dominar os seus princípios criativos

de interpretação, conhece e desenvolve pesquisas práticas e conceituais sobre

a iluminação cênica. Esse ator domina a técnica dos instrumentos utilizados

para a construção de uma luz cênica, conhece os refletores e suas finalidades,

bem como filtros de cor e acessórios que o ajudam na decisão final da

concepção da iluminação. É importante ressaltar que o conhecimento da

iluminação cênica não se trata apenas de seus equipamentos, é necessária a

capacidade artística de conjugar esses instrumentos com a cena, de maneira a

enfatizar as narrativas dramatúrgicas propostas pelo espetáculo.

No segundo aspecto propomos aquele ator que não tem o conhecimento

técnico da iluminação cênica, ou seja, que não domina a tecnologia dos

refletores e demais instrumentos e que devido a isso torna mais complexa a

possibilidade desse ator de se responsabilizar pela concepção final da luz

cênica. Porém nada disso inviabiliza dele ser na sala de ensaio alguém que

procura entender o processo criativo da iluminação e mais que isso, colabora

ativamente com proposições, compreendendo dessa forma toda a dramaturgia

da iluminação durante todo o espetáculo.

Há algo ainda mais interessante em ambos os aspectos. Se esse ator

se interessa pelo papel da iluminação no espetáculo em que atua, em termos

de interpretação, teremos uma ligação entre ator e luz cênica, um diálogo que

fortalece o sentido da encenação fazendo com que o contato com o público

seja ainda mais pulsante. Trata-se, portanto, de um diálogo intenso entre ator,

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85

iluminação e público, um ir e vir de informações e significações, tal como a

essência da xilogravura Laço de Moebius I, proposto por M. C. Escher:

Uma fita sem pontas está cortada longitudinalmente. Ambas as partes estão um pouco separadas, de maneira que, em toda a extensão, há entre elas um espaço intermédio. Na verdade, a fita teria de desfazer-se em dois círculos isolados, mas consiste, no entanto, numa só tira. É formada por três peixes, abocanhando-se cada um deles na barbatana caudal do seguinte. Eles percorrem duas vezes a roda, antes de novamente alcançarem o seu ponto de partida. (1994, p.12)

Figura 17 – Laço de Moebius I, xilogravura (1961) de M. C. Escher.

Para que o ator-iluminador possa fazer sentido dentro de um processo

criativo, é de extrema importância um processo formativo que possibilite a esse

ator, uma aproximação com as questões específicas da iluminação cênica.

Essa formação pode ser adquirida em diversos lugares, inclusive dentro da

sala de ensaio no contato com iluminadores. Em relação ao primeiro aspecto,

quando o ator também concebe a iluminação, é evidente que sem uma práxis

criativa com a iluminação cênica, ou seja, sem um conhecimento técnico dos

instrumentos que a mesma dispõe, fica complicado materializar as suas

proposições na cena.

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86

Na tese do professor Ernani de Castro Maletta, intitulada “A Formação

do ator para uma formação polifônica: princípios e práticas.”, o autor afirma

que:

Uma importante diferença deve ser evidenciada: o Teatro é, por essência, uma arte polifônica. O ator não. Principalmente porque já está descartada, desde o início do presente estudo, a ideia do dom, do talento como uma estrutura inata, fruto exclusivo da genética. Portanto, o ator precisa aprender a se apropriar de diversos discursos para a elaboração de um discurso polifônico; e isso não depende apenas da sua vontade, mas de uma preparação múltipla, que o habilite a reconhecer, incorporar e a tomar para si os diversos elementos e conceitos das várias linguagens artísticas presentes no fenômeno teatral. (2005, p. 54).

Na continuação de sua pesquisa o autor propõe uma análise a respeito

do ensino superior no teatro, na tentativa de identificar como as diversas

modalidades da arte teatral são aplicadas como disciplinas, fato que contribui

para uma formação polifônica do ator. Embora sua análise esteja voltada para

as universidades, concordamos que independente disso, depende do ator o

desejo para a investigação dos diversos discursos do espetáculo teatral, mas é

evidente que se a universidade oferece essas possibilidades, fica mais fácil a

presença de atores que não se preocupem somente com o seu desempenho

rumo à virtuose, e sim, atores polifônicos, capazes de compreender que seu

trabalho em cena coletiviza todos os elementos cenográficos para unificá-los

na construção de uma encenação.

O trabalho do ator além de treinar o seu corpo ou construir bons

personagens, ele precisa ser um agente pensante, ativo na criação total da

encenação, ou seja, é de extrema importância que ele estabeleça diálogos com

todos os demais processos, sobretudo com os elementos cenográficos, pois

são esses que estarão em cena, no contato com o público, construindo e

defendendo o discurso central da encenação. Esse ator que propomos,

“polifônico”, como nos sugere Maletta, considera o outro ator na contracena,

mas também a ação da cenografia, da iluminação cênica, do figurino e da

maquiagem que o veste, bem como a sonoplastia que o envolve. É nessa

perspectiva que compreendemos a especificidade do ator-iluminador.

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87

3.3 - A Criação da Iluminação Cênica nos Processos

Colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.

A criação da iluminação cênica nos espetáculos “Irremediável”,

“Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, dialogou diretamente com o

trabalho do ator. A Cia. de Teatro Engenharia Cênica acredita que a construção

da iluminação se dá em consonância com a criação de todos os outros

elementos cenográficos, podemos dizer que o tempo inteiro a luz é pensada,

inclusive como ponto de partida para criação de cenas. A imagem propulsora

também foi o norte para a criação da dramaturgia da iluminação nos três

espetáculos, sobretudo na orientação dos percursos para a construção de

atmosferas, lugares teatrais.

O trabalho do ator na Cia. de Teatro Engenharia Cênica não se limita em

apenas construir uma personagem (na contemporaneidade existem reflexões

que já discutem essa questão) e executar as marcas, ou simplesmente decorar

um texto, sua atuação é ativa na criação de todos os elementos cenográficos,

sua relação com a iluminação é dinâmica, tenta compreendê-la através da

imaginação, potencializa o seu sentido, enfatiza através do diálogo, a cena,

assumindo a luz que o aglutina, e não somente entendendo-a como um

elemento que torna o espetáculo visível, mas sim, como uma linguagem que

articula os significados e constrói o sentido do espetáculo.

Os processos criativos das iluminações cênicas nas encenações

“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, partiram também

da “imagem propulsora” (FERREIRA, 2009, p. 49), pois nas mesmas

encontramos as primeiras pinceladas de uma dramaturgia da luz. Na medida

em que as improvisações aconteciam, e logo após eram registradas, fixadas e

repetidas para se tornarem marcas, a iluminação era discutida por todos os

artistas envolvidos no processo, uma luz com total ação expressiva na

condução do trabalho do ator e na narrativa do espetáculo. Nessa perspectiva,

todos os que estavam envolvidos na sala de ensaio pelo processo criativo,

acabavam por dialogar e a colaborar para a concepção da iluminação cênica.

Mesmo que um ator não soubesse tecnicamente lidar com os refletores, a partir

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88

da improvisação e da percepção da cena elaborada, podia propor através das

suas sensações e impressões, possíveis ideias de atmosferas, que contribuía

para o processo criativo da luz no espetáculo. Na Cia. de Teatro Engenharia

Cênica a interdisciplinaridade entre saberes é a base para a criação.

A interdisciplinaridade, do ponto de vista da laboração sobre o conhecimento e elaboração do mesmo, corresponde a uma nova consciência da realidade, a um novo modo de pensar, que resulta num ato de troca, de reciprocidade e integração entre áreas diferentes de conhecimento, visando tanto a produção de novos conhecimentos, como a resolução de problemas, de modo global e abrangente. A partir deles, e com o sentido de alargá-los, como uma práxis, isto é, um processo de reflexão-ação, a interdisciplinaridade ganha foro de vivência (escapando à disciplinaridade) e estabelece a hominização em seu processo. O pensar e o agir interdisciplinar se apoiam no princípio de que nenhuma fonte de conhecimento é, em si mesma, completa e de que, pelo diálogo com outras formas de conhecimento, de maneira a se interpenetrarem, surgem novos desdobramentos na compreensão da realidade e sua representação. A interdisciplinaridade também se estabelece a partir da importância e necessidade de uma contínua interinfluência de teoria e prática, de modo que se enriqueçam reciprocamente. (LÜCK, 1994, p. 63)

Essa relação interdisciplinar nos processos colaborativos da Cia., resulta

em diversos desdobramentos nas funções dos partícipes na sala de ensaio,

pois, devido ao espaço colaborativo, surgem artistas híbridos, ou seja, que

através do diálogo com os companheiros de criação, experimentam várias

linguagens que compõem o espetáculo, dessa forma, o sujeito pode vir a ser

um encenador-dramaturgo, ator-figurinista, ator-iluminador e tantas outras

possíveis de serem combinadas, criando diferentes poéticas.

Essa liberdade para a troca na sala de ensaio nos remete a outro ponto

simbólico dos processos criativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, que é

o do aproveitamento das competências que cada artista envolvido no processo

possui. Se um ator tiver experiência na área da dramaturgia, pode vir a se

tornar um dos responsáveis pela construção do texto, tornando-se um “ator-

dramaturgo”.

No teatro colaborativo esses agenciamentos só se tornam possíveis,

porque essa linha de criação permite exatamente a quebra das hierarquias na

sala de ensaio. Os profissionais (ator, encenador, cenógrafo e etc.), quando

Page 90: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

89

juntos na sala de ensaio, participam da construção do espetáculo por completo,

todos contribuem com ideias para o figurino, cenário, luz, ou seja, para a

encenação como um todo, podendo até, um ator, propor a dramaturgia de toda

uma cena, como marcações, cenários, figurinos, proposições que sempre

serão discutidas e analisadas por todos, gerando um diálogo interdisciplinar,

que se transforma, pois através das colaborações, são acrescentados mais

elementos advindos dos outros artistas.

Os processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica são

permeados pela formação dos seus componentes. A cada novo trabalho se

torna mais claro os caminhos a serem trilhados. Processos que tem a pesquisa

como matéria pulsante, advinda da necessidade de investigar o mundo e as

coisas através da criação cênica, construindo um lugar de agenciamentos de

experiências e da experimentação de artistas híbridos, um campo de atuação

para um ator-iluminador, um ator-encenador, um ator-sonoplasta, etc.

Partiremos agora para uma análise de como se deu a relação entre o

processo criativo da iluminação cênica e o trabalho do ator. A análise

apresentará em alguns momentos reflexões em primeira pessoa do singular,

exatamente porque atuei nos três espetáculos e concebi a iluminação cênica,

portanto, minhas memórias passam a ser o ponto de partida para a

investigação da formação da dupla função ator/iluminador. O objetivo é

conseguir através de minhas experiências, enfatizar a reflexão sobre a

importância do ator no seu trabalho, assimilar e compreender os processos

criativos dos elementos cenográficos, especificamente da iluminação cênica.

Page 91: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

90

3.3.1 – “Irremediável” – o encorajamento.

No processo criativo do espetáculo “Irremediável” (2007) nos deparamos

com inúmeras questões, as mais complexas eram exatamente aquelas que

correspondiam à criação dos demais elementos da cena, tínhamos na sala de

ensaio apenas dois atores (Jander Alcântara e eu) e uma diretora (Cecília

Raiffer). As dúvidas mais frequentes eram de como iríamos resolver a

iluminação, a cenografia, a dramaturgia, o figurino e a maquiagem do

espetáculo. É preciso reconhecer que na cidade de Sobral, no interior do

estado do Ceará, onde esse espetáculo foi realizado, no ano de 2006, ainda

não tinha uma prática teatral que possibilitasse encontrar artistas com

experiências nas respectivas áreas. O processo precisava iniciar e esses

problemas estavam causando uma barreira que estagnava a laboração dentro

da sala de ensaio, foi então que começamos a reconhecer que a imagem

propulsora e, principalmente, as improvisações, apresentavam leituras que

correspondiam a proposições para a concepção da cenografia, maquiagem,

figurino e iluminação.

A diretora Cecília Raiffer começou então a se dedicar intensamente ao

processo criativo da dramaturgia e percebeu que o seu trabalho como diretora,

no ato de conduzir as improvisações, já desenvolvia situações dramatúrgicas,

portanto a construção do texto. Todas as novas possibilidades de texto eram

anotadas e desenvolvidas, uma dramaturgia fragmentada, em processo, que se

modificou ao ponto de chegar a um número de sete versões. O ator Jander

Alcântara também propôs para a criação da dramaturgia, no que resultou uma

cena do espetáculo. Temos aí nessas exemplificações uma prática

interdisciplinar que resulta num processo formativo dentro da sala de ensaio

para os artistas envolvidos no processo colaborativo, ou seja, o ator que antes

nunca tinha escrito dramaturgia, passou a entender os percursos para a

criação de um texto, trata-se, portanto, de uma nova experiência na vida desse

artista, que alarga sua relação de entendimento com o processo criativo em

teatro.

No processo criativo do espetáculo “Irremediável” foi onde iniciei a minha

atuação como ator-iluminador. Tive a oportunidade de trabalhar no Theatro São

Page 92: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

91

João28, durante dois anos, através desse emprego, desenvolvi uma experiência

técnica no manuseio de refletores, compreendendo-os tecnicamente. No

processo colaborativo do espetáculo, do qual havia sido convidado para

trabalhar como ator, fui aos poucos propondo ideias para a iluminação de

cenas, foi quando percebi que conhecer os instrumentos tecnicamente é uma

coisa, e que aplicar esse conhecimento artisticamente acontece de outra forma.

A iluminação cênica do espetáculo “Irremediável” não foi assinada em

sua totalidade por mim, isso porque estamos falando do primeiro processo de

criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, ou seja, era a primeira vez que

as competências estavam sendo conhecidas. Como já mencionado nessa

dissertação, nesse processo não sabíamos de nada, nem mesmo onde iríamos

chegar com o espetáculo. O processo foi ganhando corpo e ao longo do tempo

fui propondo cada vez mais pensar a iluminação cênica em concomitância com

o meu trabalho como ator, no fim, o desenho da iluminação, no que se diz

respeito à definição dos instrumentos técnicos, dependeu exclusivamente da

experiência que eu possuía.

A iluminação cênica do espetáculo “Irremediável” tinha como principal

objetivo aprisionar os personagens dentro de um losango que não apresentava

uma ideia clara de “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7) e nem uma leitura

fechada de onde a trama acontecia... Poderia ser qualquer espaço. A

iluminação era absolutamente feita em quase sua totalidade de recortes em

formatos geométricos, feito com refletores elipsoidais, exatamente o tipo mais

utilizado para construir formas na luz. Essa preponderância de desenhos foi

criada para ressaltar ainda mais a noção de aprisionamento e também para

editar o olhar do espectador. Em se tratando das vanguardas artísticas,

podemos associar a dramaturgia da iluminação com os conceitos abordados n

expressionismo.

28

Teatro municipal da cidade de Sobral –CE. É o segundo mais antigo do estado, sua construção se deu a

partir dos meados do século XIX ficando pronto no ano de 1880. É um teatro inspirado no Santa Isabel da

cidade do Recife –PE. O Theatro São João foi construído através da União Sobralense que era um grupo

dos principais homens de influência na cidade, dentre eles o escritor Domingos Olímpio e o filósofo

Farias Brito. Esse grupo visava o crescimento cultural e intelectual de Sobral e como na época uma

cidade era considerada de alto-nível se possuísse algumas qualidades, dentre elas um teatro para sediar

espetáculos e para servir de ponto de encontro para a elite e pessoas cultas.

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92

O estilo deixado como herança pelo Expressionismo, trouxe-nos a cultura do foco fechado, de chamar a atenção para a expressão da face ou qualquer outra parte do corpo, como um zoom cinematográfico, procuram-se novos ângulos para os feixes de luz envolver o ator com 'deformações' propositais da face, bem como a luz se empenha em explorar as zonas de sombras no espaço e no corpo do ator, além de utilizar fortes contrastes na intensidade e no "brilho" de cada cena, buscando causar 'impressões' na retina dos espectadores, ressaltando as tensões dramáticas. Todos esses recursos de afinação de luz procuram criar na cena imagens que evoquem a subjetividade das personagens no contexto em que desenrolam suas ações. Essas imagens geradas no palco procurarão, às vezes, despertar respostas emocionais na plateia. [...] essa iluminação busca mais do que meras imagens plásticas requintadas de exploração do binômio luz-sombra, mas principalmente atua no decorrer da apresentação criando rupturas de tempo e de espaço, aproximando ou distanciando as ações entre as personagens [...] (FIGUEIREDO, 2007, p. 44-45)

As fotografias a seguir são bons exemplos que evidenciam a utilização

de recortes na iluminação que construíam luminosidades e sombras. A

dramaturgia da iluminação nesse espetáculo, para mim, no meu trabalho como

ator, foi determinante para que eu construísse uma segurança capaz de me

encorajar na minha criação como ator, do meu personagem, pois dizia textos

que referiam diretamente a uma prisão e perceber que a iluminação

materializava essa ideia que eu construía com meu corpo, era extremamente

interessante.

Figura 18 - Foto de Husdon Costa: A iluminação delimitando e aprisionando os dois personagens.

O Cego em pé e o Aleijado que nessa cena faz incessantes cambalhotas em volta do losango, que

tem como imagem o ciclo mítico de Sisifo de subir com uma pedra até o cimo de uma montanha e

de lá a pedra rolaria para baixo e assim irremediavelmente essa ação se repetiria.

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93

Figura 19 - Foto de Hudson Costa: Momento inicial do espetáculo quando o público entrava já se

deparava com os dois atores, Jander Alcântara (em primeiro plano) e Luiz Renato (ao fundo)

posicionados e já recortados por dois focos de luz em formato de losango.

Figura 20 - Foto Husdon Costa: cena em que o público é envolvido na prisão dos dois personagens

através de uma luz com intensa saturação de laranja.

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94

Figura 21 – Foto Hudson Costa: cena épica em que público e personagens interagem questionando

a condição de aprisionamento do homem contemporâneo. Luz aberta.

Os focos foram mantidos em formato de losango exatamente para criar

uma leitura de que o espaço maior diminuía, aprisionando cada vez mais as

personagens. Com essas mudanças repentinas de uma iluminação que

abrangia uma área maior para depois ir para uma menor, causava no público

uma sensação de que todos ali estavam perdidos na noção espacial. A

cenografia por sua vez ajudava nessa questão por ser na sua totalidade de cor

preta, na medida em que aconteciam os movimentos de luz, todo o espaço em

volta dos focos ficava na escuridão total, a intenção era de frisar que todos ali

estavam presos no mundo artificial do espetáculo, por mais que se

escondessem, por mais que corressem, a circunstância geográfica da cena

jamais mudaria.

A iluminação cênica no espetáculo “Irremediável” dialogava

intensamente com o sentido da encenação, e teve como inspiração a imagem

propulsora, que por vezes era filosófica, pois questionava a condição de

existência do ser humano na contemporaneidade, apontava para reflexões que

indagavam os motivos que nos fazem existir e principalmente para onde

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95

iremos. O espetáculo apresentava uma estética expressionista na sua

totalidade, o próprio texto, absolutamente fragmentado, discutia questões

simples, que quando colocadas em reflexão, transcendiam a simplicidade e

tornavam-se problemas sem solução. Vejamos a seguir uma cena que elucida

essa noção na dramaturgia do “Irremediável”:

Cena 1: PORTAS E JANELAS, TEMPO, RELÓGIOS E HORAS O CEGO – E as janelas? O ALEIJADO – Eu já disse que as janelas são como as portas. O CEGO – Mas há uma diferença, não há? Se não houvesse diferença portas seriam janelas, só que porta é porta, e janela é diferente de porta. Janelas são janelas, não é possível que tudo seja igual ... tem de haver uma diferença. O ALEIJADO – Quando eu digo que você é uma janela fechada, você não consegue compreender? O CEGO – Quer dizer que as janelas são ... O ALEIJADO - ... piores que as portas. As portas possibilitam o fluxo, através delas pode-se sair e entrar, ocupar outros espaços. Já a janela é uma ligação de mundo, apenas visual. Elas existem para mostrar que há um mundo interno e outro externo. Apenas isso. As pessoas ficam nas janelas, apenas vislumbrando o passar das horas, jamais sairão pelas janelas, elas tem grades. O CEGO - Sou uma janela fechada. Você diz coisas que eu não compreendo... queria poder... O ALEIJADO – Esquece. O CEGO – Como você sabe todas essas coisas se sempre estivemos aqui?! O ALEIJADO – Você sabe que não. Não me faça perguntas. Já

falei mais do que devia... (FERREIRA, 2009, p. 61)

É nessa profusão de questionamentos que se estruturou a dramaturgia

desse espetáculo. Essa característica fragmentada inspirou completamente a

criação da luz. Uma luz que definia para onde o olhar do público devia ser

direcionado, editava o espaço físico das personagens, por ora os mesmos

necessitavam ir em direção à luz para sair da escuridão, mas quando

chegavam ao foco, esse por sua vez, novamente escapava. Uma luz

claustrofóbica que gerava uma atmosfera por vezes insuportável. Mesmo que

a iluminação tivesse um papel determinante nesse trabalho, não fugia de um

objetivo sempre potencializado na sala de ensaio, exatamente o sentido do

espetáculo, a mensagem, a imagem propulsora, o motivo pelo qual os artistas

se dedicaram intensamente para adentrar na imanência da criação. A ação da

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iluminação foi construída para estar completamente contundente aos outros

elementos da cena sem que se destacasse como um espetáculo a parte.

Sem dúvida o processo criativo do espetáculo “Irremediável” foi o

impulso inicial das investigações cênicas da Cia. de Teatro Engenharia Cênica

e foi revelador para mim no que diz respeito a entender que é possível para o

Figura 22 – Projeto de iluminação do espetáculo

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ator, ter a iluminação cênica como uma linguagem que pode contribuir

intensamente para o seu trabalho de criação.

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98

3.1.2 – “Doralinas e Marias” – o desafio.

Depois dessa primeira experiência com o espetáculo “Irremediável”, a

Cia. de Teatro Engenharia Cênica passou a reconhecer uma poética de

criação. Embora nesse processo tenha sido absolutamente confuso,

possibilitou que em “Doralinas e Marias”, fosse mais claro, mais consciente,

sobretudo nas dúvidas e nas conduções norteadoras das criações dos

elementos cenográficos.

No caso de “Doralinas e Marias”, a iluminação foi assinada na sua

totalidade por mim, além de ter trabalhado também no espetáculo como ator.

Esse agenciamento de experiências se consolidou justamente porque houve no

“Irremediável”, um processo de encontro com uma competência que gerou uma

formação, justamente a do ator-iluminador. Para “Doralinas e Marias”, a

diretora Cecília Raiffer continuou a desenvolver a dramaturgia do espetáculo, e

os demais atores, devido ao fato de serem convidados e por estarem pela

primeira vez se deparando com um processo criativo na Cia., tiveram muitas

dúvidas e questionamentos, sobretudo pela ideia de que algumas funções

seriam exercidas por um mesmo artista.

A participação das atrizes na criação de todos os elementos foi sendo

conquistada a partir da vivência e da percepção de como se articulava a

construção da engenharia da cena na sala de ensaio da Cia. Aos poucos foram

se sentindo encorajadas para proporem ideias para os elementos cenográficos

e com isso alargavam a construção de suas personagens, pois

compreendendo as noções espaciais e atmosféricas do espetáculo, elucidavam

ainda mais as emoções que cada um apresentava. Nesse processo tivemos

que chamar um cenógrafo para criar a cenografia, bem como um sonoplasta

para conceber a trilha sonora e não foi diferente para o figurino e maquiagem,

isso porque não tínhamos na sala de ensaio artistas que pudessem assumir a

concepção dessas linguagens.

A luz nesse espetáculo dialogava com o simbolismo, no que diz respeito,

a um grande uso de cores para a instalação de atmosferas e a sua dramaturgia

na cena era um jogo de recortes e de movimentos que editava a narrativa do

espetáculo, conduzindo sempre o olhar do público para a cena. Sobre a

iluminação simbolista Laura Maria Figueiredo acrescenta:

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99

No âmbito do desenho de luz teatral, podemos ver que desse estilo teatral em luz ficou-nos também a técnica de pensar os espaços cênicos como atmosferas especialmente preparadas para sensibilizar os sentidos do espectador, onde as cores utilizadas podem estabelecer camadas de percepção e significância simbólicas. Em iluminação a questão da construção simbólica se apoia enfaticamente num imaginário que possa ser compartilhado entre o espectador e a cena, e construído, literalmente, com imagens e 'sensações' a serem despertadas utilizando toda a capacidade que esse encontro vivo entre palco-platéia tem para ser, potencialmente, emocionante e impactante num nível de comunicação que vai além da palavra e do enredo; e onde essas instâncias da encenação (opsis), podem adquirir maiores poderes de expressão por meio da liberdade de criar 'maneiras de olhar' o espetáculo, nos mais diversos contextos técnicos. (2007, p. 39)

A iluminação em “Doralinas e Marias” tinha uma ação dramática muito

precisa. A condução da narrativa dependia exclusivamente da luz. Nesse

espetáculo existiam três tempos, três ambientes que dialogavam

simultaneamente, para cada um desses espaços (jardim, janela e varanda) foi

pensada uma atmosfera que correspondesse principalmente às emoções das

personagens que nele habitavam.

O espetáculo se constituía de cores, iluminação e atmosferas. Outro

fator determinante para a construção simbólica foi a trilha sonora original do

sonoplasta Luciano Salvador Bahia, que optou pelo piano como instrumento

para dialogar com as emoções vividas pelas personagens. A cenografia de

Zuarte Júnior era feita de fios de perolas brancas, que desenhavam no espaço,

uma grande árvore do jardim de Doralina. A delicadeza foi investigada no

processo criativo, principalmente na ação das personagens em consonância

com o universo simbólico instaurado pelo espetáculo. O simbolismo se encaixa

na análise de Doralinas e Marias por todos esses elementos, porém o que

demarcou definitivamente essa característica foi a dramaturgia elaborada de

diálogos metafóricos e poéticos que se articulavam na relação familiar entre

essas mulheres.

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100

Figura 23 – foto de Zélia Uchôa: nessa imagem temos em perspectiva dois dos três planos de

atuação. No primeiro, temos a varanda da casa, lugar onde ficava a personagem Alice, interpretada

por Daniele França e temos também a presença do personagem Manoel, interpretado por Luiz

Renato. Em segundo plano, temos as personagens Sofia, interpretada pela atriz Adriana Amorim

que está sentada, e de pé, a Atriz Meran Vargens, com sua personagem Doralina, esse lugar se

tratava do jardim, sempre ensolarado, enquanto que a varanda era sempre noturna devido à

relação direta de Alice com a lua.

Podemos observar na descrição da fotografia que em uma mesma cena

temos espaços que se diferenciam nas suas atmosferas, como é o caso da

varanda sempre iluminada pela luz da lua e do jardim com o sol o tempo inteiro

a pino. No centro do palco entre esses dois espaços, ficava localizada a janela,

lugar da incessante espera de Sofia pelo seu marido Leonam. Para esse

ambiente a luz concebida remetia a um entardecer fixo, que não se modificava,

como se o tempo tivesse parado para essa personagem, afinal, na dramaturgia

ela estava a esperar por dezessete anos por esse homem, carregava uma

trança enorme como símbolo dessa espera.

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101

Figura 24 - foto Zélia Uchôa: A atriz Adriana Amorim com sua personagem Sofia a esperar na

janela pela volta de Leonam. Nessa cena os outros dois espaços (varanda e jardim) ficavam no

escuro para que pudesse ser evidenciada a espera de Sofia. Sentada numa cadeira, ao olhar pra

frente, sempre fazia menção a uma janela, que no caso, era materializada através da ação da luz. A

cor utilizada foi o âmbar #321 da Roscolux, exatamente porque esse filtro corresponde à luz solar

quando está entardecendo.

Figura 25 - Foto Zélia Uchôa: Fotografia do momento final do espetáculo. O cenário era composto

por uma árvore de pérolas que muito contribuía para a construção simbólica do espetáculo. A

iluminação nessa imagem traz um desenho de galhos retorcidos por todo o chão, efeito criado pela

utilização de um gobo. A atmosfera era de despedida das personagens. O personagem Manoel (Luiz

Renato) sentado na lua de Alice e Doralina (Meran Vargens) no seu jardim que ficará noturno.

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102

A forma como a concepção da iluminação cênica foi articulada na sala

de ensaio, esteve sempre ligada a uma compreensão que era necessariamente

entendida por todos. Não conseguíamos pensar a cena sem que refletíssemos

sobre o como seria a ação dramática da iluminação. O espetáculo “Doralinas e

Marias” tem uma grande importância para a Cia. de Teatro Engenharia Cênica

porque definiu estratégias para a criação, que permanecem até os dias de hoje.

Em “Doralinas e Marias” foram encontrados os percursos que se configuram

como uma poética que se fortalece a cada novo encontro na sala de ensaio da

Cia. de Teatro Engenharia Cênica

Por mais que uma experiência tenha sido gerada, cada espetáculo tinha

suas especificidades. Obviamente somente pelo motivo de que cada peça tinha

sua temática, mesmo assim os problemas se mantiveram na construção da

dramaturgia, das personagens e de todos os elementos cenográficos. O que

ficou de um trabalho para o outro foi uma experiência que não nos deixava

temer, que nos dava liberdade para experimentar, que nos dava uma

perspectiva de como o processo se desenvolveria. No espetáculo

“Irremediável”, trabalhávamos sem saber onde iríamos parar, sem saber ao

certo quais eram os nossos objetivos; em “Doralinas e Marias”, começamos a

aprender, a controlar, a ter certeza do possível caminho e o objetivo que o

espetáculo chegaria. Como acreditamos que a iluminação cênica não está

dissociada do processo criativo da cena, todos os problemas enfrentados

reverberavam na concepção da iluminação, tudo se resolvia junto, não

tínhamos como ter uma cenografia, ou um figurino fechado, por exemplo, se

não tivéssemos a cena construída dentro do sentido que a encenação

vislumbrava.

Era a primeira vez que a iluminação seria em sua totalidade assumida

por mim. Diferente do “Irremediável” que tinha a criação elaborada por toda a

equipe. Em “Doralinas e Marias”, a concepção e materialização final da

iluminação cênica, bem como todo o processo de condução e articulação de

proposições na sala de ensaio, foi de minha responsabilidade. É neste trabalho

que encontramos as principais reflexões sobre como o processo criativo da luz

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103

pode ser determinante no trabalho do ator. Essa compreensão parte

primeiramente do entendimento de que é no ato da improvisação de uma cena,

que o espetáculo começa a desenhar possibilidades para se pensar a

iluminação cênica. O constructo cênico que é gerado nesse jogo não se

restringe somente a uma improvisação que vise somente à elaboração de

marcas e textos, mais também de imaginar atmosferas possíveis em torno da

mesma, um processo que quando tomado por consciência no trabalho do ator,

enfatiza ainda mais as qualidades emotivas e sensoriais na sua atuação,

através da ampliação do objetivo do seu trabalho na construção de sua

personagem, não somente no seu tipo físico, na forma como se veste, na forma

como fala, mais também na conscientização do espaço que ele vive e

principalmente as qualidades atmosféricas desse lugar.

Ao dominar a luz na sua improvisação, o ator pode jogar com o tempo

da mesma, a partir do momento em que ele identifica possíveis momentos em

que possa haver uma ação da iluminação, dando espaço para que a mesma

elucide, sedimente e ressalte as proposições advindas nos aspectos textuais,

espacial e, sobretudo emocional. Essa interação quando desenvolvida no

processo da sala de ensaio se reflete nas apresentações do espetáculo. Em

muitos trabalhos percebemos que o ator parece estar em cena atuando

sozinho, não é perceptível no seu trabalho uma ligação com os demais

elementos cenográficos. Isso acontece muitas vezes porque esse ator não

esteve interessado durante o processo criativo do espetáculo, na criação dos

demais elementos, não se ateve a perceber como os mesmos vão agir na

construção da narrativa do espetáculo.

A partir do trabalho que desenvolvo como ator-iluminador na Cia. de

Teatro Engenharia Cênica, ressalto o quanto é importante que o ator dialogue

com a criação do espetáculo na sua totalidade, para que a encenação possa

ser construída numa junção consciente e ensaiada da atuação de todos os

elementos, e, principalmente perceber a relação intrínseca entre os mesmos. O

ator quando consciente da dramaturgia da iluminação, não permitirá em cena

entender que está somente sendo iluminado, pelo contrário, ele reagirá às

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104

cores, aos recortes, afirmando a dinâmica da iluminação e a sua potencia na

construção do sentido do espetáculo.

O processo criativo de “Doralinas e Marias” aconteceu no âmbito das

dependências da escola de teatro da Universidade Federal da Bahia-UFBA,

lugar onde circulam importantes pesquisadores da arte teatral. De alguma

forma o processo se relacionava com essas pessoas, assim como todos os

outros trabalhos que acontecem num ambiente como esse, pois é preciso

reconhecer que em se tratando de uma faculdade de teatro, o evento cênico

não é somente assistido como entretenimento, mas principalmente como algo a

ser analisado, criticado, entendido dentro dos conceitos e estratégias que

fazem a arte teatral. Em decorrência dessa comunicação surgiram muitas

dúvidas sobre a possibilidade de um ator ser também o iluminador do

espetáculo em que atua, as principais perguntas que se faziam eram:

“Como pode um ator que está em cena conceber a luz do próprio

espetáculo que atua? Ainda mais se tratando de uma peça em que os

atores não saem de cena, como ele faz se não pode assistir as marcas e

os pontos que necessitam de uma ação mais enfática da iluminação?

Como ele vai saber se sua concepção de fato funciona quando o

espetáculo estiver sendo apresentado, já que o mesmo não pode

assistir?”

Essas questões só me colocavam medo. Mas o que me fortalecia é que

durante todo o processo criativo do espetáculo “Doralinas e Marias”, desenvolvi

anotações e proposições para a iluminação, inclusive sinalizando os

movimentos entre uma cena e outra, portanto não havia o que temer, pois

houve uma dedicação e todo um trabalho na sala de ensaio que era o

suficiente para encorajar e colocar em prática a concepção final da iluminação

do trabalho. Mesmo assim no último momento pensei em desistir, mas já não

havia saída se não distribuir os refletores de acordo com o projeto de luz e

experimentá-los para ver se atingiriam as propostas elaboradas durante o

processo. Foi então que no passo a passo, nos pequenos testes fui

percebendo que tudo já estava pronto, que a iluminação tinha sua atuação

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105

muito bem construída, que o projeto de iluminação era fruto disso, portanto as

dúvidas só eram presentes porque enfim a iluminação não estava tecnicamente

posicionada, afinada e artisticamente gravada. Percebi que o que gerava medo

era a ansiedade em perceber que são muitas etapas para que uma iluminação

cênica fique totalmente pronta, e que esse caminho é longo, requer muita

paciência e principalmente confiança em si mesmo e em todos os envolvidos

no processo.

Figura 26 – Projeto de iluminação da frente de luz do espetáculo Doralinas e Marias.

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106

Figura 27 – Projeto de iluminação da área interna da caixa cênica

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107

Existe outro fator que potencializou a minha formação como ator-

iluminador dentro da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Durante o meu

bacharelado em Interpretação Teatral na ETUFBA (Escola de Teatro da

Universidade Federal da Bahia) no período de 2008 a 2010, participei a cada

semestre de uma montagem pedagógica realizada de acordo com a temática

estudada e abordada no âmbito das disciplinas que compunham o semestre.

Esse contato com a universidade possibilitou o encontro com a pesquisa

teórica e prática sobre a arte teatral e, sobretudo, com a que se refere aos

estudos da iluminação cênica. A cada semestre, era montado, com direção de

um docente, um espetáculo como resultado da pesquisa prática de atuação

dos alunos29. Em todas as montagens participei como ator-iluminador,

exatamente porque na sala de aula, eu era o único que trabalhava com

iluminação e mais uma vez essa minha competência foi aproveitada,

continuando assim o enriquecimento interdisciplinar na minha vivência teatral,

na interface entre iluminação cênica e o trabalho do ator.

29

No período de 2008.1 a 2010.2 foram montados 06 (seis) espetáculos, quais sejam: Ser Veja, direção de

Iami Rebouças; A Lira dos Vinte Anos, de Paulo César Coutinho, direção de Paulo Cunha; Odisseia, de

Homero, adaptação de Marcos Barbosa, direção de Meran Vargens e Érico José; João o Venturoso, de

Bertolt Brecht, direção de Érico José; Tudo no Timing, de David Ives, direção de Jacyan Castilho; Quatro

Luas Pelas Pedras, a partir do universo de Federico García Lorca, espetáculo de formatura, direção de

Lilih Cury.

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108

3.3.3 – “O Menino Fotógrafo” – a investigação de uma

poética.

No processo de criação do espetáculo “O Menino Fotógrafo” a Cia. de

Teatro Engenharia Cênica, investigou os procedimentos adotados nos dois

trabalhos anteriores como estruturação base, na esquematização do percurso

criativo. Esse espetáculo foi o primeiro da Cia. que acontecia em um espaço

alternativo, exatamente um casarão velho que hoje é conhecido como Casa

Ninho e é sede do Grupo Ninho de Teatro, que também participou da

montagem, ou seja, esse trabalho é fruto da junção de duas equipes que se

aventuraram durante um ano, na imanência de um processo colaborativo em

teatro.

A iluminação no espetáculo “O Menino Fotógrafo” se deu de maneira

diferenciada. Por se tratar de um espaço alternativo tive que montar desde a

estrutura mínima que é um quadro de energia com potência para ligar os

refletores, como também fazer toda a ligação e esquematização para que

tivéssemos uma estrutura de energia que pudesse dar provimento para o

espetáculo. Trabalhar em espaços não convencionais é sempre um grande

desafio, em especial para o iluminador, pois quase sempre não há recursos

como um teatro propriamente dito, o seu trabalho inclui sempre a busca por

alternativas que possam materializar suas proposições.

Como o espetáculo tinha uma temática voltada para as manifestações

religiosas do cariri cearense, a vela por ser um elemento de grande utilização

nas grandes romarias, realizadas ao longo de todo o ano na região, foi o

princípio para a elaboração de toda a iluminação do espetáculo. Durante o

processo criativo, logo na primeira cena que se remete a uma romaria, foi

imprescindível a utilização do elemento fogo, isso porque além de iluminar, tem

uma grande potência em criar atmosferas, sobretudo as que estão ligadas a

rituais religiosos. Em romaria o elenco saia da Casa Ninho com várias velas na

mão ao encontro com o público que sempre esperava do lado de fora da Casa

Ninho. Quando os atores começavam a contracenar com os espectadores,

distribuíam as velas, aumentando ainda mais a romaria que adentrava na Casa

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109

Ninho em direção a um altar com muitas imagens de santos e elementos que

dialogavam com a religiosidade. Todos que estavam com velas, depositavam

as velas nesse altar, como se estivessem fazendo uma oferenda, isso tudo

acontecia ao som de cânticos religiosos, que quando cantados pelos atores,

comoviam o público e todos se uniam em uma só voz.

Figura 28 - Foto Nívia Uchôa: Fotografia do altar do espetáculo com velas espalhadas pelo chão e

que através de arames eram elevadas criando uma enorme cortina de fogo sobre as imagens, as

orações e, sobretudo, criando uma atmosfera que se mantinha até o final do espetáculo.

Figura 29 – Foto de Nívea Uchôa: Momento em que os atores saem da Casa Ninho para irem ao

encontro do público para formar a grande Romaria rumo ao altar.

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110

Figura 30 – Foto de Nívea Uchôa: Público e atores em contraluz produzida pela iluminação das

velas indo em direção ao altar.

Figura 31 – Foto de Nívea Uchôa: Cena em que o sertanejo usa sua principal arma para se

defender, o facão. Guerra de facões.

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111

O Menino Fotógrafo foi realizado dentro da Casa Ninho desde o início do

seu processo criativo e pelo fato do espaço ser um corredor de 11m de

profundidade por 4m de largura, toda marcação do espetáculo foi elaborada a

partir dessa especificidade. A iluminação teve que ser comprada porque a

Casa Ninho não possuía nenhum tipo de refletor, foram fios, mesa de luz,

lâmpadas, refletores, tomadas, ou seja, todo o material mínimo para se

construir uma estrutura básica de luz. Essas especificidades reverberaram

fortemente no processo de concepção da luz, pois tínhamos que trabalhar com

o mais simples para poder conseguir criar uma iluminação que não deixasse de

significar junto ao espetáculo.

Figura 32 – Projeto de iluminação no formato corredor.

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112

Nesse espetáculo pude alargar a minha competência como ator-

iluminador, porque tive que dialogar com os princípios técnicos para a criação

de uma iluminação cênica para um espaço alternativo. Considero, portanto,

que é nesse trabalho que consigo estruturar um pensamento sobre o trabalho

do ator-iluminador, função essa que precisei experimentar ao longo de três

processos criativos, que correspondem a cinco anos de trabalho, para poder

propor a presente dissertação de mestrado.

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113

Considerações finais.

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114

Tendo como ponto de partida todo o percurso desenvolvido nos

capítulos dessa dissertação, chego à conclusão de que a iluminação cênica

apresenta-se como uma linguagem de grande importância na cena teatral. Sua

articulação na sala de ensaio constrói percursos criativos, e se afirma como um

elemento base para a compreensão do sentido do espetáculo. A atmosfera,

construção de um espaço metafórico, sinestésico, é um princípio que se

conjuga no tempo da ação dos atores, em diálogo com os elementos

cenográficos, se instala por vias que não são necessariamente físicas, articula-

se dentro de uma esfera de sensações que aglutina o espectador ao

espetáculo e vice-versa.

Quando na sala de ensaio, compreendi que a iluminação é uma

linguagem que possibilita pensar caminhos, que enfatiza as concepções

cênicas, os processos colaborativos foram enriquecidos de novas ideias e

proposições. Essa afirmação é completamente pertinente aos processos

criativos da cenografia, maquiagem, figurino, sonoplastia, todos podem

oferecer ao trabalho de criação teatral, contribuições indispensáveis. A

iluminação é uma das grandes responsáveis por estabelecer atmosferas

através da utilização de variadas possibilidades de afinação dos refletores e,

sobretudo, a partir da extensa gama de filtros30 de cores frias, quentes,

saturadas e tons pastéis. Utilizando esses instrumentos, a iluminação cênica

atua através da criação do simples ato de iluminar, mas também cria sombras,

decide o que deve ser visto pelo público, conduz diversos tipos de narrativas,

não se atrela a uma estética, é completamente utilizável em qualquer

espetáculo, constrói sua dramaturgia. Instala atmosferas que podem ser lidas

do grotesco ao belo, da indignação à felicidade, não importa somente tornar

visível a cena, mas enfatizá-la, sedimenta-lá, para que a dramaticidade se

consolide, a luz joga e propõe diversas estratégias de jogo com os atores e

com o público.

Passado esse percurso da dissertação, chego à conclusão ainda mais

convencido de que a iluminação cênica não pode chegar aos nossos processos

30

Nos termos técnicos filtro é a mesma coisa que gelatina. Um material sintético, feito a partir de

policarbonato resistente a temperaturas elevadas, tem em diversas cores.

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115

criativos, como uma linguagem que aparece no final para completar algo. É

necessário levar o iluminador cênico para dentro da sala de ensaio para que

ele possa ser também um propositor, seu trabalho criativo pode ser revelador

para o conceito de encenação, suas soluções de iluminação podem ajudar a

resolver questões como marcas, transições de cenas, construção de

personagens e fortalecimento do sentido do espetáculo.

A iluminação cênica não se restringe somente às questões técnicas, no

que diz respeito, aos refletores e seu funcionamento elétrico. A iluminação

cênica que propus na dissertação, se articula por meio de sensações e

atmosferas que são geradas no jogo da criação de cenas na sala de ensaio.

Penso iluminação a partir das possíveis emoções, dos níveis de energia que

uma improvisação oferece, do jogo entre corpos na cena. É nessa perspectiva

que propus analisar o processo criativo do ator em consonância com a

iluminação, isso porque não poderia, aqui, abordar, todas as outras relações,

mas acredito que o que desenvolvi a partir da relação interdisciplinar entre a

iluminação e o meu trabalho como ator, é, perfeitamente extensível a todas as

outras possíveis relações. A presente dissertação pode ser um ponto de partida

para análises a respeito de artistas híbridos que se desenvolvem em salas de

ensaio, tais como atores-figurinistas, encenadores-dramaturgos, cenógrafos-

maquiadores, são tantas relações possíveis que podem extrapolar o

agenciamento de duas para até mais linguagens.

É evidente que a experiência técnica no que se refere aos instrumentos

disponíveis para constituir uma iluminação de um espetáculo é de extrema

importância, pois no processo criativo alguém terá de se responsabilizar por

decidir com quais instrumentos (refletores, acessórios e filtros) será alcançado

o projeto de luz da encenação. Reconheço essas especificidades e concordo

que são complexas, pois cada refletor conforme características técnicas, só

podem ser compreendidos por aqueles que se dedicam a estuda-los,

experiência que muitas vezes leva anos para ser adquirida. Ressalto que a

presença de um iluminador cênico nos processos criativos é de extrema

importância para mediar proposições, pois muitas vezes aparecem ideias que

não podem ser realizadas. Nesse caso, cabe ao iluminador, que teoricamente

Page 117: luiz renato gomes moura a iluminação cênica no trabalho do ator de

116

está familiarizado e identifica os aspectos técnicos dos equipamentos, acatar

as proposições e modifica-las na tentativa de torná-las possíveis.

Outro fator que abordo é o fato de que de que essas relações

interdisciplinares possam acontecer em outros processos que não sejam

necessariamente colaborativos. O encontro entre experiências acontece em

qualquer linha de pesquisa da linguagem teatral, independe de estética ou de

metodologia, a formação entre os artistas sempre acontecerá e suas

competências se ampliarão na medida em que se propuser a dialogar e

compreender o universo criativo dos demais elementos da cena. O que

proponho é a fomentação da troca de experiências, todos só têm a ganhar em

suas formações.

Em se tratando do meu trabalho como ator-iluminador na Cia. de Teatro

Engenharia Cênica, pude perceber que essa intersecção entre duas

linguagens, possibilita abordagens diferenciadas ao trabalho do ator, através

de sua relação e do entendimento das atmosferas, emoções, espaços cênicos

e, sobretudo, aponta para uma contracena que pode ser estabelecida com a

iluminação, através da construção de diálogos entre movimento e dramaturgia

da iluminação, se isso acontece, evidencio a união de duas linguagens que

fortalecerão de maneira determinante a encenação e a compreensão por parte

do público.

„Na cena teatral contemporânea cada vez mais os artistas trabalham de

maneira polifônica. São atores que cantam, interpretam, concebem luz,

cenário, figurino, ou seja, as fronteiras entre as linguagens são maleáveis e

essa característica nos faz compreender que os artistas na sala de ensaio

podem se interessar por mais de um processo criativo, pois a questão não é

também só a de agregar experiência, o fundamental é que compreendo que o

artista agindo polifonicamente, sua contribuição para a construção do sentido

da encenação, será potente, pois assumirá as narrativas dos elementos

cenográficos no seu processo.

Para chegar a uma ideia sobre a iluminação cênica no trabalho do ator,

passei por um percurso que apresentou o processo criativo de três espetáculos

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117

da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Foi necessário abordar conceitualmente

o teatro colaborativo e os princípios técnicos da Cia. para que pudesse chegar

a um lugar seguro de reflexão, exatamente o da minha experiência empírica,

pois me seria muito difícil tratar da questão central desta dissertação, sem um

lócus de onde pudesse a partir de uma experiência, observar a importância da

iluminação no trabalho do ator.

Concluo que esta dissertação oferece a análise de uma poética de

criação desenvolvida por uma Cia. de teatro e que tem como especificidade a

investigação o meu trabalho como ator-iluminador nos espetáculos da Cia. de

Teatro Engenharia Cênica. Esta pesquisa poderá ser utilizada por muitos

pesquisadores que têm as suas poéticas de criação como ponto de partida

para a reflexão. O que fica firme para mim nos momentos finais desta escrita, é

que a presente dissertação não se restringe somente as questões da

iluminação cênica no trabalho do ator, ela é ampla e não fecha um ciclo, pelo

contrário, abre outras possibilidades de desenvolvimento e de compreensão.

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118

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123

RIBEIRO, D. G. Condições e forjaduras da linguagem para a poesia épica

moderna em Altazor de Vicent Huidobro. 2011. Dissertação (Mestrado).

SANTOS, Clóvis Domingos. A cena invertida e a cena expandida: projeto de aprendizagem e formação colaborativas para o trabalho do ator. Dissertação (mestrado). Programa de Pós Graduação da Escola de Belas Artes, UFMG, Belo Horizonte-MG, 2010.

SERRAT, Barbara Suassuna Bent Valeixo Mont. Iluminação cênica como elemento modificador dos espetáculos: seus efeitos sobre os objetos de cena. 93f. 2006. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.

ARTIGOS DE REVISTAS:

CORDEIRO, Domingos Sávio Almeida. Caldeirão da Santa Cruz: memórias de uma utopia comunista no nordeste brasileiro. Lisboa, 2008. TUDELLA, Eduardo. Design, cena e luz: anotações, A[L]BERTO #3. São Paulo, v. 3, p.11-24, dez 2012.

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Anexo.

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ANEXO A – A Cia. de Teatro Engenharia Cênica

A história da Cia. de Teatro Engenharia Cênica se resume a

deslocamentos por três cidades do estado do Ceará e uma do estado da Bahia.

O seu local de criação foi na cidade de Sobral em 2005, pela diretora Cecília

Raiffer e o ator Luiz Renato, ambos fundadores e coordenadores até os dias

atuais. Colaboraram nesse início de criação da Cia. o ator Jander Alcântara, o

sonoplasta Daniel Glaydson Ribeiro e o técnico de luz Maicon Rocha.

O primeiro trabalho desenvolvido em Sobral foi em 2005 e se tratava de

uma performance intitulada “Fragmentos”, que tinha como objetivo realizar uma

intervenção na Boulevard do Arco do Triunfo, local de referência na cidade,

onde muitos cidadãos encontram-se após as missas e cultos, ou para

frequentarem os restaurantes no decorrer dos dois lados de toda a praça. O

discurso que possibilitou a criação da performance foi o de fazer com que as

pessoas pudessem refletir sobre a realidade, através de uma intervenção

lúdica, que apresentava cerca de oito atores, completamente vestidos e

pintados de branco, que no decorrer da caminhada pela praça, interagia com

as árvores, postes e indivíduos, recitando os aforismos de Léo Macklene. No

centro da praça foi estendido um tecido branco de 30m de comprimento e

2,00m de largura, e em seguida, os atores pegaram bacias de tintas, e

começaram a performar em cima do tecido, pintando uns aos outros e

oferecendo as tintas para os espectadores, para que os mesmos também

interagissem com o ato.

Anterior à realização da performance houve um período equivalente há

um mês para a pesquisa do conceito, ideia, construção dos figurinos que

acabou sendo feita com roupas brancas que foram modificadas e também a

construção das tintas, a partir de uma oficina ministrada pela professora Regina

Raiki, da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Todos os artistas

envolvidos na “Fragmentos” estavam matriculados em diferentes cursos da

UVA, tais como Ciências Sociais, Letras, Pedagogia, História, Educação Física

e Biologia.

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Figura 34: Atores caminhando pelo público. Imagem boa para visualizar figurinos e maquiagem.

Figura 33: Fotografia do Arco de Nossa Senhora de Fátima, Boulevard, local onde foi realizada a performance

“Fragmentos”. Sobral, CE. Foto de André Adeodato. Fonte: http://flickr.com/photos/73431654@N00/306262926/

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Figura 35: O ator Luiz Renato interagindo com um poste.

No ano de 2006 a Cia. montou o espetáculo “Duas Vidas... Um grande

amor” feito a partir dos poemas de Dinorah Ramos. O espetáculo era uma

homenagem à poetisa e falava da sua história, de seus familiares, causos e

curiosidades, e era permeado pelo amor que vivia com o seu marido Dr.

Ramos, um importante farmacêutico da cidade de Sobral.

Figura 36: Fotografia do espetáculo teatral Duas Vidas... Um Grande Amor. Jander Alcântara ao

lado das imagens de Ribeiro Ramos e Dinorah Ramos. Theatro São João. Sobral – CE. Maio de

2006. Foto: Hudson Costa. Fonte: www.photografiadigital.com.br

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Figura 37: No primeiro plano o ator Luiz Renato e Jander Alcantâra e a atriz Cecília Raiffer.

Theatro São João, Sobral – CE, maio de 2006. Foto: Hudson Costa. Fonte:

www.photografiadigital.com.br

A Engenharia Cênica no ano de 2006 teve a oportunidade de realizar um

espetáculo a partir de um prêmio de incentivo à cultura (Myrian Muniz Funarte

2006) que possibilitou um processo criativo de nove meses de pesquisa dentro

da sala de ensaio. O espetáculo que fora intitulado como “Panoptico”, “Galileu

e Sísifo”, teve como nome final “Irremediável”. Foi criado pelos três artistas

fundadores da Cia., quais sejam: Cecília Raiffer diretora, Jander Alcântara e

Luiz Renato como atores. O espetáculo “Irremediável” é um dos objetos de

pesquisa da presente dissertação. O espetáculo realizou uma temporada de

apresentação durante todo o ano de 2007.

A partir do ano de 2008, a Cia. passa a ser sediada na cidade de

Salvador no estado da Bahia, em virtude do ingresso dos coordenadores da

mesma na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Cecília Raiffer entra no

mestrado do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC, para

investigar o processo de criação do espetáculo “Irremediável” o que resultou na

sua dissertação intitulada “Cena e Jogo: o imaginário na carne”, importante

referencial para o desenvolvimento da presente dissertação. Luiz Renato

entrou no bacharelado de Interpretação Teatral.

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Sob a direção de Cecília Raiffer, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica

desenvolve o espetáculo “Doralinas e Marias” que também é objeto de

pesquisa da presente dissertação e que nos próximos capítulos será melhor

discutido. Contava com a participação das atrizes Meran Vargens, Adriana

Amorim, Daniele França e do ator Luiz Renato. Foi realizado através do Prêmio

Manoel Lopes Pontes da Fundação Cultural do Estado da Bahia na categoria

“montagem de espetáculo”. Sua temporada de estreia se deu nos teatros

Martim Gonçalves da Escola de Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e

SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de agosto) no ano de 2009. O

espetáculo teve participação no Festival Internacional de Artes Cênicas -

FiacBa ano 2 nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra SESC Cariri

de Cultura 2009 no dia 14 de outubro no Memorial Padre Cícero em Juazeiro

do Norte e no dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes na

cidade de Crato-Ce; e em março de 2010 participou da Mostra SESC-ATU de

Teatro de Uberlândia.

A Cia. permanece em Salvador até o ano de 2010 e a partir de 2011

passa a residir no Cariri cearense na cidade de Barbalha, no sul do estado. A

atuação da Cia. passa a ser no trecho conhecido como CRAJUBAR, uma

conurbação de três cidades, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, separadas

por poucos quilômetros de distância. No começo de 2011 a Cia. volta para a

sala de ensaio e passa a montar o espetáculo “O Menino Fotógrafo”. Foi

realizado em parceira com o Grupo Ninho de Teatro31 na cidade do Crato-Ce. É

também nesse ano que a Cia. se constitui juridicamente com o nome de

“Engenharia Cênica Instituto de Arte, Educação, Pesquisa, Criação, Recepção

e Produções Artísticas” Sob o CNPJ: 14.731.680/0001-28.

Outro trabalho realizado no ano de 2012 na cidade de Barbalha foi o

espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” de Nelson Rodrigues, montado na

ocasião do edital “Prêmio Funarte Nelson Brasil do Anjo Pornográfico”, que

premiou 17 grupos ou Cias. nacionais para que cada uma montasse uma

31

Trata-se de um grupo que surge em 2007 na cidade do Crato, na região do Cariri no estado do Ceará

que tem como fundadores Alana Morais, Edceu Barbosa, Elizieldon Dantas, Jânio Tavares, Joaquina

Carlos, Rita Cidade e Zizi Telécio. Avental Todo Sujo de Ovo (2009) de Marcos Barbosa e Charivari

(2009) de Lourdes Ramalho, são alguns dos trabalhos criados pelo referido grupo.

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dramaturgia de Nelson Rodrigues para serem apresentadas no âmbito do

festival “Agosto de Nelson” no Rio de Janeiro – RJ. Com esse trabalho os

coordenadores invertem as funções e a direção foi de Luiz Renato com a

participação dos atores João Dantas, Jerônimo Vieira e Flávio Rocha, bem

como das atrizes Carla Hemanuela, Cecília Raiffer, Faeina Jorge e Rita

Cidade.

Figura 38: Cartaz do espetáculo. Arte de Max Pettersson e fotografias de Diego Linard.

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Figura 39: cena do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” em que o personagem Gilberto recebe

sua família em casa, e passa, a saber, que foi traído pela sua esposa. Um dos paroxismos mais

importantes do texto. Fotografia de Diego Linard. Local Teatro Patativa do Assaré, SESC Juazeiro

do Norte – CE, junho de 2012.

Figura 40: cena com os personagens Madame Luba (Cecília Raiffer) e Pola Negri (Jerônimo Vieira)

ela cafetina, dona de uma casa de prostituição só para deputados “que oferece meninas de 14, 15 e

16 anos de idade”. No plano de trás as personagens Glorinha à esquerda (Faeina Jorge) e Nair

(Rita Cidade), ocasião em que estão indo até o prostíbulo para iniciar a vida de Glorinha no mundo

da prostituição. Fotografia de Diego Linard. Local Teatro Patativa do Assaré, SESC Juazeiro do

Norte – CE, junho de 2012.

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No ano de 2013, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica estreou o

espetáculo “O Evanescente Caminho” no mês de agosto. O espetáculo é uma

livre inspiração e adaptação da Divina Comédia de Dante Alighieri. A direção é

de Cecília Raiffer com atuação das atrizes Amanda Lima, Lorenna Gonçalves,

Lucivânia Lima e dos atores Luiz Renato, Nilson Matos e Raimundo Lopes.

Esse espetáculo é fruto de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde

2011 no grupo de pesquisa Laboratório de Criação e Recepção Cênica –

CNPQ da Universidade Regional do Cariri – URCA, no departamento do curso

de Licenciatura Plena em Teatro.

Figura 41: fotografia de Emanoel Siebra retirada para a criação da arte do material gráfico do

espetáculo “O Evanescente Caminho” na cidade de Juazeiro do Norte - CE.

Pelo fato da Cia. ter apenas dois integrantes fixos, ou seja, os seus

coordenadores Cecília Raiffer e Luiz Renato, fez com que fosse criada uma

metodologia para as montagens dos espetáculos. Os demais atores e atrizes

sempre são convidados para compor o restante do elenco e com isso formar

um núcleo flutuante, que não faz parte efetivamente da Engenharia Cênica,

mas somente do trabalho para qual foi convidado para participar. Ao longo de

oito anos de trabalho, passaram pela Cia. cerca de 50 artistas de teatro,

envolvendo elenco de atores, cenógrafos, sonoplastas, figurinistas,

maquiadores e etc. Essa característica potencializou sobremaneira o processo

de formação dos seus coordenadores, devido ao fato de que a cada novo

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trabalho, novos artistas, novas experiências que contribuíram e contribuem

imensamente para o conhecimento e para a construção de uma poética de

criação própria da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.

Figura 42 - Foto de Verônica Leite - Apresentação na Assossiação de Dança Cariri, ADC, Juazeiro

do Norte, 2013.

Figura 43 - Foto de Verônica Leite - Apresentação na Assossiação de Dança Cariri, ADC, Juazeiro

do Norte, 2013. Um brinde para finalizar.