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Projeto piloto sobre a Crise Humanitária em Roraima: um estudo dos
efeitos da relação Civil-Militar para a eficiência da Força-Tarefa Logística
Humanitária na Operação Acolhida 2018
Luís Henrique Vighi Teixeira1
Resumo: a crise humanitária que assola o Estado de Roraima, fronteira com a
Venezuela, apresenta desafios inéditos ao País. Nesse contexto, o Exército
Brasileiro, por intermédio da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, desencadeou a
Operação Acolhida, na qual coordena os esforços civis e militares para assistir
a presença desses refugiados em território nacional. Esse estudo visa analisar
os efeitos da relação Civil-Militar para a logística humanitária da Operação. Para
tal, apresenta os atores relevantes e suas ações logísticas e busca caracterizar
o nível de integração civil-militar e seu efeito para o sucesso desse esforço
conjunto. Através de uma revisão bibliográfica sobre o tema Logística
Humanitária, foram analisados os dados colhidos por intermédio de
questionários aplicados a dez Oficiais de Estado Maior envolvidos na
coordenação da Operação. Os resultados apontam as virtudes desse esforço
conjunto e apresentam os principais desafios para potencializar seus resultados.
Palavras-Chave: Logística Humanitária, Coordenação civil-militar e Crise na
fronteira Brasil-Venezuela
1. INTRODUÇÃO
O Exército Brasileiro (EB) é uma instituição nacional permanente com
renomada tradição de participação em ações humanitárias, em território
nacional, em apoio aos órgãos civis que atuam nessa atividade.
São inúmeros os casos de calamidades, crises ou desastres em que o
Exército teve papel fundamental no socorro imediato às vítimas, como por
exemplo na enchente em Blumenau e Itajaí, em 2008, em um cenário de grave
calamidade, ou em ações de combate à seca no semiárido, com caráter
prolongado. Normalmente tais crises exigem uma atuação de múltiplas
entidades, governamentais ou não, que necessitam de integração e
coordenação para obterem êxito em seus propósitos.
1 Discente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares e aluno do 1º ano do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército.
2
Recentemente, o Estado de Roraima, que faz divisa com a Venezuela,
vive um drama provocado pelo vertiginoso aumento de refugiados que migram
de seu país em busca de melhores condições de vida em território brasileiro.
Segundo dados oriundos da Polícia Federal2, somente em 2017, o número de
pedidos de refúgio de venezuelanos no Brasil evoluiu conforme o quadro 1.
Quadro 1 – Evolução das solicitações de refúgio por Venezuelanos no Brasil.
Ano Solicitações de Refúgio
2017 17.865
2016 3.375
2015 822
2014 201
2013 43
2012 1
2011 4
2010 4
Tal fenômeno tem origem na forte crise política, econômica e social que
se agrava no país vizinho no governo do presidente Nicolás Maduro e que gera
sérias consequências ao Brasil. Assim, o Estado de Roraima, que não possui
infraestrutura adequada para receber tantos imigrantes, passa a encarar uma
situação emergencial de calamidade pública.
Um estudo apresentado por Simões (2017), promovido pelo Conselho
Nacional de Imigração, com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas
para refugiados (ACNUR), traça o perfil sócio demográfico e laboral dos
imigrantes venezuelanos até o início do segundo semestre de 2017.3
Nesse contexto, o EB, por intermédio da 1ª Brigada de Infantaria de Selva
(1ª Bda Inf Sl), com sede em Boa Vista – RR, desencadeou a Operação Acolhida,
2 Dados apresentados no documento “O refúgio em números” – 3ª edição, 2018, da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça. 3 Destacam-se os seguintes dados obtidos nesse estudo: 72% são jovens (entre 20 e 39 anos); a maioria do sexo masculino e solteiro (56,4%); 76,4% relatam a crise política e econômica da Venezuela como o motivo da imigração; os principais estados originárias são Bolívar (26,3%), Monagas (16,3%), Distrito Federal de Caracas (15,4%); 82,4% solicitaram refúgio no Brasil, dos quais 77% aceitam deslocar-se para outros pontos do território nacional; 67,1% estão desempregados ou trabalham por conta própria e 5,9% são estudantes; 50,4% vivem com menos de um salário mínimo; 61,5% não falam nenhum idioma além do espanhol; 52,9% apresentam dificuldade no idioma como fator de inserção laboral; 44,3% moram em residências com mais de 5 habitantes; e 62,9% relatam sofrer discriminação no Brasil.
3
um esforço do governo federal, conjunto a diversos órgãos civis, estatais e não
governamentais, sob sua coordenação.
Assim, o presente trabalho destaca a cooperação logística Civil-Militar na
Operação Acolhida 2018, tendo como ponto de partida o seguinte problema de
pesquisa: quais as características da relação Civil-Militar e como ela pode ser
aprimorada para as ações de logística humanitária atualmente desenvolvidas em
Roraima?
Para isso, este estudo visa analisar os efeitos da relação Civil-Militar na
Operação Acolhida para a eficiência da logística humanitária empregada no
Estado de Roraima. Para tal, inicialmente, serão apresentados os atores
relevantes nesse processo e as suas principais ações. Na sequência, serão
caracterizados diversos aspectos que permeiam a coordenação civil-militar na
Operação e analisados os possíveis óbices e os principais pontos passíveis de
melhoria.
A relevância desse estudo está no fato de abordar, com relativo
ineditismo, um tema atual e de grande relevância para a Força Terrestre, que
colocou o Brasil em estado de alerta para o que ocorre com seu vizinho
fronteiriço, a Venezuela. Ademais, os fatos estudados se encontram em pleno
desenrolar e, portanto, os resultados dessa pesquisa podem colaborar para o
trabalho em andamento, além de permitir o registro e a análise do que vem sendo
desenvolvido na região de acordo com o que há de mais atual na literatura
científica.
Ademais, a coordenação interagências é uma temática de grande
relevância na atualidade para a Força, permeando praticamente todos os
ambientes operacionais em que o EB atua, independente do contexto. Ainda, o
enfoque na relação civil e militar da Operação direciona esse estudo para
possíveis avanços no emprego das Forças Armadas.
2. METODOLOGIA
Este projeto piloto refere-se a uma pesquisa sobre a relação civil-militar
na Força-Tarefa Logística Humanitária que atua na Operação Acolhida no
estado de Roraima, e está sendo desenvolvida em duas fases. A primeira fase
é de revisão bibliográfica, visando consolidar conceitos importantes a respeito
dos efeitos da relação Civil-Militar em atividades de logística humanitária, para
fundamentar a análise dos dados colhidos em campo. Além disso, estão sendo
4
pesquisados os principais meios de comunicação oficial do EB e de outras
entidades, para levantar as principais ações desenvolvidas.
Em uma segunda fase, serão colhidos dados sobre a temática em análise
a partir de um questionário. Até o momento, este instrumento já foi aplicado a
uma amostra de dez Oficiais de Estado Maior do EB e os resultados parcialmente
analisados. Esses militares exercem funções chave na Operação, sendo os
responsáveis diretos pelo planejamento, execução e coordenação da Operação
Acolhida 2018, em seus aspectos gerenciais, operacionais, logísticos, de
inteligência, de informações e de assuntos civis. Nesse ínterim, está sendo
realizada uma coleta de dados análoga, junto a diversas instituições civis
partícipes desse esforço conjunto de ajuda humanitária.
Por fim, os dados obtidos serão categorizados e analisados em uma
subseção específica, onde serão confrontados com conceitos da relação civil-
militar que, segundo a literatura pesquisada, costumam apresentar óbices ou
falhas. Tudo isso com a finalidade de compreender o papel dos diversos atores
que atuam nessa crise, qualificar sua integração e cooperação e concluir sobre
as possibilidades de melhorias.
3. OPERAÇÃO ACOLHIDA 2018 – PRINCIPAIS ATORES E SUAS AÇÕES DE
LOGÍSTICAS HUMANITÁRIA
A presente seção visa apresentar os principais atores e suas respectivas
ações de logística humantirária na Operação Acolhida 2018, deflagrada no dia
12 de março de 2018. Na ocasião, foi constituída a Força-Tarefa Logística
Humanitária, integrando vários órgãos da esfera federal, estadual e municipal e
entidades diversas de cunho humanitário, assistêncial, religioso e Organizações
Não Governamentais (ONG), em um ambiente tipicamente interagencias.4
O enfoque principal da Força-Tarefa é o esforço de logística humantitária.
Para tal, o comandante da 1ª Bda Inf Sl contou com suas frações orgânicas e,
posteriormente, com meios diversos recebidos em reforço de outras
Organizações Militares do territótio nacional. O 6º Batalhão de Engenharia de
Construção, por exemplo, atua na melhoria da infraestrutura dos abrigos,
enquanto uma equipe do 7º Batalhão de Polícia do Exército, Manaus (AM), está
4 Disponível em < http://www.eb.mil.br/operacao-acolhida/noticias>. Acesso em: 10 jun. 2018.
5
lotada em Boa Vista e em Pacaraima, realizando patrulhamento, controle de
trânsito, escoltas e segurança dos abrigos.5
As três Forças Armadas atuam em apoio à causa humanitária. Em abril,
uma equipe médica e cerca de 26 toneladas de remédios chegaram em um
Boeing da Força Aérea Brasileira (FAB) visando atender às necessidades
emergenciais no Estado. Essa equipe de médicos foi composta por cinco
militares das três Forças.6
Os dados colhidos nos questionários apontam uma gama de funções
logísticas desempenhadas pelo EB, sendo elas: saúde, suprimento
(alimentação), transporte, manutenção, engenharia, segurança, comunicações,
recursos humanos, finanças e auxílio na interiorização. Alguns dados obtidos
nessa pesquisa relativos à atuação de diversos atores civis e militares foram
compilados no quadro 2.
Desde dezembro de 2017, a ONG Fraternidade sem Fronteiras iniciou um
projeto de acolhimento aos imigrantes, operando um Centro de Acolhimento que
desenvolve atendimento emergencial, retirando os imigrantes das ruas e praças
da cidade e oferecendo um local para que possam viver com dignidade. Nesse
sentido, o ACNUR, juntamente com a organização não governamental
Fraternidade Internacional Humanitária, realiza o cadastramento de quem entra
no Brasil oriundo da Venezuela, inclusive de currículos profissionais.7
Quadro 2 – Principais atores e suas funções na Operação Acolhida, além das
Forças Armadas.
Nome do Órgão Vinculação Funções
Governo Federal
Governamental
Casa Civil; 12 Ministérios,
destacando-se o Ministério da Saúde
Governo Estadual Funções Estaduais em Roraima
Governo Municipal
Funções municipais com destaque em
Pacaraima e Boa Vista
5 loc. cit. 6 loc. cit. 7 loc. cit.
6
Polícia Federal Controle de Fronteira e Fiscalização de crimes
Bombeiros do Estado Atendimento à população
SAMU8 Atendimento de saúde emergencial
ONU9
Supranacional
ACNUR; OIM10;
UNFPA11
Fraternidade Internacional
Não-Governamental e Instituições Religiosas
Ajuda Humanitária
Fraternidade Sem Fronteira
Acolhimento, cadastro e operar abrigos
MORMONS
Ajuda humanitária e apoio religioso
ROTARY Serviço humanitário
CÁRITAS
Defesa dos direitos humanos e segurança
alimentar
FUNASA12 Saneamento, saúde e inclusão social
Igrejas Apoio religioso e caridade
Uma das prioridades do trabalho da Força Tarefa Humanitária, em
coordenação com órgãos de governo, é a estruturação dos abrigos que recebem
os refugiados. Essa ação é fundamental para permitir a retirada de imigrantes
das ruas, oferecendo espaços com infraestrutura, alimentação, instalações
sanitárias, segurança e apoio de saúde. Nos abrigos, as famílias acolhidas
recebem barracas e colchões, kit de higiene pessoal e as alimentações diárias.
Além disso, são oferecidas aulas de Português, canto, música, dança nacional
Venezuelana e balé clássico.13
Em abril de 2018, teve início o processo de interiorização de
venezuelanos. Atuando conjuntamente, a Força-Tarefa Humanitária, o Governo
Federal e o ACNUR já realizaram o embarque de dois grupos para o interior do
8 Serviço de Atendimento Móvel de Urgência 9 Organização da Nações Unidas 10 Organização Internacional para as Migrações 11 Fundo de População das Nações Unidas 12 Fundação Nacional de Saúde 13 Disponível em < http://www.eb.mil.br/operacao-acolhida/noticias>. Acesso em: 10 jun. 2018.
7
Brasil. A Força Aérea Brasileira foi a responsável por conduzir cerca de 500
imigrantes para suas cidades de destino.14
No dia 18 de maio, em audiência pública na Assembléia Legislativa de
Roraima, o Assessor de Comunicação Social da Força-Tarefa apresentou os
dados recentes da Operação Acolhida. Segundo ele, até aquela data, as ações
conjuntas retiraram 1.105 imigrantes desassistidos das praças e ruas de Boa
Vista, contando com 9 abrigos, que acolheram o total de 3.905 refugiados, além
de ter propiciado a interiorização de 527 imigrantes.15
4. A RELAÇÃO CIVIL-MILITAR NA OPERAÇÃO ACOLHIDA
Dentro do campo emergente da logística humanitária, a interface logística
civil-militar ainda tem atenção reduzida na literatura acadêmica, embora seja de
grande importância. Em comparação com as demais atuações em ambientes de
cooperação, a coordenação na ajuda humanitária provou ser mais difícil do que
outras relações interagências, e seus efeitos são sentidos em diversos aspectos.
(HEASLIP e BARBER, 2016)
Assim, a seguir serão apresentados os aspectos que, segundo Kovacs e
Spens (2012), podem afetar negativamente a relação civil-militar em operações
de logística. Tais óbices serão consubstanciados pela análise dos dados
colhidos nos questionários aplicados nessa pesquisa e de acordo com os
conceitos extraídos da literatura científica.
4.1 COORDENAÇÃO
Ambientes de ajuda humanitária costumam envolver intrinsecamente
múltiplos tomadores de decisão e uma variedade de atores, cada um com suas
peculiaridades, missões e capacidades logísticas, executando ações
interdependentes que necessitam ser coordenadas (ZEIMPEKIS, 2014).
Segundo Balcik (2010), muitos fatores contribuem para dificuldades de
14 loc. Cit. 15 loc. Cit.
8
coordenação na ajuda aos desamparados, como o ambiente caótico, o grande
número e variedade de atores envolvidos e a carência de recursos.
Segundo Czajkowski (2007) apud Idris et al. (2014) a coordenação ocorre
quando um grupo de organizações considera que o objetivo geral desejado é o
mesmo, e passa a trabalhar em conjunto, mesmo em missões separadas que
sejam compatíveis. Os dados colhidos apontam que 70% dos oficiais
consideram predominantemente como muito boa a coordenação de esforços
entre o EB e as entidades civis, ao passo que 20% consideram excelente e 10%
boa.
Para Kovacs e Spens (2012), devido à premência de tempo e escassez
de meios, é preciso evitar esforços duplicados ao longo da cadeia de
abastecimento. Essa questão foi levantada entre os participantes, sendo que as
respostas apresentaram uma relativa variação. Enquanto 30% responderam que
não há duplicação, 10% consideram que há e 60% julgam que essa duplicação
é parcial. Entre os que responderam a opção parcial, 10% alegam que existem
complementações de ações, 10% consideram que isso ocorre porque a
demanda está superior à capacidade das entidades e 10% afirmam que quando
verificadas, elas são otimizadas para que não se repitam.
Sendo assim, conclui-se que a redução dos esforços duplicados, por
intermédio de um planejamento conjunto e de uma execução coordenada, pode
ser uma importante oportunidade de otimização dos trabalhos da Operação,
sendo esse um desafio aos seus líderes e planejadores.
4.2 NÍVEL DE COOPERAÇÃO
Segundo Heaslip e Barber (2014), a Cooperação refere-se a um estado
máximo de coordenação civil-militar, em que existe uma variedade de relações
cooperativas entre a comunidade humanitária e a força militar. Para esse autor,
atingi-se esse nível quando há planejamento conjunto, divisão de trabalho e
compartilhamento de informações.
Nesse sentido, a pesquisa de campo em Roraima verificou, entre os três
aspectos supracitados, qual se apresenta em melhores e qual está em piores
condições na Operação Acolhida. Os resultados são expressivos no sentido de
que a divisão do trabalho é o ponto mais forte da cooperação civil-militar,
enquanto que o compartilhemento de informações é o ponto mais fraco. O
planejamento conjunto foi considerado em posição intermediária. Tais
9
constatações indicam para onde os esforços dos planejadores das ações que
envolvem a cooperação civil-militar podem ser direcionados.
De acordo com Kovacs e Spens (2012), os militares tendem a ocupar uma
posição dominante em situações de socorro humanitário de emergências
complexas. Nesse ínterim, os dados colhidos em Roraima confirmam esse
pressuposto teórico e apontam de forma unânime o EB como excercendo uma
posição de liderança perante as demais agências envolvidas, sendo esta
condição bem aceita pelas demais entidades na ótica dos participantes. Em
especial, devido às especificidades de infraestrutura da região Norte do Brasil,
essa condição de liderança do EB é previsível, ocorrendo em nome do Governo
Federal.
Além disso, os resultados de campo no ambiente de Roraima apontam
que 70% dos participantes reconhecem que o EB busca ampliar a integração
entre civis e militares, explicando suas intenções e capacidades aos demais, em
um nível ótimo, enquanto 30% consideram que isso ocorre em nível bom.
Ainda em relação à cooperação entre militares e civis, Stephenson (2004)
apud Kovacs e Spens (2012) afirma haver uma forte competição entre agências
por atenção de mídia, que pode ser um fator que compromete a integração. Dos
dados obtidos, 60% confirmam essa possibilidade, afirmando que percebem
essa competitividade, mesmo que de forma parcial. Por outro lado, 40% dos
participantes não reconhecem uma atitude competitiva entre as agências
presentes.
Outro fator evidenciado na pesquisa foi a atitude de busca por
imparcialidade de entidades civis em relação aos militares, evitando expor sua
imagem junto à tropa, ao ponto de comprometer as ações conjuntas. Isso foi
relatado em 40% das respostas, com destaque para a ACNUR e a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI).
Assim, verifica-se que, no contexto da Operação Acolhida, os militares
percebem um bom nível de cooperação com os civis, mesmo com alguns dados
apontando aspectos a serem trabalhados. Segundo Heaslip et al (2012), esses
melhoramentos exigem maior cooperação na comunicação, coordenação e
colaboração entre os atores humanitários e requerem um melhor conhecimento
dos mandatos, capacidades e limitações de cada um.
4.3 RECURSOS, CAPACIDADES E DEFICIÊNCIAS
10
As capacidades quase que excluivas das Forças Armadas são o principal
fator que as colocam como pioneiras nas ações logísticas humanitárias.
Segundo Eriksson (2000) apud Kovacs e Spens (2012), os militares têm vários
recursos peculiares, podendo proteger e defender-se, tendo acesso rápido a
meios de transporte, como aeronaves e embarcações, inteligência e redes de
comunicações eficazes, sendo auto-suficientes por períodos prolongados.
Na pesquisa realizada junto aos coordenadores da Operação Acolhida
lhes foi questionado se o EB possui os recursos adequados para cumprir aquela
missão. Em 70% das respostas foi apontado que em parte possui (dos quais
10% acrescentaram que foi adquirido o que era necessário, pois alguns materiais
não faziam parte da cadeia de suprimento) e 30 % responderam que sim.
Analisando esses dados, conclui-se que, diante da realidade de unidades
militares sediadas em Faixa de Fronteira, havendo a ameaça, cabe um
planejamento para a aquisição e o fornecimento dos mateirais necessários com
antecedência às crises, o que demanda celeridade à reação e poupa esforços
desnecessários.
Entre as principais dificuldades ou lacunas de capacidades apresentadas
pela Força Terrestre, de acordo com os participantes da pesquisa, destacam-se:
a carência de Recursos Humanos, seja em quantidade, em função da grande
demanda, seja em treinamento para tal cenário; a falta de habilidade com o
idioma espanhol, dificultando a interação com os refugiados; as dificuldades
inerentes ao trabalho interagências e com os entes nas três esferas de poder,
inclusive no tocante à relação civil-militar, das quais muitas estão sendo
exploradas neste trabalho; a pesada burocracia do processo público de
aquisição de bens e serviços; a distância física entre o Estado de Roraima e os
grandes centros do País; o fato de que grande parte do material necessário não
fazer parte da cadeia de suprimento; os assuntos civis e a carência de pessoal
de saúde, nas mais diversas funções, para participar das diversas operações,
havendo a necessidade de contratação emergencial.
4.4 RECURSOS HUMANOS
Os recursos humanos incluem fatores relacionados com pessoal, tais
como recrutamento, habilidades, experiência dos funcionários, motivação para o
trabalho, treinamento, avaliação de desempenho e remuneração, entre outros.
Fitzgerald e Walthall, 2007 citados por Heaslip et al. (2012) defendem que o
pessoal militar e civil deve ser incentivado a participar de workshops e exercícios
11
conjuntos para estudar assuntos de interesse mútuo e aprender sobre as
perspectivas uns dos outros.
Segundo Idris et al. (2014), o treinamento é um componente crítico no
gerenciamento de recursos humanos voltados às atividades de ajuda
humanitária. No tocante à preparação dos Recursos Humanos para essa
modalidade de emprego, quando perguntados se houve algum treinamento
prévio desse tipo de Operação que tenha preparado os militares para a
integração Civil-Militar nas ações de logística humanitária, 70% dos participantes
afirmamaram que não, ao passo que 30% disseram que sim.
Isso denota a necessidade de realização de mais exercícios dessa
natureza, inclusive no nível de Comando e Estado-Maior, para justamente
integrar e promover o conhecimento mútuo entre as diversas entidades que
atuam neste cenário. Sendo assim, isso pode ser priorizado em Unidades de
fronteira consideradas como pontos críticos ou que estejam na iminência de
enfrentar crises como esta, não dispensando as demais de também se
prepararem.
Por fim, selecionar as habilidades das pessoas envolvidas na
coordenação da ajuda humanitária é importante para os resultados. Heaslip et
al. (2012) sugerem que, além de apurados conhecimentos e talentos logísticos,
a seleção de profissionais deve enfatizar aptidões que incluam negociação,
gestão de conflitos, capacidades de liderança, de relacionamento interpessoal e
de comunicação.
4.5 PERSONALIDADES E INTERAÇÃO MÚTUA
Segundo Olson & Gregorian (2007) apud Kovacs e Spens (2012), o
sucesso na colaboração no campo das relações civis-militares em operações de
ajuda humanitária, depende muitas vezes das personalidades do pessoal
envolvido e das estruturas de ligação que são estabelecidas. Não é incomum
observar atitudes não cooperativas dentro e entre organizações. Isso pode
resultar da competição por recursos, pelo poder e pela notoriedade, mas também
pode surgir de gostos pessoais, de preconceitos, antipatias ou estereótipos.
Beauregard (1998), em seu estudo das atividades civis-
militares durante uma série de desastres, identifica seis fatores
12
principais que dificultam a coordenação e a cooperação. Estes incluem
diferenças de culturas e ideologias, diferenças nas estruturas
organizacionais e cadeia de comando, falhas de comunicação devido
a equipamento incompatível ou ausência de procedimentos de
comunicação, recusa das organizações humanitárias de assistência
militar para proteger a independência e imparcialidade e a ameaça ou
uso da força por parte do militar. Ele conclui sugerindo uma gama de
soluções (treinamento, melhor comunicação e processos de consulta
por meio de eventos que melhoram a compreensão mútua, equipes de
ligação) para melhorar o relacionamento civil-militar. (KOVACS E
SPENS, 2012, p. 163. Tradução Nossa)
Visando verificar a ocorrência desses seis fatores supracitados como
dificultadores para o bom andamento da Operação Acolhida, os participantes
dessa pesquisa manifestaram-se a esse respeito. Em 100% das respostas foram
identificadas as “diferenças de estrutura organizacional” como problema. Na
sequência, “as diferenças na cadeia de comando” foram apontadas por 70%, as
“diferenças culturais e Ideológicas” por 40%, as “falhas de comunicação por
equipamentos” em 10%, a “recusa das organizações humanitárias de assistência
militar para proteger a independência e imparcialidade” foi respondida em 20%
dos casos, e “as necessidades de uso ou ameaça de uso da força” não foram
apontadas. Esses números sugerem os aspectos que podem receber maior
atenção em planejamentos fututros.
Para Heaslip et al. (2012) os militares carecem de compreensão das
distintas doutrinas das ONG e entidades civis, enquanto estas criticam os
militares e não entendem suas hierarquias. Nesse sentido foi questionado aos
participantes dessa pesquisa se consideram que há compreensão mútua entre
os papéis das instituições envolvidas nas ações de logística humanitária em
Roraima, sendo que 90% concordaram que há tal compreensão, e os 10%
restantes concordaram plenamente que há esse mútuo entendimento. Esses
resultados contrariam as tendências apresentadas na literatura e apresentam um
ponto forte do trabalho das lideranças da Operação.
4.6 COMUNICAÇÃO
Uma barreira importante para o bom andamento da ajuda humanitária é a
falta de comunicação. Esse óbice pode ser proveniente tanto da carência de
infraestrutura de comunicações, como das dificuldades óbvias associadas às
13
diferenças de idioma entre as partes. (MOORE & ANTILL, 2002 apud KOVACS
E SPENS, 2012).
No entanto, para a cooperação civil-militar, as tecnologias de ambas as
organizações devem ser compatíveis. Além disso, ambos devem estabelecer
uma linguagem comum em relação às missões de ajuda (Barry & Jeffrys, 2002,
apud KOVACS & SPENS, 2012)
Essa pesquisa procurou avaliar a percepção dos participantes quanto ao
nível da comunicação entre civis e militares. Ao serem questionados sobre o
nível de qualidade da comunicação, 10 % consideram que é excelente, 70%
consideram muito boa e 20% consideram boa. Os números revelam uma
percepção positiva da comunicação entre os atores envolvidos nas atividades de
logística humanitária, o que pode gerar reflexos positivos para a coordenação
logística da Operação. Em 10% das respostas o idioma foi apresentado como
uma barreira para o contato com os imigrantes, sugerindo uma oportunidade de
melhoria no preparo e seleção dos recursos humanos quando possível.
4.7 DIFERENÇAS CULTURAIS ENTRE ORGANIZAÇÕES
Rondon et al. (2012) entende a cultura como consistindo de três
dimensões: sistemas de significado, normas de comportamento e relações de
poder. Uma cultura profissional pode ser retratada como um conjunto de valores,
crenças, regras, práticas e atitudes que os membros da profissão compartilham
e que moldam sua prática operacional.
A cultura militar e as culturas civis geralmente não se encaixam
perfeitamente nos ambientes de socorro. Há estressores inerentes entre eles
devido às divergências de mandatos, objetivos, métodos de operação e
vocabulário. Quando as diferenças culturais se confrontam no terreno, a
incapacidade de comunicar eficazmente, causada pela falta de compreensão
mútua, cria tensão. (KOVACS E SPENS, 2012)
Quando perguntado aos militares participantes dessa pesquisa se as
diferenças culturais entre civis e militares causam tensões ou dificultam a
cooperação, os dados obtidos foram, de certa forma, divergentes. Enquanto 70%
deles consideram que não há essa tensão, outros 30% concordaram que há.
Isso leva a crer que as experiências de cada função de Estado-Maior envolvem
14
diferentes vivências, com diferentes atores civis, gerando percepções distintas
em relação a essas diferenças culturais e seus efeitos para as atividades. Cabe
a todos buscar a superação dessas diferenças com compreensão e cooperação.
4.8 GESTÃO DE RESULTADOS E EFICIÊNCIA
Segundo Kovacs e Spens (2012, p. 160. Tradução Nossa) “sem padrões
de desempenho, os agentes não têm meios de avaliar seu sucesso e nenhuma
referência para melhorar suas operações”. Cantillo (2008) apud Idris et al. (2014)
também sugere a medição do desempenho como fator de sucesso que afeta os
recursos humanos positivamente nas ações de ajuda humanitária.
Foi indagado na pesquisa a respeito da utilização ou não dos indicadores
de desempenho. Os resultados obtidos demonstraram que em 70% dos casos
há a utilização desses recursos, ao passo que nos outros 30% não há. Acredita-
se que o desenvolvimento desse instrumento pode redirecionar positivamente os
planejamentos e gerar resultados.
Outra feramenta de gestão igualmente importante para o aprimoramento
da interação civil-militar são os modelos de cooperação, ou seja, os checklist
desenvolvidos a partir de experiências anteriores para auxiliar planejamentos e
evitar esquecimentos. Segundo Heaslip et al. (2012, p. 379, Tradução Nossa),
para os atores e seus líderes, os modelos podem contribuir para o
desenvolvimento de listas de verificação, um maior entendimento dos
conflitos no processo de cooperação e elementos para procedimentos
que aumentam o desempenho da cooperação. Os modelos podem
fornecer orientações sobre como os parceiros podem promover e
gerenciar relacionamentos que alcançarão resultados favoráveis; ou
pode ter idéias sobre relacionamentos dinâmicos.
No tocante a esse aspecto, os dados colhidos mostram que apenas 30%
dos participantes fazem uso de modelos capazes de guiar o gerenciamento do
relacionamento civil-militar, enquanto 70% relatam não possuírem. Esse é outro
importante aspecto que pode ser trabalhado em prol do melhoramento do
trabalho.
15
Por fim, foi perguntado aos inquiridos se há o registro de boas práticas
nas relações civis-militares, fruto de análises após as ações desenvolvidas,
justamente para subsidiar modelos de gestão e dirimir equívocos futuros, sendo
obtidos os seguintes resultados: 40% responderam que fazem esse registro,
40% responderam que em parte isso ocorre e 20% responderam que não fazem.
Da mesma forma, esse é um procedimento interessante que pode evitar
repetição de equívocos e gerar bons frutos quando utilizado por todos.
5. CONCLUSÃO
Neste trabalho, se observou que a logística humanitária compreende uma
integração complexa de uma gama de indivíduos e organizações. De uma forma
sintética, se pode constatar que civis e militares, apesar de suas diferenças,
apresentam capacidades complementares para a realização de esforços
conjuntos de ajuda humanitária. Tais diferenças devem ser articuladas de forma
a promover uma sinergia de forças, superando óbices e desafios.
Verificou-se nessa pesquisa que, em ajuda humanitária, a coordenação
civil-militar é complexa, tendo sido analisadas, ao longo das oito subseções
deste trabalho, as possíveis barreiras a serem superadas. Para os militares, o
primeiro passo é obter uma melhor compreensão dos demais atores
humanitários, de suas capacidades, atitudes e papéis. Vale ressaltar que a
cooperação civil-militar vem ganhando força e evoluindo nos últimos anos.
Nesse ínterim, é necessário que lições aprendidas sejam incorporadas e
treinamentos aconteçam de forma conjunta.
Assim, a Operação Acolhida tem demonstrado ser um importante campo
de pesquisa para coleta de dados e de ensinamentos para os mais diversos
segmentos de atuação. Nesse sentido, foi possível constatar que, em muitos
aspectos, o trabalho que lá é desenvolvido está alinhado com conceitos
internacionalmente reconhecidos como referências no campo das relações civis-
militares em ajuda humanitária. Isso demonstra o amadurecimento institucional
e é resultado, também, de experiências de sucesso como no Haiti e e em
operações de adestramento como a AmazonLog16, laboratórios para o desafio
enfrentado em Roraima.
A partir dessa pesquisa, um campo de possibilidades se abre para novas
abordagens, seja no tocante à relação civil-militar ou a qualquer outro fator que
16 Exercício de Logística Multinacional Interagências, inédito na América do Sul, conduzido pelo Comando Logístico (COLOG) na Amazônia em 2017.
16
compõe a Operação Acolhida. Um importante viés que pode ser abordado em
novas pesquisas é a percepção das diversas entidades civis a repeito da relação
civil-mlitar lá vivenciada, pois isso fornecerá um importante contra-ponto para as
conclusões aqui obtidas e conduzirá à ampliação dos resultados.
Por fim, conclui-se que a participação das Forças Armadas em ações de
socorro às vítimas de calamidades, cooperando com agências civis, é uma
realidade solidificada no País, mas que pode e deve ganhar qualidade e
eficiência, desde a fase da preparação até a obtenção de ótimos resultados,
gerando o bem-estar e garantindo segurança à sociedade.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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