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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA UESB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DCSA COLEGIADO DE DIREITO ALEXANDRE GARCIA ARAÚJO. LUZ, CÂMERA, ESCRACHO! O PROTAGONISMO E A OUSADIA DA JUVENTUDE NA LUTA PELO DIREITO À MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA. VITÓRIA DA CONQUISTA BA 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – DCSA

COLEGIADO DE DIREITO

ALEXANDRE GARCIA ARAÚJO.

LUZ, CÂMERA, ESCRACHO! O PROTAGONISMO E A OUSADIA DA

JUVENTUDE NA LUTA PELO DIREITO À MEMÓRIA,

VERDADE E JUSTIÇA.

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA

2013

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Alexandre Garcia Araújo

LUZ, CÂMERA, ESCRACHO! O PROTAGONISMO E A OUSADIA DA JUVENTUDE NA

LUTA PELA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA.

Monografia apresentada à Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia como requisito parcial para a

obtenção do título de bacharel em Direito

Orientador: Prof. Msc. Ruy Hermans Medeiros

VITÓRIA DA CONQUISTA – BA

2013

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Dedico esse trabalho

a todas e todos os jovens que perderam

suas vidas lutando contra a ditadura, e

aos jovens sergipanos Larissa Alves,

Jessy Dayane, Tatiane Leal, Viviane Leal,

Camila Almeida e Gilson Junior. Esses, ainda nos dias

de hoje, tiveram que enfrentar um processo judicial e

encarar o que resta do regime ditatorial.

Assim como os que deram as suas vidas,

não tiveram medo de dizer:

LIBERDADE!

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AGRADECIMENTO

Apesar de a metodologia estar descrita na introdução, alguns detalhes importantes foram

omitidos e esse é o momento da redenção. Em primeiro lugar, quem escreveu esse trabalho

não foi Alexandre, estudante de Direito da UESB, mas sim Xandó, militante do Levante

Popular da Juventude. Em segundo, eu não fiz esse trabalho sozinho, e nem teria condições de

fazê-lo. Cada acento e vírgula tiveram a contribuição, pitaco e incentivo de dezenas de

integrantes do Levante, que estavam tão ou mais ansiosos do que eu para chegarmos à

conclusão. A maior parte da bibliografia foi indicada por essa galera. Assim, o autor desse

trabalho não é um indivíduo isolado, mas sim um movimento social, que se debruçou sobre

suas próprias ações para se compreender melhor, teorizar sobre um mundo diferente, e gritar

bem alto que a juventude ainda mantém acesa a chama da revolução. Assim, o meu primeiro

agradecimento vai para todas e todos os militantes dessa família que não para de crescer:

LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE!

Agradeço aos meus pais, Alexandra e Miau pelo apoio incessante e pela confiança que

me foi dada. Apesar das discordâncias ideológicas, vocês jamais questionaram a legitimidade

dessa pesquisa e proporcionaram as condições para que eu pudesse me voltar inteiramente a

ela. Apesar de eu não estar realizando o sonho de vocês, vocês criaram as condições para que

eu realizasse o meu, e isso eu levarei para sempre comigo.

A todos os funcionários e professores da UESB, por me acolherem nesse ambiente que

se tornou a minha segunda casa. Ao Prof. Ruy Medeiros, pelas lições de bravura e caráter,

além do esforço de me orientar mesmo estando tão atribulado. A Prof. Marília Flores, nossa

queria Lila, por ter me ajudado com nos momentos iniciais e com a base de toda a pesquisa.

Ao Prof. Fábio Félix, por me fazer caminhar mais à esquerda, pela paciência com a minha

impaciência, e principalmente pela amizade que construímos ao longo desses anos. Aos Profs.

Claudio Carvalho e Paulo Cezar Martins, pela genialidade que executam a militância

acadêmica, e que com certeza me incentivaram a seguir as trilhas da docência. À Prof.

Edvânia Gomes, por me proporcionar a vivência da pesquisa acadêmica e por me mostrar

como deve ser o trabalho de um pesquisador sério e comprometido. À Prof.ª Claudia Fonseca

pela confiança e cumplicidade que resultou em uma boa parceria.

Aos Drs. Paulo Abrão e Marcelo Torelly, membros da Comissão da Anistia do

Ministério da Justiça, que gentilmente disponibilizaram uma série de livros e revistas que

contribuíram sobremaneira à minha formação teórica.

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Aos companheiros do Movimento Estudantil, por me apresentarem o que a universidade

tem de melhor, e que com certeza não está na sala de aula. Aos que junto comigo construíram

o Centro Acadêmico Ruy Medeiros - CARM e lutaram por um Curso de Direito crítico e

emancipatório. Aos que conheci rodando todo o Brasil nesses anos de FENED – Federação

Nacional de Estudantes de Direito, na luta incansável contra esse Direito elitista, conservador

e que mantém a desigualdade social.

Aos companheiros dos movimentos sociais populares como o MST (Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), MTD

(Movimento dos Trabalhadores Desempregados) e MAB (Movimento dos Atingidos por

Barragens), por me sacudirem e alertarem quem são os mantenedores da pobreza e os

inimigos da classe trabalhadora. Um agradecimento especial aos moradores do Assentamento

9 de Junho, sertão sergipano, ao qual tive a honra de conviver durante dez fantásticos dias. A

experiência de vida e aprendizado que tive ali, nenhum banco acadêmico poderia sequer

descrever. Rosinha, Seu Avassi, Cícero, João Arroz e companhia, assim como o MST mudou a

vida de vocês, a minha nunca mais foi a mesma depois de conhecê-los. E o melhor foi que ali

eu ganhei mais um irmão: aquele axé Diegão!

Não poderia deixar de lembrar e reverenciar os/as camaradas da minha organização, o

partido com menos recursos e mais ousadia da história socialista internacional. Ele veste

minha roupa e pensa com minha cabeça, onde eu moro é a casa dele e quando eu sou atacado

ele luta. Que prazer ser um pedacinho seu: Consulta Popular! Agradeço em especial ao núcleo

de Vitória da Conquista; guerreiros, companheiros, confidentes, amigos, irmãos, exemplos!

Iza, Magu, Clarinha, Gui, Fabi, Mauri, Lidi, Edelson e Xandão, ainda nos encontraremos por

aí, na luta contra o capitalismo, compartilhando a dor e a vitória da classe trabalhadora. Hasta

siempre camaradas!

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Te bateram,

Te prenderam,

Te humilharam,

Te torturaram

companheiro meu.

Te quiseram arrancar os sonhos

Teu futuro até teu passado.

Quiseram aniquilar-te

E a alguns aniquilaram.

Mas, a todos vocês companheiros nossos,

Dizemos: na tua luta nos reconhecemos.

E contra todas as violências que em vossas peles arderam,

Hoje nos levantamos

Gritamos!

A tua morte compa meu, teu ferimento irmão meu,

Não deixaremos no esquecimento.

Pronunciaremos os nomes de teus assassinos e torturadores

Apontaremos cada um deles

E não descansaremos, até vê-los punidos!

E tu irmão meu, companheiro nosso,

A luta que nos ensinaste com tua trajetória

Em nós se germina,

E ai de sermos um solo fértil

Para que tua vida, tua luta e teus sonhos

Aqui renasçam.

Paula Adissi

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RESUMO

O presente trabalho procura fazer uma análise das ações realizadas em 2012 pelo

movimento social Levante Popular da Juventude, em torno do direito à Memória, Verdade e

Justiça no Brasil. Essas atividades, conhecidas como escrachos, colocaram em cheque a lei de

anistia e o anonimato de pessoas que foram protagonistas do regime ditatorial, exigindo (em

um primeiro momento) a instauração da Comissão Nacional da Verdade e a punição dos

torturadores. Observando as reações de setores da sociedade frente aos escrachos, utilizando

como referencial teórico a perspectiva Gramsciana de Estado ampliado, ideologia e

hegemonia, intenta-se identificar como as ações dos jovens interferiram na correlação de

forças do Estado, e impulsionaram o debate da Justiça de Transição. Entre ameaças, processos

judiciais, prêmios estaduais e nacionais, debates na academia e nas ruas, fica evidente que as

chagas do regime ditatorial permanecem abertas, e que o povo brasileiro ainda não superou as

marcas desse período – o que traz consequências importantes para a compreensão da

formação social dessa nação.

PALAVRAS-CHAVE: Comissão Nacional da Verdade; Escracho; Justiça de Transição;

Levante Popular da Juventude

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RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo analizar las acciones emprendidas en 2012 por el

movimiento social “Levante Popular da Juventude” en torno al derecho a la Memoria, la

Verdad y la Justicia en Brasil. Estas actividades, conocidas como escraches han cuestionado la

ley de amnistía y el anonimato de las personas que participaron en el régimen dictatorial,

requiriendo (al principio) el establecimiento de la Comisión Nacional de la Verdad y el

castigo de los torturadores. Viendo las reacciones de los sectores de la sociedad antes los

escraches, tomando como perspectiva teórica gramsciana el estado prolongado, ideología y

hegemonía, se intenta identificar cómo las acciones de los jóvenes interfirieron en la

correlación de fuerzas del Estado, e impulsó el debate de Justicia transicional. Entre las

amenazas, juicios, premios estatales y nacionales, debates en las universidad y en las calles, es

evidente que las heridas de la dictadura siguen abiertas, y que el pueblo brasileño todavía

tiene que superar las marcas de este período – lo que tiene implicaciones importantes para la

comprensión la formación social de esta nación.

PALABRAS-CLAVE: Comisión Nacional de la Verdad; Escrache; Justicia

Transicional; Levante Popular da Juventude.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Quadro do funcionamento do IPES 20

Figura 2 – Gráfico da organicidade do Levante 33

Figura 3 - Manifestantes em Escracho 44

Figura 4 - Grafite realizado em Escracho 48

Figura 5 - Representação de tortura 50

Figura 6 - Gráfico da disposição territorial dos atos 55

Figura 7 - Prova do Vestibular da UFU 64

Figura 8 - Fotos de apoio aos jovens processados 68

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADESG – Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra

AI – Ato Institucional

AJD – Associação Juízes para a Democracia

ALN – Ação Libertadora Nacional

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

BNM – Brasil: Nunca Mais

BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais

CA – Centro Acadêmico

CAMDE – Campanha da Mulher pela Democracia

CDHMP – Centro de Direitos Humanos e Memória Popular

CEMDP – Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

CFMDP – Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

CF – Constituição Federal

CIA – Central Intelligence Agency

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNV – Comissão Nacional da Verdade

COLINA – Comando de Libertação Nacional

CONCLAP – Conselho Superior das Classes Produtoras

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DCE – Diretório Central Estudantil

DOPS – Departamento de Ordem Política e Social

DOI-Codi – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de

Defesa Interna

DSN – Doutrina de Segurança Nacional

ESG – Escola Superior de Guerra

FFAA – Forças Armadas

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

JT – Justiça de Transição

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Levante – Levante Popular da Juventude

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores

MPF – Ministério Público Federal

MST – Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OBAN – Operação Bandeirante

ONU – Organização das Nações Unidas

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PCR – Partido Comunista Revolucionário

PM – Polícia Militar

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNDH-3 – Programa Nacional de Direitos Humanos – 3ª versão

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PT – Partido dos Trabalhadores

SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República

STF – Supremo Tribunal Federal

UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

UNE – União Nacional dos Estudantes

UFU – Universidade Federal de Uberlândia

USP – Universidade de São Paulo

VAR-Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária Palmares

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13

1 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E O DIREITO À MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA

1.1 A ditadura no Brasil............................................................................................................17

1.2 Origem e conceitos da JT....................................................................................................24

1.3 Justiça transicional em terras brasilis................................................................................27

2 A IN(TER)VENÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

2.1 Que Levante é esse?............................................................................................................31

2.2 Quando não basta o pranto nem a raiva............................................................................34

2.3 Porque se falar em escrachos no Brasil?............................................................................39

2.4 Os escrachos in loco...........................................................................................................41

2.5 Balanço nacional................................................................................................................54

3 AS REAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE AOS ESCRACHOS

3.1 Concepções de Estado, Ideologia e Hegemonia em Gramsci............................................56

3.2 Reações: Ataque ao movimento e solidariedade da sociedade civil...................................58

3.3 Militares..............................................................................................................................59

3.4 Ex-presos políticos e familiares das vítimas.......................................................................60

3.5 Imprensa escrita e televisiva...............................................................................................61

3.6 Redes sociais virtuais..........................................................................................................62

3.7 Terceiros afetados...............................................................................................................63

3.8 Universidade.......................................................................................................................63

3.9 Legislativo...........................................................................................................................64

3.10 Executivo...........................................................................................................................65

3.11 Reações dos escrachados / Poder Judiciário....................................................................66

3.12 Entidades de classe, Movimentos Sociais, Partidos Políticos e Personalidades.............69

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................75

ANEXOS..................................................................................................................................81

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INTRODUÇÃO

O Brasil, após sofrer o golpe civil-militar de 31 de março de 1964, entrou em um

período de exceção, vivendo sob regime ditatorial até o ano de 1985. Essa realidade não foi

exclusividade brasileira, pois, em um contexto de Guerra Fria e sob forte influência e apoio da

central de inteligência estadunidense – a CIA, foi desencadeada uma série de intervenções em

países latino-americanos, que culminaram na Operação Condor.1 Durante esse período, vários

setores da população brasileira não concordaram com o golpe e a instauração do regime, e

empregaram múltiplas formas de resistência e luta para a restauração da democracia – seja

através da disputa via Congresso Nacional, denúncias na imprensa, mobilizações populares,

estudantis, sindicais, e até a luta armada. Para manter a estabilidade e o Estado de Segurança

Nacional, as forças no poder se utilizaram principalmente do uso da violência para conter

essas manifestações, chegando a institucionalizar a tortura, através do controle policialesco e

judiciário. O Congresso Nacional foi dissolvido diversas vezes e os ditadores passaram a

legislar por decretos, que a partir de 1971, quando tratassem da Segurança Nacional,

poderiam inclusive ser secretos. Mesmo com todo esse aparato em mãos, os agentes do

regime não respeitavam a legislação, sendo necessária a cumplicidade de outros vários atores,

como médicos legistas, peritos, juízes etc. para esconder as sevícias, torturas e assassinatos

cometidos.

Quando o governo Geisel se compromete com a distensão e o retorno das instituições

democráticas no país, sempre deixou explícito que o processo seria lento, gradual e seguro.

Os militares perceberam que, havendo a continuidade do modelo autoritário, haveria a

possibilidade de uma interrupção abrupta do regime, e iniciaram uma transição do “Estado

coercitivo” para o “Estado consenso”, visando a sua legitimação. Ocorreu uma abertura para

que os setores dominantes antagônicos resolvessem suas pendências e contradições, mas que

no fundo, continuava servindo a um modelo de capitalismo “modernizado”, monopolista e

dependente, integrado no quadro internacional (SABOYA et. al., 1982, p 112). A manobra

1 Em breves linhas, a Operação Condor foi a articulação entre os aparatos de inteligência militar dos países do

cone sul, para a captura e extermínio de contestadores dos regimes autoritários. Idealizada pelo chefe da DINA

(Direção de Inteligência Nacional chilena), Coronel Manuel Contreras, e formalizada em 1975 no “primeiro

encontro de trabalho interamericano sobre inteligência nacional”, criou de um sistema de cooperação mútua para

a troca de informações e de agentes de inteligência em territórios vizinhos (NAHOUM e BENEDETTI, 2009, p.

310). Foi o momento em que os ditadores passaram a “exportar” know-hall em técnicas e práticas de tortura,

sendo o Brasil um dos líderes desse “mercado” que ainda envolvia a Bolívia, Argentina, Chile, Equador,

Paraguai e Uruguai.

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utilizada foi de cooptar e abrir espaço para alguns setores antes dominados, fragmentando a

oposição. Além disso, enquanto negociava com os partidos e instituições civis de setores da

elite, questões como a anistia, fim da censura e retorno do instituto do habeas corpus, o

governo deixava claro que a liberalização não se aplicava à classe trabalhadora, e aumentava a

repressão no meio sindical. (ALVES, 2005, p, 256). Figueiredo dá sequência a esse processo,

mas fica evidente que os militares ainda detinham o poder do Estado, quando, mesmo com

mobilizações de milhões de pessoas, a campanha das “Diretas Já” sucumbe, e a eleição

presidencial de 1985 se dá por votação indireta no Congresso. A abertura representou assim,

uma transição operada por cima.

Em 1979, após forte pressão social, foi promulgada a Lei 6.683, que anistiou aqueles

que cometeram crimes políticos e conexos entre os anos de 1961 a 1979, possibilitou que

alguns dos exilados pudessem voltar ao país e libertou uma parte dos presos políticos.

Contudo, a promulgação dessa lei em plena vigência da ditadura, não foi ampla, geral e

irrestrita, como queriam as forças populares, pois excluiu quem cometeu os chamados crimes

de sangue, e também significou uma auto anistia, absolvendo todos aqueles que cometeram

crimes em nome do regime. Esse é um dos exemplos que demonstra que não houve um

processo de ruptura no país, e possibilita entender porque os mesmos grupos que estavam no

poder se mantiveram, alterando apenas seus métodos e ações.

Em 26 de março de 2012, quase três décadas após a redemocratização do país, um

grupo de jovens organizados no Levante Popular da Juventude, promoveu uma série de ações

que causou grande repercussão na sociedade brasileira: os escrachos (ou esculachos). Em sete

estados da federação, de forma secreta, os jovens se dirigiram até as residências ou locais de

trabalho de militares ou médicos que comprovadamente participaram de sessões de tortura

durante o período da ditadura, denunciando essa situação. Munidos com carros de som,

percussão, panfletos, cartazes, gritos de ordem, e músicas, os jovens denunciavam aos

vizinhos e a quem passava pelo local, que ali morava ou trabalhava um agente da ditadura

militar. Ao longo do ano outros escrachos foram realizados. A temática provocou polêmicas

na sociedade, reações dos militares e chegou, inclusive, a ser tema de questão do vestibular da

UFU – Universidade Federal de Uberlândia.

Essas ações, inéditas no Brasil, foram inspiradas em semelhantes que aconteceram no

Chile e na Argentina, países que também passaram por períodos ditatoriais, mas que já

avançaram na chamada Justiça de Transição, principalmente em decorrência da grande

participação popular. Os escrachos tiveram como propósito inicial pressionar o Estado

brasileiro a instaurar a Comissão Nacional da Verdade (doravante CNV), que já havia sido

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promulgada por lei desde o mês de novembro de 2011, e também, colocar o debate na ordem

do dia da população, haja vista o grande tabu que gira em torno desse tema.

Desde que foram feitas as primeiras discussões sobre a criação da CNV, ela enfrentou

problemas e contestações. Primeiro porque grande parte da documentação oficial existente

sobre aquele período foi destruída ou continua em poder dos militares. Além disso, devido à

Lei de Anistia e a atual interpretação que o STF lhe atribui, os resultados das investigações

não podem ser utilizados como prova em processos condenatórios. Todavia, o principal

entrave existente, é o grande poder que as Forças Armadas (FFAA) e setores da elite brasileira

ligados àquelas ainda gozam dentro do Estado brasileiro, travando um embate direto com os

governos que tentaram avançar nesse aspecto. É nesse contexto de disputa política entre

militares da ativa e reserva, Governo Federal, parlamentares, ativistas de Direitos Humanos,

mídia e familiares de vítimas, que surge o elemento novo: as mobilizações de rua promovidas

por um movimento social de juventude, que à priori, nada teria a ver com a questão. Cabe

então, como elemento principal dessa pesquisa e como problema a ser investigado, a

identificação das reações do Estado Brasileiro frente aos escrachos promovidos pelo Levante

Popular da Juventude no ano de 2012, e, como essas manifestações contribuíram para a

efetivação do Direito à Memória, Verdade e Justiça.

A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica das primeiras elaborações teóricas

sobre o período de exceção, assim como das experiências da sociedade civil de sistematização

e arquivamento da documentação existente. Além de material escrito, foram utilizados como

fonte de pesquisa filmes curta e longa-metragem e documentários, pois, ao se identificar as

sensações e emoções vividas, percebem-se as dificuldades de resoluções dos conflitos atuais.

Realizou-se também uma análise da legislação brasileira no que tange à temática, como, por

exemplo, a Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei 314/1967 e Lei 7.170/1983), Lei de

Anistia (nº 6.683/1979), Lei da que criou a CEMDP – Comissão Especial sobre Mortos e

Desaparecidos Políticos (nº 9.140/1995), a Lei que criou e regulamentou a CNV (nº

12.528/2011) e o PNDH-3 – Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (Decreto nº 7.037/2009).

Sobre os escrachos e as reações do Estado, boa parte das informações foi catalogada a partir

do que foi relatado pela mídia, em jornais impressos, televisivos e na internet. Outras fontes

foram os blogs estaduais e nacional do Levante, e depoimentos de militantes do movimento.

No primeiro capítulo, é feito um apanhado histórico das condições sociopolíticas do

país nos anos que antecederam o golpe, bem como das movimentações das elites no preparo

institucional e de disseminação ideológica que culminaram na queda de João Goulart.

Também foi feito um levantamento teórico acerca da Justiça de Transição e do Direito à

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Memória, Verdade e Justiça, com seus elementos, objetivos, precedentes e jurisprudência

internacional. Ao final, são arroladas as medidas referentes à justiça transicional no Brasil,

tanto as políticas públicas adotadas, como as decisões judiciais nacionais e internacionais.

O segundo capítulo traz um detalhamento sobre o histórico, diretrizes políticas e modus

operandi do Levante. A partir de então, resgata-se a experiência de organização da sociedade

civil latino-americana, e o motivo e contexto de surgimento dos escrachos. Em seguida, é feita

uma análise de conjuntura do período que precede as ações, identificando as movimentações

políticas do Governo Federal e das Forças Armadas. Por fim, são relacionados todos os

esculachos promovidos pelo movimento no ano de 2012, com destaque para o método e

divulgação das ações.

O terceiro capítulo é destinado à identificação das reações (positivas e negativas) do

Estado brasileiro frente aos escrachos, e para tanto, são apresentadas as concepções

gramscianas de Estado ampliado, hegemonia e ideologia. As reações mais diversas são

descritas e analisadas, e identifica-se a repercussão e o impacto que elas causaram na

sociedade.

Após o desenvolvimento da pesquisa concluiu-se que as ações do Levante alcançaram

ampla repercussão, conseguiram furar o bloqueio da mídia hegemônica, e tiveram boa

recepção por setores da sociedade civil e política. Essas ações foram importantes porque

levaram às ruas um debate que antes estava encastelado nos gabinetes, e se mostraram como

importantes ferramentas na consolidação dos Direitos Humanos e em especial do Direito à

Memória, Verdade e Justiça. Não obstante, concluiu-se também que o Brasil ainda possui

muitos resquícios da ditadura, e que somente com a efetiva mobilização da sociedade civil, o

país poderá superar essas chagas e iniciar um novo ciclo em sua democracia.

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Capítulo I - JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E O DIREITO À MEMÓRIA, VERDADE E

JUSTIÇA

1.1 A ditadura no Brasil

Decorridas algumas décadas da redemocratização do país, percebe-se que grande parte

da população desconhece o que foi o período de exceção, ou carrega consigo uma visão

deturpada daquele momento histórico. Isso se dá devido a uma série de elementos, como o

fato de não ter ocorrido uma reação de massas logo após o golpe (ou uma guerra civil), e

também pelo modo como a oposição foi duramente sufocada – seja através da repressão,

expurgos2 ou censura. Essa não reação pode ser encarada, a priori, como uma aceitação

daquele fato pela população; entretanto, é necessária uma apuração cuidadosa para melhor

compreender como se arquitetou/concretizou o golpe civil-militar de 64.

Esse, fora precedido por outra tentativa em 1961, quando o presidente Jânio Quadros

renuncia e seus ministros militares constituem uma junta militar para tentar impedir que o

vice, João Goulart, assumisse a presidência.3 Como Jango contava com um forte apoio

popular (que englobava as classes trabalhadoras e camponesas, a burguesia industrial de

médio porte, militares nacionalistas, setores agrários do sul, e políticos tradicionais que se

opunham à ESG e ao bloco multinacional e associado), a conspiração fracassa, mas ele acaba

assumindo a presidência com restrições, e tem que aceitar governar em um regime

parlamentarista.4

Dentro do Estado5, todavia, havia se formado um bloco histórico

6 oposto aos setores

que circundavam o populismo, e que era dirigido por um conjunto de intelectuais orgânicos 1)

2 Os expurgos foram os afastamentos e cassações de uma gama de indivíduos durante o regime militar. Dados

revelam que cerca de 50 mil pessoas foram atingidas diretamente pela ditadura, sendo 4.862 cassados, 6.592

militares atingidos, aproximadamente 10 mil funcionários públicos demitidos, 780 cassações de direitos políticos

pelo período de dez anos, e 49 juízes expurgados. Além disso, foram computados milhares de presos políticos, os

quais pelo menos 20 mil foram submetidos a tortura física, pelo menos 360 mortos e 144 dados como

desaparecidos. Foram iniciados 707 processos judiciais por crimes contra a Segurança Nacional que atingiram

10.034 pessoas, 130 foram banidos do território nacional, milhares foram exilados, e centenas de índios e

camponeses foram assassinados (CUNHA, 2010, p. 30). 3 Já em 1953, quando Ministro do Trabalho no governo Vargas, Jango “caiu” por força da oposição exercida

pelas FFAA, onde 80 coronéis assinaram um memorando exigindo a sua saída. 4 O Brasil vivia um momento de ebulição política e participação popular, com uma classe trabalhadora industrial

emergente, e um inicio de organização sindical no campo que mobilizou milhares em prol da reforma agrária e

da equiparação de direitos. Com isso, “na verdade [as Forças Armadas] estavam dando sequência a uma longa

tradição intervencionista que remonta aos séculos anteriores da nossa história. Ainda antes da proclamação da

república e durante a época escravista, registraram-se inúmeros episódios de participação dos militares na

repressão contra levantes populares” (ARNS, 1985, p. 53). 5 Para compreender a concepção de Estado utilizada nesse trabalho, conferir Capítulo III, item 3.1.

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diretores de multinacionais e diretores e proprietários de interesses associados; 2)

administradores de empresas privadas, técnicos e executivos estatais que faziam parte da

tecnoburocracia, e 3) oficiais militares (DREIFUSS, 1981, p. 71). O domínio desse bloco

multinacional e associado não se dava somente através da imposição econômica, mas também

pela política. Alguns diretores e empresários acumulavam cargos de diretoria em diferentes

companhias e funções estatais, e os oficiais chave eram acionistas ou diretores de corporações

privadas, tornando-se, com isso, capazes de exercer considerável pressão frente aos governos.

A avaliação dos teóricos desse bloco era de que, aquela tentativa de golpe em 1961, não

logrou êxito pois não houve um preparo ideológico eficiente frente às massas, havendo tão

somente a imposição da força pelas FFAA. Ante a essa situação, entram em cena três atores

importantes para a articulação das forças conservadoras e para a preparação da próxima

tentativa de tomada do poder: IBAD, IPES e ESG. O IBAD – Instituto Brasileiro de Ação

Democrática era, nas palavras do então embaixador americano Lincoln Gordon, um “grupo

industrial de moderados e conservadores”, que foi criado com o alegado propósito de

“defender a democracia”. Esse grupo de ação foi denunciado como uma das principais

operações políticas da CIA no Rio de janeiro, sendo basicamente uma organização de ação

anticomunista (idem, p 102). Possuía ligações estreitas com organizações paramilitares e com

a extrema direita da igreja católica (Opus Dei e TFP – Tradição Família e Propriedade), tendo

influenciado processos eleitorais e sindicais, injetando enormes cifras que eram recolhidas do

empresariado e de políticos.

O IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais utilizava a fachada de centro

educacional e de estudos, apartidário e patriótico, e fazia doações para a redução do

analfabetismo entre crianças pobres – o que ocultava o seu trabalho de coordenação da

manipulação de opiniões e guerra psicológica ao governo Jango. O IPES contava com

medalhões como o General Golbery do Couto e Silva, o presidente do Banco do Brasil no

governo Janio, General Eugênio Euclides Figueiredo (pai do General e presidente João

Baptista Figueiredo), Roberto Campos, Henrique Geisel (irmão do General e presidente

Ernesto Geisel), dentre outros. Para recrutar mais militantes e colaboradores, era regra do

instituto que cada integrante deveria arregimentar mais cinco, e o seu lema era “se você não

abandona os seus negócios por uma hora hoje, amanhã não terá negócio algum para se

preocupar” – em clara identificação de sua visão anticomunista (BANDEIRA, apud

6 Articulação entre diferentes classes e categorias sociais sob a liderança de uma classe dominante ou um bloco

de frações. Esse bloco de poder consegue assegurar o consenso e consentimento das classes e grupos

subordinados e subalternos em decorrência de sua capacidade de definir e manter normas de exclusão social e

política; ou seja possui a hegemonia dentro daquela frente (DREIFUSS, 1981, p. 40).

Page 19: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

19

DREIFUSS, 1981 p. 252). Enquanto o IBAD era a unidade tática, o IPES era o centro

estratégico, formulando estudos doutrinários que difundissem a ideologia do bloco.

Uma série de associações e entidades também compunham essa rede, estendendo as

articulações do complexo IPES/IBAD e difundindo a Doutrina de Segurança Nacional, como

o CONCLAP (Conselho Superior das Classes Produtoras), FIESP, CONSULTEC, ADESG,

Federation of the American Chambers of Commerce e a CAMDE (Campanha da Mulher pela

Democracia). A interferência e atuação desse bloco foram tão incisivas que, após o processo

eleitoral de outubro de 1962, uma CPI foi instaurada para investigar as relações do complexo.

O IBAD foi fechado por ter sido considerado culpado de corrupção política, enquanto que o

IPES foi absolvido, pois todas as atividades realizadas pelo instituto “coadunavam com os

objetivos declarados” em sua carta de fundação – sendo que cinco dos nove integrantes da

CPI tinham sido beneficiados pelos fundos do complexo (DREIFUSS, 1981, p 207). Pode-se

afirmar que esse complexo, somado à ESG, formava o partido (gramsciano) da burguesia

multinacional e associada no Brasil.

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20

Figura 1: Reprodução de quadro que retrata o funcionamento do IPES. Fonte: DREIFUSS, 1981, p. 175.

Enquanto o complexo IBAD/IPES agia com foco nas atividades do Congresso, sindical,

católica e em especial na classe média, a Escola Superior de Guerra (ESG) difundiu a DSN

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através dos centros militares de estudos e treinamento, bem como nos programas de educação

cívica. A base da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) era de que se vivia uma guerra

permanente e bipolar contra o comunismo no mundo, e que o Brasil possuía uma posição

importante na geopolítica mundial, sendo capaz de influenciar toda a América Latina a partir

de suas decisões. O início da DSN se dá 1949, no governo Dutra, com a criação da ESG.

Formada por oficiais anti-Vargas e pró-UDN, sua inspiração advinha da National War College

estadunidense, e dos ideólogos franceses neocolonialistas. Sua concepção de Segurança

Nacional era um “grau de garantia que, através de ações políticas, econômicas e psicossociais

e militares, o Estado proporciona à Nação, para a conquista e manutenção dos objetivos

nacionais, a despeito dos antagonismos ou pressões, existentes ou potenciais” (SABOYA et.

al., 1982, p. 83/84).

No dia do golpe, com o advento da operação militar de deslocamento de tropas em

direção ao Rio de Janeiro, desencadeou-se também a “operação Brother Sam”, um plano de

contingência requerido pelos líderes do IPES para que as autoridades americanas garantissem

apoio logístico ao movimento anti-João Goulart (DREIFUSS, 1981, p. 399). Os planos eram

de uma intervenção direta no porto de Vitória (ES), com o deslocamento, no dia 2 de abril, de

uma esquadra para aquela cidade – além da intervenção dos cerca de 40 mil soldados

estadunidenses que já se encontravam em solo brasileiro.7 Mas, por que não houve resistência

por parte do governo legalmente eleito? O risco de uma guerra civil e da divisão do país era

concreto, assim como foi com a Coreia e o Vietnã. A resistência partiria do Rio Grande do

Sul, terra de Jango e Brizola, onde o III Exército, um dos mais capacitados militarmente, era

contrário ao golpe. Porém, com o comunicado do General Telles de que no dia 2 de abril já

não detinha mais o controle de todos os batalhões, Jango e seus ministros perceberam que a

resistência era inviável e traria consequências drásticas ao país, podendo levar a morte de

milhares de cidadãos.

O país vivia um período de ascenso das massas e das lutas dos trabalhadores, tendo por

exemplo, uma greve que envolveu 400 mil trabalhadores civis de transportes marítimo,

ferroviário e portuário em todo o país, exigindo a equiparação salarial aos militares (no ano de

1960). Em 1963, 700 mil trabalhadores entraram em greve pretendendo a unificação da data-

base dos acordos salariais e outras reivindicações. Em março de 1964, 200 mil pessoas

7 A interferência estadunidense, de caráter imperialista, não se deu somente no âmbito militar (o qual inclusive

fazia doações de armamento para o Exército brasileiro via Programa de Assistência Mútua), mas também no

fortalecimento da oposição conservadora e na desestabilização da economia. Houve um corte de empréstimos e

crédito ao Governo Federal, ao passo que havia uma ajuda seletiva a determinados estados e governadores

oposicionistas, formando as chamadas ilhas de sanidade. Estados e diretrizes eram então apontadas como modelo

de sucesso, que serviam para propagandear a oposição e fazer frente ao populismo trabalhista.

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compareceram ao histórico comício das reformas de base no Rio de Janeiro, e em resposta, a

Marcha da Família com Deus pela Liberdade levou 500 mil pessoas às ruas de São Paulo. A

Marcha da Vitória, em comemoração à deposição de Jango, levou em 2 de abril, 800 mil

pessoas ao centro do Rio de Janeiro, com cartazes e faixas contra o comunismo.

Mas por que não houve uma resposta imediata e expressiva contra o golpe nas ruas

brasileiras? Havia uma rede de informações mapeada pelo complexo IPES/IBAD/ESG, que

possuía um dossiê de informações de 400 mil pessoas ligadas ao governo Jango, a Brizola, às

Ligas Camponesas, sindicalistas, comunistas, estudantes e até mesmo a qualquer pessoa que

já tivesse viajado para Cuba ou para a Rússia. Imediatamente após o anúncio do golpe,

iniciou-se a “operação limpeza”, em que foram instaurados 763 Inquéritos Policiais Militares,

os chamados “IPM‟s da subversão”, onde calcula-se em 50 mil o número de presos e

indiciados. Como no golpe do Estado Novo em 1937, navios tiveram novamente de ser

usados como prisões para abarcar a enorme quantidade de detidos em tão curto lapso temporal

(MARTINS, 1978, p. 120). Com o desenrolar do golpe a partir do sudeste e centro-oeste, no

interior do país o processo se deu por adesão (CORREA, 2011, p. 55), e parte dos grupos

dominantes e oligárquicos aproveitaram esse contexto para denunciar (ainda que de forma

caluniosa) adversários políticos, que também acabaram sendo enquadrados pela DSN.

Contudo, diferentemente de outras ditaduras do cone sul, a manutenção de um

bipartidarismo controlado8

e a rotatividade presidencial aparentavam um mínimo de

democracia e de possibilidades de atuação da oposição. Além disso, a propaganda

governamental sobre o chamado milagre econômico,9 e o sucesso da seleção canarinho com a

8 Com o advento do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, os partidos políticos existentes foram

extintos e o bipartidarismo foi instituído, com a ARENA representando a situação, e o MDB, a oposição.

Contudo, as cassações que se iniciaram nos primeiros dias após o golpe com a “operação limpeza”, tiveram

continuidade no período seguinte. Diversos políticos foram proibidos de disputar eleições, e outros tantos eleitos

foram cassados por suas manifestações em discursos ou em plenário. O AI-3, por sua vez, estabeleceu em

fevereiro de 1966, que os governadores seriam eleitos indiretamente pelas assembleias legislativas e os prefeitos

das capitais seriam nomeados pelos governadores – os chamados biônicos (ALVES, Maria Helena Moreira. 2005,

passim). Em 1979, com o grande crescimento da oposição, sucessivas derrotas políticas como a revogação do

AI-5 e a promulgação da Lei de Anistia, e a desestabilidade econômica do país, Figueiredo põe em prática o

plano do grande estrategista do regime, o General Golbery do Couto e Silva, restaurando o pluripartidarismo e

fragmentando a oposição. As eleições diretas para presidente, por sua vez, só vão ocorrer após a

redemocratização e a promulgação na nova Constituição, no ano de 1989. 9 Esse período, que data de 68 a 73, foi caracterizado marcadamente pelo crescimento do PIB brasileiro em mais

de 10% ao ano. Megaempreendimentos e obras faraônicas brotavam a cada dia, fazendo com que o setor da

construção civil crescesse acima dos 15% ao ano. Houve também um aumento de investimento do Estado na

indústria pesada, siderurgia, construção naval, e geração de energia hidrelétrica, acompanhado do crescimento da

produção de bens duráveis de consumo e de bens de capital. Como o golpe foi patrocinado por setores da elite,

também foram esses que se beneficiaram do crescimento, aumentando de forma absurda a desigualdade social no

país. Para se ter noção da desigualdade de renda, dados apontam que entre 1970 e 1972, 78,8% da população

recebia menos de dois salários mínimos e trabalhava em média de 12 a 14 horas diárias. Com o advento da

Constituição de 1967, a idade mínima de trabalho foi reduzida para 12 anos, e o resultado desse processo foi que

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23

conquista da Copa do Mundo de 1970, mantiveram na memória coletiva algumas recordações

positivas, que em certo grau encobrem ou minimizam as memórias negativas. Esses fatores,

somados à disseminação ideológica nas escolas, universidades e mídia, propiciaram uma

alienação das massas frente à história real do domínio do país, norteada pelos interesses

econômicos e políticos do bloco multinacional e associado. Entretanto, o principal entrave à

construção de uma memória crítica se deu, pois até hoje, grande parte dos arquivos que

contam essa história foi destruída ou permanece nos porões da ditadura. Outro fator

importante, é que nenhum dos algozes do regime foi julgado ou punido pelos crimes que

cometeu. Por conseguinte, permanece no inconsciente coletivo a mensagem do senso comum,

que os agentes estavam a serviço da nação, encampando uma guerra contra a ameaça

comunista, e em busca da paz social10

. Sendo assim, não há porque questionar as suas ações

criminosas ou revirar os entulhos do passado.

Só que o estudo da memória social não revela simplesmente subjetividades, mas sim

ideologias, que têm reflexos mediatos nas decisões e perspectivas de um povo:

As “políticas de memória” sociais e culturais são parte integral do processo de

construção de várias identidades coletivas sociais e políticas, que definem o modo

como diferentes grupos sociais veem a política e os objetivos que desejam alcançar

no futuro. A memória é uma luta sobre o poder e sobre quem decide o futuro, já que

aquilo que as sociedades lembram e esquecem determina suas opções futuras. Mitos

e memórias definem o âmbito e a natureza da ação, reordenam a realidade e

legitimam o exercício do poder. A política da memória se torna parte do processo de

socialização política, ensinando às pessoas como perceber a realidade política e as

ajudando a assimilar ideias e opiniões. A memória é transmitida por “figuras da

autoridade”, permitindo processo de aculturação e socialização dos cidadãos que

vivem dentro das fronteiras de um Estado. Memórias históricas e lembranças

coletivas podem ser instrumentos para legitimar discursos, criar fidelidade e

justificar ações políticas (BRITO, 2009, p 72).

O senso comum é, em regra, a reprodução da ideologia dominante, e serve para a

domesticação do povo. Um povo que não tem uma memória coletiva esclarecida não

consegue interpretar nem se apropriar do passado, e com isso passa por dificuldades ao tentar

moldar o seu futuro. Isto tanto é verdade que em todos os processos de dominação da

humanidade (desde as guerras de antes de Cristo até os colonizadores europeus), a primeira

em 1976, dados do PNAD revelaram que 68% das crianças entrevistadas tinham que trabalhar mais de 40 horas

por semana (ALVES, Maria Helena Moreira, 2005, p 152). Os efeitos decorrentes desse período refletem até

hoje na realidade brasileira... 10

Rememorando o pensamento de Roberto Lyra Filho, pode-se encontrar uma racionalidade para essas

concepções, pois “paz social é, em última análise, o interesse da classe dominante em manter a classe dominada

perfeitamente disciplinada” (apud SABOYA et. al. 1982, p. 216).

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24

providência a ser tomada era a destruição de todos os elementos historico-culturais daqueles

povos, com o intuito de “apagá-los” da história.

1.2 Origem e conceitos da JT

Frente a essas considerações, assimila-se que nem o indivíduo, nem a coletividade,

poderão alcançar a sua plenitude sem ter acesso ao seu passado. Por isso, o Direito à Memória

e à Verdade conforma e é parte do princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um

direito difuso, transindividual e transgeracional (SANTOS e SOARES, 2012, p 274), que

pode ser classificado, na concepção de Paulo Bonavides, como um Direito Humano de 4ª

Dimensão11

. Dessa maneira, a titularidade do direito à memória e à verdade não é restrita aos

envolvidos em uma determinada situação, podendo ser reivindicada por qualquer cidadão,

desde que haja interesse coletivo e que o direito à privacidade tenha seus limites observados.

Enquanto a guerra foi fria entre Estados Unidos da América e União Soviética, na

África e América Latina das décadas de 60 e 70 a situação esquentou. Uma série de denúncias

internacionais de torturas e desaparecimentos decorrentes desses conflitos, converteram “el

derecho a verdad en objeto de una atención creciente por parte de los órganos

internacionales y regionales de derechos humanos y los titulares de mandatos de

procedimientos especiales” (ONU, 2006, p. 189). Dessarte, é latente o envolvimento e

protagonismo de setores organizados da sociedade civil na construção desse direito, havendo

então uma edificação de baixo para cima, e uma inversão da lógica de produção jurídica

moderna.

No contexto analisado, o direito à memória e à verdade se encontra envolto em um

conjunto maior de ações e elementos complementares, que se materializam na Justiça de

Transição. Na modernidade, diversos países que passaram por processos de invasões, guerras

civis ou regimes totalitários buscaram esses mecanismos para recuperar a sua memória e virar

a página da história, implantando valores e princípios democráticos. Para NAHOUM e

BENEDETTI, a “Justiça de Transição é a rubrica à qual se reporta um conjunto de medidas,

de caráter jurídico, político e social, por meio das quais se responde a violações de direitos

humanos perpetradas sob um dado regime político” (2009, p 301). Kai Ambos, por sua vez, a

conceitua como um “método de restabelecimento da reconciliação da sociedade que passou

11

Os direitos de 4ª dimensão são os que potencializam a universalização dos direitos fundamentais, pois

caminham no sentido de elevar a condição da socialização humana. BONAVIDES os elenca em um rol

exemplificativo como sendo o direito à democracia (plena), o direito à informação e ao pluralismo (2002, p

525).

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25

por experiências traumáticas, [buscando a] efetivação da justiça, da punição e

responsabilização dos que violaram os Direitos dos cidadãos”, além do reconhecimento da

responsabilidade do Estado, e do resgate às “histórias das vítimas que restaram adulteradas

e/ou obscurecidas” (apud GALLO, 2010, p. 135). Paul Van Zyl a sintetiza como o “esforço

para a construção da paz sustentável após um período de conflito, violência em massa ou

violação sistemática dos direitos humanos” (2009, p 32).

Em suma, o objetivo da JT é a promoção da reconciliação nacional, efetivando medidas

que demonstrem que a democracia está a serviço de todos os cidadãos. Os elementos que a

compõem são a I) verdade; II) justiça; III) reparação; e IV) reformas institucionais. Buscar a

verdade não é simplesmente ouvir o outro lado da história, mas sim possibilitar que as

gerações futuras reconheçam a existência de práticas abusivas no passado, para que dessa

forma, possam identificá-las e resistirem a uma possível tentativa de reimplantação das

mesmas. Não se trata assim, de conhecer a história dos vencidos para reescrevê-la novamente

sob uma forma linear e progressiva, mas sim de produzir uma historiografia dialética, em que

a partir dos relatos dos dominados e excluídos, surja a margem para uma batalha

hermenêutica sobre a significação do passado (SILVA FILHO, 2008, 159/160).

Verdade implica responsabilidade! Ao conhecer o passado e identificar as situações de

abuso, faz-se necessário investigar e promover o devido processo legal para julgar os crimes

perpetrados em nome do Estado. Após um julgamento baseado na ampla defesa e nos

princípios constitucionais, os agentes poderão ter ou sua inocência comprovada, ou se

condenados, a individualização da pena a ser cumprida, sem ter de levar para o resto de suas

vidas a indigna estigmatização da impunidade. Essa medida também serve como uma arma

contra o esquecimento, e uma forma de resposta às vítimas e à sociedade como um todo, pois

essas violações são em regra de lesa humanidade. Além da resposta judicial, é indispensável

reparar as vítimas materialmente pelas suas mais diversas perdas, que vão desde bens

materiais, empregos e vagas em universidades, até ter de viver na clandestinidade, romper

todos os laços sociais, ou ter familiares estupradas, torturados ou mortos. Essas reparações

podem assumir diferentes formas como a assistência psicológica, ajuda material (pagamentos

compensatórios, pensões, bolsas de estudos e bolsas) e medidas simbólicas, como a

construção de memoriais e dias comemorativos de lembrança (ZYL, 2009, p. 36). Por fim, são

essenciais as reformas institucionais para modificar e até acabar com estruturas arcaicas

construídas sob a égide dos regimes totalitários, que se não enfrentadas, continuam a produzir

os mesmos efeitos materiais, e reproduzir a linha ideológica opressora. Também passam por

essas reformas um saneamento administrativo, que visa assegurar que as pessoas responsáveis

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26

pelas violações dos direitos humanos sejam retiradas dos cargos públicos. Todas essas

diretrizes estão presentes em diversos tratados internacionais, jurisprudência de cortes de

Direitos Humanos, e em resoluções da ONU, o que faz com que o Brasil, assim como a

maioria dos países do mundo, se submeta a tais.

Na Europa do século XX, continente devastado por guerras e regimes totalitários, houve

três “ondas” de verdade e justiça transicional. A primeira, ocorrida no período pós-Segunda

Guerra, na Alemanha e nos países devastados pelos nazistas; a segunda no sul da Europa, em

específico na Grécia, Portugal e Espanha, e a terceira, ocorrida na década de 1990 na Europa

Central e do Leste, que foi caracterizada por “saneamentos administrativos „descomunizantes‟

(Albânia, Bulgária, República Tcheca, Eslováquia, Polônia, Romênia, Alemanha e Hungria),

pela abertura de arquivos da polícia, e por julgamentos seletivos de oficiais de alto escalão ou

de crimes particularmente brutais” (BRITO, 2009, p 59/60).

No continente africano e na América Latina os mecanismos mais utilizados foram as

Comissões da Verdade. Cada uma com sua peculiaridade, tiveram o objetivo comum de

investigar as violações de Direitos Humanos, e possibilitar às vítimas contarem sua própria

história, produzindo por fim, um relatório a ser compartilhado com a população. O objetivo

das comissões não é o de substituir o poder judiciário, mas tão somente investigar os fatos do

passado e reunir documentos.12

Os avanços ou entraves de cada uma dessas comissões, e da

JT como um todo, não dependeram somente do interesse dos governos posteriores, mas sim

da correlação de forças interna de cada país. Não é apenas uma questão de escolha de qual

medida implementar, mas sim de quando cada uma delas será possível. Onde houve processos

insurrecionais e derrotas das classes que estavam no poder, existiram maiores possibilidades

de desenvolvimento de políticas de verdade e justiça – ao revés dos países em que as

transições foram pactuadas, pois ali permaneceram focos de poder do antigo regime, como é o

caso do Brasil.

12

“Em 1974, sob o governo de Idi Amin em Uganda, foi estabelecida a primeira Comissão da Verdade, a qual

teve o objetivo de investigar os desaparecidos durante os seus primeiros anos no poder. Foi uma Comissão

instalada pelo governo ugandês para responder às críticas contra seu regime, as quais começaram a se tornar

mais fortes a partir de 1974. Depois disso e até o ano 2000, formaram-se Comissões da Verdade nestes países:

Bolívia (1982), Argentina (1983), Uruguai (a primeira Comissão em 1985), Zimbábue (1985), Uganda (a

segunda Comissão no ano de 1986, para esclarecer violações durante os últimos anos do regime de Idi Amin),

Chile (a primeira em 1986), Nepal (em 1990), Chade (1991), Alemanha (1992), El Salvador(1992), Sri Lanka

(1994), Haiti (1995), África do Sul (1995), Equador (a primeira em 1996), Guatemala (1999) e Nigéria (1999). A

partir do ano 2000, formaram-se as seguintes Comissões da Verdade: Uruguai (a segunda comissão no ano 2000),

Coreia do Sul (2000), Panamá (2001), Peru (2001), República Federal da Iugoslávia (2001), Gana (2002), Timor

Leste (2002), Serra Leoa (2002), Chile (a segunda comissão em 2003), Paraguai (2004), Marrocos (2004),

Carolina do Norte, EUA (2004), República Democrática do Congo(2004), Indonésia e Timor Leste (2005),

Coreia do Sul (a segunda comissão em 2005), Libéria (2006), Equador (a segunda comissão em 2008), Ilhas

Maurício (2009), Ilhas Salomão (2009), Togo (2009), Quênia (2009) e Canadá (2009)” (POLITI, . p 18).

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27

1.3 Justiça transicional em terras brasilis

Nesse ínterim, a situação pátria sempre foi muito complexa, pois o primeiro civil a

assumir a presidência, José Sarney, adveio de uma eleição indireta no Congresso Nacional, e

foi governador biônico do regime ditatorial. Em 1990 assume Fernando Collor, que iniciou

sua carreira na ARENA, e deu vazão ao modelo neoliberal no país, sendo aliado dos

oligopólios empresariais e dos grandes meios de comunicação. Muitos conglomerados

empresariais se beneficiaram de maneira absurda das relações de colaboração com os

ditadores, e com isso acabaram apoiando, direta ou indiretamente, suas ações de violência.

Um caso emblemático é o da Operação Bandeirantes – OBAN13

, no qual banqueiros e grupos

ligados à FIESP financiaram centros paramilitares de excelência em tortura, que além dos

métodos tradicionais, importavam e criavam máquinas de suplícios.

Outro exemplo é o da Rede Globo de televisão, em que o seu proprietário, Roberto

Marinho, foi um dos apoiadores do golpe. A emissora ocultava uma série de fatos e inclusive

fazia propaganda do regime em seus programas jornalísticos, distorcendo dados e maquiando

a realidade – a célebre frase dita pelo presidente Médici ao inaugurar a transmissão em cores

por essas terras, ilustra bem esse raciocínio: “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o

noticiário” ”Por quê?” “Porque no noticiário da TV Globo o mundo está um caos, mas o

Brasil está em paz... É como tomar um calmante após um dia de trabalho...”.14

A partir da

necessidade governamental de transmitir a Copa do Mundo de 70 em escala nacional, a Rede

Globo cresceu exponencialmente, sendo a maior beneficiária dos incentivos estatais, ao

mesmo tempo em que acobertou e inclusive participou das ações ilegais dos militares.

Portanto, buscar memória, verdade e justiça no Brasil significa não somente travar uma

disputa com os “generais de pijama”15

, mas também, combater os grandes grupos econômicos

que sustentaram a ditadura e se favoreceram com ela.

Diante desse quadro, as ações em torno da justiça transicional aconteceram de forma

muito esparsa, partindo de algumas poucas prefeituras e governos ligados à causa, e

principalmente da iniciativa dos familiares das vítimas, e de ativistas de Direitos Humanos (a

exemplo do Grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão de Familiares de Mortos e

13

A dramaturgia oferece significativa contribuição para a compreensão dessas relações, v.g. o documentário

“Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewiski e o filme “Pra Frente Brasil”, de Roberto Farias. 14

O filme “Além do Cidadão Kane” da BBC de Londres, censurado durante um longo tempo no Brasil, detalha

as relações da emissora e de Roberto Marinho com o regime de exceção. 15

Expressão utilizada para designar os oficiais da reserva.

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28

Desaparecidos Políticos, formada ainda na primeira metade da década de 1970). Somente em

1995 foi criada a CEMDP, momento no qual o Estado brasileiro aceita e assume, pela

primeira vez, a responsabilidade pela prática de seus atos ilícitos. É nesse momento que se

iniciam as primeiras investigações sobre os crimes de Estado, e que são concedidas as

primeiras indenizações às vítimas e famílias do regime16

. Ademais, com o advento da Lei

10.559/2002, foi criada no âmbito do Ministério da Justiça, a Comissão de Anistia, que

promove uma série de caravanas e audiências públicas reconhecendo a anistia política a todos

aqueles que, devido às suas posições políticas, foram atingidos pelos atos institucionais e

complementares, tendo sido expurgados, cassados, demitidos etc. Em 2009, foi instituído o

PNDH-3, que trouxe como eixo orientador nº VI o Direito à Memória e à Verdade, com

objetivos estratégicos e ações programáticas sobre: a) o reconhecimento da memória e da

verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado, b) preservação da verdade

histórica e a construção pública da verdade, e c) modernização da legislação relacionada ao

direito à memória e à verdade.

Por diversos momentos, vítimas, familiares e entidades da sociedade civil provocaram o

Poder Judiciário em busca da condenação penal e civil dos perpetradores de crimes durante o

regime. O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”) se desenrolou

desde 2003, demonstrando desde esse período o descompromisso do Judiciário com a

temática, e revelando contradições dos governos petistas, que hora se mostram engajados com

a causa, hora criam empecilhos para possíveis avanços.

Em 2003 a Justiça brasileira expediu uma sentença final na qual condenava o Estado

a abrir os arquivos das Forças Armadas para informar, em 120 dias, o local do

sepultamento desses militantes. Porém o governo do Presidente Lula recorreu contra

a Justiça, visando não cumprir a lei, apresentando todos os recursos possíveis. Em

2007 esgotaram-se os recursos legais, houve a condenação e desde então o Estado

brasileiro está fora da lei. (CUMPRA-SE, 2011).

Em abril de 2010, o STF julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental nº 153, movida pela OAB, e reafirmou, por sete votos a dois, a interpretação que

considera os crimes cometidos pelos agentes do Estado como conexos aos crimes políticos. O

entendimento majoritário do Supremo, expresso no acórdão, é de que a Convenção das

Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes (adotada pela Assembleia Geral em 10/12/1984, vigorando desde 26/6/1987) e a

Lei N. 9.455, de 07/4/1997, que define o crime de tortura, foram posteriores à Lei de Anistia.

16

A partir de 2003 a CEMDP foi vinculada à SEDH, tornando-se um dos seus conselhos permanentes.

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29

Dessa forma, essa legislação não poderia alcançar os crimes praticados durante o regime,

devido à irretroatividade da lei penal in malam partem. Porém, olvidaram-se os magistrados

que assim votaram, que à época já vigiam tratados internacionais que condenavam aquelas

práticas criminosas, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção

para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, e as Convenções de Genebra.

Ao interpretar que a Lei de Anistia foi recepcionada pela Constituição de 88, e que os

crimes conexos também foram anistiados, o STF foi de encontro ao entendimento habitual da

Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já decidiu, em ao menos cinco casos, pela

nulidade da autoanistia criminal decretada por governantes (VENTURA, 2011, p. 312). Assim,

o judiciário manteve a impunidade aos terroristas de Estado, e desrespeitou os tratados e

convenções ratificadas pelo país, ignorando o debate do transconstitucionalismo e da

internacionalização dos Direitos Humanos. Contudo, não se pode olvidar que além da disputa

jurídica, estava em jogo um embate político. Se o resultado fosse favorável à investigação e

condenação dos crimes, um desgaste irreparável poderia emergir da base de sustentação do

Governo Federal.

É bem verdade que o governo brasileiro, embora, de regra, situado “à esquerda” nas

clivagens político-partidárias, baseia-se sobre uma larga coalizão, capaz de dar

guarida até a colaboradores, abertos ou velados, do regime militar. Surpreendente,

porém, é o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ele mesmo vítima

da repressão política, ter arbitrado o dissenso governamental em favor dos segundos

e, a seguir, exercido notória pressão para que o STF indeferisse a ADPF 153 (idem,

p. 314).

Em novembro de 2010, após recurso do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil à Corte

Interamericana de Direitos Humanos, o país foi condenado a “realizar todos os esforços para

determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os

restos mortais a seus familiares” tal como “conduzir eficazmente, perante a jurisdição

ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as

correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências

que a lei preveja”.17

Em decorrência da pressão exercida por essa condenação, e até como

forma de se esquivar do cumprimento da sentença, em novembro de 2011 foi criada por lei a

CNV brasileira, que só viria a ser instituída e iniciaria os trabalhos em 16 de maio de 2012.

17

A sentença completa pode ser encontrada em

<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2013.

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30

Capítulo II – A IN(TER)VENÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

2.1 Que Levante é esse?

Antes de analisar as ações em torno da memória e verdade, é preciso traçar um breve

histórico do Levante e conhecer as suas origens. Criado em 2006 no estado do Rio Grande do

Sul, surge da articulação e esforço de setores da esquerda que reivindicam e constroem o

Projeto Popular para o Brasil. Partindo da compreensão de que mesmo em momentos de

conformação social a juventude é um elemento dinâmico, e diante da constatação de que boa

parte dos jovens não tem mais sido atraída pelos movimentos e partidos políticos tradicionais,

esses grupos ligados historicamente à esquerda social e aos movimentos de base, perceberam

a necessidade de criação de uma organização de juventude adequada à nova realidade social

brasileira. A Consulta Popular (instrumento político que aglutina diversos segmentos

próximos ao MST e à Via Campesina18

) passa então a envidar esforços e promover debates e

plenárias com o desiderato de criar um movimento que fosse capaz de ir além do movimento

estudantil universitário e secundarista. O desafio posto é o de organizar a juventude das

periferias urbanas e do campo, que são as que sofrem mais diretamente a exploração e

precarização do trabalho, além da falta de acesso a políticas públicas básicas como a saúde e

educação.

Em seguida, militantes de todo o país começaram a desenvolver atividades iniciais que

acumulassem para esse processo organizativo, criando os coletivos campo e cidade e

realizando os acampamentos da juventude popular, como forma de aglutinar os primeiros

grupos de jovens que em seguida conformariam o movimento – nesse primeiro momento só

existia Levante no Rio Grande Sul. Então, em fevereiro de 2012, como epicentro de todas

essas atividades, aconteceu na cidade de Santa Cruz do Sul-RS o I Acampamento Nacional do

Levante, reunindo cerca de 1.200 jovens de 17 estados da federação. O evento foi o marco de

nacionalização do movimento e o seu lançamento para a sociedade. Nele foi eleita uma

coordenação nacional, e apontado para os jovens o desafio de voltar às suas cidades e criarem

células do Levante. Encaminhou-se, igualmente, que a militância deveria organizar

acampamentos estaduais e municipais com o intuito de atrair novos militantes, e pulverizar as

diretrizes nacionais.

18

A Via Campesina é um “movimento internacional que articula os interesses globais dos trabalhadores do

campo. Fundando em 1993 na Bélgica, congrega camponeses, pequenos e médios produtores, sem-terra, povos

indígenas, migrantes e trabalhadores agrícolas em todo o mundo” (BRITO, 2012, p.3).

Page 31: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

31

O Levante é um movimento social peculiar. Em primeiro lugar, ele engloba integrantes

de outros movimentos como o hip hop, pastorais de igrejas, MST, MPA (Movimento dos

Pequenos Agricultores), MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados), MAB

(Movimento dos Atingidos por Barragens), Marcha Mundial de Mulheres etc., e não

configura essa questão como dicotômica, mas sim como complementar. Para a construção de

força social, o Levante orienta-se pelo tripé organização (acúmulo de forças), formação

(práxis transformadora) e lutas (atacar o poder instituído) (LEVANTE POPULAR DA

JUVENTUDE, 2012a, p 13).

O movimento se organiza em células: pequenos grupos de jovens que se ligam por

afinidade territorial, laboral, de curso ou escola. Esse método proporciona que ocorram

encontros mais rápidos e frequentes devido à semelhança da rotina dos integrantes, além de

possibilitar uma maior participação na tomada de decisões, e uma potencialização da

execução dos encaminhamentos. As células são, assim, o espaço político onde os jovens

realizam estudos acerca da realidade em que estão inseridos, formulam as intervenções que

irão permear nesta realidade, e o local onde convivem e compartilham as suas experiências de

vida, exercitando o companheirismo e as relações sociais inerentes ao ser humano e em

especial à juventude. A organização celular permite que o movimento esteja pulverizado ao

máximo pelo território e pelas instituições, abrindo-se infinitas possibilidades de intervenção

quando a população inicia processos de movimentações reivindicatórias. Estando bem

posicionados, os jovens podem incentivar e organizar as massas, utilizando o acúmulo do

movimento para contribuir com a construção das manifestações, assim como no processo de

politização das pautas, avançando de uma consciência econômica para uma consciência

política. “Não sabemos aonde o povo vai se manifestar primeiro, mas nós temos de estar lá

quando acontecer. Temos de formar as lideranças que vão conduzir o processo.” (LEVANTE

POPULAR DA JUVENTUDE, 2012b, p 21).

Além das células, a nível municipal são instâncias do Levante a secretaria operativa e o

acampamento. A nível estadual e nacional as instâncias se repetem e se interligam, havendo

secretarias operativas e acampamentos estaduais e nacionais.

A secretaria operativa é responsável por cumprir as decisões tomadas nas células e

acampamentos. Acumula a tarefa de articulação interna (entre as células) e externa

(com a sociedade de modo geral). É formada por representantes de cada célula. Pode

tomar decisões de emergência. Os acampamentos são as instâncias máximas de decisão. São os espaços em que se

reúnem os/as militantes de todos as células, onde são socializadas as experiências

locais e onde se dá a conversa sobre os rumos gerais do Levante (LEVANTE

POPULAR DA JUVENTUDE, 2012a, p. 17).

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32

Figura 2: Gráfico da organicidade do Levante. Fonte: LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE, 2012a, p. 17.

Já que historicamente as classes dominadas não tiveram acesso aos meios de

comunicação de massas, uma série de técnicas de agitação e propaganda (agit-prop) foi

elaborada pela esquerda mundial, como forma contra hegemônica de fazer com que a sua

mensagem chegue ao povo. O Levante elenca a agit-prop como uma de suas tarefas

prioritárias, dando ênfase no caráter comunicativo de todas as suas atividades.19

Essas ações

observam, em regra, cinco aspectos essenciais para que se alcance uma eficiência política: “1)

Estar ligadas a problemas concretos do povo; 2) Ser de fácil compreensão para o senso

comum; 3) Resgatar e fortalecer a identidade e a autoestima do povo; 4) Apontar um corte de

classe e denunciar uma desigualdade social; 5) Difundir o Projeto Popular para o Brasil”

(LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE, 2012b, p 17).

No que tange às suas bandeiras de luta:

o conceito clássico de movimento social se relaciona à existência de uma ou mais

bandeiras de luta que unifiquem os sujeitos envolvidos, o MST por exemplo, luta

pela reforma agrária popular, o MAB luta contra a forma injusta de construção das

hidrelétricas, etc., ou seja, faz parte do grupo quem se identifica com sua pauta

reivindicatória e se engaja por essas conquistas. O diferencial do Levante é que não

elegemos bandeiras prioritárias, mas nos colocamos ao lado das mobilizações que

reivindicam melhores condições de vida para a juventude brasileira. Num contexto

onde falta quase tudo na vida cotidiana do jovem, nosso método é mostrar que sem a

organização coletiva e luta, nenhuma conquista verdadeira é possível.20

Destarte, as pautas tocadas podem ser locais, regionais ou nacionais, a depender da conjuntura

e da necessidade – desde que tenham como programa estratégico o Projeto Popular para o

19

Em dezembro de 2012 foi realizado o I Curso Nacional de Agit-prop do Levante, em Brasília-DF, com

representações de todos o país. Está programado para o ano de 2013 a reprodução desse curso em todos os

estados em que o Levante está inserido, onde os participantes do curso nacional se tornaram os seus

multiplicadores. 20

Disponível em: <http://levante.org.br/quem-somos/>. Acesso em 09 de junho de 2013.

Célula

Célula Célula

Célula

Célula SECRETARIA

OPERATIVA

ACAMPAMENTO

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33

Brasil.21

Uma determinada célula da periferia pode encampar a luta pela construção de uma

quadra poliesportiva, bem como lutar contra a remoção de famílias em situações irregulares.

Ao mesmo tempo, pode haver um esforço conjunto de todas as células da cidade para barrar o

aumento da tarifa do transporte, ou promover uma atividade cultural do movimento. Além

disso, podem ser tocadas atividades estaduais, como a construção de um acampamento ou

jornada de lutas, ou atividades nacionais, como a luta pelos 10% do PIB para a educação

pública, ou pelo fim do extermínio da juventude negra.

Ficam nítidos, a partir de sua caracterização, alguns elementos essenciais do movimento,

como sua atuação voltada à esquerda e a sua proximidade com os movimentos da Via

Campesina – os quais têm como marca principal a radicalidade de suas ações. Sendo assim, a

luta por memória, verdade e justiça é uma bandeira que está imersa em seu leito histórico, e

desde os primeiros passos no Sul, fez parte de sua agenda.

2.2 Quando não basta o pranto nem a raiva

Os escrachos realizados pelo Levante foram ações inéditas no Brasil, mas a origem

desse tipo de protesto provém de países vizinhos como a Argentina, Chile e Uruguai, onde

foram protagonizados por movimentos populares desde a década de 90. O seu surgimento

advém mais especificamente da Argentina, esfacelada após a ditadura encabeçada por Jorge

Rafael Videla e pela Junta Militar, que perdurou de 1976 a 1983. Com a redemocratização do

país houve um processo inicial de justiça transicional, com julgamento e sentença a dos

agentes envolvidos. Entretanto, devido a uma série de levantes militares, o presidente Alfosin

foi obrigado a fazer concessões aos setores castrenses ao aprovar as leis da “Obediência

Devida” e do “Ponto Final”, as quais impediram que os julgamentos continuassem. O

desfecho dessas medidas se deu em 1990, no momento em que o presidente Carlos Menem

concedeu uma série de indultos que libertaram os militares que estavam presos (CUETO RUA,

2010, p. 168).

21

O Projeto Popular é o conjunto de bandeiras democráticas e populares da classe trabalhadora que

historicamente foram negadas pelas elites brasileiras; um programa político revolucionário que pauta mudanças

estruturais na sociedade, onde os protagonistas são as massas camponesas e operárias organizadas em busca de

uma pátria socialista. Essas bandeiras perpassam pela democratização dos meios de comunicação, a

universalização do acesso à educação em todos os níveis, redução da jornada de trabalho, reforma política,

defesa da nacionalização do petróleo e dos minérios, combate ao racismo, machismo e homofobia, saúde

universal de qualidade, dentre outras. Os cinco compromissos atuais do Projeto Popular são a Solidariedade, a

Soberania Popular, o Desenvolvimento, a Democracia Popular e a Sustentabilidade (CONSULTA POPULAR,

2011, p. 12).

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34

É nesse contexto de impossibilidade de julgamentos aos agentes da repressão, que surge

em 1995 a organização H.I.J.O.S. (Hijos por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el

Silencio), formada pelos filhos dos desaparecidos, perseguidos ou mortos pela ditadura,

resgatando a herança militante de seus pais na busca por Justiça. Eles, que à época das

atrocidades eram crianças, tornaram-se homens e mulheres, e fundiram-se com os esforços

dos que são classificados por BRITO e FERREIRA, para fins de mobilização, como gerações

de memória: a primeira composta pelas vítimas diretas do regime, os ex-presos e perseguidos

políticos; e a segunda geração de memória composta pelas famílias e amigos das vítimas dos

mortos e desaparecidos (2012, p. 9/10). Com o intento de promover a retomada dos

julgamentos e condenações, os H.I.J.O.S. ingressam na cena política buscando novas formas

de intervenção, articulando o artístico e o político, unindo-os ao popular, e dando corpo ao

que viria a ser conhecido como escrache.

A palavra escrache provém do dialeto lunfardo, e significa “por na luz o que está

oculto”, “fazer notório” (GRADEL, 2011, p. 291). A Academia Argentina de Letras lhe

atribuiu o seguinte teor: “denuncia popular en contra de personas acusadas de violaciones a

los derechos humanos o de corrupción, que se realiza mediante actos tales como sentadas,

cánticos, pintadas, frente a su domicilio particular o en lugares públicos” (URSI e

VERZERO, p. 9) – no Chile utiliza-se o termo funa para designar o escracho. Essas ações

coletivas foram organizadas inicialmente por pequenos grupos de 20 a 30 pessoas, que se

deslocavam anteriormente até os bairros dos torturadores para dialogar com a vizinhança e

explicitar o seu passado, convidando-os a participar do ato que aconteceria em breve. No dia

marcado, saiam em marcha com megafones em punho, alertando à vizinhança que naquela rua,

em determinado endereço, vivia tranquilamente um torturador. Ao chegar no local, ovos e

bexigas cheias de tinta vermelha eram arremessadas contra as paredes, como forma de

sinalização, apontando que aquele era o repouso do verdugo.

Ao revés das tradicionais marchas e protestos, esses escrachos voltavam uma atenção

especial à sua estética e detinham um caráter festivo, sendo acompanhados por murgas22

, e

intervenções artístico teatrais. Algumas dessas encenações estéticas representavam cenas do

cotidiano do bairro, onde, após a vizinhança conhecer a sua história, os comerciantes

deixavam de atender ao repressor e os vizinhos deixavam de lhe cumprimentar (CUETO RUA,

2010, p. 174). Outras reproduziam cenas de interrogatórios e torturas comuns nos quartéis e

delegacias. Um dos princípios dessas manifestações é o seu caráter público, pois ao agirem à

22

Manifestação cultural latino-americana de origem espanhola.

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35

luz do dia e sem esconder seus rostos, distanciam-se do vandalismo e principalmente dos

militares, os quais promoviam suas ações na calada da noite e até hoje negam a maioria de

seus atos.

Foram realizados escrachos aos agentes mais famosos, como o próprio ditador Videla e

o assassino de Victor Jara no Chile,23

assim como aos de baixa patente, que em ambos os

casos continuavam a fazer parte das forças armadas dos países, de repartições públicas, ou

passaram a trabalhar em empresas de segurança privada. Com a reprodução em massa dos

escrachos, iniciou-se um processo de proteção aos alvos e até de repressão aos protestos, o

que fez com que o movimento tivesse que reinventar e incrementar as suas práticas. Alguns

integrantes do movimento começaram a realizar entrevistas com os moradores da vizinhança,

aplicando-lhes questionários que levavam a informações sobre a história do torturador que ali

vivia. Outra tática foi a de colocar cartazes em telefones públicos, escrito “ligue já”, com o

telefone e detalhes das sevícias do repressor, um mapa de sua casa, e uma bexiga para ser

carregada com tinta vermelha. Dessa forma, houve um incentivo para que os protagonistas das

ações passassem a ser os próprios vizinhos (URSI e VERZERO, p. 9/10).

Sem qualquer poder formal de coerção, essas ações remontam a uma espécie de justiça

participativa e coletiva, promovendo uma condenação moral/simbólica e disputando a

memória coletiva frente ao discurso hegemônico (SOARES e QUINALHA, 2013). Elas

surgem como uma resposta da sociedade civil frente à apatia ou aos entraves impostos pela

sociedade política. Porém, a insígnia “se não há justiça, há escracho popular” demonstra que a

centralidade e objetivo das ações não estão na condenação social, na promoção de uma justiça

paralela, mas sim, na pressão ao poder público pela investigação e julgamento dos repressores.

Percebe-se que em momentos de tensão social, em que a polarização entre as forças

conservadoras e progressistas se acirrou, uma maior quantidade de escrachos foi realizada,

expondo tanto para o poder público, como para a população em geral, a necessidade de uma

tomada de posição. Nas palavras de uma militante do H.I.J.O.S.-La Plata, “el objetivo de los

escraches estuvo cumplido con la anulación de las leyes de impunidad, lo cual fue mérito de

quienes militaron a favor de eso y no del Gobierno que lo promovió y ejecutó: la justicia no

es justicia si no tiene un impulso social” (CUETO RUA, 2010, p. 175). Assim, após a decisão

da Suprema Corte Argentina que reconheceu a inconstitucionalidade das “leis de impunidade”,

23

Victor Jara foi um cantor popular chileno que utilizava a música e o teatro para conscientizar as massas. Com a

eleição de Salvador Allende, Jara é nomeado embaixador cultural em 1971, e após o golpe encabeçado por

Augusto Pinochet, é preso, torturado e morto. O documentário La Funa de Victor Jara, de Nélida Ruiz e Cristian

Villablanca, retrata a sua história e detalha a ação de escracho ao seu algoz. Do mesmo modo, o documentário

Escrache a Videla 2006, de produção de La Comunitaria TV, capta a ação massiva de esculacho em frente à casa

do ditador argentino. Ambos os documentários estão disponíveis na internet.

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36

e com a retomada dos julgamentos e prisões a partir de 2005, houve um esvaziamento da

necessidade dos escrachos e a sua consequente diminuição. Alguns ainda foram realizados

logo após a decisão da Corte, como forma de denuncia a agentes que permaneciam ocultos, e

de pressão pela celeridade dos atos processuais.

Alguns pesquisadores da justiça transicional têm dado ênfase ao estudo das ações

realizadas “por fora” das instituições oficiais, classificando esse tipo de manifestação como

uma forma de JT “desde baixo”24

. Elas emergem do seio da sociedade civil em forma de ação

e reivindicação, e cobram que a sociedade política a consolide enquanto lei, decreto ou

decisão judicial – o que Antonio Carlos Wolkmer classifica como pluralismo jurídico. Tendo

como marco teórico a participação popular insurgente, e independente do Estado em sentido

estrito, o pluralismo vem à tona quando as subjetividades participativas reinventam, por meio

de suas práticas cotidianas, a esfera da vida pública (WOLKMER, 2001, p. 168).

Como historicamente as leis foram impostas de cima para baixo pelas elites, e como a

democracia representativa domestica a população no sentido de atribuir à sociedade política a

unicidade do poder decisório, apreende-se o desconforto e até o rechaço a esses tipos de ações

encabeçadas pelos movimentos sociais – principalmente devido ao movimento de

criminalização às manifestações populares, encabeçado pela mídia hegemônica e pelo poder

judiciário. Por vezes as vítimas se tornam algozes, o debate entre legalidade, legitimidade e

moralidade se entrelaçam, os limites do Estado Democrático de Direito são dilatados, e por

vezes até rompidos. Mas essa irrupção encontra albergue nos próprios marcos jurídicos atuais,

marcadamente no direito fundamental de resistência. Afinal, não seria o direito ao protesto um

direito humano de primeira dimensão? Não seria um direito civil, de liberdade, em que o

titular é o próprio indivíduo em oposição ao Estado déspota?

Para Herrera Flores os Direitos Humanos já são, em si, uma “racionalidade de

resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta

pela dignidade humana” (apud PIOVESAN, 2006, p. 8). Acolhido pela Constituição Federal

Brasileira, o direito ao protesto decorre dos direitos constitucionais de liberdade de expressão

(art. 5º IX da CF), direito de reunião (art. 5º XVI da CF), e de liberdade de manifestação de

pensamento (art. 5º IV da CF), sendo caracterizado como um instrumento contra as distorções

da democracia representativa e a dificuldade de acesso aos meios de comunicação no

24

Como exemplo de JT “desde baixo” no Brasil pode-se citar, dentre outros, o trabalho iniciado e desenvolvido

pela CFMDP ainda no período ditatorial, na busca por notícias dos desaparecidos, bem como por seus corpos.

Ademais, há o Projeto Brasil Nunca Mais, que analisou depoimentos prestados à Justiça Militar Brasileira e

recuperou a história das torturas, dos assassinatos de presos políticos, das perseguições policiais e dos

julgamentos tendenciosos, a partir dos próprios documentos oficiais.

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37

capitalismo. Trata-se, pois, de uma ação coletiva de reivindicação e de controle do poder

(FERNANDES, 2009, p. 272). Os escrachos também podem ser classificados como atos de

desobediência civil. Esses ocorrem quando a população se convence de que os canais normais

para a mudança já não funcionam, e passam a contestar situações que embora sejam legais,

são ilegítimas.

Algumas críticas de viés democrático e humanista têm questionado a legitimidade dos

escrachos e o seu aceite pela sociedade, compreendendo que há um total desrespeito ao

princípio da dignidade da pessoa humana e aos direitos à honra e à intimidade, atribuindo-lhes

a pecha de execração pública de seres humanos (RODRIGUES, I, 2012). Devido ao seu

caráter radical e até agressivo, por vezes chegou-se a comparar um escracho a um

linchamento, haja vista a inferioridade numérica da vítima e a usurpação do poder punitivo do

Estado, instaurando-se a justiça privada e a vingança social. Para iniciar esse debate é

importante relembrar o poeta alemão Bertold Brecht, para quem “do rio que tudo arrasta, diz-

se que é violento, mas ninguém chama violentas as margens que o comprimem”. Diferente

dos linchamentos, os escrachos não partem do espontaneísmo das emoções exaltadas, mas sim

de um planejamento coletivo em que o objetivo principal não é a rotulação do alvo, mas sim a

criação de um fato político que incida na correlação de forças. Ademais, não há qualquer

agressão física ou o assassinato durante os escrachos, o que é uma realidade constante dos

linchamentos. Neste tipo de celeuma o confronto não é entre os indivíduos (vítimas e

familiares vs. torturadores), mas sim entre a coletividade social e o Estado coercitivo.

Em todas as situações de impunidade, o que existe é uma continuidade da violência e do

legado autoritário deixado pelos regimes, e o desrespeito por parte desses Estados às normas

internacionais que preconizam a imprescritibilidade dos crimes de lesa humanidade. Como

aduzem SOARES e QUINALHA, trata-se um recurso extremo, mas democrático e legítimo,

especialmente porque rompe com a cultura do silêncio e do esquecimento (2013) e impulsiona

a cultura do nunca mais – “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”. A

partir do momento em que o Estado desrespeita as próprias regras que ele impõe, cabe à

população encontrar meios de enfrentamento e resistência, o que por vezes acaba por entrar

em conflito com outros princípios democráticos e constitucionais. Dois exemplos que ilustram

esses embates são os conflitos pela terra, e pela redução de tarifas de ônibus. No primeiro,

enquanto os sem-terra ou sem-teto violam o direito constitucional à propriedade, reivindicam

o direito constitucional da função social da propriedade; no segundo enquanto os

manifestantes bloqueiam o trânsito, violam o direito constitucional de ir e vir dos transeuntes,

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38

mas ao mesmo tempo reivindicam para si e para a totalidade da população o mesmo direito de

ir e vir, pois com a elevação das tarifas esse direito lhe é retirado ou diminuído.

Essas práticas cotidianas dos Movimentos Sociais definem, nos horizontes do que a

ordem legal vigente chama de “ilegalidade”, novo espaço instituinte de cujas

relações e rupturas, calcadas no binômio “legal/ilegal” emergem direitos igualmente

reconhecidos que acabam não só legitimando a “ilegalidade”, mas edificando “outro

Direito” sob novas formas de legitimação (WOLKMER, 2001, p. 107).

2.3 Porque se falar em escrachos no Brasil?

Para compreender a repercussão que os esculachos alcançaram nacionalmente, faz-se

mister analisar o contexto político em que o país vivia nos meses que lhes antecederam.

Durante décadas, o Clube Militar promoveu cerimônias de comemoração da “Revolução de

1964”, homenageando os integrantes das FFAA da época por “impedirem a tomada do poder”,

e, a consequente imersão do país em uma “república sindicalista”. A comemoração da

“revolução” se configura enquanto disputa ideológica pela significação do passado, e uma

demarcação da posição do não arrependimento frente às iniciativas adotadas à época. Nesse

esforço de disputa da memória coletiva os militares intervencionistas sempre foram muito

preparados. Em 1978, por exemplo, no auge da campanha pela anistia, entidades opositoras

convocaram para 28 de março uma comemoração nacional em reverência aos 10 anos da

morte de Edson Luís. Imediatamente, como forma de tirar a atenção do ato e promover a

disputa ideológica, os comandos do Exército convocaram uma marcha paralela para lembrar

as “vítimas do terrorismo e da subversão” (MARTINS, 1978, p. 133).

No ano de 2011, primeiro do mandato da presidenta Dilma, o “31 de março” foi retirado

do calendário oficial do exército, provocando desconforto e revolta em alguns setores das

FFAA.25

A lei da CNV havia sido promulgada em novembro de 2011, o Ministério Público

Federal oferecia denúncia e reabria alguns inquéritos contra agentes da repressão, e Nelson

Jobim acabava de entregar carta de demissão do Ministério da Defesa, com a consequente

nomeação do civil Celso Amorim para o cargo. Nesse clima de tensão, em 16 de fevereiro de

2012, os clubes da Marinha, Exército e Aeronáutica assinaram um documento intitulado

“Compromissos...”26

, em que faziam duras críticas ao governo, e a declarações dadas por

25

Para alguns, parece que o debate sobre a comemoração do golpe é algo inócuo, e cercear essas manifestações

seria inclusive um desrespeito à liberdade de expressão. Para promover a reflexão sobre a lide, lança-se então a

seguinte provocação: qual seria a recepção da sociedade alemã e mundial se os remanescentes do partido nazista

passassem a comemorar os feitos do regime de Hitler? 26

Anexo I.

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39

duas Ministras que afirmaram ser a favor da revisão da Lei de Anistia. Por ordem do Ministro

da Defesa, o documento foi retirado do site dos clubes, levando a uma nova reação, qual seja,

um novo manifesto assinado por generais e coronéis da reserva intitulado “Alerta à Nação:

Eles que venham. Por aqui não passarão!”27

. Esse, reafirmava a validade do outro manifesto,

caracterizava a CNV como revanchista e não reconhecia a autoridade e legitimidade do

Ministro para tal ato. Em seguida, o Clube adiantou a cerimônia de comemoração para o dia

29 de março, desrespeitando a proibição expressa da Presidência da República.28

Atento a esse contexto, o Levante decidiu intervir na celeuma de modo a afirmar a

posição de repúdio ao período ditatorial, pressionar o governo no sentido da urgente

instauração da CNV, cobrar a localização e identificação dos restos mortais de desaparecidos

políticos, e exigir que os torturadores fossem julgados e punidos. Distintamente do H.I.J.O.S.,

o Levante não trazia em sua base social atores de primeira ou segunda geração de memória,

mas sim o que BRITO e FERREIRA caracterizam, como uma terceira geração. Esta é

“composta por jovens que não possuem ligação direta com o período, sendo muitos destes

nascidos no período da redemocratização, mas que além de apoiar as causas das duas gerações

citadas, reivindicam essa memória” como um direito coletivo (2012, p. 9/10).

Inspirado nas máximas de Carlos Marighella “é preciso passar à ação”, e, “a ação é

que faz a organização”, o grupo se organizou de forma secreta e meticulosa, elegendo em

cada cidade grupos de três a sete pessoas que foram responsáveis por identificar o alvo, seu

endereço, pesquisar a sua atuação durante o regime, e preparar o protesto. Até horas antes da

ação, a maioria dos participantes não sabia quem seria o escrachado ou o seu endereço, sendo

o modo que o movimento encontrou para evitar que as informações vazassem. Além disso,

para furar o bloqueio da mídia hegemônica, foi montado todo um esquema de pulverização de

informações através da mídia alternativa (como o jornal Brasil de Fato e blogs progressistas) e

da das redes sociais virtuais, fazendo com que ao final do dia, as matérias e vídeos divulgados

alcançassem milhares de receptores.

2.4 Os escrachos in loco

27

Anexo II. 28

Como contraponto a essa sessão de comemoração do golpe, partidos políticos de esquerda, movimentos de

Direitos Humanos, familiares e vítimas da ditadura organizaram um protesto em frente ao Clube Militar no Rio

de Janeiro-RJ. A polícia foi acionada, e como nos anos de chumbo, reprimiu a manifestação, utilizando gás de

pimenta e bombas de efeito moral. Para fins metodológicos essa ação não será elencada como objeto da pesquisa,

pois apesar de alguns integrantes do Levante estarem presentes, e os militares lhe atribuírem a autoria, há uma

diferença do caráter e objetivo desse protesto.

Page 40: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

40

Nesse momento da pesquisa, como fora explicitado em seus objetivos, serão listados

todos os escrachos realizados pelo Levante no ano de 2012 – apesar de também terem

ocorrido ações semelhantes sem a participação do Levante. Todas as ações que serão

elencadas foram encabeçadas, ou contaram com a participação ativa do Levante, mas em

grande parte delas houve também a participação de outras entidades ou movimentos, que

serão pormenorizados a cada relato. Vale salientar que mesmo com todo esse envolvimento de

outras organizações, devido ao critério da novidade e da radicalidade, o Levante no Brasil,

assim como o H.I.J.O.S. na Argentina, acabou ficando conhecido como a juventude dos

escrachos, sendo essa uma de suas marcas distintivas.29

Todas as informações sobre as ações, nomes dos acusados de tortura e as fontes

históricas listadas daqui por diante foram catalogadas no site do movimento30

, e havendo

outras referências bibliográficas consultadas, essas serão devidamente citadas.

2.4.1 - Primeira rodada nacional de escrachos: 26 de março. Nove ações em oito estados

29

Ao longo do ano de 2012 o Levante ainda promoveu escrachos relacionados a outras temáticas sociais. O

primeiro deles, em parceria com a Rede Dois de Outubro, aconteceu em frente à casa de Luiz Antonio Fleury

Filho, governador de São Paulo à época do massacre do Carandiru. Fleury, no dia 2 de outubro de 1992,

autorizou a invasão da polícia no pavilhão 9, que munida com metralhadoras, fuzis e pistolas agiu visando

principalmente tórax e cabeça, em uma ação que resultou na morte de pelo menos 111 detentos. Entre os

envolvidos na chacina apenas o coronel Ubiratan, comandante da ação, foi a julgamento, sendo condenado a uma

pena de 632 anos em regime fechado. Como tratava-se de réu primário com endereço fixo, foi-lhe concedido o

direito de recorrer em liberdade; anos mais tarde a sua sentença foi anulada e o coronel se elegeu deputado

estadual. (FRANCISCO NETO, 2012).

Um segundo escracho aconteceu no dia 16 de outubro e reuniu cerca de 100 pessoas na cidade de Guarajuba

(BA), sendo capitaneado pela Marcha Mundial de Mulheres – que também possui várias militantes do Levante

em sua base. O alvo foi o vocalista da banda de pagode New Hit, Eduardo Martins, que é acusado ao lado de

mais oito integrantes da banda, de terem estuprado duas adolescentes após um de seus shows – o laudo pericial

encontrou sêmen nas roupas e corpos das garotas e confirmou a prática de estupro (G1 BA, 2012). Após 38 dias

presos, um habeas corpus foi concedido e a banda voltou a realizar shows, se tornando inclusive mais famosa

após o caso, passando a percorrer todo o país. Frente a essa situação, a Marcha Mundial de Mulheres e o Levante

passaram a fazer atos de denúncia em todas as cidades em que a banda se apresentou e os movimentos estão

organizados. Durante a primeira audiência de instrução e julgamento, o movimento montou acampamento e

promoveu uma série de manifestações na cidade de Ruy Barbosa-BA, e tem mobilizado ainda mais mulheres

para a audiência em que ocorrerão os interrogatórios, em setembro de 2013.

Também no mês de outubro (dia 23), e também na Bahia (cidade de Salvador), aproximadamente 200 jovens do

Levante e de coletivos estudantis promoveram um escracho à Rede Bahia de Televisão, afiliada da Rede Globo

no estado. Em plena disputa do segundo turno eleitoral, o movimento denunciou que a emissora, pertencente à

família Magalhães, possui vínculos diretos com o que resta da ditadura no Brasil, tendo sido beneficiária de

concessões obtidas quando Antônio Carlos Magalhães fora Ministro das Comunicações. Para comprovar essas

ligações, um histórico do partido Democratas foi delineado, sendo este descendente do PFL, que por sua vez,

adveio do PDS, que nada mais foi do que a conversão da ARENA no momento da redemocratização do país. A

Rede Bahia detém 114 emissoras de rádio e sete de televisão aberta, e é considerada um dos maiores

conglomerados de mídia do nordeste do Brasil (FERNANDES, 2012). 30

<www.levante.org.br.>. Acesso em 20 de maio de 2013.

Page 41: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

41

a) Em Porto Alegre-RS, aproximadamente 100 jovens se manifestaram na Rua

Casemiro de Abreu, nº 619, em frente à casa do Coronel Carlos Alberto Ponzi, ex-chefe do

Serviço Nacional de Informações de Porto Alegre e um dos 13 brasileiros acusados pela

Justiça Italiana pelo desaparecimento de Lorenzo Ismael Viñas, em Uruguaina.

b) Em Curitiba-PR, o ato aconteceu na Boca Maldita, centro da capital paranaense, em

conjunto com sindicalistas e entidades de Direitos Humanos. Lá foram denunciados agentes

apontados como torturadores por documentos do Grupo Tortura Nunca Mais, tais como o

Major Lins Zuerzee, Capitão Fernando José Vasconcellos Krueger, Delegado Ozais

Algauer e o Tenente Paulo Avelino Reis. Também foram recordadas e exaltadas a história de

vida de Helenira Resende (militante do PC do B assassinada no Araguaia) e de Maria Aurora

do Nascimento Furtado (militante da ALN, torturada até a morte).

c) Em São Paulo-SP, o protesto foi contra o torturador David dos Santos Araújo, o

Capitão “Lisboa”, em frente à sua empresa de segurança privada DACALA, que fica na Av.

Vereador José Diniz, n 3700, Zona Sul da cidade. David, delegado aposentado do DOI-Codi,

foi escrachado por cerca de 150 pessoas, entre jovens do Levante, vítimas ainda vivas do

torturador, e familiares de vítimas. Consta do livro produzido pela CFMDP, Dossiê Ditadura,

que o ex-delegado torturou Joaquim Seixas e seu filho Ivan frente a frente, além de abusar

sexualmente de Ieda Seixas. Em São Carlos-SP, interior do estado, foram realizadas colagens

de cartazes e pichações durante a madrugada com as frases “Levante contra a Tortura” e

“Levante pela Verdade”.

d) No Rio de Janeiro-RJ, o Levante foi à filial da DACALA e denunciou o passado e

presente do seu proprietário, David dos Santos Araújo31

, ao mesmo tempo em que afixou

uma faixa nos Arcos da Lapa (cartão postal da cidade) em que constava a frase “Levante-se

contra a Tortura: Em defesa da Comissão da Verdade”.

e) Em Belo Horizonte-MG, o escracho foi feito na rua Biagio Polizzi, nº 240, apto 302,

bairro da Graça. Cerca de 70 pessoas se manifestaram em frente ao prédio onde mora

Ariovaldo da Hora e Silva, delegado da Polícia Civil que exerceu atividades no DOPS entre

1969 e 1971. Consta no Projeto BNM que Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite,

Cecílio Emigdio Saturnino, Nilo Sérgio Menezes Macedo e João Lucas Alves foram vítimas

de Ariovaldo.

31

Mesmo com as dificuldades para se obter porte e adquirir armas de fogo no Brasil, de acordo com investigação

da Polícia Federal, David possui 111 armas ilegais, além de um arsenal de 800 registradas de forma regular em

nome de sua empresa de segurança privada. Informação disponível em: <http://levante.org.br/esculacho-em-sp-

e-contra-torturador-dono-de-empresa-de-seguranca-sinistra/>. Acesso em 20 de maio de 2013.

Page 42: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

42

f) Em Aracaju-SE, o ato aconteceu em frente ao Hospital e Maternidade Santa Isabel, e

a denuncia foi contra o médico e diretor do hospital, Dr. José Carlos Pinheiro. Os jovens

denunciaram que Pinheiro teria auxiliado os trabalhos dos torturadores do 28° Batalhão de

Caçadores (centro onde eram realizadas as torturas em Sergipe), reanimando os militantes que

desmaiavam durante as sessões, e alertando os torturadores até onde poderiam ir sem

provocar a morte das vítimas.

g) O esculacho de José Armando Costa, ex-delegado da Polícia Federal, aconteceu em

frente ao seu escritório de advocacia (Rua João Carvalho, nº 310, bairro da Aldeota,

Fortaleza-CE). Durante o momento de reunião dos jovens, os filhos e funcionários de “Dr.

Armando” saíram do escritório Armando Costa Advogados Associados e tentaram impedir a

manifestação, chegando a agredir os jovens, contudo, não houve feridos. Está registrado no

Projeto BNM que ele inquiria os acusados logo após as sessões de tortura, além de coagi-los a

assinar falsos depoimentos, sob ameaça. O ato também contou com a participação da UNE, do

Coletivo Aparecidos Políticos e do Sindicato dos Gráficos do estado.

h) Em Belém-PA a ação aconteceu em frente ao prédio Visconde, onde reside Adriano

Bessa Ferreira, que prestou serviço militar e também fez carreira no setor financeiro,

chegando a ser presidente do Banco do Estado do Amazonas e da Agência de

Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belém. Seu nome consta de listas da extinta

Comissão Geral de Investigações, e sua atuação se perfazia na delação dos militantes da

oposição, a partir das informações privilegiadas que obtinha por meio de sua influência na alta

sociedade paraense.

Page 43: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

43

Figura 3: Escracho em frente à casa do Coronel Carlos Alberto Ponzi, em Porto Alegre-RS. Fonte:

<www.levante.org.br>.

Para essa primeira rodada também estava previsto um escracho na Bahia, todavia,

devido à não confirmação da identidade do agente, a ação foi abortada. Em todas as ações, o

modus operandi perpassou pelos elementos básicos da agit-prop, havendo a comunicação com

a vizinhança através de panfletos, faixas, músicas e encenações teatrais que relembravam as

torturas com choques elétricos, pau-de-arara e afogamentos. Muros e calçadas foram pichados

e cartazes foram colados pelos bairros, denunciando onde viviam ou trabalhavam os agentes

do regime.

Em quase todas as manifestações estiveram presentes familiares de vítimas ou as

próprias vítimas, compartilhando suas experiências, pormenorizando as sevícias, e

parabenizando os jovens por assumirem essa luta que não era somente dos familiares, mas sim

de toda a nação. Em tempo real, o movimento divulgou vídeos pela internet e circulou o

Manifesto Levante Contra a Tortura32

, com o qual explicitou os motivos de ter tomados as

ruas para denunciar os torturadores, além de afirmar o seu compromisso em defesa da CNV.

Em seguida o Levante lançou a campanha virtual Levante pela Verdade, na qual convocava os

jovens de todo o Brasil a se manifestarem na data da comemoração do golpe das seguintes

maneiras: I) mandando um email para a presidenta Dilma exigindo a instalação imediata da

32

Anexo III.

Page 44: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

44

CNV; II) tirando uma foto com uma folha escrita “Levante pela Verdade” e compartilhando

por e-mails e redes sociais; III) utilizando a hastag #LevantepelaVerdade na rede social

Twitter; IV) colando cartazes e pichando muros pelas ruas de suas cidades, defendendo e

exigindo a instalação da CNV.

2.4.2 - Escracho a Harry Shibata

Menos de quinze dias após a primeira rodada de escrachos, o movimento demonstrou

coragem e comprometimento com a causa, e realizou, na cidade de São Paulo-SP, mais um

escracho. Essa ação marcou a conformação de uma aliança ampla, que envolveu diversos

setores para além do Levante, criando a Frente do Escracho Popular, que ao longo do ano de

2012 e 2013 realizou outros esculachos. Na madrugada de 7 de abril, dia do Médico Legista e

o dia do Jornalista, cartazes foram colados em postes e muros com a denúncia de que na rua

Zapara, nº 81, bairro Vila Madalena, vivia o médico legista Harry Shibata, colaborador da

ditadura que atestava laudos necroscópicos falsos para acobertar as torturas e sevícias do

regime. Dentre os casos mais conhecidos estão os de Sonia Maria de Moraes Angel Jones, que

foi estuprada com um cassetete e teve seus seios arrancados, e o do jornalista Vladimir

Herzog, que compareceu espontaneamente ao DOI-Codi para prestar depoimento e foi preso e

torturado até a morte – em seus laudos, Shibata confirmou as versões oficiais de morte em

tiroteio e suicídio, respectivamente. O legista foi diretor do Instituto Médico Legal entre 1976

e 1983, e teve seu registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina após as

denúncias de sua atuação. “Atualmente, Shibata está sendo processado pelo Ministério

Público Federal juntamente com outras quatro autoridades da época pelo crime de ocultação

de cadáver” (AZENHA, 2012).

2.4.3 - Esculacho no STF

12 de abril, às vésperas do julgamento de recurso que questionou a validade da lei de

anistia para os crimes permanentes, fora convocada por entidades de Direitos Humanos uma

mobilização nacional em Brasília. O Levante participou desse momento, deslocando

militantes de todo o país para a ação e promovendo um esculacho em frente ao STF.

Representando cenas de tortura em pau-de-arara, o movimento manteve as suas características

de ousadia, e enfrentamento à impunidade dos torturadores.

Page 45: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

45

2.4.4 - O museu da repressão

No dia 5 de maio, durante a Semana Nacional de Lutas pela Verdade, Memória e Justiça,

foi promovida uma ação que contou com aproximadamente 150 militantes do Coletivo RJ,

Comitê pela Justiça, Verdade e Memória de Niterói, Consulta Popular, DCE UNIRIO, Frente

pela Memória, Verdade e Justiça, Levante Popular da Juventude, PCB, PC do B, Rede

Democrática, União Estadual dos Estudantes e União da Juventude Socialista. O ato

aconteceu na antiga sede do DOPS-RJ, atual Museu da Polícia Civil, e contou com a

colaboração do Centro de Teatro do Oprimido, o que possibilitou uma maior interação com a

população que circulava pelo local. Um dos enfoques do ato foi a exigência de apuração das

declarações dadas pelo ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, de que 10 militantes

oposicionistas haviam sido incinerados na usina Cambahyuba em Campos dos Goytacazes-

RJ.33

2.4.5 - Segunda rodada nacional de escrachos: 14 de maio. Catorze ações em onze estados

No dia 10 de maio foram nomeados os integrantes da CNV, e o dia 16 foi designado

para a sua instalação oficial. Como forma de evidenciar mais ainda esse acontecimento,

reafirmar o seu apoio e defesa à CNV, e colocar em cheque quaisquer possíveis manifestações

dos setores castrenses, o Levante promoveu no dia 14 a segunda rodada nacional de escrachos.

Ao final da rodada um vídeo foi lançado com as fichas de cada alvo34

, contendo seu nome,

acusação, endereço e situação (impune, esculachado em 14/05/2012) – por fim um efeito

visual atestava a marca “encontrado”.

a) Em Belém do Pará, a atividade que reuniu cerca de 50 jovens, aconteceu em

frente ao prédio da Receita Federal, local de trabalho de Magno José Borges e Armando

Souza Dias. Ambos estiveram ligados ao DOI-Codi no período ditatorial, tendo atuado na

33

A violência continua sendo uma realidade nesse local. Em novembro de 2012 duzentas famílias organizadas

pelo MST ocuparam o complexo da usina, que já foi considerado improdutivo pelo INCRA. Em janeiro de 2013

o militante Cícero Guedes dos Santos, que coordenava a ocupação, foi assassinado pela violência do latifúndio –

resquício direto da truculência da ditadura. 34

O vídeo #Levantecontratortura - 2ª rodada nacional de esculachos - Levante Popular da Juventude já

alcançou mais de 11 mil visualizações e está disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=jf_9AaTywVM#at=31>. Acesso em 7 de junho

de 2013.

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46

repressão à Guerrilha do Araguaia, e hoje trabalham na ABIN - Agencia Brasileira de

Inteligência.

b) Cerca de 80 militantes promoveram uma ação em frente à antiga sede da Polícia

Federal em Fortaleza-CE. Esse local, no qual hoje funciona a Secretaria de Cultura de

Fortaleza, funcionou como um centro de tortura do regime onde diversos opositores foram

presos, torturados e mortos. Durante a manifestação, fora apresentado para a Prefeitura

Municipal de Fortaleza um conjunto de reivindicações como a mudança dos nomes de ruas,

praças e instituições municipais que homenageiam agentes do regime; o tombamento da

antiga casa de Frei Tito de Alencar; e a criação de um comitê municipal pelo direito à

memória, à verdade e à justiça com representação da sociedade civil e do poder público.

c) Em Natal-RN o ato teve o caráter de homenagem aos perseguidos e mortos

políticos do estado, como Edson Neves, Emanuel Bezerra, Anátalia Alves e José Silton

Pinheiro. Os militantes realizaram a manifestação no Palácio dos Esportes, que leva o nome

de Djalma Maranhão, militante comunista perseguido pelo regime, que morreu no exílio em

1971 em terras uruguaias.

d) Em João Pessoa-PB o ato foi de resgate da memória e diálogo com os estudantes

da Universidade Federal da Paraíba e da Escola Estadual Presidente Medici. Empunhando

faixas e cartazes que reivindicavam a abertura dos arquivos da ditadura, o Levante promoveu

um debate com a presença de ex-presos políticos, e iniciou um debate com a direção da escola

para a proposição de um projeto que vise a mudança do nome da instituição.

e) O escracho realizado em Recife-PE teve como alvo o desembargador aposentado

Aquino de Farias Reis, ex-delegado do DOPS de Pernambuco. A ação aconteceu em frente

ao Condomínio Ilha do Retiro, Av. Beira Rio, nº 240, onde fica sua residência. Aquino atuou

como delegado plantonista nos dias em que o estudante de agronomia Odijas Carvalho esteve

preso, passando por seis dias de tortura até ser morto, no ano de 1971.

f) Repetindo a denúncia da 1ª rodada, em Aracaju-SE o esculacho foi contra o Dr.

José Carlos Pinheiro, diretor do Hospital e Maternidade Santa Isabel. A função do médico

era “diagnosticar” a saúde dos homens e mulheres torturados para determinar se eles

aguentariam ou não mais atos de violência. Nessa rodada, uma enorme pintura em estilo

grafite foi produzida em frente ao seu local de trabalho, e em seguida os militantes se

deslocaram até o centro da cidade para distribuírem panfletos e dialogarem com a sociedade

sergipana.

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47

Figura 4: Grafite feito pelos militantes do Levante em frente ao Hospital e Maternidade Santa Isabel durante o

escracho do Dr. Carlos Pinheiro. Fonte: <www.levantepopulardajuventudese.blogspot.com>.

g) Em Salvador-BA, cerca de 150 jovens da capital e das cidades de Cruz das Almas

e Feira de Santana promoveram uma ação em frente à Associação de Karatê da Bahia

(ASKABA), localizada no bairro do Costa Azul. Ali trabalha o ex-cabo do exército, Dalmar

Caribé, que durante a repressão utilizava da arte marcial para torturar os presos políticos.

Participou de sessões de tortura de Theodomiro Romeiro, militante do Partido Comunista

Revolucionário Brasileiro, e junto com o major Nilton Cerqueira foi responsável pelos

assassinatos de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto na região de Brotas de Macaúbas. Filiado

ao PRTB, em 2008 Dalmar concorreu ao cargo de vereador na cidade de Belmonte-BA, onde

já foi Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente.

h) Na cidade de Teófilo Otoni-MG, aproximadamente 40 manifestantes se

encontraram em frente à antiga cadeia da cidade e ao Tiro de Guerra do Exército, para, em

marcha, relembrar a história de Nelson José de Almeida, militante da COLINA morto no

município. Faixas foram afixadas na cidade escrachando o responsável pela sua prisão, tortura

e morte, o ex-tenente Murilo Augusto de Assis Toledo, à época agente do DOPS-MG. Na

capital Belo Horizonte o alvo da primeira rodada nacional foi o torturador de João Lucas

Alves, o delegado Ariovaldo da Hora e Silva. Desta vez as atenções se voltaram para o

Page 48: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

48

médico-legista João Bosco Nacif da Silva, que atestou o suicídio daquele35

. Às sete horas da

manhã, uma quantidade em torno de 100 jovens se dirigiu até a casa do legista para denunciá-

lo ao som de cânticos como “bom dia João Bosco como vai? Nós faremos o possível pra tirar

o seu sossego, bom dia João Bosco como vai?”. Após cerca de 40 minutos, o senhor de

cabelos brancos se dirigiu até os manifestantes tentando impedi-los de continuarem; como não

obteve sucesso, acabou por se descontrolar e agrediu alguns dos presentes. Para evitar maiores

desconfortos, os jovens se retiraram do local. Ninguém saiu ferido.

i) Na casa nº 218 da Rua Marques de Abrantes, bairro Flamengo, Zona Sul do Rio

de Janeiro-RJ, 50 integrantes do Levante escracharam o general da reserva José Antônio

Nogueira Belham. Durante o período ditatorial ele foi chefe do DOI-Codi do Rio, e de

acordo com o livro A Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari, dentre outras ações cometidas

em sua repartição, está a tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva.

j) O que causa o impacto durante as rodadas não são as ações isoladas, mas sim o

conjunto da obra. Porém o esculacho realizado na cidade do Guarujá-SP acabou por atrair

para si uma maior atenção e ter maior repercussão na mídia. Cerca de 100 manifestantes

foram até a Rua Tereza Moura, nº 36, denunciar que, no apartamento 23-a, vivia o Tenente-

Coronel reformado Maurício Lopes Lima, reconhecido pela presidenta Dilma Rousseff

como seu torturador. Em um depoimento prestado à Justiça Militar na década de 70, bem

como em uma entrevista no ano de 2003, a ex-militante da VAR-Palmares afirmou que o

coronel Maurício esteve presente em suas sessões de tortura – nesse período ele foi orientador

de interrogatórios da Operação Bandeirante e chefe do DOI-Codi. De acordo com o Projeto

BNM e outras fontes históricas, também passaram pelas mãos do repressor o frade

dominicano Frei Tito e o fundador da ALN, Virgílio Gomes da Silva. Interessante a passagem

que ocorreu ao final do protesto, quando o grupo já se preparava para voltar à capital paulista,

momento em que duas viaturas da Polícia Militar abordaram os jovens para compreenderem

do que se tratava o ato. Em determinado momento um dos policiais pergunta se os

manifestantes encaminharam ofício à polícia, como forma inclusive de assegurar o direito

constitucional de manifestação. A resposta de um dos manifestantes é intrépida: “Não! Como

a ditadura não mandava ofício, a gente, nos protestos, também não manda; porque aí ele vai

ser avisado e vai embora” (RODRIGUES, R, 2012).

35

O laudo requerido e realizado a posteriori indicou uma série de marcas de tortura, unhas arrancadas, mas

nenhum indício de suicídio por enforcamento. O nome de João Bosco é um dos que consta no Projeto BNM

como médicos que apoiaram o regime e auxiliaram nos processos de tortura e seu encobrimento.

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49

k) Em Porto Alegre-RS os manifestantes identificaram a primeira sede do DOPS,

conhecido como “dopinho”, e promoveram um ato que contou inclusive com a presença do

ex-governador do estado, Olivio Dutra. Nas cidades de São Borja e Santa Maria, interior do

estado, ocorreram colagens de cartazes com os dizeres “ONDE ESTÃO OS TORTURADORES?

NEM ESQUECIDOS, NEM PERDOADOS! LEVANTE PELA VERDADE!”. Um fator

importante é que a cidade de Santa Maria possui o segundo maior contingente militar do

Brasil, e ao promover esse tipo de ação nesta cidade realiza-se uma disputa ideológica direta

frente às novas gerações de militares.

Figura 5: Representação de tortura no pau-de-arara durante um dos esculachos. Fonte: <www.levante.org.br>.

2.4.6 - Mega-escracho durante a Rio+20

O maior escracho do ano aconteceu em 19 de junho durante a Cúpula dos Povos, evento

paralelo à Rio+2036

, e reuniu cerca de 2 mil pessoas. O ato já estava sendo organizado desde

36

Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, que aconteceu 20 anos após a Eco92, também no

Rio de Janeiro (Rio 92+ 20). Nesse evento, entre 13 a 22 de junho de 2012, estiveram presentes diplomatas e

chefes de nações, para discutirem a situação ecológica do mundo e acordar um pacto de preservação ambiental.

Em paralelo a esse evento ocorreu a Cúpula dos Povos, uma forma de denúncia ao teatro montado pelas grandes

multinacionais e governos que já trouxeram uma proposta pronta e que tende a não sair do papel – assim como

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50

maio pelo Levante, Articulação Nacional pela Memória, Verdade e Justiça e pela Via

Campesina. A vídeo-chamada gravada pelo cineasta Silvio Tendler convidava as pessoas a se

concentrarem em um ponto marcado, mas não revelava maiores informações sobre quem seria

o esculachado ou o endereço de seu domicílio. A grande massa, composta ainda por

integrantes da Marcha Mundial das Mulheres, Consulta Popular, UNE, MST, MPA, Tortura

Nunca Mais, Movimento Camponês Popular, PSOL, PCB e PCR, seguiu em direção ao prédio

onde reside Dulene Aleixo Garcez dos Reis, capitão da Infantaria do Exército em 1970 – Rua

Lauro Muller, prédio nº 96, apto 1409. Embora mantivesse o seu caráter pacífico, o protesto

foi acompanhado de perto pela Tropa de Choque, com “Caveirão”, armas sônicas e até

helicópteros – a aproximação do prédio também foi restringida pela polícia até determinado

perímetro. Dulene participou da tortura de Cid de Queiróz Benjamin e Mario Alves, e em

maio de 2013, o MPF do Rio ofereceu denúncia contra ele pelo crime de sequestro

qualificado de Mario Alves, cumulado com o pedido de cancelamento de seus proventos,

retirada de suas medalhas e condecorações, além do pagamento de indenização às famílias das

vítimas.

2.4.7 - Escracho ao presidente da CBF

No início do mês de novembro, listas de e-mails, blogs e redes virtuais circularam a

convocação de mais um escracho, assinado pela Articulação Estadual pela Memória, Verdade

e Justiça de São Paulo. Diferentemente das outras ocasiões, não havia segredo com relação à

data (11 de novembro) e ao alvo, o ex-deputado da ARENA e atual presidente da

Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marin. Os manifestantes se dirigiram até o

seu condomínio, que fica na Rua Padre João Manoel, nº 493, em São Paulo-SP. Ao som de

cantigas como “olha a cabeleira do Zezé. Será que ele é? Dedo-duro!”, eles denunciaram aos

vizinhos o passado dessa figura, que representa o Brasil em diversos eventos internacionais.

Marin, que viria a ser vice-governador biônico de Paulo Maluf, foi apontado pelo grupo como

um dos delatores da ditadura, e responsável pela morte de Vladimir Herzog. Em um discurso

proferido no Congresso Nacional37

, Marin exigiu a intervenção estatal na TV Cultura “para

as resoluções de 92. A Cúpula reuniu indígenas, ambientalistas, movimentos estudantis, de luta pela terra e

moradia, camponeses, quilombolas, sindicatos, pastorais, partidos políticos, ONG‟s, movimentos de negritude,

de diversidade e de mulheres. Para além das denúncias, o seu objetivo foi de articulação entre a crítica e a ação,

permitindo a inclusão das pautas ambientais no cotidiano dos movimentos sociais e a superação do

economicismo e do corporativismo nas pautas sindicais. 37

Estão disponíveis na internet as reproduções auditivas dos discursos de Marin. Além do discurso referente a

Vladimir Herzog, há um segundo audio em que, o então deputado, exalta e elogia a figura de Sérgio Fleury, o

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51

que a tranquilidade no Estado fosse retomada” (RBA, 2012), pois o jornalismo praticado pela

emissora tinha um viés mais crítico e não dava destaque aos feitos do regime militar. Após o

discurso, Herzog compareceu espontaneamente ao DOI-Codi, sendo preso sem qualquer

mandado judicial, torturado, morto, e tendo a vinculação de sua morte atestada como suicídio.

Também marca a carreira de Marin o episódio da Copa São Paulo de 2012, em que durante a

cerimônia de premiação ao time do Corinthians, o ex-governador literalmente embolsou uma

medalha que seria entregue a um dos jogadores.

2.4.8 - Aniversário do AI-5

No dia 13 de dezembro de 2012 completaram-se 44 anos da publicação do AI – 5, a

mais perversa medida do governo militar. Em atenção a essa data foi realizado um escracho

pela Articulação Estadual pela Memória, Verdade e Justiça do Rio de Janeiro38

em frente ao

prédio onde reside o tenente-coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel, no Rio de Janeiro-RJ.

Lício, também conhecido como “Dr. Asdrubal”, participou do contingente das FA que

combateu a guerrilha do Araguaia, sendo responsável direta e indiretamente pela morte de

aproximadamente 60 militantes. No livro “O coronel rompe o silêncio”, de Luiz Maklouf

Carvalho, Lício confessa a execução de 16 pessoas.

2.4.9 - Batizados e sepultamentos

Um escracho diferente aconteceu no dia 29 de julho, no Rio de Janeiro-RJ. Organizado

pela Articulação Estadual pela Memória, Verdade e Justiça, contou com cerca de 300

manifestantes que marcharam da Orla de Copacabana até a praça do Leme, residência do

verdugo. Dessa vez o escrachado não pôde se esconder: houve contato físico, cartazes foram

pendurados em suas costas e pescoço, e bexigas cheias de tinta vermelha foram-lhe

arremessadas para representar o sangue das vítimas. O alvo foi a estátua do Marechal

Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro ditador do regime, que também dá nome a

dezenas de avenidas, bairros e escolas por todo o país.

mais conhecido torturador e assassino do regime, e que à época da fala já havia sido denunciado como integrante

de Esquadrão da Morte. Os áudios estão disponíveis em: <http://blogdojuca.uol.com.br/2013/04/o-audio-dos-

discursos-de-marin/>. Acesso em 07 de junho de 2013. 38

A Articulação Estadual pela Memória, Verdade e Justiça do Rio de Janeiro é composta pelo Coletivo RJ;

Comitê pela Memória, Verdade e Justiça de Niterói; Consulta Popular; Levante Popular da Juventude; Grupo

Tortura Nunca Mais; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Juventude do PT; PC do B; UNE

e Sindicato Estadual dos Professores de Educação.

Page 52: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

52

Esse tipo de ação traz novamente à baila a disputa pela “memória do período da

ditadura, pela soberania sobre espaços públicos e pela impressão de símbolos históricos no

tecido urbano” (DIAS, 2012. p. 165). Enquanto os opositores foram tachados, processados e

perseguidos como terroristas, os que se apoderaram do poder do Estado tiveram os seus

nomes atribuídos a logradouros públicos e até a municípios – como é o caso da cidade de

Presidente Médici no estado de Rondônia.39

Dessarte, desde os primeiros anos da

redemocratização do país, diversas entidades, partidos e movimentos têm travado lutas para a

renomeação desses espaços e para a supressão das homenagens aos agentes do regime, seja

por meio de ações simbólicas ou pela via institucional. Em geral busca-se a troca dos nomes

dos repressores pelo de pessoas que combateram ou foram perseguidas pelo regime, sendo

uma forma de apagar da história dessas pessoas o estigma de inimigos da nação.

Seguindo essa linha de raciocínio e atuação, o Levante promoveu no dia 12 de abril, em

Brasília-DF, a renomeação simbólica da ponte Costa e Silva, rebatizando-a com o nome de

Honestino Guimarães, presidente da UNE em 1971, desaparecido político que até hoje não

teve os seus restos mortais encontrados. Faixas também foram afixadas em viadutos por todo

o plano piloto.

Em 18 de junho, na cidade de Feira de Santana-BA, os militantes saíram às ruas durante

a madrugada e literalmente renomearam uma série de ruas, colando adesivos sobre as placas

indicadoras. A avenida Marechal Castelo Branco foi rebatizada com o nome de Chico Pinto,

as ruas General Costa e Silva e 31 de março com os nomes Luís Antônio Santa Bárbara e 26

de junho, e a praça Presidente Médici levou o nome de Iara Iavelberg. A data de 26 de junho

rememora o ano de 1968 quando houve a Passeata dos Cem Mil, e todas essas pessoas

homenageadas foram cidadãos que nasceram ou viveram na região de Feira de Santana e

fizeram oposição ao regime.

Nos últimos anos uma série de avanços institucionais foram conquistados nesta seara, a

exemplo da diretriz 25 do PNDH-3, que traça como objetivo estratégico “fomentar debates e

divulgar informações no sentido de que logradouros, atos e próprios nacionais ou prédios

públicos não recebam nomes de pessoas identificadas reconhecidamente como torturadores”

(BRASIL, 2010, p. 177). Mais recentemente, na cidade de São Paulo-SP foi sancionada a lei

nº 15.717 de 23 de abril de 2013, de autoria de vereadores do PC do B, na qual os moradores

39

Esse fato não é algo isolado no passado. No ano de 2010, a turma de aspirantes a oficial que se formou na

AMAN – Academia Militar das Agulhas Negras, homenageou e levou o nome Turma General Emílio

Garrastazu Médici.

Page 53: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

53

de ruas que levem o nome de autoridades que tenham cometido crime de lesa humanidade, ou

graves violações de direitos humanos, podem solicitar a mudança de sua nomenclatura.

2.4.10 - Homenagens aos militares honrados

Por diversos momentos, é suscitado o argumento de que as ações em torno da memória

e verdade tem como objetivo difamar as Forças Armadas e desonrar a sua história. Contudo,

no Rio de Janeiro-RJ enquanto uma parte da militância do Levante participava da 2ª rodada de

escrachos, foi promovida paralelamente uma homenagem aos Pracinhas da Força

Expedicionária Brasileira que lutaram contra o nazifascismo na 2ª Guerra Mundial. Ao som

de “Canção do Expedicionário”, ramalhetes de flores com os dizeres “glória eterna aos

heróis da liberdade” foram depositadas no Monumento aos Pracinhas, e entregues a Pedro

Moreira de Lima que representou o seu pai, Brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima40

. Durante

o Grito dos Excluídos41

de Porto Alegre, também foi feita uma entrega de flores a um dos

pracinhas que se encontrava no Monumento ao Expedicionário. Com estas iniciativas o

movimento demonstrou que a luta travada não é direcionada às Forças Armadas, mas sim aos

agentes que participaram de atos de terrorismo de Estado e cercearam a liberdade dos

cidadãos.

2.5 Balanço nacional

Ao final do ano de 2012 foram contabilizadas um total de 33 ações, sendo 2 na região

Norte, 9 no Nordeste, 15 no Sudeste, 2 no Centro-oeste e 5 na região Sul. Percebe-se, ademais,

que o Levante inaugurou esse tipo de intervenção política no país, mas procurou envolver o

máximo possível de entidades da sociedade civil. Com isso, articulações se formaram e deram

sequência às ações de forma mais continuada, a exemplo da Frente Popular do Escracho em

São Paulo, e a Articulação Estadual pela Memória, Verdade e Justiça no Rio de Janeiro. Outro

dado importante é que, parte significante dos agentes denunciados continua ocupando funções

de destaque em órgãos estatais, ou se aposentaram em postos de alta patente, e todos, sem

exceção, vivem em bairros de classe média alta.

40

O ex-combatente não pode estar presente por motivos de saúde. O brigadeiro foi um dos militares expurgados

e perseguidos logo nos primeiros dias após o golpe. 41

Manifestação popular que acontece tradicionalmente no dia da independência do Brasil. Tem como objetivo

fazer frente às comemorações oficiais, questionar qual foi a independência que o país conquistou, e bradar que o

modo de produção capitalista ainda cria, mantém e lucra com a exclusão social.

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54

Figur

a 6: Gráfico da disposição territorial das ações. Fonte: elaboração do autor.

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55

Capítulo III – AS REAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE AOS

ESCRACHOS

3.1 Concepções de Estado, Ideologia e Hegemonia em Gramsci

Dentre os objetivos da pesquisa, encontra-se a identificação das reações do Estado

Brasileiro frente aos escrachos promovidos pelo Levante no ano de 2012. Mas, antes do

levantamento desses dados, faz-se necessário apresentar qual o referencial teórico utilizado

para às concepções de Estado, ideologia e hegemonia.

Os doutrinadores clássicos da Teoria Geral do Estado utilizam de três elementos para

conceituar essa entidade, quais sejam a soberania, o povo e o território. Em linhas gerais,

adota-se como conceito amplo de Estado “uma ordem jurídica soberana, que tem por fim o

bem comum de um povo situado em determinado território” (DALLARI, 2007, p. 51). Para

explicar a necessidade do surgimento do Estado, os pensadores jusnaturalistas iluministas,

expoentes da ideologia burguesa do século XVIII, formularam a teoria de que os homens

viviam em um “estado de natureza”, caracterizado pelo caos e pela barbárie. Os interesses e

apetites individuais norteavam as ações, promovendo um estado permanente de guerra que

impossibilitava o convívio social harmônico, e no qual o homem seria seu auto destruidor –

“homem como lobo do próprio homem”. Para a superação desse estágio de insegurança social,

fez-se necessária a instauração da ordem, que foi instituída por meio da “lei” e do contrato

social. Para os contratualistas, conscientemente os indivíduos teriam concedido parte de suas

liberdades individuais em troca da garantia de uma liberdade coletiva, uma sociabilidade

mínima que teria possibilitado a convivência e o desenvolvimento da sociedade. Assim

haveria surgido o Estado, representado na figura do Soberano, enquanto que a sociedade civil

seria oriunda da subordinação à unidade política estabelecida em torno da figura do Soberano,

necessitando da instituição desse poder comum para se fundar enquanto coletividade social

(GUIOT, 2006, p 17/18).

Nessa visão, o Estado tem um predomínio inquestionável sobre a sociedade, capaz de

impor de modo coercitivo normas e diretrizes, mas ao mesmo tempo distribui benefícios e

privilégios. No entanto, ao sustentar essa formulação, despreza-se por completo o elemento

subjetivo humano, já que não são levados em conta os sujeitos históricos atuantes, as

contradições e/ou qualquer conteúdo da divisão da sociedade em classes. Para a tradição

marxista, referencial empregado nesta pesquisa, o homem jamais teria vivido em um “estado

de natureza”. Para os que advém desse leito histórico, o Estado é uma ocultação/aparência de

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56

um suposto interesse universal, mas que em verdade serve aos interesses e à dominação de

uma classe social, que em algum momento da história se apropriou daquilo que era de todos,

subordinando e transformando os demais em força de trabalho (idem, p. 19). O Estado é,

portanto, o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes.

As primeiras teorizações nesse sentido datam de um determinado momento histórico, no

qual as sociedades capitalistas ainda não tinham se desenvolvido sobremaneira, e encontra

raízes principalmente em duas obras do século XIX: O Manifesto do Partido Comunista

(MARX e ENGELS, 1848) e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado

(ENGELS, 1884). Em Estado e Revolução (1917), Lenin resgata esses preceitos e sistematiza

o conceito de Estado, destacando todo o caráter repressivo e coercitivo que se expressam

através de seus aparatos: a burocracia, as forças armadas, as leis e a magistratura (LENIN

apud SABOYA, 1982, p. 22).

Antônio Gramsci, comunista italiano que combateu o regime fascista de Mussolini na

segunda década do século XX, estudou de forma diferenciada as chamadas sociedades

ocidentais e orientais, e percebeu que naquelas havia uma maior inserção das massas na vida

político-institucional, fenômeno que chamou de socialização da política. Esse fenômeno pôde

ser comprovado devido ao surgimento de uma rede de organizações de massa e a criação de

múltiplos sujeitos políticos coletivos, a exemplo dos partidos políticos de massa, da conquista

do sufrágio universal, da ação dos sindicatos etc. (GUIOT, 2006, p 21/22). A partir dessas

constatações, Gramsci ampliou o conceito de Estado, propondo que ele comporta em seu

interior duas esferas: a sociedade política (também entendida como “Estado em sentido

restrito” ou “Estado coerção”), que se consubstancia nos aparelhos, órgãos ou agências

burocráticas-coercitivas estatais, e a sociedade civil, formada pelo conjunto dos aparelhos

privados de hegemonia, que se ocupam da elaboração e difusão das ideologias – igrejas,

sindicatos, escolas, partidos, associações, clubes, revistas, editoras, meios de comunicação em

geral etc. Essa sociedade civil também é classificada como “privada”, pois aqueles que

aderem os fazem voluntariamente e não pelo uso da repressão.

Surge então o conceito de Estado ampliado, que é a junção da sociedade civil com a

sociedade política – por meio da sociedade política as classes exercem a dominação mediante

a coerção, enquanto que através da sociedade civil as classes procuram exercer sua hegemonia.

As entidades e agrupamentos que compõem a sociedade civil reproduzem e difundem

ideologias, que são hegemonizadas por um dado bloco histórico, bloco este que consegue

exercer a direção e promover o consenso – ou convencimento (COUTINHO apud GUIOT,

2006, p. 24). A ideologia para Gramsci é a difusão de uma dada visão de mundo (“cultura”),

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57

consubstanciada em um corpo de ideias, representações, valores, que formam uma vontade

coletiva. Em alguns momentos, atinge-se tal grau de difusão da ideologia, que por meio do

consenso, alcança-se a hegemonia em um dado setor da sociedade civil. Dessa forma, as

classes dominantes legitimam sua dominação, parecendo ao conjunto da sociedade que as

ideias e interesses são seus, quando em verdade foram assimiladas devido à hegemonia criada.

Durante os anos de chumbo do Brasil, dilacerando a oposição e ceifando centenas de

vidas, o bloco civil-militar multinacional e associado conseguiu exercer a hegemonia em

setores estratégicos do Estado. O uso das categorias gramscianas nesse trabalho permite

reconhecer o quanto da ideologia forjada durante a ditadura ainda persiste na coletividade

brasileira, e qual o seu nível de enraizamento nas instituições estatais. Provavelmente não será

possível elencar todas as manifestações oficiais e extraoficiais acerca da jornada de ações do

Levante, haja vista a repercussão que ela alcançou. Mas, todas as ações que foram

sistematizadas pelo movimento ao longo do ano, além de outras encontradas na internet,

compõem um extenso rol que será apresentado abaixo, e que está sujeito a ampliação em

pesquisas futuras.

3.2 Reações: Ataque ao movimento e solidariedade da sociedade civil

Após a primeira rodada de escrachos, o site e o blog nacional do movimento receberam

dezenas de comentários antagônicos, de apoio e de repulsa às ações. Adjetivos como

terroristas, guerrilheiros, maconheiros, vagabundos, extremistas, juventude hitlerista etc.,

foram acompanhados de palavras de baixo calão e ameaças, e por vezes foram feitas

provocações no sentido de que o destino dos jovens do Levante deveria ser o mesmo dos

opositores da ditadura. No dia 27 de março, um dia após as ações, o servidor que hospeda a

página virtual foi atacado, ficando fora do ar durante toda a tarde. Conhecendo as práticas dos

setores remanescentes da ditadura, e compreendendo que se tratava de uma reação de caráter

intimidatório, foi elaborado um abaixo assinado em solidariedade ao movimento e em defesa

da legitimidade dos atos. Intitulado “Pela garantia da liberdade de manifestação de nossa

juventude”42

, o documento de repudio às ameaças e represálias reuniu 180 assinaturas em

apenas um dia, sendo veiculados por toda a blogosfera e imprensa contra hegemônica.

Entidades de norte a sul do país assinaram o documento, como o Conselho Pastoral dos

42

Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/content/apoio-%C3%A0-liberdade-de-

manifesta%C3%A7%C3%A3o-e-rep%C3%BAdio-%C3%A0s-retalia%C3%A7%C3%B5es> Acesso em 07 de

julho de 2013.

Page 58: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

58

Pescadores, Associação dos Geógrafos Brasileiros, Movimento Negro Unificado, Comitês

pela Memória e Verdade, Pastoral da Juventude, Central Única das Favelas, Justiça Global,

além de jornalistas, advogados, juízes, professores universitários, artistas, cineastas, nove

parlamentares, e personalidades como Dom Pedro Casaldaliga, Frei Beto, Fernando Morais,

Anita Leocádia Prestes e Lúcia Murat.

3.3 Militares

Os militares da ativa, em regra, não se manifestam publicamente sobre questões

políticas, sob pena de incorrerem em ato de indisciplina ou insubordinação. Desta forma, o

Clube Militar torna-se uma espécie de porta-voz das opiniões militares, servindo como

termômetro das opiniões e insatisfações das FFAA.43

Como o Clube não se manifestou

oficialmente, analisar-se-á o conteúdo postado em dois blogs que têm os militares como

público principal, e por diversas vezes se colocaram como seus mediadores para a sociedade.

O primeiro, A Verdade Sufocada, recebe cerca de 30 mil visitas por mês e é gerenciado pela

esposa de Carlos Alberto Brilhante Ustra, Coronel reformado do Exército e ex-comandante

do DOI-Codi – no episódio do Manifesto Alerta à Nação, esse blog foi utilizado como ponto

de recolhimento de assinaturas dos oficiais insatisfeitos. O Coronel Ustra foi processado e

condenado em ação cível declaratória, em primeira e segunda instância, por crimes cometidos

no DOI-Codi sob seu comando, e se coloca como o fiel paladino da luta contra a CNV. O

segundo blog é o Alerta Total, dirigido pelo jornalista Jorge Serrão, que já escreveu em um

tabloide sobre assuntos estratégicos voltados para o meio militar, e que tem em seu currículo

uma graduação pela ESG.44

Após a primeira rodada de escrachos, o blog A Verdade Sufocada lançou uma série de

matérias relatando os fatos de maneira negativa, e passou a buscar as origens do movimento,

dando visibilidade à sua ligação com os movimentos da Via Campesina. Em todas as

postagens as ações foram caracterizadas como atos inadmissíveis de vandalismo, e afirmações

sensacionalistas, em tom de pânico, foram disseminadas como forma de alarmar os leitores ao

caráter “comunista/nazifascista” dos atos. A partir de então, as atividades do Levante ligadas

ou não à pauta da memória e verdade, passaram a ser monitoradas e relatadas mensalmente no

43

Importante ressaltar que essas opiniões não assumem caráter hegemônico dentre os militares, havendo setores

que discordam das posições retrógradas e promovem a disputa ideológica dentro das FFAA. Um exemplo claro

dessa celeuma ocorreu quando o brigadeiro Rui Moreira Lima e os comandantes da Marinha, Luiz Carlos

Moreira e Fernando de Santa Rosa, lançaram um manifesto rebatendo o "Alerta à nação", defendendo a

CNV e as vítimas da ditadura. 44

Informações obtidas no próprio Blog.

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59

canal comunicativo, numa espécie de vigia a todos os seus passos. O blog de Serrão também

divulgou notícias diretas do site do movimento, como forma de dar conhecimento de sua linha

de atuação aos leitores do Alerta Total. Em diversas postagens o jornalista comparou as ações

dos jovens aos ideais totalitários de Adolf Hitler. (SERRÃO, 2012).45

3.4 Ex-presos políticos e familiares das vítimas

Por se organizarem na CFMDP e em grupos como o Tortura Nunca Mais, essa categoria

será classificada como um movimento social, e portanto, componente da sociedade civil.

Esses atores estiveram presentes na maioria das ações realizadas, demonstrando o seu apoio

aos atos e um enorme entusiasmo ao perceberem que a pauta havia extrapolado o âmbito

privado das vítimas e familiares.

Para além das demonstrações de apoio explicitadas durante as ações, destacam-se aqui

as cartas enviadas pelos ex-presos políticos Aton Fon Filho e Miguel Gonçalves Trujillo Filho.

O primeiro comparou o movimento ao povo de Canudos e aos Cabanos, à Coluna Prestes e

aos Expedicionários da FEB, pela sua bravura e por terem resgatado a bandeira da liberdade –

além de dedicar-lhes uma poesia. Para Trujillo “foi um ato de muita coragem política,

coragem esta que tem faltado a tantos que se dizem „democratas‟ ou de „esquerda‟”, e

finalizou exaltando que “o Levante Popular da Juventude retomou as esperanças de uma

nação inteira”.46

Além de reoxigenar a luta dessas pessoas, o Levante proporcionou que

algumas delas soubessem onde viviam ou trabalhavam os seus algozes, a exemplo de Marcelo

Rubens Paiva e Amelinha Teles. Em entrevista, essa disse que estava cheia de orgulho dos

jovens e se mostrou preocupada pelo fato de seu torturador ter ingressado no ramo da

segurança privada (FARAH, 2012). Marcelo aquele relatou em seu blog a estranha sensação

de costumeiramente transitar pelas mediações da casa do torturador de seu pai, sem se dar

conta disso. Por fim, o filho do Deputado Rubens Paiva escreveu: “Bacana. Criativo. Justo.

Obrigado, garotada. A família agradece” (PAIVA, 2012).

3.5 Imprensa escrita e televisiva

45

Impressiona a quantidade de comentários agressivos a cada matéria publicada. Seguem alguns a título de

ilustração: I) “Até agora não entendi por que não chamaram a PE e por que não mandaram a PM baixar o

porrete nessa vagabundagem”; II) “Esses porqueira vermelhos tão precisando de umas boas horas no pau de

arara pra virarem homens.”; III) “Já ando pensando em organizar um CCC”. 46

Ambas as cartas estão disponíveis no site do Levante.

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60

Apesar da redemocratização do país, ainda há uma grande concentração dos meios de

comunicação nas mãos de algumas poucas famílias e grupos econômicos, o que têm

dificultado que as ações dos movimentos sociais possam alcançar as grandes massas. Todavia,

a sincronia e ousadia das ações proporcionaram que houvesse uma grande repercussão na

sociedade, e que o bloqueio da mídia hegemônica fosse superado.

Em se tratando de imprensa escrita, os canais contra hegemônicos acompanharam

diversas ações e deram destaque à temática, a exemplo da revista Caros Amigos, os jornais

Brasil de Fato, Correio da Cidadania e a Agência Carta Maior. O que chama a atenção,

entretanto, é a ampla cobertura dada pelos maiores jornais do país como a Folha de São Paulo,

O Globo, O Estado de S. Paulo, Zero Hora, Extra, e pelos grandes portais de notícias como

Terra, UOL e Band. Chama ainda mais atenção o fato de que boa parte das matérias

vinculadas seguiu uma linha mais descritiva, utilizando-se em grande escala do próprio

material produzido pelo Levante e de entrevistas concedidas por militantes, o que evitou

distorções e a criminalização do movimento. A blogosfera “viralizou” as notícias seguindo a

mesma linha, com alguns poucos autores arriscando-se a emitir opinião sobre os

acontecimentos. A notícia rompeu as fronteiras do país e virou manchete no jornal argentino

“Marcha”47

. O que não causou qualquer surpresa foi a análise feita pelo colunista da Revista

Veja, Reinaldo Azevedo, que taxou os jovens como a “tropa de choque do MST e da Maria do

Rosario” (ministra da SEDH) e qualificou as manifestações de forma negativa, comparando-

as com linchamentos, ao fascismo e à revolução chinesa (AZEVEDO, 2012).

No que tange à cobertura televisiva, a Rede Record veiculou em horário nobre duas

matérias sobre as duas rodadas nacionais de escrachos, no Jornal da Record. As reportagens,

que tiveram duração de 03:18 e 02:33 respectivamente48

, cobriram as ações realizadas em

vários estados, acompanharam os bastidores, entrevistaram integrantes do movimento, as

vítimas do regime e buscaram ouvir a versão dos alvos. Os editoriais fizeram importantes

resgates históricos dos períodos, deram destaque à capacidade de organização do movimento,

e apontaram a atualidade da pauta, não havendo qualquer caracterização negativa das ações.

Apesar de o jornal impresso O Globo ter publicado quase uma dezena de matérias sobre os

atos, a Rede Globo de Televisão somente disponibilizou 5 segundos do Jornal Nacional

(possivelmente devido ao seu atrelamento aos setores golpistas). Em uma reportagem sobre a

47

Disponível em: <http://www.marcha.org.ar/1/>. Acesso em 22 de junho de 2013. 48

As reportagens estão disponíveis em: <http://noticias.r7.com/videos/manifestantes-protestam-contra-ex-

delegado-da-policia-que-atuou-na-ditadura/idmedia/4f70ff2eb51aa10b32e72564.html> e

<http://noticias.r7.com/videos/manifestantes-protestam-contra-a-tortura-em-varias-cidades-do-

brasil/idmedia/4fb1c1e4fc9bf51e2cc13721.html>. Acesso em 22 de junho de 2013.

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61

Rio+20, uma matéria relatou que naquele dia também “houve protestos contra a tortura

durante a ditadura militar”. Na TVT, primeira emissora de televisão outorgada a um sindicato

de trabalhadores,49

os atos ganharam destaque. O carro chefe da emissora, Seu Jornal,

programa semanal de notícias, deu ampla cobertura à quase totalidade das ações,

acompanhando e noticiando diversos escrachos e transmitindo uma entrevista após a entrega

do prêmio da SEDH. Em sua totalidade as reportagens atribuíram um caráter positivo às ações,

chegando ao ponto de, ao final de uma das reportagens, o âncora do telejornal exclamar: “essa

é a juventude brasileira!”

3.6 Redes sociais virtuais

Em todo o mundo, as redes sociais virtuais têm sido um grande vetor de mobilizações

populares, possibilitando a difusão de informação em tempo real e com um potencial de

alcance extremamente abrangente. Apesar dos dados do PNAD constatarem que somente

46,5% da população brasileira tem acesso à internet (SALLOWICZ, 2013), em diversos

momentos da história recente, o bloqueio da mídia hegemônica tem sido superado a partir do

compartilhamento em massa de informações, de modo que, a depender da repercussão, as

redes tem conseguido pautar a grande mídia.

Fazendo parte da geração que cresceu sob a égide da internet, o Levante soube utilizar

dessas ferramentas para dar corpo à divulgação em massa das ações, todavia, foram

catalogadas duas reações de censura às suas informações. Durante a 1ª rodada nacional, um

vídeo com os nomes e “currículos” dos alvos foi retirado do site Youtube em questão de horas,

sob a seguinte alegação: “este vídeo foi removido por violar a política do Youtube que proíbe

conteúdo cujo intuito seja assediar, intimidar ou ameaçar” 50

. Além desta situação, na

preparação do escracho de José Maria Marin, o site Facebook suprimiu o evento criado na

rede, o qual trazia informações sobre o ponto de encontro e a natureza da ação. Os

mecanismos de censura que foram ativados consideraram o conteúdo “impróprio” e uma

“violação aos termos de uso”, e quando um novo evento foi criado, novamente ele foi

suprimido. Essas situações demonstram que, apesar do aparente grau de liberdade de

expressão e de seu potencial comunicativo contra hegemônico, as redes sociais, que são

49

A TVT é produzida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Sua programação vai ao ar em canal aberto (em

algumas cidades do país), em TV a cabo, TV‟s comunitárias e pelo site da emissora. Mais informações em

<www.tvt.org.br>. 50

O vídeo #LEVANTECONTRATORTURA pode ser acessado por outro provedor através do link

<http://vimeo.com/39360961>. O link original, bloqueado pelo Youtube é

<http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wjcJcb84_jA>. Acesso em 22 de junho de 2013.

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62

gerenciadas por grandes corporações internacionais e mantidas sob a vigilância dos Estados

nacionais, têm uma política de privacidade opaca, sem qualquer regulamentação clara, e

atribuindo tratamento diferenciado entre os usuários.

3.7 Terceiros afetados

À época da 1ª rodada nacional, a empresa de segurança privada de David dos Santos

Araújo, Dacala, ostentava em seu site um rol de clientes para a qual prestava serviços. Dentre

outras, figuravam com destaque grandes empresas como a Kia, Ford, Banco Santander,

Volksvagen e Fuji. No mesmo dia do esculacho, como forma de despistar a imagem negativa

que se instauraria sobre as empresas clientes, todas as logomarcas foram retiradas da página.

Prontamente, o Levante publicou em sua página uma matéria destacando a manobra e

elencando o nome de todas aquelas empresas, como forma de questioná-las se continuariam

utilizando os serviços após conhecerem a história da Dacala. O desdobramento foi o esperado,

uma série de empresas como o Banco Itaú e a Anhanguera Educacional rescindiram o contrato

(SALDAÑA e AMAZONAS, 2012), e até a data do término dessa pesquisa a sessão de

clientes do site encontra-se em “manutenção”.51

3.8 Universidade

O processo seletivo 2012.2 da Universidade Federal de Uberlândia trouxe na prova de

sociologia, tipo 1, questão de nº 60, uma pergunta sobre o esculacho no STF:

51

Disponível em: <http://www.dacala.com.br/clientes.php>. Último acesso em 08 de julho de 2013.

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63

Figura 7: Prova de sociologia do vestibular da UFU 2012.2. Fonte: <http://www.ingresso.ufu.br/home>

A resposta correta estava na assertiva c): “permite-nos perceber a existência de

movimentos sociais dispostos a promover a releitura da história recente para garantir o

direito à verdade”. O teor da resposta indica que a instituição fez uma leitura positiva da ação,

reconhecendo o movimento como um agente que busca a garantia de direitos através das lutas

sociais.52

3.9 Legislativo

52

Durante a pesquisa, estudantes universitários narraram que professores das mais variadas áreas utilizaram os

escrachos como temas de aulas e requisitaram que as turmas realizassem seminários sobre a temática. Como não

se conseguiu material oficial que subsidiasse esses dados e permitisse a sua análise, só foi catalogada na

categoria Universidade a prova da UFU.

Page 64: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

64

Uma semana após a primeira rodada de escrachos, o Levante recebeu um convite da

Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para participar de uma

audiência pública da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça – realizada no dia 10

de abril de 2012. O convite, que partiu da então coordenadora da comissão temática, a

Deputada Luíza Erundina, foi destinado a organizações com trajetória de atuação na

promoção dos direitos humanos e do resgate da verdade histórica dos crimes da ditadura. Um

representante do Levante proferiu discurso sobre as ações que estavam sendo realizadas pelo

movimento, cobrou celeridade na instauração da CNV, e explanou sobre a ligação direta entre

a impunidade da tortura e o extermínio da juventude negra em curso no país. Também

participaram da audiência o Movimento Nacional de Direitos Humanos, CUT, OAB, AJD,

CNBB e familiares dos mortos e desaparecidos políticos (PASSOS, 2012).

3.10 Executivo

Foram identificadas duas manifestações oficiais do poder executivo brasileiro em

relação às ações: uma a nível municipal e uma do Governo Federal. Após a colagem de

adesivos sobre as placas de ruas e praças em Feira de Santana-BA (conferir item 2.4.9 -

Batizados e Sepultamentos), a prefeitura municipal (sob administração do partido Democratas)

caracterizou a ação como “vandalismo e desrespeito à sociedade”, pois prejudicou os cidadãos

ao dificultar a localização correta das ruas. De imediato a administração retirou os adesivos

(TRINDADE, 2012). Em resposta, o Levante lançou uma nota de repúdio às declarações da

prefeitura, 1) pelo equívoco jurídico ao tipificar como vandalismo tal ação, haja vista que para

a ocorrência de tal delito faz-se necessária a inutilização, deterioração ou destruição da coisa

alheia, fato que não ocorreu; 2) pelo não reconhecimento da necessidade e urgência de se

alterar os nomes dos logradouros, que ao homenagearem ditadores, maculam e desrespeitam

os valores da democracia (idem).

Ao revés, em relação ao Governo Federal, os atos foram recepcionados de maneira

positiva. Em setembro de 2012, o movimento foi indicado para receber o 18º Prêmio Nacional

de Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência de

República, na categoria Direito à Memória e à Verdade. Trata-se da mais alta condecoração do

governo brasileiro a pessoas ou entidades que desenvolvam ações de destaque na área dos

Direitos Humanos. A indicação partiu conjuntamente do professor da USP, Dr. Fábio Konder

Comparato; do jornalista e escritor Fernando Morais, do dirigente nacional do MST João

Pedro Stédile, da ex-presa política Maria Amélia de Almeida Telles, do jornalista e blogueiro

Page 65: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

65

Paulo Henrique Amorim, do Deputado Federal baiano e militante do MST Valmir Assunção, e

do ex-preso político e militante dos Direitos Humanos, Perly Cipriano53

(LEVANTE

POPULAR DA JUVENTUDE, 2012c). Em dezembro ocorreu a cerimônia de premiação em

Brasília, na qual o Levante não recebeu o prêmio na categoria almejada, mas foi agraciado

com a Menção Honrosa, entregue em mãos pela Ministra da SEDH e pela presidenta Dilma

Rousseff. Nas palavras de Dilma “o prêmio homenageia pessoas lutadoras que arriscam suas

vidas em defesa dos direitos humanos” (LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE, 2012d).

3.11 Reações dos escrachados / Poder Judiciário

Até a data de conclusão dessa pesquisa, 08 de julho de 2013, somente foram

identificadas duas ações judiciais ajuizadas pelos alvos dos esculachos. Em 19 de outubro de

2012, em Sergipe, o médico José Carlos Pinheiro ofereceu queixa-crime pelo delito de calúnia

(art. 138 c/c 141, III, todos do Código Penal) contra seis militantes do Levante, feito esse que

tramitou no Juizado Especial Criminal de Aracaju, processo n° 201245102302. A

identificação dos jovens se deu através de marcações de fotos no Facebook54

. Das mais de 30

pessoas presentes, a ação recaiu somente sobre Larissa Alves, Jessy Dayane, Tatiane Leal,

Viviane Leal, Camila Almeida e Gilson Junior (sendo que Gilson não estava presente no dia

das ações). Durante a inquirição policial somente uma das jovens prestou termos de

declaração, admitindo a sua participação e a dos demais no ato, esclarecendo que se tratava de

uma ação nacional orquestrada por sua organização. Os demais utilizaram o direito ao silêncio

e se reservaram a prenunciar-se em juízo.

O delito de calúnia consiste em imputar falsamente a outrem fato definido como crime.

A queixa-crime ainda requeria o reconhecimento da causa de aumento de pena prevista no

inciso III, presente quando o crime ocorre na presença de várias pessoas, ou por meio que

facilite a sua divulgação. Na inicial o querelante alegou que serviu à Marinha e não ao

Exército, e que sempre atendeu aos militares e seus dependentes, nunca havendo praticado

qualquer ato atentatório à dignidade da pessoa humana. O embasamento do escracho foi a ata

da 85ª sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Aracaju, realizada no dia 20 de setembro

de 1989, em que o então vereador Marcélio Bomfim denunciou que o médico “auscultava

53

Fábio Konder recebeu o referido prêmio em 2007, assim como Maria Amélia Telles em 2008. 54

A partir de então, como política de segurança, as notas do Levante Sergipe passaram a ser assinadas por João

Mulungu. Esse nome foi escolhido para preservar a identidade dos militantes, e como forma de homenagear um

dos escravos que lutou de forma contundente pela abolição, formando quilombos, e contribuindo com a fuga e

organização de centenas de escravos.

Page 66: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

66

para conferir o sofrimento e até que ponto o ser humano aguentava as torturas”. José Carlos

chegou a alegar que as acusações foram equivocadas e que ele teria sido confundido com

outro “Pinheiro”, e que na ocasião, ingressou com uma ação penal contra o político, mas que a

Justiça arquivou o caso (BRITTO, 2012).

Após essas declarações, Marcélio Bonfim afirmou que testemunharia em favor dos

militantes e que “só poderia pedir desculpas ao médico por não ter criado este

constrangimento mais cedo, pois o episódio já estaria esquecido” (NUNES, 2012). Cartas de

apoio começaram a ecoar de diversos setores da sociedade civil em defesa dos jovens

processados, partindo de Centros Acadêmicos, Executivas e Federações de curso, sindicatos,

movimentos sociais, do diretório do PSOL de Aracaju e de dois deputados estaduais do PT,

que levaram a celeuma à tribuna da Assembleia Legislativa. Característica da atual geração,

também foi iniciada uma campanha virtual no sentido de despersonificar a autoria da ação e

coletivizá-la. A partir de então, pessoas de todo o Brasil divulgaram fotos com cartazes em

que afirmavam: “eu também escrachei o Dr. Carlos Pinheiro”. Com o intuito de deslocar a

lide do âmbito local para o nacional, o caso foi levado a uma das audiências públicas da CNV,

sendo recepcionado com a demonstração de apoio das comissárias presentes e o

acompanhamento do caso pela Comissão. No dia 5 de dezembro, data de comemoração dos

101 anos do nascimento de Carlos Marighella, foi realizado um ato-show de solidariedade aos

jovens, que contou com a presença de lideranças sociais e ex-presos políticos.

Page 67: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

67

Figura 8: Fotos de apoio aos jovens processados enviadas por militantes de todo o país. Fonte:

<www.levantepopulardajuventudese.blogspot.com>

O Levante estava disposto a buscar todos os meios cabíveis para assegurar a defesa dos

processados e garantir o direito à memória e à verdade, e se fosse necessário, provocaria a

Organização dos Estados Americanos (OEA) e sua Comissão Interamericana de Direitos

Humanos. Após toda essa repercussão, o querelante recuou em seu intento no dia da audiência

(que contou inclusive com a presença do ouvidor estadual de Direitos Humanos de Sergipe), e

retirou a queixa-crime, impossibilitando que a reação do Poder Judiciário pudesse ser aferida:

Iniciada a audiência o advogado do querelante requereu a juntada de petição em três

laudas, informando que não tinha mais interesse no prosseguimento da ação penal,

requerendo a extinção da ação, já que a teor do que contem a fl.03 do seu

requerimento, não vislumbrava resultado justo em face da dificuldade em identificar

e qualificar todos os manifestantes, como também não tem interesse pecuniário e

nem interesse de prejudicar a idoneidade dos jovens que participaram da

manifestação oriunda de um movimento nacional, além do que coloca-se desde já à

disposição da Comissão Nacional da Verdade para colaborar pelo direito à memória,

à verdade e à justiça, sobre fatos do seu conhecimento ocorridos durante o período

que serviu à Marinho (sic) do Brasil em Sergipe. A seguir, foi concedida a palavra

ao representante do MP que assim se manifestou: Srª. Juíza, na ação penal

privada, antes que fosse recebida a queixa-crime o querelante renuncia ao direito que

se funda, motivo pelo qual opina o Ministério Pública que se declare extinta a

punibilidade dos querelados, a teor do art. 107, V, do CP. É o parecer. Pela MM.

Juíza foi proferida a seguinte sentença: Conforme se vê do presente termo o

querelante não mais interesse na presente ação penal. A queixa ainda não fora

recebida, razão pela qual não vislumbro justa causa para a ação e por consequência,

Page 68: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

68

EXTINGO A PUNIBILIDADE DOS QUERELADOS (JECRIM ARACAJU,

2012).55

A segunda lide teve como protagonista David dos Santos Araújo. De acordo com a

equipe de comunicação do Levante, no dia 14 de junho de 2013, mais de um ano após o seu

escracho, o site do movimento foi retirado do ar devido a uma notificação judicial emitida

contra o provedor que hospeda a página. A notificação foi no sentido da retirada imediata da

matéria “David dos Santos esconde clientes da Dacala. Levante Popular mostra!” que

possivelmente estaria gerando um marketing negativo para a empresa Dacala. Apesar do

intento de dirimir os efeitos do escracho sobre a empresa, a ação não surtiu tantos efeitos

práticos, haja vista que a mesma matéria continua disponível no site do Jornal Brasil de Fato,

e pode ser encontrada em uma pesquisa simples em sites de busca. Dois dias depois o site do

Levante voltou ao ar.

3.12 Entidades de classe, Movimentos Sociais, Partidos Políticos e Personalidades

Além de todas essas reações já mencionadas, ainda foram catalogadas ao longo do ano

manifestações de importantes formadores de opinião e entes da sociedade civil. Central

sindical que nasceu combatendo o regime militar, a CUT lançou uma nota de apoio e

saudação ao Levante, demonstrando entusiasmo com as ações e se colocando como parceira

na luta por memória, verdade e justiça (CUT, 2012). A OAB seccional Rio de Janeiro, por sua

vez, participou de reunião com os jovens, expressou o apoio às manifestações e ofereceu

respaldo institucional em caso de possíveis retaliações advindas dos escrachados. O

Presidente da seccional, Wadih Damous, destacou durante a reunião que os “escrachos

substituíram a justiça que STF deixou de fazer ao decidir que os torturadores estão sob o

abrigo da Lei de Anistia” (OAB, 2012).56

No Rio Grande do Norte o Levante recebeu o XIX

55

Se o querelante não desistisse da ação, uma problemática inusitada estaria instaurada frente ao Judiciário

brasileiro. O crime de calúnia admite a exceção da verdade, que é a “faculdade atribuída ao suposto autor do

crime de calúnia de demonstrar que, efetivamente, os fatos por ele narrados são verdadeiros” (GRECO, 2005).

Em juízo, os acusados poderiam demonstrar que o médico auxiliou o crime de tortura, mas, no entanto, devido à

atual interpretação do STF, esse crime foi anistiado. Esse tema é por demais complexo para se tratar dentro dessa

pesquisa, mas permanece o problema: caberia ou não a exceção da verdade no caso de um crime que não foi

investigado e que foi anistiado? 56

A OAB exerceu papel fundamental na luta pela redemocratização do país, principalmente por questionar

juridicamente o Estado de exceção, lutar pela revogação do AI-5 e pelo restabelecimento do instituto do habeas

corpus. Nesse período de maior atuação da OAB, que foi concomitante à reabertura, houve um índice crescente

de ações paramilitares e clandestinas, que contou com o incentivo e a conivência do Governo. No ano de 1980,

um atentado a bomba vitimou Lyda Monteiro da Silva, secretaria da entidade que abriu uma carta bomba

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69

Prêmio Estadual de Direitos Humanos, pelas ações em pró da memória, verdade e justiça. O

prêmio concedido pelo Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, organização não

governamental filiada ao Movimento Nacional de Direitos Humanos, e tem o objetivo de

agraciar aquelas pessoas ou entidades comprometidas com os Direitos Humanos, as

liberdades democráticas e a defesa da vida.57

Dois representantes de partidos políticos se manifestaram sobre as ações, expressando

óticas opostas. Enquanto o presidente do PT, Rui Falcão, gravou um vídeo em que elogiou os

atos e seu caráter cívico, a juventude do PSDB-MG postou em seu site um texto que definiu a

juventude do Levante como “fascista” e “a caminho do totalitarismo”. Com teor semelhante

às ideias dos militares intervencionistas e seus interlocutores, o militante da JPSDB concluiu a

nota com o chamado: “é hora, pois, de nos levantarmos e defendermos, novamente, as

posições democráticas duramente conquistadas por aqueles que lutaram pela democracia e

contra as guerrilhas de esquerda” (SERPA, 2012).

Em entrevistas, o integrante da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, demonstrou simpatia com o

movimento ao dizer que adora os escrachos, mas que por já ter 70 anos não teria mais pique

para as ações (LIMA, 2013). Ademais, Pinheiro validou as ações por compreender que elas

politizam o tema e contribuem com os trabalhos da Comissão (BARBOSA, 2012). Os

professores universitários Carlos Fico (UFRJ), Vladimir Safatle (USP) e Francisco Foot

Hardman (UNICAMP) publicaram textos em que analisaram a conjuntura do Brasil no que

tange à Justiça de Transição e aduziram que os atos: são legítimos e eficazes (HARDMAN,

2012), honraram o país (SAFATLE, 2012) e que apesar de parecerem algo violento apoiava o

escracho, sendo um barulho necessário (FICO, 2012). A socióloga chilena Marta Harnecker,

que viveu a experiência da revolução cubana e que foi assessora do governo de Hugo Chavez,

gravou um vídeo de apoio às lutas travadas pelo Levante no Brasil e apontou a necessidade de

avanços no país que continua atrasado em relação aos vizinhos latino-americanos.

Representando um dos setores da cultura negra e periférica, o rapper Emicida também teceu

elogios aos escrachos e acrescentou que “nenhuma revolução foi feita sem a participação e

protagonismo da juventude” (LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE, 2012e).

destinada ao seu presidente. Não por acaso, em 2012, na semana em que foi instaurada a Comissão Estadual da

Verdade na seccional RJ, uma bomba explodiu em seu prédio-sede, dessa vez sem vítimas (PINTO, 2013). 57

Ao chegarem na Assembleia Legislativa do estado, os homenageados da noite foram surpreendidos com a

repressão dos seguranças, que confiscaram o seu megafone, revistaram as suas bolsas, e impediram que

adentrassem no recinto portando bandeiras. Frente a tal situação, os militantes aproveitaram o momento do

discurso de agradecimento para realizar mais um escracho, e denunciaram a situação. Após a fala, o presidente

da sessão ordenou que os seguranças liberassem a entrada dos que estavam do lado de fora, liberando o porte dos

objetos que bem entendessem.

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70

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou arrolar todos os escrachos promovidos pelo Levante Popular da

Juventude no ano de 2012, e, identificar quais foram as reações do Estado ampliado frente a

tais ações. Ademais, buscou-se compreender como essas manifestações contribuíram para a

efetivação do Direito à Memória, Verdade e Justiça na realidade brasileira.

Após a catalogação de reações, constatou-se que apesar do caráter radical e até

“agressivo” das ações, houve uma grande receptividade e legitimação dos atos por parte dos

mais variados setores da sociedade civil e política. A partir dos escrachos, sujeitos sociais que

não estão diretamente ligados à causa se posicionaram em defesa do movimento e em apoio à

CNV, e com isso, o foco da disputa deixou de ser somente entre os “militares de pijama”

versus vítimas e familiares. O fato de não ocorrerem retaliações por parte da polícia, bem

como as condolências advindas do legislativo e executivo federal, apontam para os

movimentos sociais populares a possibilidade de atuação mais incisiva nesta causa, e quiçá da

conquista de mais avanços no que tange à justiça transicional.

Além disso, as ações do Levante foram importantes porque conseguiram furar o

bloqueio da grande mídia e fizeram o debate ganhar as ruas, gerando controvérsias e

discussões, que acumulam para a formação da consciência do povo. Com certeza, esse

processo também serviu de exemplo e incentivou dezenas de jovens organizados na UNE, em

DCE‟s e Centros Acadêmicos, levando-os a compor comissões estaduais da verdade, bem

como a instaurarem comissões da verdade em suas próprias instituições de ensino. Todavia,

ao se analisar as reações dos militares, setores da mídia, e os comentários emitidos nos canais

virtuais de comunicação, restou evidente que ainda há forte resistência ideológica e fática para

se perpetuar a legitimação dos interventores e evitar qualquer tipo de avanço. Ademais, é

importante ressaltar que o Judiciário não chegou a se manifestar sobre os atos, e que o seu

histórico conservador é de perpetuação da ordem dominante e de criminalização dos

movimentos sociais.

No que tange à consolidação da JT, os esculachos se colocaram como uma ferramenta

popular de construção, “desde baixo”, de uma ideologia contra hegemônica. Em se tratando

de Direito à Memória, os escrachos pautaram de forma direta a mídia, instituições

educacionais e poderes públicos, levando-os a promoverem debates, produzirem matérias e

levarem o tema para o público de forma mais cotidiana. Ao denunciarem para os vizinhos e

para a população em geral o passado dos militares e de seus cúmplices, as ações contribuíram

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71

com a construção do Direito à Verdade. Também foram lembrados e homenageados os

opositores do regime, que entregaram suas vidas para a construção de outro país e por muito

tempo foram tachados como terroristas. Essas incursões possibilitam que seja construída a

outra face da história, e que a hegemonia forjada pelas elites golpistas seja minada.

Até então, não se desencadeou de forma direta nenhuma Reforma Institucional devido

aos escrachos, entretanto, é importante recordar a lei que foi sancionada em São Paulo que

possibilita a alteração de nomes de ruas. Apesar de o projeto de lei ser anterior à jornada de

atos, não é desprezível o fato de que o Levante promoveu cinco ações nesse estado, e outras

foram promovidas pela Frente do Escracho Popular, fato que certamente influenciou a

aprovação normativa. Em se tratando de Justiça e Condenações, os escrachos escancararam

para a sociedade a impunidade e o conforto em que vivem os perpetradores de atrocidades

nacionais, e reavivaram os debates sobre a interpretação da Lei de Anistia e a possibilidade de

condenação dos crimes de lesa humanidade. Apreende-se então que diversos elementos

inerentes à JT alcançaram outro patamar, que foi aberta uma margem para a implementação

de políticas públicas, e que os escrachos contribuíram com a consolidação dos Direitos

Humanos no país.

Vale ressaltar que apesar de alguns avanços, esses são mínimos, e a JT no Brasil ainda

está muito aquém dos demais países que passaram por regimes ditatoriais. As medidas

governamentais se mostram muito tímidas, e ainda que a sociedade civil faça movimentações

importantes, é preciso que haja vontade política do Governo Federal para a superação do

desafio que está colocado. É perceptível que as instituições brasileiras ainda estão carregadas

de resquícios da ditadura, e que os donos do poder apenas trocaram de papeis, sem qualquer

alteração significativa na estrutura social. No entendimento de Tales Ab‟Saber,

O que restou da ditadura militar foi simplesmente tudo. Tudo menos a própria

ditadura. O Brasil continuou sendo um país extremamente excludente e fortemente

autoritário, com controles particulares do espaço público, confirmando sua

incapacidade profunda de superar a clivagem social radical de sua origem (2010, p.

193).

As Forças Armadas são o maior exemplo disso. Pouco se atenta a essa questão, mas a

estrutura da instituição pouco foi alterada após o processo de redemocratização do país, e

mesmo durante o processo constituinte, as prerrogativas militares da Carta de 69 foram

mantidas. Mesmo em tempos de paz, o orçamento destinado às FFAA ainda é altíssimo,

estando entre as 11 nações com maior gasto militar (PÉREZ, 2013), e superando o montante

destinado a áreas como saneamento ou habitação. A Justiça Militar, que continuou sendo

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72

responsável pelo julgamento da maioria dos delitos castrenses, possui um sistema pouco

acessível, e que acaba beneficiando o corporativismo. O seu funcionamento, assim como o

recrutamento de seus magistrados e membros, permaneceu praticamente inalterado após a

abertura do regime. Enquanto na maioria das democracias do mundo o policiamento ostensivo

é realizado por civis, a militarização da Polícia no Brasil ainda é uma realidade. Apesar dos

soldos serem pagos pelos estados federados, e dos comandantes das PM‟s serem indicados

pelos governadores, quem define a operacionalização dos quarteis, adestramento e

coordenação das PM‟s é o COTER – Comando de Operações Terrestres, que é dirigido por

um general do Exército (ZAVERUCHA, 2010, p. 53).

A Doutrina de Segurança Nacional continua presente até os dias de hoje, e para que seja

extirpada de vez das diretrizes das FFAA, urge que haja um grande processo de reformulação

dos currículos de formação de oficiais, de seus regimentos disciplinares e da pedagogia

utilizada em suas escolas.58

Quase toda a legislação sobre o sistema financeiro nacional foi

editada durante o governo Castelo Branco e permanece inalterada – a exemplo do Código

Tributário, lei do Sistema Financeiro da Habitação, lei do mercado de capitais, dentre outras.

Outrossim, como no país não foi criada uma legislação específica para os crimes políticos,

ainda recorre-se à Lei de Segurança Nacional de 83 para julgar determinados setores da

população. Foi com base nela, por exemplo, que o Ministério Público Federal denunciou em

2008, oito integrantes do MST por “integrarem agrupamentos que tinham por objetivo a

mudança do Estado de Direito, a ordem vigente no Brasil, e praticarem crimes por

inconformismo político” (idem, p. 69).

Outra parte da herança ditatorial, e que tem o mais claro recorte de classe e raça, é

naturalização da violência e aceitação da tortura. A exaltação do Filme Tropa de Elite e do

(ab)uso da tortura por parte do BOPE e do personagem Capitão Nascimento, reflete a

ideologia amplamente difundida nos anos de chumbo, na qual, para o combate à violência

criminal, admite-se e necessita-se da violência estatal 59

60

- em novembro de 2010 a capa da

Revista Veja estampou a foto do ator que interpretou o Capitão Nascimento e a seguinte

58

É flagrante o caso do livro didático “História do Brasil - Império e República” utilizado pelos estudantes do 7º

ano dos colégios militares, confeccionado pela Editora Bibliex - Biblioteca do Exército. Na obra não há qualquer

menção à tortura e ao desaparecimento de opositores ao regime militar, a censura é justificada porque a

preservação da ordem pública era condição necessária ao progresso do país e as cassações políticas são

atribuídas à oposição do MDB, pois “embora o governo pregasse o retorno à normalidade democrática, a

intransigência do partido oposicionista motivou a necessidade de algumas cassações políticas” (PINHO, 2010). 59

Segundo levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo, 47,5%

dos brasileiros toleram tortura para a obtenção de provas. Em pesquisa realizada no ano de 1999, esse percentual

era de 29,8%. CARDIA, Nancy. 2012, p 306. 60

Nos primeiros cinco anos de vigência da Lei de Tortura (9.455/97), das 524 denúncias que foram apresentadas,

somente 15 chegaram à fase de julgamento, e apenas 9 restaram em condenação (PIOVESAN, 2010, p. 105).

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73

manchete: “O primeiro Super-Herói brasileiro”. O resultado disso tudo é que a polícia

brasileira tornou-se a única da América Latina cuja violência e cujos abusos aumentaram após

o processo de redemocratização, violentando, matando e torturando mais do que no período

1964-1985 (KEHL p. 37). Possivelmente, enquanto a contenda dos anos de chumbo não for

exaustivamente debatida pela população, ela continuará reivindicando os Direitos Humanos

apenas para os “humanos direitos”, sem se atentar para o sistema que forja a realidade de

exclusão social. Como o período ditatorial não foi devidamente encarado, assimilado e

superado, e como as instituições permaneceram inalteradas, os personagens mudaram, mas as

práticas continuaram as mesmas: antes o inimigo era político e se personificava nos

“esquerdistas” ou “subversivos”; hoje é o traficante, a juventude negra das favelas, a

população drogodependente e em situação de rua, e os movimentos sociais.

Apesar de todas as considerações sobre a influência da ditadura em nossa adolescente

democracia, outros países já demonstraram que as chagas são suturáveis e passíveis de

cicatrização. Até antes da instauração da CNV, as medidas de justiça transicional só estavam

ocorrendo no âmbito da esfera privada, resumidamente ao pagamento de indenizações. Com o

término dos trabalhos da Comissão, possivelmente não se chegará ao fim, mas sim ao início

de um novo ciclo de discussões e possibilidades na esfera pública. Apesar de não ser esse o

seu objetivo, em muitos países os relatórios finais das Comissões foram usados como meio de

prova pelo Judiciário para desencadear ações contra os agentes dos regimes, e os comissários

brasileiros já tem apontado neste sentido. Entretanto, analisando as últimas mobilizações,

parece que a sociedade civil não está apenas travando a luta pela memória, verdade e justiça,

mas sim, em última análise, dando prosseguimento aos embates da década de 60 e 70, na luta

por democracia plena. Os jovens do Levante já mostraram a sua cara e deixaram o recado para

os torturadores, poder público e sociedade em geral: Enquanto não houver justiça, haverá

escracho popular!

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74

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Page 80: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

80

ANEXO I

MANIFESTO INTERCLUBES MILITARES

COMPROMISSOS...

“Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não

estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte, não haverá

discriminação, privilégios ou compadrio. A partir da minha posse, serei presidenta de todos os

brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação

política.”

No dia 31 de outubro de 2010, após ter confirmada a vitória na disputa presidencial, a

Sra Dilma Roussef proferiu um discurso, do qual destacamos o parágrafo acima transcrito.

Era uma proposta de conduzir os destinos da nação como uma verdadeira estadista.

Logo no início do seu mandato, os Clubes Militares transcreveram a mensagem que a

então candidata enviara aos militares da ativa e da reserva, pensionistas das Forças Armadas e

aos associados dos Clubes. Na mensagem a candidata assumia vários compromissos. Ao

transcrevê-la, os Clubes lhe davam um voto de confiança, na expectativa de que os cumprisse.

Ao completar o primeiro ano do mandato, paulatinamente vê-se a Presidente

afastando-se das premissas por ela mesma estipuladas. Parece que a preocupação em governar

para uma parcela da população sobrepuja-se ao desejo de atender aos interesses de todos os

brasileiros.

Especificamente na semana próxima passada, e por três dias consecutivos, pode-se

exemplificar a assertiva acima citada.

Na quarta-feira, 8 de fevereiro, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos

concedeu uma entrevista à repórter Júnia Gama, publicada no dia imediato no jornal Correio

Braziliense, na qual mais uma vez asseverava a possibilidade de as partes que se

considerassem ofendidas por fatos ocorridos nos governos militares pudessem ingressar com

ações na justiça, buscando a responsabilização criminal de agentes

repressores, à semelhança ao que ocorre em países vizinhos. Mais uma vez esta autoridade da

República sobrepunha sua opinião à recente decisão do STF, instado a opinar sobre a validade

da Lei da Anistia. E, a Presidente não veio a público para contradizer a subordinada.

Dois dias depois tomou posse como Ministra da Secretaria de Política para as

Mulheres a Sra Eleonora Menicucci. Em seu discurso a Ministra, em presença da Presidente,

teceu críticas exarcebadas aos governos militares e, se auto-elogiando, ressaltou o fato de ter

Page 81: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

81

lutado pela democracia (sic), ao mesmo tempo em que homenageava os companheiros que

tombaram na refrega. A platéia aplaudiu a fala, incluindo a Sra Presidente. Ora, todos

sabemos que o grupo ao qual pertenceu a Sra Eleonora conduziu suas ações no sentido de

implantar, pela força, uma ditadura, nunca tendo pretendido a democracia.

Para finalizar a semana, o Partido dos Trabalhadores, ao qual a Presidente pertence,

celebrou os seus 32 anos de criação. Na ocasião foram divulgadas as Resoluções Políticas

tomadas pelo Partido. Foi dado realce ao item que diz que o PT estará empenhado junto com a

sociedade no resgate de nossa memória da luta pela democracia (sic) durante o período da

ditadura militar. Pode-se afirmar que a assertiva é uma falácia, posto que quando de sua

criação o governo já promovera a abertura política, incluindo a possibilidade de fundação de

outros partidos políticos, encerrando o bi-partidarismo.

Os Clubes Militares expressam a preocupação com as manifestações de auxiliares da

Presidente sem que ela, como a mandatária maior da nação, venha a público expressar

desacordo com a posição assumida por eles e pelo partido ao qual é filiada e aguardam com

expectativa positiva a postura de Presidente de todos os brasileiros e não de minorias sectárias

ou de partidos políticos.

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2012

V. Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral

Presidente Clube Naval

Gen Ex Renato Cesar Tibau da Costa

Presidente Clube Militar

Ten Brig Carlos de Almeida Baptista

Presidente Clube de Aeronáutica

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82

ANEXO II

MANIFESTO À NAÇÃO BRASILEIRA

“Eles que venham. Por aqui não passarão!”

Este é um alerta à Nação brasileira, assinado por homens cuja existência foi marcada

por servir à Pátria, tendo como guia o seu juramento de por ela, se preciso for, dar a própria

vida. São homens que representam o Exército das gerações passadas e são os responsáveis

pelos fundamentos em que se alicerça o Exército do presente.

Em uníssono, reafirmamos a validade do conteúdo do Manifesto publicado no site do

Clube Militar, a partir do dia 16 de fevereiro próximo passado, e dele retirado, segundo o

publicado em jornais de circulação nacional, por ordem do Ministro da Defesa, a quem não

reconhecemos qualquer tipo de autoridade ou legitimidade para fazê-lo.

O Clube Militar é uma associação civil, não subordinada a quem quer que seja, a não

ser a sua Diretoria, eleita por seu quadro social, tendo mais de cento e vinte anos de gloriosa

existência. Anos de luta, determinação, conquistas, vitórias e de participação efetiva em casos

relevantes da História Pátria.

A fundação do Clube, em si, constituiu-se em importante fato histórico, produzindo

marcas sensíveis no contexto nacional, ação empreendida por homens determinados, gerada

entre os episódios sócio-políticos e militares que marcaram o final do século XIX. Ao longo

do tempo, foi partícipe de ocorrências importantes como a Abolição da Escravatura, a

Proclamação da República, a questão do petróleo e a Contra-revolução de 1964, apenas para

citar alguns.

O Clube Militar não se intimida e continuará atento e vigilante, propugnando

comportamento ético para nossos homens públicos, envolvidos em chocantes escândalos em

série, defendendo a dignidade dos militares, hoje ferida e constrangida com salários aviltados

e cortes orçamentários, estes últimos impedindo que tenhamos Forças Armadas (FFAA) a

altura da necessária Segurança Externa e do perfil político-estratégico que o País já ostenta.

FFAA que se mostram, em recente pesquisa, como Instituição da mais alta confiabilidade do

Povo brasileiro (pesquisa da Escola de Direito da FGV-SP).

O Clube Militar, sem sombra de dúvida, incorpora nossos valores, nossos ideais, e tem

como um de seus objetivos defender, sempre, os interesses maiores da Pátria.

Page 83: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

83

Assim, esta foi a finalidade precípua do manifesto supracitado que reconhece na

aprovação da “Comissão da Verdade” ato inconsequente de revanchismo explícito e de

afronta à lei da Anistia com o beneplácito, inaceitável, do atual governo.

Assinam, abaixo, os Oficiais Generais por ordem de antiguidade e os Oficiais

superiores por ordem de adesão.

OFICIAIS GENERAIS

Gen Gilberto Barbosa de Figueiredo

Gen Amaury Sá Freire de Lima

Gen Cássio Cunha

Gen Ulisses Lisboa Perazzo Lannes

Gen Marco Antonio Tilscher Saraiva

Gen Aricildes de Moraes Motta

Gen Tirteu Frota

Gen César Augusto Nicodemus de Souza

Gen Marco Antonio Felício da Silva

Gen Bda Newton Mousinho de Albuquerque

Gen Paulo César Lima de Siqueira

Gen Manoel Theóphilo Gaspar de Oliveira

Gen Elieser Girão Monteiro

OFICIAIS SUPERIORES

T Cel Carlos de Souza Scheliga

Cel Carlos Alberto Brilhante Ustra

Cel Ronaldo Pêcego de Morais Coutinho

Capitão-de-Mar-e-Guerra Joannis Cristino Roidis

Cel Seixas Marques

Cel Pedro Moezia de Lima

Cel Cláudio Miguez

Cel Yvo Salvany

Cel Ernesto Caruso

Cel Juvêncio Saldanha Lemos

Page 84: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

84

Cel Paulo Ricardo Paiva

Cel Raul Borges

Cel Rubens Del Nero

Cel Ronaldo Pimenta Carvalho

Cel Jarbas Guimarães Pontes

Cel Miguel Netto Armando

Cel Florimar Ferreira Coutinho

Cel Av Julio Cesar de Oliveira Medeiros

Cel.Av.Luís Mauro Ferreira Gomes

Cel Carlos Rodolfo Bopp

Cel Nilton Correa Lampert

Cel Horacio de Godoy

Cel Manuel Joaquim de Araujo Goes

Cel Luiz Veríssimo de Castro

Cel Sergio Marinho de Carvalho

Cel Antenor dos Santos Oliveira

Cel Josã de Mattos Medeiros

Cel Mario Monteiro Campos

Cel Armando Binari Wyatt

Cel Antonio Osvaldo Silvano

Cel Alédio P. Fernandes

Cel Francisco Zacarias

Cel Paulo Baciuk

Cel Julio da Cunha Fournier

Cel Arnaldo N. Fleury Curado

Cel Walter de Campos

Cel Silvério Mendes

Cel Luiz Carvalho Silva

Cel Reynaldo De Biasi Silva Rocha

Cel Wadir Abbês

Cel Flavio Bisch Fabres

Cel Flavio Acauan Souto

Cel Luiz Carlos Fortes Bustamante Sá

Cel Plotino Ladeira da Matta

Page 85: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

85

Cel Jacob Cesar Ribas Filho

Cel Murilo Silva de Souza

Cel Gilson Fernandes

Cel José Leopoldino

Cel Evani Lima e Silva

Cel Antonio Medina Filho

Cel José Eymard Bonfim Borges

Cel Dirceu Wolmann Junior

Cel Sérgio Lobo Rodrigues

Cel Jones Amaral

Cel Moacyr Mansur de Carvalho

Cel Waine Canto

Cel Moacyr Guimarães de Oliveira

Cel Flavio Andre Teixeira

Cel Nelson Henrique Bonança de Almeida

Cel Roberto Fonseca

Cel Jose Antonio Barbosa

Cel Cav Ref Jomar Mendonça

Cel Nilo Cardoso Daltro

Cel Carlos Sergio Maia Mondaini

Cel Vicente Deo

Cel Av Milton Mauro Mallet Aleixo

Cel José Roberto Marques Frazão

Cel Luiz Solano

Cel Flavio Andre Teixeira

Cel Jorge Luiz Kormann

Cel Aluísio Madruga de Moura e Souza

Cel Aer Edno Marcolino

Cel Paulo Cesar Romero Castelo Branco

Cel Carlos Leger Sherman Palmer

Capitão-de-Mar-e-Guerra Cesar Augusto Santos Azevedo

T Cel Osmar José de Barros Ribeiro

T Cel Mayrseu Cople Bahia

TCel José Cláudio de Carvalho Vargas

Page 86: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

86

TCel Aer Jorge Ruiz Gomes.

TCel Aer Paulo Cezar Dockorn

Cap de Fragata Rafael Lopes Matos

Maj Paulo Roberto Dias da Cunha

Cel Américo Adnauer Heckert

OFICIAIS SUBALTERNOS

2º Ten José Vargas Jiménez

Page 87: LUZ,+CÂMERA,+ESCRACHO!+Monografia+Alexandre+Garcia

87

ANEXO III

MANIFESTO LEVANTE CONTRA TORTURA

Mas ninguém se rendeu ao sono.

Todos sabem (e isso nos deixa vivos):

a noite que abriga os carrascos,

abriga também os rebelados.

Em algum lugar, não sei onde,

numa casa de subúrbios,

no porão de alguma fábrica

se traçam planos de revolta.

Pedro Tierra

Saímos às ruas hoje para resgatar a história do nosso povo e do nosso país.

Lembramos da parte talvez mais sombria da história do Brasil, e que parece ser

propositadamente esquecida: a Ditadura Militar. Um período onde jovens como nós, mulheres,

homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram

proibidos de sonhar. Foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu,

torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.

Não deixaremos que a história seja omitida, apaziguada ou relativizada por quem quer

que seja. A história dos que foram assassinados e torturados porque acreditavam ser possível

construir uma sociedade mais justa é também a nossa história. Nós somos seu povo. A mesma

força que matou e torturou durante a ditadura hoje mata e tortura a juventude negra e pobre.

Não aceitamos que nos torturem, que nos silenciem, nem que enterrem nossa memória. Não

esqueceremos de toda a barbárie cometida.

Temos a disposição de contar a história dos que caíram e é necessário expor e julgar

aqueles que torturaram e assassinaram nosso povo e nossos sonhos. Torturadores e apoiadores

da ditadura militar: vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas

vidas como se nada tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que resta são silêncio,

saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós acreditamos na justiça e não temos medo de

denunciar os verdadeiros responsáveis por tanta dor e sofrimento.

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Convidamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão

Nacional da Verdade e contra os torturadores, que hoje denunciamos e que vivem escondidos

e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam

julgados, não esqueceremos, nem descansaremos.

Pela memória, verdade e justiça!

Levante Popular da Juventude

26 de março de 2012