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A' FOZ DO IGUASSÚ LIGEIRA DESCRIPÇÃO DE UMA VIAGEM FEITA —*$* DE -*§*— Guarapuava á Colónia da Foz do Iguassú EM LVOVEMIIRO DE 1K91Í C/Í/M^L^UÍ-O-O^O-I-OI. yja^ijcx.tA~£XA*t*^£U-* JESUINO LOPES & C* Rua do Riachuelo N. 19 CURITYHA — 1 ÍÍ9« PARANA'

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A' FOZ DO IGUASSÚ LIGEIRA DESCRIPÇÃO DE UMA VIAGEM FEITA

—*$* DE -*§*—

Guarapuava á Colónia da Foz do Iguassú

EM

LVOVEMIIRO DE 1K91Í

C/Í/M^L^UÍ-O-O^O-I-OI. yja^ijcx.tA~£XA*t*^£U-*

JESUINO LOPES & C*

Rua do Riachuelo N. 19

CURITYHA — 1 ÍÍ9« — PARANA'

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A' FOZ DO IGUASSÚ LIGEIRA DESCRIPÇÃO DE UMA VIAGEM FEITA

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Guarapuava á Colónia da Foz do Iguassú

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Rua do Riachuelo N. 19

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DESCRIPÇÃO DE

cFoz- do \<YMX^VI/,

Forçado pelas exigências do serviço da Commissão Estratégica no Paraná, da qual fazíamos parte, a empre-honder a penosíssima viagem á colónia militar da Fóz do Iguassú, atravoz de aspérrimo sertão, o maior e o mais bruto do nosso Estado, tivemos a felicidade de fazer al­gumas observações, que desejamos se tornem conhecidas dos nossos patrícios, pois a elíes, mais do que a ninguém, interessam.

Pedimos toda a sua boa vontade, para este resumo do nossodiario de viagem, que publicamos unicamente ape-dido de u m amigo.

A cargo da Commissão Estratégica, entre outros tra­balhos, estando o da fundação de uma Colónia Militar na fóz do Uio Iguassú, foi encarregado d'essa penosa e árdua missão, o intelligente e illustrado Dr. José Joaquim Fir­mino, que conseguio desempenhal-a do modo o mais sa­tisfatório possível, tendo passado por privações e por pro­vações extremas, n'esses enormes e inhospilos sertões.

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Estabelecidas as bases da futura colónia, tratou a Commissão de tornar francas as communicações entre es­se ponto e a cidade de Guarapuava, formando para isso turmas de trabalhadores, civis e militares, dirigidas por officiciaes. Essas turmas tinham por fim alargar e aper­feiçoar a picada feita peloDr. Fcrmino, construindo pro­visoriamente um caminho, perfeitamente viável por car­gueiros.

Partindo-se de Guarapuava, sempre á rumo geral de L-O, atravessa-se os campos muitíssimo dobrados, que circundam aqtiella cidade, na extensão de (J a 10 legoas.e uma serie de restingas e campinas até o marco das 22 lé­guas, na logar denominado Xagú, enlrando-se ahino ser­tão bruto, quesò se deixa, já na colónia,40 léguas distante do Xagú.

No sertão e nas restingas, a largura da picada é de 20 metros, mas pela extrema uberdade do solo, o matto limita o caminho a u m pequeno trilho, zombando em seu rápido e precoce desenvolvimento,das foices e machados, das turmas de conservação, que a Commissão continua­mente organisava.não tendo consiguido ainda vel-a limpa durante u m mez siquer. Tivemos occasiâo de pessoal­mente verificar esse facto, n'essa viagem ; porque fomos incumbidos de fiscalisar o serviço de uma turma de 15 ho­mens, que, havia um mez, partira de Guarapuava,limpan­do a picada até o posto das Catanduvas. Parece incrível ; tivemos de abrir caminho por entre o matto roçado, havia poucos dias!

Pensando ter sido por falta de trabalho da turma, qui-zemos communicar o occorrido ao Chefe da commissão, mas infelizmente poucos dias depois, quando voltamos da Colónia, tendo de abrir o caminho, por nós na ida aberto, fomos forçados a concordar que é impossível ter-se a pi­cada limpa por mais de um mez.

O posto das Catanduvas, a 33 legoas a Oeste de Guara­puava, foi creado pela Commissão, queahi construio uma casa de morada para o encarregado e depósitos com géne­ros, para soccorrer as turmas de trabalhadores, os viajan-

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tes e a própria Colónia, se houvesse necessidade. Actual­mente ainda existem ahi animaes para reveso do estafeta de correio e viajantes, e grandes plantações de milho, feijão, arroz, etc, e de capim milha, com que se está for­mando campos artificiaes, no meio do sertão, onde só exis­tiam catanduvaes — E ' distante d'esse posto,2 dias de via­gem pelo sertão, com rumo Norte, que se acham os ves­tígios de campos, ha pouco descobertos pelo ex-sargento do exercito José Maria de Brito, guiado por alguns índios Cayuás. " Estes indios, originários do Paraguay, segundo colligi-

mos, donde fugiram para evitar a perseguição do general Escobar, que primeiro chegou á Tacurú-Pucú, entranha-ram-se nos nossos sertões, e até agora alli têm vivido, mas muito redusidos já, pela cruel guerra que lhes movem os tigres o os coroados. Estes últimos, cuja verdadeira denominação é de Caigangs, matam os homens para rou­barem as mulheres, que acham muito bonitas.

Estavam então já aldeados pela Commissão Estratégica por intermédio do capitão Baptista da Costa Júnior o prin­cipalmente do tenente Joaquim ltaphael Pessoa de Mello, que os reunio nas Catanduvas, onde eram protegidos dos ataques dos coroados. Faliam o Guarany, já bastante al­terado e dilfcrente do que faliam no Paraguay.

E m estado selvagem vestem-so com chiripás, tecidos com fibras de urtiga selvagem que n'esses sertões atin­gem a proporções de arvores, á imitação dos indios Chiri­pás do Paraguay, ou com u m cinto do mesmo tecido, com uma facha, que, passando por entre as pernas, vae se prender outra vez no cinto atraz, como usam os indios Cainguás do Paraguy.

Alimentam-se de mel, caças, palmitos e tambú ou bu-cu, bicho de pau podre e que também dá nas palmeiras. O arco feito de Guajuvyra e ileclias com pontas de páu ale­crim serrilhadas ; eis as suas armas.

Adoptam a polygamia, podendo cada indio ter i, (! ou mais mulheres, sendo as meninas ao nascerem, designa-

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das para mulheres,d'estes ou d'aquelles, que as criam até a puberdade, que é quando passam a ser suas mulheres. As mulheres, desde que ficam gravidas e até I ou 2 annos depois de nascimento do filho, desligam-se dos maridos. Respeitam religiosamente os parentescos de pais e irmãos e o principio de autoridade, representado por u m chefe,a quem chamam Guruvícha e que então era o muito digno Major Coronel Paraná (TucandahyJ. (*)

Acreditam em divindades boas,representadas pelo sol, pela lua, em um ser que lhes dá o mel, o palmito, a caça, etc. e em u m ser forte que tudo governa.

As divindades más são: o trovão e u m ser que lhes manda as pestes, os tigres e os coroados, tendo cânticos especiaes para afastarem de si as tempestades e todas as más divindades.

O tenente Pessoa de Mello, convidado por elles, para assistir uma festa no toldo, foi ahi eleito Guruvícha. Foi u m facto interessante esse : depois das niais respeitosas demonstrações de apreço, começaram as danças e em-quanto dançavam iam os homens ornando-o com marinhos de pennas de diíferentes cores, de modo que quando sa-hiu da festa apresentava elle a figura a mais grotesca pos­sível.

Foi sujeitando se a estas e outras demonstrações de amizade dos indios o até com elles comendo o tambu ou bucu, que este humanitário o distinctissimo collega, con-seguio cathechisal-os.

Trabalhavam esses indios para a Commissão,ganhando em troca roupa,fumo e alimentação,único pagamento que acoitam, porque o dinheiro para elles não tem valor.

— C o m a passagem de Jucá Tigre em Junho de 94, e já muito disimados por febres e tigres, esses curiosos in­dios foram dispersos e os poucos que restam (crianças e mulheres) vivem hoje como colonos na Fóz do Iguassú.

De Catanduvas em diante o caminho é horroroso ; o solo muito accidentado e o matto apresenta-sc em toda

(*) A palavra (luruvicha é alterada do paraguayo mburuvichá, onde é muito com­um ouvirem os chefes o tratamento de cheruvichú.

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sua pujança, mostrando na desmedida grossura de tron­cos colossaes, que conta por dias os séculos de existen-tencia. Alem disso, tem-se de atravessar manchas de lé­guas de extensão, só de taquarussús, por u m verdadeiro túnel cortado nas enormes touceiras.

Caminha-se horas inteiras, sem se ver uma nesga si-quer de céo ; tal é a densidade da folhagem desses ta­quarussús, que as chuvas e mesmo o orvalho arcam por sobre o caminho. Ha alguns, dizem, cujos gomos de 3 a 4 palmos de comprimento, por u m palmo de diâmetro, são utilisados pelos caboclos e bugres, para conduzirem a agua e guardar o mel.

Os ramos são armados de espinhos agudos e tão resis­tentes, que quasi tiram o viajante de cima do cavallo, constituindo, de sociedade com os nhapindáse gurupiás que bordam por toda a parto o caminho, a trindade mais inimiga que conhecemos das roupas, dos chapéos edas carnes do viajante, que rasgam sem piedade.

As terras, como dissemos, cobertas de uma vegetação abundante, são de uma uberdade assombrosa, e desde que se entra no sertão até que se chega ao magestoso Pa­raná, se é forçado a admirar a riquíssima flora, e a invejá­vel fauna dessas regiões, que são a continuação, para o sul, dos sertões dosvalles do Paranapanema, Ivahy, Pi-quiry, Cinzas o outros e que constituem a zona mais rica, mais fértil e de mais futuro de todo o Paraná e, sem re­ceio de errar, do sul da Republica Brazileira.

O pinho, que abunda nas restingas e matto próximos aos campo, quasi desapparece no sertão, encontrando-se u m ou outro, perdido no meio dessas florestas seculares onde a peróba-rosa, o cedro, o monjolo, a camafistula e muitas outras, erguem seus robustos troncos, fazen-do-lhe vantajosa concurrencia, na grossura e na altura.

A herva-matte, que se vae sempre encontrando, bor­dando as margens do caminho, apresenta-se também em grandes manchas, em dillerentes pontos, como nas margens do rio da Tormenta, a 2 léguas de Catanduvas,

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constituindo bervaes para muitos milhares de arròbasde herva.

Infelizmente esse principal producto do nosso Estado, é ahi quasi sem valor, pela grande distancia, dos centros consumidores c diíficuldadé de transporte, por falta de uma via regular de communicações. O rio Tormenta,de 20 metros de largo, corre sobre um leito de lages de pedra, muito inclinado c com o rumo de 4S °SO, parecendo ser afiuente de u m dos tributários do Iguassú e não directa­mente desse rio como se julgava. Seu nome foi-lhe posto pelo Dr. Firmino, por causa de uma devastadora tormenta que o apanhou em suas imediações. Essas tormentas são mui frequentes no sertão,onde fazem derrubadas enormes, de muitas léguas de largura e comprimento. O Dr.F. Sch­midt, explorando os rios Piquiry e Cobre encontrou uma dessas derrubadas, que foi calculado ter 4 a 5 léguas de largura. Nada ahi tinha sido respeitado; desde as mais robustas e gigantes madeiras até os mais delicados arbus­tos, tudo estava deitado, arrancado pelas raizes, como se u m rodo colossal tivesse sido rolado por sobre as mattas.

Existe em abundância a Peroba ou pao-rosa, o Cedro, a Tatajuba, as canellas branca, parda, amarella, preta e guaicá, cabriuva, canjarana, guajuvira, carvalho, guara-piapunha,sapohy ou canella do brejo, de preciosos dese­nhos^ Louro ou Pindaúba, monjolo Angico,Cannafistula, que attingem, bem como a peroba, a metro e meio e dous metros de diâmetro sobre 30, 35 de altura, e uma infini­dade de outras marieinas que não podemos aqui enume­rar.

Antes da fundação da colónia, eram esses productos da nossa flora, muito explorados, lá nesse canto tão lon­ge das autoridades brazileiras ; mas o Dr. José Joaquim Firmino, logo que chegou ao Alto-Paraná, prohibiu expressamente a exportação das madeiras, que abusivamente e em grande escala se fazia para o Itio da Prata, sendo essa prohibição mantida pelo Tenente Co­ronel Dr. Belarmino Augusto de Mendonça Lobo, então chefe da commissão, que soube, honesta e energicamente,

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repelir, vantajosas propostas que lhe foram feitas por um emissário, propositalmente vindo a Guarapuava para fa-zel-o sustar, por qualquer meio, ajusta prohibição.que ia prejudicar os interesses de alguém, na cidade de Posa­das (Republica Argentina). A esses dous cidadãos deve­mos mais esse importante serviço.

A enorme e variada quantidade de plantas medicinaes que existe em todo o Brazil e que por suas propriedades deviam merecei u m serio exame, u m detido estudo,deixa-nos admirados pelo grande desenvolvimento que adqui­rem n'essas férteis regiões.

A mineralogia é tão bem representada como a botâni­ca e a zoologia. Por entre o Diolazo ou Diorito que con-stitue a parte rochosa de quasi todo o Estado do Paraná, encontra-se pelo caminho e suas proximidades o cobre e o ferro, sob a forma de oxydos, ou no estado nativo ; en­cravado nas pedras, nos rolados dos terrenos de alluvião e nos leitos dos rios.

Os bugres affirmam a existência do ouro, da prata e de pedras preciosas, nos leitos dos rios que cortam o cami­nho.

O cilicio em suas combinações, abunda, amorpho e crystalisado, nas agalhas de dilferenles cores e desenhos e nos crystaes de quartzo brancos,incolores, amarellos, ver­des e roxos, pela acção dos oxydos de cobre,ferroe man-ganez.

Sob a forma de cilicatos, feldspatho, mica, nas areias, principalmente na colónia, n#IWMfc/existe em grande / quantidade. /

Quantos produetos, quão variada quantidade do inse­ctos e plantas, poderiam figurar cm nossos muzeus, se o governo osquizesse auxiliar convenientemente, e se elles adoptassem o systema do de La Plata, que apezar dos pou­cos annos que tem de exislencia, pois foi creado em 1884, possuo rendas próprias, deoíficinas impressoras e photo-graphicas ele,que lhe permittem enviar commissões, para toda a parte, a procura de specimens, que lhes enrique­cem as preciosas collecções.

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Sentimos profundamente que o nosso Estado, podendo ter u m importante e rico muzeu, possua um, mas um ver­dadeiro engeitado, tão pobre, tão desprezado, sem direc­ção, principalmente tão mal organisado, ou por outra, completamente desorganisado depois da sabida do seu desvelado director,o Dezembargador Dr. Agostinho Erme-lino de Leão. tendo até dcsapparecido d'elíe,muitos e im­portantes objectos, que naturalmente foram enriquecer collecções particulares !

Além d'isso, está collocado em u m edifício impróprio para contel-o.semas necessárias acommodações,onde,por secções, se possa admirar os produetos expostos, em seus géneros, ordens, espécies, famílias, etc. etc. Precisáva­mos pensar que u m muzeu, não deve ser uma simples col-lecção, ou um amontoamento de objectos exquisitos, col-locados em uma casa, para a satisfação da curiosidade popular, ou pela tola vaidade de dizermos: possuímos um muzeu ! Não; o muzeu deve ser para todos, u m livro de sciencia e de sciencia bem difficil, onde o presenteie e o futuro lerá, a historia do passado. Vê-se n'elle a trans­formação da natureza, as evoluções da vida humana, pe­los progressos da civilisação ; vè-se o desenvolvimento das sciencias physicas e naturaes, que precisam estudar todos os phenomenosgeológicos,metereologicos ephisyo-logicos, das epochas prehistoricas e das actuaes.

Mas para isso é preciso que além de u m director zeloso ecriterioso, elle sejfeâggpifjado, ao menos por um profis­sional e que nós, em vez de querermos enriquecer egois­ticamente as nossas collecções particulares, com os objec­tos do muzeu, enriqueçamos o muzeu com as nossas col­lecções particulares. Felizmente temos esperanças no seu futuro ; foi reentregue á direcção do seu desvelado funda­dor, o muzeu Paranaense.

Pedindo desculpas por estas inopportunas digressões, a que insensivelmente fomos levados ; continuamos indo tratar rapidamente da parte zoológica, que consideramos bem representada nessas regiões.'

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As espécies que predominam ao longo do caminho,são: em primeiro logar os pachidcrmes representados pelas antas, as queixadas ou porcos do matto, e tattêtos, cujos carreiros profundos, cruzando em quasi toda a parte o caminho, mostram o crescido numero d'esses animaes, que a todos os instantes passavam por diante de nós em vertiginosa corrida, perseguidos pelos cães que leváva­mos.

Nas margens dos rios, é grande a quantidade de pacas e capivaras que n'ellas habitam.

Por diversas vezes sorprehendemos no caminho ban­dos de macacos,bugios e quatis dos grandes,aquechamam mundèo, grande numero de cutias que desappareciam aos saltos, e coelhos, alguns bem grandes,que chegavam, nos pousos, a entrar nas barracas em que havia manti­mentos.

Todos esses animaes, apezar da feroz perseguição que lhes movem os tigres e os indios,ainda são em grande par­te bizonhos, principalmente os porcos queixadas o tattê­tos, que passam em grandes varas, por diante e a poucos passos dos viajantes sem mostrar o minimo receio.

Apezar d'isso, são muitíssimos perigosos, quando zan­gados, para os cães, que matam ás dentadas, produzindo com seus cortantes e enormes dentes, talhos que mais pa­recem feitos por navalha; imagina-se perfeitamente, que com o caçador imprudente ou o viajante que tiver a infe­

licidade de cahir no meio d'elles, aconteça a mesma cou­sa. No emtanto, a sua caçada faz-se com a maior facilida­de possível, pois basta que o caçador suba a qualquer pe­dra ou pau de um metro de altura e até de menos, para matal-os todos, á tiros ou a lançaços, passando corntudo, por bem maus transes, pois esses brutos fazem, roncando e com estalos produzidos pelos dentes, (pie batem com força, um rumor ensurdecedor, ao mesmo tempo que de aspecto feroz, com o pello eriçado, deixam sahir por uma fistula que têm no lombo, perto dos quadris, u m liquido oleoginosodeodór penetrante e nauseabundo, (pie enton­tece.

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O tattôto é mais perigoso, por ser dotado de grande agilidade, tendo os seus movimentos muito mais velozes (pie o porco.

Além desses animaes, tivemos lambem occasião de encontrar e caçar, o tamanduá mirim, ouriço cacheiro e quati-cerelepe,ou esquilo e graxains. A espécie felina não é pobre, sendo representada:pe!o tigre, onça cangussúou Jaguar, que pela sua força, agilidade, ferocidade e sobre tudo enorme audácia é o rei dos nossos sertões onde nada teme ; pelo puma, onça sussuarana, leão ou finalmente Leopardo, que comquanto seja armado de agudíssimas garras e grandes presas, não possue a força do tigre, nem seus instinctos carniceiros,sendo geralmente timido : pela Jaguatirica ou Jaguartirica, traiçoeira e feroz, mas que teme o homem e d'elle foge e finalmente pelo gato do mat­to que é por demais timido. Não falíamos no tigre preto, que os ha c bastante, no sertão, por não ser mais do que uma variedade do pintado, com os mesmos hábitos, so­mente mais feroz e perigoso.

O tigre que habita cm grande numero todo o sertão. apresentando-se as vezes, como já tem sido visto, em nu­mero de G a 8 reunidos,fazendo a corte á alguma tigre na época do cio, podem constituir serio perigo ao viajante, principalmente estando, como estão, avezados á caça de indios que atacam e devoram. Nos indios Cayuás, deque já falíamos, salvo pequenas excepções, pode-sc garantir que todas as mortos que tem havido,provieram dos coroa­dos, seus ferozes inimigos e dos tigres principalmente, que têm chegado a roubar crianças dos braços de suas mães, sentadas ao redor do fogo, dentro dos toldos e no meio dos outros indios. Na colónia militar da Foz, ha um bugrinho cayuá, filho do guruvícha Paraná, que apresenta no corpo horrorosas cicatrizes de feridas produzidas por um tigre, que tentou tiral-o dos braços de sua mãe, nas condições acima ditas e que foi morto a pau e a flechadas, pelo próprio chefe Paraná.

U m a india que acompanhando uma turma de trabalha­dores da commissão adoecera em caminho, não podendo

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a turma demorar-se, a entregara a u m trabalhador, que talvez por modo de ficar só no meio do sertão, a abando­nou no pouso do Rio da Paz, 40 léguas horisontaes de Guarapuava, nunca mais apparecendo,nem vestígios; des-confia-se, com bastante fundamento,que foi devorada por u m tigre habitante das imediações d'esse pouso.

São tão audazes esses animaes que na turma do Te­nente Pessoa de Mello, chegavam a ir roubar,dentro do acampamento das praças, xarque que estava nos varaes. E admira como u m animal dcsses,consegue, matar e con­duzir um boi grande e pesado, para o meio de u m matto cerrado, fazendo uma aberta por onde passa, tal é a força de que é doptado. U m homem é uma carga, com a qual poderá correr a vontade ou subir em qualquer arvore, sem se estorvar muito.

Mas apezar d'esses factos,os tigres nos pareceram u m pouco bisonhos e tímidos, procurando sempre evitar-nos fugindo, ou escondendo-se. Havia 3 annos mais ou menos, não fallando dos viajantes que vem ou vão, sempre acompanhados por camaradas, mas do estafeta da colónia que atravessava 4 vezes,por mez,ida e volta,esses sertões,sosinho,encontrando por toda a parte rastos frescos d'aquelle instante, e que nunca, nem ao menos conseguio ver u m d'aquelles brutos.

E' verdade que os sente, rondando-lhe os pousos e se­guindo-o muito de perto pelo matto.

Tem-se dado o facto de viajantes encontrarem nos pousos dos estafetas, ou estes nosd'aquelles, rastos fres­cos de tigres e até excrementos sobre as cinzas do fogo, ha pouco apagado. Tivemos occasião de, mandando vol­tar um camarada até os pousos,de poucos dias antes,afim de procurar algum animal que ficara para traz, elle en­contrar o logar onde fora o fogo, todo romechido e rastos novos; e mesmo tivemos cães feridos gravemente por ti­gres escondidos a 10 passos mais ou menos do caminho.

Comludo,esses animaes ferocíssimos c perigosos,quan­do atacados, cujo ronco parece fazer estremecer a terra e cujos bufos fazem arrepiar os cabellos e correr um frio

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agudo pela espinha dorsal, de (piem está soba impressão de seus amarellos olhares, são enfrentados e a maior par­te das vezes mortos facilmente, por homens que por arma só têm um facão de matto, ou uma pistola que arrebenta 5 ou 6 espollêtas antes de sahir o tiro, muitas vezes desti­nado a u m tucano ou outro pássaro, tão pequena é a car­ga Sabemos, por experiência própria, que n'uma caça­da, esses animaes só são perigosos quando se deixam acôar no chão, por cães, mas que quando trepados, o que sempre acontece, é precisar-se a pontaria e se os matará como a um pássaro qualquer.

Os leões,jaguartiricas e gatos do matto, são como dis­semos, geralmente tímidos esó se os vê por acaso, ou, quan­do acòados pelos cães,trepam como os tigres. Poderíamos fallar muito sobre esta familia dos felinos, mas tememos já ter fallado de mais,por isso passamos para a familia dos gallinaceos, que é representada por grandes bandos de jacus, jacutingas e por grande numero de macucos, nam­bus e urus que a cada passo espantam os animaes, voan­do assustados do caminho.

Os jacus e os jacutingas, fácil c perfeitamente domes­ticáveis, poderiam constituir uma boa fonte de riqueza para quem se desse ao trabalho de crial-os, pois não só se reproduzem em captiveiro, como até cruzam com as nossas gallinhas.

Bandos de tucanossú, de papo branco, olhos azues c enorme bico e de tucano ordinário,de papo amarello, va­gueiam pelos mattos em busca de alimento.

O pavão de papo encarnado,as gralhas,brancas e azues bandos de araras, papagaios, tirivas, baetácas e de outras variedades da mesma familia ; o yapú de bico amarello olhos azues, corpo preto, cauda amarella, com a base côr de havana e u m sem numero de outros pássaros, encliem as mattas com seus tristes ou alegres cantares, acordando os echos dos montes, echoando no intimo de nossos cora­ções. Tão longe, perdidos, isolados no meio d'essas soli­dões, entristecemos o alegre cantar do passarinho, doe-nos no intimo o triste gemer da jurity ou o plangente gri-

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tar das urutágoas ao cahir da tarde Amedronta-nos o mo­nótono ruido das cascatas,encommoda-nos o farfalhar das folhas, embaladas pelo vento; tudo emfim nos causa uma desagradável impressão, porque tudo insensivelmente se alia ao nosso isolamento.

Como dissemos, ao sahir-so de Guarapuava, para a Fóz do Iguassú, segue-se o rumo geral de Leste-Oeste,atraves-sando-se os campos de diversas fazendas e algumas res­tingas, até o Xagú.

Este logar foi uma antiga fazenda, muito perseguida pelos bugres coroados, que capitaneados pelo major-co-roncl,seu antigo chefe,substituído por seu filho Jong-Yhò, (*) matar am onze pessoas de uma só vez e na mesma casa. Quando por alli passamos era u m posto da Commis­são Estratégica, com u m deposito de géneros,creado para soccorrer as turmas do Pequiry, os empregados da com­missão em viagem e também a própria colónia do Iguassú. Tinha animaes para o reveso dos viajantes e das tropas, uma boa casa para o encarregado, mangueiras, etc.

Ultimamente com a separação da colónia, foi suppri-mido e substituído pelo das Catanduvas que lhe fica 12 le-goas adiante.

Do Xagú em diante entra-se francamente no sertão bru­to, cuja extensão calculamos de 70 a HO léguas apesar de ser considerado como só tendo 40,mas horisontaes,isto é, não se levando em conta as declividades do terreno, queé muito accidentado,e por outros motivos que adiante diremos. (*) Este chefe coroado, Jong-Yhô, foi u m dos principaes factores da catechese vo­luntária dos indios na comarca de Guarapuava, onde auxiliou a muitas commissões scientiticas e era {feralmente estimado, succumhindo em 1SÍ13 á infamespunhaladasque lhe deo u m negro de nome Rosas ou Rosinha por causa de um insignificante cão de caça ; facto que até hoje causa geral indignação.tanto entre nós como entre os seus. O assassino era reclamado pelos indios que, desejavam applicar-lhe justa expiação ; ao que a nossa justiça não accedeu. Tentaram então assaltar a cadeia de Guarapuava; mas, aehando-se as forças sob o commando do coronel Abrantes no Xagú, apresenta-ram-se-lhe cerca de 600 indios coroados completamente armados, pedindo-lhe o novo chefe a entrega do Rosinha, que em troca iriam no encalço lie .Inca Tigre.

A condição não poude ser aceita, contentando-se os selvagens com a boa recepção que tiveram e com a promessa de que " criminoso seria bem castigado por nós. li esse mesmo Hosinha, assassino de profissão, quando se achava em Guarapuava a força revo­lucionaria, foi solto por ella, mas a sua ruim sorte não o consentio porque logo ao sahir da cadeia tentou sanyrar a scntinella, sendo novamente recolhido á prisão.

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E' enorme a quantidade de rios, arroios e sangas que atravessam o caminho, podendo-se morrer de tudo menos de sede. Quasi todos são, directa ou indirectamente tri­butários, do Iguassú, contando-se muito poucos que o são do Paraná.

De longe já se conhece a existência d'essas veias d'agua pelas ondulações do solo, pois a cada depressão corres­ponde uma e ainda com mais facilidade nos dias frios, ou de manhã, em que extensas linhas de nevoeiro, ora paral-lelas, ora encontrando-se em todas as direcções e até on­de a vista alcança, tornam-os bem patentes.

Grandes serras formam os valles por onde correm os maiores rios, apresentando de cima da serra do rioArchi-medes, um espetaculo imponente, grandioso, ao viajante, que se vê no centro de círculos concêntricos formados pe­las cadeias de montanhas,que comquanto muitas em linha recta e não parallelas,parecem acompanhar a curva doho-risonte, gradativamente mais altas, do interior para o ex­terior, formando osdegráosde um enorme amphitheatro, primeiramente verde, depois verde negro, verde azulado até o azul, emoldurado pelo horizonte de u m azul des­maiado.

A não ser uma ou outra vez, que se tem a infelicidade de,de cima de uma serra,estender a vista pelaparteque já se passou e pela que se vae passar, o resto se viaja sob uma aboboda de folhagem, atravez da qual nem sempre se vê o sol, pois são verdadeiros, túneis abertos, cemojá dis­semos, em enormes touceiras de taqurussú e taquara. Dissemos acima que tem-se a infelicidade etc, porque é preciso muita força de vontade e quasi nenhum amor á vida, para não se desanimar, no meio d'esse sertão. onde não se encontra u m habitante, um ente que em caso de necessidade venha cm nosso soccorro. E m u m caso de moléstia grave, quem soccorre o viajante ? como poderá atravessar em pouco tempo tão grande distancia ? !

Por vezes se desanima n'esse interminável sertão de 40 legoas, em que não se leva em conta tantos e tão for­tes ondulações e os desvios, alguns de kilometros, que

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quasi constituem o caminho actual, augmentando-lhe consideravelmente a primitiva extensão. Realmente, orlado de vegetação robusta, com arvores de proporções colossaes, como perobas, monjolos, cannafistulas etc, é o caminho frequentemente, completamente obstruído por u m d'esses monstros, que abalado por algum violento tu­fão, estremece, estorce-se e direito, hirto, sem a minima flexão n'esse corpo enorme,baqueia,fazendo na matta uma aberta de muitos metros de largura e de extensão,ao mes m o tempo que levanta-se um alto paredão, formado pelas raizes, terra e pedras, por elles arrancados na occasiãoda queda, produzindo no solo uma grande escavação.

Tudo estremece com a grande commoção e á alguns kilometros distantes ainda se houve o estrondo do bruto quecahiu, repetido pelos echos, de montanha em monta­nha, de valle em valle, como o surdo ribombar de longín­quo trovão, juntando-se a isto o estalar dos galhos que se lascam, e quebram e o baque de grandes e pequenas ar­vores, que não podendo supportar-lhe o peso vão com elle ao chão.

Para se desviar esse obstáculo, faz-se uma picada á di­reita ou á esquerda, que tem de contornar novos obstácu­los, ficando com uma extensão de muitos metros, quando sabe de novo no caminho.

E' d'este modo, com uma quantidade enorme d'estes desvios, que o caminho,de 40 legoas que tinha, tornou-se muito maior.

Será extenso e por demais fastidioso enumerar as pe­ripécias d'esta viagem á Fóz do Iguassú,

Poderão avaliar o trabalho que tivemos, o sacrifício, que fizemos, os camaradas e nós, para levarmos até a colónia, urna tropa de uns 30 cargueiros com géneros e uns 20 bois e vaccas, cousa que ninguém até então conse­guira levar ; porque os que tentaram, ou por outra,o úni­co que tentou, perdeu quasi toda a boiada, ainda existin­do nos mattos alguns bois abagnalados, segundo nos dis­seram.

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Quasi que toda a viagem foi feita debaixo de chuva, (pie tornava os caminhos^ que já não sãobons,horrorosos. D'ahi o cançar quasi toda a tropa, a ponto de serem os tropeiros obrigados a viajará pé,para porem cangalha nos animaes que montavam. Levamos 34 dias para atravessar o sertão. Os géneros que levávamos acabaram-se e fomos obrigados a lançar mão da farinha que ia para a colónia, e que comíamos com palmito de gissara, a que chamam palmito molle.

Felizmente este ultimo não nos faltou, porque, ha pelo meio do matto, manchas de milhares de pés e próximos, de uma certa parte do caminho até a colónia. A caça,pelo barulho que fazíamos tocando o gado, que ia na frente, fu­gia toda, de modo que se não fosse a farinha que leváva­mos para o colónia, o palmito e grande quantidade de mel qui íamos tirando, passaríamos talvez fome, pois para se matar algum boi precisávamos de sal e esse não havia, de modo que perderíamos todo o resto da carne, o que não nos remediava, nem a ninguém. Levamos como dissemos 34 dias e isso mesmo porque a colónia nos soccorreu,man­dando animaes para a tropa e que nos encontraram quasi ainda na metade do caminho.

Cortado por uma infinidade de sangas, arroios e rios, alguns dos quaes bem grandes e de difficil váo cheio de atoleiros e banhados, com serras muito altas,o caminho só melhora já próximo da colónia.

ComtúdodepoisdaserrinhadeMaracajú,odesappareci-mento das montanhas já o torna suportável. Da serra de Maracajú em diante caminha-so por uma planície enorme de umas 10 á 12 léguas de largura, até o rio Paraná cujo valle forma.

Ainda no cume desta serra e quasi ao descambar para a planície,ha um claro, do qual foi-nos dado apreciar,com admiração, o maravilhoso espectáculo de u m nascer de aurora. Não ha quem não tenha subido a alguma eleva­ção donde se descortine a completa circumsferenciado horizonte ou parte d'ella, contemplado os primeiros co­loridos de uma alvorada nas telas pardacentas de u m céo

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de inverno em manhã nevoenta. A noite com seu negro manto, esburacado e manchado, açoutada pela húmida e gelada briza da manhã, voava mas a voos lentos,para as bandas do occaso, deixando que por entre as ondulantes dobras do seu velho manto, transparecesse no horizonte a aurora, que das brumas irrompia.

Pouco a pouco o mar de nevoeiros, já todo marchetado de mil cores brilhantes pela acção da luz que invadia o fir­mamento, extendido o nossos pés,desdobrando-se em do­ces oncluloções, até o horizonte, onde parecia engolphar-se.foi se desmanchando sob a acção da briza,pondo a des­coberto admirável e extensa paysagem. Olhávamos bo-cquiaberto o riquíssimo scenariod'esse theatrocujopanno de bocca a noite levava comsigo,ao mesmo tempo que ad­mirávamos a sublimidade do scenographo que o compu-zera,—a natureza. A grande planície ostentava sua ro­busta vegetação, cujo verde-negro contrastava com o afo­gueado do céo. Mais adiante destacavam-se nítidas as duas linhas parallelas, de matto, que de u m e outro lado bordam as margens do magestoso Paraná.

Para além do Paraná,'abriam-se em magníficos tons claros, cstendendo-se até muito longe,os campos de Tacu-rú,Tatijupy,Pirapuilã e Puerto Alegre no Paraguay. E'im­possível descrever a alegria que sentimos quando nos dis­seram estar esses campos já para o outro lado do Para­ná e no Paraguay.

Estávamos próximo do termo da quasi interminável viagem ; iamos ver casas,ver gente com quem pudéssemos conversar sobre assumptos que com os camaradas não o poderíamos fazer, iamos enfim ver cousas novas, conhe -cer, embora pelo lado bruto do sertão, as Republicas Ar­gentina c Paraguay, tão nossas conhecidas pela historia e pela geographía. O que se ve desse ponto da serra do Ma-racajú é tão bonito, é tão commovente pelas esperanças que cria em nossos corações e pelas idéas que suggere, que já, antes de nós,o Dr. José Joaquim Firmino, que pri­meiro presenceou esse quadro, deixou suas impressões em bellissimos versos por elle escriptos a lápis no tronco

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desnudado de uma arvore e que tivemos a felecidade de ainda encontrar, apezar dos trez annos decorridos desde a época em que foram escriptos,até a em que o lemos. Três dias depois estávamos na colónia. Sem dinheiro, sem gé­neros alimenticios, quasi sem credito, exhausla portanto de recursos atravessava ella uma quadra horrorosa e des­de muitos mezes, só se mantendo a custa dos inauditos sa-crcficios e esforços sobrehumanos que fazia o seu intelli-gente e patriótico vice-director o alferes Edmundo Fran­cisco Xavier de Barros,para não deixar apparecer a pobre­za que reinava em seus cofres. Infelizmente ella transpa­receu e elle teve de luctar com a m á vontade dos negoci­antes, todos estrangeiros, que ou não queriam fornecer, ou forneciam os seus géneros por preços exhorbitantessem quererem cingir-se ás variações do cambio, sem levarem em conta as suas differenças.

Os géneros fornecidos não eram bons e a carne secca que vinha de Posadas (cidade argentina) coberta de uma camada branca de bolor, continha além dos ossos dascos-tellas, todos as vértebras, buxo, lingua, beiços etc,só fal­tando o couro para completar o peso dessas apetitosas mantas de bellissimo xarque.

O dinheiro brazileiro valia muito menos que o dinhei­ro argentino e paraguayo o isso até que o mesmo Vice-Direclor, valendo-se da sua auetoridade fez com que elle nos domínios da colónia, tivesse o seu verdadeiro valor.

Era quasi impossível á Commissão Estratégica, á cujo cargo estava a colónia, mandar-lhe os socorros de que precisava,porque ella própria não os tinha para si e a con-ducçãoera difficílíma.

Tal era a m á vontade de todos, para essa Commissão, a quem o Paraná tanto deve, que alem de não lhe darem o dinheiro necessário,moviam-lhe uma guerra surda,incom-prehensivel. Fomos muitas vezes portador de dinheiro pa­ra a Commissão, que mal dava para pagar as despesas feitas ; de modo que privada de trabalhadores civis, ella era obrigada a apresentar o trabalho que produziam pe-

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quenas turmas de soldados, que assim mesmo, por muitas vezes foram retirados, ficando em sérios embaraços.

Não só por esses motivos, como pela diííiculdade de remetter dinheiro e outras cousas necessárias á colónia,é que esta sentia os rigores de crises, como a que atravessa­va quando fomos lhe levar vinte contos e alguns géneros de primeira necessidade.

Situada á margem esquerda do Paraná, ella domina-o algumas léguas acima e alguns kilometros abaixo, até o Iguassú, tendo á sua frente a Republica do Paraguay da qual é separada pelo Paraná e á esquerda a Republica Argantina, servindo a este limite o Iguassú.

Seu centro, onde existem as casas construídas pelo go­verno, para a directoria, enfermaria, pharmacia, casa do medico, deposito de géneros,quartel das praças, ferraria, carpintaria, etc. etc,'está situado sobre uma pequenaele-vaçãoa cento e tantos metros acima da superfície do rio.

Deste ponto descortina-se o rio muitos kilometros acima e abaixo, de modo a poder-se apreciar qualquer movimen­to de embarcações a uma distancia considerável, o que constitue uma das muitas vantagens que ella apresenta para o fim estratégico a que é destinada.

Alem disso, dominando como dissemos o rio Paraná, de u m a grande altura, sendo perfeitamente fortificavel, bane do espirito de quacsquer aventureiros,a idéa de uma invasão no nosso território por esse lado, sendo ella guar­necida.

Mas nãoé somente debaixo do ponto do vista estraté­gico, que devemos encarara situação da colónia.

Possuindo recursos naturaes incalculáveis, inexplora­dos pela faltado dinheiro com que luctava, fazendo-se-a depender da Commissão Estratégica ; é a colónia u m dos pontos, senão o ponto de mais futuro commercial, que o Brazil possue em suas fronteiras com o Paraguay e Repu­blica Argentina.

Para se poder entretanto aproveitar essas vastas apti­dões, não é bastante o pequeno credito de 50 contos já

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concedidos, e que será facilmente consumido, sem que se possa conseguir todos os resultados que são de esperar.

E' preciso que alem desse credito seja-lhe fornecido o dinheiro necessário para a compra de uma a duas lan­chas a vapor, para que,por meio destas, ella possa facil­mente estar em communicação directa com as republicas visinhas e estabelecer uma segura fiscalisação em suas costas.

E' preciso que seja o seu porto considerado habilitado, que seja creada uma agencia fiscal, que regule a importa­ção e exportação ; que se torne effectivas as nomeações de auctoridades civis, que vão ajudar a sua administração e, finalmente, que se reforce o pessoal militar la existcn-te,dando-lhe os elementos necessários para deffender-se no caso de ser atacada.

O seu território, já em grande parte dividido em lotes urbanos e agrícolas, é habitado por grande numero de co­lonos de dffferentes nacionolidades, que se applicam na plantação de : milho, feijão, mandioca, bananas, cannade assucar, café, e fabrico de herva-matte, de farinha de mandioca, de assucar, de cachaça, de farinha de milho, e naserragemdemadeiraetc etc, (*) possuindo estabeleci­mentos como o dos irmãos De Blosset, que nada poupam da sua intelligencia, actividade e do seu capital para o en­grandecimento da colónia. Francezes de nascimento e de origem nobre, grandemente emprehendedores e possuin­do alguns capitães, em voz de irem gastal-os em luxuosa ociosidade na grande capital do seu paiz, ousadamente se internaram nos nossos sertões, onde a custa de grandes sommas do trabalho e de dinheiro, conseguiram u m esta­belecimento de primeira ordem, nessas inhospitas para­gens.

O ponto onde habitam chama-se Porto Francez,frontei­ro ao do Tacurú-Pucú no Paraguay, do qual é separado (') Hoje somos informados pelo seu actual director interino, o tenente Edmundo Barros, que já estão construídos e funccionando desde princípios de 1896 ; um excellen-te engenho de serra, uma olaria para tijolos, etc, que em nosso tempo eram simples projecto.

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por 400 ou 500 metros de rio, tal é ahi a pequena largura do rio Paraná. A profundidade do rio neste ponto é de cento e tantas braças.

Sobe-se do porto para a sua antiga casa de morada-hoje simplesmente de negocio, por wagonetes que rolam sobre trilhos de aço e por u m plano de grande declivida-de, na distancia de trinta e tantos metros. Dahi até a sua actual casa de morada, situada a uns duzentos metros da primeira, ha uma linha férrea, para o transporte de car­gas, linha essa que estava sendo prolongada até aos seus bem montados engenhos de serra e de fabricar farinha de mandioca.

U m a grande enchente do Paraná, cobrio-lhes a pri­meira casa,que fica a trinta e tantos metros acima do nivel do rio,com tal quantidade de agua, que u m dos vapores da companhia Platense, que fazem a viagem entre esses pontos remotos e Buenos Ayres,ancorou no Porto Francez prendendo o dente de sua ancora na aba do telhado. Foi calculada essa subida das aguas em 50 m.

Foram por isso obrigados a construir mais no alto a sua nova habitação, toda de madeira, perfeitamente acabada. e a cuja inauguração assistimos, a convite dos cidadãos Dr. José Blosset, Raymond Blosset e Paulo do Luz, dis-tinctos cavalheiros e dignos possuidores desse longínquo recanto, que se esforçam para tornal-o não só uma fonte de riquezas mas também u m verdadeiro éden.

Vi produetos de sua industria que dão as mais faguei­ras esperanças no futuro e trouxe veadadeiras laminas de peroba e pindaúba, serradas em seu engenho com uma serra, do 0,003 a 0,001- de espessura e que figuram hoje entre as amostras de madeiras que possue o muzeu

Apreciei excedente cachaça de canna, de guaviromy e laranginha, destilados em moderno alambique ; exceden­te melado e rapadura também ahi fabricados.

No entanto esses homens que tanto têm trabalhado e tanto têm gasto, ainda não conseguiram os títulos de legi-

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timidade da posse de seus lotes, bem como acontece com outros bons colonos.

Tomadas as medidas de que falíamos, temos certeza, será a colónia a rainha dessas paragens, e o centro com-mercial mais importante de todo o Alto Paraná, assim co­m o uma sentinella sempre alerta, u m obstáculo anteposto á inimigos prováveis.

Mas assim como achamos necessária, a acquisição de embarcações não só para o serviço particular da colónia em suas relações com as republicas visinbas, como tam­bém para facilitar a ida até lá, de forças, munições, ele, que pelo caminho do sertão é muito difficil actualmente, achamos também necessário o melhoramento deste ultimo para no caso de parar por qualquer circumstancia a na­vegação, não ficara colónia em sérios apuros pela falta de communicaçâo.

Estabeleça-se communicaçâo com a colónia do Xo-pim e teremos as duas colónias podendo perfeitamente se auxiliar em todos os sentidos.

Quando chegamos á colónia do Iguassú, encontramos o seu esforçado e emprehendedor vice director alferes Edmundo F. Xajyer de Barros, preparando-se para fazer a exploração desse caminho, que ligaria as duas co­lónias (*)

Alem disso ia elle também procurar explorar pelo la­do do Brazil, os saltos de S. Maria que, creio, ninguém conseguio vel-os até aqui, tão bem e completamente,como agora se os vê.

Adiante tentaremos fazer a descripção desses saltos, do melhor modo que pudermos e até onde chegarem as nossas forças.

Apezar da vontade que tínhamos de conhecer esses saltos, não pudemos acompanhar o alferes Edmundo, na sua primeira ida á elles, por termos sido convidado, por dous illustres amigos, os Srs. Juan B. Ambrossetti, presi­dente dacommissâoargentinadoMuzeudelaPlataeEmille

{') Na data em que publicamos estas narrações, fomos informado de já estarem construídas 16 léguas dessa importante commuuicação, pelo baixo valle Iguassú.

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Beaufils, preparador do mesmo mnzeu e da commissão, para irmos até o Paraguay.

Esses Srs., havia u m mez hospedavam-se na colónia, onde conseguiram firmar-se sympatbicamente em todos os corações, pelo modo cavalheiroso porque sabiam cor­responder á hospedagem que lhes era dada.

Temos saudosas recordações desses amigos, principal­mente de D. Juan Ambrossetti cujo espirito illustrado,cu­ja intelligencia lúcida a par da delicadesa de que é dopta-do, o tornam u m homem de grande mérito.

Doptado de génio alegre e brincalhão, a sua prosa era agradável e reclíeiada de dictos e pilhérias perfeitamente bem cabidas.

Tivemos a felicidade de, em sua companhia, fazer as viagens ao Alto Paraná e ao Paraguay, onde visitamos,nos campos de Tatijupy, as fazendas de D. Pedro Indart e de D. Manoel Francisco, o primeiro Argentino e o segundo Brazileiro, os toldos de differentes tribus de indios, nos campos de Puerlo Alegre e Pirapuitã,a povoação deTacu-rú eseu porto no Paraná, Tacurú-Pucú.

E m Tacurú fomos obsequiosamente bem recebidos e hospedados na Industrial Paraguaya pelo seu director D. António Sayas e seus companheiros, dos quaes viemos muito penhorados.

Temos também a obrigação de nestas brevíssimas no­ticias, não esquecer o distincto cavalheiro D. Genes, então chefe politico de Tacurú, que alem de nos offerecer u m cxcellente jantar, teve a amabilidade de promover um bai­le, com o único fim de apreciarmos algumas danças origi-naes do Paraguay, como a Santa-Fé, Mamá-Comandá e mais duas de que nos lembramos mas cujos nomes não pu­demos reter.

De volta a colónia, tivemos de nos separar dos dous il-lustres campanheiros, que haviam recebido ordem para regressar á sua pátria.

Voltamos portanto sós, á colónia, dispostos a seguir in-continenti para os saltos do Iguassú, se ainda lá estivesse o alferes Edmundo, ou a esperar dous dias, caso já elle de

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lá tivesse voltado,para então emprehendermos juntos esse passeio-exploração.

Poderíamos entrar em muitas particularidades, narrar muitos episódios dessa nossa viagem, se dispuzessemos de mais tempo e se não temêssemos tornar esta ligeira descri­pção tão longa quanto foi a viagem.

Temos pressa de concluir, não só para não fatigar os leitores, com a leitura de tão mal escriptas quão fastidio­sas linhas,como para entrar na parte mais interessante de toda a viagem e pela qual concluiremos.

Ao chegarmos á colónia, encontramo-nos com o alfe­res Edmundo, que também chegava de sua excursão áos Saltos, ficando então combinado que iríamos dahi a dous dias.

No dia marcado, 21 de Novembro, ás 8 horas da manhã embarcados em uma eh ala na, com 4 camaradas,descemos o grande Paraná, cujas aguas pesadas, amarellas,cheias de redomoinhos medonhos, correm barulhentas, em alguns logares, por entre paredões de pedras, de origem vulcâ­nica.

A conformação das barrancas e a direcção, quasi em linha-recta do leito do rio, sugere-nos a idéa de ter essa região soffrido cm épocas immemoriaes, commoções for­tíssimas, como se uma enorme torrente de lavas, vomi­tada por volcão desconhecido e actualmente extincto, projectada na direcção N—S., se tivesse fendido pelo res­friamento, ou por um posterior abalo, formando dois profundíssimos sulcos por onde correm o Paraná o o Iguassú.

O rumo do Iguassú, que desagua no Paraná, é mais ou menos perpendicular ao d'este ultimo, cujo rumo geral,é o de N — S . como já dissemos.

O Paraná, cuja largura varia de 1 30 a 500 braças por onde o percorremos, temem todo o canal, profundidade superior talvez a 100.

Por sondagens feitas em differentes pontos, com son­das de 2 io e 300 braças, não se poude tocar o fundo.

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E a dar credito ao que lá nos disseram, u m navio de guerra nosso,de cujo nome não nos recordamos,tendoque-rido fundear perto da colónia, ou um pouco acima, lançou ancora bastante pesada com 250 braças decorrente,tendo de fazer trabalhar a machina, para não se despedaçar de encontro aos paredões, pois a ancora não achara fundo onde ferrar.

Depois de hora e meia de descida entramos finalmente ás 9 1/2 horas no Iguassú, cuja belleza rivalisa com a dos mais bellos rios.

Suas aguas,sempre represadas pelas do Paraná, apre-sentam-se, dos saltos para baixo,de uma bellacòr azulada, perdendo, cremos, por causado grande numero de saltos que possue até esse logar, a còr amarellada, suja, que ainda tem, quando passa no Porto União da Victoria.

Sua largura ao entrar no Paraná, é no máximo de 200 metros, quando em outros pontos acima elle tem a de hOO metros 500,400,etc. Sua profundidade na fóz é do 8 a 12 metros.

Suas aguas, que como dissemos são represadas pelas do Paraná, apresentam ahi u m espectáculo interessante. Este ultimo rio lança as suas aguas um bom pedaço pelo Iguassú acima e pela margem direita, tornando-o um terço amarello e dois terços azulado, nunca seconfundindo ou mislurando-se as duas aguas.Na parteamarellafórmam-se as vezes manchas azuladas, ena azulada manchas ama relias, tornando-se assim o rio perfeitamente malhado.

E' variadíssima a conformação das margens. Ora enormes paredões de estructura e cores esquesitas, er-guendo-se direitos, indestructivcis, aflxonlando na sua ri­gidez de pedra, o tempo, as intempéries, que ha milhares de annos, só têm podido sacudir a densa matta que lhes coroa os cimos sem poder abalal-os; óra grandes blocos, enormes desagregações das pedras derrocadas pelas aguas, ou por forte córninoção do solo, nos fazem lembrar as mi­nas de gigantescos edifícios de kilometros de extensão.

As pedras, não só dos paredões, como as que existem soltas, espalhadas, ou aglomeradas, apresentam signaes

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patentes de fuzãoe ao lado dodiorito, vê-se veios muitís­simo grossos de còr avermelhada, de textura compacta, alguns vidrados na superfície, parecendo argila pura, que tivesse sido solidificada por u m excessivo calor.

Alguns pedaços apanhamos, verdadeiramente louçados iriados pela acção do fogo.

Existe também em grande quantidade e em grandes blocos uma pedra, de cór e densidade, quasi do granito, que foi chamada, por visitantes dessas paragens, «Guara-nytica» não sabendo nós o motivo, nem as analogias, que os levaram a classifical-a desse modo.

Fazendo estas observações e entretidos por uma agra­dável prosa,subíamos o Iguassú,até que ás 7 horas mais ou menos da tarde, desembarcamos, em uma bellissima praia de branca e fina areia,na foz do arroio Firmino. Ahi arma­mos as nossas barracas e dispuzemos tudo para o pouso.

Este arroio desagua no Iguassú em u m bonito salto de 10 a 15 metros de aíto bipartido na parte superior.

Para dentro da barranca, 30 melros, esse arroio forma outro salto de grande volume d'agua com 10 melros de largo sobre '•> de alto; contando-se mais cinco saltos para cima deste.

Diversas grutas, cavadas na pedra do paredão, d'onde elle se projecta,dão á paisagem um aspecto pittoresco e de bellissimo elfeito.

Depois de uma noite passada quasi toda na pescaria, partimos ás (5 horas, continuando nossa viagem para os Saltos, admirando as transformações porque iam passan­do as paisagens, com o augmento progressivo de luz, a proporção que o sol subia no horizonte.

Nada de importante, veio attrahir a nossa altençào, a não ser a rapidez das aguas em alguns pontos, ditíicultan-do o andamento da embarcação.

A's 10 horas começamos a sentir alguma diftieuldade no andamento e já os remos custavam a encontrar apoio nas aguas que passavam velozes.

E m diversos ligeiros, formados por degráos no leito de pedra do rio, tivemos de puxar de terra, por meio de la-

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cose cordas, a chalana, para se poder vencer a força da correnteza, sendo obrigados a desembarcar a alguns kilo­metros abaixo dos saltos, por ser impossível a subida pelo leito do rio.

Desembarcamos á margem direita, coberta, na exten­são de muitos kilometros' de enormes blocos de pedras soltas, na largura maximade 80 a 100 metros, onde éli-nutada por paredões de pedra a pique encimados por abundante vegetação. Do lado opposto, lado argentino, extende-se uma branca praia defina areia, lambem limi­tada por paredões, coroados por denso matto, continuan­do a praia até os saltos, mas já coberta de grande quanti­dade de pedras soltas, pequenas.

Do ponto de desembarque em diante, as aguas correm com uma rapidez vertiginosa, assustadora, em virtude da grande declividade do leito do rio.

Causa uma impressão desagradável a contemplação dessas aguas revoltas, cheias de redomoinhos e de gran­des ondulações que se chocam cobertas de espumas.

O rio,com uma grande massa d'agua, precipita-se com violência de encontro a u m amontoamento de pedras, já muito corcomidas, que se prolonga da costa argentina quasi perpendicularmente, oppondo um dique ás aguas, que furiosas, espumantes, se levantam em arrancos, como que querendo aos empurrões, levar por diante esse obs­táculo, que violentamente fal-as desviarem-se do seu curso.

Sempre em movimentos desordenados, medonhamen­te revoltas, vê se-as subirem de um metro, oraabaixarem-se outro tanto, com uns bramidos do mar revolto.

E' u m espetaculo imponente, sente-se ao contemplal-o, o querqueé de indefinido, como que u m receio vago e inexplicável !

Desembarcados que fomos, prendemos bem a embar­cação, deixando n'ella um indio cayuá que nos acompa­nhava desde Catanduvas e um camarada do cidadão Ralis ou Rato como lhe chamavam. Este cidadão é brazileiro, nascido em Curitiba e pertence á familia Sá Ribas. Ho-

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m e m de seus 40 annos, de physionomia sympathica, génio alegre e brincalhão, ia nos alegrando a viagem com suas anedoctas e pilhérias. Vive ha muitos annos na cidade de Posadas, onde tem mulher e filhos, fazendo continuas viagens ao alto Paraná afim de comprar ou fazer herva malte,que transporta em embarcações suas para o Rio da Prata.

Nessa occasião ia com uma turma de li a 8 homens explorar herva acima dos saltos, do outro lado do rio, até colónia do Xopim, para cujo Director levava uma carta do alferes Edmundo de Barros.

Foi penosíssima a travessia do kilometro que separa o . ponto de desembarque do começo da subida para chegar-se ao saltos.

O calor insuportável do sol a refletir-se nas enormes pedras soltas, por cima das quaes tínhamos de passar, tornava a viagem um verdadeiro sacrifício.

Carregados com as cobertas e alguns géneros que levá­vamos, éramos obrigados a parar a todos o instantes, para não nos precipitarmos de sobre as pedras, ou a asscntar-mo-nos para respirar, sufocados pelo calor e pelo ar quente que nos envolvia.

Assim chegamos ao paredão, único ponto de subida para os saltos.

Os derrocamentos desse paredão, que não é mais do que o que forma os saltos e se prolonga rio abaixo for-mando-lhe o caixão, e um posterior rolamento de terras por sobre elle, constituem uma subida bastante íngreme, e comprida, mas a única para quem sobe pelo rio, tendo sido uns í- dias antes descoberta pelo alferes Edmundo

Depois de termos subido com grandes diflieuldades andamos mais u m kilometro até o arroio Pedro Rosa, pri­meira agua que se encontra na picada, onde acampamos fazendo no matto uma limpa á facão, para ifella armarmos as barracas.

Apezar de estarmos muitíssimo cançados, não pudemos conter a nossa curiosidade, aguçada ainda mais pelo gran­de ruido que ouvíamos, pois acampáramos u m pouco

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abaixo dos primeiros saltos, que são do lado argentino e fomos n'essa mesma tarde velos, andando para isso quasi duzentos metros.

Tivemos de limpar a facão o ponto da barranca de onde pudemos admirar a paisagem que nos ficava fron­teira.

Do fundo verde negro formado pela matta que cobre a parte superior do paredão e um extenso degráo, mais baixo do que elle I5,m e 15,m mais alto que a superfície das aguas do rio, destacão-se elegantes palmeiras; despe-nhando-se por entre cilas, do paredão sobre o degráo, 3 saltos, dos quaes só se vê a parte superior, por causada matta e que se transformam, ao cahirem suas aguas do degráo no rio, em dois saltos, que são os primeiros que se avista subindo.

Cem metros rio a cima, vè-seum largo, braço do rio, ou antes u m canal de 80 metros mais ou menos de largo, cavado no degráo, que cortado em linha recta e transver­salmente, fórma-lhe as barrancas.

Esse canal é perpendicular ao leito do rio e á direcção do paredão, que fica a descoberto em toda a sua altura, no fim do canal e á 10lm. da entrada, formando quasi u m caixão.

As aguas desse canal,que se apresenta superficialmen­te calmo, sempre represadas pelas do rio, são fornecidas por dous saltos, um cahindo de sua barranca direita,quasi encostado ao paredão, o outro da sua barranca esquerda, por três de 10m. mais ou menos de largo e 30 m. de altura, que cahem do paredão do fundo, e principalmente por u m salto, de que adiante fallaremos, que caheda barranca esquerda encostado ao paredão.

As aguas, tanto destes como dos primeiros saltos, sur­gem de dentro da cerrada matta que cobre uma extensa planície, que se desdobra desde a barranca do rio, até muito dentro do território argentino.

Nessa matta, em uma alta arvore, tremulava abando­nado, solitário, hasteado por algum vizitante d'essas pa­ragens, o pavilhão argentino, já muito desbotado e quasi

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a esfarrapar-se, como que querendo até os últimos mo­mentos do limitado tempo que lhe restava de existência, enviar pelos próprios ventos que faziam-n'o despedaçar-se, em fracos estalidos, acres queixumes contra a falta de generosidade, daquclles que se esqueceram de que elle é o symbolo sagrado da Pátria.

Da barranca esquerda do canal,encostada ao paredão, desce em espumante borbotões e com grande barulho, parte das aguas do maior das saltos desta primeira parte do grande panorama.

Este salto tem de 70 a 80 ms de largura em cima, por 20 ms mais ou menos de alto sobre o degráo.

A outra parte de suas aguas corre por cima do degráo em direcção ao rio onde cabe dividida em outros 3 saltos de tamanhos regulares e altos de 18 a 20 ms. Além desses ainda são descortinados mais 4 de diflerentes tamanhos, variando de 10 a 20 ms de largura por 8 1ms mais ou me­nos de altura.

E' esta, como disse, a primeira parle do panorama, que de outro ponto vé-se completo, a única a ser vista do lugar em que estávamos, e da qual não quizemos dar mais do que a simples e rude descripção do que vimos na natu­reza; mesmoporque sempre foi nosso intento, fazer uni­camente a descripção do conjuncto que se chama, saltos de Santa Maria. Temos infelizmente certeza de que por mais que nos esmeremos, nunca os recursos de que dis­pomos, serão sufíicientes para poder-mos dar siquer uma idéa do que é essa maravilha da natureza.

Como desse ponto, se não pudesse descortinar toda a linha dos saltos, voltamos ao acampamento, afim de no dia seguinte pela manhã, procurarmos outro, que pelo menos permitisse o descortinamento do maior numero possível de seus saltos.

No dia seguinte ao amanhecer, partimos, o alferes Edmundo o cidadão João Rato, o obscuro escriptor des­tas linhas e dois camaradas João de Moraes e Joaquim Gonçalves, ficando os outros no acampamento, tomando conta das barracas e fazendo o almoço. O caminho que

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seguíamos era u m pique de facão muito tortuoso,seguinrjo as curvas do rio e que fora três dias antes feito pelo mes­m o alferes Edmundo, quando pela primeira vez viera aos saltos. O matto na maior parte composto dePasto-d'Anta, com u m ou outro madeiro de grandes proporções, era contudo muito cerrado, pela grande quantidade de tou-ceiras de carátuva muitíssimo enredadas. O solo no sen­tido do pique apresenta insensíveis declividades, depres­sões u m tanto fortes e subidas, algumas bem Íngremes, até a parte superior das quedas.

Chegados ao ponto que havíamos descortinado na véspera, para vermos os saltos argentinos, tivemos denos separar do alferes Edmundo.que pretendia apanhar,como apanhou, u m desenho dessa paisagem.

Tínhamos por missão o descortinamento do ponto fronteiro aos saltos 45 de Novembro e Benjamim Cons-tant, de modo a poder-se perfeitamente desenhal-os.

Depois de termos andado 700ms mais ou menos.sempre explorando a margem, deparamos em uma curva do rio com uma parte do paredão que por elleenlravaem ponta.

Mas coberto de caraguatáse cercado por cerrado matto, que nada permittia ver, olTcreceu esse ponto grandes dif-ficuldades aos camaradas que só a poder de grande traba­lho e infinitas cautelas, para se não precipitarem pelas grandes brechas mascaradas pelos caraguatás, consegui­ram limpai-o, as vezes amarrados pela cinturae suspensos sobre o abysmo.

Sobre uma espécie de giráo que mandamos fazer, para o lado do rio, em prolongamento da pedra, preso com cipós unicamente e acima 40 metros da superfície das aguas que pareciam ferver passando rápidas, esperáva­mos anciosos que desaparecesse o resto do matto que nos interceptava avista.

U m a carga eléctrica que tivesse nos passado pelo cropo, não produziria a mesma impressão que nos produ-zio o que vimos, quando os homens fizeram cahir uma grossa arvore, que na queda acarretou grande rede de cipós e o resto do matto que nos impedia de ver.

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. Nunca tínhamos visto cousa igual, nem nunca ouvíra­mos fallar de obra tão admirável da natureza, que hou­vesse panorama tão sorprehendente como o que se esten­dia diante de nós.

Além disso, 40 metros acima da morte certa,sobre u m frágil girão, agora quasi isolado no espaço, causou-nos isso uma impressão desconhecida até então, uma .mistura de admiração e receio, que pòz em prova o nosso systema nervoso.

O plano do leito do rio, 400 metros para cima do lugar em que estávamos, interrompe-se bruscamente, como se o solo, devido a alguma commoção, tivesse de repente baixado de oO metros mais ou menos, d'esse ponto ao subsolo ou se tivesse fendido, formando u m profundo e largo canal que prolonga-se, continuando o rio, até oma-gcstoso Paraná.

O paredão que se forma com essa interrupção do solo, parte da costa brazileira com a direcção NE-SO acompa­nhado de um degráo circular que calculamos ter de 100 a 150 metros de'raio e que apara as aguas do grande salto Brazil, unido á barranca brazileira.

200 ou 250 metros adiante toma a direcção de NO-SE, mas já som o degráo, cahindo as aguas de uns seis saltos, próximos uns dos outros e que foram denominados Tira­dentes, no profundo canal.

Nessa direcção elle continua 200 ou 300 metros, se­guindo ahi, depois de formar uma curva apertada, em uma linha sinuosa, o rumo geral de SE NO, indo terminar na costa argentina.

Calculamos-Ihe a estensão, da costa brazileira, até a argentina, de 2000 a 2500 metros.

Cheio de pontas, buracos, lascas de pedra, derroca-mentos, negro, esverdeado, reluzente ou fosco, nú, ou coberto de relva muito verde e rasteira, ou de u m capim de haste longa, que cobre as pedras soltas nosderroca-montos, por entre sarandys perdidos nessa rude natureza, é por sobre elle, de structura tão irregular e exquisita, que se projectam vertiginosamente as aguas do Iguassú,

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formando não o salto de Santa Maria como se diz, mas os Saltos de Santa Maria.

Grande numero de saltos, dissemos nós, formão ellas, de espaço a espaço, grandes, e em nada, creio eu, infe­riores ao Niagara de baixo de qualquer ponto de vista em que se os encare e pequenos até o quasi imperseptivel fio dagua, que fracamente lista de branco o áspero paredão, de cima abaixo.

Quantidade enorme de andorinhas, papagaios, terivas etc. em louco revolutear, em torno e atravez do denso ne­voeiro, que continuamente paira por sobre a linha dos saltos, d'onde se levanta,salpica-o de pontos negrose ver­des, imprimindo-lhe u m caracter original.

Tudo ahi é movimento. Nas aguas a despenharem-se revoltas sobre os grandes

degráos. onde se devidem em múltiplos saltos de 20 e de 30 metros de alto, e destes sobre o profundo leito; ou em uma só queda de 40 a 50 metros, produzindo a densa nu­vem, que por vezes encobre a paisagem, u m forte vento produzido pelas quedas sacode continuamente toda a ve­getação em redor.

A precipitação vertiginosa das aguas revoltas, brancas de espuma, em ondulações desencontradas, que escorre­gam, escoam-se, com uma força irresistível, pela grande declividade do leito, impulsionadas pelas successivas massas d'agua que se projectam das quedas, completa essa movimentação extraordinária, no meio de u m baru­lho ensurdecedor.

Completa essa movimentação,dissemos nós! Não,ainda falta a parte mais interessante, a parte physiologica.

E' impossível descrever-se o que u m organismo ner­voso, impressionavel, experimenta no meio d'essa natu­reza excepcional. Esse complexo movimento externo, reflecte-se por todos os nossos sentidos postos em con­tínuo fogo, portal modo no systema nervoso, que impres-siona-o profundamente.

Tudo vibra. Na cabeça sente-se u m peso enorme ; não se raciocina

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direito, como se as idéas se tivessem transformado em uma massa informe d'onde é difficil arrancal-as. Nos ouvidos fórma-se um zunido ensurdecedor, que junto á enorme variedade de movimentos que a vista apanha, entontece-nos fazendo andar a cabeça á roda.

Parece-nos que somos as vezes violentamente sacudi­dos, que nos elevamos sensivelmente do solo, ou (pie este foge repentinamente de baixo dos nossos pés e que somos precipitados no abysmo.

Uma grande sede faz-nos ter vontade de beber, não da agua que está perto de nós e que facilmente podería­mos apanhar, mas da que está rodomoinhando no profun­do canal, transformando-se em fulvos vapores.

E' uma força terrível que nos atraiie para aquelle meio, onde tudo se move desordenadamente.

Quantas vezes nos agarrávamos a um páo, por nos pa­recer que ogiráo se desmanchava e cahia!

Quantas vezes quizemos fugir, com receio das idéas que nos passavam pelo cérebro !...—Se agora eu tivesse uma vertigem... se perdesse a razão e me precipitasse... e muitas outras, como estas eram as extravagantes idéas, que varias vezes nos fizeram olhar para traz, para ver se os companheiros estavam ali, promptos para nos agarrar caso caliissemos, ou quizessemos nos atirar do paredão abaixo.

Tivemos occasiões de querer prevenil-os, mas a ver­gonha de patentear-lhes idéas tão dyspepticas nos deteve.

Os próprios camaradas, homens rudes, estavam admi­rados e como que amedrontados diante de espetaculo tão brutal quanto imponente. • Estávamos no fim de pouco tempo molhados pela ne­

blina, que constantemente cahia produzida pelos vapores que se formam na queda das aguas, que parece pulveri-zarem-se chocando-se.

Para frente u m pouco á esquerda de quem olha, uni­do á barranca brazileira, ve-se cahir na direcção L-0 o grande salto Brazil, assim denominado por ser o mais pró­ximo da costa brazileira.

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Este salto da largura de 100 metros ou mais, projecta-se da altura de 2"» metros, sobre u m degráo circular de uns 100 metros de raio, todo coberto de grandes pedras soltas, cobertos de capim longo, que o vento deita e a agua torna brilhante.

As aguas, cahindo de encontro as pedras do degráo, produzem grande quantidade de vapores que se espalham no ar,dando á paisagem um tom acinzentado, escoando-se depois encachoeiradas, por entre as pedras, para o pro­fundo leito, onde cabem divididas em 4 saltos de tama­nho regular e 3 pequenos, todos de 30 a 40 metros de alto, espalhados em torno do degráo.

O aspecto deste salto é ode um enorme lençol coberto por camadas espaçadas de rendas que parece despren-derem-se percorrendo-o de cima a baixo, continuamente substituídas e que acompanham-lhe as ondulações.

E m continuação a este, espalhadas pelo paredão que faz uma grande entrada de 200 a 300 metros para cima e pelo meio do rio, tomando uma direcção parallela á bar­ranca brazileira, distingue-se mal um grande numero de saltos, dos quaes não se poude calcular o numero e as di­mensões por causa da posição em que estávamos. Por inducção calculamos-lhes a altura em 00 metros.

D'estes saltos,os 6 mais distinctosforam denominados Tiradentes.

Como dissemos atraz, o paredão entrando 200 ou 300 metros pelo rio acima, faz a essa distancia uma apertada curva, tomando uma direcção affastadaá segunda desde o salto Brazil, pendendo sempre para o lado argentino e formando u m angulo agudo, cujo vértice é substituído pela curva

E' n'essc anguloque está collocada a parte mais bonita, mais admirável de todo o panorama, pelo numero de sal­tos que n'elle cabem.

Numa direcção obliqua á do lado do angulo, donde se projectam os saltos Tiradentes, oceupando mais de metade da curva, desenha-se a maior massa d'agua de que lenho

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noticia, o mais volumoso de todos os saltos do Iguassú, o salto Quinze de Novembro.

Na parte superior do paredão forma-se u m corte rectangular de 5 metros de altura, u m verdadeiro caixão cavado na pedra, aberto para o angulo, onde cabem por todos os lados, as aguas, formando d'ahi para o canal o grande salto com 55 metros de altura.

U m continuo surdo rugido,com intermitencias de lon­gínquos estampidos, ouve-se, produzido pela cólera desse colosso, que parece protestar contra a natureza que o fez tão grande para tão pequeno espaço, onde ainda não é só.

Poucos melros adiante, do mais alto ponto do paredão cabe o salto dos Andradas, de 60 metros de altura, volu­mosos, cujas aguas se cruzam com as do Quinze de Novem­bro, produzindo com o choque embaixo, tal quantidade de vapores, que seria impossível, não só vèl-as, como a todos os outros, pois espalhada pelo canal e pairando por cima da linha dos saltos, engrossada pelos vapores que nos outros se formam, ella tudoemcobriria.

Mas a natureza, junto do mal pòz o remédio,de modo que a propriaquedaqueforma osvapores,forma,desequilibran­do as camadas atmosphoricas, u m continuo e forte vento, que os repelledo canal deixando apaizagem a descoberto.

E m seguida cahe o salto Silva Jardim, fronteiro aos denominados Tiradentes, com u m grande jorro d'agua de 20 metros de largura por 6!).m de altura. Seguem-se os saltos Rio Branco eBocayuvae outros menores que o Silva Jardim, d'altura deste ultimo, mas sempre vistos atravez dos nevoeiros.

Por cima da linha dos saltos, no céo azul claro, desta-ca-se, desmaiada pelos vapores, a escura linha das flores­tas da barranca esquerda do Iguassú, que faz uma gran­de curva parecendo unir-se á barranca direita, formando o fundo d'esse explendido quadro.

Continuando vê-se 4 pequeninos saltos, verdadeiras fitas prateadas, mal destacando-se do cinzento paredão, antes de chegar-se ao mais bonito, ao mais mimoso de to­dos os saltos, o salto Benjamin Constant.

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As aguas d'este salto, antes de precipitarem-se, per­correm u m canal do 20 metros de largura, cujas bordas são cobertas dor u m musgo rasteiro verde-negro; dir-se hia ser u m tapete develludo verde, estendido e preso ao solo por uma larga fita de prata. Tal é o effeito produzido pela luz do sol atravessando o nevoeiro.

Não parecem d'agua e sim de alvíssimo algodão esses bollissimos frocos, qve se desprendem da altura de cin-coenta e tantos metros, cahindo lentamente nas aguas do profundo leito, cuja superfície parecem apenas tocar, ele-vando-se depois para a athmosphera, transformados em nevoeiro.

Outras vezes, o salto tem a aparência de uma queda de vapores densos, movimentados por fortes turbilhões.

Depois de u m pequeno fio de agua, avista-se o salto Deodoro,de 20 metros de alto sobre o degráo, que tfahi em diante apara as aguas dos outros saltos, até a barranca argentina.

Do degráo para o rio, as aguas deste salto se dividem em 2 outros,de 5 metros mais ou monos de largura sobre 30dealto.

D'ahi em diante o paredão descabe para o lado argentino. Nota-se n'ossa nova direcção uma serie de 8 ou 10

jorros d'agua, perfeitamente alinhados, alimentando 0 saltinhos do degrau para o rio. Acreditamos que o rio estando cheio, o aspecto de todos esses saltos seja outro, formando por exemplo estes últimos u m só, bastante largo e volumoso. Dizemos isto baseados, porque pela primeira viagem do alferes Edmundo, o salto Deodoro era uma respeitável queda, ao passo que quando o vimos, estava não sò muito reduzido como o paredão, por não ter o rio bastante agua, apresentava saliências que o dividiam em diversos.

Chegamos agora á parte do panorama fronteira ao pontoem que estávamos na barranca brazileira.

Chegamos finalmente ao salto União imericana, que fica no centro, sendo por isso considerado o limite,o poulo de separação entre os saltos que foram chamados Argen-

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tinos e osBrazileiros, por estarem, os primeiros mais pró­ximos da costa argentina e os últimos da costa brazileira, sendo chamado União Amerkana parasymbolisar a con-fraternisação dos povos do novo continente.

Com uma largura,em cima, de cem a cento e tantos me­tros, tendo 20 metros de altura sobre o degráo, nesse ponto bastante largo, cabe esse salto arqueado no sentido da largura por causa do paredão que ahi forma uma curva reentrante. E' um bonito e extenço lençol d'agua, que nos enviava scintillantes revérberos de luz solar of-fuscando-nos a vista.

A nossa posição era á cavalleiro da do salto, de sorte que podíamos apreciar perfeitamente a distribuição de suas aguas, sobre o largo degráo, cheio de pedras cober­tas de verde relva e de u m longo capim.

A vegetação que cobre é variada, destacando-se de quando em quando bellas palmeiras, cujas flexíveis pal­mas dão u m tom agradável a paisagem.

Toda a parte do degráo fronteiro ao salto, é limpa de matto, apparecendo a lage núa, ou coberta de musgo e das pedras soltas de que já falíamos.

Via-se as aguas correrem rápidas, encacboeiradas,por entre as pedras, em pequenos canaes, ou doce e levemen­te rumorosas por sobre o verde musgo,até precipitarem-se em vários saltos de uma só queda.

Do ponto em que estávamos viamos estes últimos auns 80 metros de distancia e lá embaixo são em numero de 5 sendo o maior largo de 12 metros o alto de 30,m e o me­nor d e l m de largura sobre .'H)mde altura. E' bonito o conjuncto destes saltos, apresentando a particularidade de produzirem um grande estrondo, que não é proporcio­nal ao seu tainanbo nem á quantidade d'agua que despe­jam. Essa particularidade que logo notamos, pareceu-nos ser devida á conformação das barrancas e estreitamento do canal nesse ponto.

Ha u m dentre esses saltos cujas aguas cabem de todos os lados, como em u m funil, na secção de um grande cy-lindro cavado na rocha, d'onde batentona lage dofundo,

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2 metros abaixo da entrada, são projectadas pela parte aberta da secção, para o lado do rio, em forma de chuveiro e em grandes borbotões que cabem com grande barulho

Seguem-se mais seis saltos, dos quaes o maior terá seis metros de largura, que formam do degráo para o rio ou­tros tros pequenos. D'ahi em diante cahem os outros de que já falíamos no começo d'esta rapidíssima descripção.

Como nos nossos sertões marginaes do Paraná, as florestas do lado argentino, que formam o fundo do pa­norama brazileiro, ostentam, a par do mais robusto de­senvolvimento, a mais variada vegetação que é dado ima-ginar-se.

Tudo concorre para isso : a uberdade das terras rega­das por enorme quantidade de mananciaes, que alimen­tam a rede imensa de rios.aroios, sangas etc. que as corta em todas as direcções, e o calor benéfico dos climas quen­tes, onde a vida é exuberante de seiva.

Como nas regiões do norte, como em Matto Grosso e no Paraguay,o calor em quasi todo o valle do Paraná tem feito subir a 41° e 42° a columna thermometrica.

Pendente das arvores, não é raro encontrar-se em áreas bem grandes, orchideas e outras parasitas, quebran­do com os variados matizes de suas flores a monotonia d'esse verde immenso.

E' este o panorama que se avista da costa brazileira, panorama exchtswamentebrazileiro, porque, a não ser efessa costa, e do ponto por nós descorinado n'aquella época, não ha outro de onde se o possa avistar completo.

Muitos viajantes extrangeiros, têm ido ver esses saltos, mas pelo lado argentino e' de uma grande distancia, de modo que nunca poderam ver os saltos maiores e mais bonitos.

Os que olhavam de baixo,na praia, não só tinham o de­gráo que lhes tirava a vista como o grande nevoeiro ; os que olhavam de cima da barranca, o matto por um lado e os nevoeiros por outro lhes impediam ver.

Desses viajantes, os que mais se aproximaram, foram os cidadãos San Martin photographo paraguayo, que le-

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vou comsigo uma camará escura e José de Blosset. Esses Srs. não poderam ir alem do canal de que fallei no come­ço da discripção, tirando d'ahi varias photographias dos primeiros saltos.

Tentaram tirar a parte do fundo, mas, os nevoeiros e as mattas das barrancas foram as únicas cousas que con­seguiram photographar.

Tenho esta ultima photographia que o Snr. de San Martin intitulou graciosamente Vistas dei Paraguay.

O dia seguinte foi passado na mudança do acampa­mento, pelos camaradas e no esboço de u m dezenho des­se panorama, pelo alferes Edmundo.

Quanto á nós,o tempo foi pouco para admirarmos essa obra monumental da natureza.

Fomos chegar quasi ao anoitecer ao acampamento, que tinha sido mudado para 5o metros mais ou menos acima do salto Brazil.

Passamos uma noite agitada e cheia de sobresaltos. O rugido continuo dos saltos parecia ter augmentado

de intensidade e os estampidos intermitentes, assemelha-vam-se aos de longiquos trovões.

Procuramos explicar este facto, pela acção do calor dos raios solares nas camadas atmosphericas.

De dia sob a acção dos raios solares, formam-se cor­rentes de ar aquecido, que se elevam verticalmente para a atmosphera, seguindo as vibrações sonoras na sua maior parte a direcção d'essas correntes ascendentes.

De noite,a temperatura baixando consideravelmente, dá-se,póde-se dizer, a cessação dessas correntes, poden­do as vibrações propagar-se com mais intensidade no sentido horizontal.

O ar parecia cheio de rumores vagos, indefiníveis, es­tranhos, causando-nos uma excitação nervosa inconcebí­vel; ou isso já era causado por ella.

Demos graças, quando a aurora começou a colorir os pardacentos nevoeiros que enchiam a atmosphera.

O pouzo ficava distante do angulo formado pelas duas direcções do paredão 100 e tantos metros, correspon-

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dendo á sua entrada. Pairando por sobre o angulo, uma linha de nevoeiros, parallela á barranca onde estávamos, indicava a sua direcção pelo rio acima.

E m cima das quedas e desde muito antes, alarga-se o Iguassú consideravelmente, entrando pelo território ar­gentino o que explica as quedas de aguas voltadas para a costa brazileira.

Calculamos de 2 kilometros para mais a sua largura. As margens são baixas, elevando-se de u m a 3 palmos

acima das aguas e em alguns pontos fórmam-se praias que vão docemente terminar na agua.

Quanto á sua profundidade, cremos ser pouca, porque u m camarada do cidadão Rato, que acampara comnosco, teve a enorme audácia, do ir com agua até a cintura e o peito, agarrando-se de pedra em pedra, até perto dos saltos Tiradentes, no angulo, sendo obrigado a voltar, para não ser arrebatado pelas aguas, que segundo elle diz têm uma força extraordinária, que augmenta progressi­vamente, á proporção que se aproximam da queda.

O leito do rio é lodo de pedra, formando-se em diffe-rentes pontos,ilhas cobertas de sarandys muito enredados.

Nessas ilhas reunem-so bandos de jacus, jacutingas, e das diíferentes variedades da familia dos papagaios, que ahi vão banhar-se. Pela quantidade do matto que cobre em grande extensão a margem, reconhece-se ter havido ahi grandes roçados, onde talvez, ha muitos séculos exis­tiu e progrediu, alguma povoação, alguma cidade, das construídas pelos jezuitas e por elles destruídas em 1670 mais ou menos, cujas ruinas procuramos, mas nada en­contramos que nos indicasse sua existência, a não ser a natureza do matto. Foi realmente por essas immediações, que existiu acidadede Santa Maria, cujas ruinas até hoje não foram encontradas, havendo quem ponha em duvida a sua existência.

Descendo-se 30 metros do pouso, tendendo-se para o rio, chega-se por entre grandes pedras a uma arvore,que se debruça sobre o salto, em cujas agoas mergulha a raiz.

E m baixo d'essa arvore, ha uma grande pedra, já den-

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trod'aguae á u m metro da queda, na qual gravamos,com u m escopro que para esse fim levamos, os nossos nomes e a datada nossa estada ahi ; em Novembro de 1892.

Ao lado da queda, na barranca á beira do pricipicio,ha u m entrelaçamento de raizes, de cujo centro nasce quasi deitado, o tronco de uma pequena arvore decepada, que nos permittio, debruçados sobre elle, vèr de cima e u m pouco de lado, toda a queda do salto Brazil eas escavações do paredão,verdadeiras grutas, por detraz do vasto lençol d'agua que por sobre ellas se estende.

"Bandos de andorinhas que parece deleitarem-se voan­do atravez dos vapores, como que banhando-se n'elles, desapparecem de repente por detraz do lençol d'agua, em uma das extremidades,reapparecendo na outra alguns segundos depois.

Estávamos defronte do salto Benjamim Constant,ainda em frente mas um pouco á direita do salto Deodoro e ao lado (vendo decima) do salto Brazil.

Ahi o barulho das aguas é tal,que nem gritando se ou­ve a voz dos companheiros.

Os nevoeiros trazidos por um vento forte e constante, deixa-nosas vestes molhadas.

Eram sete horas quando o sol começou a apparecer e antes que tivéssemos occasião de velo. admiramos os seus eífeitosnos vapores que enchiam o espaço.

Foi u m espectáculo interessante. Logo que o sol,ain­da baixo, começou a bater nos nevoeiros, formou-se por cima do paredão, entre os saltos Benjamim Constant e Deodoro, um grande e lindíssimo areo-irisque foi grada­tivamente diminuindo e descendo até unir-se no profundo canal, á proporção que o sol elevava-se no horizonte.

E' provável que á tarde, quando o sol fosse descendo para o occaso, o observador collocado no ponto opposto, visse o inverso, isto é, o arco-iris elevar-se do profundo abysmo para o espaço.

Achei interessantíssimo este phenomeno, no entanto perfeita e facilmente explicável.

A paysagemque d'ahi descortinávamos, era bonita,se

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bem que não se pudesse comparar com a que se descor­tina do outro ponto.

Tínhamos um grande sentimento de sermos tão pou­cos a admirar obra tão bella da natureza ; e como ahi,em diversos outros pontos do nosso Estado, tivemos alem d'esse sentimento, o de não encontrarmos logo a quem communicar as impressões que nos iam n'alma.

E depois, quem ha, que possuidor de uma alma poé­tica, de u m temperamento impressionavel, com o senti­mentalismo mais ou menos educado nas sãs idéas do bel-lo e do grandioso, não se sinta violentamente extasiado diante das lindíssimas paysagens, verdadeiras jóias de va­lor com que a pródiga natureza mimoseou o nosso Estado!

A sua caprichosa multiplicidade cança-nos o entedi-mento : ante algumas, os olhos offuscam-se-nos, embora enormemen e abertos; os lábios movem se, mas nada balbuciam. O coração como que avoluma-se,cheio d'uma alegre anciedade de communicar a u m outro as impres­sões que sente, não se achando sufficiente para centei­as, nem bastante egoísta para querelas único admirar.

Foi debaixo ainda d'essas impressões que começamos a escrever estas notas.—Seria para nós uma grande satis­fação, se conseguíssemos ao menos, dar aos nossos pa­trícios uma ligeira idéa do que é o panoroma dos saltos de S. Maria; consola-nos ao menos a idéa de que, o que não pudemos fazer pela penna fal-o-ha o esboço á lápis, embora incompleto, tirado pelo alferes, hoje tenente Edmundo Barros,nosso companheiro de excursão.

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Si

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I

ITOT^L

Ao pedido de alguns amigos ea franqueza incondicio­nal do meu amigo Jesuino Lopes, devo o estarem hoje no domínio publico as minhas impressões na viagem feita á Foz do Iguassú, singelamente escriptas n'um diário de viagem, de que é copia o presente folheto. D'ahi o estar elle eivado de incorrecções, perfeitamente desculpáveis, bem como o desenho que o acompanha, que pela pressa da minha partida, não poude o seu autor concluir, não só na integridade do panorama n'elle reduzido á uma 4.a

parte do panorama geral dos saltos, como na sombra das aguas, onde se nota afalta de um pequeno chamalotado, fácil entretanto de completar nas provas lithographadas.

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