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SARGENTINI, Vanice., NAVARRO-BARBOSA, Pedro. Foucault e os Domínios da Linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004. 260p. APRESENTAÇÃO Imaginar pode sugerir um discurso fantasioso, inventivo, portanto desprovido de rigor científico – não que tenha sido essa a intenção de Blanchot. Mas imaginar pode ser tomado no sentido de relembrar, de recordar, o que faz remissão a outra obra sobre o filósofo. (p. 09) Notas: ¹BLANCHOT, M. Foucault como o imagino . Tradução de Miguel S. Pereira e Ana L. Faria Lisboa: Relógio D’agua Editora, S/d. ²RIBEIRO,R.J. Recordar Foucault : os textos do Colóquio Foucault . São Paulo: barasiliense,1985. (p. 09) Tampouco, enumerar uma série de adjetivações que, dada a sua importância no cenário intelectual e político francês dos anos 60, poderia rotulá-lo como, por exemplo, o filósofo da geração francesa de 68, o historiador das descontinuidades, aquele que proclamou a morte do homem, o filósofo das genealogias do poder e das práticas de subjetivação dos corpos, o pesador da pós- modernidade ou,

M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

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Fichamento da obra com citações.

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SARGENTINI, Vanice., NAVARRO-BARBOSA, Pedro. Foucault e os

Domínios da Linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004.

260p.

APRESENTAÇÃO

Imaginar pode sugerir um discurso fantasioso, inventivo, portanto desprovido de

rigor científico – não que tenha sido essa a intenção de Blanchot. Mas imaginar pode ser

tomado no sentido de relembrar, de recordar, o que faz remissão a outra obra sobre o

filósofo. (p. 09)

Notas:

¹BLANCHOT, M. Foucault como o imagino . Tradução de Miguel S. Pereira e Ana L.

Faria Lisboa: Relógio D’agua Editora, S/d.

²RIBEIRO,R.J. Recordar Foucault : os textos do Colóquio Foucault . São Paulo:

barasiliense,1985.

(p. 09)

Tampouco, enumerar uma série de adjetivações que, dada a sua importância no

cenário intelectual e político francês dos anos 60, poderia rotulá-lo como, por exemplo,

o filósofo da geração francesa de 68, o historiador das descontinuidades, aquele que

proclamou a morte do homem, o filósofo das genealogias do poder e das práticas de

subjetivação dos corpos, o pesador da pós- modernidade ou, ainda, o defensor do

sistema, título que o incomodava. (p. 10)

Embora nosso objeto de estudo seja a teoria das condições de emergência dos

saberes e dos dispositivos de exercício do poder e não a pessoa que foi Foucault, essa

elisão não é de todo possível pois a sensibilidade que ele demonstrou às experiências

diversas, às conjunturas e às atmosferas culturais as quais esteve envolto ³ deixam-se

fazer presentes nas análises que realizou das estruturas que subjazem à constituição dos

discursos, dos mecanismos coercitivos que pesam sobre quem fala, do exercício do

poder nas sociedades disciplinadoras e da estética da existência, o que atesta um

pensamento inquietante e em constante ebulição. (p.10)

Marco André, 07/06/15,
Imaginar seria desprovido de rigor científico.
Marco André, 07/06/15,
O objeto de estudo
Marco André, 07/06/15,
*****
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Page 2: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Unidade na dispersão é o que podemos constatar nas inúmeras pesquisas que se

orientam nas noções e nos princípios foucaltianos. Estudos que procuram objetivas a

obra do filósofo sob vários olhares. Estudiosos que falam de lugares distintos, em busca

de resposta as suas indagações. E são tantas e diferentes, como podemos observar nos

títulos de conferências e seminários realizados no Brasil na passagem dos vinte anos de

sua morte. (p. 10 -11)

O desafio, na verdade, é duplo. Primeiro, é necessário que nos situemos dentro

dos estudos linguísticos e, ao mesmo tempo, fora deles, ou seja, o objeto de nossas

reflexões não é a materialidade linguística, mas a constituição dos discursos e a

possibilidade de serem enunciados. No entanto, só é possível fazer uma análise dos

discursos porque eles têm uma existência material, porque eles contêm as regras da

língua, de um lado, e aquilo que foi efetivamente dito, de outro. (p. 11-12)

Segundo, é preciso marcar também nossa posição no interior mesmo da vertente

francesa de Análise do Discurso praticada aqui nesses trópicos. Essa posição, subjacente

às reflexões dos autores, insere-se num projeto de análise discursiva que, desde os

últimos trabalhos de Michel Pêcheux, desloca-se de um althusserianismo strictu sensu

para as propostas de Foucault e da Nova História (p. 12)

Sabemos que o percurso histórico de constituição do dispositivo de interpretação

no qual se tornou a Análise do Discurso registra um diálogo com Michael Foucault,

marcado ora por aceitação, ora por uma necessidade de reelaboração ora por recusa das

noções e dos princípios que ele elaborou (p. 12-13).

A entrada do filósofo nessa ciência do discurso se fez de modo restrito, quando

as análises começaram a denunciar a necessidade de se olhar para o discurso não mais

como uma máquina fechada e homogênea. Nesse momento, segundo registros sobre o

desenvolvimento da Análise do Discurso, a noção de “formação discursiva”,

desenvolvida por Foucault em sua Arqueologia do saber, é redefinida por Michel

Pêchuex, que o faz, no entanto, mantendo ainda o vínculo com a noção de ideologia. A

presença de Althusser nos anos 60 e 70 é muito forte. (p. 13)

Em outros momentos, Foucault é negado, porque se acredita que ele sustenta um

discurso marxista paralelo. Segundo seus críticos, Foucault mata a história, uma vez que

não trabalha com as noções de ideologia, de divisão e de luta de classes; soma-se a isto

Marco André, 07/06/15,
Noção de formação discursiva em Foucault
Marco André, 07/06/15,
Foucault e a Análise do Discurso
Marco André, 07/06/15,
Foucault – a Nova História
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Unidade e dispersão nas pesquisas baseadas em Foucault
Page 3: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

o fato de que ele, conforme Pêcheux, não teria considerado, em suas análises das

condições de possibilidade do discurso, a categoria marxista da contradição. (p. 13)

Vale lembrar que, enquanto a Análise do Discurso reunia esforços para

compreender os discursos políticos, com o objetivo de oferecer um instrumento para a

sua leitura, Michel Foucault empenhava-se na tarefa de ouvir e de tirar do anonimato o

recalcado da razão ocidental, inaugurando aquilo que, anos depois, tornou-se alvo de

interesse dos pesquisadores: os discursos do cotidiano. (p. 13 – 14)

A denominação dos capítulos deste livro evidencia a aproximação entre M

Foucault e os domínios da linguagem, sobretudo no que tange a discurso, história, poder

e subjetividade. (p.14)

Nesse sentido, o texto expõe sua heterogeneidade, sendo marcado ora por aspas,

ora por itálico, num exercício linguístico-discursivo constante para deixar que o

pensamento do filósofo de sobressaia à voz da autora cuja interpretação, presente na

formulação das perguntas, destina-se a traçar um “programa de leitura” que oferece ao

leitor elementos para compreender as três noções pilares que sustentam o método

arqueológico: enunciado, formação discursiva e arquivo. (p. 15)

Apoiando-se na noção de sociedade de controle, proposta por Foucault, recupera

como se dão as relações entre as edificações urbanas e o controle dos usos linguísticos e

dos embelezamentos do corpo no final do século passado e início deste. (p. 17)

CAPÍTULO 1 – FOUCAULT E A TEORIA DO DISCURSO

1.

Há um conceito que é fundamental para o seu método arqueológico: o

enunciado. Tanto que ele ocupa todo o terceiro capítulo de A Arqueologia do Saber . A

sua definição se faz por oposições a outros conceitos (frase, proposição, speech acts) e

pela análise da relação entre enunciado no seu método? Qual é o seu conceito de

enunciado? (p. 23)

A discussão sobre o enunciado ocupa todo capítulo III da Arqueologia do saber,

cujo título é, justamente, O enunciado e o arquivo. Como o próprio nome diz, quis

mostrar a relação de dependência e de hierarquia entre essas duas noções – a mais

ampla (arquivo) e a mais molecular (enunciado) do método que estou propondo. Todo o

capítulo se articula a partir de duas questões, derivadas da minha reflexão sobre o que

Marco André, 07/06/15,
O arquivo e o enunciado.
Marco André, 07/06/15,
Método arqueológico de Foucault. E o enunciado para Foucault.
Marco André, 07/06/15,
Sociedade de controle
Marco André, 07/06/15,
Método arqueológico.
Marco André, 07/06/15,
Discurso e método de análise
Marco André, 07/06/15,
Foucault, a voz do XXXX e os discursos do cotidiano
Marco André, 07/06/15,
Crítica marxista a Foucault
Page 4: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

eu investiguei nos meus trabalhos anteriores: “o que é o enunciado” e “como a teoria do

enunciado pode se ajustar à análise das formações discursivas?”. A elas vou tentar

responder, nesse capítulo III, seguindo certos passos: primeiro, definindo o que entendo

por “enunciado”; logo a seguir, destacando as características da “ função enunciativa”;

depois, teorizando a “ descrição dos enunciados”; para, então a partir da exposição das

características do enunciado (raridade, exterioridade, acúmulo), chegar a desenvolver a

articulação entre os conceitos principais que tenho manipulado em meus trabalhos –

“enunciado” / “formação discursiva” / “arquivo”. Como pode ver, o enunciado (ou,

como espero ter deixado claro, a função enunciativa) é a unidade elementar do discurso.

Em seu modo de ser singular (nem inteiramente linguístico, nem exclusivamente

material) o enunciado é indispensável para que se possa dizer que se há ou não frase,

proposição, ato de linguagem. [...] ele não é, em si mesmo, uma unidade, mas sem uma

função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz que

apareçam, com conteúdos concretos no tempo e no espaço. (1986,p. 98-99). Se o

descrevo a partir de oposições com outras unidades – freses, proposição, atos de

linguagem – é para marcar as diferenças e para acentuar que os estudos linguísticos

sempre deixaram o enunciado como um resto, um elemento residual e, portanto,

pressuposto, mas não analisado. Se você seguir minha exposição, até certo ponto

didática, nesse capítulo III, poderá ver que o enunciado se distingue desses três

conceitos porque: (p. 24)

a) ao contrário da proposição, o enunciado está no plano do discurso e, por isso,

não pode ser submetido às provas de verdadeiro/falso. Por isso, diferentemente da

proposição lógica, para os enunciados não há formulações equivalentes (por exemplo,

“ninguém ouviu” é diferente de “é verdade que ninguém ouviu” quando os encontramos

em um romance. Trata-se de uma mesma estrutura proposicional, mas com caracteres

enunciativos bastante distintos); (p.24-25)

b) ao contrário da frase, o enunciado não está, necessariamente, submetido a

uma estrutura linguística canônica (como, em português, sujeito-verbo-predicado), isto

é, não se encontra um enunciado encontrando-se os constituintes da frase. Um quadro

classificatório das espécies botânicas é constituído de enunciados que não são

“frases”;uma árvore genealógica; um livro contábil a fórmula algébrica; um gráfico,

uma pirâmide... Todos tem leis de uso e regras de comunicação que são diferentes

Marco André, 07/06/15,
Frase x enunciado
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Características do enunciado e elementos do discurso
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Page 5: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

daquelas frases. Por isso, não parece possível definir um enunciado pelos caracteres

gramaticais da frase (1986, p. 93); (p. 25)

c) o enunciado, parece, à primeira vista, mais próximo do que se chama os

speech acts (atos de linguagem). No entanto, diferentemente das pesquisas pragmáticas

da filosofia analítica inglesa, não proponho procurar o ato material (falar e/ou escrever);

ou a intenção do indivíduo que está realizando o ato (convencer; persuadir etc.) ou

resultado obtido (se foi “feliz” ou não). O que procuro é descrever a operação que foi

efetuada, em sua emergência – não o que ocorreu antes, em termos de intenção, ou o

que ocorreu depois, em termos de “eficácia”- mas sim o que se produziu pelo próprio

fato de ter sido enunciado –e precisamente neste enunciado (e nenhum outro) em

circunstâncias bem determinadas (1986, p. 94). (p. 25)

Quero mostrar que a língua e o enunciado não estão no mesmo nível de

existência. Dou como exemplo desta diferença as letras que estão numa máquina de

escrever , que não constituem enunciados; no entanto, quando eu as disponho em uma

página – seguindo regras que vem do sistema da língua – tornam-se enunciado. A língua

é um sistema de construção para enunciados possíveis. (p. 25, 26)

Porque o que torna uma frase, uma proposição, um ato de linguagem em um

enunciado é justamente a função enunciativa: o fato de ele ser produzir por um sujeito,

em um lugar institucional, determinado por regras sócio- históricas que definem e

possibilitam que ele seja enunciado. (p. 26)

2.

Entende–se então que o enunciado é um conjunto de signos em função

enunciativa. Portanto, ser um elemento do nível enunciativo é o primeiro nível do

enunciado? (p. 26)

Sim, a primeira e mais fundamental. Insisto neste ponto, porque há uma relação

muito especial entre o enunciado e o que ele enuncia. (p. 26)

3.

Exatamente esses serão os pontos discutidos a seguir. Você poderia falar um

pouco sobre a relação entre o sujeito e o enunciado? (p.27)

Marco André, 07/06/15,
Sem comentário.
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário.
Marco André, 07/06/15,
Definindo enunciado.
Marco André, 07/06/15,
A função enunciativa
Marco André, 07/06/15,
Língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência.
Marco André, 07/06/15,
O que procura-se no enunciado
Marco André, 07/06/15,
O enunciado difere dos conteúdos formais das frases
Page 6: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Para que um enunciado exista é necessário assinalar-lhe um “autor” ou uma

instância produtora. Mas esse “autor” não é idêntico ao sujeito do enunciado (em termos

de natureza, status, função, identidade). Existem romances nos quais há vários sujeitos

que enunciam. Isso não é característica apenas dos textos romanescos – é uma

característica geral, já que o sujeito do enunciado não é o mesmo de um enunciado a

outro; essa função pode ser exercida por diferentes sujeitos, isto é, um único e mesmo

indivíduo pode ocupar, alternadamente, em uma série de enunciados, diferentes

posições e assumir o papel de diferentes sujeitos (1986, p. 107). (p.27)

Toda essa discussão é muito interessante, pois o que torna uma posição de

sujeito. Assim, descrever uma formulação enquanto enunciado consiste em determinar

qual é a posição que pode e deve ocupar todo o indivíduo para ser seu sujeito (1986, p.

109). (p. 28)

4.

Outra característica do enunciado é que ele tem sempre margens povoadas de

outros enunciados (1986, p. 112). Há uma relação do enunciado com a série de

formulações com as quais ele coexiste. Isso atesta sua historicidade. Do seu ponto de

vista, essa é mais uma diferença entre frase, proposição e o enunciado. (p. 28 )(...)

Derivada dessa idéia, que insere o enunciado no campo da intertextualidade, pode-se

pensar no papel da memória na produção dos sentidos? (p.29)

Desse modo, o que chamo de “campo associativo” forma uma trama complexa:

a) Ele é constituído pela série de outras formulações, no interior das quais o

enunciado se inscreve;

b) Ele é constituído, também, pelo conjunto das formulações a que o enunciado

se refere (implicitamente ou não) seja para repeti-las, seja para modificá-las

ou adaptá-las; seja para se opor a elas, seja para falar de cada uma delas. Por

isso, todo enunciado liga-se a uma memória, e assim, não há enunciado que,

de uma forma ou de outra, não reatualize outros enunciados (1986, p. 113)

c) Ele é constituído, ainda, pelo conjunto das formulações cuja possibilidade

ulterior é propiciada pelo enunciado e que podem vir depois dele como

conseqüência, sua seqüência natural ou sua réplica;

Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Um enunciado coabita com outros enunciados
Marco André, 07/06/15,
Da frase do enunciado.
Marco André, 07/06/15,
O autor não é o sujeito do enunciado. Uma mesma pessoa pode ocupar vários lugares de enunciados.
Page 7: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

d) Ele é constituído, finalmente, pelo conjunto das formulações cujo status é

compartilhado pelo enunciado em questão, em relação às quais se apagará ou

tomará um lugar (será valorizado, conservado, sacralizado, e oferecido como

objeto possível a um discurso futuro). Por estar imerso nesse movimento que

institui sua enunciabilidade, pode-se dizer, de modo geral, que uma

seqüência de elementos lingüísticos só é enunciado se estiver imensa em um

campo enunciativo em que apareça como elemento singular (1986, p. 113).

(p. 29-30)

Com tudo isso, quero dizer que, desde sua raiz, o enunciado se delineia em um

campo enunciativo onde tem lugar e status, que lhe apresenta relações possíveis com o

passado e que lhe abre um futuro eventual. Imerso nessa rede verbal, ele só pode ser

apanhado em uma trama complexa de produção de sentidos e, por isso, podemos

concluir com uma característica geral e determinante sobre as relações entre o

enunciado, o funcionamento enunciativo e a memória de uma sociedade: não há

enunciado em geral, livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo

parte de uma série oude um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros ,

nesses se apoiando e deles se distinguindo: ele se integra sempre em um jogo

enunciativo ( 1986, p. 114) (p. 30)

5.

Segundo sua proposta arqueológica, a quarta condição para que uma seqüência

de elementos lingüísticos possa ser considerada e analisada como um enunciado è a sua

existência material. Sobre essa questão, o seu texto lança uma pergunta: poderíamos

falar de enunciado se uma voz não o tivesse enunciado, se uma superfície não

registrasse os seus signos, se ele não tivesse tomado corpo em um elemento sensível e

se não tivesse deixado marca – apenas alguns instantes – em uma memória ou em um

espaço? (1986, p. 115). (p. 30)

A materialidade é constitutiva do enunciado: ele precisa ter uma substância, um

suporte um lugar uma data. Além disso é necessário que essa materialidade possa ser

manipulada pelos enunciadores e, por isso, há umregime de materialidade repetível

(1986, p. 117) definida por certas instituições, como a literatura, a ciência, o jurídico

etc. (p.31)

6.

Marco André, 07/06/15,
Definindo materialidade do enunciado
Marco André, 07/06/15,
A existência material
Marco André, 07/06/15,
Não há enunciado livre ou independente
Marco André, 07/06/15,
Sobre o campo enunciativo.
Page 8: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Isso significa que os enunciados agenciam a memória, constróem a história,

projetando-se do passado ao futuro? (p.31)

7.

Quais são, pois, as tarefas da descrição dos enunciados?

A grande tarefa que se propõe na descrição dos enunciados é a de definir as

condições nas quais se realizou o enunciado, condições que lhe dão uma existência

específica. Esta existência faz o enunciado aparecer em relação com um domínio de

objetos; como jogo de posições possíveis para um sujeito; como elemento em um

campo de coexistência; como materialidade repetível. No entanto, acredito que ainda

não desenvolvi uma teoria do enunciado: essa é uma tarefa que deixo para o futuro, para

que eu ou outros a façam. Por ora, tomo apenas o cuidado de fazer algumas precisões

terminológicas, fixando um vocabulário, já que estou operando com conceitos sem

atribuir-lhes exatamente o significado que tem para os gramáticos, para os lógicos e

para os lingüistas. Por exemplo, posso te dar um pequeno glossário, só por precaução 17

( Neste momento, ele retira do bolso um papel. Nele, manuscrito com sua redonda caligrafia, a lista de termos. Agradeço e anexo a esta (entre) vista.)

performance lingüística: todo conjunto de signos efetivamente produzidos em

língua natural (ou artificial);

formulação: ato individual (ou, a rigor, coletivo) que faz surgir, em um

material qualquer e segundo uma forma determinada, esse grupo de signos; é um

acontecimento demarcável no espaço e tempo, relacionado a autor e pode constituir um

“ato de fala” (speech act);

frase ou proposição: unidades que a gramática e a lógica podem reconhecer em um

conjuunto de signos.

enunciado: chamaremos enunciado a modalidade de existência própria desse conjunto

de signos: modalidade que lhe permite se algo diferente de uma série de traços, algo

diferente de um objeto qualquer fabricado por um ser humano; modalidade que lhe

permite estar em relação com um domínio de objetos, prescrever uma posição definida

a qualquer sujeito possível, estar situado entre outras performances verbais, estar

dotado, enfim, de uma materialidade repetível (1986, p. 123)

Marco André, 07/06/15,
Page 9: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

formação discursiva: lei de série, princípio de dispersão e de repartição dos

enunciados;

discurso: conjunto de enunciados que se apóia em um mesmo sistema de formação

(discurso clínico, econômico, da história natural, etc.) (1986, p. 124). (p. 32 -33 )

8.

Apesar de afirmar que ainda não desenvolveu uma teoria – no sentido forte do termo –

acho que já estão delineadas as linhas mestras do método arqueológico. Você poderia

pontuar algumas características da natureza dessa descrição dos enunciados que está em

elaboração? (p. 33)

Nem oculto, nem visível, o nível enunciativo está no limite da linguagem (...) o súbito

aparecimento de uma frase, o lampejo do sentido, o brusco índice da designação, sugem

sempre no domínio do exercício de uma função enunciativa (1986, p. 130). (p.34)

9.

A segunda pergunta que se coloca, nesse capítulo III da Arqueologia, indaga

sobre as relações entre o enunciado e as formações discursivas. Mais claramente, você

pretende pensar como se relacionam o enunciado e as formações discursivas, no interior

do método arqueológico. (p. 35)

A definição de formações discursivas ocupa todo o capitulo II da Arqueologia

do Saber. (p. 35)

10.

E dessa definição, podemos deduzir o que você entende como “discurso” e

“pratica discursiva”?

Em minhas obras anteriores, usei o conceito de discurso de forma muito

flutuante, polissêmica, entendendo-o ora como domínio geral de todos os enunciados;

ora como grupo individualizável de enunciados; ora como prática regulamentada de um

certo número de enunciados. A partir de minhas reflexões sobre as formações

discursivas, posso agora chamar de “discurso” a um conjunto de enunciados, para os

quais podemos definir um conjunto de condições de existência; é, de parte a parte,

histórico – fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que

Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Linhas mestras do método arqueológico
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Page 10: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

coloca o problema de seus próprios limites de seus cortes, de suas transformações, dos

modos específicos, de sua temporalidade (1986, p. 135 -36). Do mesmo modo, posso

definir prática discursiva como um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre

determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma

determinada área social, econômica, geográfica ou lingüísticas, as condições de

exercício da função enunciativa (1986, p. 136). (p. 35 e 36)

Isso tem algumas conseqüências teóricas: a) o campo dos enunciados é

entendido como local de acontecimentos, de regularidades, de relacionamentos; b) o

domínio enunciativo não toma como referência nem um sujeito individual, nem uma

mentalidade coletiva, mas um campo anônimo cuja configuração defina o lugar possível

dos sujeitos falantes; c) as séries sucessivas não obedecem à temporalidade da

consciência: o tempo dos discursos não é a tradução, em uma cronologia visível, do

tempo obscuro do pensamento (1986, p.141). (p. 37-38) (...) “Não importa quem fala”,

mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar. É considerado, necessariamente, no

jogo de uma exterioridade. (1986, p. 141-42). (p. 38)

12.

Sobre a noção de acúmulo, ela parece estar entrelaçada a essas idéias de raridade

e exterioridade... Parece-me que, nela, encontramos o fio da temporalidade... (p. 38)

Minha análise não propõe despertar textos de seu sono atual para reencontrar as

marcas legíveis em sua superfície. Pelo contrário, ela propõe segui-los ao longo de seu

sono, ou antes, levantar os temas relacionados ao sono, ao esquecimento – na

espessura do tempo em que subsistem, se conservaram ou foram esquecidos. (p.38)

13.

E é a análise de tudo isso que vai fazer aparecer a positividade de um discurso.

Sim, é a isso que eu chamo – de bom grado – de positividade. 21 (E ele acrescenta num tom

de irônica confidência: E se substituir a busca das tonalidades pela análise da raridade, o tema do fundamento transcendental pela descrição das relações

de exterioridade, a busca da origem pela análise dos acúmulos, é ser positivista, pois bem, eu sou positivista feliz, concordo facilmente (1987, p. 144).)

A positividade de um discurso caracteriza-lhe a unidade através do tempo e

muito além das obras individuais, dos livros e dos textos. Se ela não revela quem estava

com a verdade, pode mostrar como os enunciados “falavam a mesma coisa”, colocando-

Marco André, 07/06/15,
O que Foucault busca no texto.
Marco André, 07/06/15,
O Foucault busca do texto.
Marco André, 07/06/15,
Sobre o esquecimento e remanência.
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Os lugares da fala
Marco André, 07/06/15,
Sem comentário
Marco André, 07/06/15,
Definindo discurso e prática discursiva
Page 11: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

se no “mesmo nível”, no “mesmo campo de batalha”. Ele define um espaço limitado de

comunicação (mais extenso, entretanto, do que o jogo de influências entre um autor e

outro). Toda a massa de textos que pertencem a uma mesma formação discursiva

(pouco importa se os autores se conhecem ou não, se percebem a trama que os enreda)

se comunica pela forma de positividade de seus discursos. ( p. 39-40)

14.

Acho que chegamos, enfim, ao conceito mais amplo de sua proposta de análise:

acho que estamos tocando no conceito de arquivo... A partir dele, pensando em atermos

hierarquizados, podemos unir todos os conceitos – enunciados; conjunto de enunciados

(discurso); formações discursivas; práticas discursivas, a priori histórico; positividade;

arquivo. Posso pensar assim? Acredito que sim, de uma certa maneira eu venho

operando por círculos concêntricos. Veja o que eu escrevi em algumas páginas: (p. 40)

(...)

São todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos de um lado,

coisas de outro) que proponho chamar de arquivo. [...] Trata-se do que

faz com que tantas coisas ditas por tantos homens, há tantos milênios [...]

tenham aparecido graças a todo um jogo de relações que caracterizam

particularmente o nível discursivo. [...] O arquivo, é, de início, a lei do

que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados

como acontecimentos singulares. [...] é o que define o sistema de seu

funcionamento. [...] entre a tradição e o esquecimento, ele faz aparecerem

as regras de uma prática que permite aos enunciados subsistirem e, ao

mesmo tempo, se modificarem regularmente. É o sistema geral da

formação e da transformação dos enunciados. [...] O arquivo não é

descritível em sua totalidade e incontornável em sua atualidade. (p. 41)

15.

Uma questão geral: a denominação de “arqueologia” para essa análise – e, logicamente,

já sabendo das restrições que você faz sobre alguns dos sentidos contidos na etimologia

da palavra, conforme aquela entrevista que acaba de ser publica no Magazine Littéraire

Marco André, 07/06/15,
Conceituando arquivo
Marco André, 07/06/15,
o conceito de arquivo engloba todos os outros conceitos)
Marco André, 07/06/15,
A positividade da festa vai além do jogo de influência entre um autor e outro.
Page 12: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

[ Trata-se do texto “ Michel Foucault explica seu último livro”. (Entrevista com J.J. Brochier). Magazine Littéraire.], 26, 1969, p. 23-25. Trad. Brás.

e: Motta, M. B. (Org.)., Michel Foucault. Arqueologia das ciências e História dos sistemas de pensamento -- deriva desse conceito

nuclear de “arquivo” (Col. Ditos & Escritos II.) Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2000, p. 145-152. (p. 41)

Por isso, o nome de arqueologia aos estudos que venho empreendendo .Como

você afirmou, restrinjo o sentido de “arqueologia”, pois ele não deve incitar à busca da

origem ou a uma escavação geológica. Ele designa o geral de uma descrição que

interroga a já-dito no nível de sua existência: da função enunciativa que nele se exerce,

da formação discursiva a que pertence, do sistema geral de arquivo de que faz parte. A

arqueologia descreve os discursos como práticas especificadas no elemento do arquivo

(1986, p. 151). (p. 42)

16.

Para finalizar: agora que já delineou o “método arqueológico” – e, de alguma

forma, já acertou as contas com seus críticos – está pensando em um novo trabalho,

certamente...

“Acertar contas” é uma expressão muito forte, principalmente porque tenho

inúmeros interlocutores e, certamente, não poderei nunca estar quite com todos.

Ademais, nunca pensei em escrever um livro que fosse o último, que interditasse as

vozes futuras. (p. 42) Pelo contrário, escrevo para que outros livros possam ser escritos

e não necessariamente por mim. Quanto ao que estou escrevendo agora... Estou

trabalhando o texto de minha aula inaugural no Collège de France: trata-se de uma fala

em que abordo os perigos que o discurso representa para a nossa sociedade – nunca se

falou tanto e nunca, na história do ocidente, se temeu tanto as palavras. Pretendo tratar

dos dispositivos de controle da palavra, algo que tenho denominado como “a ordem do

discurso”. (p. 42- 43) Um deles, e talvez o mais importante, estou denominando

“principio da inversão”, porque proponho que, em vez de enxergar a originalidade, a

origem, a continuidade, é preciso ver o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação

do discurso. A ele, acrescenta-e a necessidade de atender ao “princípio de

descontinuidade”: porque os discursos são rarefeitos e não significa que para além deles

reine um grande discurso ilimitado, descontinuo e silencioso que fosse por eles

reprimido e recalcado; sabendo disso, os discursos devem ser tratados como práticas

descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram e se excluem. (p. 43)

Marco André, 08/06/15,
Contra o discurso da origem
Marco André, 08/06/15,
A ordem e o controle do discurso
Marco André, 08/06/15,
sem comentário
Marco André, 08/06/15,
*****
Marco André, 08/06/15,
Sobre a etimologia e o conceito de Arquivo
Page 13: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

(...) Quero, além disso, tratar de uma figura que ficou pouco esboçada na Arqueologia

do Saber: o autor. Quero escrever um texto que procure problematizar a questão “o que

é um autor?”. (p. 43)

(NOTA 25) Esse texto, que marca um limiar da passagem de Foucaul para as

reflexões sobre o discurso e o poder, será publicado em FOUCAULT, M. (1969)

Qu’este-ce que’um auteur? In : Bulletin de La Societé Française de Philosophie, n° 3.

Trad. port. Lisboa: Veja, 1992. (p. 44)

FORMAÇÃO DISCURSIVA EM PÊCHEUX E FOUCAULT: UMA

ESTRANHA PATERNIDADE

Michel Foucault em Vigiar e Punir, ao se reportarão caráter heurístico do

discurso nietzscheano, afirma que o único sinal de reconhecimento que se pode ter com

um pensamento como o de Friedrich Nietzsche é precisamente utilizá-lo, fazê-lo ranger,

gritar. Penso que essa prática possa ser deslocada para trabalhos que se propõem

realizar um diálogo entre a Análise do Discurso de orientação francesa e o arcabouço

teórico de Michel Foucault, por exemplo. Para tanto, é necessário, contudo, que se faça

não só o pensamento foucaultiano ranger, gritar, isto é, render o máximo, mas a própria

teoria do discurso proposta por Michel Pêcheux e, também, alguns dos conceitos

desenvolvidos por Mikail Bakhtin. (p.45-46)

Ao ler algumas das narrativas da escrita da análise do discurso francesa é

possível constatar que um de seus conceitos mais caros, o da formação discursiva, foi

abandonado no início dos anos oitenta na França. As razões para a sua renúncia,

apontadas por tais narrativas, nem sempre muito claras, vão desde a alegação de que a

formação discursiva possui um caráter eminentemente taxionômico até a existência de

uma relação conflituosa ente o marxismo e Michel Foucault. Há em relação à narrativa

do conceito formação discursiva nos termos de Guilhaumou (2003), “um elipse não

explicitado”. Contudo, embora denegado pelo grupo de Michel Pêcheux na França e,

apesar do estatuto desse conceito se apresentar muitas vezes de maneira indefinida, ele

permanece ainda bastante operativo nas pesquisas sobre o discurso, principalmente no

Brasil. Essas narrativas publicadas em francês e em português asseveram que Michel

Pêcheux teria emprestado o sintagma – formação discursiva – da Arqueologia do Saber,

de Michel Foucault, para, à luz do materialismo histórico, reconfigurá-lo, relacionando-

o com o conceito althusseriano de ideologia. (p. 46)

Marco André, 08/06/15,
Foucault, Marxismo e ideologia
Marco André, 08/06/15,
Vigiar e Punir
Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Sem comentário.
Page 14: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Existem muitos pontos de contato entre aquilo que Michel Foucault elaborou no

que se refere ao discurso e aquilo que fez Michel Pêcheux, pelo menos no nível teórico

(por exemplo, encontra-se em Foucault uma noção de “formação discursiva” que tem

alguns pontos em comum com aquela de Pêcheux), e em particular no nível prático

(Foucault nunca tentou elaborar um dispositivo operacional de análise do discurso)...

Pêcheux partilhava com Foucault um interesse comum pela história das ciências e das

idéias que pode explicar por que ambos, mais do que qualquer outro autor, focalizaram

o discurso (HENRY, 1993, p. 38). (p. 47)

Parto então dessa citação para tentar precisar quais seriam efetivamente os

pontos de contato e de afastamento entre as noções foucaltianas e de Michel Pêcheux de

formação discursiva. Devo dizer que não sou o primeiro a empreender tal tarefa. (p. 47)

Passaremos agora a um exame da noção de formação discursiva em A

arqueologia do saber, de Michel Foucault.

Nos escritos foucaultianos, a noção de formação discursiva aparece pela

primeira vez em A arqueologia do saber, texto que, posteriormente nos Ditos e

escritos, o próprio Foucault diz que teria sido escrito como introdução As palavras e as

coisas e que depois fora transformado num livro que tenta teorizar sobre a história das

chamadas ciências do homem. (p. 49)

Com o método arqueológico Michel Foucault busca descrever não só as

condições de possibilidade dos enunciados que formam as ciências empíricas, mas as

condições mesmo de existência desses enunciados. Para tanto, segundo Foucault,

é preciso renunciar a todos os temas – tradição; influência;

desenvolvimento e evolução; mentalidade ou espírito; tipos e gêneros; livro e obra; idéia

da origem; já-dito e não-dito – que têm por função garantir a infinita continuidade do

discurso e sua secreta presença no jogo de uma ausência sempre reconduzida. É preciso

estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos,

nessa pontualidade e dispersão temporal, que lhe permite se repetido, sabido, esquecido,

transformado... Não remetê-lo à longínqua presença da origem, é preciso tratá-lo no

jogo da sua instância (FOUCAULT, 1986, p.28) (p.50)

UMA TEORIA DO DISCURSO NUM CERTO PREFÁCIO

Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Formação discursiva para Foucault.
Marco André, 08/06/15,
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Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Page 15: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

O que é afinal um prefácio? Conforme Ferreira (s/d), prefácio é “Texto ou

advertência, ordinariamente breve, que antecede uma obra escrita, e serve para

apresentá-la ao leitor”. Antecede na disposição em que é colocado no livro, no ato de

sua edição, o que não quer dizer que anteceda no ato da escrita. (p.63)

É paradoxal que o prefácio, que se lê primeiro quando se abre um livro, e que

fala por antecedência, tenha sido escrito, sempre, talvez, por último... Estranho destino

do livro: ele avança, afinal de contas, pelo começo, inverte o sentido do caminho; assim

o prefácio das edições sucessivas... Desenlace de uma história e liberação de um

fantasma, ambos da escrita, ele marca a entrado do livro em um universo diferente, o da

alienação, da publicação, da circulação: ele é despossessão, luto, separação. Enfim, o

prefácio é a prova da realidade do livro, uma prova ilusória – não escrevo senão um

simulacro de prefácio – mas o suficiente (COMPAGNON, 1996, p.87). (p. 63-64)

E é necessário que ele exista, porque é preciso dar um fim à escrita, acidental ou

conjuntural, mas sempre simulado. O prefácio, conclui o autor, “condena à morte todos

os sujeitos da escrita... [mas conjura-a], quando confunde a origem e o começo”

(COMPAGNON, 1996, p.89). (p.64)

Retomando a pergunta inicial, agora mais específica: como se afigura o prefácio

que o próprio Foucault escreve para o seu polêmico livro As palavras e as coisas? Um

prefácio nada fácil, tal como o livro para o qual serve de apresentação. (p. 64)

E é ninguém menos que o escritor argentino Jorge Luis Borges, com sua palavra

especular e especulativa, no sentido da investigação teórica, que Foucault usa como

isca; isca para cuidadosa empreitada que deverá o leitor ensaiar já na leitura do Prefácio

e posteriormente realizar na leitura do livro. (p.65)

Conforme Monegal (1980, p.42), Foucault cita Borges e lhe atribui a motivação

para a escrita do livro, associando o texto do escritor argentino ao que é um dos pontos

importantes de As palavras e as coisas: nossa prática do Mesmo e do Outro. (p.66)

Já não estou em jejum, diz Eustenes. Por todo o dia de hoje estarão a salvo da

minha saliva: Áspides, Anfisbenas, Anerudutos, Abedessimões, Alartas, Amóbatas,

Apinaos, abasrabãs, Aractes, Astérios, Açcarates, Arges, Aranhas, Ascalabos, Atélabos,

Ascalabotas, Aemoróides... (FOUCAULT, 1987, p. 6) (p.69)

Marco André, 08/06/15,
Marco André, 08/06/15,
Comentário
Marco André, 08/06/15,
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Marco André, 08/06/15,
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Marco André, 08/06/15,
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Marco André, 08/06/15,
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Marco André, 08/06/15,
Definindo prefácio
Page 16: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Eis a lição provinda de Borges: abrir as janelas do imaginário, cavar no seu

roteiro o inesperado, liberando-o dos hábitos de uma razão preguiçosa, satisfeita com

filiações e totalidades, enfim, desconectar os hábitos de nossa razão para fazer-nos

pensar (RIBEIRO, 1985, p.34). (p. 71)

CAPÍTULO 2 - FOUCAULT, O DISCURSO E A HISTÓRIA

A DESCONTINUIDADE DA HISTÓRIA: A EMERGÊNCIA DOS

SUJEITOS NO ARQUIVO

A mudança epistemológica que se dá no interior das ciências humanas,

sobretudo em relação a história cronológica e à lingüística estruturalista, sustenta um

novo modo de estudar o discurso e os sentidos. Assim, neste artigo torna-se importante

abordar a concepção de descontinuidade da História, questão tão bem discutida por

Foucault em A arqueologia do saber e que sustenta o conceito de arquivo tão caro à

Análise do Discurso. (p. 78)

A ANÁLISE DO DISCURSO E A HISTÓRIA

As relações edificadas entre lingüística e história e, posteriormente, entre

discurso e história emergente a partir do modelo estruturalista e da desestabilização

desse modelo. A Lingüística, durante algum tempo, desfrutou do status de ciência

piloto, de paradigma a História, vista sob alguns olhares como prima pobre, pelo fato de

voltar-se à diacronia, de considerar a função de uma ideologia. O historiador, naquele

momento, rende-se ao desejo da ciência formalizada e, segundo Robin, (...) (p. 78-79)

O que ele solicita ao lingüista é que o ensine a ler o que está no texto, e esta

questão é menos ingênua do que parece à primeira vista. Ele lhe pede que o ajude a

desbastar o texto e a ordená-lo (ROBIN, 1977, p.19). (p. 79)

Nessa perspectiva, toma-se o discurso como objeto de estudo e não

exclusivamente a língua. Aos historiadores interessa a articulação das práticas

discursivas sobre as práticas discursivas no interior de uma formação social. Inclui-se,

assim, a ideologia no conceito de discurso, atendendo aos questionamentos postos no

Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Lingüística e História
Marco André, 08/06/15,
Arqueologia do saber
Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Page 17: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

interior da lingüística, bem como se passa a levar consideração a História no interior do

estudo da língua. (p.80)

Os estudos pautados nesta articulação Discurso e História surgem como

nascimento da Análise do Discurso, baseada nos trabalhos de Pêcheux. Para esse autor

não se tratava de aliança de disciplinas, mas de pensar o discurso entre o real de língua e

o real de história. Quanto à categoria “discurso como objeto da história”, alguns estudos

desenvolvem-se, sobretudo, a partir da publicação do livro História e Lingüística, de

Régine Robin e da obra Langages e idéologies. (p. 80)

As pesquisas desenvolvidas nesse campo do discurso e da história trouxeram

contribuições extremamente relevantes para as duas áreas. Vários conceitos como

arquivo, trajeto temático e acontecimento discursivo sustentam nos anos seguintes o

desenrolar dos estudos que tomam o discurso como objeto da história. (p. 81)

É preciso considerar que para os estudos avançarem nessa área não se pode

prescindir das reflexões que Foucault (1986) apresenta em A arqueologia do saber,

especialmente em relação à descontinuidade de um arquivo. Se Foucault revoluciona a

história, com diz Paul Veyne (1998), tal movimento lança interferências nos estudos do

discurso, com os conceitos de discurso e de formação discursiva. (p. 81)

Estudiosos da teoria do discurso e, por extensão de uma teoria das ideologias

não raras vezes questionam o posicionamento ideológico da teoria foucaultiana.

Lecourt, (1970), Robin (1977) e Maldidier, Normand e Robin (1994), concordam com

Foucault (1986) sobre a não evidência do discursivo, sendo necessário se perguntar o

porquê da ocorrência de tal enunciado e não outro em seu lugar, e sobre a noção de

discurso como prática. Entretanto, criticam um certo número de reduções (alusão à

história, elisão do lingüístico e elisão do significante) e o caráter muito geral ou

ambíguo de certos conceitos, como o de sujeito definido como ‘descontinuidade’ e o de

texto como ‘espaço de dissensões múltiplas’, ambas noções direcionando para a

necessidade de uma arqueologia. Assim, Maldidier, Normand e Robin (1994) marcaram

pontos de recusa e de relevância em relação às reflexões de Foucault (1986): (p. 82)

Assim, as reflexões de Foucault, ao mesmo tempo em que interessavam aos

estudos do discurso, eram questionadas por estudiosos dessa área. Apresentar-se como

um filósofo de esquerda na França, nos anos 60 e 70, tinha praticamente como

pressuposto o apoio ao ideal marxista, porém para Foucault as lutas políticas não

Marco André, 08/06/15,
Críticas às teorias de Foucault
Marco André, 08/06/15,
Revoluções de Foucault
Marco André, 08/06/15,
O discurso como objeto da História
Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Interesse do historiador
Page 18: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

deviam ser travadas tendo apenas como opositor as grandes instituições capitalistas.

Para o filósofo, tais instituições sustentam-se pela existência de aparelhos e de práticas

que favorecem a governabilidade, seja por estratégias ou táticas presentes nas relações

de saber, de poder ou de produção de verdades. (p. 83)

Considerando a sociedade inscrita neste novo século, - quando a luta de classe

modifica sua forma, desloca-se das relações de enfrentamento entre classe proletária e

burguesa, para um chamamento de valorização e defesa das minorias, - torna-se um

caminho pautar-se, para além da Arqueologia do Saber, nos estudos foucaultianos que

buscam analisar e categorizar as formas de poder e os processos de subjetividade.

Pautados nessa reflexão, torna-se relevante, na seqüencia, retomar dois conceitos

centrais apresentados por Foucault na Arqueologia: a questão da descontinuidade e a

noção de arquivo. Assim, posteriormente, buscarei localizar com mais clareza em que

momentos de suas pesquisas desenvolvem-se os estudos dobre o poder e o sujeito. (p.

83-84)

A DESCONTINUIDADE DA HISTÓRIA

Os estudos do discurso articulam-se, assim, à escrita da história, já que em

ambos observam-se as práticas discursivas; - essas regularidades que ganham corpo seja

em um conjunto técnico, em uma instituição, em formas de difusão. Elas estão

submetidas a um jogo de prescrições que determinam exclusões e escolhas

(FOUCAULT, 1997). (p. 86)

Entretanto, para sustentar tal perspectiva de estudo, torna-se preciso recolher e

organizar o material a ser analisado sob um novo enfoque. Esse se refere à concepção

foucaultiana de arquivo, que em seu bojo traz contribuições centrais para os estudos da

Análise Discurso. (p. 86)

ARQUIVO

Esta longa citação de Foucault introduzirá nossas discussões sobre o conceito de

arquivo:

Não entendo por esse termo (arquivo) a soma de todos os textos que uma cultura

guardou em seu poder, como documentos de seu próprio passado, ou como testemunho

de sua identidade mantida; não entendo, tampouco, as instituições que em determinada

sociedade, permitem registrar e conservar os discursos de que se quer ter lembrança e

Marco André, 08/06/15,
novo enfoque de recolhimento do material
Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Adequado para discussão das minorias
Marco André, 08/06/15,
Foucault: um filósofo de esquerda para além do marxista.
Page 19: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

manter a livre disposição. Trata-se antes, ao contrário, do que faz com que tantas coisas

ditas por tantos homens, há tantos milênios, não tenham surgido apenas segundo as leis

do pensamento, ou apenas segundo o jogo das circunstâncias, que não sejam

simplesmente a sinalização, no nível das performances verbais, do que se pôde

desenrolar na ordem do espírito ou na ordem das coisas; mas que tenham aparecido

graças a todo jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo; que

em lugar de serem figuras adventícias e como que inseridas, um pouco ao acaso, em

processos mudos, nasçam segundo regularidades específicas: em suma, que se há coisas

ditas – e somente estas – não é preciso perguntar sua razão imediata Às coisas que aí se

encontram ditas ou aos homens que as disseram, mas ao sistema da discursividade, às

possibilidades e às impossibilidades enunciativas que ele conduz. O arquivo é, de início,

a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como

acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas

ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam,

tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples acaso de

acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com

as outras segundo relações múltiplas [...] (FOUCAULT, 1986, p. 148-9). (p. 87)

Considerando que a arqueologia é a seleção e descrição do arquivo, as relações

que se estabelecem entre a análise do discurso e o método arqueológico pautam-se na

tomada das práticas discursivas como objeto de estudo, sendo o enunciado considerado

para além da realização lingüística. O método arqueológico focaliza as práticas

discursivas que constituem o saber de uma época, a partir de enunciados efetivamente

ditos e o funcionamento dos discursos. Assim, o enunciado é apreendido como discurso

e acontecimento, produzindo sentido a partir das relações que estabelece com outros

enunciados e momentos enunciativos. Nessa perspectiva, o discurso não está nunca livre

de coerções, e Foucault em A ordem do discurso (1996) apontará o rumo do método

arqueológico: (p. 89-90)

Observa-se, portanto, que, no desenvolvimento de seus estudos, Foucault indica

um novo direcionamento para o método arqueológico. É preciso reconhecer o discurso

produzido no interior de coerções. Assim, pauta-se em uma concepção de discurso que

se articula com a noção de poder. No enfoque genealógico ressaltam-se as noções de

poder e de saber relacionadas às práticas discursivas. (p. 90)

A EMERGÊNCIA DOS SUJEITOS NO ARQUIVO

Marco André, 08/06/15,
no método genealógico vê-se poder e saber.
Marco André, 08/06/15,
sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Arquivo para Foucault.
Marco André, 08/06/15,
O que é arquivo em Foucault
Page 20: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

O arquivo passa a ser, então, um lugar onde se torna possível pensar as práticas

discursivas de uma sociedade. (p. 91)

Foucault, a partir de um enfoque genealógico, pauta-se em uma concepção de

discurso que se articula com a noção de poder. Compreende-se, assim, que á poder no

próprio discurso, cujo funcionamento se dá no interior das práticas discursivas. Em

seus estudos, o autor observa que esse poder não é exercido apenas por meio de

enunciados interditos ou enunciados de caráter repressivo e negativo. Tal reflexão leva

o filósofo a postular a noção de vontade de verdade.

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não

é – não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções – a

recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que

souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas

coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu

regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela

acolhe e faz funcionar côo verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem

distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e

outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade;

o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

(FOULCAULT, 1996) (p. 93)

O autor observa que a oposição verdadeiro/ falso no interior de um discurso é

regida pelo modo como a verdade circula, estando envolvidos nesse processo quem

pode dizer a verdade, a quem dizê-la e qual é o regime regulador da aparição de

enunciados de uma época FOUCAULT, 1996). Dessa perspectiva é preciso

compreender o sujeito em um sentido político, e não como um ausente ou finito, pois se

considera que os enunciados são marcados como espaço de efeito de poder. (p. 93)

O ACONTECIMENTO DISCURSIVO E A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE NA HISTÓRIA

Em meio á ebulição do paradigma estrutural que dominou nos anos sessenta as

ciências humanas na França, Michel Foucault surge e se firma como um pensador que

fez incursões em vários campos do conhecimento, pois abordou temas diversos, tais

como: as condições de formação dos discursos, as redes e dispositivos das relações de

poder e os procedimentos reguladores de expressão da sexualidade. A partir de seus

Marco André, 08/06/15,
Os enunciados são marcados pelo ****
Marco André, 08/06/15,
vontade de verdade e produção da verdade
Marco André, 08/06/15,
Sem comentário
Page 21: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

estudos, Foucault abriu um leque complexo de questões envolvendo a constituição dos

saberes, a loucura, o processo de subjetivação, a prisão e a clínica. Disso resulta a

dificuldade de caracterizar esse filósofo como um intelectual representante de uma

determinada “episteme”, como atestam seus críticos, dentre os quais Rojas (2000), que

chama a tenção para a multiplicidade de adjetivações que, segundo diferentes olhares,

representantes do estruturalismo francês, ou um pensador de direita e antimarxista, ou

ainda o filósofo da geração francesa de 68. (p. 97)

Para se posicionar criticamente diante de um projeto positivista de história

tradicional, Foucault define a diferença entre história tradicional e história nova. O

trabalho da história tradicional concentra-se em “reconstituir a forma de conjunto de

uma civilização, o princípio – material ou espiritual – de uma sociedade, a significação

comum a todos os fenômenos de um período, a lei que explica sua coesão”

(FOUCAULT. 1972, p. 17). O projeto dessa história é, pois, o de reconstituir o “rosto”

de um determinado período, supondo haver um sistema de relações homogêneas, uma

rede de causalidade entre todos os acontecimentos de uma área espaço-temporal. Para

tanto, o método adotado pelo historiador positivista consiste em traçar as linhas de

continuidade do desenvolvimento de um pensamento, numa lógica evolutiva. (p. 99)

A nova história-genealogia rejeita a noção de causalidade linear, assim como a

concepção de tempo contínuo e unilinear, em favor de uma história que se pauta pelas

múltiplas causalidades imbricadas e por uma teoria das diferentes temporalidades

sociais. (p.100)

Da oposição história tradicional / história nova, decorre a discussão sobre o par

documento/monumento. Segundo o que analisa Foucault, a história tradicional

empenhava-se no trabalho de memorização dos monumentos dos passados para

transformá-lo em documentos, procurando, com isso, encontrar relações de causalidade,

de determinação circular, de antagonismo ou de expressão entre fatos ou

acontecimentos datados. Porém, a essa prática histórica que considera o documento

como uma matéria inerte, por meio do qual o discurso se empenha em reconstituir

aquilo que os homens fizeram ou decidiram, ou em determinar o que é passado e o que

apenas deixa rastros, Foucault opõe outra, que faz do documento histórico um

monumento, por meio do qual o historiador pode constituir séries, definindo-lhes seus

elementos e limites, descobrindo o tipo de relação que lhe são específicas e a lei que as

rege. Além desse trabalho, a análise do documento possibilita descrever as relações

Marco André, 09/06/15,
contra a causalidade linear em favor de múltiplas causalidades imbricadas
Marco André, 09/06/15,
Sem comentário
Marco André, 08/06/15,
Rótulo à FoucaultAlguns dizem que Foucault é de direita.
Page 22: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

entre as diferentes séries, para constituir, assim, séries de séries ou “quadro”. (p. 101-

102)

Ao historicizar as práticas que instituíram a figura do louco como aquele que

deve ser odiado ou apartado do convívio em sociedade, Foucault põe a mostra o sistema

de exclusão e de divisão instituído nas sociedades cujo poder pode, através de um

decreto administrativo, dividir a sociedade não em bons e maus, mas em sensatos e

insensatos.

Como analisa Blanchot (s/d), a partir dessa primeira obra Foucault começa a

problematizar questões como razão e desrazão, tradicionalmente pertencentes aos

estudos filosóficos, à luz de uma determinada perspectiva da história, que privilegia

uma certa descontinuidade, ou seja, um pequeno acontecimento que pode fazer a

história oscilar. (p. 102)

Dosse vê na historicização desse objeto uma ruptura com a história do sujeito

ocidental, por abrir caminho para uma nova sensibilidade histórica que, ao contrário de

valorizar os heróis da história ou glorificar os seus condenados, faz ressurgir do

esquecimento aquele que foi encerrado nos asilos e nos hospícios pela razão ocidental.

Nessa mesma direção, Blanchot argumenta que o fato de Foucault privilegiar o

discurso não significa que ele rejeita a história. O que faz é procurar entrever nela

descontinuidades, deslocamentos, mudanças locais, atribuídas não à vontade de um

soberano, mas a práticas sociais de homens anônimos que escrevem a história Essa

opção de Foucault representa uma recusa à idéia de que, subjacente às transformações

históricas, haveria “uma grande narrativa silenciosa, um rumor contínuo, imenso e

ilimitado que seria necessário reprimir (ou recalcar), à maneira de um não-dito

misterioso ou de um não-pensado” (Blanchot, s/d, p.33). (p. 103)

A partir dos estudos de Foucault, funda-se uma prática histórica, mais tarde

rotulada de micro-história, que direciona sua atenção aos heróis anônimos, àqueles que

são excluídos da história tradicional.Uma modalidade de história que deixa de olhar

para as grandes batalhas, as importantes lutas de monarcas, para se voltar para os

pequenos acontecimentos (a micro-história), que fazem a história mudar seu curso (DE

CERTEAU, 1994).

Marco André, 09/06/15,
Espaços dos loucos e rejeitadosFoucault dá voz ao escondido
Marco André, 09/06/15,
Divisão entre razão e desrazão. Edison Carneiro seria o louco?
Marco André, 09/06/15,
Documento e monumentoHistória tradicional: documento inerte a partir de monumentos x documento histórico em monumentos
Page 23: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Embora fomente inúmeras críticas por parte daqueles que não conseguem se

desfazer do pensamento psicologizante, o método de Foucault é claro, pois, como

sintetiza Kremer-Marietti (1977) consiste interpretar os documentos existentes e

reformulá-los para, então, definir um domínio imenso, que comporta o conjunto de

todos os enunciados efetivamente falados ou escritos em sua dispersão de

acontecimentos e na instância própria a cada um. (p. 104)

Anulado na episteme clássica, o homem reaparece na episteme moderna, mas de

modo ambíguo, pois apenas se tem acesso a ele pela vida, pelo trabalho e pela

linguagem. Em outras palavras, só é possível conhecê-lo pelo que ele é, produz e diz.

Assim, a aparição do homem como rei da criação ocorre quando a história natural se

torna biologia, a análise das riquezas, economia e a reflexão sobre a linguagem se faz

filologia. (p. 105)

Como salienta Blachot (s/d), para tratar das práticas discursivas que remetem

somente para si próprias (suas regras de formação, o seu ponto de fixação e a sua

emergência), sem que, para tanto, seja necessário determinar um ponto de origem ou,

ainda, um autor, Foucault precisa descartar a crença na existência de um grande

inconsciente coletivo – uma espécie de providência pré-discursiva –, o que funcionaria

côo o alicerce de todo o discurso e de toda a história. (p. 106)

Assim, a idéia que se te sobre o homem é datável, uma vez que sua aparição se

dá num determinado momento, quando se torna objeto do saber. O homem passa a ser

também alvo de um poder, não de um poder centralizado num determinado aparelho

ideológico, como reivindicam os adeptos do marxismo-althusseriano, mas de práticas,

como a psiquiatria, a medicina, economia, ou a mídia, objeto deste estudo. Messe

sentido, o indivíduo é, segundo os estudos foucaultianos, tecido nos enunciados

científicos, que, de um lado, constituem campos específicos é, de outro, estabelecem-se

“como práticas descontínuas, que se cruzam, se avizinham, às vezes, mas também se

ignoram ou se excluem” (FOUCAULT, 1995, p.21).

A ARQUEOLOGIA DO ACONTECIMENTO DISCURSIVO

Considerar o discurso como acontecimento significa abordá-lo na sua irrupção e

no seu acaso, ou seja, despojá-lo de toda a e qualquer referência a uma origem

supostamente determinável ou a qualquer sistema de causalidade entre as palavras e as

coisas. Como lembra Dosse, a rejeição à noção de origem tem respaldo na filosofia

Marco André, 09/06/15,
o homem alvo do poder da centralização **** verificar***
Marco André, 09/06/15,
Descarta a existência do inconsciente coletivo.
Marco André, 09/06/15,
A morte do homem e o nascimento de outro tipo de homem.
Marco André, 09/06/15,
O homem só existe através de sua produção.
Marco André, 09/06/15,
O nascimento da micro-história, ******, o método de Foucault interpreta os documentos e reformula-os
Page 24: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

proposta por Nietzsche, segundo a qual interpretar não é o mesmo que buscar um

suposto significado original, uma vez que é o discurso que instaura a interpretação.

Eis, portanto, mais um elemento que se acresce à compreensão do que seja

acontecimento discursivo, pois entender o discurso como acontecimento é aceitar que é

ele que funda a interpretação, constrói uma verdade dá rosto às coisas. Por isso o

discurso é objeto de disputa, em vista do poder que, por seu intermédio, se exerce. (p.

108)

Para realizar uma descrição pura dos discursos Foucault vê a necessidade de

restituir ao discurso a sua neutralidade primeira, e o faz, como mencionado, pondo em

suspenso o que denomina “formas prévias de continuidade” – tradição, influência,

desenvolvimento ou espírito, tipos e gêneros, livro e obra, idéia de origem, já-dito/não-

dito – que impedem de considerar o discurso como acontecimento porque o vinculam a

um sentido dado antes ou que lhe estaria oculto, garantindo, com isso, a infinita

continuidade do que os homens disseram. (p. 108-109)

Ele é feito de cesuras que dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e

de funções; é um corte ou recorte que se realiza livremente na realidade, um acúmulo ou

uma seleção de elementos.

Apoiando-se em Foucault, Veyne define o acontecimento histórico como algo

que resulta de uma escrita historiográfica, como podemos constatar pelo seguinte

excerto: (p. 109)

A descrição arqueológica distingue-se também da análise da relação entre

enunciado e pensamento, que intenta encontrar nos discursos a atividade consciente do

sujeito falante, aquilo que supostamente ele desejou falar, ou o jogo inconsciente que

veio à luz a partir do que disse. (p. 110 – 111)

O SUJEITO DO ACONTECIMENTO DISCURSO

Para Foucault (1998), o poder está em todo lugar, disseminado no interior das

instituições criadas pelos homens. Por isso, ele não fala em ideologia determinando

aquilo que o sujeito pode e deve falar, mas em sistemas de interdição, em

procedimentos que criam um jogo de fronteiras, limites, supressões que tentam

controlar a produção dos discursos na sociedade. Por meio desses mecanismos

coercitivos, as instituições conjuram o acaso do discurso, impondo regras para quem

Marco André, 09/06/15,
Não quer encontrar aquilo que ele desejou falou
Marco André, 09/06/15,
Definindo acontecimento
Marco André, 09/06/15,
A neutralidade primeira do discurso.
Marco André, 09/06/15,
Interpretar não é buscar o significado original.O discurso é um acontecimento
Page 25: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

deseja entrar na sua ordem. A ordem do discurso pode ser lida, por esse viés, como uma

arqueologia dos procedimentos de controle, de seleção de organização e de

redistribuição dos discursos, bem como uma arqueologia dos procedimentos que

instituem e significam o sujeito que fala. (p. 112)

Quem tem o direito de entrar na ordem do acontecimento discursivo? Foucault

responde, afirmando que não é qualquer sujeito que pode sustentar um discurso. É

preciso antes, que lhe seja reconhecido o direito de falar, que fale de um determinado

lugar reconhecido pelas instituições, que possua um estatuto tal para proferir discurso.

(p. 112-113)

Como exposto, o autor recusa de sua genealogia o antropocentrismo, por

considerar que o discurso que determina o que o sujeito deve falar, é ele que estipula as

modalidades enunciativas. Logo o sujeito não preexiste ao discurso, ele é uma

construção no discurso, sendo este um feixe de relações que irá determinar o que dizer,

quando e de que modo. (p. 113)

DISCURSO JORNALISTICO E OS 500 ANOS DO BRASIL: A

DESCONTINUIDADE ENTRE O ENUNCIADO E O ARQUIVO

O arquivo é o objeto específico da arqueologia, que é definido por Foucault

como sendo

o que faz com que tantas coisas ditas, por tantos homens, há tantos milênios, não

tenham surgido apenas segundo as leis do pensamento, ou apenas segundo o jogo das

circunstantes, [...] mas que elas tenham aparecido graças a todo um jogo de relações que

caracterizam particularmente o nível discursivo [...] O arquivo é, de início, a lei do que

pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos

singulares (FOUCAULT, 1972, p. 160-61). (p. 116)

Como não existe enunciado que não suponha outros, a memória exerce um papel

fundamental na relação entre o enunciado e o arquivo, que pode ser pensada nos

seguintes termos: em relação ao arquivo, o enunciado é aquilo que surge com valor de

acontecimento em meio a um espaço colateral povoado por outros enunciados. A esse

espaço colateral Foucault dá o nome de “campo associado”, que é formado pela série

das formulações que o enunciado repete, modifica, adapta, se opõe ou propicia a

possibilidade ulterior (sua conseqüência, seqüência natural ou réplica). (p. 117)

Marco André, 09/06/15,
Um enunciado sempre supõe outros
Marco André, 09/06/15,
mais definição de arquivo
Marco André, 09/06/15,
O discurso determina o sujeito
Marco André, 09/06/15,
Nem todo sujeito pode sustentar um discurso.
Marco André, 09/06/15,
Procedimento de contrato, seleção , organização do discurso
Page 26: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Como esses discursos não partem de um único, mas de vários lugares

enunciativos (o jornalista, o historiador, o político etc), a rede de formulações gerada

pelo cruzamento dessas diferentes posições enunciativas põe em cena a angústia da

sociedade para saber quem somos, quem é esse sujeito produzido pelas diversas práticas

historicamente instituídas. (p. 117)

ACONTECIMENTO DISCURSIVO-JORNALISTICO E A PRODUÇÃO

DE IDENTIDADE(S)

A questão da produção de identidade(s) no discurso da mídia impressa requer,

antes, a consideração de dois aspectos, um, mais geral, relacionado à produção do

acontecimento na prática jornalista, e outro, mais específico, que diz respeito à escrita

jornalística dos 500 anos. (p. 118)

A aceleração do presente histórico concorreu para o estabelecimento de uma

democratização da história, que culmina num fenômeno novo, o retorno do

acontecimento cuja produção se deve aos meios de comunicação, que detêm o

monopólio da história. É por intermédio deles que o acontecimento se faz presente. (p.

118)

Uma vez produzido no interior de uma prática que se pauta pelo emprego de

estratégias de manipulação do real e pelo sensacionalismo, o acontecimento é, antes de

tudo, produto de uma montagem e de escolhas orientadas de imagens, que lhe garantem

o efeito de acontececência, isto é, a impressão do vivido mais perto. (p. 118)

Isso nos coloca diante da evidência de não se poder precisar a construção de uma

identidade única sobre o Brasil e sobre os brasileiros, uma vez que o discurso da mídia é

multifacetado, isto é, para construir seu objeto, recorta outros domínios do saber

pertencentes, por exemplo, à sociologia, à antropologia e à história. Desse modo, como

a identidade desse discurso é ser dispersão e descontinuidade, a identidade que constrói

também não foge a essa condição. (p. 120)

Como essa memória projeta-se na descontinuidade de uma história, torna-se

impossível falar em “origens”, uma vez que essa noção supõe o trabalho incessante de

encontrar num passado que se crê coeso a explicação para o que somos, nossa

identidade perdida, mas supostamente reconstituída no esforço de uma lembrança.

Marco André, 09/06/15,
a mídia e o discurso multifacetado
Marco André, 09/06/15,
As verdades dos meios de comunicação são montagens
Marco André, 09/06/15,
os meios de comunicações e o monopólio da história.
Marco André, 09/06/15,
Identidade na mídia escrita
Marco André, 09/06/15,
lugares enunciativos
Page 27: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Tendo isso por princípio, a identidade que é constituída na prática discursiva da mídia

impressa resulta dessa memória discursiva descontínua e dispersa nos textos. (p. 121)

É nesse sentido que os cadernos podem ser considerados como verdadeiros

acontecimentos discursivos, pelo motivo de construir uma nova identidade com base em

elementos do passado, não pelo o que neles está dito, mas pelo modo como esse já-dito

neles retorna, o que faz ecoar a máxima de Foucault de que “o novo não está no que é

dito, mas no acontecimento do seu retorno”. (1995, p. 13). (p. 123)

Contra a origem e o favor da descontinuidade, considerando as formulações de

Foucault, essa construção de identidade não é um retorno a uma suposta origem; ela não

se efetua na relação palavra/coisa. Essa construção remete e envia a outras palavras,

mais especificamente, a outros discursos sobre a figura do brasileiro. É nessa rede

interdiscursiva que se vêem constituídas identidades. (p. 128)

CHAPARRO, M. C. Sotaques d’aquém e d’além mar: percursos e gêneros do

jornalismo português e brasileiro. Santarém, PT: Jortejo Edições, 1998.

NORA, P. Les liex de mémoire. Paris: Gallimard, 1993.

_____. O retorno do fato. In: LE GOFF, J. e NORA, P. História: novos

problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 179-193.

ROUANET, S. P. (org.) O homem e o discurso (a arqueologia de Michel

Foucault). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971.

CAPÍTULO 3 – FOUCAULT, O DISCURSO E O PODER

ENTRE O VISTO E OS SENTIDOS: FRONTEIRAS, MUROS E

NORMAS

Ao tomar a Idade Média como ponto de partida, Pêcheux observa uma rigorosa

imobilidade nas relações sociais, sob a forma de nítidas fronteiras que separam nobres e

plebeus; do lado dos primeiros, os muros, os fossos, os castelos e o latim; dos últimos,

as cercas frágeis, simbólicas, ou até mesmo sua elisão, as casas simples e os falares

vulgares. De modo recíproco e coextensivo, as barreiras e as demarcações vão de

Marco André, 09/06/15,
Referencias marcadas, mas sem comentários ao lado.
Marco André, 09/06/15,
Sem a relação com a origem e palavra-coisa
Marco André, 09/06/15,
Acontecimento discursivos e conceito de novo para Foucault.
Marco André, 09/06/15,
A identidade construída na dispersão
Page 28: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

arquitetura para a língua e da língua para a arquitetura, conforme ratificam os seguintes

excertos:

As ideologias feudais supunham a existência material de uma

barreira lingüística que separava aqueles que, por seu estado, eram os únicos suscetíveis

d entender claramente o que tinham a se dizer, e a massa de todos os outros, tidos como

inaptos para se comunicar realmente entre si, e a quem os primeiros só se endereçavam

pela martelação retórica da religião e do poder (PÊCHEUX, 1990, p. 9-10). (p. 135-

136)

Assim, instaura-se uma cisão do mundo feudal em dois mundos, assegurada por

visíveis delimitações arquiteturais e por expressos limites lingüísticos. Além disso, os

dois mundos eram ainda divididos pela diferença dos corpos: a maior estatura do corpo

do nobre, frente ao corpo plebeu, era reforçada pelos trajes sustentava sem o

fundamento advindo da necessária presença (ausente) de um terceiro mundo invisível,

no qual não há separação, sendo “todos iguais perante Deus”: “ a ideologia religiosa,

que dominava a formação sócio-histórica, feudal e monárquica, consistia

essencialmente em administrar esta relação com o ‘alhures’ que a funda; ela

representava este ‘alhures’, tornando-o visível através das cerimônias e das festas –

inscrevendo aí os discurso – que colocavam em cena este corpo social unificado,

radioso,transfigurado, que manifesta o ‘inexistente constitutivo” da sociedade feudal”

(PÊCHEUX, 1990, p.10) (p. 136-137)

A paulatina derrocada da nobreza e a crescente ascensão da burguesia podem ser

observadas, de um modo complexificado, na passagem, assinalada por Foucault (1999 e

2000), do “poder soberano” para o “poder disciplinar”, que comportava dois pólos, dois

corpos: o individual, o corpo-máquina (dócil e produtivo), controlado por uma

anátomo-política; e o coletivo, o corpo-espécie (ser vivo e suporte de processos

biológicos), controlado por uma biopolítica da população. Enquanto o primeiro, o

soberano, baseava-se no “sangue”, no nascimento e era caracterizado pelo “direito de

vida e morte”, ou seja, o “direito de causar a morte ou de deixar viver”. O último, o

disciplinar, consiste num poder que gera e gere a vida dos corpos pessoal e social; sendo

que seu aparentemente paradoxal surgimento, em meio à ascensão das Luzes,

promoveu-se mediante a mobilização de instituições disciplinares, tais como: as escolas,

as famílias, as fábricas, os hospitais, as prisões, que se instalam, sobretudo, a partir dos

XVII e XVIII ( FOUCAULT, 1999, p. 131). Na sociedade disciplinar, “o indivíduo não

Marco André, 09/06/15,
No caso da regra ** dita que ele não ***
Marco André, 09/06/15,
Sobre a cisão do mundo, regra em dois mundos ou mais o mesmo em relação às regras *****
Page 29: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a

família, depois a escola (‘você não está mais na sua família’), depois a caserna (‘você

não está mais na escola’), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente

a prisão, que é meio de confinamento por excelência” (Deleuze, 2000, p.219).

ENTRE LÍNGUA, CORPO E MOVIMENTO: CONTROLES

MIDIÁTICOS E URBANOS

As formas do complexo de relações de força que hoje prevalecem tendem mais

à abertura do controle contínuo e permanente que ao fechamento descontínuo das

instituições disciplinares: O que está sendo implantado, às cegas, são novos tipos de

sanções, de educação, de tratamento. Os hospitais abertos, atendimentos a domicílio,

etc.(DELEUZE, 200, p. 216) No que diz respeito à educação, é possível facilmente

observar que sua promoção é cada vez menos um conjunto de ações realizadas em um

meio fechado, distinto do ambiente profissional; instaura-se a exigência da formação

continuada tanto para o operário-aluno quanto para o executivo-universitário, visto que

numa sociedade de controle nunca se termina nada. (p. 145)

Nesse sentido, a história caracterizaria a atualidade pela suposta inexistência de

distinções, separações e segregações instauradas pelo poder, pela liberdade própria a

uma época pós-vitoriana, desde o início do século XX, pós levantes feministas e de

outras minorias, pós Maio de 68, desde a segunda metade desse século, e, especialmente

no Brasil, pós abertura política, que se seguiu à derrocada da Ditadura Militar, a partir

do final dos anos 70: direito à livre expressão, direito ao próprio corpo. (p. 145-146)

A produção e a cristalização dessas representações do corpo e da língua têm se

tornado cada vez mais intensas e eficientes, graças à força da mídia, que pelo fato de

consistir atualmente numa das mais fundamentais instâncias de constituição de

representações imaginárias, objetiva, e naturaliza o mundo, constrói e propaga uma série

de “verdades”. Coextensivas do encolhimento/enfraquecimento da política e da

pedagogia strictu sensu, dão-se a politização e a pedagogização da mídia: uma vez que a

sociedade do controle se caracteriza se caracteriza pela abertura e continuidade das

instuições, observa-se o aumento da atuação midiática que, para além da transmissão de

informações e do entretenimento, pretende supostamente exercer papéis políticos e

pedagógicos. (p. 148)

Marco André, 09/06/15,
o poder da mídia na construção das verdades
Marco André, 09/06/15,
Maio de 68
Marco André, 09/06/15,
A educação aberta e continuada faz parte da sociedade de controle
Marco André, 09/06/15,
Do poder soberano do poder disciplinar o povo negro foi submetido ao poder soberano e ao poder disciplinar
Page 30: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Não sem razão, irrompem na mídia os múltiplos “conselhos”, as “valiosas”

indicações, as “inestimáveis” sugestões que concernem principalmente ao corpo, mas

também, à língua: as dicas de beleza e saúde da Adriane Galisteu e a dieta da Deborah

Secco; os alvitres gramatiqueiros do Pedro Bial aos participantes Big Brother Brasil e as

deliberações “lingüísticas” do Serginho Groisman, seja no Altas Horas, no Ação ou no

Alô Brasil! Aqui tem educação. (p. 149)

Todavia, enquanto lá, em função do fato de que a impossibilidade de um

compromisso com a monarquia empurrou a burguesia para uma aliança popular

(PÊCHEUX, 1990, p.11), bem como pela própria razão de essa mesma burguesia falar

francês, os falares vulgares, a língua francesa largamente utilizada, foram contemplados,

malgrado a instauração da langue de bois do Direito e da Política burguesas; no Brasil,

o estabelecimento da língua portuguesa como Língua Nacional oficial, com o decreto de

Pombal, no ano de 1759, em detrimento da Língua Geral, amplamente usada aqui

naqueles tempos, e de valias línguas indígenas, essas últimas com a desvantagem,

conforme a concepção das culturas letradas, produziu o surgimento de um modelo,

baseado na norma-padrão do português europeu, para toda produção lingüística

engendrada em terras brasileiras (p. 150).

E, ao pensar a relação da língua com o corpo e com o espaço urbano, poder-se-ia

aventar que, se o controle da primeira vem pela norma-padrão, o do segundo, vem pelo

padrão estético dominante, e o do terceiro , vem, dentre outros modos, pelas barragens e

fronteiras da cidade; três formas de controle eficientes, porém não absolutamente

hegemônicas: há, ainda, um “real da língua” (MILNER), um “real do corpo” e um “real

da cidade” (ORLANDI, 1999), visto que o “real” é o impossível (de se dar e de se

abranger nas totalidade: talvez, um pouco/um muito de Nietzsche e Saussure em Lacan),

ou, antes, a possibilidade e a propriedade intrínseca do “um” de torna-se outro,

diferente de si mesmo, de deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um

outro; enfim, toda manifestação lingüística, corporal ou citadina está/é crivada por uma

série de pontos de deriva possíveis (PÊCHEUX, 1997, p. 53), ainda que haja os

cerceamentos dado pelas regularidades da língua, pela naturalização do corpo e pela

elisão do espaço. (p. 151)

ENTRE O FIM E O COMEÇO, O DENTRO E O FORA: AÇÃO E

REAÇÕES, CONTROLES E RESISTÊNCIAS

Marco André, 09/06/15,
Formas de controle: língua, corpo, cidade. Edison carneiro reivindica isso para a povo negro
Marco André, 09/06/15,
sem comentário
Marco André, 09/06/15,
Sem comentário
Page 31: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

É com base em duas máximas freqüentemente reiteradas nas mais diversas

disciplinas situadas no interior do macro-campo das ciências humanas, quais sejam, Le

corps est premier et le plus naturel instrument de l’homme (de Marcel Mauss, em 1934)

e É na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito (de Émile Benveniste,

em 1958), que começo a traçar o fim (provisório) das reflexões por mim aqui

delineadas. (p. 151)

O sujeito (pós) moderno constitui-se, por um lado, no jogo midiático entre a

visibilidade radiante / impetuosa da beleza e a dissimulação constrangida /recalcada da

feiúra, entre a correção eloqüente/exuberante do “bem falar” e a imperfeição

emudecedora / intimidadente do “falar errado”; e, por outro, na cisão urbana do

“dentro” (da proteção, da segurança, da inclusão/deferência) e do “fora” (da ameaça, do

risco, da exceção/elisão). (p. 152-153)

DELEUZE, G. Foucault. Paris: Éditions de Minuit, 1986.

______. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.

ECO, U. A busca da língua perfeita. 2. Ed. Bauru: Edusc, 2002. (P. 155)

ARTICULAÇÕES ENTRE PODER E DISCURSO EM MICHEL

FOUCAULT

A temática do poder em Foucault está presente nos dois processos de construção

de sua obra: na arqueologia o poder aparece na discussão sobre a relação saber/poder e

sobre a verdade científica na qual Foucault se posiciona, afirmando que aquilo que é

tomado como verdadeiro numa época está ligado ao sistema de poder. Ou seja, a

validação do conhecimento científico é uma questão de poder. O poder é quem

determina os enunciados como verdadeiros ou falsos em uma época. Foucault busca na

fase arqueológica libertar o saber dessa problemática. Na fase genealógica a ênfase recai

sobre as práticas de poder e seus efeitos na construção da subjetividade. O poder passa a

ser analisado a partir das suas práticas, das tecnologias de produção de poder

desenvolvidas pelas sociedades. Não mais o poder circunscrito ao Estado ou aos seus

aparelhos, não mais analisá-lo na consideração das lutas de classes, mas explicar seu

funcionamento comparando-o a uma rede que se estende ao corpo social, produzindo

Marco André, 10/06/15,
Referências marcadas, mas sem comentários ao lado.
Marco André, 10/06/15,
Ditames do sujeito pós -moderno
Marco André, 10/06/15,
sem comentário
Page 32: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

seus efeitos. O poder não mais localizável, mas multidirecional, espalhado como micro-

poderes – grãos de poderes na mesa do social. (p. 160)

O PODER E DISCURSO NA FASE ARQUEOLÓGICA

O saber é tema de interesse na fase arqueológica. Foucault investiga como o

saber foi se constituindo e as condições de possibilidade do seu aparecimento. (p. 160-

161)

O enunciado é concebido como a unidade do discurso e, sendo assim, tanto um

como outro traduz em sua ocorrência a noção de poder:

Foucault toma o enunciado como acontecimento discursivo e, desse modo, o

arqueológico elege como seu material o discurso e os objetos que determinados

discursos, em cada época, podem dispor ou apresentar, isto é, como um objeto se torna

inteligível e como alguém pode apropriar-se de certos objetos para falar deles

(ARAÚJO, 2001, p. 55). (p. 161)

A idéia é a de que os objetos não pré-existem ao saber, eles existem como

acontecimento, como aquilo que uma época pôde dizer devido a certos arranjos entre o

discurso e as condições não-discursivas. Tais arranjos determinam as relações

circunscritas nos discursos e, por sua vez, as condições históricas para que apareça um

objeto de discurso: (p. 161)

Foucault tenta libertar o discurso das análises puramente lingüísticas ou do jogo

lógico do falso e do verdadeiro que trata o discurso como uma proposição. O que

interessa é tratá-lo como prática que determina a historicidade dos enunciados. Por isso,

ao descrever o enunciado como unidade desse discurso, argumenta que não se deve

confundi-lo como uma proposição ou como algo dotado de uma gramaticalidade. O

discurso é um acontecimento e para analisá-lo é necessário libertar-se das sínteses

apressadas, das continuidades homogêneas. (p. 162)

Afinal, somente tratando o enunciado como acontecimento se pode descrever

nele e fora dele, jogos de relações (FOUCAULT, 2000, p. 33) (p. 163)

O discurso, assim concebido, não é a manifestação majestosamente desenvolvida

de um sujeito que pensa, que conhece e sabe o que diz: é, ao contrário, um conjunto em

que podem ser determinadas a dispersão do sujeito sua descontinuidade em relação a si

mesmo. PE um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares

Marco André, 10/06/15,
sem comentário
Marco André, 10/06/15,
libertar o discurso do jogo do falso ou verdadeiro
Marco André, 10/06/15,
o objeto pré-existe ao saber
Marco André, 10/06/15,
O material do arqueólogo é o discurso e o objeto
Marco André, 10/06/15,
Sem comentário
Marco André, 10/06/15,
a validação do conhecimento está ligado ao poder Não mais o poder estatal.
Page 33: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

distintos (...), não é nem pelo recurso a um sujeito transcendental nem pelo recurso a

uma subjetividade psicológica que se define o regime de suas enunciações.

(FOUCAULT, 2000, p. 61-62) (p. 166)

A análise do enunciado, como realizada em A Arqueologia do Saber, mostra-nos

que um enunciado pertence a uma formação discursiva, assim como uma frase pertence

a um texto e uma proposição a um conjunto dedutivo. (p. 167)

Para Foucault, essa não pode ser confundida com uma operação expressiva pela

qual um indivíduo formula uma idéia, um desejo, uma imagem, nem com a atividade

racional que poder ser acionada em um sistema de inferência, nem com a “competência”

de um sujeito falante quando se constrói frases gramaticais. E nessa distinção, expõe o

conceito de prática discursiva:

Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no

tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma

determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as

condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2000, p.

136)

Se tais práticas limitam o surgimento dos enunciados, é preciso considerar, no

âmbito das formações discursivas, o efeito de raridade dos enunciados. Tal raridade

permite entrever que aquilo que é dito exclui outros dizeres, que o enunciado tem uma

existência que se mostra na dependência de uma formação discursiva. É nesse sentido

que para Foucault a análise das formações discursivas se volta para essa raridade, tenta

determinar-lhe o sistema singular e, não mesmo tempo, dá conta do fato de poder existir

interpretação. Nesse raciocínio, interpretar um enunciado seria uma maneira de reagir

pobreza enunciativa e de compensá-la pela multiplicação do sentido. Se assim é analisar

uma formação discursiva seria pesar o valor dos enunciados. (p. 168)

A SOCIEDADE E A ORDEM DO DISCURSO

A aula inaugural de Foucault no Collège de France marca um momento de

transição da fase arqueológica para a fase genealógica. Se na primeira não está

explícito o modo como as práticas discursivas estão ligadas a outras práticas

(não-discursivas), na segunda Foucault realiza essas ligações. A aula parte da

hipótese de que a sociedade dispõe de meios para controlar a produção dos

Marco André, 10/06/15,
A caridade determina que aquilo que é dito elimina outros dizeres.
Marco André, 10/06/15,
prática discursiva
Marco André, 10/06/15,
sem comentário
Marco André, 10/06/15,
Foucualt definindo discurso
Page 34: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

discursos, sendo a função dele conjurar seus poderes e perigos. A idéia é a de

que há restrições no ato de falar, que são tanto internas quanto externas. Há uma

política de silenciamento daquilo que oferece o perigo, que transgride a norma.

Nem tudo pode ser dito, e o que ameaça a ordem deve ser proibido. Atuam aqui

procedimentos de exclusão que incidem sobre o objeto como tabu, sobre o ritual

da circunstância, sobre o direito individual ou exclusivo do sujeito que fala em

regiões como a sexualidade e a política, por exemplo. (p. 170)

Essas constatações marcam o inicio de uma preocupação em mostrar

como o poder se exerce e como ele se apresenta na espessura do discurso. Com

esses procedimentos controlando os discursos, haveremos de conceber que não

se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer

circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa

(FOUCALT, 1999, p.9). Para Foucault, as regiões onde as proibições são mais

visíveis, onde o poder, portanto, mais atua, compreendem a sexualidade e a

política: (p. 170)

Sobre a vontade de verdade na ótica de Foucault, assim se posiciona

Pinho:

Esse termo, utilizado por Nietzsche para denunciar uma atitude de

depreciação ou enfraquecimento da vida – do que é terreno, mundano, transitório

– assume na aula inaugural dois significados precisos. 1º: o mundo “não é

cúmplice de nosso conhecimento”, ou seja, reconhecer a verdade, que até então

representava a riqueza do pensamento, a via de aceso ao universal, o inesgotável

reino da fecundidade, passa a ser concebida como uma “prodigiosa máquina”

destinada a excluir. (PINHO, 1998, p. 184-5)

A GENEALOGIA E O EXERCÍCIO DO PODER NO DISCURSO

Defendendo que o poder político não está ausente do saber, mas é

tramado por ele, a genealogia foucaultiana procurará investigar como acontece

em nossa sociedade uma história política do conhecimento. As obras posteriores

à Aula Inaugural seguirão uma busca de explicação para a mecânica do poder,

mostrando como ele se exerce, como produz seus efeitos, fabricando indivíduos

Marco André, 10/06/15,
a verdade
Marco André, 10/06/15,
sem comentário
Marco André, 10/06/15,
Mudança da tese arqueológica para a genealógicaO controle da produção do discurso
Page 35: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

dóceis, inscrevendo subjetividades. Vigiar e punir marca-se nessa trama das

ações do poder sobre o saber. Ao investigar a prisão, Foucault conclui que ela

não devia ser vista somente como lugar de castigo, mas, desde a sua fundação,

esteve ligada a um projeto social de transformação dos indivíduos. (p. 172)

Visto desse modo, o indivíduo é uma produção do poder, ou seja, o

poder, na concepção foucaultiana, é formador de uma verdade sobre o sujeito.

Assim, o indivíduo é uma fabricação do poder e o elemento que torna possível

um conhecimento sobre ele: (p.172)

A ação sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulação do

comportamento, a normalização do prazer, a interpretação do discurso,

com o objetivo de hierarquizar, tudo isso faz com que apareça pela

primeira vez na história esta figura singular, individualizada – o homem

– como de saber. Das técnicas disciplinares, que são técnicas de

individualização, nasce um tipo específico de saber: as ciências humanas

(MACHADO, 1979, p. XX) (p.173

Assim as ações do poder não são negativas, mas positivas, pois, como o próprio

Foucault afirma, faz parte das disciplinas não só produzirem discurso sobre si próprias,

mas também serem exercidas pela normalização discursiva. (p.173)

As ações do poder disciplinar também atuam sobre os corpos no ponto em que

esses expõem seus desejos – nas regiões da sexualidade. Esse é o tema de A vontade de

saber. Foucault considera que nos séculos XVIII e XIX houve uma grande proliferação

de discursos sobre o sexo em vários campos do saber, mas essa insistência em falar

sobre o sexo deve ser vista como estratégia do poder para controlar os indivíduos e

mapear seus comportamentos. (p. 174)

No desenvolvimento de suas reflexões sobre a relação saber / poder, Foucault

chega à análise de uma “racionalidade estatal” que pretende não mais controlar os

corpos, mas a vida, a espécie, a raça. Trata-se do bio-poder cuja atenção se volta para

fenômenos de cunho biológico – natalidade, saúde pública, habitação, etc., e que leva

onde a disciplina alcança seu ápice como dispositivo, instalando a sociedade de controle

cuja natureza é bio-política. (p.174)

Marco André, 11/06/15,
já existem o bio-poder e a bio-política contra os negros no Brasil)
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Sobre o nascimento das ciências humanas
Marco André, 11/06/15,
O individuo é fabricado pelo poder
Marco André, 10/06/15,
o poder político é tramado pelo saber
Page 36: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

DO FUNCIONAMENTO DA DISCIPLINA E DO CONTROLE – DO

PROJETO DO ESTADO À EXPOSIÇÃO MIDIÁTICA

Como ficou dito, o trabalho de Foucault foi o de analisar a produção do discurso

como efeito do poder. Em sua ótica, o poder produz saber, não havendo saber que não

se constitua nas tramas do poder. Mas, como afirma em uma de suas entrevistas, se ele

chegou ao poder foi para entender o sujeito. Dito de outro modo, sua preocupação foi

entender as estratégias de subjetivação do poder, já que esse é construtor de uma

verdade sobre o sujeito e também ordenador de um “perfil ideal” de sujeito que lhe seja

útil. A última fase dos escritos de Foucault é marcada pela compreensão da

subjetividade como produção de modos de existência e de estilos de vida. Tudo isso é

possível de ser analisado quando lançamos um olhar para os efeitos do poder sobre os

sujeitos, quando esse lança mão de seus dispositivos e de suas técnicas de subjetivação.

Analisaremos esses efeitos no processo de legislação do Estado brasileiro e sua

divulgação na mídia. Estado e mídia serão analisados em suas estratégias específicas de

fabricação de subjetividades. (p.175)

Mas, ao trazer para suas páginas a questão do desarmamento proposto pelo

Governo, expõe o fato em sua visibilidade. Gomes (203, p. 75), defende que trazer à

visibilidade é, simplesmente, mostrar o mundo do ponto em que ele deve ser visto e esse

ponto, por si mesmo, já é disciplinar: a educação da visão pela determinação do

visível. (p. 177)

O efeito é a produção de indivíduos, ou subjetividades que se inscrevam na

ordem do poder. Por tais processos, estabelece-se a verdade e a verdade é sempre uma

reta em direção ao poder. (p. 178)

PINHO, L. C. As tramas do discurso. In: BRANCO, G. C. e NEVES, L. F. B.

(orgs.). Michel Foucault: da arqueologia do saber à estética da existência. Rio de

Janeiro: Nau; Londrina: Cefill, 1998. (p. 179)

CAPÍTULO 4 – FOUCAULT, O DISCURSO E ASSUBJETIVIDADES

A DISCIPINARIDADE DOS CORPOS: O SENTIDO EM REVISTA

A estética da existência, como nos é dada a entender por Foucault (1984), guiará

a perspectiva de um estudo engendrado na estetização do sujeito, encarado como forma

a ser elaborada, trabalhada e constituída segundo critérios de estilo, por meio de

Marco André, 11/06/15,
Referencias sem marcação de comentário
Marco André, 11/06/15,
A vrdade é uma reta em direção do saber.
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
As estratégias de subjetivação do poder
Page 37: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

tecnologias de saber, de poder e de si. Como nos mostrou o filósofo, cada um de nós,

enquanto sujeito, é o resultado de uma fabricação que se dá no interior do espaço

delimitado pelos três eixos da ontologia do presente: os eixos do ser-saber, do ser-poder

e do ser-si. São os dispositivos e suas técnicas de fabricação – dentre as quais a

disciplinaridade é um forte exemplo – que instituem o que chamamos de sujeito. Nesse

sentido, cada um faz não o que quer, mas aquilo que pode, aquilo que lhe cabe na

posição de sujeito que ele ocupa numa determinada sociedade. Partindo das propostas

de Foucault, analiso os tipos de individualidade e coletividade permitidas numa

determinada época e lugar, que supõem relações com tipos particulares de governos e de

autocontrole, além de processos de conhecimento e de autoconhecimento. (p. 183)

É, então, possível destacar três balizas no processo de subjetivação: a) um ser-

saber, determinado pelas duas formas que assumem o visível e o enunciado num

momento marcado; c)o ser-poder, determinado nas relações de força, variáveis de

acordo com a época; c) o ser-si, determinado pelo processo de subjetivação. (p. 184)

Aplicando esses três conceitos à investigação do processo de leitura, a

entendemos como uma atividade controlada, uma mídia com instrumentos de controle

do discurso que produz o que Foucault denomina saber assujeitado, isto é:

uma gama de conteúdos históricos sepultados, uma série de saberes

desqualificados como saberes conceituais, mascarados em sistematizações

formais, permitindo a descoberta da clivagem dessas sistematizações funcionais

maquiada pela história, de onde surgem também reviravoltas do saber

(FOUCAULT, 2000a, p. 11). (p.184)

MÍDIA E IDENTIDADE

Na sociedade contemporânea, a mídia pode ser entendida como um

poderoso dispositivo de produção de identidades (GREGOLIN, 2004). (p 185)

A mídia parece ocupar lugares, muitas vezes, previamente definidos,

exercendo o saber de seu controle, deixando-nos de mãos atadas, olhando-nos na

solidão, ainda que ela possibilite vias incomensuráveis e descontínuas do trajeto

percorrido pelo sujeito-leitor durante seu caminhar pela revista. (p. 185)

HISTÓRIA E COTIDIANO

Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
saberes assujeitados
Marco André, 11/06/15,
Balizas do processo de subjetivação
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Page 38: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Ao referir-me à experiência, remeto a Foucault (1984), que a toma como

correlação, numa cultura, entre campos de saber, tipos de normatividade e

formas de subjetividade. Dessa maneira, inclui-se o homem contemporâneo

num campo histórico constituído por três eixos: o da formação dos saberes a que

se refere, o dos sistemas de poder que regulam sua prática e o das formas pelas

quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos. (p. 186)

NAS NOSSAS MÃOS, O ENUNCIADO

(p. 192)

A REVISTA E SEUS BIO-CORPOS

Foucalt (1998) chamará esse processo de biopoder, relações que

envolvem o direito de vida e de morte quando atrelados aos poderes jurídicos

das soberanias, os quais se promulgavam o direito de ‘causar a morte’ ou ‘deixar

viver’. (p. 197)

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

______. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. E RABINOW, P.

Michel Foucault: uma trajetória. Para além do estruturalismo e da

hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 231-249

______. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro:

Edições Graal, 1984.

______. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro:

Edições Graal, 1998.

______. Em Defesa da Sociedade: curso no Collège de France (1975-

1976). São Paulo: Martins Fontes, 2000ª.

______. A Ordem do discurso. São Paulo: Ediçoes Loyola, 2000b.

______. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2000c.

______. O nascimento da clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2001. , 1984.

Marco André, 11/06/15,
biopoder
Marco André, 11/06/15,
SEM COMENTÁRIO OU PARÁGRAFOS MARCADOS
Marco André, 11/06/15,
eixos do homem contemporâneo
Page 39: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

GREGOLIN, M. R. V. Discurso, história, e a produção de identidades

na mídia. 2004 (no prelo).

WEBLOGS: A EXPOSIÇÃO DE SUBJETIVIDADES

ADOLESCENTES

O termo weblog é derivado da união das palavras inglesas web (rede,

teia, tecido, palavra também utilizada para designar o ambiente da Internet) e log

(diário de bordo). Seu formado é semelhante a uma webpage, com a diferença da

agilidade e da facilidade de registrar e atualizar informações. Não é necessário

ter conhecimento de programação e HTML, uma vez que existem sites que

disponibilizam o serviço – muitos deles gratuitos – com instruções fáceis sobre a

criação e a alimentação dos programas. (p. 201)

Os discursos produzidos, marcados na subjetividade, trazem à tona

conteúdos que, nem sempre, são objeto do diálogo entre os jovens, portanto

iniciam ou sugerem descobertas de si ou da alteridade, constituindo aquilo que

Foucault entende como funções das “técnicas de si”.

as técnicas de si permitem aos indivíduos efetuarem,

sozinhos ou com a ajuda de outros, um certo número de operações, sobre

seus corpos e suas almas, seus pensamentos, suas condutas, seus modos

de ser, de transformarem-se a fim de atender a um certo estado de

felicidade, de pureza, de sabedoria, de perfeição ou de imortalidade

(FOUCAULT, p. 783, 813). (p. 203)

Hall (2002) discute a questão da identidade em duas dimensões: uma dirigida

pelo conceito de homogeneidade, em que a globalização incumbe-se de torná-la uma

mistura equilibrada, e outra norteada por grupos de resistência, nos quais certos

elementos tradicionais resistem. A discussão de Hall em parte dialoga com a visão

defendida pela psicanálise e adotada pela Análise do Discurso de linha francesa, a qual

concebe o sujeito como um ser heterogêneo, cindido, atravessado pelo inconsciente,

habitado por desejos recalcados que irrompem via simbólico, pela linguagem onírica ou

verbal. (p.207)

Quando ao que é ser pós-moderno, Harvey afirma:

Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Definindo técnicas de si
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Referências marcadas. ATENÇÃO – estão como estavam no livro, ou seja, fora do padrão da ABNT.
Page 40: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Eis, por exemplo, a descrição de Berman (1982): Há uma modalidade de

experiência vital – experiência do espaço e do tempo, do seu e dos

outros, das possibilidades e perigos da vida – que é partilhada por

homens e mulheres em todo o mundo atual. Denominarei esse corpo de

experiência “modernidade”. [...] Ser moderno é encontrar-se num

ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento,

transformação de si e do mundo – e, ao esmo tempo, que ameaça destruir

tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e

experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da

etnicidade, da classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia, nesse

sentido, pode-se dizer que a modernidade une toda a humanidade. Mas

trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos

arroja num redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta e

contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é ser parte de um

universo em que, como disse Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar”

(HARVEY, 1992, p. 21) (p. 207-208)

CAPITULO 5 – FOUCAULT, O DISCURSO LITERÁRIO E A LINGUAGEM

IMAGÉTICA

TEORIAS E ALEGORIAS DA INTERPRETAÇÃO NO THEATRUM DE

MICHEL FOUCAULT

Marisa Martim Gama Khalil – Professora da Fundação Universidade Federal de

Rondônia (UNIR), campus de Porto Velho.

Contra positivismo que pára diante dos fenômenos e diz: Há apenas fatos, eu

digo: Ao contrário, fatos é o que não há, há apenas interpretações...

Nietzsche (p. 217)

Marco André, 11/06/15,
Corrente da crítica literária
Marco André, 11/06/15,
O que é ser pós-moderno
Page 41: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Um texto literário configura-se como um espaço instigador de leituras e

de interpretações. Esse espaço, que se constrói como uma rede, apresenta-se

como congregador e, ao mesmo tempo, dissipador de variadas vozes. Por esse

motivo, as reflexões acerca do ato da interpretação são costumeiras nos estudos

literários. As diversificadas correntes da crítica literária – quer as estruturalistas

ou as pós-estruturalistas – descortinam em seus métodos perspectivas possíveis

para “orientar” as possibilidades de interpretação do texto literário. (p. 217)

Sendo pintura, literatura, escultura ou cinema, a arte não tem a função de

afirmar placidamente os sentidos e engessá-los para todo o sempre, pelo

contrário, ela pretende sempre amolecer os sentidos, dar novas e contínuas

formas a eles. D. Quixote quis copiar as palavras que leu para reinterpretar as

cosas do mundo, mas a cópia já não era cópia, já era interpretação. (p. 218)

Projetando um olhar mais apurado sobre a obra de Foucault, percebemos,

entretanto, que não há um Foucault que estuda a interpretação, pois em toda a

sua obra há o estudo sobre o sujeito, que, com o seu discurso, representa,

interpreta, reinventa-se. (p. 219)

Em As palavras e as coisas, Foucault, tendo em vista as práticas

relacionadas ao saber, delineia principalmente dois recortes na cultura européia

ocidental: a episteme clássica – séculos XVII e XVIII – e a episteme moderna –

séculos XIX e XX. A primeira episteme, a clássica, é a da representação, a da

ordem do universo. Ela se opõe a uma episteme anterior ao século XVII, que era

a episteme da semelhança, porque as palavras passam a se distanciar das coisas;

no signo, linguagem e pensamento se superpõem; as coisas não falam mais, elas

são faladas, são pensadas, organizadas, classificadas. A episteme moderna é a da

interpretação. As práticas de saber já não se satisfazem em analisar as

representações. A verdade deve ser entendida no interior da história, e a

historicidade das palavras e das coisas é determinada pela sua espessura no

tempo, pela sua destruição, pela sua morte. (p. 219)

Com Nietzsche, Freud e Marx, no século XIX, abre-se uma nova direção

hermenêutica, e a interpretação deixa de ser entendida apenas pelo viés da

semelhança, porque, para eles, tudo que nos rodeia é interpretação. Nietzsche

não crê na existência de fatos, mas de interpretações; não há um significado

Marco André, 11/06/15,
A episteme clássica e a moderna
Marco André, 11/06/15,
Foucault no estuda a interpretação
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Page 42: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

original, mas uma rede de significados prisioneiros um dos outros. Freud não se

ocupa da interpretação dos símbolos, mas da interpretação das interpretações. O

que Marx faz não é a interpretação das relações de produção, porém a

interpretação de relações que se constroem já como interpretações.

Esses três fundadores de discursividade provocaram o homem dos

séculos XX e XXI a considerar inválida toda idéia de origem e todo sentido de

acabamento, de completude. Incitado por tal proposta, Foucault desvela uma

teoria da interpretação que tem na sua base duas conseqüências:

A primeira é que a interpretação será sempre [...] a interpretação

de “quem?”; não se interpreta o que há no significado, mas, no fundo, quem

colocou a interpretação. O princípio da interpretação nada mais é do que o

intérprete. [...] A segunda conseqüência é que a interpretação tem sempre que

interpretar-se a si mesma, e não pode deixar de retornar a si mesma. [..] A vida

da interpretação[...] é acreditar que só há interpretações (FOUCAULT. 2000b,

p.61) (p. 220-221)

Não se pode, entretanto, considerar a interpretação como um ato que se propõe a

revelar um “núcleo interior e escondido” (Foucault, 1999ª, p. 53) do discurso a partir da

sua aparição e da sua regularidade, pode desvelar suas nervuras e suas novas e

inusitadas máscaras. (p. 221)

Muitos escritores acreditam que tecem sentidos ocultos, ou seja, que a sua

escrita abriga um “núcleo interior e escondido”; alguns leitores, fomentados por esse

clima místico, concebem a interpretação como uma busca do Graal. Todavia, a

linguagem da ficção, como adverte Foucault,

deve deixar de ser o poder que incansavelmente produz e faz brilhar as

imagens e converter-se, pelo contrário, em potência que as desamarra [...]

as anima com uma transparência interior que pouco a pouco as ilumina

até fazê-las explodir (FOUCAULT, 1990, p. 29) .

Nessa perspectiva, podemos entender que o texto também tem seus poderes.

Como disse Umberto Eco (1993), além das intenções do autor e das do leitor, há a

intenção do próprio texto. (p. 222)

Marco André, 11/06/15,
A intenção do próprio texto
Marco André, 11/06/15,
o ato de interpretar.
Marco André, 11/06/15,
A questão do não-original
Page 43: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

A movência de sentidos é peculiar a todo discurso, principalmente no que diz

respeito ao literário, que traz em sua rede fios metafóricos que incitam a reinvenção, a

recitação, a re-interpretação. Todo discurso está entre quem projeta a enunciação e

quem a recebe, e esses dois sujeitos encontram-se numa rede que se re-constrói

continuamente, movida pelos procedimentos de controle do discurso. Os poderes e os

sentidos que o enunciador propõe podem ser silenciados diante do gesto de leitura de

quem o interpreta. Enquanto acontecimento, o discurso possibilita a irrupção de novas

interpretações. (p. 223)

Poe gerou Baudelaire, que gerou Mallarmé... É pela transgressão, pelo interdito,

pela morte, pelo simulacro que a literatura se desenha no tempo, se constrói, como

explica Foucault em “Linguagem e Literatura”: a literatura é uma linguagem que

autoriza, ao infinito, ao exegeses, os comentários, as duplicações, porque ela é uma

linguagem ao infinito (2000c, p.155) (p. 225)

Por acreditar na existência dessa miríade de interpretações, Fernando Pessoa cria

variados poetas-intérpretes para poetizar o mundo, cada qual com um ponto de vista

diferente o olhar complexo do ortônimo Pessoa, o olhar simples do mestre Alberto

Caeiro, o olhar humanista do pagão Ricardo Rei, o olhar caleidoscópico do futurista

Álvaro de Campos. Assim como o autor pode criar uma rede de variadas interpretações,

os seus leitores podem multiplicar os fios dessa rede. Logo, a mudança de posições é

decisiva no ato da interpretação. Provavelmente, Pessoa recolheu a lição da mudança

naquele que ele gostaria de ter reinventado ou mesmo superado – Camões: (p. 226)

Quando trata do conceito de interdição, Foucault explica-nos que não se tem o

direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que

qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa (1999a, p.9). (p.228)

FOUCAULT NAS VISIBILIDADES ENUNCIATIVAS

Em A Arqueologia do saber (1997), Foucault fundamenta uma teoria para a

análise dos discursos, a teoria arqueológica, na qual ele propõe que o analista

identifique e descreva o percurso: enunciado – formações discursivas – arquivo. Para

ele, é nesse percurso que o enunciado toma o status de ser considerado como enunciado

Marco André, 11/06/15,
sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Sem comentário
Marco André, 11/06/15,
Foucault sobre a literatura
Marco André, 11/06/15,
multiplicidade de interpretação.
Page 44: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

discursivo e, desse modo, tornar-se relevante na análise. Foucault (1997, p. 150, grifo

do autor) expõe: “o arquivo define um nível particular: o de uma prática que faz surgir

uma multiplicidade de enunciados como tantos acontecimentos regulares, como tantas

coisas oferecidas ao tratamento e à manipulação. [O arquivo] é o sistema geral da

formação e da transformação dos enunciados.

Contudo, em determinados momentos da leitura da obra desse autor um

problema se apresentou, qual seja: -- Foucault propôs a aplicação dos seus princípios

somente para os enunciados verbais (falados e escritos)? (p. 231)

Qual foi então a preocupação desse filósofo, enquanto pesquisado de uma teoria

para a análise dos discursos?

Em uma entrevista concedida a R. Bellour, publicada em um texto intitulado

“Sobre as maneiras de escrever a história”, Foucault argumenta.

Certamente nos interessamos pela linguagem; no entanto, não por termos

conseguido finalmente tomar posse dela, mas antes porque, mais do que nunca,

ela nos escapa. [...] Pessoalmente, estou antes obcecado pela existência dos

discursos, [...] esses acontecimentos funcionaram em relação à sua situação

original; eles deixaram traços atrás deles, eles subsistem e exercem, nessa

própria subsistência no interior da história, um certo número de funções

manifestas ou secretas [...] [Deste modo] meu objeto não é a linguagem, mas o

arquivo, ou seja, a existência acumulada dos discursos (FOUCAULT, 2000,

p.72, grifo nosso). (p. 232)

Se a singularidade do enunciado é um dos seus temas centrais,

observemos outra passagem, na qual ele procurou justificar sua compreensão do

enunciado como um acontecimento. Foucault argumenta:

[...] um enunciado é sempre um acontecimento que nem a língua

nem o sentido podem esgotar inteiramente. Trata-se de um

acontecimento estranho, por certo: inicialmente porque está

ligado, de um lado, a um gosto de escrita ou à articulação de uma

palavra, mas por outro, abre para si mesmo uma existência

remanescente no capo de uma memória, ou na materialidade dos

Marco André, 11/06/15,
O objeto de Foucault não é a linguagem, e sim o arquivo, o mesmo. ******
Marco André, 11/06/15,
Proposta de Análise em “A Arqueologia do Saber”
Page 45: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

manuscritos, dos livros e de qualquer forma de registro, em

seguida, porque é único como todo acontecimento, mas está

aberto à repetição, à transformação, à reativação; finalmente,

porque está ligado não apenas a situações que o provocam, e a

conseqüência por ele ocasionadas, mas, ao mesmo tempo, e

segundo uma modalidade inteiramente diferente, a enunciados

que o precedem e o segue. (FOUCAULT, 1997, p. 32, grifo

nosso). (p. 234)

Primeiramente ele esboça que o enunciado é um acontecimento, pois está

ligado à escrita e à palavra oral, mas ele abre para si mesmo uma existência

remanescente no campo de uma memória, ou na materialidade dos manuscritos,

dos livros e de qualquer forma de registro. Compreendemos que um dos modos

de o enunciado manifestar-se como acontecimento, obviamente, é por meio da

escrita e da oralidade, mas ele não se fixa nessas modalidades, pois ele abre

para si mesmo uma existência remanescente em vários outros campos, outras

materialidades, ou seja, a quaisquer [outras] formas de registro. Desse modo,

avaliamos que o enunciado pode estar num livro, numa fotografia, num quadro,

num filme ou em outra forma de registro. (p. 234)

O enunciado é também um acontecimento pelo fato de ser único e , ao

mesmo tempo, estar aberto à repetição, à transformação, à motivação. (p.235)

O que Foucault observou, portanto, não é a análise das estruturas da

linguagem ou da língua nos textos, mas o funcionamento dos discursos, pois

embora os enunciados estejam contidos nos textos, eles se encontram no

movimento das transformações dos sistemas de formação dos discursos. (p. 236)

No entanto, para que o enunciado seja efetivamente observado como

enunciado, além do seu aparecimento em uma série que se repete, em sujeitos

distintos, em campos enunciativos diferenciados e em materialidades diversas, a

teoria arqueológica também solicita que se observe o modo como essas

instâncias se relacionam nas formações discursivas que geraram o enunciado.

Foucault sugere, então, outros princípios no movimento da análise que, no caso,

e por hipótese, precisariam ser aplicados nos textos a serem analisados, uma vez

que as regras para a identificação do enunciado devem se relacionar e se ajustar

Marco André, 12/06/15,
Foucault observou o funcionamento do discurso
Marco André, 12/06/15,
aracterísticas ( 2) do enunciado ***Foucault
Marco André, 12/06/15,
características ( 1) do enunciado *** Foucault
Marco André, 12/06/15,
Foucault sobre o conceito de enunciado
Page 46: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

às regras das formações discursivas. Assim, o que ainda precisaria ser observado

são as possíveis relações entre os princípios para a identificação do enunciado

com os da formação discursiva. Ou seja, se todos os textos trabalham com o

mesmo objeto, qual a posição os sujeitos que estão pronunciado os discursos

(modalidades enunciativas), quais os conceitos aos quais os sujeitos recorreram

para os pronunciar, quais as estratégias (teóricas e temáticas) que se encontram

em torno dos pronunciamentos discursivos. (p. 239)

Pelo exposto acima, percebe-se que a teoria arqueológica oferece quatro

princípios para se identificar o enunciado: a série, o sujeito, o campo associado,

ao enunciado e a materialidade enunciativa. Deternos-emos com mais cuidado

nesse último princípio, interrogando o que Foucault compreendeu por

materialidade enunciativa. (p. 240)

ASPECTOS DO LEGADO DAS OBRAS DE FOUCAULT

Na sua tese de doutorado, História da Loucura (2002), publicada pela primeira

vez em 1961, Foucault já demonstrava uma caráter diferenciado na análise dos

discursos sobre a loucura, pois recorreu a várias materialidades para tratar dessa

temática, tais como: textos científicos, tratados, tabelas, dicionários, óperas, vários

textos literários. Dentre as materialidades enunciativas apresentadas por ele nesse livro,

destacamos o “prefácio” no qual ele o “abre” como um quadro de Frans Hals: As

regentes. (p. 243)

O Nascimento da Clínica (2001), publicado originalmente em 1963, é uma das

análises discursivas que conduziu Foucault a observar como a clínica médica se

instaurou. Nesse texto, o autor revela de que maneira o analista pode considerar o olhar

e a linguagem como aspectos intrinsecamente ligados e que devem ser investigados

enquanto tal. (p. 243)

Em As palavras e as coisas (1999), obra publicada originalmente em 1966,

Foucault dedica todo o Capítulo I, intitulado Las Meninas, analisando o quadro

homônimo de Velásquez. Em artigo escrito originalmente em 1967, As palavras e as

imagens, Foucault argumenta:

Estamos convencidos, sabermos que tudo fala em uma cultura: as

estruturas da linguagem dão forma à ordem das coisas. [...] às vezes, os

Marco André, 12/06/15,
O nascimento da clínica
Marco André, 12/06/15,
Tese de doutorado de Foucault
Marco André, 12/06/15,
Princípios para identificar o enunciado
Marco André, 12/06/15,
Para que seja enunciado
Page 47: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

elementos de discurso se mantêm como temas através dos textos, dos

manuscritos recopiados, das obras traduzidas, comentadas, imitadas; mas

eles ganham corpo em motivos plásticos que são submetidos às

transformações; [...] outras vezes, a forma plástica se mantém, mas

acolhe uma sucessão de diversos temas [...]. O discurso e a forma-se

movimentam um em direção ao outro [...]. O discurso não é, portanto, o

fundo interpretativo comum a todos os fenômenos de uma cultura. Fazer

aparecer uma forma não é uma maneira desviada [...] de dizer alguma

coisa. Naquilo que os homens fazem, tudo não é, afinal de contas, um

ruído indecifrável. O discurso e a figura têm, cada um, seu modo de ser:

mas eles mantêm entre si relações complexas e embaralhadas. É seu

funcionamento recíproco que se trata de descrever (FOUCALT, 200, p.

78-80, grifo nosso). (p. 245)

Em 1969, Foucault publica o livro que compõe a teoria arqueológica – A

arqueologia do saber (1997). Por ser o livro em que ele fundamentou o método

arqueológico, seu objetivo nesse texto não era trabalhar com nenhuma análise empírica,

mas justificar teoricamente as análises que haviam sido feitas por ele até então, bem

como sinalizar as que ainda faria posteriormente. Devido a isso, Gregolin (2003),

pondera que, por esse caráter metodológico, a Arqueologia é um livro que não pode ser

lido independentemente dos anteriores. Remissões, recolocações, deslocamentos das

análises anteriores costuram as reflexões da Arqueologia. (p. 246)

Em 1973, Foucault divulga Isto não é um cachimbo (1988), texto no qual pode-

se observar, com toda a clareza, o pensamento do autor na análise enunciativa cujo

propósito é também estabelecer relações com a linguagem estética dos quadros de

Magritte, (des) vinculando-a da linguagem escrita. No texto em questão, Foucault

consegue evidenciar a harmonia recíproca entre o discurso pictórico e o escrito. (p. 246)

Vigiar e Punir (2002), publicado originalmente em 1975, seria um importante

empreendimento de Foucault, não somente para destacar as relações entre o poder e o

saber, mas também para demonstrar aos pesquisadores de que modo as linguagens

verbais e não-verbais podem ser analisadas conjuntamente. É nesse momento que

Foucault recorreu a diversas materialidades enunciativas, tais como quadros, plantas

arquitetônicas, projetos, gravuras e também, objetos culturais como as moedas.

Marco André, 12/06/15,
Vigiar e punir
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Marco André, 12/06/15,
sem comentário
Page 48: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Depois de Vigiar e Punir, o autor intensificou seus estudos direcionados para as

materialidades estéticas, incluindo nas suas pesquisas a análise de filmes. (p. 246)

Se Foucault parte do princípio de que as unidades do livro e da obra precisam ser

“colocadas em suspenso”, entendemos que ele apontou para a possibilidade do

enunciado não surgir apenas dentro de um livro e, tampouco, dentro da obra de um

determinado autor, mas também, em outros suportes que não somente esses. No

entanto, compreendemos, também, que, se o livro remete a uma forma que compõe a

escrita e a oralidade, Foucault igualmente “coloca em suspenso” essas materialidades

únicas de pronunciamentos discursivos. Se assim for, Foucault, “colocou em suspenso”

os suportes textuais que se apresentam apenas na forma da escrita e da oralidade.

Contudo, ele sugere que a análise se volte para os discursos, que, obviamente,

comportam também os enunciados advindos dessas modalidades de linguagem.

Sendo assim, no contexto em que essa citação se insere, pareceu-me que ele

inicia uma discussão sobre texto e discurso, e não propriamente sobre a escrita e a

oralidade, procurando justificar seu posicionamento ao discurso, e não propriamente ao

texto enquanto livro e obra, já que são essas últimas instâncias que ele está colocando

em suspenso. (p. 249)

Portanto, uma das compreensões que se pode fazer dessa passagem é que o

analista deve descrever acontecimentos discursivos, neutralizando na identificação

enunciativa as formas materiais. (p. 249)

Nesse sentido, a análise do discurso necessariamente não precisa se ater aos

enunciados falados e escritos, uma vez que a dispersão enunciativa, que é algo

intrínseco à teoria, induz ao encontro de outras instâncias materiais. (p. 250)

AS VISIBILIDADES ENUNCIATIVAS

Para Foucault:

Por um lado, é preciso, empiricamente, escolher um domínio em que as

relações corram o risco de ser numerosas, densas e relativamente fáceis

de descrever: e em que outra região os acontecimentos discursivos

parecem estar mais ligados uns aos outros, e segundo relações mais

decifráveis, senão nesta que se designa, em geral, pelo termo ciência?

(Foucault, 1997, p. 34, grifo nosso). (p. 251)

Marco André, 12/06/15,
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Marco André, 12/06/15,
Vigiar e punir
Page 49: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

É interessante observarmos isso, uma vez que parece haver uma certa

contradição em Foucault, pois de um lado, nas práticas empíricas das suas pesquisas, ele

recorreu a materialidades que não se dirigem somente à escrita e à oralidade, no

domínio teórico, ou seja, no momento de propor a teoria arqueológica dos saberes

discursivos (condensada na ‘Arqueologia’); de outro, restringiu os objetos a serem

analisados pela arqueologia, acolhendo em seu método somente enunciados efetivos que

seriam falados ou escritos.

Deleuze oferece uma importante luz a essa aparente contradição:

A Arqueologia não era apenas um livro de reflexão ou de método gera – ela era

uma orientação nova, como que uma nova dobragem que ia retroagir sobre os livros

anteriores. A arqueologia propunha a distinção de duas espécies de formações práticas,

umas ‘discursivas’ ou de enunciados, outras ‘não discursivas’ ou de meios. [...] Aquilo

que a ‘Arqueologia’ reconhecia – mas não designava ainda senão pela negativa – como

meios não discursivos, encontrará em ‘Vigiar e Punir’ a forma positiva que atravessa a

obra de Foucault: a forma do visível, naquilo em que ele se diferencia da forma do

enunciável. [...] Existe uma pressuposição recíproca entre as duas formas. E, no

entanto, não existe forma comum, nem existe conformidade, nem mesmo

correspondência. Será neste ponto que ‘Vigiar e Punir” irá colocar os dois problemas

que a ‘Arqueologia’ não havia podido colocar porque se ficara pelo era e pelo

primado do enunciado dentro do saber. (DELEUZE, 1998, p. 54;56-57, grifo nosso).

(p. 252-253)

Nesse sentido, Foucault (1997, p. 218-221) faz alguns questionamentos

importantes, e suas respostas também não são menos significativas:

(...)

E responder duas vezes não. o que a arqueologia tenta descrever não é a

ciência em sua estrutura específica, mas o domínio, bem diferente do

saber.

Julgamos que a resposta de Foucault é esclarecedora, no sentido de se

compreender que ele está propondo a análise arqueológica direcionada não somente

para a ciência e aos enunciados escritos e falados, mas também, aos discursos advindos

dos saberes e que aglutinam enunciados com materialidades distintas.

Marco André, 12/06/15,
Aparente contradição de Foucault
Page 50: M. Foucault e Os Domínios Da Linguagem Discurso, Poder, Subjetividade

Deleuze (1998) e Roberto Machado (1982), dentre outros fazem uma análise dos

textos de Foucault, reconhecendo que, desde o início dos seus escritos, ele trabalhou

com suas possibilidades de formas enunciativas: “o visível e enunciável”. (p. 255)

FOUCAULT, M. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento.

Coleção: Ditos & Escritos v. II. Organização e seleção de textos de Manoel Barros da

Motta. Tradução de Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

Marco André, 12/06/15,
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Marco André, 12/06/15,
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