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M OBILIáRIO BAIANO M ARIA H ELENA O CHI F LEXOR

M OBILIáRIO BAIANO

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M o b i l i á r i o b a i a n o

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M a r i a H e l e n a o c H i F l e x o r

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A Coleção Obras de Referência do Programa Monumenta/Iphan

reedita mais um título para a bibliografia básica do Patrimônio: a pesquisa da

professora Maria Helena Flexor a respeito dos móveis e do mobiliário usado

em Salvador do início do século XVIII até meados do século XIX.

A obra, agora revista e atualizada, apresenta o inventário dos móveis

encontrados na primeira capital brasileira durante o período e localiza

os exemplares subsistentes. Além disso, trata dos estilos, da mão

de obra e dos materiais empregados em sua confecção, oferecendo fartas

referências bibliográficas e iconografia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

M a r i a H e l e n a o c H i F l e x o r

M o n u M e n t a / i p H a n

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c r é d i t o s

Presidente da rePública do brasil

Luiz Inácio Lula da Silva

Ministro de estado da cultura

João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)

Presidente do instituto do PatriMônio Histórico e artístico nacional

coordenador nacional do PrograMa MonuMenta

Luiz Fernando de Almeida

coordenador nacional adjunto do PrograMa MonuMenta

Robson Antônio de Almeida

coordenação editorial

Sylvia Maria Nelo Braga

edição Caroline Soudant

coPidesque

Ana Lúcia Lucena revisão e PreParação

Denise Costa Felipe, Gilka Lemos design gráfico

Cristiane Dias diagraMação

Ronald Neri fotos e ilustrações

Arquivo da autora, Caio Reisewitz, Nelson Kon, Sylvia Braga, Editora de Arte Espade

caPa e guarda

Caixão ou arcaz. Século XVIII. Sacristia da Catedral de Salvador. Foto de Caio Reisewitz, 2008.

F619m Flexor, Maria Helena Ochi.Mobiliário baiano. Brasília, DF: Iphan / Programa Monumenta, 2009. 176 p.: il.; 26cm. (Referência ; 3)

ISBN 978-85-7334-119-5

1. Mobiliário – Bahia. 2. Patrimônio histórico - conservação. 3. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 4. Programa Monumenta. I. Título. II. Coleção.

CDD 64z0

www.iphan.gov.br | www.monumenta.gov.br | www.cultura.gov.br

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a p r e s e n t a ç ã o 0 7

i n t r o d u ç ã o 0 9

1 | p a n o r a M a H i s t ó r i c o 1 2

2 | e s t u d o s c l á s s i c o s 2 2

3 | M e t o d o l o g i a d o p r e s e n t e e s t u d o 3 0

4 | M ã o d e o b r a : o s o F í c i o s M e c â n i c o s 3 6

5 | M a t e r i a i s u t i l i z a d o s 6 4

6 | M ó v e i s e M o b i l i á r i o 7 8

7 | c o n c l u s õ e s 1 3 8

8 | g l o s s á r i o 1 4 4

9 | r e F e r ê n c i a s b i b l i o g r á F i c a s e b i b l i o g r a F i a 1 5 8

s u M á r i o

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~6~

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~7~

a p r e s e n t a ç ã o

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional vem publicando, desde a

sua fundação em 1937, títulos fundamentais para a promoção do patrimônio histórico e

suporte do ensino de arte e arquitetura no país.

Um grande acervo foi editado, mas muitas obras relevantes estão esgotadas

e, como jamais integraram os catálogos das editoras comerciais, encontram-se hoje

inacessíveis para um público carente da bibliografia básica sobre nosso patrimônio.

É pensando, portanto, nos estudantes, pesquisadores, professores de arte, história

e arquitetura que o Programa Monumenta/Iphan chamou para si a tarefa de reeditar

importantes textos de referência, tais como Arquitetura e Arte no Brasil Colonial, de John

Bury, e o Atlas dos Monumentos Históricos e Artísticos do Brasil, de Augusto da Silva Telles.

Neste momento, um novo título é lançado, em edição revista e atualizada: o

Mobiliário baiano, de Maria Helena Flexor, um minucioso estudo dos móveis e do mobiliário

em uso em Salvador, do início do século XVIII até meados do século XIX. Mais que um

simples inventário dos móveis encontrados na primeira capital brasileira durante o período,

a autora apresenta os estilos, a mão de obra e materiais empregados em sua confecção,

além de localizar os exemplares subsistentes e levantar um extenso material bibliográfico,

textual e iconográfico, do qual o leitor certamente poderá tirar proveito.

Luiz Fernando de Almeida

Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Coordenador Nacional do Programa Monumenta

Dezembro 2009

Papeleira rococó, século XVIII-XIX. Museu de Arte da Bahia.

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~9~

i n t r o d u ç ã o

O conteúdo deste livro foi desenvolvido com base em estudo feito nos anos 1970,

enriquecido ou reafirmado, posteriormente, ao longo de mais de trinta anos, com vários

outros trabalhos, muitos dos quais apresentados em colóquios e congressos ou elaborados

para publicação em livros e periódicos, nacionais e internacionais.

O estudo centra-se, sobretudo, em Salvador, sede do governo colonial de 1549 a

1763. Como também foi capital, sucedendo Salvador, o Rio de Janeiro (1763-1960) serve de

base para algumas comparações. São acrescentados exemplos do estado de Minas Gerais,

considerado por alguns autores, a partir dos anos 1930-1940, produtor da mais importante

expressão da arte nacional. Citam-se, eventualmente, outras regiões.

Focalizou-se nesse estudo os móveis e mobiliário em uso na cidade no período

compreendido entre 1700 e meados do século XIX. Escolheu-se como baliza inicial o princípio

do século XVIII, por corresponder a um momento em que a sociedade soteropolitana já

estava administrativa, social e economicamente estruturada, dotando-se de registros

documentais mais regulares. A baliza final, meados do século XIX, corresponde ao momento

em que as residências passaram a ser compostas não mais por peças individualizadas de

móveis, mas por conjuntos de móveis, ou mobília, com uniformidade formal, estilística e

decorativa, de origem ou de influência estrangeira1.

A pesquisa dá também a conhecer o tipo de mão de obra que atuou, durante o

período considerado, na Cidade do Salvador. Estende-se, portanto, à organização dos oficiais

mecânicos, como eram chamados os artesãos ou artífices de diversas especialidades, como

marceneiros, carpinteiros, torneadores, correeiros e ferreiros.

Para este estudo foram coletados dados na documentação, manuscrita e impressa,

do Arquivo Histórico Ultramarino e Biblioteca da Ajuda, de Lisboa, do Arquivo Público do

Estado da Bahia, do Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal do Salvador, hoje sob a

guarda da Fundação Gregório de Mattos, e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

Essa documentação inclui inventários e testamentos, cartas do governo, registros de

correspondências entre Brasil e Portugal, livros de cartas de exame, termos de eleições de

oficiais mecânicos, livros de posturas, provisões do senado, livro de registro de licenças,

cartas do senado e atas da câmara. Jornais também integram a bibliografia.

Como complementação, buscou-se obter informações sobre os materiais usados

na construção dos móveis e realizou-se um extensivo levantamento bibliográfico, textual e

iconográfico, em catálogos ou fotografias de coleções de museus e particulares. De alguns

móveis, no entanto, não foi possível localizar nenhum exemplar em Salvador, recorrendo-

se a modelos semelhantes de outras regiões do país, de Portugal, França ou Inglaterra,

cujas descrições coincidiam com aquelas dos documentos consultados.

Conjunto de mobília neoclássica, século XX. Museu Carlos Costa Pinto.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

~10~

Usam-se citações de documentos de época para introduzir no estudo o olhar dos

personagens daqueles tempos e permitir que se verifiquem as diferenças que marcavam os

habitantes de Salvador dos séculos XVIII e XIX. Essas citações terão a ortografia atualizada

para facilitar a leitura e compreensão. Também para facilitar a compreensão, é apresentado

um glossário, no final do livro.

n o t a s

1 – O levantamento envolveu a consulta, no Arquivo Público do Estado, dos inventários e de

alguns testamentos referentes à capital. Dos “inventários dos bens” ou “autos de partilha”,

extraíram-se dados descritivos, por vezes bastante minuciosos, de 14.800 móveis, num total

de 1.843 inventários. Esse levantamento foi complementado por bibliografia e inventários

impressos, usados a título de comparação, já que se partia de metodologia completamente

diversa de estudos anteriores.

Antifonário híbrido (clássico renascentista/

barroco), século XVIII.

Detalhe do caixão ou arcaz clássico e bofete barroco, século XVIII. Sacristia da Igreja do Convento do Carmo, Salvador.

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I n t r o d u ç ã o

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panoraMa Histór ico

1

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~15~

p a n o r a M a H i s t ó r i c o

a c i d a d e e a s o c i e d a d e

Em princípios do século XVIII, a Cidade do Salvador já era bastante povoada,

segundo Thales de Azevedo1. Não há coincidência entre os números da população total

citados pelos autores, mas estes estão concordes em afirmar que a maioria dos habitantes

era constituída por pretos e pardos. No mapa das freguesias, de 1775, consta que as “[...] 10

freguesias da cidade contêm 7.080 fogos, com 40.992 almas, a maior parte pretos e pardos

cativos, porém os fogos a maior parte são brancos”2.

Essa característica não mudaria até o final do século, segundo as informações de

José da Silva Lisboa e Luís dos Santos Vilhena. Em carta de 18 de outubro de 1781, dirigida

ao doutor Domingos Vandelli, diretor do Jardim Botânico de Lisboa, Silva Lisboa dizia que

“a cidade da Bahia tem quase 50.000 (habitantes), de que só a quarta parte será composta

de brancos”3. O cronista Vilhena computava menos de 60.000 habitantes, e estimava: “[...]

a terça parte de todos estes habitantes incluindo o Recôncavo poderão ser de brancos, e

índios, sendo as duas outras partes de negros e mulatos”4.

Os pretos, se não moravam com seus senhores, distribuíam-se pelos becos e

ladeiras, em casas pobres, como as da ladeira da Misericórdia. Segundo informava um

documento, as vítimas do desabamento de terras nesse local, no inverno de 1797, foram

notificadas como “sendo quase todos pretos, e pretas, e nenhuma pessoa de consideração”5.

As casas nobres “de sobrado e com loja de alugar” distribuíam-se em pontos não

muito distantes do primeiro núcleo de povoamento de Salvador, entre a Igreja da Ajuda e

o Pelourinho.

Segundo Vilhena, os melhores edifícios estavam na Praia, ou Cidade Baixa, bairro

“opulento pela assistência, que nele fazem os comerciantes da praça”. Sobre a Cidade

Alta, comenta que “os seus grandes edifícios, templos, e casas nobres, são de ordinário

pelo gosto e risco antigos, em que se notam algumas irregularidades, à exceção de poucos

mais modernos”6.

Tudo isso foi confirmado por outro documento, no qual se afirma:

“ [...] é certo que os edifícios não são da melhor arquitetura, nem da mais sólida construção, apesar de se encontrarem alguns nobres como sejam templos e também várias casas particulares muito boas, e de gosto mais moderno; as ruas são limpas, mas não regulares, nem calçadas com perfeição.7”

O distanciamento socioeconômico que a escravidão criou, especialmente na Bahia,

entre brancos, pardos, mulatos e pretos cativos mereceu críticas por parte de Vilhena:

Fachada da igreja e detalhe do Convento do Carmo, século XVII-XVIII, Salvador.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

“os brancos naturais do país hão de ser soldados, negociantes, escrivães, ou escreventes, oficiais em algum dos tribunais, ou Juízo de Justiça, ou Fazenda, e alguma outra ocupação pública, que não possa ser da repartição dos negros, como cirurgiões, boticários, pilotos, mestres, ou capitães de embarcações, caixeiros de trapiches, etc., alguns outros se bem que poucos, ou raros, se empregam em escultores, ourives, pintores, etc.“8

Segundo o mesmo autor, “há outros que entusiasmados sem fundamento, de que

são alguma coisa neste mundo, vivendo em sua casa envolvidos na sórdida miséria, quando

saem fora se empavesam de tal forma, que até custa reverenciar a Deus”9. Essa observação

é confirmada por outro documento:

“A maior parte [dos escravos] é bem inútil ao público e só destinada para servir aos caprichos e voluptuosas satisfações de seus senhores. É prova de mendicidade extrema o não ter um escravo: ter-se-ão todos os incômodos domésticos, mas um escravo a toda a lei. É indispensável ter ao menos 2 negros para carregarem uma cadeira ricamente ornada, um criado para acompanhar esse trem. Quem saísse à rua sem esta corte de africanos, está seguro de passar por um homem abjeto e de economia sórdida.”10

Não deixou Silva Lisboa de criticar, também, as senhoras patrícias.

Os brancos mostravam o que não eram. A ostentação pública de riqueza, muito

embora nem sempre essa riqueza fosse real, era comum entre eles, não fugindo à exceção

os religiosos, como observaram os Arcebispos Frei D. Manuel de Santa Inês11 e Frei D.

Antônio Correia12, nem os militares.

Essa parece ter sido a feição de Salvador do século XVIII, principalmente na sua

segunda metade. Mesmo com a mudança da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, o luxo

aparente da sociedade não deixou de existir.

Dos senhores e proprietários das residências – umas ricas, outras médias,

poucas pobres e a grande maioria, de brancos – foram consultados inventários e alguns

testamentos. Levantaram-se dados dos pertences daqueles habitantes que residiam nas

ruas Direita da Praia, do Pilar, das Laranjeiras, do Maciel, Cruzeiro de São Francisco, Direita

das Portas do Carmo, Santo Antônio Além do Carmo, Taboão, Direita de Palácio, São Bento;

na Baixa dos Sapateiros; nas ladeiras da Praça e da Preguiça e, à medida que se caminhava

para o século XIX, e com a melhoria dos transportes urbanos, São Pedro Velho, Piedade,

Mercês, Vitória, Estrada da Graça, Saúde, Ribeira, Itapagipe. Deve-se, no entanto, ressaltar

que, até meados dos oitocentos, existiam engenhos na região do Pilar, chácaras em Brotas,

Rio Vermelho e Barra.

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~17~

Pa n o r a m a h i s t ó r i c o

Naquele século, com o processo que Gilberto Freyre13 chamou de “reeuropeização”

do Brasil, verificou-se a adoção, pela assimilação, pela imitação, pela coerção, na

colônia e depois no império, de “uma série de atitudes morais e de padrões de vida que,

espontaneamente, não teriam sido adotados pelos brasileiros.”

A feição de Salvador começou, então, a se modificar.

A esse tempo, os franceses também tiveram grande influência, impondo as suas

modas. Não eram raros os anúncios de jornais acusando a presença de modistas francesas,

hospedadas em alguma parte central da cidade, dispostas a receber as senhoras baianas,

para vender seus vestidos e acessórios, trazidos diretamente de Paris. E vieram acessórios

para casa que guardaram, por muito tempo, sua designação original entre os brasileiros,

como, após 1850: retrete, toilette, bidet, console, plateau, étagers, etc.

Foi nessa época que algumas modas francesas retornaram, formando agora

conjuntos de mobílias. É o caso do modelo denominado “estilo Luís XV” ou “à Luís XVI”

que se usou no Brasil até o princípio do século XX, sendo o único estilo assim chamado

documentadamente. Reavivou-se então o móvel barroco, confeccionado mecanicamente e

em série, de forma estilizada, compondo o estilo eclético.

Simultaneamente, registrou-se o aumento em número dos caixeiros viajantes, que

eram portadores de produtos importados, bem como dos bazares, nos quais se vendiam

“trastes”, tanto novos, quanto usados.

Cabe ainda enfatizar que, fora as madeiras e couros, todos os materiais e utensílios

vinham de Portugal. No final do século XVIII, não eram raros os produtos que chegavam

da Inglaterra, através dos portos de Lisboa ou

do Porto. Importavam-se desde pregos, colheres

de pedreiros, candeeiros, almofarizes, bacias

de estanho ou de arame, panelas de cobre,

tigelas de pó de pedra, mangas de vidro, baús,

carteiras de mão, bancas de abrir, cadeiras,

mesas de abas de jantar, até mesas de chá ou

de jogo. Quadros, livros, instrumentos musicais

e relógios eram raros. Os espelhos e vidros só

foram mais profusos no século XIX. E também

eram importados.

Os móveis, especificamente, tinham

ainda outras origens. Nas últimas décadas do

século, viam-se anúncios como estes:

Caixão ou arcaz híbrido (clássico/renascentista e barroco), século XVIII. Sacristia da Igreja do Convento de Santa Teresa, Museu de Arte Sacra, Salvador.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

“Indústria Americana

Figuras, bustos, cantos, flores e outros enfeites de talha, preparados com a maior

perfeição em madeira e pós de serraduras, próprios para ornar e dar o maior realce as obras

de marcenaria, especialmente camas, aparadores, guarda-vestidos, toilletes, etc. recebemos

grande porção d’estas formosas peças, por preços baratíssimos, que só os Estados Unidos

podem apresentar: há-os desde 100 rs até 5$000.

AU PALAIS-ROYAL”14

“Mobílias AmericanasImensa Aceitação

Além de mais fortes e elegantes do que as austríacas, custam menos da

metade, visto que as outras custam 150$000. Embarcam-se também para fora da

província sem mais despesa alguma que a de frete.

AU PALAIS-ROYAL

grande bazar dos melhores artigos americanos preferidos aos da Europa.”15

M ó v e i s e s o c i e d a d e

O luxo aparente dos brancos, quando se apresentavam em público, no século XVIII,

parece não ter afetado o interior das residências baianas:

“Com efeito ao luxo exterior dos vestidos, em nada cede aos nossos europeus; e a seda é vulgarissima até nos negros forros. Porém tudo é sem proporção: a indigência muitas vezes se esconde debaixo desta exterioridade de pura fanfarronada, entretanto, que o interior da família está em desesperação. Felizmente para nós este luxo não tem penetrado no interior das casas, que é excessivamente modesto e despojado, pelo ordinário, de ornato e rico aparelho de móveis da Europa. A mesa costuma ser abundante, se os víveres são baratos; mas a delicadeza suntuosa e regular se não acha ainda entre gentes, que tem comodidades. A coisa nasce da falta de fundo real de riqueza na maior parte das pessoas.”16

Os inventários deixam concluir que os bens materiais desses baianos dos séculos

XVIII e XIX, bem como dos portugueses que se estabeleceram em Salvador, consistiam

principalmente de propriedades imobiliárias, dinheiro, jóias – sobretudo de prata, ouro

branco ou, eventualmente, ouro – e escravos. Os móveis, em geral restritos ao necessário,

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~19~

Pa n o r a m a h i s t ó r i c o

representavam uma parcela mínima das posses e, na grande maioria dos casos, contrastavam

com a fortuna de seus proprietários.

O luxo aumentou um pouco no século XIX, com a introdução de móveis envidraçados,

de maior número de peças supérfluas, vidros e espelhos de ornamentação que, por sua

natureza, tinham a aparência de objetos luxuosos, ainda mais quando contornados de

dourado. Somente a partir de meados desse século a quantidade de móveis aumentou

consideravelmente, “entulhando” as residências mais abastadas.

As casas dos séculos XVII e XVIII contrastavam radicalmente com as moradias da

segunda metade do século XIX, quando a burguesia nascente encheu todos os espaços

residenciais com vários conjuntos de mesas e cadeiras, guarda-comidas, bancas, sofás,

guarda-roupas, leitos, além de numerosas estampas, importadas da Europa, e mangas de

vidro, protegendo ramos de flores metálicas, biscuits e imagens de santos, numa mesma

sala, por exemplo.

Em uma cidade habitada majoritariamente por pretos, crioulos, pardos e mulatos,

não eram muitas as residências que possuíam móveis. Pelos inventários, percebe-se que a

casa baiana, e mesmo brasileira, quer de brancos, quer de africanos ou seus descendentes,

com raríssimas exceções, foi extremamente pobre até meados do século XVIII, observando-

se a ausência de móveis, especialmente os supérfluos. Isso se justifica não apenas pelo fato

de a vida do baiano estar voltada para a rua, mas pelas próprias condições do povoamento.

Sabe-se que somente a partir de meados dos setecentos consolidou-se a sociedade em

alguns núcleos urbanos dispersos pelo Brasil, com a fixação de povoadores nas vilas e

cidades, incentivada pela política e ações pombalinas. A consolidação da sociedade

tornou possível o atendimento ao conforto interno das casas, observando-se então, não

só o aumento do número de móveis, como, sobretudo, a utilização crescente de peças

especializadas, como as cômodas, guarda-roupas, sofás e mesas de esbarra ou de jogo,

inexistentes nos seiscentos, ou a substituição de móveis menos refinados, vindos do século

anterior, como o caixão, por peças aperfeiçoadas.

Salvador, apesar de ter perdido a condição de capital do Vice-Reino em 1763,

continuou com a feição de maior centro urbano, no parecer do marquês de Lavradio,

D. Luís de Almeida Portugal Soares Alarcão Eça Melo Silva e Mascarenhas. Confirmava

isso o conjunto da cidade, que apresentava condições de infra-estrutura melhores que

as oferecidas à corte quando a sede do Reino foi transferida de Lisboa para o Rio de

Janeiro, em 1808. Muitas intervenções e construções na cidade foram necessárias, pois

ela não dispunha de casas nobres, capazes de abrigar a realeza e a corte administrativa,

diferentemente de Salvador, que tinha porte de capital.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Em Minas Gerais, alguns núcleos urbanos também se estruturaram somente a

partir da segunda metade dos setecentos, enquanto em São Paulo e em quase todo o Sul

permaneciam inexpressivos, como muitas partes do Norte e do Nordeste. Nessas regiões,

certos núcleos cumpriram trajetórias diversas na história artística brasileira: é o caso de

Recife, por ter permanecido nas mãos dos holandeses, São Luís do Maranhão, fundada pelos

franceses, ou Belém, que foi capital da região Norte na época pombalina. As companhias

de comércio, criadas na segunda metade do século XVIII, ao permitir o acesso direto às

modas européias, reforçaram essa diversidade.

Nesses diferentes brasis, as casas também eram bem díspares, com poucos

sobrados “com loja de alugar”, de pedra e cal, e muitas casas térreas de taipa, algumas

vezes tendo apenas a fachada construída com material mais durável. Em geral, situavam-

se em terras foreiras a comunidades religiosas. Umas e outras estavam “místicas”, ou

misturadas, nos centros urbanos. E é nessas casas térreas, quase sempre de chão de terra

batida e iluminadas por candeeiros de latão ou veladores de jacarandá torneados, que se

usavam algumas poucas peças de móveis no século XVIII. Seus moradores eram pequenos

comerciantes e burocratas, oficiais mecânicos, índios “civilizados”, escravos libertos,

artistas, pequenos lavradores, etc.

Os sobrados pertenciam aos nobres e oficiais do governo, alguns senhores de

engenho e/ou comerciantes, senhores de escravos de aluguel e militares de maior patente.

Estavam localizados junto aos edifícios religiosos e administrativos e, os maiores, na zona

comercial. Poucas casas de engenhos ou sobrados urbanos, de propriedade de pessoas mais

abastadas, contavam, no século XVIII, com um número mais considerável de móveis.

Como se viu, a grande maioria da população, se não era escrava, constituía-

se de pessoas sem condições econômicas para possuir móveis de elaboração e madeira

mais refinados. No entanto, alguns ex-escravos alcançavam o mesmo padrão de vida dos

brancos, habitando casas ao lado destes, como se via na rua do Rosário, em São Paulo, onde

não só dispunham de móveis, quanto de escravos e de todo o aparato denotativo de certa

condição econômica: objetos de prata, incluindo bengala com castão desse metal, chapéus

de Braga, louça da Índia ou da China, móveis de jacarandá, etc. Livres, muitos ex-escravos

baianos também desfrutavam de condições materiais similares e possuíam escravos.

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Pa n o r a m a h i s t ó r i c o

n o t a s

1 – azevedo, Thales. Povoamento da Cidade do Salvador. 3ed. Bahia: Itapuã, 1969, p. 183.

2 – aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 8750 (1775), p. 289.

3 – Idem. v. 34, doc. 10.907 (1781), p. 505.

4 – vilHena, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Bahia: Itapuã, 1969, v. 1, p. 55.

5 – aHu. Loc. cit., 1914, v. 32, doc. 17.433 (1797), p. 459.

6 – vilHena, L.S. Op. cit., p. 44-45.

7 – cartas do governo a sua Magestade (1797-1798). Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador/

Fundação Gregório de Mattos, carta 600, 21 out. 1799. fl. 207.

8 – vilHena, L.S. Op. cit., p. 138.

9 – Idem, p. 52.

10 – aHu. Loc. cit., 1914, v. 32, doc. 10.907 (1781), p. 505.

11 – Em sua Carta Pastoral, de 1764, frei D. Manuel de Santa Inês criticou severamente as

religiosas do Desterro quanto ao cerimonial que obedeciam, por admitirem, dentro do convento,

as escravas para os seus serviços (aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 6.556 (1764 anexo ao doc. 6554),

p. 68).

12 – Frei D. Antônio Correia, em sua Pastoral sem data, provavelmente de 1784, proibia aos

eclesiásticos o uso de vestes e adornos próprios dos civis (aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 11.485 (1784,

anexo ao doc. 11.481), p. 554).

13 – freyre, Gilberto. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1968. t. 1, p. 309-310.

14 – diário da baHia, Salvador, 1 mai., 1879, p. 8.

15 – idem. 9 mai., 1879. p. 3.

16 – aHu. Loc. cit., v. 32, doc. 10.907 (1781), p. 505.

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estudos cláss icos

2

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~25~

Após a proclamação da República, em 1889, intensificou-se o processo de

afirmação da nacionalidade brasileira, que se tentava estruturar desde a Independência,

em 1822 ou, na Bahia, em 1823. Entre 1889 e 1930, vários fatos importantes marcaram

a vida cultural brasileira em busca do espírito nacional. A criação dos símbolos nacionais

– hino, bandeira, armas, heróis –, a proximidade das comemorações do centenário da

Independência, a recepção da imigração em massa, a introdução dos ideais anarquistas,

de um lado, e socialistas, de outro, os primeiros movimentos artístico-literários modernos,

entre outros fatos, fizeram os brasileiros sentir a necessidade de conhecer o Brasil.

Naquele período, com a chegada em massa de colonos europeus de várias

nacionalidades, o português deixou de ser “o grande inimigo” e o foco de insatisfação dos

brasileiros deslocou-se para os novos povoadores estrangeiros. Nesse contexto, não foi

difícil aos intelectuais brasileiros assumir para si o patrimônio cultural legado pelos lusos

nos quase 389 anos em que o Brasil esteve sob sua influência, direta ou indireta.

Mário de Andrade1 iniciava, então, uma série de viagens pelo Brasil. Os intelectuais

e estudiosos, bem como algumas senhoras e curiosos da burguesia paulistana nascente,

começaram a redescobrir o Brasil. E passaram a fazer o que Eduardo Jardim de Moraes

chamou o “retrato do Brasil2“. Foi esse movimento que “descobriu” Minas Gerais e

Aleijadinho, apontando-os como símbolos da “arte nacional”, em contraposição às regiões

litorâneas e suas produções, que haviam recebido mais intensamente as influências da

antiga Metrópole.

Carlos Ott, nessa mesma época, deixava transparecer bem a visão dos estudiosos:

“Conhecidas como agora são as obras feitas no decorrer dos séculos, e conhecidos os seus autores, podemos apreciar o seu valor e investigar as influências que receberam. Por outro lado, interessa saber quais as criações tipicamente baianas ou regionais.”3

Entre os vários estudos, nesse contexto, encontravam-se os de autores que

escreveram sobre o mobiliário “brasileiro” usando a metodologia comparativa: resgatavam

a memória dessa produção no Brasil e a cotejavam com a de Portugal. Essa foi a metodologia

adotada, por exemplo, por Gustavo Barroso, José de Almeida Santos, Clado Ribeiro de

Lessa, José Wasth Rodrigues, Mário Barata, Hélcia Dias e José Mariano Filho.

A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, como

conseqüência de todo o processo de recuperação dos elementos distintivos da brasilidade e

sua cultura, em 1937, provocou essa primeira onda de estudos sobre o mobiliário, iniciada

nessa mesma década e estendida à seguinte. Isso, associado à disseminação do interesse

e s t u d o s c l á s s i c o s

Detalhe de anjo tocheiro barroco, século XVIII. Igreja de Santa Teresa ou Museu de Arte Sacra, Salvador.

Page 27: M OBILIáRIO BAIANO

~26~

M o b i l i á r i o b a i a n o

Cofre com três chaves, século XVIII-XIX. Convento de São Francisco, Salvador.

Page 28: M OBILIáRIO BAIANO

~27~

E s t u d o s c l á s s i c o s

pelos estudos regionalistas e da cultura popular, estimulou a pesquisa de objetos e peças

de arte e de mobiliário antigos.

Os museus, colecionadores e antiquários, a partir da década de 1940, provocaram

uma segunda onda de interesse pelos estudos do mobiliário que entrou pelos anos 1960.

Foi graças a esses estudos e viagens que se passou a conservar móveis antigos e objetos de

arte em geral, salvos da destruição e dos cupins, como diria um desses “viajantes” culturais,

o artista plástico Carybé, que, em companhia de Mário Cravo Júnior, percorreu o Nordeste

num veículo Skoda enfeitado com um Exu.

Dos estudos desses dois períodos nasceram conceitos, tipologias, designações

estilísticas, cronologias e nomenclatura do mobiliário que acabaram consagrados.

Procurava-se, então, por um lado, distinguir um “estilo brasileiro”, ou “colonial”, e descobrir

as qualidades artísticas do mobiliário, e, por outro, estabelecer as características formais

dos conjuntos estilísticos.

Esses autores, porém, mesmo buscando a singularidade brasileira, adotaram a

nomenclatura estilística do mobiliário de Portugal e respectiva cronologia, comparando as

semelhanças e diferenças formais. Os estilos eram assim designados com os nomes régios:

Manuelino ou Filipino, este último com variações jesuíticas, D. João V, D. José ou Pombalino,

D. Maria I ou Império. Certos autores, reconhecendo “criações genuinamente brasileiras”,

admitiram os estilos nacionais: D. Maria I brasileiro, Império brasileiro, Colonial brasileiro,

Regional mineiro e Beranger, que outro autor crismou de D. Pedro II.

Alguns estudiosos, ainda, tomaram a divisão por reinados lusos apenas para

permitir uma compreensão associativa – tempo-estilo-forma –, mais inteligível que a

puramente cronológica. Em conseqüência, ligaram-se de tal modo as formas dos móveis

às figuras dos soberanos, que as designações deixaram de ser simplesmente associativas

para se tornar sugestivas de uma interferência direta da pessoa real nos estilos e modas de

seu tempo. Na atualidade, essas designações podem, eventualmente, ter validade didática,

já que estão consagradas, mas não têm nenhum rigor histórico, pelo menos para o Brasil.

Tais estudos morfológicos basearam-se nos móveis “sobreviventes” nos museus

e coleções particulares, adotando uma nomenclatura singular, às vezes esdrúxula, para

designar peças inteiras ou detalhes decorativos dos móveis. Essa nomenclatura4 acabou

sendo também consagrada e adotada no vocabulário museológico, dos antiquários e

colecionadores, que inclui termos como bolachas, treme-treme ou tremidos, almofadas,

pés de bola, pés de garra e bola, pés de pincel, sapata, pés de espátula, pés de cachimbo,

pés de voluta, perna de lira, cachaço, tabela, balaústre, avental, arqueta, baú, cadeira de

estado, mesa holandesa, mesa de bolachas, mesa de dobrar ou de cancela, mesa de aba ou

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~28~

M o b i l i á r i o b a i a n o

borboleta, mesa de cavalete, mesa de encostar, mesa de dobrar, cadeira de estado, cadeira

abacial, leito de bilros, cadeira de sola, cômoda boulle5, entre outros.

Exemplos bem típicos de nova nomenclatura são as designações dadas às caixas

e caixões, hoje chamadas arcas, arcazes e/ou cômodas. As mudanças adotadas levaram

Carlos Ott6, colaborador do Iphan, a concluir que “quando nos inventários se fala em

ornamentos, estes não se especificaram, pois naqueles tempos, ainda não existia nem a

terminologia portuguesa e muito menos a internacional hoje em dia usada para designar

os diversos estilos artísticos”.

O estudo morfológico gerou também detalhamentos gráficos que reuniram

desenhos das diferentes peças de móveis, dando origem à falsa idéia de conjuntos de um

mesmo estilo, inexistentes no século XVIII. Da mesma maneira, levou à identificação do

jacarandá como única madeira utilizada na confecção da maior parte dos móveis, por ser

muito resistente e dura, qualidades que justificariam sua “sobrevivência”.

Os estudos clássicos contemplam ainda móveis ingleses e franceses. Assim, para

o mobiliário de influência estrangeira, adotou-se a designação originária, normalmente derivada do nome de seu criador, ou designer, como Hepplewhite, Chippendale7 e Sheraton,

ou das figuras régias, como Rainha Ana (1665-1714), Guilherme e Maria ingleses.

Transpor essa cronologia associada para a Bahia e para o Brasil é utilizar conceitos

fictícios, tendo em vista que alguns móveis com características do estilo renascentista, o

qual tem suas origens na Itália do século XIV, persistiram em uso no Brasil até o século

XVIII. Há, entre eles, móveis de oração, como os oratórios, e móveis de guardar, como

as caixas, caixões, armários e cômodas8. Algumas dessas peças, como as caixas, foram

utilizadas até o fim dos setecentos, convivendo perfeitamente com os móveis torneados

ou entalhados barrocos ou rococós, estilos que, na Europa, sucederam ao renascentista. As caixas, chamadas indevidamente arcas nos museus, passaram do século XVI

para o XVII e foram usadas na Bahia até os finais dos setecentos, com múltiplas funções.

Até as últimas décadas do século XVIII, os serralheiros ainda faziam fechaduras mouriscas

para caixas. As arcas, sem almofadas, com o tampo abaulado e gavetas na parte inferior,

só apareceram no século XVIII. Serviam para guardar roupa, comida, alfaias, louças e, por

vezes, ao lado de uns poucos tamboretes, eram os únicos móveis das casas.

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E s t u d o s c l á s s i c o s

n o t a s

1 – andrade, Mário de. Mário de Andrade: fotógrafo e turista aprendiz. São Paulo: Instituto de

Estudos Brasileiros, 1993.

2 – Moraes, Eduardo Jardim de. Mário de Andrade: retrato do Brasil. In berriel, Carlos Eduardo

(org.). Mário de Andrade/hoje. São Paulo: Ensaio, 1990, p. 67-102.

3 – ott, Carlos. História das artes plásticas na Bahia, 1550-1900. Salvador: Alfa, 1992. v. 2, p. 91.

4 – A maior parte dos termos foi criada pelos colaboradores regionais do Iphan.

5 – Vide por exemplo Krell, Olga. Aprenda a escolher antigüidades. Decoração Cláudia, Rio de

Janeiro, ano 8, no 87A. p. 6, 8, 10, 12, 15, 17, 19, 21, 24, 26, 28, 30, 35, dez. 1968.

6 – ott, C. Op. cit., v. 2, p. 68, 91. No presente trabalho, é usada a nomenclatura de época,

fazendo-se referência à nomenclatura do Iphan, para a qual Ott também deu sua contribuição.

7 – Hepplewhite e Chippendale já se enquadravam no processo da Revolução Industrial e

vendiam suas peças por meio de catálogo, dentro de um novo programa de comercialização de

produtos feitos em série. Mesmo os móveis com as designações dos nomes régios eram, em sua

grande maioria, produtos industrializados.

8 – Também continuam a aparecer nas portas e janelas, especialmente dos edifícios religiosos.

~29~

Bofetinho barroco, século XVIII. Sala do Capítulo do Convento de São Francisco, Salvador.

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Metodologia do presente estudo

3

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Com metodologia diversa, procurou-se reestudar os móveis baianos, considerando,

além da morfologia e da cronologia, a sua inserção na sociedade, a mão de obra e os

materiais empregados. Tal procedimento foi em parte adotado logo em seguida por Tilde

Canti1, englobando exemplares brasileiros.

Nas descrições presentes na relação de bens dos inventários, testamentos e

autos de partilha, existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia, estão bem claros

os detalhes, como a designação do móvel, origem, quando se tratava de importado,

tamanho aproximado, materiais utilizados, ornamentações, estado de conservação, preço

da avaliação. Essas descrições foram sistematizadas e distribuídas cronologicamente,

considerando-se que os inventários e testamentos são documentos pós-morte.

A cronologia aqui utilizada é, pois, baseada na vulgarização, ou moda, dos modelos

dos móveis. As datas são mais reais, pois correspondem ao momento em que houve o

grande e geral uso de determinado ou determinados modelos2. A data de introdução de

novos modelos é secundária, de um lado, por serem em número reduzidíssimo – às vezes,

uma única peça – e, de outro, porque sua vulgarização levava muito tempo. A defasagem

cronológica entre a introdução do modelo luso, e/ou inglês ou francês, e a sua vulgarização

podia atingir mais de cinqüenta anos, em algumas regiões. A defasagem existia mesmo nos

centros mais adiantados, como Salvador e Rio de Janeiro.

Antes de mais nada, é preciso considerar que não só a morfologia e a decoração

das peças podem indicar a época do uso de determinados modelos de móveis, mas

também a especialização dos oficiais mecânicos empregados na sua elaboração e o uso

de materiais específicos, que devem ser considerados na sua datação. Pode-se datar

os móveis, por exemplo, pelo uso constante de madeiras diversas, tipos de ferragens,

puxadores, madeiras folheadas, couro lavrado, sola picada, palhinha, damasco, veludo,

verniz, vidro, mármore, pintura branca ou colorida, douramentos etc. É preciso considerar

ainda que os móveis tinham uma rotatividade diminuta, não só porque era comum

comprá-los usados em bazares de trastes, mas também porque passavam sucessivamente,

por herança, aos descendentes.

Na realidade, seria impossível estabelecer uma cronologia correta tomando-se

os móveis comumente usados nas casas baianas e mesmo brasileiras, pois modelos muito

antigos encontravam-se ao lado de outros do estilo subseqüente, junto com móveis da

moda, ou à “moderna”, como se dizia. O mais comum, especialmente do século XVIII em

diante, era a utilização de peças isoladas de móveis de formas e estilos diferentes e de três

tipos – de luxo, ordinários e toscos –, dependendo das posses de seus donos e dos aposentos.

Não havia o requinte de uniformização decorativa e nem o conceito de mobília. Os móveis

M e t o d o l o g i a d o p r e s e n t e e s t u d o

Conversadeira. Século XIX. Museu Carlos Costa Pinto.

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~34~

M o b i l i á r i o b a i a n o

toscos eram elaborados em madeiras comuns, para o uso popular ou serviço doméstico.

Esse tipo não é focalizado, por ser muito simples, com linhas retas, sem características

estilísticas específicas.

Como indicação didática, adotou-se a designação dos estilos gerais da arte

européia ocidental, com os anos de respectivo uso na Bahia, desprezando-se os modelos

híbridos, isto é, aqueles que, no século XVIII, misturaram elementos renascentistas e

barrocos, por exemplo:

a. renascentistas, de linhas retas, com guarnições de almofadas e frontões

(1600-1740);

b. primeiro barroco, com torneados e retorcidos (1640-1740);

c. segundo barroco e rococó, com talhas e linhas curvas (1740-1820);

d. neoclássicos com linhas retas, colunas estriadas, etc. (1820-1890);

e. ecléticos e estrangeiros (1840-1910)3.

Por não haver o conceito de mobília, preferiu-se designar os móveis de acordo com

a sua utilidade:

a. móveis de guardar – caixas, arcas, cômodas, frasqueiras, cofres, armários,

guarda-roupas, guarda-louças;

b. móveis de trabalho – contadores, papeleiras;

c. móveis de descanso – leitos, camas, catres, preguiceiros, cadeiras, tamboretes,

sofás, canapés e outros;

d. móveis de refeição e decoração – mesas, bofetes, bancas, tremós;

e. móveis de higiene – toucadores, gamelas, tinas ou tigres;

f. móveis de oração – oratórios, altares de dizer missa;

g. móveis de transporte – (redes)4, serpentinas, cadeirinhas de arruar.

Essas designações se adequam perfeitamente tanto aos móveis de uso civil e leigo,

quanto, em parte, aos religiosos.

Como mencionado, a metodologia adotada considera, além da morfologia e da

cronologia dos móveis, a sua inserção na sociedade, a mão de obra e os materiais empregados.

Assim, antes de tratar dos móveis propriamente ditos, serão dadas notícias sobre a mão de

obra que os elaborou no período abordado – considerando-se seu regime de trabalho e sua

importância na vida da sociedade baiana – e sobre os materiais então utilizados.

Caixa ou arca com gavetas, clássico renascentista, século XVIII. Sacristia da Igreja de São Francisco, Salvador.

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M e t o d o l o g i a d o p r e s e n t e e s t u d o

n o t a s

1 – canti, Tilde. O móvel no Brasil; origens, evolução e características. Rio de Janeiro: Cândido

Guinle de Paula Machado, 1980. 337 p.

2 – Para a datação dos móveis, foi calculada a idade média de casamento dos inventariados,

considerando-se a idade da maioridade – 25 anos –, em que o matrimônio era permitido, e a

idade dos filhos, além da média da expectativa de vida da época.

3 – Quando o Imperador D. Pedro II visitou Salvador, em 1859, vários aposentos do Palácio do

Governo foram mobiliados com peças de estilo eclético, de influência francesa. A mobília da

“sala vermelha” era de “mogno, estofada de damasco vermelho, ao gosto da época de Luís XV”,

por exemplo (MeMórias da viageM de suas Magestades iMPeriais a Provincia da baHia. Rio de Janeiro:

Indústria Nacional de Cotrin & Campos, 1867. p. 13).

4 – A rede aparece entre parênteses porque, apesar de ter sido, por longo tempo um meio de

transporte eficaz, não pode ser considerada um móvel, como os demais, pois era feita de tecido.

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Mão de obra: os oF íc ios Mecânicos

4

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~39~

Salvador herdou de Portugal a composição administrativa e a estrutura

socioeconômica, incluindo a formação de mão de obra, constituída majoritariamente

de artífices. Na prática, os ofícios foram divididos entre os brancos e os negros, sendo

exercidos por uns ou por outros – não exclusivamente, mas em grande parte.

Do século XVI até a terceira década do século XIX, os artesãos ou artífices e alguns

pequenos comerciantes eram designados na Bahia e no Brasil como oficiais mecânicos.

Os pintores e escultores, que também usavam as mãos na elaboração de suas obras, não

eram classificados como artesãos, pois tinham, teoricamente, a possibilidade de “inventar”

e, por isso, ser profissionais liberais1, enquanto aos artífices cabia “copiar” e permanecer

administrativamente atrelados às Câmaras.

Vários oficiais mecânicos interferiam na confecção dos móveis, como os

marceneiros ou carpinteiros de obras brancas e pretas, torneiros, entalhadores, carpinteiros

de móveis e samblagem, correeiros lavradores de couro, picadores de sola ou couro,

ferreiros ou serralheiros2. A confecção de cadeiras, por exemplo, podia reunir marceneiros

e correeiros. O marceneiro podia acumular a função de torneiro, mas não a de entalhador.

O profissional dessa especialidade intervinha no móvel separadamente. Os entalhadores

não tinham obrigação de cumprir os preceitos da Câmara, por estarem classificados na

categoria dos escultores.

Segundo afirma a historiografia clássica tanto em relação ao urbanismo quanto

em relação aos ofícios mecânicos, apenas na América castelhana teria havido organização.

No Brasil, por causa da presença do regime escravista, teria reinado a desordem, a

desobediência profissional. Isso é bem válido para a vila de São Paulo, que, até o século

XIX, não teve muita relevância. Até as primeiras décadas daquele século, como acusava o

governador Antônio José de Franca e Horta, não havia em São Paulo mestres pedreiros e

carpinteiros hábeis como os que existiam no Rio de Janeiro e na Bahia3.

Fato praticamente desconhecido é que, na Bahia, a partir do final da primeira metade

do século XVII, foram criados os cargos de procuradores dos mesteres, hierarquicamente

subordinados à Câmara. A exemplo do que existia em Lisboa, procurou-se constituir as

guildas de forma ativa, buscando

“dar maior relevo à atividade dos juízes dos ofícios mecânicos, criando-lhes função própria sob a denominação de mesteres, como órgão de classe junto à Câmara, onde teriam assento, trazendo mais uma figura ao cenário administrativo da Cidade – o juiz do povo – eleito pela assembléia de 12 mesteres, por sua vez aclamados pelos vários grupos profissionais, regularmente registrados”4.

M ã o d e o b r a : o s o F í c i o s M e c â n i c o s

Banca de esbarra ou mesa de encostar, rococó, séculos XVIII-XIX. Museu de Arte da Bahia.

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~40~

M o b i l i á r i o b a i a n o

Instituídos os mesteres, por resolução da Câmara de 21 de maio de 16415, dois

dias depois os oficiais mecânicos se reuniram, por convocação da Câmara, e elegeram

24 representantes, escolhendo-se, entre estes, 12 – um ou dois de cada ofício, dos mais

indispensáveis6. Seguia-se o exemplo de Lisboa, que possuía um ou dois representantes, a

depender do ofício, na chamada Casa dos Vinte e Quatro7.

Logo após a escolha dos 12, elegeu-se o juiz do povo e o escrivão, aprovados

com dois procuradores dos mesteres8 por Alvará Régio de 28 de maio de 1644, da mesma

forma que nas vilas do Reino e com iguais isenções e privilégios9. Cabia-lhes controlar

as atividades dos seus companheiros, fixar preços e avaliar as obras. Tratava-se de uma

continuação das guildas medievais.

As “iniciativas partidas dos proletários”, como as chamou Affonso Ruy, “começaram

a agitar os vereadores, originando-se, aos poucos, um ambiente de reação que foi crescendo

até à hostilidade contra os representantes corporativos”10.

Elegeram-se outros juízes do povo e mesteres. Estes, porém, cada vez mais

infiltravam-se nas competências dos vereadores11 que, por sua vez, procuravam cercear o

poder daqueles. Os antagonismos continuaram até que, em 1710, os vereadores deliberaram

que o juiz do povo e os mesteres só fossem às vereações requererem, segundo Affonso Ruy,

“aquilo que entendessem era útil ao povo”12 e que não comparecessem mais às vereações.Os juízes do povo e os mesteres foram acusados de provocar reações populares

contra a Câmara, contra o Governo e contra a Coroa13, até que, “por ter mostrado a

experiência ser causa dos motins que tem havido em desserviço meu e do público desses

moradores”, o rei, através da Carta Régia de 25 de fevereiro de 1713, extinguiu esses cargos,

pelas mesmas razões por que o fizera na cidade do Porto, a pedido da própria Câmara.

Os vereadores, em 1715 e 1716, apelaram ao rei a fim de que novamente se

instituíssem os cargos de juiz do povo e de mesteres, sem os quais, diziam, “ficava a Cidade

Capital do Estado do Brasil igual a mais humilde vila dele” e para que houvesse “o sossego

do bem comum”14. Tudo inútil. Os cargos estavam extintos definitivamente.

Os oficiais mecânicos perderam assim seus representantes junto ao poder

público e seus privilégios, e tiveram suas atividades restringidas. A partir de então apenas

examinavam, através do juiz e do escrivão do ofício, aqueles que queriam ingressar na

atividade, defendiam poucos de seus interesses e avaliavam as obras, em comum acordo

com a Câmara.

Além da falta de representação junto à Câmara, dois fatores importantes, entre

vários outros, contribuíram para enfraquecer a organização das guildas, dentro dos

moldes de Lisboa. Em primeiro lugar, a presença do braço escravo, que exercia alguns

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~41~

M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

ofícios mecânicos, sobretudo aqueles que exigiam maior esforço físico ou que lidavam com

sangue; em segundo, a instabilidade e as restrições político-administrativas impostas à

Câmara de Salvador, quer pelo governo geral, quer pela corte.

Como exemplo de interferência de órgãos superiores da corte, escrevia Vilhena15:

“uma outra origem de desordem no Senado é a ascendência que o Supremo Tribunal da Relação tem arrogado sobre ele, sendo certo que querendo o Senado fazer obviar algumas infrações das leis municipais, e ainda portarias dos excelentíssimos governadores interpõem a parte um agravo para a Relação, e tem por certo o provimento com que já conta quando agrava; motivo por que vem a ficar sem validade as posturas, e reiteradas portarias do Senado, ou para melhor, o presidente iludido, e os perversos com a mão alçada para descarregarem quando este obsta as suas pretensões.”16

Apesar disso, a Câmara e os oficiais mecânicos tentaram organizar suas corporações

mesmo sem os poderes, isenções e privilégios, que haviam conquistado a partir de 1641, e

que perderam em 1713.

Essas tentativas estão registradas nos manuscritos existentes no Arquivo Histórico

da Prefeitura Municipal do Salvador, sob a guarda da Fundação Gregório de Mattos.

Embora a documentação tenha sofrido várias interrupções ou esteja danificada, pode-se,

há alguns anos, de uma maneira genérica, estabelecer a “história dos ofícios mecânicos do

Salvador”17, correlacionando-a à de Lisboa.

As atividades dos oficiais mecânicos eram reguladas, em parte, pelo Livro de

Regimentos dos Oficiais mecânicos de Lisboa, de 1572. Nesses regimentos, reformados

pelo marquês de Pombal em 177118, foram baseadas as posturas estabelecidas pela

Câmara de Salvador.

Em 1704, os oficiais mecânicos requereram ao rei que, em Salvador, se observassem

os “estilos”, ou costumes, da corte para a eleição de seus juízes em “casas particulares”,

como a Casa dos Vinte e Quatro, de Lisboa. Solicitada a opinião da Câmara, esta procurou

dar esclarecimentos ao rei sobre as irregularidades e diferenças na observância desses

“estilos”19. A maioria das eleições, apesar desse pedido, continuou sendo realizada na

Câmara, conforme o costume desta.

Em Salvador, chamava-se vulgarmente de regimento à lista de preços das obras

que os oficiais mecânicos executavam, e não um conjunto de normas de procedimentos.

Essa lista era estabelecida em comum acordo com a Câmara, enquanto existiram os juízes

do povo e os mesteres, e depois somente pela Câmara. Os regimentos dos diversos ofícios

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~42~

M o b i l i á r i o b a i a n o

constam dos livros de posturas da Câmara. As atividades de alguns artífices, entretanto,

eram regulamentadas pelos regimentos das confrarias. Esses regimentos e/ou as posturas

da Câmara definiam a vida pública e profissional dos artífices.

As posturas, estabelecidas pela Câmara, eram lidas em pregões públicos, nas praças

e ruas “costumadas” da cidade, praia e seus arrabaldes, em voz alta e inteligível, para que

“fossem bem entendidas por todo povo” e que ninguém pudesse “alegar ignorância”20.

Qualquer pessoa do povo podia denunciar os culpados que agiam contra as posturas

e tinham direito à terça parte das condenações, as coimas21. As penas impostas eram

aplicadas pelos almotacés das execuções, a pedido dos juízes de fora ou da Câmara.

Os primeiros livros de posturas foram perdidos. Sabe-se que, com “a entrada dos

inimigos rebeldes de Holanda se haviam perdido os livros” da Câmara, e pedia-se, expulsos

os invasores,

“que se pusessem [...] o traslado das posturas, que se haviam feito antes disso, e estavam nos ditos livros perdidos das quais ainda havia alguma notícia, por estar o traslado delas em poder do escrivão da Almotaçaria João Mendes Pacheco, as quais de novo haviam por boas, e mandaram se copiassem como nelas se continham, e que pelas penas nelas estabelecidas fossem executadas as pessoas que caíssem em coima, e fossem contra elas.22”

Com referência aos oficiais mecânicos, as posturas da Câmara de Salvador

estabeleciam que “de novo se mandavam cumprir, e executar nas pessoas que forem contra

elas” (1625), e definiam:

“que nenhum oficial de qualquer ofício ponha tenda sem licença da Câmara, e fiança nela, e seja examinado, e tenha seu regimento a porta, pena de seis mil réis .............................................................................................................................................6$00023.

que todos os oficiais serão obrigados a acompanhar a bandeira os dias das procissões del Rei, pena de seis mil réis ..................................................................................... 6$000.24”

Ao pedir a licença à Câmara, os oficiais mecânicos pagavam fiança, apresentando

avalistas. A fiança era válida por um ano, ou seis meses para aqueles que recebiam

pagamento de terceiros25. Registravam-se em livros próprios os nomes dos oficiais e, por

vezes, os endereços e tipo de atividade26. As licenças para os escravos eram tiradas em

nome de seus senhores, os quais pagavam a fiança. Poucos foram os oficiais que cumpriram

com regularidade essas duas obrigações: licença e exame.

Page 44: M OBILIáRIO BAIANO

~43~

M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

o F í c i o s e H i e r a r q u i a

Existiam, na Cidade do Salvador, os seguintes ofícios denominados mecânicos:

barbeiro, sapateiro, carpinteiro de obra branca ou de edifícios, carpinteiro das naus da

ribeira, carapina, correeiro, dourador, espadeiro, esparteiro, ferreiro, latoeiro, marceneiro,

ourives do ouro e da prata, parteira, pasteleiro, pedreiro, polieiro, sangrador, seleiro,

serralheiro, sombreiro, tanoeiro, tintureiro, torneiro, alfaiate, anzoleiro. Muitos dos ofícios

existentes em Lisboa não passaram para o Brasil por não serem de primeira necessidade ou,

então, foram anexados a outros ofícios. As demais atividades constituíam, normalmente,

monopólio real. Como dizia José da Silva Lisboa a Domingos Vandelli, em 1781, “as artes na

Bahia se reduzem aos ofícios mecânicos de pura necessidade”27.

Hierarquicamente, encontravam-se em São Paulo o mestre, o oficial, os aprendizes

e os serventes, enquanto na Bahia existiam o mestre, o oficial, os aprendizes e os jornaleiros.

Com a exceção dos serventes e jornaleiros, os demais podiam e deviam prestar exames para

galgar os títulos superiores da hierarquia.

Os exames consistiam na confecção de uma obra própria do ofício ou em

questionário sobre os principais conhecimentos que o candidato devia possuir. A execução

da obra, objeto de exame, não tinha prazo definido. Podia estender-se por meses. Apenas

em caso de troca de juízes ficavam os examinados obrigados a concluí-la em um tempo

predeterminado. A avaliação cabia aos juízes anteriores. O exame era individual, válido

para o profissional nele inscrito.

Se não fosse habilitado na primeira examinação, o candidato deveria submeter-se

a outros exames seis meses depois. Nesse intervalo, permanecia como aprendiz na tenda

de um mestre, voltando tantas vezes quantas fossem necessárias até receber aprovação.

Alguns ofícios, dependendo do lugar e da época, foram interditados. Em 1578,

em São Paulo, o ferreiro Bartolomeu Fernandes foi proibido de ensinar o seu ofício a um

índio “porque era grande prejuízo da terra”. Já em Porto Seguro, ao contrário, na segunda

metade do século XVIII, determinou-se que os meninos índios fossem alocados em casas

de oficiais mecânicos, separando-os das famílias, para que não continuassem a falar a

língua materna, aprendessem algum ofício e se civilizassem. Ficavam em companhia dos

mestres ou amos até o tempo do casamento. O produto dos pagamentos devia ser aplicado

no vestuário, na compra de gado ou ferramentas para a lavoura, telhas e confecção de

suas casas. Em qualquer circunstância, como compensação pela ajuda, os mestres e amos

deviam sustentar seus aprendizes e dar-lhes vestuário de uso semanal e festivo, além de

remuneração por outros “serviços prestados”28. Mas, como grande parte dos habitantes do

Brasil, estavam todos envolvidos, a partir de 1763, na procura do ouro, não importa onde.

Page 45: M OBILIáRIO BAIANO

~44~

M o b i l i á r i o b a i a n o

a p r e n d i z e s

A aprendizagem de um ofício era direta, realizando-se por meio da convivência,

da observação. Podia durar de dois a doze anos. Há notícias de que, em 1727, a Santa Casa

da Misericórdia da Bahia colocava os filhos de seus escravos como aprendizes de barbeiro

para que aprendessem a arte de sangrar. No fim de três anos, o barbeiro recebia 12$000

réis por cada criança que ensinasse.

Em São Paulo, em 1716, Manoel Mendes dos Santos, após a morte de sua mulher,

Antônia da Conceição, encaminhou seu filho, João de Passos, para aprender o ofício de

alfaiate com o mestre Martinho Rodrigues Tinoco. Na ocasião, assinou um termo de

compromisso pelo qual se obrigava a pagar 30 mil réis ao mestre caso o jovem fugisse ou

adoecesse. O compromisso valia por dois anos. José dos Passos contava, então, 18 anos.

Nem todos os pais faziam um contrato por escrito. Este podia ser oral, permanecendo entre

ambos, pais e mestre, um contrato moral.

Não havia idade certa para o início da aprendizagem. O aprendiz era colocado

sob a guarda do mestre ou, como chamavam, do amo. Este não somente lhe ensinava o

ofício, como o educava e, a título de educação, também se servia dele para todos os demais

serviços, principalmente domésticos. O aprendiz podia ser castigado, eventualmente, com

penalidades corporais.

Permitia-se aos mestres ter no máximo dois aprendizes, para garantir a eficiência

da aprendizagem. A falta de mestres, no entanto, por todo o Brasil, mesmo em Salvador,

levou os aprendizes a procurar as tendas dos oficiais, sem que estes fossem ou tivessem

o título de mestre. Na Bahia, a inobservância de regimentos, ou posturas, favoreceu essa

prática. Não existia, pelo menos em Salvador, a categoria de meio-oficial, de que Serafim

Leite29 dá notícia, repetida por José Mariano Filho30. Existiam, como se disse, jornaleiros e

escravos admitidos como obreiros31.

Não há registros sobre os custos desse aprendizado. Entre os brancos, o pai do

aprendiz estabelecia um contrato formal, ou moral, com o mestre. A aprendizagem podia

ser paga em espécie ou em serviços prestados pelo aprendiz. No caso dos escravos, supõe-

se que prevalecessem as mesmas práticas de remuneração, sob a responsabilidade de um

amo ou mestre, como se observou em relação aos aprendizes da Misericórdia. Por vezes era

o próprio senhor de escravos, com uma ocupação artesanal, quem ensinava gratuitamente,

possibilitando aos aprendizes aperfeiçoarem-se até chegar a oficiais. Os escravos podiam

também aprender com os oficiais da própria senzala. (Não eram os senhores que iam

ensinar na senzala, mas existiam escravos oficiais de algum ofício que, naquele lugar,

podiam ensinar aos outros)

Page 46: M OBILIáRIO BAIANO

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

J u í z e s e e s c r i v ã e s

Para cada ofício havia um ou dois juízes e um escrivão. Em Lisboa e outras cidades

e vilas do Reino, podiam ser eleitos apenas os que fossem mestres e, no caso dos escrivães,

aqueles que soubessem escrever, ler e contar.

De acordo com os regimentos de 1572 e 1771, de Lisboa, a reeleição só era permitida

três anos após o último exercício, salvo quando não houvesse oficiais categorizados32. Em

Salvador, entretanto, parece ter havido carência de homens com as qualidades requeridas,

pois eram eleitos os mesmos juízes e escrivães por anos consecutivos. O espírito de

liderança e o maior empenho de alguns devem ter exercido certa influência para que a

escolha recaísse sobre determinados representantes consecutivamente, mesmo porque o

número de profissionais não era grande, como já se observou.

As eleições eram efetuadas anualmente. Os regimentos de Lisboa estabeleciam

datas fixas para cada ofício. Em Salvador, porém, de acordo com os registros dos termos

de eleições, essa norma não foi seguida. As datas das eleições variavam de ano para ano.

Como já mencionado, os oficiais mecânicos recorreram ao rei em 1704,

reivindicando que em Salvador se observassem os “estilos” da corte. Na carta dirigida a Sua

Majestade, a Câmara comunicava:

“[...] sendo os ditos Oficiais os que com vários pleitos e agravos se têm eximido de eleger juízes dos seus Ofícios e examinar se do ano de mil setecentos e um até o presente (1704) sendo uma e outra coisa conforme ao estilo desse Reino se atrevem eles a queixar se a Vossa Majestade das ditas demandas requerendo ao mesmo tempo a observância dos estilos que até o presente tem impugnado os quais parece não deve Vossa Majestade mandar observar nesta Cidade por Lei porque assim como a Câmara dessa Corte e mais desse Reino as introduziram segundo a cada uma mais conveniente pareceu podemos nós também estabelecer os que mais convenientes forem a este Estado que em muitas causas discrepa desse Reino e com efeito neste Senado há também neste particular estilo que há muitos anos nele se pratica quase conforme com o de Lisboa e só diferente no modo das eleições dos seus juízes e cartas dos seus examinados por que de se fazerem ditas eleições fora deste Senado contra a forma que até o presente se usa se lhes dá motivos aos subornos desatenções e tumultos que resultaram de se fazerem em uma casa particular e trazendo as assim feitas para se lhes dar o juramento vem este Senado a ser quase constrangido a aprovar eleições que podem ter muitas nulidades não sendo obradas em sua presença e o quererem que os seus nomes sejam somente escritos nos Livros da Câmara é contra a regalia que ela tem de os confirmar por Provisão e dar-lhes nas costas dela o juramento estilo que se observa com os mais ofícios e oficiais que este Senado prove de juízes escrivães pedâneos e outros que com este exemplo não quererão servir com mais título nem com outro

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M o b i l i á r i o b a i a n o

instrumento que o de estarem os seus nomes escritos nos livros dele e sobre os examinados foi cá sempre uso que com a certidão dos examinadores lhes passamos suas provisões o Senado.”33

Nada conseguiram os oficiais.

Os juízes eleitos e escrivães continuaram a ser confirmados nos cargos por provisão

do Senado da Câmara, com sinais e selo próprios, para um período de um ano, “até o último

(dia) de dezembro”. No verso da provisão transcrevia-se o termo de juramento dos Santos

Evangelhos, para que “bem e direitamente” servissem o ofício, guardando o “serviço de

Deus” e “de Sua Majestade”34.

Aos juízes cabia efetuar as examinações dos que desejavam exercer as atividades

mecânicas, fazer visitas periódicas às tendas e lojas, avaliações e vistorias das obras, estas

últimas quando convocados pela Câmara. Uma vez habilitado, o candidato recebia uma

certidão de exame, que devia apresentar à Câmara, onde era também registrada em livro

próprio. Recebia, então, transcrita na própria certidão de examinação, uma carta de exame

e a confirmação da certidão. A certidão era feita pelo escrivão do ofício e assinada por ele

e pelos juízes. O juiz de fora, os vereadores e o procurador assinavam a carta concedida

pela Câmara.

Na ocasião da apresentação da certidão, os aprovados também prestavam

juramento, segundo o qual ficavam sujeitos às posturas do Conselho da Câmara e demais

acordos da mesa de Vereação, e se comprometiam a não se valer de nenhum privilégio. As

cartas de examinação davam direito aos mestres de exercer seus ofícios e ter tenda aberta

na Cidade do Salvador e seu termo, que compreendia parte do Recôncavo.

Teoricamente, os juízes e escrivães não podiam examinar seus familiares, como

filhos e parentes até quarto grau, cunhados ou aprendizes. Deviam requerer à Câmara que

lhes indicasse um substituto, de preferência um juiz que tivesse servido no ano anterior.

Também essa norma não foi rigidamente obedecida em Salvador.

Os oficiais ou mestres estranhos, vindos de outras regiões do Brasil ou de qualquer

parte do Reino, deviam apresentar sua certidão à Câmara. Examinada e tida como

verdadeira e sem “vício algum que duvidosa a fizesse”, era confirmada sob a condição de

que o requerente ficasse sujeito, enquanto residisse na cidade ou seu termo, às mesmas

obrigações que os demais oficiais mecânicos. Caso não possuísse certidão ou carta, o oficial

devia submeter-se ao exame dos juízes do ano. Uma postura de 1716 previa que, na falta

de examinação, era necessária a licença do Senado da Câmara para ter tenda pública35,

facultando, de certa forma, o exame.

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

Os profissionais não podiam desempenhar atividades que não fossem de seu ofício,

sob pena de cadeia e multa, para garantir a boa execução das obras e os limites entre as

ocupações – teoricamente, porque sempre houve conflitos resultantes de intromissões nas

atividades alheias.

No Rio de Janeiro, segundo ocorrência registrada nos Autos de Litígio de 1759-1761,

os mestres entalhadores não estavam sujeitos a exame, como se exigia dos carpinteiros e

marceneiros. O litígio foi movido pelo mestre marceneiro Manoel da Costa Carvalho contra

o mestre entalhador Francisco Félix Cruz, porque este estaria usando ilicitamente o ofício

daquele. Segundo os depoentes, alguns entalhadores vinham trabalhando em obras de

marcenaria sem que ninguém os impedisse, sendo freqüentemente solicitados por outros

ofícios, como os de pedreiros, carpinteiros, marceneiros e ourives, para dar riscos, moldes

ou executar obras de talha, o que era hábito em Lisboa.

Todas as testemunhas afirmaram pertencer aos marceneiros a função de

encaixilhar ou ensamblar obras lisas ou com talha, e que tanto marceneiros quanto

entalhadores interferiam nessas obras, como acontecia na corte e outras cidades do

Reino, trabalhando uns nas casas dos outros. Em seus depoimentos, esclareciam como uns

artífices complementavam o trabalho dos outros. Uma das testemunhas dizia que “sabe

pelo ver, que ao marceneiro pertence fazer cadeiras, e tamboretes, leitos, catres, e outras

semelhantes obras lisas, emolduradas, mas entalhe, que em algumas das ditas obras de

marceneiro se faz as mandam estes fazer a entalhador”36.

Vê-se que, como na escultura, várias pessoas colaboravam numa peça. Manoel de

Araújo, furriel do Terço de Auxiliares do Rio de Janeiro, testemunha no mesmo litígio, dizia

que há vinte e um anos trabalhava na cidade de Lisboa e no Rio de Janeiro e que nunca lhe

proibiram de fazer, em sua loja de entalhador, as obras de talha ou sem ela. E disse mais:

“ [...] que sabe pelo ver, que os entalhadores desta Cidade não são obrigados ao exame, nem examinados, e só o foram em Lisboa por se anexarem a bandeira, e Irmandade dos marceneiros para entrarem na Casa dos Vinte e Quatro alternativamente com os ditos marceneiros.”37

Conflitos semelhantes ocorreram em Lisboa. Ao fim de meio século de litígios

entre carpinteiros da rua das Arcas e marceneiros, estes passaram a se denominar, a

partir de 1767, carpinteiros de móveis e samblagem. Isso explica a denominação daqueles

mecânicos que chegaram ao Brasil na segunda metade dos setecentos e a adoção da

mesma designação na Bahia. Eram os carpinteiros de obra preta e se diferenciavam dos

carpinteiros de obra branca, figuras estas das mais essenciais nos engenhos.

Page 49: M OBILIáRIO BAIANO

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Em Salvador não se encontram referências a registros de cartas de exames,

eleições ou provisões relativas a entalhadores. Constituem exceções as solicitações

dirigidas à Câmara a partir de 1790 por Tomás Rodrigues de Santana, que pretendia então

obter licença para ter tenda de entalhador na rua das Laranjeiras38. Em 1797, entretanto,

ele aparecia como marceneiro39 e, a partir de 1819, passou a solicitar licença para vender

obras de marcenaria40.

A malícia dos oficiais mecânicos deu origem a “acrescentamentos”, ou acréscimos,

às antigas posturas e, em fins do século XVIII, com respeito às cartas de examinações e

licenças, diziam:

“que nenhum oficial, ou qualquer outra pessoa, cujo trato careça de licença, carta de exame, digo, do Senado da Câmara para usar dela não se valha de licença, carta de exame, ou regimento concedido a diversa pessoa tomando para esse fim o nome de terceiro ausente, ou defunto” [...] o não faça antes tire as ditas licenças em seu nome com pena de seis mil réis e trinta dias de cadeia pela malícia com que se houver neste requerimento.41”

Com base nessa prática, muitos trabalhavam como jornaleiros para algum mestre

– fugindo à obrigação de tirar a licença necessária e submeter-se aos exames – ou em

parceria com oficiais licenciados.

Todos deviam ter o seu regimento à porta:

“[...] que nenhum oficial de qualquer ofício esconda a taxa do seu ofício caso que a tenha, a qual vulgarmente se chama Regimento antes a pender-se a porta da mesma tenda para que o povo leia nela os preços das obras, que lhe vai encomendar pena de quatro mil réis.”42

O regimento, ou melhor, a lista de preços era estabelecida pela Câmara. Por meio

da listagem das obras e respectivos preços ou salários, esta procurava controlar de perto

as obras executadas.

As intervenções das Câmaras portuguesas nos exercícios mecânicos, administrativa

e judicialmente, foram sempre mais rigorosas. Em Salvador, a própria situação de Câmara

de terra conquistada tirava desta grande parte de seu poder, como notificado pelo Tribunal

da Relação.

o b r i g a ç õ e s r e l i g i o s a s

Além das obrigações burocráticas, os oficiais mecânicos tinham obrigações de

ordem religiosa. Todos deviam acompanhar a bandeira43 representativa de seu ofício nos

dias das procissões “del Rei” ou do Senado, sob pena de multa e prisão.

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

A instituição chamada bandeira não existiu em Salvador. A palavra

designava apenas o estandarte que os oficiais mecânicos deviam portar nas

festas organizadas pela Câmara ou pelas confrarias. Esse estandarte era

zelosamente guardado. Em Minas Gerais, os oficiais mecânicos eram obrigados

a mantê-lo na Câmara. Acredita-se que os oficiais mecânicos de Salvador

também guardassem os estandartes na Câmara, retirando-os por ocasião das

festas, por não disporem de casa particular ou de instituição como a Casa dos

Vinte e Quatro de Lisboa.

Nas festas, cabia à Igreja o cerimonial litúrgico, enquanto o

brilhantismo do acontecimento dependia do Senado da Câmara. Esta dividia

os grupos por profissões e elegia um encarregado dos festejos – o cabo da festa

–, que assinava um termo de responsabilidade comprometendo-se a organizar,

especialmente, os festejos oficiais44. Os artesãos deviam participar ativamente

dessas procissões, comparecendo com os estandartes dos padroeiros e insígnias

dos respectivos ofícios mecânicos.

O costume de realizar essas procissões – chamadas “del Rey”, por

serem obrigatórias e regidas pelas Ordenações Filipinas – passou de Lisboa

para o Brasil45. As procissões “del Rey” eram obrigatoriamente patrocinadas

pela Câmara, que além de Corpus Christi, São Sebastião, São Felipe e Santiago,

Santo Antônio de Arguim e São Francisco Xavier, eram as procissões

“de São Sebastião [que foi] criada em memória do Sereníssimo Rei Dom Sebastião, a de São Filipe Santiago, em ação de graças da feliz restauração desta Cidade e a de Santo Antônio de Arguim, cuja criação foi por razão dos inimigos o tomarem na força de Arguim, tratando mal o Santo, o fez dar a Costa na dita Capitania [Bahia] e apareceu o Santo em uma pedra em pé [em Itapuã].”46

Essas procissões e a obrigatoriedade de acompanhá-las foram extintas em 1828,

com exceção da de Corpus Christi47.

A procissão de São Francisco Xavier, escolhido como padroeiro da cidade, foi

instituída por voto solene do povo baiano em 10 de maio de 1686 (figura 1). A confraria

dessa invocação estava instalada na atual Igreja Catedral. A procissão, que havia sido

extinta com as demais, em 1828, foi restabelecida em 1860 pela mesma confraria.

A festa de Corpus Christi parece ter caído em desuso nas cidades brasileiras por

volta de 1668, segundo informou Balthazar da Silva Lisboa48. Notificação do Senado da

Câmara da Cidade do Salvador49 destacava a necessidade de retomar os usos e costumes, e

é interessante descrever como, em 1673, se recomendava realizar a procissão.

1 – Busto de São Francisco Xavier, século XVII, padroeiro da Cidade do Salvador. Acervo da Catedral Basílica do Salvador.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

“Por haver crescido muito todos os ofícios, e estavam alguns sem concorrerem para as ditas procissões com parte nem coisa alguma”, concordaram os oficiais da Câmara de Salvador, estando presentes o juiz do povo e mesteres, que os oficiais de carpinteiro deviam apresentar na procissão de “Corpus Christi” a bandeira de costume e a armação de madeira para a serpe [serpente] e mais madeira que se precisasse, tendo a mesma obrigação os marceneiros e torneiros. Os oficiais de alfaiate deviam apresentar a bandeira de costume e o pano com que se cobria a serpe, pintado e aparelhado. Uns e outros deviam fornecer os negros necessários para carregar a serpe. Os sapateiros deviam apresentar a bandeira do costume e o drago [dragão]; os pedreiros uma bandeira, os tintureiros, sombreiros, funileiros e tanoeiros apresentar uma bandeira e quatro cavalinhos fuscos; os padeiros e confeiteiros apresentar dois gigantes e uma giganta e um anão, que o vulgo, ou povo, chamava “Pai dos gigantes”. Os ferreiros, serralheiros, barbeiros, espadeiros, correeiros, todos pertencentes à Confraria de São Jorge, eram obrigados a apresentar uma bandeira, ou guião, conforme o costume e o ”Santo de vulto na sua charola, sendo este Santo de figura a cavalo, armado, ou acompanhado, de pagem, alferes, trombeta, tambores e seis sargentos da guarda, todos vestidos decentemente e armados”. As vendeiras de porta, taverneiros e taverneiras e esparteiros deviam apresentar quatro danças. Os marchantes fornecer três tourinhas. À falta com essa determinação, prometia-se “pena de seis mil réis que seriam pagos da cadeia”. A coima, ou multa, seria encaminhada para as obras da Câmara e Cadeia nova.”50.

Documento idêntico foi expedido no Rio de Janeiro, dando apenas aos marceneiros

a incumbência de contribuir com a imagem do Menino Jesus e aos marchantes a atribuição

de apresentar, além das tourinhas, a figura de Davi – “e que não sejam coisas ridículas”,

recomendava-se naquela capitania, em 170451.

Os acrescentamentos, ou modificações, feitos às posturas em 1742, determinavam

que os oficiais mecânicos, nas procissões do Senado e nas demais em que eram obrigados

a levar bandeiras, deviam comparecer com toda a modéstia, quietação e compostura,

vestidos com suas casacas e gravatas, e não com capotes, como até então usavam, sob

pena de seis mil réis de multa, pagos da cadeia, onde ficariam presos por trinta dias52.

Por volta de 1830, desapareceu a exigência de se registrar na Câmara os

documentos referentes aos ofícios mecânicos. As profissões passaram a ser exercidas

independentemente de qualquer intervenção da edilidade, dentro da nova organização que

se estabeleceu, transformando-se os Senados da Câmara em Intendências e, depois, em

Prefeituras e Câmaras Municipais53, através da Lei de 1º de outubro de 182854.

Como os demais comerciantes, os oficiais mecânicos continuaram com a

obrigação de pedir licença para abrir estabelecimento próprio. Entre eles encontravam-

se os marceneiros, executores das obras que interessam diretamente a este estudo, e os

torneiros, correeiros e serralheiros, que contribuíam com os acessórios.

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

o s o F i c i a i s M e c â n i c o s d o s M ó v e i s As atividades dos correeiros e dos serralheiros eram regulamentadas pelas

posturas dos respectivos ofícios. Já as dos marceneiros regulamentavam-se, em parte, pelo

regimento de Lisboa e, em parte, pelo da Confraria de São José, dos pedreiros e carpinteiros.

Somente em 1785 é encontrado, nos livros de posturas, o Regimento dos Marceneiros55.

Nas primeiras décadas do século XVIII, pediram licença à Câmara diversos

oficiais e mestres marceneiros, torneiros e ensambladores, vindos principalmente do

Norte de Portugal. No fim do mesmo século, vários “carpinteiros de móveis e samblagem”,

provenientes de Lisboa56, passaram a trabalhar em Salvador57.

Seguindo o costume do Porto, Viana ou Lisboa, os oficiais apresentavam suas

certidões e cartas de exame na Câmara de Salvador, que lhes passava, como o fazia a todos

os que vinham do Reino, uma licença geral, como a do exemplo abaixo, ou simplesmente

registrava suas cartas nos livros próprios.

“Registro de uma Licença geral de marceneiro e torneiro de Simão Henrique.

O Doutor Juiz de fora Vereadores e procurador do Senado da Câmara desta Cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos etc. Fazemos saber a todos os juízes, vereadores e procurador do Conselho desta Capitania e bem assim a todos os corregedores, provedores, ouvidores, julgadores e justiças e mais pessoas do Reino de Portugal e suas Conquistas a quem apresente licença geral for apresentada, e o conhecimento dela deva e haja de pertencer que a nos enviou a dizer Simão Henrique oficial de marceneiro e torneiro que pela carta junta consta haver sido examinado na cidade do Porto no ano de mil e seiscentos e noventa e sete pelos juízes do dito ofício que no dito ano serviam o qual exame fora julgado por bom como da dita carta consta, porém como a jurisdição daquele Senado senão estendia a mais que a todo o seu termo nos requeria que visto de presente se achar nesta cidade queria usar do dito seu ofício de marceneiro e torneiro com sua tenda aberta e por nos constar da dita carta ser verdade o que relatava por não ter vício que dúvida fizesse, havemos por bem de lhe confirmar e pela presente lhe confirmamos, ficando sujeito as posturas do Conselho e mais acórdãos da mesa de Vereação contra o que não poderá valer-se de privilégio algum e nesta forma lhe concedemos licença para que nesta cidade e seu termo possa usar do dito ofício sem que lhe seja posto impedimento algum. Pedimos aos senhores julgadores assim a façam cumprir e guardar como nela se contém em suas jurisdições para o que nós também faremos o que por parte de Vossa Mercê nos for requerido e deprecado. Bahia e Câmara de fevereiro vinte e três de setecentos e trinta e dois João de Couros Carneiro ao subscrevi/Manuel Correia de Mesquita Basto/Custódio Rodrigues Lima/Marcelino Soares Ferreira/Manoel Xavier Ala/Antônio da Costa de Andrade/Selo. Lima.”58

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Dos naturais da terra e dos portugueses que haviam iniciado sua atividade mecânica

em Salvador, um número diminuto se submeteu aos exames. Constam poucos registros

de suas examinações, entre os manuscritos da Câmara. Grande parte dos marceneiros

pedia simplesmente sua licença, pagando fiança para ter tenda aberta ou loja para vender

móveis ou trastes usados. Pelas licenças verifica-se que não eram raros os casos em que os

marceneiros possuíam duas tendas, ou uma tenda e uma loja para vender móveis, embora

isso fosse proibido. Verificou-se o mesmo em Minas Gerais, onde prevaleceu o uso de

licenças, por exemplo, em Vila Rica59. Os sapateiros e alfaiates foram mais regulares no

cumprimento das posturas que os obrigavam a ser examinados.

As certidões apresentadas à Câmara e as licenças por ela fornecidas seguiam, com

adaptações locais, o formulário daquelas expedidas na corte:

“Registro da Carta de exame do Ofício de Marceneiro passado a Vitorino Gomes RomãoO Doutor Juiz de Fora, Vereadores, e Procurador do Senado da Câmara desta Cidade da Bahia e seu termo etc. Fazemos saber aos que esta Carta de Exame virem, que por nos constar por Certidão do Juiz e Escrivão do Ofício de Marceneiros haverem examinado a Vitorino Gomes Romão, e o acharem apto para exercer o dito ofício, havemos por bem de conceder licença ao dito Vitorino Gomes Romão, para que possa usar do dito seu Ofício de Marceneiro, e ter sua tenda aberta nesta Cidade e seu termo / enquanto não mandarmos o contrário / e fará termo de não usar de privilégio algum e responder perante os Almotacés das Execuções deste Senado, guardando em tudo as ordens da Vereação e Posturas, em firmeza do que lhe mandamos passar a presente sob nossos sinais, e selo, e se registre. Bahia em Câmara 14 de fevereiro de 1795. José Rodrigues Silveira, escrivão do Senado a fez escrever. Vieira/Bitancourt/Andrade/Braga. Lugar do Selo. Bitancourt.”

A seguinte licença se apensava à Certidão de Exame:

José Gomes Romão e Antônio da Encarnação Juízes do Ofício de Marceneiro, e Torneiro nesta Cidade da Bahia e seu termo etc. Porquanto examinando a Vitorino Gomes Romão, oficial do dito ofício de marceneiro, o achamos com a suficiência necessária para usar dele com sua tenda aberta, assim de obra preta como da branca, lhe passamos sua Carta de Exame, que é a presente a qual rogamos ao Meritíssimo Senhor Doutor Juiz de Fora, Presidente do Senado da Câmara, e aos Senhores Vereadores, se dignem mandar lhe dar todo o vigor e cumprimento visto também constar haver o dito aprovado satisfeito a sua esmola ao glorioso patriarca o Senhor São José. Dada e assinada por nós sobreditos mestres do ofício na Bahia aos 10 de fevereiro de 1795. Eu, por falecimento do escrivão Gonçalo Araújo o mandei escrever e assinei José Gomes Romão / Antônio Encarnação Pessoa / Escreveu-se-lhe o termo de obrigação onde assinou o dito e o escrivão do Senado e prestou o juramento do estilo.60”

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

A partir da segunda metade do século XVIII, passou a constar, nas certidões

de exames dos marceneiros aprovados, terem os mesmos “satisfeito a sua esmola ao

Glorioso Patriarca o Senhor São José”. Por essa época organizou-se a Confraria de São

José, constituída pelos ofícios de carpinteiro, pedreiro e agregados à mesma bandeira –

marceneiros, torneiros, canteiros e alvíneos. Tinham capela privativa do patrono na antiga

Igreja da Sé, onde se realizavam as eleições dos juízes dos ofícios de carpinteiro e pedreiro

e dos membros da mesa da confraria.

Encontra-se no Arquivo Histórico Ultramarino o Compromisso da Confraria de

São José, ou seja, o “Compromisso e Regimento Econômico dos Ofícios de Carpinteiro e de

Pedreiro e dos mais agregados a Bandeira do Glorioso São José e sua Confraria ereta na Sé

Catedral da Cidade da Bahia dedicado ao mesmo glorioso Santo e feito na dita Cidade no

ano de 1780”61 (figura 2).

Os artífices, na maior parte dos ofícios, herdaram os regimentos lusos, em especial

os de Lisboa, que foram adaptados aos novos locais, como o Brasil, principalmente por

causa da presença dos índios e dos escravos. É interessante notar que esse Compromisso

foi praticamente copiado do “Regimento e Compromisso da Mesa dos Ofícios de Pedreiros

e Carpinteiros da Bandeira do Patriarca São José ano de 1709”, de Lisboa62. Diferenciava-se

apenas em dois capítulos e acrescentamentos, destacados em negrito nos registros abaixo.

O item 5, do Capítulo VIII, do regimento lisboeta, rezava:

“Não poderá Oficial algum ser admitido no referido exame sem mostrar primeiro Certidão do Mestre com quem aprendeu, de ter acabado o seu tempo.

Não poderá ser admitido ao dito exame negro de qualidade alguma e só sim pardo que seja forro pelo pai (se) assim o permitir.

E sendo caso, que algum oficial se queira examinar do ofício de canteiro e alvíneo, será obrigado a mostrar que aprendeu um, e outro ofício por certidão dos mestres deles; e sendo assim examinados, serão obrigados a registrar a sua carta no Senado da Câmara; e sendo achado, que antes do referido exame usam dos ditos ofícios serão condenados todas as vezes que forem compreendidos, em seis mil réis, metade para o Senado e a outra para o ofício.”

E lia-se no Capítulo X:

“Atendendo que tendo os mestres muitos aprendizes, nem estes poderão sair bons oficiais, nem as obras feitas como convém. Não poderá mestre algum ter mais de dois aprendizes; e para constar de como não excedem a disposição deste capítulo; serão os mestres obrigados a fazer presentes a mesa os aprendizes que ensina, e

2 – Capa do “Compromisso e Regimento Econômico dos Ofícios de Carpinteiro e de Pedreiro e dos mais agregados a Bandeira do Glorioso São José e sua Confraria ereta na Sé Catedral da Cidade da Bahia dedicado ao mesmo glorioso Santo e feito na dita Cidade no ano de 1780”.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

sendo achado que ensinam mais de dois como fica dito; serão condenados em oito mil réis para a mesa do ofício; e lhe serão tirados os tais aprendizes, que demais tiverem. Na mesma forma incorrerá qualquer mestre que tomar aprendiz que seja negro, nem ainda mulato cativo; pois só ensinará brancos, ou mulatos forros.” 63

As eleições dos marceneiros continuaram a se realizar na Câmara, ao “estilo” desta ou na capela da Confraria. Eram eleitos dois juízes e um escrivão pelos demais oficiais de marceneiro, no mesmo dia, frente aos vereadores a “mais votos”. Registravam-se os termos das eleições em livro próprio e os eleitos eram providos em seus cargos por Provisão do Senado da Câmara64.

Tem-se a relação dos juízes e escrivães eleitos entre 1706 e 1809. Destacam-se

entre eles alguns personagens, como José Rodrigues Marrecos65, que exerceu sua atividade

em fins do século XVII e princípios do XVIII e Gaspar dos Reis Souza, originário do Porto, que,

embora registrasse sua certidão somente em 1707, serviu de primeiro juiz no ano anterior.

Pode-se citar também Manoel de Souza Ribeiro, de origem portuguesa, que somente em

1745 solicitou sua licença, embora tivesse servido como juiz em 1725. Merecem ainda

referência Tomás de Arruda Pimentel e Belchior Francisco da Cruz, que ocuparam por várias

vezes o cargo de juiz, bem como José Gomes Romão, que exerceu sua atividade entre 1756

e 1808, e Vitorino Gomes Romão – ambos juízes numerosas vezes –, José Dias Rebouças,

José Vicente de Santana Pereira e Antônio da Encarnação Pessoa, entre outros.

Foi registrado nos livros da Câmara um número reduzido de marceneiros entre

1700 e 1705, período em que esses profissionais solicitaram ao rei o direito de eleger juiz

e escrivão fora da Câmara. Até meados do século XVIII, quase todos prestavam exame para

os ofícios de marceneiro e de torneiro simultaneamente.

Uma vez examinados, os marceneiros podiam exercer seu ofício em tenda “assim de

obra preta como de branca”66, enquanto os carpinteiros podiam executar somente as obras

brancas, ou de carpintaria de edifícios. Houve, no entanto, aqueles que desempenhavam

todas as atividades, como Luís Adriano da Silva (1792-1805), que solicitou várias licenças

à Câmara, ora para exercer o ofício de marceneiro, ora de carapina e de carpinteiro, ou

mesmo para vender madeiras, tendo sido juiz de marceneiro em 1804. É também o caso de

Lourenço da Porciúncula que, sendo carpinteiro, compareceu às eleições dos marceneiros

de 1809.

c o M p o s i ç ã o s o c i a l d o s o F i c i a i s

Os marceneiros e torneiros eram em sua maioria brancos, sendo raros os pretos,

pardos e mulatos, forros ou escravos. Na documentação consultada no Arquivo Histórico

da Prefeitura Municipal do Salvador, no transcorrer de um século e meio (1700-1850),

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

estavam registrados apenas oito homens de cor, entre os quais negros e crioulos forros.

Provavelmente os marceneiros brancos possuíam vários oficiais e escravos sem que estes

fossem examinados na Câmara, pois a profissão, pelo que se sabe, não era rigorosamente

regulamentada nem fiscalizada.

Encontrava-se um maior número de negros, especialmente escravos, em

determinadas profissões, como as de alfaiate, sapateiro, carapina, tanoeiro, calafate,

ferreiro, vendeiro, vendeira de porta ou ganhadora de rua. Eram os negros que exerciam,

especialmente, ofícios que envolviam a lida com sangue, como os de cirurgião, sangrador,

barbeiro ou parteira. Interessante era a figura do barbeiro, que, além de suas atividades

específicas – cortar cabelos e fazer barbas –, também encanava pernas e braços quebrados,

tirava dentes, aplicava ventosas, sanguessugas e fazia sangrias67, além de ensinar música.

Não raras vezes tinha um conjunto musical e sua presença ficou marcada nas despesas,

por exemplo, das festas de Santo Antônio ou São Francisco, dos frades franciscanos,

de Salvador, que registravam a “música de barbeiros”, além da música de organista. Os

franciscanos também registraram, na década de 1830, a compra de oito navalhas, quatro

lancetas e dois boticões para seus escravos barbeiros68.

Jean Baptiste Debret69, no século XIX, dizia:

“[...] O oficial de barbeiro no Brasil é quase sempre um negro ou pelo menos escravo. Esse contraste, chocante para o europeu, não impede ao habitante do Rio de entrar com confiança numa dessas lojas, certo de aí encontrar numa mesma pessoa um barbeiro hábil, um cabeleireiro exímio, um cirurgião familiarizado com o bisturi e um destro aplicador de sanguessugas.”

Após 1808, 84% dos pedidos para o ofício de sangrador, feitos à Fisicatura-mor70,

eram de forros ou escravos. Em Minas Gerais, entre 1832 e 1871, todos os barbeiros tinham

essa condição71.

Alguns cronistas e historiadores notaram que se considerava socialmente

degradante para os homens brancos ocupar os ofícios mecânicos. Além “de serem muito

poucas as artes mecânicas e fábricas em que possam empregar-se, nelas mesmas o

não fazem, pelo ócio que professam, e a conseqüência que daqui pode tirar-se, é que

infalivelmente hão de ser pobríssimos”, dizia Vilhena72. Não era numerosa a classe dos

oficiais mecânicos, se forem contados entre os brancos. Permanecia a mesma situação

registrada por José da Silva Lisboa, como foi referido antes, em 1781.

Os dispositivos relativos à proibição da participação dos negros nos ofícios foram

se adaptando à nova realidade do Brasil, à medida que o tempo avançava. Apesar dessa

proibição, constante no Compromisso citado e, supõe-se, em outros compromissos, verifica-

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~56~

M o b i l i á r i o b a i a n o

se que a regra foi rompida, pois, nos séculos XVIII e XIX, encontram-se vários oficiais de

pedreiros e carpinteiros escravos. Mesmo assim, havia diferenças nas diversas atividades,

quanto à separação ou à aproximação entre as dos brancos e as dos negros.

Na realidade, o número maior de escravos e pardos que exerciam ofícios aparece

no século XIX, quando a Câmara já não controlava o ingresso nas profissões mecânicas e

as irmandades profissionais não possuíam mais sua antiga organização ou mesmo haviam

desaparecido. Aquele século também trouxe os imigrantes, que relativizaram a vilania a

que estavam supostamente condenados os oficiais mecânicos no período anterior.

Em qualquer ocupação, verificavam-se várias categorias relativas ao domínio e

à habilidade dos escravos. A classificação mais genérica dividia-os em ladinos, aqueles

que já dominavam a língua e costumes locais, e boçais, os que não tinham esse domínio.

Mas considerava-se também uma variedade de níveis, de meio boçais, meio desassisados,

meio oficiais, até negras “sem profissão, sarnentas e talabardeiras”73. Além disso, o escravo

podia ter apenas “princípios” de conhecimento, ser aprendiz, ter luz de ofício ou ser oficial

completo ou, ainda, oficial perito, oficial pouco perito – mas jamais mestre74. Não foi

constatada dominância de nenhuma das nações nos diversos ofícios. O comum era a

presença de várias nações, de acordo com a chegada de novos contingentes.

Entre os 2.399 escravos identificados de 1730 a 1830, num total de 263 inventários,

somente 25% das ocupações declaradas correspondiam às de oficiais mecânicos. Destes,

8% eram carapinas, 4% carpinteiros, 1% ferreiros. Por meio dessa amostragem verifica-se

que nenhum dos oficiais empregados na elaboração dos móveis era escravo ou homem

forro, o que é confirmado por Silva75 nas páginas da gazeta Idade d’Ouro do Brazil, nas quais

os artesãos mais mencionados são os escravos:

“estes eram oficiais, ou aprendizes das várias artes mecânicas necessárias à sociedade colonial. Eram pedreiros, carapinas ou carpinas, ferreiros, calafates, sapateiros, pedreiros, barbeiros, etc. Quanto a seus mestres, brancos, pois só estes possuíam a maestria, apenas acidentalmente lhes é feita referência nos anúncios [...]”

Entre os brancos, vários militares exerceram o ofício de marceneiro, como o alferes

Manuel de Souza Ribeiro (1725-1745), de origem portuguesa, o capitão Alberto Coelho

Pereira (1787-1802), o ajudante Francisco do Rosário Coutinho (1787-1797), o capitão

Lourenço Julião dos Reis (1788-1804) e o tenente Pedro Teixeira de Magalhães Garcia

(1788-1809). Todos exerceram cargos de juiz ou escrivão de ofício. Normalmente, tratava-

se de oficiais das tropas auxiliares, que não recebiam soldo e precisavam exercer outra

atividade para sua sobrevivência.

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

No século XIX, os oficiais mecânicos já trabalhavam por empreitada e reuniam em

torno de si outros artífices capazes de cumprir os contratos. Ainda assim, a mulher tinha

o direito de encabeçar os negócios do marido, caso este morresse. Por isso encontram-se

os nomes de Joana Luíza de Jesus (1820-1821) e Catarina Ferreira (1822) em pedidos de

licença para vender móveis, provavelmente peças deixadas pelos maridos por ocasião do

falecimento. Infelizmente não é possível identificar os respectivos maridos, porque não

havia, na época, a obrigatoriedade de uso do mesmo sobrenome entre marido e esposa e

mesmo entre os filhos.

o a r r u a M e n t o d o s o F í c i o s

Ainda nos setecentos, a Câmara tentava estabelecer as “arruações” dos ofícios.

O sistema de arruação fora adotado em Lisboa para facilitar a fiscalização efetuada pelos

juízes nas tendas dos oficiais mecânicos. Nas cidades portuguesas “urbanizadas” no estilo

que se observava em Salvador, as lojas e tendas espalhavam-se por “labirintos de velhas

ruas”, situação que tornava árdua a fiscalização. Com o arruamento obrigatório, “cada

ofício passou a ter um local determinado dentro da área da cidade e só nesse local os

respectivos oficiais podiam abrir loja”76.

Em Salvador foi determinado, pela Postura 33, de 178577, que os ferreiros e

caldeireiros deviam se instalar do trapiche do Azeite até o hospício dos Padres de São

Felipe Neri; os negociantes de atacado ou retalho, “promiscuamente”, da Alfândega até a

Igreja do Pilar, na Cidade Baixa, e, na Alta, das Portas de São Bento até as Portas do Carmo,

pela rua Direita, e do Taboão até a “Rua nova que se está fazendo”; os latoeiros, funileiros,

douradores e picheleiros, do início da ladeira das Portas do Carmo até a Cruz do Pascoal; os

mestres das tendas de barbeiro “que ensinam a tocar instrumentos”, no início da ladeira do

Álvaro (Alvo) e bairro da Saúde; os tanoeiros, na rua dos Coqueiros; os tabaqueiros, na rua

do Passo; os alfaiates, seleiros e sapateiros, na rua que vem das Portas de São Bento até as

Portas do Carmo, por trás de Nossa Senhora da Ajuda.

Aos marceneiros, torneiros, carpinteiros de móveis e samblagem, correeiros

e ferreiros, porém, não foram designadas áreas específicas. Pelas licenças e termos de

eleições, verifica-se que possuíam tendas ou lojas em vários pontos da cidade: ladeira da

Misericórdia, ladeira da Conceição, Terreiro, rua Direita das Portas do Carmo, São Bento, rua

Direita de Palácio, Maciel, Preguiça, rua do Tijolo, Saúde, trapiche do Azeite, Barroquinha,

rua do Passo, do Colégio, etc. Muitos desses artífices concentravam-se nas ladeiras do

Carmo e da Misericórdia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

M u d a n ç a s n o s é c u l o x i xAs cartas de examinações dos marceneiros não foram mais registradas nos livros

da Câmara a partir de 1819, as eleições aparecem até 1814 e as licenças, até 1831, com

muitas interrupções. Assim, desse período em diante, há poucas informações sobre os

oficiais mecânicos que trabalhavam na confecção de móveis.

Entre 1811 e 1821, o primeiro jornal baiano, a Idade d’Ouro do Brazil, trazia tanto

notícias sobre as lojas, bazares e artífices brancos, quanto se referia a escravos78.

Nesse século, a indústria estrangeira começava a invadir o mercado, bem como

os artífices ingleses, franceses e, principalmente, italianos. Com a presença dos artífices

de origem européia, coincidindo com a introdução de instrumentação mecanizada

inglesa, os homens de condição escrava participavam mais das tarefas de acabamento

de edifícios, móveis, ferragens, etc. Assimilando as técnicas, tornavam-se rivais de seus

próprios mestres de ofício, como observaram Debret79, em relação ao Rio de Janeiro, e

Koster80, em Pernambuco.

Muniz Barreto, em suas memórias publicadas em 183781, salientava as vantagens

da importação de “homens livres” africanos – que ficariam servindo na lavoura ou

“aprendendo, com mestres, artes e ofícios” –, que aceitariam melhor que os europeus os

trabalhos que a estes repugnavam. Vem, portanto, também do século XIX, a idéia conservada

por muitos de que os ofícios mecânicos eram considerados uma ocupação socialmente

desmerecedora desde o século XVI.

No Diário da Bahia dos dias 1 a 4 de maio de 1879, constam das listas de eleitores

para o referido ano muitos marceneiros, distribuídos por vários quarteirões da cidade. Para o

fim do século XIX, os “Arrolamentos das Casas de Negócio” fornecem algumas informações

acerca de depósitos de móveis, bazares de móveis novos e usados e oficinas de marceneiros.

Também as edições do Almanak administrativo, indicador, noticioso comercial e literário do

estado da Bahia trazem algumas indicações para os anos de 1898 e 1903. Outras poucas

informações são encontradas, ainda, na obra de Manoel Raymundo Querino82.

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

n o t a s

1 – Embora fossem considerados profissionais liberais, os artistas seguiram de perto os mesmos

rituais na elaboração de suas pinturas e esculturas, em relação à aprendizagem e hierarquia da

profissão, seguindo, também, a norma da cópia.

2 – O entalhador não tinha obrigação de cumprir os preceitos da Câmara por ser classificado

junto com o escultor.

3 – flexor, Maria Helena Ochi. Ofícios, manufaturas e comércio. In szMrecsányi, Tamás (Org.).

História econômica do período colonial. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1996. p. 189.

4 – ruy, Affonso. História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador. Salvador: Câmara

Municipal do Salvador, 1953. p. 175.

5 – Idem, p. 174.

6 – atas da câMara, 1625-1641. Bahia: Prefeitura Municipal do Salvador, 1944. v. 1, p. 16-19.

7 – O governo do Senado da Câmara era exercido pelos vereadores, mas, nos assuntos de

grande importância, estes deviam convocar o Conselho para que se ouvisse também o povo. Os

prejuízos das grandes concentrações fizeram nascer o sistema de representações delegadas, de

onde nasceu a “Casa dos Vinte e Quatro”. Essa casa, ou assembléia dos deputados dos ofícios

mecânicos, elegia os seus representantes ao Senado da Câmara, que eram o juiz do povo,

presidente da Casa dos Vinte e Quatro, e os procuradores dos mesteres, tendo a faculdade, em

última instância, de recorrer diretamente ao rei (langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios

mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1943. 2 v.; Idem. A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa;

subsídios para a sua historia. Lisboa: Imprensa Nacional, 1948).

8 – fazenda, José Vieira. As bandeiras dos ofícios. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 140, t. 86, p. 152-158, 1921.

9 – Como insígnias do cargo, em Lisboa, os procuradores dos mesteres usavam uma vara

vermelha e, em fins do século XVIII, passaram a usar espadim. Tinham privilégios atributivos de

direitos: administração autônoma, representação política (ruy, A. Op. cit., p. 176).

10 – Idem, p. 177.

11 – Podiam intervir somente nas questões relacionadas ao bom governo dos ofícios mecânicos,

abastecimento e preços dos gêneros usados na sua profissão.

12 – ruy, A. Op. cit., p. 181.

13 – Idem, p. 182-184.

14 – Idem. p. 185-188.

15 – vilHena. Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Bahia: Itapuã, 1969. v. 1. p. 79.

16 – Vide, também relacionado aos próprios oficiais mecânicos, as CARTAS DO SENADO (1690-

1710). Salvador: Arquivo Municipal do Salvador, 1962. v. 5, p. 90-91.

17 – flexor, Maria Helena. Oficiais mecânicos na Cidade do Salvador. Salvador: Prefeitura

Municipal do Salvador/Departamento de Cultura/Museu da Cidade, 1974. 90 p.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

18 – correia, Vergílio. Livro dos regimento dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal

cidade de Lixboa (1752). Coimbra: Imprensa da universidade, 1926. XIX + 255p.; langHans, f$.P.

As corporações...,1943.

19 – cartas do senado, Loc. cit., p. 90-91.

20 – Posturas, 1716-1742, Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação

Gregório de Mattos, fl. 20, ms.

21 – Postura 81, 1710, Lo 2º, Posturas (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador

/ Fundação Gregório de Mattos, fl. 50. Repetidas nos outros livros de posturas.

22 – atas da câMara, 1625-1641. Bahia: Prefeitura Municipal do Salvador, 1944. v. 1, p. 5.

23 – idem, p. 6. Repetida praticamente com o mesmo texto em 1631, 1710, 1716, 1690, etc.

24 – Idem. Repetidas nos mesmos anos.

25 – As licenças aparecem registradas na Câmara somente a partir de 1785. Em Lisboa,

com a criação da Junta do Comércio, a Câmara permitia, desde 1756, que os oficiais não

examinados tivessem suas lojas abertas, contanto que se submetessem ao exame no prazo

de seis meses prorrogáveis.

26 – licenças (1785-1791); licenças (1780-1791); licenças (1797-1801); licenças (1800-1811);

licenças (1820-1829), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação

Gregório de Mattos, ms.

27 – aHu, Loc. cit., v. 32, doc. 10.907, 1781. p. 504.

28 – flexor, Maria Helena Ochi. Os núcleos urbanos planejados do século XVIII: Porto Seguro

e São Paulo. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1989. p. 10-12; Idem. Núcleos urbanos

planejados do século XVIII e a estratégia de civilização dos índios do Brasil. In silva, Maria

Beatriz Nizza da. Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995. p. 86.

29 – leite, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, século XVI. Lisboa/Rio de Janeiro:

Portugalia/Civilização Brasileira, 1938, p. 26.

30 – Mariano filHo, José. O estilo ornamental D. João V e seus compromissos com a ornamentação

barroca de fundo jesuítico. Estudos de Arte Brasileira. Rio de Janeiro, s. n., 1943c. p. 61.

31 – Langhans dizia que “oficial é todo aquele que exerce o ofício; oficial examinado, o que

tem aprovação do exame; mestre de tenda chama-se o oficial examinado com estabelecimento

próprio; obreiro, ao que trabalhava numa tenda de mestre, sob as ordens do mestre, sem ter sido

examinado e recebendo salário” (langHans, F.-P. As corporações..., 1943, v. 1, p. XXI).

32 – correia, Vergílio. Livro dos regimento dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal

cidade de Lixboa; 1752. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926. p. 238-239.

33 – cartas do senado (1648-1692). Salvador: Prefeitura Municipal do Salvador, 1953, v. 3. p. 90-91.

34 – Provisões do senado (1699-1726); Provisões do senado (1741-1755); Provisões do senado (1754-

1770); Provisões do senado (1770-1788); Provisões do senado (1788-1789); Provisões do senado

(1811-1829); Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, ms.

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M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

35 – Postura 10, 1716, Posturas (1716-1742), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /

Fundação Gregório de Matos, fl. 9v, ms.

36 – santos, Noronha. Um litígio entre marceneiros e entalhadores no Rio de Janeiro, autos de

execução de 1759-1761. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de

Janeiro, no 6, p. 306, 1942.

37 – Idem, p. 308-309.

38 – licenças (1785-1791), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação

Gregório de Mattos, ms.

39 – oficiaes MecHanicos (1765-1799), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /

Fundação Gregório de Mattos. fl. 109,ms.

40 – licenças (1815-1820), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação

Gregório de Mattos, ms.

41 – Postura 49, Postura (1650-1787), fl. 44v; Postura 38, 1716; Postura (1760-1787), fl. 82;

Postura 40, 1690; Postura (1690-1696) (cópia), fl. 12, Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal

do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, ms.

42 – Postura 10, 1631, In: Posturas (1650-1787), fl. 2v; Postura 46, 1710. In: Posturas (1650-1787),

Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos. ms.

Repetidas nos mesmos termos em outros livros.

43 – Em Portugal, a palavra “bandeira” designava a própria corporação, constituída por uma

ou várias profissões, e tinha por insígnia um estandarte. O estandarte apresentava as imagens

dos padroeiros dos ofícios e acompanhava a corporação sempre que ela se reunia e comparecia

em público. Considerava-se o estandarte um elemento de elevação social. “O ofício é o grupo

natural profissional de ofícios, constituído para efeitos políticos, administrativos e religiosos”

(langHans, F.-P. As corporações..., 1943, p. XLII, XLVII).

44 – ruy, A. Op. cit., p. 166.

45 – Idem. p. 163.

46 – cartas do senado, 1638. p. 68; Provisões reais, 1641, fl. 125rv, 126rv. Arquivo da Prefeitura

Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, ms .

47 – ruy, A. Op. cit. p. 167.

48 – Apud fazenda, J. V. Op. cit., p. 155-156.

49 – atas da câMara, 1669-1684. Bahia: Prefeitura Municipal do Salvador, 1950. v. 5, p. 114

50 – Idem, p. 114.

51 – fazenda, J. V. Op. cit., p. 155-156.

52 – Postura 171, 1742. In: Posturas (1650-1787), fl. 117; Posturas (1716-1742), Arquivo da

Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fl. 32v, ms.

53 – ruy, A. Op. cit., p. 167.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

54 – Em Portugal, o Decreto de 7 de maio de 1834, do duque de Bragança, extinguiu os ofícios,

bandeiras, Casa dos Vinte e Quatro, procuradores dos mesteres e juiz do povo.

55 – Postura 27, 1785, L. 4º no livro de posturas. In: POSTURAS (1650-1787), Arquivo da

Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fl. 131rv. ms.

56 – O despacho de 16 de outubro de 1767, do Senado da Câmara de Lisboa, determinava que

os carpinteiros da rua das Arcas e os Marceneiros passassem a denominar-se carpinteiros de

móveis e “semblagem” (langHans, F. P., As corporações... v. 1, p. 495-505).

57 – azevedo, Thales. Povoamento da Cidade do Salvador, 3ed. Bahia: Itapuã, 1969. p. 226-

227. Segundo o regimento novo dos carpinteiros de móveis e samblagem, de 1767, de Lisboa,

os examinados deviam executar uma das seguintes obras: “Um retábulo de sete palmos, ou

como lhe determinarem os juízes, o qual levará suas colunas, e será feito debaixo do preceito

da arquitetura, ordenando os juízes de qualquer das cinco ordens, e desta há de fazer a obra

do exame. Farão também caixa de malhete de sete palmos, ou daí para baixo, um tamborete,

ou cadeira, conforme o uso, ou o que o examinante tiver aprendido” (langHans, F. P. Op. cit.,

p. 499).

58 – cartas de exaMe (1713-1723), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação

Gregório de Matos, fl. 87. ms.

59 – vasconcellos, Salomão de. Ofícios mecânicos em Vila-Rica durante o século XVIII. In: Revista

do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, no 4, p. 331, 1940.

60 – cartas de exaMinações (1770-1807), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador, fl. 224v-

225. ms. Embora fosse proibido, verifica-se que José Gomes Romão acabou por examinar seu

parente Vitorino Gomes Romão.

61 – aHu, Baia, doc. 1283 antigo, Salvador, 1780, avulso, ms.

62 – langHans, F.-P. As corporações... v. 1. p. 274-282.

63 – flexor, M. H. Oficiais mecânicos..., 1974. p. 79.

64 – Provisões do Senado (1699-1726); Provisões do Senado (1741-1755); Provisões do Senado

(1754-1770); Provisões do Senado (1770-1788); Provisões do Senado (1788-1789); Provisões

do Senado (1811-1829); Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de

Mattos, ms.

65 – Seu filho Manoel Rodrigues Marrecos também exerceu a atividade de marceneiro no

princípio do século XVIII.

66 – O direito de executar obras brancas foi acusado nas cartas de examinações entre 1740

e 1760.

67 – As sangrias eram feitas por meio de ventosas, escariações ou aplicação de sanguessugas,

ou, ainda, por via arterial (arteriotomia) ou venal (flebotomia), em diferentes partes do corpo, no

local onde o mal se alojava e devia ser extirpado. Podia obedecer às estações do ano. Também

eram feitas escariações a navalha, permitindo o sangue aflorar com a aplicação de ventosas

(Priori, apud jesus, 2001. jesus, Nauk Maria de. Saúde e doença: práticas de cura no centro da

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~63~

M ã o d e o b r a : o s o f í c i o s m e c â n i c o s

América do Sul; 1725-1808, disponível em <www1.capes.gov.br/teses/pt/2001_mest_ufmt_

nauk_maria_de jesus,pdf>, acesso 6 nov. 2006. p. 90).

68 – livro dos guardiães do convento de são francisco da baHia; 1587-1862. Rio de Janeiro: Ministério

da Educação e Cultura/Iphan, 1978. p. 43.

69 – Apud toledo, Roberto Pompeu de. À sombra da escravidão. In Revista Veja, no 1444, 15 mai

1996. Disponível em <www.revista.agulha.nom.br/pompeu/01.html>. Acesso em 16 out. 2006

70 – Provia os médicos.

71 – jesus, N. M. de. Loc. cit., p. 94-95.

72 – vilHena, L S. Op. cit., v. 3, p. 915.

73 – inventários, Loc. cit., doc. no 04/1710/2180/06, 1811, ms.

74 – Contraditoriamente, chegavam à maestria como mestres de embarcações – nas quais

podiam fugir com mais facilidade –, tanto de navegação costeira, quanto de longa distância.

75 – silva, Maria Beatriz Nizza da. A primeira gazeta da Bahia: Idade d’Ouro do Brazil, 2ed.

Salvador: Edufba, 2005. p. 168-169.

76 – langHans, F.-P. As corporações..., v. 1. p. 8.

77 – In: Posturas (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório

de Mattos. fl. 134. ms.

78 – silva, M. B. N. da. Op. cit., 2005.

79 – debret, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins Fontes,

1940.

80 – Koster, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil, 2 ed. Recife: SEC/Departamento de Cultura,

1978. (Coleção Pernambucana, 17.)

81 – barreto, Domingos Alves Branco Muniz. Memória sobre a abolição do comércio da

escravatura. In Memórias sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1988. (Memória

escrita em 1817, publicada em 1837.)

82 – querino, Raymundo Manoel. querino, Manoel Raymundo. Artistas bahianos; indicações

biographicas. 2ed. Bahia: A Bahia, 1911. p. 152-154, 239-254.

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~64~

M o b i l i á r i o b a i a n o

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Materia is ut il izados

5

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~67~

Examinam-se a seguir os materiais utilizados na confecção dos móveis na Bahia,

no período abordado.

M a d e i r a s

Desde cedo as florestas brasileiras, especialmente as da orla Atlântica, começaram

a ser exploradas. Suas madeiras eram enviadas para as obras da corte, sobretudo para

o Arsenal da Marinha. Logo, porém, reis, governadores e câmaras tomaram providências

contra a depredação arbitrária das matas1.

As madeiras utilizadas na construção dos móveis vieram principalmente das

regiões sul e sudeste da Bahia e do Espírito Santo2. A região da Capitania de Ilhéus forneceu

grande quantidade desse material até o século XIX.

Até 1780, os móveis eram feitos quase que essencialmente de três espécies de

madeiras: o jacarandá, o vinhático – em igual quantidade – e a madeira branca. Esta última

foi utilizada principalmente na confecção de móveis de uso popular e de serviços domésticos.

Baltazar da Silva Lisboa, Juiz Conservador dos Cortes de Madeiras, a mando de D.

Maria I, catalogou e descreveu todas as espécies existentes na mata Atlântica, em torno

de Ilhéus e Cairu, onde se fixou. De acordo com o juiz, o jacarandá servia para todas as

obras de decoração e ornatos das salas, e complementava: “a sua cor é preta luzente”3. Já

o vinhático, segundo Vilhena, “é bem conhecido por todos, serve tanto para marcenaria,

como para a construção de edifícios e naval”4. Lisboa5 dizia que servia para cintados,

“alcaixes”6 e tabuados de coberta e obras das salas, e recomendava que, para as obras

serem duráveis, era preciso pregar as tábuas com pregos de cobre, porque os de ferro

“abrem com a ferrugem buracos no lugar pregado”.

A madeira branca é referida na grande parte dos inventários pesquisados. Em

documentos portugueses, aparecem também com a mesma denominação, tendo seu uso

inclusive proibido:

“há cento e vinte anos pouco mais ou menos mostrando a experiência que uma certa espécie de madeira branca que, nesse tempo, vinha do Brasil, era muito vaporosa e quebradiça se lhe fez um capítulo dezenove do mesmo Regimento uma genérica proibição para não poderem lavrar madeira branca que daquele Estado viesse.”7

As madeiras estavam se extinguindo em Portugal e se notificava que “se lhe vai

também extinguindo a nogueira”. E observava-se:

“[para o] bem comum e por esta razão os obriga a necessidade a se valerem algumas vezes de outra espécie de madeira branca do mesmo Estado do Brasil

M a t e r i a i s u t i l i z a d o s

Banca de esbarra rococó (alterada), século XIX. Museu de Arte da Bahia.

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~68~

M o b i l i á r i o b a i a n o

diferente daquela que lhe está proibida porque se achou espécie de madeira branca do mesmo Estado do Brasil diferente daquela que lhe está proibida porque se achou há poucos anos e em que continuamente vem os açúcares, daquelas partes bastante prova da sua bondade e fortaleza pelo grande número de arrobas que em si sustenta [...]”8

Pedia-se que:

“lhes faça mercê mandar-lhes emendar o dito capítulo dezenove declarando-se que nele se não entendia proibida esta boa madeira branca que hoje vem daqueles Estados do Brasil”.

O despacho do Senado da Câmara aprovou o uso dessa madeira branca,

proibindo, entretanto, de se “dar tinta de nenhum gênero”. O documento datava de 12

de agosto de 16899.

Marcgrave10 falava que a madeira própria para as caixas de açúcar era o “camaçari”,

mas a apontava como amarela. A mesma madeira foi indicada como própria para caixas

de açúcar na obra de Gabriel Soares de Souza11, servindo “para toda a obra das casas, de

que se faz muito tabuado para elas”. As posturas da Câmara taxaram várias madeiras,

como o “tabuado de camaçari para os altos tambores barcal”, putumuju, vinhático, louro,

paraparaíba, cedro, jataipeba, maçaranduba. Sem se referir à madeira, dizia “que nenhuma

pessoa que fizer caixões os poderá vender por mais de dez tostões cada um”12.

Vilhena e Silva Lisboa se referiam às várias madeiras próprias para caixas de

açúcar sem, no entanto, designar especificamente a madeira branca. Não se conseguiu,

pois, identificá-la melhor, embora Franco13 destaque o uso contínuo do pinho em Lisboa,

entre 1750 e 1800.

É interessante verificar que alguns autores deram notícias escassas acerca do

jacarandá. Dois exemplos são Gabriel Soares de Souza e Luís dos Santos Vilhena. O primeiro,

colocando o jacarandá apenas entre as “árvores de cheiro”, acrescentava que “é muito dura

e boa de lavrar para obras primas”. E prosseguia, em outro trecho: “parece razão que se

dê o primeiro lugar ao vinhático: serve para as rodas dos engenhos, para outras obras

deles, e para casas e outras obras-primas.”14 Gonzaga15 apontou dois tipos de jacarandá, o

jacarandatã ou jacarandá-pardo e o jacarandá-violeta ou caviúna, indicando este último

como próprio para móveis de alto padrão, peças torneadas, etc.

Vilhena falou, com entusiasmo, das madeiras sebastião-de-arruda, pequiá-

marfim, pequiá-gema, pequiarana, cupiúba e bacuri, não fazendo referências ao jacarandá.

Esse cronista viveu na Bahia numa época em que os trabalhos de marchetaria estavam em

moda, bem como os móveis feitos inteiramente com madeiras claras. O uso de madeiras

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~69~

M a t e r i a i s u t i l i z a d o s

claras estendeu-se mais ou menos de 1780 a 1820. O jacarandá e o

vinhático não deixaram de ser utilizados nesse período, mas não na

escala anterior. Os embutidos, ou trabalhos de marchetaria, eram feitos,

ainda, com outros tipos de madeiras, como gonçalo-alves e cedro. O

autor dizia que “sebastião-de-arruda é das melhores, e mais lindas

madeiras, que se tem descoberto para folheados na marcenaria, toma

bom lustro, é muito durável, conserva por largo tempo a sua gala; na

duração porém de muitos anos vem a escurecer”16, enquanto Lisboa17

afirmava que o “sebastião-de-arruda [...] serve para molduras, obras de

decoração, e marchetaria”.

Pequiá-marfim, ou gema, pequiarana, cupiúba, bacuri, segundo

Vilhena18, eram “madeiras também preciosas e as primeiras com os

mesmos préstimos (que a sebastião-de-arruda), se bem que destas se

podem fazer obras maiores”, enquanto Lisboa19 afirmava que pequiá-

amarelo é “macia a madeira no serrar e lavrar, [...] serve para obras de

ornato das salas, marchetaria, e mais obras de carpintaria”.

O trabalho de marchetaria (figura 3), comum a partir de meados

do século XVIII, era feito com as madeiras mencionadas e, ainda, com

a denominada gonçalo-alves, que, para os dois autores citados, tinha

grande valor, “é madeira tão estimável quanto tem de linda, e com

as mesmas aplicações e preços que a de sebastião-de-arruda”20, ou “é

árvore [...] que pela dureza, polimento, brilhantismo de suas ondeações,

faz-se uso para trastes de ornatos, molduras, e obras de marchetaria.”21

Nos princípios do século XIX outras madeiras vieram concorrer com o jacarandá

e o vinhático, substituindo a madeira branca. Nos inventários aparece citada uma espécie

de madeira que chamavam “madeira do norte”, bastante utilizada entre 1800 e 1850.

Acredita-se ser essa madeira a “violete”, de que faz referência Vilhena22, que a qualificou

como “madeira das mais estimáveis e preciosas, que se tem descoberto no Brasil, sendo

a comarca do Ceará que fornece abundância dela”, enquanto Balthazar da Silva Lisboa23

dizia que “serve para obras de ornato, cadeiras, molduras e marchetarias”.

Cedro, putumuju, conduru e louro foram algumas das madeiras mais usadas em

Salvador no século XIX, além do mogno, bastante freqüente em Mato Grosso e Goiás. Silva

Lisboa24 achava que o cedro é “árvore de maravilhosa grandeza [...] de que se faz uso em

costado grosso dos navios, figuras, caixilhos, tabuados de forro, obras de entalhador e

canoas”, e foi a madeira geralmente usada nas talhas e imagens dos santos em geral.

3 – Tampo de cômoda (detalhe), estilo rococó, século XVIII. Exemplo de trabalho de marchetaria. Acervo do Museu de Arte da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

c o u r o s

Os couros eram de origem local. Partindo dos núcleos iniciais, Bahia e Pernambuco,

as fazendas de gado rapidamente se multiplicaram em direção ao norte e nordeste, graças

aos Garcia d’Ávila. Forneciam o couro para todas as manufaturas que o utilizavam:

de sapatos e cintos a canastras, baús, assentos e encostos de cadeiras e preguiceiros,

lastros de camas, selas, arreios. Recebia-se, também, a “courama” do Ceará e da Paraíba,

transferindo-se o mercado fornecedor para o Rio Grande de São Pedro do Sul “depois

que as secas extremosas consumiram todos os gados naquelas paragens” do Nordeste25.

Chegou-se a exportá-lo26.

O couro foi um dos materiais acessórios mais importantes, utilizado desde os

primórdios da construção do móvel baiano. Em 1825 encontram-se alguns exemplares de

móveis encourados e artífices que ainda exerciam a profissão de correeiro.

Desde o século XVII, até meados do século XVIII, usou-se, sobretudo, o couro

picado, em especial o lavrado (figura 4), ou simples. Entre 1770 e 1820, o couro, ou sola

picada (figura 5), como era denominado na época, tornou-se novamente moda.

Até o século XVIII, o couro foi o material por excelência, usado nos assentos e

encostos das cadeiras. Nas últimas décadas desse século e primeiras do seguinte, apareceu

em preguiceiros, marquesas e mesmo camas.

O trabalho de couro era realizado pelos correeiros de obra grossa, “correeiros

lavradores de couro de cadeira e tamborete” e picadores de couro.

Aos correeiros cabia, em Lisboa, fazer:

“cadeiras e tamboretes de todas as castas, ou sejam guarnecidos de couro ou de seda de lã ou droga e de outro qualquer gênero, baús, caixas guarnecidos de couro, ou seda, ou de qualquer casta [...] de couro ou de lã.”27

Em Salvador, constatou-se, faziam os mesmos serviços.

Embora, desde o fim do século XVII, encontrem-se referências a “picadores de

cadeira e tamboretes”, somente na segunda metade do século XVIII os correeiros passaram

a se denominar, comumente, “picadores de couro” ou de “sola”. É interessante destacar

que a maioria desses “picadores de couro”, ou “oficiais pica couro”, tinham suas tendas

e lojas instaladas na ladeira da Misericórdia, entre eles Manuel Francisco (1787-1793)28,

João Batista de Matos (1787-1796), Jerônimo Soares da Cruz (1787-1789), Pedro de Santa

Tereza (1789-1807), Joaquim Vaz Silva (1791-1806), Manuel Soares da Cruz (1794-1797),

Pedro Antônio Pinto (1798-1800) e Manuel Luís Teixeira (1802-1821).

4 – Assento de couro lavrado, motivos rococós, pregaria fina, século XVIII. Antigo

Museu do Carmo.

5 – Assento com couro picado, pregaria miúda,

elementos decorativos com curvas rococós, século XVIII.

Acervo do antigo Museu do Carmo.

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~71~

M a t e r i a i s u t i l i z a d o s

Alguns nomes de famílias, cujos membros se dedicaram ao ofício de correeiro,

destacaram-se durante o período estudado, como os Berlinque – João Batista (1714-1754)

e Alexandre (1725-1740), que foram juízes e escrivão do ofício durante vários anos, na

primeira metade dos setecentos –, os Soares da Cruz – Serafim (1729-1754), também juiz e

escrivão, Jerônimo (1787-1789) e Manuel (1794-1797) –, e os Vaz Silva – Antônio (1748),

escrivão nesse ano, Joaquim (1791-1806) e Germano Antônio (1793-1796).

O ofício era regulamentado, igualmente, pelas posturas da Câmara29. Contava

com um só juiz e um escrivão, eleitos com um juiz de seleiro. O escrivão era comum aos

dois ofícios.

As últimas posturas referentes ao ofício datam de 1785. As licenças para exercer a

profissão, ou abrir tenda, prolongaram-se até as primeiras décadas do século XIX.

M e t a i s

Apesar da tradição ibérica e lusa, não foram muito numerosos na Bahia os móveis

com acessórios em prata. Em todo o universo de inventários consultados, encontraram-se

apenas três exemplares de “contador de jacarandá com feição de dezesseis gavetas com

cinco rendas e os espelhos das fechaduras de prata” e nenhum exemplar nas coleções.

Até o final do século XVIII e mesmo parte do seguinte, a maioria das ferragens de

guarnição dos móveis era de ferro estanhado, excetuando-se as cadeiras que, desde cedo,

levavam pregaria dourada. Todo esse material vinha de Portugal, embora fossem usadas

fechaduras, chaves e missagras tanto originárias do Reino quanto confeccionadas pelos

serralheiros que trabalharam em Salvador. Os serralheiros e ferreiros eram numerosos na

cidade, havendo entre eles um grande número de negros escravos e forros.

Os serralheiros, igualmente, eram regulados pelas posturas da Câmara, que

estabeleciam no “Regimento dos Serralheiros”:

“Levarão os serralheiros de uma fechadura mourisca sem aldraba, e com os mais apetrechos seiscentos e quarenta réis e com aldraba oitocentos réis sendo das grandes e das pequenas, quinhentos réis

De uma chave mourisca chã, duzentos réis

De um aldrabão, duzentos réis

De uma aldraba, cento e sessenta réis

Missagras de porta de dez buracos, trezentos e vinte réis, por cada uma de oito buracos, duzentos e quarenta réis

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M o b i l i á r i o b a i a n o

De seis buracos, cento e sessenta réis e as mais pequenas a cento e vinte réis com seus pregos e todas as sobreditas coisas serão estanhadas elevando ou vendendo por mais pagarão de pena seis mil réis”30.

Esse regimento data de 1672. Os regimentos para os anos seguintes eram quase

idênticos. A taxação sofreu alterações mínimas, mesmo nos preços. Ainda em 1785 usavam-

se os mesmos materiais, como se vê abaixo:

“Por uma fechadura grande mourisca com aldraba com todos os seus ornamentos, 800 réis

Por uma fechadura pequena, 560 réis

Por uma chave mourisca, 240 réis

Por um aldrabão, 200 réis

Por uma missagra de oito buracos, 160 réis

Por uma dita de dez buracos, 240 réis

Por cada uma dita mais pequena de janela, 100 réis com seus pregos, e toda a mais ferragem a convenção das partes. E levando por mais dos preços [...] pagará 6$000 de condenação, e trinta dias de Cadeia.31

Os próprios mestres avaliadores não seguiam muito de perto as taxas estabelecidas

pelas posturas. Assim, no auto de partilha de Manoel João da Silva, ferreiro e serralheiro,

em 1721, encontravam-se entre o “ferro-velho”:

“Trinta e duas fechaduras mouriscas feitas na tenda e com seus aparelhos todas a mil réis cada uma.

Sete fechaduras mouriscas feitas no Reino com seus escudos somente a seiscentos e quarenta réis cada uma.

Duas fechaduras ditas sem escudos a quatrocentos cada uma.

Nove fechaduras de gaveta feitas no Reino a trezentos e vinte réis cada uma.

Uma fechadura de caixa feita no Reino em quatrocentos e oitenta réis.

Duas fechaduras de caixa a duzentos réis cada uma.”32

A partir da segunda metade dos setecentos, os ferros estanhados ou os polidos

foram substituídos por latão amarelo, liga de cobre e zinco (figura 6), ou por madeira,

menos em algumas caixas que continuaram a ter as “mouriscas” (figura 7), com as mesmas

6 – Puxador de latão de gaveta de cômoda, perfil

rococó, século XVIII. Acervo do Museu de Arte da Bahia.

7 – Fechadura mourisca, persistente nas caixas no

século XVIII. Acervo do Museu do Mosteiro de São Bento.

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M a t e r i a i s u t i l i z a d o s

características dos séculos anteriores. Assim, os móveis podem ser classificados também

por essas ferragens, quando originais:

“Vinte e uma dúzias de fechaduras envernizadas para caixa a mil quatrocentos e quarenta a dúzia.

Noventa e três dúzias de botões puxadores a mil e seiscentos réis a dúzia.

Trinta e sete dúzias e seis botões pequenos a setecentos e vinte réis a dúzia.

Cento e quarenta e oito dúzias de pares de ferragens de gaveta a três mil e duzentos réis a dúzia.

Onze dúzias de fechaduras de latão para frasqueiras a mil e duzentos réis a dúzia.

Seis dúzias de fechaduras de latão para arca a três mil e seiscentos réis a dúzia.

Onze dúzias de arranquetas de latão pequenas a oitocentos e quarenta réis a dúzia.”

O exemplo foi extraído da avaliação dos bens da loja de ferragens de

propriedade de Sebastião José Coelho, na rua da Cruz do Pascoal, em 181433, avaliados

pelos peritos designados.

A partir do começo do século XIX, esses metais de latão dourado continuaram

a ser usados, juntamente com outros, muitos dos quais estrangeiros, como “fechaduras

inglesas para baus”, “cravos baixos dourados de Lisboa”, “fechaduras do Porto para armário”,

“fechaduras holandesas com chaves soltas”, ao lado de “fechaduras de pau”, fechaduras

de madrepérola e puxadores de madeira (figura 8). Esses dados foram tirados da relação

dos bens da loja de ferragens de Domingos José Antônio Rabelo, de 183234. Somavam-se

puxadores de cristal, especialmente os verdes (figura 9).

9 – Puxadores de cristal verde, século XIX. Acervo do Museu Fundação Carlos Costa Pinto.

8 – Caixa com fechadura de marfim e puxadores de madeira. Acervo do Museu de São Bento.

v i d r o s

Consta que as janelas envidraçadas surgiram na Igreja dos Jesuítas, em 1670. Era

material raríssimo, todo ele vindo da Europa. Até então, a maior parte da vidraria vinha de

Portugal ou de outros países, mas através do Reino. No fim do século XVIII, Portugal ainda

consumia o vidro “verde” da Alemanha, França e Inglaterra. Da tradicional região vidreira

veneziana teriam saído alguns vidreiros que se radicaram nas florestas da Bavária e da

Boêmia. Atribui-se a eles a produção desse vidro de cor esverdeada, que foi chamado vidro

florestal ou da floresta, do alemão Waldglas.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Nas casas, a vedação dos vãos se fazia com rótulas, gelosias ou muxarabis, durante

todo o setecentos. Esses tipos de vedação foram proibidos em 1821, por tomarem boa parte

das estreitas ruas e por serem considerados indecentes, entre outras alegações. Os vidros

nas janelas de guilhotinas só se popularizariam a partir de então.

Apenas no começo do século XIX o vidro começou a se vulgarizar em Salvador.

Atingiu as janelas das casas, os oratórios e os armários; substituiu os candeeiros de latão ou

de madeira torneados, e os oratórios. Substituiu os “cocos de madeira torneados para beber

água”. A casa baiana deixou-se invadir por espelhos e mangas de vidro. Estas cobriam os

santos e, além disso, foram para a mesa, para os aparadores, para as paredes, para o teto.

O vidro, quando apareceu na corte, foi monopólio das “fábricas privilegiadas”

portuguesas. Segundo os escritos de Manoel Joaquim Rabelo, de 179335, “este artigo de

vidro não deveria ser protegido com tanto desvelo como se fosse o mais importante e

que dele dependesse a felicidade da Monarquia”. Entende-se esse protesto, verificando-se

que constavam do mapa de importação de 1797, saídos da corte de Lisboa e pela cidade

do Porto, das Fábricas Privilegiadas para a Bahia, 294 caixotes de vidros num total de

1:764$000 réis36.

Isso se passou até que Sua Alteza Real “houve por bem [...] e por Provisão [...] de 15

de fevereiro de 1815 a requerimento de Francisco Ignácio de Siqueira Nobre [...]”:

“em benefício da Real Fábrica de Vidros desta Cidade, permitir, que nas tabernas

se possa usar dos copos pequenos ficando nesta parte abolida esta Postura quanto ao uso

deles somente para os licores mas não para por ele se medir coisa alguma, nem vender.

Bahia, em Câmara 1 de Abril de 1815. Almeida.”37

Era, praticamente, a liberação do vidro em Salvador. Podia-se usar nas tavernas os

copos que chamavam “de Frade”, ou o copo grande38. Desde 1810, Siqueira Nobre instalara

a Real Fábrica de Vidros em Salvador, por licença especial de Sua Majestade, D. João VI,

de 12 de janeiro daquele ano. Produzia frascos, vidros lisos, garrafas e garrafões. Encerrou

seus trabalhos por razões financeiras. Depois dele tem-se notícias de fábricas fundadas no

Rio de Janeiro, em 1839, mas, até o fim do período estudado, a Bahia não produziria mais

os vidros necessários para o seu crescente consumo, especialmente na capital.

Algumas fábricas foram criadas no Reino, como a de Coina e a de Vilarinho das

Furnas, mas, sob a pressão dos ingleses, a primeira fracassou e a segunda foi saqueada.

D. José deu proteção e privilégios à Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, sob a

orientação de um inglês, William Stephens. Com artífices ingleses, genoveses e alemães,

fabricava-se ali “obra-prima”, vidro de espelho e vidro para vidraça. Com a invasão francesa,

a fábrica foi seqüestrada. O vidro francês tornou-se mais abundante no século XVIII, pois

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M a t e r i a i s u t i l i z a d o s

~75~

sua fabricação teve o apoio de Luís XIV, que criou a Companhia Saint-Gobain, hoje ainda

sobrevivente, mas pertencente à iniciativa privada.

Outras fábricas foram estabelecidas a partir das primeiras décadas do século XIX,

mas parece que não tinham o apoio dos próprios portugueses, “para quem nada era a

indústria pátria, ao passo de ser tudo para eles a indústria inglesa”. Mas, além dos vidros

ingleses, durante todo o século XIX vieram as mangas de vidro e lustres de baccarat

franceses. Já a essa altura, 1840, a Siemens produzia vidro em larga escala, confeccionando

recipientes e vidros planos.

n o t a s

1 – Para documentação a respeito ver Mauro, Frédéric. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIème

siècle, 1570-1670. Paris: Sevpen, 1960. p. 120-126. No Arquivo Histórico Ultramarino consta

numerosa documentação, comunicando o envio de madeiras para o Arsenal da Marinha.

2 – Até meados do século XVIII, o território hoje correspondente à Bahia era formado por três

capitanias: Ilhéus, Porto Seguro e Bahia propriamente dita. Alcançava parte do Espírito Santo e

o atual estado de Sergipe.

3 – lisboa, Balthazar da Silva. Riquezas do Brasil em madeiras de construcção e carpintaria. In

Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Bahia, no 26, p. 243 e segs., 1926.

4 – vilHena, L. S. Op. cit., p. 699.

5 – lisboa, B. S. Ob. cit., p. 258.

6 – Significado não encontrado. Provavelmente refere-se a caixas, ou melhor “de caixas”.

7 – langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional,

1943. v. 1, p. 479.

8 – Idem.

9 – idem, v. 1, p. 479.

10 – Marcgrave, Jorge. História natural do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial, 1942.p. 102.

11 – souza, Gabriel Soares de. Noticias do Brasil. São Paulo: Martins, s.d,, t.2, cap. 67, nota 1).

12 – Postura 111, 1710. In: POSTURAS (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador

/ Fundação Gregório de Mattos, fl. 53.

13 – franco, Carlos José de Almeida. O mobiliário nas casas das elites lisboetas nos finais do

Antigo Regime. Porto: Universidade Católica Portuguesa /Escola das Artes, 2007.

14 – souza, G. S. de. Op. cit., cap. 72, p. 73; cap. 64, p. 54-55.

15 – gonzaga, Armando Luiz. Madeira; uso e conservação. Brasília: Iphan/Monumenta, 2006. p.

202-205.

16 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 3, p. 696.

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17 – lisboa, B. S. Op. cit., p. 256.

18 – vilHena, L.S. Op. cit., v. 3, p. 697.

19 – lisboa, B. S. Op. cit., p. 253.

20 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 3, p. 697.

21 – lisboa, B.S. Op. cit., p. 242.

22 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 3. p. 697. Indaga-se se Vilhena, ao falar em “violete”, não estaria se

referindo ao jacarandá-violeta, já que em sua obra não nomeia o jacarandá, tão usado na Bahia.

23 – lisboa, B. S. Op. cit., p. 258.

24 – idem, p. 237.

25 – vilHena, L. S. Op. cit., v. 1, p. 57-58.

26 – aHu, Loc. cit., doc. 11.477 (1784), 1914, v. 32, p. 533. ms; Pinto, Augusto C. e nasciMento, J.

F. S. Cadeiras portuguesas. Lisboa: Bertrand, 1952. p. 60-61.

27 – Regimento dos correeiros In: langHans, F.-P. Op. cit,. v. 1, cap. 20. p. 700-701.

28 – As datas representam os limites entre os quais existem referências nos documentos. Isto

não quer dizer que a atividade desses artífices não tenha se estendido antes e depois do período

fixado. Embora deficientes, colocam-se as datas a fim de possibilitar a localização dos oficiais

correeiros no tempo.

29 – O regimento dos correeiros será transcrito no momento em que se tratar de móveis que

traziam o couro como complemento.

30 – Postura 17, 1785. In: Postura (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /

Fundação Gregório de Mattos. fl. 128v.

31 – Idem.

32 – inventários, Loc. cit., doc. no 2/620, Manoel João da Silva, 1721, fl. 97. ms

33 – idem, doc. no 7/693, 1814, fl. 12. ms.

34 – idem, doc. no 1/778, 1832, fl. 17. ms.

35 – apud valente, v asco. O vidro em Portugal. Porto: Portucalense, 1950. p. 52.

36 – cartas do governo (1797-1798), Loc. cit., fl. 278v. ms.

37 – Posturas de 1716. Nota à margem esquerda do livro de Posturas (1650-1787), Arquivo da

Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fl. 79v.

38 – idem.

Bofete barroco, século XVIII. Sacristia da Igreja de São Francisco, Salvador.

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M a t e r i a i s u t i l i z a d o s

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Móveis e Mobil iár io

6

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Neste trabalho optou-se pelo emprego dos termos mais genéricos, historicamente

consagrados e comumente usados no mundo Ocidental para designar os estilos dos

móveis: renascentista, barroco, rococó, neoclássico, eclético. Para especificar os móveis,

serão utilizados os mesmos termos empregados na época, constantes nas avaliações de

bens dos inventários, como torneado, retorcido, talha, gavetas e pés de volta, pés de galo,

pés de burro, etc. O significado de cada um desses termos está explicado no texto ou no

glossário. Contraria-se, pois, os autores que tomaram a divisão por reinados para permitir

uma compreensão associativa tempo-estilo-forma, conforme foi referido.

É certo que alguns autores adotaram a divisão por reinados apenas para permitir

uma compreensão associativa, mais inteligível que puramente cronológica. Seu uso muitas

vezes se explica por ser uma divisão didática e que já está consagrada. Porém, assimilou-se

de tal modo as formas dos móveis às figuras dos reis, que essa relação perdeu o caráter

simplesmente associativo, tornando-se sugestiva de que os estilos e modas de cada tempo

são fruto da intervenção direta da pessoa do rei.

Se houve interferência governamental no estilo dos móveis, esta foi levada a

efeito pelo Senado da Câmara, por meio das posturas e suas aplicações, da taxação dos

preços relacionando o tipo de obra, material e seu modelo, de sua fiscalização sobre os

oficiais mecânicos, da determinação dos modelos que deviam ser executados por ocasião

das examinações, etc.

Embora a interferência do Senado da Câmara tenha sido menor, por razões já

referidas, em Salvador e no Brasil em geral, vários foram os portugueses que trabalharam nas

diversas partes do território sob domínio luso, tendo trazido da corte seus hábitos pessoais

e profissionais. Como se viu, grande parte dos marceneiros, torneiros, ensambladores e

carpinteiros de móveis e samblagem portugueses, que vieram para a Bahia no século XVIII e

começos do XIX, seguiram as normas ditadas pela Câmara e, certamente, exerceram grande

influência sobre os locais.

Mesmo em Portugal, somente em última instância solicitava-se a intervenção do

rei, havendo casos em que a resolução real foi revogada em parte em favor da Câmara e

da Casa dos Vinte e Quatro1.

As “modas” na Bahia, todas elas importadas, atingiam as camadas mais abastadas,

em primeiro lugar, sendo depois vulgarizadas através da produção dos mesmos modelos

de móveis no tipo “ordinário” ou comum. Eram adaptadas, por assim dizer, ao mercado

consumidor local, que incluía desde os que tinham algumas posses até os que dispunham

de condições para adquirir o que, na época, ainda se apresentava como supérfluo.

M ó v e i s e M o b i l i á r i o

Banca de esbarra rococó, séculos XVIII-XIX. Museu de Arte da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Não havendo padronização social, mas classes sócio-econômicas distintas, na

época em que o Brasil era possessão lusa, nota-se que a vulgarização de certos modelos

de móveis só se verificou alguns anos após a sua introdução nas residências mais nobres.

A cronologia utilizada no presente trabalho está baseada nessa vulgarização dos modelos

e não nas datas de introdução de raros modelos da moda européia.

A casa baiana, no período estudado, não se prendeu a estilos de móveis

cronologicamente distintos, mas a modelos específicos de móvel. O mais comum, numa

residência baiana, nos séculos estudados, era a utilização dos três tipos de móveis já

destacados – de luxo, ordinários e toscos –, dependendo dos aposentos e sempre com

estilos misturados.

Em Salvador, os marceneiros vendiam em suas lojas não somente móveis novos,

mas também móveis ou trastes usados, – e por vezes fora de moda –, sendo estes acessíveis

aos mais pobres. O costume de comprar e utilizar móveis usados foi bastante comum

e se prolongou, ainda, até o período da República. Na ladeira e na rua da Misericórdia

havia vários “bazares” de móveis usados. Era costume, também, adquiri-los em leilões dos

espólios. Podiam ainda resultar de herança.

a p r o c e d ê n c i a d o s M ó v e i s

Como primeira capital administrativa do Brasil, até 1763, e mesmo posteriormente,

a Bahia recebeu influência direta de Portugal e, através deste, principalmente da Inglaterra,

Espanha, Itália e França. No mapa de “Importação sobre a Cidade da Bahia, fornecida

pela Capital Corte de Lisboa e pela Cidade do Porto”, de 1797, encontram-se os artigos:

“ditas [drogas] de alfaias particulares, tamboretes, canapés, cômodas, banquinhas, tremós,

lustres, utensílios de cozinha, pratas de mesa e de casa, [...] carruagens e seus acessórios

tudo em 20:000$000”2. Manufaturas inglesas, como relógios de parede, espelhos pequenos

e de vestir, baús de couro e caixas, eram utilizados em Salvador, no século XIX. Adquiridos

por Portugal, passavam para o Brasil3. Desde o século anterior tinha-se criado um mercado

de exportação inglês exclusivo para a península Ibérica. O comércio de móveis foi maior

entre a Inglaterra e Portugal do que com a Espanha, durante a primeira metade do século

XVIII, com algumas interrupções e através, principalmente, de Londres4.

Grande parte de móveis laqueados, ou acharoados, como chamavam os portugueses,

eram feitos na Inglaterra. Depois de enumerar vários artigos, um anúncio do “General

Advertiser”, de 28 de fevereiro de 1751, dizia: “amongst wich are several capital pieces

design’d for the Spanish and Portugal trade”5. Havia, inclusive, diferença entre os móveis

laqueados, produzidos para o consumo interno inglês, e os destinados à exportação para

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~83~

M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Portugal e Espanha. Nos móveis para o consumo interno, os ornamentos eram aplicados

sobre preto, azul escuro e verde-oliva, enquanto naqueles destinados a Portugal

e Espanha eram aplicados sobre escarlate, que se transformava em “vermelho-

velho”, ou bronze, sob a ação da luz meridional da península Ibérica. Aplica-se

ornamentação, além disso, sobre branco ou amarelo6.

As diferenças estavam, ainda, na presença de travessas nas pernas

das cadeiras exportadas, para garantir maior durabilidade. Juntamente com

os contadores, também canapés, relógios, cadeiras com pés de galo e assento

de palhinha e papeleiras laqueadas, bancos (figura 10), com decoração

oriental, que eram apenas acharoados, foram exportadas pela Inglaterra para

os territórios ibéricos.

Utilizaram-se alguns desses móveis, nessa primeira metade do século

XVIII, também em Salvador, principalmente os contadores, estantes e caixas.

Coincidem com as descrições dos móveis laqueados, importados por Portugal.

Eram, sobretudo, em charão vermelho, embora fossem denominados “da Índia”.

O estudioso do mobiliário português Alfredo Guimarães7 acusou a existência desse

tipo de móvel na cidade de Guimarães:

“E as peças de técnica e caráter asiático, imitativas das lacas e charões? Singular é que, torna-se necessário dizê-lo, em Portugal, pelo processo de charão tanto se copiava este gênero, como, pela aplicação do relevo, se imitasse igualmente o tipo, a espessura e o esmalte – aliás tecnicamente distinto, das lacas de diferente caráter e corporificação material.”

10 - Tamborete acharoado, provavelmente de origem inglesa, com características orientais, século XIX. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

O estudioso citou o exemplo de dois relógios e uma papeleira da primeira metade

do século XVIII, afirmando que as peças são “com absoluta certeza, peças executadas em

Portugal”. Referiu-se ainda a outros móveis do gênero. Todos coincidem com as descrições

dos móveis importados da Inglaterra8.

Até a abertura dos portos, em 1808, os móveis estrangeiros usados em Salvador

eram, sobretudo, ingleses – ou de outros países via Portugal –, e alguns procedentes

da Índia e da China. A partir dessa data, o número de móveis estrangeiros aumentou sensivelmente. Entraram em Salvador móveis americanos, fruto dos incentivos concedidos

pelo parlamento inglês a sua colônia, principalmente cadeiras e cômodas.

A partir do fim da primeira metade do século XIX e até o alvorecer do século XX,

começaram a aparecer os móveis franceses ou copiados dos franceses. Nessa segunda

metade do século, ao lado dos móveis franceses, os americanos, os austríacos e os de

fabricação nacional disputavam o mercado baiano, como já se viu.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Deve-se salientar, no entanto, que se a Bahia importou móveis, também os exportou,

não só para outras partes do Brasil, mas para toda a América do Sul, principalmente para

a região do Prata.

Segundo o “Mapa dos gêneros de exportação próprio do país para todos os portos

do Continente Americano de Barrafora, em todo o presente ano”, de 1797, a Bahia exportou:

“4 Mesas de vinhático

5 Camas de vento

2 Coxos de banho

110 Cadeiras de couro

5 Cadeiras de arruar

1 Caixa de vinhático

1 Cômoda do dito”9.

c a r a c t e r í s t i c a s e e s t i l o s

Constata-se que foram utilizados em Salvador alguns móveis bem característicos,

cujos exemplares desapareceram totalmente. Houve dificuldade na localização de muitos

deles nos museus e coleções particulares. Não poderia ser diferente. Por ter sido capital

administrativa do Brasil por um longo período e uma das cidades mais povoadas do Brasil

nos séculos XVIII e XIX, a cidade estava sujeita às mudanças constantes das modas. Com

o decorrer dos anos, os móveis de modelos antigos foram substituídos por outros mais

modernos.

Os móveis antigos tinham vários destinos: passavam para as dependências menos

aparatosas da casa, como o espaço que servia de cozinha, ou os aposentos de escravos,

eram vendidos para as lojas de móveis usados, quebrados ou queimados nos fogões como

lenha. As peças que foram encontradas nas coleções, na sua grande maioria, são da segunda

metade do século XIX. As mais antigas provinham de cidades interioranas da Bahia, ou do

seu Recôncavo, onde se conservaram, ou se originaram dos conventos, nos quais, por serem

patrimônio coletivo, não tinham o mesmo destino que aqueles das casas particulares.

Alguns móveis de estilo e características renascentistas, herança européia,

persistiram em uso em Salvador no princípio do século XVIII, como os oratórios, armários,

caixas, cômodas e contadores com guarnições de almofadas. Uns desapareceram logo,

enquanto outros continuaram a ser usados, nos setecentos adentro, especialmente os

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

móveis de guardar, contrastando com as ornamentações barrocas com as quais passaram

a conviver harmoniosamente, inclusive num mesmo móvel.

O barroco trouxe dois modelos essenciais de móveis: os torneados e os entalhados.

Os móveis torneados e retorcidos foram ainda bastante usados até meados dos setecentos,

como os bofetes, leitos, camas e cadeiras. Vários marceneiros e torneiros, alguns dos quais

portugueses, confeccionaram esses móveis, o que contraria os estudos tradicionais, que os

datam do século XVII.

Dos móveis entalhados, os mais característicos foram as camas de meias canas ou

de telha e cabeceira entalhada, com ou sem almofadas, cadeiras, preguiceiros, camas com

pés de burro10, oratórios grandes “de dizer missa”, pintados e dourados por dentro, camas

e cadeiras de campanha, cômodas e bancas com gavetas e pés chamados “de volta”, todos

com concheados, folhagens de acanto e embutidos ou trabalho de marchetaria.

Sob a influência francesa e inglesa, as talhas tornaram-se mais delicadas. Os

móveis de influência francesa foram pintados e dourados ou, então, elaborados com

madeiras claras. Os de influência inglesa caracterizaram-se por trabalhos de marchetaria

ou embutidos, como eram chamados, bancas e mesas com pés de burro. O trabalho de

marchetaria é dado como de origem oriental. Apareceu no mobiliário baiano em duas

épocas, no início e no fim do século XVIII. No início desse século, como no século XVII,

os móveis marchetados de marfim vinham da Índia (figura 11)11. No fim do século, os

móveis foram executados em Salvador, mas sob influência inglesa. Na Inglaterra, o período

dos embutidos correspondeu, segundo Claret Rubira12, ao reinado da rainha Ana. Nesses

móveis apareceram as palhinhas. É o período rococó com seus delicados frisos em rocaille,

folhagens e flores.

11 – Contador com portas, imitando múltiplas gavetinhas, trabalho de marchetaria. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

O neoclassicismo, bastante tardio em Salvador, trouxe os móveis chamados “de

coluna”, como cômodas, mesas, bancas, espelhos, quadros, e os móveis de linhas retas e de

estrutura mais delicada.

É preciso ressaltar que, nos períodos de transição, houve a mistura de estilos:

móveis torneados e entalhados; com gavetas de volta e marchetaria; com colunas e pés

talhados, etc.

Até fins do século XVIII, o mobiliário baiano era somente polido. Com o

aparecimento dos móveis de influência francesa, os mais luxuosos, além dos pintados e

dourados, eram folheados, enquanto os menos luxuosos eram simplesmente pintados de

branco, azul ou verde, e mais raramente em vermelho e amarelo, estes últimos imitando

charão. Em Salvador, a grande moda do móvel pintado – nem sempre com ornamentações,

mas simplesmente pintados – ocorreu no período entre 1790 e 1820. O uso persistiu, em

menor escala, mais ou menos até 1840, quando se introduziu outro material, de origem

francesa, o verniz, que havia aparecido antes, mas em poucos exemplares.

Os móveis eram complementados por estantes para louças e prataria, mas

raramente para livros, no século XVIII. Os instrumentos de música restringiam-se a umas

poucas violas, cítaras e rabecas. Somente no início dos oitocentos apareceram os primeiros

pianos fortes ingleses, que aumentaram em número no transcorrer do século, ao lado dos

franceses e hamburgueses.

A casa baiana era iluminada com candeeiros de latão, ou estanho, e veladores

torneados de jacarandá, substituídos, no princípio do século XIX, por castiçais com mangas

de vidro, com pés dourados em metal, de “casquinha” ou de jaspe. Só mais tarde viriam os

lustres franceses de cristal baccarat (figura 12), inúmeros quadros e alguns espelhos. Não

faltava, entretanto, na maioria das casas mais abastadas, um “tronco grande chapeado de

ferro e nas aberturas de pés e cabeça guarnecido do mesmo ferro”13, próprio para o castigo

dos escravos.

12 – Lustre em cristal baccarat, provavelmente vindo da França, século

XIX. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

M ó v e i s p a r a g u a r d a r

Caixa, arca, frasqueira e cofreEmbora não se faça atualmente distinção entre caixa, arca e outros

recipientes semelhantes, é conveniente estabelecer as diferenças, já que se tomou

por critério utilizar a nomenclatura da época. Assim, foram encontradas nas

descrições dos inventários:

Em 1714:

“Uma caixa de vinhático com guarnição de jacarandá e duas gavetas com suas fechaduras e tem de comprido seis palmos.

Outra caixa de vinhático lisa de oito palmos com sua guarnição com friso de jacarandá.14”

Em 1757:

“Uma caixa de vinhático coberta de jacarandá de sete palmos com duas gavetas.

Uma caixinha de vinhático de dois palmos guarnição de jacarandá com sua gaveta.

Uma dita de vinhático de quatro palmos lisa com guarnição de jacarandá.

Uma arca de moscóvia de cinco palmos e duas fechaduras.

Um baú de moscóvia de seis palmos.

Uma caixa de vinhático lisa de quatro palmos sem guarnição.15”

Em 1795:

“Uma caixa de (com) vinhático pouco mais de sete palmos de comprimento coberta de moldura de jacarandá.

Uma arca de madeira de quatro palmos de comprido (e) fechadura.16”

Vê-se, por esses três exemplos, que havia uma perfeita distinção entre caixa e

arca, e constata-se a persistência de seu uso até o fim do século XVIII, com variações de

ornamentação e complementos, mas não na estrutura ou tamanho.

A foto (figura 13) mostra a caixa que atualmente é chamada arca. Essa

denominação, como já foi referido, faz parte da nomenclatura usada correntemente pelos

técnicos do Iphan. Assim, surgiram novas designações, e isso explica porque Carlos Ott17,

colaborador da instituição, ao se referir aos séculos XVIII e XIX18, concluiu que “não existiu

nem a terminologia portuguesa”. Não só se usou a denominação caixa, como caixão,

13 – Caixa, indevidamente

chamada arca. Data do século XVIII. Acervo do Mosteiro de São Bento.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

para designar tanto os protótipos das cômodas (figura 14) quanto, depois, os móveis das

sacristias, hoje chamados arcazes.

As caixas sempre estiveram presentes na casa baiana. Eram de modelos diversos e

tiveram as mais diferentes funções. Serviram para guardar a roupa, guardar farinha

e outros alimentos; papéis e livros, prataria, louça e dinheiro. Mesmo quando a

cômoda, a papeleira, o armário e o guarda-louças tomaram suas funções, as caixas

não desapareceram. Na primeira metade do século XVIII existiam, ainda, em Salvador,

muitos exemplares de caixas de castanho do Porto, e algumas de charão da Índia, como

eram chamadas, mas que se reputa serem inglesas.

Como eram de uso irrestrito, seguiam de perto o gosto popular e, para imitar

as caixas orientais, eram pintadas por dentro ou inteiramente com cores bastante vivas,

como se fazia no interior dos armários, dos oratórios ou nas vestimentas das imagens.

A caixa foi um móvel de uso corrente em Portugal e, nessa primeira metade do

século XVIII, muitas foram trazidas para a Bahia, transportando os pertences dos portugueses

transplantados para o Brasil. As caixas de estrutura de vinhático, com guarnições ou

molduras de jacarandá trabalhadas, com uma ou duas gavetas na parte inferior (figura

15), foram de uso corrente e constante em todo o transcorrer dos setecentos, bem como

aquelas lisas de vinhático ou de madeira branca, também com gavetas na parte inferior.

Seu comprimento variou entre três e sete palmos, entre 0,66m a 1,54m de largura.

A profundidade era de dois a quatro palmos19. Possuíam uma ou duas fechaduras mouriscas,

de ferro polido ou ferro estanhado, e pequenas fechaduras nas gavetas. Muito embora nos

outros móveis as fechaduras de ferro tivessem sido substituídas pelas de latão amarelo

ou dourado, na segunda metade dos setecentos, nas caixas, caixões, frasqueiras e cofres

continuaram a ser utilizadas até a segunda metade do século.

Os caixões de madeira branca ou de vinhático, mais altos e longos

que as caixas, serviam sobretudo para depósito de gêneros alimentícios,

especialmente para a farinha de mandioca. As caixas lisas de vinhático ou de

madeira branca também tiveram essa utilidade. A farinha, como alimento de

primeira necessidade naquele tempo, era “trancada” como os demais pertences.

Nas casas ricas ou pobres era guardada zelosamente, como se observa neste

exemplo sobre o móvel que pertenceu ao capitão Domingos da Costa Braga, “um

caixão comprido de vinhático e sua fechadura que serve de guardar farinha”20.

Saliente-se o artifício que utilizavam os mais pobres para salvaguardar a farinha

quando não possuíam recipiente com fechadura, como testemunha a descrição de “uma

caixa de farinha coberta de palha tapada de barro”21.

14 – Caixão protótipo da cômoda, resquícios

estruturais e ornamentais renascentistas, século

XVIII. Sacristia do Convento de Santa Clara do Desterro.

15 – Caixa com ornamento em losango e molduras de

jacarandá, século XVIII. Acervo do Convento de

Santa Clara do Desterro.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Encontra-se a designação de arca, para recipientes feitos em madeira, somente

na segunda metade do século XVIII. As caixas diferenciavam-se das arcas pela forma

do tampo. As primeiras apresentavam o tampo reto, apoiado diretamente sobre a parte

inferior, enquanto as arcas tinham o tampo ligeiramente abaulado, que se encaixava e

completava a altura da parte inferior do móvel (figura 16).

Os primeiros modelos de arcas, rasas ou altas, eram feitos em vinhático ou madeira

branca, raramente em jacarandá, com estrutura lisa, e tinham a altura aumentada por “pés

altos”, substituídos logo depois por “pés de grade”. Dispunham de uma ou duas gavetas na

parte inferior. As mais usadas, entretanto, foram as sem gavetas. Foi hábito pintá-las de

verde, azul ou vermelho (figura 17) e mesmo ornamentá-las, interiormente, com ramos de

flores (figura 18), como foi referido. No século XIX, passaram a ser envernizadas. Usaram-

se ainda nessas arcas fechaduras mouriscas ou fechaduras simples de ferro que foram

posteriormente substituídas pelas fechaduras de latão dourado.

Para guardar frascos de vidro utilizaram-se as frasqueiras. Estas possuíam a mesma

estrutura das caixas, porém, menores. Diferenciavam-se também no tampo, que, em lugar

de apoiar-se simplesmente sobre o recipiente maior, encaixava-se neste, completando-o

em altura, como nas arcas. Possuíam divisórias internas, próprias para acondicionar de seis

a dezoito frascos.

Na primeira metade do século XVIII, a grande maioria de frasqueiras era do Porto.

As peças vinham acondicionando vinho, vinagre, azeite e outros líquidos. Nessas frasqueiras

guardavam-se aguardente, vinagre, óleo, azeite, mel e vinho, por exemplo, como se vê no

inventário de José de Almeida, de 179522, que descreve “uma frasqueira de madeira grande

com quatorze frascos de vidro grosso e alguns com aguardente do Reino, vinagre, mel e

caldos”. Em fins do século XVIII, as frasqueiras tornaram-se menores e mais requintadas, e

os frascos rústicos foram substituídos por vidros simples ou lapidados, com frisos dourados,

em tamanhos diferentes. Acrescentaram-se copos e cálices para licores.

Os baús e arcas, cobertos de couro cru ou moscóvia23, foram usados também para

guardar roupas. Serviam, igualmente, para viagens. Para essa utilidade, entretanto, foi

especialmente utilizada a canastra de couro cru, que tinha o mesmo formato daquelas

ainda usadas no tempo presente.

Na primeira metade do século XVIII, sob a influência portuguesa, predominou o

uso do couro de moscóvia, trazido de Portugal, para cobrir as arcas e baús. Já em fins do

século, sob a influência dos ingleses, os baús eram cobertos com couro em cabelo e outros,

simplesmente, com couro curtido. Eram ornamentados com ferragens e pregaria dourada.

16 – Arca de pés altos, com puxadores de porcelana. Século XVIII. Convento de Santa Clara do Desterro.

18 – Arca com gavetas – interior pintado com motivos fitomorfos estilizados, em colorido popular. Século XVIII. Sede do Iphan-Cachoeira.

17 – Arca pintada com detalhes dourados, gavetas e pés altos. Acervo do Convento de Santa Clara do Desterro.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Os cofres e baús, confeccionados em vinhático, eram chapeados por fora e por

dentro, com ferro ou latão, quase sempre com chave de “segredo”. Usados somente a partir

de fins do século XVIII e até meados do século seguinte, foram, aos poucos, substituídos por

cofres de ferro, chamados na época de “cofres de ferro coado”, ou seja, cofres já modelados

industrialmente.

Exemplares de quase todos esses “móveis” estavam ainda em uso em meados

dos oitocentos. Alguns já “muito antigos”, outros em “bom uso”. Decresceram em número

com o aparecimento de móveis com utilidade específica e especializada, como os guarda-

louças, guarda-comidas e outros, mas não desapareceram totalmente, sobretudo nas casas

mais simples.

Armários, guarda-roupas e guarda-louçasOs armários e guarda-roupas eram bastante raros nas casas baianas do primeiro

século em estudo. Eles desempenharam, ao lado das caixas e estantes, o papel de

guarda-louça, guarda-mantimentos, papéis, comida, etc. Acredita-se que, sob o ponto

de vista morfológico, os armários e guarda-roupas não tinham muita diferença entre si.

Encontraram-se, nos inventários, descrições idênticas para os dois tipos de móveis.

Como os guarda-roupas, a grande maioria dos armários era bastante simples,

até a segunda metade do século XVIII. Tinham duas portas no meio corpo superior, com

prateleiras internas, e uma ou duas gavetas por baixo. Feitos principalmente em vinhático

ou madeira branca, traziam pintura escura ou de cores vivas por dentro e por fora. Havia

também armários de dois corpos, com quatro portas, mas eram raríssimos.

Na primeira metade dos setecentos, os armários mais requintados eram guarnecidos

com almofadas de jacarandá. A partir de meados do século, alguns foram complementados

com arremates de talha na parte superior. Estes, por vezes, possuíam oratório conjugado,

no meio corpo superior.

Em fins desse século, os armários e guarda-roupas apareciam como complementação

das cômodas com dois corpos. A parte superior tinha duas portas e prateleiras internas e

a parte inferior era formada, como as cômodas, por gavetas e gavetões. Os mais comuns

dispunham de dois gavetões e duas gavetas. Nesse período usou-se também vedar

a parte superior com rótulas e começaram a aparecer os primeiros armários com

portas envidraçadas.

Outro modelo de armário que aparece comumente nos inventários, nas primeiras

décadas do século XIX, apresentava a parte superior envidraçada e a inferior fechada

com duas portas, dispondo de mais duas gavetas por baixo. Quase todos eram feitos de

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

vinhático. Nem sempre, entretanto, as portas superiores eram totalmente envidraçadas.

Infelizmente, são raros os exemplares sobreviventes desses móveis de guardar.

O guarda-louças aparece somente no final do século XVIII. O modelo mais comum

desse móvel possuía duas portas superiores envidraçadas, com estantes de exposição, ou

com meio vidro e duas portas por baixo, com compartimentos internos e gavetas. Bem

parecidos com os armários do período, os guarda-louças não variaram muito quanto à

forma, durante a primeira metade do século XIX, e o vidro foi sempre uma constante até

meados do século.

Os guarda-vestidos eram praticamente inexistentes no período estudado. Em seu

lugar utilizavam-se cômodas, caixas, guarda-roupas, papeleiras e cabides altos de um pé,

com vários suportes, ou cabides de parede. Nesses cabides penduravam-se os vestidos

masculinos e femininos, pouco numerosos, protegidos por guarda-pós.

A partir de meados do século XIX, os móveis destinados “a guardar” multiplicaram-

se. Além dos que já eram usados comumente, apareceram mais guarda-vestidos, aparadores

e cantoneiras com portas envidraçadas, guarda-comidas, quartinheiras, mesinhas de

costura, entre outros.

Caixões grandes e cômodasAs cômodas aparecem em Salvador, com uso corrente, somente a partir da

segunda metade do século XVIII. Tinham sido utilizadas anteriormente, mas em número

muito restrito. Foram substituídas, nesse primeiro período, pelas caixas e guarda-roupas.

Utilizou-se, entretanto, durante a primeira metade do século, um móvel equivalente

à cômoda, o “caixão grande [...] de vinhático com suas molduras de jacarandá com quatro

gavetas e dois gavetões”24, variando entre cinco e sete palmos de comprimento. Por sua

aparência, semelhante à cômoda, foi algumas vezes confundido com esta pelos avaliadores

da época, e, nos inventários, aparece ora como caixão com gavetas, ora como cômoda.

Esses caixões tinham, no entanto, uma função específica: a de servir de pé para

os oratórios e, quando fosse o caso, guardar os ornamentos de “dizer missa” e acessórios.

Os mais ricos eram dotados de molduras de jacarandá, à maneira das caixas, e tinham a

aparência de um pequeno arcaz de sacristia. Os mais simples apresentavam linhas retas, com

o mesmo número de gavetas. Eram confeccionados em madeira branca e pintados de escuro.

As poucas cômodas da primeira metade do século XVIII eram de jacarandá,

vinhático ou madeira branca, ou estruturadas em vinhático e guarnecidas de almofadas de

jacarandá. Tratava-se de modelo usado no século XVII, que permaneceu no século seguinte.

Em geral, eram mais altas e dispunham de maior número de gavetas que os caixões –

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M o b i l i á r i o b a i a n o

oito pequenas gavetas – (figura 19), mas também exibiam ornamentação com “gomos” e

fechaduras mouriscas pequenas.

Com a moda dos móveis de “volta”, de influência francesa, no fim da primeira

metade dos setecentos, as cômodas, assim como os demais móveis, ganharam puxadores

e fechaduras de latão dourado e, por volta de 1770-1780, receberam a ornamentação de

trabalhos em marchetaria e talha. Chegava-se ao segundo barroco.

O número usual de repartições era de dois gavetões e uma gaveta “divididas”25,

formando um perfil arqueado pela frente – daí serem chamadas de cômodas com “gavetas de

volta”–, mas havia variações quanto ao número de gavetas e formatos. O modelo foi usado

tanto com elementos decorativos barrocos quanto rococós (figura 20). Confeccionados em

jacarandá ou vinhático, os móveis apoiavam-se sobre pés curvos e mediam, normalmente,

seis palmos de comprimento. São as cômodas hoje chamadas “D. João V”, as barrocas, ou

“D. José I”, as rococós.

Um bom número dessas cômodas acumulava dupla função: a de guarda-roupa e

a de suporte de oratório (figura 21). Esse uso, que começou com os caixões, tipo cômoda,

continuou por todo o século XVIII, estendendo-se aos oitocentos. Embora os oratórios

e as cômodas não constituíssem um móvel único, eram executados com a mesma

característica ornamental:

“Um oratório de jacarandá com seus embutidos e remate de talha pintado e dourado por dentro e nele uma imagem do Senhor Crucificado de marfim de mais de palmo de vulto em cruz e calvário de ébano, outra da Senhora da Conceição, outra do Senhor Deus ambas de madeira, estimado tudo e avaliado juntamente com uma cômoda também de jacarandá com embutidos gaveta de volta que lhe serve de pé [...]26.”

O Museu do Estado da Bahia possui um exemplar desse conjunto, no qual o suporte

é uma cômoda (figura 22). Originariamente não formavam conjunto.

O uso de trabalhos de marchetaria nas cômodas foi bastante corrente, principalmente

no modelo seguinte, de gavetas lisas e apenas com “pés de volta”, com igual número de

gavetas. Algumas foram executadas em jacarandá e marchetadas com madeiras coloridas,

como pequiá, sebastião-de-arruda e cedro; outras foram confeccionadas em sebastião-

de-arruda e marchetadas com pequiá, ou em pequiá com aplicações de jacarandá, etc. O

jacarandá já não era a madeira exclusiva, e as madeiras claras o substituíam largamente.

Essas cômodas logo estariam estragadas, como os demais móveis desse tipo,

o que justificaria não terem chegado exemplares até o presente. Foram perdendo a

ornamentação e sendo colocadas fora de uso, como o modelo descrito em 1834: “uma

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

20 – Cômoda com gavetas de volta, século XVIII, ornamentação inferior rococó. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

21 – Cômoda como suporte de oratório, conjunto composto de dois móveis de estilos diversos, século XIX. Acervo do Mosteiro de São Bento.

19 – Caixão (cômoda) em vinhático e jacarandá, remanescentes renascentistas, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

22 – Meia-cômoda e oratório com trabalho de marchetaria, século XVIII, estilo rococó. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

cômoda de jacarandá embutida com três gavetões e duas gavetas sem chaves e muito

usada e os embutidos desunidos”27.

A preferência pelas cômodas de gavetas lisas e “pés de volta” foi dividida, no fim

do século XVIII, com as meias-cômodas, com um ou dois gavetões e duas pequenas gavetas

superiores (figura 23). Essas meias-cômodas receberam a mesma ornamentação que

aquelas com três gavetões, todas tendentes ao rococó. Apareceram, igualmente, meias-

cômodas com gavetas de “volta” ou com gavetas lisas, com “pés de volta” e trabalhos

de marchetaria. Nesse período, o número de cômodas aumentou consideravelmente. Elas

passaram a ser usadas nas casas, aos pares, principalmente as meias-cômodas.

Após a abertura dos portos, junto com as cadeiras de “pau amarelo”, entraram

em Salvador as cômodas americanas. Logo esse móvel foi copiado pelos marceneiros, –

desde os pés em peanha recortada simples, os quatro gavetões de volta seccionados por

chanfrados, dividindo-os aparentemente no sentido vertical –, até os puxadores.

A essa cômoda acrescentaram-se, igualmente, os pés em peanha curvos e

entalhados, aos quais ligavam-se colunas laterais entalhadas, com gavetas também

chanfradas e com a mesma complementação de metal dourado (figura 24). Esse modelo,

com gaveta de “volta” mas sem chanfraduras, já havia aparecido na segunda metade do

século XVIII nas papeleiras. Não se encontrou nenhum dado descritivo que indicasse que

as cômodas de colunas entalhadas fossem usadas simultaneamente com as papeleiras. Os

dados mostram-nas somente entre 1820 e 1850.

As colunas entalhadas foram aos poucos substituídas por pilastras estriadas e,

nesse novo modelo, as peças ganharam a designação, na época – isto é, a partir de 1830 –,

de cômodas de “coluna”, caracterizando modelos neoclássicos (figura 25).

Ao lado das cômodas tipo americana28, foram usadas outras bastante simples, com

gavetas lisas sobre pés recortados, algumas das quais tinham tampo de pedra mármore e

puxadores de madeira, presentes no modelo de coluna mostrado acima.

Os aparelhos dourados não desapareceram totalmente com a introdução dos

puxadores de madeira, apenas se tornaram mais simples, sem os “bordados” dos anteriores.

A partir do princípio do século XIX, essas cômodas foram executadas em outras

madeiras além do vinhático e do jacarandá, ou seja, em conduru, madeira do norte,

putumuju e outras. Também nesse período aparecem muitas cômodas construídas com

madeiras folheadas, bem como envernizadas.

Os dois modelos de cômoda – lisa e com colunas estriadas – eram ainda

executados e utilizados em 1840. Exemplos dessas cômodas constam do inventário dos

bens do marceneiro capitão Dionísio Ferreira de Santana, na sua loja na Ladeira da Praça29.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

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23 –Meia-cômoda século XVIII, estilo rococó, modelo de luxo. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

24 – Cômoda com pés de peanha, colunas entalhadas, gavetas chanfradas, influência americana, com influências barroco-rococós, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

25 – Cômoda com colunas estriadas, século XIX, modelo neoclássico. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

M ó v e i s d e t r a b a l H o

Contadores Esses móveis, precursores das papeleiras, datam do século XVII, mas foram ainda

utilizados em Salvador nas primeiras décadas do século XVIII. Seu uso prolongou-se até

meados do século.

Havia, no princípio desse século, vários tipos de contadores: com múltiplas

gavetinhas (figura 26), “com feição” de múltiplas gavetas (ver figura 10), ou com duas

portas e repartições internas e gavetas por baixo.

O primeiro tipo, isto é, o de múltiplas gavetinhas, foi o mais comumente usado.

Aparecia sempre aos pares, com o número de gavetinhas variando de seis a dezessete ou

dezoito. Os dois últimos tipos possuíam gavetinhas e gavetas um pouco maiores. Todos

eles eram ornamentados com fechaduras e espelhos ou “escudos” de ferro estanhado ou de

prata, com recortes à maneira mourisca.

Apoiavam-se sobre pés altos, torneados com “rendas” na altura da união do

compartimento das gavetinhas com os pés. Esse modelo vigorou até perto de 1745, pois

exibe a mistura dos dois tipos de barroco setecentista, com ornamentos torneados e

entalhados, contrastando com a parte superior, esta de aparência renascentista. É um dos

móveis híbridos mais chamativos de origem ibérica usados na Bahia (figura 27).

Não foram numerosos, mas havia contadores procedentes da Índia,

distinguíveis pela presença do revestimento em charão ou marchetaria de marfim,

além dos acharoados da Inglaterra. Esses contadores importados tiveram maior uso

no século XVII, mas algumas peças similares foram executadas em Salvador nas

primeiras décadas do século seguinte, pois os últimos exemplares só desapareceram

nos inventários, quase completamente, já nos oitocentos.

A presença dessas peças em Salvador foi testemunhada por Frei Manoel de

Santa Inês. Em Carta Pastoral de 9 de junho de 1764, ele protestava contra a vaidade

das religiosas do Convento de Santa Clara do Desterro, que, entre outros objetos de

luxo, ornavam suas celas com móveis desse gênero, proibindo-as de usar ouro, prata

e diamantes e orientando-as a se desfazer das papeleiras ricas, contadores e “outros

trastes próprios de seculares e que só se use no Convento do que convém ao estado

de pessoas pobres”30.

26 – Contador com múltiplas gavetas, séculos XVII/XVIII. Sede do Iphan-

Cachoeira.

27 - Saia do contador, ligando o corpo superior com as pernas, século XVIII. Estilo híbrido, pernas e travessas do primeiro barroco, saia do segundo barroco. A parte superior provavelmente foi restaurada, especialmente as molduras com madeira de cor diversa. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

PapeleirasAs papeleiras, de modo geral, apareceram nos mesmos

modelos das cômodas. Os primeiros exemplares desse móvel

surgiram na primeira metade do século XVIII.

Antes de se adaptarem às “cômodas ou

armários”, eram chamadas “papeleiras de meio corpo”.

Estas eram colocadas sobre uma mesa ou apoiadas em pés

altos. As papeleiras mais ricas possuíam molduras de jacarandá,

com fechaduras mouriscas de ferro.

O modelo seguinte, que apareceu ainda na primeira

metade do século, tinha dois corpos ou corpo inteiro (figura 28).

Em raríssimas peças, na Bahia, apresentava oratório conjugado

na parte superior, como se observa no exemplar do Museu da

Casa Brasileira.

As papeleiras mais comuns, de corpo inteiro, possuíam no meio corpo inferior

dois gavetões e duas gavetas, à maneira das cômodas; em algumas, as gavetas eram

substituídas por portas. No meio corpo superior possuíam repartimentos e gavetinhas, e

não eram raras as papeleiras com segredo ou compartimento seguro para guardar peças

ou documentos importantes.

Dois tipos essenciais de papeleira foram usados durante a segunda metade do

século. O primeiro, que apareceu um pouco antes, tinha gaveta de “volta” e o segundo, pés

e colunas laterais entalhados, em modelo idêntico ao das cômodas.

Para a execução desse último modelo, o “Regimento dos marceneiros”, de 1785,

previa que os oficiais deviam cobrar “por cada papeleira lisa de volta, pilares entalhados,

com quatro gavetas, três inteiras, e uma partida, cinqüenta mil réis, e daí para cima, a

convenção das partes”31. O luxo e a escassez desse móvel na casa baiana são explicados por

seu preço, mais alto que o de dois escravos.

Encontravam-se, em Salvador, papeleiras com gavetas lisas e arremates de talha,

mas o modelo preferido foi o de gaveta de volta simples, que ainda estava em uso por volta

de 1830. Todos os exemplares encontrados, porém, já eram considerados “muito antigos”

ou “muito usados”.

As papeleiras tiveram o uso restrito à segunda metade do século XVIII e, antes

do século terminar, foram substituídas pelas carteiras. Nesse período, surgiram raros

exemplares com o meio corpo superior formando um armário, com portas envidraçadas.

Eram peças luxuosas, pouco comuns.

28 – Papeleira de dois corpos, cômoda e escrivaninha. Acervo do Convento de Santo Antônio de Cairu/BA.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

CarteirasAs primeiras carteiras que aparecem nos inventários, no fim do século XVIII,

provinham da Inglaterra ou da Índia. Como as primeiras papeleiras, eram pequenas,

colocadas em cima de mesa ou banca.

Logo, entretanto, foram adaptadas a “pés de grade” ou, mais raramente, aos “pés

de volta”. Diferenciavam-se pouco, no meio corpo superior, das papeleiras. As divisões

internas tornaram-se maiores e menos numerosas. Eram de fácil transporte. Existiram

também as carteiras de mão ou portáteis e transportáveis. Como aconteceu com as mesas

de abrir, algumas carteiras foram forradas internamente com pano verde.

A esse modelo de carteira adaptaram-se os mochos – um ou dois –, feitos de

vinhático com assento de palhinha ou madeira. Infelizmente, não se encontrou nas coleções

nenhum exemplar que pudesse dar melhor idéia da forma desse móvel.

As carteiras, com “pés de grade”, foram bastante utilizadas no final dos setecentos

e princípio dos oitocentos. Ao lado destas, no século XIX, apareciam as secretárias “com dois

gavetões e mais arranjos com a peça de cima envidraçada”32. Para os meados do século XIX,

acrescentaram-se abas pelos lados da carteira com “pé de grade”, que ainda estava em uso.

M ó v e i s d e d e s c a n s o

Leitos, camas, catres e preguiceirosO móvel essencial para descanso era denominado leito ou cama. Leito era a

designação dada, em geral, ao móvel mais luxuoso e de maiores proporções. Pela consulta

feita nos inventários, notou-se que em Salvador dava-se o nome de leito àqueles móveis

providos de balaústres e cortinado, enquanto os que não possuíam esses acessórios eram

denominados catre ou cama. Nos documentos citados, porém, a distinção entre as duas

designações não é muito clara. Parece, sobretudo, que se utilizava a palavra leito para

designar o estrado e a palavra cama para designar o conjunto de estrado, cabeceira e pés.

Entretanto, na primeira metade do século XVIII, todos esses móveis eram chamados leitos,

indistintamente, com exceção das camas pequenas ou catres.

A palavra catre, no século XVII, em Portugal, designava o “leito pequeno, o leito

de campo ou camilha dobradiça, mas também o leito de coluna não suficientemente alta

para suportar dossel”, segundo Nascimento33. Em Salvador serviu, especificamente, para

designar camas pobres. A partir de meados do século XVIII, usou-se mais correntemente a

palavra cama.

O leito grande era pouco freqüente nas alcovas das residências baianas. Foi, muitas

vezes, substituído pelo estrado, pela esteira, de influência indígena ou, simplesmente, por

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

colchões, preguiceiros, marquesas, redes e mesmo bancos e arquibancos (figura 29), como

o exemplo do “arquibanco grande de madeira branca pintado com assento largo que serve

de cama e nele duas caixas com fechaduras, de 1783”34.

29 - Leito. Estilo híbrido conjugando os dois estilos barrocos com torneados, retorcidos, pés de volta e talha. Acervo do Museu de Arte da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Nascimento35 notificou que os

“ [...] árabes deixaram enraizados certos costumes como, por exemplo, o do estrado que passou a ser colocado nos cantos dos aposentos, junto das paredes revestidas de couro até certa altura. Sobre o estrado, as mulheres trabalhavam durante o dia; à noite armavam ali a cama”.

A rede indígena teve grande aceitação durante muito tempo, mas a rede de

algodão, com varandas rendadas, praticamente havia desaparecido no século XVIII, em

Salvador, fato comprovado pelo número escasso encontrado nos inventários. A rede deu

lugar aos estrados acima citados, sem a presença da cobertura de couro.

O trabalho da confecção do leito, ou cama, cabia mais aos ensambladores e

entalhadores que aos marceneiros e, na primeira metade do século XVIII, aos marceneiros/

torneiros. Os primeiros, em Salvador, realizavam todas as tarefas, menos os entalhes.

Devido à finalidade a que servia, o leito foi sempre confeccionado com madeiras

resistentes, sendo preferido, especialmente, o jacarandá para as cabeceiras, pés e demais

ornamentos. Já no lastro eram utilizadas madeiras de qualidade inferior, mas resistentes

e próprias para evitar insetos, como peroba e madeira branca, sob a forma de tábuas em

prancha ou tabuletas.

No “Rol de dote que fez Francisco Gonçalves Vilaça a sua filha e herdeira Mariana

da Silva”36, em 1706, encontrou-se:

“Uma morada de casas térreas de pedra em preço de mil cruzados ................ 400$000

Uma negra e um negro ................................................................................................ 48$000

Um leito torneado de cortina por dez mil réis ...................................................... 10$000

Um cortinado de pano de linho fino aberto de renda e franja toda a roda ..... 20$000

Um colchão e quatro travesseiros tudo cheio de lã com duas arrobas e oito varas de pano para o dito colchão e almofadas .............................................................. 14$000

Seis lençóis com quarenta e duas varas de pano ................................................. 13$440

Um cobertor de papa de marca grande azul com uma colcha da Índia acolchoada com sua franja a roda e bolotas .............................................................................. 16$000

Uma caixa de vinhático de oito palmos com guarnições de jacarandá, seus

pés e chapas e fechadura por preço ........................................................................ 12$000

Um tacho de cobre de quatro libras ......................................................................... 1$280”

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Por esse “Rol de dote”, de princípios do século XVIII, nota-se que o modelo de leito

torneado com cortinado já vinha do século anterior, tendo sido também típico da Península

Ibérica. Persistiu em uso até os meados daquele mesmo século.

Havia dois modelos essencialmente barrocos desse leito: um com torneados e

torcidos e outro com torneados (figura 30) e cabeceira de talha, arrematada por pequenas

pontas também torneadas37, ambas com colunas ou balaústres torcidos à maneira da coluna

salomônica, formando as bases para o cortinado. Os torcidos ou retorcidos foram chamados,

no fim dos setecentos, de “roscas”. Ambos os modelos são barrocos, apresentando-se o

último como exemplar da transição do primeiro para o segundo momento do estilo desse

mesmo nome.

30 – Berço, século XIX, feito em série, estilo eclético. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Como complementação do ornato, apareciam os cortinados de cetim listrado

de encarnado e branco ou riscadilho, também chamado riscado, ou xadrez, de damasco

carmesim com franja e borlas de ouro ou de retrós, de ló verde ou chita da índia. Em outros

leitos, além do pavilhão utilizaram-se ainda colchas da Índia com lavores de folhagens de

cores, sobre carmesim de tafetá cor de ouro, com franjas e borlas de retrós, e colchas de

damasco carmesim forradas de tafetá amarelo. Cada leito dispunha de um ou dois colchões

de lã do Reino ou de capim ou mato da Costa da Guiné, cobertos com pano riscado, dois

travesseiros e duas almofadinhas.

Os leitos desse gênero não eram numerosos, como, aliás, os móveis para dormir

em geral. Deve-se lembrar como fator de redução do número de leitos, sobreviventes em

museus, o costume de jogar fora ou queimar as peças cujo usuário tivesse morrido de

doença contagiosa. Os berços foram menos numerosos ainda. O Museu Carlos Costa Pinto

tem um exemplar, entretanto, já datado do século XIX.

Ao lado desses leitos, existiam os catres e preguiceiros torneados, cujo uso foi

cronologicamente mais longo que o dos leitos grandes.

Os preguiceiros, ou “espreguiceiros”, eram do mesmo feitio do catre, porém mais

estreitos e sem prolongamento dos pés acima do leito. Tiveram largo uso, desde o princípio

do século XVIII, e acompanharam algumas modas posteriores, como a do “leito torneado”,

até a marquesa tomar-lhe o lugar.

Destinados às sestas dos chefes de família, eram colocados na sala nobre das casas

de residência e tinham as mesmas funções que, posteriormente, caberiam aos canapés,

sofás e marquesas, isto é, uma complementação dos móveis de assento.

Também nesse caso, o jacarandá foi a madeira preferida. Sobre a armação dessa

madeira pregava-se o couro ou sola picada, ou couro liso, que servia de lastro, com pregaria

“grossa” ou “miúda”. Os exemplares do princípio do século tinham a cabeceira coberta de

couro, com pés torneados, ou simplesmente eram rasos, sem cabeceira.

Com a sociedade baiana já estruturada, no século XVIII, o luxo foi a tônica do

período. Isso teve como efeito, além das largas importações de móveis, uma transformação

nos modelos dos leitos produzidos em Portugal e que, naturalmente, passaram a ser

apreciados no Brasil: os leitos inteiramente entalhados.

No princípio da segunda metade do século XVIII, quando o leito de jacarandá, com

meias-canas e cabeceira lavrada, era o “feitio da moda”, já se considerava o leito torneado

ou retorcido de “moda antiga”, embora muitos deles estivessem ainda em pleno uso.

Nas camas de cabeceira entalhada, usou-se, ainda, o cortinado. Este, porém,

foi aos poucos caindo em desuso e os balaústres (figura 31), que serviam de suporte ao

31 – Cama com balaústres e cabeceira rococó,

detalhes neoclássicos. Sede do Iphan-Cachoeira.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

mesmo, começaram a se atrofiar, formando o que se denominou na época meias-canas ou

telha (figura 32). O móvel pode ser perfeitamente datado, pois consta do “Regimento dos

marceneiros”, de 178538, que estabelecia:

“Por uma cama de jacarandá, chamada de telha, com cabeceiras entalhadas, e

cobertas para estufar ................................................................................................. 8$000

E sendo de vinhático com cabeceira lisa ........................................................... 6$400 rs

E as demais obras serão feitas a convenção das partes elevando por mais dos preços taxados pagará 6$000 rs de condenação, e 30 (dias) de cadeia.”

32 – Cama de telha. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Em 1772, encontrou-se a seguinte descrição: “uma cama de jacarandá feitio a

moderna lisa e o arremate da cabeceira de talha em bom uso”39. Parece que as camas

com cabeceira totalmente entalhada, com ou sem almofadas, e as de cabeceira lisa com

arremate de talha coexistiram na Cidade do Salvador, tendo a primeira antecedido, com

pouca margem de tempo, à segunda.

Como aconteceu com as cadeiras e as mesas, logo se adaptaram os chamados pés

de burro às pernas das camas e preguiceiros. Esse tipo de pé apareceu com mais freqüência

nas camas e preguiceiros cujas cabeceiras eram lisas e apenas completadas com arremate

em talha. O modelo era ainda usado no final do século XVIII. Infelizmente, nenhum móvel

desse gênero, e com o destaque dos pés, foi encontrado.

O mesmo “Regimento dos marceneiros” estabelecia também preço para os

preguiceiros: “por um preguiceiro ordinário com pés de cabra ou de burro, com cabeceira

de talha” deviam cobrar 6$400 réis, que era um preço bastante elevado então.

Os preguiceiros, de maneira geral, e os meios-preguiceiros (figura 33) seguiam os

mesmos modelos das camas ou das cadeiras. Foram, com as camas, os primeiros móveis

a receber douramento, à maneira do que se praticou nas talhas dos templos, na segunda

metade do setecentos. Antes que o século terminasse, encontrou-se o “preguiceiro de

jacarandá de pé de burro cabeceira lisa remate de talha dourada em partes e o leito

de tabua”40.

Por volta de 1770, ao lado dessas camas já descritas, começaram a ter largo uso as

chamadas camas-de-vento (figura 34). Pinto e Nascimento41 as definiram como camas cujos

colchões de couro eram cheios de ar, sendo também chamadas camas inglesas, indicando

a origem da influência. Alguns exemplares apareceram em Salvador na primeira metade

do século, mas eram bem raros. Não se diferenciava muito, quanto à forma, da cama de

campanha que, cronologicamente, a seguiu. Ambas possuíam o lastro de lona ou de couro

– enquanto em Portugal a primeira era de couro –, varais e cabeceira talhada de madeira,

pernas em tesoura, como em Salvador, mais leves, de leito dobradiço e desmontável e de

fácil transporte. Quase todas, invariavelmente, eram de estilo rococó.

A Bahia exportou esse tipo de cama para o resto do Brasil e para outras regiões da

América castelhana. Viu-se, por exemplo, que em 1797 cinco exemplares foram enviados

para a região do Prata.

Ainda em 1806 encontra-se referência a “uma cama de jacarandá ‘moderna’ sem

armação, com suas talhas e lastro de taboas”42 e que foi de uso corrente ainda por volta

de 1830. E, em 1808, mencionava-se “uma cama de jacarandá ‘moderna’ com seu remate

de talha lugar de almofada e lastro de taboas em bom uso”43. Usou-se proteger essas

33 – Meio-preguiceiro, século XVIII-XIX, recortes

rococós. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

34 – Cama de vento, jacarandá, século XVIII, barroco-rococó híbrido.

Acervo do Museu de Arte Sacra da UFBa.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

camas com guarda-pó, em geral de damasco, e rodapés do mesmo tecido, guarnecidos com

franjas e borlas de retrós.

Os preguiceiros começaram a rarear já no fim do século XVIII, época em que

apareceram as marquesas ou canapés, que os substituíram. Lembre-se, também, que o

canapé surgiu não só como complemento das cadeiras, mas como substituto do preguiceiro.

Quando o trabalho de marchetaria entrou em moda em Portugal, em Salvador

ainda estavam em uso as camas e outros móveis de “volta” e “talha”, hoje conhecidos

largamente no Brasil, como o já referido estilo D. João V. Foi nesses móveis que, nos espaços

lisos, cercados de talhas, aplicaram-se os primeiros “embutidos”, como verificou-se com as

cômodas. Aplicaram-se, sobretudo, motivos vegetais e geométricos, feitos com madeiras

de diferentes colorações sobre pequiá ou sobre jacarandá.

Somente no início do século XIX começaram a ser feitos, em Salvador, os modelos

de Portugal em que se desenvolvera a marchetaria. As talhas das camas anteriores

desapareceram quase completamente, confinando-se, de maneira mínima, aos arremates

dos contornos e às pernas, com um recorte ainda rococó. Na cabeceira lisa aplicava-se o

trabalho de marchetaria que, tendo um grande espaço para se desenvolver, aparecia em

composição múltipla e delicada. Madeira branca e diminuição dos volumes marcaram,

dessa forma, a passagem para o neoclássico.

A partir de 1830 as camas simplificaram-se. Executadas em outras madeiras

– vinhático, madeira do norte, conduru e pequiá –, suas cabeceiras e pernas tornaram-

se menos trabalhadas. Algumas apresentavam trabalhos de marchetaria

emoldurando a cabeceira, mas as camas sem ornamentação foram as mais

vulgarizadas. A esse modelo acrescentaram-se, por vezes, colunas estriadas,

formando balaústres para cortinados, que voltaram a ser usados, embora muito

raramente. É o modelo neoclássico propriamente dito. Nesses móveis, bem como

nos seguintes, na maior parte das vezes o pequiá substituiu a pintura branca

ou, quando executados em madeira escura, eram envernizados. Tratava-se já de

móvel eclético, feito em série e integrado a um conjunto de mobília (figura 35).

Na época que limita este estudo, começaram a aparecer as primeiras

camas denominadas “francesas”. Algumas eram simples, sendo raras as

luxuosas, como a “cama francesa de pau cetim bordada com lastro de palhinha

com cúpula e cortinado de cana”. Esse exemplo foi o mais rico, encontrado

na época, cujo móvel pertencia ao reverendo cônego provisor João Pereira

Ramos, que morava na rua do Maciel de Baixo, Freguesia da Sé, na época de

seu falecimento, em 185944.

35 - Cama com ornamentação eclética, século XIX, feita em série. Acervo do Museu de Arte Sacra.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Cadeiras, tamboretes, canapés e sofásA função social dos móveis de assento ligava-se à antiga instituição portuguesa45

e foi transferida para o Brasil. A questão do “lugar” a ser ocupado nas funções públicas,

principalmente, foi sempre causa de atritos. Aos cargos ocupados, ou classe social, ligava-

se intimamente a qualidade e forma dos móveis de descanso, constituindo-se um privilégio

das pessoas mais consideradas.

Uma Provisão do Senado, de 6 de novembro de 1685, mostra a importância dos

móveis de assento nas ocasiões festivas, seguindo o “estilo” do Porto46. Argumentava um

representante dos oficiais mecânicos:

“que este Senado lhe tem ordenado vocalmente que nas ocasiões em que se puserem cadeiras de espaldas e bancos dos mesteres para se ouvirem os sermões nas igrejas desta cidade, se afaste o banco de ditas cadeiras dois palmos para baixo, e um palmo para trás para haver separação manifesta entre estes e os ditos mesteres e afastando o suplicante dito banco dos mesteres somente para baixo ditos dois palmos, toma o mester Luís Ribeiro motivo para dizer não é ordem deste Senado a forma da separação entre ditas cadeiras e bancos senão disposição do suplicante e porque neste parecer não ordenam V. Mercês siga o suplicante o estilo que se observa na Cidade do Porto que está registrado nos Livros deste Senado que declara o lugar certo em que se hão de pôr os assentos dos ditos mesteres, senão outro muito diverso, que é o que observa o suplicante, e ainda ai não se dá por satisfeito dito mester: pede a V. Mercês lhe façam mercê declarar a última forma, que deve seguir ele suplicante neste particular dos bancos e cadeiras para o tempo futuro e Receberá Mercê.”

Ainda no século XIX, observava-se esse preceito, como se pode verificar nas

gravuras deixadas pelos viajantes e cronistas que visitaram o Brasil.

Na ocasião da visita de D. Pedro II à Bahia, arrumou-se um pavilhão no Arsenal da

Marinha e, dentro deste, ao fundo, foram colocados:

“sob um pequeno estrado alcatifado de verde [...] três cadeiras de braços com espaldares, de rica obra de talha, as quais eram seguidas de um e outro lado de uma bancada de jacarandá com assentos de palhinha.47”

Ainda nessa época destinavam-se as cadeiras de braços e encosto alto para as

pessoas mais graduadas, no caso, especialmente para o Imperador.

Mesmo na vida doméstica havia nítida separação na utilização dos móveis, apesar

das diferenciações estilísticas que atravessaram o tempo. Indubitavelmente, os assentos

domésticos eram destinados aos brancos, e o chão, coberto de esteiras, aos escravos.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Em princípios do século XVIII, as cadeiras eram chamadas de tamboretes,

com algumas exceções. Pinto e Nascimento48 referem-se a tamboretes como cadeiras

desprovidas de braços e espaldas ou encosto. Tradução literal do francês tambouret ou

tabouret, o termo teria sido usado em Portugal a partir do século XVIII, designando o que

antes se chamava cadeira rasa. Os autores consideram o termo cadeira rasa sinônimo de

cadeira chã. Entende-se, entretanto, que a palavra chã não significa rasa, mas algo comum

ou ordinário.

Em Salvador, chamava-se tamborete ao assento sem braços, como aparece no

exemplo “tamborete de encosto baixo de couro”. Era diverso de tamborete raso (figura 36)

ou cadeira rasa – usou-se uma e outra forma –, distinguindo-se igualmente das cadeiras

de encosto alto de couro ou de espaldas.

As Posturas do Senado da Câmara faziam essa distinção:

“Os correeiros venderão os couros de um assento e espalda lavrada de uma cadeira por mil réis, e sendo sem lavor seis tostões; os couros lavrados de um tamborete oitocentos réis, o assento de uma cadeira rasa sendo lavrada quinhentos réis – de um tamborete quatrocentos réis e sendo em baús três tostões – por cada couro de pregar uma cadeira de espaldas, ou tamborete cento e vinte réis, e sendo rasos três vinténs, e de forrar seis vinténs, e o que levar mais pagará de pena seis mil réis49.”

Essa nomenclatura foi usada até a segunda metade do século, quando se começou

a confundir cadeira de couro com encosto baixo com os tamboretes desse gênero. A

designação de tamborete raso permaneceu, no entanto, até o fim do século, época em que

se passou a chamá-lo de cadeira rasa.

36 – Tamboretes: do lado direito, estilo do primeiro barroco; à esquerda, estilo rococó; ambos do século XVIII. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Com o aparecimento da palhinha, os assentos ganharam

a designação genérica de cadeiras, diferenciando-se apenas pelos

complementos: rasa, de braços, sofás ou simplesmente cadeiras.

O número desses móveis era diminuto nas casas baianas da

primeira metade do século XVIII. À medida que transcorria o século,

foi aumentando de seis para doze, ou mais, para atingir, em meados do

século XIX, o número de trinta e seis ou quarenta e oito cadeiras num só

aposento, a sala.

Nos setecentos, não eram raras as casas que não dispunham de

tamboretes e cadeiras. Utilizavam-se como assento esteiras ou estrados. Nas casas menos

abastadas apareciam três ou quatro tamboretes chamados “de pau”, isto é, em madeira

branca comum. Já se fez referência, anteriormente, aos estrados. Os que se usavam em

Salvador não parecem ter sido muito ricos. Eram confeccionados com madeira branca,

grandes ou pequenos, sem ornamentação ou alcatifa. Só em fins dos setecentos os estrados

receberam pés, chamados de pés altos, diferenciando-se dos primeiros, baixos, com pés

toscos ou sem eles.

Dos assentos coletivos, foram mais comuns os bancos rasos, alguns dos quais com

encosto alto. Também os arquibancos apareceram na segunda metade do século XVIII. Os

tamboretes, com dois ou três assentos conjugados (figura 37), foram bastante raros entre

os móveis baianos, segundo os inventários.

Na primeira metade dos setecentos usaram-se, sobretudo, cadeiras de encosto alto

(figura 38), algumas com braços, e tamboretes de encosto baixo e rasos, todos cobertos de

couro e tacheados com pregaria esférica grossa e miúda, ou somente grossa e dourada. As

madeiras preferidas eram o jacarandá e o vinhático.

As cadeiras apresentavam o feitio das que apareceram em Portugal no século

anterior, persistindo na Bahia, até meados dos setecentos, o uso de modelo simples e de fácil

produção e vulgarização (figura 39). De linhas retas, com seção quadrada ou retangular,

tinham travessas igualmente retas. O assento e o encosto eram de couro lavrado ou liso

e comum. Normalmente utilizou-se o couro sem lavor algum. A ornamentação lavrada,

quando aparecia, resumia-se a estilizações de folhagens de acanto e flores em composição

múltipla, entrelaçada, de toque barroco, ou com motivos geométricos.

O modelo foi modificado pouco antes de meados do século, mas o material de

revestimento persistiu, como se pode verificar pelo “Regimento de correeiros”, de 1785,

quase idêntico ao de 1672, transcrito anteriormente, com a alteração das taxas, que

diminuíram, e a inclusão da pena de cadeia:

37 – Tamborete duplo, século XVIII. Acervo do

Museu Carlos Costa Pinto.

38 – Cadeira de encosto alto e de braços, do

segundo barroco, século XVIII. Acerco do

antigo Museu do Carmo.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

“Por cada couro de assento, e espalda de uma cadeira lavrada 800 rs, e sendo sem lavor quinhentos réis

Por um couro lavrado de tamborete, 640 rs

Por um assento de cadeira rasa sendo lavrada, 480 rs e sendo chão trezentos rs

Por pregar uma cadeira de espalda ou tamborete, 120 rs, e sendo raso, 60 rs e de forrar 100 rs.

Elevando mais dos preços declarados pagará, 6$000 rs de condenação e 30 dias de cadeia.50”

39 – Cadeira com base de pés retos, com encosto e braços, do segundo barroco, século XVIII. Acervo do antigo Museu do Carmo.

40 – Banco do primeiro barroco, com torneados e cobertura de couro, século XVIII. Acervo do antigo Museu do Carmo.

41 – Pernas curvas de cadeira rococó, século XVIII (detalhe). Acervo do antigo Museu do Carmo.

O couro continuou sendo empregado para o revestimento dos móveis de assento

ou descanso, agora sobre dois modelos que coexistiram no princípio da segunda metade do

século XVIII. Esses modelos apareceram um pouco antes, mas eram exemplares raros e, em

geral, feitos em nogueira, dando a certeza de que vieram de Portugal.

No primeiro tipo, as pernas, de seção quadrangular,

foram substituídas pelas torneadas do primeiro barroco,

aparentadas com o banco da ilustração (figura 40), menos

freqüentes; no segundo, pelas pernas tortas ou de volta do

segundo barroco (figura 41). Algumas peças desse último

tipo possuíam, ainda, elementos torneados, principalmente

as travessas e pernas traseiras. Anos antes verificou-se a

introdução desses modelos em Portugal, e “eram inspirados

ou simplesmente copiados de modelos novos trazidos

de fora”, como afirmaram Pinto e Nascimento51, ou seja,

da Inglaterra.

Os dois tipos continuaram a ser usados com o encosto alto – alguns com braços –,

baixo e raso. A madeira preferida continuou a ser o jacarandá e o couro, fixado principalmente

com a pregaria miúda; a grossa, mais raramente, também podia ser empregada.

Dos dois modelos, o segundo persistiu em uso, sofrendo modificações ao gosto

das modas. Acrescentou-se talha no alto do espaldar e, por volta de 1760, os pés desse

modelo foram modificados, introduzindo-se também nas cadeiras o pé de burro ou de

cabra. Este era mais raro, mas, posteriormente, tornou-se bastante popular em Salvador.

Nos inventários consultados encontraram-se raríssimas referências aos pés chamados de

garra da nomenclatura atual. Como os móveis, em geral, eram descritos minuciosamente

pelos avaliadores, acredita-se que os pés de burro predominaram.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

O couro, empregado no revestimento do assento e do encosto, foi substituído

pelo que, na época, chamou-se sola picada, que voltou à moda na década de 1770 e

se vulgarizou na de 1790. Empregou-se esse revestimento com freqüência, também, nos

preguiceiros e nas cadeiras de campanha, largamente utilizadas de fins do século XVIII até

a terceira década do século seguinte. As cadeiras de campanha (figura 42) eram mais leves,

com assento flexível, e de fácil transporte, e apareciam em modelos com encosto e rasas.

Deve-se salientar que o damasco foi minimamente utilizado em Salvador, no

tempo estudado. Caindo o couro lavrado ou a sola picada em desuso, a palhinha foi o

material preferido para os assentos das cadeiras (figura 43).

A palhinha foi introduzida em Portugal já na primeira metade do século XVIII, com

os móveis laqueados ingleses. Deve-se a técnica desse trabalho, entretanto, aos franceses

que trabalharam naquele Reino no final do século52.

Foram encontrados alguns exemplares de cadeiras com assento de palhinha desde

1745, mas em obras portuguesas. A larga utilização desse tipo de assento acusou-se a

partir de fins do século XVIII. Pode-se acrescentar que a proporção relativa do damasco

para a palhinha ou o couro picado nunca ultrapassou de 1 a 2%. O uso desse tecido, ou do

veludo, ambos carmesins, vulgarizou-se principalmente na segunda metade do século XIX,

nos móveis “à Luís XV”53. Deve-se considerar que, nos setecentos, os tecidos, especialmente

os de luxo, como o veludo, não estavam disponíveis para assentos de cadeiras.

Coincidiu com o aparecimento da palhinha a moda dos móveis pintados e dourados.

Pintou-se, inclusive, a palhinha dos assentos. Os modelos utilizados nesse período foram,

principalmente, os de grandes talhas, com concheados e folhas de acanto, passando,

depois, para modelos mais simples. Os móveis antigos, já fora de moda, foram adaptados e

revalorizados por meio de pintura e dourados.

42 – Cadeiras de campanha, dobráveis e transportáveis. Foto

do catálogo El arte luso brasileño en el Rio de la

Plata. Buenos Aires, 1967.

43 – Palhinha, que substituiu o couro nos

assentos dos móveis. Acervo do antigo Museu

do Carmo.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

É interessante assinalar que as pessoas sem condições de adquirir as peças em

madeiras claras usaram de um artifício para colocar seus móveis na moda. Foi comum

estofar – ou, como se dizia para as imagens, encarnar e pintar as talhas –, especialmente

de branco e dourado, os móveis barrocos ou rococós, que originalmente eram de jacarandá

ou outras madeiras54. Os móveis populares eram pintados de branco, azul ou verde e,

mais raramente, vermelho ou amarelo. Esses móveis pintados persistiram e acabaram se

confundindo com os neoclássicos, que comumente também eram de cor branca, com estrias

ou laços dourados. Depois dos móveis pintados, viria o uso do verniz, já por volta de 1840.

No início pintaram-se as cadeiras e os canapés de branco e azul, com frisos ou

flores douradas. Foi então que se deu uma nítida divisão entre as peças confeccionadas

em madeira clara, especialmente pequiá, que não receberiam pintura, e as feitas de outras

madeiras, como conduru, madeira do norte e madeira branca, que seriam pintados com

cores vivas, predominando o vermelho, o amarelo e o verde. Essa moda, provavelmente, foi

decorrência da influência do “charão” inglês.

Os modelos continuaram mais ou menos os mesmos até o fim dos setecentos.

Introduziu-se, porém, outro tipo de móvel de assento, o canapé. Este constituía-se

de assentos e encostos conjugados com dois, três ou mais lugares, distinguindo-se

perfeitamente o número de encostos. Os autores têm chamado esse móvel ora de canapé,

ora de sofá.

As marquesas também surgiram no fim dos setecentos e eram feitas, sobretudo,

em vinhático, com lastro da mesma madeira. O lastro foi, aos poucos, substituído por

palhinha. De influência inglesa, feitas em série, mas sob encomenda, as peças já compunham

conjuntos de móveis de assento (figura 44) ou peças de mobiliário propriamente dito.

Nesses móveis, a talha foi amenizada e enriquecida, por vezes, pelos dourados,

mas sem grande aceitação. As cadeiras e canapés de encosto redondo e assento forrado de

palhinha (figura 45) substituíram aquelas de seção quadrangular.

No final dos setecentos, trocaram-se os encostos altos das cadeiras por outros

rebaixados, aparecendo o modelo que se denominava, na época, cadeira com encosto de

meio molde. O uso desse modelo estendeu-se até meados do século XIX.

No princípio do século XIX, apareceram as já referidas cadeiras americanas. Algumas

tinham o assento de junco, outras de palhinha ou, simplesmente, de madeira. Encontram-

se nos inventários várias referências a “doze ditas (cadeiras) amarelas americanas com

assentos de palhinha”55. Esta referência data de 1820. Boa parte delas era torneada.

A partir, mais ou menos, dessa década de 1820, a casa baiana começou a ser

mobiliada com cadeiras mais simples ou ordinárias, como eram chamadas na época.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

O trabalho em talha, rico no período anterior, começou a diminuir, embora não desaparecesse

e, novamente, o torneado aparece como complemento de decoração.

Esse novo modelo era denominado “de rebaixo”, com assento de palhinha e

estrutura de jacarandá, em geral, envernizada. A ele adaptou-se a cadeira de balanço, que

teria largo uso a partir da segunda metade do século XIX. Inventada pelos americanos,

segundo alguns autores, a cadeira de balanço (figura 46) teve ampla aceitação desde que

foi introduzida no Brasil.

44 – Canapé e cadeiras, estilo rococó, século XVIII. Acervo do Museu de Arte

da Bahia.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

A partir, mais ou menos, dessa mesma década, apareceram simultaneamente

vários modelos de cadeiras. Os marceneiros do século XIX não se prenderam a um modelo

específico. Até 1850 estavam em uso, ao lado das cadeiras de rebaixo e de meio molde, as

chamadas singelas, lisas ou com torneados, as de leque e as de tabela. Todos esses modelos

foram executados e usados simultaneamente. Somavam-se a eles os modelos ecléticos,

réplicas estilizadas da mobília Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, imitando os móveis barrocos,

rococós e neoclássicos. Aí sim, formam-se os conjuntos de mobília, que incluíam os novos

assentos coletivos, como os sofás atualmente denominados marquesas (figura 47). Os

móveis, então, já eram vendidos em peças pré-moldadas, possibilitando a montagem

doméstica e a reposição das mesmas. Entraram em Salvador junto com as chamadas

cômodas americanas, depois da abertura dos portos.

Exemplos dessas cadeiras são encontrados, ainda, nos inventários dos marceneiros56,

nos meados do século, especialmente entre os bens da loja do capitão Dionísio Ferreira de

Santana, que, desde 1809, vinha trabalhando em Salvador, na ladeira da Praça57. Eram

peças copiadas de modelos europeus ou americanos, já feitos em série, de forma mecânica

e constituindo os conjuntos de mobília com uniformidade formal e decorativa, abrangendo,

além dos assentos, vários outros móveis.

46 - Cadeira de balanço shaker, modelo americano, século XIX. Acervo do Museu de Arte Moderna do Canadá.

45 – Sofá com encostos arredondados, feitos em série, século XIX. Acervo do Museu de Arte Sacra.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

47 – Sofá pré-fabricado, século XIX, feito em série.

Acervo do Museu de Arte da Bahia.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

M ó v e i s d e r e F e i ç ã o e d e c o r a ç ã o

Mesa, bofete e banca Dava-se o nome de mesa apenas aos móveis desse gênero

próprios para as refeições, para os serviços da cozinha, ou ainda, para

funções específicas, como jogo, chá, etc.

Ao móvel mais alto e encorpado que servia de aparador

chamava-se bofete (figura 48) ou bofetinho (figura 49), quando tinha

pequenas dimensões. Destes últimos, muitos serviram como pé de

oratório. Nos museus, são erroneamente classificados como mesa. Um

simples olhar mostra os inconvenientes de se ter esse móvel para uso

nas refeições. 48 – Bofete, primeiro barroco, século XVIII. Sacristia interna da Igreja de N. S. da Conceição da Praia.

49 – Bofetinho, primeiro barroco, século XVIII. Secretaria da Igreja de N.S. da Conceição da Praia.

Os bofetes do século XVII, especialmente por

causa de sua solidez, permaneceram em uso corrente

durante toda a primeira metade do século seguinte. O

modelo mais comum apresentava a caixa e o tampo

lisos, com molduras de gomos, e os pés e as travessas

torneados ou retorcidos, ou ambos (figura 50). Possuíam

de uma a quatro gavetas de lado, ou “por banda”, como

diziam então. A madeira preferida para esse móvel foi

o jacarandá. Usou-se, em menor número, o vinhático.

Esse móvel mantinha-se solidamente de pé, sem uso de

pregos, apenas através de encaixes (figura 51) e peso

de suas partes.

50 – Bofete (detalhe de pernas, travessas torneadas e retorcidas, gomos das gavetas). Acervo do antigo Museu do Carmo.

51 – Bofete desmontado, mostra encaixes. Acervo do

Museu de Arte da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Outro termo que designava um móvel desse gênero era banca – uma

“mesa” de dimensões pequenas, em geral com apenas três lados decorados,

sendo o quarto encostado à parede, ou totalmente decorada e colocada no

meio da sala. É o móvel que, atualmente, alguns estudiosos chamam de mesa

de encostar (figura 52). A designação mesa de encostar aparece apenas em

meados do século XIX. Na época, a peça era popularmente chamada de banca

de esbarra, considerando-se que ficava em corredores, passagens, vestíbulos...

As bancas, como os bofetes, eram usadas aos pares e chamadas irmãs, por terem

o mesmo tamanho e feitio. São denominadas hoje de consoles.

Três tipos essenciais de mesas estiveram presentes nas casas baianas, ao

lado dos bofetes e das bancas. A primeira, feita de vinhático, era lisa, com uma

ou duas gavetas, pernas retas, sem muita expressão; a segunda, cujos últimos

exemplares atingiram o fim do século, tinha o tampo de vinhático redondo e os

pés de jacarandá torneados, com uma ou duas gavetas; a terceira, em menor

número, em jacarandá, também era redonda, com um só pé torneado. Embora

raras, havia mesas de tampa e caixa oitavadas, com um só pé torneado. Esse

modelo é citado em inventários, mas inexiste em acervos baianos.

Antes que terminasse a primeira metade do século XVIII, em 1746, já

alguns exemplares do período seguinte fizeram seu aparecimento, como

“uma mesazinha pequena do Norte de três gavetas pés de unha de grã

besta”58. Embora essa forma de pés seja apontada como modelo corrente

nos móveis barrocos por vários autores brasileiros e mesmo portugueses,

os inventários mostram que, ao contrário, esse modelo não existia nos

setecentos. Na amostragem estudada neste trabalho, o único exemplo

encontrado foi o citado.

52 – Banca de esbarra ou banca de encostar, estilo

rococó, século XVIII. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

53 – Mesa, modelo ordinário, século XVIII, pés de burro (e detalhe do pé).

Pertencia ao acervo do antigo Museu do

Convento do Carmo.

Não sendo esse tipo de pé o preferido no período, na segunda

metade do século XVIII o modelo, que apareceu com freqüência bastante

grande, eram móveis como as “duas bancas de jacarandá de volta de pé de burro com sua

talha e gaveta cada uma com ferragem de latão”59. Nesse mesmo inventário constam mais

duas bancas iguais com alguma talha, mais antigas e, já em fins da primeira metade do

século, encontram-se referências à “mesa redonda com pés de burro”.

Os pés de burro apareceram nas bancas e nas mesas redondas, quadradas ou

“quadralongas”, com ou sem gavetas. Localizou-se em Salvador apenas um exemplar desse

móvel, no antigo acervo do Museu do Convento do Carmo (figura 53). Era um modelo,

como se chamava, ordinário, dos fins do século XVIII60.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Com a mudança do modelo do móvel, trocou-se também o material de seus

ornamentos complementares. A ferragem estanhada mourisca cedeu seu lugar às

“ferragens” em forma de tarjas de latão dourado, como acontecera em outros móveis.

Concomitantemente aos móveis de pés de burro, desenvolveram-se outros tipos

de bancas e mesas: o de gavetas e pés de volta, com talha, e o de gaveta lisa e pés de volta.

Esse último modelo foi também executado com pés de burro.

No período considerado, no qual predominaram os modelos até agora referidos,

apareceram alguns outros móveis esparsos, de típica influência inglesa da primeira metade

do século.

Adotados os novos modelos, o “Regimento dos marceneiros” estabelecia, em 1785:

“Levará por uma banca ordinária chamada de leque, de abrir, e fechar com sua

gaveta de quatro pés, de jacarandá marchetada lisa com seu pano ............... 6$000

As que não forem marchetadas ................................................................................... 4$000

As bancas lisas ordinárias de jacarandá, chamadas de esbarra, com sua travessa

de talha de duas gavetas uma inteira e outra partida será paga por ..... 8$000 rs.61”

O primeiro exemplar que coincide com as descrições do regimento referentes a uma

mesa de jogo foi encontrado nos inventários, datado de 1783. Os exemplares especificados

como mesa de jogo, porém, não chegaram a cinco até o fim do século. Distinguiam-se das

bancas de abrir por possuírem, além dos panos verdes, cinzeiros cavados no seu tampo.

Tomou-se o exemplo do Rio de Janeiro por não se ter encontrado nenhum móvel desse

gênero na Bahia. Mas não deixaram de ser usadas, como aparece no inventário de João

Batista Pires: “uma dita (banca) de jogar marchetada com embutidos de piquiá e sebastião

da arruda e sua gaveta e pano verde em bom uso”62.

Das mesas de jogo, talvez, adotou-se o hábito de forrar as gavetas e a parte

inferior das bancas e mesas com pano verde. Usaram-se bancas de forma quadrangular,

bem como “bancas redondas de jacarandá com seus embutidos e panos verdes”, de 180563,

ou “bancas de dito (pequiá) oitavadas de abrir com seus embutidos”, de 180464. Nas

mesas e bancas simples, sem marchetaria ou embutidos, foram colocados, igualmente,

panos verdes.

Entretanto, como aconteceu com outras peças de móveis baianos, antes que

existisse um modelo específico mais simples, o trabalho de marchetaria adaptou-se aos

modelos antigos que ainda eram executados no final do século XVIII, como as “duas bancas

de jacarandá pés de burro com suas talhas embutidos de sebastião-de-arruda, gavetas e

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M o b i l i á r i o b a i a n o

ferragem de latão”65, que pertenceram a José Ricardo Gomes, falecido em 1802.

Também nesse caso, os motivos da marchetaria eram, sobretudo, florais, ou

simples frisos ou fitas e laços.

Em relação às mesas, além dos modelos já citados, que se identificaram

como bancas, e daquelas do primeiro período do século, desenvolveram-se, no

gênero das bancas de leque (figura 54) ou bancas de abrir, as mesas de abas, como

passaram a ser chamadas contemporaneamente. Estas, também de influência

inglesa, eram executadas geralmente em vinhático, na forma retangular, quadrada

e redonda, e tinham pés de burro. As mesas mais simples, feitas em vinhático

ou outras madeiras que logo começaram a ser utilizadas – madeira do norte ou

conduru –, tinham as mesmas formas geométricas.

Tardiamente, já em fins do século, adotaram-se as mesas de abas com

quatro pés fixos e dois giratórios, torneados, cujo modelo idêntico, inglês, tinha as

mesmas funções que as feitas na Bahia: serviam como mesa de jantar. Fora de uso,

com as abas desarmadas, serviam de aparador (figura 55), além de ter a função de

móvel auxiliar em ocasiões em que fosse necessário aumentar espaços, tanto para refeição,

quanto como móvel complementar.

A algumas bancas, excetuando-se as de abas e de abrir acima descritas, foram

adaptados tampos ou lastros de pedra mármore, branca ou preta, já no limiar entre os

setecentos e o oitocentos. Podiam ser ornamentadas, ou não, por dourados, algumas já

sendo cobertas de madeiras folheadas.

Nessa época ainda, não eram raros os produtos que chegavam da Inglaterra

através dos portos de Lisboa e Porto, e logo depois diretamente, incluindo as bancas de

abrir, mesas de abas de jantar e mesas de chá. Estas, embora presentes, não tiveram largo

uso em Salvador, aparecendo em pequeno número nos finais do século XVIII.

As bancas de abrir com pano verde tiveram larga aceitação. Quando a moda

dos móveis pintados chegou a Salvador, muitas dessas bancas, evidentemente sem

ornamentação de marchetaria, foram pintadas.

Grande parte, porém, foi executada em pequiá,

substituindo a pintura branca (figura 56). Ainda

em 1824, era corrente o uso das “bancas de

jacarandá redondas de abrir” e “bancas de pequiá de

abrir em bom uso”, como também, “mesa de jantar

feita de vinhático com pés torneados duas gavetas

nas cabeceiras”.

54 - Banca de leque ou de abrir, modelo de luxo,

século XVIII, influência barroca inglesa. Acervo do

Museu do Estado da Bahia.

55 – Banca de leque ou de abrir, modelo ordinário,

século XVIII, influência barroca inglesa. Acervo do

antigo Museu do Carmo.

56 – Banca de esbarra barroca “modernizada”

com pintura branca e dourada, séculos XVIII-XIX. Capela-mor da Igreja de N.

S. da Conceição da Praia.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

57 – Mesa pé de galo, produzida em série, século XIX. Acervo do Museu do Estado da Bahia.

Pouco tempo antes, mas já nos oitocentos, os pés das bancas sofreram

modificações. Foram substituídos pelos pés denominados, na época, pés de galo. Eles não

trazem exatamente o desenho do pé da ave: trata-se de uma mesa com um único pé,

dotado de três pequenos pés de apoio (figura 57). Coexistiram com os modelos anteriores,

que ainda eram usados e que fizeram desaparecer os pés de burro. Variaram um pouco

quanto à forma, conforme as descrições seguintes: “duas bancas de vinhático de pé de galo,

irmãs em bom uso”66, “duas bancas de jogo de jacarandá com pés de galo e roldanas”67 ou,

ainda, “duas bancas de jacarandá de abrir com pés de galo em bom uso”68, “duas bancas

de jacarandá de um só pé de galo de abrir com gaveta em bom uso”69, “quatro bancas de

jacarandá com os cantos contornados de pés de galo e obra de talha em bom uso”70, “duas

bancas de jacarandá com pé de galo e obra de talha de abrir”71, sendo, entretanto, a de

abrir simples, e mais usada. Adaptaram-se roldanas a algumas, o que se faria daí por diante

com a maior parte desses móveis, para facilitar o seu deslocamento nas amplas salas que

os solares dos oitocentos trouxeram às novas regiões ocupadas, como Vitória e Graça.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Na década de 1830, embora muitos modelos antigos, como sempre

aconteceu, estivessem em pleno uso, a nova moda que dominava era a

das bancas de pés de coluna (figura 58), de características neoclássicas e,

igualmente, de diversos formatos: redondas, de abrir, com lastro de pedra,

algumas envernizadas, prevalecendo, no entanto, o primeiro modelo.

Apareceram, igualmente, as mesas híbridas, isto é, com pernas de coluna e pés

de galo, cuja combinação não era do melhor gosto.

A esses dois modelos modernos, um terceiro se somou, o das bancas

com pés torneados, com tampo fixo, ou de lastro de pedra ou de abrir, com ou

sem gavetas, redondas, quadradas e, algumas, envernizadas. Esses modelos,

assim como os com pés de galo, estavam ainda em uso em nos meados do XIX.

Na loja do marceneiro capitão Dionísio Ferreira de Santana, eram encontradas, em 1840,

“seis bancas de jacarandá singelas com pés torneados gaveta na frente ordinárias”, “uma

mesa nova e redonda de jacarandá com pé de galo”, “outra dita (mesa) de dito (jacarandá)

também com pé de galo nova”72.

Quanto às mesas, especialmente as de jantar, aumentaram proporcionalmente

de tamanho. Depois das mesas de abas, apareceram as mesas elásticas, as de dois ou três

corpos, grande parte das quais com pés torneados e envernizados. Essas mesas tiveram

largo uso na segunda metade do século XIX, chegando a comportar até vinte pessoas ao

redor. Já eram industrializadas.

Tremós e elementos decorativosA partir de fins do século XVIII, usou-se colocar nas salas de visitas, entre as

janelas, os tremós com seus espelhos de sala e bancas correspondentes (figura 59). Com

função ornamental, preenchiam vazios, os quais também foram ocupados com espelhos,

imitação de espelhos, quadros, cortinas, arandelas etc.

Os tremós e suas bancas, em grande maioria, eram pintados de branco e com

detalhes dourados, com espelhos de moldura igualmente dourada, complementados com

o lastro de mármore branco ou preto. Era o máximo do luxo dos moradores de Salvador.

Os primeiros que apareceram, menos aparatosos, tinham o espelho oval, unido ou

separado das bancas. Este foi substituído depois pelo retangular ou “quadralongo”, como

o da foto acima, sempre com moldura dourada, lisa ou entalhada. Apenas em meados do

século ‘as molduras de talha rococó foram substituídas, lateralmente, por colunas estriadas

com remate de talha dourada do gosto neoclássico ou complementada com bronze ou

outro metal dourado.

58 – Banca de encostar, século XIX, pés de coluna,

neoclássica. Acervo do Museu de Arte da Bahia.

59 – Tremó, linhas neoclássicas, século XIX.

Acervo do Museu de Arte da Bahia.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Os espelhos e vidros, em geral, foram bastante raros no século XVIII. Multiplicaram-

se somente no fim do último quartel desse período, com os primeiros espelhos de vestir,

com molduras de nogueira, vindos do Reino ou da Inglaterra.

Usou-se, antes disso, apenas o estritamente necessário, isto é, espelhos entre um e

três palmos, pendurados na parede e nunca ultrapassando o número de dois por residência.

Após os primeiros espelhos de vestir, com molduras de nogueira e talha dourada,

o aumento das fábricas de vidros portuguesas e a criação de uma delas em Salvador, além

das importações feitas por Portugal, permitiram à casa nobre de Salvador imitar os salões

franceses. Ao lado dos espelhos, foi comum, na segunda metade do século XVIII, o uso de

placas de vidro cristalino, com o mesmo tipo de moldura, formando par com os espelhos, ou

espelhos complementando molduras de quadros, geralmente com tema religioso (figura 60).

Na ornamentação das salas, ao lado dos tremós, espelhos e placas cristalinas

davam destaque os quadros com molduras idênticas. Os temas mais freqüentes dos quadros

e lâminas eram, inicialmente, religiosos. Mudaram depois, acompanhando o gosto europeu.

Muitos quadros ingleses e franceses eram vendidos em Salvador no princípio do século XIX.

Os assuntos preferidos, desde essa época, foram O leão de Florença, Ninfas e Telêmaco,

Fábulas de Hércules, Orfeu, Vênus, Caridade romana, Paulo e Virgínia, a Tragédia de D.

Inês de Castro, a Catástrofe de Luís XVI, Casamento de Napoleão, Constituições do império

e entrada do exército pacificador, Esfinge do primeiro (Imperador) do Brasil, Indústria e

dissipação. Alguns, já em meados do século XIX, espelhavam o imaginário e a ideologia

do período. Conviveram, nas paredes das salas, ilustrações com temas tanto mitológicos

quanto heróicos, românticos ou moralistas.

O número de objetos de adorno crescia cada vez mais nas salas de visitas. Pode-se

citar, como exemplo, a sala do bacharel Francisco Antônio Pereira Rocha, que morava na

estrada da Graça. Em 1855 suas paredes ostentavam nada menos que 32 quadros73.

Móveis de higieneDurante todo o século XVIII, não foi encontrada nenhuma referência especial a

móveis de higiene, com exceção das tinas ou gamelas de vinhático, com aros de ferro, para

tomar banho ou, em tamanho menor, para lavar as mãos. Outras tinas, que normalmente

não são relacionadas, serviam para satisfazer as necessidades fisiológicas. Chamadas

tigres, ficavam fora da casa e, ao cair da noite, eram carregadas pelos escravos, que

jogavam seu conteúdo no mar ou rio. Os escravos costumavam transportar o tigre na

cabeça. Eram proibidos de transitar durante o dia com esse material pelas ruas, segundo

posturas da Câmara.

60 – Espelho ornamental, moldura rococó, século XVIII. Acervo do antigo Museu do Carmo.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Os primeiros móveis com finalidade higiênica, os chamados toucadores, apareceram somente no final do século. Eram pequenos e colocados sobre uma mesa,

banca ou cômoda. Inicialmente, os exemplares tinham origem inglesa. Com uma, duas ou

três gavetinhas inferiores, começaram a ser usados em Salvador quando os móveis com

marchetaria estavam na moda. Os primeiros toucadores executados na cidade eram em

pequiá ou jacarandá, com ornamentação dessas madeiras invertidas.

Não foram muito numerosos, mas na primeira metade do século XIX já havia

alguns toucadores de tamanhos maiores, chegando até ao modelo de vestir. Entre 1795

e 1850 foram registrados apenas 54 exemplares na amostragem de inventários. As peças

seguiram as modas dos demais móveis, uns pintados e dourados, outros envernizados.

Foram complementados por tremós de cabeceira de cama, igualmente pouco numerosos.

Somente a partir de 1850 tornaram-se mais numerosos, apresentando também

maiores tamanhos. Havia toucadores com três espelhos, com bancas e lastro de pedra e as

toilettes, como passaram a ser chamados.

Ao se encerrar o período estudado, começaram a aparecer os bancos rústicos ou

lavatórios. Esses lavatórios, a partir de então, passaram a ser cada vez mais aperfeiçoados

e a aumentar em número. É o período em que, também, os bidets se vulgarizaram. Isso

quer dizer que os tigres estavam sendo abandonados e que os baianos passaram

seus sanitários para dentro de casa.

Móveis de devoçãoO oratório foi o móvel que esteve sempre presente na casa baiana. Desde as

moradas de casas de sobrado nobres até as moradas de casas térreas, com paredes

de taipa, era uma constante. Podiam faltar na casa outras peças de móveis, mas o

oratório, ainda que de pequeno porte, estava ali entronizado. Ao lado desse móvel

de devoção, o presépio do Nascimento e os painéis ao Divino ou lâminas dos Santos

complementavam o ambiente católico fervoroso dos baianos.

O oratório comum, na primeira metade do século, foi o de duas portas, com

ou sem almofadas quadradas (figura 61), retangulares ou em forma de losango; com

ou sem gavetinha na parte inferior. Essa “caixa” era arrematada superiormente por

um aro simples (figura 62), mas, em geral, com frontão entalhado. Alguns desses

arremates foram dourados, como as talhas das cadeiras, das mesas e de outras peças

com esse tipo de ornamento.

Feitos, em geral, de madeira branca, eram pintados de escuro por fora e com cores

mais alegres na parte interna. As cores preferidas para a pintura interna dos oratórios

61 – Lateral e porta de oratório doméstico, com almofadas geométricas,

século XVIII, reminiscências renascentistas. Acervo do

Museu Carlos Costa Pinto.

62 – Oratório doméstico, com almofadas e frontão

com reminiscências renascentistas, século XVIII. Acervo do Estado da Bahia.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

eram o azul, representando o céu, ou vermelho, às quais se acrescentavam o dourado e/ou

ornamentos florais.

Todos guardavam numerosos santos, de marfim, de madeira “estofados” ou de

barro. As imagens recebiam o mesmo tratamento, isto é, mesmo as de marfim ou barro

eram pintadas. Continham, invariavelmente: uma imagem do Cristo crucificado, com

sua cruz e calvário, Nossa Senhora da Conceição – seguindo os ditames do Concílio de

Trento e obedecendo as “Constituições primeiras do arcebispado da Bahia” –, Santana,

Santo Antônio74, São Francisco Xavier e alguns outros santos de especial devoção dos

donos da casa.

Pouco antes de findar a primeira metade do século XVIII, começaram a aparecer

os oratórios grandes, que eram chamados oratórios de dizer missa (figura 63). Tornou-se

moda a celebração de missa nas residências particulares, o que não deixou de suscitar

reclamações por parte do clero da época.

As proporções e os preços dos oratórios aumentaram consideravelmente e, por

vezes, superavam o valor global dos móveis da casa. Joana Maria da França, por exemplo,

nesse período, possuía móveis cuja soma alcançava 44$120 réis, enquanto seu oratório,

com os santos e suporte, somava 60$000 réis75. Exemplos idênticos a esse aparecem

freqüentemente em muitas casas.

Alcançavam o maior número de residências, entretanto, os oratórios modestos,

como os já descritos, em madeira branca, com o arremate mais elaborado e sem gavetinha.

Quando entraram em uso os oratórios grandes, de jacarandá, com portas de volta

ou de almofadas e arremate de talha, tendo na parte de dentro quadros dos Passos da

Paixão de Cristo ou espelhos emoldurados por talha dourada, outros pequenos oratórios

já traziam uma porta envidraçada. Seguiram as mesmas modas estilísticas que os demais

móveis, como modelos rococós ou neoclássicos (figura 64).

Às vezes, o primeiro abrigava este outro menor, que inicialmente apresentava

apenas um vidro na parte frontal. Depois, as duas partes laterais de madeira também foram

substituídas por vidro.

Paralelamente, usaram-se os oratórios com uma parte fixa, a do fundo, e quatro

móveis, as duas laterais e as duas da frente, o que permitia transformá-lo num pequeno

altar para ser transportado e servir como móvel de rezar missa.

Com a moda dos móveis marchetados, muitos oratórios receberam o mesmo

ornamento, em madeiras de várias tonalidades, como o de seus suportes, que eram

geralmente as cômodas. Dos poucos sobreviventes, o Museu do Estado da Bahia possui um

exemplar desse tipo de oratório, com aplicações florais (ver figura 22). Do modelo pequeno,

63 – Oratório de dizer missa, conjugado à cômoda, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

64 – Oratório com estrutura barroca, frontão rococó, século XVIII. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

há um exemplar, com frisos simples, no acervo do Museu de Arte Sacra da Universidade

Federal da Bahia.

No transcorrer da segunda metade do século XVIII, época dos móveis

pintados e dourados, o modelo que predominou foi o do oratório, ou melhor, do

nicho com três faces de vidro (figura 65), protegido por guarda-pó e guarnecido

de cortinas. Esse modelo permaneceu em uso por longo tempo, até o século XIX.

Ao lado desse nicho, nos oitocentos, as mangas de vidro cobriam uma

imagem de pedra de Nossa Senhora da Piedade com sua peanha dourada, a imagem

do Senhor da coluna feita de pedra jaspe ou imagens de outros Santos.

O suporte sobre o qual os oratórios repousavam também variou com as

modas. No princípio do século XVIII, os bofetinhos e contadores desempenharam

mais comumente essa função. Foram substituídos, entretanto, pelo caixão, como se

observa em algumas fotos anteriores.

Os oratórios do princípio dos oitocentos possuíam, como se viu,

uma ou duas gavetinhas conjugadas na sua base, destinadas a guardar as

ornamentações das imagens. Com o aparecimento dos oratórios de dizer

missa, a função desse complemento passou a ser desempenhada por um

móvel em separado, o caixão, com maior número de compartimentos, nos

quais se guardava todo o acessório de dizer missa.

Mesmo no século XIX, caixas, caixões com gavetas, cômodas, armários

e papeleiras serviram de base para os oratórios. Houve, ainda, oratórios

conjugados – unidos a outros móveis, como a papeleira-oratório, ou em duas

peças distintas, mas com igualdade de confecção e ornamentação. As bancas

de esbarra e mesas também serviam como suporte de oratório, embora em menor número

e, sobretudo, nas residências simples.

O uso dos oratórios de madeira estendeu-se do fim da primeira metade do século

XVIII até o século XIX, quando colunas de mármore, à maneira neoclássica, substituíram

as cômodas, as papeleiras e as bancas nessa função, especialmente nas casas abastadas.

Como móvel que mereceu bastante atenção nas residências baianas, principalmente

no século XVIII, o oratório possuía, além de numerosas imagens, outras ornamentações,

tais como jarrinhas da Índia com ramalhetes, figuras de leões e outros animais, lâminas

das figuras dos Santos, castiçais de bojo de estanho, lâmpadas de latão, estantes, toalhas

de linho com rendas, serpentinas de luzes, pia de água benta de vidro, anjos pintados em

papelão com pés de madeira, lampiões de folha com vidro, mangas de vidro com pés de

casquinha, de acordo com a moda, no passar dos anos.

65 – Oratório com três lados vedados com vidro,

século XIX. Acervo do Museu de Arte Sacra.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

Móveis de transporteDurante muito tempo o transporte dos baianos, em Salvador, foi a rede, tanto para

os vivos, quanto para os mortos, mudando apenas o acompanhamento e os sinais de luto

que ornavam os enterros.

Nas primeiras décadas do século XIX, há notícias de

umas poucas serpentinas e duas seges. Não significa,

em absoluto, que os números fossem exatamente

esses, mas pode-se inferir que eram em quantidade

diminuta. Em Salvador predominaram as serpentinas

e, mais do que estas, as cadeirinhas de arruar. O Museu

de Arte da Bahia possui um exemplar bastante modesto,

mas significativo (figura 66).

Entre os dois móveis de transporte, foram

preferidas as cadeirinhas de arruar, que tanto

impressionaram os viajantes estrangeiros que passaram

por Salvador. Datando do final dos setecentos e usadas

durante boa parte do século seguinte, as mais ricas

primavam por sua ornamentação rococó, a mesma

encontrada nas serpentinas.

A serpentina e as cadeirinhas de arruar

exigiam o esforço de dois escravos para o transporte

da pessoa conduzida. Cada senhor de escravo

possuía, no mínimo, três carregadores de

cadeirinha, um deles reservado para as

eventualidades. Esses carregadores, como

os oficiais mecânicos, passavam por um

período de aprendizagem. Alguns brancos

possuíam numerosos carregadores para alugar

a pessoas que não os tivessem no plantel de seus

escravos.

Tanto as cadeirinhas de arruar quanto as

seges seguiram de perto os estilos dos móveis de casa.

Completava o conjunto o traje libré que os escravos

portavam quando em serviço. Mas sempre estavam de

pés descalços.

66 – Cadeirinha de arruar, modelo simples, século XIX. Acervo do Museu de Arte da Bahia.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Mobiliário sacro É muito comum atribuir-se a confecção tanto de móveis quanto de talhas e

esculturas a religiosos conventuais. Na realidade, eram os irmãos seculares que executavam

esses trabalhos, quando existiam. Isso merece um destaque especial, por ser outra exigência

bem típica da sociedade escravocrata: não podia receber o hábito franciscano, por exemplo,

o indivíduo que fosse “lacaio ou tivesse ocupação vil e baixa”76. Segundo as “Constituições

Primeiras do Arcebispado da Bahia”, elaboradas em 1707, ocupação vil e baixa, indigna do

ministério clerical, era, por exemplo, cavar a terra.

“Por ser grande opróbrio do estado eclesiástico exercitarem-se os clérigos em

oficiais, e ministérios baixos, e abatidos, mandamos a todos os de nosso Arcebispado que

não usem nem exercitem ofício, ou ministério algum vil, e baixo, e indecente a seu estado,

nem cavem nem rocem, nem cortem canas nem façam semelhante trabalho vil, posto que

seja em suas próprias fazendas”77.

Segundo muitos estudiosos, os ofícios mecânicos eram vistos como ocupações vis.

Os regimentos beneditinos, no entanto, incentivavam o trabalho, sendo lema da Ordem, ora

et labora. Entretanto, também eram os monges leigos que executavam as obras.

Os móveis aqui examinados podem ter sido feitos por integrantes da própria

comunidade religiosa, como, provavelmente, pelos jesuítas. Por ser uma companhia militar-

religiosa, tinha irmãos artífices entre seus componentes, conforme destacou Serafim Leite78.

Entretanto, o móvel e o mobiliário utilizados nas igrejas e conventos baianos, em muitos

casos, não diferiam do civil ou leigo, nos séculos XVII, XVIII e parte do XIX. A maioria dos

móveis só tinha como diferença as proporções e, com raras exceções, os usos. Foram os

estudos realizados, a partir dos anos 1930-1940 que estabeleceram a distinção entre as

duas esferas: civil e religiosa ou sacra.

Mesmo o móvel religioso propriamente dito, ou usado pelas ordens terceiras ou

irmandades, com raras exceções, foi feito por artesãos leigos, através de “concorrência

pública”, pelo menor preço, como no caso da Santa Casa de Misericórdia ou mesmo do

Mosteiro de São Bento. Por outro lado, alguns irmãos, sobretudo das associações religiosas,

especialmente as de leigos, como as irmandades e ordens terceiras, ofereciam seus serviços

gratuitamente, ocasião em que a concorrência pública era abandonada. Mas quase sempre

solicitavam o pagamento de seus oficiais, como mostra o exemplo do escultor Manoel

Inácio da Costa, que executou a imagem de São Domingos e a “modernização”79 das demais

imagens dos altares laterais da Ordem Terceira de São Francisco, por volta de 1830.

Em suas conjecturas, Carlos Ott80 aventou a hipótese de que Luís da Silva Ferreira,

originário do Porto, nos finais do século XVII, teria chamado seus parentes marceneiros – que

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

só tinham em comum o sobrenome comuníssimo de Ferreira, sem provas de que realmente

houvesse ligação familiar –, para formar uma “empresa”81. Caberia a eles executar, além do

arcaz da Santa Casa de Misericórdia, o da Ordem Terceira do Carmo e de São Francisco. O

irmão franciscano Luís de Jesus, a quem se atribuiu as talhas da Igreja de São Francisco e

de sua sacristia, teria sido apenas “fiscal”82 da obra desse último templo. Em outro lugar,

Ott chegou à conclusão de que esse móvel foi feito na Santa Casa da Misericórdia, por

Ferreira, simplesmente porque a irmandade o encomendou, por volta de 1721-1722, data

que coincidia com o período de atividade do marceneiro em Salvador. Essa autoria não foi

confirmada por Marieta Alves83.

De qualquer forma enganou-se o autor, especialmente ao datar os três “caixões”

ou, como denomina, arcazes, do final do século XVII, considerando que a obrigatoriedade

de uso desse tipo de móvel nas sacristias só foi imposto pelas Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707, pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da

Vide, que dizia que nas sacristias se colocaria um “caixão com gavetas” para recolher os

ornamentos, cálices, patenas e o mais necessário.

As sacristias deveriam ter prontos armários ou caixões grandes e bem fechados

até três meses depois da publicação das Constituições Primeiras’, salientando-se que essa

tarefa era mais necessária nesse arcebispado, “pois pelo clima da terra todo o cuidado é

pouco”84. Alguns chamam a atenção, pelo luxo ou pela simplicidade, como se verifica na

sacristia da Igreja de São Francisco (figura 67), da Catedral (figura 68), em Salvador, ou o

da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira.

67 – Caixão ou arcaz da sacristia da Igreja de São Francisco, século XVIII, estilo híbrido. Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

Em todos os três exemplos, trata-se de móvel híbrido, conjugando influências

remanescentes de estilo renascentista, na parte inferior, e do estilo barroco na superior ou

espaldas, – e nas laterais ou arremates – característica presente no caixão da sacristia de

São Francisco.

Complementavam os caixões das sacristias, além de um altar central, armários

que tinham a mesma função que aqueles caixões ou arcazes. Alguns simples, embutidos,

pintados, como se vê na sacristia da Igreja de Santa Tereza, ou em estilos misturados –

renascentista e barroco –, como os armários da sacristia de São Francisco (figura 69) de

Salvador, Cairú ou São Francisco do Conde.

68 – Caixão ou arcaz da sacristia da Catedral,

século XVIII. Estilo híbrido. Acervo da Catedral

de Salvador.

69 – Armário com gavetinhas da sacristia da Igreja de São

Francisco, estilo híbrido, predominando as talhas barrocas, século XVIII. Acervo do Convento

de São Francisco de Salvador.

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70 – Cadeiral do coro da Igreja de São Francisco, estilo híbrido, século XVII. Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.

O maior número de móveis, úteis aos cultos religiosos, e de uso leigo, estavam e

estão conservados nas igrejas e conventos, muito embora estes não deixassem de seguir

os modismos ou fossem obrigados a isso. Exemplo típico são os móveis da Arquiabadia de

São Bento, que, tendo parte do lado direito da igreja cortado pela reforma urbana de J. J.

Seabra na avenida Sete de Setembro, em 1912, iniciou aí o despojamento do interior do

seu templo. O cadeiral, com estrutura e decoração híbridas, está no coro, com a estante do

antifonário, e data do final do século XVII ou princípio do XVIII.

O cadeiral do coro de São Francisco (figura 70), igualmente, é um conjunto híbrido,

originariamente com características renascentistas. Passou por reformas posteriores,

apresentando ornamentação em relevo com vocabulário barroco de máscaras, rosáceas,

conchas, folhas de acanto estilizadas, além de colunas torneadas, retorcidas, sustentando

braços em voluta. O coro foi a primeira parcela da igreja franciscana a receber decoração.

Aí foram colocadas as mesmas cadeiras e estante do antigo templo, sofrendo adaptações.

Esse coro e cadeiral foram transferidos, por um tempo, para as tribunas do lado do convento,

até passar para a igreja nova por volta de 1723. Em 1937, o frei marceneiro Plácido Hilvert

reparou as grades da nave e as cadeiras do coro. Nessa ocasião, provavelmente, retirou

os arremates triangulares entalhados da parte superior dos encostos, recolocados depois

de 1949.

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O mesmo efeito estilístico se encontra na estante de antifonário (figura 71) que

permanece no mesmo coro da Igreja de São Francisco. A estante desse gênero da Catedral,

de influência italiana e características renascentistas, ocupou sempre, como entre os

franciscanos, um lugar no coro.

71 – Antifonário do coro da Igreja de São Francisco, estilo híbrido, século XVIII.

Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.

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72 – Confessionário do Mosteiro de São Bento, século XVIII, estilo híbrido barroco-rococó. Acervo do Museu do Mosteiro de São Bento.

As caixas e arcas de uso amplo, com várias finalidades no mundo leigo, como

se viu, também alcançaram o ambiente religioso, especialmente devido a sua múltipla

utilidade. No Convento do Desterro são ainda encontradas às dezenas, pois para lá eram

enviadas as jovens filhas de famílias mais abastadas, com suas escravas, ou mesmo as

componentes femininas de uma família inteira, quando o pater familia viajava ou não as

desejava mais ao seu lado. Todas levavam nesses recipientes seus enxovais e pertences

particulares, e deles faziam uso contínuo em suas celas.

A qualidade dos assentos sempre foi socialmente valorizada nos séculos referidos,

como se disse anteriormente. Eram constantes os conflitos, mesmo dentro das igrejas,

decorrentes das disputas para ocupar uma cadeira de espaldas altas e de braços, cadeiras

sem braços e mesmo bancos. Houve, inclusive, caso de assassinato, resultantes de brigas

por lugar no recinto sagrado, como ocorreu na igreja de São Francisco. Como não havia

bancos nas naves das igrejas, até o século XIX, cada qual fazia seus escravos carregarem

um assento para os ofícios religiosos. Lembre-se que nas funções públicas, em geral

religiosas, promovidas pelo Senado da Câmara, era este que fornecia os móveis de assento.

A importância desses móveis explica o porte da cadeira do abade de São Bento, em estilo

ainda de influência renascentista, datado da primeira metade dos setecentos. Ficava no

altar-mor, do lado esquerdo.

Embora não tivesse a mesma função, o confessionário de São Bento (figura 72),

móvel ímpar ainda sobrevivente, em estilo rococó, datado do final do século XVIII ou começo

do XIX, tem formas agigantadas e a estrutura das cadeiras de espaldas altas e braços

acima referidas. Diferem apenas na treliça que separava, debilmente, o

confessor do pecador. São Francisco também tem um exemplar rococó

no seu acervo, mas de dimensões bastante modestas (figura 73).

Encontra-se na sala do capítulo.

Vê-se que, com exceção das estantes de antifonários, os

demais móveis ditos sacros não se distinguiam radicalmente dos

leigos. Cadeiras, canapés, bancas de esbarra ou consoles, bofetes,

mesas, étagers, arcas, bancos (figura 74), arquibancos85 e caixas

foram para dentro das igrejas e conventos, assim como oratórios

e altares, estes tipicamente móveis religiosos, foram para dentro

das casas.

É preciso, no entanto, lembrar de outros móveis que,

pelo fato de terem sido confeccionados em pedra, fogem às

características das peças até aqui tratadas, todas elaboradas

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M o b i l i á r i o b a i a n o

em madeira. Podem-se citar as pias de água benta, mais elaboradas, como a da Igreja de

São Francisco, que se diz terem sido doadas por D. João V, ou aquelas trabalhadas em série,

com características barrocas ou de feição rococó (figura 75), ambas inspiradas em conchas.

73 – Confessionário da sala do capítulo da Igreja de São Francisco, século

XVIII, estilo híbrido barroco-rococó. Acervo

do Convento de São Francisco de Salvador.

74 – Bancos do capítulo do Convento de São Francisco, com suportes barrocos, século XVIII. Acervo do Convento de São Francisco de Salvador.

75 – Pia de água benta, século XVIII, mantém a concha como base iconográfica, estilo rococó. Ordem 3ª do Carmo de Cachoeira.

As pias batismais eram, igualmente, previstas pelas “Constituições primeiras do

arcebispado da Bahia”, que estabeleciam que todas as Igrejas curadas deviam ter “pias

batismais de pedra bem lavrada”, cobertas, capazes de se fazer batismo por imersão,

de preferência em capelas com grades a roda, fechadas a chave, com tampa e ralo que

permitissem que “as relíquias e panos com que se alimparam os Santos Óleos se escoassem”86.

Essas disposições foram modificadas no século XIX, no Império, quando não se admitia

mais batismo por imersão87. A partir daí as pias foram substituídas por outras, com modelo

neoclássico, mas mantendo a bacia em forma de concha estilizada, em tamanho menor, e

continuando a ocupar espaço especial.

Tanto as pias de água benta, as pias comuns e as batismais, quanto os lavabos

das sacristias vinham de Portugal, a maior parte elaborada em pedra de lioz. Os lavabos

chamam a atenção por seu porte e composição. Normalmente foram decorados com

elementos que lembram o mar, como os golfinhos entrelaçados ou emparelhados, que, se

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

~133~

76 – Lavabo barroco, século XVIII. Sacristia do convento de Santa Clara do Desterro.

não estavam no corpo do lavabo, apareciam nas torneiras. A maior parte desses lavabos

mostra estilo de transição entre barroco e rococó (figura 76).

Todo esse aparato, de madeira ou de pedra, que as igrejas baianas apresentavam

e apresentam, foi financiado especialmente pela população do século XVIII e início do XIX,

portanto, é dos baianos todo esse patrimônio.

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~134~

M o b i l i á r i o b a i a n o

n o t a s

1 – langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional,

1943. v. 1, p. 511.

2 – cartas do governo a sua Magestade (1797-1798), Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador/

Fundação Gregório de Mattos, fl. 278v. ms

3 – Cf. syMonds, R. W. English eighteenth century furnitures exports to Spain and Portugal,

The Burlington Magazine, London, v. 78, no 45, p. 57, 59, 1941; JOY, E. T. The overseas trade in

furniture in the eighteenth century, The Journal of the Furniture History Society, England, v. 1,

p. 1-10, 1965. 10 p.

4 – Idem, p. 58. Num mapa de exportação, de 1700, consta que foram mandados de Londres para

Portugal: “cabinets Japan’d, chairs, chest of drawers, clock’s cases, escrutores, glasses looking,

upholstry ware [...]”. (Idem. p. 59.)

5 – Idem, p. 1.

6 – Idem, p. 59.

7 – guiMarães, Alfredo. Mobiliário artístico português; elementos para a sua história: Guimarães.

Vila Nova de Gaia: Pátria, 1935. t. 2, p. 96.

8 – joy, E. T. Op. cit., p. 21.

9 – cartas do governo (1797-1799), Loc. cit., fl. 281v. ms.

10 – Na Inglaterra, alguns autores situam o uso desse tipo de pé no período da rainha Ana,

enquanto outros o situam no período de Guilherme e Maria, sob a influência holandesa. Na

França, é tido como pertencente ao estilo Luís XV.

11 – Existe um exemplar idêntico no Museu de Arte Decorativa de Lisboa.

12 – claret rubira, José. Muebles de estilo francés; desde El gótico hasta El império. 3ed.

Barcelona: Gustavo Gili, 1966. p. 111-114.

13 – inventário, Loc. Cit., doc. nº, Manoel Francisco de Macedo, 1795, fl. 19v. ms.

14 – inventários, Loc. Cit., doc. no 1/619, Maria da Silva, 1714, fl. 11v-12 ms.

15 – Idem, doc. 6/635, 1757, Maria de São José, s.n.fl., ms.

16 – Idem, doc. 6/656, 1795, Manoel Francisco de Macedo, fl. 7v. ms.

17 – ott, C. Op. cit., v. 2, p. 68.

18 – Neste trabalho é usada a nomenclatura de época, fazendo-se referência à nomenclatura

do Iphan.

19 – Interessante verificar que os Inventários discriminavam a largura e a profundidade e quase

nunca a altura.

20 – inventários, Loc. cit., doc. no 4/653, Domingos da Costa Braga,.1793, fl. 21v . ms.

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M ó v e i s e m o b i l i á r i o

21 – idem, doc. no 1/716, Athanazio Joze de Mello, 1820, fl. 5.

22 – idem, doc. no 4/656, José de Almeida, 1795, fl. 18v.

23 – Couro preparado no Grão Ducado de Moscóvia (Rússia). Era um couro de boi curtido de

cor arroxeada.

24 – inventários, Loc. cit., doc. no 7/633, Joana Maria da França,.1755, s.n.fl.. ms.

25 – Quer dizer, duas gavetas pequenas. inventários, Loc. cit., doc. no 7/633, Joana Maria da

França,.1755, s.n.fl.. ms.

26 – inventários, Loc. cit, doc. no 1/669, Antônio de Carvalho da Câmara, 1806, fl. 7v. ms.

27 – Idem, doc. no 1/789, Joaquina Francisca da Conceição, 1834, fl. 29. ms.

28 – Como a descrita: “Uma (cômoda) americana com quatro gavetões de volta ainda nova”.

inventários, Loc. cit., doc. no 1/728, Manoel Cardoso Marques, 1823, fl. 66.

29 – Idem, doc. no 3/812, Dionísio Ferreira de Santana, 1840, fl. 5rv. ms.

30 – aHu. Loc. cit. v. 32. doc. no 6556, 1764, p. 68.

31 – Postura 27, Lo. 4º, 1785. In: Posturas (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do

Salvador / Fundação Gregório de Mattos, fls. 131rv. ms.

32 – inventários, Loc. cit., doc. no 4/772, José de Castro Guimarães, 1831, fl. 6v. ms.

33 – nasciMento, J. F. da Silva. Leitos e camilhas portuguesas. Lisboa: Ed. Autor, 1950. p. 42.

34 – inventários, Loc. cit. doc. no 7/845, Luiz dos Santos Lima, 1783, , fl. 18v. ms.

35 – nasciMento, J. F. da S. Op. cit., p. 27.

36 – inventário. Loc. cit., doc. no 3/618, 1706, fl.7. ms.

37 – Ou bilros, como passaram a ser chamados pelos técnicos do Iphan.

38 – Postura 27, 1785, Lo 4º. In: POSTURAS (1650-1787), Arquivo da Prefeitura Municipal do

Salvador / Fundação Gregório de Mattos. fl. 131v. ms.

39 – inventários. Loc. cit. doc. no 4/642, Luiza da Conceição, 1772. fl. 11.

40 – Idem, doc. no 6/6435, João Batista Pires, 1783. fl. 9v.

41 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Cadeiras portuguesas. Lisboa: Bertrand, 1952, p. 86, 97.

42 – inventários. Loc. cit. doc. no 3/669, Ana Joaquina de Souza, 1806, fl. 5v. ms.

43 – Idem, doc. no 2/674, José de Souza Lobo, 1808. s.n.fl., ms.

44 – Idem. Loc. cit. doc. no 6/914, cônego João Pereira Ramos, 1858. fl. 5v.

45 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Op. cit., p. 19-26.

46 – Provisões do senado (1672-1681), L. 4º, fl. 156.

47 – MeMórias da viageM de suas Magestades iMPeriais a Provincia da baHia. Rio de Janeiro: Indústria

Nacional de Cotrin & Campos, 1867. p. 12.

48 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Op. cit., 1952. p. 27-28, nota 1.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

49 – Postura, 1672, Loc. cit., fl. 19v. Na postura de 1716 foi acrescentado: “e sendo chãos três

tostões por cada coisa”. Postura 19, In: Posturas (1650-1787), 1716. fl. 95.

50 – Postura 21, 1785, L. 4º, Loc. cit., fl. 130. ms.

51 – Pinto, A. C. e nasciMento, J. F. S. Op. cit., 1952. p. 67.

52 – langHans, Franz-Paul. As corporações dos ofícios mecânicos. Lisboa: Imprensa Nacional,

1943. v. 1. p. 105-106.

53 – Uma releitura mecanizada dos móveis do período de Luís XV.

54 – Existem ainda muitos exemplares nas igrejas.

55 – inventários. Loc. cit., doc. no 1/720, Manoel Ferreira da Silva, 1820, fl. 5v. ms.

56 – Idem, doc. no 2/809, João dos Santos Marrocos, 1839. s.n.fl. ms.

57 – Idem, doc. no 3/812, Dionísio Ferreira de Santana, 1840, fl. 5rv-6. ms.

58 – Idem, doc. no 2/627, Manoel Dias Maciel, 1746, s.n.fl. ms.

59 – Idem, doc. no 5/644, Joaquim Santana Seabra, 1781, fl. 4v. ms.

60 – A foto apresentada foi tirada em 1997. O móvel já não está no acervo do Museu do

Convento do Carmo. Segundo seu zelador, a peça foi vendida.

61 – Postura 27, 1785, L. 4º, Loc. cit., fl. 131rv. ms.

62 – inventários, Loc. cit., doc. no 6/645, João Batista Pires, 1783, fl. 9. ms.

63 – Idem, doc. no 6/667, Florência Joaquina da Conceição, 1805, s.n.fl., ms.

64 – Idem, doc. no 7/666, João Soares Nogueira, 1804, fl. 4v.

65 – Idem, doc. No 5/633a, José Ricardo Gomes, 1802, fl. 5v. ms.

66 – Idem, doc. no 1/738, Manoel Cardoso Marques, 1823, fl. 7 ms.

67 – Idem, doc. no 5/747, Maria Joaquina Rodrigues, 1825, fl. 5 ms.

68 – Idem, doc. no 1/748, Padre Manoel Pereira Lopes Macedo, 1825, s.n.fl., ms.

69 – Idem, doc. no 6/748, Plácido José da Maia, 1825, fl. 4v. ms.

70 – Idem, doc. no 4/767, Eulália Maria de Andrade Reis, 1830, fl. 12.ms.

71 – Idem, doc. no 1/783, Francisco José da Silva, 1833, fl. 6. ms.

72 – Idem, doc. no 3/812, Dionísio Ferreira de Santana, 1840, fl. 5rv. Ms.

73 – Idem, doc. no 1/892, de sua mulher Helena Clara da Rocha, 1855.s.n.fl. ms.

74 – Santo português, protetor dos exércitos lusos, primeiro padroeiro de Salvador, sob a

invocação de Arguim. No século XVIII, passou a ser venerado como Santo Antônio de Lisboa e

ganhou a patente e soldo, que conservou até 1907, de capitão “enterdenido”, como prêmio por

perder o título de protetor da Cidade.

75 – inventários. Loc. cit., doc. no 7/633, Joana Maria da França,.1755, s.n.fl.. ms.

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~137~

M ó v e i s e m o b i l i á r i o

76 – estatutos da Província de santo antônio do brasil. Lisboa: na Officina de Manuel e Joseph Lopes

Ferreyra, 1709. p. 15.

77 – constituições PriMeiras do arcebisPado da baHia, feitas, e ordenadas pelo Illustrissimo e

Reverendissimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, 5o Arcebispo do dito Arcebispado, e do

Conselho de Sua Magestade: propostas e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito Senhor

celebrou em 12 de Junho do anno de 1707. São Paulo: Typog. 2 de Dezembro de Antonio Louzada

Antunes, 1853. Lo. III, no 478.

78 – leite, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, século XVI. Lisboa/Rio de Janeiro:

Portugalia/Civilização Brasileira, 1938. v. 5.

79 – Com exceção da imagem de São Francisco, no primeiro altar lateral, lado da Epístola, as

demais imagens não foram “modernizadas”, considerando que a tentativa feita com o santo

citado o transformou num aleijão. Foi retirada apenas a policromia de todas elas.

80 – ott, Carlos. A Santa Casa de Misericórdia da Cidade do Salvador. Rio de Janeiro: Ministério

da Educação e Cultura, 1960.

81 – Usa, literalmente, essa expressão.

82 – Também usa esse termo. Documentadamente são atribuídas a esse frei leigo, as grades das

capelas laterais da nave da igreja de São Francisco.

83 – alves, Marieta; sMitH, Robert; ott, Carlos e ruy, Affonso. História das artes na Cidade do

Salvador. Salvador: Prefeitura Municipal do Salvador, 1967.

84 – constituições, 1853, L. 4o, tit. XXIV, item 712. p. 260-261.

85 – O arquibanco, por suas dimensões e características, foi mais freqüente nos edifícios

religiosos.

86 – constituições, 1853, L. 1o, tit. XIX, item 68, 69. p. 27, 28.

87 – regiMento..., In: constituições, 1853. p. 151.

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conclusões

7

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~141~

c o n c l u s õ e s

Procurou-se, neste estudo, dar uma idéia bastante abrangente dos móveis usados

nas casas e recintos religiosos de Salvador, de 1700 a 1850.

Os móveis da casa baiana, nesse período, não tiveram a característica de “mobília”,

isto é, conjunto de móveis com elaboração e decoração harmônicas. Prevaleceram, ao

mesmo tempo, modelos diferentes, não havendo, especialmente no século XVIII, os

chamados “conjuntos” de mobília. Estes só começariam a aparecer, aos poucos, em fins

do século XVIII, intensificando-se o uso somente na segunda metade do século XIX. Seu

número foi aumentando à medida que mudava a relação do baiano com o interior de

sua casa.

A quantidade de móveis presentes nas casas geminadas, pouco claras e arejadas

em seu interior, e nas casas isoladas no meio de jardins arborizados, cheios de janelas

e árvores, mostra a mudança clara nessa relação. No século XVIII, os habitantes de

Salvador estavam voltados para a rua, enquanto no século XIX começaram a se voltar

para dentro de suas mansões, especialmente fora do centro da cidade. Assim, a escassez

de móveis, característica dos setecentos, é substituída pela superabundância dos mesmos

nos oitocentos.

A cronologia dos estudos clássicos, apresentada pela maioria dos autores que

escreveram sobre o mobiliário brasileiro, apresenta uma defasagem em relação à obtida

neste estudo por meio dos inventários e testamentos. O atraso observado deveu-se ao tempo

decorrido entre a introdução do móvel na Bahia, época à qual normalmente se referem os

autores em questão, e a sua vulgarização, época à qual se referem os inventários, com as

devidas correções de desvios. Por se tratar de moda, de sua relação com os habitantes de

Salvador e uso corrente por grande parte desses habitantes, preferiu-se trabalhar com

a cronologia ligada à vulgarização dos móveis. Foi encontrada defasagem que chegou a

atingir cinqüenta anos entre as duas cronologias..

Portanto, os móveis de estilos artísticos europeus – renascentista, barroco, rococó,

neoclássico simultâneo ao eclético – sempre foram tardios no Brasil, pois levaram muito

tempo para ser divulgados e vulgarizados, mesmo nos núcleos urbanos mais importantes.

Os modelos eram portugueses, indianos, de influência inglesa ou francesa, originais ou

copiados pelos oficiais mecânicos. Estes os reproduziram em larga escala, algumas vezes

com pequenas adaptações, a depender do lugar, da competência da mão de obra, dos

materiais ou ferramentas.

A regulamentação das diferentes profissões, exercidas pelos oficiais mecânicos,

por meio das posturas, permitiu ao Senado da Câmara de Salvador, apesar de não

Penteadeira feita em série, século XIX. Convento de São Francisco, Salvador.

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~142~

M o b i l i á r i o b a i a n o

possuir o poder judiciário e administrativo pleno, exercer controle sobre as atividades

dos marceneiros, torneiros, correeiros e serralheiros, o que resultou numa uniformização

das obras realizadas, principalmente durante o século XVIII. O controle e interferência

na execução de móveis era feito pelas Câmaras, tomando modelos de origem lusa, ou

comercializados por Portugal, reforçados pela presença de oficiais mecânicos vindos da

Metrópole. Isso explica a relativa uniformidade dos móveis luso-brasileiros.

É importante notar, ainda, que essa uniformização restringiu-se quase

exclusivamente à cópia de modelos importados de Portugal. Convém ressaltar, também,

que era uso do período copiar os modelos pré-existentes. Para ser mestre, o oficial

deveria copiar uma obra de outro mestre. Desse modo, não se pode falar em mobiliário

tipicamente brasileiro, pelo menos no que se refere à Bahia. Deve-se lembrar que, de

acordo com a ideologia da época, os artistas e artesãos não procuravam criações originais.

Isso se verificou na arquitetura, na imaginária, na escultura e, principalmente, na pintura

e no móvel.

De muitos móveis que são citados, não se encontraram exemplares nas coleções

locais e mesmo nacionais. Em conseqüência, não aparecem na historiografia do mobiliário

brasileiro e, muito menos, na baiana. É o caso dos móveis feitos com a madeira pequiá,

com entalhes ou com trabalhos de marchetaria. Também os móveis com pés de burro já são

inexistentes nesses acervos.

A partir do século XIX, quando o Brasil foi atingido pelos reflexos da Revolução

Industrial, os modelos franceses, especialmente da época dos luíses, e os da Inglaterra e

dos Estados Unidos, além de móveis esparsos de outras regiões européias, entraram na

Bahia através das cidades do Porto e de Lisboa e do gosto dos baianos. A vinda da corte

para o Brasil, com D. João VI, intensificou ainda mais o seu uso, apesar das relações

políticas. Com a chegada da corte, foi necessário reconstruir o Rio e dar-lhe feições de

capital. Logo depois, chegavam os famosos membros da chamada missão francesa, que

incentivou as artes.

Muitos móveis pertencentes a determinados acervos museológicos ou a coleções

são reminiscências estilísticas que reapareceram na segunda metade do século XIX, sob a

designação de móveis à moda Luís XIV, Luís XV ou Luís XVI, tendo a aparência de móveis

barrocos, rococós, neoclássicos ou ecléticos, mas de forma estilizada e feita em série,

mecanicamente, formando já conjuntos de mobília.

Nesse sentido, é preferível utilizar as designações estilísticas européias para

classificar os móveis usados em Salvador, considerando que a classificação pelos nomes

dos reis não se compatibiliza com a realidade. As únicas designações aceitáveis são as dos

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~143~

C o n c l u s õ e s

designers que emprestaram seus nomes aos modelos que já eram vendidos por catálogos,

feitos sob encomenda, mas multiplicados como móveis em série, idênticos uns aos outros.

Já se entrava em uma outra etapa de construção do mobiliário baiano.

Banca de leque ou de abrir, barroca, século XVIII. Museu de Arte da Bahia.

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glossár io

8

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~147~

ALDRABA ou ALDRABÃO – peça de ferro ou metal, muitas vezes em forma de argola,

colocada na porta para chamar o dono, com batidas.

ALMAS – pessoas batizadas.

ALMOTACÉ – fiscal de pesos e medidas e dos preços dos produtos taxados pela câmara.

ALVÍNEO – artesão especializado em alvenaria.

ARCA – móvel de tampo ligeiramente abaulado que se encaixa e completa a parte superior

do móvel. É o nome dado hoje indevidamente à caixa.

ARQUIBANCO – banco-arca de encosto alto e assento móvel; servia também como

móvel de guardar.

ARRANQUETA – base para encaixe de puxador de gaveta.

BANCA – mesa de menores dimensões, com três lados decorados, sendo o quarto lado

colocado de encontro à parede.

BANCA DE ABRIR – mesa com um tampo que podia ser montado ou desmontado;

também chamada banca de leque ou mesa de leque.

BANCA DE ESBARRA – designação do século XVIII dada à peça hoje chamada console

ou banca ou mesa de encostar.

BANCA DE LEQUE – mesmo que banca de abrir ou mesa de leque.

BAÚ E ARCA DE COURO DE MOSCÓVIA – peças de madeira em forma de caixa,

cobertas de couro de origem russa.

BIDET – móvel de higiene, de origem francesa.

g l o s s á r i o

Cama com ornamentação eclética, feita em série, século XIX. Museu de Arte Sacra.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

BOFETE ou BOFETINHO – móvel mais alto e encorpado que a mesa, com pernas

e travessas completamente torneadas, usado como aparador. Recebe de muitos autores

atuais a designação de mesa manuelina ou mesa de bolachas ou discos.

CABECEIRA ENTALHADA E ABERTA PARA ESTOFAR – cabeceira de cama

ornamentada com escultura e acolchoado, típica da segunda fase do barroco. É atualmente

designada como cabeceira de volutas e cartelas.

CABECEIRA LAVRADA OU TALHADA – cabeceira de cama entalhada com detalhes

barrocos ou rococós.

CADEIRA DE CAMPANHA – cadeira dobrável com assento flexível, de fácil transporte,

hoje chamada cadeira de viagem ou dobradiça; o mesmo que cadeira de vento.

CADEIRA DE ESPALDA – cadeira de encosto bastante alto, com ou sem braços. É

chamada hoje cadeira de estado.

CADEIRA DE LEQUE – cadeira com detalhes de pequenos leques esculpidos nos

arremates dos cantos, no centro do assento e no encosto.

CADEIRA DE MEIO MOLDE – com encosto reduzido, em contraposição ao de espalda

alta. Designada por alguns autores como cadeira com espaldar de meia altura.

CADEIRA DE SOLA – cadeira com assento e encosto de couro.

CADEIRA DE TABELA – caracterizada pelo encosto tripartido, cujo elemento central

é mais largo, em forma de tabela; podia ter a forma de perfil de balaústre cheio ou com

interior recortado.

CADEIRA DE VENTO – mesmo que cadeira de campanha.

CADEIRA RASA – designação dada ao tamborete.

CAIXA – designação dada ao móvel classificado nos museus, atualmente, como arca.

Page 150: M OBILIáRIO BAIANO

~149~

G l o s s á r i o

CAIXA DE MALHETE – caixa com guarnição entalhada, chamada contemporaneamente

de tremido, treme-treme ou bico de jaca.

CAIXÃO – mais alto e mais longo que a caixa, com quatro gavetas pequenas e dois

gavetões ou, como diziam, “duas gavetas inteiras e duas partidas”. Protótipo das cômodas.

Designava também o arcaz das sacristias, como se chama hoje.

CALAFATE – oficial especializado em vedar as junturas ou fendas de embarcação.

CALVÁRIO – pequeno monte, estilizado ou não, que sustentava o Cristo Crucificado nos

oratórios. Designado hoje como peanha.

CAMA – móvel de descanso, mesmo que leito.

CAMA DE CAMPANHA – parecida com a cama-de-vento, sem cortinado.

CAMA-DE-VENTO – chamada em Portugal cama inglesa, parecida com a cama de

campanha que a seguiu; possuía todos os elementos dos leitos, com a diferença de ser

estreita, desmontável e transportável. Tinha estrutura para cortinado.

CAMA FRANCESA – móvel simples, em geral confeccionado em madeira clara, como

pau-cetim, e “bordada com embutidos” coloridos, de estilo neoclássico.

CANAPÉ – assentos e encostos conjugados de dois, três ou mais lugares, de influência

francesa; também chamado sofá.

CANASTRA DE COURO CRU – recipiente feito de couro para transporte em lombo de

animais.

CANTEIRO – artesão que lavrava pedra ou fazia obra de cantaria.

CARTEIRA DE MÃO – pequena escrivaninha transportável.

CASA DE RESIDÊNCIA – equivalente ao edifício construído e habitado.

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~150~

M o b i l i á r i o b a i a n o

CATRE OU CAMA – cama sem o aparato dos leitos, sem balaústres e cortinados, mas

com pequena cabeceira e mais larga que os preguiceiros.

CHAROLA – andor.

COLUNA SALOMÔNICA – coluna que tem o fuste em espiral. É uma das principais

características do primeiro barroco e inspirou os torneados e retorcidos.

COLUNAS – esteios torneados ou estriados, com formas completas ou retorcidos que

serviam para sustentar o cortinado dos leitos. São hoje designadas como balaústres.

CÔMODA DE COLUNA – cômoda neoclássica com os ornamentos laterais em colunas

estriadas, ou não.

CONSOLE – vide banca de esbarra.

CORREEIRO – artesão que trabalhava o couro.

COURO LAVRADO – couro de assentos e encostos de cadeiras com gravação de

desenhos.

COURO OU SOLA PICADA – couro de assentos e encostos de cadeiras em que o lavor

era substituído por furos regulares. Era trabalhado pelo pica-couro.

CRIOULO – primeira geração de descendentes africanos, nascidos no Brasil.

EMBUTIDO – trabalho de marchetaria realizado com madeiras coloridas sobre jacarandá

ou sobre madeiras claras, como pequiá, pau-marfim ou pau-cetim.

ENSAMBLAR – encaixar.

ESPALDA – espaldar ou encosto alto das cadeiras. É conhecida hoje como cadeira de

estado, com ou sem braços, ou cadeira de sola.

ESPARTEIRO – artesão que fazia cestas, esteiras e cordas.

Page 152: M OBILIáRIO BAIANO

~151~

G l o s s á r i o

ESPELHO DE VESTIR – espelho de grande porte para visualização de corpo inteiro.

ESPREGUICEIRO OU PREGUICEIRO – móvel de descanso, para fazer a sesta, mais

estreito que o catre, com encosto reclinado e sem resguardo nos pés.

ESTOFADO – camada de massa colocada sob a pintura de móvel ou de imagem, para

unificar a superfície e tirar as imperfeições para receber a camada colorida; mesmo que

encarnado.

ESTOFO OU ESTOFADO – acolchoados colocados em vãos nas cabeceiras de camas

e encostos de cadeiras. Hoje são chamados cartelas, almofadas, almofadados ou coxins.

ESTRADO – mesmo significado de hoje, mas, coberto de esteira ou alcatifa, era usado

pelas mulheres para bordar e, a maioria das vezes, dormir com as crianças.

ÉTAGER – móvel com prateleiras de guardar louça, de influência francesa.

FECHADURA MOURISCA – espelho de fechadura das caixas ou arcas com desenho

caprichoso em forma de filigrana estilizada.

FOGO – equivalente a casa, com o sentido de lar.

FOLHEADO – lâmina de madeira usada para revestir móveis confeccionados com

madeiras menos nobres.

FRASQUEIRA – recipiente próximo da arca, mas com tampo reto e encaixes inclinados.

Possuía divisórias internas para transportar frascos.

FUSCO – pardo, escuro.

GAVETA PARTIDA – gaveta grande, partida em duas, formando duas gavetas pequenas

na parte superior ou inferior das cômodas ou armários.

GAVETAS DE VOLTA – gavetas das cômodas e das mesas de esbarra que têm um perfil

arqueado na frente. São chamadas hoje de móveis bombé ou de barriga.

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~152~

M o b i l i á r i o b a i a n o

GAVETAS POR BANDA – gavetas de lado. As laterais, em alguns móveis, são chamadas

hoje de ilhargas.

GELÓSIA – grades de treliças que vedavam os vãos das janelas; o mesmo que rótula.

GOMOS – ornamentação em forma de pequenos diamantes seriados ou pequenas

ondulações em faixas contínuas, que os estudiosos contemporâneos chamam tremidos e,

conforme o desenho, de goivados ou de treme-tremes.

GUARNIÇÃO DE JACARANDÁ – ornamentação de jacarandá sobreposta nas caixas de

estrutura de vinhático, formando o que hoje se chama de tremidos, goivados ou almofadas.

LEITO – nome dado à cama provida de balaústres e cortinado, chamada hoje cama com

baldaquino, cama com torneados, ruelas ou bolachas, fusos ou bilros, camas com esteios

ou lanças com dossel ou céu.

MADEIRA ESTOFADA – madeira encarnada ou emassada.

MARQUESA – móvel de descanso, de uso coletivo, formando conjunto com mobília de

sala. Substituiu o canapé.

MEIA-CÔMODA – cômoda baixa com um ou dois gavetões e duas gavetas pequenas ou,

como diziam, dois gavetões e uma gaveta partida. Sempre era usada aos pares.

MEIAS-CANAS OU TELHAS – arremates dos ângulos das camas que substituíram os

balaústres. Formavam meio balaústre ou curvas imitando a telha chinesa.

MESA – designação dada apenas ao móvel que servia para refeição e serviços de cozinha

ou com funções bem específicas, como jogo ou chá.

MESA DE ENCOSTAR – vide banca de esbarra.

MESA DE ESBARRA – móvel ornamental usado encostado à parede, com a parte frontal

arredondada. Pode ser retilínea, tendo largura reduzida. Chamada atualmente mesa de

encostar ou console.

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~153~

G l o s s á r i o

MESA DE LEQUE – vide banca de abrir.

MESA OU BANCA DE JOGO – mesmas características das mesas e bancas comuns,

distinguindo-se por dispor de cinzeiros cavados no tampo, este dobrável e coberto com

pano verde.

MESA QUADRALONGA – mesa retangular, apresentando desproporção entre o

comprimento e a largura.

MESTERES – por contração de mestre.

MISSAGRA – dobradiça.

MÍSTICA – misturada.

MOURISCA – de origem moura.

MÓVEIS DE LUXO – móveis confeccionados em madeira de lei e com ornamentação

bastante rica.

MÓVEIS ORDINÁRIOS OU COMUNS – feitos com madeiras de lei, mas com

ornamentação mais contida e menos aparatosa.

MÓVEIS TOSCOS – feitos de madeiras comuns, em geral a madeira branca usada nas

caixas de açúcar. Muito simples, com linhas retas, sem características de estilo dignas de

atenção, eram próprios para uso popular ou áreas de serviços domésticos fora do corpo

da casa.

MUXARABIS – balcão saliente, apoiado em cachorros de pedra. Grades providas de

postigos movediços, semelhantes a pára-ventos.

ORATÓRIO DE DIZER MISSA – oratório de grande porte, geralmente conjugado com

cômoda ou caixão; continha todos os apetrechos necessários para a realização de missa

em casa particular.

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~154~

M o b i l i á r i o b a i a n o

ORDINÁRIO (A) – comum.

PALMO – medida de comprimento que equivalia a cerca de 22 cm, ou oito polegadas.

Media-se com a mão espalmada, indo da ponta do polegar à ponta do dedo mínimo.

PANOS VERDES – forros de panos verdes próprios das mesas de jogar, que passaram

a ser utilizados como cobertura em todas as mesas. Eram também usados como forros

das gavetas.

PAPELEIRA DE MEIO-CORPO – papeleira com os dispositivos para apetrechos de

escrita, chamados repartimentos, gavetinhas e segredo; era colocada sobre uma mesa ou

apoiada em pés altos. Com o aparecimento das papeleiras grandes, passou a ser designada

como carteira.

PAVILHÃO – balaústre e cortinado dos leitos.

PEANHA – termo usado desde o século XIX para designar a base sobre a qual se assentam

santos, cruz, imagens em geral.

PEDÂNEO (juiz ou escrivão) – oficiais que julgavam as causas a pé.

PERNAS DE COLUNA – pés simples com colunas neoclássicas, estriadas ou não.

PERNAS TORTAS – o mesmo que pés ou pernas de volta.

PÉS ALTOS – pés de papeleira da altura de bofete ou pés mais elevados que os das caixas,

usados nas arcas propriamente ditas, conjugados com o arremate inferior desses móveis

de guardar.

PÉS DE BURRO OU DE CABRA – pés utilizados em todos os móveis barrocos e

rococós; representavam fielmente os cascos desses animais.

PÉS DE GALO – pés em forma de garras de aves ou compostos de uma perna que

termina em três hastes de apoio.

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~155~

G l o s s á r i o

PÉS DE GRÃ BESTA – pés de leão, referidos como “pés de garra” pelos historiadores atuais.

PÉS DE GRADE – pés em forma de engradado que serviam de suporte para as arcas.

Substituíram os pés altos.

PÉS DE VOLTA – pés de forma arqueada, quase em interrogação, caracterizando o

móvel como um todo. São hoje chamados “cabriole”, cabriola, pernas arqueadas ou, ainda,

pernas tortas.

PÉS ENTALHADOS – terminais simples, hoje chamados de sapata, cachimbo, dupla

voluta, de bola, de bolacha, conforme o recorte. As designações de pés de pincel, de pato,

de cachimbo também são contemporâneas.

PICHELEIRO – artífice que fazia trabalhos com folha-de-flandres, especialmente pichéis,

vasilhas próprias para tirar vinho de pipas ou tonéis.

POLIEIRO – polidor.

PREGARIA GROSSA E MIÚDA – tachas de metal usadas para pregar o couro nas

cadeiras, leitos, etc. Hoje são chamadas tachas, pregos rebitados e tachões.

PRETO – pessoa oriunda da África.

PUXADOR E FECHADURA DE LATÃO – acessórios de móvel de guardar, feitos com

liga de cobre e zinco, substituindo os de ferro.

RASA – baixa para o caso de caixas e sem encosto quando se refere a assento.

REMATE DE TALHA – elemento decorativo usado nas cabeceiras das cadeiras, camas,

preguiceiros. Muitos autores designam hoje esse arremate como cachaço.

RENDA – elemento decorativo em talha. É a chamada saia, avental, aba rendada, hoje em

dia, e se apresentava como complemento ornamental dos contadores, mesas e bancas, na

parte intermediária entre o tampo e os pés.

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~156~

M o b i l i á r i o b a i a n o

RETORCIDO – torneado helicoidal, também chamado rosca. Essa denominação foi dada

às colunas herdeiras das colunas salomônicas de pequenas proporções dos leitos e pés de

mesas, tamboretes e bofetes.

RISCO – desenho.

ROSCA – forma em espiral, o mesmo que retorcido, torcido ou coluna salomônica.

RÓTULA – vide gelósia.

SAMBLAR – vide ensamblar.

SANTO DE VULTO – santo de corpo inteiro.

SOFÁ – assentos e encostos conjugados com dois, três ou mais lugares, também chamado

canapé. Foi a associação, num mesmo móvel, de várias cadeiras, com assento contínuo,

mantendo-se a divisão original.

SOMBREIRO OU SOMBREIREIRO – artesão que fazia chapéus.

TABAQUEIRO – que usa tabaco.

TACHÕES – tachas grandes.

TALABARDEIRA – leva-e-traz.

TAMBORETE – o mesmo que cadeira rasa. As cadeiras simples podiam ser chamadas de

tamborete de encosto. É denominado pelos autores contemporâneos de banco, mocho ou

escabelo, conforme o modelo e o tamanho.

TAMBORETE DE ENCOSTO BAIXO – sem braços, diverso do tamborete raso ou

cadeira rasa. Tem o encosto 20 ou 30 cm mais baixo que o das cadeiras que o antecederam.

TAMBORETE RASO – tamborete sem encosto, usado até o fim do século XVIII, quando

passou a ser chamado de cadeira rasa.

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~157~

G l o s s á r i o

TAMPO DE MÁRMORE – tampo de mesa e banca que substituiu o de madeira. Hoje é

chamado lastro de mármore.

TANOEIRO – artífice que fazia pipas, barris, tinas.

TELHA – arremate dos pés das camas, salientando-se acima do leito, em forma do

ornamento utilizado nas quinas dos telhados nos pagodes chineses em forma de telha.

TOILETTE – o mesmo que toucador, de maiores dimensões e de influência francesa.

TORCIDO – vide retorcido.

TOUCADOR – pequeno móvel de higiene, com espelho e gavetinha, que se colocava sobre

mesa, banca ou cômoda. Os primeiros exemplares eram ingleses. Em dimensões maiores e

de influência francesa, passaram a ser chamados de toilette.

TOURINHA – novilha nova (contraposição ao touro bravo).

TRASTE – designava, principalmente, móveis e objetos decorativos novos ou usados

vendidos em loja.

TRATADÍSTICA – séries de tratados de arquitetura e de pintura, ditando as regras mais

racionais a serem seguidas. Criadas no Renascimento, continuaram a regular o Barroco.

TREMÓ – móvel que substituiu a mesa de esbarra nas salas. Acompanhado de espelho de

grandes dimensões, era usado entre duas janelas.

VULGO – povo.

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reFerênc ias b ibl iográF icas e

b ibl iograF ia

9

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Page 162: M OBILIáRIO BAIANO

~161~

reFerênc ias b ibl iográF icas e b ibl iograF ia

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04/1577/2046/03, 1749; 03/1006/1475/08, 1751; 04/1582/2951/01, 1754;

04/1598/2067/06, 1756; 04/1610/2079/02, de 1760-1762; 04/1594/2063/03, 1763;

03/972/1441/21, 1768; 04/1575/2044/02, 1793; 04/1587/2056/04, 1785; 04/1574/2043/02,

1792; 04/1588/1057/07, 1793; 04/1575/2044/02, 1793; 04/1596/2065/09, 1794;

04/1594/2063/07, 1795; 03/972/1441/02, 1798; 04/1761/2231/04, 1800; 04/1764/2234/03,

1801; 04/1765/2235/04, 1802; 04/1768/2238/03,1802; 04/1766/2236/03, 1805;

05/2048/2519/15, 1808; 04/1790/2260/01, 1809; 01/1091/165A/01, 1809-1861;

04/1708/2178/03, 1810; 09/1716/2186/01, 1811; 05/1707/2177/05, 1811; 04/1709/1614/08,

1811; 04/1710/2118/06), 1811; 04/1710/2180/06, 1811; 04/1507/1976/08, 1814; 07/2889/05,

1815-1832; 04/1547/2016/01,1817; 04/1738/2208/06, 1817; 05/2192/2661/07, 1817;

05/2133/2602/02, 1821; 04/1743/2213/08, 1822; 05/2152/2621/03, 1822; 04/1749/2219/03,

1823; 04/1715/2185/11, 1823; 04/1717/2187/02, 1825; Arquivo Público do Estado da Bahia,

ms (são relacionados apenas os inventários citados no texto).

licenças (1785-1791); licenças (1789-1791); licenças (1797-1801); licença (1801-1811);

licenças (1815-1820), Salvador, Arquivo da Prefeitura do Salvador / Fundação Gregório de

Mattos, ms.

Sofá pré-fabricado em módulos, feito em série, século XIX. Museu Carlos Costa Pinto.

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oficiaes MecHanicos, (1765-1799), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /

Fundação Gregório de Mattos, ms.

Portarias 1817-1831. Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador / Fundação

Gregório de Mattos, fl. 64v. ms.

Posturas (1650-1787); POSTURAS (1690-1696) cópia; POSTURAS (1716-1742). Salvador,

Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador Histórico / Fundação Gregório de Mattos, ms.

Presidência da Província, Série Império, Religião, 1855-1874, Arquivo Público do Estado da

Bahia, ms.

Provisões reais (1641-1680), Salvador, Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador /

Fundação Gregório de Mattos, cópia, ms.

Provisões do senado (1699-1726); Provisões do senado (1672-1681); Provisões do senado (1741-

1755); Provisões do senado (1754-1770); Provisões do senado (1770-1788); Provisões do senado

(1788-1789); Provisões do senado (1811-1829); Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador

/ Fundação Gregório de Mattos, ms.

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M o b i l i á r i o b a i a n o

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A Coleção Obras de Referência do Programa Monumenta/Iphan

reedita mais um título para a bibliografia básica do Patrimônio: a pesquisa da

professora Maria Helena Flexor a respeito dos móveis e do mobiliário usado

em Salvador do início do século XVIII até meados do século XIX.

A obra, agora revista e atualizada, apresenta o inventário dos móveis

encontrados na primeira capital brasileira durante o período e localiza

os exemplares subsistentes. Além disso, trata dos estilos, da mão

de obra e dos materiais empregados em sua confecção, oferecendo fartas

referências bibliográficas e iconografia.