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CHAGAS, S.N. Machado e Rosa: a armadilha do olhar. In: II Encontro Nacional e I Internacional de Linguística e Literatura: o canto da palavra, 2013, Garanhuns. Anais.... Garanhuns: Jairo Nogueira Luna, 2013. p. 117-124.
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II Encontro Nacional e I Internacional de Linguística e Literatura O Canto da Palavra
MACHADO E ROSA: A... p. 117
MACHADO E ROSA: A ARMADILHA DO OLHAR
Profª Drª. Silvania Núbia Chagas (UPE)
Os olhos (...) são a porta do engano;
duvide deles, dos seus, não de mim.
João Guimarães Rosa
A preocupação com a existência humana é intrínseca às narrativas de Machado
de Assis e de João Guimarães Rosa. Apesar de escreverem em épocas distintas, seus
olhares são convergentes no que se refere à questão da aparência em detrimento da
essência e vice-versa. Nas narrativas Machadianas, muitas vezes, o que se ressalta no
discurso do narrador é uma atitude apriorística, tentando demonstrar que a aparência
justifica a essência e, esse discurso se propaga de maneira contundente, na tentativa
de convencer o leitor que a aparência é muito mais relevante que a essência. Machado
trata dessa vertente de uma forma que é “espelhística”, ou seja, é o olhar alheio que
constrói a “máscara” e, esta, acaba se personificando. João Guimarães Rosa, em suas
narrativas, busca perscrutar a essência, o que está por trás da aparência e, também,
conta com o leitor para a realização dessa descoberta, pois, para os narradores
rosianos, a essência é mais importante que a aparência.
Nos dois casos, os escritores criam narradores que atuam no sentido de
demonstrar a fragmentação da humanidade, através da multidão de máscaras
propiciadas pelos diversos olhares que alienam e fazem perder a dimensão da
totalidade. A estética literária utilizada pelos dois autores contempla na tessitura da
narrativa diferentes vozes; vozes que ressaltam a dissonância como um elemento
importante, pois, no caso de Machado, a essência acaba sendo rechaçada pela
aparência e Guimarães Rosa, por sua vez, tenta conduzir o leitor ao avesso do relato,
na tentativa de desnudar a aparência e revelar a essência. No entanto, apesar desse
movimento não ser unívoco, ambos instauram em suas obras um processo de
conhecimento, autoconhecimento e de criação, que retrata com maestria o
“fingimento”, característica essencial da arte.
Dois contos ilustram muito bem o que aqui está sendo dito: “O enfermeiro”, de
Machado de Assis, publicado em Várias histórias, em 1896 e “A benfazeja”, de João
Guimarães Rosa, publicado em Primeiras estórias, em 1962. N’O enfermeiro, trata-se
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de um rapaz que é contratado para cuidar de um senhor de idade, doente e
extremamente ranzinza; inclusive, na cidade, é público e notório os maus tratos com
que trata os enfermeiros. Já, em A benfazeja, é tratada a história de uma família, Mula
Marmela, Mumbungo, seu marido e, Retrupé, enteado de Mula Marmela. A dicotomia
entre os dois contos se apresenta na maneira como os dois escritores ressaltam a
questão da aparência em detrimento da essência. No primeiro, o narrador machadiano
parece querer construir a essência a partir da aparência, já no segundo, o narrador
rosiano chama a atenção para o que está por trás da aparência, é como se ele pedisse
para “duvidar” do que se está vendo. Ambos, os narradores, convocam o leitor para
dentro do texto, pois através da ambivalência do discurso, provocam este a sentir um
desconforto diante do que está sendo dito e refletir sobre a armadilha propiciada pelo
olhar.
A dicotomia nas duas narrativas tem início a partir do narrador. No conto de
Machado de Assis, o narrador é personagem, pois conta sua própria história e
pertence à cultura livresca, uma vez que a narrativa tem início com este perguntando
ao leitor se o que se deu com ele “pode entrar numa página de livro?” e impondo-lhe a
condição de que nada será divulgado antes de sua morte, pois, complementando, ele
diz, “Não esperará muito, pode ser que oito dias, se não for menos”, uma vez que está
desenganado, o que logo de saída nos remete ao narrador de Memórias póstumas de
Brás Cubas. Bem como, ele alerta que poderia contar a vida inteira, tendo em vista
haver outras “coisas interessantes” a serem contadas, no entanto, não dispõe de
tempo nem de ânimo, somente de papel. Já, no conto de Rosa, o narrador, além de ser
onisciente, um demiurgo, pois parece saber tudo sobre as personagens, nos remete à
tradição oral, uma vez que o seu discurso parece estar sendo proferido em praça
pública,
Sei que não atentaram na mulher; nem fosse possível. Vive-se perto demais, num lugarejo, às sombras frouxas, a gente se afaz ao devagar das pessoas. A gente não revê os que não valem a pena. Acham ainda que não valia a pena? Se, pois, se. No que nem pensaram; e não se indagou, a muita coisa.” (Rosa, 2001, p. 176)
E, reiterando o que foi dito antes, o narrador complementa “mas, eu, indaguei. Sou de
fora”, corroborando com Walter Benjamin no que se refere ao narrador (1994). Além
disso, pode-se perceber ainda, no início dessas narrativas a “provocação” feita ao
leitor através de uma linguagem construída pela dissonância de várias vozes que se
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entrecruzam e propiciam a dúvida; veja-se, por exemplo, a indefinição implantada
nesta narrativa pela conjunção “se”, ou seja, primeiro ele afirma, “a gente não revê os
que não valem a pena”, depois pergunta, “Acham ainda que não valia a pena?” E deixa
no ar com a expressão, “Se, pois, se”... É um narrador que não se contenta em narrar,
um narrador exigente, que busca a reflexão, retirando o leitor da letargia propiciada
pelo cotidiano e, obrigando-o a enxergar aquilo que olha, uma vez que a proximidade,
de certa forma, propicia o distanciamento, como bem diz Merleau-Ponti, “O mundo é
o que percebo, mas sua proximidade absoluta, desde que examinada e expressa,
transforma-se também, inexplicavelmente, em distância irremediável.” (1992, p. 20)
Isso quer dizer que, aquilo que é sempre avaliado de forma apriorística, se for visto da
maneira como o narrador d’A benfazeja propõe, provavelmente se modificará.
Nas duas narrativas, um crime acontece. N’O enfermeiro, este perde o controle
diante dos maus tratos do coronel Felisberto e o mata; em A benfazeja, na verdade,
são dois crimes. A Mula Marmela mata primeiro, o marido e depois, o enteado. No
entanto, o que é convergente entre as duas narrativas é a forma como os dois
narradores tentam descriminar o fato, ou seja, no primeiro, o narrador-personagem,
autor do crime, se vale da opinião alheia para aquietar a consciência; no segundo, o
narrador, que é de fora e segundo o mesmo, só ouviu contar, através de um discurso
que vai na contra-mão da visão da população, chama atenção para a essência da
personagem, na tentativa de justificar o mal pelo bem que este propiciou. Com isso,
coloca-se em xeque a questão do mal x bem, levando o leitor a indagar até que ponto
existe essa dicotomia.
O enunciado dessas narrativas, construído por uma retórica que ora revela, ora
dissimula, transforma-se em um olhar voraz, concretizando um espaço de percepção
crítica que, não somente abriga o narrador, mas também captura o olhar do leitor e,
assim, “a ficção se transforma em ilusão com tal força que, por fim, se põe no lugar de
sua realidade”. (Stierle, 1979, p. 136)
Dois conceitos são enfatizados nestes discursos: visão e ponto de vista. Há a
evocação para que se olhe, mas há também a necessidade para que se avalie. O
narrado conta com a voz e o olho, ou seja “É o dizer que potencializa a passagem do
ver ao contar, conjugando-se ambos para manifestar o nível de compreensão sobre o
narrado e sua avaliação.” (Saraiva, 2000, p. 111) Além disso, essa questão de ponto de
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vista, na narrativa de Guimarães Rosa, é instaurada, a princípio pelo narrador, pois
este além de narrar, avalia e conduz o leitor, ou seja, “ponto de vista” aqui, pode ser
definido como “lugar de origem, orientação, ângulo de abertura de uma fonte de luz
que, ao mesmo tempo, ilumina seu sujeito e capta-lhe os traços”, pois, “o narrador –
locutor da voz narrativa [...] é autor fictício do discurso”. (Ricouer, 2010, p. 166) Já na
narrativa de Machado de Assis, essa questão está implícita na relação entre enunciado
e enunciação, pois a voz que narra, não avalia.
Procópio José, narrador-personagem de O enfermeiro, de Machado de Assis,
após sofrer todo tipo de humilhação por parte do coronel, num átimo de ódio, mata-o
e, resolve cuidar do cadáver para não “despertar suspeitas”,
Eu mesmo amortalhei o cadáver, com o auxílio de um preto velho e
míope. Não saí da sala mortuária; tinha medo de que descobrissem
alguma coisa. Queria ver no rosto dos outros se desconfiavam; mas
não ousava fitar ninguém. [...] Vindo a hora, fechei o caixão, com as
mãos trêmulas, tão trêmulas que uma pessoa, que reparou nelas,
disse à outra com piedade: - Coitado do Procópio! Apesar do que
padeceu, está muito sentido. (Assis, 2013, p. 4)
Veja-se que aqui há uma preocupação maior com a aparência do que com a
essência, pois o narrador-personagem “queria ver no rosto dos outros se
desconfiavam”, mas o comentário de outras personagens indicia o desfecho da
narrativa. O narrador busca a avaliação do outro.
Diferentemente do que ocorre na narrativa machadiana, em A benfazeja, de
Guimarães Rosa, o narrador revela o crime de Mula Marmela e avalia a situação, ou
melhor, apresenta o seu “ponto de vista”,
Seu antigo crime? Mas sempre escutei que o assassinado por ela era um hediondo, o cão de homem, calamidade horribilíssima, perigo e castigo para os habitantes deste lugar. Do que ouvi, a vocês mesmos, entendo que, por aquilo, todos lhe estariam em grande dívida, se bem que de tanto não tomando tento, nem essa gratidão externassem. Tudo se compensa. Por que, então, invocar, contra aos mãos de alguém, as sombras de outroras coisas? (Rosa, 2001, p. 177)
O narrador apela para a consciência, para o olhar para o interior, pois no seu
entender, são as pessoas que estão em dívida com Mula Marmela, uma vez que o seu
ato livrou os habitantes do lugar, de um homem que representava “perigo e castigo”.
Esse olhar para o interior seria fundamental, na medida em que para Plotino “a
consciência é, afinal, uma espécie de espelho que basta purificar e voltar para certa
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direção, para que reflita os objetos que se lhe apresentam”. (Hadot apud Araújo, 2010,
p. 194) No entanto, o apelo do narrador, dificilmente será cumprido, pois segundo
Plotino,
(...) nós que não estamos habituados a ver o interior das coisas, que não o conhecemos, procuramos o exterior e ignoramos que é o interior que nos comove, como um homem que, com o olhar dirigido a sua própria imagem, procurasse alcançá-la sem saber de onde ela vem. (Plotino apud Araújo 2010, p. 195)
Nessa afirmação, se configura o narrador-personagem do conto de Machado de
Assis ora analisado, é como se aquele se espelhasse nos outros para conhecer a si
próprio.
Após o crime, Procópio se arrepende de ter aceitado a incumbência de cuidar
do coronel. Diante disso, tenta culpar os outros para apaziguar a consciência, veja-se:
(...) arrependia-me de ter vindo. – ‘Maldita a hora em que aceitei semelhante coisa!’[...] E decompunha o padre de Niterói, o médico, o vigário, os que me arranjaram um lugar, e os que me pediram para ficar mais tempo. Agarrava-me à cumplicidade dos outros homens. (Assis, 2013, p. 03) (Grifos nossos)
Posteriormente, descobre que é seu herdeiro universal. O remorso o faz pensar
em doar toda a fortuna aos pobres, mas a tibieza de caráter o impede de fazer isso, o
máximo que faz é construir um túmulo de mármore para o defunto, pequenas doações
e manda rezar uma missa, que somente ele vai, pois não avisou a ninguém. No
entanto, quando volta à cidade para receber a herança, faz os mais altos elogios ao
coronel para provocar a reação das pessoas e, estas correspondem perfeitamente ao
seu intuito, pois não só o desmentem, bem como, contam as maldades do coronel
desde criança, E, como se não bastasse, consulta, também, alguns médicos sobre a
doença do coronel e estes afirmam que, de qualquer forma, aquele estava à beira da
morte, não sabe como durou tanto tempo, o que o faz concluir que a morte não foi
antecipada, o crime foi apenas uma coincidência, ou melhor, uma fatalidade e, com
isso, “Os anos foram andando, a memória tornou-se cinzenta e desmaiada”. Diante
disso, a essência é “reconstruída” pela aparência e ele termina a narrativa dizendo:
“Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados”. (Assis, 2013, p. 6)
Dessa forma, a “máscara” é construída pelo olhar alheio, se personifica e propicia a
alienação, fazendo com que se perca a dimensão da totalidade.
N’A benfazeja, de Guimarães Rosa, o “apaziguamento” da alma não acontece,
até porque não é a personagem quem propõe e sim o narrador, este busca o olhar do
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outro, mas não permite que se instaure a “máscara”, porém, assim como o narrador
de O enfermeiro, de Machado de Assis, também considera o crime uma fatalidade, o
que nos remete ao “pensamento trágico”,
A mulher tinha de matar, tinha de cumprir por suas mãos o necessário bem de todos, só ela mesma poderia ser a executora – da obra altíssima, que todos nem ousavam conceber, mas que, em seus escondidos corações, imploravam. [...] Por que? Em volta de nós o que há, é a sombra mais fechada – coisas gerais. (Rosa, 2001, p. 180)
Claro está que não estamos falando aqui de tragédia na acepção de Aristóteles,
pois as personagens não pertencem à nobreza, mas tentando relativizar como Walter
Benjamin,
Os heróis das ‘tragédias’ gregas eram em geral personagens reais, e o mesmo ocorre, em sua maioria, com as tragédias modernas, mas a razão dessa preferência não está de certo no fato de que essa alta posição poderia dar maior dignidade a suas ações e sofrimentos, pois o que importa é colocar em cena as paixões humanas, e portanto o valor relativo dos indivíduos que as encarnam é indiferente, e esse objetivo poderia ser alcançado tanto pela utilização de reis ou camponeses...(1984, p. 133)
Voltando ao que foi dito pelo narrador, podemos perceber aí como se
fundamenta o título do conto- A benfazeja. O título já indicia a discussão que será
empreendida. No entanto, o que fascina o leitor não é compactuar com o que é
proposto pela narrativa, mas sim, a estética literária construída pela ambiguidade e
indagação; é esse jogo oscilante que o arrasta para dentro do texto.
A ambiguidade na narrativa é construída não somente pela atitude do narrador
em tentar descriminar o ato de Mula Marmela, bem como pela condição da
personagem, pois, ao mesmo tempo em que conduz o olhar para justificar o fato,
declara,
A mulher-malandranja, suja de si, misericordiada, tão em velha e feia, feita tonta, no crime não arrependida – e guia de um cego. Vocês todos nunca suspeitaram que ela pudesse arcar-se no mais fechado extremo, nos domínios do demasiado? (Rosa, 2001, p. 125) (Grifos nossos)
Duas afirmações aqui merecem destaque; “no crime não arrependida” e ela – a
personagem – pertencer aos “domínios do demasiado”. A questão é, não há
arrependimento do crime – por parte da personagem porque ela é má? Ou por que a
loucura a impede de ter consciência sobre o seu ato? Essas questões terão que ser
respondidas pelo leitor, afinal, o narrador está buscando desvendar a essência, o que
está sendo questionado aqui é a inconsistência da aparência. Se a personagem
pertence aos “domínios do demasiado”, este lugar, por certo, é uma “terceira
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margem”, não identificado pela cosmovisão do leitor. Pode-se vislumbrar também, a
oposição entre verossimilhança e verdade, numa acepção platônica, pois,
A verdade só faz as coisas tais como são, e a verossimilhança as faz como devem ser. A verdade é quase sempre defeituosa, pela mistura das condições singulares que a compõem. Não nasce nada no mundo que não se afaste da perfeição de sua idéia, nêle nascendo. É preciso procurar os originais e os modelos na verossimilhança e nos princípios universais das coisas: onde não entre nada de material e
de singular que os corrompa. (P. Rapin apud Genette, 1972, p. 9). Na verdade, não se tem acesso à personagem, tudo que se sabe sobre ela é
através do narrador, porta-voz de um discurso que ora parece incisivo, ora
dissimulado. Pode-se perceber isso, quando ele diz: “Se eu disser o que sei e pensam,
vocês inquietos se desgostarão. (...) Por quê? Em volta de nós, o que há, é a sombra
mais fechada – coisas gerais.” (Rosa, 2001, p. 180). Nesse momento, o discurso da
narrativa parece perder a transparência e assumir a opacidade que o torna
plurissignificativo. É nas entrelinhas que a intenção do narrador se realiza e fomenta a
construção do imaginário do leitor. O que já era de se esperar, pois, como se sabe,
Guimarães Rosa “exige muito de quem o lê, isto é, intuição atenta que vá superando
os ocos resultantes da eliminação dos enlaces, pelo subentendido, dando saltos de um
ou outro elemento lingüístico”. (Arrigucci, 1999, p. 125)
O desfecho do conto rosiano não é tão tranqüilo quanto o do conto de
Machado de Assis, afinal de contas, este apresenta a personificação da máscara e
aquele, Rosa não deixa que se consolide. Mula Marmela, depois de matar Retrupé, seu
enteado, vai embora levando consigo um cachorro morto, que o narrador diz não
saber se, mais uma vez, ela quis “livrar o logradouro e lugar de sua pestilência
perigosa” ou para ter com quem se abraçar na hora de sua morte. Porém, ele – o
narrador – não deixa de recomendar,
E, nunca se esqueçam, tomem na lembrança, narrem aos seus filhos, havidos ou vindouros, o que vocês viram com esses seus olhos terrivorosos, e não souberam impedir, nem compreender, nem agraciar. [...] Pensem, meditem, nela, entanto. (Rosa, 2001, p. 187)
Vimos aqui que Machado e Rosa discutem a condição humana, cada um de
uma forma diferente, Machado ressaltando a aparência e Rosa buscando a essência.
No entanto, ambos utilizam o mesmo meio, isto é, a questão do olhar. Olhar esse, que
ora aprecia o exterior sem buscar o interior deste, ora se detém no interior sem avaliar
o seu exterior. Os escritores demonstram que os olhos são “a janela da alma” e esta se
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sente feliz quando estes – os olhos- , não são apenas receptores de cores e luzes, mas
se tornam “computadores do mundo”.
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