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    OS MACHADOS PR-HISTRICOS NO BRASILDESCRIO DE COLEES BRASILEIRAS E

    TRABALHOS EXPERIMENTAIS: FABRICAO DELMINAS, CABOS, ENCABAMENTO E UTILIZAO1

    ANDRPROUS2; MRCIOALONSO3; HENRIQUEPIL4; LEANDROA. F. XAVIER5;

    NGELOPESSOALIMA6; GUSTAVONEVESDESOUZA7

    RSUM

    Ltude de 428 lames de hache en pierre des collections de MinasGerais (Brsil central) nous a amene a distinguer neuf formesprincipales correspondant les unes des fonctions diffrencies (ciseaux,pics, hache, instruments valeur symbolique), les autres des culturesdiverses (haches tailles et polies de lholocne ancien; hachesptaliformes des deux derniers millnaires avant larrive desEuropens). On dcrit galement les procds de fabrication partir

    des rats, des dchets de taille, des stigmates de percussion et de polissage.Aprs une rvision critique des sources ethno-historiques etethnographiques, on discute la relation entre la forme des lames, lesmatires premires et les systmes demmanchement, ainsi que lesavantages et les inconvnients des divers moyens de fixation.

    1 Trabalho realizado dentro do projeto de pesquisa sobre Tupiguarani (CNPq eMission ArchologiqueFranaise de Minas Gerais).

    2 Professor Titular / Pesquisador CNPq (Coordenao Geral) [email protected]

    3Bolsista Apoio Tcnico CNPq (Coordenao das experincias de fabricao, uso etraceologia dos machados) [email protected]

    4 Colaborador do Setor de Arqueologia (Utilizao de rplicas dos machados) [email protected]

    5 Bolsista de Iniciao Cientfica CNPq (Fabricao de lminas) [email protected]

    6 Bolsista de Extenso PROEX/UFMG (Utilizao de rplicas dos machados) [email protected]

    7 Bolsista de Iniciao Cientfica CNPq/PRPq (Morfologia de LminasArqueolgicas) [email protected]

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    Une comparaison des lames de Minas Gerais avec celles dautresrgions du Brsil termine la premire partie de cet article. Nous presentonsensuite des expriences de fabrication, emmanchement, utilisation de

    haches pour abattage darbres et examen tracologique de tranchantsralises par le Secteur dArchologie de lUniversit Fdrale de MinasGerais. On value les problmes techniques, les gestes et les dures detravail, qui sont compars dautres expriences dj publies.

    INTRODUO

    As lminas de machado so os instrumentos polidos e picoteados maisfreqentemente citados nas colees e nos relatrios de escavao. Os de-mais limitam-se a raros adornos, ms, piles e suas respectivas mos. Ape-sar da importncia das lminas polidas para as populaes pr-histricas,ainda falta um estudo abrangente dos machados pr-histricos brasilei-ros. Pretendemos iniciar uma reflexo sobre o investimento que represen-tava fabricar e manter um machado, qual sua eficincia para as tarefastradicionais, seu significado e, ainda, procurar saber at que ponto e deque forma a sociedade que o produzia desejava deixar sua marca estilsticaneste artefato. O presente trabalho pretende ser um primeiro passo pararealiz-la, a partir de um estudo de caso e de experimentaes iniciais.

    Esta pesquisa foi iniciada em 2001 por bolsistas, estagirios e cola-boradores do Setor de Arqueologia da UFMG, e deve continuar em 2003.Iniciou-se pelo estudo das colees antigas do Museu de Histria Natu-ral da UFMG e do Museu Municipal de Conceio dos Ouros (432 lmi-nas polidas e fragmentos), com a finalidade de classific-las, tentando-se correlacionar sua morfologia, sua provenincia cultural e suas moda-

    lidades de encabamento. A este universo acrescentamos a observaopreliminar de dezenas de peas conservadas no NPA de Andrelndia/MG. Tambm utilizamos as anotaes de um dos autores sobre coleesde lminas da Amaznia (conservadas no Muse de lHomme de Paris),sobre as do stio litorneo do Tenrio (SP) e da oficina de fabricao delminas polidas de Monte Alegre/MG (escavada por F. Lopes de Paula e

    A. Baeta). Aproveitamos ainda as descries e ilustraes sobre o Brasilmeridional e nordestino disponveis na bibliografia, incluindo desde as

    antigas descries de colees publicadas por Ott, Tiburtius & Leprevost,etc., at as monografias mais recentes sobre fases ou stios.

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    Alm das publicaes brasileiras sobre a morfologia das lminasencontradas no pas, procedemos a reviso da bibliografia internacionalsobre os procedimentos de fabricao e utilizao destes instrumentos.

    Finalmente, iniciamos experimentaes de fabricao, uso e identifica-o de marcas de utilizao.

    Neste artigo, procedemos a uma reviso bibliogrfica, apresenta-mos os elementos tecnolgicos e morfolgicos utilizados na anlise daspeas; descrevemos a seguir as lminas encontradas em Minas Gerais.

    A segunda parte do estudo comenta as primeiras experimentaes defabricao de encabamento e utilizao, as marcas de uso e os acidentesverificados durante as mesmas.

    1 - ANLISE BIBLIOGRFICA(A.P. & G.N.)

    Os cronistas, naturalistas, lingistas e etnlogos

    Os cronistas que relatam os primeiros contatos entre indgenas eEuropeus no Brasil fornecem poucas informaes. P.Vaz de Caminhaescreve que os machados de pedra dos primeiros indgenas avistados (impossvel saber se tratava-se de Tupi ou de G) estavam presos entre2 talas; este sistema parece manter-se at o sculo XIX entre algumastribos, como sugere o texto de Rugendas, que nos informa do fato de aslminas de ferro utilizadas pelos ndios (no faz diferena entre as di-versas tribos) serem presas ao cabo da mesma forma, substituindo oscabos europeus originais. Como estes dois autores um escrivo e umpintor - no devem ter examinado de perto estes objetos, difcil saberse trata-se realmente de dois paus atados, ou de um cip dobrado ao

    redor da lmina (um sistema j documentado por H. Staden entre osTupinamb). Carneiro indica tambm um encabamento tradicional daslminas recuperadas pelos Yanomam, dentro da extremidade artifici-almente fendida de um galho. Poderia ser esta frmula que os antigosautores teriam interpretado como formada por 2 talas.

    P. Lund sugere uma variante deste ltimo sistema de cabo rachadona extremidade: uma diviso em quatro da parte fendida; mas acredita-mos que ele tenha recebido uma informao errada, pois, dividir em qua-

    tro a extremidade original s traria complicaes e enfraquecimento, semacrescentar nenhum benefcio em relao a uma simples diviso em dois.

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    Kozk documenta entre os Xet outra frmula de encabamento,bem conhecida na Amrica do Sul: a lmina encaixada dentro do nescavado de um galho.

    E. Miller (comunicao pessoal) menciona mais um sistema de fixa-o: os machados circulares com orifcio central (itaia) seriam enfiadosem galhos vivos at que estes, aumentando de dimetro, proporcionas-sem uma firmeza definitiva. Cabeza de Vaca conta que os Guarani dabacia do Paran inseriam lminas de machado num furo praticado emgalhos vivos, na prpria rvore. Este encabamento orgnico foi tam-bm mencionado no sculo XVIII entre os ndios do Suriname e, segun-do Vellard era praticado pelos Guayaki do Paraguai, ainda no incio do

    sculo XX.De qualquer forma, os autores insistem sobre a pouca eficinciados instrumentos de pedra (Thevet), sugerindo at que os indgenasno derrubavam rvores nas roas antes de receber o metal (Soares deSouza). Yves dvreux transcreve as informaes recebidas dos Tupi arespeito dos frgeis machados G semilunares: seriam utilizados ape-nas para a guerra e usados uma nica vez sendo abandonados juntoao corpo do inimigo morto.

    Alm das descries de artefatos ainda em uso, os vocabulrios -particularmente guarani e nheengatu coletados pelos Missionrios(Montoya, Guash & Ortiz, Stradelli, citados por Noelli & Schmidt Dias epor C. Ott) fornecem pistas importantes para identificar instrumentosque, por vezes, no foram reconhecidos nas colees arqueolgicas (porexemplo,jyapa significaria enx). No entanto, difcil saber at queponto estes termos indgenas designam novos instrumentos - introduzi-dos pelos Europeus ou implementos amerndios tradicionais.

    Etnoarqueologia

    Raras foram as pessoas que viram os machados de pedra em usoespontneo e descreveram cuidadosamente o fato; encontramos apenasrelatos sobre populaes do Irian Jaya (a antiga Nova Guin; cf. Vial1940; Ptrequin & Ptrequin 1993). O casal Ptrequin apresenta o es-tudo mais detalhado e preciso da fabricao, utilizao e vida de lmi-nas at agora publicado.

    Alguns arquelogos ou antroplogos tentaram conseguir informa-es em populaes nativas, mas que, havia tempo, no usavam mais

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    lminas de pedra (Coutts 1977, na Nova Zelndia), fazendo-os experi-mentar objetos arqueolgicos; de fato, os resultados obtidos desta formano so diferentes dos conseguidos por arquelogos ocidentais. Na Am-

    rica do Sul, isto foi feito com populaes que, havia pouco tempo, ti-nham trocado a pedra pelo ferro. Kozk e Carneiro incentivaram ind-genas a fazer demonstraes, mas de uma maneira to artificial que ovalor das informaes propostas ao leitor limitado. Carneiro, por exem-plo, documenta o corte de uma rvore por um jovem Yanomam da

    Venezuela, que nunca tinha usado um machado de pedra e teve dificul-dades para encabar a lmina de forma eficiente; V. Kozk, por sua vez,filmando um Xet do Paran, no teve pacincia de esperar que a tare-

    fa fosse completada e emprestou uma lmina de ferro ao ndio paraapressar a queda da rvore (informao comunicada a A. Prous por A.Laming-Emperaire, testemunha ocular); obviamente, esta intervenono aparece no belo filme deste cineasta, posteriormente editado peloMuse de lHomme de Paris. De qualquer modo, o corte visvel na fotopublicada - entre outros lugares in Laming-Emperaire & alii(1978) ein Kozak, 1979 - que tanto impressionou Carneiro (p. 40) foi obviamen-te feito por uma lmina de metal e no por uma de pedra como acreditoueste autor...

    Informaes sobre a utilizao ritual dos machados semilunares -que j no eram mais fabricados - podem ser encontradas inNimuendajue Schultz. Por sua vez, Bittman Simons e Ott (1993) relatam o mito domachado semilunar que cantava, a este contado por um ndio Acroa.

    Experimentaes modernas

    H muito tempo os arquelogos tentam avaliar a funcionalidade

    das lminas polidas. Os primeiros que cortaram rvores com um macha-do de pedra foram provavelmente o francs Lepic e o fundador do Mu-seu Paulista, H. von Ihering (1908). Na Dinamarca, um trabalho maissistemtico foi realizado por lenhadores profissionais sob a orientaode Iversen (1956).

    O primeiro caso de polimento de lminas de pedra por um arque-logo se deve a F. Forel (1875), mas as primeiras experimentaes con-troladas e bem descritas se devem ao dinamarqus N. Sehested, pionei-

    ro mundial da arqueologia experimental (1878/81). Mais recentemente,nos anos 80, ingleses (P. Harding), dinamarqueses (Bo Madsen) e fran-

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    ceses da Guyane (A. Cornette) continuaram esta tradio. De qualquerforma, as experincias de polimento de pedra, muito fastidiosas, so bemmenos numerosas que as de lascamento.

    Arqueologia

    diferena das descries etnolgicas, a maioria das publicaesque ilustram peas arqueolgicas preocupa-se apenas com a morfologiadas lminas s eventualmente sugerindo uma frmula de encabamento.

    Alm das ilustraes, dispe-se das dimenses e, s vezes, de anotaessumrias sobre as marcas de fabricao.

    No Brasil, destacam-se os trabalhos de Tiburtius & Leprevost, StigRydn, C. Ott, M. Beltro e de Becker (Beltro) & Mello. O primeiroartigo citado descreve 74 das 930 lminas da coleo Tiburtius, proveni-entes do sul do Brasil; o segundo tenta estabelecer categorias morfolgicascom valor geogrfico para os machados semilunares; o terceiro propeuma tipologia dos machados baianos baseada nas frmulas deencabamento; o quarto classifica morfologicamente as colees amaz-nicas do Museu Nacional, enquanto a ltima nota alerta sobre a exis-tncia de lminas de cavadeira, que poderiam ser confundidas com l-minas de machado.

    As demais publicaes costumam limitar-se a uma ilustrao oubreve meno; de modo geral, comum ver a informao de que aslminas Tupiguarani apresentam uma forma trapezoidal (petaliforme).

    A publicao mais abrangente sobre machados arqueolgicos depedra (incluindo os processos de fabricao, uso e encabamento) deveser creditada a S. Rostain, mas restringe-se quase exclusivamente apeas amaznicas.

    Os vestgios de utilizao so ainda pouco estudados pela modernatraceologia que concentra seus esforos nos artefatos de pedra lascada.Encontramos apenas dois artigos de Mansur (1993/1996), algumas li-nhas de Semenov (1981) e uma comunicao de Rodenberg (1983), cujasobservaes so criticadas por Rostain.

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    2. DEFINIO E ELEMENTOS DESCRITIVOS (A.P.)

    Sob o nome de lmina de machado, costuma-se agrupar uma s-

    rie de objetos bastante diversos, cuja caracterstica comum de apre-sentar um gume robusto transversal - destinado a trabalhar em percus-so lanada - e uma massa importante, que aumenta a fora do golpe epermite penetrar a matria trabalhada sem prejudicar a parte depreenso. A maioria destes objetos era encabada, mas alguns poderiamter sido segurados na mo.

    Desta forma, todas estas lminas apresentam uma parte proximal(cuja extremidade oposta ao gume denominada talo) muitas vezes

    destinada a preenso; uma parte ativa distal e uma zona mesial neu-tra mas que, de fato, atua pela prpria massa e pode ser tambmutilizada para a fixao no cabo.

    Estes instrumentos tanto podem ser lascados quanto (semi) poli-dos, mas deve ser destacado que um gume polido, com sua formabiconvexa, mais resistente que um gume lascado, alm de ser possvelusar esta tcnica tanto em rochas tenazes quanto em rochas frgeis.Em compensao, um gume polido muito mais demorado de se fabri-car ou reavivar.

    Uma tipologia morfo-funcionaldestes artefatos permite distinguir:

    - machadostricto sensu: trata-se de um objeto que combina nor-malmente uma lmina e um cabo, sendo a lmina perpendicularao cabo e o gume paralelo ao eixo maior deste. O gume geral-mente transversal ao eixo morfolgico da lmina e apresenta umbisel simtrico. Instrumento utilizado principalmente para cortar

    objetos convexos (ex: tronco de rvore). A forma varia em funoda preparao para o encabamento e dos padres culturais.

    - cunha: instrumento morfologicamente semelhante, mas utilizadosem cabo, como elemento intermedirio numa percusso indireta.

    Apresenta um talo forte, para resistir aos choques. Utilizado in-serido na madeira, com o gume paralelo ao sentido das fibras,para rach-la.

    - cinzel:instrumento no encabado utilizado para servir de elemen-

    to intermedirio apoiado no caso de uma percusso indireta desti-nada a criar ou limpar cavidades estreitas. Assim como a cunha,

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    necessita um talo reforado. Pode ser mais curto e, sobretudo, temo gume mais estreito que os instrumentos descritos anteriormente.

    -goiva:cinzel com lmina e gume cncavos no sentido transversal.

    Muito comuns na Oceania e na Venezuela (onde so geralmentefeitos de concha), estes instrumentos no aparecem entre as lmi-nas de pedra do Brasil.

    - enx:Instrumento morfologicamente semelhante ao machado, masencabado de forma que o gume seja perpendicular ao comprimen-to do cabo. Nas lminas especializadas, este gume geralmentedissimtrico (uma das faces sendo mais convexa que a outra) parafacilitar o ataque da matria trabalhada. Os enxs servem, sobre-

    tudo, para aplainar, cavar ou limpar concavidades largas (ex: in-terior de canoa). Trata-se de um instrumento particularmenteutilizado na Oceania e na frica subsaariana.

    - cavadeira: lmina encabada na extremidade do cabo e no prolon-gamento do mesmo. A lmina costuma ser bastante delgada e ogume mais agudo que o dos machados. Serve para cavar a terra,geralmente por ataque vertical.

    -picareta: lmina comprida e estreita; no caso de lminas de pedra, suficientemente comprida para no precisar de cabo. Serve paracavar, geralmente por ataque oblquo.

    -Lminas largas trapezoidais: a anlise das colees levou-nos a pro-por uma stima categoria, bastante rara. Trata-se de lminas poli-das subtrapezoidais, cujo gume polido encontra-se em posio trans-versal em relao ao eixo morfolgico, desenvolvendo-se no lado maiorda pea. A parte mais espessa (talo de preenso) encontra-se nosegundo lado maior, paralelo ao gume. Os lados menores so leve-mente convexos e a forma geral lembra uma lmina de enxada. Cer-

    tamente, estas peas no eram utilizadas por percusso lanada, poisso bastante finas e, portanto, frgeis; mesmo assim, no apresen-tam sinais de desgaste do gume. No h evidncias de encabamento.

    Descrio das peas: vocabulrio

    Para descrever as lminas, utilizaremos uma nomenclatura inspi-rada em vrios trabalhos: o Guia de A. Laming-Emperaire, o texto

    mimeografado de J. Garanger e o artigo de M. Becker & Mello Filho.Para os encabamentos, os de B. Ribeiro, D. Stordeur e S. Rostain.

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    A lmina apresenta 2 faces, correspondentes s duas principaissuperfcies opostas determinadas pelo gume.

    Os lados(ouflancos) so as partes laterais intermedirias entre as

    faces. Caso as faces e ladossejam planos (a seo do objeto sendo, en-to, quadrangular), suas intersees determinam linhas chamadas bor-dos. Caso a seo seja elptica na parte mesio-proximal, no existembordos.

    Modificaes morfolgicas podem ocorrer para facilitar oencabamento; so protuberncias transversais: ombros (simples alar-gamento proximal da lmina) ou orelhas(protuberncias bem marcadas)na parte proximal; reentrnciaslargas, ou estreitas (entalhes) limitadas

    aos lados; depresso perifrica estreita (sulco), ou larga (garganta), naregio mesial ou mesio-proximal.

    Dimenses e morfologia

    Por conveno, o comprimento ser sempre a maior distncia quesepara as extremidades do talo e do gume, mesmo quando esta medidafor inferior largura (isto acontece entre os machados semilunares ouentre as lminas quadrangulares, quando esgotadas por freqentesreavivagens).

    A larguraser medida num mesmo plano e transversal ao compri-mento. Dependendo dos tipos morfolgicos, a largura mxima encon-trar-se- na parte proximal, mesial ou distal.

    A espessuraser medida num plano vertical perpendicular ao dasduas dimenses anteriores.

    O ngulo do gume medido, por conveno, procurando-se o me-lhor encaixe dentro de um gabarito graduado de 10 em 10 graus, no

    qual se encaixa o ltimo centmetro da parte distal da pea.Em artigo posterior, proporemos um vocabulrio descritivo e uma

    classificao das cicatrizes de fabricao, dos acidentes de fabricao ede utilizao, bem como das marcas de utilizao.

    Formas de encabamento (ver ilustraes in Prous 1986/90)

    As lminas podem ser apenas aplicadas contra o cabo cilndrico (jus-

    tapostas) e cimentadas (encabamento cimentado) com uma mistura decera e resina, geralmente reforada por um encordoamento. Podem ser

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    encaixadasno cabo (encabamento embutidosimples) ou dentro de umabainha- ela mesma fixada ao cabo (sistema neoltico europeu). A lmi-na encaixada pode atravessar o cabo (encabamento embutido trespas-sado), seja passando por um orifcio, seja estando apenas inserida numafenda praticada na parte distal do cabo.

    As nossas experincias mostraram que esta frmula embutida sim-ples permite aplicar muita fora nos golpes, mas o cabo pode racharfacilmente, por receber todo o impacto do choque. Talvez seja paraevitar - ou limitar o rachamento que os cabos Akuliyo do Suriname(Rostain 1986/90) apresentam um encordoamento. A fixao de umalmina retangular num cabo trespassado tambm limitaria este risco,

    mas de se supor que no permita golpes muito fortes, pois a lminapoderia recuar, perdendo sua eficincia; inclusive, os exemplaresetnogrficos de encabamento trespassado mostram lminas triangu-lares ou elipsoidais, que evitam o recuo; mas desta forma no diminu-em o impacto no cabo.

    A lmina pode tambm ser inserida na dobra de um cip(encabamento dobrado) ou entre dois talos (encabamento empina).Imaginamos que a fixao seria facilitada por um estreitamento mesialda lmina. No encontramos nenhuma garganta mesial entre as peasmineiras estudadas, mas algumas apresentam uma leve depresso pe-rifrica na zonaproximal, pouca distncia do talo. Seria para segu-rar um encordoamento, o que imobilizaria melhor a lmina que a sim-ples presso contra a madeira do cabo? Embora no tenhamos aindarealizado experincias neste sentido, imaginamos que os encabamentosdobrados ou em pina no permitam usar tanta fora quanto os embu-tidos. A utilizao do cabo dobrado pelos Nambikwara refora esta idia,pois estes coletores terrestres devem derrubar muito menos rvores que

    agricultores de coivara ou grupos canoeiros; o artigo de Carneiro evi-dencia, por sua vez, as dificuldades de se manter a lmina numa pina.Machados com estes encabamentos seriam, portanto, mais adequadospara abrir troncos podres na cata de insetos e invertebrados, colmiasetc... que para trabalhos mais pesados.

    A perfurao da lmina de pedra muito mais rara; este tipo deencabamento pode ser realizado por inserode um cabo (Neoltico daEuropa central). Uma verso muito original consiste em inserir a lmi-

    na num galho ainda vivo, que cortado somente quando seu cresci-mento j assegurou a fixao (Itaiaguarani).

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    a: batedor polidrico para picoteamento.

    b: lasca de descorticamento.

    c, d: pequenas lascas acidentais provenientes do picoteamento de partes previamentelascadas e/ou em fase de picoteamento.

    e, f: lascas largas, de preparao de flanco, destacadas durante a fase de picoteamento.

    Diversas rochas verdes (diabsio, gabro); peas da oficina de Monte Alegre MG.

    FIGURA 1

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    Mencionamos, ainda, o encabamento orgnico na ferida, abertapropositadamente num galho (atestada por Cabeza de Vaca e outrosautores), tambm consolidado pelo fechamento da ferida.

    A fixao envolve normalmente umgrude(resina, cera, ou mistu-ra dos dois); excetuando-se o encabamento de tipo embutido, requertambm um encordoamentopor ligaduras esfregadas com material ceroso.

    A decorao eventual envolve tranados ao redor do cabo, cordes,aplicao de penas, banho de cor, escultura do cabo...

    A morfologia da parte proximal geralmente ligada ao modo deencabamento.

    - Uma parte proximal larga e reta (eventualmente com ombros ou

    orelhas) necessria no caso de um encabamento cimentado, namodalidade em que otalo fica aplicado contra a madeira. Paraassegurar uma melhor aderncia, este pode apresentar umacanaleta que se adapta convexidade da madeira. No havendoombros, as formas tendem a ser retangulares ou trapezoidais. Estamodalidade parece particularmente comum na regio amaznica.

    - Entalhes so particularmente adequados para os encabamentosjustapostos nos quais a lmina aplicada lateralmente contra ocabo. A forma do talo, neste caso, importa pouco; uma seoquadrangular parece recomendada para a parte mesial.

    - Tales estreitos so mais adequados ao encabamento embutido,pois necessitam uma menor escavao na madeira - uma opera-o custosa quando realizada com instrumentos de osso ou dente,sem ajuda do fogo. A forma mais adequada , portanto, um talocnico, proporcionando lmina uma forma geral triangular ogume sendo a parte mais larga da lmina.

    - Garganta picoteada ou estreitamento (mesiais ou mesio-proximais)

    so teis no caso de encabamento dobrado; a lmina pode ser es-pessa e a forma do talo no importa. Este pode at ser utilizadocomo martelo.

    - Os encabamentos em pina e trespassado so facilitados por umalmina fina.

    Notamos que o comprimento mnimo da lmina precisa ser maior,nos encabamentos trespassado e dobrado na parte mesial, que nas

    frmulas por cimentao, dobrado na parte proximal, ou por encaixesimples.

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    FIGURA 2

    a, b, c: pr-formas lascadas, em incio da fase de picoteamento (peas da

    oficina de Monte Alegre). Rochas verdes.

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    Devemos lembrar a possibilidade de outras formas de uso e mani-pulao. Os machados semilunares, hoje utilizados cerimonialmenteporalguns grupos indgenas atuais (Krah, por exemplo), so fixados num

    curtssimo cabo que no permitiria sua utilizao como instrumento efe-tivo de trabalho. De fato, trata-se de objetos rituais, que costumam sersuspensos ao redor do pescoo.

    3. MORFOLOGIA E DESCRIO DAS LMINAS (G.N. & A.P.)

    Universo pesquisado

    Este trabalho apresenta um estudo de 432 lminas de machado,guardadas nas reservas do Museu de Histria Natural da UFMG e deConceio dos Ouros/MG - das quais 277 inteiras (as porcentagens queaparecem daqui para frente foram calculadas sobre este ltimo nme-ro). Estes instrumentos so provenientes de Minas Gerais, sobretudo daregio central do estado. Apenas para fins de comparao, estudamosou observamos tambm, sem integr-las nos clculos e nos tipos descri-tos adiante, quase duas centenas de lminas depositadas em vrias co-lees mineiras, assim como peas amaznicas mantidas no MHN-UFMGou provenientes das escavaes do Setor de Arqueologia e dos seus cola-boradores; tambm mencionaremos algumas informaes provenientesda bibliografia brasileira em geral.

    Matrias-primas:

    Cerca de 90% das lminas de Minas Gerais, observadas na coleo

    antiga, foram feitas de rochas verdes, ricas em olivina; so principalmen-te gabro, doleritas, diorito e anfibolitos. Estas rochas contm mineraisvariados particularmente, plagioclsios que facilitam sua alteraoe sua desagregao, sob polimento e picoteamento; em compensao,sua heterogeneidade impede a boa propagao das ondas de choque,aumentando sua tenacidade e tornando-as pouco aptas ao lascamento.

    As peas de hematita e de silimanita formam, respetivamente 7% e2% da amostra. A hematita um sesquixido de ferro cujos seixos podem

    ser coletados nos rios nascidos nas serras que dominam Belo Horizonte.Foram, durante a pr-histria, levados tanto para Lagoa Santa e a Serra

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    do Cip, ao norte, quanto para o baixo curso do Rio Doce, a leste. Algu-mas poucas lminas de hematita foram encontradas at na Bahia e naregio de Xing, em Sergipe, e seria interessante saber se tambm seriam

    procedentes de Minas Gerais. Presta-se pouco ao picoteamento e frag-menta-se em plaquetas com o choque; isto torna tambm seu lascamentoarriscado: as lascas ultrapassam freqentemente o tamanho desejado,inutilizando as pr-formas. A silimanita, por sua vez, um silicato dealumnio de estrutura fibrosa. Extremamente resistente, ela pode apre-sentar, uma vez polida, um aspecto multicolorido parecido com o da gata.

    As escavaes da UFMG evidenciaram a utilizao tambm do slex(utilizado no alto mdio So Francisco, exclusivamente para lminas las-

    cadas sem polimento nem picoteamento) e da silexita (uma nica lmi-na, proveniente de Santana do Riacho), mas nenhuma pea feita de slicaamorfa aparece nas colees antigas. Estes objetos, j descritos em outrostrabalhos (Prous, 1991,b; Prous, Brito & Lima), no sero analisados aqui.

    No encontramos machados de granito, gnaisse ou quartzito ma-trias por vezes mencionadas no Nordeste e no norte do Brasil. O basalto- freqentemente utilizado no sul do Pas - , por sua vez, muito raro.

    Os machados semilunares, cujo papel parece ter sido mais simbli-co que efetivo, apresentam eventualmente matrias selecionadas sejapor sua facilidade de serem polidas (xisto), seja pelo aspecto visual(anfibolitos, cujos elementos maiores claros destacam-se sobre a matrizescura, produzindo efeitos interessantes), embora fossem menos resis-tentes que gabro e diorito.

    A fabricao das lminas pr-histricas

    As colees antigas do MHN proporcionaram 53 peas inacabadas

    ou em fase de recuperao; completadas pelas colees de Monte Alegree de Santana do Riacho, forneceram informaes sobre os processos deelaborao das lminas.Comentamos rapidamente os resduos destasoperaes, raramente reconhecidas e identificadas nas publicaes.

    A base da pr-forma

    Notamos que a maioria das peas cordiformes lascadas/polidas de

    hematita apresentam uma das laterais mais espessa que a outra,correspondendo provavelmente ao talo de uma lasca larga. As mesmas

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    apresentam uma face bem mais convexa que a outra (seriam provavel-mente, os vestgios das faces externa e interna da lasca original); o mes-mo ocorre com as lminas lascadas do Alto Mdio So Francisco. Os

    esboos trabalhados em rocha verde, pelo contrrio, no apresentamsinal de terem sido feitos a partir de lascas, mas foram obtidos desbas-tando-se blocos macios.

    O lascamento

    Costuma haver uma fase de lascamento inicial para retirar rapida-mente e com pouco custo, o mximo de matria. No caso das peas de

    hematita, as retiradas so, por vezes, razoavelmente precisas, inclusivepara formatar o gume, tornando a fase de picoteamento totalmente dis-pensvel (pea n 331). No caso das rochas verdes, o lascamento geral-mente menos importante, embora haja excees (as pr-formas n 212do catlogo do MHN, ou as de Perdes e Monte Alegre ilustradas nafigura 3 e na foto 1).

    FIGURA 3

    Pr-forma lascada em arenito, com incio de alisamento e picoteamento. Provenientede um stio Sapuca de Perdes (MG).

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    Nas rochas tenazes, utilizadas para fabricar a maioria das lmi-nas, a percusso destaca essencialmente lascas curtas e largas; nosflancos, onde o ngulo de ataque prximo a 90, geralmente precisogolpes repetidos para destacar uma ou vrias lascas (muitas apresen-tam vrios pontos de impacto) e as fraturas acidentais no so raras.Talvez por receio destes acidentes, os fabricantes iniciavam a fase depicoteamento quando havia ainda muita matria a ser retirada; no en-tanto, ao ver, pouco depois, o esforo ainda necessrio, voltavam a ten-

    tar o lascamento, como evidenciam as lascas de formatao com talopicoteado, encontradas nas colees e nas escavaes.

    Foto 1 - Pr-forma lascada de Monte Alegre.

    Foto 1a - Lmina de machado semilunar.

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    FIGURA 4

    a: pr-forma lascada, quebrada durante a fase de picoteamento dos flancos.

    b: fragmento retrabalhado em cinzel, com gume polido.

    c: pea quebrada, com gume em fase de reforma.

    (peas da oficina de Monte Alegre).

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    Todas estas lascas de preparao, largas e curtas, so bem diferen-tes dos acidentes de utilizao: fraturas transversas, oblquas, lateraise, sobretudo, dos grandes lascamentos (por vezes escalonados) que pe-

    netram profundamente no meio de uma das faces.

    O picoteamento

    O picoteamento uma fase obrigatria, preparatria ao polimento,nas lminas feitas de rocha verde, incluindo muitas vezes a zona dogume (cf. as pr-formas triangulares (pea n 213 e outra, de Monte

    Alegre). Embora esta fase seja geralmente dispensada nas peas

    cordiformes (boa parte das quais feitas de hematita), existe uma delas(n 329, no confeccionada em hematita) que foi completamentepicoteada.

    Pode ocorrer, tambm, um picoteamento posterior ao polimento: porexemplo, a pea n 33 apresenta picoteamento inicial nas faces e at, naparte distal previamente polida; neste caso, parece ser uma finalizaode cunho esttico para demarcar melhor, visualmente, o limite entre asduas superfcies polida e picoteada, que se interpenetravam depois dopolimento da lmina. A superfcie rugosa criada pelo picoteamento tam-bm facilita a reteno no cabo.

    Os batedores utilizados para o picoteamento so muito mais robus-tos e desgastados que os aproveitados para o lascamento. Geralmente,so de rocha tenaz, sua forma tende esfrica e apresentam desgasteem toda ou quase toda sua superfcie; ou ento, so discoidais e espes-sos, sendo gastos em toda sua periferia.

    O alisamento e o polimento

    Trata-se, de um modo geral, da fase terminal de preparao dogume e, eventualmente, das regies mesial e/ou proximal. Verificamos,na coleo, as marcas de trabalho sobre um polidor fixo; este cria longasfaixas planas e facetas que afetam as partes mais altas das superfcieslascadas e picoteadas e somente desaparecem nas peas que recebemum tratamento mais cuidadoso. Pequenas reentrncias e depresses queno se desejava regularizar totalmente - para economizar esforo eram

    alisadas com um polidor manual, que diminua a visibilidade do defeitoao evitar um contraste de textura.

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    FIGURA 5

    a: parte proximal de lmina retangular, em fase de picoteamento, com vestgios delascamento ainda visveis. Marcada por uma lmina de ferro.

    b: pr-forma completamente picoteada inclusive a regio do gume -, pronta para o

    polimento final.(peas da oficina de Monte Alegre)

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    O alisamento consiste numa abraso grosseira das superfcies, comauxlio de areia, que deixa estrias visveis macroscopicamente. O poli-mento feito com auxlio de um abrasivo muito fino e cria uma super-

    fcie brilhante uma vantagem apenas esttica sobre o simplesalisamento.

    Morfologia das lminas

    Infelizmente, no conseguimos, nas colees estudadas para esteartigo, identificar vestgios de grudes, nem ptinas diferenciadas nasvrias partes de uma mesma lmina, nem desgastes provenientes da

    presena de ligaduras. Assim sendo, a morfologia torna-se o elementoessencial na descrio dos artefatos arqueolgicos.

    a) Lminas de Minas Gerais

    Apenas uma matria-prima influenciou realmente a morfologiadas lminas: a silimanita que no parece ter sido trabalhada fora deMinas Gerais. Esta rocha, bastante rara, geralmente encontrada emfragmentos muito pequenos; desta forma, devia ser desejvel aprovei-tar ao mximo a massa disponvel. Para tanto, os artesos pr-histri-cos, geralmente preservavam a forma do bloco inicial, criando apenaso gume, ou realizando o mnimo de regularizao indispensvel. Ape-nas blocos maiores, ou miniaturas, provavelmente no funcionais (apea n 135 mede apenas 5 cm), foram completamente trabalhadospara apresentar um formato geomtrico, e no guardam mais vestgi-os do seu crtex.

    Notamos, inicialmente, uma relao estreita entre uma forma

    (cordiforme) e outra matria (a hematita), mas existem excees e trata-se de uma escolha cultural dos grupos que procuravam esta matria, eno de uma imposio da natureza.

    A morfologia

    A partir do seu desenho em projeo, as lminas provenientes deMinas Gerais, podem ser encaixadas em uma das nove categorias

    morfolgicas abaixo:

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    1) Lminas triangulares (foto 2):

    Totalizam 79 das 277 peas inteiras ou seja, 28,5% da coleo

    antiga do MHN, na qual formam a categoria mais freqente.Apresentam o talo rombudo, uma seo proximal tendendo a cir-

    cular, passando a elipsoidal perto do gume. A parte mais larga da peaencontra-se logo atrs do gume, sendo este reto (44%) ou convexo (56%),determinando duas variantes - diferenciadas tambm pelo tamanho.

    O comprimento das peas estudadas varia entre 7,2 e 23 cm, a larguraentre 3,8 e 7,5 cm, a espessura entre 2,1 e 4,9 cm. Nota-se que as lminasde gume reto tendem a ser menores (80% medem entre 7,2 e 11,4 cm), mais

    estreitas, e com maior variabilidade na espessura que as de gume convexo(80% das quais apresentam comprimento entre 7,6 e 16,5 cm).O peso, por sua vez varia entre 87 e 1580 g, com a grande maioria

    (mais de 80%) pesando entre 110 e 475 g.A parte distal polida, tratamento que pode estender-se a quase

    toda a poro mesial. O talo sempre picoteado.Todas as rochas verdes regionais esto representadas nesta cate-

    goria, mas nenhuma de hematita e apenas uma de silimanita. provvel que o encabamento destas peas tenha sido exclusiva-

    mente de tipo embutido/encaixado ou trespassado, sendo elas utilizadascomo lminas de machado.

    Todas elas apresentam boa simetria e nota-se, em vrias, um in-vestimento de ordem esttica pela beleza da matria-prima ou a quali-dade do polimento.

    Foto 2 - Machados triangulares - com gume convexo (esquerda) e reto ( direita)

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    2) Lminas retangulares largas (foto 3):

    Apresentam o talo e o gume de dimenses parecidas, lados retos e

    paralelos. Inclumos 69 peas nesta categoria (24,9% das peas inteirasda coleo).

    A linha do gume pode ser reta ou convexa.Alguns destes machados apresentam um discreto estreitamento na

    espessura da parte mesial ou mesio-proximal, que no chega a caracte-rizar uma garganta, mas claramente intencional. Esta faixa rebaixa-da apresenta sempre uma textura (geralmente, picoteada) distinta dasextremidades mesial e distal, deixando evidente que foi tratado de ma-

    neira diferenciada. O gume, por sua vez, costuma ser cuidadosamentepolido. Em geral, nota-se um estreitamento gradual e discreto do talopara o gume.

    O comprimento varia entre 5 e 21,1 cm mas 80 % dos exemplaressituam-se entre 6,5 e 15,1 cm. A largura, entre 3,3 e 9,3 (80 % entre 3,9e 7 cm), a espessura entre 2,20 e 5,5 cm. A relao largura/comprimento muito varivel, embora mantendo-se geralmente entre 1/3 e 2/3. Opeso varia entre 99 e 1350g, sendo em 80% inferior a 750g.

    Os flancos costumam ser levemente convexos, podendo ser a seotransversal retangular a quase elipsoidal com leve estreitamentomesial.

    Foto 3 - Machado trapezoidal ( esquerda) e retangular ( direita)

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    Todas as lminas retangulares so de rochas verdes, a no ser trspeas, feitas de silimanita.

    Os vrios casos de adelgaamento da parte mesial sugerem um

    encabamento mesial.O acabamento de algumas lminas retangulares, tal a de n 174,

    pode torn-las muito bonitas.

    3) Lminas retangulares muito estreitas (foto 4):

    Embora sejam objetos raros na coleo antiga do MHN, merecemfigurar numa categoria parte, pois encontramos peas semelhantes em

    escavaes e colees de outros lugares; tambm apresentam umamorfologia muito tpica - que deve corresponder a uma funo especfica.

    Foto 4 - Picaretas

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    Trata-se de objetos que no devem ter sido encabados, e foram,provavelmente, utilizadas como cinzis, talvez para abrir cavidades (emcabos de machados, por exemplo).

    Uma das peas da coleo do MHN quebrou-se transversalmente,evidenciando a relativa fragilidade destes objetos.

    Um dos cinzis, encontrado nas escavaes de Santana do Riacho(n 898), mede 8 cm de comprimento e apenas 1,8 de largura, com gumelargo de apenas 1,5 cm; apesar de muito estreito (1,2cm), apresentauma boa robustez, pois feito de silimanita.

    Outra lmina, proveniente de uma coleo recm-adquirida peloMHN-UFMG e ainda no estudada, apresenta um formato nico, com

    sua parte proximal larga, adaptada para a preenso (tanto manualquanto atravs de um cabo de tipo dobrado) e uma zona mesio-distalestreita, semelhante dos cinzis clssicos (foto 4). Trata-se do maiorcinzel que conhecemos: mede quase 18 cm de comprimento e 4 cm naparte de preenso.

    4) Lminas trapezoidais alongadas

    Com 77 peas (27,8 %), formam a segunda categoria mais repre-sentada nas colees.

    O gume forma o maior dos dois lados menores, sendo quase sempreconvexo. A seo transversal mesial elipsoidal, mas torna-se quaseretangular perto do talo.

    Pode ocorrer um discreto estreitamento na parte msio-distal (logoantes do gume);

    Seu comprimento varia entre 5,7 e 25,2 cm, com 80 % entre 6,2 e15,9 cm; a largura varia entre 3,9 e 9,3 (80 % entre 5,2 e 8,5 cm), en-

    quanto a espessura vai de 2 a 4,8 cm (80% entre 3,1 e 3,8cm). O pesovai de 100 a 1950 g (80% entre 100 e 803 g). O polimento tanto podeinvadir a pea inteira quanto limitar-se extremidade do gume.

    Todos so de rocha verde, com exceo de uma pea de silimanita eoutra de hematita.

    Assim como nas peas triangulares e elipsoidais, nota-se um maioresmero na regularizao e polimento de algumas lminas.

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    cil imaginar qual seria a forma de encabamento, se houve algum. Comoo gume polido no seria muito eficiente para cortar, se fosse utilizadopor presso, no acreditamos que se trate de uma faca. Manipulado com

    fora para arrastar (enxada) ou para cortar, necessitaria um cabo mui-to resistente, ao qual sua forma apenas permitiria fix-lo com um gru-de, sem encordoamento o que seria pouco seguro.

    Trata-se, portanto de instrumentos de uso desconhecido.Todos so de rocha verde.

    6) Lminas elipsoidais (foto 6):

    Esta categoria tem uma forma menos diferenciada que as outras,havendo peas bastante parecidas com as lminas triangulares de gumeconvexo a no ser pelo talo, cnico nestas, mas elipsoidal naquelas. Acoleo antiga do MHN comporta 19 exemplares (6,8%).

    Apresentam um gume muito convexo, pouco mais largo que o ta-lo. Este pode ser picoteado, mas h peas totalmente polidas. Todas sode rocha verde, a no ser um exemplar feito de quartzo leitoso e umalmina de silimanita, com tamanho excepcional.

    Podemos distinguir duas variantes: a primeira, inclui as peas mai-ores, com uma relao largura/comprimento prxima de 1/3; a outracorresponde a exemplares nitidamente menores, mas com a mesma lar-

    Foto 6 - Machados elipsoidais

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    gura e cuja relao largura/comprimento prxima de 2/3. Como nadasugere tratar-se de peas retrabalhadas aps quebra do gume, o queprovocaria uma significativa reduo do comprimento, podemos pensar

    que corresponderiam a um uso diferenciado; por outro lado, um dos exem-plares , obviamente, uma miniatura no funcional.

    A primeira variante apresenta comprimento entre 9,6 e 35,6 cm(80% de peas entre 10 e 15,8), largura entre 3,6 e 8,7 cm (quase todasas peas com cerca de 6 cm) e a espessura entre 1,8 e 4,4 cm. O pesovaria de 235 a 3165 g (80 % entre 235 e 930 g). O comprimento dasegunda variante mede geralmente (80%) entre 5,1 a 11,9 cm, com pesoentre 40 e 267g apenas.

    A parte proximal no difere muito daquela do tipo triangular, edeve ter sido encaixada no cabo. Algumas dessas peas apresentam altograu de elaborao, pela regularidade da forma e a beleza da matria-prima; o melhor exemplo uma lmina de quartzo encontrada em urnafunerria da aldeia Sapuca de Ibi, cuja fragilidade no permitiria uti-lizao para o corte de madeira.

    7) Lminas cordiformes (foto 7):

    Encontramos 26 lminas com esta forma (9,4% da coleo estudada).So as nicas peas que apresentam partes lascadas no obliteradas

    pelo picoteamento ou pelo polimento. No se trata de pr-formas, poisapresentam uma srie de outras peculiaridades. So totalmente lasca-das bifacialmente, com o gume geralmente mais estreito que o talo eassimtrico, mais convexo numa face que na outra. A forma geralmentedissimtrica e o aspecto tosco, sem nenhuma preocupao esttica.

    Suas dimenses variam menos que as das demais categorias com-

    primento entre 6,5 e 14,6 cm (80% entre 8,5 e 13,3cm); largura entre3,6 e 6 cm, e espessura entre 2 e 4,8cm (80% entre 3,1 e 3,8 cm); so aspeas que apresentam a maior largura em relao ao seu comprimento:mais de 1:2 (a no ser uma nica exceo) e muitas acima de 2:3. O pesovaria entre 155 e 580 g (80 %, entre 205 e 504g) .

    No h, portanto, nem miniaturas, nem peas de tamanho avanta-jado ou com esmerado acabamento, que possam ser vistas como objetosde prestgio.

    O polimento pode restringir-se a poucos centmetros quadrados (noestreito gume) ou se estender tambm ao longo dos flancos (provavel-

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    mente, para retirar os ngulos cortantes deixados pelo lascamento); pe-quenas facetas de polimento aparecem nas faces, em conseqncia dongulo da pea durante o polimento do gume: no refletem o propsito

    de criar superfcies lisas. As marcas de picoteamento, por sua vez, soraras e costumam resultar dos esforos desprendidos para destacar umalasca de adelgaamento no do desejo de obter uma superfcie rugosa.

    Praticamente todas as peas em hematita entram nesta categoria,assim como raras peas de gro fino e cor escura, possivelmente, basalto.

    A maioria destas lminas foi encontrada em contexto pr-cermico anti-go, na regio arqueolgica de Lagoa Santa ou da Serra do Cip. Foramobservadas, no entanto, tambm nos arredores de Diamantina.

    No h nenhum indcio de preparao para encabamento, e a prpriaforma indica que poderiam ter sido utilizadas manualmente. A freqentedissimetria da parte ativa combina-se com os vestgios de utilizao parasugerir uma utilizao como enx; alm disso, os micro-estilhaamentoscostumam concentrar-se na face mais plana exatamente o contrrio doque se espera no uso no diferenciado de um gume simtrico.

    As lminas de machado bifaciais lascadas sem polimento nemalisamento do nordeste de Minas Gerais entrariam nesta mesma cate-goria morfolgica das peas cordiformes. No esto computadas aqui,onde apenas contamos os artefatos das colees antigas da UFMG, masestes objetos formam a maioria das lminas de machado encontradasnos stios de horticultores tardios do alto Mdio So Francisco.

    Foto 7 - Lmina cordiforme

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    8) Lminas semilunares

    Foram analisadas 14 peas, das quais apenas 4 integram a coleo

    do MHN e se incluem entre as 277 lminas de referncia para fins decontagem. As demais foram utilizadas apenas com base em dados dispo-nveis na bibliografia, a ttulo de comparao, e so provenientes deoutras partes do Brasil.

    Esta categoria, j mencionada por Y. dEvreux em 1628, interes-sou os curiosos e pesquisadores por sua forma inusitada e seu aspectoparticularmente bonito, sendo descrita em vrios artigos desde o sculoXIX (Hartt 1876, Rydn 1937, Bittman Simons 1966, 1967).

    O comprimento e a largura do gume das peas so quase seme-lhantes (Centre 8,4 e 13,8 cm e Lentre 6,8 e 14,2 cm). A largura rela-tiva do gume , portanto, sempre muito maior que nos demais grupos,atingindo entre 2:3 e 3:2 da distncia talo/gume, enquanto a espessu-ra varia pouco, ao redor de 1:4 desta mesma distncia; mesmo assim,nota-se que a espessura das lminas mineiras analisadas varia entre0,6 cm (uma miniatura, muito mal feita, provavelmente um brinquedo)e 2,3 cm, sendo um pouco menor que a das lminas do Museu Nacionalpublicadas por Hartt.

    Sua relativa fragilidade em razo da sua pouca espessura (e, at,da matria-prima: uma delas, proveniente de Sete Lagoas, foi feita dexisto) torna pouco provvel que tenha servido como instrumento paratrabalhar a madeira, mas no impediria o aproveitamento como arma.

    As pinturas rupestres de Caetano (Lagoa Santa) mostram que po-diam estar, no passado, fixadas a cabos longos e dissimtricos e no,como hoje, no meio de um cabo curto. Esta fixao antiga convm me-lhor ao uso como arma - documentado por dEvreux. Muitas foram en-

    contradas dentro de urnas, em contexto funerrio.

    Picaretas (foto 4):

    Atribumos esta denominao - de cunho funcional - a quatro pe-as de formato e tamanho inusitado (1,1 % da coleo analisada); nose trata de lminas a serem encabadas, mas de instrumentos completos,com tamanho de at 58 cm. A menor destas peas parece uma mo de

    pilo, qual teria sido acrescentado um estreito gume polido na extre-midade proximal. Apresenta formato cilndrico (34 x 4,8 x 4,5 cm) e

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    pesa 1,365 kg. Talvez se trate de um instrumento com duas funes. Asduas maiores (uma das quais, de hematita), por sua vez, apresentamuma seo achatada (58 x 6,3 x 3,8 cm e 44,6 x 6 x 3 cm; pesando 2,392

    e 2,237 kg) e gume muito desgastado; foram lascadas e toscamente ali-sadas, no evidenciando nenhuma preocupao de ordem esttica. Ape-sar de bastante robusta, a maior quebrou-se, na zona mesial.

    Acreditamos que estas lminas poderiam ter sido utilizadas paracavar a terra, j que seu gume muito estreito, seu formato desajeitadoe o peso exagerado para que sejam usados como machados.

    Consideraes gerais sobre as dimenses e a funo das

    lminas

    O formato e as marcas de encabamento atestam que as lminas deformato triangular, e elptico, eram encaixadas e utilizadas como ma-chados. As retangulares largas, tinham a mesma utilidade, com maio-res possibilidades de serem inseridas num cabo dobrado suposio re-forada pela presena de marcas especficas, como o estreitamento, opolimento ou o picoteamento em uma faixa mesial.

    Peas cordiformes poderiam ser usadas como cavadeiras, conformeo exemplo etnogrfico comentado por Beltro 1970, mas as lminas mi-neiras lascadas com gume polido que observamos, no parecem adapta-das a este uso e poderiam ter sido aproveitadas como enxs manuais.Enquanto a funo das peas estreitas no muito duvidosa (trabalhocomo cinzel), no sabemos qual seria a funo das lminas trapezoidaismais largas.

    Infelizmente, no estamos ainda em condies de reconhecer oseventuais vestgios de utilizao na maioria das peas de coleo. No

    entanto, algo interessante que nos foi possvel observar que geral-mente os micro lascamentos do gume concentram-se em uma das faces(pea n 178 por exemplo). Isso talvez possa evidenciar sempre um mes-mo posicionamento da lmina em relao ao tronco no choque contra amadeira, com a face onde aparecem os lascamentos voltada para cima.

    Nota-se que a ocorrncia de reentrncias ou garganta rarssimaem MG (apenas 2,5 % na coleo do MHN; algumas peas em NovaPonte) e que no h nenhuma ocorrncia de sulco estreito ou de ore-

    lhas, a no ser nas peas semilunares provavelmente as nicas quetinham um encabamento cimentado no Brasil central.

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    Os grficos mostram que, qualquer que seja o tipo morfolgico, otamanho mnimo das lminas no desce abaixo de 5 cm, enquanto asmaiores passam de 35 cm. De fato, as nuvens de ponto evidenciam uma

    concentrao das peas (reunindo 80 % dos exemplares de cada tipo),desde pouco acima do tamanho mnimo de cada tipo (6,5 ou 7 cm paraas lminas triangulares, trapezoidais e retangulares; 10 cm no caso daselipsoidais), at 13,5/16,5 cm - o que deve corresponder s lminas real-mente funcionais. Podemos pensar que as peas menores de 7 cm seri-am brinquedos para criana ou teriam uma funo simblica - merecen-do, ento, a denominao de miniaturas. No entanto, a repartio daspeas nos grficos no apresenta a bimodalidade que seria de se esperar

    neste caso e, a diferena de tamanho em relao s peas normais, pequena. Em compensao, as peas maiores so muito mais isoladas dogrupo central, chegando a pesar mais que o dobro das peas normais.No cabe, no entanto, pensar numa funo diferenciada, pois esto iso-ladas umas da outras, no se agrupam ao redor de um valor quecorrespondesse necessidade de artefatos nitidamente mais pesados;deviam ter um valor muito mais de prestgio que utilitrio.

    Deste modo, podemos supor que, excluindo os machadossemilunares, na maioria as lminas de machado em Minas Gerais erammultifuncionais, ao contrrio do que observamos no litoral meridional(Prous 1992: 232), onde haveria vrias categorias de lminas, para ta-refas diferenciadas o que se expressa na existncia de 2 ou 3 modos narepartio dos pesos, at num mesmo stio.

    A espessura das lminas de machado estudada em Minas Geraisvaria pouco a grande maioria apresenta entre 2,5 e 4 cm. O mnimo -pouco mais de 2 cm na quase totalidade das peas - reflete provavel-mente a espessura indispensvel para assegurar a robustez, enquanto

    o mximo (cerca de 5 cm) j dificulta o encabamento. A largura maior geralmente correspondente ao gume o fator menos constrangedor parao fabricante; por isto, a no ser entre as peas elipsoidais, varia bastan-te: entre 4 e 8 cm para a grande maioria dos exemplares (excluindo,obviamente as peas semilunares). Os nossos primeiros experimentos(tanto quando estvamos fabricando zolitos, nos anos 70, quanto aousar uma lmina polida, agora) mostram a fragilidade de peas comespessura menor de 2,5 cm.

    O corte de rvores evidencia tambm a necessidade de uma salin-cia de pelo menos 4 ou 5 cm da lmina para frente do cabo para cortar

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    uma rvore de dimetro modesto (cerca de 20 cm) o que implica umapea de pedra com pelo menos 7 cm de comprimento. Caso contrrio,precisa-se abrir exageradamente o corte (obrigando a um trabalho do-

    brado de escavao) ou contornar completamente o tronco em vez derealizar apenas dois cortes opostos, o que dificultaria o controle da que-da do tronco. Obviamente, lminas um pouco menores ainda serviriampara abrir uma colmia ou romper a superfcie de uma rvore podre.

    O ngulo do gume varia entre 70 e 90. Nota-se que costuma sermais agudo nas peas de silimanita e de hematita (mais de 80% daspartes ativas com ngulo inferior ou igual a 80, qualquer que seja otipo morfolgico considerado), enquanto o ngulo dos gumes de rocha

    verde quase sempre igual ou superior a 80.

    Lminas de outras partes do Brasil

    Aparentemente, algumas formas ou modos de encabamento soparticularmente tpicos de determinadas regies e, talvez seja possvelalgum dia correlacionar certos tipos com determinadas culturas. Vimos,por exemplo, que a forma cordiforme era caracterstica do holoceno an-tigo em Minas Gerais, enquanto a forma triangular parece a preferidados portadores de cermica Sapuca do Brasil central; de qualquer for-ma, peas triangulares ou trapezoidais alongadas (categorias muitasvezes qualificadas de petaliformes) so claramente ligadas aos alde-os tardios do Brasil central - Sapuca e Tupiguarani.

    No sendo o nosso propsito neste artigo fazer uma anlise deta-lhada da bibliografia, apenas mencionaremos algumas formas tpicasde outras regies, e ausentes ou rarssimas em Minas Gerais.

    - Peas com orelhas/ombros parecem restritas Amaznia, particu-

    larmente centro ocidental (exemplares de Tef, Juru, Manaus, conser-vados na coleo do Muse de lHomme), embora apaream casualmen-te em Pernambuco (Buique). O corpo da lmina apresenta uma formageral trapezoidal, com o gume ocupando o lado menor. A parte proximalapresenta um sulco, facilitando o encaixe com o cabo; a fixao era porcimentao, reforada por encordoamento das orelhas.

    - Na Amaznia oriental, a forma mais comum parece ser retangu-lar (Meggers & Evans) curta, em razo do uso longo e das constantes

    reformas, em regies onde as matrias-primas so raras e o trabalho damadeira, constante.

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    - Sulcos estreitos parecem tpicos do Nordeste particularmente daBahia e de Pernambuco.

    - Partes proximais com reentrncias ou garganta picoteada apare-

    cem episodicamente em vrias regies, desde Rio Grande do Sul at aAmaznia central e ocidental, em sambaquis ou entre horticultores.

    Enquanto algumas culturas cuidam de dar uma forma geomtricapadro s lminas de machado e se importam com seu acabamento,outras procuram apenas funcionalidade e o menor investimento neces-srio. Isto ocorre na maioria dos sambaquis do litoral catarinense: quandoo diabsio era facilmente obtido em plaquetas retangulares, esta formaera mantida para os objetos acabados, dando a falsa impresso de que

    seria uma forma culturalmente procurada; mas onde a fonte de mat-ria-prima eram praias de seixos, procurava-se os que tinham uma for-mato e tamanho adequado, apenas regularizando-os por lascamento epolindo o gume; conservava-se as irregularidades que no prejudicas-sem a utilizao.

    Em muitos stios Tupiguarani do Rio Grande do Sul ocorre o mesmo,sendo apenas o gume trabalhado (por polimento) particularmente nocaso de rochas baslticas (cf. comunicao pessoal de Adriana SchmidtDias, que realizou um levantamento das lminas conservadas no MARSUL).

    Tiburtius & Leprevost j tinham notado uma diferena de cuidadoentre os machados do litoral paranaense e Catarinense (apenas o gumepolido) e os do planalto, geralmente mais bem formatados e completa-mente polidos.

    4 - A FABRICAO DAS LMINAS DE PEDRA (L.X.; M.A. & A.P.)

    Apesar de j existirem publicaes sobre a fabricao de lminas demachado na bibliografia, consideramos ser necessrio procedermos anovas experimentaes; alm do treino que proporcionava aos estudan-tes, isto permitia verificar as condies de fabricao com matrias-pri-mas diferentes das que foram descritas at agora (sobretudo slex naEuropa, xistos e outras rochas metamrficas na Nova Guin). Com efei-to, as lminas encontradas no Brasil costumam ser feitas de rochas ver-des, ricas em olivina (basalto, diabsio, diorito, anfibolitos, gabro).

    Desta forma, pudemos comparar os objetos experimentais e o refu-go da sua fabricao com os artefatos e o refugo encontrado em stios

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    arqueolgicos de Minas Gerais. Por outro lado, decidimos estudar al-guns aspectos da fabricao de cabos, que devem ter representado uminvestimento bastante alto para os indgenas pr-histricos.

    A influncia das matrias-primas

    Diabsio, diorito, gabro e anfibolitos so rochas bastante tenazes(semi resistentes) que, portanto, respondem mal ao lascamento; em com-pensao, so desgastadas pelo picoteamento com razovel facilidade equebram menos sob o choque que o slex; seu polimento facilitado pelaheterogeneidade e pelo tamanho dos minerais.

    Desta forma, os fabricantes de lminas de slex costumam, na pr-histria tanto quanto na experimentao, elaborar as pr-formas o m-ximo possvel atravs do lascamento desenvolvendo uma grande des-treza para aproveitar ao mximo esta tcnica, que retira rapidamente ecom pouco esforo fsico uma grande quantidade de matria; evita-se opicoteamento (que poderia quebrar a pea de slex) passando direta-mente para o polimento; este ltimo processo no requer muita destre-za, mas muito longo e cansativo, provocando tendinites quando prati-cado durante muito tempo.

    Em compensao, os artesos que dispem de rochas verdes inves-tem menos no lascamento (esta tcnica no permite aproximar-se muitoda forma definitiva com este tipo de matria-prima), mas podem traba-lhar mais tranqilamente atravs do picoteamento demorado, pormpouco arriscado; o alisamento ou polimento final das partes mesial eproximal pode ser bem rpido. O gume, por sua vez, no pode ser picoteadoat se chegar muito perto da forma desejada, sem risco de quebrar - oque obriga a trabalhar muito tempo esta parte por polimento.

    Nota-se, no entanto, a utilizao, no Brasil, de outras matrias. Emstios meridionais, o basalto freqente; como sua estrutura microlticao torna duro de se trabalhar, os artesos parecem ter procurado ao m-ximo seixos com forma natural, a mais parecida com o produto final,limitando-se a polir o gume (comunicao pessoal de Adriana SchmidtDias). Em certas regies de Minas Gerais (Rio Doce, Lagoa Santa) en-contram-se lminas de hematita matria que responde um pouco me-lhor ao lascamento, mas necessita uma abordagem especial - e de

    silimanita tambm mais difcil de ser polida que as rochas verdes. Nonorte do mesmo estado, o slex foi por vezes utilizado, mas apenas lasca-

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    do, evitando-se o trabalho de picote-lo (riscos de quebra) e o desgastedo polimento. Na Amaznia, madeira silicificada, granito e arenito fo-ram tambm utilizados e preparados da mesma forma que as rochas

    verdes.

    O material de trabalho

    Fabricamos trs lminas de pedra (duas de machado e um cinzel) ereformamos parcialmente uma lmina arqueolgica danificada prove-niente das antigas colees do MHN-UFMG. As peas fabricadas segui-ram aproximadamente o modelo de exemplares arqueolgicos; as mat-

    rias-primas foram um bloco e um seixo de diabsio e um seixo de granito rochas utilizadas na confeco de lminas em vrias partes do Brasil.Os blocos foram escolhidos em funo do seu formato e tamanho j pa-recidos com o das peas a serem produzidas.

    Para trabalhar usamos os seguintes instrumentos:- um batedor para lascamento: pequeno bloco polidrico de rochaverde do mostrurio da UFMG, com 7,5cm x 5,7cm, pesando 517,6gramas.

    - um picoteador: batedor globular de slex, com arestas obliteradaspor um incio de rolamento num afluente do rio Peruau, medindo6,3cm x 6,1cm e pesando 356 gramas.

    - quisemos testar um outro picoteador: um grande cristal de quart-zo hialino com cerca de 15 cm de comprimento, para verificar se aponta da coroa permitiria um resultado especial.

    - um polidor fixo: bloco de arenito muito compacto e gro fino,trazido da serra do Cip (100 Km ao norte de Belo Horizonte).Este bloco apresenta uma forma aproximadamente

    paralelepipedal com 38 x 34 x 13,5 cm, pesando 25 Kg. As duasfaces principais, planas, so particularmente adequadas ao tra-balho de polimento.

    - um polidor manual: bloco de granito proveniente de Andrelndia(400 Km ao sul de Belo Horizonte) com 10,3 x 6,5 cm e peso de320 gramas. Aproximadamente rombodrico, mas sem quinasangulosas, apresentava uma face levemente cncava que propor-cionava uma boa preenso manual.

    - areia grossa, lavada, silicosa, comprada em loja de material deconstruo, com gros angulosos medindo entre 0,5 e 1,5 mm.

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    Aes, efeitos e evoluo dos instrumentos:

    O batedor para lascamento

    O batedor foi utilizado para descorticar os seixos ou blocos de mat-ria-prima e desbastar os suportes espessos, ou seja, para adelgaar aperiferia dos blocos de rochas bsicas. Podemos estimar que o lascamen-to retirou no mximo entre e 1/

    3do volume das lminas, requerendo 1/

    50do tempo total de trabalho.

    Comparando com os gestos usados para picotear, os movimentospara lascamento so bem mais amplos, com movimentos do antebrao,

    sem gerar cansao e dor; proporcionam mais fora, e so mais espaa-dos, para assegurar preciso.

    O batedor/picoteador

    Os choques produziram a sada de partculas imponderveis e dei-xaram pequenas depresses, que tanto podem ser circulares (quando osgolpes atacam uma superfcie perpendicularmente), quanto alongadas,no caso de ataque oblquo. Preferimos um batedor mais anguloso (por-tanto menos confortvel para a mo) e mais denso, a um batedor maisarredondado, pois o resultado para picoteamento mais satisfatrio. Emrelao aos gestos utilizados no percutor para lascamento, os movimen-tos com o picoteador foram mais curtos (mobilizando principalmente opunho), menos precisos em geral, embora possam ser precisos se neces-srio for. (Foto 8). O ritmo muito mais rpido. Foi necessrio um des-canso de aproximadamente 15 segundos a cada 5 minutos. Aps 40 mi-nutos comea-se a sentir os tendes. No bom trabalhar alm de 40

    minutos sem parar pelo menos 10 minutos. Outro problema o somemitido pela ao do picoteador, que ressoa na cabea, incomodandomuito. Retiramos cerca de 20 g de p por hora de trabalho em rochaverde.

    O picoteamento de quartzo perdeu rapidamente matria e trans-formou-se, em poucas horas, num bloco esfrico de 3,5cm de dimetro.O resultado no foi to bom quanto no uso de percutor de slex e o seudesgaste foi rpido. Mesmo assim, comprovamos que o quartzo pode ser

    aproveitado como picoteador, na falta de matria mais resistente.

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    O polidor fixo:

    Foi utilizada apenas uma das faces. Os objetos trabalhados eraminicialmente esfregados com uma ou duas mos; trabalhamos sentadosno cho, aproveitando um pouco o peso do corpo, alm da fora do brao.Gestos circulares, da periferia para o centro. Os movimentos mais lon-gos, na periferia, so mais raros e com menos presso; j os curtos, nocentro do polidor, so mais numerosos e com mais presso. A camadacortical frivel que cobria o polidor desapareceu rapidamente em me-nos de hora e, aps cerca de 30 horas de uso total, tinha-se desenvol-vido uma bacia oval de 34 x 24 cm, bem rasa - com 0,9 cm de profundi-

    dade mxima em seu centro. Estas dimenses correspondem ao raio dosgestos do brao e correspondem exatamente mdia dos polidores daIlha de Santa Catarina descritos por Amaral (1995).

    O polimento direto no polidor fixo, usando-se apenas gua, per-mitiu nas peas, um polimento fino, sem formao de estrias visveis aolho nu, deixando a superfcie refletir a luz. Este processo, sendo mui-to demorado, foi utilizado apenas para finalizar as superfcies traba-lhadas. Na maior parte do tempo, no entanto, foi utilizado areia como

    abrasivo, produzindo um simples alisamento. Pela nossa experincia,ainda limitada, avaliamos que a velocidade de polimento de uma pea

    Foto 8 Picoteamento da lmina n 3 com batedor de slex

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    em granito seja cerca de 3 vezes mais rpida que a de outra, em rochabsica.

    Durante os movimentos longitudinais, os poucos vestgios que se for-

    maram no polidor foram mascarados pelos circulares que os sucederam.

    Areia

    A areia foi utilizada na maior parte do tempo junto com gua, naproporo de um punhado de areia para 100ml de gua. Sem gua, aareia tende a sair do polidor, alm de soltar um p que ataca as mucosas.

    A pasta abrasiva lavada com gua, quando perde eficincia em razo

    do desaparecimento das arestas dos gros. O gasto mdio em areia foi de100 g para cada 20 minutos de trabalho ininterrupto.O atrito sobre as peas provocou alisamento e formao de estrias

    sobre as peas.

    Polidor manual

    Utilizamos o polidor manual em vrias etapas de trabalho, pararetirar pequenas irregularidades, de preferncia ao fixo, por razes deconforto.

    Quando utilizvamos o polidor manual, a pea ficava apoiada so-bre uma superfcie estvel. (foto 9).

    Foto 9 Uso do polidor manual na finalizao do gume

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    DESCRIO DAS EXPERINCIAS DE FABRICAO OUREFORMA DE LMINAS (L.X.)

    Reforma da lmina n1

    Pretendamos reformar esta lmina arqueolgica de basalto, des-contextualizada e doada ao MHN, que tinha sido desfigurada por al-guns lascamentos, tanto no talo quanto no gume.

    As duas extremidades foram lascadas, com um batedor de quartzo,para criar novo gume e refazer seu talo. As lascas penetravam pouco eeram difceis de serem retiradas devido ao ngulo muito aberto das su-

    perfcies percutidas. A fase seguinte foi de picoteamento da superfciedas faces e dos flancos, com objetivo de diminuir a espessura e a largu-ra. Esta etapa durou 45 minutos, com resultado quase nulo, pois so-mente marcou a superfcie, sem alterar seu volume. O picoteamento foiento abandonado, depois do espatifamento do batedor. Ficamos polin-do a pea durante 2 horas no suporte fixo, com areia. O resultado foi tolimitado (a rea polida foi apenas de 20 cm) que abandonamos o traba-lho, achando que a reforma no compensaria e que seria mais interes-sante concentrarmos na fabricao de uma nova pea.

    Fabricao da lmina n 2

    O bloco de matria-prima escolhido foi um seixo de granito achata-do e de formato paralelepipedal, proveniente do mostrurio de rochasdo MHN; media 13 x 6 x 2,6 cm e pesava 550g.

    Como o seixo j apresentava dimenses e formato muito prximosao desejado, no foi necessrio usar lascamento o qual, por sinal, no

    surtiria bons resultados no granito.O picoteamento foi aplicado para retirar a parte alterada (crtex) das

    faces ou seja, cerca de mm na espessura do seixo, em apenas 20 minutos.O alisamento das faces e dos flancos foi realizado com gestos circu-

    lares no polidor fixo com auxlio de areia e gua; foi relativamente rpi-do, durando apenas 2 horas e 40 minutos. A produo do gume, apenaspor frico, levou mais uma hora.

    O resultado final foi uma pea retangular de 12,4 x 7 x 2,5 cm,

    pesando 373,5 g (Foto 10) com gume muito afiado (65), equivalente aongulo mais agudo encontrado nas colees estudadas.

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    Fabricao da lmina n 3 (figura 8)

    Esta lmina de machado foi feita a partir de um bloco de diabsio,irregular, mas achatado, proveniente do mostrurio do MHN, medindo20 x 8,5 x 3,9 cm, com peso de 1260 g. (Foto 11).

    Houve inicialmente uma sesso de lascamento das faces, dos flancose do futuro gume, para dar o formato geral, que durou entre 15 e 20minutos. Foram retiradas 49 lascas de 1,0 x 1,0 cm at 7,6 cm,correspondendo a um peso de 128 gramas. As mais largas so oriundasdos flancos, enquanto as mais compridas correspondem formatao dogume. (figura 9).

    As superfcies foram a seguir regularizadas por picoteamento du-rante 12 horas, sendo este mais intenso na regio do gume, onde preci-sava se retirar muito mais matria. Houve finalmente um alisamentogeral da superfcie - aproximadamente 2 horas de trabalho. (Foto 12).

    O polimento, limitado zona do gume (45 cm) e quase exclusiva-mente realizado no suporte fixo com gestos circulares de raio curto, du-

    rou por volta de 6 horas. (Foto 13).

    Foto 10 Lmina n 2, remontada aps a quebra

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    FIGURA 8

    Retirada de matria nos diversos momentos tcnicos de fabricao da Lamina 3.

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    FIGURA 9

    Lascas de fabricao de pr-forma de lmina do machado n 3

    a. Lasca cortical plana.

    b. Lasca semi-cortical.

    c. Lasca menos plana e mais comprida. Apresenta pouco crtex, correspondendo aum momento mais adiantado do processo de lascamento. Perfil alongado.

    d. Lasca da regio do gume apresentando parte da face externa polida.

    e. Lasca destinada a retirar uma protuberncia da pr-forma (adelgaamento);espessa e com perfil encurvado.

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    Foto 11 Suporte bruto para futura lmina n 3

    Foto 12 Lmina n 3 acabada

    Foto 13 Lmina n 3 Alisamento do gume

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    Fabricao da lmina n 4 (cinzel): (Figura 10)

    A quarta experincia destinava-se a fabricar uma lmina de cinzel

    para abrir cavidades nos cabos de machado.A pea foi confeccionada a partir de um bloco de diabsio, selecio-

    nado principalmente por sua forma original j prxima do volume pro-curado; pesava 363,0 gramas, media 13,1 cm x 4,5cm x 2,6cm.

    O bloco passou por trs fases de trabalho, que o modificaram atassumir a forma desejada:

    a) sofreu lascamentos diretos, unipolares, perifricos - exceo dasuperfcie destinada ao gume, que no foi lascada - unifaciais,

    contnuos e na maioria dos casos, pouco profundos. Um acidentedeixou um profundo negativo. Esta etapa durou 30 minutos eretirou 80,3 gramas de matria.

    b) o picoteamento foi realizado com o percutor de slex em quasetoda a extenso do bloco (exceto no fundo dos negativos e nazona destinada ao gume, que somente foi polida), com a finalida-de de diminuir a convexidade de uma das superfcies. Na faceoposta, naturalmente quase plana, no houve necessidade depicoteamento. Esta etapa durou cerca de 2horas e 40 minutos(com intervalos) e abateu 53,3 gramas do peso original.Dispensamos o alisamento, passando diretamente para o poli-mento do gume.

    c) o polimento, restrito extremidade distal, foi realizado com opolidor manual de granito e gua, at o gume adquirir um n-gulo de aproximadamente 60. Esta fase durou aproximadamente1hora.

    d) o polidor fixo somente foi usado para o acabamento final do gume,

    por volta dos 20 minutos finais, dando-lhe um brilho mais intenso.

    Os movimentos, em ambos polidores, foram longitudinais e curtos,com um ngulo de trabalho por volta de 45. Esta etapa teve uma dura-o de 1 hora e 20 minutos. (Foto 15).

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    FIGURA 10

    Cinzel (experincia de fabricao n 4)

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    Foto 14 - Cinzis

    Foto 15 Cinzel experimental, com vestgios de lascamento, picoteamento ealisamento

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    Discusso (A.P.)

    Podemos comparar os tempos de fabricao observados na UFMG

    com as experimentaes publicadas na bibliografia.O autor das experincias (L. X.) demorou cerca de 1 hora para fa-

    bricar o cinzel (lmina n 4). O tempo aumentou para as lminas demachado, que so maiores e necessitaram maior regularizao: 20 ho-ras para a lmina de diabsio n 3, e 4 horas e 15 minutos para a lminade granito de tamanho equivalente.

    Estes resultados no so muito diferentes dos de Harding que, porsua vez, precisou de 7h para fabricar uma lmina de tufo epidotizado e

    entre 26 e 30 h para terminar lminas de slex (matria muito maisdifcil de se polir).Outros autores falam de tempos bem mais curtos: Bo Madsen ne-

    cessitou apenas de 4 a 9h (somente na fase de polimento) para termi-nar uma lmina de slex, mas utilizou uma mquina primitiva quemultiplicava muito a eficincia em relao a um polimento manualtradicional.

    Autores mais antigos (Forel, Becker, Olavson) falam de apenas 2a 4 horas de trabalho, mas no dispomos de informaes sobre as ma-trias, o tamanho das peas e a intensidade de modificao do blocooriginal.

    O tempo de polimento a partir de uma superfcie de slex lascado foiestimado a 0,1/2cm2por minuto por Bo Madsen, com tcnica tradicionale 10cm2por minuto com seu aparelho.

    O tempo de alisamento de uma superfcie j picoteada de rochabsica, pode ser estimado a partir das experincias da UFMG, a cerca de0,1 a 2cm2por minuto de trabalho, entrando na margem proposta por

    Madsen. Em compensao, o polimento (sem areia) extremamentedemorado, como evidencia o fato de ter sido necessrio 1 hora e 20 pa-rar retirar apenas 0,3 g na lmina n4.

    Estas estimativas so, obviamente, muito aproximativas, pois evi-denciam uma variao em funo das matrias-primas e teriam quelevar em conta tambm a regularidade maior ou menor das superfciesantes do polimento. Precisaria, alm disto, diferenciar sistematicamentenas experincias o tempo de alisamento (que basta para assegurar a

    funcionalidade dos objetos) do tempo de polimento (mais demorado, comobjetivo essencialmente esttico).

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    FIGURA 6

    a: lmina de diabsio quebrada durante a reforma, depois de um lascamentolongitudinal do gume.

    b: quebra acidental, transversal oblqua.(peas da oficina de Monte Alegre).

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    Grfico mostrando as dimenses principais de 3 categorias morfolgicas de lminas

    (Triangulares de Gume Reto, Trapezoidais Alongadas e Cordiformes) analisadasneste artigo.

    FIGURA 7

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    Nota-se que a fase de polimento da lmina n 3 durou muito maisque a de alisamento. Desta forma a lmina n 3 poderia ter sido conside-rada pronta para uso aps menos de 15 h de trabalho.

    Bloco inicial 363

    Lascamento -80,3 30

    Picoteamento -53 2h40

    Polimento -0,3 1h20

    Artefato

    terminado 229,4 4h30

    Lmina N 4 (Cinzel)

    peso(g) Durao

    do trab.

    inicial

    retirado

    final

    Bloco inicial 1260

    Lascamento -128

    20

    Picoteamento -319 12h

    Alisamento+ polimento

    2+6h

    Artefatoterminado

    813 20h20

    Lmina N 3

    peso(g) Durao

    do trab.

    inicial

    retirado

    final

    5 - O ENCABAMENTO DAS LMINAS (M.A.; H.P. & A.L.)

    O sistema de encabamento escolhido baseou-se em artefato arque-olgico encontrado na superfcie da Lapa do Boquete/Januria-MG: tra-ta-se de uma pea de madeira com cabea alargada feita no n de umgalho e com uma cavidade para insero da lmina, fixao do tipo en-caixado. (Foto 16).

    No achamos necessrio, nesta primeira etapa das experimenta-es, fabricarmos as hastes de madeira e as encomendamos a artesos(a no ser o cabo n 3, fabricado a nosso pedido pelo NPA de Andrelndia).

    As hastes n 1 e 2 foram feitas de Laranjeira (Citrus aurentium) e as den 4 e 5, de Tamb (Aspidosperma sp.), uma rvore nativa utilizadatradicionalmente para fazer cabos para machados de ferro), por RubensDuarte Calo, de Roas Novas/MG. At o momento a madeira do caboda Lapa do Boquete no foi identificada, o que nos impossibilitou deprocurar a mesma para confeco dos machados experimentais. Tive-mos assim a nossa disposio 5 cabos de tipo embutido- encaixado.

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    As cavidades

    As cavidades de quatro cabos foram realizadas sem se preocuparcom as lminas que seriam nelas encaixadas, contando-se que a adap-tao seria realizada no momento do encabamento, o que fizemos ten-tando usar tcnicas possivelmente indgenas.

    Comeamos completando a perfurao do cabo n 3 para que a l-mina fosse trespassada; para tanto, cavamos a face oposta cavidadeinicial, para que ambos os orifcios se unissem no centro do cabo. Inicia-mos, raspando a madeira com um dente de paca e outro de cotia,encabados da mesma forma que em objeto semelhante encontrado noestojo do sepultamento n 5 da Lapa do Boquete (dente com a raiz presanuma bola, feita com o mesmo grude utilizado para fixar as lminas).

    Este trabalho foi frustrante, mesmo molhando-se a madeira para facili-tar a progresso: depois de vrias horas de esforos, a nova cavidadeainda no ultrapassava poucos cm em superfcie e menos de 1 cm deprofundidade. Desistimos desta tcnica e introduzimos pequenas bra-sas na primeira cavidade, soprando para que criassem uma chama; ra-pidamente, a madeira do cabo comeou a se consumir espontaneamentee, em menos de uma hora, a cavidade aprofundou-se, atravessando ocabo. A limpeza das partes carbonizadas era feita com os dentes de roe-

    dor, mas qualquer instrumento fino poderia ter sido utilizado. Caso sejanecessrio impedir que um setor seja alargado, basta no raspar a ca-

    Foto 16 Desenho do cabo arqueolgico da Lapa do Boqute (modelo para os cabosexperimentais), segundo ROSTAIN (1986/90)

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    mada j carbonizada. Nesta primeira experincia, tivemos dificuldadeem controlar o formato da escavao feita atravs do fogo.

    Aprofundamos com brasas a cavidade dos cabos n 2 e 5; desta vez,

    evitamos colocar vrias brasas (o que permite a formao de chamas eacelera o processo, mas impede o controle da escavao); usamos apenasuma brasa grande, que teve de ser soprada continuamente, mas permi-tiu um excelente controle da operao. Mesmo no fundo de cavidadesestreitas (dimetros na boca de 6,4 x 4 cm e 4,7 x 3 no fundo e profun-didade de 6,5 cm para o cabo n 5; dimetros na boca de 5 x 3,5 cm e 2,3x 2,3 no fundo, para uma profundidade de 5,7 cm para o cabo n 2), asbrasas ficavam acesas com o sopro e teria sido possvel continuar o apro-

    fundamento se fosse necessrio. Aps trs horas de trabalho no cabo n5 conseguimos aprofundar e alargar o buraco em 1cm .Abrimos dois outros orifcios no cerne vermelho e duro de uma tora

    de madeira abatida para comparar o resultado que seria obtido respec-tivamente com o uso do fogo e com a ajuda de um cinzel de osso.

    - Com o fogo, abrimos um buraco de 4,5 x 3,3 cm de dimetro e 4,5cm de profundidade (suficiente para inserir uma pequena lminade pedra da nossa coleo) em cerca de 75 minutos.

    - A outra cavidade foi realizada com dois cinzis de osso de porco. Amatria-prima foi conseguida num aougue; tratava-se, portan-to, de um adulto jovem - cujas articulaes estavam aindacartilaginosas -, pois no conseguiramos ossos frescos de anta paracopiar o modelo Xet ilustrado por V. Kozak. Obviamente, estesossos de porco jovem devem ser bem mais fracos que os de umaanta adulta... Os cinzis foram fabricados retirando-se com umpercutor de pedra a cpsula de uma epfise de fmur e a de umatbia. Golpes foram a seguir aplicados na extremidade da difise

    prxima outra epfise, sendo o osso apoiado na quina de umabigorna. A quebra proporcionou os bisis procurados para servirde gume e os artefatos foram percutidos com uma pedra para es-cavar o orifcio na madeira. Acreditvamos que o cinzel de ossono agentaria o trabalho na madeira dura e no serviria paraabrir uma depresso, mas a experincia mudou parcialmente nossaopinio. Aos poucos, a parte ativa do osso quebrava, refrescandoassim espontaneamente seu gume. Depois de uma hora tnhamos

    aberto um orifcio de 4,3 x 4,3 cm de dimetro, com profundidadede 2 cm e fundo plano. Acreditamos que o trabalho com a brasa

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    avance mais rapidamente quando o buraco se aprofunda e gastamenos energia, mas exige muito flego para soprar e a fumaairrita os olhos. Em compensao, a percusso mais desgastante,

    mas a utilizao de um cinzel de osso no impossvel. Ter-se-iatornado provavelmente muito mais difcil ao aprofundar a depres-so, mas ainda no tivemos tempo para verificar esta suposio.

    A fixao das lminas

    As lminas de pedra utilizadas para a experimentao foram umapea fabricada por um de ns (L. X.) e outras duas, pr-histricas, reti-

    radas de antigas colees particulares e sem contexto arqueolgico co-nhecido.A fixao das lminas no cabo foi feita com auxlio de uma massa

    cuja receita nos foi ensinada por Jos Elias - ndio Xacriab que acom