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PADRE MATEUS GWENJERE: DESENTENDIMENTO COM MONDLANE Por Lawe Laweki A ruptura do Padre Gwenjere com o Presidente Mondlane tornou-se evidente numa festa do fim de ano em Dar es Salaam em 1967. No seu discurso anual, o Presidente Mondlane disse aos militantes que "a luta contra a dominação portuguesa seria longa e demorada". Na ocasião, o Padre Gwenjere opôs-se aos pronunciamentos de uma "guerra prolongada" do Presidente Mondlane. Ele argumentou que uma "guerra prolongada" só traria mais sofrimento aos moçambicanos dentro do país. O incidente do discurso do fim de ano do Presidente Mondlane é melhor recontado pelo jornalista Stanley Meisler. Meisler contou que o Presidente Mondlane lhe disse que havia cometido “um grande erro ao ter convidado o Padre Mateus Gwenjere para a sede da FRELIMO em Dar es Salaam". Meisler escreveu que, durante a festa de Natal na capital tanzaniana, o Presidente Mondlane disse aos membros do movimento que eles deveriam "esperar que a guerra durasse muitos anos". Ele também lhes disse que "a FRELIMO estava a lutar contra o colonialismo português e não contra a cultura portuguesa ou o povo português". De acordo com Meisler, quando ele (Presidente Mondlane) terminou o seu discurso, “o Padre Gwenjere foi até a ele e disse: 'O Senhor é um traidor' ”. TRABALHO DE MOBILIZAÇÃO No início de 1968, o Padre Gwenjere deixou o seu trabalho de Professor na Escola de Formação de Enfermagem da FRELIMO e desenvolveu um trabalho intenso para fortalecer e reunir a comunidade de refugiados moçambicanos sob a liderança do Conselho de Anciãos em Dar es Salaam, cujo principal líder era o Mzee Mchekecha. O Padre recebia um apoio maciço da comunidade de Macondes que residiam em Tanganica, Zanzibar, e Mombaça no Quénia. Dentro de pouco tempo, após a estadia do Padre Gwenjere em Dar es Salaam, o Presidente Mondlane concordou em implementar reformas na FRELIMO. Apesar de todos os problemas internos no movimento, nunca 1

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PADRE MATEUS GWENJERE: DESENTENDIMENTO COM MONDLANE

Por Lawe Laweki

A ruptura do Padre Gwenjere com o Presidente Mondlane tornou-se evidente numa festa do fim de ano em Dar es Salaam em 1967. No seu discurso anual, o Presidente Mondlane disse aos militantes que "a luta contra a dominação portuguesa seria longa e demorada". Na ocasião, o Padre Gwenjere opôs-se aos pronunciamentos de uma "guerra prolongada" do Presidente Mondlane. Ele argumentou que uma "guerra prolongada" só traria mais sofrimento aos moçambicanos dentro do país.

O incidente do discurso do fim de ano do Presidente Mondlane é melhor recontado pelo jornalista Stanley Meisler. Meisler contou que o Presidente Mondlane lhe disse que havia cometido “um grande erro ao ter convidado o Padre Mateus Gwenjere para a sede da FRELIMO em Dar es Salaam". Meisler escreveu que, durante a festa de Natal na capital tanzaniana, o Presidente Mondlane disse aos membros do movimento que eles deveriam "esperar que a guerra durasse muitos anos". Ele também lhes disse que "a FRELIMO estava a lutar contra o colonialismo português e não contra a cultura portuguesa ou o povo português". De acordo com Meisler, quando ele (Presidente Mondlane) terminou o seu discurso, “o Padre Gwenjere foi até a ele e disse: 'O Senhor é um traidor' ”.

TRABALHO DE MOBILIZAÇÃO

No início de 1968, o Padre Gwenjere deixou o seu trabalho de Professor na Escola de Formação de Enfermagem da FRELIMO e desenvolveu um trabalho intenso para fortalecer e reunir a comunidade de refugiados moçambicanos sob a liderança do Conselho de Anciãos em Dar es Salaam, cujo principal líder era o Mzee Mchekecha. O Padre recebia um apoio maciço da comunidade de Macondes que residiam em Tanganica, Zanzibar, e Mombaça no Quénia.

Dentro de pouco tempo, após a estadia do Padre Gwenjere em Dar es Salaam, o Presidente Mondlane concordou em implementar reformas na FRELIMO. Apesar de todos os problemas internos no movimento, nunca tinha havido algum congresso ou uma conferência para resolvê-los. De acordo com os estatutos da FRELIMO, os congressos deveriam ser realizados periodicamente no movimento. O Padre Gwenjere pediu a implementação de reformas para colocar o movimento num caminho visto por ele e outros combatentes como o melhor para a Revolução Moçambicana. Nas suas notas autobiográficas datadas de 16 de Novembro de 1972, o Padre Gwenjere escreveu que o Presidente Mondlane recusava-se redondamente em implementar reformas, forçando-o a buscar a intervenção do Governo da Tanzânia e do Comité de Libertação da OUA.

No final do primeiro trimestre de 1968, o Padre Gwenjere e seu grupo Baraza-la-Wazee (Conselho de Anciãos) já não queriam mais reformas mas a realização do Segundo Congresso para eleição de um novo líder da FRELIMO. Após o primeiro congresso da FRELIMO, realizado em Setembro de 1962, o

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segundo congresso estava marcado para 1965. No entanto, só foi realizado em Julho de 1968 devido à insistência e pressão do Padre Gwenjere. O Padre estava optimista de que Uria Simango seria eleito para a liderança do movimento. Ele mesmo não tinha ambição de ocupar qualquer cargo no movimento, pois, segundo ele, a sua "principal preocupação era a libertação de Moçambique" e ele não estava disposto a "abandonar o seu sacerdócio". Tudo o que ele queria era colocar Uria Simango no poder, conforme escreveu nas suas notas autobiográficas:

“Todos nós queríamos eleger o Reverendo Uria Simango. Uria Simango queria que eu o ajudasse a ser o novo presidente ”.

Presidente Eduardo Mondlane com Vice-Presidente Uria Simango no Segundo Congresso da FRELIMO na Província de Niassa em 1968. Fonte: © 2019 Centro de Documentação e Formação Fotográfica. Maputo

O Presidente Mondlane ficou chocado com o rumo dos acontecimentos e com o que ele viu como a intenção do Padre Gwenjere de afastá-lo do poder, mobilizando as bases da FRELIMO contra ele. Naturalmente, isso levou a uma ruptura entre os dois homens. A liderança da FRELIMO adoptou medidas para isolar o Padre Mateus Gwenjere: ele já não recebia comida e subsídio monetário da FRELIMO. Sabe-se, contudo, que o Secretário Administrativo da FRELIMO, Silvério Nungu, que era um confidente do Vice-Presidente da FRELIMO, Uria Simango, continuava secretamente a fornecer-lhe comida e outras forma de assistência.

O trabalho de mobilização contra o Presidente Mondlane era realizado em duas frentes: Lázaro Nkavandame, como Secretário Provincial da Província de Cabo Delgado, exercia influência sobre o

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grupo do Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee) dentro da Província de Cabo Delgado, enquanto o Padre Gwenjere influenciava o grupo do Conselho de Anciãos em Dar es Salaam.

O Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee) era anteriormente um órgão da FRELIMO. No entanto, mais tarde, o mesmo distanciou-se da Direcção da FRELIMO devido à falta de paridade no movimento e falta de acordo sobre como a guerra deveria ser travada, e como os combatentes da liberdade da FRELIMO deveriam ser tratados. No seu livro “Vidas, Lugares e Tempos”, o ex-Presidente Joaquim Chissano confirmou a existência de problemas no movimento da FRELIMO devido à falta de paridade. Ele escreveu que, assim que chegou a Dar es Salaam em Setembro de 1963, o Presidente Mondlane levou-o para uma reunião com o Conselho de Anciãos:

“A reunião (com o Conselho de Anciãos) era sobre a necessidade de admitir como funcionária da Sede Provisória da FRELIMO uma jovem maconde para que também houvesse gente do Norte do país a trabalhar no escritório. Tinha de se acabar com Ubaguzi, discriminação”.

No que se refere à forma como a guerra deveria ser travada, enquanto a liderança da FRELIMO defendia uma "guerra prolongada", conforme o discurso do fim de ano do Presidente Mondlane, o Conselho de Anciãos acreditava numa guerra rápida, acusando as forças armadas da FRELIMO de cobardia e recusa em combater o inimigo. Os membros do Conselho de Anciãos também estavam contra os maus-tratos dos combatentes da liberdade. Os membros do Conselho de Anciãos na Província de Cabo Delgado acusavam as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) de matar militantes como entendessem.

O Conselho de Anciãos anunciou que não deixariam as FPLM punir e matar combatentes de liberdade por delitos menores na Província de Cabo Delgado. Escrevendo sobre esta questão no seu documento intitulado “The Gloomy Situation in FRELIMO” (“Situação Sombria na FRELIMO”), o Vice-Presidente da FRELIMO, Uria Simango, admitiu que os combatentes que fugiam e procuravam a protecção da população na Província de Cabo Delgado, recebiam essa protecção e nunca mais eram recuperados pelas FPLM.

APOIO DE VÁRIOS SECTORES

Uma série de eventos que ocorreram num curto espaço de tempo forçou o Presidente Mondlane a aceitar as demandas do grupo Nkavandame-Gwenjere de realizar o Segundo Congresso. Em 27 de Maio de 1968, o jornal tanzaniano “The Nationalist” publicou trechos de um discurso do Primeiro Vice-Presidente da Tanzânia e Presidente de Zanzibar, Sheikh Abeid Karume, num comício em Dar es Salaam, para marcar o Dia de Libertação da África.

O primeiro Vice-Presidente da Tanzânia criticou “os combatentes pela liberdade por travarem amizade com pessoas que sabem muito bem serem seus inimigos”, pedindo-lhes que evitem luxo. No fim do mesmo mês de Maio, o jornal tanzaniano “The Nationalist” afirmava o seguinte num editorial, que se interpretou como sendo dirigido à liderança da FRELIMO:

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“... alguns combatentes pela liberdade cederam à busca do prazer, em vez de irem para a linha da frente ou até de fazerem seja o que for de realmente sério quanto à luta pela liberdade e pela independência nacional”.

O jornal aconselhou alguns combatentes pela liberdade de deixar de fazer amizades com “agentes do inimigo com quem estavam a lutar”:

“Não é raro, em Dar es Salaam, por exemplo, ver um combatente pela liberdade em grandes sessões de copos com caras estranhas de brancos. É verdade, que alguns deles se fazem passar ... por ‘anticolonialistas’. Mas ...os combatentes pela liberdade devem estar muito atentos”.

Por sua vez, um jornal cubano, a Juventud Rebelde, também reagiu contra a direcção da FRELIMO ao escrever que a mesma estava a “travar o movimento guerrilheiro em Moçambique” e a "sabotar os reais esforços dos combatentes de liberdade".

SEGUNDO CONGRESSO DA FRELIMO

O Comité Central da FRELIMO reuniu-se em 31 de Maio de 1968 e decidiu que o Segundo Congresso da FRELIMO deveria ser realizado. No relatório do Comité Central ao 3.º Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977, o Presidente Samora Machel disse:

“As forças reaccionárias, gozando de alianças exteriores, conseguiram impor à Direcção da FRELIMO a realização do II Congresso antes da data prevista”.

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Continuando, o Presidente Machel disse que o Padre Gwenjere dirigiu cartas ao Comité de Libertaçãoda OUA e ao Governo tanzaniano “lançando acusações contra a liderança da FRELIMO e solicitando a convocação de um congresso”.

A direcção da FRELIMO acabou concordando em realizar o Segundo Congresso mas, com medo de perder eleições, não queria que o Congresso se realizasse na Província de Cabo Delgado onde a guerra estava mais avançada, porque aquela província lhe era hostil. Insistiu em que o Segundo Congresso se realizasse na escassamente povoada Província do Niassa e com a plena participação da ala militar para impor o cumprimento das ordens do Segundo Congresso.

Com a liderança de Mondlane recusando-se a realizar o congresso em Cabo Delgado, o grupo Nkavandame-Gwenjere propôs o Sul da Tanzânia, que o grupo considerava como um terreno neutro onde não encontrariam qualquer pressão da ala militar da FRELIMO. Eles argumentavam que, na Província do Niassa, seriam mortos pela ala militar se discordassem das decisões da FRELIMO no congresso.

Como se para justificar o medo que o grupo Nkavandame-Gwenjere tinha de realizar o Congresso no Niassa, o Presidente Machel insinuou, num dos seus discursos, que o grupo teria sofrido

consequências se ousasse participar do Segundo Congresso na Província do Niassa:

“Os reaccionários insistiram em realizar o Segundo Congresso. No entanto, quando foi realizado, eles não estavam presentes. Eles não ousaram comparecer.”

ENCONTRO DE MTWARA

O grupo Nkavandame-Gwenjere não reconheceu os resultados do Segundo Congresso realizado no Niassa. Assim, convocou a reunião de Mtwara. É de notar que foi o grupo Nkavandame-Gwenjere que convocou o encontro de Mtwara e não a direcção da FRELIMO, conforme foi falsamente relatado no Terceiro Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977. No Terceiro Congresso da FRELIMO em Maputo, o Presidente Samora Machel afirmou que o seu grupo, sob a liderança do Dr. Mondlane, foi responsável por convocar a reunião de Mtwara, para a qual, de acordo com ele, os “reacionários” foram chamados a participar.

“A Direcção da FRELIMO, em colaboração com o Comité Central da TANU, organizou uma reunião em Mtwara, à qual os reaccionários foram chamados a participar. Na reunião, os reaccionários que se recusavam a reconhecer os resultados do II Congresso e a eleição do Presidente Eduardo Mondlane, declararam que desligavam a província de Cabo Delgado do resto do país”.

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Segundo Congresso da FRELIMO na Província de Niassa em Julho de 1968. Pessoas reconhecíveis na foto. Segunda fila da esquerda para a direita: Joaquim Chissano, a sétima pessoa é Uria Simango, seguido por Dr. Mondlane e Samora Machel. Fonte: © 2019 Centro de Documentação e Formação Fotográfica

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No final do mês de Julho de 1968, imediatamente após o Segundo Congresso em Niassa, três "combatentes da FRELIMO" (não identificados nos arquivos da PIDE) da Província de Cabo Delgado viajaram para Mtwara, onde mantiveram encontros com os dirigentes do Governo tanzaniano, que lhes forneceram a logística necessária para viajarem até a Sede da Tanganyika African National Union (TANU – União Nacional Africana de Tanganica) em Dar es Salaam, onde foram recebidos pelo Vice-Presidente da Tanzânia, Rashidi Kawawa, e outros altos dirigentes do partido no poder.

Nas suas reuniões com dirigentes da TANU, os três “combatentes da liberdade” apresentaram a situação dos combatentes moçambicanos no interior de Moçambique, as razões pelas quais “abominavam” a liderança do Presidente Mondlane, e porque boicotaram o Segundo Congresso da FRELIMO na Província do Niassa. Depois disso, mantiveram “uma longa reunião” com o padre Mateus Gwenjere. Como resultado destas reuniões, o Governo de Tanzânia ordenou a direcção da FRELIMO para que fosse à Mtwara reunir-se com “representantes da FRELIMO da Província de Cabo Delgado”.

A reunião de Mtwara de quatro dias contou com a presença do Vice-Presidente Rashidi Kawawa e do Ministro de Estado no Gabinete do Vice-Presidente Lawi Sijaona, representando o Governo da Tanzânia; George Magombe, representando o Comité de Libertação da OUA; e seis membros em representação da direcção da FRELIMO, incluindo o Presidente Eduardo Mondlane; o Vice-Presidente Uria Simango; o Secretário de Defesa, Samora Machel; e o Secretário de Segurança, Joaquim Chissano.

De acordo com os arquivos da PIDE, Basílio Banda também participou da reunião como representante do Padre Mateus Gwenjere. No final da reunião, Banda enviou um telegrama ao Padre Gwenjere informando-o de que a reacção dos representantes do Governo da Tanzânia na reunião era "muito favorável" ao grupo deles (o grupo Nkavandame-Gwenjere).

Dirigindo-se à reunião de Mtwara, Lázaro Nkavandame, o Secretário provincial de Cabo Delgado, disse o seguinte:

“Temos nossos próprios comandantes e nossas próprias forças armadas. Nós não queremos o Presidente Mondlane. Queremos Uria Simango como nosso Presidente. Podemos dar uma bolsa de estudos a Mondlane para ele seguir para o estrangeiro.”

Falando a jornalistas moçambicanos no Instituto Moçambicano em 1974, o Presidente Samora Machel revelou que, em resposta ao discurso de Nkavandame na reunião de Mtwara, a liderança da FRELIMO disse que Uria Simango lhes havia garantido aquando do Segundo Congresso em Niassa que não estava ligado ao grupo Nkavandame-Gwenjere:

“Nós respondemos com o que Simango dissera durante o congresso no interior: exactamente o contrário. E sugerimos que fosse ele próprio a falar, para se esclarecer a questão ... Era penoso assistir a sua aflição. Foi em Mtwara que o Simango os traiu também a eles – foi aí que o Simango os abandonou. E eles (grupo Nkavandame-Gwenjere) sentiram-se isolados, desencorajados: Simango prometera defendê-los mas não disse nem uma palavra quando chegou a altura”.

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REUNIÃO DO COMITÉ CENTRAL

Pressionado pelo grupo Nkavandame-Gwenjere, logo após a reunião de Mtwara, a direcção de Mondlane realizou uma reunião do Comité Central de 25 de Agosto a 1 de Setembro de 1968. Nesta reunião, foram introduzidas mais reformas, com vários Nortenhos a serem promovidos para o Comité Central da FRELIMO e para outros postos de liderança para demonstrar reformas ao Comité de Libertação da OUA e ao Governo tanzaniano. Os membros do Comité Central da FRELIMO foram aumentados de 20 para cerca de 40. Incluiam secretários provinciais, representantes de organizações de massa, representantes das províncias, e membros eleitos pelo congresso.

Conscientes das tácticas da liderança de Mondlane, o grupo Nkavandame-Gwenjere não cedeu às suas reformas enganosas e a crise e tensão dentro do movimento FRELIMO continuaram. Face a esta situação, o Presidente Nyerere interveio. Ele trouxe Mondlane e Nkavandame juntos no Sul da Tanzânia para reconciliá-los. No entanto, Nkavandame recusou-se a comprometer e insistiu que ele estava a separar a Província de Cabo Delgado do resto de Moçambique.

CONFERÊNCIA DE DAR ES SALAAM

Uria Simango, que queria que o grupo Nkavandame-Gwenjere o ajudasse a chegar ao poder, teria legitimado o trabalho deste grupo perante o Governo de Tanzânia e perante o Comité de Libertação da OUA se, como o grupo fizera, tivesse boicotado o Segundo Congresso em Niassa ou se tivesse recusado o cargo de Vice-Presidente, que, segundo o Presidente Machel, foi lhe entregue numa bandeja apenas para "evitar a crise" no seio do movimento.

“O problema que se punha era: como conservar a unidade, sem comprometer a nossa linha? Como preservar a unidade no nosso seio sem deixar que a reacção assumisse a direcção? Como evitar a divisão? Era, em suma, o mesmo problema que se pusera no II Congresso quando tivemos que aceitar certos elementos no Comité Central para evitar a divisão, quando Simango fora eleito Vice-Presidente mas, somente, para evitar a crise...”

Na reunião de Mtwara convocada pelo grupo Nkavandame-Gwenjere, Simango teve uma outra oportunidade de conquistar o respeito e a confiança do Comité de Libertação da OUA, representado por George Magombe, e do Governo tanzaniano, representado pelo segundo Vice-Presidente da Tanzânia, Rashidi Kawawa, bem como pelo Ministro de Estado na Vice-Presidência, Lawi Sijaona, que participaram da reunião, se ele tivesse abertamente apoiado as demandas do grupo Nkavandame-Gwenjere, que o via como seu líder.

É de notar, contudo, que apesar dos contratempos do Segundo Congresso e da reunião de Mtwara, Uria Simango continuou privadamente a assegurar ao grupo Nkavandame-Gwenjere que estava com eles. Foi com Uria Simango em mente que o Padre Gwenjere escreveu nas suas notas autobiográficas que o seu grupo (Nkavandame-Gwenjere) havia agendado uma conferência em Dar es Salaam para eleger um novo presidente da FRELIMO. O Presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, e outros altos dirigentes do Governo tanzaniano haviam sido convidados para participar da conferência, marcada para começar em 3 de Janeiro de 1969. O padre escreveu:

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“Pretendíamos realizar nossas eleições em 03/01/1969 no Centro Comunitário de Mzimbazi, na presença de sua Excelência o presidente da Tanzânia e outros altos dirigentes do governo tanzaniano. No final de dezembro de 1968, delegados de Mtwara, Cabo Delgado, Mombaça, Zanzibar e outros lugares haviam começado a chegar a Dar-es-Salaam ”.

TÁCTICAS PARA COMBATER DISSIDENTES

De acordo com os arquivos da PIDE, a direcção da FRELIMO escolheu a dedo os delegados para o Segundo Congresso realizado na Província de Niassa. Da província de Cabo Delgado, poucos elementos de origem Maconde foram escolhidos para participar do Congresso. Ainda de acordo com os mesmos arquivos, os poucos elementos escolhidos a dedo da Província de Cabo Delgado foram instruídos pela direcção da FRELIMO para propor Uria Simango para a presidência do partido no Segundo Congresso:

“Entre muitas outras coisas chegamos à conclusão de que é preciso classificar os reaccionários: há reaccionários criminosos, como o Lázaro Nkavandame; há errados ideológicos, como era o caso do (Uria) Simango nessa altura, ainda. Todos eles são faltosos, todos: mas é necessário não os meter a todos no mesmo saco, é preciso classificá-los. O criminoso deve ser punido. Mas as ideias erradas não se corrigem pelo cano das armas: é pela educação, pela educação política”.

Os comentários do Presidente Samora Machel acima explicam porque Uria Simango não se atreveu posicionar-se abertamente a favor de Nkavandame e Gwenjere, marcados para serem punidos “pelo cano das armas”. Nas vésperas do Segundo Congresso realizado na Província do Niassa no mês de Julho de 1968, Uria Simango havia recebido ameaças conforme revelou o Presidente Joaquim Chissano na sua entrevista exclusiva às “Memórias da Revolução de 1962-1972”. Respondendo a perguntas sobre alegado envolvimento de Uria Simango no assassinato do Presidente Mondlane, o Presidente Chissano disse:

“... ele [Simango] se sentia ameaçado nas vésperas do II Congresso da FRELIMO, que foi boicotado pelo grupo de Kavandame e que se realizou na Província do Niassa, em 1968”.

Após a morte do Presidente Mondlane, tendo sido isolado pela liderança de Samora Machel-Marcelino dos Santos e sem mais nada a perder, Uria Simango veio publicamente em apoio do grupo Nkavandame-Gwenjere, segundo revelado no seu documento "The Gloomy Situation in FRELIMO". De acordo com os arquivos da PIDE, ele chegou ao ponto de reunir o grupo de Baraza-la-Wazee (Conselho de Anciãos) do Padre Gwenjere para demonstrar ao Governo tanzaniano e ao Comité de Libertação da OAU de que tinha uma base de apoio. No entanto, a sua nova postura realista chegou tarde demais para ter algum efeito significativo nos eventos que se desdobraram posteriormente.

Ainda sobre táticas da direcção da FRELIMO para combater o grupo Nkavandame-Gwenjere, o Padre Gwenjere escreveu nas suas notas autobiográficas que, durante o mês de Dezembro de 1968, aproveitando a ausência em Dar es Salaam do Presidente tanzaniano Julius Nyerere e do seu Vice-Presidente Rashidi Kawawa, o Presidente Mondlane influenciou alguns líderes do governo

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tanzaniano que detiveram o Padre Gwenjere e os delegados que haviam começado a chegar para a conferência. O Padre foi detido sem alguma explicação a partir de 28 de Dezembro de 1968 até 7 de Janeiro de 1969 quando foi banido para a região de Tabora para se dedicar exclusivamente à sua vida religiosa (texto citado traduzido do inglês):

“Por má sorte , Sua Excelência o Presidente de Tanzânia estava numa visita Europeia, enquanto que o seu Segundo Vice-Presidente, Rashidi Kawawa, estava numa visita Provincial. Por seu turno, o Sr. Sijaona havia sido transferido para o cargo de Ministro de Saúde. Aproveitando-se desta situação, o Dr. Mondlane e o Sr. Magombe (representante do Comitê de Libertação da OUA) influenciaram membros do governo Tanzaniano que invadiram a minha casa em 27 de dezembro de 1968. Nossos delegados que haviam chegado a Dar es Salaam foram detidos. Quando voltei para minha casa, encontrei-a trancada por ordens dessas autoridades tanzanianas. Tudo isso foi feito para evitar que o Dr. Mondlane fosse afastado do poder. Fui à delegacia pedir as chaves da minha casa. Quando cheguei lá, disseram-me para voltar no dia seguinte. Quando voltei no dia seguinte, isto é, em 28 de dezembro de 1968, em vez de receber as chaves de minha casa, fui detido sem nenhuma explicação até 7 de janeiro de 1969. No dia em que fui preso, senti-me muito amargurado pelo meu país, Moçambique, especialmente quando ouvi o oficial encarregado da esquadra da polícia a proferir as seguintes palavras: ‘Vocês, moçambicanos, estão a perder o vosso tempo a lutar para uma independência que nunca terão. Somos nós, tanzanianos, que estãmos a gozar o dinheiro dos subornos’. ”

Ainda nas suas notas autobiográficas, o Padre Gwenjere escreveu que George Magombe, representante do Comité de Libertação da OUA em Tanzânia, era um grande amigo do Presidente Mondlane:

"Como George Magombe era um grande amigo do Dr. Mondlane, não podiamo-nos ver frente a frente. É difícil para mim lembrar-me do Sr. Magombe sem ficar zangado".

A MORTE DE PAULO KANKHOMBA

Como o impasse entre o grupo Nkavandame-Gwenjere e o grupo de liderança de Mondlane continuou, a proibição de passagem de e para Cabo Delgado continuou na tentativa de separar a Província de Cabo Delgado do resto de Moçambique. Em Dezembro de 1968, o Vice-Chefe de Operações da FRELIMO, Paulo Samuel Kankhomba, partiu para a Província de Cabo Delgado para realizar o trabalho organizacional. A caminho, foi interceptado por homens leais a Lázaro Nkavandame, que lhe pediram para regressar. Tendo desafiado a proibição de atravessar a fronteira para a província de Cabo Delgado, ele foi esfaqueado, acabando por morrer em 22 de Dezembro de 1968, conforme revelou o Presidente Samora Machel:

“Em Dezembro, é assassinado um companheiro nosso, que ia para o interior. Ele tinha sido comissário político da Província de Cabo Delgado onde realmente realizara um trabalho de organização extremamemente importante e chegara a ser o chefe adjunto das operações a nível nacional. E foi assassinado barbaramente por bandidos organizados e armados pelo

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Lázaro[Nkavandame] que o cercam num bosque a caminho de Moçambique, e que lhe dizem para voltar a Dar es Salaam. Como ele negasse: matam-no pelas costas”.

Quando Paulo Samuel Kankhomba foi morto, o Presidente Eduardo Mondlane que foi persuadido pelo Presidente tanzaniano Julius Nyerere a deixar o seu emprego de Professor na Universidade de Syracuse nos Estados Unidos para ir unir e liderar os vários movimentos de libertação de Moçambique na Tanzânia, mais uma vez pressionou o Presidente tanzaniano para expulsar o Padre Gwenjere do seu país, pois, segundo ele, a interferência do Padre no andamento do movimento atrapalhava a sua liderança. É de notar que o Presidente Mondlane tinha o habito de pressionar o governo de Nyerere a deportar ou proibir a reentrada de seus opositores, como foi o caso de Adelino Gwambe, do grupo de David Mabunda, Leo Milas, e outros. Diferentemente desses, o Padre Gwenjere estava protegido da deportação. Citando a Embaixada Francesa em Dar es Salam, Roberts escreveu que o líder tanzaniano “recusava-se terminantemente” a expulsar o Padre do seu país.

No entanto, devido à falta de coordenação no grupo que se opunha à liderança do Presidente Mondlane, o governo tanzaniano achou sensato retirar o Padre Gwenjere de Dar es Salaam: com o Segundo Congresso da FRELIMO, que o grupo da oposição tanto queria, tendo sido realizado; com Uria Simango, a quem o grupo Nkavandame-Gwenjere queria substituir o Presidente Mondlane, tendo aceite permanecer como Vice-Presidente da FRELIMO no Segundo Congresso na Província do Niassa e tendo, ao mesmo tempo, permanecido calado na Reunião de Mtwara quando o grupo Nkavandame-Gwenjere afirmou ser ele o seu líder; e com o Padre Gwenjere não querendo abandonar o seu sacerdócio para directamente liderar o grupo que se opunha à liderança de Mondlane, o Governo tanzaniano e especificamente o Comité de Libertação da OUA que tinha uma palavra final sobre o assunto, chegaram à conclusão de que o Padre Gwenjere estava sendo usado por políticos para causar confusão e desorganizar ainda mais um movimento que se sabe ter tido uma história de conflitos internos e lutas pelo poder. Assim, o Padre Gwenjere foi levado para a região de Tabora, no centro-oeste da Tanzânia, onde foi entregue aos cuidados do Arcebispo Mark Mihayo, da Arquidiocese de Tabora, para dedicar-se exclusivamente às suas actividades religiosas.

A ESTRATÉGIA DE COOPTAÇÃO

Após o banimento do Padre Gwenjere para a região de Tabora, o único empecilho era o seu colega, Lázaro Nkavandame. A liderança de Mondlane acusou-o e ao seu colaborador mais próximo, Mateus Punda Alipona, de desempenhar um papel principal no assassinato de Paulo Kankhomba. A reunião do Comité Executivo da FRELIMO, realizada em 3 de Janeiro de 1969, despojou-o dos seus postos e expulsou-o do movimento da FRELIMO.

Mesmo assim, a liderança da FRELIMO foi incapaz de reduzir a influência de Nkavandame dentro da comunidade Maconde na Tanzânia e fora. Assim, para derrotá-lo, a direcção de Machel-Marcelino dos Santos adoptou a estratégia de cooptação. Esta estratégia consistia em ganhar para o seu lado um grupo de jovens quadros militares Macondes recrutados para o movimento da FRELIMO por Lázaro Nkavandame. Esta estratégia de cooptação para derrotar Lázaro Nkavandame é melhor explicada pelo Major General Domingos Fondo, um sulista que foi comandante militar da FRELIMO em Cabo Delgado durante a luta pela libertação nacional:

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“Qual foi realmente a estratégia que usamos para podermos derrotar o Nkavandame? Reorganizamos as estruturas políticas. Tiramos o Nkavandame e colocamos o próprio chefe de DD (Departamento Provincial de Defesa de Cabo Delgado) que é Pachinuapa. Raimundo Pachinuapa, (você) fica como chefe (em Cabo Delgado). Nkavandame, (você está) fora.”

É de notar que no seu discurso em Mtwara, Lázaro Nkvandame revelou que o seu grupo tinha os seus “próprios comandantes” e as suas “próprias forças armadas”.

Ao cooptar o grupo de jovens quadros militares de etnia Maconde a se revoltarem contra o seu líder tribal, acredita-se que foram feitas promessas de partilha de poder. Aqueles que estão familiarizados com a história da FRELIMO entendem que não é coincidência que um Maconde esteja a liderar o país na presente data.

Referências das palavras citadas encontram-se no livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” à venda em algumas livrarias da cidade de Maputo. O livro-mãe "Mateus Pinho Gwenjere: A Revolutionary Priest” assim como a edição portuguesa do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” também se encontram à venda na Amazon nos seguintes sites: https://www.amazon.com/Mateus-Pinho-Gwenjere-Revolutionary-Priest-ebook/dp/B07SKWZ734 e https://www.amazon.com/dp/1082346233, podendo o leitor lê-lo até quase ao final do segundo capítulo (página 51) sem pagar (grátis).

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