Magazine de Ficção Cientifica No 10

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    MAGAZINE DE FICO CIENTFICA

    N0 10 - JANEIRO DE 1971

    CONTOS ESTRANGEIROS

    A Garota com Olhos de 1000 - Ron WebbEncontro em Lankhmar - Fritz LeiberA Execuo Fatal - Poul AndersonTln, Uqbar, Orbis Terus - Jorge Luis Borges

    CONTO BRASILEIRO

    Alfredo - Luciano Rodrigues

    CINCIA

    Preenchendo as Lacunas - Isaac Asimov

    Capa de Jack Gaughan

    Jos Bertaso Filho, DIRETORFlvio J. Cardozo, DIRETOR DE REDAO

    Joo Freire, GERENTE

    Magazine de Fico Cientca a edio brasileira de The Magazine of Fantasy and Sci-ence Fiction Copyright Mercury Press, Inc., New York. publicada mensalmente pela

    Revista do Globo S. A.

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    A GAROTA COM OLHOS DE 100

    Ron Webb

    Trad. de Aydano Arruda

    Encontrei-me com Jeannie, pela primeira vez, em meu apartamen-to, diante de uma garrafa de no Scotch. Antes disso, encontrei-a em umbar. Mas talvez seja melhor eu explicar. Tudo comeou no Five OClockClub, lh da madrugada uma hora depois de iniciado o dia do meuaniversrio.

    Eu estava sentado sozinho no bar, pois vera uma briga com minha

    garota e mandava, umas e outras com Al, o empregado do bar. Mencio -nei que era o dia do meu aniversrio e como era chato no ter gente comquem comemorar e tudo o mais, quando Al disse:

    Que vergonha, Danny! e dirigiu-se para a sala do fundo.Voltou um minuto depois com uma velha e empoeirada garrafa de

    Scotch que surripiara do estoque dos patres. Para voc disse le e minhas felicitaes. O velho no per-

    ceber a falta: encomenda essa marca s caixas, em uma rma estrangei-

    ra, mas s abre uma, talvez duas, por ano.Soprei a poeira para ler o rtulo, mas era uma lngua que eu nunca

    vira antes. Que isto? perguntei. Scotch. Pelo menos, o que o velho diz. le nunca abriu uma

    garrafa aqui. Leve-a para casa e esquea-se da vida. Agora, preciso fechar.Assim, fui para meu apartamento.Depois de deixar cair alguns discos de blues na mquina, cortei

    o selo da garrafa e quebrei uns pedaos de gelo. Embora alguma coisabalanasse dentro da garrafa, a uca no saa. Estava quase a ponto de mechamar de otrio quando vi minsculos dedos aparecendo na beirada dogargalo. Depois, com uma nuvem de fumaa, a pequenina dama apareceu

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    uma dama pequenina, boa e nua. Sou Jeannie disse a garota em miniatura. Estou maluco respondi.Ao que ela comeou a crescer, maneira de Alice no Pas das Ma-

    ravilhas, at se transformar naquele suculento po Las Vegas. Alta, depernas esbeltas e uma parte superior bem abastecida. Seus olhos eramcr-de-mbar, o que combinava com os cabelos.

    Imaginei que o truque fora feito com espelhos ou coisa semelhan-te. Quero dizer, quem ia esperar que uma suculenta boneca daquelas sa-sse de uma garrafa? Por um minuto, ela cou parada em p sobre a mesade caf, com aquela expresso sonolenta nos olhos.

    Parecia bem real. Tinha cheiro real, tambm... uma espcie de mis-

    tura de almscar e sexy, com um toque de vinho no. Poderia ser mgicade salo, mas quem estava se importando com isso?

    Vou ajud-la a descer disse eu, estendendo as mos em suadireo.

    O olhar sonolento desapareceu e seus olhos arregalaram-se. En-to, ela deu um grinho e saltou da mesa, derrubando, ao mesmo tempo,a garrafa. Correu para o banheiro. Eu tambm corri, antes que ela vessetempo para fechar a porta. Agarrou uma toalha e enrolou-se nela.

    No me toque disse, com os olhos muito grandes, saindodepois correndo do banheiro.

    A toalha balanava-se, abrindo-se atrs e expondo o substanciosotraseiro, que nha uma covinha. A covinha afastou-se, oscilando torturan-temente, quando ela entrou na sala de estar e sentou-se no sof, enroladana toalha.

    Eu vou gritar ameaou.

    Decidi que discrio era a melhor atude a tomar. Sentei-me dooutro lado da sala. Anal de contas, ainda nem sequer nos conhecamos eJeannie era evidentemente do po mido.

    Al comecei, em tom casual. Al respondeu ela, desconada.Pude ver que aquilo no nos levaria a lugar algum. Voc ca sempre dentro de uma garrafa de Scotch? Quase sempre respondeu, comeando a tranqilizar-se um

    pouco. Preciso car l at que rem a rolha. J haviam rado a rolha alguma vez, antes?Seus olhos adquiriram uma expresso sonhadora. Sim.

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    Eu tambm estava comeando a car um pouco sonhador: Que aconteceu?Ela franziu um pouco a testa e respondeu: No me lembro.

    Tive a impresso de que estava menndo. Tentei um gambito di-ferente: J viveu dentro de uma lmpada?Ela se ofendeu: Eu? Dentro de uma lmpada velha e mal-cheirosa? Nunca! Mi-

    nha famlia das mais nas garrafas. Naturalmente... bem, houve o oCharles. le vivia num horrvel lmpada querosene corou, depoisacrescentou: Mas nunca nos demos com le.

    Tive uma repenna inspirao. Ento, se voc um gnio verdadeiro, uma vez que fui eu quem

    rou a rolha da garrafa, minha escrava. Tem de fazer tudo que eu orde-nar.

    No assim. Que quer dizer quando fala que no assim? o que dizem

    todos os livros. Bem disse ela, pensando. No exatamente assim.

    Ah! falei, exultante. Ento, estou certo!Pensei nas possibilidades e acho que deve ter aparecido um brilho

    em meus olhos, pois ela comeou, rapidamente: Voc s pode dar trs. Trs ordens?Ela conrmou com um aceno de cabea.Com apenas trs iguarias mscas com que brincar, acho que devia

    ter pensado melhor, mas ela parecia to apetosa, ali sentada com a toa-lha, que eu disse, sem mais aquela: Entregue-se. Agora? perguntou ela e seus olhos tornaram a arregalar-se. Agora. Voc precisa dizer as palavras mgicas. Quais seriam? Mogen David.

    Hem? O engarrafador nha senso de humor. Oh disse eu, com um sorriso estpido. Um palhao.Ela tambm sorriu, mas nela o sorriso no era estpido e a toalha

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    escorregou um pouco para baixo. Mogen David disse eu, respirando fundo. Entregue-se.Ento, aqueles seus olhos de 100 de teor alcolico adquiriram

    uma diverda e encantadora tonalidade de mbar enfumaado. Ela sorriu

    um pouco mais e quase cou reclinada no sof. Os cabelos espalharam-sepelos ombros e ela soltou a toalha.Estendi as mos para ela e beijei-a. Os lbios eram quentes e ma-

    cios. As coisas estavam indo muito .bem, quando, de repente, ela come-ou a encolher.

    Que diabo isso? gritei.Mas l estava ela, toda nua no sof, com apenas vinte ou vinte e

    cinco cenmetros de altura.

    Ela sorriu de novo era, decididamente, um sorriso maldoso evoltou ao tamanho normal.

    Onde voc pretende chegar perguntei fazendo isso?Ela ergueu novamente a toalha. Eu me entrego disse, inteiramente inocente outra vez.Depois, comeou chorar. Quero dizer, ela comeou a chorar. So

    capazes de entender uma coisa dessas? E disse, derramando lgrimas: uma espcie de mecanismo de defesa, sabe?

    Eu no sabia de nada, mas quei abalado vendo-a chorar. Ela en-xugou os olhos com a ponta da toalha e, fungando, disse:

    No posso evitar. Quando me do ordens, funciona para prote-ger-me.

    Fez um beicinho adorvel, e connuou: Gosto de voc, Danny, gosto mesmo. Mas, simplesmente, no

    posso entregar-me antes que... comeou a chorar de novo. Antes de

    ter vov aqui comigo.Eu no disse nada. Quero dizer, que poderia falar?Jeannie enxugou de novo os olhos e disse: A pobrezinha. Est sozinha. Foi despejada de sua encantadora

    garraifa de Draumbuie e agora est vivendo numa boja de vinho barato,na mercearia Shoermer bateu os clios para mim e acrescentou: Seique tudo correr bem quando vov esver fora de l. Voc no quer aju-dar?

    Eu no nha muito que escolher. Por isso, fui mercearia Shoer-mer e comprei a boja. Reconheci-a pela rolha azul que Jeannie disseraque ela nha.

    Entreguei a boja a Jeannie e desviei o olhar, enquanto ela a abria,

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    imaginando que seria falta de respeito observar a av sair nua e tudo omais.

    Escutei a rolha saltar com um pequeno, ploc e o que. ouvi logoem seguida foi aquela, grossa voz masculina dizendo:

    Menina!E Jeannie respondendo: Harold, querido!.E no havia av alguma.Apenas aquele sujeito grandalho e nu andando pelo meu aparta-

    mento e Jeannie pendurada em seu brao, com uma expresso amorosanos olhos.

    Ento, ela olhou para mim e disse, com ar de simpaa:

    Sinto muito, Danny, foi um golpe bajxo. Mas sei que voc com-preender. Harold e eu nos amamos.

    E o sujeito grandalho, Harold, ria. Pude ver que o amor era unila-teral, pois Harold transpirava lascvia e avareza. O que procurava no erapuro e saudvel.

    Jeannie gritei, voc se deixou cegar por essa criatura! leno para voc.

    Harold serviu-se de meu usque e acendeu um de meus cigarros.

    No adianta disse Jeannie, anelante. Harold e eu somos almasgmeas.

    Quase perdi as estribeiras sabem? vendo Jeannie to cadapor aquele paspalho que bebia minha uca.

    Mogen David disse eu a Harold. Suma.Harold serviu outra dose e Jeannie explicou: No funciona. No foi voc quem rou a rolha da garrafa dele.

    Fui eu e as ordens so instransferveis. Dois podem jogar juntos este jogo , estpido disse-lhe, seve-ramente. Mogen David. Faa Harold entrar de novo na boja.

    Oh... Oh! gemeu ela e comeou a chorar de novo.Mas fz o que mandei e Harold cou com uma aparncia toda va-

    porosa e voltou a entrar na boja. Jeannie chorou mais um pouco, en-quanto tapava a boja com a rlha.

    Jeannie, querida disse, tentando consol-la, no chore.

    Ela tremeu um pouco e, ao faz-lo, a garrafa de Harold comeoua vibrar sobre a mesa. Depois, comeou a sacudir-se e danar em rodaat parr-se exatamente em dois pedaos. E ali estava aquele sujeitograndalho e nu, andando de novo pelo apartamento e Jeannie com ar

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    de quem pede desculpas, falando sobre mecanismos de defesa e almasgmeas.

    Aquilo era intolervel. Quero dizer, quei como que estraalhado.Aquele paspalho do Harold quebrara a sua garrafa e eu estava olhando

    lubricamente para a covinha de Jeannie. Eu olhava para Jeannie que olha-va para Harold. Quem precisa disso? perguntei, em tom escarninho; mas no

    me adiantou nada, porque eu sabia que precisava, por isso usei minhalma ordem, Mogen David, ama-me.

    Jeannie ainda olhava para Harold, como se le vesse sado de bai-xo de uma pedra ou coisa semelhante. Depois, olhou para mim, com osolhos se tornando sonolentos, e disse:

    Danny, querido. Harold precisa ir embora. Voc quem sabe disse eu, no tom mais casual que pude.

    Mas e a garrafa dele? le pode usar a minha respondeu ela. No vou mais pre-

    cisar dela.Depois, aproximou-se de Harold e segredou-lhe alguma coisa. le

    tou-a com ar feroz, mas, em seguida, sua carranca se desfez e le escor-regou para dentro da garrafa de Scotch.

    Pobrezinho! disse Jeannie, pondo a rolha. Sei que le vaicar terrivelmente apertado a dentro.

    No se incomode. le se ajustar armei, pensando em comoo dono do Five OCiock Club caria abalado se eu devolvesse a garrafa sescondidas, ao seu estoque parcular e um dia le desanimasse Haroldem lugar de uma garota.

    Depois, esqueci-me da pea que pensara pregar, pois Jeannie esta-

    va me tando adorvelmente com aqueles olhos cr-de-mbar e comeceia me senr quente por dentro. Ela disse, em tom macio: Eu o amo, Danny.E eu disse, todo senmental: Eu tambm a amo. Meu mecanismo de defesa falou ela, com uma risadinha. Era preciso que voc me amasse.Mas isso pouco me importava.

    Segurei-a com um brao e beijei-a, enquanto que com a outra mojogava Harold no cesto de lixo.

    Jeannie sorriu, com o olhar todo sonolento, e deixou cair a toalha.

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    ENCONTRO EM LANKHMAR

    Fritz Leiber

    Trad. de Maria La EichenbergSilenciosos como espectros, o alto e o gordo ladres ladearam o

    vigia feroz estrangulado mortalmente, atravessaram a espessa porta ar-rombada de Jengao, o Mercador de Jias, e dobraram a leste, na Rua daMoeda, atravs da na e negra neblina noturna de Lankhmar.

    Teria que ser a leste na Moeda, pois a oeste, no cruzamento com aRua da Prata, havia um posto policial onde guardas insubornveis, impa-

    ciente e estridentemente, baam suas lanas no cho.Mas o alto e calado Slevyas, candidato a ladro-mestre, e o gordo

    Fissif de olhos dardejantes, ladro de segunda classe, hbil em dissimula-o, no nham a menor preocupao. Tudo estava saindo de acordo como plano. Cada um levava amarrada na sacola, uma bolsinha menor com

    jias de primeira categoria, em razo do que Jengao, agora respirandocom estertor e inconsciente com o golpe que sofreram, deveria ser nosomente preservado, mas tambm fomentado e encorajado para recons-

    truir seus negcios e amadurec-los para outro roubo. A primeira lei daSociedade dos Ladres era nunca matar a galinha de ovos de ouro.

    Os dois ladres senam-se aliviados em saber que agora iam dire-tamente para suas casas, no para uma esposa, Arath proibia! ou parapais ou lhos. Deus nos livre! mas para a Casa dos Ladres, quartel-general e casernas da toda poderosa Sociedade que era pai e me paraambos, pois que nunca nha sido permida a entrada a nenhuma mulheratravs de seus sempre abertos portais, na Rua das Pechinchas.

    Alm do mais, havia o conhecimento reconfortante de que, em-bora cada um esvesse armado somente com o costumeiro punhal deprata dos ladres, estavam muito bem escoltados por trs bandidos letais

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    de conana, contratados da Irmandade dos Assassinos para esta noite,um bem na frente como vanguarda, os outros dois na retaguarda, comoprincipal fora de ataque.

    Como se tudo isso no bastasse para fazer Slevyas e Fissif senrem-

    se seguros e serenos, andava silenciosamente ao seu lado, na sombra domeio-o, uma pequena gura disforme e um tanto cabeuda, que poderiaser um cachorro pequenino, ou algum gato de tamanho abaixo do normal,ou um rato muito grande.

    Em verdade, esta lma guarda no era totalmente por si s umasegurana. Fissif adiantou-se para murmurar no grande lbulo da orelhade Slevyas:

    Que o diabo me carregue, se me agrada ser seguido por este

    demnio de Hristomilo, no importa a segurana que possa nos oferecer.O pior que Krovas tenha contratado ou se deixado convencer a contratarum feiceiro da mais dbia, seno terrvel reputao e aspecto, mas que...

    Cale a boca! Slevyas cochichou ainda mais baixo.Fissif obedeceu dando de ombros, preocupado em lanar olhares

    atentos para os lados e principalmente frente.Um pouco alm, nesta direo, de fato exatamente perto da Rua

    do Ouro, a da Moeda era atravessada por uma passagem fechada de dois

    andares, ligando os dois edicios que constuam os prdios dos famososescultores Rokkermas e Slaarg. Na fachada da casa havia prcos muitorasos, sustentados por pilares desnecessariamente largos de forma e de-corao variadas, mais vistosos do que membros estruturais.

    Exatamente debaixo da galeria, ouviram dois baixos e breves as-sobios, um sinal do bandido dianteiro, avisando que inspecionara aquelarea contra o perigo de emboscada, no descobrira nada suspeito e que a

    Rua do Ouro estava livre.Fissif no estava inteiramente sasfeito com o sinal de segurana.Para dizer a verdade, o ladro gordo preferia ser apreensivo e mesmo me-droso, ao menos at certo ponto. Perscrutou, ento, mais atentamente,atravs da na e escura neblina, as fachadas e as Salincias de Rokkermase Slaarg.

    Deste lado, a galeria possua quatro janelinhas, entre cada umadelas havia trs nichos, nos quais se levantavam outros ornamentos

    trs esttuas de gsso de tamanho natural, um pouco corrodas pelotempo e manchadas de variados tons de cinza escuro, por muitos anos denvoa. Quando se aproximava da casa de Jengao, antes do roubo, Fissifas nha notado. Agora, parecia-lhe que a esttua da direita mudara in-

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    denivelmente. Era a de um homem de estatura mdia, vesndo capotee capuz, olhando xamente para baixo com os braos cruzados e aspectoatento. No, no completamente indenvel a esttua era agora de umcinza-escuro mais uniforme, o capote, o capuz e o rosto, sups; as feies

    pareciam um poucp mais aguadas e quase poderia jurar que ela diminu-ra um pouco.Logo abaixo dos nichos, alm disso, havia um entulho cinza e bran-

    co que no se recordava de ter visto antes. Esforou-se para se lembrarse durante a excitao do roubo, a parte vigilante de sua mente teria re-gistrado um estrondo distante. Agora acreditava que sim. Sua rpida ima-ginao representou a possibilidade de haver um buraco atrs de cadaesttua, atravs da qual fosse possvel, por meio de um forte empurro,

    faz-las cair em cima dos passantes, le e Slevyas especicamente. Ima-ginou tambm, que a esttua da direita vesse sido quebrada, quandotestavam o estratagema, e substuda por outra quase igual.

    Vigiaria atentamente todas as esttuas enquanto le e Slevyas pas-savam por baixo. Seria fcil escapar se uma comeasse a balanar. Deveriapuxar Slevyas, desviando-o do perigo, quando isto acontecesse? Era algosobre o que pensar.

    Sua ateno inquieta xou-se em seguida nos prcos e pilares.

    Os lmos, grossos e com quase trs jardas de altura, colocados em in-tervalos irregulares como se fossem de formas e ranhuras desiguais, poisRokkermas e Slaarg eram muito modernos e salientavam o aspecto inaca-bado, fortuito e inesperado.

    Entretanto, parecia a Fissif que havia uma intensicao de impre-vistos, especialmente um pilar a mais sob os prcos do que quando lepassara por ali pela lma vez. No podia ter certeza de qual era o novo

    pilar mas estava quase certo que havia um.A galeria estava perto, agora. Fissif olhou de relance para a esttuada direita e notou outras diferenas. Embora menor, parecia mais rme-mente ereta e a carranca gravada no rosto cinza-escuro, no era propria-mente de meditao losca mas de desprezo arrogante, consciente desua inteligncia e vaidade.

    Contudo, nenhuma das trs esttuas tombou, enquanto le e Sle-vyas passavam sob o viaduto. Entretanto algo aconteceu a Fissif naquele

    instante.Um dos pilares piscou o olho para le.Gray Mouser fz a volta no nicho da direita, saltou e segurou-se na

    cornija, silenciosamente pulou para o telhado baixo e cruzou-o precisa-

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    mente a tempo de ver os dois ladres aparecerem em baixo.Sem hesitao, saltou, o corpo reto como um dardo, as solas de

    suas botas de pele de rato visando os omoplatas gordos do ladro maisbaixo embora adiantando-se um pouco, levando em conta a jarda que lhe

    faltava transpor enquanto Mouser impelia-se para le.No instante em que este pulou, o ladro alto lanou um olhar porcima dos ombros e sacou uma faca, no fazendo entretanto nenhum mo-vimento para empurrar ou puxar Fissif para fora do caminho do projlhumano que com velocidade vinha em sua direo.

    Manobrou com mais rapidez do que algum pudesse imaginar, Fis-sif voltou-se e gritou fracamente:

    Slivikin!

    As botas de pele de rato apanharam-no exatamente no ventre.Era como aterrissar numa grande almofada. Desviando-se do ataque deSlevyas, Mouser virou uma cambalhota para frente e como o crnio doladro gordo batesse numa pedra com um pesado bong, voltou-se com aespada na mo, pronto para golpear o ladro alto.

    Mas no houve necessidade. Slevyas, os olhos arregalados, estavacaindo tambm.

    Um dos pilares lanara-se para a frente, arrastando um manto vo-

    lumoso. Um grande capuz ao resvalar para trs descobriu um rosto jo-vem emoldurado por longos cabelos. Musculosos braos emergiram dascompridas e largas mangas que nham sido a parte superior do pilar. Aomesmo tempo em que um forte punho, na extremidade de um dos bra-os distribuiu a Slevyas um perigoso murro no queixo, deixando-o fora decombate.

    Fard e Gray Mouser encararam-se por sobre os dois ladres ca-

    dos inconscientemente, prontos para atacar, embora no momento ne-nhum deles se movesse.Fard disse: Nossos movos para estar aqui parecem idncos. Parecem? Certamente devem ser! Mouser respondeu brusca

    e arrogantemente, observando seu novo adversrio em potencial, que -nha uma cabea a mais de altura que o ladro alto.

    O que disse?

    Eu disse: Parecem? Certamente que devem ser! Que educado de sua parte! Fard comentou em tom agra-

    dvel.. Educado? Mouser perguntou com suspeitas, apertando sua

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    espada com mais fora. Sim, em preocupar-se no auge da ao, com o que dizer exata-

    mente Fard explicou.Sem deixar Mouser fora do alcance de sua viso, olhou rapidamen-

    te para baixo.Seu olhar atento passava de uma sacola outra dos ladres cados.Ento olhou para Mouser com um sorriso amplo e ingnuo.

    Metade? sugeriu.Mouser hesitou, embainhou sua espada e vociferou: Negcio fechado!Ajoelhou-se abruptamente, os dedos na correia da bolsa de Fissif. Faa voc o saque em Slivikin indicou.

    Era natural supor que ao nal o ladro gordo vesse gritado onome de seu companheiro.

    Sem prestar ateno para onde se ajoelhara, Fard observou: Aquele... furo que estava Com eles, aonde foi? Furo? Mouser respondeu brevemente. Era um pequeno

    bugio. Um bugio Fard ponderou. um macaquinho tropical,

    no ? Bem. deve ser. Eu nunca esve no sul, mas tenho a impresso

    que...A silenciosa lana que naquele instante invesa contra eles quase

    os angindo, na verdade no os surpreendeu. Ambos inconscientementea esperavam.

    Os trs bandidos caram em cima deles em ataque conjugado, to-dos com espadas assestadas para atacar, supondo que os dois assaltantesesvessem armados no mximo com facas e fossem to midos, em com-

    bate, como em geral acontece com ladres e contra-ladres.Entretanto, foram os bandidos que caram confusos quando, coma velocidade de um relmpago, prpria da mocidade, Mouser e Fardsaltaram, desembainharam terrveis e grandes espadas e, de costas umpara o outro, os enfrentaram.

    Mouser defendendo-se, desviou-se um pouco de modo que o ata-que do bandido, vindo da direita, passou raspando por seu lado esquerdo.Imediatamente revidou o golpe. Seu adversrio, recuando desesperada-

    mente deu uma volta, defendendo-se do ataque. Com rmeza e vagar, aponta da longa e na espada de Mouser desviou-se, devido manobra,com a delicadeza de uma princesa cortejando, ento projetou-se para afrente e um pouco para cima e entrou entre duas lminas da armadura do

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    bandido, entre duas costelas, e, atravessando o corao, saiu nas costascomo se tudo fosse um bolo macio.

    Entrementes, Fard, enfrentando os dois bandidos vindos da es-querda, varreu fora suas rasteiras invesdas com mais fora, impedindo

    seus golpes de defesa; ento desembainhou a espada to longa como ade Mouser, mas mais pesada, de maneira que ela golpeou o pescoo deseu adversrio da direita, quase decapitando-o. Recuando com rapidez,preparou um golpe para o outro.

    Mas no foi preciso. Um estreito o de ao ensangentado, segui-do por uma luva cinza e por um brao, brilhou trespassando de trs paraa frente o ulmo bandido, com idnco golpe que Mouser usara com oprimeiro.

    Os dois jovens limparam as espadas. Farhrd esfregou a palma damo direita no manto e estendeu-a. Mouser rou a luva cinzenta da modireita e apertou a de Fard. Sem trocar palavras, ajoelharam-se e termi-naram de saquear os dois ladres inconscientes, apanhando as bolsinhasde jias. Com uma toalha embebida em leo e outra seca, Mouser limpoucuidadosamente o rosto da mistura de graxa e fuligem com que o nhaescurecido.

    Aps um olhar inquisidor na direo leste da parte de Mouser e um

    aceno de cabea de Fard, caminharam rapidamente na mesma direoem que iam antes Slevyas, Fissif e sua escolta.

    Depois de um reconhecimento na Rua do Ouro, atravessaram-na e,a um gesto convidavo de Fard, connuaram a leste na Rua da Moeda.

    Minha mulher est na Lampreia Dourada exclamou.Vamos apanh-la e lev-la minha casa para conhecer minha

    pequena sugeriu Mouser.

    Casa? Fard inquiriu polidamente.. Beco Escuro Mouser explicou. Enguia Prateada? Atrs. Tomaremos algumas bebidas. Apanharei um jarro. Nunca demais. verdade. Concordo.Fard parou, novamente limpou a mo direita no manto e esten-

    deu-a.

    Chamo-me Fard.De novo Mouser apertou-a. Gray Mouser disse um tanto acintosamente, como se desa-

    asse qualqurer um que escarnecesse de sua alcunha.

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    Gray Mouser, hem? Fard observou. Bem, voc matou umpar de ratos esta noite*.

    Isso verdade Mouser empergou-se e jogou a cabea paratrs. Ento, fazendo um cmico trejeito com o nariz e a boca, admiu:

    Bem, voc pegaria seu segundo homem facilmente. Eu o roubeide voc para demonstrar minha destreza. Alm disso, estava excitado.Fard deu uma risada. a mim que voc vem dizer isso? Como pensa que me sena?Uma vez mais Mouser fz um trejeito com a boca. Que diabo nha

    este companheiro grandalho que o desarmava de seu habitual sarcas-mo?

    Fard perguntava-se o mesmo. Sempre desconava de homens

    baixos, sabendo que sua altura despertaria cime imediato. Mas este ra-pazinho inteligente era de algum modo uma exceo. Implorou a Kos queVlana gostasse dele.

    Na esquina nordeste da Rua da Moeda e das Prostutas, uma to-cha trmula, protegida por uma larga espiral dourada, lanava para o altoum cone de luz na espessa e negra neblina noturna e outro cone, emdireo ao cho de pedras em frente porta da taberna.

    Iluminada pelo segundo cone de luz, caminhava Vlana, linda, num

    vesdo justo de veludo preto e meias vermelhas, tendo como nicos ador-nos um punhal com cabo e bainha de prata e uma bolsa negra trabalhadaem prata, ambos num cinto preto liso. Fard apresentou Gray Mouser,que comportou-se com uma cortesia quase lisonjeira. Vlana estudou-ocom petulncia e ento esboou um sorriso.

    Fard abriu sob a luz da tocha, a bolsa que rara do ladro alto.Vlana examinou o contedo, estreitou-o nos seus braos e beijou-o sono-

    ramente. Colocou ento as jias na bolsa de seu cinto. Aps, disse: Olha, vou comprar um jarro. Conte a ela o que aconteceu, Mou-ser.

    Quando saiu da Lampreia Dourada, levava quatro jarros com o bra-o esquerdo e limpava os lbios com as costas da mo direita. Vlana fzuma carranca que le respondeu com um trejeito. Mouser estalou os l-bios ao ver as garrafas. Connuaram a leste na Rua da Moeda.

    Fard percebeu que a carranca de Vlana era por algo mais do que

    os jarros e a perspecva de algazarras de homens estupidamente embria-

    *O autor faz um trocadilho com o nome do personagem: Gray Mouser signica RatoCinzento. (N. do Trad.).

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    gados. Mouser com muito tato seguiu frente.Quando sua gura parecia na densa neblina, um pouco mais que

    uma bolha, Vlana sussurrou com aspereza: Tendo dois membros da Sociededade dos Ladres fora de com-

    bate, voc no cortou suas gargantas? Matamos trs bandidos Fard protestou, desculpando-se.Minha disputa no com o Sindicato dos Assassinos, mas com esta

    abominvel sociedade. Voc me jurou que sempre que vesse a oportu-nidade.. .

    Vlana! No poderia deixar Gray Mouser supor que sou um con-tra-ladro amador, consumido pela histeria e desejo de vingana.

    Bem, le disse que teria cortado suas gargantas num piscar de

    olhos, se soubesse que eu assim o desejava. Estava somente apoiando-a por cortesia. Talvez sim, talvez no. Mas voc sabia e no o fz. Vlana, cale-se.A carranca transformou-se num olhar irado; ento, de repente, ela

    riu abertamente, contraiu-se num sorriso como se fosse gritar, controlou-se e sorriu de maneira mais amvel.

    Perdoe-me, querido disse. Algumas vezes voc deve pen-

    sar que estou cando louca e s vezes eu mesma acredito. Bem, no disse-lhe rapidamente. Pense nas jias que con-

    seguimos e comporte-se com nossos novos amigos. Tome um pouco devinho e relaxe-se. Pretendo diverr-me esta noite. Eu o mereo.

    Ela assenu e apertou seu brao, confortante e sensata. Apressa-ram-se para alcanar a fraca gura frente.

    Mouser, dobrando a esquina, conduziu-os numa meia quadra ao

    norte, na Rua das Pechinchas, onde um caminho mais estreito ia a lestenovamente. A nvoa preta parecia slida. Beco Escuro Mouser explicou.Vlana disse: Escuro fraco demais uma palavra demasiado transparente

    para o beco esta noite com um riso perturbado onde ainda havia traosde histeria e que terminou num acesso de tosse sufocante.

    Disse ofegante:

    Maldita neblina de Lankhmar! Que inferno de cidade! Estamos nas proximidades do grande Pntano Salgado Fard

    explicou. .Em verdade nha razo na observao. Com o Rio Hlal correndo

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    No se queixe, as garrafas esto salvas disse Mouser alegre-mente.

    Fard arrastou-se o resto do caminho e s levantou-se entradada porta. Quando a chegou, quase sufocou de surpresa.

    Era como limpar o azinhavre de um anel de cobre barato, surgindoum luminoso diamante de primeira categoria.Ricas tapearias, algumas com bordados cinlantes de ouro e prata

    cobriam as paredes, exceto as janelas, cujas venezianas eram douradas.Tecidos semelhantes, porm escuros, escondiam o teto baixo, represen-tando uma abbada celeste e magnca onde os salpicados de ouro e pra-ta pareciam estrelas.

    Espalhadas pela sala, uma grande quandade de almofadas e me-

    sas baixas, onde ardiam numerosas velas. Sobre estantes, contra as pa-redes, havia uma grande reserva de velas enleiradas cuidadosamentecomo pequenos cepos, numerosos rolos de pergaminhos, jarros, garrafase caixas esmaltadas.

    Um pequeno fogo de metal preto e com um braseiro ornamenta-do, estava colocado em uma grande lareira. Ao lado do fogo, havia tam-bm uma bem organizada pirmide de tochas nas e resinosas, com aspontas esapadas, acendedores e outras pirmides de pequenos cepos e

    rulantes e negros carves.Num estrado baixo ao p dai lareira havia um sof revesdo de

    brocado dourado. Nele, estava sentada uma linda moa magra, plida edelicada, usando um vesdo de grossa seda violeta, trabalhado em pratae acinturado com uma corrente prateada. Grampos de prata com pontasde amestas prendiam seu cabelo negro no alto da cabea, seus ombrosenvoltos por um manto de pele de serpente, branco como a neve. Ela

    inclinou-se para diante, com forada graciosidade, estendendo a trmulae pequena mo branca em direo a Vlana, que se ajoelhou sua fren-te, e, ento, genlmente tomou-lhe a mo, curvando cabea sobre ela,seus cabelos castanhos e lisos formando um dossel, e apertou-a contraos lbios.

    Fard estava sasfeito de ver sua mulher representando apropria-damente esta situao que, embora agradvel, era absolutamente bizarra.

    Olhando para a longa perna de Vlana, com meias vermelhas, es-

    tendida para trs, pois ela ajoelhara-se sobre a outra, notou que o choestava todo atapetado duas, trs e at quatro camadas com espessos,densos e bem tramados tapetes de vrios mazes da mais na qualidade,importados das terras do Leste. Sem se dar conta seu polegar apontava

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    para Gray Mouser. Voc o Ladro de Tapetes! exclamou. Voc o Recru-

    tador de Taptes! e o Corsrio das Velas! connuou, referindo-se aduas sries de roubos insolveis que estavam na boca de toda Lahkhmar

    quando le e Vlana haviam chegado, h uma lua atrs.Mouser deu de ombros, impassvel, encarando Fard; ento re-pennamente fz um trejeito, os olhos apertados piscaram e Mouser ir-rompeu numa dana inesperada que o levou pela sala, gingando num tur-bilho at Fard. Com destreza puxou o imenso manto de capuz e longasmangas dos ombros encurvados de Fard, estendendo-o, dobrando-ocuidadosamente, colocando-o sob uma almofada.

    A garota de violeta nervosamente bateu de leve com a mo livre

    no brocado de ouro ao seu lado, onde Vlana sentou-se cuidadosamente,no muito perto, e as duas mulheres conversaram em voz baixa, Vlanatomou a liderana.

    Mouser despiu sua capa de capus cinzenta e a colocou ao lado dade Fard. Ento desavelaram as espadas e Mouser colocou-as por cimado manto e da capa que estavam dobrados.

    Sem aquelas armas pesadas e os volumosos mantos, pareceramrepennamente dois jovens, ambos com rostos claros e bem barbeados,

    esbeltos, apesar dos protuberantes msculos dos braos e das pernas deFard. Este, com longo cabelo vermelho-dourado caindo sobre os om-bros de Mouser com o cabelo preto cortado em franja, o primeiro comtnica de couro marrom trabalhada em os de cobre, e o outro vesndouma jaqueta de seda cinza rscamente tecida.

    Sorriram-se. A sensao de sua transformao em garotos, levou-os subitamente a sorrir embaraados. Mouser limpou a garganta e, in-

    clinando-se um pouco, mas olhando para Fard, estendeu o brao com osdedos frouxamente abertos na direo do sof dourado e disse com umbalbuceio preliminar, ainda que bastante polido:

    Fard, meu bom amigo, permita-me apresent-lo minha prin-cesa. Ivrian, minha querida, por favor receba Fard afvelmente, poisesta noite lutamos frente a frente contra trs e vencemos.

    Fard adiantou-se parando um pouco, a coroa de cabelos verme-lho-dourado roando a abbada estrelada, e ajoelhou-se em frente de

    Ivrian exatamente como Vlana nha feito. A delgada mo estendida parale parecia rme agora, mas ainda se agitava com um tremor que desco-briu logo que a tomou. Tocou-a como se ela fosse de sedosa teia brancade aranha, somente roando-a com os lbios e ainda a senu nervosa

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    quando murmurou alguns cumprimentos.No sabia se Mouser estava to ou mais nervoso que le, implo-

    rando com fervor que Ivrian no exagerasse em seu papel de princesa edesprezasse seus convidados, ou desfalecesse em tremores ou lgrimas,

    pois Fard e Vlana eram literalmente os primeiros seres que Mousertrouxera para o luxuoso ninho que criara para sua bem-amada aristocrata exceto os dois adorveis pssaros que pulavam numa gaiola prateada,pendurada no outro lado da lareira, em frente ao trono.

    A despeito de sua astcia e cinismo jamais ocorrera a Mouser queera principalmente seu encanto e no a absurda ternura de Ivrian que aestava transformando em boneca.

    Mas agora, como Ivrian nalmente, sorrisse, Mouser relaxou-se

    com alvio, trouxe duas taas e duas canecas de prata, selecionou cui-dadosamente uma garrafa de vinho nto, e ento, com uma careta paraFard desarrolhou-a, em vez de um dos jarros que o Norsta trouxera,encheu os quatro rulantes recipientes e sorriu para todos.

    Desta vez sem hesitao, brindou: Ao meu maior roubo em Lankhmar, que, queira ou no, devo

    reparr a metade com no pde resisr ao impulso repenno estegrande brbaro cabeludo aqui presente! E bebeu um quarto da sua

    caneca, do agradvel e ardente vinho adicionado de conhaque.Fard bebeu de um sorvo a metade, ento retribuiu: Ao mais presumido, polido e educado rapazinho com quem j

    me dignei a dividir uma pilhagem bebeu de um trago o resto, e comum amplo sorriso, mostrando os dentes brancos, estendeu a caneca vazia.

    Mouser serviu-o novamente, encheu sua prpria caneca, largou-apara ir at Ivrian e derramou em seu regao as gemas da bolsinha que

    nha roubado de Fissif. Elas brilharam em seu novo e invejvel local comouma pequena poa reendo as cores do arco-ris.Ivrian recuou trmula, quase deixando-as cair, mas Vlana segurou

    seu brao genlmente, rmando-o. Vlana aproximou de Ivrian uma caixaesmaltada de azul incrustada de prata, e as duas passaram as jias do colode Ivrian para o interior de veludo azul da caixa. Ento conversaram.

    Fard bebendo a segunda caneca em goles menores, relaxando-see comeou a perceber o ambiente de modo mais profundo. O maravilho-

    so deslumbramento da primeira viso desta sala majestosa, situada numazona de coro, desvaneceu-se e le comeou a notar a fraqueza e a po-drido sob a magnca cobertura.

    Pedaos de madeira pretos e podres apareciam por toda parte en-

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    tre as cornas, desprendendo angos e nauseantes odores. Todo o chocedia sob os tapetes chegando a um palmo no centro da sala. Filtes deneblina noturna entravam atravs das venezianas, formando pretos ara-bescos evanescentes contra o dourado. As pedras da grande lareira -

    nham sido esfregadas e envernizadas, embora grande parte da argamassavesse cado; algumas estavam soltas, outras faltando completamente.Mouser esvera preparando um fogo no fogo. Agora empurrou,

    em todas as direes, o acendedor em chama amarela que acendera nobraseiro, bateu a pornhola preta, fechando-a sobre as chamas que su-biam e voltou para a sala.

    Como se vesse lido os pensamentos de Fard, apanhou diversoscones de incenso, queimou suas pontas no braseiro e espalhou-as pela

    sala em resplandescentes taas de bronze. Ento calafetou as fendas maislargas com pedaos de seda, apanhou novamente sua caneca de prata e,por um momento, lanou a Fard um olhar severo.

    Em seguida, sorrindo, levantou a caneca para Fard, que fz omesmo. A necessidade de ench-las novamente aproximou-se. Movendoos lbios com diculdade, Mouser explicou:

    O pai de Ivrian era um duque. Eu o matei. Um homem muitocruel, tambm para com sua lha, embora sendo um duque, de modo que

    Ivrian completamente incapaz de prover-se a si mesma. Orgulho-me emmant-la em melhor situao do que seu pai lhe proporcionava com todosos seus criados.

    Fard assenu e disse amigavelmente: Com certeza voc roubou tambm um encantador palacete.Do div Vlana chamou, com sua voz rouca de contralto: Gray Mouser, sua princesa gostaria de ouvir uma descrio da

    aventura desta noite. Poderamos ter mais vinho? Sim, por favor, Mouser disse Ivrian.Mouser olhou para Fard, esperando o sinal de parda, e lanou-

    se na estria. Mas primeiro, serviu-as de vinho. No havia o sucientepara suas taas, ento abriu outro jarro e, depois de um momento dehesitao, desarroIhou todos trs, colocou um junto ao sof, outro pertode Fard, agora estendido no tapete macio, e reservou um para si. Ivrianolhou apreensiva para essa evidncia de pesada bebedeira vista, Vlana

    cnica.Mouser contou sasfatoriamente, a estria do contra-roubo, re-

    presentando-a em parte, com - as mais arscas imagens o macaqui-nho que antes de escapar subira no seu corpo e tentara arrancar-lhe os

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    olhos e s foi interrompido duas vezes.Quando dizia: Ento, com um silvo e um golpe, desembainhei

    Escalpelo Fard observou: Oh! Ento voc apelida sua espada como a voc mesmo?

    Mouser levantou-se: Sim, e chamo meu punhal de Garra de Gato. Alguma objeo?Parece-lhe infanlidade?

    No, de maneira alguma. Chamo minha prpria espada de VaraCinzenta. Por favor, connue.

    E quando mencionou o animal de natureza indenida que pulavajunto dos ladres (e que atacara seus olhos). Ivrian empalideceu e dissehorrorizada:

    Mouser! Aquilo parece um demnio de bruxa! De feiceiro corrigiu Vlana. aqueles viles sem entranhas

    da Sociedade no mantm relaes com mulheres, exceto como instru-mentos remunerados ou coagidos, de seus apetes. Mas Krovas, seu atualrei, salienta-se por tomar todas as precaues, e deve, certamente, terum feiceiro a seu servio.

    Parece-me mais nrovvel; isto me deixa angusado de pavor Mouser concordou com um -gourento olhar de espanto e uma voz sinis-

    tra, aceitando com avidez toda e qualquer atmosfera de encantamentopela sua faanha.

    Depois, as moas, com olhos briIhantes e ternos, os brindaram porsua destreza e bravura. Mouser, fazendo uma reverncia, os olhos cin-lantes, sorriu, ento estendeu-se no cho com um-olhar fagado limpan-do a fronte com um pano de seda, e sorveu um grande gole.

    Aps pedir a permisso de Vlana, Fard contou as aventuras da

    fuga de ambos da Esquina Fria le de seu cl, ela, de sua companhiateatral e de sua jornada para Lahkhmar, onde agora habitavam umacasa de arstas perto da Praa dos Prazeres Noturnos, Ivrian abraou-se aVlana e, arrepiada, cou atenta s partes de feiaria do conto.

    O nico fato que le propositalmente omira dessa estria foi aidia xa de monstruosa vingana de Vlana contra a Sociedade dos La-dres que a nham expulsado de Lankhmar e torturado seus cmplicesat a morte quando ela tentava roubar, por livre iniciava na cidade, antes

    de se conhecerem. Naturalmente, tambm no mencionou sua prpriapromessa loucura, pensava agora de ajud-la nessa sangrenta aven-tura.

    Quando acabou e recebeu os aplausos, senu a garganta seca,

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    apesar de acostumado bebida, mas quando procurou molh-la desco-briu que a caneca e o jarro estavam vazios, embora no sensse a menorembriaguez falando, expelira toda a bebida, pensou, um pouco do l-cool escapara em cada palavra ardente que dissera.

    Mouser estava em situao semelhante, e tambm no estava em-briagado embora com tendncia a pausas misteriosas e olhares vagospara o innito antes de responder perguntas ou fazer comentrios. Suge-riu, depois de um olhar absorto especialmente longo, que Fard o acom-panhasse at a Enguia enquanto adquirisse um novo suprimento.

    Mas ainda resta muito vinho em nosso jarro Ivrian protestou. Ou ao menos um pouco emendou.

    Quando Vlana o sacudiu, pareceu-lhe vazio.

    Alm disso, voc tem aqui vinho de todas as qualidades. No desta espcie, querida, e a primeira regra nunca mistur-

    las Mouser explicou, sacudindo um dedo. Seno torna-se nocivo, naverdade, embriaga.

    Minha querida, disse Vlana, com simpaa, batendo no pulso deIvrian em um dado momento, em qualquer festa que se preze, todosos homens que o so em verdade, simplesmente, tm que sair. extre-mamente estpido, mas de sua natureza e no pode ser evitado, acredite-

    me. Mas Mouser, estou apavorada. O conto de Fard aterrorizou-

    me. O seu tambm ouvirei este demnio arranhando as venezianasdepois que vocs sarem, sei que ouvirei.

    Queridssma disse Mouser com um pequeno soluo htodo o Mar Interior, todo o Reino das Oito Cidades, e ainda todas as Mon-tanhas Tortuosas com seus picos majestosos entre voc e a Esquina Fria

    de Fard e seus tolos feiceiros. Quanto aos demnios, ih! nada maistem sido no mundo que repugnantes, caracterscos caprichos de velhasbolorentas e velhos efeminados.

    Vlana disse alegremente: Deixe esses tolos sarem, minha querida. Teremos a oportunida-

    de de uma conversa parcular, durante a qual os manteremos afastadosda embriaguez.

    Como Ivrian deixara-se persuadir, Mouser e Fard escaparam rapi-

    damente, fechando a porta atrs deles, para impedir a entrada da neblinanoturna. As moas ento, ouviram seus passos leves descendo a escada.

    Enquanto esperavam que os quatro jarros fossem trazidos da ade-ga da Enguia, os dois novos camaradas encomendaram uma caneca do

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    mesmo vinho forte, e abrigaram-se no canto menos barulhento do longobalco da tumultuosa taberna. Habilmente, Mouser deu um pontap numrato que mostrava a cabea e os ombros pretos no buraco de sua toca.

    Depois de se terem cumprimentado entusiascamente por suas

    garotas, Fard disse com desconana: C entre ns, voc cr que sua doce Ivrian deva ter alguma ra-zo em sua opinio de que a negra criaturinha que acompanhava Slivikin eo outro ladro da Sociedade era um demnio de feiceiro, ou de qualquermodo, um astuto animal de esmao de um bruxo treinado para inltrar-se e informar desgraas a seu amo ou a Krovas?

    Mouser riu levemente. Voc est vendo fantasmas pequenas deformaes inexplic-

    veis pela lgica nada mais que isto, caro irmo brbaro, se me permi-te falar assim. Como poderia apresentar um l relatrio? No creio emanimais que falam exceto papagaios e tais pssaros, que somente...papagueiam.

    Al! Voc a atrs do balco! Onde esto meus jarros? Ser queos ratos comeram o menino que foi busc-los h dias? Ou simplesmentemorreu de fome procurando na adega? Bem, diga-lhe para andar maisligeiro e sirva-nos novamente.

    No, Fard, mesmo supondo ser o animal direta ou indireta-mente uma criatura de Krovas, e que vesse voltado correndo Casa dosLadres depois de nossa briga, o que lhe poderia dizer? Somente que algofracassara no roubo a Jengao.

    Fard franziu as sobrancelhas e resmungou obsnadamente: sse covarde peludo poderia, entretanto, transmir de algum

    modo nosso aspecto aos mestres da Sociedade, que poderiam reconhe-

    cer-nos, perseguir-nos e atacar-nos em nossas casas. Meu caro amigo Mouser disse pesarosamente mais umavez imploro sua indulgncia, temo que este potente vinho esteja alteran-do o seu juzo. Se a Sociedade soubesse quem somos ou onde moramos,teria estado sordidamente em nosso encalo, no h dias e semanas, mash meses atrs. Ou ento presume-se que voc desconhea a pena da So-ciedade para ladres independentes dentro dos muros de Lankhmar, no nada menos que a morte, depois de torturas, caso conseguir sobreviver.

    Sei tudo sobre isto, e minha situao ainda pior que a sua Fard retrucou e depois de pedir segredo a Mouser, contou-lhe a est-ria da vendea de Vlana contra a Sociedade e seus srios sonhos mortaisde uma vingana geral.

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    No decorrer da estria, os jarros chegaram da adega, entretanto,Mouser pedia que enchessem novamente suas canecas de barro:

    Fard concluiu: Ento, em conseqncia de uma promessa feita por um rapaz

    enfatuado e ignorante ao sul do Deserto Frio, sou agora um homem sen-sato bem, em outras ocasies constantemente solicitado a combaterum poder to grande como o dos domnios de Lankhmar, pois como vocdeve saber, a Sociedade tem liais em todas as outras cidades e capitaisdeste pas. Amo Vlana profundamente e ela uma ladraiexperiente, mascom referncia a este assunto, manaca, com um rme n no crebro,que nem a lgica nem a persuao conseguem afrouxar.

    Por certo seria loucura assaltar diretamente a Sociedade, nisso

    sua sabedoria perfeita comentou Mouser. Se voc ho pode per-suadir sua adorvel garota a afastar-se dessa idia louca, ento voc deverecusar rmemente at mesmo sua menor splica nesse sendo.

    Certamente que devo Fard concordou com grande nfasee convico tenho sido um idiota preocupando-me com a Sociedade.Naturalmente, se eles me pegassem, de qualquer maneira me matariamcomo assaltante e ladro por conta prpria. Mas assaltar ia Sociedadedireta e audaciosamente, matar um ladro associado, sem necessidade

    verdadeira loucura! Voc no tem sido somente um idiota bbado e tolo, voc esta-

    ria sem dvida rescendendo no mximo h trs noites, do pior dos males,a morte. A maliciosos ataques a sua pessoa, a golpes diretos organiza-o, a Sociedade retribui dez vezes mais severamente do que a outrasquebras de regulamento e a independncia inclusive. Ento d o mnimode ateno Vlana neste assunto.

    Concordo! disse Fard em voz alta, apertando a mo mus-culosa de Mouser com fora quase esmagadora. Agora deveramos voltar para a companhia das moas disse

    Mouser. Uma dose mais, enquanto acertamos a conta Ei, rapaz! De acordo.Vlana e Ivrian, que conversavam entredas e animadamente, as-

    sustaram-se com o rudo das fortes pisadas subindo a escada. Uma corrida

    de animais antediluvianos no poderia ter feito mais barulho. Os estalose os rangidos eram extrordinrios e ouviam-se duas passadas disntas. Aporta escancarou-se e seus dois homens precipitaram-se atravs da nebli-na em forma de um grande cogumelo, cuja haste negra fora nidamente

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    arrancada com a bada violenta da porta. Disse-lhe que voltaramos num instante Mouser piscou a-

    legremente Ivrian, enquanto Fard entrava com largas passadas, no seimportando com os estalos do cho, gritando:

    Querida, sen muitas saudades de voc e, levantando Vlanaa despeito de seus protestos e empurres, beijou-a e abraou-a sonora-mente antes de coloc-la de volta no div.

    Estranhamente, era Ivrian que parecia zangada com Fard, em vezde Vlana, que sorria com ternura e deslumbramento.

    Fard, senhor disse ela com atrevimento, os pequenos pu-nhos colocados nos quadris estreitos, o queixo no erguido, os olhos pre-tos amejando minha querida Vlana esteve me contando das inexpri-

    mveis atrocidades que a Sociedade dos Ladres fz a ela e a seus maisqueridos amigos. Perdoe-me a franqueza de falar com quem conheo hto pouco, mas penso ser quase inumano de sua parte recusar-lhe a jus-ta vingana que deseja e merece plenamente. Serve para voc tambm,Mouser, que se gabou a Vlana sobre o que voc teria feito se soubesse,mas sua inteno era de vazia bajulao. Voc, que em situao seme-lhante no teve escrpulos em matar meu prprio pai!

    Fard percebeu que enquanto le e Mouser bebiam ociosamente

    na Enguia, Vlana relatara a Ivrian de maneira duvidosa e colorida suasqueixas contra a Sociedade, avando impiedosamente romncas simpa-as e um alto conceito de honra cavalheiresca na mente terica da moaingnua. Notava, tambm, que Ivrian estava um pouco mais do que ligei-ramente embriagada. Um frasco de vinho nto do longnquo Kiraay, quasevazio, encontrava-se na mesa baixa, perto do div.

    Como se no soubesse o que fazer, estendeu suas grandes mos

    desamparadamente, inclinou a cabea mais do que o teto baixo obrigava,sob o olhar penetrante de Ivrian, agora reforado pelo de Vlana. Anal decontas elas nham razo. le nha promedo. Foi Mouser o primeiro quetentou refutar.

    Venha c, queridinha exclamou suavemente, danando pelasala, calafetando outras fendas para impedir a entrada da espessa neblinanoturna, aando e alimentando o fogo no aquecedor e voc tambm,bela senhora Vlana. No lmo ms Fard, com seus assaltos, tem angi-

    do a Sociedade dos Ladres ferindo-a onde ela mais sente em sua bolsa.Venham, bebamos todos.

    Desarrolhou um dos jarros novos com estouro e precipitou-se paraencher as taas de prata e as canecas.

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    Uma vingana de mercador retrucou Ivrian com escrnio,nem um pouco apaziguada, mais zangada ainda. Voc e Fard deve-riam ao menos trazer Vlana a cabea de Krovas!

    O que Vlana faria com ela? para que serviria seno para man-

    char os tapetes? Mouser inquiria lamentosamente, enquanto Fard,nalmente, recuperando sua sabedoria, ajoelhou-se e disse calmamente: Respeitadssima Sra. Ivrian, verdade que prome solenemente

    minha amada Vlana que a auxiliaria em sua vingana, mas se Mouser eeu trouxssemos Vlana a cabea de Krovas, ela e eu teramos de sumirde Lankhmar no mesmo instante, pois teramos todos os homens contrans. Quanto a voc, certamente perderia este formoso reino que Mousercriou pelo seu amor, e ambos teriam de fugir como mendigos pelo resto

    de suas vidas.Enquanto Fard falava, Ivrian arrebatou sua taa recm-servida e

    bebeu um trago. Agora permanecia ereta como um soldado, o rosto pli-do e ardente, e disse de maneira severa:

    Voc avalia as conseqncias! Voc me fala de coisas indi-cando o esplendor que a cercava simples bens materiais, ainda quecustosos quando a honra est em jogo. Voc deu a Vlana a sua palavra.Estar perdida toda a dignidade de cavalheiro?

    Fard encolheu os ombros de novo, contorceu-se por dentro e be-beu, pouco vontade, de sua caneca de prata.

    Com maestria, Vlana tentou habilmente conduzir Ivrian at seu as-sento dourado.

    Calma, querida pediu voc falou nobremente por mim epor minha causa; acredite-me, estou agradecidssima. Suas palavras re-viveram em mim senmentos nobres e puros, mortos todos estes anos.

    Mas de todos ns aqui, s voc uma verdaderia aristocrata em harmo-nia com os mais altos padres. Ns outros no passamos de trs ladres.Ser surpreendente que algum de ns coloque a segurana acima da hon-ra e da palavra empenhada e, mais prudentemente, evite arriscar nossasvidas? Sim, somos trs ladres e fui vencida. Por favor, no fale mais emhonra e arrebatamento, em bravura destemida, mas sente-se e...

    Voc quer dizer que ambos esto com medo de desaar a Socie-dade dos Ladres, no ? disse Ivrian, os olhos abertos e o rosto crispa-

    do pelo desgosto. Sempre pensei que meu Mouser fosse em primeirolugar nobre e depois ladro. Roubar no nada. Meu pai vivia de rouboscruis contra ricos viajantes e vizinhos menos poderosos, ainda assim eraum aristocrata. Oh! vocs so covardes, ambos! Poltres! terminou, -

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    xando os olhos de desprezo, primeiro em Mouser, em seguida em Fard.O lmo no pde sustentar o olhar por muito tempo. Levantou-se

    de um salto, o rosto vermelho, os punhos apertados, despreocupado como rudo de sua caneca caindo ao cho e do estalo de mau agouro que sua

    ao repenna produziu no soalho vergado. No sou um covarde! gritou. Desaarei a Casa dos Ladrese trarei a cabea de Krovas para voc e jog-la-ei sangrando aos ps deVlana. Juro pela minha espada Vara Cinzenta aqui ao meu lado!

    Levou a mo ao quadril esquerdo, mas no encontrando nada maisque sua tnica, teve que se contentar em apontar com o brao trmulopara a espada embainhada que estava sob o manto cuidadosamente do-brado ento apanhou a caneca, encheu-a at as bordas e bebeu at o

    m.Gray Mouser comeou a rir em alta, diverda e estrepidosa gar-

    galhada. Todos taram-no com espanto. Comeou a danar ao lado deFard e ainda sorrindo amplamente perguntou:

    Por que no? Quem fala em temer a Sociedade dos Ladres?Quem se transtorna com a perspecva dessa faanha fcil e ridcula,quando todos sabemos que todos eles, at mesmo Krovas e sua facoregulamentada, no passam de pigmeus em argcia e destreza, compara-

    dos a mim ou a Fard? Ocorreu-me agora um esquema admirvelmentesimples e seguro para penetrar na Casa dos Ladres em todas as suas fres-tas e cubculos. Fard e eu lev-lo-emos a efeito imediatamente. Vocest comigo, Norsta?

    Naturalmente que sim respondeu Fard com grosseria, aomesmo tempo indagando-se frencamente que loucura aigira seu pe-queno companheiro.

    D-me algum tempo para reunir o material necessrio e saire-mos gritou Mouser. Puxou de uma estante um saco resistente, entocorrendo para l e para c, jogou para dentro um rolo de cordas e atadu-ras, jarros de leo, pomada e ungento e o outras ninharias.

    Mas voc no pode ir esta noite protestou Ivrian, repenna-mente plida e com voz incerta. Esto ambos... sem condies.

    Esto ambos embriagados disse Vlana com aspereza. To-dos embriagados, e desta maneira no conseguiro nada na Casa dos La-

    dres, exceto a morte. Fard! Controle-se! Oh no Fard disse-lhe enquanto avelava a espada. Voc

    queria a cabea de Krovas lanada a seus ps numa grande possa de san-gue e o que vai receber, ou isso ou nada.

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    Calma, Fard Mouser interveio, parando de repente, e fe-chou rmemente a boca do saco, puxando suas ras.

    E devagar voc,tambm, Sra. Vlana, e minha querida princesa.Tenciono executar esta noite apenas uma expedio de patrulha. No cor-

    reremos riscos, somente obteremos a informao necessria para plane-jar o golpe mortal amanh ou depois. Ento nada de cabeas cortadas ouqualquer violncia esta noite, Fard, entendeu? O que quer que suceda,observar a palavra. Vista o seu manto de capuz.

    Fard deu de ombros, concordou e obedeceu.Ivrian parecia um pouco aliviada. Vlana tambm, contudo disse: De qualquer modo esto ambos embriagados. Tudo vai dar certo! Mouser assegurou-lhe com um sorriso

    louco. O lcool pode retardar a espada de um homem e abrandar umpouco seus golpes, mas deixa suas idias ardentes, inama a imaginao,e so estas as qualidades de que precisaremos esta noite.

    Vlana olhou-o indecisa.Aproveitando-se da confabulao, Fard, tranqilo, mas rapida-

    mente, preparou-se para encher uma vez mais sua caneca e a de Mou-ser, mas Vlana, notando, isso, lanou-lhe um olhar to penetrante quele depositou as canecas e o jarro destampado, to ligeiro que seu manto

    esvoaou.Mouser colocou o saco nos ombros e abriu a porta com violncia.

    Com um abano casual s moas, em silncio, Fard saiu para o pequenoalpendre. A neblina noturna estava to espessa que quase no se podiaavist-lo. Mouser acenou quatro dedos a Ivrian e seguiu Fard.

    Que a boa sorte os acompanhe gritou Vlana cordialmente. Oh, tenha cuidado, Mouser murmurou. Ivrian.

    Mouser, a gura delgada contra o vulto de Fard, fechou a portaem silncio.Automacamente as moas se abraaram, esperando os inevit-

    veis estalos e gemidos da escada. Demorava e demorava. A neblina notur-na que entrava na sala j se dissipara e o silncio connuava total.

    O que podem eles estar fazendo? - murmurou Ivrian. Pla-nejando seu rumo?

    Vlana, impaciente, sacudiu a cabea, ento desembaraando-se,

    foi at a porta na ponta dos ps, abriu-a, desceu com cuidado alguns de-graus que estalavam dolorosamente e voltou, fechando a porta atrs desi.

    Foram-se disse admirada.

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    Estou assustada murmurou Ivrian.Atravessou rapidamente a sala e abraou a moa mais alta.Vlana estreitou-a, e logo desvencilhou um brao para correr os trs

    pesados ferrolhos da porta.

    Na Travessa dos Ossos, Mouser recolocou em sua bolsa a linha queamarrara ao gancho da lmpada e pela qual eles nham descido. Sugeriu: Que tal pararmos na Enguia Prateada? Voc est falando srio? Pararmos na Enguia Prateada e depois

    dizer s garotas que esvemos na Casa dos Ladres? perguntou Fard. Oh! no Mouser protestou mas voc no conseguiu seu

    trago de despedida e eu tambm no.Com um sorriso velhaco, Fard rou de baixo do manto dois jarros

    cheios. Passei a mo neles, como estavam, quando depositei as cane-

    cas. Vlana viu muito, mas no tudo. Voc prevenido, camarada perspicaz disse Mouser com ad-

    mirao. Orgulho-me em cham-lo de camarada.Cada um abriu um jarro e bebeu um gole sequiosamente. Sob a

    indicao de Mouser, dirigiram-se para oeste, mudando de rumo e tro-peando um pouco, ento entraram a norte numa travessa ainda mais

    estreita e fda. Beco da Peste disse Mouser.Depois de diversas olhadelas e espreitadas preliminares, cruzaram

    rpidos e cambaleantes a ampla e vazia Rua da Astcia e entraram nova-mente no Beco da Peste. Inesperadamente, o beco tornava-se um poucomais claro. Olhando para cima viram estrelas. No entanto, nenhum ventosoprava do norte. O ar estava mortalmente parado.

    Embriagados e preocupados com seu plano e a simples locomoo,no olharam para trs. L, a neblina noturna estava espessa como nun-ca. Um vo circular de corvos noturnos veria as parculas convergindode todas as partes de Lankhmar e em rpidos e escuros regatos e rios,acumulando-se, redemoinhando, correndo em espirais, a escura e enfu-maada essncia de Lankhmar oriunda dos ferretes, braseiros, fogueirase fogos de cozinha e de aquecedores, fornos, fornalhas, cervejarias, des-larias, incineradores de lixo, vapores de alquimistas e dos antros de fei-

    ceiros, crematrios, montes de carves em brasa, todos estes e muitomais... convergindo determinadamente sobre o Beco Escuro, e parcular-mente sobre a Enguia Prateada e a frgil casa atrs dela. Quanto mais seaproximavam deste ponto, mais compacta tornava-se a neblina, apos em

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    turbilho e trapos em espirais prendiam-se como teias pretas nos cantossperos das pedras e na irregular supercie dos jolos.

    Mas Mouser e Fard s nham exclamaes de branda e mudaadmirao para as estrelas e, ziguezagueando cautelosamente, atravessa-

    ram a Rua dos Pensadores, chamada Avenida dos Atestas pelos moralis-tas, connuando pelo Beco da Peste at a bifurcao.Mouser escolheu o caminho da esquerda que se dirigia para no-

    roeste. Travessa da Morte. Depois de duas curvas, a Rua das Pechinchas

    surgiu cerca de trinta passos frente. Mouser parou imediatamente e se-gurou Fard. Via-se claramente, no outro lado da Rua das Pechinchas, aentrada ampla, baixa e aberta da Casa dos Ladres, construda de sujos

    blocos de pedra. Dois degraus esburacados por sculos de uso levavamat ela. De dentro suportes com tochas derramavam luzes amarelo-ala-ranjado. No havia porteiro ou guarda vista, nem mesmo um co devigia numa corrente. O efeito era agourento.

    Agora, como conseguiremos entrar neste maldito lugar? per-guntou Fard num sussurro louco. Esta entrada cheira a armadilha.

    Por m, Mouser respondeu com desdm: Por qu? Entraremos direto por esta entrada que voc teme.

    Franziu as sobrancelhas. Apronte-se, mexa-se. Venha, vamos nospreparar.

    Enquanto voltava, arrastando o cco e carrancudo Fard pelaTravessa da Morte at que toda a Rua das Pechinchas desaparecesse devista, explicava:

    Passaremos por mendigos, membros da sua Sociedade, quenada mais do que um ramo da Sociedade dos Ladres e que informa

    ao Chefe dos Mendigos, na Casa dos Ladres. Seremos membros novos,que saram durante o dia, de modo que no provvel que o Chefe dosMendigos Noturnos nos reconhea.

    Mas no temos aparncia de mendigos protestou Fard. Os mendigos tm chagas horrveis e so aleijados.

    isso exatamente o que vou providenciar agora riu-se Mou-ser puxando Escalpelo.

    Ignorando a hesitao e o olhar receoso de Fard, Mouser olhou

    atento e confuso para a longa e na barra de ao que desembainhara;ento, com um alegre assentamento, desprendeu do cinto a bainha depele de rato do Escalpelo, embainhou a espada rapidamente e enrolou-atoda em espirais, incluindo o cabo, com a larga faixa do rolo de ataduras

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    rado do saco. Eis disse, amarrando as pontas da faixa. Agora tenho uma

    bengala contudente. O que isto? Fard. E por qu?

    Mouser colocou um trapo preto e no por sobre os olhos e amar-rou-o rmemente atrs da cabea. Porque serei cego, eis a razo.Deu alguns passos cambaleantes, batendo nos seixos frente com

    a espada enrolada segurando-a pelo guarda-mo, de tal modo que aala e o punho caram escondidos pelas mangas e tateando frentecom a outra mo.

    Que tal lhe parece, bem? perguntou a Fard enquanto se

    virava. Parece-me, perfeito. Morcego cego! Oh! No se aborrea, Fard o pano de gaze, posso enxergar

    atravs dele perfeitamente bem. Alm disso, no preciso convencer nin-gum na Casa dos Ladres de que sou realmente cego. Muitos mendigosda Sociedade ngem ser cegos, como voc deve saber. Agora, o que fazercom voc? No poder ser cego tambm bvio demais poderia pro-vocar suspeitas. Desarrolhou o jarro e sugou inspirao. Fard imitou

    o seu gesto, em princpio. Encontrei! Fard, rme-se em sua perna direita e dobre a es-

    querda para trs. Segure-se! no caia em cima de mim! Avante! Segure-se em meu ombro. Assim est bem. Agora, mantenha o p esquerdo maisalto. Disfararemos sua espada como a minha, como uma muleta mais grossa e car bem. Voc tambm pode se rmar com a outra moem meu ombro, enquanto pula o coxo conduzindo o cego. Mas, mais

    alto com este p esquerdo! No, le no deve escorregar terei queamarr-lo. Mas, primeiro, desprenda a bainha.Em seguida, Mouser transformava Vara Cinzenta com a bainha,

    como zera com Escalpelo e amarrava o tornozelo esquerdo de Fard coxa, puxando a corda brutalmente, ainda que os nervos de Fard, ver-melhos o entorpecidos, mal o registrassem. Equilibrando-se com a muletade ao enquanto Mouser trabalhava, bebeu com grandes goles e delibe-rou profundamente.

    Por mais brilhante que fosse o plano de Mouser, parecia que seprejudicariam com le.

    Mouser disse no sei se estou sasfeito com as espadasamarradas, assim no poderemos pux-las numa emergncia.

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    Podemos ainda us-las como cacetes retrucou Mouser, a res-pirao sibilando entre os dentes enquanto escava rme o lmo n. Alm disso, teremos nossas facas. Alis, vire seu cinto para que a facaque nas costas, ento o manto a esconder, seguramente. Farei o mes-

    mo com Garra de Gato. Mendigos no usam punhais, ao menos mostra.Pare de beber agora, voc j bebeu demais. Preciso de dois tragos maispara alcanar minha melhor forma.

    No sei se gostarei de entrar maneando neste antro de assassi-nos. Posso pular espantosamente ligeiro, verdade, mas no to depres-sa quanto posso correr. realmente compreensvel, no acha?

    Voc pode se livrar num instante falou Mouser sibilando, comum toque de impacincia e irritao. Voc no est querendo fazer o

    menor sacricio, por amor arte? Oh! Muito bem disse Fard, esvaziando seu jarro e jogando-

    o para o lado. Sim, naturalmente que quero. Sua compleio vigorosa demais disse Mouser, inspecio-

    nando-o cricamente. Retocou o rosto e as mos de Fard com graxacinza-plido; ento salientou as rugas com cinza-escuro.

    E seus trajes esto limpos demais.Escavou poeira de entre os seixos e sujou o manto de Fard, de-

    pois tentou rasg-lo, mas o pano resisu. Deu de ombros e meteu o sacovazio no cinto.

    Agora sua vez observou Fard, e agachou-se em sua pernadireita, pegou uma boa quandade de sujeira. Levantou-se com esforo, elimpou a mo na capa de Mouser e na jaqueta de seda cinza.

    O homenzinho blasfemou, mas conformidade dramca Fa-rd lembrou-o. Agora venha, enquanto nossos nimos e nossa irrita-

    o ainda esto no auge. Agarrando-se nos ombros de Mouser, impeliu-se rapidamente pela Rua das Pechinchas, apoiando sua espada enroladabem frente, entre os seixos, dando saltos vigorosos.

    Devagar, idiota Mouser gritou, no muito alto, deslizandoquase to veloz quanto um panador equilibrando-se, enquanto baa suabengala (espada) furiosamente:

    Presume-se que um aleijado seja fraco, isto que atrai a sim-paa.

    Fard concordou sabiamente e andou um pouco mais devagar. Aentrada vazia e agourenta aparecia aos poucos, de novo. Mouser inclinouseu jarro para beber todo o vinho, sorveu-o demoradamente e apoiou-se estonteado. Fard apanhou o jarro e, esgotando-o, jogou-o para trs,

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    despedaando-o ruidosamente .Arrastaram-se, aos pulos, para o outro lado da Rua das Pechinchas,

    subiram os degraus gastos e, atravs da entrada, passaram pelo muro ex-cepcionalmente espesso. frente, havia um corredor longo e reto, de teto

    alto, terminando em escadas, iluminado pela claridade que se inltravaatravs das portas e pelas chamadas tochas nas paredes, porm vazio emtoda a sua extenso.

    Tinham acabado de passar pela entrada quando o o do ao arre-piou-lhe o pescoo e picou-lhes o ombro. Do alto, duas vozes ordenaramem unssono: Parem!

    Embora excitados e estontea-dos pelo vinho forte, ambosveram a suciente lucidez de se imobilizarem, e ento, muito cautelosa-

    mente, olharam para cima.Dois rostos esquelcos, cheios de cicatrizes, excepcionalmente

    feios, emoldurados por cabelos pretos presos por uma faixa de pano es-palhafatosa, olhavam para eles de um grande e profundo nicho bem emcima da entrada. Dois braos musculosos e curvos empurraram as espa-das que ainda os espetavam.

    Saram com o grupo dos mendigos do meio-dia, hem? ob-servou um deles. Bem, ser melhor que tenham uma boa coleta para

    juscar a volta tardia. O Chefe dos Mendigos Noturnos est de licenana Rua das Prostutas. Apresentem-se a Krovas. Meu Deus, vocs cheirammal! melhor limparem-se primeiro ou Krovas os jogar num banho devapor fervendo. Andem!

    Fard e Mouser arrastaram-se mancando para frente, da maneiramais autnca possvel. Um guarda sennela gritou atrs deles:

    Relaxem-se, meninos! Aqui no precisam ngir.

    A prca faz o mestre respondeu Mouser com voz trmula.As pontas dos dedos de Fard cutucaram o ombro de Mouser,adverndo-o. Caminharam um pouco mais naturalmente, tanto quanto aperna atada de Fard o permisse. De fato, pensou Fard, Kos dos Des-nos parecia estar conduzindo-o diretamente a Krovas e talvez cabeascortadas fossem a ordem da noite. Agora comearam a ouvir vozes, namaioria speras e entrecortadas, e outros rudos.

    Passaram por outras entradas nas quais desejaram deter-se, em-

    bora o mximo que ousaram foi diminuir um pouco mais a marcha.Muito interessantes eram algumas daquelas avidades. Numa

    sala, jovens rapazes estavam sendo treinados para bater carteiras e abrirbolsas. Abordavam um instrutor pelas costas e, se le ouvisse o rudo de

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    Mouser escondeu o frasco sob seu manto, apertando-o contra o corpocom o brao, e seguiram corajosamente em frente.

    As prximas trs entradas, pelas quais passaram, estavam fecha-das por pesadas portas. Perto da quinta entrada, os dois vultos que se

    aproximavam de braos dados, tornaram-se ndos. Suas roupas eram denobres, mas seus rostos de ladres. Olhavam com desagrado, indignaoe suspeita para Mouser e Fard.

    Neste exato momento, de algum lugar entre os dois pares, uma vozcomeou a falar numa lngua estranha, usando o tom rpido e montonoque os padres empregam nos sermes de rona, ou alguns feiceiros nassuas magias.

    Os dois ladres ricamente vesdos deveram-se no smo vo e

    olharam para dentro. Interromperam sua caminhada. Os pescoos es-cados, os olhos arregalados. Empalideceram. Ento, de repente, avana-ram rapidamente quase correndo, e passaram por Fard e Mouser comose estes fossem apenas peas de mobilirio. A voz encantada retumbavaconnuamente.

    A quinta entrada estava fechada, mas a sexta aberta. Mouser olhoude esguelha para dentro, o nariz esbarrando de leve no umbral. Deu umpasso adiante e olhou atentamente o interior com expresso fascinada,

    empurrando para a testa o trapo preto para poder enxergar melhor. Fa-rd juntou-se a le.

    Era uma sala grande, vazia do que possa ser chamado de vida hu-mana e animal, mas abarrotada dos mais interessantes objetos. De certaaltura para cima, toda a parede oposta era um mapa da cidade de Lankh-mar. Todos os prdios e ruas estavam ali representados, at a mais insigni-cante choupana e a mais estreita viela. Havia sinais de rasuras, recentes

    e novos desenhos em muitos pontos, e aqui e ali, pequenos hierglifoscoloridos de misteriosa signicao.O soalho era de mrmore, o teto azul como lpis-lazli. As paredes

    lateriais eram abundantemente carregadas, uma delas com todas as esp-cies de ferramentas de ladres, desde uma imensa, espessa alavanca queparecia ser capaz de deslocar o universo, at uma haste to delgada quepodia ser uma vara de condo aparentemente planejada para projetar-see pescar de uma certa distncia preciosos adornos de um toucador de

    dama, com tampa de marm e pernas alongadas. Todas as espcies de es-tranhos objetos, brilhantes e cinlantes, estavam presos a cadeado na ou-tra parede, evidentemente mementos escolhidos por suas excentricida-des, nas pilhagens de memorveis assaltos, desde uma mscara feminina

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    com desenhos em espirais. Das paredes pendiam quadros astrolgicos eantropomncos, instrumentos de magia e estantes com jarros de porce-lana cripeamente rotulados, frascos vtreos e tubos de vidro das mais es-tranhas formas, alguns cheios de udos coloridos, outros rulantemente

    vazios. Ao p das paredes, onde as sombras eram mais espessas, trastesquebrados e rejeitados amontoavam-se irregularmente, como se arrasta-dos do caminho e esquecidos, ao mesmo tempo em que grandes tocas deratos apareciam aqui e ali.

    No centro da sala, com um brilho contrastante, havia uma mesacomprida de tampo espesso e, inmeras pernas slidas. Lembrou a Mou-ser uma centopia e o bar da Enguia, pois o tampo da mesa estava inten-samente sujo e marcado por sucessivas manchas de elixires e queimadu-

    ras escuras causadas por fogo e cido.No meio da mesa um alambique funcionava. A chama da lampari-

    na, azul-escura, conservava fervendo na cucrbita grande de cristal, umlquido escuro e viscoso com cinlaes luminosas. Da matria espessae espumante subiam espirais de vapor mais escuro para aglomerarem-seatravs do gargalo da cucrbita e ngir estranhamente, de escarlatebrilhante a parte superior transparente. Ento, agora de um preto in-tenso, dali ua por um cano estreito para um recipiente esfrico de cris-

    tal, ainda maior que a cucrbita, e a ondulava-se e entrelaava-se comorolos vivos de corda preta uma serpente de bano sinuosa e semm.

    Atrs da extremidade esquerda da mesa encontrava-se um homemalto e encurvado, de manto preto com capuz, que sombreava mais do queescondia um rosto cujas feies eram muito proeminentes, o nariz grosso,longo e pontudo, a boca saliente e quase sem queixo. Sua cr era cinza-

    plida, como barro arenoso. Uma barba aparada, eriada e cinza cresciano alto da face. Abaixo da testa recuada e das cinzentas sobrancelhascerradas, os olhos separados olhavam intensamente para o pergaminhoamarelecido que suas pequenas mos repugnantes, de juntas grandes eplos cinzentos, desenrolavam sem cessar. O nico movimento que seusolhos faziam, alm de um curto vai-e-vem ao ler as linhas que rpidamen-te entoava, era uma ocasional olhadela para o alambique.

    Do outro lado da mesa, havia um pequeno animal preto encolhi-

    do, cujos olhos grandes e redondos moviam-se rapidamente do feiceiropara o alambique e vice-versa. Fard, percebendo-o de relance, ncou osdedos dolorosamente no ombro de Mouser que quase sufocou, mas node dor. Parecia-se mais com um rato, embora vesse uma testa mais alta

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    e olhos mais juntos, enquanto suas patas dianteiras que constantementeesfregava impaciente, parecendo diverr-se, assemelhavam-se a mins-culas cpias das mos disformes do feiceiro.

    Simultnea, mas independentemente, Fard e Mouser cerca-

    ram-se de que era o animal que escoltara Slivikin e seu companheiro eescapara. Recordaram-se do que Ivrian dissera a respeito do demnio debruxa e Vlana acrca da probabilidade de Krovas ter um empregado fei-ceiro.

    O ritmo do encantamento acelerou-se; as chamas branco-azula-das, brilharam e chiaram audivelmente; o uido da cucrbita tornou-seespesso como lava; grandes bolhas se formaram e estouraram ruidosa-mente; a corda preta no recipiente enroscou-se como um ninho de ser-

    pentes; havia uma crescente impresso de presenas invisveis; a tensosobrenatural tornou-se quase insuportvel, e Fard e Mouser veramdiculdade em car silenciosos, e embasbacados, de boca aberta, pelaqual agora respiravam, temiam que as badas do corao pudessem serouvidas ao longe.

    Abruptamente a feiaria angiu o mximo e cessou como umtambor rufando que fosse instantaneamente silenciado pela palma damo e pelos dedos estendidos contra o couro. Com um brilhante claro

    e uma surda exploso, inumerveis rachas apareceram na cucrbita; seucristal tornou-se branco e opaco; no entanto, no se despedaou e nemvazou. A parte superior do alambique subiu um pouco, vacilou e recuou.Duas laadas pretas apareceram entre as espirais no recipiente e repen-namente reduziram-se a dois grandes ns pretos. O feiceiro sorriu ma-liciosamente, deixou o m do pergaminho a enrolar-se com um estalo,mudou o olhar atento do recipiente para o seu demnio que saltava e

    guinohava extasiado. Silncio, Slivikin! Agora vem a sua vez de correr, esforar-se esuar gritou o bruxo, falando em jargo Lankhmaresco, agora, mas torapidamente e com voz to aguda que Fard e Mouser mal podiam acom-panh-lo. Entretanto, ambos perceberam que estavam enganados quanto idendade de Slivikin. No momento do infortnio, o ladro gordo prefe-rira pedir ajuda ao animal bruxo que ao seu companheiro humano.

    Sim, mestre Slivikin respondeu confusamente, modicando,

    num instante, as opinies de Mouser sobre animais falantes, connuouno mesmo tom agudo e bajulador: Ouo-lhe obedientemente, Hristo-milo.

    Hristomilo ordenou em sons sibilantes:

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    V fazer a sua tarefa! Convoque um nmero suciente de con-vivas! Quero os corpos estripados at os ossos, de maneira que os efeitosda nvoa mgica e todas as evidncias de morte por sufocao quemtotalmente apagados. Mas no esquea a pilhagem! A misso, agora .

    parta! Slivikin, que a cada ordem sacudia levemente a cabea, demons-trando sua vivacidade, agora, guinchava: Providenciarei para que assimseja! e, como um relmpago cinzento, saltou ao cho e entrou numaescura toca de rato.

    Hristomilo, esfregando suas mos maneira de Slivikin, gritou sgargalhadas:

    O que Slevyas perdeu, minha mgica reconquistou!

    Fard e Mouser reraram-se, em parte por medo de serem vistos,em parte por repulsa do que nham visto e ouvido, nuna pungente, masinl piedade por Slevyas, fosse le quem fosse, e pelas outras vmasdesconhecidas das palavras mgicas mortais do feiceiro referentes a ra-tos, pobres estranhos, que mortos, teriam suas carnes devoradas.

    Fard arrebatou a garrafa verde de Mouser e, quase vomitandodo cheiro fdo, tomou um grande e forte gole, Mouser no se animou afazer o mesmo, conformando-se em aspirar os vapores do leool.

    Ento, viu, alm de Fard, de p antes da entrada da sala do mapa,um homem ricamente vesdo com uma faca de cabo de ouro e bainha in-crustada de jias. A face de olhos fundos era prematuramente enrugadanela responsabilidade, excesso de trabalho autoridade, emoldurada porcabelos e barba pretos, cuidadosamente cortados. Sorrindo, acenou-lhessilenciosamente com um gesto sinuoso.

    Mouser e Fard obedeceram, o lmo devolvendo a garrafa verde

    ao primeiro, que a escondeu embaixo da capa segurando-a com o brao,com dissimulada irritao.Suspeitaram que aquele que os convocara era Krovas, o Gro-Mes-

    tre da Sociedade. Mais uma vez, novamente, Fard admirava-se, enquan-to mancava de modo impetuoso e vacilante, como Kos ou os Desnosguiavam-no a seu alvo esta noite. Mouser, mais alerta e tambm maisapreensivo, lembrava-se que eles nham sido encaminhados pelas sen-nelas para apresentarem-se a Krovas, de modo que a situao, se bem

    que no se desenvolvesse totalmente de acrdo com seus prprios planosvagos, deles no se desviava desastrosamente.

    Entretanto, nem mesmo sua vigilncia, nem os insntos primi-vos de Fard preveniram-nos, quando seguiam Krovas, para a sala dos

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    mapas.Logo que entraram, foram agarrados rapidamente pelo ombro e

    ameaados com cacetes por um par de valentes armados com facas noscintos.

    Esto sob controle, Gro-Mestre um dos rues vociferou.Krovas girou a cadeira mais alta e sentou-se, olhando-os friamente. O que traz dois bbados e malcheirosos mendigos associados

    at os aposentos mais reservados dos mestres? perguntou calmamen-te.

    Mouser senu um suor de alvio formar gotas na testa. Os disfarcesque imaginara brilhantemente ainda funcionavam, logrando at mesmo ochefe, embora este vesse percebido a embriaguez de Fard. Reassumin-

    do os ares de cego, disse trmulo: Fomos encaminhados pelo guarda porta da Rua das Pechin-

    chas para apresentarmo-nos a vs em pessoa, grande Krovas, pois o Se-nhor dos Mendigos Noturnos estava de licena, por razes de higiene se-xual. Hoje noite conseguimos uma boa bolada! E, remexendo na suabolsa, ignorando tanto quanto possvel o forte aperto nos seus ombros,le rerou uma moeda de ouro e exibiu-a com as mos trmulas.

    Poupem-me de sua inexperiente atuao disse Krovas brus-

    camente. No sou uma das suas vmas. E re esta venda dos olhos.Mouser obedeceu, endireitou-se novamente tanto quanto sua ma-

    nietao permisse, e sorriu, procurando parecer o mais despreocupadopossvel, apesar das novas incertezas despertadas. Compreensivelmente,sua representao no era to brilhante quanto pensara.

    Krovas inclinou-se para a frente e disse plcida mas penetrante-mente :

    Admindo que vocs esvessem to atarefados, por que esta-vam espiando para a sala ao lado desta quando os encontrei? Vimos bravos ladres fugindo desta sala Mouser respondeu,

    convenientemente. Temendo que algum perigo ameaasse a Socieda-de, meu camarada e eu invesgamos, prontos a Impedi-lo.

    Mas o que vimos e ouvimos apenas nos tornou perplexos, gran-de Senhor disse Fard polidamente.

    No perguntei a voc, beberro. S fale quando lhe fr dirigida

    a palavra vociferou Krovas. Ento, dirigindo-se a Mouser: Voc umvelhaco vaidoso, presunoso demais para seu nvel. Os mendigos alegamproteger os ladres realmente! Pretendo mandar aoit-los por suacuriosidade, outra vez por sua embriaguez, sim, e uma vez mais por suas

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    menras.Num lampejo Mouser decidiu que a situao exigia mais insolncia

    e menras do que bajulao. Eu sou um malandro muissimo presunoso, na verdade, se-

    nhor disse de modo convencido. E, com um ar solene: Mas agoravejo que chegou a hora de dizer toda a mais negra verdade. O Mestre dosMendigos Diurnos suspeita de um compl contra sua prpria vida, senhor,por um de seus mais altos e mais prximos tenentes um em quem voccona tanto que no acreditaria, senhor. le nos contou! Por esta razodesignou-nos a mim e a meu companheiro para proteg-lo e pegar estemiservel canalha.

    Mais menras desajeitadas disse Krovas rispidamente, mas

    Mouser viu sua face tornar-se plida.O Gro-Mestre ergueu-se um pouco da sua cadeira. Qual tenente?Mouser sorriu malicioso e relaxou. Seus dois cantores xaram-no

    de lado curiosamente, afrouxando as mos um pouco. O par de Fardparecia igualmente intrigado.

    Voc est me interrogando como um el espio ou um menro-so amarrado? Caso seja o lmo, no o insultarei com nenhuma palavra

    a mais.O rosto de Krovas tornou-se mais sombrio. Rapaz! chamou.Atravs das cornas de uma entrada secreta, surgiu um jovem com

    a pele escura de um Keeshita e vesndo apenas uma tanga preta; ajoe-lhou-se diante de Krovas, que ordenou:

    Convoque primeiro meu feiceiro, em seguida os ladres Sle-

    vyas e Fissif aps o que, o jovem moreno correu para o corredor.Krovas hesitou um momento, pensando, e logo estendeu a moem direo a Fard:

    O que voc sabe a este respeito, beberro? Voc sustenta a es-tria maluca de seu companheiro?

    Fard apenas escarneceu e cruzou os braos, pois os captores osagarravam frouxamente. Sua mo segurava levemente a muleta-espada,que pendia contra seu corpo. Ento franziu a testa, senndo uma sbita

    e aguda dor na perna esquerda amarrada e dormente, que j esquecera.Krovas ergueu-se com um punho cerrado em preldio a alguma

    ordem terrvel provavelmente que Fard e Mouser fossem torturados,mas neste instante Hristomilo entrou na sala, os ps presumivelmente r-

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    pidos e os passos muito curtos de qualquer modo, seu manto pretotocava sereno o piso de mrmore apesar de sua velocidade.

    Houve um choque sua entrada. Todos os olhos na sala dos mapasseguiam-no, a respirao suspensa, e Mouser e Fard senram as mos

    calosas que os seguravam tremer um pouco. At mesmo a expresso ten-sa de Krovas tornou-se tambm defensivamente apreensiva.Aparentemente absorto da reao provocada por seu aparecimen-

    to, Hristomilo, com um sorriso nos lbios nos, parou ao lado da cadeirade Krovas e inclinou sua face roedora num arremedo de reverncia.

    Krovas perguntou rspida mas nervosamente, gesculando em di-reo a Mouser e Fard:

    Voc conhece estes dois?

    Hristomilo acenou posivamente: Agora mesmo ambos me espiavam com um olhar estonteante

    disse enquanto eu fazia aquele negcio de que falamos. Eu os teriaenxotado e denunciado, no fosse tal ao quebrar meu encanto mgico,desajustar minhas palavras com o trabalho do alambique. Um deles umnorsta, as feies do outro tm uma aparncia de sulista o mais pro-vvel, de Tovilinis ou proximidades. Ambos mais jovens do que aparentamagora. Bandidos independentes, eu os julgaria, da espcie que a Irman-

    dade contrata como extras quando esto sobrecarregados, com serviosde vigia e escolta. Claro, agora, grosseiramente disfarados de mendigos.

    Fard bocejando, Mouser sacudindo a cabea penalizado, tenta-vam convencer de que tudo isso no passava de pobres conjeturas. Mou-ser ainda acrescentou um penetrante olhar de advertncia, breve comoum relmpago, sugerindo a Krovas que o tenente poderia ser o prpriofeiceiro do Gro-Mestre.

    Eis tudo que posso lhe dizer sem ler suas mentes Hristomiloconcluiu. Devo mandar vir minhas luzes e espelhos? Ainda no. Krovas encarou Mouser e disse: Agora, fale a verdade ou a obterei por meio de mgicas, e ento

    sero aoitados at a morte. Qual dos meus tenentes foi indicado paravocs o espionarem, pelo Chefe dos Mendigos Diurnos? Mas esto men-ndo sobre este encargo, creio?

    Oh! No Mouser negou-o ngindo sinceridade. Informa-

    mos todas nossas avidades ao Chefe dos Mendigos Diurnos e le apro-vou-as, dizendo-nos para espionar o melhor que pudssemos e reunir omaior nmero possvel de fragmentos, fatos e rumores sobre a conspira-o.

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    E le nada me falou sobre isto! Krovas vociferou. Se frverdade, mandarei cortar a cabea de Bannat por isto! Mas vocs estomenndo, no?

    Quando Mouser xava Krovas com olhar ofendido, um homem im-

    ponente passou mancando pela entrada, com o apoio de uma bengaladourada. Movia-se em silncio, e serenamente.Mas Krovas o viu. Chefe dos Mendigos Noturnos! chamou categoricamente. O

    homem coxo parou, voltou-se e entrou majestosamente. Krovas apontouum dedo para Mouser, depois para Fard:

    Voc conhece estes dois, Flim?O Chefe dos Mendigos Noturnos estudou sem pressa cada um, por

    algum tempo, e sacudiu a cabea com um turbante dourado. Nunca vi nenhum deles antes. Quem so? Mendigos delatores? Mas Flim no nos conheceria Mouser explicou desesperado,

    senndo que tudo iria desmoronar para le e Fard. Todos os nossoscontatos eram apenas com Bannat.

    Flim disse calmamente: Bannat tem estado acamado com febrenestes lmos dez dias. Enquanto isso tenho sido o Chefe dos MendigosNoturnos e Diurnos.

    Neste momento Slevyas e Fissif entraram correndo por trs deFlim. O ladro alto ostentava uma mancha roxa no queixo. A cabea doladro gordo estava enfaixada, acima dos olhos dardejantes. le apontourpido para Fard e Mouser e gritou:

    Eis os dois que nos atacaram, tomaram nosso roubo de Jengaoe mataram nossa escolta.

    Mouser levantou seu cotovelo e a garrafa verde espafou-se em

    cacos a seus ps, no piso de mrmore. O cheiro forte de gardnia espa-lhou-se rapidamente pelo ar.Mas mais rpido ainda, Mouser desvencilhou-se do negligente do-

    mnio dos guardas surpreendidos, saltou em direo a Krovas, golpeandocom sua espada enfaixada.

    Com velocidade espantosa, Flim lanou a bengala dourada, derru-bando Mouser, que cou de pernas para o ar, procurando, a meio cami-nho, transformar em voluntria, sua involuntria pirueta.

    Entrementes, Fard deu uma guinada brusca contra o captor sua esquerda, ao mesmo tempo balanando a enfaixada Vara Cinzentafortemente para diante para angir seu captor da direita sob o queixo.Recuperando o equilbrio, apoiado numa perna s e com uma poderosa

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    contoro, saltou para a parede dos roubos atrs dele.Slevyas dirigiu-se para a parede dos instrumentos de ladres, e

    cem um esforo que