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Magee,Bryan Popper

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como no da teoria polílÍl'a . "I I! '1"" .- 1. , .. ,. ,' •. .. tacou como crítklJ do .II,ll"\i " ".. I', ', . '" I' '' atra vés no c.\":am(: l'ri! i,·" ,I,. ) ,..>1 ' .. "". "... • I, · outros autores '11,(' 11nPIM" ( [,.1',' ')"'- '" '." .' critica faz o t'(m!teC'i nH' II! " ,,,,,;,,,·.1,,-. ,,,,, .... tui sua própria filosvli:l. I uj., """1,,,1. '. "." m:i~ica Eryan ~bg('c d.·\ ta" .1 :"111"'.,,. I""·,, te nesta ~U;L ;nl c rpr('(a~':', () . ,[", ' 111"" .. ..... 1. · perto ao púhli('o IIlIi\'l"r~ i l :',"" ,

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I:.mbor.. breve, este livro tx:neficiou·se enormemelHe d3~ crÍticas que r« ebeu, quando aind:. se achava em preparo, e que me foram didgidas por Lord Boyle, o sr. Tyrrell Burgcss, o professor Ernest Gellner, Sir Ernst Gombrich , o professor B= rnard Williams e Sir Karl Popper.

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Kür/ Popp~r nàu ~~, {lor or//, pelo mCl/os, 11m lIome /alllili,/f e/llfe peIJOal educadas - e eISC lato rcqtltr explicação. COIII

ejeito, Jsàdh Berfil1. em SIlO biografia de Karl Marx (terah'(/ ediçJo, 1%;), assevera que o livro The Open Sociely and [u Enemies, de POpptr, (011/;111 "a mais esef/lpuloJo c ler,;';el crilie" das dou/ril/u! hiI:ó, icas c /ilos6/icd! do marxismo ;nmt1js cscrilll por qU,Jlqllu olltor árIa"; ora, le tIl" alim},j(,io L: ("'rclt/, Poprcr IIJO poée deixar de In ligur.r ,!~. imptlfllÍlfcict lillllldiúf - {>lIi.( li'" (~ÇO do planeIa é d~· PCSSOlI! 1//1(' " ;//t'lII :.:.ot:<Tl/rit!U! 11(,' autoridades que u dilcm H!orxÍJ/f/! . D l' 01111"(/ /'l1r/c, Pnp/,cr ,: ('IJJJSidn.uJo. pOI muito! til/taTU, (Omo t) /J/{ÚS ;:uld/"CI fil6sufo J(J â~ncia, em lIossa tpoca; Sif Pc-ter Me-dI1/L'(/I', q/le receb"(I o prél,úo Nobel di! medicina, J~clarou, I!lII prO?,I'l1ma da BEC, c", 28 d~ julho de 19i2, "P~II!Q I]/lé' Popper é, Um dúvida, o maior filósofo da âi:llcia que iá existiu". Oulros ganhadorn do prêm io Nobel que "lJ lllu:;tlrOm pllblica/lll!lI/~ a infltl~ncio que ré'ubé'rlll1l da s obras de Popper são JactJlIé's Monod ~ Sir Johll Ecclf:'s. Este lUzimo, em seu livro Facing Rcality (970), nac-II~U : ". millha vida ci~lIlifica deve fonlo li mil1ha conlJusão, .fC (lsJim p0!10 d~1I0Illillú.!(1; abraçando os enj;lIam~ntos de Poppcr ilCe/"CII da cOl/duta da il1veuigtl{ão ci~l/lílica. .. qlu m~ é'mpu,hâ em ug,iJir Popper Jla formulação c 110 jnvesrigaç~o de problemas III/lJo1HCf!/ail JillU:llfobiofogia.' · O conselho de Eccles tiOS demais cicl/tislns é ;;0 se"úJo de que "lâam i! medi/em aUfCI1 do que pUpp('j" curai! a propólifo de filosofia do ciéncin, adollmJn !ll1I ! i,/,:idS mm" {,lIse dr Opefll(lio /Ia ntiv;dadc cif!!/Ii ·

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'.', " S,,.,, ,r"" II/H:;II,'! os â t! lIris/os de í?ufofe experil" cn(!i lüfQ ,,'-,/, ' .!.Hl/llh' /II ('ISO posiçZ"o. O ifl/sfr.: n/{lfefi/ático e "- It r /momo \11" fI""fII~'JI B'J/lJi, COI1l sillgdc::a, dcciorou: uNiio b.t ciél;cia IMr,1 .11':111 do ,"lIhodo c nJo há ntlfis, 1/0 método, do q/le: (Iq/lilo ,/",- I'of'pcr /c/eriu," li iI:fíubtàa il/UllXlua[ d~ Poppa - fJue 1I~(1 CI:colltra rival lia exercida pOr qu.;.lqucr oulro pensador L"ivo "L' língua il/g/esQ - atinge demMIos JIU esferas gCJ f)cm" r>/cntn;s (' historirôdores da tJr:e. S o P,efócio de Art :and IIIu5ion (COIIS;'

dc,"odo por KCI/Jfeth C/ark COIIIO "11m dos mair brilhalltes livros ,Il' crítica de arte qlle lí") , 5ir ErnSI Gombricb declara: "Eu ficaria or&,dhoIO u a influindo de Popper eslit'esu patente em loJas as porles deste livro: ' Ministros de Estl1do progreu;:rtas, filiados a ambos os principaü parJidos poIil ;cOJ da Grii.Brerar.ha - como, por n~mplo, AJlthony Crosland ~ Si, EdwGrd Boyl/! - sofreram Q influência de Poppcr em J~UJ modos d~ com· prunder rI atividade política.

Esst'J ~x~mplos i/IISJróU/J , de 1n0neir.1 dire/d, o/1.un; por.tos ( importantes para aié", do extraordinário âmbito de apficGÇDO da

obra de Popper. Mouram que - difuel/temcnle do oco"ido CO I/1 /.;nlos filósofos conft.'nporJlleos - aquela obril eurcl? I!O· Itvc! efeito prátíco sobrl' (lS pe;SOt;$ por da influenciadas: dlera 11 III1J1/ára de ersos peuoas eucutaulJI o próprio u abalho e, sob ,·.rse t' outros aspectos, modifica.lhes as ddaJ. Trala-u, em rc· ' illJlO, de uma filoso/ie Je açDo. E eATIa ela uma i"Jiuincia {emrlha/lle sobre muitas pessoar que SDD líduu em UI/S pró· "rioJ ("UntpO~ de atividades. Dificilmente sc poderia dher, pOr ' ·""f'·.'-:lIillle, qfle POPPt',· é ;l,r.orado. E isso acen/tltT aú',}9- IIltlis ., ("'" JI.rl' reelldt:ntl! de ele não ur melhor conhecido - peno ',f, /"r.·, d,· menor elH:crgl14lfrd sôo maú famolos . Det..·e-1f: isso, ..", p,"" .. ,lI' ocaso. tI' l purte C IUlI(/ I:ÔO dc/iberoda mJ jnlt!fpre-1.1(,/" ,I,· \fUI ,,1.,,/ t· . C/li ;Jartf:, a um I1spf!eto dI! seu método, que ' fim.! f,i,.,/ H·r ••/, ' lIIull"l"JlI/preendido pelor que nio /ercm a obr4.

"·'1111'''1'''' ·'' >I.a. ·. ·/I em Viena em 1902. Na primeira juven· , ,,,/, •. / '" /.':.11 \ 11". ' ••' ..III1/ormondo·re, em seguida, num rocial-de· ,1 moer,II" ,·,,111\/," /,/. , 11':111 de dedicar-u a estudOI de âb1âtl e /,1010/"' . 1111 ,·,·, ' '' 'I/ "~o "i1o apeNar pela polílico de uqucrda e

! por q llCJlú, ·j ,I.· ,H,;,I.:III·ia sOcl21, relativas à cri..mço, scgundo ar eonapçiJc ,· .I,. , 1,,'/, /. JJI<lJ lambim pela Soc;eJade de Cc.!!ccrtor .. Prit·tttlor //11/(/(/'/11 t" , ....'1/ 'rl:;'C''' . Paro <'Ie, como paro p/tlilos

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n(/ tr"1, d Vi(,JJ.~ J,,,/tldc Ul1JpO fO I U IlI !:tga/" em que era estim/( . f/l l/!e J,'r jCJ/Jf:"iII . D.·pois de collly!c:ar uus !:studoJ, p~sou tf

g';/lhar d vida C:Jf1IO prc.f<!ssor UCUlull1r fl) de 11Itltl!I1uitiea e fhic4; flltTl!tallfo, sel,s illureS!~s maiorcs cOI;fim/cram Q u r as oh,oJ sociaú. <1 politjc" de esqllerda e a múIica _ e, nolura/mente, 11 /ilosofia. /,a l ilo.o/i!] j~ mC':J//lm{l c a e/a U d edica QII hoje, N!I1do ·se afastado, e/!frefat.'to, da posição dominaI/te àquela época - o do positil.lismo lógico do (jrw!o de Vicno. Ofto Neurath, membro daqucle Círculo, apc/idou Poppr!r de " oposição oficial". luo o tror.I/ormOI4 nl/ma figllra singular, apartada. Foi-lhe im. posstvel vu OJ primeiros livroJ publicados no forma ~m qu~ OJ havia escrito. S~la primeira obra contil/lla inédito; C o primeiro e impor/df/te trolb:Ilho publicado, Logik d::c Forschung, publicado 110 outOI/O de 1934 e d$llódo de 1935, 'oi uma vertão viol~nlo. m enle r.::duzida de 11111 livro que era dltaJ vtus mais longo. Con. tém a JUbJf.7lfcio ddquilo que desde t&l época passou a u r VIJto como os arg f/men/or geralmente aceitos contra o positivismo fó. gico.

Sob a violincia de que st rewslia o 'luadro político d4 Vieua dr,s anos 1910. c oporição csqu( rdúta ao fl1Jcismo se es. luva esft:ceionto. Postuionncnte, ~m Opcn Sociery :and l u Er.emie-s, volume ii, pp. 16.J-165. Popper caracterizou a posição marxista radical lia S termos u1.f/infes: "Como a r~voluçDo U rll1' mentr! viria, o fascúlilO só poderia corresponder a um dOJ meios dr! provoctÍ·ld; e IIlnlo mois ;sso t"To verdl1de, dada a circul1!J,;ncia de que a UVO(IIÇDO l.Ii".?a COI1l grande clraso. A Rússia já ti hovitJ realizado, a delpei:o de JUIlJ mlÍ! cOlldiçõu econ6micas. Somente (;1 V~J esperanças 1.CfodaJ p~/o democr.1cio estal.lam de/~ndo are. volução /l OS POlUI lIIaú adia/ltados. Dessa lorma. a destruiçiio do Jemocrac7o petas lascúltls ;6 poderia jacf!ilor Q r~l.Io!uçiio, lell4ndo os trabalhadores à desilusão líltima com respeito aos mitodos democráticos . DeiJd maneira, a ala n:dical do marxismo ;ulgou que hllvia deseobt:rlo a 'essi:ncia"e o 'litráaJeiro papel histórico ' do /l1scl;mo. O fascismo uria, fUlldamenlalmente, O último b:as. Ii~o da burguesi3. ASúnt p~nJalldo, os cOJnlln;sfal níio lu/tiram q'/:Indo o larcismo se: apossou do poder. (Ninguém esperava que OJ social·democrafas luI.usem.) Com c/cito, os comunistdS esta. l.Iam seguros de que a rt!VO/:lção pro!('/ü.:a viria e qUi! o irfler.. ltidio l:uâSfI1, necess&rio para apressá-la, lIêo poderia prolongar..

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' S,' 1}uI" m ,lÍ' LI/h' :1I!i' POUCU$ ;;lCSCS , D,',Sftl fOfilla, Ilão Cubiu dOS ~Ollllfllir/,I)' ,/fllflq//(" ação. Eln /.'TI/In ;t;oft!lIsivos, N rllfca bouv,' um 'pai",,, cn"'ftltislu' d (/IIu'açdr 1/ cOllql1isld 1.') podrr pelo las, âln10 , "

Pr~1l',:I~s, na fl:t;.liJ<ldc hisl6rica sobi3CCr;!C (/ ~ssc t~XIO, ~s· lavam proful/dos ,i~bales acerca de eSlraJ.1g!3 c morclidut1e poli , fica, I/OS q:liús FCJ?per u cnvof,,'ell e que constituír.:J1n a stlllel1· fei,,; L l.'''};~': ' parte de ma posterior obra política, Ef~' anle· lIiu, com dolor')sa acuidade, a anexaçJo da AIIJ·tri:t pela Ale· manhl1 mntsla e Jubuqiiente gll~,ra ewopba nu qu:u a sua Una se colocarilJ do ledo errado; decidiu abandonar a Austria all ft s que ino aCOt:fecesse. ( Essa dui1iio 10h·ou.lhe a vida, pois, em· bora houvesse tido uma infóncia prOle1fdlfle, e fossem bottZa4O! I1mbos os seus pais, Hif/~r o tc,;a classificado cowo um judeu.) D~ 1937 a 194.5, cnsinou filoso/io nl1 Un;;;ersüLule dl1 N ova Ze· lándw, Na paTle iniei"l dene período, empenhou-u em aprendet grego por con/tJ pr6pria, a fim de se capoeitar para estudo1r os Jilósofos gregos, especialmellte Platão, Em uguida, escreveu, em inglês, Thc Opcn Society a:1d h s Encm:cs - "uma obra", como diz lsaiah BCTlin, no trabalho {J/'I tuiormente Cf/ado, "de cxcepciona! originalidade e f alça". Popper encarGu·a como seu trabalho de guura. Decisão finol 110 selltido d:: escut'i·la foi /nlllodfl no dia em que ~fe recebeu a noticia, há tania temida, da ;I1V,l1QO da A usI,;a POI R i/ler. Eu~ jtJlo e a cirC;Jtutô"cia de '1//(' n resrdtado da ltgunda guur~ mundiol era ainda incerlo em " }./ I, ncoúão em que o livro fo i terminado, aumenloram tJ pro-Il/lIdidade de paixão que inspirou essa defesa da liberdade e tJto· '1/1" ,lO 'flfafírarismo, tendo Popper tentado explict1r, ninda, a <l1,,/(',i .. 'fUI' N/e movimen:o exerceu e slla evoluçiio. O livro "/',/T,·" ,,, l'UI tlnh voftmus, em 1945, e foi 'IIotivo da primeiro ,,.,11 1,,...,,,(,;11 ,I" 1/1)1/1(' de Popper no mundo de ' tJla illglesa,

1:'1.'1 " 1,1(" r"ppcr viajou parll a Inglulenl1, onde 01; hoje 111 1'1" , 11" "/"·)',.Ir. encontrou, como ortodoxia prevalecente no

~ 011111'" f,/"'"Ii,'", 1/ , / mrdida em que unia ortodoxia se IJIllniju' tavtJ, .. I'''''/II/'iw: .. f,íí!ICO q" e havia conhecido em VientJ, antes da gJl,'ffJ , L .. " I}/I.,.i fl,<,/Ito havia sido Iro: ido para a 1r.;,late"a l1a L:1 n~u :l ).:.c Tt u :l , ,tll.1 Log;c, de A . ]. A)'er, publicadol!ln itJneiro de 19JG, /I l."l:i " .k r For~chl1ng, de Poppcr, lIão havia sido tra· dlfzitla c cm "il /u,,!IJI, 'II/(" desconhecida; lia medid!l. em que dd

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(16, .. sc til/h(1 ",)1'0'1, ti;;htl·'(c j'oiw('11 inJQTIllc.(Jn (/crrc(/ lft: se" cnlluÚJü. O /11''-0 1fí <ljJiJ"crl' r ,w ill~ lrJ Im OllfOIlO de 1959, !Im 'I/furfo :/.: skutú OP f)S ,/ príf/lt:itil pllblrcaçíiQ. r~'cebemio ti

tludo: Logic of ScicmiCc Djsco\' c:~', 11 tradução jl/c/ui UIII Pre-fácio especiat, 1/0 qual Popper se deSllinculava da (por aqu~/a é:"lOCQj fi!o.oji.t da lillguagem que ( r,traIlO e1l1 moda, porém ~.t ! nd, a r...;.,â;o1! revista d~ fi!ore f/: b fir.gaagem, recenseou o !ir/t.., ,'h sfat'or.welmcnle e sem I~~" ,~ referil:cia co PrefJcio. Na n,'cturidade, PQp/X'r elicontrava·se como Jigulo singular c apor· lada, na l ng!aterr .., tol como se ha~'ia encontrado nQ Austria de sua iu~'entude , .'\';;0 obstal/le, a reputação internacional que, de há muito, começara a cJquirir, continuou a crescer, e foi reconhe-cida na l nglalcrra (que o fel.: cavalheiro em 196') , Contudo, n~m Oxlord " em CambriJge O quiseram como prolessor. Passou os últimos 2J allos til: s:/a c!1rreira universitária lia London School of Economics, onde foi professor de 16gica e nUlodologia da cibtcia.

Durante eJUJ 01101, pf,blicou ele dois Ofllros livros, ambos coleções de artigos, a IntJioria do! quais já anteriormenlc divul-gada, Quando, em 1957, surgiu The Poverty of Historicisrn, Arlhur Koesrfer eSCTel'eu no Sunday Times que se tratava, "pro· vaue/mellle, do único livro pl/blicdo no corrente ano que sobre-viverá ao s;culo atual". (O conjunto de artigos que conJtitui o livlo hav;a sido rejeitado pelo periódico Mind.) Esta obra poáe ser e1lctJrada como um adendo ao The Open Society and lts Ent mies. Analogamente, Conjectu res anel Rdutations, cole· rállr!1 de altigos, publicddd em 196), pode ser daJa como um lideI/do ao The Logic of Scientific Discovery, Desde a ma opa· Sí!nladoria, que ocorreu em 1969, Popper publicou mais um livro _ out'a coleçiío de el/saios, com ° título Objcctive KnCN.·ledge: An E\'olu tion3r~' Approach, que veio a lume em 1972, E pro-vát'e/ que ,," uas obra~ sejam aind, publicadaI, De Jato, alguns Ih'ros já se achom pu p:muJos e; ao lado d~ mais de uma untena de drtigos divulgados em vários periódiCOS especializaJos, Popper conserua um número air.da maior de ensaios e conferincios es-cri/Qs, que permanecem iniditos, Popper sempre u mostrou um pouco relutaJl~e eTil rtlluter seus escritos ptJro as gráficas: sem -pre há espaço - e tempo - para alguns acréscimos, paro aI correções, para melhor aprerelltaçJo de certo! tópicos,

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.1" 1I11"i"l" H II I ..,,, , cir<l. POPfic, f')i cncGrado pdas POJl{t-/',',/,,' ,' f';.I!{('(J.l" ('(11110 ,,!.",uJm q lle se debrllçur;a sob", o~· mesmo.! l 'mf,{c'IIf<.l)' <file il/ f t;:TCS$tlCJm .:IM lIJ ept os daquela cotTeJlle; 05 ,'"úriviJ"ldf útft"prel aram, pois, os cscritos de Popper à lu;: d!!JSc preSSlfpos/o. Os filósofos da linguagem, por sua vez, fizeram pra· ficomente o mesmo, um pouco mais tarde. Po$ith'Ülas lógicos e filósofos da linguagem acreditaram c afirmaram, com todl1 since-ridade, q /l e a obra de Poppa, contrariamente ao que ele próprio tem procurado acentuar, não difere das obras produzidas pelos (ldepros daquelas cOrrenles. A n egativa de Papper, insistente-mente repelida, parece fatigante aos olhoI dos positivistas e filó-sofos da linguagem. Procurarei analisar mais adiante as causas

( dos ma/entendidos. Neste ponto, meu dcsejo é o de realçar que existe, na obra de Popper, (( ma caractcrística - inevitável, quon-do (Orrelamentc entendida - que se tem tr.J!Jsformado em obstá-

( c/llo a separá·lo de SI!US leitores potenciais - leitores que, exata· mel/te por serem potenciais, ainda não estão em condições de .'I/tender aquela calcctedstica. Poppcr acredita (num sentido 'I"~' se tornará mais explícito adianu) que o conhecimento só finde progredir graças acritico. Isso o le l:a a apresentar a maior ",ir'C! de lfIas idéias cama fruto de críticas dirigidas a outros "fi lMes . r o que se dit, digamos, com Tne Open Soóety :mJ Its EIIOllics., cu;os principais argumentos defll/em de críticilS dir.;· .,:,,1,,( /1 rlatdo e Marx. Em conseqüência, gerações de estm!lIlIfd "\','III;1I"r,lII, a obra, t'm bUlCa de tais comentários. , dcix<ll!do. 1".1,,,.;.,. de (".'Caminá·la na ÍI/teEra. Ela passou, meS/ll(). 'I J("/"

( • J:, ./1"./,/ ""110 sendo, e/etivomenff:, uma crítica a Pllili/o I ' li

.1I.lr' . " IIUf,I/("I"llS peHoas que dela ouviram falar, sem 1':-1,) (:(J/! .

,,,11.,.1,, ""Út ,Ie perto, gu::rdam err6nea impressão acerca do qU e" r .di ,,' ,·,,·,.,·n · Mui/or chegam a IIdmitir, em virt ude dOl tI""I"")

",:.i,"" ...,./ .. , "''''Ira ,\farx, q:le a obra revela tendéllcf"J ,lirt'Í-({,I.', ,\!""'''''f/ f,H ron:rovirsiar, surgidas nor meio .. acudémiclI5. lI.i .. l ..fI :.' 'l; I"'" " ,/,,- 01 argumentor positivor de Poppcr, IJIUJ """,.,.,:! /". ,,,: ',' ,-", '''r"o da legitimidade da op;lIióo que clt· te/ll dI" " .. /I .. , .: ;,1 .. ,. · . /:".H<lr conJrovirrial deram origem a vlÍrioJ ! li,.I"( ,.d·' ·If.f •. /, .. ,: " , .". In DdcDse of PLa to, de Ror,o!d H. 1..t.··,

, villSOlf. " TI .. · I I;" " j'J,ih.ophy and The Open Soc:cty, d(' M"u - ., rice Comi", !!, .. \ .1", ,,,. ,i,, p;opegou-se fMra aI f(!vis/ar e'ipccid-IhaaM, d, ·h,Ih ·' ·.!·' .... " ,.,. <'\/"I"plo, a fidelidade COm que Poppc'

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' r"duzi" eJltJ ou aqudl1 passagem de PlatJo. COl/ ludo, a defesa da democracia, que se acha lia obra de Poppu, "ão recebeu a lIIermll a/el/çõo. Mesmo q:,e se puJnre mortrar S('T inl1deqlll1do o tra/aJneJl/n dado a Platóo l' a Afer.\, cqueles argl/men/or de Popper em fll,,"Or da democraâ:l rão dos mais pode-roros de qu~ .fe tem lIotícill. Qualquer crítica a~adil1lica li/ais siria de The Opcn Society :lnd ]ts Ene:mies de"'cria ler CIII conta os argu-mentos de Popper, lidO {1 rua emJiçfio - embora erla, COI1IO len/(;rei mOJ/rar adiante, /tJl11btJJl deI/li ur respeitl1da.

Relaciollado a este obs/áculo referido, que se põe entre Popper e seUJ lei/ores, há oulro, de importância menor, maS que também maca melJçuo. Popper sus/en/II que a l i/asa/ia é Ul1la atividade l:eceJJárill porque 1/61 - todos.' - admitimos umd série de coh"s e vários desses prel1uposJos S40 de cunho lilos6· fico. A gimos em /unç40 de/cs, /la vida privado, na político, em 110JJO t rl1balho c em qualq1ler oulrtt esfera. Embora alguns de tais pressuportos sejam indubitavelmente verdadeiros, é provável que outros sejllm fa/Jos e ql/e lerceiros sejam perlliciosos. Deflui daí que o exame crítico dos preSJupoJtos - que é lima lItivioade de ordem filos6fica - é morll/mente e últe(ec!ualmente impor. tallte. De acordo COI1l essa malll!Íttt de /ler, a filosofitt é algo vivido e de relevo para todos, lIão uma atividade acadêm.ica ou uma especialização - e certa mel/te n~o é algo que (omista prí· macialmenle do estudo dos escritos de filósofos pr.ofissiollais. Sem embargo, 05 trabalhos de Poppcr consistem de exames CTí· ticos de teoríti.S e, conseqüentemcnte, enfeixam muitas discussões em forno de "iJllJOs" e muitas alusões aos pensadores do passado - o que se percebe, em especial, nas primeiras obras escritas em inglês, quando ele ainda se achavd sob a influindo dd tradição acadêmica alemií.

Raros, porém, Jão os pensadores qlle se deram ao trabalho, COl1l0 Popper, de ercrever de /fl dndra clara. A s idéias são tão claramente apresentadas que cbegam a maSC(1rar suo profundi· dade. A lguns lei/ores fo ram a ponlo de admitir que os escritos de Popper eram simples, talvez alé um pOllCO óbvios. Não pcr· ceberam a ClI10çí:o e a eXáld(ão que deles podem ser ret iradas. A prosa de Poppa ,: peculiar: 1II11;!/lálliml1 e /m.""lIl1l1, com UI1l

,/listo de (drga illle!eclIIll! c emocional 'luc fiOS recorda o própriu M(/rx. !i'ob or argumelltos esco/ldr·se "1110 força oriel/tadora, a

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,\I.ÉTOOO CIENTIFICO - A CONCEPÇÃO TRADICIONAL E A CONCEpÇAO DE

POPPER

A palavra "lei" é ambígua e qwlquer pessoa que fale de "violação" de urna lei natural ou c:ienúfica confunde os dois modos princi?tJs de empregar aquela palavra. Uma lei social prescreve o que podemos e o que não podemos fazer. Ela pode ser violada; t:Ul verd ade, se não pudesse, ela seria desncrcssária:

( a socieciade nio formula normas para impedir que uma pessoa <:steja simultane'oUI'Iente em dois Ju~res divctSOs. A lei da rY.Itu-, reza, por ouuo lado, Dio é prescritiva, mas descritiva. Diz-nos .' que ocorre - por exemplo, que 11 água ferve a 100 graus ccn· tígrlldos. Como tal, Dão pretende ~r mais do que afirmõlçiio do

( I qu~' 3conlece - denuo de certas condições, como, pU:l (:;>I;cm· I'lifkar, a de que exlste uma porção de égua e que ela é aqucód:J . 1\ I.: i poJ e ser veréadei.ra ou bLsa, mas nio pode ser "violada",

{ • pois ":iH ~~. H:lU de um comando; n:io se ordcoa à água que fe rVil :. IOf) l:r;lUs centígrados. A crC1lÇ:J pré.o\!otí!ica de que :l lei sni .• um ~·tllfl ;lndo (emitido por :alguma dh·ind ..de) provoca a ;, 'tk~d,hb :lIllhi);iiidade; as leis eram enc:u:tdas como ordens l'm:tll:lt!,h do~ , ku~cs. Hoje, todavia, as controvérsias desapa-r<:~U:l Ill , A,,- I.; i!' Il:io são comandos de qualquer tipo, que devam ser "l>I,:~tfi .lI>~". "ol,(;decídos" e não " vioiados", mas asserçocs e);plic ;ltiv:l ~ .Ie ,':lr:;ler ge ral, que preteode:.m ser Í3ctua:s e que, em ViH:l di~St" ,1.-""111 s<:t modificadas ou ab,mdonadas, uma vez.1 que se vcrif i,! ,)\" ''' ·1',' '11 inadequadas.

'1 2.

A formuiaç5" de I~is n:Hur:1!s (em sido c:lcar3da , desde há mui10, pelo menos desde NcwlOn, como uma das tardas mais importantes d3 cibci:L Todavia, li: descrição sistemática do pro-cedimcmo 3: ::Idot3r , na busca d3S leis. só foi fe ila por Francis fu.con. Embora SU:lS idéias tenham sido ampliadas, depuradas, haj:lm sido rcslring:das e lor:l~da$ mais sofiSlitic3das, algu;na coisa da m.d:çlo que Bacoo inaugurou foi aceÍla pe/II qU3R totalidade. das peSSOlS de índole cicnlífiC3, do século dezessete ao século vinte. Em lif'lhas g<:nérkas, 3: situação é li: seguinte. O cientista principi;] deloanoo alguns experimentos. cujo obje-t;vo é o de pc:rmiür observaç~s ruiwdosameme controladas e meticuJosamente medidas - em algum pontO da fr onteira entre nosso conhecim~to e nossa ígnorând.:1. O (ieotista registra sis-temaric:amenre seus achados , divulgt-os, t31vez , e, com o correr do tempo, ele e outros ~quis<ldo res que trabalham na mesma área chegam a acumular um3 porção de dados comuns e dignos de crédito. Crescendo o número de dados, traços de ordem geral principiam a emergir e os pesqui sadores começam a fOI-muhr hipÓteses g~Iais - enu!"lciados de c3dt~ legal6ide que se ajustam a todos os fatos conhecidos e explicam de que modo d~ 51! relacionam causalmente entre si. O dentista procura con-firmar sua hipótese, encontra."Jdo evidência que lhe dê apoio_ Bem sucedido nesta te'H:I.tiva de verificação, o cientisUl desq:)bre mais uma lei c:ientifica - lei que lhe permitirá desvendar mais alguns segredos da natureza . Tt"3baJha·se, então, De!S3. nova linha: a descoben3 é. aplicada em todos os casos que, segundo .se imagina, permitam coleta de informações adicionais. O conhe-cimento científico amplia. se, dessa ImIneira, e a fronteira de nossa ignorinci!l. é levada para adiante. O processo se repete, num ponto d3 fronteira nova.

O método que peIm íre asSentar enunciados gerais sobre obs«yaçães acumuladas de C'ílSOS específicos é conh~jdo como induçJo e é consider2do como traço di stintivo da ciência. Em outI':lS palavras, o uso do método indutivo é considerado como critério de demal"C'ação entre ciência e não-ciência. Enunciados cienw icos sio os únicos que conduzem a ,onhecirnento seguro e certo, porque estão assent-..dos em evidencia observadonal e experimenul - porque cstão, em suma, assenrados ~obre os falO S; põem·se, pauanto, em co~traste com enunci~d05 de todos

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os oulros tipos , que se basci;lm n:l autoridade, na emoção, na u:ld!ç50, na conjectUra, no preconceito. no h1ibito ou e:m qU3]. quer outro '3licerce. A ciência é o corpus de tais conhecimentos seguros c certos e o desenvolvi;-nenlo da ciência consiste nc inter· minávd processo de adicio;lar Ce:1nlS novas ao çonjunro de «:r-teliS ~jStent<!5.

Hume colocou alsunns dúvid2s em rudo isso. Assinalou que nenhum número de enur..ci"dos de observaç2o singular, por mais amplo que seja , pode acarref3r logicamente um enunciado geral mest:ito . Se eu nOlo que o Itconlcomento A vem acom· p:mhado, em cuta ocasião, pelo acontecirr:l!1lto B, não se segue logic3roc.me que A \'olte 11. st:r 'Jcompanhado por B em outra ocasião. Isso nio decorre logicamente de du:ls observaçõcs, nem de viOle ou de duas mil. $(: os aco;lte<:;menlOs vêm juntos um número suficientemente gra.l'1de de vezes, eu posso, not:mdo que A ocorreu, manifestar certa expttUtiva no sentido de que B OCOrTa - mas iuo é um fato psicológico, não 16gico. O Sol pode ter surgido a cada di!!, todos os dias de que tenhamos

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( conhecimento, mas isso não acarreta que deva surgir amar.hã. A 3.lguém que nos diz . "Ah, sim, mas nós podemos predizer, de hlO, o momenlo preciso t"m que O Sol voharí a rail! amanhã, com base MS eSl:Ibt"leci das lcis da física, aplicadas b condições que v;gcm neste momento", é possível retrucar ·com duas obje· ~ües. Em primeiro lugar, o fato de que as leis físic1S vigoraram no p:lss:1du n:io ;lcarret:t logicamente qut" continuem \.igorando 110 futuro . Em sc~unJo lugar , as leis da fís ica são. e:as mesmas, cn ..nó~cI()s J!er:.lis (IUC n::io decorrem logkamt"nte dos casos obser. v:Hlu'i :ld'fl. itkls em ~·ll ( :1\'0" n;io importa quão numerosos poso S.lln ~ ..:r. !\.\ .~i lll . \·~:':I L'·'!I:\li V:1 de iu~tifjc3r a indU{ão é viciosa , p ll rqlll · .I.i por : 1)~ rH~' ~ v:ll id.lde d:l ')f\'lpria indu~o. A ciência ~..!mih: <1"l' Ii .lj.1 rq:ul:lrid: .. k· ,1.1 I1 .IIun;%:I. :ldmite C)uc o {utt.:ro se : l ss~· 'II\ · II, .u , i .," 1'.,,,.,,,,1., , ·111 1,\(I" s (\S ~I S rx'Ct()S <.:ffi quc l1S Icis opcr:WI. T"d:lI·i:l. 11 :-;" h:; IIK·i" qll~' ' .... rlllíJ:l !.-::ilim-:lT esse pres-supo!>[(). 1,: 1..- I, : .. , 1"'.1 ( . . 'VI l·~I:r!ll· I ,..·id" 1'\-1:1 ob!tCrvação. pois que: nos ,: iI11,''' '';\'1"1 "h~l·t"\·: lr :1l·"III,xi)1\f1)J\lS f"luro) . [não pode ser c~ t.lhdn· i.l" fl ' lU h.h~· ~· lll .lrJ..:,umcll tm Jó:;icos , pois que do fato de rlllll""~ I'.I:-'.Idos se h:fcm ;lssemdhado :l p:l.ssados., passados não dd l"i '1'1 ,· t....Ios O~ (UIlUOS futuros venham :I. ôlsse-I

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rndh:lt·se aus passados fut:.tros. A conclus.,jo a que Hume chegou foi a de Q'le, embora não exlsla meio de demo:lstrar a validade dos p;:occdimcntos indutivos, a constituição psicol6gica dos homens é tal quc ..30 lhes resta outr;l ahern:ativa senão 11. de pensar em termos de t:tis procedimentos índU[ivos. Como ~St:s proccdimen:os parecem ter legitim:dade prática , o homem os adota. Se:n em!urgo, isso não quer dizer que falte fund2men· tação nc1on.1 para as leis cienríficas, que ebs oão se apoiem na lógiOl. e na experiência, embora Ullla?a~sem tUltO urna como outra, dado seu caráter de generaüdadc irrestrita.

O p.oblerr.0.2 da indução, que tem sido deoominado "pro-biema de Hume", vem perturbando os filósofos, desde o tempo de Hwne ali os nossos dias . C. D. Broad, dt" maneira jocosa, de-screve-o como o esquelelo que se acha 00 armário dll filosofia. Por sua vez, Dt"rtrand RusselJ, em seu Hitlory 01 W~st~rn Pbi-lOIophy Cpp. 699·700) *, relau: "Hume demonstrou que o em· píÚSIDO puro não é base suficiente para a ciência. Contudo, se este único princípio (da indução) é admitido, rudo o mais pode OIminhiu em comonincia com a teoria de que toJo nosso conhe-cimenL:> se assenta na experiência. Deve-se adrnitir que ar está um afasta:ncnto importante em relação ao empirismo puro e que os pensadores que não abraçam o empirismo estão no direitO de indagar pOrque outros aiast3mentos não são permitidos, se este o i.. Estas quest&s, porém, 030 surgem em conexio direta com os argumentos de Hume. O que os acgwneotos hume:a.nos de--monsaram - e eu não peDSO qut" a demonsllaçio sejs contrc> vertida - é que :I indu~o se convene em princípio lógico inde-pendente. Lr.eap3Z de st"r inferido d:a aperiência 0:;1 de outros principios ~6gicos, e que a ciêncit se torna impossível sem ele ."

É atrcmallleme embaraçoso que justameote a ciência dev:a apoiar-se elD alicerces cuja validade não pode ser demonstrada. E5~ fato levcu numerosos empuistll.s ao ceticismo, ao irracioDa-lísmo ou ao misticismo. Alguns chega.ram mesma a encaminhar--se para li. t~Ugj30 . Praticamente todos os empiristas seotiram-se ind!.r:ados a afirmar: "P~ecisamos admitir que, estritamente fa-lando, as leis científicas n~o podem ser demonsrudas e, por-

• Ci:l. Editou Nacion~J.

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Col1!õidereIDos, ~&o[a , um exemplo concreto. Comecemos por :ldmiür q~ acreditamos - por forç~ dos ~nsinamcnlOS re· cebidos na escola - que a agua fervo:: :l 100 c~us centfgr:ldos c que isso ttôlduz uma lei ci~ntífica. Nenhum número ele (:liOS confirtll'2dore$ demonstrará que ass im é. mtl s n6s poJ·.:mos sub· meter a teste :l lei, procunndo circunslincias em que el3 deixe de vigorar. Ess.1 bWC2 c')s laoç3 wn r~to: desafia-nos .1 pensar em coisas que, lIté o:lde sabemos, :1 ninguém preocupar:un . Com pequeno esforço de ir.lag.i.nação des.:obriremos que a Sgua não ferve li 100 gnus centígrados em vasos fechados . Aquilo que supúnhamos fone uma lei cicntHic.J deu:!., pois. de sê-lo. Nesse ponto, poà~os enveredar por OI minhos enôr.eQS. Podemos mam~r o ~unciado original, restringindo seu conteúdo empírico, pata afirmar: "A água ferve a 100 graus cC'D!Ígrados em vasos abenos. " Passaríamos, em seguíd:a, a buscar sistematicamente situaç&s refu13doras do novo enunciado. Com a.ais um pol!CO de imag1.o"iÇ3o. 9 rdutaçâo poJerii ser encontr<lda a grandes 3lti· tudes. Para sa!vagu:ud31 o ~gundo enunciado, restri:lgiriar."los o seu conteúdo empínco, afilTl!aodo : " A :igW; fuve a 100 graus cenúgrld05, em vasos abertos, 50b presslo a tmosférica igual â que se conslna ao nfvd do mar." PassarÍlmos, 3. .seguir, '2 bUSC3 r casOs refuudores do terceiro enunciado - e assim por diuue . Podemos imaginar que, ao agir dessa forma, e.s ta;nO$ delimitando coro precisão crescente o nosso conheciT:"1ento acerca do ponto de ebuliçlio da. água.

Todavja , pJoceder dessa m:l.neiu, atU\'és de uma 0ie de enunci;3Jos de con..e{Jdo empír ico decrescenle, eqcivlIler ia a rer· der de vista as características mais no.Jvei1 da silu-:If;io. Com efeito, ao consuUlrmos que :I. água não fervia li. 100 graus cenú· g rados ~ vasos fechAdos, tinh;3mos atingido o limiar de umt descoberl:a importa.nte, ou seja, 11 descoberta de um problema novo: "Por que não?". Somos compdir!os, :'Isora, a formular uma hi pótese, mais rica do qce li primitil'3. demasiado siO'1ple$, ou se ja uma hipótese capaz de c:<?li.::ar porque a água ferve a 100 gr:'lu5 cenlígndos ( Dl vasos abertos e, simul~oeame.nte, ta·

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p~.! de e-"p:ic:Jr porque n:;o (cn'c :'I eSS3 te mptralura em vasos fechados. QU3T'!lO m.ais l ica :I hipótese, Tanto o);3 is inform;3ti v:'l será, escJatC(endo-no~ ::l.cerCa ós ttl:lçôcs que se est abe1ecem entre l<S dws si tuações e permi ti ndo·nos o d !culo preciso da difereoça que e:<islc entre os dois pontos de ebu!:ção. Em OUlras pal:tvras, teremos UD'l'1 scgut!da formubç:io que não tem menor conteúdo e:n;írico do que a primeira, ma s, ao contrário, um conteúdo con· s:deu ...eloeme maior. Caberia, em seguida, procurar sistemati· camcnte uma rdutação pua esra ugunJtJ hipótese. Se descobrís-semos que els. nos d:lria result":lclos corretos para vasos abertos c fechados, soo pressão equivale:"Jte :i pressão a~mosférica ao nfvel Go.) mu, sem nos d3r, contudo, resultados correras a grandes ahi· luJes, p;3sSlrÍllm05 a buscar uma terceira hipótese, ainda mais ria do que a segunda, capaz de explicar porque as hipóteses iniciais e ram legitimas, até o pontO em q ue o efarD, deixando de sÇ.lo Das condiçõc:s nO\'as; e capaz ainda, é claro, de dar conta da sirwçio nova. Em scguid'2 , submete rfa mos 3 teste a Icrcei,tJ rupó-tese. De cach uma c.bs hipóteses sucessivas, serbm deduzidas con· seqüêncbs que abrangeriAm muito mais do que :I. ev idência exis· te:l:e: a leor::a - verdadeira ou falsa - nos di ria mais acerc3 do mundo do que era aotes conhecido. E um3 das formas de sub:neter a teste a teoria consisitiria em conce~r confrontos eotre as suas ronseqüincias e nov3$ experiências de ordem obser. vador...!. Consta tando que alg'.Jmas -:lSserçõcs da teoria não se ;r.a.ni1esl;3m realmente, tem·se descoberta n OV3 : o conhecimento seria. ampliado e se imporia a repetição do procedimento, em !:\l~;3 da teGria mais sarisf~t6ri;3.

AI está, em resumo, o que Poppe.r pensa acerca de como o conhecimento progride. Há vá rios pontos que precisam ser erua:4ados.' Se procurásse::nos "verificar" o enundado primi tivo, de que a água ferve a 100 graus centfgr:ados, acumulando casos conlirm\1dores, não teríamos diíjculdades para reunir bilhões de exemplos. I sso, porém, cão gmntiri1l a verdade do enunciado e DOU aumentaria a probabilidade de ele ser verdadeiro - o que pode parecer chocante. uma vez que se compreenda aponto . O aspecto mais negativo, todavia, está em que, ao acumular evi::iênda fa\'Návd, n.10 se liUlÇ3 dúvida sobre o eounciado o. i. ginal, de modo que não surgc:rI motivos p:tra substituí·lo por outro - e o conhecimento fica estagnado n3qude esúgio. Nosso

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('I,mh' ÓI11 ClllO não teri" progrediJo cumo progn:Ji l l S~' , ao laJo dos C3S0S confirmadores, não tivessem, por :lCiJ.:ntl' , surgido alguns contra-exemplos. Acidentes desse tipo s~o (1 que de me· iho! nos pode acontecer. (É em tal sentido que muit as filmos3s descobertas cientificas foram "acidentais",) Porque , em rel1li. dade. o aum~lto de conhecimento se deve aos p robkm3s e às nossas tenutiv:ls de resolvê-los. Ess-as tentativAs requerem 11 cc> locação de teorias que - alroej :mdo resolver li. Jjfjeúklaclc -precisam ir para além do conhecimcnco o istente c , ponanlO, exigem esforço de imaginação. Quamo mais ousada 3 teoria, unto mais t::la nos d:z - c mais al~vjdo o 310 imaginativo. (SiClultane:unente, contudo, torna-se nuior a probabiljdade de ser falso o que li teoria afirma e é pre<iso submetê-Ia a testes r igorosos para verificá-lo.) A maior parte das gr-andes revo-luçõcs cieoú6cas deveu·se 3 teorias te:nerátÍ3s, que exiginm imaginação cri3tiv:t, profundid:lde de ViS30, inclependênci3 de espírito e um :x-nsamento desejoso de aventurar-se em regiões Inseguras.

Estamos agora em condições de entender porque O conheci-mentO, l a ver Je Popper, é de natureza provis6da - e pernla-nellte:ne.."Ite de natureza provisória. Em nenhum momento há condições para demonstrar que aquilo que "sabemos" é ver<b.-deito e é sempre possível que o sabido se revele filio. t um r~to elementar da história intelectual cU humanidade este de ~Jl ' C (l "cunhecido" em certa época se revelou, posteriormente, inc!lmp:lI ívd com o const:ltado. Em conseqüência, é um erra-' -r, r :IW \,'IH:lr o quI.: muitos cicntislls e filósofos tentaum fuer, i ..l(' l'. .tl'1110n Slr:lr a vl'rd;lJe de uma teoria ou justifku nosu : ~' rl')I <::1 1.:111 t'l:rl :l \<,.-uria - pois isso é logicamente impossível. O i l !l h; ~l' IHII.ll" (a/,cr, por':ll1, l' isto, sim, é de grande importância, 1

l : jll~linc:1r 11(l~":I prdrrZ'm:i:l por uma tcoria, em detrimento de I nutr:!, No~ l'.~l'll1l'lns S\Kt'ssivns :1cerca da ~buliç30 d:.I. !Íp:.3, \\\ UI('" (l,,, r"j l'o~~iv ..J I1ln~lr:\r ( IUC a teoria em vigor en v~rd:l- , dcir~, m:ls snll! 't, ' nn_", In; possível l."SCnrecer os motivos que .:1 : '

l ~rn:1~:hn jlldní~'c~, slIl'bnl ;mJu :1 le~ria a~l~or. Esta é a I ~ s!tuaÇ'aO t'arOlf l,·II·.. II, :l t·111 qualquer cu-cunstan.:ta, a Q".ulquer li tempo, IlHt·ir:lnlClll l· nrônca ê :1 concepção po?ular de que a I, ciênci3 cng!oh .• n"-p,'s de {atos cs tabdlXido~. Nada na ciência ,} e$lá perm:lnCrl h':l11nllc cst;lbelccido, coisa alguma, nela, é in~

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tcr:ivel. Em \" e :d-~ de, :l ci~ ncia es t:í cl:uamen te em constante modificação - e CStl modificação oio se processa por simples acréscimo de novas ce rtl:zas. Se ~gjmos racionalmente, baseamos nossas decisões e expec tafi vas no " que de O'Id hor s-abemos" -'- até onde me é dado saber", como acentua a frase popular, de fr.aólc ira tão sáb!:1. Ac:!mit imos .. "verdade" dos nossos conheci-mentos paTa efeito prático, pois que eles são a menos insegura base d isponível. Sem embargo, não se pode perder de vista o faro de que a ex~riência pode at estar, a qualquer momento, que aqudes conhecimentos siio errôneos e nec~ssitam de revisão,

Segundo essa concepção, :l verdõlde de um enunciado (que Popper, seguindo o enfoque de Tarsk.i, entrnde como sua cortes-pondência com os fatos) é uma idéia reguladora. Uma anliogia com o vocábulo "acuidade" permitit~ melhor compreensão do que signifíca isso, Todas as medidas, de tempo ou de espaço, só podem ser realizadas com certo grau de acuidade, Solicitando--se um pedaço de ferro de 6 milímetros de comprimento, será possível obtê--lo dentro d:1 m:1rgem de erro que os melhores íns-trumentas existentes permitem - frações de um milionésimo de milímetro, Mas onde, nessa margem, se situ:1 exalam!!nle o ponto correspondente aos 6 milímetros é atgo que, pda naturC2a das coisas, n:io sabemos. ~ possível que o pedaço de ferro tenha exat-amente 6 milírD('tros de: corr.pr ;menlo, mas não o podemos salxr, O que se pode $llbe r é que o comprimento tem a acuidade levada ati tal ou qual fução de milúneuo - e que es~ mais próximo do comprimento desejado do que de qualquer outro comprimento mensuravelmente maior ou mensurave.lmente menor, Com o advento de jnstrumen tos de precisão ainda maior, pode-se obter um ped'lÇü d t! ferro cujo comprimento é mais acurado, den-tro de margens ainda mais restritas, Outros instrumentos p0-derio reduzir, em seguid:l , a ma,rgero de erro para limites ainda menores, Todavi a, a noção corte'spondent e a "exatamente 6 milí-metros" (ou exaUmente qualquer outra medida) não é passível de ser encontrada na experiênc1Q , t uma noção metafísica, Daí não se segue, entretanto, que a huro :midade não possa fazer va-lioso e prodigioso emprego da medida; nem defiui que a acuidade, por ser inatingível, não se ja de interesse; nem decorre que seja impraticável chegar ':1 graus cada vez maiores de acuidade,

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dcri ::lJn prosscgl.: ir deduzindo con:.cqúl:l\ci'Is JI.: \1'>0 pnítinl. (ul\· fiôl\lrCmClltC, até que viessem :J esbarrar com dificulJ:Jdcs imo-lcr~ve is - emborA a teoria nova tivesse surgido an tes d j~so :Icon· tecer e ca nqu.lnlO a Icoria newtonian3 S('mprc tiwssc :lprcsen· I3do algum:u 2I'lomab.s. Uma teoria pode, perfci l:Jnlcntc , como se deu com I geomelr;:l, de Euclides ou :I lógica de Aristó teles,

( ser 3cti ra como cO:lh\Ximemo ob jet ivo por mais de dois milên ios. pode ser quase inrinil3mc nte frutífera e úril durJ.nlc todo es~e lapso de tempo - c, -ainc!a aS5im, mOSIr3r·sc, afinal , deficienle. sob 1l1gum aspecto imprc\'islo, e vc[·se suhstiluídl. por teoria

( mais 3dequada . Dispomos. hoje, de uma teoria que a ma ioria dos físicos encara remo ahern:Jliv8 mdbor, que pode subslituir li teoria de Newton. Ainda assim, da niio ~ a \'c:rdadt= final. O próprio Einstdn conside rava :\ sua teoria como insatisfQtória, passando a ~gunda meta.de de=: sua vida e=:ro busca de algo melhor. Talve.! caiba ~pera.r que O futuro nos apresente uma tcoria mais avançada quc englobe e explique a de EinMein, assim como ~ra( englob:wa e explicava a de Newton.

O Í3to de que tai s teorias não são corpos de=: fatos irnpesso:1is ( a respeito do mundo, mas pIOdutos do es;>irito hum-ano, trans-

forma-as em conqu:stas individuais surpre:eodentes. A criação científica não pode ser dada como tão li\'re quanto a criação artÍs-tiCl . pois precisa sofre r um mioucioso conf~onto com a cx~riê!"!­cia. ,'ind;,i assi m, a tentati\'ôl de compreende:r o mundo é uma urda :lbcna - c gênios ~ r ia t ivos como os de: G3lile:u . Newton c: Ein~lcin podem ser cnloc:ldos :\0 lado de gêoios criativos como Mid ll:bnHd o. Sh ~,kesr~.: :\t c c llcc lho\'en_ Consciência disso e '3.d-Ill l r aç':it~ pclos fru lns ,b ·_u iv idadc: de t:lis gênios ~ uma nola l-onSUlHc n.\ L1br:t de P\lppcr. I ~ so torna aindl rnli s rclevUlte ;t nn·~·s:.i tl:l~k ,k (·'•.:l:lrl1:cr que " Icoria de Poppcr é uma expia-n:l~,,;10 d .1 l i ',~ i(: 1 ~ ' .1:1 lI isu·,r:.1 .1.1 ó ênfÍa c n50 uml ViS30 da , p~icolu): i:, .I..: ~l· U." ~· lI ll llr..: ~ . f'uPlX r não suste:nta - ninguém o folr;;! _ .. ' IU\' " .'- (';\'111 ;., 1:1' . .I ..: 1110do xc ra1, encararam a si mesmos como 1'<'S>.f l.l:, ' 1"\' :1::i:11II ('Ounn de as descreve agindo. r-.Jas o ponto é ~'~ I C ~· lk': l r.lIldo , ..' :1 si mcsmos daquela maneira ou não, a trod a <.lt.: l'''pl',:r ,: ,J fl!\1 d',1l1lC11l0 r:tcional da ação dos cientistas, é urnl [COril <'l' ll' n :pl i" :1 ti" que modo se desenvolve o conhe-cimento humano . () q l l~' Sl' p:lssa na mente de um cie:otlsta pode ser de i n [ l:rC ~ ~l' )lMa ele me:s mo, pua os seus conheci .

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J os, p-:ir:l os seus eventuais biógrafo; ou para certas ~ssoas prea. cupacbs com al3umas b ceas da p~icolcsia - mas não tem inte-ressc pau O juJg::lme:Ho da obra dessc cient isu . Se eu fosse um cie:n tist:l e d ivulg:lsse uma tecri:l , '" comunidl de cientilica não se: mostC1ria inleressada pele rr.c::u eu subjetivo, mn revelaria intC'rt'sse: pela tcoril objetiva proposu . Ou: diz a teo ri a? Ela é illlemamente coerente ? ~~ hipótC'Se afirm:ltiva, é genuina. mente empírica, O;J n~o pasS-'l de ta utologia? Úlmo se compat'2 com OUtr3S tcorias existentes , já subm:tidas a test e:s? Diz-nos mais do que estas ouuas teorias ? Corno será ela submetida a teste:? Eis as pergunt:1s que podcria:n surgir. As pe:ssoas (eu e OUtr:u ) ?Oderi:lm aplicar a t~oria, em condições particula.res, e derivar dei." por um plQttSSO dedu ti\'o, as suas const=qüências lógicu - que assumiriam a fo rma de enunciados singubces pas: sívcis de teslt= ~la observação e pda experimentação. A teoria scrá considerada tanto mais corroborad:l quanto melhor se sair em uis testes e quantO melhor puder suportar o confronto com outras tt=arias rivais.

Acerca desse processo, enC:lrado como um tOdo, tres são os :lspectos que merecem particul ar utençiic . Em primeiro lugar, nOte·se: que a maneira pela qual eu cheguei ~ teoria não tem re. laç'do com seu J!IJ!ur lógico ou científico. Em scgundo lugar. note:-se que as obsccv:lções e os c;(~rimentos em pauta , longe=: de duem origem à teoria, são parcialmente de:civados dela , e planejados para submete·la a teste. Em te rceiro luga r, note-se que a jnduçio não está em ~usa . em quaJquer ponto. A con-cepção tradicional acerca da maneira pela. qual peosamos e acerca do método c ientífico dava lugar ao problema <h iodução; essa concq:oção, ealrelantO, estava radic:llmente errada e pode ser substituída - corr.o acon:cceu aqui - por concepção mais suis. (atória., em que o prob:cma da indução 0.10 se: apresenta. Con-~iie.nle.r."lenle, a indução, se~ndo Popper, é conc:ito dispen-slVel - um mito. Não exisle: Não há induçio.

Os críticos poderiam objetar, lembrando que Popper de:ixou de considerar o processo em q ue a indução comparece efetiva-mente, isto é, o processo de formação de teoriu. Admitimos. diri-am esses críticos, que as ObSUVlÇõeS singulares não podem acarretar uma teoria geral; l".ão obstante. podem slIgeri-IIJ, parti. cularmente no ClSO de cientims de vis:io , dOfados de fértil ima-

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ginaçaü. DeSS;l forma , as t(; oria~ puJcm :.c:r c , ·!dil'./III (l f h' !>ão obt idas gcneNllizando a pllrtir de ca sos obscn'.,cJos. AJm itimos, continuariam os crít icos, que há se mpre um "salto" filo'S I;) plS-sagcrn do part1cular para o geral; mas o procedimento n:1o é su-mariament e aleat6rio ou irracional: há um tipo de lógica em pauHI - e é isso que denomi namos induçio.

( A resposta dê Popper é mais ou menos :I segu imc. Con-, siderando que o modo pelo 'lual se cr.ega a uma teoria não tem sign1ficação especial, lógica o u científica, inexis tindo, pois, ma· neiras ilegítimas de formubr Icorias, é JX'rfeiumenll".: admissivel

( que boas teorias sejam obtidas pelo prOCesso descrito pelos crí-ticos. Sem embargo, essa descTIçZ:O é de cunbo psicológico, não lógico. E o problema da indução tem suas falzes no falo de não se csubcl.xer a adequada dísunçio corre p rocessos psicoló-gicos e processos lógicos. Relatos ~ssoais de dentistas nos in-fOlffiõllD :ilcerca da maneira pela qual chegaram a elaborar suas teor~: em sonhos ou estados semdh:ilnl~s ao do sonho; por força de um lampejo de insj)iração; e até mesmo em virtude de malentendidos ou enganos. Aprofundando o estudo da história da ciência pode-se concluir que 11 maior parte das teorias não Coí obtida por qualquer desses procedimentos ou pela gerKrali-zação a partir de observações experimentais, mas por meio da alteração de teori;õt$ já existentes. Não há em ciência, como não há em .:mes, uma lógica dtl cr;tlçiio. "Acontece que m:::Ui arguo mentos neste livro (The Logic 01 SâtnJific Discovery, pg. 32) independem desse problema. Entretanto, minha posição, rdati-\'amentc ao assumo, se tcm algum in teresse, é a de que não existe -a lgo que se poss:. J cnominu método lógico para ter novas idéias, t.{ue não c:.; iste uma reconstrução 16gica Ot3Se processo. Minha posiç:iu poJc ~cr Jcl:Jr:ldo dizenJo·se que cada descobe!ta encerra um 'elemcn to irrJcional', ou 'uma intuição cri:lIiva', no sentido bt rgsonbno. J)e 01\1,10 :tn;ílogo, Einscein fala da 'bUSC3 de lei s de am.,b ul1iver~.diJ :\(k. de que um retrato do mundo pode ser obtido, pela ~inlpk~ do.:dIIÇ~() . N;io há caminho l6gico', afir-ma ele, 'que cood u7..l :1 ! ;t i~ . kj~.

Elas s6 pootm ~r em algo parecido CO m a objetos d :J experi t:nc i:1 ''-' :Jcha na versão ingles,t d,-' r 38

:.lt::mç:IJas pda intuição, que se apóia 1':1\:';:;0 intelec tu:ll (Ein/ühlung) pelos Em C:lrta dirigida ., Poppcr, que se tl}~i/..: I/er FOfschulIg, Ei nsrein declara

explici tamente GUe co!"!corda com Poppcr quando se diz que "uma teoria ::50 pode ser fabr icada com os dados da observação; eJa só pode s~r invcm-ada".

A::resce qtle a observação, como tal, ruo pode preceder a teoria, cc;:no ta l, já que toda observação press:.lpõe uma teoría. Não reconhect!-lo, segundo Pop;>er, é o erro básico da tracliçiío empírica . "A crença de que a ciência caminha da observação p:1ra a teoria é tão ::l rraígada que minha recusa em aceitá-h!. é muitas vezes recebida com incredulidade. .. Mas a crença de que é possível principiar com observações puras, sem que elas se façam acomp:mhar por algo que tenha a nature%a de uma 1eo-ri-a, é uma crença absurda. Isso pode ser ilustrado pela aoedota relati va ao cidedão que devotou sua vida à ciência oatural, re-gistrou tudo aquilo que lhe foi possível observar e legou sua 'Va-liosa coleção de observações .3 RoylÚ Soà~/y, para que fosse utili-zacU corno evidência indutiva . .. . Há vinte e cinco anos passados prex-urei realçar o mesmo pomo para um grupo de estudame5 de física, em Vi ena, iniciando urna aula com as se-guintes instruções: 'Apanhem um lápis e algumas folhas de papel ; observem cuidados3Clente e anotem tudo aquilo que tivttem observado.' Eles me perguntaram , muito naturalmente, o qui eu desej:lVa q ue observassem. ~ claro qu e a instruçio 'Observem!' nio tem sentido. A observaçio é sempre seletiva. Para que se efe tive necessita de: um objeto escolhido, de uma tareia definida, de um interesse, de um ponto de vista, de um problema. A descrição pressupõe a existência de uma linguagem descritiva, com palavras relativas a propriedades; pressupõe, aindl, similaridades e classificações, o que, por seu turno, pres-su?Õe interesses, pomos d~ vista , problemas a." l s10 significa que " observações e, ti IOftiori, enunciados rd-ativos à observação, são sempre int~rpreti1{Õ~s de fatos observados - interpr~ttlçõt'S iJ luz de umtl feori.l"' . ,

"O problema 'o que vem anres, a hipótese (li) ou a obser-vação (O)?' ~ um problema que admite solução - exatameOle como o problema 'O qu e vem antes , a S'Jlinha (H) ou o ovo (O)?'. A resposta para esta últim-a ques tão seria : ' Um outro

: CO.'1j( ctuf(S uni RcllilclÍons, ?g. 46. Th.: Logic 01 SâcfI/ific DisuJllery, pg. 107 , nOl~ .

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tipo J c ovo'; para: a primeira: 'Um tipo anterior de hipótese.' É bem v~rd.lde que qualquer hipótese particular que possamos escolher terá sido precedida por observações - -as observações, por exemplo, que a hip6tese devia aplicar, ao ser concebida. Entretanto, estas observações, por seu turno, adotaram como pressuposto algum sistema de referência, um sistema de expecta-tivas, um sistema de teorias, Se as observações tinh::am alguma importância, se geraram a necessidade de explic:lçcXS e Qljgi-nanm, dessa maDeira, a invenção de hipóteses, isso se deveu ao fato dt:: q~ aquelas observações não se acomodavam no seio do antigo sistema teórico, no seio do antigo horizonte de expecta-tivas . Convém observar que não existe, aqui, o perigo de um regresso infinito. Retomando a teorias mais c mais primitivas e a mitos, nossa caminhada esbarrad, em última instância, em eXJ>e'"laúvas inalar 5 . "

Há de se nour , neste ponto, que a teoria do conhecimento, elaborada por Poppec, mergulha em uma teoria da evolução. A conexão entre es~ elementos será objeto de atenção no capí-tulo 4.

CON;erlfues i1l!d Refl//II/lo/I)". pg. 47.

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o CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO ENTRE O QUE É CIÉNCIA E O QlJE NÃO E CIÉNCIA

Nos termos do que denominei concepção tradicional, lIquiJo que distingue a ciência da não-ciência é a utilização do método induti\,o. Contudo, se nâo existe indução, não pode ser aqueJe o critério de demarcação. Qual será? Uma forma de chegar à resposta que Popper oferece pata esse problema é aprofundar O contr3ste com a concepção que ele procura substituir .

Segundo a concepção tradicional, concepção iodutivista, os cientistas buscam, acerra do mundo, enunciados que encerrem O máximo grau de probabilidade, em lermos da evidência dispo. tÚvd. Popper contradiz essa posição. Qualquer tolo, assinala ele, pode oferecer enorme número de previsões que tenham pro-babilidade quase igual a I - proposições à semelhança de "Cho. verá", que traduzem uma ocorf(ncia pr13ticamenle inevitável e que jamais pode0'! ser demonstradas falsas; jamais, porque, em. bora se passem milhões de anos sem caie uma gota de água, continua verchdeira a afirmativa de que, um dia, poderá chover. A proba.bilidade encerrada por enunciados dessa espécie é má-xima porque o conteúdo informativo neles presente é OlÍnimo. Com efeitO, há enunciados verdadeiros cuja probabilidade é igual a um e cujo conteúdo informativo é nulo, a saber, -as tautologias, que nada nos. dizem acerca do mundo, porque sempre se mos. tram necessaria.mente verdadeiras, independenlememe de como se jam as coisas.

Se, 0 0 exemplo acima, tornarmos o enUllciado falseável, res. t ringindo-o a um lapso fin ito de tempo - "Choverá no ano

_....--. ~....,_..,...--~~--. . _ .~

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prúx imo" - d..: !.:om j llu ~ r lí virtuallllnllc Vnd 'ld: .. irn, t:1))bora possa vir :I ser demonst rado biso . . De <.jll314ucr m,uH.:ir'l, con· li nuaf<i sendo de pequen'3. vil li a. Se acrt:sCcnta;-ml"" ;l !~() m:l.is, jazendo com que o enu nciado s(' refira a um:l p.ltli ; ubr ;irea -" Choverá na Inglaterra no pró,uffio aoo" - eS[;}fo.:mos, por fim, r começando a dizer algo, pois há numerosos lug:lrcS d;1 slIperficie

( da Terra em qUl": n50 chover::í no próx.imo ~no. Pela primeira vez, alguma informação útil é veiculada. E qU:\I'HQ mais espe-crfico tornarmos nosso enunciado, - podemos re stringi.Io para dizer "Chaveri na Inglaterra, na semana próxima" c passar a "Choverá ~ Londres, na seO'lana próxima", e assim por diante

( - mais prová\"el será que ele se mostre errôneo, mas, ao mesmo tempo, mais informativo e, se verdadeiro, mais ú ti l ele será -~lté que cheguemos a enunciados como " Choverá hoje à tarde, na

( área central de Londre-s", que podem estar rnuilo longe do r ôbvio (às doze hor:J.s de um dia sem nuvens) e que sâo de lt:al

utilidade prática. r Estamos, portanto, interessados em enunci"3dos que encerrem

alto conteúdo inform:ltivo, consistindo esse conteúdo de todas , as proposições não tautolôgicllS suscetíveis de serem dele dedu-zidas. Conludo, quanto rr.aior o conteúdo L'lfotnl3tivo, menor a probabilidade, segundo O que nos diz o ci1culo de probabili-dades, pois quanto mai s informação um enllJlciado contenha , maior o número de maneiras segundo as quaü. d e poderá mostrar--se falso. Tal como qualquer tolo poderá formular enuociados de <Iha probabilidade c que praticamente nada digam, assim tam-bém qualquer tolo pod erá formular enunciados que encerrem alto cont eúdo informativo, ca~o nJo se preocupe com o serem eles f;l lsos. O CJue dc ~cj amo~ ~ ~o t:nunci:lllos de alto conteúdo infer-mati vo l: , COnSl''1ij(·n!cmcn tl.: . J ..: haixa prob:lbilidõldc, os . quais, não Obstanl C- , se ól i'roximcm ti". verdade. Silo p recisamente esS4!S os enunciados pdos qU;lis lIC ín lcreS!'3m os cicmisu s. O fato de esses enunci~dos SU CllI :.llJmenlc false3\'cis torna·os, também, altamente SUSCClíVl.: is do.: ~ l' rc m submetidoo a teste : o conteúdo informati\'o que I.:st:í cm proporção inversa à probabilidade, está em proporção dirl.:t:\ !. ptlSs ibil idade de teste. O enunciado va· dadeiro com o mji~ :lll" CO I1! eúdo inIormativo possível corrcs-

( I, .i pondcria à com~let'l , 1' ~ !'lCd fi c ::l e precisa descriçi o do mundo;

e to(h observ:l.ç.1:o \l\1 (.'s pcr iénci;l possível comtituiria, pau essa

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descrição, um tes te ou umJ po:encial fal sificação. A probabili , dade de ser verdadeiro aquele enunciado de alto grau de con· teúdo informativo serla muito próxima de zero - pois é muito elevado o número c e modos de os fatos se arranjarem diferente-mente. "A ci~ncia não desvela truísmos. Ao contrário, faz parte da grandeza e da beleza da cié:ncia o fato de podermos aprender, aunés de im:est igaçõcs conduzidas com espirito crítico, que o mundo é inrc:iuClente di\'erso daquilo q ue chegamos 'li imaginar - até que -a nossa imag:nação seja eslimulacla pela refutaçio de teorias anteriores I ."

Um sentimento J~ respeitoso temor peJa ciência e pelo mundo que da desvenda pode ser encontrado nos escritos polí-ticos de Popper. Em The Poverty of Hisloricism (pg. 56), ele afirma: "A ciência ganha significância como uma das maiores aventuras t:.~pir i tl.l:l j s que: o homem conheceu ." O sentimento parece ter um fu ndo religioso, embora P opper não seja o que comumente se entende por pessoa religiosa. Com efeito, ponto básico da maioria das rdigi&s l o de que existe uma realidade de ordem peculiar por tds do mllJldo das aparências, isto l, o mundo comum do bom senso e da observação e da apuiêoci3 humana ordinária - realidade que, afinal, sustenta esse mundo e O põe diante de nossos sentidos. Ora, é precisamente uma rea-lidade desse gênero que a ciência revela, um mundo de entidades ~30 observáveis, de forças invisíveis, de células, de part.kulas e de ondas que se interpcnetram, organizam e estruturam pa.ra atingir um nível mais profundo do que os níveis a que somos C3p:1US de chega r em condições normais. O homem, presumi-velmente , sempre cont C' rnplou as nores e se comoveu diante de seu perfume e de saa beleza. Sem emba:go, foi somente a partir do ú!timo· s&=u.lo que: se tornou possível ter nas mãos urna flor e saber que o objeto preso entre os dC'dos é uma complexa asso-ciação de compostos orgânicos contendo carbono, hidrogênio, oxi-g~oio, nitrogênio, f6sforo, enxo'fre, cálcio, ferro, sódio, magnésio, potássio, cloro e vários outros elementos, em uma complexa estrutura celular que: se desenvolveu a partir de uma célula única; e .saber alguma coisa da estnllura inl~n:l de tais células e dos processos que permitir3m sua evoJuçio e saber dos processos ge-

1 The Legic 01 Sci.'JIIi/lc DiscQ IJt,.Y, pg. 4}1.

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néticos que conduziram a eSta flor.,; que pwdt:ú r:io QUfr:IS ilores; cOllhccer em pormenores de que modo a luz se rdlele n~ fl or e atinge a reuna; conhcc~r os pormenores de funcionamento do sistema visual e do SiStem2 oH.uivo e do sisl\:ma ncurofisiol6-gico - sisu:mas que cap3cium o homem a loc, r rK\ flor c seotir seu perfume e contemplá-Ia . Essas realidades qU.3SC incr i\"eis que

( se eocoott:Jm ao nosso redor e dentro de nôs são J c!>Cobert3s recen tes, que ainda est.o sendo exploradas, enqu::mto novas des-

( cobc:nas similnes continuam li. $('( feitas. Descortina-sc diante de nós um paoorama sem fim de no~'3S pos$ibilidades, que se projetam para o fUNro e que f:C2vam para além dos sonhos mai s 3.uevidos que o homem podia conce!x:r ali quase os nouos dias. A permanente e vívida sensação da verdade de tudo isso e o fato de que cada nova descoberta oos rraz uma série de problemas r iruuspeitados !1io notas que csuclerizam a melodologia teórica

( defendida por Popper. Ele compreende que a nossa ignodocia cresce com o n OSSQ saber e que, por conseguime, o nÚJncro de

( questões será sempre maior do que o número de respostolS. Ele sabe que a verdade interessante consiste de proposições cxue-mameme i.mproviveis, que sé podem ser fruto de imag.i.n::lÇÂo

( ousada. Sabe que tais hipól~s temeclrias 550 u$u:Wnente errô-neas e não de\"e m ser aceitas, nem mesmo em caráter pro\·jsório, sem que se baja realizado uma tentativa séria de constat3r ~ que pOntos podem estar erndas. Popper também sabe, todavia, que se admitirmos li hipótese mli s plausível, toda v~ que esbar-ramos com uma dificuJdade, essa hipót~ será a explicflção ad hoc que mwos se "raSI::I da evidência disponível e que, porl3nto, menos lon&;e nos condul._ TroriZ3çio deslemid:l (conquanto nos leve mais lon~c, qUoln llo cor rctol ) é mais fácil de mostrar·se ctrÔne.1 , ls~(I , l'Or':m. n:io deve ser caUS3 de temores, "A eon-I cepçiio crtJ, b &1 ci(nó, rr3i-se !lO se ll :tOseio pcb certeza '_"

Comprl'Clldl.'r IIU<': !\ silU:l(;iu pode ser como foi deserita ger:r, Um3 sens;lç:tll de l i l)l: r t :I\~it) 110 pe:4Juisador - que foi m3gnifi-camente ,k:scrit:\ 1)l IT Sir Juh n E..:c1cs. "A crença errônea de que a ciência conduz, l ' ) 1l últim:\ i ll s l :'inci ~, à certC'Z3 das expc.caçôes definiti vas t"-z col l!\ij-ltl :1 id":: i:t de' Que é grave delito :a divulgação de aJguma hipól\:se \IUI.: pode vi r ;) ser bls3 . Co:1seqücnteoot:nte,

( ~ Tbc LO;lc oi ,\r;"llflii , I) :'f/I(W}\ )lI,;. 281 ,

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1

os dentisl3s rdullram ffi l! i:as ~·C2es em admit ir l refutação de uma hipó,esc, gastando suas dJ:ls n::l tenta tiva de deíe"der~ o que não pode ter defesa , Todavia, segundo Pop;x:r, o falsea -mento loral ou parcial é o destino que podemos antecipar para reJls as hipóteses; de\'eríôlmos, inclusive, alegrar-nos com o fal-sca men:o de uma hipótese que acalentamos como um filho inte-lectuaL IXssa forma, Jjn':ll.lo-nos de rernores e remorso, tor--n:lndo-s:: a ciêr,da uma aventura exci tante em que a imaginoção e a intuição conduzem a desenvolvimentos conceituais que trans-cendem, em generalid ade e 3!caoce, a evidência ex~ri.melml ~ concreti%3ção dessas visõc~ i:uaginali vas em hipóteses abre CIl-minho pua o rn:1iS rigoroso leste ocperirnental, antecipando-sc: sempre que :1 hipótese possa ser contestada, para ser substifuIda total ou p:uci31mente ,por uma Outra hip6tese de maior poder expticativo )." ,

Dessa maneira sen tem-se libertados não apenas os cientistas, mas todos nós, em nossas atividades, graças às noções de que podemos aperfeiçoor nossos pr~dimentos. identificando O que pode ser melhorado e melhora ndo.o. Conseqüen temente, as falhas de\'em ser ativamente procuradas e não ocultadas ou con-tOClUdaS_ O comentário crítico de terceiros, longe de causar res-seotimento, deve ser olhado como auxüio valiosíssimo e bem--vindo, pois exerce, em notáve l grau, papel liberador. T:11ve.z seja difícil conseguir que as ~soas - condicionadas a rcceberem de m3U grado as críticas e espera ndo que :as cdtic:zs sejam por outros mal recebidas e tendendo, porl:!.n!o, a manter silêncio o~rc. dos próprios erros e dos erros alheios - formulem as críticas de: que o aperfeiçoamento depende ; não obstante, pessoa .alguma pode prt'Star -nos maior serviço do que mostrando o que é erroneo na forma de pensuroos ou agumos. Qu.anlo maior a falhll, maior o aperfeiço1!Ilento que sua exposição tom:1 possível , O homem que acolhe a crítica e age cm função dela :I. prez.ar:i a ponto de colocá-Ls acim-a da âmizade; O homem que repele :I

crh.ica, prcocup.a.do em manter 'i própci .. posj~o, está fadado a eSt3grat . Algo que, em nossa sociedade, lembrasse: ampla alte-ração, no sentido de llcolhimento das ati tudes popperianas em hce da crítica, representlria uma revolução nas relações sociais

:: ). C. Ecclu: Fcâ ng Rt di: )', pg. 107,

."

45

Page 24: Magee,Bryan Popper

I c in lCl'p..:sS'./,,J is - p:.l[:.I n10 iabr d.l!' prál il:h tI:1 OI ~:lllilJÇjO d.1 de mais alI O CO~I~~JO infor m:lrivo; con!<cqüer.lemente. é Olõ deve s()Çi=d:r~c , ponto :I. que :allldjrcmo~ :ldi3ntC.~

I Tomemos , entretanto, ao cient i ~ I:r . A pesquisa oricntad.l

pela críliC':1 a que: ele se C:DUCtl, em hU!oCa de teorias m.üs c: mais aprr!c:içood2.s exige muito de qualqüe r teoria <:;ue ele se proponha a sus:entat. Um:!. [eoeia de.\"e , :'!ntes de: tudo, ptop~cíar soluç30

( p:U11 um problema que nos íntercsst':. Contudo, deve, ainda, mostnu-se comt':ltível com todas '0 5 observações feit:a~ e inc:uir ,

( como primeiras lproxirnaçóe'J, as tC:,Jrióls !Interiores - embora deva, ao mesmo tempo, ronu::Iodir:i-las un pomos onde se: mos-ln.ram: falhas e exp1icar a ri7.ão des5a~ falhas. (Aqui, inciden. t3lmemc, está a cxpliaçio da continu:d:aJc da ciência . ) Se, dianle de: uma determiD3da siluaç:io..problt:rua for adianlaJ .. ma.is de uma teoria que prttncha todos os ~u~sitos mencionados,

( de"/er=mos optte por uma delas. O {alo de que sejam diferetlle$

( significa que pe!o me!lOS de uma de!as setoÍ vi&veI deduzir pro-posições passíve.is de teste enio deduzívds de uma outra das teorw; e isso permite que a opç.io se faça com b3se empÚ"ia. Caso ruja ib'Jaldade scb todos 0$ demais aspectOs, nOSfa prde· cblC!2 SCffi?!e se incli.n:uá, :lp6s os les:~, p>=:Ja teotia Cj'Je apre· sente maior conleúdo i..,fonnativo, t:;mto porq'Je {oi mdhor ensaiada como porque nos d iz mais : a teoria foi rndhor corro· borada e é mais útil. "Por Stau de corroboução de umll 100:;3 pretendo si&niIic:l r um re!:oto conciso que avalie O est3do (num dete:minado tempo t ) em que se enCOnlra o deb.ue crÍlico :cerca da teoria , no q ue respeir3 à se;!. m~r.eif:l de resoh-er os proble-Jna.s, a seu grau de suscelibilj(bJe a te ~ te§, à severidade dos testes

( :l q ue foi submctiJ:l e :1 m.1r.cira como se comportou diatllc dcsses testcs. r\ corroborJ~'iív (ou gr:1U de corroboração) é, -assim, um rdolo 12vali>Jl}fJT dt: ,/" umpcnJm p.JHI1JO . An310gamcnlC: à

( prdcrénci3, u;m C:1r.ílL'C cs,cncia!mcn lc compatarh'o : e:TI ger31 , só se pode dize r lJ"':: :t Icuria A Icm grau maior (ou menor) de corroboraç-:io 4UI; :1 Iwri .1 riv:11 n. :.. luz da discuss::io crítica que inclui li reJ ljza,~1) de Il" lc". IIh~ Jdcrmillado l~mpo t' ." Dessa maneira , a detcrmin:ldH rl·mpn, ent re INrias r:va is, os rne!hore5 resultados sJo 05 proJllI.idn~ pela teoria melhor corrooorncb e

(

, I "' Obj1!(Iive Kllo lI"l, · d ~<". I'.t . 11'.

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se e!3 -:r prevalccc:'lle.

Acentue·se o ~n;o de que, em determinado lerepo, 2: maio-r::l esmagadcra dos cientist:tS não se encontra empenhada em dcr:-Jbar li orladoxi:1 domin ante, mas, :10 contr.:ído, trabalha I le-gre:r.ente dem:o c!-:; suas iinh as. 1\5.0 es tio os óentistlls inovando e r3t:lIr:.ente têm de escolher entre teorias conflitantes: o que fazem, de modo geral, é colocar em ação -as teorias aceiu s. Isso é o q~e vei» a ser conhecido COt:lO " ciência norma.' '', com base no U~I) de urnJ {rase de Thoma~ $. Kuhn, em Th~ Slruclure 01 Scictltilic R~volrl!ior.s (2.a ed ., 1970 ). A ooserv3çio é vál ídt, s.!gundo pwso, m~s nio se levanta conIn Popper. :e verdade que os ~critos ce Po?per são, de algum. lor102, exclusiv:SI15 nas referbK:ias que f3 zem aos grandes gênios inovadores da ciênct3, :1 cujas atividsdes SU:lS reorias mais diretamente se ajustam. E é umbém \·erdadeiro que a maioria dos cientistas .cdu, para resolver prob:.:mas em nível infe rior , teorias que apClIs uns poucos, entre seus colegas, estão contestando. Contudo, • esse neve1 i..,fcr.or, suas 2,tivíd:ldes se expõem à análise popperiana, que ~ , em e5sd1c:ia, uma lógica da solução de problemas. Popper sem?~e se mOSUOIJ preocupado, aotes de tudo, com a descoberta e a inovaçiio e, por conseguinte , com o tesle de teorias e com a expansio do coohecimerato ; Kuhn ?ceocupa·se com 11 mane~a como os Gue aplic:un essas teorias e es~ conhecimenlo orientam seu trabalho. Popper sempre se mostrou cauteloso no acmtuar "2 dis:i!lCão, i::í feiu n~te livro, entre a lógica dns ativídsdes óendicas e sua psicologi~, sociologia e ::Issím por diante; a teo· ria. dI: Kuhn é, em verdade, 1.!00a teoria socioJ6gica acerca das ad...iduics do cientista em nossa sociedade. Essa teoria nio é incomp3tí \'d com -as idéi:\S de Popper c, mais Ii..,da, Kuhn modi· (icou.a smsiv::lme!lte na direç50 do pensamentO popperi:tno, desde que, pela primeira vez, a ti>resenrou. Aos leitores que de.scjem :tprofuncbr esse ponlo podemos lembra r o simp6sio Crj[jciJm t1nd rhe CrowJh 01 Knowletl,e $ .

O fala de eSlarmos nos referindo agot3 às utilizaç&s dadas às tcorias Jev3·nos à indagação acerca de $Cu contcúdo-verdade,

; &I. l.:Ikatos e MlJ~grave, Clfr.brid=:e Uni ...ersity Press, 1970.

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Page 25: Magee,Bryan Popper

scnJu (;>5;1 ;1 cx p[c!>~ào que POj)IX'r \lSJ: 1).lra dc:nominlr 11 cb sse de ~nunci:ldos verd:ldei ros que d ..-correm de um::! leolia . Impor-I,mlc c: n05 d:llmos COnt:1 de que lodos o:. enunciados empíricos, inclusive os falsos, cncerI:lm um conteúdoovc u.bd-:. Suponha-mos , por exemplo, que hoje seja stbunda ·fcira. Nesse caso, o cnunci;tdo "Hoje ê. terç::deira" será h!so. Conl ;Jd0, desse falso enunciado decorre que "Hoje não é qu arc a·[eir.l " , " H oje não é

r quina-feira" e muitos outros enunciados que 530 verdadeiros. ,. € verdadeiro, com efeito, um indefinido número de outros cnun· ciados que decorrem daquele fllso enunciado; por exemplo. "O nome {r:mâ:s desse dia da scm:lOa contêm cinco Jeu:ls" ou " Ho j.:: nia é dia de um só período de mbaJho em Oxford". Todo I enunciado falso tem indefinido número de conseqüências verda. deiras - nzão porque, num argumento, contesta r as pr('m iss~s do oponente nio leva a refuar-lhe ~s conclusões . E , ponto q ue I m2is nos importa, é a razão porque uma teoria científic:l n:io verd.adeira pode conduzir'DOS a cUO'lerosÍ5sim:ls conclusões ver. dadeius - em maior número, talvez, do que qualquer das teorias anteriores - e mostrar-se, portanto, de :lha \'alia e utilidade. Natur:ilinente, a maior porção do conle\Í d!>verd:lce de qualqucr teoria será trivial ou será írrelev:ln te para os propósitos que te· ( nhamos em viSl:J; o que, obviamente, objetivamos é o conteúdo-

( ·veedade que se mostre relevante ou útil Ainda assim, esse tipo de conlcúdo-vcrdadc poderá decorrer em maior es~la de um enunciado falso do que de um enuncbclo verdadeiro . Suponna-mos que agora falte um minuto pua o meio di a; assim sendo, o enunciado "€. meio d ia em pon lo" é fa lso. Cont udo, paNl a m:Jioria dos propósit~ que se posu imagi nar, esse enunci ado fa lso tem con leúdo·\.'crdlde mais relevante e útil do que o ecun· ó 3do verdadeiro "Es tamn~ cntrc a~ 10 d:l m:)nhã e:l5 4 da tarde". An:tlo,:::tmente, elU ci~'llc i:l - JlM:'I :l mlioria dos obje tivos, um enunci:l<Jo d in:lo qu<: POIlW ~c deS\' j;1 dfl verdade tem maior utili. dade do que oulro que. ~ndo vc rd3Jeiro, é vago. Não estOu, n::t lur:. lme-nl l.·, !> u$:,criudo quc dC\'alOos c('nleOlar,nos com enun· ci:tdos fal so!' . N:'in ol1"I:lOlc os cicntistas vêem·se comumente compe lidos :. ul ili"'.lr UIII; ' leori3 que sabem errône3 porque até o momento .\:iu !' ur~ju h:o ri3 me:hor.

Tal como :IOH:" ôlct'muci, Poppcr rccomenda que formule. mos as teori3S dt.: Ill:"l(:ir'j tão cl3u quanto possível, de modoI:

( 48

;'l cx?6-las, sem amoigüid .làes, à refutação. E , ao nível metodoló-gico, oão dC"'cmo'i, diz ele, fugi:- sislemaliclment e à rdutação, auavés de um3 reformulaçio contínulI cU tcoril!; ou da evidência, com o obje ti,'o de m:lntê-la5 concordes. Isso é o que fazem muitos m-::lrxi ~ :as e mui tos psiC3lll1.list3S. Assim, estão substi· tuindo 3 ciência pelo dog31a:ismo, eoqU3n!O proclamam proc:uler cie:,uificamcme. Uma teoria científica nio explica tudo qLr.lnto possa ocorrer: ao contõário, afasta muito do q ue poderia acon· tecer e, conseqüentemente, se ve aúslada, se ocorre aquilo que ela afaslou. Dessa forma, uma teoria genuinlm~nle ciemifica se coloca pennanenlemeote em risco. E chegamos, assim, à resposta que Popper ofcrect:: para a queslão proposla ao início deste capí-tulo. A r~/ul(Jbi/;JflJ~ é o critirio J~ d~mQ,cQçõO entr~ Q âincUz ~ fl não-cii ncÍ4. O ponto central a acentuar é o de que, se todos os possíveis estados de coisas se acomodarem a uma teoru, não hav'!rá estado de coisas ou observação ou resultado ~i.meo tal que pOssa scr ofc:ecido como evidência confirmadora da teoria . Nio havcrá diferença observável ~[te o ela ser verdadeira e o ela se r falsa . Nesses termos, a teoria não veicu la informação cientlfica. Por ou tro lado, somente se houver alguma observação conctbível capaz de refutá·la, será a teoria susce tível de leste. . E somente se fo r suscetível de teste será cientHica . . .J

. Mencionei o marxismo e ~ ps.icanálise ao ocupar-me deste assunto porque foi o exame de!i5JS, enlre outras teorias, que levou o jovem Popper a ebborar o st:u critér:o de demarCAçio. $cntiu·se ele intrigado e impressionado pela maneira como a teo-ria da rehtividade, de Einsteln, p;3recia expor-se abertamente 9-refutação, prevendo efeitos observáveis que ninguém sonharia espetAr. A T eoria Geral (c, de passagem, frizemos que o pro-gresso de Einstein, da teoria especial para a geral, é o tema de um livro de Popper ainda incompleto 1 conduzia à conclusão de ( que a luz deve ser :lIraleIa por ,?ryDS peudos. Einstein percebeu que se isso fosse correto, a lua que vem de uma estrela para at Tern, passando próxima ao Sol, deveri a defletir-se , em razão da atração gravitacional do Sol. Durante o dia, normalmente, nio podemos ver es~s estrelas devido ao brilho do Sol. Mas, se fosse possível ve-Ias, a deflexã:> de seus raios luminosos faria parecer que ocupassem posiçõe, diferentes daquelas que sabemos que ocupuc. E a d iferença prevista poderia ser determinada

I,

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Page 26: Magee,Bryan Popper

fotografando, em tais circunstánci:Js, uma eSl rc:b ií);:'., de dia, e, posteriormente, à noite, na ausência do SoL Eddinj),ton suometeu a teste essa previsão através de uma das mais famosas obstr. vações científicas deste século. Em 1919, chdiou um;; cxpedição para certo ponto da África, do qual, segundo calculou, um espe· r rado eclipse do Sol tornaria essas o.relas visíveis c, conseqüen·

r temente, possíveis de fotografjj,[ duranle o dia. As observaç6cs foram feitas no dia 29 de maio. E conoborar3m :I teoria de

r Einstein. Outras teorias que se proclam3vam cientíCicas c domi. navam a moda inteltttual na Viena em que Popper viveu sua juventude - as teorias de Freud e Adler, por exemplo - não r foram e não podiam ser aferidas dessa maneira. Não h:JVia como conceber observaçõcs que pedessem cont raditá· Ias. Elas expli. ~ C":lriam tudo quanto ocorres~ (embora de diferentes formas). :

r Poppcr deu·se Conta de que a possibi lidade que tiMam de ex·' pli.car tudo, possibilidade que noto impressionava e excitava seus' adeptos, era precisamente o que nelas havia de mais erndo. !

A única outra teoria que tinha. popularidade na época, pre-te.,5Ões cienwicas e oerci-.l também grande fascín io, o marxismo, situava·se em posiç5o djferente. Dele er~m deduziveis, sem dú-vida, prev:sõcs falseáveis. O problema estava em que numerosas dessas previsões já se haviam mostrado falsas. Contudo, os mar· xistas ~ recusavam a -admitir a refutação e reformulavam inces· santemeote a teoria (e a evidência), paro afastar a refutação. Para elcs, na prática, 131 como se dava com os psicanalistas na teoria, as idéias tinham ":t incont~tável certeza de uma fé reli· giosa e :l insist ência em que revestiss<!m caráter científico era,

, embora sincera , i:nprocedentc. Poppcr nunca duvidou de que o segredo da enorme atração

psico16gica exercida por essas várias teorias residisse no fato de { se mostr:l.rcm c~pazcs de tudo explicar. Saber antecipadamente

que havcrá possibi1id~dc de compreender tudo quantO aconteÇa, concede 030 :lpcnas um sentimento de domfnio inteleCTUal, mas,

r o que é mais importantc, traz sensação emotiva de segura orien· tação no munJo. A :lccitaçJo de uma dessas teorias aercia, se. gundo Popper ob~crvou, "o efeito de uma conversão ou reve· lação intelectual, abrindo m olhos para uma verdade nova, oculta aos ainda não iniciados. Uma vez que os olhos se aorisse.m dessa fOn:::la, veriam em tudo instâncias confírmadoras: O mundo eStava

( 50

d)(~io de IJCri!ICtl{jjel d3 tcoria, Tudo qu anto ocorresse iria sem· pre confirmá·b. Assim, sua verdade mostrava·se manifesta; e os de~ren~es cram, !;em dúvida, pessoas Gue não queriam ver a verdade ma :J. ifesta, que se recusavam a enxergá·la, seja porque da i-a. contra seus interesses de classe, seja por padtterem de repressões ainda 'não 3n~li s:1da s' e clamando por trata..rnento. ... Um mll>.:iSla nio podja ~br:r um jornal sem descobrir em todas as páginas e"idêncüs confirmadot'as da interpretação que ernpresc:\\'3 à história; não apeD:lS nas nOlícias mesmas, porém ainda na forma como eram apresentadas - e que revehva a lende:-nciosídade da cl25se a que se filiava o jornal - e, espe· cialmen tc, naquilo que o jornal Não dizia. Os analistas freudianos a~ntuavam que suas teorias eram constantemente confirmadas par 'observações clínicas'. No que respeita a Adler, muito me impressionou uma experiênda pessoal. Certa vez, em 1919, re-latei.lhe um caso que não me parecia particularmente adleriano, m:l:s que ele analisou facilmente em termos de sua teoria do sen· · limemo de inferioridade, embora nunca houvesse visto a criança a que eu me refcria. Ligeiramente chocado, perguntei.lhe como podia ter tanta certeza. 'Por causa de minha experiência de mil ~ ngulos' , retrucou Adler; ao que não pude impedir-me de d.i.zer: e com este novo caso, segundo suponho, sua experiência adquirirá o milésimo primeiro ángulo' " r..

Popper jamais - e isso não pode ser exageradamente subli. nhado _ afasrou essas teorias como destituídas de valor e, menos ainda, como absurdas. Desde o começo, muitas pessoas que o ligavam aos positivistas lógicos, supuseram que Popper repelia aquelas teorias c, em conseqüência, entenderam mala que ele dizia. "Não quer isso dizer que Fttud e Adler deixassem de paceber Corretamente cert:ls coisas; pessoalmente, não duvido de que muitas das a!irmativas por e.le:s feitas sejam de impor· tâocia considerável e de que v$!'nhlm a desempenhar papel rele· vante numa ciência psicológica suscetível de ser submetida a testes. Contudo, não significa isso que as 'obsuvações clínicas' que os aoali.stlS ingenuamente acreditam confirmar a teoria poso sam fazê·lo em nível mais alto do que -as confirmações dUrias que os astrólogos encontram nas atividades ' a que se dedicam.

Q Conjtet,,'tJ tJnd &JllltJlions, pp. J4-3S.

"

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Quanw a fIcud c s u~ gr:lr.Jios,\ concepção de C,K'), Iri c Jflpr:r--ego, niío pode cb invoc:lr Jlalll! científico substanciJlmcr.tc mais fundamentado que o das estórias que Homero c'-!ligiu do Olimpo. Essas leori3S descrevem algu:1s fatos, mas à maneira &:: milOS. Encerram sugestõcs psiço!úgicas ioteressanlíssimas , sem JS apre-sentarem sob forma susccü~'d de tes.e.

"Ao mesmo tempo, dei-me coma de que esses mitos podem ( ser des~volvidos para se tornarem susce tíveis de leste; que,

hlando de um pontO de vista his;6rico, todas - ou quase todas - as ((.orias científicas se originam de müos e que um miro pode iocluir impor.antes antecipaçôes de teorias científicas. São exem-(

,

plos a teoria d:t evobção por tentativa e erro, devida a Empé. docles ou o mito do universo U1':O e imut~vel, de Parmênides, no qwl naó.a jamais acont~ e O qual, se lhe acrescentarmos uma no...a dimCT'lsão, se tt3nsforma DO universo uno de Eínstein (no qual, também, nada jamais aconteCI!, pois tudo está, falando de um ponto de vista da quarta dirnenslo, determinado e esta-bc1ecído desde o principio). Pareceu-me, assim, que se uma teo-

( ria é c("lo~iderad.a não ::1enúfic::l ou 'meu-física' (tal como se po-deria dizer), ne:n por isso deve se! tida como privada de impor-dncia, insignificante, 's..."1l"l sentido' ou 'absurda'. Não obstante, é improcooente que essa teoria p:ocl:.lme estar sustentada por evidência empírica, no sentido científico - embora possa facil-

( mente ocorrer que, em a!gum ~cntic!o genético, seja da 'resul tado de observação' 1 ."

A primeira interpretação errônea dada à obra de Poppc:r, prop~gad3 3.mpLamentc e ainda hojc o':Jjclo de divulg:Jção, con·

r sis~iu em vê·la como proj>Osito13 da fa!:>e:Ibilidade como crité-rio de dcmllrc:l,ão não, como ela pretendi<1 SU, cntre a cic:ncia e a n.io-ciênciíl, ma.. ent :c o significativo e o destituído de signifi-cado. A p:luir daí (e porque os pró;mos m:lUS jntérpretes acre-

. ditassem quc o não cie ntifico cra dcstituído de sentido), insis· tiram os críti(:l.ls cm rcr.J1ondcr ao prOtesto de Popper dizendo

( que, afinal. II!du n.:sult:!\";L no mesmo. Com efeito, os positivistas lógicos, cletcrmjn3Jo~ ;1 abst:lr o palavreado metafísico de que se impregnara a fllmofi;t, tinham como preocupação central a de er.contrar um pri:,cípill J c dcmarcaç3"o entre enunciados que te31-

( CM;Ulura tJui Rr!lIltJlirJ/;J, pp. 37·38.

(

52 (

m-.::nte dissessem ;lIgo e enunciados que nada encerrassem. Con-cluíram que as pro;x>siç&s significativas se distcibufam por duas cbsscs. Ha\·ja enur:aados em l6gica e matem:í!ic~, não otientados pelo o!:ljetivo de propiciar i!"lformaç:io acerC:l do mU!"ldo empreico, os qo.;ais, conseq t:entcme;, te, poderiam ser considerados verda· deiros ou fahos sem se verem referidos à experiênci3 - os verd:ld~iros eram t;Jutologias e os fa!sos eum contradições. A pJr ddes. ha ...·ia enunciados q:Jc pretendiam :ransmitit infor-mação 3cerca do mundo empírico, enunciados cuja ve tdade ou falsidade deve deixar patente alguma diferença obs<:rvável, p0-dendo, assim, ser colocados numa ou noutra catcgoria, por força da obs<:rvação. Todo enunciado que não fosse proposição formal de matemática ou lógica (o que &nrand Russell havia procurado mostrar constituírem a mesma coisa) e q~e n:lO fosse, ainda, sus.ce:ível de verificaçâo empírica, haveria de ser des?ido de ~ignificado. A possibiüdaàe de verificação era, portamo, conside-rada o critério de demarcação entre enunciados significativos e não significalivos, acerca do mundo.

Popper, desde o i!1ício, contestou essa posição, por motivos vários. E;n primeiro lugar, fossem ou não fossem verificáveis empiricameme os enunciados singulares, ;] verdade é que não O eram enunciados universais como as leis cientificas e. assim, o princípio da verificação eliminava não apenas li metafísica, mas todo o edifício da ciéncia natural. Em segundo lugar, o prin-cipio da verificação a~irmava ser destituída de significado toda a melllHsica e, nio obstante, historicamenlc, foi da metafísica _ de concepções mítiCls, religiosas, penetradas de superstição _ que brotou a ciéocia_ Uma idéia que em determinada época é insuscetivd de tcste, revestindo, porlanto. c3.táter metaIrsico, pode, com 'a transfonnação das ci(CU~sl3.ncias, tornar-se passí...e! de tes:e e. conseqüe!"ltemC!"lle, pode [ornar·se científica. "Exem-plos de idéias t3is são o atomismo; a idé ia de um ' princípio líúo' único ou elemento último (do qual dcrivam os demais); a teoria do movimenro da Terra (a que B3.con se opôs, dando-o corno fictício li a antiga teoria corpuscular da luz ; a teoria da e:Jecricidade como um fluido (rediviva como hipótese do elétron· -gás aplicável à conduribilidade dos metais) s." Não ocorre

~ Tln Log.:c oi SO,"lfl/IC Dh~ol'(r)". pg. 278 .

5}

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,

(

,

luto cômodo de uma longa descrição - e nada ma is. AnaJj· 5:1ndo-3., não se caUle informação algum a a propósito da física . Sem essa expressão, 111 física permancre exatamente a mesma -apenas a comunicaç-io ~ lorn3fia um pouco mais difícil . "A idéia cc que a pr.eci~o da ciência e a da língu3gem científica dependem d2 pl etisão dos Icrmos empregados é certamente muito plausível, mu não paSS2, crtio eu, de me ro preconceito. A pre:· cisio de uma (jnguagem depende antes e lão-somemc do falO de ela acautelar-se pua não sobrecar~gar OS Termos de que se vale com o ônus de serem precisos. Uma cxprcssEo como "duna-de--areia", ou "veoto", é, por cerlO, mu ilO vaga. (Quantos cend· melros de altura. deve ler um monte de arei" pa~ merecer o nome de duna-de-arcia ? Com que velocid3dc deve o 1.1.[ mov~,se pan merecer o nome de vemo? ) Sem c:mb3rgo, para muitos dos propósitos que os geólogos possam lef em vista, esses termos são suficientemente precisos; e, para outros propósitos, que re· queiram grau maior de diferenciação, sempre se pode dizer "dunas entre um metro e dez metros de altura", ou " vento com uma velo-cidades entre 20 e 40 quilómclIos ?Cr hora" . A situação, no que coo<:erne às cié.ocias exatas, é análoga. No que respeita a me-didas físicas, por e.:templo, sempre tomamos cuidado para esta· belecer a amplitude dentro da qual pode ocorrer um erro; e li

procisio não consiste em tentar reduzir essa amplitude a nada ou em pretender que nio ex.ista essa margem de erro, mas an tes em reconhecê·la explicitamente" b.

Se alguém desejasse assumir ulr:a atitude prov0C3nte, pc> deda 3Sse\'erar que a quantilhde de conhecimento útil que ~ec8e de qualquer campo de investig2Ção (exceto, naturalmente, o dos estudos Lingüisticos). tende a estar em proporção inversa para com a qU1ntidade de discussão em torno de significados de pa· lavras que, neste mesmo campo, ocorreoo . Discussio desse tipo, longe de se fazer necessária par3 t<"...cIartter o pensamenlo e torou preciso o conhecimento, obscurece um e outro e tende li COOOUZU .a controvérsias interminiveis .a propósito de palavras, em vez de f.azer com que ;as controvérsias gi rem em torno de quest&s de subSt3nci :.l . A lingul1gc:m é um instrumento e importante é o que se faz com c: l~ - no CIlSO que nos ocupa, seu uso p.an i,

~! Tht Op.:" Soe"·/ .' 'I/ul /11 Entnlltl. \"01. ti, pp. 19·20.

56

lormular e discutir toori.as a propósi to do mundo. Um filósofo que devot-a a vida à ptrocu~ação com o inSll"'Jmento lembra um carpinteiro que devota todas as suas horas de trabalho 30 aUH as ferramentas, nunc.a chegando a usá·las, a não ser uma conua :3 outra. Os fi16wfos , como lodos, têm o de.ver de falar de. maneira cht3 e. direu; mas, à semelhança dos físicos , devem executar o trabalho que lhes cabe de fonna lal que nada que se re-.-lsra de impordncia depcr.da do modo como utili..zem as pa· bvras.

A partir desse ponto de vista, Poppel, coerentemente, con· lestou ambas as filosofi:3s propostas pOr Wit~genstein - O posi-tivismo lógico que emergiu do :lIomismo lógico e dominou uma geração e a análise lingüística, pela qual foi dominada .a geraçio seguinte. "Os .analistas da linguagem acredir-am que não há pro· blemas filosóficos genuínos ou que 05 problemas de filosofu, se é que a;istem, são problern.as Ielatjvos ao uso da linguagem ou concernentes lia signifiC"3do das palavras. De minha parte, porém, acredito que há pejo mecos um problema filosófico pelo qual todos os homens de pensamento hão de esta r inte.ressados. g o problema da cosmologia: o problema do comprunsõo do mut:do - no qual es{omos incluídos nós próprios C norro conhe· cimento, como parte do mundo. Toda ciência c:: cosmologia, se· gundo creio, e, para mim, o interesse da filosofia, n10 menos. que O da ciência, se resume na~ cOnlribuições ql!e podem oferecer 1 p.na esch1rttE.lo 10."

Muitas distinções dicotômicas sur.lliram ao )onll:o da his-tória d2 filosofi.a (e . g., nom inalismo/realismo ; empirismo/trans· ceodentalismo; materialismo/idealismo) e nenhuma ddas deve ser tomada em termos dem~s.iado estritos: o que pode fazê·las panicubrmente desoríeoudoras é O f2to de que, seja qual foc a dicolomi;;l aplicada, muit.a coi~a $!eralmente se .acumul;;l n;;l liM;;I de fronteiJ':3 . Contudo, um dOs duali smos que está presente ao longo da maior pane da história da disciplina c:: aquele que dis· tingue entre uma concepçio de filosofia que a enca ra como ten· t.ativa de compreender o uso que fnemos dos conceiros e uma concepção de filosofia que 3 vé como ten l:uiva de compreensão

HJ PrcHcio p~u a cdiç~ de 19;19 d. Lot.i~ af 5eiClllifi, Dircova".

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Page 30: Magee,Bryan Popper

elo mundo. É obvi~me:H(! impossível ::hcgar H compreensão do mundo sem (l utililaçii:o de conceitos e, conseqüentemente, adeptos de amblls as posições admiti rão, geralmente, e com algu-ma procedência, estarem levando a cabo lI.S duas tentativ:ls. To-davia, '3 difercnç:l de cnfase é, com freqüência, acentuadí~síma. É o que se deu com a famosa distinção que, na Idade Média,

( se 1r::~ÇOU entre nominaListas c realis!~s. Os realistas (termo que \ para nós tem hoje um significado equívoco) filiavam-se à pri-me:rs couente acim:l referida ("os conceitos são entidade~ reais em si roesmas c precedem os particulares: estes últimos derivam dos primeiros e deles dependem"). Os nominalistas pertenciam 3; segunda corrente: ("os conceitos oper:lm como nomes para as coisas, que s50, portanto, anteriores: os rótulos podem ser ahe-( u dos sem alteração da realidade"). Durante a maior parte do século alu :l1, a filosofia desenvolvid:l no mundo de fala inglesa incH..10U'~ fortemente no sentido da elucidação dos conceitos. P opper é, decididamcn te, um fi!ósofo da outra espécie (embora ele seja um realista, no sentido moderno da palavra, no sentido de acred itar qu e um mt;r:clo material existe independente da experiência) ,

Nas pr: roeius págmas de My Philosophical Development, Bemand RusselI nos díz como, até aquela data, 1917, _ qU:l[~do ele tinha 45 anos e havia elaborado quase toda a obra: filos6fica em razio da qual é ho je famoso - de "havia considerado a Ungu3:gem como transparente, equivalendo isso a dizer que 3 en-tendia como um meio C'3p3Z de ser utilizado mais ou menos des-preocupadamente". Wít1g:enst~ in , de outra p2rte, sofreu dl<I9.nte toda a vida a obsessio dl Jin~ulJ!em e, em partiruIar , a obsessão do significado. Seu primeiro Iino, Tracldlur Logico--Philow-phicllJ, public<lclo em 1921. (oi o texto que maior inf:uênci..1 exerceu sobre o Círcu lo de Viena . Wittjo!enstein veio, posterior-mente, a repuJiar ~,,!ucla obra c :l [~pudiá- Ia precisamente por-que nela se incor~lT<IV:l um,l bisa [Co,ia do significado. Propôs. -se, conseqüentemente, :I invcstig:.lr as d iferentes esp&:ies de ca. minhas pelos quais podemos nos perder, em razão do uso Q!.IC

hçaO'los da lingu:lgem; dI.' próprio, cm verdade, se havia perdido ( e aquea inveslig.:lçã<J :.Ilimentou uma nova escola de filosofia ,

h:lbituahnente denomin:.lda "Análise lingüística". A priocipal obra de Wittgenstein, :lO IO:'lgo das novas linn.:ls, PhiloJoph.;caf

( >1)

1

I IIVeJlitJlliOIlJ, publicada postumamen te, em 1953 , provavelmente exe.ce:J sobre a filosofia bglesa, posterior à Segunda Guerra ;\iundi:al, influência maior que a de qualquer outrO livro. (O livro que: se colocou imed ia tamente após, T he COl1cept of mind, de: Gilbcrt Ryle, foi profu"dame:nte influenciado pelo Wiltgens-tein de sua segu nda fase.)

E:n seu Afy PJJiloJophiclJ1 D e"'elopmml, RusseU escreveu ; "A partir do pcríodo iniciado cm 1914, três orientações domina-ram, sucessiv:lmeme, o mundo (ilosófico bri tânico: em primeíro lugar, a filosofia de WiHgenstein, exposta no Troclalus; depois, a filosofia dos po~itivis tas lógicos; e, em terceiro lugar, a filosofía exposta por Wittgc:nstl!in nas [nveJligalions. Denue elllS, 1õI pri· meira teve considerável influêocLa sobre meu pr6prio pensa-mento, embora eu agora julgue q:.Je essa influência niio f01 intei-ramente boa. A segunda escola, 'll dos positivistas lógicos , con-tava, de modo geral, com minha simpat ia, embora eu discordasse de algumas de suas doutrinas mRis caracteristicas . A terceira escola, que, por comodidade, chamarei W IJ. para distingui-la da doutriru do Traela/tl!, que denominarei W I, continua a ser, a meus olhos, inteiramente ininteligível. Seus pOntOs positivos parecem-me triviais ; e os pontos negativos, infundados. Não descobri, nas Invcsligation s, de Wirtgenstein, coisa alguma que me parecesse interessante e não chego a compreender coroa toda uma escol:!. descubra sabedoria naquel3s pági nas. " Russell afastou--se cada vez mais de seus colegas, na medida em que envelhecia. Aín.d.a em .My Philosophical Deve/opment, deixou regislr'ado; "Wittgenste;n, por quem fui superado, na opiniâo de muitos filósofos britânicos .. não é experiência por qualquer título agrldável ver·se oiliado como ultrapassado, depois de ter estado, por algum .tempo, n3 moda. Ê difícil de aceitar :llrosamente esse estado de cois:1s." Pelo menos, e.:meIMtO, Russell havia cons-truido sua grande obra e adq1;!ir ido grande reputação antes de Wittgensteii\ se lomar conhecido. Popper, que explicitamente partilha da maneira de Russell ver a obra final de Wittgeastein 11,

nâo teve: a mesma possibilicbde, Sua peculiar desventura, tanto na Áustria como na Inglaterra, foi ter vivido a maior parte de sua v:d3 profi ssional em Jugues e tem;>os dominados peJa figura

11 Ver .A,(oJ~", BIi'úb Plu'lol<Jpl" (ed, Bryan M.gC't ), pg. UI o:: ss.

5'

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4

de Wingenstein. Esta é a exphc:lção paI3 a pOUt'3 es tima, que seria, sob outros prismas, im:ompreensível, a ele devotada por

( seus colegas de profissão, espeçialmente quando posta em con-traste com a inHuéricia exercida sobre outras jreas c tantas pes-soas altamente qualifkadas. Tal como Geoffrey \Varnock assi-nalou: "Os filósofos tendem mui to a tomar o assunto no estado em que o encontram e a nadar alegremente a favor da cor-rente I~ : ' Sob certo aspecto, porém, a experiência de Popper surge corno oposta ii de Russel1: numa época avançada de sua

( vida, agora que se tornou impossível ignorar a falha das filosofja~ wittgensteinianas no corresponder às esperanças de seus segui-dores, começa ele a projetar-se.

• Antes de encerrarmos as referências a esses malentendidos passados e presentes, importará acentuar ainda um ponto. Traço

r . típico da hegemoni a analítici, nis décadas recentes, tem sido a ( genuína crença dos fil ósofos no sentido de SUStentarem que a

filosofia é elucidação de conceitos e de esquemas conceituais, o que raramente fizeram os grandes filósofos, tivessem ou não consciência disso. Gerações de estudantes passaram a dominar modernas técnicas de análise aprendendo a usá-las com relação

( aos escritos dos gt"lndes mortos; e muitos livros foram com-postos a propósito de gigantes do passado para apresentá-los COmo fiJórofos analí ticos. Como disse Alasdair MacIntyre: "Qu80do os filósofos brit:1nicos escrevem acerCa de história da lilo:)Ofia, tr:1t3m costumeiramente a figura histórica em termos tão contemporáneos quanto possíveis, discutindo com ela como

( com um colega da Arisrorr:lian Socier:; n." Isso tem ocorrido há lanto tempo que a incompreensão radical, embora sincera, incorporada nessa posição, espalhou-lhe amplamente, tanto na litCl',ltura de nossos dias , como no ensino universitário. Assim, não se trata de uma in just iça especial, feita a Popper, dizer que sua obra não d ifere muito da de ilustres contemporâneos seus, ou diter q ue o jovem Porper nao se afa5tava muito dos pc-s;tivistas l6gjros. Popper .

Essa atitude teve muitas vítimas ilustres, além de

U Em Mod,-,·" lJririr" ]'luluw plJ)" (cd . Brpn 1>ügeé), pg. 88.

I · I.l Em M o.üm nf/fá" PbifnJoph)" {ed. Bryan _'"-·hgc-e), pg. 193.

L 60

o E VOLUCIONISMO DE POPPER E SUA TEORIA ACERCA DO MUI\1)() 3

Segundo a concepção tradicional , o rné" todo cienlÍfico abran-gia as seguintes fast:s, nesta ordem, cada qual dando o rigem à fase seguinte: 1. obsemação e cx~ri.mentação; 2. generalização indu tiva; .3. hipótese; 4. Ico tativ3 de verificação da hipótese ; 5. prova ou contra-prova; 6. conhecimento. Popper substituiu essa concepção tradicional por outra: 1. problema ( em geral, ( 0 0 -flítos face a expectativas ou recrias e,ostentes ); 2. solução pro· posta, ou seja, em outras palavras, nova [Olri:l.; ). dedução, a partir da teoria, de conseqüências, na forma de proposições pas-síveis de tes te; 4. testes, ou seja, tentativas de refutação, obtidas, entre outras maneiras (mas apenas entre: outras maneiras) por meio da observação e da cxperirnrntação; 5. escolha ent re teorias rivaiS.

A pergunta a respeito de como su:giu, na fase 1, a teoria ou a expectativa, cuja falha gerou nosso problema, admite como resposta breve e mais comum: surgiu do estágio' de um pr()-cesSO anterior. Caminhando para trás, em busca de tais pro-cessos anteriores, chegamos a sertas apeclativas i03t3S _ não s6 DO homem, como nos animais. "A teoria das idéias inatas é absurda, segundo imagino; con tudo, cada organismo tem certas reações, ou respostas inatas; entre elas, respostas adaptadas -aos aconto!"Cimentos iminentes. Tais respostas podecn ser descritas como "expectativ:ls" - sem que haja necessidade de imaginá--Ias conscientes. O bebê recém-nascido "espera'.', em tal sentido, receber alimento (e até mesmo, segundo se poderi a. sustenC3f,

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c"pcu ser amado c p~oLcgido). Em vis(oI d:l eSlrei'a cone:div que se m30ifes[:l entre cXpcCl3liv:\ e conhecimento, pode·se falar 31é, com boa base, em "co:lhedmento inalO", Todavi:t, esse "co.. Muimeoto" não é válido a prior;: uma expeclati\'a inata, não impona quio fOrle ou espedfica, pode ser errônea. (O bebê recém.nascido pode ser abandonado e morrer de fome.) Nas· cemos, ?Ois, com cutas expectativas; com um "conhecimento" que, cmbcm. n50 seja válido q priori, ~ pJico[ogícamenl~ 011 !.~nC'­

( ticam~nle a priori, isto é, anterior a loebs as cxperiencias obsee-vacionais 1."

A teori2 do coMetimento defendida por Popper está, pois. intimamente associada a uma teoria da evolução. A resolução de problemas é a auvid::lde b.\:sica e o problema fundamental , é o da sobrevivência. "Todos os org{)nismos estio, dia e noite, constantemente, empenhados 124 fesolução de problemas; e isso

{ aCODtece com t~s as uqiiêndas de organismos, na escala evo-lutiva - sub-reino, ou phy(a, que principia com as mais rudimen-taJes formas e de que os atuais organismos vivos são os cle· mentos mais recentes '." Nos organismos e animais que se en·

i contram abaixo do nível humano, -a solução provisória dos pro-blemas se revela em forma de novas reações, novas expectativas, novos modos de comportamento_ Tais reaÇÕC5, expectativas eI

I ' modos de comportamento, quando persistentemenle lxm suce· " I',- didos, permitindo I. superação d:\s dificuldades que se antepõem'I aos organismos, podem provocar a modjficação de órgãos da criacura ou a modificação ce uma de suas formas, incorporando-111 II ( -se (através da seleção) à ana tomia do org:uüsmo_ (Um dos

I motivos que I~ Popper a rejeitar :1 epjs~emologia empirista, insistindo em que todas as observações se fazem no seio de: UIDar 111 li teoria, está em que os ptÓprios órg~os dos sentidos - repre-

( sentando, como de fato representam, sofisticadas tentativas de adapl3ção ao ambiente - incorporam teorias.) A eliminação

.11 Ij { dos erros pode redundar, ou na chamad.t seleção natural - que:

I-" t. a in<:apacjdade de um organismo sobreviver, face j ausêoc::a de uma transformaçio necessária, ou em virtude de transfor· maçio inadequada - ou no desenvolvimento, no interior do

COIl;ulll't S and Rt!ul,Jions, Pl:. 47. 2 Obiwillt Mowft'dgc, " , . 242.

(

62

\

organismo, de contro lc~ que modific~m Ou svpdn~em transfor-mações inadequad:ls.

Tal como acontece com 2 teoria de Darw in, a de Pop~r não nos oferece uma explicação pna a origem da vida, relacionando--se apenu ao ~ desem·olvimento. Em verdade, Po?per sus-tenta que a origem, seja da vida, sej;t das teorias, seja das obras de :lrte, não é suscetível de explanação racionaL Eis o que diz em várias parteS de The POJJl'fly 01 Hisloricísm: " No mundo que t. descrito peja física, nada ocorre de verdadeir:!: e intrinse-camente novo. Uma nov'l máquina pode ser invenuda, mas ela se analisa em tennos de componentes que nada têm de novo . Novidade, na física, é simplesmente novidade de aCT3ojos ou combiluçiXs_ Em o?Qsição direta, a novidade biológica é uma espécie intrlnS«1l de novidade_ _ _ . O novo não pode ser apli-cado causalmente ou raciorutim ente, mas pode apenas ser enten-dido em termos intuitivos. Na medida em que a novidade é pas.slvd de análise .racional e de previsão, ela deixa de ser 'intrínseca'_" A questão da emergénÓ'lI, a emergência do genui-namente novo, preocupa-o b3stante e é um dos temas aos qua is PopPtt poduá prestar contribuição de imeresse, no {UlurO.

No processo biológico de evolução, encarado como hist6ria da resoloçío de problemas. um aspecto é de particular importâ n. cia, colocando-se em destaque: o do desenvolvimento da lin -guagem_ (h animais emitem sons, que admitem funções expres-siVl e sinaliz3me. A essas funç&.s, que virN:UmeDte sempre comparecem na fala hum3J\'3, o homem adicioDou pelo menos outras duas : 2S funções descritiv2 e argumenuuva (cabendo fri sar que algum:ls formas sofistiadas de comunicação anim-al, como a dança das abelhas, por exemplo, já enfeixam formas rudi-menUles d~ mensagens descritivaf). A linguagem tornou pos-sível - eDtre tantas outras coisas - a formuLrçio de descrições do mundo, abrindo margem p3~a a compreensio. A. linguagem se deve o surgimeDto de conceitos como 05 de verdade e falsi-dJde. Em outns palavras. 'll lioguagc:m tornou viáveJ o desen-volvimento d3 fa2ão - melhor dizendo, foi parte integrante do des.envolvi.memo da r.1zão - e pcnnitiu a emergência do homero no seio do reino ani:nal . (locidentalmente, o f2to de que o homem surgiu do reino animal corno surgiu, passando \ lcntumente por certas fases, s:gnifica ter ele vivido em grupos \

("

- - -------""

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,la longo de vascos períooos; rccord:wdo esse fato, deve ser errôn~a a. idéia, mujto disseminadJ, de que todos os fenômenos sociais podem ser, em 0Jtiml análise, explicados em termos de natureza human a ~ com efeito, o homem foi um ser social muito antes de se traosformar em ser humano.) Segundo Popper, é SI

li~guagem - no semido cle forma estruturada de contato, de comunica.ç~o, de descrição e de argumentação, poI meio de sím-bolos - que nos loma humanos, n!ia apenas como espécie, mas

( como indivfcluos; a aquisjç50 de uma linguagem é que torna possível a consciência: completa do homem, a consciência do eu. (Em surpreendente número de casos, a obra de Poppcr antecipa as idéias de Chomskr. )

( As primeiras descrições do mundo parecem ter sido ani· mi stas, mâl;ius , cheias de elementos vindos da superstição. Pôr em dúvida essas descrições ou qualquer outro fator que asse-gurava a coesão da tribo era tabu - e podia '3carretar a morte dos dissidentes . O homem primitivo veio ao mundo, portanto, dominado pdas abst rações - relações de parentesco, formas de organização social, formas de gOverno, leis, costumes, convenções, ((adições, wsnças e amipatias, rituais, religiões, mitos, supers-

( lições, linguagens - abstraçóes feitas pelo homem , mas não pelo 11

li

inc!.ivíduo pauicular, que se via impossibilitado de modificá-las ou mesmo de colo<:'3·)8$ em questão. As abstrações punham-se, pois, diante de C1Ida homem, como uma espéde de realidade obje-tiva que o dominava desde seu nascimento, tornando-o humano, determinando - de maneinl quase autônoma - todos os as-~os de sua vida . Ao ver de Popper, a maioriz dessas condições 11 nunca foi planejada ou tencionada. "De que maneira surge 2! trilha segu ida pelo animal nu florestas? Um animal abre Ç!l.

( minha por entre a vegetação rasteira para ak:mçar a água.I Outros animai s acham mais fácil seguir a mesma trilha. Dess.a( maneira, ° uso a alarga e melhora. Não houve plano, trata-se

( de conseqüência não intencional da necessidade de movimentação 11 , mais d"pida . t assim que surge a trilha - talvez aberta. pelo ( homem - e é assim que podem surgir a linguagem e outras

( instituições úteis, cuja CXiSlênCi.a e desenvolvimento podem dever--se à sua utilidade . Não há plano ou intenção e talvez não( houvesse necessidade de tais instituições antes de elas surgirem 111 efetivamente . Contudo, elas podem gerar novas necessidades,. !

I: ; 64

ou um conjuoto de novos objetivos: a estrutura-de·objetivos dos animais (~ do homef':l, em particular) nio é aJgo 'dado', mas algo que st: desenvolve, com auxilio de algum mecanismo que open por meio de re.alimeolação, a patlü de objetivos anteriores e a panir cc res'.Jhados que podem ou não ter sido buscados. Dessa mmeira, lodo um novo universo d e: possibilidades e POlal-cialidades vem :1 abrir·se: um mundo que é, em boa medida, tJull;nomo !."

Nesta sua arúlise da t:vo!uçio da vida e da emergência do homem e do desenvolvimento da civilização, Popper vale-st: da noção n~o apenas de um mundo objetivo, de coisas materiais (que ele denomina 'Mundo 1') e de um mundo subjetivo das menles (Mundo 2), como da noção de um terceiro mundo - , mundo de estruturas objetivas que são o produto, Pio obrigato- \ riamente intencional, da aç50 dos espÚ"itos de criaturas vivas e que, uma va surgido, existe independentemente desses espíritos. Precursores disto, no mundo animal, são AS casas constnúdas por pássaros, formiga:; ou vespas, colmeias, teias das aranhas ou diques dos castores, - todas elas estruturas altamente (ompli-cada.~, e edificadas pejo '3nim:a1 fora de seu pr6prio corpo, com° fito de resolver seus problemas. As pr6prias estruturas se transformam no centro do roe.i<>ambiente do animal, para o qual se ori~ta a pute mais importante de seu comportamento. Em verdade, o animal, multas vez.cs, nasce em uma de tais estru-IUr3S e elas constituem sua primeira experiência do ambiente físico, no momento em que deixa o corpo matemo. Acresça-se que em alguns casos as estruluras são abslratas: formas de orga-nização social, por exemplo, ou padrões de comunicação. No caso do homem, certos traças característicos se de~volveram pU':!. que lhe: fos,e possfvel enfrentar o ambiente e acabaram por in-rroduzir modificações espetaculares nesst: mesmo ambiente. A mão do homem é apenas um dos .muitos exemplos a ser lembI'3do. E as estrutur.as :abstratas criadas pelo homem - a linguagem, a éliC3, a religião, a filosofia, 3S ciências, as artes, 2S instituições - st:ropre riv:alizaram , em escopo e guu de ebboração, com as transformações que ele impôs ao '3mbiente Hsico. Tal como acontece com :lS criações de oultOS animais {m:ls em escala 3inda

~ Objwill( Kno/llldgt, pp. 11 7·I IS .

, 65

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lógico, sem !ou prC('iso :lpdut (como se deu com Mar~, &g3-mo~) ~ra um plano ou um.:! trama geul, e sem ser pR'Ciso considerar (como no C.3SO de Regei, por exemplo) algum espí-rito ou al~uma força vital a movimentar o proc~so, por assim dizer, de seu interior. A teoria é profundamente esclarecedora e deverá C!lostrar-se muito rjca em suas ap!icaçiXs. O uso que dcla fez Emsl Gorobrich, Icvw do-ll para a história e a crític:a da :ute, tesuhou em obra que muilos autores consideurn genial. O próprio Popper vale-se da teoria que elaborou, discutindo c: apresentando soluções para certos problemas das mudanças sociais -:- que 2bsorveram os grandes filósofos polÍticos, de PIa-tio a Marx - e das mudtnçu íntelect\la.is e artísticas _ sobre ~s quais se dcbruç.uam muitos filósofos, de'ide H egel Ou mesmo aOles dele .

Na história do Mundo J, encarado como um rodo, o mo-mento mais not5vd, desde 3. emergéncit da linguagem, foi o da

( emergência da critica e (em seguida) o da sua aceit3bilidade. Como já tive ocas.Uo de notar acima, todas ou quase todas as sociedades de que lemos cooheeimenlo parecem ler dado uma

r interpretaçio <lIO mundo, consolidada em algum mito ou em .Igu-pu rtligião; a1t1:m disso, qualquer dúvida 3CeI"C2 de tal itmrpre-laçiO podia ser punida com <li morte. A verdade devia ser preser-vada intacta e tn.rumitida imacuuca de geração em geração. Com esse objetivo é que surgem e se deieD.,'olvem muil:l$ insti-tuições - miSlt1:rios, sacerdócios e, em estágios mais avançados,

( escolas . "Uma escola desse gênero jam..ã admite uma idéir. nova. " ' Id6as novas sio heresias e leva.rn a cisrn-as; se um demento da

escola procura alterar as doutrinas, ele é expulso como ~réúco. O herético, porém, asseYCN, de hábito, que t1: ele quem cansava os verdadeiros VJsinamenlos do fundador da escoa. Assim, nem

( mesmo o inven tor IiIdmite haver crillldo; ac~itlil, em vez d.:sso, que está voltando para a veldadein ortodoxia que foi, de algum modo, pervertida r, ."

I Pop?er $ustenl:l , como questão de fa[O histórico, que as

primeiras escolas, onde a crítica nio se via apenas permitida, mas encorajada, foram <lI S dos filósofos prt1:-socráticos, na Gr&ia

I B Con;u lufo III/d Rt.lul~ liof/J, pg. 1~9 .

( 68

Anuga, iniciando-se com a de Ta.les e seu disdpulo Anaximmdro c com a do discípulo des tc, Anaxímenes" . Aí se encerrou a uadiçio dogmát ica de plilssar adiante uma verdade imaculada, iniciando-se li r.ova tradição ncioo.al de submeter a discussão critia t06s lIS rd1.exõcs . O erro começou a ser encarado sob outro prisma : em vez dI! ser um desastre, era uma vitÓria ou uma Vanfll~l!m . O homem dogmático, como os an.iauis e os o rganismos inferiores, permaneceu de pé ou caiu com suas teorias . " Ao nível pr~-ci("otifico , somos muius vetts des:núdos ou eli-mioados COm nossa.s teori<lls falsas; perecemos com n O$.SliS teorias falsas . Ao nfvel científico, procurllrnos sistematica mente eliminar nossas falsas teorias; tentamos fazer com que nossas teorias falsas perCÇ1JD. a fim de que con tinuemos vivos ' ." Quando o homem dei.xou de partilhar o de$tino de suas teorias, perecendo com elas, seotiu coragem para arrisca r·se em novos empr«nd.imentos. Antes, todo o peso da tN:d.ição intdewnl impunha UlDaI posição defensiva e se prestava pua a preservação das doutrinas exis-tentes; agora, pda primeira vez, ~sa tradição era enfrentadll com ~púi:o de crítica e se transformava em força capaz de impor mud:1!)ç2.S. Os pré-socráticos preocuparam-se com questócs relativas 1110 mundo natural. SÓCrates aplicou a mesma racionali-dade aftic.1i ao comportamento humano 111 às inst ituições sociais. Ali principiou o incoercível crescimento da pesquisa e d~ conhe. cimento deu resultante - fator que, de modo espetacular, dis-tingue a civilização da Grécia clássica, e dos seus herdeiros, da de tOCÚS as OUtrllS civi1iz.açôcs.

1 Ver, umbém, õI. cil~O J c XeD6f'/"I~-S que se xh.t no capo 2. a Poppc:r. em Modt rlf B,itiJh PIJí!OJOph,. ed . B!")':IID ltúgee, pg. 7) .

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maior), as c:r:ações humanas :ldquiriram importâncis nuclear no ambiente ao qual de precisou, em seguida, ajustar-se - mode-Jando-O, por assim dizer. A existtncia objetiva de tais criaç&s significa\'-2 que o homem tinha condições de examin~-bs. avaliá· -bs e criticá-las, explorá-Ias, ampliá-Ias, revê-las ou reformá.bs e até de delU:n, com seu aUXJ1io, descoben~s in teir;l:mente ines-pendas. E isso se verifica até com a mais abslua de todas as criações. como, àigamos, a m:.w:roátic3. "Estou de acordo com Brouwer quando ele afirma gue a seqii~ncia dos números naturais é UrIY.l criação humana. Sem embargo, embora criemos a seqüên-cia, ela, por sua vez, gera, de modo autônomo, seus próprios problemas, A distinção entre oúmeros pares e ímp:ues não é criada por nós: trata-se de conseqüência inevitável e não inten-ciona) de nossa. criação_ Os números primos também são, é claro, latos objetivos e autônomos, que, analog:amente, n30 fOrllm inten-cionais; e, acerca de tais números, é óbvio que eles colocam muitos problemas, muitos fatOS que aí estão para serem desco-bertos - ar está a conjectuf3 de Goldbach entre tais fatos 4.

Tais cooje<turas, embora se refiram indiretamente aos objetos (' de nossa criação, referem-se de modo direto a blos e problemas

ql!e emergiram de nossa criação e s.o!>re os q U'l is ruo podemos exercer influência ou controle : são falOS difíceis e a verdade

( acerca ddes urobém é, muitas vezes , difícil de descobrir_ Aí[I está um exemplo do que pretendo dizer ao afirmar que o te:!-ceiro mundo é amplamente autônomo, embora criado por nós ~_"

O Mundo 3, por conseguime, é o mundo das idéias, da arte, da c~ência , da linguagem, dl ética, das instituiçÕC"S - em suma, de toda a nossa herança cuhura! - na medida em que t:SY<lI: herança está codificada e preservada em objetos do Mundo I ,

~ como os cérebros, os livros, as máquinas, os filmes, os computa-dores, os quadros, os regislros de toda espécie . Conquanto todas as entidades do Mundo 3 sejam produtos do espirito humano, I elas podem ter existência independente de qualqu er suj eito (a

t • GoIdbach bnçou a COlljCCtuta $t:gundo :J qual cada J'llÍmuo par é • soma de dois nlÍroeros primos. Ninguéro conseguiu, a!é boje", dC"morunar esse resv.ltado, embora ele scj:a kaítimo para lodos os casos 105 Quai~ chegou il 1CT ilpl ;çUID. (N. do A. )

~ Obi((l íll( K!loli-·kdgr. pg. 118.

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escrita linear n, da civiliz..1ç30 M!nOlca, só foi decifrada recen-temente), de!.cle que codifiç:;dls e preservadas em alguma forma acessível _ pelo menos potencialmente acessível - do M\1fldo 1. (Daí ddlui a d iferença crucial entre o conhecimento que está no espírito humano e O conhedmento que se acha nas bibliotecas - sendo este, sem comparação, muito mais importante.) No seu livro F/1cing Reality, Sir John Eccles endossa as conclusões (pg_ 170) ce Popper, dizendo que "somente o hom~ possui uma linguagem de proposiÇÕC's e essa linguagem só pode ser uti-lizada por quem seja capaz de pensamento conceitual, q~ é, em essência, pensamento llssocJ..do aos componentes do Mundo 3_ Esse pensam~lHo transcende o presente perceptual ... Em contr.l.Sle, o comportamento dos 1iI.nim,ilÍs deriva de seu presente perceptual e de seu condicionamento passado_ _.. Não há evi-dências em favor da idéia de que os animais puticipem, ainda que em reduzido grau, desse Mundo_ Sob esse aspecto funda-mental, os homens diferem radicalmente dos outros :tn.imais"_

Esta concepç50 de Popper, de um terce iro mundo, produ-zido pelo homem, mas que dele independe, é uma das mais promissoras na filosofia popp(riana. A aplicação dessa concepção ao problema da dualidade cOrpo-mente é objeto de 3tenção em um dos livros inéditos de Popper. (A idéia de que é através da interação com o Mundo 3 que nos transformamos em pessoas permite considerar ramifícaçóe5 incontávds.) Mas sem ~trar em tais conjecturas, a teori'll do Mundo} permite perceber por-que as du..as facções que c:liscutem o eterno problema da subjeti-vidade ou objetividade de padrões morais e estéticos têm apre-sentado argumentos sem resposta. A teoria nos dá, ainda, uma análise de outro problema de capital importância para a filo-sofia ocidental, o problema das mudanças sociais _ Com efeito, :lS idéias, as instituições, a linguagem, a ética, as artes, as ciências e todos os dt!mais elementos já .lembrados possuem uma história em virtude do caráter objetivo do mundo} das criações humanas e das permutas que se estabelecem enue o homem e essas ma-çõcs_ Não há, obrigatoriamente, um progresso em tais criações, mas das são, por- natureza, abert'lls para as alterações e, de fato, sofrem :lherações continuas, na maior parte das vezes. A teoria de Poppcr tem o mérito indiscutível de explicar de que maneira um processo evo!utivo pode admitir um fuodamento

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5

CONHECIMENTO OBJETIVO

Um desdobramento inconsútil da História, desde li ameba a:é EiDstein, revela, em tOO:l. extensão, um padrão constante. "As soluções provisórias que 'animais c plantas incorporam em sua llIl:l.tomia e em seu comportamento são os análogos bioló-

,, gicos dls teorias. Vice-versa: 35 teorias correspondem (como se dá com muitos produtos exossom áticos - os favos de rnd, por

. i exemplo _ e especialmente com muilos lnslrumelHos exo5som;Í· tiros - as teias de aranha, por eJlõemplo ) 3 6rgãos endQSsom{j. tiCOs e seu funcionamento. Tal como a5 teorias. os órgãos e , seus modos de o~ração úo adaptaç&s provisórias ao mundolI ! , em que vivemos . E exalameOle como 3.5 teorias ou 05 instru-

, mentos, os noves órgãos e suas {uaÇ'ÓeS. ~m como novas espécies · , de comporumeoto, exerCt:1Jl jnfluência sobre O prímeuo mundoIi !

I que ajudam li. modificar 1." Popper caracterizou o padrão subja· I C!.nte desse desenvolvimento contínuo usaodo a fórmula I

P, ~ TS ~ EE ~ P,

em que P, é o problema inicial, T5 .; a solução provís6rill pro· posta, EE o processo de diminaçio de ~'ITo, apUcado à solução provisória, e p~ a situação resuhante, com seus novos problemas. T rata-se, em essência, de um pIOCt.SSO de realimentação. Não ~ dclico, pois P: .; sempre div~rso de P.: mesmo o fl'2C2. s$O total na resolução d~ um pcobl~ma nos ensina alguma coisa; I'tvela em qu~ pontO se acham :,JS dificu ldades e as condições mínimas que

I Ohit!Cliv~ Kr!ou:ledgt, pg. 145.' ; . . 70 I!

uma solução dev~ S3tisfazer - a! teI3ndo, pois, a siruaçio probl~· mb.ica . O proc~so também nio é dialético (em qualquer seno tido he8eliano ou marxista), pois considera a contradição ( que diferI! da crítica) em termos de '3180 que não pode ser tolerado, em qualquer circunstância.

A f6rmula citada contém algumas das mais importantes idéias de Popper. Ele próprio :1 condl12iu para vários campos da invest igação, enquanto outros a Jevuam para áreas que Popper nio chegou a explorar. Em sua opinião, a fórmula não seria aplidvel no lerr~o da m:atemática e da lógica . Em tempos recen tes, porém, convenceu-se do contrário, graças, ~ especiaJ, :lO mlnlho de Imre Lakatos - que, sob este prisma, foi mais poppe.tiano que Popper. Popper escreveu pouco aCttCl das artes, embon. '11 música signifique mu..i to pata ele. Foi, aliás, em decor-rênci. de scus estudos de história da música, no icúcio de sua cureir:l, que nasceu a sua concepção acerca da resolução de pro-blemas. Todavia, é com Ernst Gombrjch, em Art t1nd IIlusion, que a hist6ri a das artes visuais vem descrita em termos poppe· rianos, como jncessante c "gradual modificaljão das convenções esquemáticas tradicionais relativlS à formação de imagens, sob ação das pres~ e...>::ercidas pelas novas ex.igências". Virtual. menle todos os processos de descnvolvimenlo orgânico (em seno údo litcral ou figu rado) e todos os processos de apr~dU:ado podem ser encarados dessa maneira, até: mesmo o processo pejo qual os seres humanos cheg:sm a conhecer-se uns aos outros. O psiquiatl':l Antoony 5torr, sem ter conhecimento Ihs obras de Popper, chegou à seguinle conclus3o: "Quando, em nossa vida, mergWh3..Qlos em situaç&s noV3S e nos colocamos waDte de uma pessoo. desconhecida, arrastamos conosco OS p reconceitos formados no passado e as experiêndu ganhas no trato com nutras pessoas. Esses preconceitos, nós .05 projeumos sobre a pessoa diante da qual nos colocamos .. Em verdade, chegar a conbtter uma pessoa é, em boa medida , Uf'n2 questio de eUminação de projtÇães; ques tão de afaslar :I cortina de fumaça de corno ima. ginamos que ela scja, para subSlirul-la pela realidade de como ela rt2lmente é 2 ."

2 Tht" Obstr~r. 12 de julho Je 1970.

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A 3ceitaçio desse enfoque )eva a ceuas conseqüências na· tCNis. Em primeiro Jug3t, :1 tô:lÍa ~ colOCl nos problemas -n1io apenas no que nos diz :espeito, mas na apreci.çuo dos esforços alheios. Uma tarda não principia com a ttnur..iva de resolver um problema (a solução provisória é o segundo termo da fórmula, Dão o primeiro). Principia. com o próprio problema e com tiS razões que o tra:lsforrnam em problema. Antes de voltar 11 IItençio para li busca de possíveis soluções, g'2St3·se tempo e ~forço com a formulação de problemal . E o êxito que se alcança na ~gUDda etapa depende, muitas vezes, do êxito que se alcança na primeira. Est'Jdando a obra de um Ci.16sofo, digs-mos, a primeira pergunta que se coloca é esta: "Que problema est:.f cle procurando resolver?" Isso pode parettr óbvio, mas minha experiência revela que a maioria dos estudantes de filo-sofia não é ensinad:a a {ner aguda pa-gunu, nem mesmo cogita ck colocá-la. Em \'a disso, os csrudant~s perguntam: "Qu~ esd o fil6sofo querendo dizer?" Em conseqüê ncia , e!~ experimen· tam, de hábito, a sensação de que entend~1D o que o fil6sofo afino:!., mas MO percebem por que O afirma . C Isto s.6 seria com· prttnsívc:l depois de a1~nçar íII sitU9çãc>problema que o filósofo debate. )

I

Outra conseqüência, fundamenl31 para toda a filosofia de Popper, e que muito possivelmente oc:ercetá infludlcia sobre a mandn pela qual os I~..ilores de Popper passarão a eacarar todas 'iI$ cois.as, é a de que, ao assimílat as idéias do ~sador, com· plttDde-se que as eS~Nturas complexas - sejam intdectU3i.s, ard'sticas, soci3is ou administrativas - sio geradas e ~ trans-formam por etapas, por via de um processo de realimentação crhíc ... de ajustes sucessivos. A idéia de que tais estruturas poso sam nascer de um golpe, fruto de plano prévio, é ilusória, uma ilusio que não se pode materializar. A concet'Ção evolutiV2, entre outu.s coius, leva inevitavdmcnte à preocuplç30 com 05 dese:n· volvimenlOS ao longo do t~mpo. A história da filosofia ou da ciência, por exemplo, é CDtendida não como um registro de ertos passados , mas como raciocínio em p~so, uma cadeia de problemas e soluções provisórias interligadas; nessa Clideia esta· mos nós, co presente ins tante, aminhando par:3 o fururo _ se a $Orte nos favorece - e tendo o~ s mãos uma das octremi-

II dades de toda a argumeJ"ltsção. Enquanto 0$ filósofos positivistas

I "

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j :

"

e da linguagem se mostum, em geral, alheios à história. de saas dlsciplir.as, o enfoque popperiano produz o sentimento de paxti· cipação pt'Ssoal na. hist6ri" das idéi..3s_ (Isso explica. porque Poppcr, como fil6sofo da cifncia, conhecedor de física moderna, não ddxa de ser um erudito.)

Conseqüê!lcia de partir sem?re de problemas que são rt!l.l-mente problemas - dúvidas que lemos e que enfrentamos - é o h to de que estamos existencialmente compromissados com nOS5Q tuooJho. Decorre d2..f, sob o prisma do próprio trabalho, que ele adquire aquele tom de "autenticidade" a que se referem os oUsleocialistíllS . Trata-se não apenas de um interesse inte-lectu~, mas de um envolvimento emocional - de eofrentar uma D«"CSsidade human3 sentida . Dai def.!ui, ainda, ceno de.sialer~se pda sq>anção coovendonal entre as várias disciplln.as : o que realmente impona é um problema empolgante que estejamos ge-nuin.3mente empenha.dos em solucionar,

A filosofia de Popper - em termos objetivos, sem con-fundir-se com a conduta de qualquer individuo, mesmo com a do próprio Popper - dificilmente poderia ser menos dogmática, já que coloa o maior prêmio na audácia da imaginação. Segundo essa filosofia, DÓS jamais chegamos a $abu: C!os~ abordagem de qwquer situação ou problema deve sempre perm iti r não só as contnouiç&s insuspeitadas, mas a permanente possibilidade de uma transformação radical de todo O esquema conceitual com que Ce DO seio do qual) t;-abalhalXlos. A filosofia poPPf=riana dilue fuoda.menulmente de todas as concepções de ci~ncia e racionalidade em que eStas são encaradas com oclusão de ele-mmtos como o sentimento, a imaginação ou a intuição criadora ; ela condem. (como "demifidsmo") a idéia de que a ciinda pode oferecer-nos conhecimentos certos e pode ser capaz, DO futuro, de nos dar respostas definitivas pU'3 todu as questões legítimas que nos prcocupaff;l. Boa parte da desilusão com a ci&\c:i.1 e a razio - muito c6mum em nossos dias - baseia-se, jtUt.a.mente, em noções erradas acerca de ciência e razão. ES9a desilusão, nessa medida, não se aplica ao popperismo. Se Popper tem razão, nio existem duas culturas - uma cienlífica e outn e.sté:iC2, uma racional e outra irT'3cional - mas existe apenas urna . O cic.'ltiSlas e o ~rtista, longe de se en trC(jnem a aLividades oposcas ou illCompatíveis, procu ram ampliar nossa compreensão

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da experiência medillnle o uso da im:lginaçio cri:llilll 5Ubmetid:l1 a cODtrole criLico, va!eodo-se, portamo, ae façuldades iruclOruais e racionais. Anislas e cientis1as cx,Joram o dc!.Conhecido e I tentam articular suas pesquisas e Sl.tll.S descobertas. Uns e outrOS buscam a vudade e não podem pttscind..ír do uso da inruição.

Seguc:.se, porém, que se o apralc!izado, o crescimento e o , desenvolvimento se processam mediante subJJJ..issão das expecta-tivas ao teste da experiênca, mediante reconhecimento de áreas de confli to e mediante o uso progrcss.ivo desses dememos (QU, ero um nível purameole intelectual, medianle controle e correção de conjecturas - que podem "r mais ou menos ousadas - pela critica - mais ou menos severa), cnl50 é impossível escolher um poeto de parti.d.a absolullllIent(: novo. Mesmo que fosse possfveI ~o homem começar ptlo prindpio, ele nio se adiantaria, ~o tempo de sua morte, para além do que teria concluído O ho-mem de Ntanderthal. Estes sio fatos que muitas pessoas de , temperamento radical ou independente relutam muito em aceitar. Antes mesmo de, como indivíduos, tomarmos consciência deI nossa existência, já sofremos a influência (que se estende pua o

, : ! I

passado, -abrangendo períodos pré.-n:nais) das rdaçÕl=:s que man-,I temos com outros indivIduos , de complicadas histórias pe$SOllis,,

que são elementos de um-a sociedade, de história infiniwnentei:1 mais looga e complicada do que ti dos $Cus membros - que a ru pertencem em um dado momOllo e local E no instante em que esbmOS em condições de h.z.er opções conscientes já nos valemos de categorias de uma linguagem que atingiu um particular grau de desenvolvimento -aua\"és de vidas de incon-táveis geraç&-s de seres humanos que nos precederam. Popper não afirma, porém poderia diztr que a própria existência é o resu1udo direto de um aio soci31 praticado por duas ·pessoas que não temos condições de eseolher e cuja ação DOS é impossível impedir - pessoas cujo leg:aoo geoélico se im·pl3!1t3 em nosso corpo e em nossa petsoD:alidade . Somos criaturas sociais até a raiz de oosso ser. A idéia de que é viável começar quslquu coisa do nada, sem dividas pua com o passado ou p:U"iil com os semelhantes, é uma idéia completamente errônea,

Aquela verdade aplica·se a qualquer tipo de atividade iate-( 1111 Iêct'Jal ou artística. A pró?ria possibilidade de deixar marcas

sobre uma superfície ou de produzir soos, com o objeti\·o deI! , ,I : 74

,I : t,

:na.ni feslar ou comunior alg'Jma coisa ou de prodlUir praur, s6 foi alctlJlÇ":acla depois de incontá..,eis idades evolutivas . Artistas que imaginaQ rC!omar la príndpio estão, em verdade, façam o que f.iurem, lom;lndo elementos em um estádio altamente aVllDÇ:ldo e co!ocando-se sobre os ombros de numerosa s gerações precedentes . Em tudo aquilo em que mergulhamos e em tudo aquilo que fazemos, somos herdeiros de lodo o passado e não há meio que possibilite, por mais que o desejer:los, uma desvin-cu.I..ção desse passado. Isso -atribui um:a irretorquIvd importin· cia à tradição . S nel31 que precisamos principiar, ainda que seja para dar·lhe comb3fe. De h3bíto, o progresso resulta de críticas ao pusado e de alterações que nde impomos: UIamOJ li tradição e avanÇ2JJlOS com apoio nd"iil . A situação é, basic:unen:e, • mes-ma, quer na arte, quer ru ciência, "Isto significa que o íovem cientisu, e:sperançoso de cheg:af a descobrimentos, recebe maus cons.elhos .se O seu mestre lhe diz "Ande por .aí e observe" e recebe bons conselhos se o mestre lJ"lC: diz "Procure ver o que as pe\soas estio discutindo agora no campo da ciência; descubra onde se :Kham as dificuldades e ?asse a int~isar·se ;>elas diver-gênd-.r.s. Aí estio as questões que você deve considerar", Em outras palavras, o que C":lhe t estudar a Jiluaçãt>problemo da época. Isto quer dizer que escolhemos e prOCUr2mos continuar uma linha de pesquisa que tem atrás de ~i lodo o desenvolvi-mento da ciência ; acompanha-se a tradição da ciência. . . , Sob o prisma daquilo que desejamos, na posição de dentislas _ compret:osão, p:evisão, análise, e assim por diante - O mundo em que vivemos é e:xaemameote complicado. Estaria inclinado :1 dizer que é infinitamente complexo, se e:sta ff3sc tivesse algum significado. N3"o sabemos onde e cOrno iniciar nossa análise do mundo. N50 há sabedoria que nos informe. Mesmo a tradiÇão científica não nos diz como proceder. Diz·nos apenas onde e como outras pessoas iruciaf":!m. a pesquisa e aonde chegaram' ."

Considerando que é objetivo (na medida que importa a cadt indivíduo, quando de entra em cem) o falO de que as investigações cheguam a tal ou quaJ ponto, oeste ou naqude fama desta ou daqueb ciência, área acadêmica, arte (ou socie· dade ou lingu:lgem); considenndo que qualquer cIítica, proposta

J Co"i~/"r(f ~"d R~flll~liOIIJ, pg. 129.

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de alteraçio Ou solução de um problema, apres~t.ada pejo indi-víduo, deve sa fonnul.ds em uma linguagem antes de se poder discutir ou submeter I teste ruas id&as - ~e·se que qu:t1quu proposta desse gênero se tr:ms(orma em proposta objttivQ. Ela pode ser discutida, atllcada, defendida ou utilizada, sem fazer-se alusão à ~ssoa que a apresen(o,)ll . Em verdade, isso ..COflt~ com li maioria das idéias de inu~resse. E ~ presta para sublinhar a enctmc irnportincia do tornar objetivas nOS5:!:5 idéias - na linguagem, no comportamento ou nas obras de arte . Enquanto :1S id!ias permanecem em nosso espírito elas não são pass!v6s de critica. A fonnulação púHica das idéias é que conduz, nOI-malmente, ao progresso. De outH parte, 2 validade de qullqu.::r argumento em toroo dessas idéia! é, de novo, algo objetivo! não é algo que dependa do número de pessoas que se disponham a aceitá-las . Mesmo que uma teoria tenha cadtee cieotilico e tenha sido rigorosamente submetida a teste pdo seu proponente, a comuci<bde científica não a acolherá enquanto os experimentos( e ob~tv3ções não hajam sido repetidos por outros. A afirmação "Eu sei", considerada em plano individua], ~ssevera minha dis.-posição pata agir, dizer e acreditar em certas C'Oisu e engtoba condiçÕC'5: que justificam tais ações, ditos ou crenças. Na<b disso, porém, é conhecimento em sentido objetivo: ninguém conferirá às minhas asserções, sem o devido teste, o cuáter de conheci-mento (salvo se o conhecimento é de algo em meus próprios estados de coosciénw, como ~ dá quando eu respondo 1s inda· gações do meu oculisu ou inEormo ao meu médico cU Jocaliuçio de minhas dores - e mesmo estes casos de rel.atos d.iretOS de nossos esudos correntes de consdéocia não são sempre arundos, como qualquer doutor descobre pela aperiência). No trabalho civuífico, portanto, nem as nosS3S próprias observações são enca-radas como ccrtas; em verdade, elu não são aceitas como obsa· vaçõcs cientlfic3.s até que tenham sido rq>etidas e submetidas ':l

teste. Sob todos esses aspectos, conseqüentemente, o conheci-mmlo é objetivo. Ele pertence ao domfnio público (o Mundo J). Não reside nos estados privados das maues dos indivíduos (o Mundo 2).

Em sentido privado, individual, a maior parte do conheci-mento humano não é "conhecida" por qualquer pessoa. O conhe-cimento existe no papel. A mesa em que escrevo está rodeada

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Je estantes com obras de referrncia . Escolhamos uma del:l.S, uma de que o próprio Popper se utiluou, pua servir de ilus-uação - uma t:ibua de logaritmos. Tábuas de logaritmos enfei-xam conhecimenro de ~pécje prodigiosamente útil, conheámento que ~tá em uso ativo a c3da dia, por todas as panes da TelCa, na construção de edifícios, de pontes, de estracns, de aeronaves, de máquinas e de milhares de outras coisas. Sem embargo, du-vido que hl'lja 3lgu~m nesle mundo que "conheça" as úbuas; ela pode ser desconhecida -até pelo autor do Uvro que está aqui, diante de mim (livro que, ali3s, pode ter sido compilado por um computador). A observaçio estende·se pua todos OS tipos de registros . Até o estud.ioso, que devota sua vida ao preparo de obca.s eruditas, nio dispensa as anotações, via de regra nume-rosas. recolhidas em várias espécies de documentos, livros e obras de referfncia ; e de ~eve com base em tais anoUlÇ'ÕC$. Mas nem m~mo ele "conhece" (00 sentido associado ao Mundo 2) tudo que deixa registrado em SUlIS obras. Ele aio pode recorda.t--se de tabelas estatísticas, de datas, de páginas consultadas, e assim por diante; ele não pode guardar de memória todas as citações, pabV[";1 por palavra; em verdade - e este é o ponto de rdevo - ele nõo poJe memorizar suas pr6pritu ObNIt. Elas se acham no papel, não em sua mente. As bibliotecas e OS sis-tem2S de reglstro e os arquivos contêm material do Mundo 3, material que, analogamente. não se encontra no espreitO de nÍllguém, mas que, sem embargo, é conhecimento de espécie mais ou meDOS valiosa e útil. O status cognitivo desse material e sua utilid2de ou valia independem da existência de alguém que o "conheça" no sentido subjetivo. O conhecimento, no seotido objetivo, é conhecimento sem conhecedor : é conhecimento sem um sujeito·da cognição.

Sob esse prisma, Popper ataca:l epistemologia ortodoxa. fiA epistemologia md.icional estudou o conhecimento ou o pensa-mento em um sentido subjetivo - no seotido que se associa ao uso ord.inário das expressõcs "Eu sej" ou "Eu estou pen-S3Ddo". Esse fato, afirmo eu, conduziu os estudiosos de episte-mologl2. a qUeil&s irrelevantes: pr0cur3ndo examinar o conhe-cimento cientifico, aqueles estudiosos examinaram, na realidade, algo que alO tem importância pata o conhecimento cienúfico. De fato, o conhecimtnlO científico simplesmente não é conheci·

!.

li

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meoto no s~tido do uso ordiruí rio da c :'\p r ::ss~o "Eu sei" , . . . :l

epistemologia uadidonlli . de Loc..lte. Berk~ey, Hume e me.srco Russdl, é irrelevante, num sen tido Tnc ito estrito deSl$ p3l2vra. Corohirio dessa lese é o fala de q'Je larga parte da epistemologia contemporânea também é ir:e.!cva nte. Estará ai abnJ1Sich :1 ló· gica ~istbn ;ca. se admitirmos que seu objetivo é ti formulaçÃo de uma teoria do conhrcimento científico. $em embargo, qual. quer estudioso da 16gjca epislêmia pode facilmente escap:u: de minha.s arrias. simplesmente torn<Uldo cbro que seu alvo MO é cont::ibuic para li. clabonção de uma Uor;a do conhecimento cien· tífico ' ."

Eis o que Pop~r sublinha 00 Prdácio de Obiuli~ Knowldge: "Os ensaios deste livro rompem com uma tradição que remonta :I Aristóteles - a tradição da teoria do conheci· mento as~tada no seoso comum. Sou um grande: admirador do senso comum que:, acho eu, é essenciaJmente autocrítico. To.

( envia, embora esteja preparado para defender, até às últimas conseqü~ncias, a essencial verdade do realismo do senso comum, enca ro a teoria do conhecimento aJuntada no senso comum como um desatino su!:ljetivisll . Esse eoga no dominou a fi10s058 oci· dental. I'>e minha parte, procurei eliminá·lo, substituindo-o por uma teoria objetiv-a do conhecimento essencialmente conjecturaI. Minha asseveração pode ser ousada, mas nio me pareçe que: deva pedi r desçulp3S por fazê·la ."

-l Obftcli~t Knoll:lt d/,(', pg. 108.

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G

A SOCIEDADE ABERTA

A maior parte d:ls filosofias políticas surgidas de Pla tio a Marx teve raízes ~ Ctlncepçi5e$ que se reJadonavam nio ape:ms COm o desenvolvimento social e rus:óúco, mas tam~m com o aV:lnço da lógica e da ciência e, em última análise, com as con· quistas da epistemologia. o.s leitores que até aqui me acampa· nhUaID terão percebido que Popper não cons titui uma exceção. Devido ao fato de ele encarar li vida antes de tudo e principal-mente como processo de solução de problemas, deseja sociedades que b voreçam esse processo. E, como a solução de problemas supõe a livre proposiçio de: sugeslõcs, que paSS3m .3 ser submc:~ tidas à crítica e ao cri vo do sistema de eliminação de erro, deseja Popper formas de: sociedade que pamitarn a irreSlri!3 apresen· tação de proposições difcreoles, seguidas pela crítica e pela d eliva possibilidade de mudança à luz da. critica . I ndependentemente de qu-aisqucr considerações de o rdem moral (e é da ma.is alta impor-tância q ue disro nos demos conta), acredita Popper que uma sociedade organizad3 ao longo dusas liooos esteja mais capad-uda do que outras pau. resolver suas dificuldades e, cooseqüen-temente, em condiçõe$ mais favoráveis pa ra possibilitar que sew componentes alcancem os rc:s~ctivos fins individuais. A idéill comum de que a mais eficiente for ma de orgaruzaÇ'io social s~a alguma variante da di tad ura aparece, 90S olhos de Popper, como in te.iram~le equivocada . O fato de li. dúzia de pafses onde se goza de mais alro padrão de vida (e não que iSlo constitua o critério decisivo) estar organizada sob a forma de democracia liberal não ~ deve a que a democracia seja !uJ<o a que: os ricos

, " ,

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como no processo de estabelecer estrururas de organização; se~ podem d:l!; ;10 COmraIlo, a gr:mde maioria de seus habitantes enfrentava '11 poO~a quando viu instalado o sistem'3. de sufrágio universal. A conexão causa] deve ser estabelecida de modo intei-ramente diverso. A democracia de~mpe.nhou papel impoitantis-simo 00 ensej21 e as~gurar a pc=:r0t3nência de altos padrões de vida. T-anto do pomo de vista material como de outros, é de SI.": espetar que uma soci«l.ade alcance maior progresso se dis-puser do que se nio dispuser de instituições livres.

Todas as diretrizes governamentais c, em verdade, todas -:15

decisões administrativas envolvem predições empíricas: "se fizer-mos X, ocorttd Y c, por outro lado, se quisermos B, teremos de f~ AI>. Como é de conhecimento geral, essas previsões fre-qüentemente se mOStram errôneas - todos cometem erros - e é nornJal que lenh3m de Sl!C alteradas, n;1 medida em que delas se passa para o terreno das aplicações coocretas . Uma política é uma hip6te:se que deve su submetida ao teste da realidade:

( corriqueira, à hu da experiência . Id~tj(jcar erros e: perigos ínsitos aU1vés de ex-ame crítico e discussio prévia é o protXdi· menta mais racional e, via de regra, convém a de recorrer -

f porque erige menor dispêndio de recursos, esforço e tempo -em vez de esperar que os male:s apareçam na prática. Além disso, com freqüência, somente o exame critico dos resultados práticos _ iodependeotCD'leDte: das diretrizes que os lospirem - permite ~;am os erros iclentílicados. Tendo tais circunstâncias em vista, é osencial a coosciência de que qualquer ação pode ter conse· qüências indesejadas. Esta simples ObSCIVaçãO tem implicações de alta significaçio no campo da poüti~ e da administração e em todos os setores que: envolvam planejamento. E é HciJ ilustrar o ponto. Se me proponho a adquirir uma ca$3, o fato de eu apare<:er no mercado, como comprador, tenderá a fazer com que o preço se eleve; embora esta seja uma conseqüência direta de minha ação, ninguém poderá dizer que se trata de uma conseqüência desejada. Quando subscrevo uma apólice de se· guro, para poder fazer uma hipoteca, Ísso tende a devar o w.lor das ações da companhia de seguros. Também aqui a conseqüência direta do meu aTO não tem relaçio com as minhas Íntenções. A todo instante estão ocorrendo coisas que ninguém planejou ou desejou. (Veja, a prop6siw, a pg. l 02.) E esse fato inevitável deve ser considerado tanto no processo de tomada de decisões

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assim não for, o !:lesma f210 se erigirá em fonte permanente de distorção. Isso reforça 11 necessidade de vigilância critica ao longo do processo de concretização de diretrizes de planejamento e de recurso ao sistema de eorreção por eliminação de erros. Em tais termos, as autoridades que proíbem o prévio exame critico de suas diretrizes de ação condensm·se a. cometer muitos erros, de maneira dísptndiosa, SÓ os descobrindo mais tarde de> que seria necesSiÍrio. E - se, como acomece muitas vezes, prolbem Iam·I bém o o:ame crítico das apl.i~ções práticas daquelas diretrizes - condenam·se igualmente s ver·se atingidas por esses erros duo rante algwn tempo após haverem eles eomeçado a produzir con· seqüências danosas. Toda essa colocação, característica de estru· turas altamente autoritárias, é anti·racional. Deflui d.a.f que as m.a.i.s rígidas dentre essas estruturas perecem por força de suas falsas teorias ou, na melhor das hipóteses (caso sejam afortu· nadas e rudes ), pualisam·se; e as estruturas menos rigidas fazem um progresso doloroso, dispendioso e desne<:essariamente lento.

Não basta que o detentor do poder (quer no gOverno, quer em organizaçOO menores) tenha diff.trizcs de ação, no sentido de finalidades ou objetivos formulados de maneira mais ou menos ooa. :f também preciso que exlst-am os meios para concretizá· ·las, Se esses meios inexistem, deverão ser criauos ; de outr:1 forma, os objetivos, devados embora, não serão 2lingiJos. Sob certo aspecto, ponaoto, organizações e instituições de ql:alqucr espécie devem ~r vistas em termas de máquinas que levem a cabo ações planejadas. t tio difícil projetar máquinas que for· Deçam o produto descj9do, como é diflcil estruturar organizações que levem 90S o bjetivos visados. & o projeto d. máquina, feito pelo engeahriro, nio for 9deq~do ao propósito em vista, ou se ele, introduzindo 1ldap taçães em máquinas já existentes, d~ixar de fazer todas as 2lteraÇÕts necessárias, não poderá obt~r o que deseja. 56 obterá o que a m.á4uina possa produzir - ~ isso não soment~ será diverso do que o engenheiro deseja, mas poderá, ainda, mostrar·se defeituoso (sejam quais forem os padrões de avaliação) e até mesmo perigoso. O mesmo é verdadeiro com respeito à grande porção da maquinaria das orga.ol2açõcs: mostra· ·se incapaz de exerutar O que dela requerem OS que a mani· pulam - índependeotemente da habilidade dos operadores, de

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suas boas i.nren;ões ou à05 berro formulados objetivos . Reque:·5c, pois; uma tecnologia política (ou admimst.;ôlliva), btm 'como um::a ciência pol1tica (ou admiDistrativll.) que a si incorpore uma 2ti· tude crítica permanente, mas construtiva, em (ace dos meios de q~ dispõe a organização e à luz de S(!us cambiantes objetivos . A coocretizaç2o dos planos há de ser submetida a teste - e isto se fará não aperus :mavés d3 busca de evidência de que os esforços estio alcanÇ'Uldo 05 pretendidos efeitos, mas am~m através da busca de evidência de que assim 1130 está ocomodo . Neste sentido, subm:te:r li teste é., em geral, fácil e baraco, se não por ouuo m..,uvo. pdo fato de que raramente se exige 9pr~ fundado grau de ptttisão. O 5i5~a ingI~ de eduC1Içio superior já conta com pelo menos um órgão devotado ao estudo de insti· tuições ~guDdo o esqut:lI12 popptliano (6rgão criado por TyneJl Bur8~5 na North Eut London Polytechnic) e os resultados obti. dos são simples e de grande utilidade potencial, pois devadu

( SOlI)3S e muito esforço são cOmumente dedicados a empreendi. m~tOs m:ll orientados, sem que se dediquem esforços e quantia s reduzidos para verificar se n50 estarão surgindo, concomitante· rn~te, conseqüências indesejadas. Numa organlzaçiio, as pessoas tendem a se mostrar cegas para a evidência de que não est4 ocor· ~odo o que desej~rn , a despeito do fato de que tal evidência é exatamente o que deveriam esur procurando. Naturalmente, o processo de continua busca e rtt"'OOhecimento de e:rro, em orga· nizações, tom a·se Miei! qU:1Odo se Wua de esrruturas autoritá· rias. Por essa via, a irr.Jciooalidade se estende para atingir os prâprios instrumeotos de que as mesmas org~ções se valem.

As posições morais de Popper, em rehção a qu~tões poLí. ticas, (oram expressas, talvez com roeoor carga de: pai!:ão, por outrOs. Seus esaitos mostram·se, nesse ponto, profuodame:nte penetrados de emoção, mas catacte:!'Ísticas são a força e o poder dos argumentos com os quais de:.mOnslIOU que o coração tem a razão como ali ..do. Tem·se:, com deito, acreditado e, em oosso sécuJo mais do que em qualquer OUtro, que a ncio!l3lidade, a lógica, • aborcbge:m científica reclamam um. sociedade: que: se ..apoie em orie:ntação central e que seja planejada. e ordenada como um todo. Popper demonstrou que essa maneira de vu, aJ~m de revestir cunho autoritário, fundamenta·se em errônea e ultrapassada concepção de ciência. A racionalidade, a 16gica

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t.' :I obordagcrn cíc:nlfica, owo ndo em ~on;unto, o rie r.tam·:-oos p:ua uma sociedade "aberta" e plurllista, 'dentro da qud se cxpressom pontos de vista incomp:llíveis c se perseguem ·obje-tivos conflit antes. Um:l sociedade em que todos sejam livres par:! es tudar situações· problema e propor soluçõcs; uma sociedade cm que todos sej~m livres para criticar as soluções propostQS por outros e, em particubr, as propostas pelo go\'erno, estejam estas em Í2se d~ dabonç3o ou de aplicaçio; e, acima de tudo, uma sociedade em que as diretrizes govemamenra:s se alterem por fo:ça da crfuca .

Uma vez que os phlOOS do gove:rno sio normalmente: pro-postos e ti m sua COncretU3ção supc:rvisioruda por pessoas que: a eles estio, de uma ou de outra forma, ligadas, alterações de: certa importincia hão de implicar em alte:raÇ'Ões de pessoas. Assim, para a sociedade aberta ser uma re:ilidade, o requisito fundamental é o de que os que de:têm O mando sejam de:stituídos a intervalos razoáveis, sem violi nci. , e substitufdos por outros, coro diferentes orientações. Para que a opçio tenha caráter genuíno, as pessoas que perfilham idéias diferentes das que nor· teiam o gOvemo de:vem sentir-se livres para se organuarem como alternativa de governo, prontas para assumirem o poder j quer isso dizer que essas pessoas devem ter como agrupar·se, falar , escrever. publicar, usar o rádio e: a televisão, parn difundirem sua posição de crítica ao gov~no e devem ter constitucionalmente garantirl2 a utilizaç:3o de meios que as levem a substituir os governan tes, meios que serão, por exemplo. :I realização de eleições livres.

A a) sociedade quer Popper aludir, quando fah em "demo-cncia", embora, como sempre, ele não :ltrib\a grande ímpor· tância à palavra . O ponto mc!ccedor de ênfase é o de que ~e vê a democracia e:m termos de presc:.rvaçio de: certos tipos de instituição - que costumavalljl receber o nome de instituições livres, antes que a propagand:a norte·americana em tOrDO da guerra fria desmoral.iz.asse aquel.t expressão , Poppcr quer ver preservadas, especialmente, as insti tuições que efetivarnane pos-sibilitem ao governado criucsr os governantes e vê·tos 5ubstiruí· dos, sem derramamento de s-angue. Não limita ess-as instituições às que possibilitam a e:leição dos governanteS pela maioria dos governados, pois que essa tD3.!leira de ver conduziria ao que ele

."

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, I chama "0 paradoxo da clemocr.lcia", Q.lC f~ qua..,do a oaJoria vou! Ilum partido como o fascista ou o comunista, que não crê em instituiçõcs livres e quase sempre as destr6i quanc!o se alça 110 poder? O homem que defende :I escolha do governo por VO IO majoritário vê-se, em tal Cl1SO. diante de um dilema: qualquer tcmativ:a de impedir a ascensão do panido comunista ou fas-cista ao poder significa agir de maneira contrária aos prind?ios aceites e, não obsl2Dle. se aqueles partidos sub~m ao ptxkr, 21liquilirão a democracia . O mesmo homem não encolltrari. base moral para resistência ativa a um regime nazista, se a f-aval de al rçgime houvesst: votado :l ma..ioria dos cidadãos, corno na Alemanha quase 2COOteceu. A colOCllçio de Poppu afasta esse paradoxo. Um homem, comprometido com li p~rvação de im· tituiç&s livres, pode, sem contradiçio, deI~dê-Lu de ataquts provindos de qualquer pontO, v~nham e.l~ de minoria.s, ou de maiorias. E, se houver tentativa de subverter as instiruiçÕtS livres por violência :mnada, pod~rá squcle hom~m defendê-us recorrendo â Violência 2.tmada. Isso porque, ~, Duma socied:ade cujo govemo pode ser alterado .sem apelo à for,a, um grupo recorre às arm.1S.

( porque não pode ver de outra m30eira concretizados 0$ seus pro-p6sitos, esse grupo - independentemente do que pense ou pre-tenda - estará estabelt::<:~do, pe12 violêncill, um governo que só pda violência será poss(ve.l afastar, e que l, em outf"2.S pa.-lav:-as, uma tirania . ! OIbívd justificar mor:ilinente o emprego da. força em oposiçio t um regime aliCCt"Ç"ado na força , ca.so .se teo112 em vista cr1:ar instiNiçães livre:s _ e ('3SO haj:a ruoáve1 possibi.lid:Jde de êxito - pois em tal circu.nst.incU o prop6s.íto é o de substitui r :a regT:l de violéocia por uma regra de r.uão e [t)lerincia.

Popper apoot:a OUtrOS paradoxos que sia evitados por Sl::a forma de colocar o assunto. Um p:aradoxo :li que já se aludiu l o da tolerânci3 : se uma. sociedade admite ilimitada tolerância., alva venha a des:lparect:r - e a tolu:i.nci.a com e.l:a. Assim, uma socied:ade toleranle deve estar preparada pata, em certas hi-póteses, suprimir os inimigos da tolerâocia. Não deve fazê..lo, :a r.:ten05 que exista real perigo - pois, além de tudo mW, isso pode conduzir a uma "c:aç~ ~s bruxas"_ A socied2de toleraote deve, recorrendo a !Odos os meios, tentar defrontar-se com seus ini.migos a uro nlvd de discuss30 racional. Contudo, esses im-.,,. , 84

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migos podem "começar denuncjando qualquer d isC\JSSão; podem impedir seus seguidores de dar ouvidos a argumentos racionais , porque são faJaze-s, rnsiJ):lIldo-os :a responder a esses argumentOS com os pUMos ou com atm3S". E a sociedade lolerant~ som~te sobreviverá se, em última instância, ~tiver prep3::lda pua coo-ter esses inimigos <l:!"avés do !l$O da {orça . " Deveriamos ... con-sideru a indt:a)io iI perse-guição e à intolerância como atos cri-minosos, tal qual devezL.lmos cons.íderar criminosa a incitaçio ao homicídio, ao r:apto ou 30 restabelecimento do tr-áfico de escravos '."

Outro paradoxo, ~Ie mais comum, peb primeira va: formu-lado por Pu.tio, l o da libercbde. A liberdade sem remições, como a tolcl.ocia sem restri~, nio a~nas é autod~truidora mas também c:apaz de produzir o seu reverso; com efeito, afas-tadas todas as repressões, nad:a existiria para impedir que o forte CSCTaviu5Se o fuco (ou humilde) . Liberdade total aniquilaria a liberdade e, em conseqüência, os que advogam a liberdade com-pleta $io, em verdade, e sem consideração de suas intenções , inimigos da liberd'lde. Popper assina.la, COIT: ênÍ3se especial, o par:uioxo da liberdade econômic3, que torna possível a desen· freada. exploração do pobre pelo rico e resuha em o pobre perder qua~ completamente a mesma liberdade econômica . No caso, uma vez mais, " deve h:aver um re mooio polílico - remédio seme-lhante ao que ~ usa contra a violência Hska. Devemos uigir instiruJçôes sociais, gl1r:1otidas pelo poder de Estado, para pro-teger OS economiC3CDente írncos dos economicamente foues. Sig-nifica isso, naturalmente, que deve ser abandonado o principio da nio intervenção, 3 idéia de um sistema econômico sem peias. Se desc:jarmos que :a liberdade seja sal"l/:aguardada , deveremos exigir que a" politiC'l da libe:n:!:ade ecooôr:nica i..rrestril:t eeda Juga.r a uma economia que admita intelVmção estatal planejada . Deve-remos exigir que o capitalismo ,irrefreado ceda passo ao jntu-,,~nciOIUl/irmo «on6mico" I . E avança Popper para assinalar que os contestado~ do iotervencionismo estatal sio réus de aUlO-contr.adiçio. "Quc liberdade deve o Est:ado proteger? A liber-

TIH O/H" Sodel, .snJ l u fl1~mits. vol. i, PC. 26.5 . z Tbt Oprn Socit!)' ,urd 111 EntfJ,irs, vaI. li, Pi. t25.

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dade do melc-.tdo d<! trabalho ou :I. liberdade de os pobres se congregarem? ~ja qual for a decisão tomada , c::!minh3rcm~s, no campo da economia, para a intervenção CSt3tal, para o uso do pOda político organizado, seja do Estado, seia dos Sindkuos. Caminharemos, em qtl::t lquer caso, JY.U'a um !!,brgamento da res-ponsabilidade econômica do Estado, se ja ou Dão essa respons3bi· lichde conscientement~ 3ceit2 "," Em termos m:1is amplos, asse-veta Popper : "$e o Estado nio interferir, poderão interferir ouuas organizaçÕC!s semipolí ticas, tais como os monopólios , os m:stes, os sindicatos, reduzindo·se a liberdade de merC'ldo a uma fjcção. De outra parte, I. importantíssimo ter COJlsciência de que, sem um mercado livre, cuidadosamente protegido, todo o sistema econômico deixar:í de atingir seu único prop6sieo ra-ciona], que é O de saliJlt/Z~T as necessidades do consumidoT .. , O 'planejamento' econômico, que não inclui p13 no de libudade econômic.a, no sentido referido, lcn rá perigosamente pau as vizi-nhanças do totalitarismo· ."

Em todos os casos mencionados, o máximo possível de tole-rância ou de liberdade é um grau ótimo, não um absoluto, pois há restrições para poderem existir . A intervenção govetn2.metltal, única fonte de garantia da liberdade, é arma ame-açadora : sem jnterv~ão, ou com intervenção, em medida in suficiente, a liber-d2de perece; mas a liberdade perece rá também se 3. intervenção se nur com demasiado peso. Somos leV3dos li, reconside.rar :I.

Üle:vitabilid3de do controle - que, para $O' efetivo, deve signi-ficar renovação - do governo peJo governado, como condição sittt ql#J non da democracia. Não assegura a preservaçio da Liber-d3de, pois nada pode fazê.lo: o preço da liberd-ade I. a eterna vigilância. Tal como observou Popper, as instituições assemelliam--se às fortalezas , no sentido de que embora, para serem eficazes, deve m ser odequadamente construidas. embora isso apenas seja insuficiente p3ra levá-Ias a preencher o papel que lhes toca : é preciso ainda que sejam adequadamente manipuladas .

De modo 8enl , as filosofias politicas têm visto como pro-blema cent ral o que defl ui da ind~gação "Quem deve governa r?"

! Tht Opm Socitly tU/ti I:J EllfmiCJ, vol. ii, pg. 179. "' Tk O~" Socitly &IIJ 1'1 Elltmiu, \'OI. ii , pg. 348.

e 2S diferentes doutrinas buscam justi{ic:u as diferentes respos tas: um homt=1J) a;xnas, o bem nascido, o r;co, o sábio, o fOMe, o bom, li maioria, o prolclui3do, e :Issin:: por diante. Contudo, a pf'Ópn1 indag3çio está mal colOC:J.d3, e isso por vários motivos. Em primeiro lugar, por encami::tha(·nos diretamente p:l..tll um O'JUO dos pauc!oxos de Poppt=r, que ele denomina "pa radoxo da sobuutia". Se o poder fo r colocado, por exemplo, na mão do nl:Us sábio dos homens, e le poderá, do fundo de sua sabe-doria, dizer : " O governante não devo ser eu, mas quem é moral. mente bom." Se o moralmente bom estiver no governo, ele po-derá dizer, COID a melhor das intenções : ".t errado que eu im-ponha minha vontade .sobre ouuos. O govunante não deve ser eu, mos. maioria." A maioria, dete.cdo o poder, wvez assim se expresse: " Impõe-se que haja um homem forte para implaJ'ltaJ: a ordem e dizer-nos o que me r." Uma ~ objeçio, diri-g:da con tra a pergunta "Quem de\'e deter :I. .soberana?" I. a de repousa r ela no pressupostO de que o poder último deve estar localiudo, o qu~ não é verdade. Na maioria das sociedades, existelD centros de poder, difercm cs e conflitantes, nenhum deles CJpu de determinar tudo segundo seus pr6prios moldes. Algu-mas sociedades apresentam o pode r difuso em alto grau. A pergunta "Afinal, onde se 1000liza ele?" elimina, antes de er.. ~ aventada, a possibilidade de conuoJe sobre os governantes - e este: é o ponto mais i mpo~can te a de terminar. A questão fundamental não é "Quem deve exercer o governo?", porém, "Como podemos reduzir ao mínimo o desgoverno tanto a possibiüd2de de ele ocorrer quanto, na hipót ese de de ocorrer, as suas conseqüências?".

Até este ponto, admite-se, portanto, que !l. melhor sociedade de que podemos dispor, seja do ponto de vista moral , seja do ponto de vista prático, é aquela capaz de assegurar a seus mem-bros o máximo possível de liber~ade; admite-se, ao mesmo tempo, que o máximo de liberdade é aJgo sujeito :1 restrições ; que só pode surgir e ser mantido em nível ó timo por irlSlituiçães plane-jadu com esse objetivo e sustentadas pelo p<xler do Esudo; que isso envolve, em larga escala, a intervenção esl2taJ na vida eco-oô:oic:t , social e política ; que in tervenç-Jo dernasjado tímida ou demasi 3do severa resultará, igualmente, em desnecessária ameaÇ2 .à liberdade; que a melhor maneira de reduzi r os perigos ao

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I ' mínimo estará em preservar, corno as instituições mais impor- -democratas. Se o exigi sst.JD., ele se desc:re\·eria, hoje , como um ta.C.les. os meios comorucionais que permítam '305 governados liberal, no velho sen tido da palavra. afastar Os ocupantes do poder es ~ataf, subsrjcu.indo-os por ~ssoas de orientação diversa; que to.,h tC!1tat iva no sentido de privar dI! eficáóa essas instituições é tentativa de admitir governo -autori· tário e deve ser obstada _ se necessário, pela força; que se justifica. o uso da força contra a urania, mesmo qtUlldo esl2. encontra o apoio da maioria dos cidadãos; mas que o único uso que se pode dar à força é a defesa das institUições livres, onde das já existam, e sua criação, onde ainda não existam.

Aqui devo fazer uma reft:rência pessoal. Sou um social.ista danocrátíco e acredilo gt.:e o jovem Poppn definiu , como nin-guém jam.ais o fez, qutlis devam ser os fundamentos filosóficos do socialismo democrático. T21 como ele, desejada eu ver essas idéias substituírem li deturpad.3 mescla de marxismo e oportu-nismo de orientação liberal, que passa por ser teoria polJtica para 9. esquerd.3 democrática; em 1962, publiquei o livro Th~ N~w Rmiicalism, advogando c<sses pontos dentro do contexto da

Sempre me pareceu óbvio que ess.a é urna filosofia que pre· pol1tic-a do Partido Trabalhista britânico. Em resumo, embora coniza • democracia social - tão claramente anticonservadora, ddxando claro que Popper não é mais um socialista, desejo re..alçar de um lado, como \Ultitotaütária (c, assim, anrlcomurusta), de as idéias que produziu e:m prol do socialismo democrático, em outro. Com efdto, é, antts de tudo, uma filosofia do como a,~dimen[o das nece:ssidades que: essa COrrente política mani-alterar as coisas e de como fazê-lo de modo que, diversamente da festava na ocasi~o em que ele se deu 3S reflexões aqui referidas. revolução, seja racional e humano. Penso ter mostr.r.do que essa Nisso reside, segundo acredito, a real significação de que: se reveHe dou trina se liga indissoluvelmente à filosofia da ciência elaborada e que aponta pa r.a o futuro. Minha mai$ profunda discordância pdo mesmo Popper. Devemos, coDtudo, lembrar também que o homem que escrc:veu Th~ Open Socie!y tinha, a suas costas,

com Q Popper mais velho diz respeito à acusação que lhe dirijo de ele não aceit--a r, em ques tões de política prálÍc3, as radicais

vinte anos de convivência com me:nbros ativos do pacúdo social- conseqüências de suas pr6prias idéias. (Se estou certo quanto -democrático da Áustria. Como social-democrat8, d e se havia a este ponto, há pelo menos um precedente famoso: Marx cos-convencido de que a nacionalização dos meios de produção, troca tumava .afirmar, nos úl ti mos anos de vida, que não eC'l marxista .) e distribuição, qUl constituíam as bases da plataform-a de seu Em The Open Soci~ty, preconiza-se, como princípio geral pa:tido, não resolveriam os problemas que se destinavam a re- oríe:nudor da política, o seguime : " Reduúr ao mínimo o sofri-solver, embora pudessem vir a d~truir os valores que O partido mento ev:iuvel." Esse prinápio tem, singularmente, o efeito considerava mais dignos de prezar. Sendo jovem, com influência imediato de charrur a atenção par.a prob/~m4S. Se um-a autori-

, política apenas sobre alguns amigos, o que ele desejaria ver, mas dade educacional se: propusesse o objetivo de ampliar ao máximo supunha que não teria opor runidade de ver, era os social-demo- as oportunid3.des oferecidas às cri:l1lÇ3S sob seu cuidado, poderia cratas repudiarem a análise marxista da mudança social, substi- vir a encontrar·se sem saber e:xat2mente como concretizar suas tu.indo-a por idéias do tipo das que ele defendia. Ao fim, desi- intenções ; ·ou pode:ri.a começar pensando em termos de como em-ludiu-se com o partido, não, primariamente, por causa de sua pregar fundos na construção de escolas-modelo . Contudo, se, ao limitação intelectual, mas por causa da m:meln como expunha contrário, a autoridade se propusesse a r~duzir ao mínimo as os trabalhadores à violência, sem contar com um progr-ama para d~JU4"t(lg~ns, isso faria com que su.a ate.oção $C voltasse imedia-rc-sistir-lhe; em v:rtude dos líderes temerem a responsabilidade; tamente para escolas mer::.os atendidas - para aquc:las com e, aci ma de tudo, por se .acumplici.arcm com OS comunistas, não maiores problemas de: pessoal, com cl.a.sses mais numerosas, com oferecendo qualquer resistência ao ato de os lu.zistas se apossart: m lnsta.l.ações ma..i s precáril1$, com mais reduzido equipamento de: do poder - aind.a que os motivos do partido não foss em, como ensino - e tnnsform:uia o auxilio a eHas escob s em primeira os dos comunistas, tn'lquiavélicos, mas caracteristicamenle devidos prioridade. A abordagem popperiana traz es ta pronta conseqijcn-à debilidade. Desde essa época, Popper descrê: dos partidos social- eia: em vez de e: ncam inhar o pensamento para a construção da

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Utopia, l c\'3-0 a d~.scob,jr c tcolar remover os especificos males sociais que estão afetando os seres humanos. Sob esse :l spect~, é, antes d::= tudo, wna abordagem de caráter prático, encerrando, não obstante, o propósito de prOv0C2r u~nsforDlações . Parte de uma prcocup3ção com os seres humanos e envolve permanente e ativa de terminação de rc=modelar .-.s insliruiç5es.

"Reduzir a infelicidade 30 mínimo" não é apenas urm for-, muJação negativa da máxima utilitarista " Elevar !!I felicidade ao máximo", Hli, no caso, uma assimetria lógica: não sabemos como fazer fdizes as pessoas , mas sabemos como lhes reduzir a infeli. cidade. E os leitores estabelecerão, desde Jogo, analogia entre este ponto e li possibilidade de serem corroborados ou contesta.· dos os en'.lllciados óenúficQs. " Creio que do ponto de vista ético, não há simetrÍa entre sofrimento e felicidade ou entre dor e prazer. .. Do sofrimento hUffi3no se levanta um clamor de matiz moral , invocação de auxílio que não tem similar em pedido

t de aumento de felicidade fei to por aquele que eSTá bem. (Outra crítica ~sível de dirigir contra '3 fórmula utilitarin3 ' conseguir o máximo de prazer' é a de que tal f6rroula presume a existência

( de uma eSCila contínua prazer-dor que permite ver os graus de dor como graus negativos de prazer. Do ponto de vista moral, não pode a dor, contudo, su comrabalançada pelo prazer e, espe· cialmente, cão pode a dor de um homem encocaar contrapartida , e equihôrio no prazu de outro. Em vez de ple.ite-ar a maior felicidade para O maior númuo, deve·se, mais modestamente, plcitear o menor sofrimento possível para todos; e O sofrimento

( inevitável - como o que provêm da fome, em épocas de falra de alim~to - deveria ser plrtilhldo em termos d-J maior igual. dade possívd ~.)

A abordagem do problema por esse :ingulo conduz, como Popper actntua acertadameme, a uma contínua correOle de exi· gências de ação imediata para remediar os enos identificados. E ui ação é do tipo que se presta a merecer ampla aceitação e a resultar em visível mdhoria. Popper mostra-se, ainda, e pro-cedentem~nte. preocupado em evitar o utópico qu~ , na prática, se revela de caráter intolerante e :tutaritário (panto que 3profun.

a The Opw SOclt'!)' (1I:d lu Ell tmit'J, \'01. i, pp. 284-285.

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daremos r:o proXlffiO capítulo). Há, porém, dúvida quanto a s:'lber se "reduzir a inIelicid3de ao mínimo" tem alcance sufi-dente para se constituir em [D:ÍJ(ima política fundamenta: , níio obstante seu alto valor heuristico. Limita·se ela a retificar abusos e anomalias, dentro de um sistemlt já beistente. de distrib'Jiçãa de poderes, bens e oportunidades. Literalmente considerada, pa-rece, i:::ldusive, deixar de contemplar medidas liberai s moderadas como O subsídio estatal par-a l1S artes e a construção de piscinas e campos de espone com fundos municipais. Uma posição tão extremamente conservadora scria anormal conseqüência da radical filosofia de Popper, pelo menos em uma sociedade opulenta _ e foi visu como demasiado conservadora até mesmo por um político profi ssional de orientação conservadora 6 - e o próprio Poppe.r não dest:jaria deta-se aí. Devemos fazer daquela má-xima uma regra metodológica a aplicar de inl'cio, agindo, em seguida, conforme as conseqüéndas, mas sempre que possível reexaminando a situação, com vistas a uma formulação nova, n::ai~ rica, aperfeiçoamento da inicial. A segunda regra é: "Eleva~ ao máximo a Jiberd3.de de as pessoas viverem como desejam." I sso requer maciço emprego de recu rsos públicos em educoção, artes, habiração, saúde e todos os outros aspectos da vid3. soci<ll _ sempre com o objetivo de ampliar a gamo de escolhas c, portanto, a dimensão de liberdade aberta às pessoas.

ç Sir EdwJ:rd Bor k : N~w SOâ~/)", 12/9/1963 .

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OS INIMIGOS DA SOCIEDADE ABERTA

Embora a meu ver, nos ruas de hoje, o aspecto mais rue. vante de The Open 50ciny and ItI Ent'mieI seja a filosofia da democracia social ali pregada e embora esse: 9Specto faJasse de peno ao coração de Popper qwndo eSCIeveu o livro, cão foi a razão principal da ehboração da obra . Importa lembrar que durante a maior pane do tempo dedicado à redação, Hhla es. tava alcançando êxito após êxito, conquisracdo quase que a totali. dade da Europa, país depois de p:ús, e penetrando profundamente Oa Rússia. A civilização ocident.al defrontava·se com a ameaçl próxima de uma nova Idade Obscura. Em circunstâncias tais, o que preocupav2 Poppe:.r era coruprc:t:oder e explicar a atração das idéias tmalilárias, fuendo O possivd para solapá-lu e para proclamar o valor e a importância da liberdade, em amplo seno tido. Esse vasto programa coloca a filosofia dOI democt3cia em contexto dos mais estranhos, estranho no que ~ refere ao tempo, bem como ao lugar.

Próximo .ao núcleo da explicação que Popper oferece para a atração exercida pelo totalitarismo, COI0C3-se um cooceito sócio-psicológico por ele denominado "tensão da civilização" _ conceito relacionado, como ele reconhece, ao fonnulado por Freud em A Civilizoção e Seus Descontentes. Com freqliênda, vemos afirmado que a maior pane das pessoas realmente não descja a liberdade, porque libercbde envolve responsabilidade e a maioria das pessoas tcme a responsabilicbde. Indepe:odullcmente de isso aplicar-se ou não aplicar-se à "maioria das ~soas", há, estou seguro, um importante elemento de verdade na afirmação. Acei-

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lar responsabilidade por nossa vida equivale a eo{r~tar coolinw. mente escoLi.as e decisões difíceis, suporundo-lhes as CODseqü~. das quando errôneas, e isso é desagradável, para MO dizer assustaGor. Exisle em lodos nós algo de infantil. uly~, que apreciaria escapar a esse peso, vendo a c:uga tirada dos ombros. Não obstante, sendo o de sobrevivência o nosso mais forte ins. tintO, nossa nect"Ssidade mais profunda é, provavelmente, a de S(:guranÇ':!. Dessa forma, só nos dispomos a transferir respon. sabili~e para 3..Iguém ou para alguma coisa em que depositemos confiança maior do que a depositada em 065 mesmos. (Tal é a razão porque o povo deseja seus governantes "melhores" do que ele éi porque o povo acolhe tantas crenças imp6usívci3 que te. (orçam aquela confiança; e porque se perturba tão profunda. mente diante da revelação de que a crença é infundada . ) .Dese. jamos que as difíceis e inevitáveis decisões que disciplinam nossas vidas sejam tomadas por alguém mais forte que nós mesmos e que, nio obsta0 te, considere de pertO nossos interesses, como O faria um pai severo, porém benevolente; ou nos sejam ofere. cidas por um sistema priÍtico de idéias que seja mais sábio do que n6s e .só nos leve a incidir "em poucos erros ou cm nenhum. Acima de tudo, desejamos ver-nos libertados do medo. No fun. do, a maior parle dos temores - incluinJo os temores básicos, tais eomo o do escuro, O de es tranhos, o d:. mortc, o d!Js con. seqüências de nossas ações e o do futuro - siio formas do medo do desconhecido. Assim, estamos continuamente chmando por garantias de que o desconhecido seja conhecido e que aquilo que nde se contém seja algo que, de uma forma ou de outra, desejamos. Abraçamos religiões que nos garantem que não pc. receremos e filosofias políticas que nos asseguram que a socie. dade se torrY<lrá perfeita no futuro, talvez em fururo p róximo.

Tais neces.sidades foram satisfeitas pelas inalteráveis certezas das sociedades p~<ríticas, através de apc..lo à autoridade, hierac-quia, ritual, tabu, e assim por diante. Na medida em que o homem. emergia do tribalismo e se iniciava a tradição crItica, novas e assustadoras exig~ncias começaram a s« feitas: o indi-viduo deveria pôr em questão a autoridade, questionar aquilo que sempre havia admitido e assumir responsabilidad~ por si mesmo e por oulros. Em contusle com as velhas ce.rtczas, isso ameaçava a socied:lde de ruptura e o indivrduo de desorientação.

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° Como resuJtado, houve, desde o começo, reação conlra esse es-tado -de coi sas, tanlO da parte da sociedade em geral, como (e esse foi, em certa medida, objeto de consideração de Freud) no interior de cada indivíduo. Adquirimos liberdade à custa ·de segu.ranÇ':l, iguald~de à custa de nossa autO-cstima e autocons-ciência oíuca à cus ta de nOS!.3 pu de esplrüo. O preço é aho: nenhum de n6s o paga alegremente e muitos não querem pagá-lo. Os melhores dentre os gregos n50 tinham dúvidas aCeIea dos mé· ritos dessa pe:nnuta . "Melhor", diz.iam eles li. propósito do maior dos seus criticos so:::iais e contesllldoces, "ser um Sócrates descon. tente do que um animal contente", Houve, contudo, uma reação, que levou S6crates à morte, em vista de sua atitude contestadors. .

· , A partir do seu disópulo Platão, nunca mais deixou de haver figuras dIa mente dotadas que se opunham à sociedade tornar-se mais "aberta". Desejavam que ela retrocedesse ou avançasse no sentido de uma sociedade mais "fechada".

Assim, desde o despertar do pensamento crítico, o que se deu COID oS pré-socráticos, :1 tradição desenvolvimentista da civi-lização tem visto caminhar, par::alelameme a ela (e talv(:Z fosse mais correto dizer, caminhar dmlro dela), uma tr-ad..ição de rea· ção contra as tensões que se originam d3 civilização; esta última tradição produziu filosofias de retorno à segurança inicial própria de uma sociedade pré-eritica, ou tribal, ou filosofias de encami· nbamento a uma Utopia. Uma va que esses ideais reacionários e ut6picos pretendem dar atendimento a necessidades semelhantes, apresentam afinid3des profundas e essenciais. Ambos rejeit:lm a sociedade ~istenle e proclamam que uma sociedade mais per· feita surgirá em algum momemo. Conseqüentemente, ambos tendem a ser violentos e, não obs tante, românticos. Quando se acredila que a sociechde vai passando de m:ll a pior, deseja·se pôr fim aos processos de 3heração; quando alguém se vir estruturan· do a-sociedade perfeita do futuro, desejar:i perpetuar essa mesma sociedade, ao alcançá-Ia e isso também significará deter os pro-cessos de uansformação. Dessa forma, UntO os reacionários como os ut6picos alme jam uma sociedade estagoalh. Como a transfor-mação só pode ser impedida pelo mais rígido contrOle social , - privando o povo de fazer qualquer coisa por ínicialiv'3 própria, para impedir as graves conseqüências sociais dessa atuação -ambos aqueles ideais conduzem ao totalitarismo. Esse clesenvol·

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\'Imemo está neles inerente desde prindpio, embora ao man i· festar-se leve a dizer que a teoria foi pervertida. Já se tomou lugar comum ouvir dizer que esta_ ou aquela teoria reacionária (e.g., que a mais ef:C:lZ lorma de governo seria uma dita· dura) ou teoria a respeito de um futuro perleito (e .g. , o CODlU-nismo) é muito boa como teoria, mas, iofclizmenre, não opera convenientemente na prática. Trata-se de urna falácia . Se uma teoria deixa de operar adequadamente na prática, basta isso para mostrar que eno=rra algo de errôneo (pois que exatamente esse ponto, desconsiderados quaisquer outros nspectos, é O critério do experimento cientiüco).

Embora 3S coosequências . práticas das teorias reacionári:Js e utópicas se:j-am socie<i2des como as de IDder e Stalin, o desejo de uma sociedade perfeita por certo que não tem raizes na mal. dade humana, mas 00 oposto. Os mais horrorosos excessos têm sido perpetrados com sincera convicção moral poI idealist3s, cujas intenções eram inteiramente boas - por exemplo, os que se ligaram à inquisição espanhola. As autocracias ideológicas e reli-giosas e as guerras que formam parte considerável da hist6ri 3 ocidental, são a mais contundente exemplificaç1io do provérbio "O CUDinho do inferno está p:wimcntado com boa~ intenções" . Não sâo apenas os tolos que caminh;!m 30 longo c1ess ;1 trilha; em verd3cle, o sentido de insati sfação com :'\ socicdndc existente, que atinge as pessoas, muito mais comumc:nte se ô'ls~ocia à inte · ligência e à imaginação do que à sua -ausência. Os nio inteli· gentes e não imaginativos tendem a aceitar a.s COiS3S como as encontram e a mostrar-se conservadores. Assim, a revolta contra a civilização - isto é, contra as formas que na realidade reve3· tem a liberdade e a tolerância e eontra as SU3S conseqüências, no que diz respeito à diversidade, conflito, aceitação das transfor· mações impre:visfve:is e incontrOlíveis e à insegurança que se 3bre em mw uplas facetas - tem ~ido , corno anteriormente sugeri, comandada por alguns dos maiores líderes iotelectuais da huma· nidade. O gênio desses líderes colocou-os de maneU-a " oatural" e confonável no seio de uma elite - que significa desprezo pelo conservadorismo ineMe do homem comum e, conseqüentemente, uma não 3ce:itação prática do igualitarismo e da democracia. Popper, ao dirigir ataques contra os írúrnigos da sociedade aberta, lltribui à maioria deles os motivos mais elevados e a alguns deles

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a mlis 2ltJ inttligtncia, reconhéce.ndo que apd.1I1ll a alguns de nossos nuis puros instintOS e tlX:l.m ~ pontos de jo~g:.Jl'2Dça profundamente enraizados c=m todos nós.

Popper toma Platão como o supr~o exdllplo de filósofo d~ gênio em cuj:a teoria polític3 se inclui um desejo de retomo ao passado e dirige uma extensa e ponnenorizada crhica a essa teo-ria no prime:r.) dos dois volwnes de The Open Saciely and 11s Enemin. O segundo volume contém uma (Crúc. a.náloga, diri· gida contra Marx, como o supr--..J"CO filósofo cuj.a teoria Iilntecipa um futuro per!eito. (Poppc-r distingue o mn:zumo de teorias utópicas, por motivos qu!: se lornuão cbros m.ais ad.i.s.nle. porém se coloca em oposição ~ ambos.) Sua maneira de UlÍrenur esses, poduosos OpoD~tes e, an panicuhr, Mux, CODstirui, por si mesma, uma das mais importantes lições metodológicas que se pode retirar de seus escritos. Ao longo de toda a história da advocacis e da controvérsia, a abordagem escolhida, mesmo por polemistas de gênio, como Volu..ire, tem sido a de procurar e atacar os pontOS fracos da posiçio adversária. Isso e.Dct:rTa uma desvantagem séria . Todas 25 posições apresentam ângulos mais ftllcos e mais [artes e li atração Cjue exercem se liga, obviamente, aos últimos; assim, atacar OS primeiros pode ClUSlr embaraço IK)S adeptos da doutrioa, mas mo destruirá as bases sobre as qtu.is se asseDta a adesão. Essa é uma das ru.õe.s porque as ~soa5 uramente alteram seu poDtO de visa depois de se verem infuiorizada.s em uma discussão. Mais freqüe.memeotc, um revés dessa ordem leva·as li forulettron a própria posição, no sentido de que as leva 3. abandonar ou a aperfeiçoar as porções mais fracas da posição em que ~ colocam. Ocoru, com lreqüénóa, que, quanto mais discutem duas pessoas .inteligentes, mais .se fortalece o ponto de vist.a de cada qual, pois os modos de ver se aperfeiçoam constantemente como resultado da críua que re· cebem. A análise que Poppe.r faz de tal situação é cUel. Busca - e consegue, nas welhores ocasiões - ideotifiar e at2eaJ o ponto mais (orte da posição de sd.1 0IXlDente. Na verdade, antes de atacá· In, tenta rdorçá-lo. Procura ver se suas fraqueuas p0-dem ser :!.f.15tadas, se alguau de SU2$ formulaçõc.s :admite 3per· feiçolmeoto, concede·lhe o benefício das dúvidas possíveis, ignota certas falhas 6bvias e então, tendo aquda posição de!eDdicL1 cU melhor forma possfve:l, ataca·a no Cjue ela tenha de mais poderoso

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I: aLrAeIllt:. Esst mélodo - o mais sério qut se=: po!>5a cooceber, Jo prisma iDCdCCtllÜ - é apaixonaote; e seus resultados, quaado :I!cança êxito, são devastadores. Com eJe.ilo, em tal hipótese, nenhuma versão imagináve1 da posiçip denotada é passlve1 de reconstrução depois da mtica, pois todos OS seus recursos conhe. cidas e reservOls de substância i' escavam p~ntes na forma qut: [ornou ao ser derrubada. Isso é o que se peo.sa haver Poppa conseguido em relaç3:o ao marxismo - daí o CODlenúrio de Isaiah Berlin. citado na. sentença de abertura deste livro . Devo confessar que não percebo como um homem racional, tendo lido ;l critica dirigida por Poppc:r contra Mant. })OSs' continU2r smdo marxista. E5~ é ponto, eotreuUlto, a que logo voharemos.

Nos meios acadêmicos, O asp«1o mais C'OIlttovttti.do de The O~n Society and 111 Enemies tem ~do sempre o .tague dirigido t"Onttll Pl.atio. A maior parte dos comentirios dessa ordem caroce de funchmento. Já ouvi muitos OIdrruti.rem Cjue o primeiro vo· lume de The Open Society é, antes de tudo, uma entia feit. ;1 Piatio, que Popper diminui a estalUra de Platão como mósofo .: Cjue foi "totalmente refut~do", ou algo semelhante. pelo exce· lente, bem documentado e erudito liv ro de Ronald B. lLvinson intitulado In DelenJe 01 Plato (ao qual Popper replicou num I1ddendum à qu;ru. edição de Tbc O~n 50âcty, surgida em 1961 l. Nada disso é verdade. Popper refc re·~ ~ Platão clara-mente, chllmando-lhe "o maior filósofo de todos 05 tempos" (pg. ' )8 ) e emprega , naturalmente seUl ironit. , "com toda a força de ~ua inigmlada intdigênci~" ( pg. 109 ), e frases semelht.ntes . Pnpper endossa, em verdade, a observação de 'Whitehead, se· gundo a qual toda a filosofi .. ocidental é um conjunto de notu de pé de página, apostas aos textos platônicos. Além disso, não ~: o prop6sito principlII de Pop?Cr dirigir criticas a Platão. te· vinsan eoloa a questão em termos corretos ao dizer, no [n De· Icnu 01 PÚJIO. :1 pg. 17, que "O õalaque de Popper é o aspecto ncgati \'o de sua própri-3 convicção positiva, que orienta coda 11 "hra , ou seja , a de que a maior das revoluções consiste ouma ll.:lssagem da "sociedade fcchad. " ptr1 a "sociedade aberu" -um:! aSsoC~io de pessoas livres que respeitam os dir~tos alheios, num sistema de rderência de proteção mUhJa, ofuecido pelo Estado, e que alcanÇ3mJ por meio de decisócs raciOMis e respan· ~ ~íve~s , um cresct:nte aumento dos v~lofes humanos e a vida cheia

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de: sabedoria", Longe de rejeitar tOl1llmeme o juizo que Popper faz de Platão, Levinson acaba 4coInendo a pane mais notável desse juízo. " Em primeiro lugar e $101m de tudo, concorwmos com a idéia ck que Platão propunha, DOS termos de Pop~, o "fechamento" de sua sociedade, na medida em que isto corres. pondia li :1ITI3 ar:egimentação dos dd3dãos comuns (pg. ' 71 ). . '. O ideal político de Plalâo pode ser classificado, sem erro, como ideal altamente dife renciado das muitas formas de governos 3utorilários abrangidos pc}, definição g~érica dacb pdo Websler de lotalit.llrísmo; umbém pode, como vimos antes, situar.se no âmbito do "totalitarismo", respeitando a cuidadosa mane.ira de entender o lermo em Sabine - como governo que 'oblitera 11 distinçio tlllre llS áreu de jufro privado e 8S de CODtrole pú. blico' " (pg. '7J) . Lcvinson nâo concorda com muitas das o~r. vaçóes de Popper , mas sempre re3pe1ta "seu amplo conhecimento de muitos selores do pensamento." e " sua irrestrita ldesão lOS idc..3 is lilxrais.democdticos, a cuja defesa se dedica todo o t r3' b-:Ilho (The Optn Sodety anJ lu Encmits )" (pg. 19) . A idéia muilO repetida de que $. erudição quC' Po.pper rnel3, ao falar de Platão, está chW de pormeno.res sem interesse é, ela própria , uma idéia cheia de pormeoo.res sem intaesse - no sOltido de que é reitenc:b sem base. Não há culpa, entretanto, dos filósofos de maior emioência. Bc.rtrand Rus.sell escreveu: "Seu ataque a Patio, embora Dio ortodoxo, é, segundo aeio., inteiramente ju!-ti{icado" e Gilberc Ryle, que é notável especialista em Platão. deixou registrado na resenha que fC'2 do livro de Popper, para Mind: "Seus estudos a propósito da história grega e do pensa. mento grego, form, sem dÚv1dt, profundos e originais. A exe-gese platônica nunca mais se far:í n05 termos antC'Oores." Um quano de século depois. a lr3Vés da BBC Rádio 3 (28 de julho de 1972 ), Ryle volloo a endoss.ar, expliciumC'nte , esu maneira de ver.

O p13tonismo, como lal , nio é uma qUC"Stão VIV:I no pano-rama político e social do mundo moderno. Como nio o é, tam. bém, .a füosofi.a dos pré-socráticos . Mas o marxismo é. Com efeito, sob um aspeClO profundamente prático, a contribuição. de Marx , tal como se apresenu em Í:Jce d2 siruIÇão de nosso tempo. não tem paralelo 03 h istória da hum.anidade. Há menos de um século, vivia em Ha mpstead, com sua esposa e filhos, um inte-

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It-ctua l já cam 50 anos com;>letos, que devotava seus dias a ler " escrever, R:ndo pequ~o a conhecimento que dde tinha a pú-1.lico . Menos de 70 anos após sua marte, um terço de toda " espécie humana, inclusive toda a Rússia e seu império. e toda ;l China, adat'J ram formas de sociedade que têm denominação ,·alc..da em seu nome. Trala-se de um fenômeno cujo carÁter l'x traordinária n 3"o foi ainda, segundo ~sa, suficientemente con. ~iJcr3do. Paucos negarão, porem, que Marx é o fil ósafa que 1Il:!ior influência exerceu nos últimos cem anos e que é impos• ~fvcl compreender o mundo a nde hoje vivemos, ~m algum co-IIhecimento de SU3S idéias políti~s e sociais. Ao contrár:'o do l{U C hÁ vinte ar.os atrás ocorri.a, o in teresse atu al pelo marxismn, <:m nossas lL.'1iversidades e n os meios intelectu:lis jovens, em tod(1 " mundo ocidenw, está lumeol.ando e não diminuindo.

Panto central do m:I.CXismo é 5U:I afirmação de canst ituir · ~c em douuina científica . Marx v i l.!·~ a si mesmo con!.. , pm ;l ~sim dizer, o Newton a u o Dacwin das ciénci:'!s hi~It·,rjl·: I'i . !,uH ticas e econô micas - em verdade:, d:tquc b s quI,; po. krí:tu"')t. dc manei.r3 geral, denominar ciênci~s soc i :t i ~. " J)cdinltl M'U livro (Dar Kapital) a Darwin , por quc m tini.:'! 1lI;li.,r :l.llIlir:II,~ .u iUII ' k-c tu:1l do que por qU3 lquer de SI· II .~ IIlIt111'i (·.I\lIt·III I ..... i .. n.·.. I.:llCaGilndo-o coma alguém q ue. I!m,;.", ;( ~ II:I .n ...i:. ,I .• \·\·.,1"\:.,, .' da seleção natural, havia fc itu IX·I.! 11101 ('II"I~ i:t ,1.•. ; • i,'·II. i .• '. 11 .1

11Ir2is o que ele própria es tav:! (<: III :lIId.. f.'".t"t 11" ' ·.I"'!>" .1.1 I.i '. rória humana. Darw:n dec linau pruntl lllt: III.· ,I.• 1./11:1.1 .• 1111 .. ;. ,;u ta polida e C2uteloumente escrita, d izc!ld" )OL". illf.·lil.lt't"llIt·. i~norante da ci~ilcia econômica, mas dCs:: jl ntln <~x it t) :Ito :111101\" . n~qui lo que ele entendia ser um objelivo comum :\ :\1111>",

(I pragressa da cOllhecimento humano '. " O núclcu tI:. qt\(:~ I :'" é o ~guUue : Marx acredilava que o desenvolvimento doiS S'I\.·;.· tl:ldc:s hum:iln3s es tava disciplinado por leis científicas, d:'ls qua i)o de e ra o descobridor. A concepção que fazia da ciência ~ r :l (ill l" vítavelmente ) pré·cinsteinian3.; À semelha.'lça dos hornnes bem ínformados de ~u tempo, julg3va que Newton houvesse desco. hCIta leis naturais disciplinadons dos movimentos da matéria no espaço, de tat modo que, conhecidos os d:J.dos relevantes a respeito de qu:uquer sistc ma físico, se ria possível predizer-lhe

Jw2.h Bcrlin, K"fl M"f", pg. 231.

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todos 05 eSt3dos futuros. Fodemos predizer o momento do $01 se levan tar cu se dei.ar, O~ eclipses, os DJoviroeotcs d:ls rr.arés, e assim por cL:antc. Con:udo, embora as Leis Naturais DOS per_ tnio:am p~edizer o Cutuco do sistema solar, não DOs c<lp-.lcium a exercer controle sobre ele. A~ Leis - caberia dizer _ agem com férrea necessidaàe, produzindo resultados inevitáveis, que esta-mos ~ cond.ições de prever, aias não de alterar. i\1arx con. templou as suas descobertas sob esse mesmo prisma e firmou o paraJe!ismo valenclo-se de tennos retirados da teoria newto-niana . Em Das Kapilal, de descceve sua atividade aünnando haver descoberto as "uis Narurais da produção capitalista"; adverte-nos de que "mesmo qU3nclo uma sociedade trilha os ca. minhos cert~ que a conduzido à descoberta cUs Leis N3turaiS de seus movimentos - e é objetivo desta obra colocar de modo explícito a .Lei Econômica de Movímento da moderna sociedade - ela não eStá em condições (seja por meio de saltos ousados, ~ja por melo de estat utos legais) de afastar OS obstáculos que se apresentam nas fases sucessivas de seu desenvolvimento nor-mal. Acontece que as leis, ou tendências, agem com férrea ne<:essidade, conduzindo a resultados inevit3:vei3. O país mais desenvolvido industrialrnemc só pode mostnlr O futuro que espera o país menos desenvolvit!o".

O fotto de que Marx recebia com agrado o futuro inevitável é irrelevante, do ponto de vista científico. Falando estritamente, Marx n;'io podia defender o futuro inevílávd, assim como um astrônOmo não pode deIender um eclipse que teve conwç&s de prever; podia alegrar-se com a comernplação dos acontecimentos, antecipar OUtrOs e sentir-se feliz com a sua chegada. Móltx insistiu várias veles no caráter científico de sua teoria : ela fazia des-crições, mas não prescrições. Rejeitava, por contraste, outras for-mas do SocbJismo, que classifica\':!. de "ut6picas" _ 1005, na melhor d:ls hipóteses, meus vjslk~, na pior. Popper aceita essa distinção que se traça emee, de um lado, a crença marxisu. de que somos impotentes para fixar os rumos da história e, de outro lado, a crença utópica de que est:i em nossas mãos :l capacid.3.de de construir a sociedade pcrfeit.3.. Em TCalid:tde, o m:lrxismo foi amplamente dissernlfl.3.do como se foca uma cr~ça deste segundo tipo e nessa condição chegou a ser acolhido pela m:lioria dos comunistas - q ue são, pois, "marust3.S vulgares", na acepção

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,I<- Puppcr, ou "socjalíst.3.~ lItópicos", na acepção de Marx. Se, :'.unJu creio, o comunismo c: utópico, mas 030 o marxismo, de IllOdo quI!' ;lquela distinção importante eleve ser retida em nossos "~ I,íri los.

Conseqüência nOlável do fato de o mancismo comparar-se à ,-j",Kia é a de que deve, pua não ,,\ir em contradiçcXs, defender, rom l:x~IO, /JO plano das discussões cíe:HiJie.3s, as posições que :Hlvuga. Em caso de derrota, nesse plano, não lhe resta outro J'l'CurSO, ~is fica impedido de lançar mão de outras formas de ;lrp:umentação. Em resumo, O marxismo deve submeter-se a testes " :lcciur :as conseqúências deles advindas. O que se admite é klVcr Popper derrubado os proclamados alicerces científicos do marxismo - que se viram abalados a ponto de impedir uma rl'construção da teoria. Popper não abalou os alicerces do mar, )..ismo tentando mostrar que a teoria é irrelutável. O m.3.cxismo vulgar é irrefutável, mas Popper não comete o erro de j;ttríbuir l·~~t macxi!'.mo vulgar a Marx . A teoria de Marx, uatada com a ~cricJade ioteJectual que merece, permitiu número considerável .1,· previsões falseáveis - as mai~ import-antes das quais se mo~­Ir.lr.lffi, de fato, falsas. ExempJilicativamcnte, somente os países npita list3s plemmente desenvolvidos poderiam. de acordo com :1 h,;ori.3, tornar-se comunistas; CO:lScqüCnlCmCnIC. HXIaS :15 socic-,h.!\';, deveriam preliminarme::ne completar :1 f ;1SC GllJit;lli~t:l , :l!lll'S de se voltarem para O comunismo. Contudo, rc~s ... lvanJo-sc (I C.Nl da Checoslováqw':l, lodos os países que se tornaram comu-lIi~t:l l> :ur3vessavam fases pré·industriais - nenhum deles chegou .1 ~l'r urn:l sociedade capitalista plenamente desenvolvida. Se-~:I/lltk> a :.eoeia, a revolução teria de asssentar·se no proletariado illdusniaL Entretanto, Mao Tse·Tung, Ho Chi·Minh e Fidel (:;I>1ro refut:lram a previsão, baseando suas bem sucedidas revo-111,''-''''':> nos camponeses de seus respectivos palses. Segundo a (·ori;l. exis fem ponderáveis tnóes para que o proletariado indus-ui .•1 se torne mais pobre, mai~ numeroso, mais revolucionário " '-"01 maior consciênda de chsse. O que se COnslata, porém, , In .l,· os dias de Marx, nos países industri:alizados, é que esse I,rnj(': :lriado se vem tornando mais rico, [em diminuído em nú -Hino. esrá perdendo a consciência de classe e se lornou cada vez <1"'11'''' revolucionário. De acordo com a tcoria, o comunismo s6 J""lni:l ser implantado pela ação dos trab:llhadores. das massas.

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N" re:ltidllde. COntuJo, em nen hum p;tí:; ( ne=n mesmo no Chil e) o partido comur.istd conseguju 3;>oio das maiorias, em eJe:ç&s livres. Nas países em que o partido comunista consc=guiu do. mínio con;pleto, isso se deveu a uma imposição feita por um exér. cito - geralmente de naç50 estrangeira . A teoria também previa que os meios de produção do capitalismo se cOnctO lrariam nas n:ãos de um número cada vez menor de pessoas. Todavia, com a criação d:ls companhias de capital social, li proprjedade ~ dis-persou de lal maneira que passou as mãos de uma nova d:lsse de administradores profissionais. O surgimento dessa classe é, por si me~mo} refutação da previsão marxista, segundo a qual todas as dasses t~deriam a desaparecer, polarizadas em ap~as duas - :I classe decrescente: dos Capitalistas, dos proprieúriO$ e contro13dores que não trabalhariam , e :1 dasst:: cada vu mais ampla do Proletariado, que trabalhari/!. sem tt::r propriedades ou exercer controle.

~ outra parte , para encarar o lema sob OUtro prisma, o que Marx e Enge1s tinham 11 diur aceoca das ciências tomou.se obsolt:to em virtudt: do próprio dest:nvolvirnt:nto dessas ciências; as concepções acerca da matéria, por ext:mplo, viram-se superadas pela física pós-einsteiniana; e as concepções acerca do compor-tamento iodividuai fotam suplantaJas pela psícologja pés-freu-diana . O fundamemo ricardiano da economia m:trXiSt:l foi aban-donado depois de surgidas as idi ias de Keynes ; a lógíca ht:gt:-liana, que serviu de base ~o marxismo, também foi olvidada quando surgiram as lógicas p6s-fregianas. As idéias marxistas acerca do desenvolvimenro das instituiç&s po1Jticas também di-fe riIam muito do que re.Umente ocorreu _ sobretudo (creio eu) porque não levavam em COOl'2, com a ser iedade devida, o cres-cimento da democracia parlamentar. E sta falha foi decorrência da própria teoria marxista, que impedia os seus adeptos de encarar seriamente a possibilidade de um tal crescimento.

Tudo isso é re.fu[aç50 da teoria _ uma teoria que reclama Jlnlm científico em razão de "3dotar o método básico de submeter suas previ~s ao teste da ex~riência, podendo concluir que são falsas. Lembremos, contudo, referindo-nos a capítulos ~teriores , que embota seja esse o teste mais importante que orna teoria deverá vencer. não é o unico: tem da de preencher :linda os critérios lógicos de compatibilidade c coerência interna . O ponto

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fu ndamental do marxismo, de acordo com o gu·al o dese nvolvi mento dos meios de produção é o único dete: rminante de uam· formação social , revw-se logicamente incoerente, pelo fato dt: 4ue a teoria não pode explica r de que m:1oeira os mdos de pro-dução se desenvolvem, em vez: de permanecerem os mesmos.

A concepção de Marx, de acordo com li qual "3 hi st6ria se desenvolve de conformidade com leis científicas, é um exemplo do que Poppcr denomina " ru stor icísmo" . " Considero 'hi stori-cismo' a forma de abordar as ciências sociais que presume ser ;\ pr~IIÍJão histórica O principal objetivo e que presume scr esse obje tívo atingível por meio da descoberta de 'ritmos' ou de ' pa. drôcs', 'leis' ou 'tendências' subjacentes à evolução da histó ri;l, ~ Exemplos de crenças h.istoridstas são: a dos judeus dn Vdllo Testamemo, na missão de povo deito; a dos primeiros crisl;j"., . na inevitabilidade das conversões em massa, scguicbs pd ;. !>• •

gunda vinda ; a de alguns romanos, no destino dI: 1("111.1 . \." ..... dominador·a. do mundo; a dos liberais ilumi n i s l:l~. 11;1 ill t·v\ t.II,ili dade do progresso e na perrec t!bilid;tdc elo IW I1lI"IIl: ;, ,Ie IIlIli[""-socialistas, na i"evitabilid3de dn S( 1(·i; . li~ 1I 1" : :\ .I,. 11 !l !' ·I . ILI criaçio de um Império J c m il ;Ulll" . 1\;1"", rd ...·j ••II .cr..... , ••1.:<1 .. ·. dos mais Íolmosos excrnrlos !,:lr:1 n"I: lrmo., " ·.•·u h.ci , •• lu. I;, " de concretização. Dejx3Ja~ dI: 1.1<1" :011'.1'111.,·. [( ·, '1 i.I·. '"' I" ·' li ...,.. é muito difuod ida a noção dt: qUl· .1 1...;!,i rl:1 ,In·(· I,·, 111'1.1 ,1.-·.[1 nação; s.e não isso , u ma [r:.l m:1 I'rúpfl:1" 11. ,h· qU:d'l,wl 1", ,, 1, , . '''I) significado ou, pelo menos, alJo; ulII tip" .1..: p:,d,·a...1, · ""·" ·' '' ·•.1

Desde que se pretenda debater :;c:ri;UIII·nh" .1 III<" \' i[;.I"I .. I... I, histórica, torna·se possível oferecer um limitu do mim...... ,I. ' 1"\ " lc cações. A história estará sendo orientad<l po r algum.1 11I[,·li/: '·11< 1.1 exterior (usualmente Deus), de conformiJ<l Jo..: (()III 1"·"I"·,,il'O:. próprios. .Ou a h istória eSlará sendo impelida po r :.d~III11 :' ill[..!1 gência interior ( espírito imaneote, força vital, ou alguOI:I t.·llI idat!\.: como " o destino do homem"). Ou não h3\'eJá, de modo alv,lIln . csplrito, caso em gue deverão b tar operando processos Il Hll l' ri ;ti~ de caráter inteiramente determ inista. As duas primeira s all t.: CI1;I· (ivas têm, de forma óbvÍ2, feição metafísica : não são reful h cis e , por «:110 , 030 são científicas. A terceira apoia-se numa co n-cepção de ciência que não i mais sustentável.

2 Th~ POU~rl"l o/ Historieis,,,, pg. 3.

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As razücs que levam Poppcr a rejei tar essas concepções de-f[uet:l claramente de tudo q U!lDtO ~tc livro já se c:!eL'lfo:.J r::gis-t!:!.do. Eie ~ um indeterminisu, acreditando que a trans!orma-ção é o resu:tado de nosS1S ten:;a':.Ívas de resolver probJero3s _ e que nOSS1S teot:uiv:lS de resolver problemas envolvem, ent!e outros imprevislveis, imaginação, escolha e sorte. Com referên. cia a esses elementos, so:nos responsáveis po= nossas escolhas. N:l roedida em que: qualquer processo de orientação esteja ope-rando, somos n6s que impelimos :I história para frente , por meio de nos5a iote~~o coro OS outros e com o ambiente físico (o qual , coruo espécie, não criamos) e com o Mundo J (que, como es-p&-ie, criamos, mas que cada indivíduo herda e só muito redu-zicLamenle pode alterar) . Quaisquer propósitos que 11. história incorpore serão nossos p ropósitos. Qualquer sentido que a his-tória enttrre será o que nós 1he demos .

Do ponto de vista desras idéias, Popper combate todas as teorJas historicistas. E aquela Contra a qual dirige o ataque mais poderoso lo marxismo, tanto porque essa é a doutrina que, entre todas as doutrinu hisrorid stu, maior influência exerce sobre o mundo moderno, corno porque é a que mais alto proclama ocorrer o desenvolvimento da história segundo leis científicas, habili. tand<>nos o conhecimenco dessas leis (conhecimento propiciado peja doutrina) a predizer o fUluro. O PODto mais especializado do "rgum~ to de Popper consiste em mostrar que não há rne.io cientIfico de um cientista ou de máquina de calcular predizer, por métodos cientfficos, qu:!.is serão os resultados futuros da pre-visão. Em termos mais populares, o argumenlo loma a seguin t~ feição. t fácil mostrar que o curso da história humana \.iu-se fortemente influenc iado pelo aumento do conhecimento hUnl3DO, lalO que mesmo as pessoas que tendem a encarar o conhecimenlo como subprodulo do desenvolvimento material podem admitir ~em incorre rem em autoconl radiçio. ê entretanto logiC3:oente impossível predizer o conhecimento futuro: se pudéssemos pre-dizer o conhecim~t o fUlUro, nós o estaríamos dominando hoje e ele não seria futu ro; se pudéssemos predizer os futuros descobri-mentos , eles seriam descobrimentos alu3is . Daqw decorre que se o futuro encerra descobrimentos significativos, isso é de pre-visão científica impossfvel , ainda que deterroiMdo independente-mcn~e de desejos humanos. Há um oUlro argumento: se o futuro

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ru~sc cicmili-C'3mcnce previsível, não poderia , uma vez descoberto, IlCrmWc::'er scerelO, pois seria, em princípio. passível de redesco· hrimenro por qualquer pessoa. Isso nos defrontaria com "Um pa· r;.doxo acerca da possibilidace/impossibilidade de adotar ação evasIva. Coro base apenas nesses fundamentos lógicos, o h isto · r;cismo se desmorona; e devemos reje:iur a noção. centlal no Iltoguma do marxismo, de: \;!1la história teorética em correspon· dência a uma física teorética .

Com o colapso da noç:io de que o fUluro seja cient ificamente prcvisivd, eo tra em colapso, também, o concei ro de uma sacie· Jade totalmente planejada . Há como demonstrar, ainda, que, do ponto de vista 16gico, isso é incoerente sob outrOS aspectos: antes de tudo, porque aquela noção não nos pode propiciu uma res· posta plaus!vtl para a pergunta : "Quem planeja os planejado-Tes ?" ; e, em segundo lugar porque, tal como anteriormente vimos, cabe espetar, em todos os casos, que nossas ações tenham con· seqüênci3s aio desejadas. Este úJtimo ponto, acentuemo·lo de passagem, expõe a falácia exis tente na presunção gera lmente feita relos Ulopist1s (embora não por Marx - na vetdade , os mar· xislas abordam esse ponto de maneira mais clJl~ que muitos social-democratas ), segundo a qual " qu:lndo :lIgo 'm:l\!' ocorre na sociedade, quando ocorre algo qu e nos (k"':1gmJ~ - com(1 guerra, pobreza, desemprego - deve i s~o ser tI r eS~df:ldo de õ\lguma intenç:io má, de algum si nistro desígnio: a l ~uém assim :Igiu 'de propósito'; e, naturalmente, alguém est:i tiT:mdo pro· vcito da siruação. Esse pressupOStO filosófico (oi por mim deno· minado teor:a social da conspiração l." OutrOS aspectos do :Haque de Poppe[ ao marxismo encontram apoio em argumentos j,j anleriottnen te expostos neste livro e de repetiçio dispensável. O mais importante deles é o de que Marx, apresenundo O que de denominou " socialismo ciendfico", errava não apenas no que di7. respeito 2 sociedade, mll$ ~i.nda no que diz respeito ~ ciência , lendo Marx um:!. concepção de ciência que Popper acrcxlita haver ' "llCr:ldo. Se Poppe.r está certo a respeito de ciência, a rua é :1 \ínica filosofia polüiC3 genuinamente científica; e, a1ém disso, " que ~ mais importante, a hostilidade conlra a ciência e are·

Por>pet, in J,[oürn Brilish PhiloJophy (0:1 . Bryan t-.bgct), pg. 67 .

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volta contra a razão, que se expressam tio fortemente DO mundo cont~mporá."\eo, estio dirigid.:n, em ve:dade, contra falsas con. cepções de ciéocia e de u,zio.

O argumelllO de Popper, segundo o qual nio pod~os encontrar, Da história, significado outro que nio o a doi empres-tado por seres hufTUnoS . tem, psicologicamente, efeito putur-bador, porque desorieOlador, sobre certas pessoas que, por força dele, se sentem coJOC'adas em uma espécie de vazio existencialista. Outras temem, que, se Poppe r está cerlO, são lnbitririos todos os vaJores e normas. Esta última iocompreensão é muito bem considerada em Th~ Opcn Society (vol. 1, pp. 64·65). "Quase todas as incomprttn,s&s :cmontam .a um maJenteodido funda-mental, ou seja, i crença de que 'convenção' implic.a 'arbitrarie-c!..lde'; que , se: formos livres para escolher o sistema de notmls desejado, um sislema será tio bom quanto qualquer outro. Im-porta, naturalmente, admitir o ponto de vista de que, serem -as !'Ionnas convenc.ionais ou llrtificiais, indica a presença de certo elemento de arbitrariedade, isto é, de que pode haver diferentes sistemas de oOrrnas entre os quais a escolha ser" mais ou menos indiferente (fato que foi devid2mente sublinhado por Protá-goras). Artificialidade não implica, eotreunto, de maneira algu-ma, total ubitnriedade. Os cálruJos m3temáticos, por exemplo, ou as sinfonias, ou as peças de te:uro são altamente artificiais e dai não decorre, por€m, que um dlculo OI.! sinfonia ou peça seja tão bom quanto outro." EJl:plicaçio completa do porque: assim ocorre e de qual acredita Poppec ser a verdadeira orien-tação do homem, sio propiciadas por sua tcoria evolutiva do conhecimemo, em panicuJar por sua teoru relativa ao Mundo 3, que se eoconua em obra s por nós já discutiebs, 0'13S publicadas em período posterior ao que orl\ examinamos .

Alguns dos argumentos de Popper contra o marxismo apli-cam·se igualmeme :lO utopismo - por exemplo, seu argumento contra a possibilidade de as sociedades ~erem "arrasadas" e subs-ulUidas por algo " inteiramemc novo". "A abordagem utópica pode ser descrita da forma seguinte. Toda llçiO racional deve ler cerlo objetivo. .t racional no mes mo grau em que persiga consciente e coerentemente seu objetivo e 0.:1. medida em que determioe os meios de acordo com esse fim . Escolher o meio é, port::lnto, li. pcimeira coisa que temos de fazer se desejamos agir

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racionalmeme; e devemos ser cautcJosos no determinar n()s~~-. fins e.!euvos, ou últimos, dos quais importa distinguir claramell t..: os objetivos que seja.m i:ltermediários, ou parcia.is, e que sãv. em verdade, t3o-somente meios ou degraus no C1minho ?a t3 () fim l1timo. Se não fizermos esta d istinção, não hav~d como ind:lgar se esses fins parci:lis são suscetíveis de levar ao fim último e, nesses termos, falharemos no agir racionalmente. Esses princfpios, se os aplicarmos ao domínio da atividade política, exigirão que determinemos nosso objetivo político último , ou Estado Ideal, antes de iniciar '1ual'luer 3ção prática. Somente quando esse objetivo último esteja detumioado, pelo menos em linhas gera is, apenas quar.do estejamos de posse de algo çomo um esboço da sociedade qce objetivamos, somente então poc.h:· remos começar a considerar os melhores caminhos e meios par:I li. sua concretização, trnçando um plano para a ação pJlhic:l . ...

Os argumentos de Popper cootra qualquer lI.bordagem d:) poutica, a partir de um esboço, seguido CÚI tentativa de conCH'· ti.zá·Jo, têm de ser enfrentados por qualquer idealista que dc~~: j.­seriamente ser umldealisra sem ilusões. Inicialmente, há o ar,~" mento de que, esteja a pessoa onde estiver, não lhe resta. rcc llr~" ~en5o o de comeÇltr onde está. Já 050 é mais possível comrpl do o.ada, em politÍC'a, o mesmo valendo paI"J a epistemulo):i .•. ou para a clencia ou para as artes TO<h transformação rIo::11 usando essa palavra como oposta a tcórica - só pode ser tt:tr!~ formação de circunstâncias realmen te existentes. Os ulupi-.I. '·. asseveram comumeme que, antes de isto ou aquilo poJC'r ~, ' I atter:1do, terá de ser aheradll. a soc iedade como um h", ln : " isso, eotrctanto, leva .à asseveração de que, antes de se :lll\'r.1I uma coi.~ a, deve-se alterar tudo, o que é cODtradhório. EIII ~" gundo lugar, todas as nossas ações terão algumas conseqii~l'K'i : l ~ indesejadas '1ue facilmente se oporão ao esboço feito. E qu:.n hl ma.is 'Ampla a ação, maiores ~s conseqiiências indeserad:ls . Ix" fender a racionalidade de vastOS planos de transformação dJ so· ciedade como um tOdo é afirmar grau de pormenorizado COOlll',,-j-mento sociológico, simplesmente inexistente. Falar ~ m:tndr:t utopista acera de meios e de fins € usar enganOS:lmcntc "111 .1

Tht Opt n Soci~/, 1:/1(/ lu En(lf1i(l . vol. I , f>I:. tH

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expressão metafórica: aquüo que está realmente em causa é um conjunto de acontecimentos, pr6:<imos no tem?O, aos quais se f~. alusão chamanéo-lhes "os meios", seguido por outro conjunto de acontecimentos, mais clisl3nciado, a que se dá o nome de "o um". ConlL:do, eles serão, por sua vez, seguidos - a menos que a história simplesmente se detenha - por outros conjuntos de acontecimaltos sucl.'"Ssivos . Ncsse..~ termos, o fjm não é, de fato, um fim, c 0500 se pode, iundamentadamentc, reclamar pri-vilégios para aquilo que se constitui simplesmente no segundo

, conjunto de acontecimentos, numa série interminável. Além disso, o primc=iro conjunto de acoDTecimentos, estando mais pró-ximo 00 tempo, é mais suscetível de: se materializ.ar da maneira imaginada do que O segundo conjunto, que está mais distante e é mais incerto. As recompensa!. prometidas por este último são menos seguras do que os s-acríficios feitos para alcançá-las em relação ao primeiro conj unto. E se todos os indivíduos pod~ moralmente recl:lmar o mesmo, é errado sacrificar uma geração à geração seguinte.

" Quanto ao esboço mesmo, é fa to sus<eúvd de comprovação

o de as pes.soas diferirem com relação ao t ipo de sociedade que d~e}am - mesmo os conservadores, os liberais e os socialistas tradicionais assim agem, pa ra não falar em outros. Assim, qual-, quer grupo que assuou o poder, com o objetivo de coocretizar seu e5boço, terá de nculr:tlizar a oposição dos outros, se não de coagi-los a servir um fim do qual discordem. Enquanto uma sociedade livre não pode impor objetivos sociais comuns, um governo com finlllidades ut6picas tem de fazê-lo e se inclinará a tornar-se autoritário . A reconstrução radical da sociedade é um vasto empreendimento que se pode esperar tome longo tempo - só remotamente cabe espe tar que os objetivos e idéias e ideais sociais não se modifiquem substanda lmente durante esse tempo, especi31menle se ele fo r, como pOr definição deverá ser, um tempo de levante revolucionário. E se os objetivos, idéias e ideais se transformam, aquilo gue pareceu a mais desejável forma de sociedade, mesmo para os que a esboçaram, se afastará rm.is e mais do enfoque inicial _ e mais ainda do que possam de-sejar seus sucessores , quc nada tiveram com o esboço original. Este pomo se relacion~ a outrO srgumento: oco rre que os pIa-

108 : I , , " , ; , ,

ncjadores são p.me da sociedade que desejam arrasar e a expe-riênc:a social e, pDnamo, os pressupos!Os e os objetivos sociais 4ue têm eH..3 rão pcofund3mente con&cionados por ela. Assim, :urasar vtrtÚldtiramenle aquel.:a sociedade implica arrasarem-$C :I

si mesmos e 30S próprios pla:los. De modo geral, Um3 recons· trução da sociedade que desça às rilies que, por esse motivo, exija longo tempo, abalará e desorientará enorme número de pessoas, dando margem, dessa m.:meira, à ampla hostilidade, tanto psicol6gica quanto m:neríal; c:abe esperar, pois, que pelo menos algumas pessoas se oponham a medidas que aIDelIÇ3ID fazer pesar sobre das efeitos dessa ordem. Essas pessoas serão vistas pelos detentores do poder, empenhados em concretizar a sociedade ideal, como pessoas que se opõem ao bem geral por interesse partícular - e nisso haved meia verdade. Serão essas pessoas vistas como inimigas da sociedade. Isso as tornará, inevitavel-mente, vítimas do que ocorra . Sendo inatingíveis os ideais, sua pretendich materialização exige longo tempo e se prolonga o período duran te o qual a crítica e a oposição devam ser sufo-cadas; dessa forma, a intolerância e o autoritarismo se intensi-ficarão, movidos, embora, pela!! melhores intenções. Precisamente porque as intenções e os objetivos são ideais, a persistente falha no se malerializarem dará surgimen to a acusações de que alguém está prejudicando o esforço - deve haver sabotagem ou ir:tcr-ferência esu3ngeiu ou liderança corru?ta, pois tOO3S as expli-cações que lornam incabível a crítica da revolução atribuem ma· lignid3de li alguém. Torna·se preciso identificar esse alguém c dimin:í.lo; e se culpados deve haver, culpados serão encon lrados . 11. essa altura, o regime revolucionário estará mergulh-ado nas imprevista s conseqüências dos seus atos. Com efeito, mesmo após os inimigos da revoluçio terem recebido punição, os objelivos revolucionários continuarão, obstinadamente, a não se conue· tizlt; e o grupo dirigente será levado, cada vtt mais, a se apega r :\ soluções imediatas pau problêmas wgentes (aquilo que Poppe r chama "planejamento não planejado"), o que é, usualmente, um dos motivos que mais levava esse grupo a criticar os regimes precedentes . Isso abrirá ainda mais o abismo entre os objetivos ,kdarados e o que efetivamente está sendo feito - e o que l's tá sendo feito vem li assemelhar-se crescentemente às :llivi· ,hdcs dos governos mais cinicamente não utopistas.

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I método que estão pre$emes na concepção Ir:h.lic io nal de ci';IlÓaA verdade é que quase todos nós exigilllos que os aspectos

Por isso, os nrgumentos sobre os quais repousa a crítica ,li-;c:!C\-mtes da ordem social continuem o.,eundo :la longo de qualquer rerons ln:çio: as pe:ssoas devem cominuu a alimcHar. Poppe:r à concepçã'o de que, em poliriea, podemos, para n50 {abr

·se, vestir-se, morar í '<15 crianças, caso não se transformem inacei· devemos, estabelecer e preservar certo es tado da socie(J:.dc é :.

mesma, pon lo por ponto, que serve de apoio à crítica q ue cll-tavelmente em vítimas, devem continuar a ser educadas e cui·

dirige conrra a concepção de que a ciência pode, para não dizerdadas; os se.rviços médicos, de poUcia, de bombeiros, de tr:m5-

deve, es tabeJecer e preservu cerlO conhecimento, Sua concepçiio,pone, hão de conLinuu operando. Numa sociedade moderna , essas cois.:IS dependem de uma orgaruzaçio em larga cSC2b. Abs- concepção que se opõe à exposta, concepção de que a ciênci3 ,:

t!i·las de um momento para OulfO seria criar, literalmente, um método oentifico, e concepção acerca de coroa tal método Jcv..:

socie· ser encarado, relacionam·se à Slla concepção de que 2 poH' ICIcaos; e acreditar que disso emergirá, de alguma forma, :1

é método polilico e .à sua concepção de como Ial método .h'v.-dade ideal, toca às raias da loucura, o mesmo se dando com li

ser enc,uado. Em ambos os CllSOS, POPrf nos pede qne lltilicr~Ça de que uma s.ociedade algo rndhor do que aquda que

zemos. com imaginação e sentimento, um interminável prnlx""temos poderá mais facilmente emergir do ClIIOS do que dJ socie·

dade que temos. Não obstante, ainda que estivéssemos deter. de re.alimentaçio, no qual 2 proposição de idéias novas': inV;trÍ"

velmenle <lIcomp2nhada por uma submissão dessas jd~i :,.~ :, UI/Ireinados a arrasar tudo e tudo começar de: novo, jamais o coa.se-

gwríamos, a despeilo de: nossos sonhos de perfeição. A humani· rigoroso processo de eliminação de erros, à IlU da cxpni;'II' 1,1

~ ' ''' "I..dade se p:uece com a tripulação de um navio no mar . Pode um<> A essa abordagem daJomina ele " racionalismo crí,iC'o",

soEi:.; em política, dá·lhe O nOme de "engenhari2 soei:t l 11.11: 1111'"

ddar qualquer parte do navio e pode remodelá·lo inteiramente, ,I 111"0tida" ("pieccmeal soci21 engineeriog"), Essa eXIHD:..,,,

pane por pane, mas nio pode remoclehi·\o rodo de uma só vez, ' l"In••, ' Uvezes i.,fe1iz : "fragmeolária" é vocábuJo que tem, ".; \

O fala de que a transfo::mação nunca se detém priva de t ido pejo~tivo, 2presentaodo, aqui, a segunda lo' .hli, i....,.1 ,I.,.

5~tido li 00ç30 mesma de esboço de uma sociedade perfeita, pois 'lanuge m de maSCarar o radicalismo do métud" I "" I ~."", ,I.

llinda que a sociecbde se conformasse .10 esboço, ness.c mesmo Ou tra parte, "engenharia" tem conotações de~:1~:r;hb\'f h 'I'HtI.l"

instante começari3 a divergir dele. Assim, as sociedades ideais aplicada 2 ~res humanos, A palavra soa com...~II :" Ili ". IIh_

não são inatíngíveis apenas porque sejam ideais, roas são inatin· n2da poderia ser m2is .apaixonado que :l Jl,r~" ,1 'I"" ,I.I~ I",

gíveis lambêm porque, para corre~pooder a quaJque:r espécie: de Popper, ou mais humano que alguns .argurnl'Jl I' " ),,,, ,I,· ....,t. ..

e!oOOço, teriam de ser estát icas, fixas, inalteráveis; e não há

sociedade imaginável que venha a -ajustu-se 11 tais ex..igências. ! Tentando mostr3r que sua filosofia é um 1,,, 1•• """', """"" 1, ,,1

·me, ao esct~er este livro, DOS argumento.; I, ;.:" "-, " "'li " ..,verdade que a íntensidade de=: tr:uufonna~o social partte tomar· '"~ "li'". ,1"imedig:u;õcs, porém de importância aimh 1,,:o i" l·se mais rápida, e não rmis lenta, com O p:.1ssar de c.da ano. E

mentO$ /Dorais; par<1 deles tomar conhcl'iull 'U'" " , ....., IIII,U.• esse processo não ted, t<1010 quanto podtmOS imaginar, um lim o Dessa m3neíra, pafa ter li vdeidade de correspondu ao real, uma . mais de que não pudemos tr:uar, aconsdlo.u",,', " I, 11,., .. JlI"

curllt as obras de Popper ,abord3gem polilica deve preocupar·se não com os estados de . coisas, mas com a transformação, Nossa tarefa não é a urda

impossível de estabelecer e preservar urn2 p:uticulu forma de=: sociedade: é a de elevar ao máximo oosso controle sobre as tnlllS-

form2çóes que efetivamente ocorrem num incess:mte processo de I tT'lnsformação - e llSH avisadamente esse controle.

As estruturas autori tárias mcorpoum as mesmas errôneas noções de certeza e as mesmas errôneas presunções acerca dor 110 '"

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POS-ESCRlTO

Quando Logik der Forschung devia aparecer em inglês, 25 anos após a sua publioação em Ungua alemã, Popper tencionou juntar um pós-escrito à obra, indicando pontos em que sua con-cepçio se bavia aher,do . fu notas cresceram de tal forma que se uansformaram em OUtra obn. Anna!, The Logic 01 Sci~n · lilie Dücotltry foi divulgada ~m as now e o PÓ1~Jcr;/o perma-neceu em prOvas tipográficas desde 1957. Em minha opinião, o POJIJuipl é obra de t:lOU importância quanto as QutC3S j:.i publi-cadas; em particular , o " Epílogo Metafísico" esl' en tre as me-lhores coisas escritas por Popper e seria bom que fosse publi-cado com a brevidade possível.

EntfCtanto, o fala é que POpJXc s6 chegou a divulgar, até o p~sente, pouco mais da metade de sua obra . Ainda perma-necem ia&iitos trabalhos longos (que assumiriam forma de livro ou quase isso) 3ce.rca cY.!. teoria da rdativídade de E.inste1.n, do Mundo 3 de Popper, do problt:ma corpo-mmtt:, d:l evolução t: da filosofia da linguagt:m, tal como dt: a cODsidt:u ; juntt:-se a isso toda uma sérit: dt: artigos t: conferências, t:m qUt: outrOS temas são abordados . Boa partt: desses trabalhos será divulgada, de uma forma ou dt: Outra. Dois novos livros já St acham no prelo no !Domento em qut: redigimos estas linhas: Philosophy !1nd Physics e Tht Philosophy of Karl Popper, nt. slrie "Library af Li... ing Philosophers", editada por Paul A. ·Schílpp. Este úhi-mo li... ro contém, como outros volum~ w. mesma série, uma autobiografia jlHelectu~I, uma lista completa das obras publicadas e uma "Réplica aos meus Críticos". Acrtsce que Popper con-rinua a produzir. Assim, embora de já tenha atingido 11 casa dos setenta, a quantidade de trabalhos originais que aind3 deverá vir a lume é tão grande que :I filosofia de Popptt deve su enca-rada como uma Cilosafi:!: ainda em pleno desenvolvimento.

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BIBLIOGRAI"A

Livros de Karl Popper:

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N . B . Todo! os liu/Os citados /,0,1011 ", .d·I,,,,,·f.. , .. ,., lXJ(umes encadernodoJ (lll nll " r.~ /"" .11

11 :