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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA MAIRA JEANNYSE ACUNHA PAIVA A DESTERRITORIALIZAÇÃO NA POÉTICA DE CHICO BUARQUE Cuiabá, MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

MAIRA JEANNYSE ACUNHA PAIVA

A DESTERRITORIALIZAÇÃO NA POÉTICA DE CHICO BUARQUE

Cuiabá, MT

2012

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MAIRA JEANNYSE ACUNHA PAIVA

A DESTERRITORIALIZAÇÃO NA POÉTICA DE CHICO BUARQUE

Dissertação apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de Concentração Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de Pesquisa Poéticas Contemporâneas.

Orientadora: Prof.(a) Dr.(a) Maria Thereza de Oliveira Azevedo

Cuiabá, MT

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À minha mãe, Ieda, que me trouxe até aqui, sendo quem sou mesmo diferente dela.

Á minha avó Zely, olhos verdes de amor, onde ela estiver, no entanto sempre presente, como sempre o foi.

Aos meus gatos, muitos deles companheiros de minhas vigílias, noites à dentro, debruçados nos livros, no monitor, no aparelho de cd, incansáveis guardiões fiéis e solidários.

Ao Rio de Janeiro, cidade imersa nas canções de Chico e submersa, nas mãos do poeta.

Simples assim.

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AGRADECIMENTOS

Tantos agradecimentos e mesmo assim, especiais...

A todos que em algum momento me apresentaram as canções de Chico, nos tempos

remotos, nos tempos recentes, nos espaços que habitam a memória e os sonhos.

Aos queridos professores que, ainda em pleno Bacharelado, na Universidade do Estado

do Rio de Janeiro, conduziram-me com mãos atentas e carinhosas às leituras e à escrita,

prenúncio aos estudos e à inquietante sensação de sempre querer investigar.

Sinceros agradecimentos ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Estudos de

Cultura Contemporânea, da Universidade Federal de Mato Grosso, pelo apoio, pela

infraestrutura, pela qualidade e generosidade dos docentes, pesquisadores,

coordenadores e funcionários.

Aos colegas de jornada e de mestrado que mesmo atribulados em suas pesquisas, se

dispuseram a compartilhar conhecimento, experiência e palavras de apoio e estímulo.

Aos conselhos de minha orientadora, Maria Thereza Azevedo – um amparo sutil e

respeitoso no estudo científico.

A Elma Rios, ma cherie professeur de français que na hora certa foi incentivadora e

amiga. Merci!

Aos meus alunos que me ensinam a aprender no exercício diário do

compartilhar.

Ao Chico pela poética das letras e das palavras, pela existência que vem de suas

paisagens sonoras, pelos olhos azuis de carioca, oportunos, que tudo percebe, relata,

encanta, sem nunca calar-se.

Agradeço pela experiência gratificante, pelo desassossego enriquecedor, da maior

importância para meu crescimento como ser humano e profissional. Pela oportunidade de

ser uma escafandrista que explora as poéticas e imaginárias cidades do Chico.

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O exílio é a vida levada fora da ordem habitual, é nômade, descentrada, contrapontística, mas, assim que nos acostumamos a ela, sua força desestabilizadora entra em erupção novamente. (Edward Said)

“Talvez seja da minha natureza não me sentir pertencendo

totalmente a lugar nenhum, em lugar nenhum”. (Chico Buarque de

Hollanda)

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RESUMO

Análise da obra de Chico Buarque, literária e musical, cujos sinais –

descentramento espacial e deslocamento pela memória de seus personagens -

apontam para a o conceito de desterritorialização de Felix Guattari. A reflexão é

acerca da condição de não pertencimento do homem contemporâneo em

constante linha de fuga. Nesta perspectiva foi observada a obra de Chico Buarque

para identificar traços de desterritorialidade em sua poética.

Palavras-chave: Desterritorialização. Poética. Chico Buarque.

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RÉSUMÉ

Analyse de l'œuvre de Chico Buarque, littéraire et musicale, dont les signes -

spatiale décentrement et de déplacement par le souvenir de son point de

caractères pour le concept de déterritorialisation Félix Guattari. La réflexion est sur

la condition de l'homme contemporain dans constante ligne de fuite. Dans cette

perspective l'analyse le travail de Chico Buarque pour identifier les traits

deterritorialité de su poétique.

Mots-clés: Deterritorialité. Poétique. Chico Buarque.

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SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................. 11

Capítulo 1 - Cidades, paisagens, territórios e personagens................17

1.1Territorialidades: cidades, espaços, paisagens ................................. 22

1.2 Personagens: exilados, marginalizados, amantes ......................... ...27

Capítulo 2 - Desterritorialidades, estrangeirismos e nomandismos 32

2.1 Exílio, nomadismo, não lugar ............................................................ 39

2.2 Estrangeirismo, não pertencimento ................................................... 44

Capítulo 3 - A desterritorialização na poética de Chico Buarque ..... 47

3.1 Minha história, Budapeste, As vitrines, Leite derramado:

desterritorialidades em portos, aeroportos, galerias, hospitais .......... 50

3.2 Benjamim, Valsa Brasileira, Bolero Blues, Todo sentimento:

desterritorialidades na memória e no simbólico ................................ 68

4. Considerações finais ...................................................................... 78

5. Referências bibliográficas ............................................................. 80

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Introdução

Talvez seja da minha natureza não me sentir pertencendo

totalmente a lugar nenhum, em lugar nenhum.

(Chico Buarque de Hollanda)

Chico Buarque de Hollanda1 relata sua permanente sensação de não

pertencimento em lugar algum, uma espécie de estrangeirismo que, segundo ele,

o levaria a constantes caminhadas pelo Rio de Janeiro, artifício que contribuiria

em seu processo de criação. Muitos dos seus personagens surgem desta

experiência, figuras retiradas das ruas que transitam, e que, sem pressa, o poeta

observa, ouve e dialoga, pessoas que por sua vez, sob um olhar menos atento,

poderiam passar anônimas na paisagem, apenas transeuntes vindos de todos os

lugares, identidades diluídas nas múltiplas territorialidades que compõem a

cidade. Entretanto, Chico parece atentar-se e vivenciar um tempo e uma

sociedade cuja característica é o deslocamento dos contextos territoriais e

geográficos que a compõem, e que sob a ótica da existência do indivíduo,

favorece as interações e os desenraizamentos. Como poeta de seu tempo,

desvenda e questiona a condição humana sob o aspecto da transitoriedade, da

interlocução e das contaminações que advém desta condição.

Estrategicamente, o poeta cultiva em sua rotina de criação um “desalojamento”.

Adotou como procedimento intercalar sua produção literária e musical, como se

com este movimento, estivesse sempre descobrindo o caminho da criação.

Manifestou em algumas entrevistas esta condição, ao constatar que o

deslocamento espacial é um dispositivo para que capítulos inteiros e estrofes

fluam por sua mente: “caminho para trabalhar” (ZAPPA, 2004, p. 13), ele diz. O

labor de um andarilho contemporâneo que, vez ou outra, interrompe sua

caminhada para puxar conversa com um desconhecido, um ambulante, sempre

atento às histórias que ouve. Ao observar sua obra, vê-se que estes

desconhecidos povoam as ruas e bairros descritos em suas letras, trabalhadores,

1 Revista Alfa, Edição de fevereiro de 2011.

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vendedores de balas, prostitutas, malandros. O espaço que os abriga também

está ali, nos cruzamentos, esquinas, bares e estações de trem. Tudo vai virando

poesia, território poético, vida poetizada.

Chico Buarque declarou em entrevista, à época do lançamento de seu último cd,

intitulado “Chico”, referindo-se a música de abertura, “Querido diário”: “Há algo de

incômodo neste personagem, talvez ele pertença mais ao mundo da literatura que

ao da música popular, a exemplo do narrador de ‘Estorvo’. De certa forma, me

identifico com tipos assim que não se ajustam a lugar algum”2. Chico parece

esclarecer que suas obras musicais e literárias se evocam, apesar de na criação

se processarem separadamente, por meio de temas e conflitos que aproximam

seus personagens, constantemente na condição de estranhamento e desajuste.

Essa “voz narrativa” impregna, atravessa e reverbera por toda a sua poética, seja

literária ou musical.

Seu projeto poético permite inúmeras e distintas análises e leituras, entretanto, se

observarmos seus personagens veremos, possivelmente, a transposição lírica do

homem contemporâneo, em constante linha de fuga, frequentemente imerso nas

intervenções em outros territórios. Sua obra imprime um entrelaçamento entre

indivíduo e espaço que, intrínseca e reciprocamente, se interferem e

desencadeiam uma imagem poética referenciada nas memórias, vivências e

conflitos gerados no atravessamento entre homem e território.

Para melhor articular estas impressões sobre a poética de Chico Buarque, vale

antecipar alguns conceitos e autores que estruturaram e nortearam a pesquisa,

tais como Deleuze e Guattari que se interessam pelo conceito de autopoiese

como uma função que relaciona o pensamento e o ser, indissociavelmente, e que

produz um movimento criador - "caráter autopoiético da criação de conceitos"

(GUATTARI, 1992, p. 97). Guattari pensa na produção da subjetividade por

instâncias individuais, coletivas e institucionais, o que é o mesmo que falar em

sua produção a partir de múltiplos componentes heterogêneos (KASTRUP, 1995).

A subjetividade seria atravessada por diversos saberes.

2 Folha de São Paulo, Caderno Folha Ilustrada, Edição de 15 de julho de 2011.

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Guattari define subjetividade como "o conjunto de condições que torna possível

que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como

território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação

com uma alteridade ela mesma subjetiva". (GUATTARI, 1992, p. 112)

Guattari, não nega a existência do sujeito, entretanto recusa a concepção de

individuação e propõe a "relação entre o sujeito e o objeto pelo meio"

(GUATTARI, 1992, p. 35). A subjetividade se constitui então de múltiplos

dispositivos: sociais, técnicos, físicos e semiológicos que vêm consistir um

território existencial, onde emerge o sujeito.

Felix Guattari percebe a territorialidade como uma condição relacionada tanto a

“um espaço vivido, quanto a um sistema apropriado pelo sujeito”, (GUATTARI e

ROLNIK apud HAESBAERT, 2003, p.07) que por sua vez se constituiria de

dispositivos sociais, técnicos, físicos e semiológicos que acabariam por construir,

subjetivamente, o sujeito e sua existência. Outro autor, Edward Said, percebe a

troca de fluxos como uma possibilidade para novas identidades, consideradas por

ele como as “geografias imaginárias” (SAID, 2006, p. 71-72), fatores de

construção do indivíduo, que se localizariam em espaços-tempos simbólicos.

Gaston Bachelard (BACHELARD, 2005, p 89) ao propor uma poética do espaço,

discorre sobre a materialidade da cidade e da rua, percebendo o espaço público

vivido como um fenômeno das interações, que pode gerar agenciamentos no

indivíduo e adquirir outra característica enquanto território, pois se opera no

confronto com os outros, em constante processo de confluência de fluxos

territoriais e existenciais.

Kátia Canton (2009, p.35) defende que a busca do eu contemporâneo está no

encontro com o outro e que o sujeito se reconfigura no “emaranhado disperso da

vida cotidiana, na troca genuína de memórias e sentidos, tendo o espaço como

agente”. Por sua vez, o autor Stuart Hall (2001, p. 132 destaca a articulação que

se estabelece na alteridade, entre global e local, enfatizando que há uma

produção de novas identificações “globais” e novas identificações “locais”. Milton

Santos (SANTOS, 1996, p.45), considera que o espaço, sob o prisma da

contemporaneidade, é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e

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sistemas de ações que permite, simultaneamente, trabalhar o resultado conjunto

dessa interação, como processo e como resultado, a partir de características

próprias e diversificadas de situações e de processos que atuam

concomitantemente. Em contrapartida, Marc Augé discorre sobre a sensação de

não lugar que se instaura nos espaços não fixos, de não-pertencimento, que se

manifestam exatamente no desenraizamento característico da

contemporaneidade, nas indefinições identitárias, nas diversificações e

pluralidades, nas fendas que oportunizam passagens.(AUGÈ, 2010, p.80-81)

Considerando o descentramento de territórios e a condição de desterritorialidade

como fatores que constituem o homem contemporâneo, a análise observa a

poética de Chico Buarque no recorte de seus personagens – exilados,

marginalizados, amantes – que, de algum modo vivenciam esta experiência.

O foco é a análise da obra de Chico Buarque literária e musical, aquela cujos

sinais apontam para uma poética que se dá tematicamente no rompimento dos

territórios, nas fissuras de fronteiras, no desvio, no exílio e no não pertencimento

de seus personagens que, seja no trânsito espacial ou no deslocamento por meio

da memória, vivenciam a desterritorialização.

Neste percurso identificou-se as que apresentavam diferentes abordagens da

desterritorialidade. Buscando um melhor entendimento destas abordagens adotou

como procedimento selecioná-las e inseri-las em dois grupos, que neste estudo

são denominados e observados como:

a) Desterritorialidade geográfica - que se dá no âmbito da cidade (espaços e

localidades) observada como possível produtora de estados de exílio e de não

lugares, como nas obras Minha História, As vitrines, Budapeste, Leite Derramado,

que se desenvolvem em espaços de transitoriedade – portos, aeroportos,

esquinas e hospitais.

b) Desterritorialidade existencial - que se dá no âmbito do simbólico (memória e

imaginário) e observada como possível dispositivo para o rompimento de

territorialidades, como em Valsa Brasileira, Todo sentimento, Bolero Blues e

Benjamim.

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O primeiro capítulo, Cidades, paisagens, territórios e personagens propõe

observar parte da obra de Chico Buarque cujas espacialidades, paisagens e

personagens a caracterizariam como uma provável poética acerca da

desterritorialidade.

O segundo capítulo, Desterritorialidades, estrangeirismos e nomadismos, reflete

sobre o conceito do homem contemporâneo que, segundo Gilles Deleuze, é

desterritorializado, perpassado por atravessamentos e linhas de fuga, suscetível a

inscrição de memórias, tradições e substratos tanto individuais quantos coletivos,

um corpo sem fronteiras. Para potencializar esta discussão, a pesquisa se reporta

a outros autores como Marc Augé (2010, p. 84) e a teoria dos não lugares, que

seriam produtores da fragmentação identitária, o filósofo Edward Said, (2001,

p.104) que em sua obra observa o exílio sob o ponto de vista geográfico e

existencial e suas implicações sobre o homem contemporâneo. A segunda parte

deste capítulo se dedica a observar o estrangeirismo e o não pertencimento como

possíveis dinâmicas de transitoriedade e circularidade na obra de Chico Buarque,

a partir da desterritorialização.

A aplicabilidade do estudo se dá no terceiro capítulo, na análise de parte da obra

de Chico Buarque, intitulado A desterritorialização na poética de Chico Buarque,

cujo objetivo inicial é discorrer sobre as não-identidades que surgem nos não-

lugares, como aeroportos, galerias, hospitais e portos, tendo como objeto de

observação as obras composicionais Minha História e As Vitrines, assim como as

obras literárias Budapeste e Leite Derramado para tentar perceber a condição de

exílio geográfico em suas personagens. Na sequencia deste capítulo, a pesquisa

pergunta-se sobre a existência de um espaço simbólico, o da memória e do

imaginário, nas obras Valsa Brasileira, Todo sentimento, Bolero Blues e

Benjamim, que parecem discorrer sobre um território além da materialidade, um

espaço subjacente de sensações desestruturadas, projeções desorganizadas,

amores que subvertem a linha do tempo, encontros nos desencontros,

reverberações do desejo humano.

A análise observou trechos de outras criações de Chico Buarque, com o intuito de

observar aspectos de sua obra que a constituiriam como uma poética sobre a

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desterritorialidade: personagens sob a condição de exilados, marginalizados e

amantes atemporais, que atravessados geograficamente por outros territórios,

carregam a sensação de não pertencerem, existencialmente, a um território único

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Capítulo 1 - Cidades, paisagens, territórios e personagens

É na linguagem poética que encontramos uma encruzilhada humana entre a revelação objetiva e o enraizamento dessa revelação no mais obscuro do indivíduo biológico. A linguagem poemática, como observa Fernand Verhesen (...) permite às funções realmente humanizantes do homem funcionar totalmente, estar além da objetividade seca e da subjetividade viscosa (...) (DURAND, 1988, p. 65-66)

Ao observar algumas obras de Chico Buarque, literárias e musicais, tais como

Benjamim, Budapeste, Valsa Brasileira, Todo sentimento, Bolero Blues, Minha

história e As vitrines, deteve-se na leitura e análise da poética, considerando a

existência de um aspecto norteador entre elas - a desterritorialidade. Este recorte

deveu-se as primeiras impressões desta pesquisa, ainda primárias e baseadas

em fragmentos da obra que pareciam discorrer uma narrativa sobre o homem

contemporâneo, que diante do desaparecimento das fronteiras é interferido por

outras territorialidades e se desterritorializa, torna-se um corpo sem fronteiras

(DELEUZE, apud ZOURABICHVILE, 2003, p.45) sendo assim não se tratava

somente de territorialidades geográficas, mas existenciais se pensarmos que a

experiência não se dá somente nas localidades espaciais.

A análise observou que a obra de Chico Buarque parece ter como temática a

condição de estrangeirismo, de fora-do-lugar e de não pertencimento, vivenciadas

por seus personagens em constante linha de fuga, refugiados no exílio, na

lembrança senil, ou reféns de um não lugar, personagens que se desenraizaram,

se desalojaram e, consequentemente, se contaminaram por outras

territorialidades – “fenômeno da dupla captura, de evolução paralela, de núpcias

entre dois reinos” (DELEUZE, apud. ZOURABICHVILE, 2003, p. 48).

Tendo como referência alguns fragmentos da obra observa-se que a experiência

de vivenciar o espaço, seja em sua materialidade ou nos espaços simbólicos, de

alguma maneira interfere na existência de seus personagens: a existência que se

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revela no instante em que Benjamim retorna a casa onde no passado foi morta

Castana Beatriz e também ele é baleado, desencadeia reminiscências do Rio de

Janeiro, fiapos de espaços e tempos, passado e presente embaralhados, na

circularidade das lembranças e nas imagens inventadas. Os segundos que

antecedem sua morte permitem a Benjamim vivenciar a desterritorialização

através de sua memória.

O Vocabulário de Deleuze, sobre este aspecto, fala que o território se compõe

tanto de elementos geográficos quanto existenciais: “O conceito de território

decerto implica o espaço, mas não consiste na delimitação objetiva de um lugar

geográfico, pois o valor do território é existencial” (ZOURABICHVILE, 2003, p.46).

A casa e a eminência da morte agenciam em Benjamim memórias que o

deslocam para um território sem fronteiras de tempo-espaço; uma vivência

geográfica e existencial.

"Segundo um primeiro eixo, horizontal, um agenciamento comporta dois segmentos, um de conteúdo, outro de expressão. De um lado ele é agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões, mistura de corpos reagindo uns sobre os outros; de outro, agenciamento coletivo de enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorpóreas atribuindo-se aos corpos. Mas, segundo um eixo vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territoriais ou reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem."

(DELEUZE e GUATTARI, 1977, p. 112).

Neste caso, a morte de Benjamim, por meio do descentramento e ruptura

territorial, espaço e existência nivelam-se e produzem um outro olhar no

personagem, agora capaz de estabelecer conexões e linhas de fuga – Benjamim

manifesta sua vida na experiência de sua morte. Não há mais fronteiras entre

elas. Morrer é o evento que recria a vida. Significa que ambos os territórios, vida e

morte, são indissociáveis, o que resignifica Benjamim, agora um

desterritorializado.

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Chico encerra a história de um personagem no instante, no tempo diminuto do olhar, recusando o conforto de um sentido que se revela após a vida, após a história. No círculo perfeito de Benjamim não há nada além da morte, que, aliás, nem no sonho pode ser tocada. Não há nada além de uma vida cuja transcendência se apaga, jogando-nos num mundo que inevitavelmente beira o nonsense, fazendo-nos presas de uma história que se esvaziou quase completamente de sentido, porque se limita, uma vez mais, ao instante, sem que a morte chegue, como solução final que é. (FERNANDES, 2004, p. 353).

Na inevitabilidade de sua morte, Zambraia imortaliza-se frente ao fuzilamento,

pois que é capturado pela lembrança - afunilam-se espaços e fronteiras são

extirpadas, ficando somente Benjamim e sua experiência, a de ser ele mesmo

diante da vida que termina.

Remetendo a outro trecho da mesma obra literária, Benjamim (BUAQUE,1995),

vemos a captura de Ariela pelos olhos de Zambraia, que a tornam Castana

Beatriz, a amada do passado, o que o compele a viver a desterritorialidade

existencial, a da memória que se confunde ao presente.

Sob o aspecto da desterritorialização pela memória, proposta neste estudo como

desterritorialidade existencial, o personagem Eulálio, em Leite Derramado

(BUARQUE, 2009), é um velho senil condicionado a um hospital, onde talvez seja

um número e não um indivíduo, que parece tentar prolongar seu presente no

relato espiralado, em flashbacks, que revela na lembrança obsessiva de Matilde,

um amor que supera as fronteiras do espaço-tempo. Observa-se que esta

poética, assim como Benjamim, se opera num tempo não linear, num espaço que

se dá nas memórias e, portanto, se recria ao romper com o território da realidade

– conteúdo e forma se confundem.

Valsa Brasileira (BUARQUE, 1987-1988) é uma canção que utiliza em sua letra a

idéia de “rebobinar” o tempo “(...) Corria contra o tempo, eu descartava os dias em

que não te vi, como de um filme, a ação que não valeu, rodava as horas pra trás,

roubava um pouquinho e ajeitava o meu caminho pra encostar no teu”.

Inesperadamente o narrador de Valsa Brasileira ingressa pela porta de uma casa

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vazia, antecipando sua chegada mil dias antes de conhecer sua amada,

reafirmando a quebra de temporalidade e espacialidade, alavancando por meio de

uma memória que existe à frente e não no passado, assim como em Futuros

Amantes (BUARQUE, 1993) o compositor prevê, insolitamente, amores que já

existem intactos antes mesmo de sua origem, invioláveis na passagem do tempo,

um amor que sobrevive ao homem, “milênios, milênios no ar”, nas reminiscências

de “antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos”, vestígios

de amores que são legados aos que virão “futuros amantes, quiçá, se amarão

sem saber, com o amor que um dia, deixei pra você” (BUARQUE apud. HOMEM,

2009, p.270).

As duas composições, se analisadas sob a perspectiva da desterritorialidade,

descrevem na invocação dos amores possíveis em tempos irreais, a ruptura com

os territórios reconhecidos e, pelo contrário, passam a habitar espaços simbólicos

como os da imaginação, da memória e do desejo de seus personagens.

Segundo Emil Staiger (1972, p.59) recordar na abordagem lírica não é

simplesmente lembrar-se de momentos do passado, é viver estes momentos

novamente, o que subtrai a distância do espaço, do tempo, do sujeito em relação

à memória. Não existe a memória, existe o acontecimento presentificado.

Como o próprio Chico Buarque poetizou em Todo sentimento (BUARQUE, 1987):

“o tempo que refaz” é o tempo da delicadeza, avesso à cronologia, é o tempo da

inquietação, do eterno retorno, da busca incessante, da perseguição pelo que foi

e virá, simultaneamente. É o que paira entre a realidade e o imaginário, um

território subjétil onde o poeta exercita um espaço imaterial onde é possível até

mesmo se viver um amor que extrapola existências “um tempo que refaz o que

desfez, que recolhe todo o sentimento e bota no corpo outra vez (...) depois de te

perder, te encontro com certeza, talvez num tempo da delicadeza, onde não

diremos nada, nada aconteceu, apenas seguirei, como encantado ao lado teu”. A

última estrofe de Todo sentimento parece antecipar a chegada do amante de

Valsa brasileira que, finalmente, reencontra sua amada de outras vidas. Ambas as

composições foram escritas por Chico em 1987, o que faz pensar numa poética

circular que se opera na ressonância das criações.

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Em Bolero Blues (BUARQUE, 2006) o poeta parece retomar o tema da

atemporalidade, ou melhor, do tempo-espaço simbólicos, desta vez situando o

jovem narrador num cruzamento do Rio de Janeiro, mesmo cenário de Futuros

Amantes (BUARQUE,1993) . Um pressentimento sempre o guiara até ali, em

plena encruzilhada das ruas Barão da Torre e Vinícius de Morais, onde

encontraria a garota de seus sonhos, uma localidade que se assemelha a um

vértice, um lugar sem fronteiras, um território que resulta do amálgama de duas

ruas. Uma localidade que torna possível o cruzamento não somente geográfico,

mas existencial, pois que ao final da canção o narrador percebe o tempo perdido,

quando a amada “não mais garota, der meia volta, claro que não vou estar mais

nem aí”. Há um encontro entre os amantes que se constrói no desencontro. O

narrador desta poética, aparentemente desterritorializada, vive um amor que

nunca acontecerá se ainda houver dicotomia territorial entre o passado, o

presente e o futuro. Parece nos dizer que o amor independe de quem o ama,

onde ou quando, ele transita entre todos os espaços e existências, na memória,

no imaginário, em lugar nenhum e em todos os lugares. Os personagens destas

obras vivenciam a condição de fora-do-lugar, sentem o não pertencimento, estão

num não lugar. Não importa sua identidade ou sua origem. Chico nunca os

nomeia ou detalha seus antecedentes, apresenta-os anônimos, autônomos,

vindos de um tempo remoto para um espaço remoto, suspensos da precariedade

dos relógios e dos calendários.

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1.1Territorialidades: cidades, espaços, paisagens.

Felix Guattari percebe a territorialidade como uma “ordem de subjetividade

individual e coletiva” (GUATTARI apud ZOURABICHVILE, 1985, p. 22), como

possibilidade de em grupos se criar articulações territoriais de resistência, em

contraposição ao espaço homogeneizado, imposto pela ordem social e

dominante. Guattari revela com isto a complexidade e a problemática que se

apresentam nas disposições com que a sociedade organiza o espaço no qual se

reproduz, pois para o autor, a subjetividade se constitui de dispositivos sociais,

técnicos, físicos e semiológicos que acabam por construir o sujeito, neste caso,

produto de sua subjetividade.

Guattari propõe que a territorialidade se estabelece sob a condição de relacionar-

se “tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema apropriado pelo sujeito que,

simultaneamente, se constitui de sua própria subjetivação” (GUATTARI; ROLNIK,

1987, p. 323).

Chico Buarque no CD As Cidades (BUARQUE, 1998) parte da pluralidade do

espaço urbano e seus dispositivos sociais para focar na particularidade do

indivíduo que transita “sonâmbulo ambulando” (BUARQUE, 1998), nas imagens

suburbanas do Rio de Janeiro, no centro carioca, no cartão postal chamado

Copacabana, no comércio de corpos no meio fio da zona sul. O poeta parece

celebrar os meandros de uma cidade que se configura como espaço subjetivo

seja no campo da vivência individual, seja na complexidade identitária do coletivo.

Apesar de intitular-se As Cidades, o CD descreve uma única cidade – o Rio de

Janeiro – contemplando-a como um território contaminado pela diversidade,

exemplo que se torna precioso sob a ótica das rupturas territoriais. Obra,

certamente, emblemática sobre a multiplicidade de personagens, seus encontros

e desvios, pois talvez melhor retrate a condição de desterritorialidade – a

possibilidade de se habitar o único e ao mesmo tempo estar no todo.

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A canção que abre o CD, Carioca, se utiliza de alusões para descrever a figura

lírica da “carioca” – a tapioca invoca uma nordestina, assim como a pitomba

remete as meninas de Copacabana. A canção seria a representação poética dos

“fora-de-lugar” que vivenciam a desterritorialidade na transitoriedade? Neste

processo talvez a cidade, Rio de Janeiro, se reterritorialize, pois se contamina

pela mistura de outros dispositivos territoriais e por fim, “a carioca” do título seja a

subjetivação resultante deste cruzamento.

O caleidoscópio cotidiano de seres e de coisas da cidade se destacam com os contornos de uma lente objetiva ou angular. O olhar sobre a cidade é também um olhar entranhado no corpo da cidade. O ouvinte observa como voyeur, mas também como partícipe. O homem diante da atrocidade e do amor, perplexo ou em unicidade. (FERNANDES, 2004, p. 171)

Outro possível exemplo resultante da interlocução e fusão de territórios seria a

composição Pivete (BUARQUE, 1978). Chico coloca na boca do personagem

título, aliás, um morador também do Rio de Janeiro, diferentes idiomas que se

misturam, se recriam e acabam por estabelecer uma linguagem que rompe

fronteiras: “monsieur, have Money par mangiare”. Este mesmo pivete é o que

aponta o canivete no sinal fechado, em outro momento capricha na flanela e

batalha um trocado. É um sujeito que se reconfigura na paisagem, que confunde-

se com tantos outros e que poderia se chamar “Pelé, Mané, Emersão, Airtão”,

assim como poderia estar em todos os espaços da cidade como “o Largo da

Carioca, Frei Caneca, Tijuca, Recreio” (BUARQUE apud HOMEM, 2009, p. 174-

75). Um personagem que poderia ser considerado desterritorializado devido sua

integração a “um espaço híbrido que trata de forma simultânea o mundo da

matéria e o mundo do significado humano” (SANTOS, 1996, p.101).

Retomando o cd As Cidades (BUARQUE, 1998), a arte de sua capa retrata o

rosto do próprio poeta, Chico Buarque, sob o tratamento de diferentes etnias,

numa evidente menção a mestiçagem e ao que se produz desta condição, o que

nos remete novamente ao pesquisador Milton Santos, que identifica, no encontro

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entre forma e conteúdo, o espaço geográfico híbrido que, por sua vez relativiza a

história e as significações que advém deste hibridismo. O autor discorre:

A existência histórica depende de sua inserção numa série de eventos - uma ordem vertical - e sua existência geográfica é dada pelas relações sociais a que se subordina, e que determinam as relações técnicas ou de vizinhança mantidas com outros objetos - uma ordem horizontal. Sua significação é sempre relativa. (SANTOS, 1996, p. 66)

As cidades é uma obra densa e não facilita sua audição, porém se constrói na

circularidade e nos cruzamentos de seus personagens imersos no conjunto

inseparável de sistemas que é uma cidade contemporânea. As identidades se

diluem na paisagem da cidade que na verdade é resultado de muitas outras

cidades, adquirindo múltiplas interfaces, ampliada nas noções locais e globais.

Neste momento é preciso se distinguir espaço de paisagem, segundo Milton

Santos: “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento exprimem

as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e

natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (SANTOS, 1996,

p.66).

O espaço é sempre um presente, uma construção horizontal, uma situação única,

enquanto a paisagem se resignifica no contato com o homem. A paisagem existe

através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém

coexistindo no momento atual. No espaço, as formas de que se compõe a

paisagem preenchem, no momento atual, uma função atual, como resposta às

necessidades atuais da sociedade.

Os personagens do cd As Cidades não somente circulam pelo espaço, eles

modificam a paisagem, pois interpelam e interferem na incidência das relações

territoriais. Enquanto materialidade a paisagem não provoca mudanças, mas no

encontro de subjetivações, torna-se potente e pode desencadear

desterritorialidades.

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Na obra literária Budapeste (BUARQUE, 2003), acompanha-se na sucessão

incontrolável de acontecimentos, a fragmentação identitária de seu protagonista,

um ghost-writer, sujeito fraturado, abismal na ausência de reconhecimento de sua

obra: quando José Costa, o protagonista, concede que sua escrita se produza no

anonimato, tornando-a um produto a ser comprado, Chico Buarque parece nos

falar da crise identitária cultural e autoral, da permissividade em se usurpar o que

já não tem dono – supostamente, a arte que, ao ser compartilhada, adquire outros

sentidos, rompe territórios, perde a autoria e passa a ser múltipla e conectada

com outras vozes. No aspecto ideológico, a poética parece enfatizar a arte

desterritorializada sob o ponto de vista do desenraizamento e das contaminações.

Analisando José Costa como personagem de uma possível poética sobre a

desterritorialidade, vê-se um escritor do Rio de Janeiro, que por engano, numa

viagem se vê em Budapeste e cria uma segunda identidade, Zsoze Kósta, porém

sem detrimento a original – ambos passam a coexistir. Este jogo abstrai as

diferenças e as possíveis fronteiras, mesmo de idiomas e de distâncias, e se

realiza na possibilidade de tornar-se outro. A impressão é de que o personagem

passa a ignorar a existência de uma única vida e insurge na simples experiência

de descentrar-se.

A simultaneidade parece manifestar-se no movimento permanente de interação

entre os territórios vivenciados por Costa, numa “dinâmica múltipla, vivenciada em

distintos espaços, redirecionando-o a uma contaminação que, por sua vez,

conduz ao hibridismo de identidades” (DELEUZE e GUATTARI, apud.

ZOURABICHVILE, 1997, p.32).

O protagonista, na condição imprevista do estrangeirismo, permite que outra

territorialidade, no caso Budapeste, seja incorporada a sua existência ao ponto de

reconfigurá-la. O José Costa desterritorializado, é descrito por Chico Buarque

como um escritor anônimo, escapa da homogeneização e se reconhece

potencialmente, imprevisível e plural.

Budapeste reflete sobre o mundo contemporâneo que acelera as relações através

da globalização, que assim como a desterritorialidade, se dá na ruptura das

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fronteiras e nesta ação, o que antes era considerado contraste territorial, agora

oportuniza o dialogismo nas diferenças: “na globalização, cada lugar é, à sua

maneira, o mundo” (SANTOS, 1996, p.182). José Costa parece imprimir em sua

experiência de viver, simultaneamente, em dois territórios distintos, Rio de Janeiro

e Budapeste, o sentido de relação e reciprocidade, tudo adquire um valor comum,

apesar de suas singularidades.

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1.2 Personagens: exilados, marginalizados, amantes

O malandro de Minha história (BUARQUE,1970) carrega o fardo de sua

identidade pela metade por conta da ausência de uma paternidade reconhecida,

entretanto o que salta na poesia é onde surge este protagonista: o porto. O porto

configura-se como um não lugar, caracterizado pela transitoriedade de indivíduos,

cujas identidades confundem-se com suas funções, pelo fluxo contínuo de cargas

que são despachadas e recebidas, fragmentos de suprimentos e demandas, um

receptáculo de múltiplas territorialidades que acabam por produzir um sentimento

de estrangeirismo e de multifacetação. Talvez, não por acaso, Jesus, protagonista

de Minha história seja o que é - um produto oriundo do comércio do prazer, filho

de um marinheiro e uma prostituta - malandro do porto, marginalizado não porque

é amigo de ladrões ou por suas ações violentas “viro a mesa, berro, bebo e brigo”,

mas por estar à margem de qualquer territorialidade formal.

José Costa, protagonista de Budapeste (BUARQUE, 2003) assemelha-se, em

certa instância, ao malandro do porto: um ghost writer, contratado a escrever

livros e textos que outros assinarão como seus, sem créditos autorais, sem

créditos com sua esposa, uma bem sucedida âncora de telejornal. Também ele é

um produto do meio. Sem identidade a princípio, adquire outra a de Zsozé Kósta

ao desembarcar em Budapeste, a contragosto, à revelia, por acaso “fui dar em

Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt,

com conexão para o Rio” Um aeroporto agencia esta experiência de, afetado por

outro território e outro idioma, Costa deixar-se atravessar pelo não pertencimento.

Costa existe na experiência de ser outro, ao ouvir sua própria voz falando em

outro idioma. Estar em Budapeste é ser um Costa desterritorializado, avesso a

fronteiras, fundido nas conexões, capaz de escrever um livro sobre um escritor e

assim desdobrar-se em personagem, rompendo com a divisão entre a realidade e

a ficção, um autor que gesta palavras no corpo de Tereza, sua amante, um

voyeur da escrita quando ela própria passa a ser gestada pela mulher, grávida, e

não mais por ele.

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Assistir feito um voyeur o trânsito da mulher amada é um tema também

desenvolvido em outra criação, As vitrines (BUARQUE, 1981). O cenário é uma

galeria que nos remete a Galeria Menescal, em Copacabana, repleta de vitrines

que refletem, em fragmentos, a figura feminina, inalcançável e impalpável

acentuada na imagem refletida de um amor incapaz de se realizar no território

comum, dos amores mundanos. O voyeur persegue esta mulher, a vigia e a alerta

que a cidade é um vão, enquanto a vê em sombras que se multiplicam e lhe

escapam.

O romance Estorvo (BUARQUE, 1991) se desenvolve na vivência da cidade – a

urbanicidade globalizante, tecnológica que dispara a pluralidade, torna seus

personagens em tipos vertiginosos, desterritorializados, hospedeiros da constante

“sensação de falta de tempo”, herdeiros do fluxo inesgotável e contínuo de

alteridades e virtualidades. São conduzidos pela urgência e o imediatismo, típicos

sintomas da contemporaneidade. Os indivíduos parecem máquinas sob estímulos

eletrônicos, constituídos por redes de conexão, uma sociedade contaminada por

informações que se diluem imediatamente após seu consumo. Confunde-se com

o descentramento do porto de Minha história - um não lugar de não pertencentes

e por isso, de transitoriedade.

O encadeamento de Estorvo se dá por episódios, isto é, suspensões ou lapsos de

memória que acabam por estruturar uma narrativa do esquecimento – sabe-se

que o personagem é um homem, anônimo, que carrega uma misteriosa mala:

Dobro a esquina e tomo uma rua sem movimento; talvez um

assaltante me livre da mala. Com o sono em dia e de banho

tomado, poderia andar por aí até amanhã, sem

compromisso. Mas um homem sem compromisso, com uma

mala na mão, está comprometido com o destino da mala.

Ela me obriga a andar torto e depressa (BUARQUE, 1991,

p. 53).

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A obra parece reiterar que um dos elementos da contemporaneidade é a

transitoriedade, e conseguinte, brevidade, fugacidade e descontinuidade dos fatos

vividos. O personagem é seccionado por esparsos pensamentos e sofre

constantes interrupções de outros personagens que assim como ele não têm

nomes ou identidades, apenas transitam nos não lugares.

“Chico” (BUARQUE, 2011), o último cd do compositor, a canção Nina parece

retomar o estado de desterritorialidade por meio do imaginário. Nina, pele cor de

neve e olhos negros, mora num país distante, provavelmente na cidade de

Moscou e de lá escreve relatando suas perdas amorosas a um desconhecido, ao

mesmo tempo em que revela num mapa astral uma conexão entre ela e o

destinatário de suas cartas: “Nina diz que fez meu mapa e no céu o meu destino

rapta o seu”. Nina lhe oferece um simulacro, uma tela por onde pode ser

imaginada, “a cidade, o bairro, a chaminé da casa dela, posso imaginar por dentro

da casa, a roupa que ela usa, as mechas, a tiara”, e a cada visão inventada de

Nina, concretiza-se o deslocamento: “fecho os olhos, bebo alguma vodca e vou...”

(BUARQUE, 2011).

Esta condição desterritorializante de vislumbrar Nina em sua casa a quilômetros

de distância, separados por continentes, se dá pelo imaginário, entretanto tornam-

se imagens reais aos olhos do poeta: “posso até adivinhar a cara que ela faz

quando me escreve”. Nina é forjada, rizomaticamente, a sua casa, detalhes que a

personificam, mechas de cabelos, chaminé, roupas, tiara, uma identidade surgida

na coibição de quaisquer fronteiras entre o sujeito e o objeto, se faz “mulher-

casa”, entre o real e o ficcional.

A casa pensada como rizoma deixa de ser o secular objeto, produção material de homens situados historicamente, cujo mérito é trazer a marca no espaço (seu corpo sem alma) do tempo dos homens. A casa-rizoma não é objeto. Não se descola dos homens como aquele que sofre a ação. Homem e espaço doméstico confundem-se (...) Quantos agenciamentos que se engendram instantaneamente nos espaços domésticos, nos tomam (prendem) provocando deslocamentos, rupturas? (BRANDÃO, 2008, p. 33-34)

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Nina existe sob a perspectiva da desterritorialidade como linha de fuga de quem a

imagina, figurada no espaço simbólico dos devaneios, dos sonhos, das

aspirações, no território existencial.

Bachelard, ainda na obra A poética do espaço, imprime ao espaço-casa uma

perspectiva além da função de habitação humana - pedras, vigas, poços,

adquirem o valor de símbolos do mundo, imagens que a poética reconduz ao

valor de símbolo último. Bachelard, (BACHELARD apud.DURAND, 1988, p. 263 )

“orienta sua pesquisa para o sobreconsciente poético, que se exprime através das

palavras e metáforas o que constitui o devaneio” Bachelard parece-nos estar

estruturando um pensamento sobre o mecanismo do símbolo, percebendo neste

fenômeno uma dinâmica instauradora, conduzida por uma imagem singular.

Nina diz que se quiser

Eu posso ver na tela,

A cidade, o bairro,

A chaminé da casa dela,

Posso imaginar

Por dentro a casa ,

A roupa que ela usa,

As mechas, a tiara,

Posso até adivinhar

A cara que ela faz,

Quando me escreve

(BUARQUE, 2011)

Nina parece carregar esta singularidade se pensarmos que é ela, apesar da

distância geográfica, quem dispara a possibilidade de aproximação simbólica.

Nina faz-se presente, corporificada, em suas cartas, virtualizada, mas não menos

real aos olhos de quem a imagina.

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Chico Buarque cria personagens em constante estado de exílio e

desenraizamento, que se estabelecem nos não-lugares e no entrecruzamento das

fronteiras, portanto, uma poética acerca da desterritorialidade, onde a

transitoriedade de estar deflagra a multiplicidade de ser.

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Capítulo 2 - Desterritorialidades, estrangeirismos e nomadismos

Etimologicamente se analisarmos o prefixo des, encontraremos este sentido:

“coisa (ou ação) contrária àquela que é expressa pelo termo primitivo; cessação

de alguma situação anterior; separação de alguma coisa” (SCHNEIDER, 2008, p.

7-8), entretanto se nos remetermos aos pensadores Michel Foucault (1987, p.172)

e Jacques Derrida (1995, p. 240) veremos que ambos competem ao prefixo um

valor reforçativo que acaba por evidenciar a palavra a que se opõe, conforme

Silviano Santigo, em Uma literatura nos trópicos:

“Deslocar, descentrar, desconstruir poderia sugerir, respectivamente: tirar ou mudar um lugar (ou de lugar), ser contrário a um determinado centro e a uma determinada construção. O pensamento, entretanto, é mais sutil: dar visibilidade, reforçar as ideias de lugar, centro e construção, para Foucault e Derrida é mais interessante do que simplesmente negá-las, mesmo porque algo só pode ser contrariado ou atacado se visto, e bem visto”. (SANTIAGO, 2000)

Derrida (1995, p. 240) por sua vez, exemplifica que o termo descentramento, não

abandona a ideia de centro; descentrar seria, então, ao mesmo tempo reconhecer

a ideia de centro e questionar sua validade. Nesta perspectiva o termo

desterritorialização enfatizaria o seu suposto contrário, territorialização.

Gilles Deleuze (1991, p. 50) reitera que a desterritorialização não se opõe a

territorialização; é um processo que se define nas conexões, nas linhas de fuga,

nas contaminações que se produzem indissociável e permanentemente.

Portanto, podemos interpretar que o termo desterritorialidade seria uma

contraposição, estrategicamente, potente com relação às questões de

territorialidade.

O processo de dês-territorialização e de dês-enraizamento seriam modos de

liberar o indivíduo das amarras das tradições regionais geograficamente

enraizadas, porém sem anulá-las por completo.

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Renato Ortiz, em Mundialização e Cultura (1994, P. 214) percebe que na

desterritorialização surgem produtos ‘em pedaços e em vários lugares’, o que

contribui para que as referências culturais se tornem desenraizadas.

Cabe aqui novamente salientar a importância de não relacionar dicotomicamente

a territorialização e a desterritorialização, pois este é um processo em fluxo

contínuo e indissociável. A percepção que se tem é de que o homem da

contemporaneidade é desterritorializado, em constante linha de fuga (SASSO e

VILLANNI, 2003, p. 104) e, portanto, composto de territorialidade de

desterritorialidade.

Nesta condição, Edward Said (2011, p. 60), coloca o homem contemporâneo no

estado de exilado, de fora-do-lugar, percebendo-o como narrador nômade,

deslocado, desenraizado, muitas vezes dentro de seu próprio território cultural,

pois:

O exílio é a vida levada fora da ordem habitual; é nômade, descentrada, contrapontística, mas assim que nos acostumamos a ela, sua força desestabilizadora entra em erupção novamente (SAID, 2011, p. 60).

Para confrontar, o antropólogo francês Marc Augé (2010, p. 71-105) discorre

sobre a sensação de não lugar que se instaura nos espaços não fixos, de não-

pertencimento, que se manifestam no desenraizamento característico da

contemporaneidade, nas indefinições identitárias, nas fendas que oportunizam

passagens Lugares como aeroportos, estações de trem, hospitais, cruzamentos

instauram o estrangeirismo, pois não produzem efeito de reconhecimento.

Entretanto, Augé identifica como mediação que estabelece o vínculo entre

indivíduos e o espaço do não-lugar, as palavras, até mesmo os textos, a poética.

O homem do não lugar constantemente é assaltado por imagens que se

constroem a partir das palavras, como se a realidade concreta fosse produzida

na interpenetração dos não-lugares, estes criados na ausência. Vale aqui talvez

aproximar a teoria de Augé sobre a poética que se produz nos não lugares ao

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depoimento de Chico Buarque acerca de sua condição de “não sentir-se

pertencendo a lugar nenhum” 3 .

Sua poética seria o resultante de sua sensação de não pertencimento? Seria

preciso talvez recorrer a outro conceito, o do não-pertencimento que nos fala do

sujeito que na impermanência territorial acaba por se reconfigurar, para tentar

perceber o quanto esta sensação do poeta interfere em sua criação poética.

Gaston Bachelard (BACHELARD, 2005, p. 261) discorre sobre as interações

corpo-espaço – a materialidade da cidade, da rua ou de uma porta podem gerar

agenciamentos no indivíduo. Em contrapartida, o espaço público vivido, aquele

da rua, da cidade, pode vir a adquirir outra característica enquanto território, pois

é lugar privilegiado que se constata a alteridade e se opera o confronto com os

outros, pois o espaço está em processo constante, num permanente “tornar-se”.

Se algo existe, é enquanto confluência, interrupção e coagulação de fluxos.

Em Kafka, pour une littérature mineur, Deleuze relaciona o agenciamento com as

questões de territorialidade, desterritorialidade e reterritorialidade: “O

agenciamento tem ao mesmo tempo lados territoriais ou reterritorializados, que o

estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem” (DELEUZE e

GUATTARI, 1975, p. 112).

Tendo como enfoque a experiência do sujeito, a desterritorialização é percebida

como uma prática do homem contemporâneo, em linha de fuga que escapa das

tradições territoriais e dispõe-se a ser contaminado por outros espaços, outras

identidades.

O sujeito visto nesta perspectiva pode ser descrito como um explorador da

existência, pois neste contexto do não-pertencimento, ele não se detém

estritamente as suas referências e legados territoriais, pelo contrário, permite-se

saltar nas localidades desconhecidas, adejar nas entranhas e fendas mais

escondidas e extrair, desta experiência, material para sua existência. O homem

da contemporaneidade, segundo Guattari (1989, p. 90) carrega em si uma

percepção sensível das territorialidades circundantes, pois é produto da ordem

3 Revista Alfa, Edição de fevereiro de 2011.

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da subjetividade – vivencia o espaço nos dispositivos sociais, técnicos, físicos e

semiológicos.

Os territórios, físicos e simbólicos, que possam vir a constituir o sujeito, parecem

tecer um amálgama de conexões e novos fluxos, configurando-se tanto nas

particularidades quanto nas coletividades, pois estão abertos a outras

associações e diálogos.

Tendo estes conceitos como referência observa-se na obra de Chico Buarque,

uma perspectiva da desterritorialização que talvez se produza nas temáticas de

descentramentos, deslocamentos e atravessamentos territoriais vivenciados por

seus personagens. A pretensão é cartografar parte de sua obra com o intuito de

identificar sinais de desterritorialização em sua poética que justifiquem esta

suspeita.

Edward Said (2001, P. 111) diagnostica o exílio como uma força contrapontística,

capaz de disparar a capacidade de desestabilizar e instaurar a possibilidade de

reinvenção, Chico Buarque descreve personagens, seja na literatura ou nas

letras de suas composições, que experienciam novas identidades geográficas -

nos aeroportos, galerias, esquinas, asilos - ou identidades existenciais - tempos

remotos da memória, projeções atemporais, peripécias que reconfiguram o

tempo e o espaço.

A obra parece narrar histórias a partir da condição da desterritorialidade, cujos

espaços, paisagens e memórias, propiciam a vivência de ser outro, individual e

coletivamente, único e plural, simultaneamente.

A pesquisadora Kátia Canton (2009, p. 35) percebe a criação artística na

contemporaneidade a partir da relação intrínseca com o outro:

No emaranhado disperso da vida cotidiana, afinal, procuramos o eu através do outro, rastreamos nossas histórias e abrimos nossos diários íntimos na tentativa de nos oferecer verdadeiramente para o mundo. É essa troca genuína de memórias e de sentidos que buscam os artistas contemporâneos (CANTON, 2009, p. 35)

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Por sua vez, Stuart Hall (HALL, 2005, p. 30), fala sobre o processo de

globalização cultural e a tendência de homogeneização:

Quanto mais a vida social se torna medida pelo mercado global de estilos, lugares e imagens (...) mais as identidades se tornam desvinculadas, desalojadas, de tempos, lugares, histórias e tradições específicas e parecem flutuar livremente (HALL, 2005, p. 30) .

.

Entretanto o próprio autor destaca a articulação que se estabelece na alteridade,

entre global e local, enfatizando que é improvável que a globalização chegue a

destruir as identidades nacionais, mas inversamente, acabe por produzir novas

identificações “globais” e novas identificações “locais”. Stuart Hall fala de

inesperadas combinações de culturas, pessoas, ideias, obras artísticas a partir

dos cruzamentos, uma criação que celebra o hibridismo, a mistura, a impureza, a

transformação (HALL, 2005, p.36).

Edward Said (2003, p.113), percebe a troca de fluxos como uma possibilidade

para novas identidades, considerando as “geografias imaginárias” que se

localizam em espaços-tempos simbólicos, como fatores de construção artística. A

capacidade de se gerar fora-do-lugar, de ser um indivíduo que não se reconhece

em lugar algum, permite que o sujeito se realize nos lugares de passagem que

acumulam histórias e memórias, nos corpos que assimilam paisagens e

paisagens que absorvem corpos.

As relações entre corpo - vivido e cotidiano - e cidade, como espaço que emana

informações, podemos vislumbrar algumas perspectivas alternativas - a

experiência corporal da cidade, gerando desvios, linhas de fuga – e a relação

entre o corpo do cidadão e um outro corpo urbano, que possibilitarão outras

formas de apropriação urbano-corporal e, conseqüentemente, outras formas de

reflexão, de relação e de intervenção.

A cidade, a partir do momento que é apropriada pelo indivíduo, vivenciada e

praticada, deixa de ser espaço imutável - a interação entre espaço (que emana

memória) e corpo (que emana experiência), cria uma configuração de alteridade;

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modificam-se recíproca e concomitantemente, embora sejam de diferentes

materialidades.

Na década de 80, Chico Buarque narra esta relação entre corpo e espaço. O

ponto de vista é do homem que, explicitamente, manifesta sua incapacidade de

absorver a complexidade feminina. A mulher lhe escapa ao entendimento, porém

por este motivo, encanta-se por ela, por sua capacidade de, mesmo alheia,

atravessar os limites de seu corpo e misturar-se às espacialidades e de

desterritorializar-se.

As canções “As vitrines” (BUARQUE, 1981) e “Valsa brasileira” (BUARQUE,

1988), porém, oportunamente, podemos agora observar que carregam aspectos

de alteridade (espaço e corpo) na descrição de suas personagens femininas.

Numa outra canção, “Beatriz” (BUARQUE, 1982), o feminino é representado na

figura mítica de uma atriz que transita entre os espaços da realidade e do mito

(“será que é uma estrela/ será que é mentira”). Em “As Vitrines” a subjetivação do

olhar do homem, vigilante, percebe esta nova mulher, personagem de uma

“cidade que é um vão”, nos territórios do impalpável – nos reflexos luminosos de

uma galeria, na multiplicação de si nos olhos dele que a olham, na poesia

entornada no chão.

Em “Valsa Brasileira” o mito do eterno retorno parece assombrar o narrador que,

aventureiro, rompe fronteiras espaços-temporais - sobe montanhas, (“não como

um corpo, mas um sentimento”), roda as horas pra trás (“como num filme, ação

que não valeu”) a fim de retornar a casa da amada, pela porta detrás, antecipando

sua chegada. O homem parece capturado por esta mulher que está distante.

Vivencia a desterritorialização (“pensando em ti corria contra o tempo/ eu

descartava os dias em que não te vi”/ ajeitava o meu caminho pra encostar no

teu”) que numa instância simbólica promoverá o encontro entre os amantes.

Os espaços em seu entorno parecem afunilar a jornada do encontro, tendo como

ponto de partida o espaço aberto (montanha) e indo em direção ao espaço da

intimidade (casa).

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Subia na montanha,

Não como anda um corpo,

Mas um sentimento,

Eu surpreendia o sol,

Antes do sol raiar,

Saltava as noites,

Sem me refazer,

E pela porta de trás,

Da casa vazia,

Eu ingressaria e te veria

Confusa por me ver,

Chegando assim,

Mil dias antes de te conhecer

(BUARQUE, 1987-88)

A paisagem é incorporada na trajetória do amante que rompe as fronteiras do

tempo-espaço, graças à condição de ser um personagem desterritorializado.

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2.1 Exílio, nomadismo, não-lugar

O nômade tem um território, segue trajetos costumeiros, vai de um ponto a outro, não os ignora (...). Ainda que os pontos determinem trajetos, estão estritamente subordinados aos trajetos que o nômade determina (...). Um trajeto está sempre entre dois pontos, mas o entre-dois tomou toda consistência, e goza de uma autonomia bem como de uma direção própria. A vida do nômade é um intermezzo. (DELEUZE, GUATTARI,1997, p. 50-51)

Diferentemente de um migrante que transita aleatoriamente por localidades, o

nômade passa de um ponto a outro como alternância de trajeto, de acordo com

sua necessidade.

O trajeto nômade acontece em espaços abertos, sem fronteiras, num fluxo

contínuo, ocupando, habitando, deslocando e com isto, construindo seu princípio

territorial.

Segundo Guattari e Deleuze é nesse sentido que o nômade pode ser chamado de

desterritorializado – “para o nômade é a desterritorialização que constitui sua

relação com a terra; ele se reterritorializa na própria desterritorialização”

(DELEUZE, GUATTARI, 1997, p. 53).

O nômade habita terras que se desterritorializam por elas mesmas, pois deixam

de ser terra e sim suportes de mutações climáticas constantes. Um território

mutável de acordo com a ação nômade: “O nômade cria o deserto tanto quanto é

criado por ele. Ele é o vetor da desterritorialização” (DELEUZE, GUATTARI, 1997,

p. 53).

Pode-se dizer então que o espaço nômade é localizado e não delimitado – o

nômade acaba por não pertencer a território algum, pois o próprio território se

desterritorializa, muda permanentemente. Não se pode atribuir ao deserto a

condição de território fixo.

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Ora, para o nômade, a questão se coloca de modo inteiramente outro: o lugar, com efeito, não está delimitado; o absoluto não aparece, portanto, num lugar, mas se confunde com o lugar não limitado; o acoplamento dos dois. (DELEUZE, GUATTARI,1997, p. 55)

O nomadismo, segundo ambos os autores, por estas características acaba por

ocupar um entre-lugar que se opõe, mas também determina uma composição ou

conjunto de ordem de fluxos que se atravessam móveis e autônomos.

Edward Said (2003, p. 59) relaciona o conceito de exílio ao movimento de troca:

“a maioria das pessoas têm consciência de uma cultura, um cenário, um país; os exilados têm consciência de pelo menos dois desses aspectos, e essa pluralidade de visão dá origem a uma consciência de dimensões simultâneas, uma consciência que – para tomar emprestada uma palavra da música – é contrapontística” (SAID, 2003, p. 59).

Ainda acerca do exílio, Paul Ilie (1980, p. 02) propõe outra direção - uma ideia de

exílio como condição mental. Neste caso, o deslocamento espacial adquire

caráter secundário frente ao que se passa dentro de um indivíduo ou grupo:

A separação do país de origem significa mais do que uma falta de contato físico com a terra e as casas. O exílio é uma condição mental mais do que material, que desloca pessoas e seu modo de vida, então a natureza dessa separação [...] [é] mais profunda [...] a questão que estou levantando é se as estruturas internas do exílio não seriam fundamentais, sendo a localização geográfica de importância secundária” (ILIE, 1980, p. 2).para o nômade, a questão se coloca de modo inteiramente outro: o lugar, com efeito, não está delimitado; o absoluto não aparece, portanto, num lugar, mas se confunde com o lugar não limitado; o acoplamento dos dois.( ILIE,1980, p. 02)

Sendo assim, podemos pressupor que um indivíduo pode sentir-se exilado antes

mesmo de acontecer seu deslocamento. O exílio torna-se neste prisma uma

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condição que é vivenciada não somente geograficamente, mas existencialmente.

Não são necessárias fronteiras territoriais para que se configure o exílio.

Considerando Paul Ilie (1980, p. 5), o indivíduo sente o deslocamento antes que

ele ocorra, fazendo com que ele se sinta fora-de-lugar, e não pertencente a um

território específico.

Edward Said (2003, p. 54) é um dos autores que fazem distinção entre

“refugiados”, “emigrados”, “exilados”. Segundo ele o “refugiado” é uma condição

que tem implicações políticas e abrange grandes grupos de pessoas em fuga que

precisam de algum tipo de ajuda internacional. O “emigrado”, por sua vez,

representa apenas um indivíduo que sai de seu país em direção a outro, estando

implícita a possibilidade de escolha. O exilado, no entanto, carrega a marca do

banimento - aquele que foi forçado a sair. Assim, segundo Said: “o exilado leva

uma vida anômala e infeliz, com o estigma de ser um forasteiro” e “traz consigo

um toque de solidão e espiritualidade” (SAID, 2003, p. 54).

O exilado, portanto, indelevelmente, carregará consigo a impossibilidade de

exercer sua tradição em território natal, o que sem dúvida, gera um forçado

despojamento de suas origens. Por mais que o exilado represente suas tradições

em outros territórios, sentem-se impedidos de manter sua identidade e,

sobremaneira, não desejam se incorporar a outro território – condição que se

reconfigura, provavelmente, num estrangeirismo permanente.

Nas palavras de Said, “o pathos do exílio está na perda de contato com a solidez

e a satisfação da terra: voltar para o lar está fora de questão” (SAID, 2003, p. 52),

ou seja, o exilado está condenado a viver longe da pátria.

O exílio representa um processo de reestruturação no qual não apenas figura o

distanciamento físico, mas também o temporal. No exílio, o tempo precisa ser

reinventado, uma vez que, ao partir da terra natal, o exilado se vê isolado do

grupo ao qual pertencia, não estando mais em contato com as possíveis

mudanças ocorridas no país de origem após sua partida. Assim, para o exilado, o

tempo relativo ao espaço de origem é o passado, não o presente. Outra teoria, a

dos não-lugares, proposta pelo francês Marc Augé (2010, p. 73) sentencia que os

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espaços não fixos, como aeroportos, estações de trem, hospitais, cruzamentos,

são instauradores dos desenraizamentos - criam o não pertencimento, a crise

identitária e, ao mesmo tempo, paradoxalmente se interpenetram – o indivíduo

que vivencia esta situação é assaltado por imagens de sua territorialidade

enquanto presencia referências do não-lugar. Estes espaços se dão pela

transitoriedade, pelas identidades que se diluem. O homem deixa de ser um

sujeito e passa a ser uma produto do não-lugar: um número, uma passagem, um

laudo.

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico se definirá um não lugar (...). Os não lugares, contudo, são a medida quantificável e que se poderia tomar somando, mediante algumas conversões entre superfície, volume e distância, as vias aéreas, ferroviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de transporte” – aviões, trens, ônibus - os aeroportos, as estações aeroespaciais, as grandes cadeias de hotéis, os parques de lazer e as grandes superfícies de distribuição (AUGÉ, 2010, p. 73-75)

Segundo Augé, há alguns fenômenos contemporâneos que podemos destacar

para pensar a experiência do não-lugar, dentre eles: “deslocamentos impostos

pela demografia e a economia mundiais”; “a urbanização em massa”; “os

acampamentos” . (AUGÉ, 2010, p.75).

O que esses espaços têm em comum é a “perda do vínculo social”, embora Augé

assuma que o lugar, com sua determinação histórica, identitária, social, se

recompõe nos não-lugares, como forma de sobrevivência.

Nesse ínterim, o que Augé chama por não-lugar se situa num “mundo onde se

nasce numa clínica e se morre num hospital” (AUGÉ, 2010, p. 73-74), onde se

multiplicam, em modalidades luxuosas ou desumanas, os pontos de trânsito e as

ocupações provisórias (as cadeias de hotéis e os terrenos invadidos, os clubes de

férias, os acampamentos de refugiados, as favelas destinadas aos

desempregados) um mundo onde se desenvolve uma rede cerrada de espaços

habitados, um mundo onde as máquinas automáticas e os cartões de crédito

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deixam de ser materialidade de consumo e se tornam a representação do

homem.

O mundo da globalização econômica e tecnológica é um mundo da passagem e da circulação (...). Os aeroportos, as cadeias de hotéis, as auto-estradas, os supermercados são não-lugares na medida em que a sua vocação primeira não é territorial, não é criar identidades singulares, relações simbólicas e patrimônios comuns, mas sobretudo facilitar a circulação (e, deste modo, o consumo) num mundo com as dimensões do planeta. (...) Esses espaços tem todos um ar de ‘déjà-vu’ (AUGÉ, 2010, p. 85)

O que poderia ser chamado de crise de identidade, Augé (2010, p. 94) chama de

“crise de espaço” e “crise da alteridade”. Ou seja, a questão do espaço-tempo

evidenciada pelo processo de urbanização do mundo, produz um deslocamento

na cultura, na economia, no conhecimento, nas cidades.

“Essas modificações estão naturalmente em relação com a organização e a circulação, as migrações e os deslocamentos de população, a confrontação da riqueza e da pobreza, mas podemos considerá-las mais largamente como uma expansão da violência da guerra, política e social. Porque é a violência que está na origem das remodelagens urbanas” (AUGÉ, 2007, p. 84).

Chico Buarque parece situar seus personagens nos não-lugares, na condição de

exílio e nos deslocamentos nômades: o hospital que abriga o velho Eulálio de

Leite Derramado e que parece transformá-lo em mais um paciente senil; o

malandro, nascido no porto de Minha história que sofre o exílio no impedimento

de conhecer sua verdadeira identidade e assim, exercê-la; José Costa de

Budapeste que, acidentalmente, torna-se uma criação de si mesmo ao vivenciar o

nomadismo; a figura feminina estilhaçada nos reflexos de As Vitrines (BUARQUE,

que desencadeiam descentramentos no poeta que a vê. Retomando o foco da

pesquisa: poderíamos então pressupor que a poética de Chico Buarque se

constitui na perspectiva da desterritorialidade, considerando que os conceitos de

exílio, nomadismo e não-lugares, carregam aspectos de territorialização e

desterritorialização?

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2.2 Estrangeirismo, não pertencimento.

O estrangeirismo tem forte papel de segregação se entendermos que aquele que

o vivencia, em contraposição, deseja sentir-se integrado a outra territorialidade,

seja no campo físico ou no campo da subjetividade. O processo de adequação e

troca das diferenças parece demandar como escopo o desejo de

complementaridade. No estudo intitulado Cultura Brasileira, estrangeirismo e

segregação nas organizações (MOTTA; ALCADIPANI e BRESLER, 2006, p. 267),

sobre a dinâmica social no mundo globalizado, entende-se o estrangeiro como um

ator que precisa adaptar-se a realidade cultural local, sendo vital evitar a

fragmentação para que haja uma incorporação que passa pela dimensão do

coletivo.

Retomando Augé (2010, p. 95), acerca da “crise de espaço” e da “crise da

alteridade”, pode-se dizer que o indivíduo nesta condição não se constitui mais

por identificação a uma coletividade de pertencimento, mas ao contrário como

capacidade de se libertar de todo pertencimento, o que geraria a sensação de não

pertencimento e de estrangeirismo.

Nesta perspectiva o indivíduo não sabe mais onde situar suas coletividades, seus

grupos, suas comunidades, seu referencial de territorialidade.

Augé analisa a relação entre o homem e o espaço que o cerca, bem como a

questão da identidade e coletividade, oferecendo uma perspectiva mais

abrangente sobre a noção de mobilidade e de como a sensação de

estranhamento afeta certos indivíduos no mundo atual. Marc Augé ( 2010, p. 83)

afirma que vivemos em tempos de produção de não-lugares, que não podem ser

definidos como relacionais, históricos ou identitários. Lugares públicos são

exemplos de não-lugares, descritos como espaços alienantes, nos quais somos

forçados a passar mais tempo de nossas vidas. Augé estabelece uma ligação

clara entre os efeitos da supermodernidade e o surgimento de não-lugares.

Segundo o autor, a supermodernidade é marcada por excessos, falta de controle,

abundância de informações e transformações que acontecem em tempo

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acelerado. Nesse contexto de rápidas transformações, aqueles que passaram

pela experiência dos deslocamentos geográficos podem ter a sensação de que

habitam um não-lugar ou de que vivem em um entre-lugar. Com o passar do

tempo, essa condição limite poderá reforçar a sensação de não-pertencimento ou

resultar em um processo gradativo de aceitação do novo território. A busca pelo

pertencimento e a tentativa de recuperar o que Marc Augé chama de lugar

antropológico são inevitáveis. De acordo com o pensador, os estudos

antropológicos visam analisar a maneira como os sujeitos interpretam a categoria

do “outro”, atribuindo-lhe um lugar, uma raça ou uma etnia. Como a noção de

pertencimento ultrapassa a esfera física, o lugar antropológico é o espaço

concreto que o sujeito vê como sendo dele, que representa a sua formação

cultural e é visto como relacional, histórico e identitário.

A poética de Chico Buarque parece refletir a sensação do próprio poeta de

desconforto permanente, um deslocado, um estrangeiro que transita por

diferentes territórios. Seus personagens parecem incansavelmente buscar

reconhecer-se como indivíduos, mesmo na condição de não pertencimento e

estrangeirismo, aparentemente gerados na desterritorialidade. Em “Querido

Diário” (BUARQUE, 2011), obra que abre seu último cd “Chico” lançado

recentemente, parece refletir esta inquietação do poeta sobre o sujeito que

confrontado com a cidade, sente-se estrangeiro e busca meios para tornar-se

pertencente:

Hoje a cidade acordou toda em contramão,

Homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço,

De volta a casa, na rua recolhi um cão,

Que de hora em hora me arranca um pedaço,

Hoje pensei em ter religião, de alguma ovelha, talvez,

Fazer sacrifício por uma estátua ter adoração,

amar uma mulher sem orifício.

(BUARQUE, 2011)

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Chico reconhece semelhanças entre personagens de sua poética, sujeitos em

estado de incômodo ao não se ajustarem a lugar nenhum, pois segundo o próprio

poeta, interessa-se por eles: “Há algo de incômodo neste personagem (...), a

exemplo do narrador de ‘Estorvo’. De certa forma, me identifico com tipos assim

que não se ajustam a lugar algum” 4.

O poeta parece nos dizer que sua obra refere-se a este sujeito que no confronto

com outros espaços, vivencia estados que se contrapõem e acabam por gerar,

dialeticamente, outro sujeito que se deriva na interlocução e justaposição de

diferentes territórios – uma poética da desterritorialização.

4 Folha de São Paulo, Caderno Folha Ilustrada, em 15 de julho de 2011.

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Capítulo 3 - A desterritorialização na poética de Chico Buarque

O conceito de territorialização-desterritorialização-reterritorialização é analisado

pelo geógrafo Rogério Haesbaert em boa parte de sua obra reporta-se

constantemente a Claude Raffestin (RAFFESTIN, 1993, P. 39) que por sua vez,

define territorialidade como “um conjunto de relações que se desenvolve no

espaço-tempo dos grupos sociais” (HAESBAERT, 1997, P. 39-40).

As relações exercidas sobre o espaço-território são complexas e, devido ao modo

de produção capitalista ter dinamizado o território a partir de novas necessidades

de circulação de pessoas, informações/comunicações e mercadorias, as

transformações no cotidiano das pessoas também se alteraram sensivelmente.

Desta forma Haesbaert vai chamar de aglomerados de exclusão os espaços

ocupados por grupos de miseráveis, fruto em parte do novo padrão tecnológico e

da globalização perversa, como afirma Milton Santos (2001, p. 61). Para Deleuze,

a desterritorialização pela tecnologia, é cada vez mais sofisticada, providenciando

exclusões mais violentas (HAESBAERT COSTA in: CASTRO, 2001, p. 74)

O simples fato de vivermos em um espaço já nos identifica socialmente,

reconhecendo-se nele um espaço vivido. Desta forma define-se a região como

“espaço de identidade ideológico-cultural”, articulado em função de interesses

específicos, geralmente econômicos, de classes que nele reconhece sua base

territorial de reprodução. Como afirma Haesbaert, “é o sentido de pertencer a uma

região e/ou território” (HAESBAERT COSTA, 1988 p. 25)

Cabe aqui reconhecer que o território, além de um espaço de poder, constrói-se

também nos vínculos afetivos e identitários de um coletivo.

A dimensão da história no contexto da territorialização – dimensão

espaço/temporalidade – se realiza na prática cotidiana dos grupos que estabelece

vínculos com os de dentro e os de fora, os “nós” e os “outros”, que dentro do

plano do vivido, sentido, percebido e concebido, produz o conhecido e o

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reconhecido. E é isso que os identifica com os elementos do “seu” espaço

produzido em “seu” processo histórico.

Os símbolos, imagens e aspectos culturais são na verdade, valores, talvez

invisíveis que para a população local materializa uma identidade incorporada aos

processos cotidianos dando um sentido de território, de pertencimento e de

defesa dos valores, do território, da identidade, que na verdade são relações de

poder e defesa de uma cultura adquirida ou em construção.

O espaço é, portanto palco de dimensões simbólicas e culturais que o transforma

em território a partir de uma identidade própria criada pelos seus habitantes que o

apropriam, conforme definição de Iná Elias de Castro (1997, p. 156):

O desafio de compreender o mundo em que se colocam os geógrafos requer também considerar a força dos símbolos, das imagens e do imaginário (...) o domínio do simbólico possui um inegável valor explicativo. (...) Apesar da racionalidade moderna ter conquistado os espaços objetivos das relações sociais, as representações permanecem nos dispositivos simbólicos, nas práticas codificadas e ritualizadas, no imaginário e em suas projeções (CASTRO, 1997, p. 156).

Com isto podemos interpretar que a territorialidade vive uma constante

transformação, que lhe imprime um caráter processual. O território é interferido

pelo indivíduo que o habita ou transita por ele e com isto se modifica como

identidade, permanentemente. Podemos nos antecipar e pensar que o território é

simultaneamente um espaço geográfico tanto quanto simbólico, pois o indivíduo

carrega em si a capacidade de criar representações por associações, pela

memória, pelo imaginário.

O espaço, digamos, simbólico que se opera nesta relação acrescenta novos

elementos de descentramento do indivíduo, posto que não é apenas ocupado,

passa a ser vivido, recriado e projetado, subjetivamente, pelo sujeito.

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A “cadeia” territorialização-desterritorialização-reterritorialização parece ser a

expressão deste processo do indivíduo e sua experiência no espaço. Apropriar-se

do espaço é vivê-lo e recriá-lo, afetar e ser afetado.

Yi-fi Tuan (1980, p. 259) distingue o conceito de espaço planejado e espaço

considerado, pois o segundo se estrutura nas invocações do indivíduo, enquanto

o primeiro elabora:

Uma cidade é freqüentemente conhecida em dois níveis: um de grande abstração e outro de experiência específica. Em um pólo a cidade é um símbolo ou uma imagem pelo qual podemos nos orientar no outro, é intimamente experienciado” (TUAN: 1980; p. 259).

A apropriação de um determinado território constitui-se a partir do momento em

que o indivíduo ou grupo o representa para si e para os outros. Enquanto que na

desterritorialização, o território se reconfigura a partir das contaminações que

advém das linhas de fuga, cruzamentos e atravessamentos. O indivíduo talvez

passe a ter uma relação dialética com seu território, pois passa a figurar na

reterritorialização.

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3.1 Minha história, Budapeste, As vitrines, Leite derramado:

desterritorialidades em portos, aeroportos, galerias, hospitais

Minha História, 1970

Interpelar o passado sobre a existência de um pai desconhecido, marinheiro,

figura transitória dos portos, cuja ausência é a mais presente e o futuro incerto é a

maior certeza, é o que conduz o narrador de Minha História. É o ponto de partida

de uma narrativa musical que revela a cada estrofe não apenas um malandro da

zona portuária, mas um personagem delimitado por uma ambiência onde tudo se

integra a uma única geografia – o porto. Espaço dos embarques e desembarques,

a região das relações migratórias e líquidas.

Augé (2007, p. 73-75) discorre acerca da teoria dos não lugares, localidades

compostas pela transitoriedade que causariam a crise identitária, que, segundo o

autor, é fator primordial para se perceber as questões antropológicas e culturais

do homem moderno:

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico se definirá um não lugar (...). Os não lugares, contudo, são a medida quantificável e que se poderia tomar somando, mediante algumas conversões entre superfície, volume e distância, as vias aéreas, ferroviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de transporte” – aviões, trens, ônibus - os aeroportos, as estações aeroespaciais, as grandes cadeias de hotéis, os parques de lazer e as grandes superfícies de distribuição (AUGÉ, 2007, p. 73-75)

Para aprofundarmos esta discussão sobre a interferência da espacialidade nas

relações transitórias do homem contemporâneo, aproximaremos a teoria de Augé

ao termo hinterlândia que, etimologicamente, é aplicado pela geografia como

território contíguo à costa marinha, sendo a descrição de uma região servida por

um porto ou via navegável. Configura-se como um lugar central de concentração

de oferta de bens e serviços para uma determinada questão regional, seja como

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uma área de confluência entre materiais - encomendas e cargas, ou seja, futuros

objetos de consumo, e espaço de circulação – recepção de gêneros comerciais.

A palavra tem origem na língua alemã, na qual, literalmente, significa a terra atrás,

descrevendo uma parte de um país ou cidade em que somente algumas pessoas

vivem e a infraestrutura é subdesenvolvida. As atividades desenvolvidas numa

hinterlândia geram um sistema que possibilita o abastecimento das metrópoles,

prestando um serviço confluente de consumo e produtividade. As atividades

locais quando em situação de carência de recursos acabam por produzir um

espaço de consumo e serviço.

No entanto, poucas são as vantagens profissionais para os habitantes de uma

hinterlândia – geralmente marinheiros, estivadores, ou mais precisamente,

operários do porto, figuras marginalizadas e ignoradas pelas cidades médias ou

globais.

O enredo de Minha História, versão de Chico Buarque de Hollanda, da canção

italiana Gesùbambino de Lucio Dalla e Palotino, de 1970, é constituído pela

presença destes personagens que, paradoxalmente, por um lado, cumprem sua

função como trabalhadores do porto, e por outro lado, são colocados à margem

do progresso. Como dispositivos invisíveis nesta engrenagem de consumo,

sujeitos que se confundem aos objetos transportados nos contêineres.

Chico Buarque, curiosamente, em sua primeira visita a Cuba, em 1978, foi

inquirido por um repórter que, creditando ao título da canção um indício

autobiográfico, melindrado, pediu que o compositor contasse mais detalhes sobre

sua triste história. Conta-se que Chico esclareceu, serenamente, ao incauto

repórter sobre este engano, lembrando-lhe que suas composições não são mais

do que criação de personagens fictícios. Engano em parte, pois se trata de uma

narrativa biográfica de indivíduos que, se na canção são ficcionais, na vida

cotidiana do cais do porto, existem e são insonemente, o resultado do meio em

que vivem. Como náufragos em terra firme, ignorados e deslocados – o mar os

habita como um vão, um hiato – no território “entre-lugar” daqueles que se

configuram como seres abismais, atravessados pela paisagem – a hinterlândia

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portuária. O fato é que a canção não pode chamar-se Jesus Menino, como se

pretendia, devido à censura de 1970 ter feito a leitura horizontal da narrativa -

personagem, à margem da sociedade, filho de uma prostituta e de pai

desconhecido, comparsa dos malandros e ladrões do porto, conhecido “pelo

nome de Menino Jesus” – o título seria inaceitável aos bons costumes vigentes da

época.

A canção conforme os critérios dramatúrgicos - construção de personagem,

conflito, clímax – desvenda a cada estrofe a jornada do malandro “Jesus” e a

busca de sua identidade. Como seu homônimo, ele inquire sobre o porquê de ter

sido abandonado por seu pai, vivenciando uma ação conflituosa, a de ser um

bastardo, abandonado a própria sorte. O conflito se estabelece no campo do

consumo, pois sentir-se um filho da circulação de serviço é perceber-se como

produto descartável. Quase num trocadilho: o que o consome é a sua existência

pelo consumo.

A inquietação que o perpassa opera-se no âmbito espaço-temporal, pois se

verifica especificidades de sua personalidade atreladas à ambiência que o

circunda e ao passado que se apropria do presente e impede uma possibilidade

de futuro.

O porto, arena principal de Minha História, é cenário recorrente na obra de Chico

Buarque, criando interfaces trágicas que estabelecem vínculos narrativos de inter-

relação entre personagens que esperam ou que partem encerrados em

circunstâncias de abandono e solidão, e conflitos de revolta e desesperança. Em

Madalena foi pro mar, composta em 1963, o compositor retoma o tema:

Madalena foi pro mar e eu fiquei a ver navios

Quem com ela se encontrar

Diga lá no alto mar, que é preciso voltar já

Pra cuidar dos nosso filhos (...)

(BUARQUE, 1963).

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Assim como em Morena dos olhos d’água, de 1966:

(...) o seu homem foi-se embora, prometendo voltar já

Mas as ondas não têm hora, morena

De partir ou de voltar

Passa a vela e vai-se embora

Passa o tempo (...)

(BUARQUE, 1966).

Chico Buarque parece deslindar o conflito de seus personagens, ao amalgamar o

porto à seus habitantes ou passageiros da zona portuária, construindo uma

alteridade narrativa, onde o comércio é circunstancial, existencial e experiencial –

o corpo é produto transitório, uma falsa efemeridade que apazigua os

descompromissados, sacia, alimenta e constrói o desejo, igualitariamente aos

contêineres saturados de objetos e produtos que constituem a logística do

consumo.

O sujeito da “hinterlândia buarqueana” é resultado das condições que o

constituem, é produto dialético, no confinamento espacial e na liberdade

existencial de ser prisioneiro em-si: “Minha mãe com o olhar cada dia mais longe /

esperando, parada, pregada na pedra do porto (...)” (BUARQUE, 1970).

O letrista Chico Buarque parece perpassar temas em parte de suas letras

musicais, que dialogicamente, produzem em seus personagens ressonâncias e

desdobramentos entre si, uma espécie de atravessamento dramático, que se

situa no trânsito portuário, veja em A mulher de cada porto:

(...) se eu me deixo amarrar por um mês na amada do porto

Noutro porto outra amada é capaz de outro amor amarrar

mas escuta o que dizem as pedras do cais

Se eu deixasse juntar de uma vez meus amores do porto

Transbordava a baía com todas as forças navais (...)

(BUARQUE, 1985).

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Jesus, o malandro de Minha História, torna-se objeto do porto que o habita é da

ordem da estética existencial, força motriz de sua biografia, da concepção

silenciosa em meio ao cheiro do mar, a formação identitária num cabaré entre o

acalanto das prostitutas e a ironia de seu nome, a maturidade de bar em bar,

entre ladrões e amantes, na via crucis do copo e da cruz.

Segundo Sposito (2007, p. 215) entender o sentido de localização e suas

interações espaciais é o mesmo que construir um quadro teórico sobre a cidade

média e o fenômeno de transformação que nela se realiza. Segundo a autora “as

interações espaciais de e para a cidade média se realizam em duas escalas

espaciais gerais, a escala regional e a escala extra-regional”. (SPOSITO, 2007,

p.217) Estas interações extra-regionais são decisivas para a identificação de uma

cidade média, distinta de uma cidade regional e, admitindo-se as diferenças,

admite-se a possibilidade de conexões entre ambas. Estas “diferenças estariam

associadas à natureza de bens e serviços, agentes sociais e mercados

envolvidos”. Nesta relação de interações espaciais constitui-se o conceito de

cidade média. O conceito de Cidade Média surge pela primeira vez em finais dos

anos sessenta, durante a elaboração do VI Plano de Desenvolvimento Econômico

e Social, na França.

Cidades Médias seriam como alternativas às grandes cidades em crise, e com

isso reforçariam sua posição nos sistemas urbanos regionais.

Nos anos 1980 com o aumento de competitividade e crescente

internacionalização, as cidades médias passam a desempenhar um papel distinto

do anterior e surgem definições como “meio inovador” e “território rede”, que

apontavam para o que seria considerado, na década de noventa, uma cidade

sustentável. Neste novo quadro de potencialidades e competitividade, aparece,

concomitantemente, a exclusão econômica, social e cultural, particularmente nas

cidades médias localizadas em regiões deprimidas.

Neste panorama, o protagonista de Minha História parece ter sido gerado nesta

relação de troca e serviço, feito produto gerado pelo extra-regional, aquilo que

está fora do regional (neste caso, o marinheiro) que, detém poderosa

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concentração de oferta de serviço para uma hinterlândia regional (a mãe do

protagonista). Estabelecendo-se assim uma espécie de relação comercial – de

controle econômico e político sobre o espaço regional.

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar

Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar

Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente

E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente (...)

(BUARQUE, 1970).

Numa livre analogia à teoria de Sposito (2007, p. 220) de que as interações

espaciais se realizam nas instâncias regionais e extra-regionais, cujas diferenças

entre elas se associariam à natureza de bens e serviços, agentes sociais e

mercados envolvidos, a canção parece estabelecer uma relação de interação

espacial – o marinheiro que vem de longe, de outro lugar, personagem afeito a

territórios únicos, assim como uma escala extra-regional, aproxima-se da mulher,

que pode ser vista como uma metáfora a escala regional, e após “abastecê-la”, ou

seja, cumprida sua função de “provedor”, parte, sem saber que gerara ali um

produto desta interação entre bens e serviços: “(...) minha mãe não tardou a

alertar toda a vizinhança / a mostrar que ali estava bem mais que uma simples

criança (...)”. (BUARQUE, 1970).

Este produto é o resultante deste trânsito da cidade média, mediada pelo porto,

aqui visto como um espaço subjetivado da hinterlândia, onde se constrói o desejo

e se materializa o consumo, a todo e qualquer custo:

(...) quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo

Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz

Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus

(BUARQUE, 1970).

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Budapeste, 2003

Budapeste é o terceiro livro publicado de Chico, adquirindo uma importante

relevância em sua carreira literária – a partir daí é identificado como um

romancista – narra a história de um ghost-writer, espécie de escritor fantasma que

comercializa sua criação para que outros a assinem, apropriem-se dela, ilegítimos

receptáculos das honras que uma obra pode produzir.

Materializa em sua narrativa, a problemática da criação nos tempos pós-

modernos – se a obra não pertence ao criador como identificar sua procedência?

Que meandros esta obra pode produzir, sendo ela híbrida? Ou a obra que existe

no compartilhamento, torna-se potente e múltipla?

José Costa, o escritor anônimo, é o protagonista que vive no Rio de Janeiro e

que, por um acaso, vê-se em Budapeste, onde se torna Zsoze Kósta. Duas

identidades em um único homem, cuja existência se dá na criação que não lhe

pertence; é de terceiros.

Os personagens de Budapeste no deslocamento espacial rompem territórios

nacionais e acabam por tornarem-se universais em seus conflitos identitários.

Elaine Fernandes Prado (2007, p.15), em sua dissertação intitulada O discurso

moderno em Budapeste de Chico Buarque discorre sobre a construção textual da

obra:

Chico Buarque cria uma admirável arquitetura textual ao escrever Budapeste. Todos os elementos utilizados não são redigidos ao acaso. Percebemos claramente que nomes, locais, personagens, termos e palavras convergem para um único fim: a impressão que o discurso como um todo quer passar. Dessa forma, esse discurso se transforma numa personagem, criada para ajudar, por meio de seu idioma, a história de um estrangeiro. (PRADO, 2007, p.15 ).

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Este jogo entre José Costa, o estrangeiro, e Kriska, a húngara, de tentarem se

comunicar numa relação tensa entre palavras de diferentes idiomas, cria um ritmo

frenético e múltiplo entre culturas. A impressão é de que as personagens e a

história também se multiplicam. O aprendizado de outra língua parece

desencadear uma obsessão em Costa – a de tornar-se outro. A embocadura do

húngaro, “única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita”

é o simulacro para que Costa acesse o devir.

A questão da multiplicidade reaparece, capítulo a capítulo, pois quando Costa

escreve um livro secreto chamado “Tercetos”, ele nos remete à pluralidade de

vozes narrativas, todas produzidas por ele, o anônimo que detém a vida de todos

a partir de suas narrativas sobre o mundo.

José Costa é perseguido pelo desejo de existir através de outro idioma, o que o

leva por inúmeras vezes a falar frases em húngaro, sem nexo, na secretária

eletrônica de casa, somente para ouvir sua própria voz como se fosse de outra

pessoa. Ouvir-se por cima da fronteira que o separaria de outro território. Sua

resistência em tornar-se célebre escritor neste instante pode ser interpretada

como uma forma redutora de existir, refém do reconhecimento de sua criação,

portanto, ao tornar-se outro, Costa se exime da centralização de sua vida.

Outro expediente de Chico é a utilização de narrativas que coexistem com a

história principal, são elas produtos da criação de José Costa que, em dado

momento, parecem ser um desdobramento da realidade. Costa projeta outros

territórios, causando assim, a desterritorialidade nele próprio:

E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa (...), trancado no quartinho (...), até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final (BUARQUE, 2003, p. 40).

Neste trecho a literatura é tema na própria literatura, literalmente gestada na

escrita, cunhada nos interstícios e entranhas do criador, adquirindo forma,

transformando-se em linguagem e simbolizando a vida que surge de outra vida.

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Kriska, a amante húngara quando é descrita por “Kósta”, imageticamente, é

branca, vulnerável em sua nudez, como uma folha em branco. Num outro trecho

anterior, Costa cria Tereza, uma mulher fictícia que permitia a escrita em seu

corpo nu, aprisionando neste ato a capacidade da escrita de seu amante. Quando

o casal separa-se, a criação é relegada ao silêncio, a improdutividade. O escritor

manetado pela impossibilidade de tocar no corpo da amante é vítima da folha em

branco.

A cidade de Budapeste parece adquirir contornos e inscrições urbanas que diante

da crise da criação, esvazia-se.

Fora da Hungria não há vida, diz o provérbio, e por toma-lo ao pé da letra Kriska nunca se interessou em saber quem tinha sido eu, o que fazia, de onde vinha. Uma cidade chamada Rio de Janeiro, seus túneis, viadutos, barracos de papelão, as caras de seus habitantes, a língua ali falada (...) isso era coisa nenhuma, era matéria dos meus sonhos. No meio da aula (de húngaro) podia me acontecer de pensar no Pão de Açúcar (...) mas se Kriska me surpreendesse desatento, batia palmas e dizia: a realidade, Kósta, volta a realidade. E nossa realidade, ali, das aulas cotidianas, era Budapeste (BUARQUE, 2003, p. 68-69)

A realidade, neste caso, seria a possibilidade de viver outras territorialidades? A

vida em Budapeste estaria na representação dos contornos geográficos que,

apesar de ser uma cidade desconhecido para Costa, afetaria sua existência, sua

experiência de exílio e estrangeirismo, a invenção de si mesmo? Costa agora é

criador ou criação? Acontece um fenômeno que o torna uma espécie de criação –

outros personagens de Budapeste passam a narradores da trajetória de Costa, o

que faz com que cada narrativa, nos apresente um outro Costa, contaminado

pelos pontos de vistas, transposto ao simulacro.

O romance também descreve a participação de José Costa em vários

congressos, fora do Brasil, onde emergem discursos sobre o consumo da cultura,

impregnados pelas ideias da massificação e da globalização, um forte indicador

do autor com relação a seu temor à homogeneização. A narrativa acaba por

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defender a utopia de tornar os autores anônimos em protagonistas, mesmo que

na marginalidade.

Budapeste inicia-se num aeroporto, espaço identificado por Marc Augé, como um

não lugar, como já foi discorrido no capítulo anterior. Neste espaço de

transitoriedade que Costa é levado a um inesperado nomadismo; o aeroporto é o

propulsor da transição entre dois territórios, Brasil e Budapeste – territórios que

Costa vivencia na ruptura das fronteiras, incorporando-se, coexistindo nas

diferenças. Kósta é o reverso de Costa. As costas de Costa. O que poderia ser

uma inadequação torna-se a perspectiva de insurgir a imprevisibilidade.

Como mencionado, anteriormente, Guattari reconhece o homem contemporâneo

como ser desterritorializado, em constante linha de fuga. Deleuze vê no devir, a

capacidade de se construir e modificar, potencialmente, o indivíduo.

Chico, em Budapeste, enreda seu protagonista num imprevisto – um pouso

forçado na capital húngara – conduzindo-o a uma jornada rumo à transformação:

“Fui dar em Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul

a Frankfurt, com conexão para o Rio” (BUARQUE, 2003, p. 06)

Observe-se que neste recorte Chico utiliza a palavra “conexão” para estabelecer,

invisivelmente, uma relação entre territórios que, mesmos díspares e distantes,

ambientarão a trajetória de José Costa.

Costa está entre duas mulheres, está entre dois países, está entre duas histórias

– uma condição de fragmentação e nem por isso uma dilaceração.

O romance Budapeste pode ser considerado uma criação típica da

contemporaneidade, por trazer em sua poética, questões essenciais como o

nomadismo, o desenraizamento, o hibridismo, a desterritorialidade.

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As Vitrines, 1981

Quando Chico lança o “elepê” Almanaque (BUARQUE,1981), o público é

colocado diante de um encarte cuja arte gráfica, singularmente, apresentava uma

das letras que compunham o disco, porém invertida, como se um espelho a

deformasse, distorcendo a letra da canção As vitrines (BUARQUE, 1981).

A letra nesta singularidade se dá multifacetada, como se também ela

transcorresse numa galeria repleta de reflexos, letreiros luminosos e um olhar

feito uma lente subjetiva, que registra e se afeta pelo que vê.

Na letra original, o que se vê é a passagem da mulher amada. A imagem que se

revela é fragmentada como estilhaços no espaço, reverberando, ecoando nas

curvas da galeria. Os luminosos projetam cores oníricas na mulher que, alheia ao

olhar de um voyeur, escapa a sua compreensão. A voz narrativa é masculina,

quase em desvairio, vigilante ao objeto de desejo, que lhe escapa na

lumino(ci)dade da galeria.

O narrador parece inventar um território simbólico para tentar absorver o que lhe é

incontrolável – o desejo pela amada que o desterritorializa:

Eu te vejo sair por aí

Te avisei que a cidade era um vão

Dá tua mão, olha pra mim

Não faz assim, não vai lá não

Os letreiros a te colorir

Embaraçam a minha visão

Eu te vi suspirar de aflição e sair da sessão,

Frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser

Tua sombra a se multiplicar

Nos teus olhos posso ver

As vitrines te vendo passar

Na galeria, cada clarão

É como o dia depois de outro dia

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Abrindo o salão, passas em exposição

Passas sem ver teu vigia

Catando a poesia

Que entornas no chão

(BUARQUE, 1989, p. 200)

Sair é o verbo que inicia a letra, que parece nos dizer que o escopo é ir por aí,

remetendo a um fluxo de deslocamento e transitoriedade, por meio da cidade. O

narrador vê neste verbo, uma possibilidade de fuga incauta e previne sua amada

de que a “cidade é um vão”, possivelmente um entre-lugar, onde, ele alerta, há

perigos. Como sentir-se seguro onde não se reconhece as tradições, as

referências e valores que a territorialidade oferece? Um espaço que mal se

reconhece como territorialidade. Uma galeria além de um entre-lugar é um não-

lugar, se a entendermos como uma espaço onde o indivíduo não se reconhece

como identidade, é apenas transeunte, mais um na paisagem, repleta de vitrines.

Talvez ele próprio se torne mais um objeto de consumo à vista.

A canção parece nos falar do deslocamento e da ruptura de fronteiras que levam

ao simbólico, através da visão que desfocada pelos reflexos e luminosos, fragiliza

o voyeur que, ao confrontado a esta situação sente-se desterritorializado. A tela

de cinema, citada na poética, torna-se território de subterfúgio que o faz artífice de

sua própria experiência.

Estando na condição de desterritorializado o narrador deixa de ser um simples

voyeur, e passa a ser um atuante vigia que observa e segue sua amada no

território do simbólico. A figura feminina é descrita na multiplicação dos reflexos

das vitrines e no globo ocular de quem a vigia. Como num jogo de espelhos, a

poética nos fala da mulher amada, criada e forjada no fracionamento da imagem,

sob o olhar do amante que, desterritorializado, a vê imprecisa, estilhaçada.

O que o amante parece sentir é que a mulher amada também vivencia a

desterritorialidade, pois que ele tenta contê-la sob seu olhar enquanto ela transita,

simbolicamente, em fragmentos de seu reflexo. O amante não tendo sucesso em

mantê-la num único território, talvez o do palpável e das materialidades, o que

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tornaria tudo mais fácil, ele acaba por se desestabilizar e isto nisto, se

desterritorializa. O simbólico, possível espaço que provoca a desterritorialidade,

pois desencadeia fatores de subjetividade, em As vitrines, parece se dar nos

reflexos que apenas fingem materializar a figura humana. A amada está ali e ao

mesmo tempo não está, habita o território geográfico (anda pela cidade) e ao

mesmo tempo, habita o território do simbólico (vive no sonho do amante). O

reflexo das vitrines reflete o corpo físico, como cópia do original, porém a imagem

adquire um valor de simulacro da realidade – se a pensarmos como algo criado e

não real – o que se reflete é um corpo simbólico não é matéria corporificada. Este

fenômeno, o do reflexo talvez agencie o devir, se o pensarmos como um modo de

captura, no caso, a imagem. Em Le vocabulaire de Gilles Deleuze (SASSO, e

VILLANI, 2003, p. 104) a descrição do devir implica a noção topológica de meio:

“o devir não é nem um nem dois, nem a relação de dois, mas entre dois, fronteira

ou linha de fuga (...) o devir é uma captura, uma possessão, uma valorização,

jamais uma reprodução ou uma imitação” (DELEUZE, 1980, p. 360-380)

François Zourabichvili (ZOURABICHVILE, 2003) compreende o devir como:

Uma forma em ‘bloco’, em outras palavras, o encontro ou a relação de dois termos heterogêneos que se ‘desterritorializam’ mutuamente. Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve e a ‘faz fugir (...) Misturam-se aqui duas coisas que não devem ser confundidas (...) O devir é um pólo de agenciamento, aquele em que conteúdo e expressão tendem ao indiscernível na composição de uma ‘máquina abstrata (ZOURABICHVILI, 2003, p.48-49)

O espelhamento da vitrine, em As Vitrines, não é somente um elemento da

ordem da realidade, mas do simbólico, em sua simultaneidade de imagens

fragmentadas do corpo real, que parece tornar intenso e singular as

possibilidades de ambivalência do indivíduo, neste caso, a mulher que passa

pelas vitrines, nas sombras multiplicadas, gostando de ser no transbordamento

de sua imagem. O homem que a vigia, também é capturado pelo espelhamento,

por esse “devir-intenso” (ZOURAVICHVILI, 2003, p. 50).

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A letra de As vitrines teve outra versão, inscrita no encarte do álbum que não

chegou a ser mais do que uma ferramenta de impacto visual.

Vejamos a versão distorcida, considerando que este “espelhamento” da letra

torne possível outro sentido poético que desencadeie uma condição de

desenraizamento das referências poéticas:

Ler os letreiros aí troco,

Embaçam a visão marinha,

Vi tuas fúrias e predileção, errar sisuda,

São fora de eixos, doce vento,

Grandes beijos do jantar,

Um militar saber tuas polcas,

Bem postos meus veros antolhos,

Patinavas, sorvetes, diner’s, na alegria,

A cara do clã, um doutor doido me cedia poesia,

Um absalão rindo, pião, sexo, asa, espaço,

És súbita virgem avessa, a asteca do piano,

Quão sonha no center

(SECCHIN, 2004, p. 183)

Antônio Carlos Secchin (SECCHIN apud. FERNANDES, p. 183) discorre sobre

esta versão, em seu ensaio, intitulado “As vitrines: poesia no chão”, escrito para o

livro Chico Buarque do Brasil (FERNANDES, 2004), destacando seu

desinteresse em interpretar o sentido desta segunda versão de As vitrines, porém

propõe uma percepção sobre o modo de produção da mesma.

Secchin observa que a construção é de um anagrama cuja intenção não é a

significação, mas provavelmente, a incursão no surrealismo, mesmo que à

revelia – Chico Buarque não escreveu esta segunda versão ela originou-se por

intermédio de alguns espelhos que a distorceram e criam outras palavras e

frases.

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As associações não nos escapam, pois mesmo a inexatidão de sentido, a

ausência de nexo, imprime, poeticamente, o transbordamento vivenciado pela

mulher da versão original: “no espelho sem fundo, tramado pela poesia, abolimos

toda fronteira, circulando livremente entre os lados, de dentro e de fora”

(SECCHIN, 2004, p. 183). Esta ruptura, por meio da linguagem, da estrutura da

letra original de As vitrines, provoca uma linha de fuga e coloca a poética num

outro território.

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Leite Derramado, 2009

Leite Derramado desenvolve o conflito norteador no espaço da memória, tendo

como narrador, Eulálio, um velho senil, remanescente da linhagem tradicional

brasileira, internado num leito de hospital em meio a suas projeções do passado

que invadem o presente decadente e que vive numa espécie de entre-lugar, onde

se justapõe o que foi vivido ao que parece reproduzir o passado - a possibilidade

de reviver o primeiro amor e a culpa de tê-lo perdido.

A ideia de entre-lugar não como fixidez, segundo Michel Foucault (2005, p. 42-

43), mas como possibilidade estratégica que permite a ativação de temas

incompatíveis (neste caso, o passado e o presente de Eulálio), ou ainda a

introdução de um mesmo tema em conjuntos (a possibilidade de reproduzir o

antigo no novo), situações diferentes (viver o amor perdido numa outra relação),

nos auxilia a entender com mais propriedade a desterritorialidade que parece se

produzir em Eulálio, por meio da memória.

Antes torna-se necessário compreender o que Foucault discorre acerca do termo

entre-lugar:

“Lugar de reconstituir cadeias de inferência (como se faz frequentemente na história das ciências e da filosofia), lugar de estabelecer quadros de diferença (como o fazem a linguistica) e que descreveria sistemas de dispersão” (FOUCAULT, 2005, p. 42-42)

A dispersão citada por Foucault seria um processo de suspensão ou suspeição,

de tal forma que não é possível pensar conceitos e sentidos sem operar

deslocamentos, descentramentos ou desconstruções.

O estudo sobre memória dos velhos de Ecléa Bosi (2001, p. 86), remete à obra de

Bergson, Matéria e memória para analisar a natureza e as funções da memória.

Bergson interpenetra os conceitos de “memória, tempo, devir e energia”, para

propor que a lembrança se opera como um fenômeno, o da atividade mnêmica.

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Em determinado momento, Bergson (1997, p.223), afirma em seu discurso que “a

percepção da realidade está impregnada de lembranças” o que pode-se

interpretar como um processo em que a memória permite a relação do corpo

presente com o passado e, ao mesmo tempo, reconstrói em certa instância, a

representação do tempo atual. A memória traria à tona o passado que

“deslocaria” o presente; a memória teria a função de levar o sujeito a reproduzir

ações e comportamentos antes vivenciados e praticados por ele. Bergson,

dialeticamente, também propõe que “é do presente que parte o chamado ao qual

a lembrança responde”. (BERGSON, 1997, p. 886).

Sendo assim, o passado atua sobre o presente na medida em que a memória

sobrevive, conserva-se como fenômeno de deslocamento e descentramento

simbólico, calcado em associações e assimilações de fatos, ações,

representações e percepções.

A hipótese de Bergson se estrutura na ideia de que a memória se liberta da

letargia quando evocada por um fator presente, algo que se construa na

interlocução com o presente, através de um agenciamento:

“Quando passamos na mesma calçada, junto ao mesmo muro, o ruído da chuva nas folhas nos desperta alguma coisa, mas a sensação pálida de agora é uma reminiscência da alegria de outrora; é uma evocação” (BERGSON apud BOSI, 2001, p. 84).

Bergson trata a lembrança como percepções concomitantes, justapostas, que o

pensador identifica como “duas representações” da memória. Uma imagina

enquanto a outra repete, numa espécie de alinhamento - a memória já não

representaria o passado, ela o encenaria.

“A primeira (representação), conquistada pelo esforço, permanece sob a dependência de nossa vontade; a segunda, completamente espontanea, é tanto volúvel em reproduzir quanto fiel em conservar” (BERGSON, 2005, p. 97)

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Eulálio num monólogo constante, incansável, ora dirigido à sua filha, ora às

enfermeiras, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses,

passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até os

dias atuais. A saga da decadência, social e econômica, de uma tradicional família

carioca, percorrendo dois séculos de história do Brasil. Entretanto, o que mais

chama a atenção é a memória de Eulálio que transita num fluxo contínuo, até

vertiginoso, entre o passado e o presente.

Quando amanhã minha cama amanhecer vazia, muitos aqui farão o sinal da cruz, pensando no pior. Mas não se aflijam por mim, pois estarei chupando uvas em Copacabana, num sala com vista para o mar. (BUARQUE, 2009, p. 97)

Eulálio afirma-se enquanto sujeito que ainda vive, respira, apesar de velho e

decrépito, através de suas memórias e a cada vez que as narra, as revive e com

isto, rejuvenesce ao ponto de voltar a amar sua amada do passado na projeção

para o presente. Não importa se hoje, ela esteja desaparecida, pois que também

revive na visão de Eulálio. A velhice em Leite Derramado é tratada como algo

delicado e poético, quando poderia ser somente horror e decadência.

Graças as suas memórias, Eulálio imortaliza sua vida que se esvai, ele a recria e

torna possível deslocar-se de seu leito hospitalar, para as calçadas ensolaradas

de Copacabana, onde num tempo remoto caminhou com sua mulher. O hospital é

uma das representações da vida de Eulálio, a outra é sua imaginação e quando

sobrepostas, confundem-se e viabilizam a desterritorialidade em Eulálio – habitar,

concomitantemente, passado e presente.

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3.2 Benjamim, Valsa Brasileira, Todo sentimento, Bolero Blues:

desterritorialidades na memória e no simbólico

Essencialmente virtual, o passado não pode ser aprendido por nós como passado a menos que sigamos e adotemos o movimento pelo qual ele se manifesta como imagem presente (...) imaginar não é lembrar-se. Certamente uma lembrança, à medida que se atualiza, tende a viver numa imagem. (BERGSON, 1999, p. 158)

Bergson (1999, p.160) destaca que o tempo presente é o que interessa, pois

impele à ação enquanto que o passado, aparentemente, é impotente, se os

considerarmos tempos separados. “Mas o que seria o tempo presente?” -

pergunta o autor (BERGSON, 1999, p. 160). Se assimilarmos que o tempo

essencialmente é o que decorre, compreenderemos que o passado é o decorrido

e o presente o instante que decorre, porém é impossível ver-se um fenômeno

como algo exato, matemático. Em contrapartida, Bergson nos fala de uma

temporalidade, passado e presente, indivisível. O passado se estenderia até o

presente e o futuro: “o momento em que falo já está distante de mim” (BERGSON,

1999, p. 161), portanto o presente é uma combinação sensório-motora: sensação

e movimento ao mesmo tempo. Segundo Bergson, percebendo esta combinação

no corpo e no espaço, ou seja, na matéria, isto representaria efetivamente o

estado do devir, daquilo que está em vias de formação.

Henri Bergson a respeito da “continuidade do devir ser a realidade viva” nos fala:

De maneira mais geral, nessa continuidade de devir que é a própria realidade, o momento presente é constituído pelo corte quase instantâneo que nossa percepção pratica na massa em vias de escoamento, e esse corte é precisamente o que chamamos de mundo material: nosso corpo ocupa o centro dele (...) e consiste a atualidade de nosso presente. Se a matéria , enquanto extensão no espaço, deve ser definida, em nossa opinião, como um presente que não cessa de recomeçar”. (BERGSON, 1999, p. 162).

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Benjamim, 1995

O protagonisa que dá nome a obra é um ex-modelo fotográfico decadente que fez

sucesso na juventude, inclusive entre as mulheres, mas que hoje vive no

ostracismo: “quem entreabre a porta é um senhor curvo, a camisa para fora da

calça surrada, os cabelos brancos em desordem e a barba por fazer há uns sete

dias” (BUARQUE, 1995, p. 161)

Os romances possuem vários elementos em comum: sequencia não linear:

recorrência de flashbacks, atmosfera ambígua entre realidade e sonho, repetições

de cenas, nomes incomuns ou ausência deles, clima onírico, tom vertiginoso, a

presença constante de um olhar perturbador e persecutório, fixação por bocas de

mulheres, em Benjamim, e por pés, em Estorvo, personagens obcecadas. O

protagonista de Estorvo, “ovelha negra” da família de classe média alta, e

Benjamim, desdenhado e repelido pelas mulheres, são “estorvos”, sujeitos sem

rumo e sem afeto, emaranhados no turbilhão dessas narrativas circulares.

Estorvo (BUARQUE, 1991) e Benjamim possuem um gênero potencialmente

policial, o que acaba por privilegiar com dinâmica suas narrativas, que descrevem

a jornada vertiginosa de seus protagonistas rumo a territórios desconhecidos.

Outra similaridade das duas obras é a aparente obsessão de seus personagens

pela figura feminina, na descrição de perseguição de mulheres ou quando se fala

no amor por elas. Há um flagrante apego a mulheres do passado que parecem

retornar em outros corpos, as mulheres do presente que ditam regras ou as

mulheres que anteveem um futuro para seus protagonistas

Em Benjamim, são duas mulheres, uma do passado e outra do presente que

parecem se confundir, cujas lembranças ou aparições atormentam o personagem

principal, levando-o à morte.

Em Estorvo, as mulheres são personificadas na mãe ausente, na irmã rica que lhe

dá dinheiro, na ex-mulher que o sustentava.

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A narrativa de Benjamim se estrutura em torno do desejo de seu protagonista em

perseguir sua antiga namorada, por meio de uma projeção – Benjamim a vê no

corpo de outra mulher, Ariela e com isto inaugura um ritornelo.

"O ritornelo vai em direção ao agencialmento territorial, ali se instala ou dali sai. Num sentido genérico, chama-se ritornelo todo conjunto de matérias de expressão que traça um território, e quese desenvolve em motivos territoriais, em paisagens territoriais (há ritornelos motrizes, gestuais, ópticos etc.). Num sentido restrito, fala-se de ritornelo quando o agenciamento é sonoro ou dominado pelo som - mas por que esse aparente privilégio?" (DELEUZE e GUATTARI, 1989, p. 397)

O ritornelo acontece, segundo Deleuze e Guattari (1989, p. 398): através de um

agenciamento territorial em três aspectos: direcional (do caos a um território

central), dimensional (ao seu redor do território) e pela fuga (a busca por outros

agenciamentos, quando o território se torna transitório).

O ritornelo está sempre em relação a um agenciamento territorial, ora partindo em

direção a ele, ora se instalando nele e consolidando seus componentes, ora

dando conta de vazá-lo, de colocar o território em fuga (DELEUZE e GUATTARI,

1997, p.119).

Ariela Masé é o agenciamento para que Benjamim se coloque numa linha de

fuga, em direção a Castana Beatriz e todo o seu passado.

A presença de Castana Beatriz é criada na perseguição a Ariela, um impulso de

repetição que ameniza a sensação de perda e de frustração de Benjamim.

Repetindo Benjamim vivencia o passado, recria-o e vivencia-o no presente – o

protagonista rompe territórios (espaço e tempo) e vivencia a desterritorialidade.

Na tentativa de manter viva a amada do passado, Benjamim a substitui por Ariela,

moça que poderia ser a filha de Castana Beatriz. Uma torna-se aos olhos de

Benjamim, a representação da outra, o que facilita a justaposição de ambas e das

questões espaço-temporais – passado e presente se sobrepõem. Benjamim

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através desta mulheres concretiza a possibilidade de vivenciar a fusão de

territórios – sua vida pregressa, sua vida atual.

Com isto parece buscar, incansavelmente, Castana Beatriz, a mulher que o amou

no passado, mesmo que hoje, ilusoriamente, torne a existir noutra, Ariela Masé.

Esta se recusa e foge, pois o que Ariela vê é o arremedo de Benjamim.

Ariela é objeto de desejo de outros homens, porém não se deixa capturar por

nenhum deles. Todos os personagens masculinos que a rodeiam parecem ser, de

alguma forma, sujeitos desajustados à beira do risível. Personagens que

transitam sem rumo, hipnotizados pela figura feminina. Quanto menos ela se

revela, mais a desejam, como se não a tendo, tornassem-se pertencentes a ela.

Em Estorvo e Benjamim, as mulheres parecem desencadear deslocamentos e

rupturas, pois conduzem, mesmo que involuntariamente, os protagonistas a

outros territórios existenciais, da memória, do imaginário, o que mudará suas

vidas.

O alinhamento de territórios, passado e presente, é poeticamente descrito na

cena da morte de Benjamim, que é morto na mesma casa onde Castana Beatriz

viveu e morreu.

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Valsa Brasileira, 1987-88 e Bolero Blues, 2006

Vivia a te buscar,

Porque pensando em ti,

Corria contra o tempo,

Eu descartava os dias,

Em que não te vi,

Como de um filme a ação que não valeu,

Rodava as horas pra trás,

Roubava um pouquinho,

E ajeitava o meu caminho,

Pra encostar no teu,

Subia na montanha,

Não como anda um corpo,

Mas um sentimento,

Eu surpreendia o sol, antes do sol raiar,

Saltava as noites, sem me refazer,

E pela porta de trás, da casa vazia,

Eu ingressaria, e te veria,

Confusa por me ver, chegando assim,

Mil dias antes de te conhecer

(BUARQUE,1987-88)

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A temática amorosa de Valsa Brasileira apresenta um narrador em primeira

pessoa, afirmando seu desejo apaixonado inserido numa outra organização

temporal – a da ruptura do tempo cronológico e, consequentemente, das

questões espaciais. Não existe fronteiras objetivas de tempo-espaço. Todo

encontro amoroso se opera na desterritorialidade, no deslocamento que burla o

relógio e antecipa um encontro pra daqui “mil dias” - o amante caminha em

sentido contrário ao tempo, incorporado pelo sentimento e abstraindo a matéria,

realidade sensível sempre trespassada pelo fluxo ininterrupto e progressivo dos

eventos que precipitarão sua chegada à casa da amada: “vivia a te buscar,

porque pensando em ti, corria contra o tempo, eu descarta os dias, em que não te

vi, como de um filme, a ação que não valeu, rodava as horas pra trás”

(BUARQUE, 1987-88).

Bolero Blues, composta 19 anos depois de Valsa Brasileira, em parceria com

Jorge Helder, o contrabaixista que acompanha Chico Buarque em seus últimos

trabalhos, apresenta, assim como em Valsa Brasileira, um narrador como

narrador que discorre sobre o encontro que somente se realiza no campo do

desencontro, ou melhor, a antecipação de tempo descrita em Valsa Brasileira que

concretizaria o enlace entre amantes, em Bolero Blues, transforma-se quase na

punição do amante, pois que ao antecipar-se, vislumbra o encontro que nunca

acontecerá: “quando eu ainda estava moço, algum pressentimento me trazia volta

e meia por aqui, talvez à espera da garota que naquele tempo andava longe,

muito longe de existir” (BUARQUE apud. HOMEM, 2006, p.312)

O amante ao antecipar a chegada em Valsa Brasileira realizava o encontro, “mil

dias antes de te conhecer”, entretanto tudo era possível, pois diferentemente de

em Bolero Blues, a amada “andava longe, muito longe de existir”. O que talvez

diferencie uma obra da outra é que a desterritorialidade se opera em condições

diversas: o amante de Valsa Brasileira desloca-se até a casa de sua amada, o de

Bolero Blues, a busca numa encruzilhada, um entre-lugar. Enquanto o primeiro

insere a paisagem no encontro, ou seja, interfere no espaço e o contamina com

seu desejo, o segundo é absorvido pelo cruzamento, o espaço que o contamina e

o dispersa.

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Quando eu ainda estava moço,

Algum pressentimento,

Me trazia volta e meia, por aqui,

Talvez à espera da garota ,

Que naquele tempo, andava longe,

Muito longe, de existir,

Tantos tristes fados eu compus,

Quanto choro em vão, bolero blues,

Eis que do nada ela aparece,

Com o vestido ao vento, já tão desejada,

Que não cabe em si.

(BUARQUE, 2006)

Entre-lugares, segundo Michel Foucault (1987, p. 72) seriam lugares que gerariam

dispersões, um processo de suspensão que se operaria nos deslocamentos e

descentramentos. O cruzamento citado como o lugar do crucial encontro entre

amantes, ao contrário da casa, espécie de abrigo para os amantes de Valsa

Brasileira, neste caso desaloja, dispersa, diluí o enlace.

Neste crucial momento, neste cruzamento,

Se ela olhar para trás,

É bem capaz de num lamento,

Acudir ao meu olhar mendigo,

Mas aquela ingrata corre,

E a barão da torre e a vinícius de moraes,

São de repente estranhas ruas,

Sem o seu vestido ficam nuas,

E ao vento eu digo - tarde demais

Quando ela já não mais garota, der a meia-volta,

Claro que não vou estar mais nem aí

(BUARQUE, 2006)

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O amante de Bolero Blues parece em trânsito constante, indo de sua juventude a

sua velhice, entre o tempo da espera e o tempo tardio, entre “a Barão da Torre e

a Vinícius de Moraes”, para descobrir que quando não mais ele estiver ali, sua

amada finalmente existirá e atravessará o cruzamento, então será “tarde demais”.

As ruas antes conhecidas tornam-se estranhas, possivelmente, dispositivos para

a sensação de estrangeirismo do narrador que acaba não se sentindo

pertencente aquele lugar - “não vou estar mais”. Os amantes parecem que

existem em tempos diferentes e em comum têm somente o espaço, no caso o

cruzamento. O que fica é o eco do outro que nunca é ouvido ao mesmo tempo. O

cruzamento, enquanto espaço, os uniria, porém o tempo, irregular, dicotômico ao

espaço, rompe, desterritorializa.

Em Valsa Brasileira, o amante parece se colocar como um nômade que busca na

própria geografia a desterritorialidade de sua existência. Sobe montanhas não

fisicamente, amanhece antes do sol, escapa às noites para não precisar

descansar. É incansável em sua busca e para tal, desterritorializa-se – o que o

move é o sentimento: “subia na montanha, não como anda um corpo, mas um

sentimento, eu surpreendia o sol, antes do sol raiar, saltava as noites, sem me

refazer” (BUARQUE, apud HOMEM, 2009, p. 253)

Valsa Brasileira e Bolero Blues, apesar da distância de anos que as separam,

parecem reverberar o mesmo tema – amantes que se tornam atemporais, pois

subvertem o tempo e o espaço por meio da desterritorialidade.

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Todo sentimento, 1987

Em Todo o sentimento o lirismo se dá no sujeito que fala do sentimento de amor,

como introduz Roland Barthes em Fragmentos de um discurso amoroso: “é um

enamorado que fala e que diz” (BARTHES, 1985, p.7): “Preciso não dormir, até se

consumar, o tempo da gente, preciso conduzir, um tempo de te amar, te amando

devagar e urgentemente”. (BUARQUE, 1987)

Em estado premente de paixão, ele declara sua necessidade de vivenciar seu

amor, mesmo que para isso tenha de romper com o espaço-tempo. A poética se

desenvolve no percurso do amante por territórios onde é possível perpetuar o

“último momento”, o da consumação, antes da ruptura que o distanciará de seu

amor. E mesmo assim, quando isto ocorrer, este amor, em outro território talvez

simbólico, talvez imaterial, o do encantamento, se eternize: “Pretendo descobrir,

no último momento, um tempo que refaz o que desfez, que recolhe todo

sentimento e bota no corpo uma outra vez”. (BUARQUE, 1987)

A relação proposta nesta poética parece ser a do sujeito que ao desterritorializar-

se torna possível viver o amor em sua plenitude. Quando percebe que o território

físico não comporta todo sentimento, a desterritorialidade torna-se a instância da

vivência do amor simbólico, além das fronteiras geográficas e que também é

potente ao ponto de descentrar e desalojar quem o vive. O território do corpo é

repositório de todo sentimento que está na desterritorialidade da sensibilidade e

incide o fluxo incessante do tempo. É interessante perceber que no verso “um

tempo que refaz o que desfez”, (BUARQUE, apud HOMEM, 2009, p. 252), já não

se encontra uma organização temporal concebida a partir da ideia de fluxo. O

amante propõe uma temporalidade que se inscreve como uma condição contínua,

como um ritornello existencial, num espaço de circularidade – o fim que é ao

mesmo tempo começo. Como se o amor vivenciado na desterritorialidade se

confirmasse ininterrupto, não linear, liberto das fronteiras do corpo.

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Há um engano do tempo amoroso (esse engano se chama: romance de amor). Creio (e todo mundo crê) que o fato amoroso é um “episódio”, dotado de um começo e de um fim [...]. Vivo, entretanto, reconstituindo a cena inicial no decorrer da qual fui raptado: é um depois do fato acontecido. Construo uma imagem traumática, que vivo no presente, mas que conjugo no passado [...] (BARTHES, 1985, p.169).

Ao perceber que até o amor adoece, o amante abdica do território físico e prefere

partir, justamente para onde (na desterritorialidade) o encantamento possa existir.

Prometo te querer,

Até o amor cair doente, doente,

Prefiro, então, partir, a tempo de poder,

A gente se desvencilhar da gente,

Depois de te perder, te encontro,

Com certeza, talvez num tempo da delicadeza,

Onde não diremos nada; nada aconteceu,

Apenas seguirei como encantado ao lado teu.

(BUARQUE, 1987)

Visto o amor na territorialidade dos desejos, ele se manifesta no corpo que, por

sua vez se decompõe. Restará que se proponha para a permanência amorosa

que se desloque o sentimento para outro lugar. O amante se orienta pela

desterritorialidade, que neste caso, a própria poética proporciona - o discurso

passional da tentativa de amar além do tempo e do espaço.

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6. Considerações finais

Nas composições observadas verificou-se que a contaminação com outras

territorialidades gera o rompimento das questões espaço-temporais – em Valsa

Brasileira (BUARQUE, 1987-88), Todo sentimento (BUARQUE, 1987) e Bolero

Blues (BUARQUE, 2006), seus personagens, movidos sentimentalmente,

vivenciam deslocamentos geográficos para encontrar o amor ideal. Já as obras

literárias, Budapeste (BUARQUE, 2003), Leite Derramado (BUARQUE, 2009) e

Benjamim (BUARQUE, 1995), apontam para as mesmas questões de

transitoriedade, porém não somente geograficamente. A memória nestas obras

opera o rompimento territorial, por um mecanismo além das fronteiras espaciais.

A obra de Chico Buarque constitui comumente no deslocamento de seus

personagens sejam territoriais, como em Budapeste, As vitrines, Valsa Brasileira

e Minha história e no descentramento da memória como em Leite derramado,

Bolero Blues, Todo sentimento.

Deleuze e Guattari, em seu conceito de desterritorialização (1989, p. 177), veem o

homem contemporâneo como um desterritorializado, pois vivencia a

desterritorialização na ruptura das fronteiras geográficas e, simultaneamente,

modifica-se existencialmente. Outros autores, Augé (2010, p. 84), Bachelard

(2005, p. 102), Bergson (1999, p. 73) e Said (1999, p. 60) contribuem para o

entendimento de diferentes condições de desterritorialidade – o exílio, os não-

lugares, o não pertencimento, o estrangeirismo e o nomadismo.

A obra de Chico Buarque possui temáticas que giram em torno destas condições

de não pertencimento e estrangeirismo – personagens que ao serem

atravessados por outras territorialidades, vivenciam o exílio e o desenraizamento,

que se estabelecem nos não-lugares, no entrecruzamento das fronteiras, o que

desencadeia, por sua vez, crises identitárias.

As obras Benjamim (BUARQUE, 1995) cujo personagem se manifesta nas linhas

de fuga, Minha história (BUARQUE, 1971) na trajetória de um malandro em busca

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de sua identidade e As vitrines (BUARQUE, 1987-88) um voyeur é capturado pela

imagem da amada, evidenciam estas condições.

Em outras obras a desterritorialização se opera por meio da memória como em

Leite Derramado (BUARQUE, 2009) no embaralhar da memória de um velho

senil, Valsa brasileira (1987-88) na busca da amada pela ruptura espaço-

temporal, Todo sentimento (1987), na perpetuação do amor e Bolero Blues (2006)

no encontro de amantes que nunca se encontrarão.

Seus personagens se estabelecem a partir da transitoriedade, do exílio, do não

pertencimento, estados experienciados pelo rompimento das fronteiras territoriais

e pela vivência de sua memória, o que os levam aos deslocamentos espaciais e

simbólicos. Estas implicações tendem a mobilizar geográfica e existencialmente

seus personagens, o que acredito faz dessa obra uma poética da

desterritorialização.

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Trad. Maria Lúcia Pereira. 6. ed. Campinas: Papirus, 2010.

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BAKHTIN, Mikail. Le problem de contenu, du matériau et de la forme dans

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BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Hortênsia

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