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João Barcellos MAIRINQUE Entre o Sertão e a Ferrovia [Das palestras de João Barcellos, de 1991, 1992 e 2009, em Mairinque, São Roque e Sorocaba.] Edicon / TerraNova Comunic 2013

MAIRINQUE

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Entre o Sertão e a Ferrovia

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João Barcellos

MAIRINQUE

Entre o Sertão e a Ferrovia

[Das palestras de João Barcellos, de 1991, 1992 e 2009,

em Mairinque, São Roque e Sorocaba.]

Edicon / TerraNova Comunic

2013

Page 2: MAIRINQUE

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B218m

Barcellos, João, 1954- Mairinque : entre o sertão e a ferrovia / João Barcellos. - São Paulo : EDICON, 2013. 32 p. : il. ; 21 cm

ISBN 978-85-

1. Sertões - História. 2. Brasil - Geografia histórica. I. Título.

13-2077. CDD: 508.81 CDU: 551.7(213.54)

01.04.13 04.04.13 043919

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Índice

Apresentação Tereza de Oliveira

Mairinque

entre o sertão e a ferrovia

Tábua Cronológica Explicativa

do Séc. 16 ao Séc. 20

Anexo

Um Empreendedor Chamado Mayrink

Notas

Bibliografia

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Apresentação

As palestras apresentadas pelo intelectual português João

Barcellos, em 1991 e 92, em Mairinque e São Roque, no âmbito das

suas atividades de diretor municipal de Imprensa e Cultura, no

município de Cotia, levantam questões geográficas e sociais e

históricas da colonização portuguesa entre o litoral vicentino e o

sertão a oeste do planalto piratiningo. Ele já visualizara na palestra

“koty: de costa a costa com a casa às costas” e na reedição do livro

“A Derrubada”, do poeta Baptista Cepellos, a falta de estudos sobre

o que ele diz ser “o sertão das cangueras”, embora escreva “terras

das cangueras” para melhor exprimir o assunto que aos povos

nativos tupis e guaranis diz respeito.

E, diz ele, “os nativos montam os seus santuários (cangueras) de

oração e veneração aos mortos em locais abertos e entre caudais

d´água (rios, riachos, córregos), o que parece uma característica

comum em todos os territórios americanos”, e “desta orientação de

vento e água é que os colonizadores aprendem o jeito de viver dos

nativos”.

Entretanto, assim como na floresta do Morro Grande, no sertam

d´Itapecerica, para onde deslocaram em 1703 a Aldeia Koty,

encontram-se cangueras, o avanço colonial dá conta que “a

canguera é também um ´farol´ na sinalização dos caminhos que

ligam os povos nativos em todos os corredores do Piabiyu, e mais

entre os morros até São Roque e às margens daquele velho

caminho guarani”. Isto significa, diante dos estudos de João

Barcellos, que as terras das cangureras foram conhecidas ainda no

Século 16 e, já então, muitas delas tomadas e transformadas em

sítios agrícolas para sustentação familiar e, logo, de sertanistas e

bandeirantes. Uma civilização que chega, cerca e toma e

transforma a civilização dominada. Foi assim na Ásia e na Europa,

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teria que ser assim na América. É neste ambiente de

“assentamento colonial” que as terras das cangueras se

transformam em fogos e fazendas.

No caso específico de Mairinque, cujo nome vem de Mayrink, o

conselheiro que teve a coragem de abrir caminho para a ferrovia no

oeste paulista, aquele entroncamento das vias nativas era o ideal

para uma parada-estação entre o sertão e a Serra do Mar. A

utilização fundiária das cangueras passou então da fazenda para a

ferrovia num convívio econômico diretamente relacionado à

evolução social da Província de São Paulo.

Desta maneira, João Barcellos apresenta-nos “a história como ela

foi gerada no assentamento colonial português e mameluco” e nos

dá uma visão da “importância social e econômica que as terras das

cangueras tiveram na evolução colonizadora”.

OLIVEIRA, Tereza – artista plástica e professora.

Artigo para o jornal “Treze Listras” (Cotia/SP).

Embu, 1991.

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MAIRINQUE

Entre o Sertão e a Ferrovia

O instante em que o jesuíta Manoel da Nóbrega decide

abandonar o projeto da Aldeia Maniçoba, que chega a funcionar de

1551 a 1552 no sertão das serranias além Wotucatu, ele está no

planalto de Piratininga, e o seu olhar encontra-se com o sertão

trilhado pelos guaranis e os tupis, entre outros povos, na direção do

sul. Mas é a malha de caminhos do Piabiyu que ele vislumbra e

quer adentrar pelo oeste bravio da região Piratininga, e então,

decide, neste momento de 1553, lançar uma aldeia-base no

planalto para dar logística à entrada sertaneja dos padres da sua

companhia. Levanta-se, então, a aldeia Sam Paolo dos Campu de

Piratinin, já agora como marco-zero da colonização luso-católica

para o sudeste e o centro-este, após o assentamento litorâneo em

Santos, São Vicente e Cananeia.

Uma região é continuamente assinalada nas falas dos nativos

tupi-guaranis: as cangueras. No início, os portugueses só entendem

que os nativos dão grande importância a essas terras além do pico

da Serra do Mar e para lá partem a todo o momento, ou pela trilha

de Cananéia ou a de Piaçaguera. Só quando alguns aventureiros

pagos pelos colonos vão a conhecer os caminhos e as terras é que

se descobre que canguera é cemitério e que as terras são boas

para cultivo por estarem entre rios e córregos, e algumas delas com

nascentes. Então, os portugueses percebem que o Brasil não é

uma ilha, mas um território vasto. Algo que os padres jesuítas não

ignoram, mas não falam. Os padres querem conhecer as trilhas do

Piabiyu que levam aos guaranis sulistas. Não por acaso, eles não

registram nas suas cartas-relatórios as informações logísticas

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relativas aos caminhos e primeiras aldeias [v. Maniçoba]: a

informação é um segredo e é um poder.

Entre o instante de 1553 e o estabelecimento social e bélico dos

portugueses, definitivo em 1592, com o banqueiro, político,

minerador e preador Affonso Sardinha [o Velho] a assumir o posto

de Capitam de Gentes da Villa para domar nativos e conquistar o

Pico do Jaraguá, vários dos caminhos de ligação do Piabiyu são

tomados e começam a surgir fogos dispersos de agropecuária e,

logo, fazendas. São estes fogos e fazendas que dão sustentação

aos primeiros movimentos do ciclo bandeirístico, entre Ibitátá,

Carapocuyba, Koty, nas ramificações para o Cerro Ybiraçoiaba, de

um lado, e para a Serra de Wotucatu, por outro lado, na lenta, mas

decidida penetração para o sul e o centro-oeste.

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além morros

um mar de cangueras

além morros

vastas e férteis terras

no eterno cântico das gentes nativas

novas gentes na velhas trilhas

além morros

um novo altar sobre as cangueras

além morros

um novo deus se diz em velhas terras

[João Barcellos, in “ritual de passagem”. Mairinque, 1991.]

Nesta caminhada serra acima e sertão adentro, surge uma nova

expressão entre os portugueses e os padres: bugre. A expressão

bugre define a pessoa não-cristã. Entretanto, passa a ser aplicada a

qualquer pessoa ignorante, assim como caipira define pessoa rural

e sem polimento social sob o olhar das pessoas urbanas, o que não

significa que estas sejam mais do que aquelas. E ela se aplica com

autenticidade à pessoa mameluca, filha de nativa com português –

pois, a gente mameluca desconhece o deus da cristandade e é

arredia ao mando colonial. É na gente mameluca que está a

primeira manifestação de brasilidade. Os primeiros fogos, ou

ranchos, abertos no sertão além da Serra do Mar são de gente

mameluca com gente nativa – gente rude que só se sente bem na

sua terra. Raros são os casais de portugueses que se aventuram

nas trilhas do sertão, preferem a relativa segurança das margens do

Jeribatyba e do Anhamby, ou mais dentro, do Koty e do Soroca[ba],

no que ao oeste diz respeito, e do Parayba, a norte.

Page 9: MAIRINQUE

Na maioria dos fogos e fazendas assentadas, o exercício colonial

ocupa e destrói culturas nativas e, em muitos casos, os santuários

do culto aos mortos dos povos nativos. Algumas fazendas

agropecuárias tomam tais santuários, ou canguera [do tupi-guarani,

q.s. ossário / ossos, ou cemitério] porque estão em terrenos

´beijados´ por rios e riachos, e principalmente os que cercam olhos

d´água [nascentes]. Na região da Koty, o sargento-mor Medella

constrói casa-grande e moinho e senzala na floresta de Morro

Grande em pleno sertam itapecericano, e mais para o sul, entre a

Koty e a Serra da Cahatyba [ou, cachoeira Boturantim, como dizem

os nativos da região],

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[Mapa com a região das cangueras, de Cahatyba/Cativa e São Paulo]

os cresos Pero Vaz de Barros e Guilherme Pompeo de Almeida

[este, padre jesuíta, fazendeiro e banqueiro] aprisionam milhares de

nativos e transformam as suas aldeias e cangueras em unidades de

produção agropecuária e fruteira, com incidência maior na produção

de marmelada e vinho, para o abastecimento das minas do centro-

oeste da Capitania de S. Vicente que, no momento, tem Sant´Anna

de Parnaíba como centro financeiro e produtor e não a Villa de Sam

Paolo dos Campu de Piratinin.

Uma das aldeias tomadas aos nativos fica denominada, em

meados do Séc. 18, como Fazenda Canguera, e pertence ao

capitão José Joaquim Xavier de Lima Rato, mas que antes é

propriedade de Manuel da Costa Nunes, um preador temido pelos

nativos e conhecido como manduzinho.

No meados do Séc. 18 já não é o olhar jesuítico que comanda a

colonização pela orientação do Piabiyu, mas olhar pombalino que

quer e exige resultados na produção agropecuária e na extração de

pedras preciosas.

E assim é que ao tempo do capitão-general Luís Antônio de

Souza Botelho e Mourão [o 4º Morgado de Matheus], amigo do rei e

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do conde d´Oeiras [leia-se Marquês de Pombal] se dá início ao

reaproveitamento fundiário das sesmarias que dos jesuítas foram, e

também daquelas que ficam improdutivas sob o mando de reinóis

da vida boa, e daqui se constrói uma Capitania de São Paulo forte e

ousada o suficiente para se transformar em polo de urbanização – a

saber: fogos e fazendas, sesmeiras ou não, são agora base

territorial de novas vilas e cidades, quer no oeste quer no centro-

oeste da capitania.

o silvo da maria-fumaça

rompe o ritmo dos gritos da terra

brava gente

do barão de mauá a Mayrink

a nação nova esquece a alma eloquente

dos povos da terra

já agora nem em sinais de fumaça

não há nem aliança

o mundo a vapor s´abraça

mauá e Mayrink

são grito da nova raça

estrada de ferro em moderna fumaça

[João Barcellos, in “ritual de passagem”. Sorocaba, 1991.]

O velho Piabiyu dos guaranis, que tantos sonhos realizou a

aventureiros portugueses e castelhanos, italianos e alemães, é

agora a planta naturalíssima em que assentam as novas vias da

comunicação portuguesa em solo tropical, seja pelas bandas da

Cahatyba e do Ybiraçoiaba, seja pelas bandas do Wotucatu a

adentrar o caminho dos Goyazes, enquanto lá ao sul continua a

dura batalha pela posse da ´rabeira´ da tal linha de Tordesilhas à

sombra da Colônia de Sacramento e sob a cristalina saudação do

Rio da Prata.

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Tábua Cronológica

Século 16. As entradas exploratórias encontram trilhas e

encontram outras civilizações. As pessoas não-cristãs passam ser

chamadas de bugres. Por isso, as suas crenças e os seus cultos

aos mortos [cangueras] não têm significação diante da colonização

luso-católica.

1- Nativos informam sobre o Piabiyu e cangueras além da Serra

do Mar e fazem-se seguir pelos portugueses. Dá se início à

fase exploratória do chamado sertam dos guaranis.

2- Após a descoberta de ouro no morro Byturuna, Affonso

Sardinha [o Velho] desloca-se para o Cerro Ybiraçoiaba pelo

tronco principal do Piabiyu, entre Koty e as cangueras. A

descoberta de ferro e a instalação da primeira usina de

fundição de ferro nas Américas, no Cerro Ybiraçoiaba, faz das

terras das cangueras um ponto de passagem.

3- No final do Século 16, e logo após a conquista do Pico do

Jaraguá, onde o ´velho´ Sardinha instala nova fazenda e faz

mineração de ouro e prata, abre-se o caminho das cangueras

à perspectiva de novos pouso e fogos. Os santuários dos

mortos começam a ser profanados e destruídos, enquanto os

povos nativos são ´empurrados´ para a região das sorocas e

das serranias do Wotucatu. A conquista do oeste piratiningo

alarga a Capitania de S. Vicente, mesmo com a interdição

temporária do Piabiyu pelas autoridades lusas.

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Século 17. A geração mameluca começa a se instalar nos

sertões, mas são os portugueses que percebem nas terras das

cangueras a possibilidade de novos ranchos.

1- A chegada do governador Francisco de Souza abre campo

para a instalação de fogos/ranchos e fazendas em todo o

oeste piratiningo, e ele mesmo despacha das minas de ferro

do Ybiraçoiaba.

2- A região das terras das cangueras passa a ser um

entroncamento na comunicação terrestre na via principal do

Piabiyu. A terra é boa para cultivo e não falta água para

irrigação. Com os nativos em fuga nas sorocas e no

Wotucatu, os portugueses, assim como a gente mameluca,

arrancham a colonização em definitivo.

Século 18. A expulsão dos jesuítas e o reordenamento fundiário

pombalino, feito com mão de ferro pelo Morgado de Matheus,

primeiro capitão-general da Capitania paulista, faz nascer novas

vilas a partir da quebra das velhas sesmarias e fazendas.

1- Surgem várias fazendas nas terras das cangueras e uma

delas leva mesmo o nome de Fazenda Canguera, que passa

por vários proprietários, que são agropecuários e preadores, e

um deles tornou-se famoso pela crueldade, tanto que o seu

nome [Manuel da Costa Nunes] era sinônimo de manduzinho,

i.e., diabinho. Depois de ter sido capataz, torna-se dono da

fazenda.

2- No entroncamento das cangueras já existe um certo

assentamento de fogos por famílias que tentam a sorte na

área hortifrutigranjeira e na área pecuária e têm, inclusive,

produção comprada por intermediários da Capital paulista, a

exemplo de outras paragens no sertão. As carroças de bois

sulcam e perpetuam as trilhas do Piabiyu, de um lado, para a

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região das sorocas, do outro, para a Koty e Ibitátá. É o interior

sertanejo a abastecer a Capitania.

Século 19.

Parte Primeira

O Tropeirismo

[pintura de Rugendas]

A atividade do Ciclo Tropeiro aumenta a produção agropecuária e

frutífera nas cangueras; e, logo, a modernização industrial nas vias

de comunicação altera os planos social e econômico da região.

1- Desde o Rio Grande e Viamão, tropeiros reinventam as vias

de abastecimento para Sorocaba, as minas do centro-oeste e

a própria Capital, com descida para Santos.

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2- Todas as regiões agropecuárias e frutigranjeiras a oeste da

Capitania ganham importância. A economia organizada é um

bem para todas as gentes, apesar do ouro e dos diamantes.

Fértil historicamente, o Século 19 faz a região das cangueras

viver momentos escaldantes: primeiro, a Lei Áurea, que acaba

[oficiosamente] com a escravatura; segundo, a Independência do

Brasil no discurso de Diogo Feijó nas cortes de Lisboetas [25 de

Abril de 1822] e, logo, a 7 de Setembro, na declaração imperial do

corte político e administrativo com Portugal.

E, enquanto isso, o tropeirismo definha e acaba quando das

minas não se extrai mais o ouro e os diamantes no nível industrial

necessário à sua manutenção.

Mas, o Brasil imperial tem um empreendedor que, apesar de

boicotado até pelo imperador, ousa mostrar que a Nação pode ser

econômica e industrialmente sustentável com parques têxteis,

navegação nos principais rios e uma linha férrea a ligar portos e

centros de produção. É o barão de Mauá.

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Parte Segunda

Caminho De Ferro

& Sertão

[a estrada de ferro sulca o sertão]

A estrada de ferro é uma modernidade industrial que rasga as

terras da América do Norte e da Europa levando progresso e

conforto. A primeira a ser instalada foi a da linha Stokton-Darlington,

na Inglaterra, com 60 km de trilhos, inaugurada em 27 de Setembro

de 1825.

Com empresários e políticos brasileiros em viagens cada vez

mais constantes pelo mundo, e particularmente, França e Inglaterra,

a novidade da maria fumaça não tarda em ser discutida.

Ainda em 1839, brasileiros levam um esboço de projeto ao

engenheiro Robert Stephenson: a construção de uma estrada de

ferro na Serra do Mar, uma vez que o porto de Santos está isolado

do planalto paulista e das áreas produtivas. Robert é filho de

George Stephenson, que inventou a primeira locomotiva a vapor e

construiu a linha Manchester-Liverpool. Mas, o projeto fica aprenas

no papel, como tantos outros...

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Entre os empreendedores do Brasil está Irineu Evangelista de

Souza, barão de Mauá, e da sua ousadia nasce o projeto e a

realização da estrada de ferro na linha Porto de Mauá a Fragoso, no

Rio de Janeiro, com 14,4 Km logo ampliado para 15,19 Km.

Inaugurada em 30 de Abril de 1854 com administração da Imperial

Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de

Petropolis, eis o fruto do empreendedorismo do Barão de Mauá.

[Mauá e a sua maria-fumaça. Certificado da Companhia.]

E, em 1859, finalmente, o Barão de Mauá convence o imperador

Pedro da necessidade de uma estrada de ferro a ligar São Paulo ao

Porto de Santos, e o próprio barão projeta e coordena os estudos

para a área entre Jundiaí e o alto da Serra do Mar. Abre-se ao

tráfego ferroviário, em 16 de Fevereiro de 1867, a São Paulo

Railway. E, logo, em 1870, surge a Estrada de Ferro Ytuana, fruto

de uma concessão a ligar Itu e Jundiaí, para, em 1877, chegar

também a Piracicaba. O progresso é tal que alinha prolonga-se até

São Pedro e depois até Botucatu, para embarcar a produção

ribeirinha na foz do Rio Tietê e no Salto de Avanhandava.

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Ligam-se os sertões pelo movimento metálico da maria fumaça. E

a economia do Brasil imperial trilha os objetivos do capitalismo

liberal.

A região das cangueras não pode ficar a ver a passar a maria

fumaça sem embarcar no projeto de um Brasil de e para todos. De

importância extrema na ligação mercantil e agropecuária, enquanto

entroncamento, dos sertões no oeste paulista, a região das

cangueras é ponto de passagem logo assinalado pelos

empreendedores e engenheiros da ferrovia.

E é. Pelo que em 1892 as companhias Ytuana e Sorocabana

unem-se, técnica e administrativamente, e o trecho da linha Itu-

Mairinque é assentado com bitola ampliada para 1 metro, i.e., um

ramal para Jundiaí e outro para Mairinque.

O presidente da estrada de ferro é o conselheiro Francisco de Paula

Mayrink, cujo olhar geossocial e mercantil perspectivou o

entroncamento da região das cangueras como eixo para o

progresso harmonioso da maria fumaça paulista.

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Parte Terceira

E assim nasce Mairinque...

A região do entroncamento das cangueras fica muito próxima à

vila de São Roque, fundada no Século 17. É um local de muita

produção marmeleira e aqui está a Fazenda Canguera...

A velha Fazenda Canguera tem como último proprietário o

fazendeiro Antônio da Silva Eugênio Bey, e em seu território o que

existe é já um vilarejo de agricultores e tropeiros. Logo recebe,

também, operários ligados à expansão da estrada de ferro, e a

população residente chama a vila de manduzinho, para não

esquecer aquele diabinho que fora capataz e dono da fazenda.

Obviamente, a expansão ferroviária atrai mais famílias e mais

comércio para as suas margens e dá mais vida às vilas existentes.

A do manduzinho é uma delas. Com uma perspectiva de progresso,

a companhia ferroviária dirigida pelo conselheiro Mayrink adquire na

região das cangueras 264 alqueires e amplia o vilarejo.

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A expansão da dinâmica do movimento da maria fumaça tem a

direção da Serra do Mar e do litoral, e, em 1890, a vila é assinalada

ainda como estação Canguera. Alguns a querem como

Manduzinho, mas a maioria da população residente opta, em 1892,

por dar o nome de Mayrink à estação e à vila. Uma justa

homenagem a quem logrou dar alcance social e econômico a um

vilarejo parado no tempo tropeiro.

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Século 20.

Distrito de Paz Em 24 de Setembro de 1908, pela Lei Estadual

nº 1131, é criado o Distrito de Paz de Mairinque, no Município e

Comarca de São Roque.

Estrada de Ferro

Alterações Operacionais Em 1930, a oficina da Estrada de

Ferro Sorocabana é transferida para Sorocaba. Com a mudança,

Mairinque tem uma queda no desenvolvimento e quase desaparece

do mapa paulista.

Em 1940, paulatinamente, a Estrada de Ferro passa a instalar e

ampliar as suas repartições, tais como depósito de locomotivas com

oficina de manutenção, almoxarifado, Sede do Serviço Florestal,

Page 22: MAIRINQUE

Sede dos serviços de eletrificação, armazém de abastecimento e,

principalmente, Sede dos ferroviários. Cooperando para o

reerguimento de Mairinque, a Companhia Brasileira de Alumínio,

implanta aqui a indústria de alumínio, desenvolvendo grandemente

a região do Rodovalho.

Emancipação

Emancipação 1 É tentada pela primeira vez, em 1953, a

emancipação política do Distrito, mas fracassa, porque ainda não

existem condições objetivas.

Page 23: MAIRINQUE

Emancipação 2 Com o apoio de toda a população, é criado o

Município de Mairinque, através da Lei nº 5285, de 18 de Fevereiro

de 1959, tendo a população mairiquense [ou mairinquiana]

Arganauto Ortolani como primeiro Prefeito.

A Contribuição Japonesa

Na Descoberta Do Eldorado Verde

As primeiras décadas do Século 20 trazem para o Brasil milhares

de estrangeiros, mais portugueses e italianos, alemães e russos,

mas é a gente japonesa que chega e percebe o eldorado verde. E

percebe um dado hidro-geográfico que os colonos portugueses e

espanhóis deixam de [a]notar nos Séculos 16 e 17: os povos

nativos montam as suas cangueras e as suas aldeias de referência

– como as Koty, q.s. ponto de encontro – em locais que sinalizam

as suas idas e vindas pelo Piabiyu. São rios e riachos, olhos

d´água, e uma advertência: nunca ficar longe dos mananciais.

A leitura que a gente japonesa faz da estrutura hidro-geográfica,

que sinaliza a vivência dos povos nativos, leva-a a perceber a

existência do aquífero guarani, a maior reserva d´água doce da

Terra.

Page 24: MAIRINQUE

A fundação da Cooperativa Agrícola Cotia [CAC] deve-se a essa

leitura das potencialidades hidro-geográficas, e então, a CAC

expande-se no oeste piratiningo, e daqui para o centro-oeste e para

o sul, como havia acontecido com os bandeirantes e os tropeiros.

Uma das regiões para assentamento de cooperados é a região das

cangueras a partir da Vila Mayrink e a aproveitar já as facilidades

logísticas de escoamento de produção pela estrada de ferro.

A integração da gente japonesa na região de Mairinque é lenta,

mas percebida social e economicamente pelos habitantes, que logo

se rendem à criatividade e ao engenho nipônico de viver.

Dados

Políticos & Administrativos

[Atualizados em 2013]

Localização O município está situado no interior do Estado

paulista, a 70 Km do marco-zero da capital, à qual se liga pela

Rodovia Raposo Tavares e também pela Rodovia Castelo Branco,

ambas oriundas da malha do Piabyu [ou Peabiru] por onde se

iniciou a colonização feita pelos portugueses no eixo da ´linha´ do

Tratado de Tordesilhas.

Fundação 27 de Outubro de 1890. Inicialmente chamada "Vila

Mayrink", como parte de São Roque, torna-se município com o

nome de "Mairinque" em homenagem ao diretor da ferrovia

Francisco de Paula Mayrink.

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Nas margens da Estrada de Ferro Sorocabana, e ponto do principal

entroncamento do ferroviário do Estado paulista, Mairinque alia uma

natural vivência rural com o movimento ferroviário de cargas.

A estação ferroviária é a primeira arquitetura de concreto armado do

Brasil, estrutura idealizada pelo arquiteto francês Victor Dubugras, e

agora, desativada, abriga o museu da Estrada de Ferro

Sorocabana.

Território Mairinque possui uma área de 209,757 km², sendo

18 km² de áreas urbanas, com uma topografia de ligeiras

ondulações, o que origina um clima temperado e seco, coma

temperatura de 18ºC em média.

Demografia 43.223 Habitantes [IBGE / 2007-2010], com 21.685

mulheres e 21.538 homens para 12.978 domicílios, com a seguinte

distribuição territorial: 34.690 na área urbana e 8.533 na área rural.

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[A maria-fumaça e a cidade de Mairinque]

Economia Desde a instalação do parque industrial, a cidade e

todo o município experimentam um extraordinário progresso, que se

irrada por todos os setores das atividades pública, privada e social,

da agropecuária à indústria passando pelo setor de serviços

especializados e artesanais.

Com a expansão de seu parque industrial, altera-se a fisionomia

da cidade e da sua rotina, ocasionando um rápido crescimento

urbano.

Page 27: MAIRINQUE

ANEXO

Um Empreendedor Chamado

MAYRINK

Entre as manobras políticas para deixar o Brasil como colônia e

não despertar nele uma Nação continental, dois notáveis

empreendedores se destacam: o Barão de Mauá e o Conselheiro

Mayrink. Arredios à pasmaceira imperial e à hipocrisia imperial dos

republicanos, ambos despertam Brasil e, cada um no seu tempo,

realizam obras de grandeza social e industrial.

Conselheiro do Império brasileiro, Francisco de Paula Mayrink

nasceu [8.12.1839] e morreu [01.1.1907] no Rio de Janeiro.

Banqueiro e empresário, ele era irmão do Visconde de Mayrink.

Na juventude, após uma briga de rua com um camarada caixeiro

Page 28: MAIRINQUE

(ele trabalhava numa loja na Rua Matacavalos, no Rio), foi enviado

pelo para a Escola Militar de Porto Alegre, mas abandonou as

´armas´ e foi estudar na Escola Politécnica do Rio de janeiro,

estudos que também abandonou para se integrar como amanuense

no Banco Comercial do Rio de Janeiro, que tinha o próprio pai como

um dos fundadores. Com uma disciplina e autocrítica que o

profissionalizou, galgou a hierarquia e foi eleito, em 1876, diretor da

instituição.

Foi nessa época que Francisco de Paula Mayrink conheceu os

problemas administrativos, técnicos e financeiros da Estrada de

Ferro Sorocabana.

A diretoria da sorocabana estava nas mãos de Luís Mateus

Maylasky, que logo foi demitido sob a acusação de má

administração da companhia ferroviária. O estudo geo-agrário feito

por Mayrink apontava a necessidade de a companhia acompanhar

os ´trilhos´ da expansão cafeeira paulista e buscar um

entroncamento natural no sertão do velho Piabiyu para as

manobras de distribuição. Um dos entroncamentos era perto de São

Roque, na região das cangueras, onde ainda existia a Fazenda

Canguera, embora que precariamente e já com feição para ser mais

um vilarejo no sertão.

O povo da região das cangueras, ao transformar a velha fazenda

no Vilarejo Canguera optou, com justiça, em dar o nome Mayrink à

nova vila.

A expansão da estrada de ferro no oeste paulista deu a Mayrink

uma projeção política enorme e o seu nome passou a ser referência

no cenário nacional.

O maior creso brasileiro da sua época, os seus negócios tangiam

setores como imigração, iluminação e gás, imprensa, fotografia,

transportes, lavoura, higiene, divertimentos públicos, teatro, bancos,

companhias de estrada de ferro, carris urbanos, navegação,

indústrias, estaleiros, docas, usinas e fábricas. Mayrink foi vice-

presidente do Clube de Engenharia, fundador da Sociedade

Brasileira de Geografia, cônsul-honorário do Chile no Brasil, e

fundador da coleção do Museu Paulista.

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NOTAS

ANHAMBY – Rio Tietê.

BOTURANTIM – Do tupi-guarani botu-ra-ti, q.s. Grande Espuma Branca, ou, Cascata Branca, de onde o

aportuguesamento Votorantim.

CAHATYBA – Também chamada Serra de São Lourenço. Uma parada serrana chamada Votoran, pelos

nativos, hoje, municipalidade de Votorantim. [A Primeira Garimpada... Luiz Martins, perito em

montanística, a representar Brás Cubas, faz ´entrada´ de 300 léguas pelo sertam carijó, i.e., pelo Piabiyu

guarani, e retorna à Villa de Santos onde, na Câmara local, a 25 de Janeiro de 1562, apresenta “ouro que

pesava três quartos de dobra e seis grãos”, garimpado na Cahatyba na banda das sorocas. // do livro Do

Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial, de João Barcellos.]

CANGUERA – Santuário dos Mortos.

CARAPOCUYBA – ou Carapicuiba.

CRESO – Pessoa abastada.

BUGRE – Denominação luso-católica dos colonos portugueses no Brasil para designar pessoa não-cristã.

FOGOS – Habitações familiares com 5 ou 7 pessoas arranchadas no sertão e nas serras.

GERIBATYBA – Rio Pinheiros.

GOYAZ – Trilha de Goyaz. A trilha que ligava o oeste piratiningo ao centro-oeste passando por Wotucatu.

IBITÁTÁ – ou Butantã. Foi a primeira fazenda de Affonso Sardinha [o Velho], que se estendia até

Carapocuyba, aldeia e portinho que também lhe pertencia.

KOTY – Do guarani, q.s., ponto de encontro. A aldeia, que ficava perto de Carapocuyba, até ser mudada

para as bandas do sertão de Itapecerica, em 1703, ficou conhecida por Acutia, Cuty, e, finalmente, Cotia.

MANDÚ – Pessoa que trajava esteiras de catolé, baeta e folhas de árvores de iô-iô mandu. É uma

manifestação de caretas/carrancas para horrorizar outras pessoas e tem origem nas tradições Bantu

incorporadas pelos negros africanos de N´Gola na cultura brasileira. Nos séculos 17 e 18 a denominação

mandú foi aplicada para designar gente má, e assim, mandú passou a significar diabo e diabinho

[manduzinho].

MAMELUCO – Filhos gerados entre nativas e portugueses. Do núcleo da gente mameluca nasceu a

Raça Brasileira.

MANIÇOBA – Primeira aldeia montada pelos jesuítas acima da Serra do Mar e a oeste do planalto de

Piratininga. Não existem referências geográficas precisas sobre a aldeia e as Cartas Jesuíticas só a

mencionam no sertão a oeste pelos caminhos guaranis.

MAUÁ [Barão de] – ou Irineu Evangelista de Souza. Industrial, banqueiro e político brasileiro que marcou,

como empreendedor, o Século 19. Apesar os ciúmes imperiais, recebeu o título de barão [1854] e de

visconde [1874].

PIABIYU – ou Peabiru. Do guarani m´byano, q.s. caminho feito a pé. O tronco principal, no Brasil, tinha

início perto do Rio Grande e atravessava o sudeste até Piratininga [Sam Paolo dos Campu de], e parte

desse tronco foi chamado, depois, Estrada do Sul e, hoje, Rodovia Raposo Tavares. Entretanto, além da

parte litorânea [Cananéia], existiam vários ramais cujo conhecimento levou os portugueses do oeste para

o centro-oeste.

PIAÇAGUERA – Do tupi-guarani, q.s. porto velho (ou abandonado) a designar a região de Cubatão. Aqui

foi mandado construir, assim se pensa, o Porto das Naus, pelo Bacharel de Cananéia.

PREADOR – Caçador de povos nativos. A preação constituiu na colonização portuguesa um importante

negócio.

SACRAMENTO [Colônia de] – Vila fortificada, do Século 17, fundada pelo reinol português Manoel Lobo,

no Uruguai, para defender os interesses da Coroa lusa.

SESMARIA – Terras doadas, em nome d´El-Rey de Portugal, por tempo determinado, a pessoas que

teriam de cultivá-las e pagar o dízimo [ou jugada] da produção ao Reino.

SOROCA[BA] – Rio das Sorocas, depois conhecido como Sorocaba, assim como a região que atravessa.

SOROCA – região de terra cortada, ou rasgada.

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TORDESILHAS [tratado de] – Cidade galega [Espanha] onde, em 1594, o rei português João II mandou

assinar um tratado de divisão do mundo descoberto, e a descobrir, com os assessores da rainha

castelhana Isabel. O tratado teve o apoio do papado católico.

WOTUCATU – ou Serra de Botucatu. Do tupi, q.s. ar bom.

INSTITUIÇÕES CONSULTADAS Arquivo do Estado de São Paulo. Prefeitura do Município de

Mairinque. Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Arquivo da Torre do Tombo / Lisboa-Portugal.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas / IBGE.

BIBLIOGRAFIA

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AÇO [2008], BRASIL - 500 ANOS [2000], PARDINHO [2013], CARAPOCUYBA [2010-2013], GENTE DA

TERRA [2008], DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL [2011], PIABIYU [2006] e

MORGADO DE MATHEUS [1992], entre outros livros.

– A REGIÃO DAS CANGUERAS NO DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO &

FERROVIÁRIO DO ESTADO PAULISTA. Palestra & Opúsculo. Mairinque/Br., 1991; São Roque, 1992;

Sorocaba/Br., 2009.

CALDEIRA, Jorge – MAUÁ / EMPRESÁRIO DO IMPÉRIO. Ediç Companhia das Letras. Rio de Janeiro,

1995.

LEME, Pedro Taques de Almeida Pais – NOBILIARQUIA PAULISTANA HISTÓRICA e GENEALÓGICA

[iniciada em 1742] // HISTÓRIA DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE [1772] // INFORMAÇÕES SOBRE AS

MINAS DE SÃO PAULO [1772] // INFORMAÇÕES SOBRE O ESTADO DAS ALDEIAS DE ÍNDIOS DA

CAPITANIA DE SÃO PAULO [1772].

LESSA, Francisco de Paula Mayrink – VIDA E OBRA DO CONSELHEIRO MAYRINK [completada por

uma genealogia da família]. Pongetti. Rio de Janeiro / Br., 1975.

MACEDO. J. C. – A ARTE MERCANTIL E INDUSTRIAL DE MAUÁ DIANTE DO IMPÉRIO

IMPRODUTIVO. Palestra e Opúsculo. Niterói e Paraty [RJ], 1989; São Paulo e Cotia [SP], 1990.

MOYA, Salvador de – ANUÁRIO GENEALÓGICO LATINO. Vol.1, Ediç Instituto Genealógico Brasileiro,

1494.

PASSOS, F.P. [Engº] – AS ESTRADAS DE FERRO NO BRASIL. Rio de Janeiro, 1879.

JOÃO BARCELLOS [email protected]