Manguezais Educar Para Proteger

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SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL - SEMADSProjeto PLANGUA SEMADS / GTZ de Cooperao Tcnica Brasil - Alemanha

ZAIS MANGUEZAIS1

EDUCAR PARA PROTEGER

FUNDAO DE ESTUDOS DO MARSetembro de 2001

Copyright, 2001 Dados Internacionais de catalogao na Publicao (CIP) M277 Manguezais: educar para proteger / Organizado por Jorge Rogrio Pereira Alves. - Rio de Janeiro: FEMAR: SEMADS, 2001. 96 p.: il. ISBN 85-85966 - 21 - 1 Cooperao Tcnica Brasil - Alemanha, Projeto PLANGUA SEMADS-GTZ. Inclui Bibliografia. 1. Manguezais - preservao. 2. Meio Ambiente. 3. Educao ambiental. 4. Mangues - Legislao Ambiental - histrico. I. Fundao de Estudos do Mar. II. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel. III. Ttulo. CDD 583.42

2001Capa Ailton Santos Raul Lardosa Rebelo Editorao Ailton Santos Todos os direitos para lngua portuguesa no Brasil reservado e protegido pela lei 5.988 de 14.12.1974a. Fundao de Estudos do Mar FEMAR Rua Marqus de Olinda, 18 - Botafogo Rio de Janeiro RJ Cep: 22251-040 Tel.: (21) 2553-2483 / 2553-1347 Fax: (21) 2552-9894 Projeto PLANGUA SEMADS/GTZ Campo de So Cristvo, 138/315 20921-440 Rio de Janeiro Brasil Tel/Fax: [0055] (21) 2580-0198 E-mail: [email protected] O Projeto PLANGUA SEMADS/GTZ, de cooperao Tcnica Brasil Alemanha vem apoiando o Estado do Rio de Janeiro no gerenciamento de recursos hdricos com enfoque na proteo de ecossistemas aquticos. Coordenadores: Antnio da Hora, Subsecretrio Adjunto de Meio Ambiente SEMADS Wilfried Teuber, Planco Consulting/GTZ. Todos os direitos reservados ao autor em todos os demais pases de lngua portuguesa, de acordo com a Legislao especfica de cada um. Nenhuma parte deste livro poder ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrnicos, mecnicos, fotogrficos, gravao ou quaisquer outros sem permisso escrita dos autores. Depsito Legal na Biblioteca Nacional conforme decreto n 1.825 de 20 de dezembro de 1907. 1 Edio, 2001 - Fundao de Estudos do Mar FEMAR Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel SEMADS 1 Impresso: Fundao de Estudos do Mar FEMAR Out. 2001 Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel SEMADS Out. 2001

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Apresentao

Um dos ecossistemas associados ao bioma Mata Atlntica e aos recursos hdricos, o manguezal tido como um dos indicadores ecolgicos mais significativos na zona costeira. O seu papel de proteger a costa, de conter sedimentos oriundos das bacias hidrogrficas e de ser habitat de inmeras espcies biolgicas o caracteriza como um verdadeiro berrio do mar. Por isso mesmo, o manguezal ocupa uma larga faixa litornea brasileira e, na costa fluminense, desempenha importantes funes ecossistmicas. Tal condio privilegiou o nosso Estado com uma das mais belas pores de manguezais. tambm conhecida, na histria ambiental fluminense, a relao harmnica das populaes tradicionais litorneas com os manguezais. No entanto, a farta legislao ambiental e a insero de diversas instituies ambientais no foram suficientes para conter expressivas perdas deste ecossistema. Assim, acalentador que o Conema tenha estimulado e criado a Poltica Estadual para a Conservao dos Manguezais. nica no Brasil, o Estado do Rio de Janeiro tambm pioneiro por ter associado a esta poltica o Grupo Tcnico Permanente sobre Manguezais, com a misso de orientar e assessorar as instituies ambientais nas aes e projetos que envolvam este importante ecossistema. Portanto, com grande orgulho que retomamos esta poltica e instalamos o Grupo Tcnico Permanente de Manguezais (GTM). Como fruto deste ordenamento, o GTM elaborou com apoio do Projeto PLANGUA SEMADS / GTZ - esta publicao de educao ambiental sobre manguezais, lanada com o apoio da Fundao de Estudos do Mar FEMAR, para professores, educadores, profissionais das cincias ambientais e outros atores, multiplicadores de opinio.

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Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel

SEMADSSecretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel Palcio Guanabara - Prdio Anexo - sala 210 Rua Pinheiro Machado s/no - Laranjeiras 22.231-090 - Rio de Janeiro Tel (21) 2299-5290 e-mail [email protected]

Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel

IEFFundao Instituto Estadual de Florestas Av. Presidente Vargas, 670/18 andar - Centro 20.071-001 - Rio de Janeiro - RJ Tel (21) 2223-1500

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Fundao

Instituto Estadual de Florestas

FEMARFundao de Estudos do Mar Rua Marqus de Olinda, 18 - Botafogo Rio de Janeiro - RJ - Brasil 22251-040 Tel. (21) 2553-1347Fax (21) 2552-9894 e-mail: [email protected] Presidente: Fernando M. C. Freitas

CARPENT TUA POMA NEPOTES

Apresentao FEMAR

Os manguezais so ecossistemas que ocorrem nas zonas de mar; formam-se em regies de mistura de guas doces e salgadas como esturios, baas e lagoas costeiras. Estes ambientes apresentam ampla distribuio ao longo do planeta, ocorrendo nas zonas tropicais e subtropicais onde as condies topogrficas e fsicas do substrato so favorveis ao seu estabelecimento. As maiores extenses de manguezais do mundo esto presentes na regio Indopacfica. No Brasil, os manguezais ocorrem desde a foz do Rio Oiapoque, no Estado do Amap at o Estado de Santa Catarina, tendo como limite sul a cidade de Laguna. Ao longo da zona costeira os manguezais desempenham diversas funes naturais de grande importncia ecolgica e econmica, dentre as quais destacam-se as seguintes: proteo da linha de costeira; funcionamento como barreira mecnica ao erosiva das ondas e mars; reteno de sedimentos carreados pelos rios, constituindo-se em uma rea de deposio natural; ao depuradora, funcionando como um verdadeiro filtro biolgico natural da matria orgnica e rea de reteno de metais pesados; rea de concentrao de nutrientes; rea de reproduo, de abrigo e de alimentao de inmeras espcies e rea de renovao da biomassa costeira e estabilizador climtico. Cabe ressaltar a importncia do manguezal para o homem, uma vez que este fornece uma grande variedade de organismos que so utilizados na pesca como moluscos, crustceos e peixes. A captura destes animais para comercializao e consumo permitiu ao longo dos anos a sobrevivncia de inmeras comunidades na zona costeira e a manuteno de uma tradio e cultura prprias da regio costeira. Atualmente a relao do homem com o manguezal desarmnica. O manguezal objeto de lanamento de resduos slidos, lanamento de esgotos industriais e domsticos, desmatamento e aterros, entre outras agresses. O produto destas agresses ameaa a sobrevivncia dos manguezais. Caso no sejam tomadas rapidamente medidas efetivas para conservao, preservao e conscientizao da importncia deste ecossistema para natureza, os manguezais tendem a se extinguir colocando em risco todo o equilbrio da zona costeira. Com uma fitofisionomia bastante caracterstica, o ecossistema do manguezal apresenta uma grande variedade de nichos ecolgicos; uma fauna diversificada em mariscos e caramujos; camares, caranguejos e siris; peixes e aves residentes e migratrias. Estes organismos utilizam a rea do manguezal na busca de alimento, reproduo, crescimento e proteo contra predadores, estes ltimos atrados por uma predominncia de indivduos jovens no ambiente. Neste sentido, v-se que o manguezal apresenta uma grande importncia para o ecossistema marinho. Muitas espcies, tpicas do manguezal, apresentam um ciclo de vida anfibitico, como o caso de crustceos e peixes, constituindo um elo bsico para a economia pesqueira e biolgica das espcies. O ecossistema do manguezal desempenha funes de fundamental importncia na dinmica das reas estuarinas, pois, funciona como local de sedimentao do material carreado pelos rios. Por estar localizada em reas de baixo hidrodinamismo - facilitada pelas condies ambientais, juntamente com as razes de vegetao reinante - acarreta a fixao do material transportado. O fato propicia o aumento da linha de costa e um aumento na faixa de vegetao. Alm disto, o sistema funciona como um protetor das guas costeiras, atenuando as foras das guas no momento da subida da mar. relevante que os ecossistemas do manguezal possuem elevada bioproduo, podendo esta atingir at 20 toneladas de matria orgnica. A alta produo de matria orgnica fundamental nos processos de ciclagem de nutrientes, que influenciam a rica cadeia alimentar presente aos manguezais. A Secretaria do Meio Ambiente, do governo de nosso Estado, certamente ser registrada na histria do desenvolvimento e preservao da vida marinha no planeta Terra, pela iniciativa de editar este trabalho sobre os manguezais. FERNANDO M. C. FREITAS Presidente Fundao de Estudos do Mar - FEMAR

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Agradecimentos Amarildo Valrio da Costa, Antnio Teixeira Guerra, Celso Tadeu Santiago Dias,Cristiane Nery Paschoal, Cristina Borges, Cristina Sisinno, Daniela Duarte,Departamento de Zoologia da UFRJ, Dora Hees Negreiros, Eduardo Lardosa, Eliane Maria de Barros, Edyr Porto, Eunice Xavier de Castilho, Guilherme Bertoldo, Eunisete Correa dos Anjos, Isabel Azevedo, Isabella Lira Figueiredo, Ivan Pires de Oliveira, Lygia Maria Nehrer, Lucia Barbosa, Mana Comunicao e Eventos, Maurcio Silva Santos, Patrcia Mousinho, Snia Peixoto, Tharceu Nehrer, Vnia Soares Alves e Vernica da Matta.

In memoriam

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Ruth Christie (1919-2001)Filloga e militante ambiental que participou de diversas lutas e batalhas pelo meio ambiente no Municpio e no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil e no planeta Terra. Com ela nasceu a primeira associao de moradores no Rio de Janeiro. Presidiu a organizao no governamental Campanha Popular em Defesa da Natureza empenhando-se em muitas atividades de sensibilizao e educao ambiental. No caso dos manguezais, seu desempenho pela criao de importantes unidades de conservao como a Reserva Biolgica da Praia do Sul, no litoral Sul fluminense foi mpar.

Consultor PLANGUAJorge Rogrio Pereira Alves (ORG.)

Colaboradores Alessandro Allegretti - IEF Ana Beatriz Aroeira Soares - Grupo Mundo da Lama Brbara Monteiro de Almeida - SERLA Denise Alves - Parque Lage / IBAMA Jorge Rogrio Pereira Alves - Grupo Mundo da Lama Mrio Luiz Gomes Soares - UERJ Mnica Penna de Arrudas - SEMADS Norma Crud Maciel - FEEMA Osny Pereira Filho - Grupo Mundo da Lama Ricardo Nehrer - SEMADS Rita Luzia Silva - Grupo Mundo da Lama Waleska de Oliveira Leal - NEA / IBAMA

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Reviso Ricardo Nehrer

Fotografia Carlo Limeira

Projeto Grfico e diagramao Ailton Santos

Capa Ailton Santos Raul Lardosa Rebelo

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9Jorge Rogrio Pereira Alves - Grupo Mundo da Lama Osny Pereira Filho - Grupo Mundo da Lama Rhoneds Aldora Rodrigues Peres - Museu Nacional / UFRJ

b i o m a Ma t a At l n t i c a i n c l u i u m complexo e rico conjunto de e c o s s i s t e m a s : f l o re s t a a t l n t i c a , manguezal , re s t i n g a e c a m p o s d e a l t i t u d e. Ta m b m c h a m a d o d e M a t a At l n t i c a e ecossistemas associados, este bioma encontra-se em estgio crtico. A rea original abrangia mais de 1.300.000 km em 17 Estados. Este bioma foi reconhecido como Reser va da Biosfera pela UNESCO. A Mata Atlntica possibilita que cerca de 100 milhes de pessoas vivam nos 3.400 municpios, total ou parcialmente inseridos em seu domnio. Um dos ecossistemas associados est num estgio d e g r a v e p re s s o a n t r p i c a : o e c o s s i s t e m a manguezal. Por ser um ambiente bastante rico e diversificado, apresenta-se como um importante bero de informaes histricas e socioambientais, tudo isto em funo das d i f e re n t e s l o c a l i z a e s g e o g r f i c a s . A s s i m , procurando representar as diversas expresses que este ambiente demonstra a partir de sua colonizao, idealizou-se uma forma didtica para representar este ecossistema, explicitando seus aspectos geogrficos, biolgicos, histricos e socioambientais. H, neste sentido, muitas informaes que podem estar mais minuciosamente descritas em outras publicaes que apoiam e esto sugeridas na bibliografia listada nesta obra.

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Viso geral do manguezal

Distribuio geogrfica no Brasil e no Estado do Rio de JaneiroOs manguezais so ecossistemas costeiros que se originaram nas regies dos oceanos ndico e Pacfico e que distriburam suas espcies pelo mundo com auxlio das correntes marinhas durante o processo da separao dos continentes (HERZ, 1987). Estes ambientes esto presentes nas faixas tropical e subtropical do planeta, ocupando regies tipicamente inundadas pela mar tais como: esturios, lagoas costeiras, baas e deltas. Estas regies caracterizam, mas no obrigatoriamente, misturas de guas dulccolas e ocenicas. A distribuio dos manguezais no globo terrestre

depende de um nmero variado de fatores como: reas costeiras protegidas, adaptao a salinidade do solo e da gua e a temperatura do ar e da gua (KJERFVE, 1990). Na costa brasileira, os manguezais existem desde a foz do rio Oiapoque, no Estado do Amap (4 30' latitude Nor te), at o Estado de Santa Catarina, tendo como limite sul o municpio de Laguna, na latitude 28 30' S, que determinado atravs do avano das massas polares e correntes ocenicas de origem Antrtica (figura 1). As formaes de manguezais dominam as regies No r t e e No rd e s t e d o O i a p o q u e a o g o l f o Maranhense e de ponta de Corua ponta de Mangues Secos, incluindo o delta do Amazonas e desembocadura de outros grandes rios. Da ponta de Mangues Secos (Maranho) at o cabo Calcanhar (Rio Grande do Norte) aparece uma costa com ondas fortes, caracterizada por extensas p r a i a s a re n o s a s c o m a p r e s e n a d e d u n a s

entrecortadas por falsias. Os manguezais passam ento a margear os esturios dos rios perenes onde encontram ambiente protegido da ao das ondas e boa quantidade de gua doce (SCHAEFFERNOVELLI, 1989).

Processo de formao de manguezaisA caracterizao dos manguezais depende dos t i p o s d e s o l o s l i t o r n e o s e , s o b re t u d o , d a dinmica das guas que age sobre cada ambiente costeiro. Importante na formao dos manguezais a variao do nvel mdio do mar. Por ser um processo gradual e lento, durante esta variao ocorre uma reorganizao constante no espao destes ambientes. Sendo assim, o desenvolvimento de espaos novos pela fixao das espcies dos mangues mais acelerado do que o processo de formao de solos. Deste modo, a cada reduo ou elevao do nvel mdio do mar h uma adaptao dos manguezais evitando, portanto, a extino do ecossistema. Uma das caractersticas fundamentais para a fixao dos manguezais o substrato acumulado nas superfcies inundadas pelas mars. Este se forma a partir do transporte de sedimentos oriundos dos rios e oceanos. O encontro das guas doces e salgadas, na regio estuarina, faz com que os sedimentos transportados percam velocidade e se unam atravs de processos fsico-qumicos formando grumos (processo de floculao). A formao dos grumos implica em aumento do peso das partculas que vo para o fundo formando um sedimento fino composto basicamente por silte, argila e matria orgnica, propiciando a instalao de espcies vegetais. Estes vegetais ao se desenvolverem emitem razes que vo funcionar como barreira fsica aos sedimentos transportados pelas guas favorecendo da, a deposio destes ao seu redor e criando novas reas de sedimentos disponveis para colonizao de novas plantas. Cabe ressaltar que este um processo lento e contnuo que faz com que o manguezal cresa sempre em direo gua. A matria orgnica produzida pelo manguezal com a queda de folhas , em parte, absorvida pelo aumento do substrato retido pelas razes e troncos. Alm disso, exportada pela ao das correntes de mar vazante, que drena para as gamboas um grande volume de folhas e material particulado, que se acumula no sedimento e contribui para o aumento das reas de

Figura 1- Distribuio dos manguezais na costa brasileira.

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Partindo do cabo Calcanhar, seguindo em direo costa sul, vamos configurar um tipo de litoral mais ou menos recortado, intercalando praias arenosas, costes rochosos, lagunas e esturios. No sul do pas, a regio costeira possui ondas fortes sendo o litoral caracterizado por formaes arenosas (extensas praias ou dunas e restingas) e os manguezais associados aos esturios, lagunas e baas (SCHAEFFER-NOVELLI, op. cit.). Os manguezais no Estado do Rio de Janeiro apresentam grandes formaes na regio Norte Fluminense (foz do rio Paraba do Sul); na baa de Guanabara; na baa de Sepetiba (Guaratiba) e n a b a a d e I l h a Gr a n d e ( m u n i c p i o s d e Mangaratiba, Angra dos Reis e Parati) localizada na regio Sul Fluminense.

manguezais. Outro fator de extrema importncia para a formao e desenvolvimento dos manguezais so as mars. Elas transportam os sedimentos, a matria orgnica, as sementes dos mangues (propgulos) e servem como via para os animais. Ao longo da costa brasileira as mars apresentam uma grande variao. Quanto mais prximas da linha do Equador, mais as mars apresentam um maior intervalo (amplitude) entre a mar baixa e a mar alta, cujos registros apontam variaes de 7 metros (Maranho), 12 metros (Par) e 14 metros (Amap). Esta variao entre as mars vai ser determinante para os bosques de manguezais, pois, quanto maior a variao da mar maior ser a altura dos referidos bosques.

principalmente em ilhas ocenicas. A temperatura do ar e da gua tambm so f u n d a m e n t a i s p a r a o d e s e n vo l v i m e n t o d o s manguezais, que preferem os ambientes mais quentes da regio tropical. Quanto maiores as latitudes, menores as temperaturas do ar e da gua e, conseqentemente, menor ser a altura e a extenso dos bosques de manguezal. Por fim, a temperatura funciona como um fator limitante p a r a o c re s c i m e n t o d a f l o r a t p i c a d e s t e ecossistema.

A importncia do manguezalSe g u n d o Pe r e i r a Fi l h o & A l v e s ( 1 9 9 9 ) o manguezal desempenha diversas funes naturais de grande importncia ecolgica e econmica, dentre as quais destacam-se as seguintes: - Proteo da linha de costa - a vegetao desempenha a funo de uma barreira, atuando contra a ao erosiva das ondas e mars, assim como em relao aos ventos. - Reteno de sedimentos carreados pelos riosem virtude do baixo hidrodinamismo das reas de manguezais, as partculas carreadas precipitam-se e somam-se ao substrato. Tal sedimentao possibilita a ocupao e a propagao da vegetao, o que viabiliza a estabilizao da vasa lodosa a partir do sistema radicular dos mangues. - Ao depuradora- o ecossistema funciona como um filtro biolgico em que bactrias aerbias e anaerbias trabalham a matria orgnica e a lama promove a fixao e a inertizao de partculas contaminantes, como os metais pesados. - rea de concentrao de nutrientes- localizados em zonas estuarinas, os manguezais recebem guas ricas em nutrientes oriundos dos rios, p r i n c i p a l m e n t e , e d o m a r. A l i a d o a e s t e f a vo re c i m e n t o d e l o c a l i z a o , a v e g e t a o apresenta uma produtividade elevada, sendo considerada como a principal fonte de carbono do ecossistema. Por isso mesmo, as reas de manguezais so ricas em nutrientes. - Renovao da biomassa costeira - como reas de guas calmas, rasas e ricas em alimento, os manguezais apresentam condies ideais para

12Detalhe dos propgulos de Laguncularia racemosa (mangue branco)

As mars tambm so determinantes para as comunidades pesqueiras que vivem do manguezal. O conhecimento por parte do pescador fundamental para regular o horrio de trabalho, o tipo de pesca a ser feita e a presena de insetos. Alm das mars, a quantidade de gua doce (aporte) que o manguezal recebe tambm fundamental para o desenvolvimento e manuteno deste ambiente. A circulao de guas provoca a mistura de guas doces e salgadas formando um ambiente estuarino. Nesta ambincia h uma distribuio de salinidade que determina a instalao e sobrevivncia das espcies vegetais do manguezal, a distribuio dos organismos a q u t i c o s e f a t o re s a m b i e n t a i s c o m o , p o r exemplo: temperatura, oxignio dissolvido (OD), pH, nutrientes e metais. Existem manguezais onde a entrada de gua doce no ocorre atravs de rios ou riachos mas, sim atravs da gua das chuvas. Estes tipos de manguezais esto presentes

reproduo e desenvolvimento de formas jovens d e v r i a s e s p c i e s , i n c l u s i v e d e i n t e re s s e econmico, principalmente crustceos e peixes. Funcionam, portanto, como verdadeiros berrios naturais. - reas de alimentao, abrigo, nidificao e repouso de aves - as espcies que ocorrem neste ambiente podem ser endmicas, estreitamente ligadas ao sistema, visitantes e migratrias, onde os manguezais atuam como importantes mantenedores da diversidade biolgica.

Flora e faunaAs plantas encontradas neste ecossistema so popularmente conhecidas como mangues, observando-se as seguintes espcies no Estado do Rio de Janeiro: o mangue branco (Laguncularia racemosa); o mangue de boto (Conocarpus erecta); a siribeira, o mangue siriba ou preto (Avicennia germinans e Avicennia schaueriana) e o mangue sapateiro ou vermelho (Rhizophora mangle). No Brasil ainda existem outras duas espcies popularmente conhecidas como mangue vermelho (Rhizophora harrisonii e Rhizophora racemosa), as quais ocorrem nos manguezais dos Estados do Maranho, do Par e do Amap. As plantas que vivem em ambientes salobros (halfitas) possuem dois sistemas de controle da concentrao de sal em seus tecidos (osmorregulao), os quais procuram expulsar este produto para o exterior. Formadoras de um complexo florestal sobre um substrato geralmente lamacento (inconsolidado) e pobre em oxignio, estas plantas ainda apresentam adaptaes aos fatores ambientais, tais como: razes areas como as escoras e pneumatforos com presena de lenticelas (clulas especiais para captar o ar) e o enraizamento em forma de roda (rodel) para uma melhor fixao (PEREIRA FILHO & ALVES, 1999). As sementes germinam dentro dos frutos ainda f i x o s n a s r vor e s , s e n d o d e n o m i n a d o s p o r propgulos. Este fato possibilita uma melhor sobrevivncia a partir de uma estratgia de fixao que garanta porque as espcies resistem mais s adversidades presentes neste ambiente.

Indivduo de mangue branco (Laguncularia racemosa).

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Em muitos manguezais comum a ocorrncia de plantas epfitas (vegetais fixos a outros). Neste grupo, destacam-se as algas (vegetais aquticos), os lquens (associao de fungos e algas), os gravats ou bromlias (Famlia Bromeliaceae), as orqudeas (Famlia Orchidaceae) e as samambaias (Diviso Pteridophyta). D e v i d o a u m a s p e c t o ve g e t a l b a s t a n t e caracterstico, este ecossistema possui uma grande variedade de nichos ecolgicos, o que resulta numa fauna diversificada com representantes dos seguintes grupos: aneldeos, moluscos, crustceos, aracndeos, insetos, anfbios, rpteis, aves e mamferos. no ambiente aqutico que ocorre uma abundncia de espcies dos grupos r e p re s e n t a d o s p e l o s p e i xe s e c r u s t c e o s , decorrente da capacidade que estes tm de suportar as variaes de salinidade resultantes da mistura das guas. A grande oferta de alimentos e uma baixa predao garantem uma alta p r o d u t i v i d a d e n a m a s s a d ' g u a ( PE R E I R A FILHO & ALVES, op. cit.).

Os c a r a n g u e j o s e a s a v e s s o d e g r a n d e importncia para o ecossistema manguezal pois, desempenham papis essenciais na dinmica deste sistema. O ato da procura de alimento, a escavao das tocas e a movimentao destes animais revirando o sedimento permite, assim, mais oxigenao do substrato e liberao de nutrientes que vai enriquecer, mais ainda, a massa d'gua.

na vegetao so avistados moluscos (caramujos, broca da madeira e ostras), crustceos (caranguejos), insetos (moscas, mosquitos, borboletas, mariposas etc.) e aracndeos (aranhas) (PEREIRA FILHO & ALVES, 1999). As aves habitam todos os meios alimentando-se na gua e no sedimento e abrigando-se e reproduzindo-se na vegetao. As mais observadas s o : g a r a s , m a r t i n s - p e s c a d o re s , s o c s e maaricos.

Aratus pisonii (carangueijo marinheiro)

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A fauna do manguezal pode ser distribuda de u m a m a n e i r a g e r a l p e l o s d i f e re n t e s compartimentos existentes neste ecossistema, didaticamente separados em: gua, sedimento e vegetao. No meio aqutico encontram-se crustceos (siris e camares) e peixes (tainhas, robalos, manjubas etc.), enquanto no sedimento observam-se aneldeos (minhocas e poliquetas), moluscos (mariscos, ostras e caramujos) e crustceos (caranguejos) e sobre o sedimento mamferos (guaxinim ou mo-pelada). Por fim,

Cardisoma guanhumi (guaiamum)

Ardea cocoi (maguari)

O homem e o manguezalDesde o aparecimento da vida na Terra, os seres vivos interagem com o meio fsico na formao do chamado meio ambiente natural. Essa interao, historicamente marcada pela predominncia do meio fsico, reflete um sistema em equilbrio dinmico, composto de infinitas ocorrncias. O aparecimento do homem no foi o fator que introduziu as transformaes na natureza, embora seja tratado, pela cincia, como o incio de uma nova fase onde a cultura assume um papel de destaque e, portanto, tudo o que relativo s sociedades humanas percebido como artificial e independente do meio ambiente natural. A vida, porm, sempre esteve enfrentando crises. Assim, o meio ambiente artificial constitudo pelo espao urbano construdo, materializado no conjunto de edificaes e equipamentos pblicos. O meio ambiente cultural, por outro lado, integrado pelo patrimnio histrico, artstico, arqueolgico, paisagstico, turstico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que tambm cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou. J o meio ambiente natural ou fsico, compreende o solo, a gua, o ar atmosfrico, a flora, enfim, a interao dos seres vivos e seu meio, onde se d a correlao recproca entre as espcies e as relaes destas com o ambiente fsico que ocupam. A Arqueologia tomada numa viso global recente, isto , o exame e o entendimento das sociedades formadoras da nossa histria atravs da cultura material encontrada nos stios arqueolgicos como um todo. Tal tratamento tem ampliado o conhecimento e a compreenso das mltiplas interaes existentes entre as diferentes sociedades e o ambiente, incorporando, de certa forma, os aspectos antropolgicos, sociais, econmicos, culturais, psicolgicos, filosficos e msticos. O povoamento da faixa costeira das regies Sul e Sudeste brasileiras, em tempos pr-histricos, no foi um fenmeno isolado mas parte de um processo mais amplo envolvendo o interior. Esse processo se deu pelo Norte e pelo Sul assim como grupos se utilizaram de um corredor natural que permitiu sua passagem para o litoral transpondo

a serra do Mar. As sociedades pr-histricas para a satisfao de suas necessidades dirias exploraram, desordenadamente, os ecossistemas naturais. Porm, eram grupos, cuja tecnologia no era eficiente o bastante para inviabilizar, de modo irreversvel, os processos naturais. A natureza, com certeza, era vista como preceito msticoreligioso. Na Pr-Histria mundial, durante o Paleoltico Inferior e Mdio, poca em que o homem dependia, para sua subsistncia, da captura de animais e da coleta de razes, folhas, frutos e sementes esteve limitado a viver em pequenos grupos sociais. Essa forma de viver no permitia a especializao tecnolgica para que se tornasse sedentrio. Por essa razo, ele se movia sazonalmente por largas extenses de terra usufruindo das sucessivas riquezas naturais que e n c o n t r a v a . Po s t e r i o r m e n t e , a p a r t i r d a especializao de seus instrumentos, passaram a manipular o meio ambiente. Assim, os artefatos lticos, sseos e de madeira, cada vez mais aperfeioados e diversificados, permitiram uma maior explorao dos recursos vegetais e animais. A construo de abrigos e o uso de vestimentas protetoras, por exemplo, passaram a caracterizar a vida humana, permitindo o povoamento de regies anteriormente inabitveis. O homem e a natureza so indissociveis formando um todo integrado. O homem prhistrico fixava-se em territrio que lhe fornecia um ecossistema onde poderia extrair os recursos necessrios para a sua sobrevivncia. As fontes arqueolgicas so, geralmente, ricas nestes tipos de indicadores at porque os artefatos e instrumentos arqueolgicos so, habitualmente, fabricados a partir da natureza, viva ou morta. Assim, uma boa parte dos vestgios humanos fornecida por objetos dispersos na natureza, impresses que marcam a natureza viva. Essas impresses so observveis tanto na zoologia como na botnica, no s pelos resultados da domesticao das plantas e animais mas, tambm, pelos efeitos mais indiretos da atividade humana sobre a flora e fauna em geral. Portanto, as atividades humanas afetaram e foram afetadas pelo ambiente. O Holoceno caracterizado por uma dinmica ambiental fortemente relacionada s flutuaes

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do nvel do mar. Como resposta a essas oscilaes, desenvolveram-se, ao longo do tempo e do espao, morfologias costeiras de cordes arenosos, terraos marinhos, linhas de praias etc. Tais feies foram utilizadas pelos grupos prhistricos no s como local de assentamento, mas tambm para obteno de alimentos. As plancies de mar podem ser divididas em infer i o r e s u p e r i o r. A p r i m e i r a c o m p r e e n d e a vegetao arbrea e arbustiva do manguezal e a segunda corresponde a uma rea que banhada apenas pelas mars de sizgia sendo em grande parte desprovida de vegetais superiores porm bastante freqentada pelos caranguejos. Estas reas, na lngua indgena, so chamadas de "apicuns" e foram muito utilizadas pelo homem pr-histrico como local de fixao.

Processo histrico e cultural nos manguezaisA relao do homem com o manguezal muito antiga, a qual remonta algumas civilizaes como a da Grcia Antiga e a Pr-Colombiana no Equador. A utilizao era para obteno de alimento, remdios, artefatos de pesca e para agricultura, utenslios caseiros e construo de moradias. Isto ainda acontece nos dias atuais em algumas comunidades, nas quais so mantidas a tradicionalidade, como os aborgenes da Austrlia e os piratas do mar das Filipina (PEREIRA FILHO & ALVES, 1999). H cerca de 7.000 anos atrs, a ocupao da regio costeira era um evento global e a presena de stios arqueolgicos do tipo sambaqui era um trao comum. Este tipo de stio constitui-se num conjunto de camadas de conchas com abundantes vestgios de outros animais e notabiliza-se, em seu interior, uma grande variedade de atividades, no se restringindo a mais evidente, a coleta de moluscos bivalves. Em Guaratiba, regio da baa de Sepetiba onde existe um grande nmero de sambaquis, so encontrados diversos vestgios dos ento chamados coletores e pescadores pr-histricos que podem ser identificados como evidncias Tupi-Guarani (KNEIP, 1987).

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Apicuns do manguezal de Guaratiba.

O manguezal tem um papel importante para o homem desde a pr-histria em razo da abundncia de recursos alimentares que fornece. Assim, alm de ter o mar, os rios e os lagos ou lagoas como sua principal fonte de recursos, o homem era capaz de obter nas matas, nos campos, nos manguezais e nas restingas diversos produtos vegetais que complementavam sua dieta alimentar ou serviam como carvo, ou como matria prima para confeco, por exemplo, de currais de pesca. Porm, a grande importncia do manguezal est em ele se constituir em um criadouro natural alm de servir de abrigo para diversas espcies de peixes, camares, caranguejos e outros. Da a grande quantidade de stios arqueolgicos do tipo sambaqui que so encontrados dentro e/ou prximo do manguezal.

Na baa de Guanabara diversos sambaquis esto espalhados pelos municpios que a circundam. Em alguns deles possvel identificar a presena indgena nestes stios, mostrando uma forte e marcante presena do homem como um coletor de alimentos. Segundo Pereira Filho (2000) a procura de alimento pelo homem na natureza sempre foi uma forte preocupao dos povos nativos. Neste sentido, a interao com o manguezal trouxe uma grande oferta de alimentos ricos em protenas e de fcil apreenso. Nos sambaquis de Guaratiba possvel o reconhecimento que a grande fonte alimentar oriunda de moluscos bivalves, conhecidos popularmente por mariscos. Nas comunidades pesqueiras estes animais so d e n o m i n a d o s p o r : o s t r a s ( Cra s s o s t re a rh i z o p h o ra e ) , s a m a n g u a i a s ( An o m a l o c a rd i a

brasiliana), ameijas (Lucina pectinata) e sururus (Mytella charruana). Outros animais tambm fizeram parte da alimentao desta populao que viveu nos stios arqueolgicos, como peixes (bagres, robalos, tainhas, badejos, pirana, pescada, corvina etc.), siris (ba, azul, au etc.) e caranguejos (u, guaiamum e chama-mar). Os vegetais utilizados por estes grupos de pescadores pertenciam aos manguezais e aos ambientes de brejo, restinga e floresta atlntica servindo prticas medicinais (folhas e cascas dos mangues vermelho, branco e siriba); alimentares (frutos da pitanga, araticum, tucum, guriri, ing, jenipapo etc.); pesqueiras com tingimento de redes (aroeira vermelha - Schinus terebinthifolius) e de captura de peixes (cip timb - Paullinia spp.), tranados como cestos, redes, cordas e esteiras (guriri, guaxima, baba de boi e a taboa) e tinturas para tecidos e do corpo (aroeira vermelha e o mangue vermelho).

(Mugil spp.), dentre outros (PEREIRA FILHO, 2000).

Pesca de siri da boca amarela no rio Paraba do Sul.

A utilizao dos recursos dos manguezais pelo homem atravs dos tempos marca uma forte ligao e associao com os fenmenos da natureza, evidncias que proporcionaram o surgimento de uma cultura peculiar, representada por tradies, crenas, usos e costumes. Esta relao com o ambiente passada verbalmente entre as geraes, num verdadeiro correr de boca em boca, na qual observada uma forte influncia indgena (VERGARA FILHO & VILLAS BOAS, 1996). Neste contexto importante destacar a presena de lendas que comumente so originrias de e x p r e s s e s c o m o v i s a g e n s e c re n d i c e s , simbolizadas por elementos da natureza como o vento, o fogo, a gua, os animais e, as formas humanas e msticas de animais e homens. Como exemplos destes eventos culturais, pode-se citar: o Boitat ou Biatat; As Encantadas; As Sereias do Lagamar; O que , o que ; Capito do Mangue; Vov do Mangue; Joo Calafoice; Jean de La Foice; Compadre e Comadre; Curacanga; Batato; Capelobo; Touro Encantado; Cobra Norato; Matita Pareira e Alamoa. (VERGARA FILHO & VILLAS BOAS, op. cit.). Um exemplo caracterstico deste trao cultural da comunidade pesqueira est presente na cidade de Maragojipe (BA). Os pescadores, catadores de caranguejo e marisqueiras relatam a existncia no manguezal de uma entidade chamada Vov do Mangue. Esta pode ter a forma de uma criana, u m a r v o re o u u m a n i m a l e , s e g u n d o o s moradores da regio, protege o manguezal.

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Exemplares jovens de Rhizophora mangle (mangue vermelho)

O crescente desenvolvimento do conhecimento dos povos das zonas costeiras sobre os manguezais permitiu uma utilizao de uma gama maior de recursos, principalmente os ligados a alimentao. Animais como os caranguejos u (Ucides cordatus) e guaiamum (Cardisoma guanhumi) passaram a ter um grande interesse gastronmico como: os siris azul, au e boca amarela (Callinectes spp.); os camares rosa, branco, cinza (Penaeus s p p. ) e s e t e - b a r b a s ; o s m a r i s c o s b e r b i g o (Anomalocardia brasiliana), sururu (Mytella charruana), unha de velho (Tagelus plebeius), ameija ou lambreta (Lucina pectinata) e a tarioba, as ostras, os peixes bagre (Tachysurus grandoculis), carapicu (Eucinostomus harengulus), pirana (Pogonias chromis), cioba (Lutjanus spp.), tainha

As narrativas da Vov do Mangue na comunidade foram levantadas pelo educador Carlos Antnio de Oliveira (Carlinhos de Tote), que mesclando um trabalho social e educacional, resgatou a autoe s t i m a d o s p e s c a d o re s e r e c u p e r o u aproximadamente 15 hectares de mangue com auxlio das crianas. Atualmente, este profissional s e d e s t a c a p e l o t r a b a l h o c o m o Gr u p o Cantarolama que utiliza o manguezal como tema musical no processo educativ o. A seguir apresentada a letra da cano da Vov do Mangue (PEREIRA FILHO, 2000). Vov do Mangue " Vou lhe contar uma histria que um preto velho um dia me contou, disse que ficou perdido, sentiu tanto medo que se arrepiou. Viu a Vov do Mangue, andando de uma perna s, ela lhe pediu charuto, um dente de alho e um pouco de p. Ele bom pescador, lhe ofereceu cachimbo, um pedacinho de fumo e aguardente em flor, sumiu a Vov do Mangue, seu rastro a mar levou, na noite de lua cheia o caminho de volta o preto velho achou." Carlinhos de Tote

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19Brbara Monteiro de Almeida - SERLA Claudia Hamacher - PUC-RIO Jorge Rogrio Pereira Alves - Grupo Mundo da Lama Osny Pereira Filho - Grupo Mundo da Lama Ricardo Nehrer - SEMADS

o Brasil e, em particular no Estado do Rio de Janeiro, o processo histrico de ocupao do solo resultou em muita presso e, em conseqncia, na reduo de diversas reas de manguezais. Por isso mesmo, as questes socioambientais merecem ser estudadas e discutidas no que se refere busca de novos modelos de desenvolvimento que atinja a coexistncia num ambiente sadio e produtivo.

N

DesmatamentoO desmatamento em reas de manguezais uma das alteraes ambientais mais antigas no Brasil, praticado desde o sculo XVI. Nesta poca, o corte de rvores era provocado para obteno de tinta (tanino) utilizada para tingir tecidos e em curtumes. O processo de colonizao e ocupao das reas alagadas da Cidade do Rio de Janeiro promoveu o desaparecimento de lagoas e rios. Desse modo, junto a estes ambientes aquticos, grandes e x t e n s e s d e b re j o s e m a n g u e z a i s f o r a m destrudos pela necessidade de se ter solo enxuto para instalao de moradias e outras benfeitorias, assim como a ao de diminuir os focos de proliferao de mosquitos. Ho j e , n o E s t a d o d o R i o d e Ja n e i r o , o desmatamento praticado com diferentes fins. Na baa de Guanabara a madeira de mangue u t i l i z a d a c o m o c o m b u s t ve l ( c a r v o ) , p a r a produo de cercas e construo de casas e currais. Na baa de Sepetiba a madeira utilizada principalmente para construo de currais de pesca, enquanto que na baa de Ilha Grande o desmatamento est associado explorao imobiliria que ao longo do tempo estimulou a destruio de inmeras reas de manguezais. O corte da vegetao de mangue, alm de destruir a flora, expe o sedimento ao sol provocando re s s e c a m e n t o e a s a l i n i z a o d o s u b s t r a t o resultando na morte de caranguejos e mariscos, como tambm afetando a produtividade e a pesca de caranguejos, camares e peixes. De acordo com o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlntica - perodo 1995-2000 (FUNDAO SOS MATA ATLNTICA & I N PE , 2 0 0 1 ) E s t a d o d o R i o d e Ja n e i r o , a

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Desmatamento do manguezal de Coroa Grande.

dinmica ocorrida neste perodo revelou que houve um desmatamento de 3.773 hectares de florestas naturais, ou seja, 0,51% do que havia em 1995. Com relao restingas, houve uma perda de 494 hectares, isto , 1,2%. Angra dos Reis apresentou os principais desmatamentos em restingas. Q u a n t o a o s m a n g u e z a i s , a s r e a s p e rd i d a s totalizaram em 255 hectares, 2,6% do que havia em 1995. O Municpio do Rio de Janeiro teve a maior supresso de mangue (142 hectares). Em 1995, as reas avaliadas de mangue resultaram em 9.865 hectares, enquanto em 2000 registrou-se 9.610 hectares de mangues. A evoluo histrica das formaes florestais no Estado do Rio de Janeiro apresentavam 4.294.000 hectares em 1500, o que corresponde a 97% da cobertura florestal natural em relao rea do Estado. Os registros, segundo Fundao SOS Mata Atlntica & INPE, apontam a seguinte srie h i s t r i c a : 1 9 1 2 c o m 3 . 5 8 5 . 7 0 0 h e c t a re s ,

correspondendo a 81% da cobertura florestal nativa em relao rea do Estado do Rio de Ja n e i r o ; 1 9 6 0 c o m 1 . 1 0 6 . 7 0 0 h e c t a re s , eqivalendo a 25% da cobertura florestal nativa; 1978 com 973.900 hectares, representando 22% da cobertura florestal; 1985 com 1.196.334 hectares, indicando 27,14% da cobertura florestal; 1990 com 1.61.184 hectares, proporcionando 24,07% da cobertura florestal; 1995 com 738.402 hectares, relacionando 16,82% da cobertura f l o re s t a l e 2 0 0 0 c o m 7 3 4 . 6 2 9 h e c t a re s , configurando 16,73% da cobertura florestal nativa em relao rea do Estado do Rio de Janeiro.

No solo tudo acontece como se a terra fosse uma grande esponja seca, que vai recebendo gua at no mais poder, principalmente em solos de floresta. Uma parte da gua se infiltra na terra, logo no incio da chuva, enquanto a terra est seca. Depois que a gua ocupa todos os vazios da terra, esta comea a escorrer. Toda a rea que banhada pelos rios e lenis subterrneos chamada de bacia hidrogrfica. a que entra a influncia da bacia nos manguezais. De que forma esta influncia? Transportando os sedimentos das bacias de drenagem para o litoral. Claro! Esse transporte pode ser controlado por atividades naturais ou promovidos pelas atividades antrpicas. Como atividades naturais dos rios podem ser consideradas os seguintes fatores: quantidade de chuvas em perodos relativamente evidentes, alterao na drenagem natural, formao dos meandros e eroso costeira.

Recursos HdricosOs rios influenciam de forma to expressiva os manguezais que destinou-se um captulo especialmente para eles. Antes de descrever sobre os rios e em suas conseqncias nos manguezais, cabe tratar de um assunto importante para se entender tudo isso: o ciclo da gua. O ciclo da gua sem comeo e sem fim. Poderiase comear pelas guas que correm para os mares, guas dos rios. Da forma lquida passa a vapor e se transforma em chuva. Com o calor do sol, h a evaporao dos lagos, dos rios, das lagoas, das lagunas, dos mares e oceanos. Do vapor, formamse as nuvens. Quando carregadas e densas, precipitam - novamente em forma lquida: as chuvas. O ciclo da gua chama-se ciclo hidrolgico. A sua importncia para ns vital. O ciclo da gua no esttico, ele dinmico. Numa mesma regio chove mais ou menos, de ano para ano. O ciclo da gua pode ser alterado devido a forma como so explorados os recursos naturais. Derrubadas de rvores, lanamento de esgoto nos rios por indstrias, lanamento de gases por veculos, indstrias e usinas termeltricas so fatores que desequilibram este ciclo. O consumo de combustveis fsseis (carvo, petrleo e gs natural) e os desmatamentos esto mudando o clima por causa do aumento dos gases do efeito estufa. As alteraes climticas so tambm chamadas de aquecimento global.

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Rio Paraba do Sul

To d o s e s s e s f a t o re s n a t u r a i s i n t e r f e re m n a paisagem do mangue, isso porque geralmente os manguezais se situam em desembocadura de rios, estando sujeito a inundaes derivadas do regime de mars. A comunidade vegetal do manguezal e s t a d a p t a d a a s e d e s e n vo l v e r e m re g i e s inundadas, a flutuaes de salinidade e a sedimento frouxo, com baixos teores de oxignio. Qu a n d o o s p r o c e s s o s d e i n t e r f e r n c i a n o ecossistema so naturais, a prpria natureza absorve o impacto, porque nada mais do que uma forma de troca entre elementos fsicos, qumicos e biolgicos. So as interaes ecolgicas. Ou seja, todo e qualquer processo ambiental representa um fluxo com transferncia de matria ou energia entre elementos do sistema. Quando a bacia hidrogrfica mal gerenciada, os rios refletem pelos problemas ambientais e, conseqentemente, os manguezais. Por isso mesmo, os manguezais recebem diretamente os impactos ambientais. Vamos citar alguns desses impactos. Veja se o rio que passa perto de sua comunidade no tem alguma dessas caractersticas.

Assoreamento na foz do rio Jequi.

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Quando se retira a mata que contorna o rio (mata ciliar), o solo fica descoberto e a nada segura a chuva, que vai embora mal penetrando no solo. Correndo ladeira abaixo, a gua da chuva arrasta parte do solo, que, por falta de vegetao, est d e s p r o t e g i d o. A t e r r a d e s l i z a p a r a o r i o acarretando outro problema: a eroso. A mistura de terra e gua vai para os rios, estes ficam rasos e transbordam, sendo entupidos: o chamado assoreamento. O material que chega foz depositado no manguezal. Com o uso indiscriminado de agrotxicos e metais pesados em prticas agrcolas indevidas, acrescido de queimadas e desmatamento, o solo perde a camada que fica por cima, que a mais rica. A terra fica fraca. A partir da, planta-se e no se colhe quase nada. o empobrecimento do solo. Alm do prejuzo da colheita, tal cenrio obriga-se a comprar mais adubo e calcrio para tentar recuperar o solo. A gua da chuva tambm arrasta os agrotxicos. Estes venenos contaminam os rios, lenis subterrneos e, conseqentemente, os manguezais. Embora os rios tenham capacidade de dispersar e

transformar qumica e biologicamente os agentes contaminantes, a variedade e velocidade com que o homem os lana impede-se, muitas vezes, que haja recuperao natural. Habitat com baixa energia e zonas costeiras so mais sensveis e tem menor capacidade de recuperao. A sensibilidade de certas espcies de organismos como moluscos, crustceos, equinodermas e peixes foi estudada por dcadas! Plantas e animais possuem diferentes habilidades para regular a concentrao de contaminantes no organismo. medida que um organismo continuamente exposto a um contaminante ocorre um aumento progressivo da concentrao corporal. Esse processo lento. Por isso, dificulta-se o estabelecimento de relaes de causa e efeito entre a presena de poluentes e a ocorrncia de alterao ecolgica. Po r e xe m p l o : o s m e x i l h e s s o a n i m a i s filtradores que podem filtrar de 5 a 7 litros de gua do mar por dia. Assim, estes animais num ambiente contaminado por metais pesados podero filtrar esses metais e ficar acumulados em seus organismos. Este processo tambm chamado de bioacumulao. Os rios e manguezais no litoral do Estado do Rio de Janeiro guardam significativas interaes ecolgicas. Assim, so descritas as reas destas interaes em exemplos das baas, j que existem manguezais em outras reas do litoral fluminense. Principais ns drenantes e de influncia nos manguezais da baa de Guanabara so os rios Suru, Guaxindiba, Caceribu, Guapimirim, Jequi, Emboassu, Macacu dentre outros. Estima-se que na baa de Guanabara os manguezais estejam restritos a 40 q u i l m e tr o s q u ad r ad o s . O s m an gu e z ai s da baa de Guanabara em menor ou maior intensidade esto sujeitos a impactos antropognicos, decorrentes da ocupao

desordenada e do uso inadequado da sua bacia. Dentre estes, os mais comuns so: desmatamentos, invases, aterros, urbanizao desordenada, disposio de lixo inadequada, lanamento de esgotos sem tratamento, pesca predatria e descarga de metais pesados. Na baa de Sepetiba os principais rios decorrentes so Piraqu, canal de So Francisco, da Guarda, Mazomba, da Lapa e Ingaba, sendo o canal de So Francisco o responsvel pelo maior aporte baa de gua doce e de sedimentos em suspenso e arraste. Junto a desembocadura desses rios, principalmente o Piraco, encontra-se uma importante rea de manguezal. Responsvel pela alta piscosidade da baa, o manguezal enfrenta os problemas de poluio e assoreamento oriundos de atividades industriais da regio. Na baa de Ilha Grande tem-se como principais rios drenantes: Mateus Nunes e Perequ-Au, Mambucaba, Bracu, Arir, Jurumirim e Japuba, embora os impactos ambientais nos manguezais no sejam diferentes das demais reas. Aterro parcial do manguezal, efeitos da especulao imobiliria, desmatamento de matas ciliares e poluio das guas dos rios. A expanso e especulao imobiliria somada implantao de grandes obras como as usinas nucleares e a rodovia BR-101 (Rio-Santos) e respectivas infraestruturas perifricas so responsveis pela reduo de at 50% das reas de manguezal que acompanham o litoral em questo dos ltimos 30 anos. E n f i m , m e d i d a q u e o s re c u r s o s h d r i c o s permaneam em sua paisagem inalterada ou pouco alterada ou mesmo com rios revitalizados, os manguezais tambm se beneficiaro dessas condies ambientais.

antigo DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento) empreendeu diversas obras de drenagem e aterro em reas de mangues principalmente no Norte Fluminense. Em todo o Estado do Rio de Janeiro os aterros em reas de manguezais esto na sua maioria associados ocupao urbana, sendo praticados desde as classes desfavorecidas at s classes abastadas. Este fenmeno est ligado principalmente a dois fatores: ignorncia da populao sobre a relevncia deste ecossistema e valorizao de reas beira-mar. O primeiro fator est associado falta de informao da verdadeira importncia ecolgica e social dos manguezais. Aliados a este fator esto conceitos populares errneos que historicamente esto ligados a estes ambientes como, por exemplo, serem os manguezais considerados como reas de proliferao de insetos (mosquitos), ftidas e propcias para o lanamento de lixo e esgoto. O arraigamento cultural destes conceitos na populao brasileira favoreceu ao longo dos anos destruio de extensas reas de manguezais. Neste sentido, tornou-se fator determinante para o modelo de crescimento de algumas cidades como, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro que se expandiu custa de aterros em reas alagadas. comum observar em alguns municpios do Estado o crescimento desenfreado de moradias em reas de manguezal em funo de aterros. Este fenmeno to rpido que, no e s p a o d e a l g u n s m e s e s , g r a n d e s re a s d e manguezais so reduzidas. Ap e s a r d o s e s f o r o s d e c o n s c i e n t i z a o e informao efetuados nos ltimos anos por diversas instituies ligadas preservao de manguezais, ainda comum encontrar nos diferentes segmentos da populao os conceitos equivocados sobre o manguezal. O segundo fator est intimamente ligado ao primeiro uma vez que, a partir do momento em que se ignora a importncia dos manguezais, fica fcil aterrar estas reas. Porm, quando se promove este aterro, esta rea passa a ficar valorizada em funo da sua proximidade com o mar propiciando a construo de empreendimentos imobilirios como condomnios, marinas, pousadas e hotis. Este

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AterrosDentre as alteraes provocadas pelo homem nos manguezais, o aterro uma das mais comuns e uma das grandes responsveis pelo desaparecimento de grandes extenses destes ambientes. A histria ambiental indica grandes parcelas de reas de manguezais que foram drenadas e aterradas devido a inmeros momentos da ocupao do solo fluminense. O

processo pode ser observado principalmente nos municpios da regio Sul do Estado do Rio de Janeiro como, por exemplo, em Mangaratiba, Angra dos Reis e Parati. Os danos que os aterros provocam sobre os manguezais so diversos. Entre estes, pode-se citar: - morte da maioria dos animais (crustceos, moluscos e poliquetas) que vivem no sedimento, atravs de alteraes de sua estrutura. Dependendo da espessura da camada de aterro nenhum animal consegue sobreviver; - alterao do padro de circulao das guas nos manguezais que podem em ltima instncia provocar a sua perda; - acelerao da sedimentao, a qual interferir na reciclagem dos nutrientes e na troca de gases, devido ao entupimento das lenticelas dos rizforos e pneumatforos, podendo causar a mortalidade no bosque (CARMO, 1995).

Esgotos domsticos e industriaisA colonizao brasileira se fez a partir das regies costeiras do pas e, em decorrncia disso, nos sculos seguintes os agrupamentos humanos se assentaram ao longo do litoral. Infelizmente, a relao homem-meio litorneo, atravs dos sculos, levou degradao progressiva das guas. O homem afetou as guas marinhas atravs de dois mecanismos principais: esgotos domsticos e os esgotos industriais poluindo e contaminando as guas por agentes biolgicos e qumicos causadores de doenas (NOGUEIRA, 1993). O s e s g o t o s s o c o n s i d e r a d o s p ro d u t o s d a s atividades humanas e podem ser divididos em domsticos e industriais. Os esgotos domsticos provm das casas e possuem um alto teor de matria orgnica. J os esgotos industriais podem apresentar composio variada, dependendo da atividade da indstria, com presena de alto teor de matria orgnica, produtos qumicos, metais pesados e leos. A contaminao da gua por agentes biolgicos p r ov e n i e n t e s d o e s g o t o " i n n a t u r a " ( s e m tratamento) vem ocorrendo em quase toda a costa do Brasil. O crescimento cada vez maior das populaes litorneas induz ao crescimento contnuo do volume de esgotos. O uso das guas marinhas para fins de lazer tambm vem crescendo continuamente em todo o litoral. Com isso, o nmero de pessoas expostas s guas contaminadas por agentes biolgicos cada vez maior, constituindo motivo de sria preocupao para a sade pblica. (NOGUEIRA, 1993). Segundo Aznar (1994), os ecossistemas aquticos vm sendo utilizados como receptores temporrios ou finais de uma grande variedade de poluentes que so lanados direta ou indiretamente e, embora estes ecossistemas tenham uma certa capacidade de autodepurao, os despejos neles lanados sempre causam impactos, representando um risco que pode comprometer a utilizao deste recurso para o uso domstico, recreativo, industrial e na irrigao de gneros alimentcios. Nas reas de manguezais os esgotos podem causar diversos problemas citados a seguir: poluio e

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Aterro e construo de casas no manguezal do Jequi

- aumento da taxa de deposio de sedimentos (assoreamento) que pode reduzir a profundidade de rios, canais e esturios interferindo no ciclo de vida de inmeros organismos dos manguezais. O aterro em reas de manguezais um problema que precisa ser resolvido urgentemente. Somente uma campanha macia de informao sobre a i m p o r t n c i a d o s m a n g u e z a i s , a t re l a d a a o planejamento ambiental e cumprimento da legislao ambiental vigente pelos rgos competentes, ser capaz de reverter este quadro.

contaminao das guas, contaminao de animais aquticos, morte de animais aquticos, morte da vegetao de mangue e reduo da quantidade de oxignio da gua. Porm, o principal dano sobre a sade das comunidades que se utilizam destas reas para pesca, recreao e lazer. Em conseqncia, estas comunidades podem sofrer com doenas transmitidas por vrus e bactrias e serem contaminadas por metais pesados e produtos qumicos. Segundo Carmo (1995), os manguezais no parecem ser muito prejudicados por descargas indiretas de esgoto, contanto que estas sejam diludas. Aparentemente, este ecossistema tolerante a um enriquecimento de nutrientes, mas quando a carga orgnica excessiva pode ocorrer um aumento de produo o qual pode ocasionar uma mortandade da fauna. Alm do mais, os animais podem ser contaminados por bactrias de origem fecais e agentes virticos, tornando-se vetores de srias doenas para a populao. Arajo & Maciel (1979) destacam ainda que poder ocorrer uma mortalidade significativa da fauna do manguezal devido ao decrscimo de oxignio causado pelo lanamento de esgoto no ambiente. Um aumento do consumo de folhas por insetos foi obser vado nos manguezais de So Lus, Ma r a n h o , e m u m a r e a q u e re c e b i a f o r t e lanamento de esgoto (CARMO, 1995).

do pescado. Quando os contaminantes orgnicos e metais pesados so introduzidos nas cadeias alimentares podem tambm atingir a populao ribeirinha que se alimenta dos organismos da rea afetada. A incorporao de metais pesados um grave problema ambiental na baa de Sepetiba, onde as ostras se quebram facilmente em virtude da presena destes contaminantes. Visando preservao e conservao dos ecossistemas costeiros, principalmente os manguezais, devem ser implementadas medidas urgentes para evitar o lanamento de esgotos nas guas, minimizando assim os danos aos organismos e a populao.

LixoAo longo da histria da Humanidade o homem sempre deixou restos do que no lhe interessava. No Brasil, as populaes indgenas tinham hbitos e rituais cujos restos de comida transformaram-se no que so comumente conhecidos por sambaquis. Estes stios arqueolgicos esto localizados ao longo do litoral. Assim, no difcil haver interao com os ecossistemas manguezais. poca, quando os recursos naturais eram manufaturados, o lixo era basicamente matria orgnica (restos de vegetais ou de animais). Isto quer dizer, o lixo significa os restos das atividades humanas, tidos como inteis, indesejveis ou mesmo descartveis. H mais de duzentos anos, quando se iniciou a Revoluo Industrial, o homem passou a produzir materiais mais refinados. Os processos tecnolgicos geraram mais lixo. O nmero de habitantes que poca alcanava 1 bilho de habitantes, hoje ultrapassa 6 bilhes de habitantes. Portanto, o aumento populacional resultou no aumento significativo do uso das reservas naturais e, conseqentemente, na produo de bens e gerao de lixo. Assim, as necessidades humanas e o processo de industrializao representaram no sculo XX um acmulo de lixo jamais conhecido na histria da Humanidade. A urbanizao crescente contribuiu para agravar os problemas gerados pelo lixo. Em 1800, apenas cinco em cada cem habitantes habitavam cidades. Atualmente, so quarenta em cada cem

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Lanamento de esgoto no manguezal

Carmo (1990) destaca que nos esturios e mangues, a lenta circulao das guas permite a presena de contaminantes em nveis perigosos. Esta contaminao pode atingir a fauna, causando alteraes fisiolgicas, s quais podem levar os animais morte ou a uma diminuio gradativa

habitantes. No Brasil, a taxa de urbanizao de cerca de 75%. Ou seja, a cada cem habitantes setenta e cinco moram em cidades. Contudo, os cuidados com o lixo vm se tornando prioridades dos governos e das sociedades. Os Estados Unidos da Amrica (EUA) so os maiores produtores de lixo do planeta gerando mais de 200 milhes de toneladas por ano. No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico PNSB/IBGE editada em 1991, so produzidas 241.614 toneladas de lixo diariamente. Deste montante, 76% ficam a cu aberto e somente 24% so tratados. O lixo classificado em vrios tipos: domiciliar ou domstico (gerado do dia a dia das residncias); comercial (originado dos estabelecimentos comerciais e de servios como supermercados, bares, restaurantes etc.); pblico (dos servios pblicos de limpeza urbana -varrio, limpeza de praias e galerias etc.e de limpeza de reas de feiras livres); de servios de sade e hospitalar (produzidos por hospitais, clnicas, postos de sade etc.); de portos, aeroportos, terminais rodovirios e ferrovirios (resduos de material de higiene, asseio pessoal e restos de alimentao); industrial (produzidos pelos diversos ramos da indstria, como metalrgica, qumica, petroqumica, papel etc.); agrcola (lixo das atividades agrcolas e pecurias) e de entulho (resduos da construo civil e restos de obras). Resduos slidos o termo tcnico que se usa para denominar o lixo. A coleta, transporte e destinao do lixo cabem s prefeituras, salvo o lixo do tipo industrial, hospitalar, agrcola, entulho e proveniente de terminais (portos, aeroportos, rodovirias, ferrovirias). Em alguns casos, as prefeituras podem assumir a coleta, o transporte e a destinao destes ltimos tipos de resduos. Os resduos domsticos, comerciais e pblicos so responsabilidade da prefeitura. J os demais ficam atribudos pelo gerador. Por exemplo, o lixo industrial responsabilidade das indstrias. Todavia, um lixo com ou sem toxicidade poder ser gerado de qualquer lugar. At mesmo nas nossas prprias casas podemos gerar um lixo domstico que pode ser potencialmente perigoso. E quais resduos podem ser enquadrados como tal? Aqueles de natureza qumica ou biolgica podem vir a ser potencialmente perigosos sade

humana e ao meio ambiente. Como exemplos, c i t a m - s e o s tipos de material para pintura (tintas, solventes, vernizes etc.); produtos para jardinagem e animais (agrotxicos, repelentes etc.); produtos para motores (leos, fluidos, baterias); pilhas; frascos de aerossis; lmpadas fluorescentes; termmetros tradicionais. A disposio final do lixo um grave problema no Brasil, j que em sua maioria os municpios dispem o lixo prximo aos recursos hdricos (margem de rios, lagoas, lagunas, baas etc.). Por isso, a decorrncia de problemas de sade pblica e de contaminao s guas e aos solos inevitvel e de um custo ambiental fabuloso. O tratamento final mais adequado so os aterros sanitrios, cujo lixo tratado e seus poluentes gerenciados como o chorume (lquido percolado do lixo altamente t x i c o ) e o m e t a n o ( g s p rov e n i e n t e d a decomposio do lixo). No entanto, alm dos lixes (vazadouros ou depsitos de lixo a cu aberto), existem os aterros controlados que so uma soluo paliativa e pouco favorvel ao meio ambiente.

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Lixo junto as plntulas de mangue vermelho (Rhizophora mangle).

Os problemas ambientais resultantes da m disposio favorecem proliferao de animais transmissores de doenas transmissveis (vetores como baratas, moscas e ratos); contaminao das guas e dos solos; poluio do ar e reduo da qualidade ambiental nestes locais influenciando comunidades. De acordo com a Comisso de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Amrica Latina e do Caribe (1991), a regio costeira e seus organismos vivos tm sido bastante afetados pela descarga de esgotos e lanamento de lixo das zonas urbanas e industriais. Nas reas

semi-fechadas, como baas e enseadas, este processo pode perdurar provocando mais alteraes ambientais. As zonas costeiras tm suas reas afetadas pela contaminao, cuja participao indicada em 83% por conta das atividades terrestres (atividades do petrleo, lanamento de esgotos domsticos e industriais, presena de metais pesados e agrotxicos). No Brasil, lamentavelmente, grande parte do lixo vai parar nos rios e mares. Neste sentido, os ecossistemas de manguezais so largamente afetados por esta carga de poluentes, especialmente junto s reas urbanas. A cultura e os procedimentos brasileiros consistem em que o manguezal um lugar sujo e fedorento onde todos colocam o lixo ali. H sempre um primeiro a dispor o lixo e, a partir da, se torna um depsito a cu aberto. Em quase todas cidades litorneas, principalmente as mdias e grandes, vazou-se lixo em reas de manguezal. Desse modo, so vrios os exemplos de disposio de lixo em reas de preservao permanente e sem licenciamento ambiental: aterro controlado do morro do Cu, Niteri, cujo chorume drena para o crrego Matapaca e, consequentemente, desgua no rio Guaxindiba na APA de Guapimirim; Aterro Metropolitano de Gramacho, em Duque de Caxias e Vazadouro de Itaca, em So Gonalo, localizados inadequadamente sobre reas de manguezais. Somente o aterro controlado de Gramacho perdurou por mais de vinte anos drenando chorume para a baa de Guanabara. Em dias de chuva, o problema de drenagem de chorume emerge novamente nestas reas. Portanto, muitos riscos ambientais existem nas lagoas, lagunas e mares em funo do lixo. Alm disso, as reas costeiras so rotas de passagem de navegao martima de vrios tipos: carga, viagens de cruzeiro, esportiva e de recreao ampliando os problemas ambientais com lanamento de lixo destas embarcaes. Com as correntes e fluxos de mars, parte deste lixo vai ser depositado nas praias, nos costes rochosos e nos manguezais. Enfim, lixo que vai espalhando-se e poluindo tambm a paisagem natural. A Agenda 21, um dos documentos assinados na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 1 em 1992, sugere que o manejo ambientalmente saudvel (gerenciamento adequado segundo normas,

critrios e procedimentos ambientais) deva ser mais que um simples depsito e descobrir a causa fundamental desta questo. Em sntese, mudar os padres de produo e consumo para consolidar o desenvolvimento com proteo ambiental. Portanto, importantes programas devem ser dirigidos sobre: reduo do lixo; aumento m x i m o d a r e u t i l i z a o e re c i c l a g e m ambientalmente sadia; promoo do depsito e tratamento ambientalmente sadio e ampliar o alcance dos servios daqueles que se ocupam do lixo. No Brasil, hoje, so mais de duzentos municpios que realizam programas de coleta seletiva com reaproveitamento e reciclagem de materiais. Ainda assim, inexistem programas de reduo de lixo. A busca de resolver a questo do lixo uma deciso da sociedade que deseja sustentabilidade econmica e proteo ambiental. Este papel responsabilidade de todos ns. Ver no captulo de Educao Ambiental um questionrio que poder ser aplicado na sua casa, com seus colegas de rua, no seu bairro, na sua cidade.

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Lixo depositado as margens da Baa de Guanabara.

Enfim, a tarefa de manter limpas as praias, os costes rochosos e os manguezais deve comear com cada um de ns hoje, aqui e agora.

Pesca predatriaA destruio gradativa dos ecossistemas costeiros (especialmente os manguezais) e estuarinos tem causado um declnio na produo pesqueira, fonte de alimentao e de oportunidades de empregos diretos ou indiretos, como a fabricao de gelo, reparo de embarcaes, confeco de redes e acessrios etc. As principais espcies capturadas so a sardinha, o camaro, o cao, a corvina, a pescada, o robalo, a tainha, a castanha, a viola, dentre outras. A sobrepesca e a degradao das guas costeiras tm levado reduo do pescado. Da, os pescadores adotam outras formas de sustento. As estratgias de captura de pescado nas reas de mangue so as mais diversificadas em todo o litoral brasileiro, havendo a possibilidade de mudar de nome de regio para regio. No corpo d'gua utilizado pesca de linha (linhada, espinhel, de espera), pesca com vara ou canio (de rodada, caponga, de espera), pesca de rede (arrasto, mangote, de espera, malhadeira, tarrafas), pesca com armadilha (covo, jequi, matapi, gerer, pu, latas-ratoeiras). Pesca de b a r r a g e m e c e rc o ( t a p u m e , p a r i , g a m b o a , tapagem, curral, cercado, cacuri). Dependendo do local onde o pescador ir proceder sua atividade, ele utiliza um tipo especfico de transporte, podendo ser casco, montaria, barcos, canoas, batera, jangada e catraia. Para a construo do seu meio de transporte, o homem utiliza a madeira do mangue, pau de jangada, buriti e talos de babau entre outros (VERGARA FILHO & VILLAS BOAS, 1996). Infelizmente, diversas tcnicas de pesca predatria so empregadas nestes ambientes. Entre estas pode-se destacar: o arrasto de rede no fundo dos canais, o lao, a redinha, a enxada, o gs, o leo queimado e a ratoeira. A utilizao de tcnicas predatrias reflexo da

quebra da tradio das comunidades, causada pela intensa ocupao de reas de manguezais em muitas cidades brasileiras. Muitas destas cidades recebem, na maioria dos casos, um grande afluxo de imigrantes que nada tem a ver, do ponto de vista socioambiental, com estes ecossistemas. Sendo assim, por falta de opo o imigrante vai morar e trabalhar no mangue utilizando tcnicas predatrias de captura e, na maioria das vezes, vendendo o pescado sem utiliz-lo para consumo prprio, descaracterizando a pesca de subsistncia.

Impactos sobre as comunidades pesqueiras

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Barcos utilizados para pesca na Baia de Guanabara

H muito tempo que os homens utilizam os manguezais para sua sobrevivncia. Esta relao primeira em harmonia com o ambiente vem sendo alterada pela forma equivocada da utilizao dos recursos gerados pelo manguezal. Isto significa comprometer: a dinmica dos processos erosivos e de sedimentao, mudanas do padro de circulao das guas, alteraes no balano de gua, eliminao da influncia da mar, rebaixamento do lenol fretico, perda de banco gentico, reduo dos estoques pesqueiros locais e perigo de extino de espcies gerando danos, por vezes, irreversveis (PEREIRA FILHO, 2000). Grande parte dos manguezais no mundo j sofreram aes impactantes irreversveis. No Brasil, os problemas ambientais decorrentes da destruio dos manguezais so observados ao

1- Tambm chamada de Rio 92 ou Conferncia do Rio. O termo ECO 92 incorreto, porm largamente utilizado. A ONU emitiu um documento poca esclarecendo que a reunio teria discusses acerca de meio ambiente e desenvolvimento e no somente sobre ecologia.

longo de quase todo litoral brasileiro. Os impactos socioambientais so de origem diversa, podendo destacar alguns: expanso urbana num mal planejamento do uso do solo; estabelecimentos de complexos por turios; construo de plos industriais; instalao hoteleira inadequada; instalao de salinas; explorao da madeira para lenha e carvo; implantao de parques e viveiros de cultivos de camares e peixes e pesca predatria (PEREIRA FILHO, op. cit.). Apesar do quadro de degradao em que os manguezais brasileiros se encontram, no tocante ao aspecto legal, so ecossistemas protegidos por diversos diplomas legais. Segundo a Unio Internacional para a Natureza (IUCN), desde 1983, os manguezais foram denominados como Reserva de Biosfera. Desta forma, de fundamental importncia a preservao e conservao destes ecossistemas, uma vez que existe um relevante papel social, cultural e econmico para a manuteno das comunidades que dependem direta e indiretamente das atividades pesqueiras, alm de ser uma fonte geradora de alimentos ricos em protenas, possibilitando uma extrao direta e gratuita do ambiente. No entanto, os povos da lama continuam pressionados pelo desenvolvimento desenfreado das cidades, expulsando e modificando os hbitos destes pescadores que, por sculos, viveram em harmonia com os rios, as baas, os mares e com os manguezais das inmeras plancies de mars da costa brasileira. Entretanto, um grupo se destaca pelo seu trabalho exclusivo nos manguezais: os catadores de caranguejo ou caranguejeiros e, ainda, um destaque s catadeiras de Garga e Atafona na foz do rio Paraba do Sul (PEREIRA FILHO, 2000). Especializados na captura do caranguejo-u ou simplesmente caranguejo, como verdadeiramente conhecido a espcie Ucides cordatus por estes homens e mulheres da lama. Tradicionalmente desenvolveram vrias tcnicas de coleta deste crustceo, dentre as quais, podese relacionar: o tamponamento (uso do batume), o braceamento (com a mo ou com o p) ou simplesmente o apanhe manual no perodo da andada (PEREIRA FILHO, 2000).

Andada um termo popular empregado pelos caranguejeiros para dois perodos distintos da reproduo do caranguejo: o acasalamento de dezembro a fevereiro onde andam machos e fmeas; e a desova de fevereiro a abril, quando somente as canduruas e/ou cunduruas (fmea do caranguejo) saem das tocas para lavar a ova. Estes comportamentos so vlidos para a baa de Guanabara. Segundo Pereira Filho (op. cit.), a entrada de novos integrantes nas diferentes comunidades litorneas, resultado das imigraes do homem do interior para o litoral e do enorme processo de excluso social implementado pelo modelo capitalista de concentrao de renda j foi tema de Josu de Castro, que relata nas seguintes frases: "No mangue, tudo , foi ou ser caranguejo, inclusive o homem e a lama. A impresso que eu tinha, era que os habitantes dos mangues homens e caranguejos nascidos beira mar - medida que iam crescendo, iam cada vez mais se atolando na lama. Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de mim a terrvel descoberta da fome". Estes homens se vem forados a viver do mangue pela falta de oportunidades acarretando o desemprego passando, ento a catar e a comer o caranguejo. A descaracterizao das comunidades litorneas de pescadores traz a introduo de tcnicas predatrias como: o leo queimado, o gs, o carbureto, o gancho, a enxada, a foice, o lao, a redinha e a rede de braa. Associado a estes

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Captura de mariscos no manguezal de Coroa Grande.

mtodos, soma-se o aumento da captura na quantidade de caranguejo sobre as fmeas e a indivduos de tamanhos menores. Alm disso, a poluio dos corpos d'gua e a degradao dos bosques ainda permanecem crescentemente. Toda

esta presso antrpica sobre o caranguejo vem ao longo dos anos prejudicando a renovao dos e s t o q u e s d e s t e s a n i m a i s e xc l u s i v o s d o s manguezais. No entanto, as condies de vida do catador no permitem uma trgua para o caranguejo e o trabalho rduo de caminhar para a mar continua a cada dia. Assim, cada vez mais novos componentes integram as fileiras de caadores de caranguejo provocadas pelo desemprego. Nesta batalha pela vida no existe vencedores, mas apenas sobreviventes da falta de qualidade de vida para este homem, como tambm para este crustceo. Esta preocupao gerou a formulao da Portaria No 104/98 do IBAMA, medida normatizadora da captura do caranguejo-u (Ucides cordatus): a conhecida Lei do Defeso do Caranguejo, uma tentativa de se preservar a espcie e seus estoques (PEREIRA FILHO, 2000). A Lei de Defeso prev um benefcio mensal ao pescador durante o perodo de proibio da pesca porm, atrasos enfraquecem estas comunidades humanas. No entanto, a atuao de algumas organizaes no governamentais - ONGs como: o Grupo Mundo da Lama, Amigos do Manguezal do Jequi e Instituto Baa de Guanabara tm trabalhado nestas questes.

se dedicando em cadastrar e regularizar a situao legal destes pescadores. Ao mesmo tempo, pesquisadores dos manguezais de universidades e ONGs, juntos com o IBAMA, esto buscando estabelecer novos critrios para reestruturao desta portaria, procurando uma adequao aos problemas decorrentes da implementao desta medida restritiva que atropelou os povos do manguezal.

Caranguejo u (Ucides cordatus).

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Impactos de petrleo e seus derivadosO petrleo e seus derivados so os produtos qumicos utilizados em maior quantidade em todo o mundo e, portanto, a sua enorme manipulao gera diversos problemas associados contaminao de ambientes costeiros. O petrleo corresponde a uma mistura de milhares de compostos orgnicos, principalmente formados de tomos de carbono e hidrognio (hidrocarbonetos). Segundo Gesamp (1993), o aporte anual para os oceanos de hidrocarbonetos petrognicos de aproximadamente 2,35 x 106 toneladas. Considerando-se que a maior parte desta contaminao se d no ambiente costeiro, tem-se uma idia do srio problema ambiental que isto representa. Derramamentos de leo e seus derivados em manguezais podem provocar efeitos tanto agudos, que se manifestam a curto prazo, quanto crnicos, que iro provocar impactos obser vveis em perodos de tempo mais longos.

Venda de caranguejo u na regio de Guaratiba.

Segundo Pereira Filho (2000), a portaria do IBAMA, que atuou inicialmente mais como um mecanismo de opresso e excluso sobre os homens do manguezal, aos poucos comea a mudar sua feio, onde alguns tcnicos do prprio rgo, sensibilizados com a questo, esto

Antes de tentarmos delimitar os principais efeitos de derramamentos de leo em manguezais, devemos ter em mente que as respostas do ecossistema a este impacto vo depender no apenas da quantidade derramada, mas tambm do tipo do produto, isto , da sua composio. As caractersticas do leo iro determinar a sua toxicidade e o seu tempo de permanncia no ambiente podendo explicar a variedade de respostas (efeitos) de diversos manguezais, aps um derramamento de leo Uma vez introduzidos no meio ambiente, os compostos presentes no leo iro sofrer uma srie de transformaes fsico-qumicas. A extenso destes processos ser funo das caractersticas do manguezal em questo e da forma e quantidade dos hidrocarbonetos ali introduzidos. Os principais processos envolvidos so a transferncia para o sedimento, a incorporao biota, a degradao biolgica e qumica, a solubilizao, a disperso fsica e a evaporao dos compostos. O principal efeito agudo da poluio por leo sobre os manguezais se d pelo fato que, uma vez que o leo penetra no ambiente, ele recobre as lenticelas e os pneumatforos (estruturas responsveis pelas trocas gasosas no sistema de razes) causando assim a asfixia dos vegetais. Obviamente, a alta toxicidade de alguns constituintes do petrleo, principalmente r e p re s e n t a d o s pelos hidrocarbonetos p o l i a r o m t i c o s , p o d e m a t u a r s o b re t o d a a comunidade, inclusive sobre as populaes microbianas do solo, que so fundamentais na ciclagem de nutrientes neste ambiente. Segundo Cintron & Schaeffer-Novelli (1983), a resposta inicial do manguezal, aps um recobrimento por petrleo a desfolhao (perda das folhas) total ou parcial, dependendo do grau de reteno do leo nas razes e no solo. Um exemplo clssico do efeito de um derramamento de leo num manguezal do tipo franja (em contato direto com o corpo d'gua principal), ocorreu em Porto Rico, onde foi observada a perda de 50 % da biomassa foliar em 43 dias e 90 % em 85 dias, perda esta que foi irreversvel no mangue vermelho (Rhizophora mangle). Neste mesmo bosque tambm foram detectados alguns efeitos sub-letais. Nos locais atingidos por uma

menor quantidade de leo, alm de uma desfolhao parcial, notou-se uma diminuio do tamanho das folhas e uma alta freqncia de deformaes. Em Bahia Sucia (Porto Rico) houve um decrscimo de 40 % do comprimento das folhas, o que correspondeu a uma diminuio de 63 % da rea foliar, afetando, certamente, a produo dos bosques atingidos. Outros fatores que devem ser considerados na avaliao dos possveis efeitos de um derramamento de leo em um manguezal so as caractersticas geomorfolgicas do bosque, que vo definir alguns tipos fisiogrficos. Por exemplo, alguns manguezais ribeirinhos podem ser menos vulnerveis a derrames de leo no mar pois, o fluxo dos rios tende a impedir a penetrao da mancha, logicamente dependendo das condies da mar. No entanto, estes bosques seriam mais vulnerveis a derrames no continente ou no prprio esturio. Os bosques de bacia tambm seriam mais afetados por derrames que tivessem ocorrido em terra pois, geralmente esto separados do mar por uma berma, nestes locais a freqncia de inundao pelas mars menor. Entretanto, em perodos de mars muito altas (mars de sizgia), quando os bosques de bacia so inundados, estes poderiam ser atingidos por manchas de leo provenientes do mar. Nos bosques de bacia, quando impactados, em funo das condies de circulao de gua serem bastante restritas neste tipo fisiogrfico, o leo pode persistir por um perodo de tempo bastante prolongado, superior aos dos mangues ribeirinhos e de franja. Em relao aos bosques do tipo franja e ilhote, estes so mais vulnerveis a derrames pois, so inundados diariamente. Em geral, devido alta circulao nestes tipos de bosques, o leo parcialmente retirado das razes pelo mar. Logo, somente ocorre desfolhao acentuada nas partes interiores da franja e em locais mais protegidos onde a energia do mar relativamente mais baixa. Outro fator que pode determinar o efeito do leo sobre a vegetao do manguezal a granulometria do sedimento. Segundo Dicks (1986), que estudou alguns manguezais que sofreram derrames de leo no mar Vermelho, os vegetais que habitavam sedimentos lamosos, que possuem uma menor permeabilidade e condies redutoras (reduz o ataque microbiano ao leo) sofreram

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mais que aqueles em sedimentos mais grosseiros. Ainda em relao ao sedimento, outro processo que determina a persistncia do leo a taxa de biodegradao sendo que, esta maior na superfcie do sedimento pois, a atividade microbiana baixa nas camadas subsuperficiais. Em profundidade o leo pode permanecer sem alteraes por anos, principalmente em regies estuarinas, onde geralmente as camadas subsuperficiais do sedimento so anaerbicas, gerando uma degradao muito lenta dos hidrocarbonetos presentes. No combate poluio por leo, muitas vezes se opta pela utilizao de dispersantes qumicos para promover a limpeza do sedimento poludo. No entanto, um aspecto que no deve ser ignorado o efeito nocivo dos dispersantes sobre as rvores de manguezal. Getter et al. (1985) em estudos em laboratrio observaram que as plntulas expostas a leo e dispersante tiveram alteraes no seu crescimento, respirao e transpirao. Comparando-se estes resultados com aqueles obtidos em experimentos com rvores adultas e observaes de derramamentos em campo, estas tambm tiveram as mesmas reaes que as plntulas. Estes autores ainda reportam que a partir de aplicaes de trs tipos de leos, com e sem dispersante, que as p l n t u l a s d e m a n g u e p re t o ( Av i c e n n i a germinans) eram mais sensveis que as de mangue vermelho (Rhizophora mangle) pois, alm de terem uma maior mortalidade em experimentos com concentraes sub-letais, a primeira espcie apresentou uma maior anomalia no crescimento e maior mortalidade das razes. No entanto, estes efeitos vo depender do tipo de leo e do tipo de dispersante u t i l i z a d o. A s e g u i r, l i s t a m o s a l g u n s d o s principais efeitos do leo sobre os manguezais: mortalidade das rvores; desfolhao da copa; mortalidade das razes; rachadura nas cascas das rvores; mortalidade das plntulas; cicatrizes epiteliais; expanso das lenticelas; pneumatforos adventcios; deformidades nas folhas/clorose; propgulos atrofiados/curvos; folhas atrofiadas; reduo do nmero de folhas; alterao no nmero de lenticelas; mortalidade da comunidade epfita; asfixia dos animais; morte da fauna devido ao sobre processos celulares e fisiolgicos; alterao da permeabilidade dos organismos; alterao na densidade de moluscos;

alterao na densidade de caranguejos; mudanas na endofauna. Alm disso, o leo pode afetar diretamente as caractersticas da dinmica da comunidade de manguezal, sobretudo no que se refere s fases iniciais do desenvolvimento, tais como p r o p g u l o s e p l n t u l a s , m a i s s e n s ve i s contaminao que os indivduos adultos. O problema de tais alteraes est relacionado ao fato desses atributos determinarem a estabilidade do ecossistema em relao manuteno das diversas populaes que o compe. Por outro lado, essas componentes iniciais, representadas por plntulas e propgulos vo determinar o potencial de regenerao do ecossistema frente a perturbaes e tensores, como o prprio leo. Po r t a n t o , f i c a c l a r a a v u l n e r a b i l i d a d e d o s manguezais aos derramamentos de leo. No entanto, devemos considerar que dentro de um mesmo sistema como, por exemplo, a baa de Guanabara podemos encontrar comportamentos distintos em termos de sensibilidade, suscetibilidade e vulnerabilidade dos diferentes trechos de manguezais. Tal variao vai ocorrer por diversos motivos, desde as caractersticas ambientais como circulao, freqncia de inundao pelas mars, granulometria, geomorfologia, at caractersticas associadas proximidade e vulnerabilidade em relao s principais fontes poluidoras. Assim sendo, devemos partir da caracterstica de alta maleabilidade dos manguezais como um ecossistema, ou seja, atravs dessa caracterstica, os manguezais possuem a capacidade de persistir estruturalmente e funcionalmente, num estado relativamente alterado, sob a influncia de um tensor crnico. Essa a situao exata que observamos na baa de Guanabara. Porm, a princ i p a l q u e s t o e s t re l a c i o n a d a a o t e r m o "persistncia", pois atravs de diversos estudos, observamos que muitos manguezais alterados possuem uma persistncia "inicial", a qual a mdio e longo prazos demonstra no ocorrer, sendo o manguezal substitudo por sistemas menos complexos. Em relao vulnerabilidade dos manguezais, a mesma vai depender da proximidade das fontes poluidoras, da posio do bosque em relao ao

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corpo d'gua principal (bosques mais internos ou mais externos), da geomorfologia da rea, do nvel das mars e se a fonte de leo marinha (por exemplo derramamentos no mar) ou terrestre (rompimentos de oleodutos em terra). No que diz respeito sensibilidade dos manguezais, estes so altamente sensveis a esse tipo de impacto. No entanto, a maior ou menor sensibilidade tambm depender dos fatores ambientais somado ao sinergismo com outros tensores, como observado na baa de Guanabara. Os manguezais so considerados ecossistemas com alto grau de resilincia. Porm, no caso dos derramamentos de petrleo e derivados, alm dos fatores anteriormente mencionados, essa resilincia ser diretamente afetada pelas caractersticas relacionadas ao tempo de residncia do leo no ambiente tais como: freqncia de inundao pelas mars, granulometria, geomorfologia, tipo de leo, entre outros. Por isso mesmo, observamos que os efeitos desses tensores sobre os manguezais so extremamente diversificados e variveis, no podendo-se determinar um padro nico de comportamento. Alm disso, devemos destacar as variaes de efeitos do ponto de vista estrutural, funcional e da dinmica do ecossistema. Assim sendo, as aes no que se refere a esse tipo de tensor devem ser avaliadas cuidadosamente para cada situao especfica, de forma a atingirem um resultado satisfatrio e para que no agravem a situao no que diz respeito degradao do sistema afetado. Por fim, levando-se em considerao que tratase de um ecossistema extremamente frgil no que se refere aos derramamentos de leo e derivados com efeitos drsticos sobre o sistema, associado a um alto tempo de residncia do leo no ambiente, um alto perodo para sua regenerao e as dificuldades de remoo/limpeza do leo consenso que tais sistemas so os mais delicados frente a tais acidentes devendo-se, da, priorizar a proteo de tais reas no caso de acidentes. No Estado do Rio de Janeiro esto presentes manguezais que apresentam diferentes graus de contaminao por leo e seus derivados. Enquanto na costa Sul do Estado so encontrados exemplos de manguezais no impactados, como

os da regio de Angra dos Reis e Parati; aqueles adjacentes aos grandes centros urbanos se encontram sabidamente contaminados por leo, embora levantamentos sobre este tipo de poluio ainda no sejam usuais no Brasil. O exemplo mais importante da contaminao por leo no Estado sem dvida a baa de Guanabara, onde so observados poluio crnica e eventos agudos relacionados a derramamentos/acidentes. Segundo a FEEMA (1991), a baa de Guanabara abriga em suas margens 16 terminais de leo e derivados, 2 portos comerciais, 12 estaleiros, 2 aeroportos, 2 refinarias de petrleo e 2.000 postos de servio. Estima-se que a descarga diria de petrleo e derivados para a baa seja aproximadamente igual a 9,5 toneladas. No entanto, at o momento, no encontramos nenhum estudo consistente e com um embasamento metodolgico adequado, no que se refere anlise dos efeitos e dos danos causados pela contaminao crnica e aguda de leo sobre o ecossistema manguezal. Em maro de 1997 vazou leo da Refinaria Duque de Caxias atingindo o manguezal a ela adjacente. Mais recentemente, em janeiro de 2000, ocorreu um novo acidente (1 milho e 292 mil litros de leo) de grandes propores na baa de Guanabara, tambm relacionado ao rompimento de um oleoduto da Refinaria Duque de Caxias, o qual atingiu manguezais em Duque de Caxias, So Gonalo, Mag e Rio de Janeiro. Por ocasio desse acidente, parte da rea de Proteo Ambiental de Guapimirim foi seriamente afetada. Com relao a este derramamento, Michel (2000) apresentou um relatrio de vistoria. No entanto, no que diz respeito aos principais sistemas ecolgicos afetados, entre eles os manguezais, no foi feita nenhuma avaliao quantitativa de caractersticas estruturais, funcionais e da dinmica do ecossistema mas, apenas a apresentao de avaliaes, perspectivas e recomendaes de carter geral, extradas de diversos estudos realizados em manguezais de todo o mundo. Em setembro de 2000 iniciou-se um estudo mais abrangente coordenado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel visando a avaliao dos principais danos que o derramamento de leo ocorrido em

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janeiro de 2000 provocou nos manguezais da baa de Guanabara. Contudo, este trabalho ainda no tem os dados disponveis, o que dever acontecer at o final do ano 2001. A partir da atual inexistncia de dados sobre a contaminao por leo nos manguezais da baa de Guanabara, a rea mais estudada do Estado do Rio de Janeiro, fica evidente a existncia de uma importante lacuna no que diz respeito ao conhecimento dos nossos manguezais.

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35Norma Crud Maciel - FEEMA

coletnea de diplomas legais no Brasil vastssima e bem diversificada. Neste c a s o , v a m o s a p re s e n t a r a re l a o d a legislao ambiental com o ecossistema manguezal.

A

Breve histrico sobre o perodo ImperialDurante a primeira fase poltica, Brasil-Colnia (1500 a 1822), no possuamos leis prprias. Valiam no Brasil as leis de Portugal chamadas: "Ordenaes do Reino". A partir da divulgao da "descoberta" das terras do Brasil, em 1500, vigoravam em Portugal as Ordenaes Afonsinas. A partir de 1512 foram elas substitudas pelas Ordenaes Manoelinas. Em 1607 surgiram as Ordenaes Filipinas. Durante a 2 fase poltica, Brasil Independente (1822 at hoje), passamos a possuir lei prpria: Constituio. Os problemas para o manguezal comearam logo aps a chegada do colonizador portugus e o assentamento da populao. Segundo Leivas (1977), a experincia e tradio jurdica portuguesa procuraram sempre assegurar s populaes e defesa nacional o livre acesso ao mar e ao litoral. Ainda menciona este autor que estas beiras de mar, pauis, mangues, ou l e z r i a s , s e m p re f o r a m b e n s r e g u e n g o s o u realengos ("destinados para as despesas dos Senhores Reis.") Em 1553, a populao pobre corta o mangue para usar como lenha e os espaos desnudos vo sendo ocupados por essas pessoas com casa precrias construdas com paus de mangue. A madeira era tambm usada na construo naval e da casca era extrado o tanino para tingir as redes de pesca e curtir couro em curtumes.

Em 4 de fevereiro de 1577 foi estabelecido pela Coroa um regimento estabelecendo regras de uso para as lezrias. Leivas (op. cit.) relata que sob a capa de que "as lezrias eram apenas os aluvies de rios, e no dos salgados", procuraram alguns poderosos, atravs de chicana e ao arrepio da lei apoderar-se da propriedade plena dos mesmos. O Decreto de 5 de maro de 1664 tinha