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Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão

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Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão de 1880, disponível na Biblioteca do Senado Federal Brasileiro (http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/174443). Contém 20 páginas.

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Page 1: Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão
Harlon Romariz
Note
http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/174443
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SOCIEDADE BRASILEIRACONTF\A

A ESCRAVIDÃO.

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AO PAIZ---e---

Ha trezentos annos que se celebrou o pri­meiro contracto para a introducção de Africanosno Brazil e ha trezentos annos que estamos exis­tindo em virtude desse contracto. Lançada aescravidão nas bases da nossa nacionalidade comosua pedra fundamental, ainda hoje muitos acre­ditam que, destruido este alicerce, o edificio seabateria logo sobre todos, A superstição barbarae grosseira do trabalho ·escravo tornou-se, por talfórma, o credo dos que o exploram, que não sepóde ser aos olhos delles ao mesmo tempoBrazileiro e Abolicionista.

O máo senhor de e"$'cravos Aue o? açoitacruelmente, ou au torisa os. castigos infligidosa entes humanos para o fim tão sómente deaugmentar a sua propria fortuna; o feitor irres­ponsavel que supplicia mulheres gravidas; os tra­ficantes que enriquecem com o mercado de carnehumana; os innumeros instrumentos das infinitascrueldades que reunidas chamam-se - escravidão;todos esses individuos, que seriam a vergonha dapropria Turquia, parecem typos muito aceitaveisdos velhos costumes brasileiros, e gozam da van­tagem de não offender a susceptibilidade patrio­tica dos advogados da escravidão. Os que, porém,

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desejam vêr o Brazil associar-se ao progresso donosso seculo; os que sentem estar elle isoladona posição humilhanté em que se acha, - dandoo ultimo asylo á escravidão -; os que aspiramsêr cidadãos de uma terra livre, habitada porhomens livres, e não dividida entre senhores eescravos: estes são considerados como inimigosda sociedade, e chamem-se Eusebio, Rio Brancoou Pedro II, são sempre apontados como agentesdo estrangeiro.

Apezar porém da resistencia geral opposta aodesenvolvimento da idéa Emancipadora, ella nuncadeixou de existir no paiz, e de mostrar-se, comol\m desses clarões que allumiam o horizonte todo,desde a primeira apparição da Indepenclencia. Osherôes Pernambucanos que em 18[7 ensaiaram anossa emancipação tiveram em vista, como funda­dores de um povo livre, a abolição do trabalhoescravo. O patriarcha da Independencia, o velhoJosé Bonifacio, do seo desterro em França, pen­sando na sorte do paiz que elle havia ajudado ácrear, imaginava um systema de Emancipação gra­dual dos escravos, que fosse o complemento da obranacional, á qual o sed nome se acha eternamenteligado. Durante toda a nossa vida Constitucionala tradição Abolicionista perpetuou-se no Parla­mento, e nos nossos Annaes pôde-se acompanharo vestígio da revolta constante da paàe mais no­bre e elevada da consciencia Brasileira contra aignominia de uma instituiçãO, que é a violaç2.'"l detodas as leis moraes e sociaes do mundo moderno.

Todas estas manifestações foram porém ten­tativas isoladas e individuaes até ao dia em que,inesperadamente, o governo, aliás á braços comuma guerra estrangeira, decidio-se á tomar a ini­ciativa na reforma do elemento servil. O annunciode um tal commettimento, para o qual a opiniãOnão se achava preparada, não podia deixar de ter

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uma repercussão immensa no paiz, vio1.entamenteacordado da insensibilidade moral á que o haviaaté então reduzido a philosophia dos usofructuariosdo trafico. Acto de uma vontade que visivelmentenão era a resultante do pensamento geral; inicia­tiva expontanea dos poderes publicos em oppo­sição com interesses que querem ficar estacionarios,a reforma do elemento servil correspondia entre­tanto, por tal fórma, aos sentimentos mais elevadosda communhão brasileira, que tornou-se logo aaspiração dos seos elementos dirigentes. Foiassim que, tendo cahido do poder o partido liberal,em cujo seio aliás formou-se grande opposição aomovimento, nem por isso o compromi~so, repre­sentado pelas palavras proferidas do alto dothrono, deixou de ser honrado e cumprido peloVisconde do Rio Branco, cabendo a este a gloriade realizar a lei de 28 de Setembro de 187 I ,

desde a qual ninguem mais nasce escravo noBrazil.

O facto de ter sido o partido, que é emtoda parte o representante natural da grandepropriedade privilegiada, do monopolio da terrae do feodalismo agricola, o autor do grandeacto legislativo que paralys0u a escravidão, mostrapor si só que, no momento em que o paiz puderde todo abolil-a, ella não achará até mesmo entreos seus melhores alliados senão desertores.

A lei de 28 de Setembro porém foi uma leiconservadora, que respeitou o interesse dos se­nhores supersticiosamente; que lhes garantio a::propriedade dos seos escravos até á completaextincção do ultimo; que não modificou o que épraticamente o direito de vida e morte do senhor;que, vinculando as gerações presentes á umcaptiveiro só limitado pela morte, sujeitou as fu­turas durante vinte e um annos á um dominiotambem irresponsavel e á um embrutecimento

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systematico, dando assim á escravidão um periodolegal de tres quartos de seculà para desapparecerno meio das mais terriveis complicações.

Nas condições em que se achava o paizquando foi desferido o golpe, este não poderiatalvez ser' mais profundo. 'Não podia o governoexigir dos representantes dos interesses conserva­dores que elles se rendessem á primeira investida.Entretanto era claro que a'quella medida, toda defutulO, não podia ser o fim, mas tão sómente ocomeço da emancipação promettida; que não eraum tratado de paz com escravidão, mas a decla­ração de guerra. Annunciado entretanto como leide Em,anç:ipação, o Acto de 28 de Setembro de1871 fez crer fóra do paiz que o Brazil havia co­rajosamente libertado o milhão e meio de escravosque ainda possuia.

Infelizn-iente porém a Camara dos Deputadosacaba por um voto solemne de desfazer a illusãodo mundo inteiro. Não só a escravidão não foiabolida, çomo não se quer abolil-a, e ainda maisse a colloca acima da lei. Ella tem o privilegiode ser superior á Constituição. A liberdade, afranqueza, a publicidátle dos debates do Parla­mento são interesses muito insignificantes ao ladodella: os actuaes escravos, um milhão e meio dehomens! só deve~ ter esperança na morte, equanto antes melhor. O Parlamento não os en­xerga. Pairando nas alturas, elle só vê, na exten­são do paiz, a casa do senhor, não descoL e asenzala dos escravos., A escravidão deixou de serum problema, a Emancipação uma reforma. O go­verno não cogita de uma nem de outra. Nascachoeiras que vamos atravessando não é precisoque haja homem ao leme. A situação liberal tor­na-se depositaria da escravidão, e promette entregaro deposito, intacto, com as mesmas lagrimas e osmesmos soffrimentos que fazem a sua riqueza.

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Será porém este o alcance definitivo da votaçãonominal do dia 30 de Agosto de 188o? NãO:. essevoto ha de ser modificado ,na proxima sessão; asportas do Parlamento hão de se abrir de par empar para ella, si o partido liberal quizer ser algumacousa mais do que o cliente submisso da grandepropriedade rural, o agente dos interess~s do tçr­ritorialismo estacionario, que é a fórma verdadeirada constituiçãO social para o partido escravista.Orgão cuja funcção principal deve ser o desen;volvin1ento e a realização das aspirações mod~rnas

e civilisadoras existentes na parte mais intellectuale progressiva da nação, o partido liberal não pódeser a negação systematica de todo liberalismo, oinimigo officioso e offerecido da Emancipação.

Durante muitos annos com effeito nenhumareforma terá a importancia dessa. Herança dopassado a escravidão é a chaga ainda aberta davelha colonisação Portuguesa. A Australia, que'era um ninho de convictos, ~liminou no progressodo seo desenvolvimento esse elemento primitivo,e tornou-se, de um presidio que foi, um grandepaiz. O Brazil precisa tambem de eliminar o seoprimeiro elemento constitutivo, - o escravo. Ellequer ser uma grande nação, e não como o que­rem, uma grande senzala.

Emquanto uma nação só progride pelo tra­balho forçado de uma casta posta fóra da lei,ella é apenas um ensaio de Estado indepen'dentee autonomo. Emquanto uma raça só pode desen­volver-se em qualquer lat.itude, fazendo outratrabalhar para sustentaI-a, a experiencia da accli­mação mesmo dessa raça está ainda por fazer.Aos olhos dos Brazileiros tradicionaes, o Brazilsem escravos succumbiria logo: pois bem, estaexperiencia mesmo tem mais valor do que a vidaque só se consegue manter pelo enfraquecimentodo caracter nacional e pela humilhação geral ~o

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pai~ a abolição fosse o suicidio, ainda assim~~«; ovo incapaz de subsistir por si mesmo faria

SENA\) serviço á humanidade, tendo a coragem deabandonar a outros, mais fortes, mais robustose mais validos, a incomparavel herança de terraque elle não soubesse cultivar e onde não po­desse manter-se.

Mas não. Em vez de ser o suicidio, o actode previdencia tanto quanto de justiça, que pu­zesse termo á escravidão, despertaria no caracternacional faculdades inertes e abriria para a nação,em vez da paralysia vegetativa á que ella estásujeita, uma epoca de movimento e de trabalho livre,que seria o verdadeiro periodo da sua consti­tuição definitiva e da sua completa independencia.

Não ha com effeito no immenso territorio dolmperio senão tristes e lamentaveis testemunhosda acção nociva e fatal do trabalho forçado. Aescravidão domestica leva a immoralidade á todasas relações da família; impede a educação dosfilhos; barbarisa a mulher; familiarisa o homemcom a tyrannia do senhor que elle exerce desdemenino; divorcia-o do trabalho que parece-lhelogo uma occupação servil; mistura a religião comas superstições mais grosseiras; reduz a moral áuma convenção de casta; introduz no caracter ele­mentos inferiores, contrarios a tudo o que faz ohomem corajoso, verdadeiro e nobre; imprime nosque não reagem contra ella todos os caracteris­ticos que distinguem o povo educado entre aescravidão do povo educado entre a liberdad~. Aescravidão real, além de tudo isso, cobre o solocultivado de um tecido de feodos, onde o senhoré o tyranno de uma pequena nação de homensque não ousam encaraI-o; limitados ao cumprimentode certas obrigações invariaveis, sem liberdadepara dar ás suas faculdades nenhuma outra appli­cação; sujeitos á um regimen arbitrario de torturas

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oppressivas; sem direito algum de homem, nemmesmo o de fundar uma familia, nem mesmopara as mães o de amamentarem os seos filhos,verdadeiros animaes agricolas ou domesticos, ali­mentados no vicio e criados na degradação.

A nação que, no nosso seculo, tolerasse indif­ferente esse regimen tão immotal como barbaro,seria uma nação condemnada. ós Brazileiros nãoqueremos fechar por mais tempo os olhos á essamonstruosa mutilação do homem, á essa suppres­são systematica da natureza humana em um milhãoe meio dos nossos compatriotas de outra raça.O Brasil pode viver sem ser pela exploração semmisericordia e sem equidade do homem pelohomem. Elle não é um povo que esteja usurpandoo logar que outra raça occuparia com maior pro­veito para o Continente Americano. A escravidãotem sido para elle tão sómente uma causa deatrazo; elIa é uma arvore cujas raizes esterilisamsempre o solo physico e moral onde se estendem.

Nada offende tanto o patriotismo dos mante­nedores da escravidão do que o appelIar-se paraa opinião do mundo. Ninguem o pode fazer semser accusado de ligações com a Inglaterra. Aindanão lhe perdoaram ter acabado com o trafico!Digam porém o que quizerem, o Brazíl não querser uma nação moralmente só; o leproso lançadofóra do acampamento do Mundo·

A estima e o respeito das nações estrangei­ras são para nós tão apreciaveis como para osoutros povos. Na pontualidade com que saldamosos nossos compromissos externos ha alguma coisamais do que a habilidade que paga hoje parapedir mais amanhã: ha o respeito de nós mesmos.E' que a nossa honra commercial é igual á dasoutras nações. Este respeíto não se limita ao paga­mento das nossas dividas de dinheiro. Quando anossa dignidade nacional foi offendida, chegamos

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até ao extremo do sacrificio ,para desaggraval-a.E' que a nossa honra militar é igual á das outrasnações. Quando um Bra'Zileiro leva o nosso nomeá Europa; quando a protecção concediçla aos sa­bios Europeos mostra a" nos-sa cultura intellectual;quando nas nossas relações exteriores apparece­mos como um paiz adiantado, generoso e liberal,o., nosso amor proprio se satisfaz e se estimula.~. I Pois bem, pode U1pa nação assim, intelligente,

sensLvel ~eG dieia. de incenti:vos proprios, assistirindifferente ao atrazo revoltante em que a escra­vidão a mantem ém relação ao mundo inteiro?Si amanhã a Europa e a America se reunissempara declarar a escravidão uma pirataria sujeita,como a pi'rataria dos mares, ao direito das gentes,seriamos o unico paiz que havia de negar a suaassignatura á esse protocolo. O Brazil, nação Ame­ricana e moderna, feito o ultimo defensor do direitobarbaro de captivar, deshonrar e mutilar os ven­cidos ! Nunca!

A idéa de que podemos viver em communi­cação com o mundo, ficando todavia indifferentesao bloqueio moral feito em torno de nós, não émais compativel com o amor proprio nacional. Omundo não tem culpa rde ter caminhado tanto epor ~al modo que nós não inspiremos compaixão,comparando-nos ao que os Estados-Unidos eramha vinte annos. Não temos dir.eito algum de recla­mar por ter a cLvilisação andado 'tão de pressaque eIla unanimemente qualifica hoje de crimeo que era, não ha muito, a eonstituiçãO gera! dosEstados coloniaes. A moral social não ha deesperar por nós para tornar-se o direito publicode todos os povos. Isolar-se é condemnar-se.Encerrarmo-nos no respeito que nos inspiramosuns aos outros deritr0 do nosso territorio,; semdarmos fé sequer da consciencia humana· quees<;:arnece do nosso convencionalismo, não é o

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seFltimento do paiz. O seo orgulho fal-o aspirar ásolidariedade, á collaboraç:l.O na obra do mundomoderno. Elle quer comparecer perante a historia;ter °direito de levantar a cabeça 'neste continente;não ser em relação á dignidade humana nem umsceptico nem um cynico. Elle é sensível ao ultragede 'ser um paiz de escravos, e quer, e ha de pôrtermo á essa tristeza nacional por um acto desacrificio, de reparação e de justiça, e não deixandoa escravidão na posse indisputada do seo ultimomilhão de victimas.

Ao passo porém que a abolição lucta compreconceitos de ordem inferior, ella encontra umserio obstaculo na união dos bons elementos tra­dicionaes do paiz com os inimigos systematicosdo seo progresso.

Com effeito a escravidão entre os seus incon­venientes sociaes tem o de criar uma falsa soli­dariedade entre todos os senhores de escravos,bons e máos,' humanos e crueis. Homens que sãoos amigos dos seos escravos, os protectores dosfilhos livres das suas escravas, fazem causacommum com outros que são os verdugos dosseos semelhantes, e com os mais infames trafi­cantes. de carne hum,ana que a America tem visto.A escravidão crêa um monstruoso espirito declasse entre os proprietarios. O fazendeiro' queadministra as suas plantações de um modo intel­ligente e humano, que attende ás nec~,ssidades

momes da escravatura, que é o soberano' bemfazejode uma pequena população~resignadaá sua tristesorte; cuja mulher € (mjas filhas tratam aos es-'cravos como a pobres, necessitad,os e infelizes;esse associa-se voluntariamente com outros, que,considerando o escravo um mero instrumento detrabalho,. um numero de serviço, e abstraindo deser elle um, h<ilmem, o compram á preço elevado,sujeitam-mOI a um, tFabalho que quanto antes os

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livre do risco de perder o capital empregado,. eentregam-no ao captiveiro illimitado e á disciplinadeshumana que o extenuam. E ainda mais, res~

peitaveis senhores territoriaes consentem, contra aEmancipação, em alliar-se ~os traficantes das cidadese do interior sobre cuja fronte tem cahido o san­gue de muitas victimas sem· que uma gotta sequer lhes tocasse a consciencia.

Contra uma tão formidavel colligação seriainutil luctar, si toda ella não representasse tãosómente uma ordem de coisas ferida no coração,e um regimen condemnado aos seus proprios olhos.Desmoralisada como está a escravidão, não tardamuito que o paiz rejeite essa odiosa muleta.

Até lá, porém, é preciso que luctemos comfirmeza. Foi para isso que fundou-se a SociedadeBrazileira Contra a Esc1"avidão.

Nenhuns socios serão melhor acolhidos pornós do que os proprietarios agricolas, que nobree corajosamente quizerem encarar a Emancipaçãocomo uma solução proxima e inevitavel, e que, emvez de opporem-se á ella, se prestarem a auxilial-ae dirigil-a. O futuro dos escravos depende emgrande parte dos seos senhores; a nossa propa­ganda não póde por consequencia tender a crearentre senhores e escravos senão· sentimentos debenevolencia e de solidariedade. Os que por mo­tivo della sujeitarem os seus escravos á tratospeiores, são homens que têm em si mesmos a pos­sibilidade de serem barbaros e não têm a de seremjustos. Não são os escravos que hão de rec')rrerao crime, quando legal e pacificamente se buscamos meios de extinguir o seo captiveiro. Os senti­entos do escravo pelo senhor são superiores, comodedicação, desinteresse, lealdade,' resignação aosdo senhor pela sua propriedade. A escravidão nãoconseguio até hoje crear·o odio de raça, e, quandoo senhor é justo, o escravo compensa-lhe com

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excesso o que delle recebe como attenuação decaptiveiro. Não é possivel que uma obra pacificade e'sc1arecimento da opinião, de acceleração davontade nacional, com a qual a humanidade todasympathisa, sej,,!- impedida por aquelles mesmosque ella vae beneficiar. .

O que nós temos em vista porém, não é só alibertação do escravo, é a libertação do paiz; é aevolução do trabalho livre que se ha de fazer soba responsabilidade da geração actual.· Não quere­mos desconhecer nenhuma das nossas obrigações,repudiar nenhum dos nossos deveres.

A' grande maioria do paiz pertence impôr ápequena minoria dos interessados na escravidão oseo ultúnatum, á um tempo equitativo e inflexivel.Um governo forte e nacional poderia sem receioabandonar a posição, commoda mas ingloria, daindifferença, e chamar a si a direcção do movi­mento; o paiz inteiro o acompanharia com enthu­siasmo. O gabinete Saraiva infelizmente não aspiraá tanto: elle quer ser um episodio commum danossa historia politica, e não um acontecimento nanossa historia social.

E' por isso que pertence aos elementos extra­officiaes dos nossos partidos o papel que est~o

assumindo. Esta Sociedade, por exemplo, abrangeá todos; está aberta não só aos homens de Es­tado que possam comprehender o plano e os de­talhes de uma obra gigantesca de renovação social,.como tambem aos homens obscuros do povo quesó possam odiar a escravidão com o instincto dehomens livres.

Ao Imperador nós dizemos que ha um milhão emeio dos seos subditos que estão fóra da lei, quetêm uma sorte para a qual não se acharia pa­rallelo no mundo civilisado, porque os proletariosestrangeiros pelo menos podem emigrar, e, si não,defendem a sua vida, os seos direitos, a honra

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das suas familias como qualquer outro homem.Dizemos ainda que o seu longo reinado está pe­dindo uma gloriosa coroação,' e que esta não pódeser senão a Emancipação dos escravos. Lembre-seo Imperador de que a" dous respeitos, sem osquerer comparar, somos uma excepção neste con­tinente: temos a escravidão como organisaçãosoçia1 e a monarchia como 'organisação politica,e de que o meio de tornar a monarchia umpoder popular na. America é dar-lhe a missãoque j;;t lhe coube na Europa: de destruidora dosprivilegios feodaes e de libertadora dos servosda gleba.

Aos nossos partidos constitucionaes dizemosque elles n'ão podem ser os caudatarios, ou re­signados ou enthusiastas, de uma instituição de-'cFepita, banida do mundo inteiro; que o partidoconservador deve ver no movimento Abolicionistao resultado da sua obra, a repercussão da suainiciativa, e que o partido liberal mente á suapropria razão de ser, ao nome que assumio, áposiçãO que occupa, pondo-se ao serviço da es­cravidão.

Ao partido republicano dizemos que a causada republica é prematura ao lado da causa daEmancipação; que o scepticismo que levou muitos,dos mais puros e como se provou dos mais ver­dadeiros liberaes, a abandonarem a organisaçãoesterilisadora do seu partido, não seria justificadoem relação á um movimento tão convencido, tãofecundo, e tão sincero como o da Abolição; q'le étempo de todos, os que aspiram á fundação de umpaiz livre, unirem-se em torno de uma bandeiracommum, que é a da libertação do solo.

A' mocidade dizemos: filhos de senhores deescravos, habituai-vos a não contar com a riquezaque tem o homem por objecto; desprezai as pos­siIDiEdades de uma propriedade que v'Os obrigaria a1

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comprar e a vender entes humanos; repudiai a so­lidariedade com um passado que se está arrastandoalém da sua duração natural; não queiraes asso­ciar-vos ás barricadas que os escravistas levantamno caminho da Emancipação. O homem não é livrenem quando é escravo, nem quando _é senh.or:vós deveis ser homens livres. Contemporaneo~'- f4­turos do trabalho livre, alistai-vos entre os ini­migos irreconciliaveis do trabalho escravo: tereisassim augmentado a utilidade da vossa, vida, ~or­

nando maior o espaço em que como Brazileirosnão sentireis a humilhação de verdes imposta ávossa patria a servidão humilhante que a opprime.

Aos senhores de escravos por fim nós dize­mos, a lei pode proceder comvosco de dois modos:protegendo-vos ou responsabilisando-vos. Podeisescolher. A escravidão, da qual sois os ultimosrepresentantes no mundo civilisado, pode ser ex­tineta de um dia para outro sem que o Estado vosdeva compensação alguma. Elle pode porém nãoquerer emancipar uma raça inteira sem olhar paraos vossos interesses individuaes. Depende de vósobter essa compensação á titulo de equidade, econseguir que o Estado VDS trate como amigose homens de boa fé. Si oppuzerdes porém, comoum partido de guerra e de combate, o vosso n01'/.

possun'tus á cada reforma; si impedirdes que nopresente se tomem medidas que no futuro facili­tariam a liquidação dos vossos titulos legaes semprejuizo dos vossos intere~ses; si constituirdesuma barreira insuperavel diante de cada idéaEmancipadora, e recuardes espavoridos diante decada medida; então a culpa .será sómente vossa,quando a lei, depois de tantas tentativas frus­tradas, tiver de proceder comvosco, como Lincolnpara com .os proprietarios do Sul da União queelle quiz salvar até a ultima, como um poder bel­ligeran te e rivaL

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Lembrem-se de que é falso que a immensaescravatura do pai2J seja toda possuida legalmente;a matricula, mesmo, feita com visivel má fé, denun­ciaria por si só a viola<;:ào da lei de 7 de Outubrode 1831. Depois da prohibição do trafico, a escra­vatura do raiz foi ainda renovada por meio delle.Innumeros Africanos estão empregados na lavoura,que foram criminosamente importados, e os filhosc;l.esses escravisados constituem a nova geraçãodos es.cravos. Nem mesmo a desculpa de que aescravidão é uma propriedade legal existe emfavor della: ella é pelo contrario illegal e crimi­nosa em uma escala tão grande que a simplesrevisão dos titulos da propriedade escrava bas­taria para extinguil-a.

O partido numeroso dos que não queremcaminhar comprehende diversos matizes. enhumdelles porém é ao mesmo tempo tão cynico e tãohypocrita como o dos que ousam chamar-se el1za1Z­cipadores ao passo que nada querem fazer, e querejeitam todas as medidas quer directas quer indi­rectas. Para estes o paiz ainda não está preparadopara a emancipação e o escravo não deve ser ati­rado na sociedade, como uma fera que é, semestar domesticado. Emquanto dizem isto, porém,nenhumas medidas os aterram tanto como as quetem por fim dar uma esperança ainda que fugitivaao escravo, incutir nelle a aspiração de ser legal­mente livre um dia e preparaI-o para a liberdade.

Os perigos de uma agitação são grandes, masprovêm sobretudo da resistencia intransigente oppo­sta ás reformas necessarias pela minoria dos interes­sados, a qual infelizmente suffoca a maioria, comorepresentante legitima que é do espirito da insti­tuição. Inspirem-se porém os proprietarios agrícolasna idéa Emancipadora, e cada Brazileiro aceitaráa sua quota parte de sacrificio na cessação forçadada humilhante instituição que deve acabar nelles.

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Contem só comslgo, e ponham do seo ladopela coragem da sua iniciativa e da suá decisãoem vez dos falsos amigos que os estimulam áresistencia, mas que serão os primeiros a aban­donaI-os, a satisfação da sua propria consciencía,o amor dos seus escravos, e a gratidão do paizinteiro.

Não se enganem os nossos 1l11mlgo's: .nósrepresentamos o direito moderno. A cada victorianossa, o mundo estremecerá de alegria; á cadavictoria delles, o paiz soffrerá uma nova humilha­ção. O Brazil seria o ultimo dos paizes do mundo,si, tendo a escravidão, não tivesse tambem umpartido Abolicionista: seria a prova de que a con­sciencia moral ainda não havia despontado nelle.O que fazemos hoje é no interesse do s~o pro­gresso, do seo credito, da sua unidade moral enacional.

Levantando um grito de guerra contra a escra­vidão; appeIlando para o trabalho livre; condem­nando a fabrica levantada a tanto custo sobre asuppressão da dignidade, do estimulo, da liberdadenas classes operarias; proclamando que nenhumhomem pode ser propriedade de outro, e que ne­nhuma nação pode elevar-se impunemente sobreas lagrimas e os soffrimentos da raça que a sus­tentou com o melhor do seo' sangue e das suasforças; nós mostramos que somos sómente dignosde pertencer ao paiz livre que quizeramos verfundado.

Ha muitos annos que foi collocada a primeirapedra do grande edificio, mas nós chegamos aindaá tempo de lançar os nossos obscuros nomes nosal,icerces de uma nova patria.

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ERRA.TA._

Á pagina 7 lêa- e, depois da ph.ra e: « Não: esse voto ]lá de ser modi­

.fi~ado na proxima essão ", a seguinte, que foi supprimida: « a palavranão há de mais ser negada a nenhum partidal'io da idéa abolieioni ta;as portas do Parlamento ... II

.Á pagina 15, em vez de se1"1lidão humilhante: C1'vidíio revoltante.

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