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COLETIVO MOOCA MOVIMENTO LGBT CLASSISTA CNPJ: 13.702.446/0001-00 REGISTRO JURIDICO: 9884 LIVRO: A www.coletivomooca.com MANIFESTO LGBT PARA AS CONFERÊNCIAS DE SAÚDE Para a implementação das políticas públicas LGBT e em defesa do SUS, chamamos a população para a luta! O direito à saúde no Brasil é fruto da luta do Movimento da Reforma Sanitária e está garantido na Constituição de 1988. No texto constitucional, a saúde é entendida de maneira ampliada e não apenas como assistência médica-sanitária. Nessa concepção, saúde é decorrente do acesso das pessoas e coletividades aos bens e serviços públicos oferecidos pelas políticas sociais universais. A Saúde, a Previdência e a Assistência Social integram o Sistema de Seguridade Social e esta conquista representa o compromisso e a responsabilidade do Estado com o bem estar da população. Nesse sentido, reivindicar as pautas LGBT e sua transversalidade com a saúde é reconhecer os efeitos da discriminação e da exclusão na determinação social do processo saúde-doença na população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Políticas públicas que abordem essas demandas estão, portanto, voltados para mudanças na determinação social da saúde, com vistas a redução das desigualdades relacionadas a saúde destes grupos sociais. CENÁRIO POLÍTICO ATUAL E A XV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (CNS) Caracterizamos que hoje existe um recrudescimento da crise econômica internacional, com reflexos em setores estratégicos no Brasil, somado à implementação de um pacote de “ajustes” fiscais pelo governo federal visando a manutenção de um superávit balanceado para a manutenção da atual alíquota destinada ao pagamento da dívida pública (no último ano consumiu 47% do Orçamento da União). Destarte, a manutenção de políticas que fortalecem a contratação de organizações privadas para oferta de serviços públicos, seja via direta como OS seja via indireta com a oferta de bolsas e outros subsídios para entidades privadas, somada a aprovação de políticas como a entrada irrestrita de capital estrangeiro no sistema de saúde nacional e a PL 4.330/14 que amplia o espectro da terceirização agravam o atual cenário nacional. Assim, avaliamos que a XV CNS não será importante não apenas por ser um momento democrático, mas também um marco histórico importante para os movimentos sociais estabelecerem uma frente de unidade de ação para impedir retrocessos na consolidação do SUS. DESAFIOS ATUAIS: IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL LGBT E CONSOLIDAÇÃO DA PORTARIA GM/MS 2.083/13 A Política Nacional de Saúde Integral LGBT, publicado em 2010, reitera o compromisso do SUS com a universalidade, a integralidade e com a efetiva participação da comunidade. Por isso, ela contempla ações voltadas para a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, além do incentivo à produção de conhecimentos e o fortalecimento da representação do segmento nas instâncias de participação popular e controle social. A Política LGBT articula um conjunto de ações e programas, que constituem medidas concretas a serem implementadas, em todas as esferas de gestão do SUS, particularmente nas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Este processo de efetivação deve ser acompanhado, cotidianamente, pelos respectivos Conselhos de Saúde e apoiado, de forma permanente, pela sociedade civil. Já a Portaria GM/MS n. 2.803/13 trata do Processo Transexualizador do SUS e integralidade da atenção às travestis e transexuais, não restringindo ou centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas. Ambas as políticas públicas, fruto da luta histórica do movimento LGBT no país, junto com especialistas que se debruçam sobre o tema, não são implementadas com efetividade hoje no sistema de saúde, seja no SUS ou mesmo na Rede Complementar. Ainda não há um financiamento próprio para a efetivação das diferentes ações do Plano Nacional e da Portaria GM/MS 2.803/13. As Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde não legitimam as ações propostas pelo plano em seu planejamento cotidiano. E as ações governamentais continuam centradas ainda em políticas de prevenção para DST/AIDS e Hepatites Virais, contribuindo para uma estigmatização da comunidade LGBT por não promover com devido compromisso outras intervenções previstas para a saúde integral LGBT e saúde integral trans. A formação de profissionais da saúde continua sendo um reduto de cis-heteronormatividade: não há a inserção do debate da diversidade sexual e de gênero em uma perspectiva de qualificação e sensibilização dos trabalhadores para as demandas da comunidade LGBT. Os currículos ainda tratam da sexualidade supervalorizando seu aspecto reprodutivo, ignorando a diversidade de sua apropriação; identidade de gênero e transgeneridades também não compõem o cotidiano da formação em saúde. Os próprios conselhos de classe ainda encontram dificuldades para normatizar a conduta de seus profissionais para o atendimento a essas demandas. A Resolução CFM 1.955/10, que regulamenta a conduta médica para atendimento à cirurgia de transgenitalismo, ao assumir a necessidade de diagnóstico de um “Transtorno de Identidade de Gênero”, preserva o conflito que subvaloriza o empoderamento do sujeito em seu processo de constituição de identidade de gênero. Outro elemento conflitante entre esses atores sociais é a associação das transexualidades – que se constituem dentre outras possibilidades de identidade de gênero – a uma compreensão patológica, ferindo o direito de autodeterminação sobre o próprio corpo. Para além disso, o condicionamento da aplicabilidade dos procedimentos médicos de alteração dos caracteres sexuais ao “diagnóstico de transexualismo” - tanto em relação às cirurgias de modificação corporal do sexo quanto à hormonioterapia - não contemplam as travestis que, portanto, permanecem excluídas da atenção à

Manifesto Saude LGBT do Coletivo MOOCA

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Page 1: Manifesto Saude LGBT do Coletivo MOOCA

COLETIVO MOOCA – MOVIMENTO LGBT CLASSISTA CNPJ: 13.702.446/0001-00 REGISTRO JURIDICO: 9884 LIVRO: A

www.coletivomooca.com

MANIFESTO LGBT PARA AS CONFERÊNCIAS DE SAÚDE

Para a implementação das políticas públicas LGBT e em defesa do SUS, chamamos a população para a luta!

O direito à saúde no Brasil é fruto da luta do Movimento da Reforma Sanitária e está garantido na Constituição de 1988. No texto constitucional, a

saúde é entendida de maneira ampliada e não apenas como assistência médica-sanitária. Nessa concepção, saúde é decorrente do acesso das pessoas e

coletividades aos bens e serviços públicos oferecidos pelas políticas sociais universais. A Saúde, a

Previdência e a Assistência Social integram o Sistema de Seguridade Social e esta conquista representa o

compromisso e a responsabilidade do Estado com o bem estar da população.

Nesse sentido, reivindicar as pautas LGBT e sua transversalidade com a saúde é reconhecer os

efeitos da discriminação e da exclusão na determinação social do processo saúde-doença na população de

lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Políticas públicas que abordem essas demandas estão,

portanto, voltados para mudanças na determinação social da saúde, com vistas a redução das

desigualdades relacionadas a saúde destes grupos sociais.

CENÁRIO POLÍTICO ATUAL E A XV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (CNS)

Caracterizamos que hoje existe um recrudescimento da crise econômica internacional, com

reflexos em setores estratégicos no Brasil, somado à implementação de um pacote de “ajustes” fiscais pelo

governo federal visando a manutenção de um superávit balanceado para a manutenção da atual alíquota

destinada ao pagamento da dívida pública (no último ano consumiu 47% do Orçamento da União).

Destarte, a manutenção de políticas que fortalecem a contratação de organizações privadas para oferta de

serviços públicos, seja via direta como OS seja via indireta com a oferta de bolsas e outros subsídios para

entidades privadas, somada a aprovação de políticas como a entrada irrestrita de capital estrangeiro no sistema de saúde nacional e a PL 4.330/14 que amplia

o espectro da terceirização agravam o atual cenário nacional.

Assim, avaliamos que a XV CNS não será importante não apenas por ser um momento democrático, mas também um marco histórico importante

para os movimentos sociais estabelecerem uma frente de unidade de ação para impedir retrocessos na consolidação do SUS.

DESAFIOS ATUAIS: IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL LGBT E CONSOLIDAÇÃO DA PORTARIA GM/MS 2.083/13

A Política Nacional de Saúde Integral LGBT, publicado em 2010, reitera o compromisso do SUS com a universalidade, a integralidade e com a

efetiva participação da comunidade. Por isso, ela contempla ações voltadas para a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, além do

incentivo à produção de conhecimentos e o fortalecimento da representação do segmento nas instâncias de participação popular e controle social. A Política

LGBT articula um conjunto de ações e programas, que constituem medidas concretas a serem implementadas, em todas as esferas de gestão do SUS,

particularmente nas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Este

processo de efetivação deve ser acompanhado, cotidianamente, pelos

respectivos Conselhos de Saúde e apoiado, de forma permanente, pela

sociedade civil. Já a Portaria GM/MS n. 2.803/13 trata do Processo

Transexualizador do SUS e integralidade da atenção às travestis e transexuais,

não restringindo ou centralizando a meta terapêutica às cirurgias de

transgenitalização e demais intervenções somáticas.

Ambas as políticas públicas, fruto da luta histórica do movimento

LGBT no país, junto com especialistas que se debruçam sobre o tema, não são

implementadas com efetividade hoje no sistema de saúde, seja no SUS ou

mesmo na Rede Complementar. Ainda não há um financiamento próprio para

a efetivação das diferentes ações do Plano Nacional e da Portaria GM/MS

2.803/13. As Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde não legitimam as

ações propostas pelo plano em seu planejamento cotidiano. E as ações

governamentais continuam centradas ainda em políticas de prevenção para

DST/AIDS e Hepatites Virais, contribuindo para uma estigmatização da

comunidade LGBT por não promover com devido compromisso outras

intervenções previstas para a saúde integral LGBT e saúde integral trans.

A formação de profissionais da saúde continua sendo um reduto de cis-heteronormatividade: não há a inserção do debate da diversidade sexual e

de gênero em uma perspectiva de qualificação e sensibilização dos trabalhadores para as demandas da comunidade LGBT. Os currículos ainda tratam da

sexualidade supervalorizando seu aspecto reprodutivo, ignorando a diversidade de sua apropriação; identidade de gênero e transgeneridades também não

compõem o cotidiano da formação em saúde.

Os próprios conselhos de classe ainda encontram dificuldades para normatizar a conduta de seus profissionais para o atendimento a essas

demandas. A Resolução CFM 1.955/10, que regulamenta a conduta médica para atendimento à cirurgia de transgenitalismo, ao assumir a necessidade de

diagnóstico de um “Transtorno de Identidade de Gênero”, preserva o conflito que subvaloriza o empoderamento do sujeito em seu processo de constituição

de identidade de gênero. Outro elemento conflitante entre esses atores sociais é a associação das transexualidades – que se constituem dentre outras

possibilidades de identidade de gênero – a uma compreensão patológica, ferindo o direito de autodeterminação sobre o próprio corpo. Para além disso, o

condicionamento da aplicabilidade dos procedimentos médicos de alteração dos caracteres sexuais ao “diagnóstico de transexualismo” - tanto em relação

às cirurgias de modificação corporal do sexo quanto à hormonioterapia - não contemplam as travestis que, portanto, permanecem excluídas da atenção à

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saúde e relegadas à auto-medicação ou à ação das “bombadeiras” – travestis que injetam silicone industrial para a modelagem dos corpos de outras

travestis, e que hoje constitui um grave problema de saúde pública.

As unidades de saúde, de forma hegemônica, ainda não conseguem atender de forma sistemática as demandas LGBT em seu acolhimento e

atendimento. O nome social para travestis e transexuais, por exemplo, normatizado pela Portaria 2.803/13, muitas vezes não é respeitado. O trabalho

preventivo das equipes de ESF muitas vezes ainda se pauta apenas em DSTs, ignorando outros elementos envolvidos na saúde integral desses sujeitos.

O Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas – Promoção da Equidade e da Integralidade publicado pela Rede Feminista de Saúde em 2006, apresenta

dados que evidenciam as desigualdades de acesso aos serviços de saúde pelas lésbicas e mulheres bissexuais. Com relação às mulheres que procuram

atendimento de saúde, cerca de 40% não revelam sua orientação sexual. Entre as mulheres que revelaram, 28% constataram maior rapidez do atendimento

do médico e 17% afirmam que estes deixaram de solicitar exames considerados por elas como necessários.

A restrita experiência dos serviços de saúde que lidam com a transexualidade feminina constitui evidência sobre o intenso sofrimento dessas

pessoas ao não se reconhecerem no corpo antes da transição. Esta situação leva a diversos sofrimentos psíquicos, acompanhados de tendências à

automutilação e ao suicídio. A implementação da Portaria GM/MS 2.803/13, que regulamenta os procedimentos para a readequação cirúrgica genital e

demais procedimentos visando uma qualificada transição de gênero, se insere em uma perspectiva de saúde integral trans, e tem como desafio subsequente

a garantia do acesso a todas as pessoas que necessitam desta forma de cuidado. Atualmente, no Brasil, só existem quatro ambulatórios trans capacitados

para esse atendimento no SUS. E em São Paulo, por exemplo, a espera na fila do SUS para a cirurgia de transgenitalização pode chegar a 180 anos.

Outro grave problema para a saúde de travestis e transexuais é a auto-medicação de hormônios, femininos e masculinos. Há reconhecida relação

entre o uso inadequado de hormônios e a ocorrência de acidente vascular cerebral, flebites, infarto do miocárdio entre outros agravos, resultando em mortes

ou sequelas importantes. O próprio silicone industrial gera diversas lesões e acometimentos sensoriais e de mobilidade, afetando a qualidade de vida de

travestis que acabam por recorrer a esse método. Da mesma forma, os homens trans podem demandar acesso aos procedimentos de mastectomia e de

histerectomia, e mulheres trans e travestis à próteses de silicone.

MAIS QUE UMA APRESENTAÇÃO DO CENÁRIO LGBT ATUAL, UM CONVITE PARA A LUTA!

Nesse manifesto, problematizamos alguns elementos que constituem a realidade concreta caracterizada: diversos desafios para a implementação

sistemática de serviços que contemplem a saúde integral LGBT e

Trans, assim como sua devida participação no controle social e

consolidação do SUS no país.

O Coletivo MOOCA avalia que estamos no limite das

conquistas ganhas pelas ações de Advocacy. As políticas públicas

estão publicadas, agora propomos focar nossa mobilização na

luta pela sua efetivação em consonância com a consolidação do

SUS. Não apenas as conferências de saúde devem protagonizar

esse debate e denúncias da iniquidade que se encontram a

comunidade LGBT, especialmente travestis e transexuais, como

a própria comunidade LGBT deve se organizar e ir para as

conferências, se articulando com outros setores dos

movimentos sociais em uma frente de ação unitária.

A reivindicação da saúde integral LGBT e Trans é a defesa dos princípios do SUS, frutos de muita luta do movimento sanitarista. Apresentamos

como eixo a denúncia da entrada do capital estrangeiro no sistema de saúde nacional, intensificando um processo de mercantilização da saúde: atualmente,

não é um nicho de mercado as demandas LGBT em saúde, o que poderia por agravar a situação de iniquidade dessa população.

Como ações, propomos o fomento de mais mecanismos para que movimentos LGBT continuem sendo representados nos Conselhos de Saúde,

assim como a cobrança do Ministério da Saúde e das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde um orçamento que contemple a operacionalização da

Política Nacional de Saúde Integral LGBT e da Portaria GM/MS n. 2.803/13. Indo para além de políticas de prevenção de DST/AIDS e Hepatites Virais. Também

é necessária uma interlocução com a educação: tanto a educação básica quanto a formação profissional, em seus diferentes níveis, devem problematizar a

saúde no eixo da diversidade sexual e de gênero, desconstruindo paradigmas cis-heteronormativos e possibilitando momentos de sensibilização e empatia

pelas demandas LGBT. Pois se é um desafio é a conquista de políticas públicas para a normatização dos serviços, outro desafio é a implementação dessas

políticas, e para tanto os profissionais devem ser qualificados para exercerem uma práxis pautada na equidade.

Compreendendo a saúde em seu conceito amplo e reivindicando a sua determinação social, o Coletivo MOOCA também chama a atenção para a

importância de manter as bandeiras da criminalização da LGBTfobia e da PL João Nery, que regulamentaria os parâmetros jurídicos para a transição de

gênero para travestis e transexuais. São graves os dados atuais, onde a cada 28 horas uma pessoa LGBT é assassinada por LGBTfobia; o Brasil é o país que

mais mata travestis e transexuais e a expectativa de vida da comunidade trans é de 35 anos.

Por fim, convidamos as pessoas LGBT e simpatizantes a se envolverem nesse processo de luta, mobilizando suas entidades e organizações a

também refletirem essa pauta, e se somarem conosco os próximos eventos de mobilização popular para pressionar o Estado a garantir a plena cidadania

LGBT.

NÃO à entrada de capital estrangeiro no sistema de saúde do Brasil!

Efetivação e financiamentos adequados para o Política Nacional de Saúde Integral LGBT e da

Portaria GM/MS n. 2.803/13!

Criminalização da LGBTfobia e aprovação e regulamentação da PL Joao Nery!

Mais mecanismos de participação do movimento LGBT nos Conselhos de Saúde!

Por uma formação em saúde que problematize de forma transversal diversidade sexual e de

gênero!

Por um Sistema de Saúde de fato público: NÃO aos ajustes fiscais e aumento dos investimentos

no SUS!