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A Manifesto/01 nasceu da incontrolável vontade de experimentação. Somos artistas independentes bus-cando criar e expor nossos gritos por um meio colabo-rativo e livre. Não somos um veículo de comunicação, mas uma das partes de uma unidade de criação chamada A Caixa. Somos todos vocês, que também são todos nós. Bem vindos ao Manifesto/01, o primeiro capítulo de um manifesto sem fim.

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“Tenho um rosto destruído”. Jamais pude esquecer essa frase que Marguerite Duras usa após descrever a passagem do tempo em seu rosto, e se, agora, meu título é sobre o tempo também, é devi-do ao retiro de O Amante, juntamente com todas as ânsias que estavam alojadas dentro de mim após eu emergir desse livro. Essas palavras abraçaram a minha mente como o cheiro do doce de laranja que sai da janela da cozinha aos domingos, e que possui a todos os cômodos da casa. Essas laranjas, que meu pai recolhe em um pé daqui de casa, assim como a minha pele, demonstram que a vida nos rasga ao meio para nos recompor de outra forma; como as palavras do livro de Duras, a vida é uma só. Ao já estar devastada, me submeto como Marguerite o fez, a uma pequena crueldade: a de tentar avaliar o meu rosto. Sou comum. Sou irri-tantemente comum e tenho um rosto redondo, que parece um invólucro perfeito para a minha voz sem graça que murcha antes mesmo de se termi-nar de contar aquilo que precisa ser dito – uma voz desprovida de charme por ser irritantemente alta. E voltando ao meu rosto mais uma vez, pois é sem-pre bom lembrar do foco, senão posso me perder entre laranjas: para entender a enorme despropor-ção nele, basta começar pelas minhas sobrancelhas, assim percebe-se o jeito que a do lado esquerdo é mais relaxada do que a do lado direito. Esse nariz, que herdou o osso nasal saliente da família do meu pai, compondo a assimetria compartilhada pelos meus gestos e as minhas sobrancelhas, carrega uma pinta no lado direito. Me dei conta dessa pinta quando ainda no fundamental surgiu uma mancha em meu braço, que o dermatologista disse ser ocasionada por lí-quidos ácidos em contato com os raios solares. “Sua filha come muita laranja?”, foi o que ele perguntou

sorrindo. Em seu consultório há uma reprodução de um quadro do Monet, que, ano passado, quando fui a uma consulta, o tinha em minha lembrança como no primeiro dia, mas com a diferença da pa-lavra “Monet” em mente. Lembro que fizemos pia-das sobre a memória e ele me disse que sua filha, após uma ida ao museu, apontou para esse quadro e disse “Monet” também, da mesma forma que o fiz – um tanto perplexa, um tanto baixinho. Esse dermatologista que me acompanha desde criança, nesse primeiro dia que me viu e longe do dia que falamos “Monet” diversas vezes, mexeu em minha pinta e a avaliou com aquelas lupas que eles colo-cam no rosto. - Será que ela gostaria de tirar? Minha mãe falou que sempre pensava nis-so, pois achava a pinta muito bruta e talvez mais velha, ela viria a me apoiar em uma cirurgia estéti-ca para a retirada da mesma. Ao passo que ele sor-riu, e disse bem baixinho: “O problema é o câncer”. A voz dele foi murchando, como a minha o faz nos momentos em que me distraio e aos poucos me recolho para dentro de mim mesma, esquecendo

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estar diante das horas e de alguém. Tenho muitas pintas pelo corpo, e todas completamente iguais no intento de serem pintas. Elas são salientes como o meu ossinho nasal, ao passo que por muito tempo ouvi chamarem a do nariz de “caroço de feijão” e de “verruga”. Eu já tive verrugas, e elas obrigatoriamente devem ser reti-radas, afinal, elas são causadas por um vírus e são contagiosas. Um caroço de feijão no dente causa asco, é apenas o resquício de algo mastigado; um resto alimentício que não se dá nem aos cachorros. Esses comentários foram surgindo somente quan-do eu tinha uns quinze anos, na crueldade que é a busca por autoafirmação em meio a celulares com jogos em formato bitmap, programas pré-adoles-centes das 17h, sandália plataforma de plástico, mini saia jeans, músicas coreografadas por quin-tetos, aparelho dentário, sorvetes na porta do colé-gio e a constante pergunta: “Você não vai tirar isso não?”. Os anos passaram e ela manteve-se firme, do mesmo formato e tamanho, sobreviveu aos quinze anos e aparentemente pode sobreviver a qualquer coisa. Nunca entendi porque não fiz nada a respei-to, apenas não o fiz. As inércias fazem parte da mi-nha vida, como percebi desde cedo, nas partidas de xadrez no pátio da escola em que eu me colocava por minutos diante da segunda rodada, antes de dar o meu segundo elê com o cavalo. Sempre foi como se fosse tarde demais e não houvesse o que fazer a respeito. Aos dezoito anos, ela se transformou no meu maior charme. A primeira vez que me avi-saram isso – eu sempre precisei de avisos –, eu estava na porta de um banheiro em um show no Circo Voador e um rapaz parou diante de mim para dizer: “nunca tira essa pinta, ela é o seu maior charme”. E naquela fila, ele me observou por mais tempo do que demorou no banheiro. Aos poucos, aquele asco presente nos rostos que olham pra co-mida estragada foi sendo substituído por uma certa curiosidade, que nos momentos que eu menos es-

perava, alguém simplesmente colocava a mão nela e a acariciava com o respeito que se dedica quando se coloca a mão sobre um quadro que carrega as pinceladas de Monet, para logo em seguida, com um sorriso torto e sem graça, dizer que “só queria saber se era normal”. A cabeleireira, ao contrário de muitos, pa-rou por uns bons momentos na minha nuca e disse “que pinta engraçada”. A presença da pinta do nariz sempre desviou a atenção da do queixo, das espa-lhadas pelos seios, as da barriga, a da axila, as das costas e a da nuca. A maior de todas estava nas cos-tas e foi a única que eu tirei. Certa vez, enquanto brincava na piscina, eu me machuquei e fiquei com tanto medo dela estar sangrando enquanto um grande câncer se desenvolvia, que fui ao dermato-logista e a tirei. A palavra “câncer”, assim como o tempo e elas, me acompanhou. Vira e mexe, vou ao dermatologista e ele afirma “ela está normal”, e “que bom” é o que penso. Certa vez percebi que elas são simétricas – talvez, as únicas simetrias em mim – e por isso, completamente normais. Suas cores são escuras e normais. Só não é normal o fato de não nascer pelos nelas, e isso, no fundo, me preocupa tanto quanto o peso da palavra “câncer” – ter pelos faz parte da avaliação de normalidade de pintas. Acho que elas e seus prognósticos de doen-ças sempre foram o motivo do uso de protetor so-lar, do cuidado com meu rosto e do medo de algu-ma coisa machucar a pele: quando protejo o meu rosto, o primeiro lugar que escondo é a minha pin-ta. Me acostumei. É tarde demais para tirá-las ou para pensar nisso; enquanto a minha pele recebe mudanças incomparáveis, minhas olheiras aumen-tam e escurem, e meu nariz parece cada vez maior no centro do meu rosto, ela continua firme. Ali, no nariz. Irredutível como no dia em que nasci.

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Temas são sempre armadilhas inconsisten-tes que revelam todas as falhas daquele que produz alguma coisa. Quando se lança um tema, você se encontra com dois problemas pulsantes em suas mãos: o primeiro é o desafio de não revelá-lo ao longo do seu projeto (desafio este que obviamente me recusei a vencer), e o segundo é a provocação descrente que lhe faz provar se é capaz ou não de discorrer sobre qualquer assunto. É quando nos percebemos cegos a todos os assuntos banais e cor-riqueiros, e atentos demais aos detalhes metafísicos de uma possível existência. Pois nesse texto pouco ensaiado, me foi arbitrariamente sugerido o tema “Nascimento”. A verborragia que esse simples substantivo carrega me coloca em xeque quanto às possíveis formas de começar um texto. O excesso de informação sobre qualquer coisa é sempre um caminho muito lon-go e pouco seguro, visto que as possibilidades de incorrer em erros infantis e repetir preconceitos antigos são bem maiores que a certeza de uma con-clusão.

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Tendo a necessidade de me confrontar com a palavra “nascimento”, me vem à cabeça uma sé-rie de ideias embaraçosas; como fazer uma análise superficial de “O Nascimento de Vênus”, ou listar as enormes dúvidas que tenho em relação ao equívoco cinematográfico de D. W. Griffith em “O Nascimen-to de uma Nação”, ou até mesmo perder o seu e o meu tempo justificando a minha adoração por “Re-bento” de Gilberto Gil. Mas nesse exato momento, o texto se propôs a outra coisa. Algo que me parece mais desafiador que os dois obstáculos citados no início e bem mais arrogante que fingir que posso falar sobre essas três obras de arte. Talvez esse co-meço um tanto quanto prolixo, mas extremamente importante, esteja me sugerindo falar sobre a força primária por trás de um tema e de um texto. Escre-ver sobre o nascimento dos meus textos? Ou de um texto qualquer? Me paralisa só de pensar que essa tentativa audaciosa pode me levar a lugares ainda mais perigosos como: escrever sobre o nascimento de uma obra de arte. Desde já peço paciência para com o meu modo de pensar; e, contrariando todos os tratados daqueles que se consideram artistas fu-turos ou já formados, me desculpo antes mesmo das minhas falhas surgirem. De toda forma, tudo me direciona para um caminho cego e uma realidade estrábica, onde es-crever sobre a natureza da escrita se apresenta mais como uma enorme dúvida do que um texto disser-tativo. Como entender aquilo que faz as pessoas produzirem arte? W. H. Auden disse uma vez que toda arte é encomendada, como se fosse impossível o artista criar alguma coisa só porque ele quer. Au-den justifica isso tudo dizendo que é preciso espe-rar que uma ideia surja e se apresente minimamen-te sólida para que o artista possa produzir alguma coisa. A obra de arte é uma encomenda das ideias e dos ideais. Mesmo que pensemos em Auden como um teórico muito determinista, é interessante pensar que uma obra de arte sólida e autossuficiente nasça a partir de uma ideia dominante e signos fixados

na mente do artista. Talvez essas ideias tomem for-ma de obsessões ou de algum tratamento pessoal, talvez até mesmo a ideia de um processo de estu-do artístico. Não sei exatamente se Auden pensava dessa forma mais ampla, mas me parece uma boa solução para abrigar os movimentos artísticos mais contemporâneos e intencionalmente inconclusi-vos. A partir do século XX, a ideia de perma-nência começou a ser encarada por um ponto de vista mais abrangente. Se no passado a preocupa-ção com a eternidade e continuidade da obra de arte era direcionada para a representação física dela, hoje cuidamos para que a mesma seja eterna em si, em sua presença aérea e na “refixação” da ideia que motivou o artista na mente dos observa-dores (talvez na literatura e na música sempre te-nha sido assim, já que é complicado entender o que é físico ou não nessas duas musas). Italo Calvino, em Porque ler os clássicos, defende que clássico é tudo aquilo que nunca termina de dizer o que tem para dizer. O produto artístico e a obra de arte, por

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mais efêmero que sejam, em suas diversas formas, terão sempre algo para nos dizer ou nos instigar durante os anos; mesmo que eles não estejam mais presentes, mesmo que o discurso tenha tomado outra forma depois de um tempo; eles manterão um lugar ocupado até pouco depois de serem es-quecidos. O teórico Georges Didi-Huberman, em um ensaio sobre um painel de Fra Angelico, disse que a única coisa passageira e momentânea na relação espectador e obra de arte, é o espectador. O painel de Fra Angelico provavelmente vai permanecer ali por muitos anos após sua morte, assim como per-maneceu após a morte de outros. Talvez estejamos falando da natureza física mais uma vez, mas mes-mo que destruíssemos o painel, ele permaneceria em algum lugar por ali e em nós. Tudo pode parecer extremamente român-tico, mas tenho certeza que não. Poucos artistas se preocupam e se preocuparam com o legado eter-no que eles poderiam deixar para o mundo, es-tavam apenas tentando resolver o problema que uma ideia (e um tema) apresentava para eles. Da alquimia e das equações matemáticas que muitos criaram para resolver as questões ideais do tempo, da humanidade e do espírito, muitos conseguiram produzir obras de arte; de duração entre cinco mi-nutos e cinco mil anos mais ou menos. O que as manteve eternas sem qualquer congelamento ou calcificação temporal, mas em processo de eterno nascimento diante daqueles que as contemplam, as estudam, que ouvem falar sobre... As múltiplas cópias de si mesma que uma obra de arte pode pro-duzir é o verdadeiro nascimento que me preocupa e que sou incapaz de resolver e discutir sobre.

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L’Origine du monde, por Courbet @ 1866

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Esses dias, enquanto eu estava no ôni-bus a caminho da faculdade, passei por baixo de uma das pontes da Avenida Nove de Julho. Quem já andou por aqueles lados – ou seja, quase todo paulista que, de alguma forma, tem sua vida atrelada à capital – sabe que as paredes que margeiam essa avenida de São Paulo são cobertas com arte de rua, um traba-lho mais lindo que o outro. E, passando por essa avenida, o trânsi-to das cinco horas da tarde me deixou ver es-crito em um muro uma frase deveras impac-tante: “VAI ter copa. NÃO vai é ter água”. O preto da tinta sobre o bege do muro deixou a frase muito chamativa, não é à toa que, quan-do passei por lá no dia seguinte, a frase tinha sido apagada. Mas eu vi. E, como eu, milhares de pessoas ali também viram, o que me dei-xou pensando e imaginando coisas. Por toda São Paulo nós temos resquí-cios das chamadas “Jornadas de Julho” do ano passado.

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O ser humano já nasce se rebelando. Te-mos a revolução no sangue, independentemente da ideologia política que venhamos a desenvolver. Nosso primeiro ato nesse mundo é um grito de re-volta, e os que não nascem gritando logo passam por uma série de testes e exames até gritar. Não im-porta se seu corpo luta ou não, você grita. Às vezes, nossa revolução esfria conforme crescemos, pois o mesmo sistema que nos obrigou a nos rebelarmos quando nascemos agora nos quer quietos, meros coniventes com um Grande Irmão. E ai de quem reclamar. Mas há aqueles entre nós que tomam gosto pelo grito e pelo que ele faz. O ato de gritar está sempre atrelado a uma espécie de revolta ou rebelião, pois ele liberta – e a liberdade é, por si própria, uma rebelião. (Sobre)vivendo numa sociedade em que há regras e mais regras de tudo e para tudo. E, bem, por toda São Paulo nós temos res-quícios das chamadas “Jornadas de Junho” do ano passado. Aqui e acolá podemos ver pixações, carta-zes, imagens espalhadas pela cidade indicando um povo que decidiu tomar as rédeas da situação. Lembro-me bem de como me senti quando tomaram o Planalto Central, milhares de pessoas gritando, escancarando sua liberdade e sua revol-ta contra um sistema que não beneficia ninguém que precise. Foi, sinceramente, um dos momentos mais emocionantes da minha vida! Naquela noite eu senti que tudo era possível, que nós éramos for-tes e que vencêramos a primeira batalha. Mas aí, a coisa foi esfriando, o grito foi ca-lando, e apesar de algumas poucas pessoas conti-nuarem nessa vibe de protesto, o momento passou. As coisas não mudaram muito, mas ficou aquela rouquidão de quando a gente grita demais, sabe? Aquele incômodo na garganta que faz a gen-te pigarrear toda hora. E é por causa dele que eu sei que nós vamos trazer mudança. A minha geração, que é você, caro leitor, vai fazer meu país nascer de novo. Não víamos uma mobilização popular tão grande desde o fim da ditadura, desde o fim dos anos 90! E eu quero mais! Quero ver a gente pegar esse Irmão pelo pé e colocá-lo de ponta-cabeça. Eu quero continuar gritando. E você, grita comigo?

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Vivemos mudando. A mudança faz parte de todas as transformações da nossa passagem pela terra. Mudamos tantas vezes que nem chegamos a perceber que deixamos coisas pra trás e o quanto é preciso caminhar para a evolução antes do sopro vital, e, assim, faz-se o destino nas transformações diárias. Minha divisão de águas se deu em 2012 logo após meu primeiro trance festival. Naquele momento, minha vida mudou para todo o sempre, ligando pontos em mim que me fizeram, por de-cisão do universo, conhecer lugares tão incríveis neste ano de 2014. Tive como principal objetivo conhecer cada um desses festivais, para que cada um me transformasse de um jeito. Durante o ve-rão percorri todo o continente. Três dos maiores, transformadores e incríveis festivais que eu tive a honra de conhecer foram: Lost Theory, na Croá-cia; Ozora, na Hungria; e Boom, em Portugal. Cada qual tinha sua singularidade, uma dimensão dife-rente da outra. Os festivais em sua totalidade, inclusive os brasileiros, têm como mesma finalidade elevar a alma humana, trazer a nós, simples mortais, a pre-sença mais intensa e mais pura da mãe natureza. São particularidades que a vida caótica não nos permite contemplar: o sagrado tempo, o pôr-do-

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sol, o nascer da lua, a imensidão da beleza de um céu estrelado, a conexão transcorpórea com a mãe Gaia. São esses contatos exclusivos que nos apre-sentam à oportunidade de conhecer e entender as energias que a terra transmite. Nesse universo místico dos festivais, é im-portante ressaltar que os pequenos sentimentos humanos como a vaidade e o ego não são cabíveis no que se refere à troca de energia e saberes. Ne-nhum ser ali presente está vinculado aos vícios que nos fazem menores, menos pacientes, menos amá-veis. O único e exclusivo sentimento é a liberdade de expressão. Os festivais europeus têm uma particulari-dade, uma troca de energia tão boa que nunca ti-nha presenciado em minha vida, um sorriso acon-chegante no rosto, uma troca positiva entre aqueles ali presente. Que oportunidade linda para conhe-cer a essência de pessoas do mundo todo, que tra-zem em suas bagagens de vida um pedaço do seu próprio eu, da sua cultura; são pessoas diferentes que falam línguas diferentes, mas que se entendem no olhar, na busca do mesmo objetivo: transgredir, evoluir, mudar, transformar... E, falando em trans-formação, a arte está presente em todos os festivais e não há maneira de expressar maior evolução do que a utilizando. A arte é um grito, um sopro, é a invasão dos sentimentos, e está presente nas placas sinalizadoras pintadas à mão, na decoração incrível do Main Stage, nos brinquedos para interagir ou nas luzes que podemos controlar, e até mesmo em um arco de led no meio do caminho. E, nessa mis-

tura de cores e formas, conheci pessoas do mundo todo – Califórnia, Bélgica, Espanha, etc. O univer-so entrelaçado. Outro recurso que vale a pena ressaltar é a sustentabilidade, que faz parte de toda a cultura dos festivais. O uso dos materiais recicláveis, wor-kshops sobre diversos assuntos nesta área, cuida-dos com o corpo e mente nas aulas de Yoga, medi-tação, programas dedicados à cura do espírito.Os alimentos naturais fazem parte da dieta dos fes-tivais. Estão presentes, por exemplo, sucos detox, chás e todos os ingredientes incentivadores para cuidarmos melhor da alimentação e corpo – afinal o corpo é a nossa morada, cuidar da morada é ter uma passagem rica e completa pela terra. Além de toda a energia positiva dos festi-vais, somos contemplados pela presença das crian-ças, que enchem de luz o ambiente regado à música eletrônica; elas são obrigadas pelas regras a usarem um protetor especial para não danificar a audi-ção e assim têm liberdade de correr e brincar na dancefloor. O quão bom é ver a inocência dessas crianças, como nos contemplam com seus sorrisos sinceros, seus olhares doces na beleza e na pureza da transformação... Esse sentimento eu não posso descrever. Vivemos em um mundo onde a socieda-de moderna, tecnológica e caótica nos ensina o quanto o consumo é importante; as regras sociais, os modelos de beleza e vida são manipulados pela mídia de massa e nos oferecem, sem direito de ré-plica, uma vida banida dos maiores e mais simples prazeres. Estes eu tive a honra de encontrar pelos ventos do mundo. Festivais não são apenas festas. São momentos de cura, de troca, de evolução. A união que se fez pela música eletrônica nos dá a oportunidade de, na dança, espantar os demônios, reconhecer os sorrisos, reconhecer novos olhares e horizontes e o que seria o amor, não fosse a troca, a busca, a calmaria e a transformação. Que a hu-manidade aprenda a amar, a evoluir e a acreditar no azul do céu que nos liga independentemente de onde estamos, fazendo de todos nós um só.

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Nasceu. Quanta esperança intrinsecamente ligada a uma palavra tão pequena. Ainda me lem-bro da estranha sensação que o anúncio da chega-da do meu irmãozinho causou. Eu tinha doze anos na época e até então nunca tinha racionalizado a minha estrutura famíliar, tinha a Lívia e o Saulo, a mãe e o pai, mas era como se eles tivessem sem-pre existido, eu não conhecia uma vida antes deles. Isso estava prestes a mudar, pois me deixaram bem claro que com a chegada do bebê as coisas seriam diferentes. E foram. Irreversível. Nascimentos são inícios que alteram nossas vidas para sempre e de maneiras nunca antes imaginadas. Talvez seja por isso que algumas pessoas apresentam um forte temor com relação a começos e renovações. Exemplos não fal-tam, de Herodes que queria Jesus morto logo após seu nascimento, julgando assim acabar com a mu-dança que ele representava, à menina Malala, que sofreu covardes atentados contra sua vida por exi-gir o direito à educação. Morreu. Quanto peso uma palavra pode carregar? A irmã marginalizada do nascimento, a morte com seu significado subjetivo e muitas ve-zes peculiar. A morte representa para a maioria das pessoas o fim definitivo, inexorável, pungente, per-da, separação, esquecimento, oblivion...

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Temos medo. O medo é um catalisador de catástrofes, é um projetor de monstros, o combus-tível da morte. Tememos a nossa incapacidade diante de acontecimentos que estão além de nos-sas forças, alheios aos nossos sentimentos e vonta-des. Mas a morte é algo necessário, a natureza é o exemplo mais gráfico. A terra se beneficia de forma imensurável dos nutrientes expelidos no processo de decomposição, este processo fornece um am-biente propício para renovação. E assim é a vida, o antigo dá espaço ao novo e isso se aplica a tudo. Nunca estive tão consciente da minha pró-pria fragilidade. A morte ronda, aliás, ela sempre esteve aqui, faz parte do acordo, é um ticket, mas ainda assim nos surpreendemos. Nos surpreende-mos porque no auge de nossas forças nos julgamos invenciveís, porque gostaríamos de viver eterna-mente naqueles momentos bons. Porém a grande verdade é que nascemos e morremos todos os dias. A cada dia, a cada semana, a cada mês, a cada ano existe essa troca de energia, existem perdas e ga-nhos. Pode soar clichê, mas o que há de errado nis-so? Somos movidos pela dor, pelo incômodo, pela ambição, pelo amor, pela empatia... Não sei você, mas eu nasço um pouquinho cada vez que converso com meu irmão, o João, so-bre dinossauros, ou cada vez que olho nos olhos do Fábio. Assim como morro um pouco a cada dia que passa em que me pergunto se vou voltar pra casa inteira, cada dia que vejo irmãos matando ir-mãos por pensarem de forma diferente, ou quando escrevo algo que nunca estará bom o suficiente. Expectativa. Nascimentos são cheios dela, alguns dizem para manter as expectativas baixas, assim a probabilidade de se decepcionar é menor. Eu digo: “let it be, o que será, será”. Nascer é uma oportunidade. Morrer é ou-tra. O que você desenha entre dois pontos é o que permanece e quero fazer com que cada morte e cada nascimento signifiquem algo.

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Atualmente o mundo vive em um momen-to um tanto quanto estranho. Muitas pessoas “se preocupam” em como vão criar seus filhos, como vão explicar para os pequenos que outros peque-nos (e os grandes também, lógico!) gostam de pe-quenos (e grandes) do mesmo sexo. Mas vejam só: explicar para eles como é possível que haja crianças da mesma idade nas ruas pedindo dinheiro não é necessário, não é mesmo? Mostrar para eles que, ao invés de estarem na escola, se preocupando em passar de ano ou mesmo em “matar aula” para “curtir” com a turma, os meninos estão nos sinais jogando malabares ou pedindo para limpar as suas janelas – que por sinal você fechou depressa com medo deles. É algo muito comum, certo? Não tem cabimento explicar, imagina! É tão natural... Mas não, isso não é necessário. Essas ex-plicações não têm fundamento, pois você vai en-sinar que isso é a lei natural da vida: para que uns possam ter tudo do bom e do melhor (o seu filho, por exemplo!) alguns precisam ter, digamos, um pouco menos. Assim como a culpa é do GOVER-NO e dos POLÍTICOS que não se preocupam com a população, que não ligam para o povo e que só querem ROUBAR. Tudo com letras garrafais para isentar qualquer responsabilidade sua, minha, ou quem quer que sejam aqueles que DEMOCRATI-CAMENTE vão às urnas votar. Torno a dizer que o mundo passa por um processo delicado. Enquanto muitas conquistas já foram alcançadas – alguns poucos direitos dos negros, das mulheres e dos homossexuais –, existe uma força que não é invisível e que nos empurra para um retrocesso e um conservadorismo esqui-sito. Esse mesmo pai de família que, de maneira equivocada, quer o “melhor” para o seu filho, não percebe que, ao impor uma ideologia, ainda mais equivocada, está contribuindo para uma das piores coisas possíveis: a segregação. Mostram nas telenovelas um “homem de família” que tem que viver “no armário”, ou uma “mãe de família” que se apaixona por outra mulher e “larga” seu casamento sólido com um parceiro

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também bacana. Ao invés de algumas pessoas pen-sarem em como explicar a seus filhos o porquê de a mídia estar “destruindo a tradicional família bra-sileira” e “incentivando as pessoas a serem aquilo que não são”, será que não poderiam explicar aos jovens que cada um pode ser feliz do jeito que se sentem melhor? Não! Não podem! Pois, mais uma vez, o que importa é com quem o vizinho dorme ou com quantas pessoas a “amiga” já saiu, não é isso que conta na boa formação de caráter de uma criança e adolescente? Não há nada mais pertur-bador do que ensinar que temos que respeitar as diferenças, afinal, isso é algo tão assustador e des-truidor da ordem... Como eu disse no começo do texto, o mo-mento é para se pensar e refletir, sem radicalismos, sem levantar bandeiras ao extremo ou mesmo ser aquele chato que a tudo retruca. É tempo de pon-derar e tentar entender as questões a fundo. Nin-guém é obrigado a escolher entre preto e branco, azul ou verde, grande ou pequeno. Assim como, se você não se encaixa em algo, não quer dizer que você está imediatamente se ligando a outro. E olha que eu nem mencionei questões como o racismo, a redução da maioridade penal, a intolerância reli-giosa e outros tópicos polêmicos, mas que não têm importância alguma, pois para o mundo ser um lu-gar melhor o que importa mesmo é saber (e julgar, claro!) quem eu beijo ou com quem você dorme, e o que fazemos quando ninguém pode nos ver.

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