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Seleção de poemas de Manoel de Barros  Manoel de Barro s  No recreio havia um menino que não brincava com outros meninos O padre teve um brilho de descobrimento nos olhos  – POETA! O padre foi até ele:  – Pequeno por que não br inca com os seus coleas"  – # que estou com uma baita dor de barria desse fei$ão bichado% &'A((O) *anoel de% Poemas concebidos sem pecado % – +%ed% – (io de ,aneiro: (ecord -... p% -.%/ As coisas que não t0m nome são mais pronunciadas  por crian1as% &'A((O) *anoel de% O Livro das Ignorãças% – --%ed% – (io de ,aneiro: (ecord 2334 p% -+%/  No aeroporto o menino peruntou:  – E se o avião tropicar num passarinho" O pai ficou torto e não respondeu% O menino peruntou de novo:  – E se o avião tropicar num  passarinho triste" A mãe teve ternuras e pensou: )er5 que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia" )er5 que os desprop6sitos não são mais carreados de poesia do que o bom senso" Ao sair do sufoco o pai refletiu: 7om certe8a a liberdade e a poesia a ente aprende com as crian1as% E ficou sendo% &'A((O) *anoel de% Exercícios de ser criança% – (io de ,aneiro: )alamandra -...%/

Manoel de Barros Poemas Selecionados

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7/23/2019 Manoel de Barros Poemas Selecionados

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Seleção de poemas de Manoel de Barros

 Manoel de Barros

 No recreio havia um menino que não brincavacom outros meninos

O padre teve um brilho de descobrimento nos olhos – POETA!O padre foi até ele: – Pequeno por que não brinca com os seus coleas" – # que estou com uma baita dor de barriadesse fei$ão bichado%&'A((O) *anoel de% Poemas concebidos sem pecado% – +%ed% – (io de ,aneiro: (ecord -... p% -.%/

As coisas que não t0m nome são mais pronunciadas

 por crian1as%&'A((O) *anoel de% O Livro das Ignorãças% – --%ed% – (io de ,aneiro: (ecord 2334 p% -+%/

 No aeroporto o menino peruntou: – E se o avião tropicar num passarinho"O pai ficou torto e não respondeu%O menino peruntou de novo: – E se o avião tropicar num passarinho triste"A mãe teve ternuras e pensou:)er5 que os absurdos não são as maioresvirtudes da poesia")er5 que os desprop6sitos não são maiscarreados de poesia do que o bom senso"Ao sair do sufoco o pai refletiu:7om certe8a a liberdade e a poesia a enteaprende com as crian1as%E ficou sendo%

&'A((O) *anoel de% Exercícios de ser criança% – (io de ,aneiro: )alamandra -...%/

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ASCENSO9epois que iniciei minha ascensão para a infncia;oi que vi que o adulto é sensato!Pois como não tomar banho nu no rio entre p5ssaros"

7omo não furar lona de circo para ver os palha1os"7omo não ascender ainda mais até na aus0ncia da vo8"&Aus0ncia da vo8 é infantia com t em latim%/Pois como não ascender até a aus0ncia da vo8 – <5 onde a ente pode ver o pr6prio feto do verbo – ainda sem movimento%Aonde a ente pode en=erar o feto dos nomes – ainda sem penuens%Por que não voltar a apalpar as primeiras formas da pedra% A escutar Os primeiros pios dos p5ssaros% A ver As primeiras cores do amanhecer%7omo não voltar para onde a inven1ão est5 virem"Por que não ascender de volta para o tartamudo!

&'A((O) *anoel de% !ra"ado geral das grande#as do ín$imo% – +%ed% – (io de ,aneiro: (ecord 233+ p% 4-%/

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Manoel por ManoelEu tenho um ermo enorme dentro do olho% Por motivo do ermo não fuium menino peralta% Aora tenho saudade do que não fui% Acho que o que fa1oaora é o que não pude fa8er na infncia% ;a1o outro tipo de peraltaem%

?uando era crian1a eu deveria pular muro do vi8inho para catar oiaba% *asnão havia vi8inho% Em ve8 de peraltaem eu fa8ia solidão% 'rincava de finir que pedra era laarto% ?ue lata era navio% ?ue sabuo era um ser8inho malresolvido e iual a um filhote de afanhoto%7resci brincando no chão entre formias% 9e uma infncia livre e semcomparamentos% Eu tinha mais comunhão com as coisas do que compara1ão%Porque se a ente fala a partir de ser crian1a a ente fa8 comunhão: de umorvalho e sua aranha de uma tarde e suas ar1as de um p5ssaro e sua5rvore% Então eu trao das minhas ra@8es crianceiras a visão comunante eobl@qua das coisas% Eu sei di8er sem pudor que o escuro me ilumina% # um parado=o que a$uda a poesia e que eu falo sem pudor% Eu tenho que essa visão

obl@qua vem de eu ter sido crian1a em alum luar perdido onde haviatransfusão da nature8a e comunhão com ela% Era o menino e os bichinhos%Era o menino e o sol% O menino e o rio% Era o menino e as 5rvores%

&'A((O) *anoel de% Mem%rias inven"adas& a In$'ncia% – )ão Paulo: Planeta 233+%/

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O apan(ador de desperdíciosso a palavra para compor meus sil0nciosB Não osto das palavrasfatiadas de informar%9ou mais respeitoCs que vivem de barria no chão

tipo 5ua pedra sapo%Entendo bem o sotaque das 5uas%9ou respeito Cs coisas desimportantese aos seres desimportantes%Pre8o insetos mais que aviDes%Pre8o a velocidadedas tartaruas mais que a dos m@sseis%Tenho em mim esse atraso de nascen1a%Eu fui aparelhado para ostar de passarinhos%Tenho abundncia de ser feli8 por isso%*eu quintal é maior do que o mundo%

)ou um apanhador de desperd@cios:Amo os restoscomo as boas moscas%?ueria que a minha vo8 tivesse um formato de canto%Porque eu não sou da inform5tica:eu sou da invencion5tica%)6 uso a palavra para compor meus sil0ncios%

&'A((O) *anoel de% Mem%rias inven"adas& a In$'ncia% – )ão Paulo: Planeta 233+%/

Ac(ado)rosAcho que o quintal onde a ente brincou é maior do que a cidade%A ente s6 descobre isso depois de rande% A ente descobre que otamanho das coisas h5 que ser medido pela intimidade que temos comas coisas% 5 de ser como acontece com o amor% Assim as pedrinhas donosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo%,usto pelo motivo da intimidade% *as o que eu queria di8er sobre onosso quintal é outra coisa% Aquilo que a nera Pombada remanescentede escravos do (ecife nos contava% Pombada contava aos meninos de7orumb5 sobre achadouros% ?ue eram buracos que os holandeses nafua apressada do 'rasil fa8iam nos seus quintais para esconder suasmoedas de ouro dentro de randes baFs de couro% Os baFs ficavam

cheios de moedas dentro daqueles buracos% *as eu estava a pensar emachadouros de infncias% )e a ente cavar um buraco ao pé da oiabeirado quintal l5 estar5 um uri ensaiando subir na oiabeira% )e a entecavar um buraco ao pé do alinheiro l5 estar5 um uri tentando aarrar no rabo de uma laarti=a% )ou ho$e um ca1ador de achadouros deinfncia% Gou meio dementado e en=ada Cs costas a cavar no meuquintal vest@ios dos meninos que fomos% o$e encontrei um baF cheiode punhetas%

&'A((O) *anoel de% Mem%rias inven"adas& a In$'ncia% – )ão Paulo: Planeta 233+%/

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O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente%

O pente estava pr6=imo de não ser mais um pente% Estaria mais perto

de ser uma folha dentada% 9entada um tanto que $5 se havia inclu@do

no chão que nem uma pedra um caramu$o um sapo% Era aluma coisa

nova o pente% O chão teria comido loo um pouco de seus dentes%

7amadas de areia e formias roeram seu oranismo% )e é que um pentetem oranismo%

H%%%I O menino que era esquerdo

e tinha cacoete pra poeta $ustamente ele en=erara o pente naquele

estado terminal% E o menino deu para imainar que o pente naquele

estado $5 estaria incorporado C nature8a como um rio um osso um

laarto% Eu acho que as 5rvores colaboravam na solidão daquele pente%

&*anoel de 'arros Memórias Inventadas: a infância/

EscovaEu tinha vontade de fa8er como os dois homens que vi sentados

na terra escovando osso% No come1o achei que aqueles homens não batiam

 bem% Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso%

9epois aprendi que aqueles homens eram arque6loos% E que eles

fa8iam o servi1o de escovar osso por amor% E que eles queriam encontrar 

nos ossos vest@ios de antias civili8a1Des que estariam enterradas por 

séculos naquele chão% <oo pensei de escovar palavras% Porque eu havia

lido em alum luar que as palavras eram conchas de clamores antios%

Eu queria ir atr5s dos clamores antios que estariam uardados dentrodas palavras% Eu $5 sabia também que as palavras possuem no corpo

muitas oralidades remontadas e muitas sinificncias remontadas% Eu

queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esar de cada

uma% Para escutar os primeiros sons mesmo que ainda b@rafos%

&*anoel de 'arros Memórias Inventadas: a infância/