Manual Agroflorestal Para a Mata Atlantica

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

M294m

Manual Agroflorestal para a Mata Atlntica / Coordenao Peter Herman May, Cssio Murilo Moreira T rovatto, Organizadores Armin Deitenbach ... [et al.] - Braslia : Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, Secretaria de Agricultura Familiar, 2008. 196 p. : il ; 21cm. ISBN 978-85-60548-4 2-2

1.

Mata Atlntica aspectos econmicos Brasil. 2. Economia florestal experincias - Brasil. 3. Recursos florestais polticas pblicas Brasil. I. May, Peter Herman. II. T rovatto, Cssio Murilo Moreira. III. Deitenbach, Armin ... [et al.]. IV. Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, Secretaria de Agricultura Familiar.

Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrrio Guilherme Cassel Secretrio Executivo do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio Daniel Maia Presidente do Insti tuto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria Rolf Hackbar t Secretrio de Reordenamento Agrrio Adhemar Lopes de Almeida Secretrio de Desenvolvimento T torial erri Humberto Oliveira Secretrio de Agricultura Familiar Adoniram Sanches Peraci Diretor de Assistncia T cnica e Extenso Rural Argileu Martins da Silva Coordenador Geral de Assistncia Tcnica e Extenso Rural Francisco Rober to Caporal Consultor Sistemas Agroflorestais Cssio Murilo Moreira T rovat to Assessoria de Comunicao Social MDA Coordenador de Comunicao Social/MDA Luiz Felipe Nelsis Coordenador de Jornalismo/MDA Ricardo Schmitt Coordenadora Administrativa/ASCOM/MDA Marcela Silva Chefe da Assessoria de Comunicao/Incra Chico Daniel Equipe de Criao Edio Clarita Rickli Produo Alexandra Ferreira Textos Coordenao Peter Herman May Cssio Murilo Moreira T rovat to Organizadores Armin Deitenbach Guilherme dos Santos Floriani Jean Clement Laurent Dubois Jorge Luiz Vivan Reviso T cnica Andr Luiz Rodrigues Gonalves Projeto Grf ico Silvino Carneiro Fotografia Arquivo/MDA Jean Dubois acervo pessoal Ilustraes Regina Menescal, 2007 Pr-Impresso e Impresso OPUS Editora PR

Instituio Organizadora REBRAF Insti tuto Rede Brasileira Agroflorestal- Rio de Janeiro/RJ Instituio Parceira RMA Rede de ONGs da Mata Atlntica Instituies Colaboradoras TERRA VIVA - Centro de Desenvolvimento Agroecolgico do Extremo Sul da Bahia Itamaraju/BA IESB - Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia Ilhus/BA IC - Instituto Cabruca Ilhus/BA Institu to Floresta Viva Uruuca/BA CEPEMA - Fundao Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente For taleza/CE APT - Associao de Programas em T A ecnologias Alterna tivas Colatina/ES AS-PT - Assessoria e Ser vios a Projetos em Agricultura Alternativa A Centro Sabi - Centro de Desenvolvimento Agroecolgico Sabi Recife/PE RURECO - Fundao Para o Desenvolvimento Econmico Rural da Regio Centro Oeste do Paran Guarapuava/PR AMLD Associao Mico-leo-dourado Silva Jardim/RJ Secretaria Municipal de Agricultura de Casimiro de Abreu - RJ GAE - Grupo de Agricultura Ecolgica UFRuralRJ Instituto Ipanema Institu to de Pesquisas Avanadas em Economia e Meio Ambiente Rio de Janeiro/RJ Centro Ecolgico Litoral Norte Dom Pedro de Alcntara/RS ECOCITRUS - Cooperativa dos Citricultores Ecolgicos do Vale do Ca Montenegro/RS IMCA - Institu to Morro da Cutia de Agroecologia Montenegro/RS APREMA - Associao de Preservao do Meio Ambiente do Alto Vale do Itaja Rio do Sul/SC VI Vianei - Associao Vianei de Cooperao e Intercmbio no T rabalho, Educao, Cultura e Sade A VICITECS Lages/SC Iperet - Instituto Peret Para o Desenvolvimento Lages/SC APOENA - Associao em Defesa do Rio Paran, Afluentes e Mata Ciliar Pontal do Paranapanema/SP Ip Institu to de Pesquisas Ecolgicas Nazar Paulista/SP Proter - Programa da T erra, Assessor ia, Pesquisa e Educao Popular no Meio Rural Registro/SP Mutiro Agroflores tal - Brasil

DedicatriaAo Jean Clement Laurent Dubois o Joo da Mata pelo incansvel empenho em fazer com que este trabalho se transformasse em realidade um livro como presente e futuro para Agrof loresta no Brasil. Aos agricultores e agricultoras do Brasil que compartilharam suas exper incias agroflores tais e assim enriqueceram a elaborao desta obra.

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

SumrioPrefcio..........................................................................................................................................................................................................................................................11 Apresentao............................................................................................................................................................................................................................................13 CAPTUL 1 Classificao e Breve Caracterizao de SAFs e Prticas Agroflores tais................................................................................15 O Introduo..............................................................................................................................................................................................................................17 A Mata Atlntica.............................................................................................................................................................................................17 A impor tncia das rvores na vida dos homens...........................................................................................................................17 A adoo crescente de SAFs pelos agricultores familiares.......................................................................................................17 SAFs: renda familiar, segurana alimentar, sade e qualidade de vida...............................................................................18 O resgate e aproveitamento dos conhecimentos........................................................................................................................18 1. Informaes Gerais sobre Sistemas Agroflores tais.....................................................................................................................................20 Definio e classificao............................................................................................................................................................................20 Classificao dos SAFs................................................................................................................................................................................20 Sistemas silviagrcolas..............................................................................................................................................................21 Sistemas silvipastoris................................................................................................................................................................21 Sistemas agrossilvipastoris...................................................................................................................................................21 Categorias de SAFs quanto estru tura e potencial de conservao...............................................................................24 SAFs de estrutura e composio baseadas em rvores do es trato dominante......................................24 SAFs de estrutura e composio baseadas em rvores do es trato arbus tivo.........................................24 Sistemas Agroflores tais ou Agroflorestas?.................................................................................................................24 Implantao e Manejo dos SAFs............................................................................................................................................................24 Espcies componentes dos SAFs...........................................................................................................................................................25 A distribuio espacial das espcies que compem os SAFs..................................................................................................29 Arquitetura e Estr utura de SAFs............................................................................................................................................................31 As prticas agrof lorestais.........................................................................................................................................................................32 Cercas vivas..................................................................................................................................................................................32 Moures vivos.............................................................................................................................................................................34 T utores vivos.................................................................................................................................................................................36 Quebra-vento.............................................................................................................................................................................36 Aceiros arborizados................................................................................................................................................................39 rvores plantadas em linhas para demarcar limites.............................................................................................40 2. Sistemas Agroflores tais Mais Praticados no Bioma da Mata Atlntica...........................................................................................41 O uso tradicional do pousio flores tal...................................................................................................................................................41 Os quintais agroflorestais familiares....................................................................................................................................................42 Os cacauais arborizados...........................................................................................................................................................................43 Cafezais sombreados..................................................................................................................................................................................44 Sistema silvibananeiro.................................................................................................................................................................................45 SAF de erva-mate.........................................................................................................................................................................................46 O sistema faxinal...........................................................................................................................................................................................47 Citricultura agrof lorestal na regio de Montenegro, RS.........................................................................................................48 Produo de piaaba em agroflores ta..............................................................................................................................................48 O sistema taungya.......................................................................................................................................................................................48 Sistemas silvipastoris....................................................................................................................................................................................49 3. Implantao e Manejo de SAFs..............................................................................................................................................................................53 Implantao de SAFs....................................................................................................................................................................................53 Manejo do solo...............................................................................................................................................................................................54 Rotao das culturas...............................................................................................................................................................54 Cobertura viva do solo..........................................................................................................................................................54 Adubao verde.........................................................................................................................................................................55 Cobertura mor ta do solo.....................................................................................................................................................56 Manejo integrado da propriedade rural...........................................................................................................................................57 T ratos culturais................................................................................................................................................................................................57 Capinas...........................................................................................................................................................................................57

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaPodas................................................................................................................................................................................................57 Nveis de biodiversidade................................................................................................................................................................................................58 Biodiversidade em nvel de paisagem.................................................................................................................................................59 Manejo integrado de pragas e doenas................................................................................................................................................................59 4. Falhas Observadas e Medidas Corretivas.......................................................................................................................................................60 Conhecimentos bsicos para escolher as espcies e variedades dos... cultivos geradores de renda...............60 Uso de germoplasma de baixa qualidade.......................................................................................................................................60 Uso indevido das queimadas....................................................................................................................................................................6 1 Nveis de biodiversidade interna dos sistemas produ tivos.......................................................................................................61 Manejo inadequado......................................................................................................................................................................................61 Uso de insumos industrializados.............................................................................................................................................................61 Culturas sem proteo contra vento e fogo....................................................................................................................................62 Agricultores sem vontade de plantar r vores em propriedades rurais pequenas....................................................62 CAPTUL 2 Viabilidade Financeira, Renda Familiar e Servios Gerados por SAFs........................................................................................63 O Introduo.............................................................................................................................................................................................................................65 1. SAFs e Renda Familiar..................................................................................................................................................................................................66 Avaliao da renda monetria e no monetria em SAFs......................................................................................................67 Caf sombreado em roa sucessional............................................................................................................................67 Financiamento de SAFs...............................................................................................................................................................................70 Experincias de crdito para SAFs no Sul e Nordeste................................................................................................................71 Experincia da AOP no fomento agroflorestal com Crdito via Banco do Brasil................................71 A Experincia da Fundao CEPEMA junto aos Agentes de Crdito.................................................................72 Fomento florestal e ou tras formas de incentivos.........................................................................................................................73 2. As Cadeias de Produo Agroflores tais...........................................................................................................................................................74 Comercializao.............................................................................................................................................................................................7 4 Avaliao de conformidade para produtos e servios...............................................................................................................75 Certif icao de produtos e processos produtivos.......................................................................................................................75 Alguns dos sistemas de cer tificao exis tentes........................................................................................................78 Sistemas par ticipativos de garantia................................................................................................................................79 Compras coletivas: agricultura apoiada pela comunidade................................................................................80 Benef iciamento de produtos agroflores tais...................................................................................................................................83 Planos de negcios e comercializao...............................................................................................................................................84 3. SAFs e Servios Ecossistmicos...............................................................................................................................................................................86 Seqestro de Carbono em SAFs...........................................................................................................................................................89 4. Resumo e Concluso...................................................................................................................................................................................................93 CAPTUL 3 Diagnstico e Monitoramento na Extenso Agrof lorestal...........................................................................................................95 O Introduo..............................................................................................................................................................................................................................97 Projeto CONSAF e desdobramentos.................................................................................................................................................98 Indicadores e processos de aprendizado social.............................................................................................................................98 1. Formao e Extenso Agrof lorestal em rede..............................................................................................................................................101 Princpios e objetivos................................................................................................................................................ ..................................101 Estratgias, mtodos e tcnicas.................................. ........................................................................................................................102 Ciclo de atividades................................ ......................................................................................................................................................103 Incio do processo de formao............................................................................................................................................................103 Sensibilizao e identificao de eixos de trabalho................................................................................................103 O levantamento inicial de dados....................................................................................................................................104 Caixa de Ferramentas: Entrevistas Semi-estruturadas ..........................................................................................................105 Para Saber Mais: Diagnstico Rural Par ticipativo......................................................................................................................105 Envolvimento do pblico-alvo no projeto...................................................................................................................106 Caracterizao das tcnicas utilizadas........................................................................................................................106 1.Diagrama de Venn ou Jogo das Bolas (Tcnica coletiva)...................................................107 2.Calendrio Sazonal........................................................................................................................................107 3.Croqui da Propriedade................................................................................................................................107 Resumo das tcnicas aplicadas e Cruzamento das informaes...................................................................107 Capacitao de tcnicos e agricultores...........................................................................................................................................109

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

Caixa de Ferramentas: of icinas de diagnstico e desenho em Sistemas Agroflores tais.......................................110 Caixa de Ferramentas: Sistema de Ma triz.......................................................................................................................................111 Conceitos referenciais............................................................................................................................................................112 Anlise do SAF: Fluxos................................................................................................................................................................................112 2. Estabelecimento de Indicadores e o Monitoramento...............................................................................................................................113 Mapas de Indicadores................................................................................................................................................................................114 Nvel 1: rea Temtica; .........................................................................................................................................................115 Nvel 2: Indicadores Gerais; ................................................................................................................................................115 Nvel 3: Descritores; ...............................................................................................................................................................115 Nvel 4: T cnica de avaliao e parmetro .................................................................................................................115 Realizao do monitoramento de reas piloto............................................................................................................................118 Monitoria agroflores tal: de agricultor para agricultor............................................................................................................118 O local de estudo: Unidades de Experimentao Participativa UEPs.-.......................................................................118 Zoneamento de reas..........................................................................................................................................................119 Tamanho da rea.....................................................................................................................................................................119 Registro Inicial Estabelecendo um Marco Zero....................................................................................................119 Caixa de Ferramentas: levantamentos em transectos............................................................................................................120 Avaliao e sistematizao em Rede................................................................................................................................................122 Monitoramento local para consolidao do roteiro de indicadores.................................................................................123 Avaliao e sistematizao final..........................................................................................................................................................125 Avaliao das Informaes.....................................................................................................................................................................125 3. Consideraes Finais..................................................................................................................................................................................................126 CAPTUL 4 Polticas Pblicas para Sistemas Agroflores tais na Mata Atlntica..........................................................................................127 O Introduo............................................................................................................................................................................................................................129 1. Marco Regulatrio do T rabalho com Sistemas Agroflorestais na Ma ta Atlntica...................................................................130 Cdigo Florestal - Lei n 4.771, de 21/09/1965, alterada pela MP n 2166-67/2001......................................................130 Sistemas Agroflores tais em reas de Preservao Permanente...................................................................131 Sistemas Agroflores tais em Reserva Legal................................................................................................................131 Regularizao ambiental......................................................................................................................................................131 Lei da Mata Atlntica - Lei n 11.428 de 22 de dezembro de 2006.......................................................................................132 Lei da Agricultura Familiar Lei n 11.326 de 24 de julho de 2006........................................................................................135 Normas Estaduais.......................................................................................................................................................................................135 2. Fomento a Sistemas Agroflorestais Crdito e Apoio a Projetos em SAFs................................................................................136 PRONAF e Sistemas Agroflores tais..................................................................................................................................................136 Aes de apoio Linha PRONAF Floresta....................................................................................................................................137 Medidas para melhorar o acesso de projetos de SAFs ao PRONAF Floresta.........................................137 Outros programas de crdito pblico que podem ser utilizados para o trabalho com SAFs..............................................................................................................................................................................................................................................................139 Programas de Fomento a projetos demonstra tivos com SAFs.......................................................................139 Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA/MMA).............................................................................................139 Programa de Projetos Demonstrativos PDA/PPG7/MMA...........................................................................140 Programas e Planos de Polticas Pblicas Nacionais.................................................................................................................140 Plano Nacional de Silvicultura com Espcies Nativas e Sistemas Agroflores tais PENSAF......................................................................................................................................................................................................................................................140 Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produo Familiar Rural, do Ministrio do Meio Ambiente - Proambiente/MMA.........................................................................................................................................................................................141 Programa Mata Atlntica / Fundo de Restaurao da Mata Atlntica......................................................141 3. Aes e Programas Governamentais de Apoio Atividades com SAFs......................................................................................142 Pesquisa sobre Sistemas Agroflorestais..........................................................................................................................................143 Polticas Pblicas de Apoio Comercializao.............................................................................................................................144 O Programa de Aquisio de Alimentos - PAA...........................................................................................................................144 Produtos da Sociobiodiversidade e a Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM) ........................................................................................................................................................................................................................................................................145 Apoio Comercializao da Agricultura Familiar em Programas de Desenvolvimento Regional Sustent vel...............................................................................................................................................................................................................................................145

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaOutros Ministrios que apiam projetos regionais de comercializao.............................................................................................146 4. Concluso........................................................................................................................................................................................................................148 Experincias Agrof lorestais da Mata Atlntica...................................................................................................................................................................149 Referncias Bibliogrf icas.................................................................................................................................................................................................................179 Anexos........................................................................................................................................................................................................................................................183

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

PrefcioUma das caracters ticas marcantes da agricultura familiar a sua capacidade de produzir de forma diversif icada, possibilitando garantir a sua segurana alimentar assim como contribuir de forma decisiva para a alimentao bsica da populao urbana brasileira. Do ponto de vista do mercado, medida que aumenta a demanda por produtos saudveis e sus tentveis, as opor tunidades se ampliam, ainda mais, para esses agricultores. Na contramo desse processo est a crise, no s econmica, mas social e ambiental, decorrente do modelo convencional de desenvolvimento e de agricultura, baseado na monocultura e nos pacotes tecnolgicos da Revoluo Verde, responsveis por uma agr icultura absolutamente insustent vel. Um cenrio que, cada vez mais, tem determinado mudanas nos paradigmas em direo a uma transio de estilos de agricultura, tomando por base os princpios da Agroecologia e do desenvolvimento rural sustentvel. Nesse sentido, aumenta entre os agricultores familiares a demanda por alterna tivas compatveis com a diversidade dos ecossistemas locais e com os sistemas culturais, que levem em conta as dimenses econmica, ambiental e sociocultural da sustentabilidade. Assim, na medida em que a agricultura familiar vem demonstrando seu potencial produtivo e ambientalmente sustentvel, o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, por meio da Secretaria da Agricultura Familiar, tem buscado contribuir com a elaborao, implantao e avaliao de polticas que ampliem esse horizonte. Desta forma, o gover no federal quer promover a valorizao dos produtos e servios da agricultura familiar, melhorando, assim, a renda e a qualidade de vida das pessoas que vivem no campo e ampliando a oferta de alimentos sadios para os consumidores que vivem no meio urbano. Para isso, a SAF tem ancorado suas aes, polticas e programas, em quatro grandes eixos: a sustentabilidade dos sistemas de produo, o combate pobreza rural, a segurana alimentar e a gerao de renda e agregao de valor aos produtos da agricultura familiar. Diante desses desafios, a Secretar ia, considerando os princpios da Poltica Nacional de Assistncia T cnica e Extenso Rural, reconhece e apia a implantao das diversas formas de sistemas sus tentveis de produo, em particular, os Sistemas Agroflorestais desenvolvidos por estes agricultores familiares, considerando as especificidades locais dos diferentes biomas brasileiros. Neste sentido, est cada vez mais evidente que h acmulo de conhecimentos com grande potencial de replicao a um conjunto maior de agricultores, por meio do intercmbio entre eles e atravs dos Agentes de Assis tncia T cnica e Extenso Rural, de modo que a sistema tizao e a socializao de conhecimentos passam a ser de vital importncia. Por isso mesmo a SAF acreditou na elaborao deste Manual, como uma primeira, mas grande contribuio para a socializao de conhecimentos e saberes presentes nas aes em SAFs realizadas no Bioma Mata Atlntica, a par tir de experincias exitosas, e que podem ser referncias teis para outras inici ativas nes te e em outros biomas brasileiros. Por isso, a Secretaria, juntamente com as organizaes parceiras dessa iniciativa, tem ex trema satisfao em apresentar o MANUAL AGROFLOREST DA MA ATLNTICA, cujo contedo poder contribuir, AL TA ainda mais, para o desenvolvimento e ampliao dessa prtica entre as famlias agricultoras. Esperamos que esse MANUAL ajude a tornar mais frtil os nossos solos, os nossos campos e as nossas florestas, es timulando a que mais agricultores familiares e tcnicos par ticipem de iniciativas produtivas

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Agroflorestal para a Mata Atlnticainovadoras, como os Sistemas Agrof lorestais, para que todos os brasileiros possamos colher, juntos, os frutos do rural brasileiro, com respeito ao meio ambiente, com mais justia social e com gerao de renda para aqueles vivem e trabalham na agricultura familiar.

Secretrio de Agricultura Familiar do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

ApresentaoNo Brasil, a prtica de Sistemas Agrof lorestais (SAFs) est presente entre as populaes indgenas muito tempo antes da descoberta do pas, ou mesmo do prprio continente. Atualmente, aps a chamada Revoluo Verde ter declarado guerra a todos os sistemas de produo antigos, os SAFs biodiversificados vm ganhando notoriedade, sobretudo por meio de aes em rede. Hoje os SAFs esto se expandindo rapidamente no bioma Mata Atlntica e chamam a ateno no somente dos agricultores e tcnicos de campo, mas tambm de gestores de polticas pblicas. Devido ao reconhecimento cada vez maior desses sistemas, na ltima dcada comearam a ser propostas vrias polticas pblicas especficas para este tema. O Manual Agroflorestal para a Mata Atlntica foi elaborado a partir dos resultados de diversos trabalhos coletivos que se estabelecem entre as instituies scio-ambientais, atuantes nes te bioma, com foco no desenvolvimento sustentvel, na agricultura familiar e nos princpios da agroecologia. Contam com o apoio do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), por meio do Projeto Capacitao participativa de agricultores familiares e formao de agentes de desenvolvimento agroflorestal da Ma ta Atlntica. Coube ao Instituto Rede Brasileira Agroflores tal, em parceria com a Rede de ONGs da Mata Atlntica (RMA) a sistema tizao e organizao de trabalhos acadmicos, compilao de experincias concretas desenvolvidas por agricultores e agricultoras e a documentao da troca de experincias entre os tcnicos e colaboradores envolvidos na elaborao do contedo que agora apresentamos. Um trabalho que resulta do envolvimento de diversas pessoas, representadas por mais de 20 instituies espalhadas pela Mata Atlntica desde o Cear at o Rio Grande do Sul. Este Manual Agroflores tal pretende, como objetivo principal, convergir inicialmente os olhares para os trabalhos e as diversas experincias que j catalogam seus mais preciosos acertos e seus, no menos impor tantes, erros. Assim, busca resgatar nos homens e mulheres que es to diretamente envolvidos com a terra e seu uso, os conhecimentos tradicionais mais propcios ao seu modo de vida e trabalho e ampliar sua capacidade de entender os Sistemas Agroflorestais, inclusive por meio de novos aprendizados e tecnologias. O texto organizado por Jean Dubois, que compe o Captulo 1 deste Manual, teve por objetivo introduzir conceitos sobre SAFs e suas prticas, caracterizando as principais definies sobre o assunto no contexto da Agroecologia. Para tanto, o autor contou com a substancial colaborao de diversos extensionistas agroflores tais, alm de toda a experincia do autor, adquirida ao longo de seu trabalho realizados com populaes tradicionais na frica, Amaznia, Mata Atlntica e outros pases da Amrica Latina. No texto elaborado por Peter May, o Captulo 2 objetiva-se a aprofundar os conhecimentos e informar sobre a variedade de fontes de bens e servios gerados pelos SAFs, no intuito de fortalecer argumentos para sua adoo e disseminao entre usurios, tcnicos e financiadores. Para tanto, baseia-se em alguns exemplos e conhecimentos acumulados em experincias de gerao de renda em SAFs comerciais acoplados produo para o auto-consumo, abordando ainda os prs e contras do beneficiamento local de produtos gerados, e as vantagens e procedimentos para a cer tificao dos produtos. O Captulo 3, organizada por Guilherme Floriani e Jorge Vivan, enfatiza o monitoramento par ticipativo de SAFs como par te inseparvel de estratgias de aprendizado progressivo e compartilhado entre atores, sejam eles institucionais ou privados. Nes te pretendeu-se expor aspectos que permitam que o ex tensionista

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Agroflorestal para a Mata Atlnticaagroflores tal aprimore seu papel de agente facilitador, por meio de lies aprendidas, constr udas para apoiar comunicao entre atores que buscam a promoo da sustentabilidade ecolgica e econmica dos sistemas produtivos. Esse tex to contou com a colaborao de Valria da Vinha, ao apresentar diferentes possibilidades de dinmicas no uso de diagnsticos participativos para avanar na identificao de erros e aprendizados a partir da implantao de sistemas agroflores tais e a dinmica cotidiana da Agricultura em suas diversas inseres, seja, econmica, ambiental, social e cultural. Por fim, no Captulo 4, baseado no tex to de Armin Deitenbach, apresentada uma abordagem do estado da ar te das principais polticas pblicas voltadas a quem trabalha, ou deseja trabalhar com SAFs.

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Captulo 1Classificao e Breve Caracterizao de SAFs e Prticas Agroflorestais

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

IntroduoPor Jean Dubois*

A Mata AtlnticaO presente manual trata de desenvolvimento agroflores tal na Mata Atlntica, que constitudo por um conjunto de ecossistemas que ocupam faixas de larguras muito vari veis ao longo da costa brasileira, e se estende do Sul ao Nordes te entre os Estados do Rio Grande do Sul ao Cear. Devido s suas dimenses, ela formada de fato, por ecossistemas bastante diferenciados entre si, caracterizados, principalmente, pelas condies locais de clima e relevo: florestas altas e densas prosperando em terras com muita chuva (alta pluviosidade); flores tas mais abertas; f lorestas com dominncia de Pinheiro-do paran (araucria), e flores tas ocorrendo em locais marcados por uma estao seca longa ou bastante longa. Em altitudes mais elevadas, a o predomnio de vegetaes nativas de por te baixo, formadas por arbustos e plantas herb ceas. No litoral, em contato com o mar, ocorrem localmente manguezais regados com gua salobra e, por outro lado, res tingas em solos arenosos nunca inundados. At o incio da colonizao do Brasil, a Mata Atlntica se apresentava como um conjunto de exuberantes florestas na tivas e outros ecossistemas associados, cobrindo aproximadamente 1.300.000 k m2. Atualmente restam apenas cerca de 100.000 k m2 da vegetao original (ou pouco alterada), ou seja, entre 7 e 8% de remanescentes da rea original.1

CAP. 1

A importncia das rvores na vida dos homensAs rvores nos proporcionam um amplo leque de produtos (madeiras, produtos medicinais, etc.) e servios (sombra, proteo do solo e das guas, manuteno da fer tilidade natural do solo, efeito regulador sobre o clima, etc). A destruio em grande escala das flores tas, bem como a eliminao das rvores nas paisagens rurais, acelera a eroso da terra, contribui para o assoreamento dos cursos dgua e aumenta a presso humana sobre o que est sobrando da Ma ta Atlntica.

A adoo crescente de SAFs pelos agricultores familiaresHoje, no Bioma Mata Atlntica, podemos encontrar SAFs em muitas propriedades agrcolas familiares (ver informaes em: 2. SAFs mais praticados no Bioma Mata Atlntica, Par te 1). O agricultor familiar adota alterna tivas agroflores tais de uso da terra esperando diversif icar a produo e renda. Porm, ainda necessrio concentrar mais esforos para socializar, com outros agricul tores familiares, estilos de SAFs de comprovada sustentabilidade, de forma a aumentar os nveis de biodiversidade dos sistemas (ver Nveis de biodiversidade, Parte 1) e, adequando-os legislao ambiental. Os atores de base da agricultura familiar devem ser conscientizados da impor tncia de incluir espcies madeireiras comerciais como componentes dos SAFs, como ferramenta prpria de capitalizao (ver em Espcies priori trias): eliminar a pobreza rural um objetivo fundamental dos programas governamentais e no-governamentais da ex tenso rural. impor tante destacar tambm que os Sistemas Agrof lorestais devem ser planejados tomando em conta as caractersticas locais de clima, solo e topografia de cada regio (ver em Espcies componentes dos

* Engenheiro Florestal pela Facult des Sciences Agronomiques, Gembloux, Blgica. Email: [email protected]

Outras informaes sobre a Mata Atlntica ver no Anexo 1 (ao final deste livro).

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaSAFs). Essas caracters ticas mudam de regio para regio e de um local para outro. Tal recomendao vale, principalmente, no que se refere escolha das espcies que iro constituir o sistema de produo.

SAFs: renda familiar, segurana alimentar, sade e qualidade de vidaO agricultor familiar adota os SAFs para aumentar, de forma sustent vel, a renda familiar e tirar proveito das suas vantagens potenciais quanto segurana alimentar, sade, qualidade de vida, maior envolvimento dos filhos na roa e a sua prpria permanncia na propriedade rural. Com poucas excees, os SAFs so implantados de forma progressiva, a partir de roas ocupadas com lavouras brancas temporrias (ver em 3. Implantao dos SAFs). Na fase de implantao do SAF, esses cultivos de ciclo curto principalmente arroz, milho, feijo, mandioca ou aipim e a criao de pequenos animais domsticos, cumprem um papel imprescindvel quanto segurana alimentar da famlia. As reas ocupadas pelos cultivos de ciclo curto iniciais so enriquecidas com o plantio de espcies mais persistentes ou perenes. A maior variedade de espcies cultivadas no SAF melhora a qualidade da dieta alimentar e aumenta a renda gerada pela comercializao dos produtos (caf, cacau, erva ma te, frutas, frutas desidratadas, etc). A manuteno, dentro da propriedade rural familiar, de altos nveis de auto-consumo promove uma ampliao da renda das famlias (renda no-monetria). Um sistema de produo agrcola ou agroflores tal apoiado no uso de agrotxicos, adubos minerais industrializados e herbicidas pode gerar renda para o agricultor familiar, porm ele apresenta riscos para a sade tanto dos produtores quanto dos consumidores, alm dos danos ambientais (principalmente poluio das guas superf iciais e subterrneas). Portanto, preciso promover a adoo de SAFs que, alm de sustentveis, sejam tambm ecologicamente sadios, possibilitando diminuir ou eliminar a aplicao de agrotxicos (ver detalhes em Definio e caracterizao de SAFs). Este objetivo pode ser alcanado pela adoo de SAFs sucessionais (ver em Classificao dos SAFs), biodiversif icados e manejados sem o uso de agroqumicos nocivos e sem o uso da queima (ver detalhes em 3. Implantao dos SAFs, Par te 1). Progredindo na formao seqencial do SAF, vamos incorporar espcies de valorizao econmica, gerando renda a mdio e longo prazo, principalmente com espcies florestais comerciais (louro-pardo; pinheirodo paran), frutferas de fcil comercializao in natura, frutos benef iciados (por exemplo: frutas desidratadas) ou subprodutos (sucos, nctares, doces). Essas espcies que entram no SAF so essenciais para possibilitar um processo de capitalizao no universo da agricultura familiar (ver em Espcies prioritrias), apoiado em tcnicas de manejo requerendo pouca mo-de-obra de manuteno, e conferindo ao pequeno produtor a oportunidade de sair definitivamente da pobreza ou de uma situao de baixa renda.

O resgate e aproveitamento dos conhecimentos preciso valorizar os conhecimentos histricos dos agricultores familiares que ainda praticam sistemas de produo complexos e de ampla diversidade. Nesse sentido, temos fontes exemplares de conhecimentos tradicionais nos grupos de agricultores familiares que praticam o sistema cabruca de produo do cacau, no manejo de bananais sombreados de comunidades caiaras, na produo da erva mate na sombra do pinheiro-do paran, e no sistema faxinal praticado no Paran e Santa Catarina. Esse resgate deve ser contemplado no somente no que se refere s tcnicas, mas tambm quanto ao

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uso de sementes crioulas (milho, feijo, amendoim forrageiro, etc). Os SAFs se constituem em uma alterna tiva sustent vel para ocupar reas desmatadas e para cooperar no processo de restaurao do patrimnio f lorestal nativo. Quase todas as flores tas nativas do Bioma Mata Atlntica foram destr udas. Imensas reas desmatadas so ocupadas por monocultivos (soja, caf, arroz, banana, cana, ctricos, erva-ma te e videira) ou pastagens geralmente degradadas. Esses sistemas de uma s cultura, em grande ou pequena escala, no so sustentveis a longo prazo. Alm disso, as crescentes aplicaes de agrotxicos envenenam as pessoas e o ambiente. No mbito da agricultura familiar, as propriedades rurais so cada vez menores e, por esta razo, o agricultor pratica uma agricul tura de corte e queima (ver em Uso indevido das queimadas) sem perodo de descanso da terra ou mantendo sua capoeira por um perodo curto demais. O solo f ica cada vez mais desgastado e o agricultor familiar cada vez mais pobre. Existem diversas solues para corrigir essa situao, entre elas: adotar Sistemas Agroflorestais bastante diver sificados (numerosos componentes vegetais) e livres de insumos txicos (ver em Manejo integrado de pragas e doenas). Nos programas de restaurao de Reser vas Legais e de reas de Proteo Permanente (APPs) e na formao de corredores de biodiversidade, agricultores familiares podem utilizar alternativas agrof lorestais. No caso mais especfico de restaurao de APPs, uma forma ocupar durante dois anos por cultivos agrcolas de ciclo curto, caracterizando, dessa forma, um tipo de SAF genericamente denominado de taungya (ver detalhes em Sistema Taungya).

CAP. 1

Figura 1 - Alterna tiva SAF para recuperao de mata ciliar, mostrando culturas temporr ias de ciclo curto nas entrelinhas.

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1. Informaes gerais sobre Sistemas Agroflorestais e suas prticasDefinio e classificaoOs SAFs so sistemas de uso da terra nos quais espcies perenes lenhosas (rvores, ar bustos, palmeiras e bambus) so intencionalmente utilizadas e manejadas em associao com cultivos agrcolas e/ou animais. Um determinado consrcio pode ser chamado de agroflorestal na condio de ter, entre as espcies componentes do consrcio, pelo menos uma espcie tipicamente florestal, ou seja, uma espcie nativa ou aclimatada, de porte arborescente ou arbus tivo, encontrada num estado natural ou espontneo em f lorestas ou capoeiras (florestas secundrias). O Centro Mundial Agroflores tal (The World Agroforestry Centre ww w.worldagroforestry.org) adotou mais recentemente a seguinte definio: a agrossilvicultura a integrao de rvores em paisagens rurais produtivas. Essa definio tem a vantagem de ser mais breve e mais abrangente. Antes dessa nova posio, a agrossilvicultura era considerada exclusivamente como um alicerce para sistemas produtivos mais durveis, com componentes arbreos florestais. Agora exis te um reconhecimento internacional sobre a impor tncia das rvores tanto nos sistemas de produo (f lorestas, agrof lorestas), como nas paisagens. Na escolha das espcies perenes, dada preferncia s geradoras de renda. Porm, diversas espcies perenes sem ou com pouco valor comercial compem os sistemas, seja para melhorar a capacidade produtiva do solo (espcies adubadoras, submetidas periodicamente a podas ou rebaixamentos ings, crindiva, etc.), seja para cumprir outras funes (espcies de servio, mantidas, principalmente, para estabelecer um ambiente favorvel introduo de outras espcies desejveis). D-se grande impor tncia s espcies de uso mltiplo; para citar apenas um exemplo dentre tantos outros: o ing-cip melhora a fertilidade do solo, fornece mel de qualidade, a polpa que envolve as sementes muito apreciada pelas crianas, proporciona sombra para os cafeeiros, e fornece boa lenha. No Bioma Mata Atlntica, muitas espcies florestais nativas so fr utferas (por exemplo: a jabuticaba). Porm, fruteiras tais como abacateiro e pessegueiro no so espcies flores tais, o que podemos dizer que um consrcio limitado a caf e abacateiro no se torna um SAF; um consrcio limitado a pessegueiro com cultivos agrcolas de ciclo curto tambm no se caracteriza como um SAF, no obstante o fato de o pessegueiro fornecer linda madeira de qualidade para assoalhos de luxo, so cultivos perenes agrcolas. Consrcios agrcolas no so SAFs. Diversos cips ou plantas trepadeiras podem entrar na composio de SAFS como componentes geradoras de renda (cips com propriedades medicinais, por exemplo).

Classificao dos SAFsOs SAFs tm sido classificados de diferentes formas, segundo sua estr utura no espao, seu desenho atravs do tempo, a impor tncia relativa e a funo dos diferentes componentes, assim como os objetivos da produo e suas caractersticas sociais e econmicas (Macedo et. al, 2.000). Na classificao de uso mais difundida, procura-se considerar os aspectos funcionais e estruturais como base para agrupar es tes sistemas em categor ias:

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Sistemas silviagrcolas: so caracterizados pela combinao de rvores, ar bustos ou palmeiras com espcies agrcolas. Por exemplo: o consrcio caf-ing-louro pardo ou pupunha-cupuau-castanheira.

CAP. 1

Figura 2 - Consrcio caf + ing (9x9m) + louro-pardo (18x18m) Sistemas silvipastoris: so caracterizados pela combinao de rvores, ar bustos ou palmeiras com plantas forrageiras herbceas e animais.

Fotos 1 e 2 - Pastagem degradada com sobrecarga (na esquerda): sistema silvipastoril com distribuio relativamente uniforme das rvores introduzidas (castanheiras do Par). Sistemas agrossilvipastoris: so caracterizados pela criao e manejo de animais em consrcios silviagrcolas, por exemplo: criao de porcos em agroflorestas ou, ainda: um quintal com frutferas, hortalias e galinhas.

Figura 3 Quintal agroflorestal com criao de galinhas

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaExiste uma tendncia de propor uma categor ia adicional: os sistemas silvi-apcolas (outras informaes em Barros Silva, 2007). Porm, no parece necessrio, pois a produo de mel pode ser integrada em diversos tipos de sistemas silviagrcolas e sistemas agrossilvipastoris. A apicultura em sistemas silvipastoris no sempre recomendvel.

Figura 4 - Colmias dispostas num SAF

No Brasil, alguns profissionais e usurios de SAFs utilizam o termo sistema agrossilvipastoril para designar os SAFs no seu conjunto. Entretanto, isso no correto. A palavra utilizada para designar as diversas alterna tivas de uso agroflores tal da terra, no seu conjunto, so Sistemas Agroflorestais. Por outro lado, o termo Agrossilvicultura utilizado para designar tcnicas empregadas na implantao e manejo de SAFs, da mesma forma que silvicultura documenta os mtodos naturais ou ar tificiais de formar, manejar e regenerar florestas na tivas ou florestas plantadas.

Quanto presena dos componentes dos SAFs ao longo do tempo, distinguem-se duas principais categorias:!SAFs concomitantes (ou simultneo): onde todos os componentes so associados no mesmo perodo de tempo, durante todo o ciclo das culturas exis tentes (por exemplo: o consrcio caf ing louropardo) SAFs seqenciais: onde h uma relao cronolgica entre os componentes do sistema, se sucedendo no tempo, como o caso da seqncia lavoura branca - Capoeira - lavoura branca.

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Figura 5 - SAF seqencial: Roa capoeira roa capoeira

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Percorrendo a Mata Atlntica, praticamente impossvel encontrar dois SAFs estritamente iguais. Os agricultores familiares sejam eles tradicionais ou no, implantam e manejam uma ampla variedade de arranjos que refletem conhecimentos diferenciados, diretamente ligados s suas necessidades de segurana alimentar e s demandas do mercado. De modo geral, grande parte dos SAFs implantados por agricultores familiares assistidos por organizaes no governamentais de Ater, tm sido implantados buscando interagir com os princpios da agroecologia2 , potencializando a transio de modelos simplificados para propostas complexas atravs de estra tgias participativas e sistmica, reconhecendo o potencial endgeno e sociocultural local, conforme Vivan e Clement, 2008, "reas compostas por arranjos seqenciais de espcies ou de consrcios de espcies herbceas, arbus tivas e arbreas, que evoluem para sistemas perenes de mltiplos estratos". No Brasil, assim como em muitos pases tropicais, encontramos tanto SAFs que so conduzidos de modo a evoluir para um conjunto de dois ou no mximo trs estra tos (com manejo restrito a roadas), como SAFs que so mais complexos em termos de manejo (podas para fer tilizao e conduo dos diferentes estra tos) e de estr utura horizontal e ver tical (vrios estratos). Estas duas categorias podem ser descritas como: Consrcios agroflorestais est ticos: so aqueles onde o manejo e outras inter venes realizadas pelo agricultor praticamente no modif ica a composio nem a estr utura do consrcio agroflores tal. O sistema cacau - cabruca convencional um exemplo: roadas peridicas mantm a regenerao natural em nveis bastante baixos. No existe poda ou manejo do es trato dominante e basicamente dois estratos so admitidos: o dominante, onde esto rvores de grande por te; e o arbus tivo, onde est o cacau. As nicas intervenes so a colheita do cacau e as capinas, as quais geram o mesmo impacto negativo na regenerao natural de espcies arbreas. Muitos SAFs praticados pertencem a esta categoria. Todavia, convm saber que, dependendo da fertilidade da terra e da estrutura do sistema produ tivo, alguns SAFs estticos podem apresentar excelentes caracters ticas de sustentabilidade ecolgica e econmica, desde que haja cer to nvel de replantio de espcies de sombra, a fim de evitar o envelhecimento do sistema. O sis tema cabruca, os cafezais sombreados orgnicos do Cear e os sistemas silvipastoris se encaixam, de modo geral, nesta categoria.

CAP. 1

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SAFs sucessionais (conhecidos tambm como dinmicos): caracterizam-se por serem sistemas multi-estratif icados, implantados e manejados com a tendncia de imitar a dinmica de sucesso ecolgica de restaurao natural de uma f loresta na tiva, porm, cuja composio e manejo atendem objetivos de segurana alimentar e aumento da renda familiar (Michon, 1998). A modalidade mais rigorosa e mais prxima desse processo foi consolidada e difundida no Brasil e no exter ior pelo agricultor e pesquisador suo Ernst Gtsch, cujos modelos de SAFs so apoiados numa relao direta com a dinmica sucessional, as capinas seletivas e uma seqncia de podas (e eventualmente, rebaixamentos), acelerando a acumulao de matria orgnica no solo (detalhes adicionais no CD-ROM). Uma outra modalidade de agrofloresta sucessional o SAFRA (Sistema Agroflores tal Regenerativo e Anlogo), promovido no Centro-Sul do Paran pelos agricultores assistidos pela ONG Assessoria e Servios a Projetos em Agricultura Alter nativa (AS-PTA), no qual a erva-ma te cultivada como componente de um SAF dinmico biodiversif icado, sendo a araucria um componente de base deste consrcio.

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A Agroecologia entendida como um enfoque cientfico, terico, prtico e metodolgico, com base em diversas reas do conhecimento, que se prope a estudar processos de desenvolvimento sob uma perspectiva ecolgica e sociocultural e, a partir de um enfoque sistmico, adotando o agroecossistema como unidade de anlise, apoiar a transio dos modelos convencionais de agricultura e de desenvolvimento rural para estilos de agricultura e de desenvolvimento rural sustent veis (Associao Brasileira de Agroecologia - ABA). Ver tambm "Agroecologia e Extenso Rural: contribuies par a promoo do desenvolvimento sustentvel, livro de Francisco Roberto Caporal e Jos Antnio Costabeber. Braslia, MDA/SAF/Dater - 2007.

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Categorias de SAFs quanto estrutura e potencial de conservaoOutra classif icao relevante para o entendimento de funes ecolgicas de SAFs foi proposta por Scroth et al., (2004). Um dos principais aspectos desta classif icao o entendimento de seu valor como habitat e corredor biolgico, e ambos os sistemas podem ser de grande relevncia conservao da biodiversidade. So duas categorias principais de SAF complexos:

SAFs de estrutura e composio baseadas em rvores do estrato dominanteTm maior potencial para conservao da biodiversidade de espcies vegetais pela sua estru tura de copa fechada e maior tolerncia regenerao de espcies nativas no manejo. Essa categoria inclui Sistemas Agroflores tais complexos como os que so formados por seringais biodiversos (Hevea brasiliensis) gerados a par tir de roados sucessionais, comuns na zona de amor tecimento do Parque Nacional do T apajs, no Par. Tambm so comuns estes sistemas na Indonsia, em Sumatra, na for ma de agroflores tas de damar (Shorea javanica), uma resina comercial, e durian (Durio zibethinus) um fruto de larga aceitao na sia, ou de benjoin (Styrax spp.), que tambm produz resina e matria prima para incensos.

SAFs de estrutura e composio baseadas em rvores do estrato arbus tivoTm potencial de conservao de biodiversidade principalmente para espcies animais e vegetais que dependem de situaes de diversidade de exposio solar e estgios de sucesso, tpico do mosaico gerado neste tipo de SAFs. Exemplos desta categor ia de agroflores tas complexas baseadas em espcies de por te arbus tivo so o sistema de cultivo de cacau tradicional diversificado em cabrucas, os cafezais sombreados com grande diversidade da Amrica Central, os bananais com rvores (sis temas silvi-bananeiros), tradicionais no Vale do Ribeira (SP) e entre povos indgenas na regio de Talamanca, na costa caribenha da Costa Rica.

Sistemas Agroflorestais ou Agroflorestas?Como forma de distino entre as diversas formas e arranjos de SAFs, vem se consolidando um movimento, no Brasil, estabelecido pelas organizaes dos agricultores e de assessoria tcnica agricultura familiar (rgos pblicos e privados), centros de pesquisa e de ensino, de utilizao do termo agrofloresta, estabelecido para designar Sistemas Agroflorestais biodiversif icados e agroecolgicos, cujas caracters ticas se assemelham ecologicamente a sucesso natural dos ecossistemas, devido a grande diversidade de espcies agrcolas e florestais. Porm agrofloresta uma palavra nascida no Brasil, e ela pode causar alguma confuso quando utilizada em publicaes destinadas a um pblico internacional, onde a expresso utilizada de forma diferente.

Implantao e Manejo dos SAFs3 De forma inicial, podemos resumir que no desenvolvimento agroflorestal, os ingredientes de pleno sucesso so, principalmente :

!3 Captulo

O sistema deve reunir um grande nmero de espcies (alto nvel de biodiversidade interna do SAF).elaborado com contribuio do Mutiro Agroflores tal. Ver texto da contribuio na ntegra em: Manual Agroflorestal para Mata Atlntica

CD-ROM.

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

O SAF deve possibilitar a gerao de produtos e alimentos limpos, isentos de contaminao por agrotxico.

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Os agricultores devem poder contar com um forte e amplo apoio tcnico, considerando desde a implantao e manejo de SAFs, at o processo de agregao de valor atravs do beneficiamento dos produtos gerados, e na busca de mercados que valorizem a sua origem.

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Os servios de ex tenso rural nas atividades agrof lorestais (governamentais e no-governamentais) devem promover intercmbio de conhecimentos e experincias entre membros das comunidades agrcolas familiares.

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Os agricultores e os ex tensionistas devem aumentar sua capacidade de observar, de pesquisar e intercambiar suas experincias com os outros membros da sua associao ou comunidade; os extensionistas devem aprender a falar no linguajar dos agricultores.

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CAP. 1

A par tir das observaes feitas na roa e no seu entorno, o agricultor e os tcnicos da extenso passam a consolidar e diversif icar seus prprios conhecimentos.

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Escolher as espcies em funo do clima e solo (fer tilidade e umidade).

Escolher as espcies priori trias em funo da segurana alimentar da famlia rural e/ou da sua capacidade de diversificar a renda familiar (espcies prioritrias comerciais). As espcies prioritrias comerciais so escolhidas em funo das demandas existentes no mercado presente e futuro.

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Acumular matria orgnica no sistema atra vs de capina seletiva e podas peridicas, e no utilizar fogo.

Ficar atento s pragas e doenas, que indicam que est sendo feita alguma coisa de errado no manejo da agroflores ta.

Espcies componentes dos SAFsAs espcies cultivadas ou mantidas nos SAFs so as mais diversas possveis e, de modo geral, per tencem a pelo menos um dos seguintes grupos: Espcies prioritr ias: anuais, persistentes ou perenes u tilizadas para o auto-consumo, considerando a segurana e soberania alimentar da famlia agricultora em diversidade e qualidade, e para a gerao e apropriao da renda (beneficiamento e comercializao). Espcies anuais: arroz, feijo, milho, mandioca, hor talias, etc. Espcies plurianuais ou espcies persistentes: bananeiras, gengibre, araruta, pacov, etc. Espcies perenes: cacau, caf, inmeras frutferas, erva-mate, espcies madeirveis, algumas plantas medicinais, bambus, etc.

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Espcies de servio: so espcies (preferencialmente perenes ou semi-perenes) funcionais na prestao de servios principalmente em termos de sustentabilidade ambiental do sistema produ tivo, como solo, gua, planta e animais. Nesta categoria podemos tambm considerar: - as plantas repelentes que ajudam a controlar determinadas pragas e, eventualmente, as doenas das espcies prioritrias; entre elas: o nm (Azadirachta indica), o cravo-do-defunto (T agetes minuta), o gengibre (Zingiber oficinale); - as plantas indicadoras, e; - as plantas invasoras (invasoras benficas e invasoras de risco).

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaQuando per tencente aos dois destes grupos, considera-se a planta como espcies de uso mltiplo; como exemplo podem-se citar as muitas espcies de ings como timas fornecedoras de matria orgnica, madeira e lenha, alm de suas flores serem melferas e sua copa promotora de tima sombra para as culturas consorciadas. O abacate outro bom exemplo, considerando a diversidade de uso de seu fruto (alimentao e cosmtico, principalmente), boa qualidade da madeira e permite um bom ndice se sombreamento para os cafezais.

Espcies prioritr iasConsiderando a necessidade de segurana alimentar e a gerao de renda dos agricultores familiares, indispensvel incluir como componentes do SAF (nas agroflorestas e em sis temas silvipastoris) espcies com capacidade de gerar ingressos no curto, mdio e longo prazo. Neste sentido, no decorrer da formao do sistema convm escolher espcies anuais como o arroz, milho, feijo, hortalias, abbora, mamoeiro, cara, entre outras (neste caso, impor tante identificar as caracters ticas de diversidade alimentar das famlias rurais), consorciando com espcies que iniciam a sua produo quando termina a fase de espcies de ciclo curto, ou seja, fru tferas precoces e cultivos persis tentes que continuam produzindo por um tempo maior, inclusive debaixo de sombra moderada (bananeiras, gengibre, araruta, abacaxi, etc.) e cultivos agrcolas perenes. Das espcies de ciclo mdio a longo de produo, podemos destacar o caf, cacau, erva-ma te, ctricos e outras fruteiras, palmeiras comerciais (palmito juara; aa, pupunha, etc.), espcies condimentares (pimenta-doreino, noz moscada, cardamomo, pimenta-da-jamaica, cravo-da-ndia, canela, baunilha), espcies madeireiras demandantes do mercado, preferencialmente nativas (por exemplo, pinheiro-do-paran, jequitib-rosa, vinhtico, ararib-robusto, louro-pardo, pau-pereira, etc.) ou mesmo exticas no invasoras, considerando sempre as condies locais de solo e clima.

Espcies de serviosPodemos considerar como servios das espcies florestais, ou seus efeitos no sistema produ tivo, a conservao do solo e da gua, o melhoramento da fer tilidade e aumento das atividades biolgicas do solo, melhoria das condies de micro-clima s plantas e animais e o controle biolgico de pragas e doenas. impor tante destacar que, mesmo considerando uma diviso de funcionalidade das espcies florestais; na prtica isso no ocorre de forma individual e isolada, mas sim por meio de uma integrao dessas funcionalidades onde as espcies instaladas se complementam para melhor otimizao dos servios prestados, criando uma rede complexa de adaptaes naturais. Como principais efeitos das rvores utilizadas nos sistemas produtivos, podemos citar: - controle de eroso, tanto hdrica quanto elica, principalmente em terrenos declivosos; - melhora nas estr uturas f sicas e qumicas do solo; - reduo da evaporao da umidade do solo; - aumento da taxa de matria orgnica e de infiltrao de gua no solo; - fixao e disponibilizao de nutrientes ao sistema; - permite a reciclagem de nutr ientes das camadas profundas do solo;

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

- aumento da populao de microorganismos e insetos benficos; - estreitamento da variao de temperatura para as culturas e animais. Plantas adubadoras (ver em Adubao Verde, pg 55) Plantas repelentes (ver Manejo integrado da propriedade rural, pg. 57) Plantas indicadoras: determinadas espcies de plantas podem ajudar o agricultor a tomar decises principalmente em funo das caracters ticas fsico-qumica do solo, so as plantas indicadoras. Entre elas:

Quadro 1 Plantas indicadoras de fertilidade de solos

CAP. 1

Plantas invasoras benficas: muitas espcies pioneiras iniciais apresentam forte capacidade de regenerao natural e, por tanto, atuam muitas vezes como invasoras em ambientes adequados de luz, temperatura e umidade. A par tir de um manejo adequado, elas se tornam benficas, visto que promovem e viabilizam a dinmica da sucesso ecolgica. o caso, por exemplo, da aroeira-pimenteira, de vrios ips, muitas compsitas (cambar, vassoures, etc), e espcies do gnero Sesbania. Essas pioneiras devem ser objeto de manejo, por exemplo, mediante podas peridicas ou decepas (feitas antes da maturao dos fru tos). Do mesmo modo as plantas colonizadoras, em sua maioria herbceas, uma vez submetidas a capinas seletivas sucessivas, tornam-se benficas ao sistema. Plantas invasoras de risco: ao escolher os componentes da agrofloresta, deve-se evitar a introduo de espcies invasoras de risco, sejam elas exticas ou nativas. Entende-se por invasoras de risco espcies que podem se tornar problemas ambientais. Seguem alguns exemplos:

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Espcies nativas arbustivas ou arborescentes:

Sparat tosperma leucanthum (bignonicea, caroba-branca; cinco-folhas; ip-batata, ip branco) considerada daninha de pastagens. Ocorrncia: sul da Bahia, Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaZeyheria tuberculosa (bignonicea, ip-tabaco; ip-felpudo); considerada daninha de pastagens. Ocorrncia: Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais e norte do Paran. Arachis pintoi (leguminosa, amendoim forrageiro), leguminosa herbcea, aconselhada para formar cobertura viva; utilizada localmente como forrageira na formao de pastagem; quando plantada na borda de uma floresta ou de uma capoeira ou ainda dentro de uma agrofloresta, ela pode invadir as reas sombreadas. Tipuana tipu (leguminosa/ tipa-branca; tipu; tipuana;) rvore de grande por te, de crescimento rpido, ornamental e forrageira. O fruto seco, provido de uma asa, que facilita a disperso pelos ventos. Ocorrncia natural: Brasil meridional, Uruguai, Paraguai, norte da Argentina e sul da Bolvia. Introduzida em vrias par tes do planeta (Estados Unidos, Austrlia, etc.) onde considerada invasora nociva. Mimosa bimucronata (unha-de-gato) localmente (principalmente no Brasil meridional) tornou-se invasora de alto risco. Zeyheria tuberculosa (ip-tabaco; ip-branco) e, tambm, alguns ips do gnero T abebuia podem se tornar invasoras em pastagens pelo desenvolvimento de rebentos vigorosos, que brotam das razes aps o cor te da rvore.

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Espcies exticas arbreas ou arbus tivas :

Pinus - As espcies deste gnero parecem apresentar maior tendncia invasora. Convm ficar alerta, monitorar e caracterizar casos especficos de invaso. Spathodea campanulata (var. nilotica) - Dentre outras exticas, podemos citar: a tulipa-africana, plantada como rvore or namental. Acacia sp. - diversas espcies arbreas ou arbustivas dentro des te gnero. Tithonia diversifolia - o girassol mexicano, arbustiva com forte capacidade invasiva. Tecoma stans - o amarelinho, espcie mexicana, uma das plantas invasoras exticas no sul do Brasil. Acacia mangium na recuperao de terras degradadas e se tornou espcie invasora. As sementes so disseminadas por pssaros devido ao filamento que une a semente placenta ser longo e aucarado. Outras espcies exticas do gnero Acacia, introduzidas no Brasil, apresentam as mesmas caractersticas e deveriam ser vigiadas. Existem tambm espcies de animais exticos invasores, que podemos observar em SAFs, como o caramujo gigante africano, a abelha africana e as lesmas.

4 Outras

informaes sobre espcies invasoras: ww w.institutohor us.org.br (A melhor fonte para invasoras exticas) Especificamente: Www.insti tutohorus.org.br/download/f ichas/ Spatodea_campanulata.htm ww w.institutohor us.org.br/download/fichas/Psidium_guajava.htm

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

A distribuio espacial das espcies que compem os SAFsdistribuio espacial irregular: as espcies so distribudas mais ou menos ao acaso (por exemplo, espcies arbreas oriundas de regenerao natural) ou adaptadas a variaes ecolgicas (condies fsicas e orgnicas do solo; graus de sombreamento; etc.). Algumas espcies requerem terra mais rica em matria orgnica, enquanto que outras so menos exigentes. Determinadas plantas produzem mais em solos profundos, com boa drenagem natural, outras se desenvolvem bem, mesmo em solos de pouca profundidade. ]

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CAP. 1

Figura 6 Distribuio espacial misturada distribuio espacial uniforme: a distribuio espacial de todas as espcies obedece a um padro prdeterminado com espaamentos constantes, pr-definidos para cada espcie (exceto a cobertura viva espontnea ou introduzida).

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Figura 7 Distribuio espacial uniforme

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Agroflorestal para a Mata Atlnticadistribuio espacial mista: combina a distribuio uniforme com a irregular. o caso de um SAF de caf no qual os cafeeiros so distribudos de forma uniforme, enquanto que espcies flores tais nativas de regenerao natural, ou mesmo plantadas, apresentam uma distribuio espacial irregular.

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Figura 8 Distribuio espacial mista

distribuio espacial em faixas: a rea ocupada pelo SAF composta por faixas com cultivos de ciclo curto ou cultivos de baixo por te, separadas por faixas com espcies de porte mais alto (espcies f lorestais altas e/ou frutferas perenes de porte bas tante alto).

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Figura 9 Distribuio espacial em faixas

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Agroflorestal para a Mata Atlntica

distribuio espacial em mosaico: a rea ocupada pelo SAF fica subdividida em unidades de forma e extenso vari veis. Algumas unidades so menos sombreadas que outras. As unidades levemente sombreadas so reservadas para cultivos comerciais que requerem bastante luz (caf, mamoeiro, pimenta do reino, ctricos, etc.) enquanto que, em outras "unidades" do mosaico, nitidamente mais sombreadas, haver maior densidade de espcies perenes comerciais de ciclo mais longo (madeiras, frutferas longevas, espcies perenes melferas, etc.). Esta distr ibuio espacial conduz formao de agroflorestas biodiversif icadas, gerando uma grande variedade de produtos comerciais e maior segurana econmica para o agricultor.

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CAP. 1

Figura 10 Distribuio espacial em mosaico

Arquitetura e Estrutura de SAFsConvm considerar aqui a estru tura ver tical e horizontal do SAF (existncia de um ou vrios es tratos tambm chamados de camadas ou andares) e a densidade das espcies principais que compem o consrcio agroflores tal. Um sistema silviagrcola simples apresenta, em geral, trs estratos: o es trato dominante formado, por exemplo, pelo louro-pardo; o estrato intermedir io formado pelos cafeeiros; e o estrato de cobertura viva, que pode ser composta por diversas espcies herb ceas, como por exemplo, feijo-de-porco, amendoim forrageiro, etc. Em quintais agroflorestais, principalmente no caso de florestas-pomar, podem co-existir mais de cinco estra tos. Na composio do SAF, principalmente durante os primeiros anos de sua implantao e manejo, impor tante considerar a densidade dos plantios iniciais. Um SAF muito aberto pode ser invadido por plantas herbceas e arbus tivas indesejveis. Da a importncia de empregar espcies de servio (espcies adubadoras e espcies de cobertura) para impedir a entrada de plantas invasoras. Na medida em que o SAF se desenvolve, as espcies adubadoras podem ser submetidas a podas e/ou rebaixamento, visando diminuir seus efeitos de competio e ajudando na acumulao de matria orgnica.

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As prticas agroflorestaisAs prticas agroflorestais so intervenes que podem ser executadas nas propriedades para melhorar a produtividade em sistemas agropecurios de produo. Seguem alguns exemplos: 1.Formao de cercas vivas e/ou uso de moures vivos; 2.Formao de quebra-vento e/ou de aceiros arborizados; 3.Plantio em linha de rvores de crescimento rpido para indicar os limites de uma propriedade rural ou os limites entre suas unidades de produo; 4.Formao de faixas arborizadas de proteo (modelo box); 5.Uso de tutor vivo (substi tuindo a estaca ou vara enterrada no solo para amparar uma planta que requer um apoio). Num sentido mais amplo, poderiam ser classificadas como prticas agroflores tais algumas tcnicas adotadas para melhorar a produtividade. Como por exemplo, as tcnicas de implantao de cultivos permanentes ou anuais sem o uso de queima e o sistema feijo abafado, praticado em diversas regies na Amrica do Sul. No caso do feijo abafado, so utilizadas variedades de feijo de hbito trepador, semeadas a lano antes de roada seletiva da capoeira. A prtica preconiza reduzir o tamanho dos restos de roada e golpear a biomassa produzida com varas, abafando o feijo, para que as sementes entrem em contato com o solo mido. T oda a prtica sincronizada com a chegada das chuvas. Se a esta prtica for incorporado o plantio de cultivos perenes em seqncia (banana, aa, madeirveis), o conjunto evoluir para uma agroflores ta.

Cercas vivasAs cercas vivas, alm de sua finalidade imediata, podem atuar como abrigos para aves e com efeitos benficos sobre o controle biolgico de insetos. Cercas vivas adensadas podem diminuir os efeitos nocivos do vento alm de impedir a passagem de animais e de pessoas. Como exemplo muito utilizado nas propriedades podemos citar as cercas vivas densas formadas com sanso-do-campo (sabi, variedade espinhosa).

Figura 11 Cerca Viva

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No quadro a seguir so apresentadas informaes sobre algumas espcies utilizadas para cerca viva: Quadro 2 - Espcies utilizadas para cerca viva

CAP. 1

Na hora da escolha da(s) espcies(s) a serem colocadas para o estabelecimento de cercas vivas extremamente impor tante a identificao se essa(s) espcie(s) so possveis hospedeiras de pragas que possam danificar as culturas comerciais. Por exemplo, o sabi (sanso-do-campo) pode hospedar a cochonilha-pardinha que ataca os ctricos.

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaMoures vivosNo Rio de Janeiro, a Embrapa Agrobiologia iniciou um experimento referente a moures vivos (moures vivos e arame farpado), empregando a gliricdia (Gliricidia sepium) e uma espcie do gnero Ery thrina.

Figura 12 Mouro Vivo

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No Quadro a seguir, apresentam-se algumas informaes de espcies com potencial de utilizao como moures vivos: Quadro 3 - Espcies utilizadas para moures vivos 5

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5 Outras

informaes: ww w.cnpab.embrapa.br/publicacoes/sistemasdeproduao/moirao.htm http://sistemaproducao.cnptia.embrapa.br/Fontes HTML/MoiraoVivoCercaEcologica

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaT utores vivosO uso da gliricdia (tambm conhecida como mata-rato, Gliricidia sepium) como tutor vivo reduz os custo de produo (tutor vivo formado com esta leguminosa sai muito mais barato que qualquer outro tipo de moiro) e apresenta a vantagem de promover a fixao de nitrognio. Outra espcie testada na Amaznia e que apresenta bons resultados o nim (Azadirachta indica), rvore extica proveniente da ndia. Deve-se experimentar tambm algumas espcies ou mesmo variedades no espinhosas do gnero Ery thrina (mulungu; suna; etc.). Outra espcie que se deve experimentar a Simarouba amara (Simaroubcea; marup, marupaba, caixeta). O uso de tutores vivos propicia cer to sombreamento, que pode resultar em melhoria da fer tilidade do solo, reduo da eroso, e despesa menor com adubos, capinas e controles fitossanitr ios. Porm, de modo geral, os tutores vivos devem ser periodicamente podados para controlar o ndice de sombreamento exigido pela cultura principal.

Figura 13 Tipos de tutores vivos

Quebra-vento6O vento uma importante var ivel que afeta a produtividade das culturas por aumentar as perdas de gua por evaporao e transpirao (evapotranspirao). Tambm um fator de disseminao de vetores patolgicos. No caso do cafeeiro, que uma planta de baixa tolerncia aos ventos, a produtividade comea a cair com ventos acima de 2 metros por segundo (m/s). Com ventos mais velozes, surgem danos mecnicos nas folhas, que so por tas de entrada para fungos e bactrias. O mesmo acontece com as bananeiras. Os quebra-ventos devem ser alinhados perpendicularmente aos ventos dominantes da regio e no formar uma barreira muito fechada ou muito densa. Para permitir a sua funcionalidade, um bom quebra-vento deve ser perme vel, ou seja, indicado que parte do vento passe por entre as r vores. Na sua implantao, convm utilizar plantas flexveis, como por exemplo, a casuarina (Casuarina equisetifolia), os ciprestes (Cupresssus spp.), e os bambus. Os bambus e rvores com copa flexvel absor vem melhor a fora do vento. rvores de copa rgida favorecem a formao de redemoinhos imediatamente depois do quebra-vento.6 Outras

informaes: ww w.lce.esalq.usp.br/aulas/lce306/aula13.pps ww w.ufpel.edu.br/agrometeorologia/quebravento.pdf ww w.cpact.embrapa.br/programas_projetos/projetos/quintais_organicos/quebra_vento.pdh

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Figura 14 Quebrar-vento permevel

O quebra-vento, sem a adequada permeabilidade, cria uma zona de redemoinho e turbulncia, numa faixa localizada imediatamente aps o quebra-vento.

Figura 15 Quebra-ventos sem adequada permeabilidade

Planejando a implantao do quebra-vento: O quebra-vento formado por algumas fileiras de rvores. Do lado que recebe o vento dominante, uma primeira linha plantada com arbus tos ou rvores de por te mdio (por exemplo, aroeira-pimenteira, araticum-do-mato, pau-pombo; etc.). A segunda e terceira linhas podem ser ocupadas com rvores mais altas nativas (tapereb, pinheiro-do paran, guatambu-peroba, etc.) ou exticas (ciprestes, eucaliptos, etc.). A ltima linha do lado da rea cultivada plantada com arbustos ou rvores de por te mdio (por exemplo, a mutamba). As espcies utilizadas devem ser pereniflias e eventualmente misturadas com algumas rvores semidecduas. Para manter um grau adequado de permeabilidade do quebravento, necessrio podar periodicamente as rvores das segundas e terceiras linhas, eliminando os ramos na par te inferior dos fustes.

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaNa figura abaixo os perf is transversais de bons quebra-ventos so apresentados:

Figura 16 Perf il transversal com quatro fileiras

Figura 16-A Perf il transversal com cinco fileiras

A largura ocupada pelo quebra-vento raramente superior a 15 a 20 metros. O quebra-vento que recebe o primeiro impacto do vento dominante (quebra-vento principal - QVP) deve ter uma largura de pelo menos 15 metros e possuir cinco fileiras. No h necessidade de exagerar a largura do quebra-vento. Um bom quebra-vento de 20 metros de largura pode ser to eficiente em termos de proteo contra o vento quanto uma faixa de floresta de 60 0 metros de largura. Os quebra-ventos secundrios - QVS, localizados mais para dentro da rea cultivada, podem ser mais estreitos, compostos por trs fileiras arborizadas e uma largura de 6 a 8 metros. A distncia (D) entre dois quebra-ventos deve ser igual, ou no mximo, a 20 vezes a altura mdia das rvores de maior crescimento vertical existentes (r vores dominantes AD) no quebra-vento. Quando, alm do vento dominante (VD), existir tambm ventos secundrios (VS), capazes de afetar o rendimento da agricultura ou da pecuria, convm estabelecer quebra-ventos adicionais, com orientao apropriada, formando-se, nes te caso, uma rede mais ou menos quadriculada.

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CAP. 1

Figura 17 Quebra-vento em rede quadriculada

Aceiros arborizadosEm regies com estao seca rigorosa os riscos de incndios so maiores e o fogo pode atingir as reas cultivadas. O prejuzo maior quando se trata de culturas perenes (caf, cacau, erva-mate, etc.). Os aceiros arborizados (aceiros verdes) servem para proteger as culturas ou pastagens contra os riscos de destr uio pelo fogo. Devem-se plantar exclusivamente rvores ou ar bustos sempre verdes (espcies pereniflias), utilizando espaamentos iniciais densos, possibilitando um rpido fechamento da cobertura formada pelas copas das rvores. Infelizmente, no Brasil, formar aceiros arborizados prtica pouco utilizada. O uso de aceiros limpos (faixas de cho limpo) praticado com maior freqncia. Para formar aceiros arborizados na ex tensa regio da Mata Atlntica, no existe exper incia adequada que possa orientar com segurana a escolha das espcies de melhor desempenho. Sugerem-se as seguintes espcies: mangueira (extica aclimatada; crescimento bastante rpido), carrapeta verdadeira (nativa; pereniflia; crescimento rpido), ing-branco (nativa; sempre verde), canela-branca ou canela-fogo (nativa; sempre verde; bom crescimento; boa madeira); bonifcio ou vaquinha (nativa; sempre verde; bom crescimento; medicinal); estf ia-branca (nativa; sempre verde; crescimento rpido); itararanga ou embaba-rana (nativa; sempre verde; bom crescimento). Em cada regio, convm observar o comportamento dos ar bustos e r vores sempre verdes, principalmente no que se refere resistncia ao impacto de queimadas. Para a implantao dos aceiros sugere-se que o agricultor obedea estrutura trans versal recomendada para os quebra-ventos. Do lado que normalmente pode receber o impacto de queimadas, devem ser plantadas espcies sempre-verdes, cujas folhas ou fololos sejam preferencialmente coriceos e recobertos com uma cutcula cerosa. No Brasil, espcies com esta caracterstica se encontram em regies semi-ridas (Cerrado; Catinga) ou em regies de transio entre a Mata Atlntica e o Cerrado. Recomenda-se experimentar espcies do gnero Acosmium (leguminosa; arbustos ou rvores de por te mdio; sempre-verdes; algumas espcies apresentam propriedades medicinais valiosas; existem diver sos nomes populares, entre eles, perobinha). Em ensaios experimentais realizados no Baixo-Congo, Zaire, nos anos 1957-1959, o Acosmium brachystachyum (espcie nativa do Brasil) foi a que melhor resistiu a impactos frontais do fogo. Os fololos mesmo quando secos no pegam fogo.

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Agroflorestal para a Mata AtlnticaNa margem externa do aceiro, as espcies a serem plantadas devem ser arbustivas ou de por te mdio. Imediatamente atrs desta faixa de porte baixo ou mdio deve-se plantar r vores de por te alto. Se todas as espcies empregadas na formao do aceiro forem de porte baixo ou relativamente baixo, algumas fagulhas acesas poderiam transpassar por cima do aceiro e dar incio a um incndio dentro da rea a ser protegida. Na fase de implantao do aceiro, as entrelinhas podem ser ocupadas com cultivos de ciclo cur to ou ciclo persistente (por exemplo, o gengibre). No Baixo Congo, os aceiros com Acosmium brachystachyum foram implantados colocando-se a