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MANUAL DE ATUAÇÃO FUNCIONAL CONSUMIDOR 1 Colaboradores : José Augusto de Souza Peres Filho Sérgio Luiz de Sena Zenilde Ferreira Alves 01 – INTRODUÇÃO : O Direito do Consumidor confunde-se, em sentido amplo, com a idéia de direitos humanos, sendo considerado, por parte da doutrina, como direitos de segunda geração, cujo princípio fundamental é a busca pela igualdade material, com o reconhecimento e a efetivação prática dos direitos no plano dos fatos. Daí ressaltar o aspecto social do Direito do Consumidor, característica bastante sensível quando se levam em conta, por exemplo, os objetivos e princípios expressamente eleitos pelo legislador brasileiro ao dispor sobre a política nacional das relações de consumo. Note-se, portanto, que o Direito do Consumidor é, ao mesmo tempo, anseio e conseqüência do sistema capitalista e da economia de massa, aspectos típicos do mercado a partir da segunda metade do Século XX. Sob o prisma consumerista, reconhece-se, a priori, o consumidor inferiorizado em relação ao fornecedor, sobretudo se 1 A maior parte do texto foi retirada do Manual de Atuação do Ministério Público de Minas Gerais, com diversas adaptações.

Manual Consumidor 2010

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MANUAL DE ATUAÇÃO FUNCIONAL

CONSUMIDOR 1

Colaboradores:

José Augusto de Souza Peres Filho

Sérgio Luiz de Sena

Zenilde Ferreira Alves

01 – INTRODUÇÃO:

O Direito do Consumidor confunde-se, em sentido amplo, com a idéia de direitos humanos, sendo considerado, por parte da doutrina, como direitos de segunda geração, cujo princípio fundamental é a busca pela igualdade material, com o reconhecimento e a efetivação prática dos direitos no plano dos fatos. Daí ressaltar o aspecto social do Direito do Consumidor, característica bastante sensível quando se levam em conta, por exemplo, os objetivos e princípios expressamente eleitos pelo legislador brasileiro ao dispor sobre a política nacional das relações de consumo.

Note-se, portanto, que o Direito do Consumidor é, ao mesmo tempo, anseio e conseqüência do sistema capitalista e da economia de massa, aspectos típicos do mercado a partir da segunda metade do Século XX. Sob o prisma consumerista, reconhece-se, a priori, o consumidor inferiorizado em relação ao fornecedor, sobretudo se consideradas (no mais das vezes) a sua capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação, bem como, no plano técnico, acerca das características e riscos de utilização dos diversos produtos e serviços que lhe são postos à disposição. Daí os princípios da vulnerabilidade e hipossuficiência dos consumidores.

Com o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ficou clara e patente a disposição do Estado brasileiro em reconhecer e dar guarida, no plano normativo e na prática cotidiana, aos preceitos básicos traçados a partir da Resolução ONU nº 39/249, bem como a regras de conduta com vistas à tutela do hipossuficiente e vulnerável, participante da relação de consumo.

1 A maior parte do texto foi retirada do Manual de Atuação do Ministério Público de Minas Gerais, com diversas adaptações.

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Nessa conjuntura, o Ministério Público, no cumprimento de seu mister institucional, deve atentar para os aspectos econômicos e sociais do Direito do Consumidor, utilizando-se, para tanto, dos instrumentos colocados à sua disposição, dentre os quais se destacam, o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública (CF/88, art. 129, inciso III c/c Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985).

02 – CONCEITOS BÁSICOS NA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSUMERISTAS:

Por conceitos básicos em Direito do Consumidor, deve-se entender os vocábulos e expressões de uso corrente, cujas definições devem ser de conhecimento sedimentado do Promotor de Justiça. São, em princípio, os seguintes:

a) Norma de ordem pública:

O CDC, em seu art. 1º, informa serem preceitos de ordem pública e interesse social as normas nele contidas, assim entendidas como de caráter cogente, isto é, de observância obrigatória e não derrogáveis pela vontade das partes, salvo nas hipóteses prévia e expressamente por ele permitidas. Logo, em geral, não há, na interpretação das disposições consumeristas, margem para a disposição de direitos por parte do consumidor, seja em cláusula contida em contrato de adesão ou não.

b) Relação de consumo:

Espécie de negócio jurídico cuja nota diferenciadora consiste na qualidade dos sujeitos participantes – de um lado, o consumidor e, de outro, o fornecedor – bem como na dos objetos envolvidos – produto e/ou serviço –, além de um elemento teleológico, finalístico – utilização do objeto na condição de seu destinatário final. O seu reconhecimento visa propiciar a adoção de um microssistema jurídico próprio – Direito do Consumidor –, com princípios e normas derrogadoras do direito privado clássico (Direito Civil) e do denominado Direito Comercial (modernamente conhecido também por Direito Empresarial).

c) Consumidor:

Segundo a doutrina, o conceito de consumidor, tal como exposto no CDC, decorre da leitura de três artigos – 2º, 17 e 29 –, assim dispostos em uma escala de concretude e visibilidade.

Na definição do art. 2º, o consumidor é o próprio participante do negócio jurídico de consumo entabulado com o fornecedor. É, pois, denominado consumidor real, visto que diretamente adquire ou utiliza o bem (produto ou serviço) como destinatário final – trata-se, desse modo, da figura do consumidor, por excelência.

O parágrafo único do art. 2º também reconhece como consumidor, toda “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

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Já no art. 17, é reconhecida a figura da vítima de acidente de consumo, denominado fato do produto ou do serviço, que, por força de disposição específica de lei é equiparada, para efeitos de declaração e proteção de direitos, a consumidor.

Por fim, no art. 29 também se vislumbra hipótese legal de equiparação de consumidor, na medida em que o CDC, em plano mais amplo e com vistas à tutela coletiva, considera consumidores todas as pessoas expostas às práticas previstas nos seus Capítulos V e VII. Trata-se, pois, de uma espécie de conceito difuso de consumidor, tendo em vista que a ele se ajustam todas as pessoas pelo simples fato de se encontrarem potencialmente expostas às práticas descritas na lei.

d) Vulnerabilidade:

É a especial situação de inferioridade material, na qual se encontra o consumidor. Decorre da constatação de que o consumidor, no mundo contemporâneo, não dispõe do controle e da ciência dos bens de produção, submetendo-se, por conseguinte, ao poder dos titulares desses mesmos bens.

Consiste, em verdade, na própria espinha dorsal do microssistema de Direito do Consumidor, justificando, no plano normativo, a necessidade de tutela especial para o equilíbrio das relações jurídicas resultantes do fenômeno de consumo. É princípio reitor, expresso no CDC, art. 4, I.

e) Fornecedor:

Tem seu conceito legal definido no art. 3º do CDC. Trata-se, pois, de pessoa física ou jurídica que, com habitualidade, desenvolve as atividades “de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Fornecedor é gênero, enquanto fabricante, produtor, construtor, importador, etc. são espécies. O CDC, ao se reportar ao fornecedor, o faz de forma genérica e indistinta. Ao contrário, quando quer designar o ente específico, utiliza-se de termo designativo particular e especializante.

À margem dessa definição, regulam-se pelo Direito Civil ou Comercial as relações jurídicas referentes àquelas atividades, as quais ocorrem, no entanto, esporadicamente, sem habitualidade, ou quando não reconhecem, no pólo oposto, a existência de um consumidor.

As pessoas públicas e privadas prestadoras de serviço público são consideradas, nos termos do CDC, fornecedoras, bem como as instituições financeiras.

f) Produto:

É qualquer bem, ou coisa, móvel ou imóvel, material ou imaterial, resultante da atividade produtiva do fornecedor no mercado de consumo. Sua aquisição e/ou utilização pode ocorrer a título gratuito ou oneroso.

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g) Produto durável e produto não durável:

As noções de produto durável e produto não durável são de grande importância para o estudo do direito consumerista, uma vez que definem regramentos distintos para o exercício do direito de reclamar e seus respectivos prazos decadenciais (art. 26, CDC).

Produto durável é o bem, ou coisa, que resiste a muitos usos, sem que, com isso, a sua destruição ou deterioração se dê de imediato. Produto não durável é o bem, ou coisa, cujo uso, em uma ou em reduzidas ocasiões, importa sua destruição ou deterioração.

h) Serviços:

“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

O conceito legal de serviço (CDC, art. 3º, § 2º) é meramente exemplificativo. Somente se caracteriza pela modalidade onerosa, seja o ônus financeiro direto ou indireto.

O pagamento de espécies tributárias vinculadas diretamente à contraprestação de serviços públicos, tal como ocorre com as taxas e as contribuições de melhoria, foge ao espectro de atuação do direito consumerista, na medida em que é regulado pelo Direito Tributário. A seu turno, incide o CDC e as demais normas consumeristas sobre os serviços públicos remunerados via tarifa, sejam eles prestados pelo próprio poder público (por sua administração pública Direta ou Indireta), bem como por particulares, mediante os instrumentos de concessão e permissão de serviços públicos (CDC, art. 22 e seu parágrafo único).

O ônus financeiro indireto ocorre, por exemplo, nos casos de estacionamentos gratuitos de shopping centers, onde indubitavelmente os custos do referido serviço estão diluídos nos demais produtos e serviços postos à disposição dos consumidores – internalização dos custos da teoria do risco, na modalidade risco-proveito.

i) Fato do produto/serviço:

Entende-se por fato do produto e do serviço o acidente de consumo, fato jurídico do qual decorrer lesão real à vida, saúde e segurança dos consumidores. É causado por defeitos dos produtos e serviços postos à disposição dos consumidores e gera, para seus fornecedores, o dever de indenizar, sem a necessidade de caracterização de culpa (responsabilidade objetiva), em virtude de adoção da teoria do risco criado. Entretanto, os profissionais liberais não se submetem à responsabilidade objetiva, nos precisos termos do art. 14, § 4º, do CDC.

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j) Vício do produto:

Conforme dispõem os arts. 18 e 19 do CDC, vício do produto é uma anomalia, não causadora de lesão decorrente de acidente de consumo (fato do produto e do serviço), que afeta a funcionalidade, o rendimento do produto e do serviço, nos aspectos qualitativo ou quantitativo, de modo a tornar-lhes impróprios ao uso e consumo, bem como aquele que importa em diminuição do valor do bem, e, ainda, o decorrente de divergências entre o conteúdo e as indicações sobre ele constantes do recipiente, rótulo, embalagem ou mensagem publicitária.

Sua caracterização gera, para o fornecedor, o dever de sanar o vício, seja substituindo-se as partes viciadas, complementando-se a quantidade faltante, ou desfazendo-se a relação de consumo, a critério do consumidor, observadas as condicionantes legais. Todos os integrantes da cadeia de fornecimento (fabricante, atacadista, varejista, revendedor, etc.) têm responsabilidade própria e solidária para a reparação dos vícios do produto.

l) Vício do serviço:

Anomalia incidente sobre os serviços, relativa a seus aspectos qualitativos ou decorrentes da disparidade com as indicações da oferta ou da mensagem publicitária. Sob o prisma qualitativo, o vício do produto será gerador de inadequação aos fins razoavelmente esperados, de diminuição de valor ou, ainda, poderá decorrer do não-atendimento de normas (legais, infralegais, técnicas, etc.) regulamentares de prestabilidade, quando, então, será considerado, pela lei, como impróprio.

Caberá ao fornecedor dos serviços sanar o vício com a reexecução deles, quando possível; a restituição imediata da quantia desembolsada, sem prejuízo de perdas e danos, ou o abatimento proporcional do preço, segundo opção do consumidor.

m) Fundo Estadual de Defesa do Consumidor:

Os valores resultantes de termos de ajustamento de conduta, termos de acordo e condenações pecuniárias, administrativas e judiciais, das ações movidas pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte deverão ser revertidos ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor - FEDC. Destina-se ao cumprimento das metas e objetivos da Política Estadual de Relações de Consumo, entre os quais, podem ser relacionadas a recuperação de bens, a promoção de eventos educativos e científicos e a edição de material informativo, bem como a modernização administrativa dos órgãos públicos integrantes do Sistema Estadual de Defesa do Consumidor (SEDC).

Consiste na principal fonte de recursos para o desenvolvimento de ações e projetos tendentes à proteção e defesa do consumidor no âmbito estadual.

O Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor poderá propor ao CEDC o custeio, com recursos do FEDC, de projetos e ações, no âmbito da comarca, com vistas a educar, orientar e defender os consumidores, bem como para prevenir e reparar danos oriundos da relação de consumo.

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03 – O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DO CONSUMIDOR:

No trato diário da defesa do consumidor, ao Promotor de Justiça recomendam-se as seguintes práticas:

a) Atuação social:

Pautar-se, em relação ao Direito do Consumidor, de modo a reconhecer-lhe como instrumento de efetivação e desenvolvimento de interesses e fins sociais, como importante meio de difusão de noções de Direito e cidadania, ampliando as possibilidades de acesso à Justiça.

Buscar, ao mesmo tempo, concretizar os valores e princípios contidos na Política Nacional das Relações de Consumo, com vistas a garantir ao consumidor o respeito a seus direitos básicos, entre os quais se destacam a vida, a saúde, a segurança, a dignidade e os interesses econômicos dos consumidores, bem como aspectos relativos à educação para o consumo, ao desenvolvimento regional, à transparência e harmonia das relações de consumo.

b) Proteção e defesa do consumidor no âmbito transindividual:

Compete ao Promotor de Justiça atuar, para a defesa dos interesses indisponíveis do consumidor, no âmbito transindividual, por força de disposições normativas insertas na Constituição da República, utilizando-se de mecanismos judiciais e administrativos.

c) Atendimento ao consumidor:

Recomenda-se o atendimento ao público, nos mesmos moldes praticados nas demais áreas afetas ao Promotor de Justiça, salientando, em qualquer hipótese, a impossibilidade de tutela individual do consumidor, restando ao mesmo assegurar seu direito junto ao Procon ou ao Poder Judiciário.

Caso seja identificada, na reclamação (notícia) trazida pelo consumidor, prática de infração consumerista a direitos transindividuais de natureza coletiva, ao Promotor de Justiça caberá tomar as providências que considerar convenientes.

d) Audiências públicas:

A fim de resolver questões de monta, com graves repercussões econômicas e sociais, o Promotor de Justiça poderá, como forma de atuação mais democrática e aberta, realizar audiência pública, para instruir e/ou conhecer a realidade social, em tese conflitante com os direitos do consumidor.

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04 – ATUAÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL:

No que se refere à atuação do Promotor de Justiça no juízo criminal, além das atribuições e recomendações veiculadas pelas demais Promotorias criminais, cuja repetição será inócua, algumas peculiaridades devem ser salientadas.

Com relação às atribuições do Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, vale destacar que este tem atribuição para oficiar em feitos criminais cujas infrações envolvam relações de consumo ou, ainda, sejam por elas motivadas.

Todos os crimes previstos no CDC são, pela Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, considerados de menor potencial ofensivo329.

Os crimes contra as relações de consumo previstos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, permitem a suspensão condicional do processo, a qual prevê como requisito de concessão a reparação do dano, quando possível.

Em grande parte, as infrações penais contra as relações de consumo consistem nas denominadas normas penais em branco, cuja complementação normativa se faz por disposições legais ou regulamentares. Recomenda-se, nas hipóteses em que a infração extrapenal ainda estiver em fase de apuração nas instâncias próprias, aguardar o resultado destas para a propositura da ação penal.

As instâncias próprias podem ser penais (ligadas a órgãos afetos à persecução penal) ou extrapenais (de natureza cível, administrativa). Aguardar esta apuração é uma medida importante que evita a propositura indevida de processos penais persecutórios, haja vista que as instâncias próprias, dada a sua especialidade, permitem atingir grau elevado de certeza quanto a materialidade e autoria do fato imputado. Tal precaução revela–se quase imprescindível, por exemplo, nos casos de adulteração de combustíveis.

a) Sujeito ativo:

É o fornecedor (CDC, art. 3º). A responsabilidade penal recairá, às vezes, sobre os administradores e diretores da empresa fornecedora, nas hipóteses elencadas no art. 75 do CDC.

A denúncia deverá, tanto quanto possível, individualizar as condutas dos agentes envolvidos no fato criminoso, sob pena de inépcia, bem como de impossibilitar o exercício do contraditório e ampla defesa. A condição, tão-somente, de gerente, administrador, sócio da empresa ou qualquer outra função de direção da empresa fornecedora autora do delito, por si só, não torna essas pessoas agentes responsáveis pelo fato criminoso.

b) Bem jurídico:

Entende-se que o bem jurídico tutelado nesses crimes é a relação de consumo, assim entendida como a relação jurídica travada entre consumidor e fornecedor, tendo por objeto um produto ou serviço. Trata-se, portanto, de negócio jurídico qualificado, especial, portador de interesse social, coletivo e difuso.

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Os danos ao bem jurídico nesses crimes, correspondentes a lesões a direitos do consumidor, são de três categorias:

- de informação - tem por fundamento os arts. 6º, II e III, e 7º c/c arts. 9, 30, 31, 36 a 38, todos do CDC. Exemplo de crime dessa natureza: art. 7, VII, da Lei nº 8137/90;

- de qualidade (impropriedade) do produto ou serviço - baseia-se, conforme o caso, nos arts. 6º, I, VI e 7º c/c arts. 8º, 10, 12 a 14, 18 a 21, do CDC. O crime previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8137/90, trata de hipótese de típica de delito, cujo fundamento é a falta de qualidade (impropriedade) do produto ou serviço – vide, em especial, arts. 18, § 6º, e 20, § 2º, ambos do CDC;

- relativos a práticas comerciais (abusivas) - referidos crimes têm por fundamento o arts. 6º, IV, c/c 39 do CDC, e visam harmonizar interesses dos partícipes das relações de consumo. A propósito, o art. 71 do CDC incriminou a prática abusiva da cobrança vexatória do consumidor.

c) Sujeito passivo:

O sujeito passivo dos crimes contra as relações de consumo é, de forma direta e imediata, a coletividade dos consumidores. Apenas reflexamente o consumidor pode ser considerado sujeito passivo do delito.

d) Dificuldade de punição dos crimes contra as relações de consumo:

Não são apenas culturais e sociais as dificuldades para a imposição de penas aos crimes contra as relações de consumo.

Existe, sim, uma desarmonia da legislação recente, com relação aos costumes da sociedade – não há o hábito de se punir quem ofende ao consumidor, mas há muito mais.

Desde a primeira metade do século XX, Edwin Sutherland apontou os motivos para a dificuldade na persecução de tais delitos.

Por um lado, o autor desses crimes possui um estereótipo totalmente distinto daquele do criminoso dito comum.

Para a maioria da população, a figura do criminoso é a de alguém violento, de pouca cultura e mal vestido, constituindo verdadeiro estorvo para a sociedade.

O sujeito pobre, com cara de poucos amigos, lombrosiano, dá lugar a um tipo bem vestido, bem relacionado na sociedade, amigo de homens e mulheres de prestígio, chegando a ser verdadeiros benfeitores da comunidade e muitas vezes são geradores de empregos. Ele encarna, com plenitude, ao menos na aparência, o que se pode chamar de “homem de bem”.

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O criminoso de colarinho branco, por sua vez, é educado, tem estudo, por vezes possui formação universitária, é bem falante, anda impecavelmente trajado, é alguém de influência na sociedade, amigo de magistrados, membros do Ministério Público, delegados de polícia, do clero, de políticos conhecidos, dá empregos. É pessoa de destaque na sociedade, um verdadeiro procer.

No caso dos crimes contra as relações de consumo, são em sua maioria, empresários, executivos, diretores de empresas, gerentes e publicitários, com trânsito em clubes de serviço, associações comerciais e industriais, partidos políticos e organizações governamentais e não governamentais, o que só contribui para dificultar a perfeita aplicação da lei penal.

Um outro fator que auxilia a impunidade nos casos especificados é a complexidade de alguns delitos.

A configuração de uma publicidade como enganosa, por exemplo, pode demandar perícias técnicas demoradas, que precisam adentrar na contabilidade de grandes empresas, como pode-se exemplificar com as publicidades que anunciam os mais variados produtos financiados em vários meses (até mais de doze), sem a cobrança de juros. Como saber se realmente não existem juros embutidos naquela oferta? Comparar simplesmente preço de compra com preço de venda, excluídos os encargos, é por demais simplório, vez que deve-se considerar o lucro que pretende o empresário obter com cada venda. Assim, torna-se difícil diferenciar um aumento ou diminuição no lucro, da inserção de uma taxa de juros qualquer.

A mesma dificuldade ocorre ainda quando alguém manda um produto para reparar em uma oficina autorizada e, sem que o consumidor saiba, são empregadas no reparo, peças usadas, diminuindo a confiabilidade do serviço. Ora, o consumidor não vai mandar abrir o motor, o computador ou a televisão recém reparados para conferir se as peças trocadas são realmente novas, até porque, em sua maioria, os consumidores não têm o conhecimento técnico necessário para fazer essas distinções.

Entramos assim em um outro fator, que é a escassa visibilidade de algumas condutas como sendo criminosas.

Há uma tendência de se apresentar para a sociedade determinadas práticas como normais e aceitáveis.

É o caso, por exemplo, da falta de preços nos produtos expostos à venda, em gôndolas ou vitrines. Existe sempre a alegação de que trata-se de uma simples falha da loja, muito embora a falta de informação configure crime (tanto na modalidade dolosa quanto culposa, conforme art. 66 do Código de Defesa do Consumidor). O mesmo ocorre com preços divergentes. Na gôndola apresenta-se um preço e no caixa (ou no sistema de computação da empresa), consta outro, na quase totalidade das vezes, maior do que aquele constante no local que chamou a atenção do consumidor. Isso é crime (também do art. 66 do CDC), mas apresenta-se como falha no sistema, atribuída ao grande número de itens ofertados pela empresa, ou coisa parecida.

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Os empresários não querem reconhecer a lesividade de suas condutas e a sociedade, por desconhecimento ou subserviência, trata fatos como esses dentro dos padrões de normalidade. Como se fosse realmente normal alguém aceitar ser furtado todas as vezes que visita um supermercado.

Uma outra dificuldade na busca de punição dos crimes contra as relações de consumo (e dos demais crimes de colarinho branco) está em que muitos deles são crimes de mera conduta, ou seja, não exigem um resultado danoso resultante de sua prática. Assim, a publicidade enganosa para configurar crime, não precisa ter servido para causar danos econômicos a ninguém. Nem a publicidade abusiva contra idosos, por exemplo, precisa ter recebido protestos ou reclamações de idosos individualmente ou representados por grupos.

Por fim, temos a pouca preparação dos profissionais que lidam com os crimes, no tocante a essa criminalidade especializada. Magistrados, membros do Ministério Público, delegados e agente de polícia, não recebem capacitação e treinamento adequados para a compreensão e combate desses crimes.

Em razão disso, uma das estratégias a serem colocadas em prática para um combate mais efetivo aos crimes contra as relações de consumo está em capacitar melhor as pessoas que devem lidar com tais crimes, além de promover a educação para o consumo de modo que os cidadãos tenham conhecimento dos crimes dos quais podem ser vítimas e saibam como, onde e quando reclamar.

Por outro lado, se faz necessário criar uma consciência no outro pólo da relação de consumo – os fornecedores; para que eles conheçam os limites que a lei impõe às atuações deles e as conseqüências que o desvio no cumprimento da lei pode acarretar-lhes na esfera penal. Embora acredite que nem sempre o esclarecimento será capaz de fazer cessar as ilegalidades, tendo em vista a lição de Aristóteles, para quem “os crimes mais graves são causados pelo excesso, e não pela necessidade... Há crimes cujo motivo é a carência... Mas a carência não é o único incentivo ao crime; os homens desejam porque querem satisfazer alguma paixão que os devora...”. Nos crimes contra as relações de consumo essa paixão pode ser representada pelo lucro, pela riqueza e pelo poder.

05 – ATUAÇÃO NO JUÍZO CÍVEL:

a) Esboço histórico:

Impulsionado pelo advento da Lei Federal nº 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), o Ministério Público tornou-se agente expressivo de modificação da realidade social com o manejo da ACP, por força da conformação constitucional recebida em 1988.

Contudo, com o surgimento do CDC, modificou-se sobremaneira a forma de condução e tutela dos direitos coletivos do consumidor, com a ampliação de possibilidades de atuação do órgão ministerial de execução, alcançando, inclusive, os ditos interesses individuais homogêneos, ao lado dos direitos coletivos e difusos, já previstos desde a ordem jurídica pretérita.

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Nem por isso se olvide dizer que o legislador ordinário criador do CDC não poderia ampliar hipóteses de agir ministerial não previstas na Constituição – à época da Constituinte, de fato, elas, nem sequer existiam como espécies processuais positivadas no ordenamento jurídico brasileiro.

Ora, em primeiro lugar cumpre notar que a Constituição de 1988, anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir, no art. 129, III, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só viria a ser criada pelo Código. Mas na dicção constitucional, a ser tomada em sentido amplo, segundo as regras da interpretação extensiva (quando o legislador diz menos de quanto quis), enquadra-se comodamente a categoria dos interesses individuais, quando coletivamente tratados.

Em segundo lugar, a doutrina, internacional e nacional, já deixou claro que a tutela de direitos transindividuais não significa propriamente defesa de interesse público, nem de interesses privados, pois os interesses privados são vistos e tratados em sua dimensão social e coletiva, sendo de grande importância política a solução jurisdicional de conflitos de massa.

Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis.

Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX); e a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da Constituição.

Apesar de alguma divergência, a linha preponderante é no sentido do reconhecimento da legitimação, havendo casos em que esta é negada não em face de sua eventual inconstitucionalidade, mas porque se trata, na espécie concreta, de pequeno número de interessados, estritamente definido.

Certo é que a atuação do Ministério Público sempre será cabível em defesa dos interesses difusos. Com relação aos direitos coletivos e individuais homogêneos, atuará, desde que:

- haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (ainda que potencial);

- seja sobremaneira acentuada a relevância social do bem jurídico tutelado;

- seja necessária a defesa da estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico, cuja tutela interesse a toda a coletividade dos consumidores.

Atualmente, vislumbra-se, sem maiores dificuldades e com as ressalvas acima expostas, o amplo espectro de atuação do Promotor de Justiça na defesa de direitos individuais homogêneos, coletivos (stricto sensu) e difusos em matéria consumerista.

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b) Peculiaridades:

Ao serem ajuizadas ações coletivas, quais sejam, aquelas destinadas à tutela de direitos individuais homogêneos, seja pelo Promotor de Justiça, seja por quaisquer outros co-legitimados, fazem-se necessárias algumas observações, dada sua aplicação restrita ao microssistema do processo coletivo consumerista.

São elas:

- publicação de edital, na forma do art. 94 do CDC (a publicação atende à especial característica do direito tutelado, que é intrinsecamente individual, com vistas a possibilitar a adesão de consumidores ao processo);

- promoção da liquidação e execução coletiva, nos casos de condenações resultantes da ação coletiva, conforme art. 100;

- assunção do pólo ativo do processo pelo Ministério Público, quando houver a desistência infundada ou abandono da ação por co-legitimado, na ação coletiva.

c) Execução de termos de ajustamento de conduta e termos de acordo:

Cabe ao Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor da comarca de domicílio do compromissado o ajuizamento da ação de execução de título executivo judicial, lastreada em termos de ajustamento de conduta e termos de acordo celebrados pelo Órgão Ministerial, por Órgão Ministerial diverso ou, ainda, pelos demais órgãos e entidades co-legitimados, quando estes não o fizerem ( Lei nº 7.347/85, art. 5º, § 6º e Resp nº 222582/MG).

Em respeito ao devido processo legal, bem como a outros direitos e garantias fundamentais, ocorrendo a hipótese de um aparente descumprimento do ajuste firmado, recomenda-se ao Promotor de Justiça, antes do ajuizamento do processo executivo, a realização de um procedimento administrativo formal de verificação do descumprimento da obrigação assumida, seja em termo de ajustamento de conduta, seja em termo de acordo.

06 – ATUAÇÃO EXTRAJUDICIAL:

a) Inquérito civil:

Instrumento concebido na Lei da ACP, e respaldado na Constituição, como procedimento administrativo de atribuição exclusiva do Ministério Público para a verificação da existência de lesão ou ameaça de lesão a direito transindividual, bem como para apuração de responsabilidades.

Apresenta nítida natureza investigativa e inquisitorial, prestando-se à colheita de elementos de prova suficientes para a propositura de Ação Civil Pública.

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O objeto do inquérito civil é o mais amplo possível, dentro das possibilidades de atuação do Ministério Público, podendo referir-se a um fato determinado ou a um conjunto de fatos que revelem um estado de coisas contrário aos interesses da coletividade.

Sugere-se a definição, minimamente criteriosa, do fato ou problema investigado, a fim de que se evite a universalização da investigação, o que pode redundar na impossibilidade de atingimento dos objetivos persecutórios, dificultando sua conclusão. Nesse sentido, vislumbra-se, com o fito de racionalização dos trabalhos, a possibilidade de cisão do inquérito civil, em tantas quantas forem as vertentes de investigação.

Caso constatem-se, no curso das investigações, indícios e provas da prática de ilícito penal, nada impede que esses dados, obtidos no inquérito civil, sirvam de elemento para a propositura de ação penal.

Assim como ocorre com o inquérito policial, o inquérito civil não é indispensável como etapa precedente à propositura de ações judiciais pelo órgão ministerial.

Após instrução do inquérito civil, caso o Promotor de Justiça não vislumbre os elementos necessários para a adoção de nenhuma medida posterior, judicial ou extrajudicial, ou com a realização das medidas extrajudiciais de recomendação ou ajustamento de conduta, quando não mais restarem iniciativas a serem tomadas, proporá, fundamentadamente, o arquivamento do feito, submetendo sua decisão ao Conselho Superior do Ministério Público, para que, ratificando-a ou não, exerça o controle da atividade ministerial359.

Sobre as informações e outros dados obtidos em função das investigações, alerta-se ainda o membro do Ministério Público para que faça uso responsável delas, sob pena de responsabilização pessoal pelos danos porventura causados (LC nº 75/93, art. 8º, § 1º e Lei nº 8.625/93, art. 26, § 2º).

b) Recomendação:

Instrumento concebido na Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 e, reproduzido na Lei Complementar Estadual nº 141/96, no sentido de orientar e recomendar aos responsáveis a adoção de medidas que possam favorecer a adequada prestação de serviços públicos ou o respeito a bens, interesses e direitos transindividuais, cuja tutela caiba ao Ministério Público.

Embora não tenha caráter obrigatório, a recomendação serve de advertência a respeito das implicações de sua inobservância, devendo ainda ser justificada, a fim de que o recomendado se convença da legalidade e justeza de suas disposições.

Sugere-se dar a mais ampla publicidade à recomendação ministerial, seja pelo Ministério Público, por seus próprios meios, seja pela imprensa, ou mesmo pelo destinatário da recomendação, caso isso seja objeto de acordo entre as partes.

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Conforme a Resolução CNMP nº 23/2007, é vedada a expedição de recomendação como medida substitutiva ao compromisso de ajustamento de conduta ou à ação civil pública.

07 – CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PRÁTICA:

a) Lembrar que incumbe ao Ministério Público à defesa dos interesses difusos, coletivos individuais homogêneos afetos às relações de consumo.

Considerar como temas coletivos a serem tutelados pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, dentre outros, aqueles relacionados à saúde, à segurança, à qualidade, à quantidade, aos contratos, à publicidade dos produtos ou serviços, assim como as práticas comerciais abusivas.

b) Observar que, tratando-se de dano a interesses individuais homogêneos com dimensão regional ou nacional, as atribuições para sua apuração, medidas administrativas ou eventual ajuizamento de medidas judiciais, são da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor da capital (Art. 92, inc. II, do Código de Defesa do Consumidor).

c) Na hipótese de lesão individual, encaminhar o consumidor para atendimento pelo Procon ou Decon/DP da Comarca, conforme a hipótese.

Inexistindo órgão local de proteção ao consumidor, atender ao reclamante e, se for o caso, encaminhá-lo ao Juizado Especial Cível ou Juízo Comum, orientando-o sobre a necessidade ou não de constituir advogado.

d) Intervir nas ações individuais que discutam relação de consumo somente quando presente alguma das hipóteses legais (Art. 82, do CPC).

e) Zelar pelo respeito aos direitos assegurados aos consumidores pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), lembrando que seus preceitos são de ordem pública, não podendo ser revogados pela vontade dos contratantes.

f) Lembrar que as cláusulas desproporcionais podem ser objeto de revisão, quer nos contratos de adesão, quer nos demais, ainda que não esteja demonstrando nenhum vício do ato jurídico.

g) Observar que a Lei nº 8.078/90 expressamente reconheceu o consumidor como a parte vulnerável da relação jurídica, resolvendo-se as divergências de interpretação contratual em seu favor.

h) Lembrar que as relações de consumo abarcam bens móveis e imóveis, materiais e imateriais, assim como qualquer atividade fornecida no mercado mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (Art. 3º, § 1º e 3º, do CDC).

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i) Observar que as vítimas do acidente de consumo são equiparadas ao consumidor, para o fim de aplicação dos princípios protetivos de Código de Defesa do Consumidor.

j) Lembrar que é objetiva a responsabilidade do fornecedor por fato ou vício do produto ou do serviço (arts. 12 e 14, do CDC).

k) Observar que a instauração de inquérito civil suspende o prazo decadencial na hipótese de vício do produto ou do serviço (art. 26, § 2º, inc. III, do CDC).

l) Atentar para o princípio da solidariedade vigente em sede de responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor.

m) Observar que os princípios do Código de Defesa do Consumidor estendem-se também aos serviços públicos, ainda que prestados por empresas concessionárias ou permissionárias.