Manual de Expressao Oral e Escrita - J. Mattoso Camara Jr.[1]

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MANUAL DE EXPRESSO ORAL E ESCRITA J. MATTOSO CAMARA JR. 4 Edio PETRPOLIS EDITORA VOZES LTDA. 1977

FICHA CATALOGRFICA (Preparada pelo Centro de Catalogao-na-fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ) Camara Jnior, Joaquim Mattoso, 1904-1970. C1731 Manual de expresso oral e escrita /por/ J. Mattoso Camara Jr. 4.ed. Petrpolis, Vozes, 1977. 160p. 1. Comunicao oral I.Ttulo. CDD - 001.543 001.543 400 CDU - 800.852 800.855 77-0482 2. Linguagem e lnguas

Sumrio Explicao Prvia .......................................... 7 Nota para a 4 edio ...................................... 9 Captulo I - A Boa Linguagem .............................. 11 I. A Importncia da Boa Linguagem ....................1l II. Lngua Oral e Lngua Escrita ..................... 15 Captulo II - A Elocuo: Funo Expressiva ............... 18 I. O Tom e seu Valor Expressivo ..................... 18 II. A Mmica ......................................... 21 Captulo III - A Elocuo: Funo Articulatria ........... 27 I. A Articulao em geral ........................... 27 II. A Acentuao ..................................... 33 Captulo IV - A Elocuo: Funo Rtmica .................. 35 I. O Jogo das Pausas ................................ 35 II. As Pausas e as Partculas Proclticas ............ 40 Captulo V - A Exposio Oral ............................. 44 I. Consideraes Gerais ............................. 44 II. O Plano da Exposio ............................. 45 III. Os Prolegmenos da Exposio ..................... 50 Captulo VI - A Exposio Escrita ......................... 54 I. Caracterizao ................................... 54

II. A Redao ........................................ 58 Captulo VII - O Plano de uma Redao ..................... 61 I. Consideraes .. .. .............................. 61 II. As Pesquisas e a Bibliografia .................... 63 III. A Redao Definitiva ............................. 66

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Captulo VIII - A Estrutura da Frase ....................... 69 I. A Constituio dos Perodos ....................... 69 II. A Anlise Lgica .................................. 74 Captulo IX - A Ortografia ................................. 77 I. Consideraes Gerais .............................. 77 II. Linhas Gerais da nossa Ortografia ................. 79 III. Acentuao Grfica ................................ 83 Captulo X - A Correo da Linguagem ....................... 88 I. Conceito de Correo . ............................ 88 II. As Discordncias do Uso ........................... 91 Captulo XI - A Correo nas Formas Nominais ............... 94 I. Plural dos Nomes .................................. 94 II. Gnero dos Nomes .................................. 98 Captulo XII - A Correo nas Formas Verbais .............. 102

Captulo XIII - A Correo nas Formas Pronominais ......... 109 I. Pronomes Pessoais ................................. 109 II. Tratamento ........................................ 112 III. Os Demonstrativos ................................. 114 Captulo XIV - Concordncia e Regncia ..................... 116 I. Concordncia ...................................... ll6 II. Invariabilidade ................................... 119 III. A Regncia ........................................ 121 Captulo XV - Exame de algumas supostas Incorrees ........ 123 I. Purismo e Estrangeirismo .......................... 123 II. A Rigidez Gramatical .............................. 127 Captulo XVI - A Escolha das Palavras ...................... 132 I. Consideraes Gerais .............................. l32 II. Os Sinnimos .... .... ... . ...................... l33 III. Outros aspectos na Escolha das Palavras ........... 137 Captulo XVII - A Linguagem Figurada ....................... 141 I. Caracterizao ......... .......................... 141 II. Uso da Linguagem Figurada ......................... l43 Captulo XVIII - A Clareza e seus vrios Aspectos .......... 148 Concluso Geral ............................................ 155 \6

Explicao Prvia Esta despretensiosa obra teve sua origem num curso sobre "Expresso Oral e Escrita", que por anos consecutivos ministrei aos Oficiais-Alunos da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronutica a convite da sua Direo. Fiz a princpio "smulas", que mais tarde ampliei num pequeno MANUAL, impresso em multilite na Escola para uso privativo dos Oficiais-Alunos. Posteriormente, as aulas contidas no MANUAL foram utilizadas para o ensino de Portugus na Escola Naval por iniciativa do ilustre professor Hamilton Elia; e as

cinco primeiras foram insertas em nmeros salteados da REVISTA DE CULTURA, a benemrita publicao cultural do saudoso Cnego Toms Fontes. Entretanto, muitos colegas e amigos vinham insistindo em que eu desse ao trabalho a ampla divulgao de um livro ao alcance do pblico ledor em geral. Deixei-me vencer, e fao-o agora na esperana de ser com isso til aos que necessitam de escrever ou falar em pblico por injunes da sua vida profissional. Rio,1961. \7

Nota para a 4 edio As trs primeiras edies foram feitas pela J. Ozon-Editor, Rio de Janeiro (1961, 1964 e 1972). Estando esgotada a obra e caduco o contrato, Dona Maria Irene Ramos Camara, viva de Joaquim Mattoso Camara Jr., nos ofereceu o lanamento dessa nova edio do . As obras do Mestre Mattoso Gamara - pai da Lingstica no Brasil -, ao contrrio de outras, quanto mais envelhecem, mais nelas se acentua o carter clssico e a necessidade de consulta. Mattoso Camara (falecido em 4-2-1970) ainda continua o nosso maior lingista. Desse livro, escreveu em 1976 o Prof. Anthony Naro, professor dos cursos de ps-graduao em Lingstica da PUC/Rio e UFRJ: "Elocuo, exposio, composio, estrutura da frase, ortografia, correo de uso, purismo, escolha vocabular e linguagem figurada so temas abordados nesse manual de estilo. Cada captulo abrange uma apresentao terica do tema seguida de exemplos ilustrativos. Como um guia prtico para o uso da lngua ele conciso, mas apresenta uma introduo equilibrada dos problemas referentes clareza na expresso oral ou escrita, especialmente destinado para um pblico no especializado. Em toda a obra, Mattoso mantm-se numa posio de equilbrio entre o purista, para quem a lngua literria o nico modelo aceitvel, e o ponto de vista de muitos lingistas para quem o uso s definido pelo que ocorre no discurso. Para Mattoso, a finalidade da lngua a comunicao, de modo que a preocupao primordial deve ser evitar qualquer distrbio no processo de comunicao" (, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro 1976, p.145). Ao reeditar este livro, a Editora VOZES tem a certeza de estar recolocando nas mos de professores e alunos e de quantos cultivam a Lngua Portuguesa o ainda melhor manual de expresso oral e escrita. CLARNCIO NEOTTI agosto de 1977 \9 Captulo I A BOA LINGUAGEM I. A IMPORTNCIA DA BOA LINGUAGEM 1. A linguagem e a vida social Tem-se discutido muito sobre as funes essenciais da linguagem humana e a hierarquia natural que h entre elas. fcil observar, por exemplo, que pela posse e pelo uso da linguagem, falando oralmente ao prximo ou mentalmente a ns mesmos, que conseguimos organizar o nosso pensamento

e torn-lo articulado, concatenado e ntido; assim que, nas crianas, a partir do momento em que, rigorosamente, adquirem o manejo da lngua dos adultos e deixam para trs o balbucio e a expresso fragmentada e difusa, surge um novo e repentino vigor de raciocnio, que no s decorre do desenvolvimento do crebro, mas tambm da circunstncia de que o indivduo dispe agora da lngua materna, a servio de todo o seu trabalho de atividade mental. Se se inicia e desenvolve o estudo metdico dos caracteres e aplicaes desse novo e preciso instrumento, vai, concomitantemente, aperfeioando-se a capacidade de pensar, da mesma sorte que se aperfeioa o operrio com o domnio e o conhecimento seguro das ferramentas da sua profisso. E este, e no o outro, antes de tudo, o essencial proveito de tal ensino. Observe-se ainda, por outro lado, que quase exclusivamente pela linguagem que nos comunicamos uns com os outros na vida social. Pode-se dizer que a sociedade humana, em confronto com os aspectos rudimentares das colnias dos animais gregrios, , na sua tremenda complexidade, uma conseqncia da posse da linguagem. Dela depende a permuta das idias, como a das mercadorias pressupe, \11

para ser eficiente e irrestrita, um servio organizado de

trfego. Assim, deixando de parte outras muitas funes da linguagem na vida humana, podemos fixar-nos nestas duas primaciais e incontestveis: a) possibilitar o pensamento em seu sentido lato; b) permitir a comunicao ampla do pensamento assim elaborado. 2. A linguagem tem de ser boa A conseqncia inevitvel dessas duas verdades que cada um de ns tem de saber usar uma boa linguagem para desempenhar o seu papel de indivduo humano e de membro de uma sociedade humana. No se pode admitir que um instrumento to essencial seja mal conhecido e mal manejado; mal utiliz-lo colocarmo-nos na categoria dos operrios que so canhestros e insipientes no exerccio de sua profisso. Tal categoria tem, por princpio, de ser eliminada : ningum tem o direito de conformar-se em ser esse tipo de operrio, nem a fbrica social se pode dar ao luxo de aceit-lo complacentemente em seu seio. , entretanto, a atitude implcita dos que fazem praa de no se preocuparem com questes de linguagem. H quem assim se desculpe, quando o que diz ou escreve produz um resultado contraproducente: homem de atividade prtica, sem aspiraes oratrias ou literrias, quer agir bem, e no falar bem. Ora, a simples circunstncia do resultado contraproducente prova que h qualquer coisa fundamentalmente errada no princpio incluso na suposta justificativa. . A linguagem tem uma funo prtica imprescindvel na vida humana e social; mas, como muitas outras criaes do homem, pode ser transformada em , isto , numa fonte de mero gozo do esprito. Passa-se, com isto, a um plano diverso daquele da vida diria. So duas coisas distintas o aspecto prtico e o aspecto artstico da linguagem. Neste ela vem a constituir a literatura e deve ser boa no sentido de \12

produzir em ns um alto prazer espiritual ou gozo esttico. uma excelncia em sentido estrito, que no cabe confundir com o sentido amplo - qual se consubstancia na boa formulao e na boa comunicao do pensamento. Apressemo-nos a ressalvar, porm, que . Assim, em toda boa exposio lingstica entra, a bem dizer, um tal ou qual elemento literrio. , at certo ponto, da resultante a circunstncia de que se cria em toda sociedade um ideal lingstico, por que temos de pautar-nos para as nossas palavras no provocarem uma repulso, s vezes latente e mal perceptvel, mas sempre suficiente para prejudicar-lhes o efeito. Essas consideraes nos possibilitam precisar melhor o conceito de boa linguagem em seu sentido lato. Vemo-la j agora por suas trs faces. Uma a adequao ao assunto pensado; outra, certo predicado esttico que nos convida a encarar com boa vontade o pensamento exposto; a terceira, enfim, uma adaptao inteligente e sutil ao ideal lingistico coletivo, o que importa no problema da correo gramatical em seu sentido estrito. No so trs aspectos equivalentes, e muito menos substituvel um pelos outros. claro que a nitidez e o rigor da expresso do pensamento, ou, em outros termos, a preciso lgica da exposio lingstica tem a primazia sobre tudo mais. A ela se adjunge, como elemento de atrao, a qualidade que empolga ou seduz, predispondo a razo a se fixar no que lhe exposto e a se deixar convencer; ou seja, o efeito retrico em ltima anlise. Finalmente, o cuidado da correo gramatical evita que se afronte um sentimento lingstico enraizado, que o mais das vezes tem uma motivao profunda, mas deve ser atendido mesmo quando decorre de meras convenes mais ou menos arbitrrias. 3. A composio A preciso lgica da exposio lingstica importa, antes de tudo, no problema da composio, que consiste \13

em bem ajustar e concatenar os pensamentos. O prprio raciocnio ainda no exteriorizado depende disso para desenvolver-se. Alm de nos fazermos entender pelos outros, temos de nos entender a ns mesmos, e neste sentido que tem cabida a frase do velho poeta francs - "o que bem concebido se enuncia claramente" (Boileau, , I, 153). 4. A forma O efeito retrico e a correo gramatical, por sua vez, constituem o que se costuma chamar a forma de uma exposio. No resumem em si a boa linguagem, como erroneamente se admite s vezes, mas apenas concorrem para ela. No so, por outro lado, coisas rigidamente assentes e fixadas. Variam em grau bastante lato na adaptao da exposio lingstica ao ambiente social a que se destina. E, como um ambiente desses envolve aspectos peculiarssimos, a forma, segundo as circunstncias, cambiante e diversa. A sua parte mais ou menos fixa a que corresponde adequao da linguagem personalidade do prprio expositor. Consideremos, neste sentido, um caso particular: os oficiais graduados da nossa Fora Area, digamos. O que dizem ou escrevem est ligado a esse social. Tm, por suas prprias funes, de se dirigir a meios civis e a meios militares. O problema da adequao da exposio personalidade do expositor consiste, em ltima anlise, em saber o que esperam de um oficial graduado, investido de uma tarefa ou um comando, aqueles a quem ele se dirige. Podemos dizer, numa resposta indireta, que pelo menos no se esperam duas coisas: a) que fale ou escreva aqum do ndice do seu social; b) que se exprima como um literato, isto , como algum

que "faz arte" em matria de linguagem. A condio prevista no item b no deve ser esquecida no que concerne forma da exposio. O efeito retrico e o escrpulo de correo gramatical, se excessivos, do uma impresso de "literatura", totalmente descabida no nosso \14

caso concreto : a forma pode ser boa, considerada em si mesma; mas a linguagem da exposio se tornou inegavelmente mente m. Afora esta ressalva, a obedincia, em princpio, s regras gramaticais firmes e vigentes na comunidade lingstica impe-se por trs motivos. Em primeiro lugar, elas consubstanciam as concluses de vrias geraes de homens que se especializaram em estudar a lngua e em observar a sua ao e os seus efeitos no intercmbio social. Muitas normas e convenes de gramtica representam uma experincia longa e coletiva em matria de expresso lingstica, e acat-las seguir uma estrada batida e correr menos riscos, mesmo no mbito da lgica da formulao. Em segundo lugar, acham-se apoiadas por um consenso geral e atravs delas se facilita a projeo de nossas idias e a aceitao do que assim dizemos. Finalmente, estranho como parea, perfeitamente lcito afirmar que uma atitude de independncia em face de regras gramaticais cabe de direito aos literatos, antes que aos que usam a lngua com objetivo prtico. Do literato espera-se uma viso pessoal em questes de forma lingstica, j que a lngua a sua preocupao primria e a matria-prima de sua arte. No nos devem surpreender da parte dele solues novas e efeitos inesperados; umas e

outros, ao contrrio, s podem causar estranheza e desconfiana nas condies comuns da vida social, e, na melhor das hipteses, desviam para a forma lingstica a ateno que se deveria concentrar no assunto concreto exposto. II. LNGUA ORAL E LNGUA ESCRITA l. Importncia da distino As consideraes feitas at agora sobre a linguagem abstraram dela uma circunstncia essencial: a de que pode ser falada ou escrita, e h assim dois tipos distintos da exposio lingstica. De maneira geral, podemos dizer que a primeira se comunica pelo ouvido, e a segunda pela viso. Ou em outros termos: na comunicao escrita, os sons que essencialmente constituem a linguagem humana passam a ser apenas evocados mentalmente por meio de smbolos grficos. \15

A civilizao deu uma importncia extraordinria escrita e, muitas vezes, quando nos referimos linguagem, s pensamos nesse seu aspecto. preciso no perder de vista, porm, que lhe h ao lado, mais antiga, mais bsica, uma expresso oral. O uso da palavra falada, nas mais diversas condies, em meios civis ou militares uma contingncia permanente de um oficial graduado, ampliada ainda mais no mundo contemporneo com o desenvolvimento das comunicaes radiofnicas. A rigor, a linguagem escrita no passa de um sucedneo, de um da fala. Esta que abrange a comunicao

lingstica em sua totalidade, pressupondo, alm da significao dos vocbulos e das frases, o timbre da voz, a entoao, os elementos subsidirios da mmica, incluindo-se a o jogo fisionmico. Por isso, para bem se compreender a natureza e o funcionamento da linguagem humana, preciso partir da apreciao da linguagem oral e examinar em seguida a escrita como uma espcie de linguagem mutilada, cuja eficincia depende da maneira por que conseguimos obviar falta inevitvel de determinados elementos expressivos. 2. Traos caractersticos da exposio oral claro que o grande nmero de traos caractersticos da exposio oral, ausentes na escrita, impe o dever de bem utiliz-los, para que a linguagem seja boa: quem fala em pblico tem de atentar para o timbre da voz, para a altura da emisso vocal, para o complexo fenmeno que se chama entoao das frases, bem como saber jogar, adequadamente, com gestos do corpo, dos braos, das mos e da fisionomia. H a uma enorme riqueza de recursos, que facilitam extraordinariamente a comunicao lingstica, quando so bem empregados; mas, como toda riqueza, se podem transformar em pesadelo e danao. E ainda acrescem outros problemas. Um deles o que est ligado aos fenmenos psquicos de simpatia e antipatia entre os homens em contacto direto. Outro o de prender a ateno, cuja tendncia \16

natural no se conservar permanente e contnua e

s assim se torna em virtude de uma mestria especial do expositor em lidar com os ouvintes. Finalmente, h a questo da boa apreenso das nossas palavras, envolvendo um ajustamento delicado da sua enunciao e at da sua escolha, sob o aspecto acstico, em vista das condies do auditrio. 3. Traos caractersticos da exposio escrita A exposio escrita pode parecer mais simples, dada a falta desse complexo conjunto de elementos. A realidade, porm, que eles tm de ser substitudos por uma srie de outros, cujo conhecimento e manuseio exigem estudo e experincia. Grande nmero de regras e orientaes gramaticais decorre das exigncias da lngua escrita para a comunicao ser plenamente eficiente na ausncia forada de muitos recursos, que complementam e at consubstanciam a linguagem oral. Escrever bem resulta de uma tcnica elaborada, que tem de ser cuidadosamente adquirida. Depende, em muito menor grau do que falar bem, das qualidades naturais do indivduo, do seu "jeito", enfim, em saber exprimir-se. 4. Concluso As consideraes desenvolvidas neste captulo tm por fim estabelecer um ponto de partida para o que vamos estudar. Uma vez compreendida a importncia da boa linguagem e o verdadeiro sentido de tal afirmao, podemos apreci-la nos seus dois tipos distintos, que criam distintos tipos de exposio: o oral e o escrito. \17 Captulo II A ELOCUO: FUNO EXPRESSIVA I. O TOM DE SEU VALOR EXPRESSIVO l. Definio da elocuo Na exposio oral, as nossas palavras so enunciadas diante de um auditrio. Os sons vocais projetam-se de quem fala para quem ouve. esta projeo dos sons vocais que se chama elocuo. Trata-se, evidentemente, de um conceito complexo. H, em primeiro lugar, a parte da articulao, que o conjunto de movimentos na garganta e no interior da boca por meio dos quais enunciamos os sons da linguagem. claro que precisam ser firmes e ntidos para a inteligibilidade acstica. Da articulao depende a compreenso das palavras, e, se defeituosa, se torna to prejudicial, para quem fala, como uma letra ilegvel para quem escreve. Alm disso, na elocuo, as palavras formam grupos

significativos, em disposio, por assim dizer, hierrquica. Raramente uma palavra vale por si: tem de ser associada sem soluo de continuidade, com outra ou outras num pequeno conjunto, que se projeta ao lado do anterior e do seguinte como uma unidade de sentido parcial embora. Duas ou mais dessas unidades, por sua vez, se associam e assim por diante, at se chegar a um complexo de significao ampla. Isso importa em todo um jogo de cadncias e de pausas, que permite ao auditrio acompanhar o expositor. a parte rtmica da elocuo, mediante a qual se mantm entre quem fala e os que o ouvem um movimento mental sincronizado. \18

Finalmente, temos o tom ou inflexo da voz. Ele valoriza as palavras, d-lhes no raro matizes especiais de significao e reflete o estado de esprito de quem fala: Assim, corrobora a significao, ao mesmo tempo que faz o auditrio sentir como tomamos a peito as nossas prprias palavras. 2. Qualidades do tom

A articulao e o ritmo de cadncias e pausas sero apreciados em captulos separados. Aqui trataremos da parte da elocuo que se consubstancia no tom da voz. Por este nome entendemos um jogo de altura e fora de emisso nos sons da fala. Fora e altura dependem primariamente de certas condies materiais, como a distncia entre o expositor e os ouvintes, as dimenses e a forma do recinto e a quietude ou a maior ou menor agitao(1) que h em volta dele. Instintivamente o expositor aumenta ou diminui o volume e a elevao da voz de acordo com o ambiente assim constitudo; mas h quem tende para a emisso excessivamente forte e alta pela simples circunstncia de estar falando em pblico a um grupo numeroso de pessoas. O resultado prejudicial: o expositor se cansa sem necessidade, e, o que muito pior, cansa e enerva os ouvintes, que sentem a desproporo entre essa voz e as condies ambientes. O mais importante, porm, em matria de tom de voz, no o seu ajustamento situao externa, mas a possibilidade de vari-lo a servio da expresso do pensamento. Um tom nico to inadequado comunicao oral que montono se tornou sinnimo de enfadonho. assim que o tom deve crescer ao pronunciarmos palavras de grande importncia na frase (nfase), adquirir esta modulao em outras a cujo sentido queremos emprestar um matiz inesperado e um tanto fora da acepo usual, e, ainda, variar para exprimir as mudanas necessrias do estado de esprito do expositor, subordinado natureza dos pensamentos que enuncia e em que se deve mostrar profundamente integrado. (1) Entropia \19

Assim se estabelece uma comunho entre o expositor e o auditrio. Tudo que dizemos deve ter uma inteno. O tom a assinala e esclarece melhor a significao das palavras no contexto. 3. Defeitos do tom Os defeitos do tom desta sorte compreendido decorrem todos, a bem dizer, da circunstncia de consider-lo o expositor um elemento parte da significao profunda das palavras. Imagina, por isso, uma espcie de tom oratrio, que se adiciona exposio de fora para dentro. J vimos que a monotonia artificial e contraproducente. Ressaltemos agora que ainda mais se agrava nos seguintes casos: a) se mecnica e sem vibrao, como uma litania maquinalmente recitada; b) se de um entusiasmo retumbante e descabido, dando a impresso de um ator que decorou sem inteligncia o seu papel; c) se de um sistemtico, traindo um esforo artificial por parte do expositor para mostrar que se sente vontade. Por outro lado, o uso da nfase coisa muito delicada. contraproducente acentuar assim palavras cuja importncia no seja realmente enorme. Ainda mais perigoso para o efeito geral da exposio pr nfase indiscriminadamente em vocbulos acessrios de ligao, depois dos quais se faz pausa a fim de chamar a ateno para a palavra que se lhe segue, como as conjunes . Partculas destas so normalmente de emisso fraca, e s em condies muito especiais, quando excepcionalmente preciso valorizar as prprias idias de contrastes, de conexo, de explicao, que tem cabimento a uma tal ou qual nfase. 4. A funo do tom O tom, por conseguinte, tem por funo valorizar determinadas palavras, precisando-as melhor, indicar como \20

devemos receb-las do expositor e revelar toda uma gama de sentimentos deste em referncia ao que nos diz. tal a sua importncia na linguagem, que, na lngua escrita, onde ele no pode figurar, temos de recri-lo na leitura mesmo mental, para podermos apreciar e at compreender o texto. A leitura em voz alta na escola primria tem principalmente por fim dar-nos a capacidade de espontaneamente emprestar o tom adequado s palavras escritas que temos diante de ns e sem o qual elas ficam irremediavelmente mutiladas. II. A MMICA l. Funo expressiva da mmica No apenas o tom o elemento que contribui primordialmente na linguagem falada para expressividade das palavras. A seu lado, funciona, espontaneamente, um jogo fisionmico, acrescido de movimentos dos braos e das mos e at de um movimento do corpo: o que se entende englobadamente pelo termo . No se trata, a bem dizer, de um acessrio da comunicao oral, mas de uma parte integrante dela. Deste ponto de vista, podemos dizer que o corpo humano em seu conjunto capaz de uma linguagem significativa, que serve de complemento ao ato de falar. Compreende-se mais facilmente a importncia e o valor expressivo da mmica, quando se atenta na circunstncia de que s com ela os surdos-mudos conseguem exteriorizar de maneira bastante satisfatria as suas volies e os seus pensamentos. H at teoristas que sustentam a tese da existncia pr-histrica de uma exclusiva linguagem de gestos, antes do remoto passado da humanidade, em que afinal se estabeleceu uma linguagem de sons bucais; uma hiptese muito discutvel - no h dvida - mas parte do fato inegvel de que a mmica ainda hoje acompanhamento imprescindvel da comunicao oral e desempenha o que podemos chamar, como o psiclogo alemo Witte, uma "funo precisadora" da palavra.(3) (3) Apud Friedrich Kainz, Psychologie the Sprache; Vol. II; p.498, Stuttgart l943.

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Falar imvel e com a fisionomia inalterada atitude inteiramente artificial e dificlima seno praticamente impossvel. Isto nos impe naturalmente o dever de levar os gestos em conta para deles se tirar todo o recurso cabvel. Obriga-nos, igualmente, a eliminar todos aqueles que no se justificam pelo seu valor expressivo.

2. Como se divide a mmica Distinguem-se trs aspectos essenciais nessa linguagem complementar de gestos. Em primeiro lugar, temos o jogo fisionmico: volver os olhos, elevao ou contrao das sobrancelhas, movimentos da boca e dos lbios. Em segundo lugar, h os movimentos de mos, de braos e cabea. Finalmente, tambm funcionam o busto e at o corpo todo pela locomoo diante do auditrio. Os trs tipos de mmica no constituem, porm, elementos distintos e dissociados. Integram-se entre si para corroborar a elocuo. Da, a frase dos psiclogos norteamericanos Pillsbury e Meader: "A ao est intimamente ligada ao pensar e ao sentir... Cada idia desemboca naturalmente num movimento" (, 1928, p.9). No constituem, por outro lado, aspectos do mesmo volume e da mesma importncia. O jogo fisionmico que est mais integrado com a enunciao das palavras. Seguem-se-lhe em aderncia fala os movimentos de mos, braos e cabea. A locomoo do corpo no a rigor

essencial, pois podemos fazer uma exposio vigorosamente expressiva sentados ou parados, de p, por trs de uma tribuna. Todos esses trs elementos mmicos devem, entretanto, ser utilizados pelo expositor para um de desempenho da sua tarefa. E o devem ser de maneira segura e consciente. 3. Defeitos da mmica Os gestos expressivos sofrem um prejuzo grave, quando coexistem a seu lado outros imotivados pela comunicao \22

oral e apenas decorrentes de hbitos gesticulatrios, que se manifestam mecanicamente de maneira repetida ou prolongada. Muita gente tem permanentemente estes hbitos, ou passa a realiz-los, sem sentir, no momento em que se v diante de um auditrio. O inconveniente trplice. Antes de tudo, impedem, ou pelo menos embaraam, a mmica verdadeiramente expressiva, que no se pode executar, ou se executa mal, por causa deles. um resultado falho e at desastroso, comparvel, no mbito da elocuo, quele a que chega o indivduo que fala com a boca cheia e articula os sons da linguagem ao mesmo tempo que mastiga e deglute um alimento. Alm disso, concorrem para distrair os ouvintes. A ateno se fixa no gesto mecnico e assim se desvia das palavras que ouve; e fixa-se com tanto mais facilidade quando a falta de propsito do gesto enerva o auditrio e o faz instintivamente recrear-lhe a repetio. Os professores Brigance e Immel contam-nos a respeito a histria de uma senhora

que segredava ao marido ao assistir a uma conferncia em que o orador brincava com o relgio e j o pusera em doze ou quinze lugares diferentes da mesa - "Se ele ainda mexer naquele relgio, eu grito"; "ela no gritou mas tambm no ouviu o que o orador dizia; estava na expectativa do relgio mudar novamente de posio".(3) Finalmente, h o prejuzo de insensivelmente se atribuir ao gesto inexpressivo e mecnico uma inteno que ele no tem. Neste caso, estabelece perplexidade no auditrio, porque no se atina com uma interpretao satisfatria, e, muitas vezes at, cria-se uma franca sensao de ridculo pela discordncia entre a ao que se v e a palavra que se ouve. de toda a vantagem lembrar aqui alguns tipos muito comuns destes cacoetes. H, por exemplo, o vezo de brincar distraidamente, enquanto se fala, com uma pea do prprio vesturio ou com um objeto que se acha na tribuna ou na mesa. Inconvenientes anlogos decorrem de movimentos descontrolados com as mos: enfi-las nos bolsos, esfreg-las uma na outra, passar freqentemente uma delas pelo queixo, pela nuca, pela cabea. Ainda pior puxar as mangas do (3) Speech for Military Service, New York 1944. \23

casaco, ajust-lo a cada momento ou ajeitar a gravata, sugestionando os ouvintes no sentido de que eles tm diante de si algum que no est vontade e se comporta "como se o incomodasse a roupa do corpo", maneira daquele colegial "bugre e de m cara" que nos descreve satiricamente Raul Pompia n'. No menos desagradvel vermos um orador a passear nervosamente de um lado para outro, tomando at posies de vis ou quase de costas em

relao ao auditrio, com dano evidente para a boa projeo de suas palavras. Igualmente perturbadora a tendncia de certos oradores a fitarem distraidamente uma janela ou um ponto qualquer do recinto, privando os olhos da sua funo expressiva e induzindo os ouvintes a tambm voltarem os seus para aquele lado, sob a impresso vaga de que se passa ali qualquer coisa de anormal. 4. A boa mmica evidentemente mais fcil enumerar os defeitos da mmica do que ensinar minuciosamente a mmica expressiva e boa. No pode haver no caso um formulrio para ser aprendido maquinalmente. A condio precpua a integrao de todo o nosso organismo naquilo que enunciamos; da decorre um princpio geral: evitar todo gesto que no sentimos espontaneamente associado com o teor da frase. A cor vaga deste conselho mais aparente do que real. Torna-se ele preciso e ntido, se atentarmos em que a gesticulao uma natural atividade expressiva e possui elementos de valor convencionalmente aceito, quase no mesmo grau em que convencionalmente aceito o sentido das palavras. Acompanhando as consideraes dos professores Brigance e Immel (cit.), diremos que a mo aberta com a palma para cima significa uma apresentao de ponto de vista; com a palma para baixo, a inteno de frisar uma idia com que o auditrio est concorde, mas sem se dar bem conta da sua importncia. A mo fechada com o indicador estendido na direo do auditrio revela a convico e o propsito e insistncia numa afirmao aparentemente objetvel. O punho cerrado, num movimento de golpe no ar ou sobre a mesa, exterioriza o empenho de lutar por uma \24

opinio em que h controvrsia mais ou menos acentuada. E escusado referirmo-nos a gestos ainda mais padronizados, como os de afirmao e de negao, com o dedo indicador, ou o uso dos dedos para enumerar. Em relao aos movimentos do corpo, um leve avano para o auditrio traduz um sentimento de aproximao psquica; um leve recuo, um passo preliminar para argumentar contra maneiras de ver falsas, que sabemos bastante generalizadas. Efeitos equivalentes tm os movimentos do busto em posio parada, conforme ele vai ligeiramente para a frente ou para trs. Os gestos de cabea e o jogo fisionmico, essencialmente espontneo, so de mais fcil execuo; quase bastante que o expositor se deixe levar pelo prprio calor e sinceridade de suas palavras. Sublinhamos apenas o valor da leve distenso das comissuras dos lbios para mostrar intento um tanto ou quanto humorstico em atenuar a crueza de determinada afirmao. 5. O nervosismo De maneira geral, podemos dizer que a mmica defeituosa como, por outro lado, o tom de voz insatisfatrio est ligada ao estado nervoso decorrente de falar em pblico. Vencer esse nervosismo instintivo j mais do que meio caminho andado no sentido da mmica expressiva e boa. O auditrio sente, alis, a relao entre os cacoetes gesticulatrios e o estado nervoso do expositor. Nem um inconveniente despiciendo de tais cacoetes o de assim indiretamente sugerirem que temos diante de ns na plataforma um indivduo intimidado pela nossa presena ou pela conscincia ntima de no estar seguro de sua capacidade; porque num e noutro caso perdemos a simpatia ou a confiana que ele nos deve despertar. Em si, entretanto, o estado nervoso natural a at benfico. Decorre de uma tenso geral do organismo, e estimulante. \25

devido a ele que diante de um auditrio nos sentimos mais inspirados do que entre as quatro paredes de um gabinete de trabalho, e dizemos, muitas vezes, bem o que tnhamos forcejado em vo para lanar satisfatoriamente no papel. O estado nervoso tem, porm, de ser carreado para a exposio, valorizando-a pela vibrao que lhe imprime. No pode extravasar-se paralelamente. Pior ainda, no pode interferir com as palavras, provocando mmica contraditria ou voz hesitante ou trmula. \26 Captulo III A ELOCUO: FUNO ARTICULATRIA I. A ARTICULAO EM GERAL l. Objetivo estrito deste captulo J vimos no captulo II o que se entende por esta parte da elocuo: conjunto de movimentos na garganta e no interior da boca por meio dos quais enunciamos os sons da linguagem. Vimos igualmente o que lhe d especial importncia no funcionamento da comunicao oral: a necessidade de uma ntida e espontnea inteligibilidade acstica. Ora, o jogo articulatrio praticamente automtico e desenvolvido na base de uma aquisio, quase sempre insensvel e espontnea, que se verificou na infncia. Por contingncia de sua prpria natureza e da natureza desse primeiro aprendizado, tendem a nele se insinuar e radicar hbitos defeituosos de movimento e posio dos rgos bucais. A tcnica de correo ou ortopia hoje complexa e elaborada; fundamenta-se rigorosamente nas concluses a que chegou um estudo de observao, em moldes cientficos, chamado fontica, sobre o trabalho articulatrio e as suas relaes com o efeito acstico correspondente. O nosso objetivo neste captulo no pode, nem deve, evidentemente, ser um estudo cabal de fontica, ou sequer de ortopia. Limitamo-nos aqui a chamar a ateno para certos defeitos de articulao mais freqentes e prejudiciais,

como passo preliminar para serem corrigidos pelo esforo prprio de quem os possui. Pois tomar conscincia de um hbito mau, mecanicamente produzido, j um progresso no sentido da sua eliminao. \27

2. Os diversos tipos de defeitos articulatrios As palavras so constitudas de uma srie de sons elementares encadeados, que se distinguem entre si e cujo nome tcnico o de . A mero ttulo de comparao apenas aproximada, podemos dizer que os fonemas so os tijolos da construo das palavras. Caracterizam-se eles por um pequeno nmero de movimentos articulatrios, imprimindo-lhes traos acsticos bem determinados, que nos permitem identific-los. Em toda lngua, h certos contrastes de fonemas, onde a diferena articulatria muito pequena e a possibilidade de omiti-la muito grande, com prejuzo para a inteligibilidade da palavra. Tem-se assim um primeiro tipo de defeitos articulatrios, quando por frouxido e falta de nitidez dos movimentos bucais se leva o ouvinte a no sentir bem o fonema e a confundi-lo com outro. Acresce que, em virtude daquele ideal lingstico, j aqui referido no captulo I, cria-se espontaneamente em

toda lngua uma norma de pronncia, considerada a correta e elegante. O fonema pode ser emitido defeituosamente em virtude de desobedecer-se a essa norma, muito embora compreendido sem maior confuso. H neste particular duas espcies de perigo: de um lado, um esforo artificial e exagerado de boa articulao, a que se d o nome de hiperurbanismo; de outro lado, um desleixo e , atravs do qual se insinua uma articulao frouxa e vulgar, que afronta um auditrio culto e mesmo diante de qualquer auditrio tomado como ndice do social do expositor. Finalmente, h certos hbitos articulatrios que so prprios de uma determinada regio do pas e no coincidem com a norma geral de pronncia. Revelam uma pronncia regional e deve-se procurar corrigi-los na medida em que arriscam o expositor a provocar estranheza e at um leve senso de ridculo diante de um auditrio extra-regional. Desses trs tipos de defeitos articulatrios, o mais relevante, e tambm relativamente fcil de ser eliminado por um esforo pessoal, o que determina confuses de fonemas. Segue-se-lhe em importncia, num conjunto que verso e reverso, o hiperurbanismo e o vulgarismo, que prejudicam o prestgio imprescindvel ao expositor para fazer aceitar suas idias. A pronncia regional a que menos inconvenientes \28

oferece, desde que contra certos de seus traos no haja um preconceito arraigado no resto do pas e que os ouvintes estejam a par da procedncia regional do expositor e conheam mais ou menos esses traos para no se surpreenderem com eles. Estas duas ltimas condies impem, quando no existem , uma habilidade sempre possvel,

qual a de aludir o expositor, , ao seu rinco natal e sua conseqente maneira de falar. 3. Distino dos parnimos Um dos grandes percalos da boa articulao a existncia dos parnimos, isto , de palavras que apenas se distinguem por um ou dois de seus fonemas. Uma palavra mal articulada pode ser entendida como sendo outra, parnima. O prprio indivduo que fala pode, subconscientemente, fazer uma troca articulatria, em virtude de falsa associao de idias s vezes, at, momentnea. Antes de tudo, portanto, cumpre, ao enunciar cada palavra, ter viva no esprito a sua constituio fnica, ou, noutros termos, os seus fonemas e o encadeamento exato que a apresentam. Merecem especial ateno os parnimos cuja diferena est no contraste das duas consoantes chamadas lquidas - /l/ e /r/ - contraste que ressalta pouco entre vogais e muito se se trata do segundo elemento de um grupo de duas consoantes. O /r/ , como o /l/, articulado com a ponta da lngua junto aos dentes; mas exige uma vibrao ou tremulao um tanto prolongada, que o distingue nitidamente da outra lquida. Corretamente enunciados, sente-se entre pares como - fruir (gozar) e fluir (correr), fragrante (cheiroso) e flagrante (em chamas ou de surpresa), franco e flanco, grande e glande. 4. Contrastes nos fonemas portugueses Sem pretenses maiores, pode-se mencionar aqui os contrastes, que, tpicos de certos fonemas portugueses, propendem a desaparecer, com prejuzo da inteligibilidade, em determinadas posies na frase ou na palavra. \29

Tal o caso do /l/ e do /r/ como segundo elemento de um grupo de duas consoantes, a que se fez referncia algumas linhas acima. Neste mbito, convm citar outras distines, como as seguintes: a) Contraste determinado pela vibrao das cordas vocais na laringe ao enunciar a consoante (sonora), o que a distingue de outra (surda), sem essa vibra o, mas em tudo mais de articulao praticamente igual: sonoras: - /b/ - /d/ - /g/ /v/ - /z/ - /j/; surdas - /p/ - /t/ - /c/ /f/ - /s/ - /x/. Cf.: bote - pote; do - to; galo - calo; voz foz; zelo - selo; j - x (ou ainda ch, pois ch tambm representa /x/). Em fim ou comeo de frase, uma enunciao desleixada pode abafar ou anular a oposio imanente em cada um desses pares de palavras. b) Contraste determinado pelo desdobramento do dorso da lngua junto ao cu da boca, numa caracterizao da consoante (palatalizada) que a separa de outra sem este desdobramento: palatalizada - /x/ - /j/ - /lh/ - /nh/. no-palatalizada - /s/ - /z/ - /l/ - /n/. Diante de um grupo tono de duas vogais em que a primeira /i/, a consoante no-palatalizada tende a articular-se com aquele desdobramento e a omisso do /i/; e, diante de /i/ tnico a palatalizada a perd-lo, se no h um movimento da lngua rigoroso e preciso. Da a pronncia defeituosa de palavras como (confundindo-se com ), . No caso do /x/ e do /i/, o defeito mais freqente a omisso do /i/ que se lhe segue como primeiro elemento de um grupo de duas vogais (cf. neste sentido a m articulao de uma palavra como colgio sem o /i/ da ltima slaba). c) Contraste entre /m/ e /n/, sons ambos nasais, isto , com uma emisso de ar pelas fossas nasais em complemento articulao bucal diversa. Se esta ltima frouxa, predomina o efeito nasal, comum s duas consoantes, e a distino entre elas se esbate. \30

d) Contraste entre /l/ depois de vogal (mal, alto, vil) e /u/ na mesma posio (mau, auto, viu). Ambos os fonemas so pronunciados no fundo da boca, com uma elevao do dorso da lngua em direo ao vu palatino; mas a distino se baseia em trs traos. 1 - no /u/ a lngua eleva-se muito menos do que no /l/; 2 - no /u/ h ao mesmo tempo um arredondamento dos lbios; 3 - no /l/ h tambm uma ele vao da parte anterior da lngua, que para o /u/ fica abaixada. Uma articulao precisa, que leva em conta estas condies, distingue os dois sons e impede a confuso acstica. 5. Contrastes artificiais O esforo para bem opor o fonema a outro parecido pode, por outro lado, conduzir a uma deformao articulatria. Assim, o contraste entre /l/ e /u/ depois de vogal no deve ir ao ponto de se articular o /l/ depois de vogal exatamente como o /l/ antes de vogal. Salvo no extremo sul do pas, esta pronncia indiferenciada soa anmala, e d a impresso de haver um ligeiro /i/ depois do /l/ final, de maneira que uma palavra como quase se confunde com ou com . igualmente um artificialismo, que desagrada como hiperurbanismo pedantesco, o af de dar na pronncia de certas palavras o valor exato s letras que elas contm. Com efeito, em teoria, os fonemas so na escrita indicados por smbolos grficos privativos de cada um e chamados letras. Mas a apresentao escrita nem sempre perfeita; e, por tudo isso, deve-se procurar sentir os fonemas de uma palavra, em si mesmos, independentes das letras com que ela se escreve. Guiar-se rigorosamente pela grafia importa em cair muitas vezes no defeito da "pronncia alfabtica". O menor inconveniente passarmos a ter duas pronncias para a mesma palavra, conforme a usamos numa conversao espontnea ou numa exposio formalizada. Da decorre, como inconveniente maior, uma impresso de atitude forada,

que perturba a atmosfera de contacto espontneo entre \31

o expositor e os ouvintes. Alm disso, desvia-se a ateno destes para a excentricidade da pronncia. Finalmente, a palavra pode tornar-se at menos imediatamente apreensvel. Os casos mais chocantes, entre ns, so os valores de /e/ e /o/ dados s letras e , quando na realidade elas representam, excepcionalmente, /i/ e /u/. A este respeito, til a leitura atenta dos nossos grandes poetas, que com suas rimas nos indicam a boa pronncia. Assim : a) No se deve fazer diferena entre os finais tonos -eo e -io, ou -ea e -ia, pois a primeira vogal vale sempre /i/; por isso, rima Hermes Fontes (Apoteoses, 1908, p.19). b) Nas palavras proparoxtonas, com o acento na 3 slaba a contar do fim, a penltima slaba, que tona, nunca tem a vogal /o/, e a letra correspondente soa regularmente /u/. Da, as rimas e (Hermes Fontes, idem p.14), e (Castro Alves, Obras Completas, ed. Garnier, vol. II, p.38), e (idem, p.39). c) Nas palavras paroxtonas, as e , finais ou seguidas de um final, emitem-se, respectivamente, como /i/ ou /u/ fracos. o que explica rimas como e (Olavo Bilac, Poesias, 9 ed., p.157), e (Alberto de Oliveira, Poesias, 1912, p.75), e (Regina) (Cruz de Souza, Poesias, ed. Valverde, p.31), e (B. Lopes, Poesias, ed. Valverde, vol. III, p.35).

Num caso destes, o valor de /e/ e o de /o/ dados, respectivamente, s duas letras to anmalo, que logo cria a impresso de sotaque estrangeiro. Finalmente, em palavras espordicas, em que se escreve ou em slaba tona inicial ou medial a enunciao natural dessas letras como /i/ ou /u/; ex.: menino, feliz, sotague, borracha, governo, boletim (pronunciado /bulitin/). O mais freqente, porm, em slaba inicial ou medial tona, a letra indicar o verdadeiro som; assim que distinguimos e , e , etc.(4) (4) Em Portugal, entretanto, \32 no existe essa distino.

II. A ACENTUAO 1. Slaba tnica Um aspecto importante da articulao a maior intensidade com que so emitidos os sons de uma determinada slaba de cada palavra. A essa articulao mais intensa chama-se acentuao, e a slaba assim articulada - acentuada ou tnica. H certo nmero de vocbulos (muitos monosslabos e alguns disslabos) que se pronunciam dentro da frase sem acentuao, ou, em outros termos, com uma articulao fraca ou tona, ligando-se ao vocbulo contguo como se fossem dele uma ou duas slabas a mais. So as partculas tonas: o artigo, quase todas as proposies, muitas conjunes e as variaes pronominais que se adjungem a um verbo. Todas as outras palavras, inclusive outros muitos monosslabos, so tnicas, isto , tm uma de suas slabas

acentuada ou tnica em posio final ou ltima (oxtonos), ou em posio penltima (paroxtonos) ou ainda, menos comumente, em posio antepenltima (proparoxtonos). 2. Defeitos referentes acentuao O primeiro defeito a considerar neste mbito no emitir a slaba tnica com a intensidade suficiente. Da decorre prejuzo, porque a acentuao de determinada slaba desempenha um grande papel na identificao espontnea da palavra ouvida, o que um gramtico latino j pitorescamente frisou, dizendo que a slaba tnica a alma da palavra. Defeito, at certo ponto, oposto acentuar demais a slaba tnica de palavras acessrias, como um adjetivo ao lado do seu substantivo, um pronome sujeito ao lado do seu verbo, sem que haja para tanto uma razo especial de nfase. Ainda pior dar descabida intensidade na frase s partculas naturalmente tonas, enunciando-se, por exemplo, como tnica uma preposio junto ao correspondente substantivo, uma variao pronominal junto ao verbo correspondente. Por outro lado, a importncia da slaba tnica no deve fazer desprezar a articulao das demais. um defeito \33

srio, bastante comum entre ns. Dele resultam as seguintes conseqncias, altamente prejudiciais para a inteligibilidade do que se diz: a) "engolir" as vogais tonas com que se iniciam certas palavras (ex.: em vez de ) ; b) deixar esvarem-se numa leve aspirao as consoantes finais /r/ e /s/ de palavras no oxtonas (ex.:

em vez de , em vez de ); c) abafar a articulao da slaba final de palavras proparoxtonas, tornando-a indistinta quando no fundindo-a com a penltima, como na m enunciao de . Este terceiro defeito tem a sua contraparte numa ligeira acentuao, inteiramente descabida, da ltima slaba de uma palavra proparoxtona; em virtude disso que um proparoxtono como quase soa, defeituosamente, como oxtono. 3. Palavras de acentuao duvidosa A importncia da slaba tnica na identificao dos elementos da frase torna profundamente vexatrio o problema de pronunciar palavras em que a posio da acentuao no est espontaneamente fixada na lngua. Em muitas, uma das pronncias tida como vulgar e desprestigia o expositor; assim, deve dizer-se - como oxtonos ; como paroxtonos ; como proparoxtonos (nome prprio, em contraste com esquilo, paroxtono, nome comum de animal). Em outras, h dvida e hesitao generalizada, e o problema se complica. Trataremos dele na parte deste destinada a estudar as discordncias do uso lingstico. \34 Captulo IV A ELOCUO: FUNAO RTMICA I. O JOGO DAS PAUSAS 1. Os grupos de fora J vimos anteriormente que numa elocuo fluente e normal no se enunciam as palavras isoladas entre si, como a conveno grfica as apresenta no papel. Elas se encadeiam, ao contrrio, constituindo os chamados grupos de fora. Assim, o contnuo da elocuo cortado de pausas que no correspondem, seno ocasionalmente, separao mental que fazemos entre uma palavra e outra. o que explica a tendncia dos indivduos apenas semialfabetizados a lanarem no papel, quando escrevem, duas ou trs palavras ligadas, sem espao em branco; guiam-se pelas pausas que espontaneamente fariam falando, e no pela individualidade que mentalmente se atribui a cada palavra. O nome de grupo de fora foi escolhido em virtude de cada uma dessas unidades de emisso possuir uma nica acentuao predominantemente forte - a da slaba tnica da sua palavra mais importante, a que se adaptam, com acentuao um pouco enfraquecida, as slabas tnicas das

demais palavras e as partculas tonas. o que se observa nitidamente na boa leitura do verso. Assim, o verso de 10 slabas, ou decasslabo, em portugus, forma 2 ou 3 grupos de fora, com a acentuao predominante, respectivamente, na 6 e 10 ou na 4, 8 e 10 slabas; dentro de cada um desses grupos enquadram-se com intensidade atenuada as slabas tnicas das demais palavras, incidindo indiferentemente em qualquer slaba que \35

no seja a 5, a 7 ou a 9; ex.: "muito-coche- real nestascaladas / e-nestas-praas hoje-abandonadas..." (Raimundo Correa, Poesias, 4 ed., p.165). 2. Espcies de pausa Podemos distinguir vrias espcies de pausa numa exposio seguida. H, em primeiro lugar, as pausas decisivamente assinaladas, que na escrita correspondem ao ponto, com duas graduaes: uma grande pausa, equivalente ao , e uma mais rpida, que graficamente se traduz pelo . Em segundo lugar, temos as pausas em que a voz fica em suspenso, indicando que a frase ainda no

terminou; so as que a escrita representa pela vrgula, se para isso existe motivo de ordem lgica, ou deixa de representar, se falta esse motivo. Como graus intermedirios, se nos oferecem outras pausas mais rpidas que as do ponto simples e mais demoradas que as da vrgula, expressas em regra no papel pelo ou pelos , conforme a inteno lgica. Oralmente, a pausa de dois pontos se caracteriza por uma voz em suspenso, como no caso da vrgula, e a de decisivamente assinalada, embora a voz logo se reate. A impresso de pausa decisiva e a de voz em suspenso decorrem da altura da voz na parte final do grupo de fora: para o primeiro efeito a voz baixa levemente, e para o segundo h uma pequena elevao gradativa, a partir da ltima slaba tnica. Ou em outros termos: d-se um jogo de cadncias (do latim , cair) e anticadncias. Todas essas pausas tm um papel complexo na elocuo. Podemos resumi-lo em quatro ordens: a) permitir o mecanismo regular da respirao, enquanto se fala (ordem fisiolgica)(5) b) dar oportunidade ao desenvolvimento de um pensamento que se formula medida que se exterioriza (ordem mental); (5) Cf. A. Nascentes (O Idioma Nacional, So Paulo 1937, p.77): "A durao normal da respirao abrange doze slabas". \36

c) possibilitar ao auditrio acompanhar a exposio, fornecendo-lhe um grupo de idias relativamente simples de cada vez (ordem comunicativa); d) estabelecer um balano rtmico na elocuo (ordem

rtmica ou fontica). Ora, a pausa rtmica justamente preponderante numa elocuo normal e fluente. ela que regula a marcha da fala, estabelecendo uma distribuio de grupos de fora, variveis em durao e nmero de slabas, mas com certa proporo, embora um tanto indefinida, entre si. O verso no mais do que a sistematizao, em nmeros determinados, dessa distribuio natural e incerta. Entre ele e a frase comum, dita em prosa, h a mesma relao que entre as figuras geomtricas absolutas na sua regularidade e os perfis que a natureza nos oferece nas montanhas, nas pedras, nas rvores, com os seus contornos caprichosos e incertos mas donde aquelas figuras se podem extrair. Toda enunciao tem a rigor um embrio de verso, e o chamado verso livre moderno caracteriza-se por contentar-se com esse ritmo vago natural. Em virtude desse seu aspecto essencial, a pausa rtmica, profundamente entranhada na alocuo, concentra em si as demais funes das pausas e aproveitada para os fins de respirao fisiolgica, da formulao mental e da comunicao compreensiva. A interrupo da fala, imposta por uma distribuio rtmica imanente, sincroniza-se com a atividade respiratra e o desenvolvimento de uma atividade de pensamento que se exterioriza e vai sendo apreendida pelos ouvintes. 3. Defeitos no jogo das pausas O expositor inexperiente no sabe fazer isso. Pra para respirar quando sente que vai faltar o flego, e assim interrompe extemporaneamente a frase. Pra para pensar no que vai dizer em meio de uma frase que deve ser ritmicamente contnua. Num e noutro caso, os ouvintes recebem fragmentos de informao e no um pequeno conjunto naturalmente compreensvel: tm que esperar que o expositor resolva o seu problema, e a pausa que se lhes apresenta \37

como descabida e, pois, enervante. Acresce que essas interrupes, desprovidas de valor rtmico, se tornam to desagradveis e chocantes para o auditrio como para os passageiros de um veculo as paradas bruscas e inesperadas que rompem o ritmo da marcha. H, portanto, dois defeitos fundamentais no jogo das pausas : a) a falta de controle da respirao, a fim de aproveitar ao mximo para respirar as pausas foneticamente impostas na elocuo; b) a falta de ajustamento entre o pensar e o dizer, a fim de formular de um golpe o conjunto de palavras contidas num grupo de fora. A correo do primeiro defeito relativamente fcil: depende de um adestramento respiratrio, que facultam os exerccios de leitura em voz alta. O segundo defeito se corrige pela disciplinao mental, e a sua eliminao que determina a qualidade oratria da fluncia. Quem no orador feito nem sempre chega a um de elocuo para ser rigorosa e inelutavelmente fluente. Uma ou outra vez, h de lhe acontecer um desajustamento momentneo entre o ritmo do pensamento e o da fala, e, em meio a um grupo natural de fora, ter de parar a fim de procurar uma palavra ou uma frmula verbal ainda no nitidamente evocada. Os inconvenientes da resultantes podem ser reduzidos, ou at praticamente anulados, por um destes dois recursos, conforme as circunstncias: l) fazer da interrupo uma pausa enftica; 2) enunciar uma palavra ou uma frmula menos satisfatria, para dar tempo evocao, e logo corrigi-la atravs de uma ressalva como - "ou antes", "ou melhor", "ou noutros termos", "ou mais precisamente", etc. A impresso de pausa enftica se desperta nos ouvintes por meio de um jogo mmico adequado, com que o \38

expositor aparenta que se deteve para dar mais relevo ao que vai dizer; em seguida ela se consolida pelo tom especial, com que afinal se enuncia a palavra ou a frmula buscada. bvio que essa pequena simulao s tem cabimento quando se trata de qualquer coisa de realmente importante no teor da exposio; em caso contrro, cria-se uma incongruncia entre a nfase da elocuo e a insignificncia do contedo mental, e o efeito desastroso. O recurso correo s se justifica, por sua vez, quando a dificuldade de encontrar um termo adequado, em vista da sutileza e do cambiante da acepo, tambm plenamente sentida pelos ouvintes, que ento se integram com o trabalho mental do expositor e aceitam a ressalva como uma prova de seu escrpulo na nitidez da expresso. 4. Velocidade da elocuo Est intimamente associada com os grupos de fora e as pausas a velocidade da elocuo. A elocuo lenta, ou "pausada", cria, como este segundo qualificativo indica, uma pausa de uma palavra para outra e desagrega os naturais grupos de fora, com prejuzo para o efeito rtmico. Da a sensao de tdio que se estabelece no auditrio, a par do cansao decorrente do esforo contnuo para ajuntar compreensivamente palavras que so apresentadas inteiramente soltas entre si. A elocuo excessivamente rpida, por sua vez, mesmo quando no prejudica a nitidez da articulao, obriga a uma tenso mental fatigante por parte de quem ouve, no af de analisar e assimilar o que ouve. O auditrio v-se na situao de um pedestre que tivesse de acompanhar um cavaleiro a galope. De menor monta, porm, do que a velocidade mdia da elocuo a distribuio dessa velocidade de acordo com o teor geral de cada grupo de fora. Por convenincia de ordem rtmica, os grupos de fora muito grandes tendem a se enunciar com mais rapidez. Por convenincia

de ordem comunicativa, as palavras muito longas e as singularmente importantes tendem a se enunciar com mais \39

lentido. Assim, a fala se torna mais rpida e mais lenta, numa variedade que satisfaz foneticamente ao ouvido e mentalmente compreenso. Neste jogo de velocidade da voz, , antes de tudo, necessrio que o expositor saiba controlar o seu impulso psquico de apressar a elocuo medida que vai empolgando-o o assunto. No deve esquecer que est diante de um auditrio e que a marcha da exposio tem de ser regulada por certos dados objetivos, entre os quais sobrelevam a natureza fontica e o contedo mental das prprias frases. O entusiasmo do expositor um dado subjetivo e altamente prejudicial, se conduz a uma maior rapidez de emisso que no coincide com exigncias de ordem rtmica e comunicativa. , portanto, um defeito comearmos a falar lentamente, pelo simples fato de ainda no estarmos realmente tomados pelo assunto, e apressar gradativamente a elocuo medida que nos entusiasmamos. Como todos os demais elementos da elocuo, a velocidade da voz tem de ser governada pelo intento definido de um expositor seguro de si. II. AS PAUSAS E AS PARTCULAS PROCLTICAS l. As partculas proclticas Vimos, a propsito da acentuao, que h muitos

monosslabos e alguns disslabos tonos que entram num grupo de fora sem qualquer acentuao prpria: o artigo, quase todas as preposies, muitas conjunes e as variaes pronominais que se adjungem ao verbo. Com exceo destas ltimas, que ora se antepem, ora se pospem forma verbal, as demais partculas tonas so proclticas, isto , se ligam palavra tnica que se lhes segue, como novas verdadeiras slabas iniciais dessa palavra. Assim, no pode haver, em princpio, uma pausa entre uma partcula procltica e a palavra em que ela se integra. Uma pausa nestas condies torna autnoma a partcula e lhe d acentuao. O efeito acstico , em regra, desagradvel e perturbador. -o tanto mais quanto mais coesa for a idia entre os dois vocbulos. \40

Podemos dizer que isto se verifica praticamente sempre com o artigo e quase sempre com as preposies tonas. Quando as enunciamos, j devemos ter ntida em mente a palavra seguinte, a fim de no incindir numa pausa que, alm de defeituosa porque rompe o grupo de fora, isola incongruentemente a partcula procltica e lhe d uma acentuao inadequada. 2. As pausas e as partculas proclticas s vezes, entretanto, muitas conjunes e certas preposies tonas adquirem uma fora de articulao espordica, pela exigncia do prprio texto, e estabelece-se uma ligeira interrupo da voz depois delas. o que se verifica,

em ocorrncias limitadas, com a preposio (quando se quer frisar com vigor a idia de um movimento de direo), com a partcula , com as conjunes . Num caso desses, a partcula tona se torna tnica, e da decorre um problema de articulao em referncia sua vogal. que, normalmente, os proclticos, que na escrita terminam em ou , tm outras vogais no corpo da elocuo: o /a/ apresenta um som fechado e abafado; e para e correspondem respectivamente, na realidade, um /i/ e um /u/ fracos, um tanto mais abertos que o /i/ e o /u/ tnicos. Ora, quando sucede o isolamento e a ligeira acentuao, acima referida, deparam-se-nos duas possibilidades de articulao da vogal: a) deix-la com o timbre caracterstico, e ento tere mos um // tnico abafado, semelhante pronncia da letra em palavras inglesas como , e um /i/ e um /u/ tnicos fechados, como nos monosslabos tnicos e ; b) atribuir-lhe o timbre tnico normal, em que o /a/ soa claro e aberto como em e aparecem /e/ e /o/ a corresponder, respectivamente, s vogais tnicas de e .

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Em referncia preposio , a segunda soluo que um auditrio brasileiro aceita melhor; o mesmo se pode dizer da conjuno mas, embora a a ressonncia nasal do /m/, repercutindo no /a/, e o esforo para distinguir a partcula

e o advrbio tenham favorecido a manuteno do timbre abafado. Quanto s conjunes (copulativa) e (condicional), predomina a articulao com /i/ mesmo em posio ligeiramente tnica. Ao contrrio, a tonicidade na partcula impe a emisso de um /e/, em vez do /i/ fraco da elocuo procltica. 3. Defeito na elocuo das conjunes proclticas Alguns oradores tm a tendncia para abusar dessa ligeira acentuao e pausa em referncia s conjunes e ainda preposio . Parece-lhes um bom recurso para chamar a ateno do auditrio e impression-lo. Mas, quando no h para isso um motivo verdadeiramente forte no encadeamento das idias, cai-se facilmente num maneirismo, que de mau efeito como todos os maneirismos. As pausas tm de ser naturalmente condicionadas pelo teor da exposio. A preocupao de fazer, sem motivo de ordem profunda, essas ligeiras pausas s pode perturbar a unidade do texto, rompendo os seus grupos naturais de fora. Acresce que, assim, se pe indiscriminadamente a nfase em partculas acessrias, valorizando-as sem maior cabimento; solicita-se o auditrio a fixar especial ateno em meras partculas de enlace e cria-se uma desproporo no jogo dos tons de voz. particularmente importante no esquec-lo, quando se intercala entre a partcula e a palavra seguinte uma expresso incidente, que corta a ligao lgica entre os dois elementos; ex.: etc. A interrupo lgica parece dever condicionar uma interrupo fontica, e na escrita h casos em que se costuma at a colocar a expresso incidente entre vrgulas. Mas a pausa e a conseqente acentuao do procltico podem estabelecer aquela nfase descabida ha pouco aludida; e nestas condies muito prefervel concatenar a conjuno \42

com a parte intercalada, e s depois desta fazer uma ligeira pausa: . justamente um caso em que a vrgula na escrita, de natureza lgica, no coincide necessariamente com a pausa, de natureza fontica. 4. Aplicao A ttulo de aplicao, consideremos o seguinte trecho d' do Visconde de Ouro Preto, onde o hfen liga as palavras de um grupo de fora, a cancela indica ligeira pausa entre dois grupos, e a cancela dupla uma ntida pausa de vrgula. "Duas-lguas-abaixo / da-cidade-de-Corrientes // na-extensa-curva / que-faz / o-rio-Paran // entre-a-ponta-daquele-nome / e-Santa-Catarina / ao-sul // viam-se / em-linha-de-combate // mas-com-os-ferros-no-fundo / e-fogos-abafados // nove-canhoneiras-a-vapor // em-cujos-penis / tremulava / a-bandeira-brasileira" (cf. Antologia Nacional de F. Barreto e Laet, 25 ed., p.74). No trecho seguinte da mesma narrativa temos o caso de um copulativo em conexo com um troo (6) de frase incidente : "Ele-bate-se / com-vivacidade-extrema // e-ao-mesmo-tempo-que-procura-causar / o-maior-prejuzo / ao-inimigo / e-cortar-lhe-a-retirada // socorre / por-suas-prprias-mos // atirando-lhes-cabos // algumas-praas / que-se-debatiam / contra-a-correnteza" (Ibid., p.85). (6) A supresso do acento diferencial, em casos como este, apresenta inconvenientes para a pronncia, pois se trata de troo () e no troo (). \43 Captulo V A EXPOSIO ORAL I. CONSIDERAES GERAIS Pode parecer primeira vista que exposio oral, dada a natureza espontnea da linguagem falada, deva ser um improviso, em sentido absoluto, para causar uma boa impresso no auditrio. E, com efeito, fcil perceber como a sensao do improviso estimulante e capta uma simpatia geral para o orador. Ao contrrio, o discurso lido, ou evidentemente decorado, tem a vencer, de incio, uma instintiva

m vontade; e s bem aceito em casos muito definidos em que a conveno social o impe. A linguagem falada est de tal modo integrada no ambiente de uma situao concreta, que nos comprazemos em imaginar a exposio ideal como sendo aquela que espontaneamente emerge da situao em que se manifesta. Esse sentimento do auditrio deve ser levado cuidadosamente em conta pelos expositores, mas nunca desgarr-los a ponto de se pautarem literalmente por ele. Nenhum grande orador jamais procedeu de tal forma, desde a Antigidade Clssica, quando a fala em pblico tinha primacial importncia para o poltico na gora e para o general no campo de batalha; do gnio da oratria grega, que foi Demstenes, se disse, ainda em seu tempo, que todos os seus discursos cheiravam a azeite de candeia, e ele prprio admitiu o que a se insinuava, retrucando ao crtico malevolente, que tinha fama de ladro: "Para coisa muito diversa te serve a luz da candeia".(7) A rigor, o improviso deve restringir-se formulao verbal dos pensamentos. frase de antemo preparada, (7) A anedota vem nas "Vidas" de Plutarco (cf. trad. Fr. Pierron, 2 ed., vol. III, p.531). \44

em todos os seus detalhes, falta o calor e a vida que queremos sentir na enunciao oral. Para ter uma e outra preciso que ela seja um produto do momento, determinada pelo estmulo da ateno e do interesse que o expositor apreende em volta de si e orientada pelas reaes dos indivduos em cujo meio ele se acha. H um processo de elaborao formal, condicionada pela receptividade mais ou menos cambiante que se entremostra nos ouvintes, e s assim a exposio se torna impressiva e eficiente. o que no se verifica no discurso lido, e esta circunstncia uma das vrias inconvenincias que ele oferece. J no mbito da composio, isto , do plano em que a exposio se vai desenvolver, o improviso s pode ser desastroso. Temos de saber, de antemo, o pensamento central que vamos expor e temos de construir, de antemo, esse pensamento num todo orgnico e lgico. Da decorre a necessidade de um cuidadoso trabalho mental preliminar, que podemos dividir em dois itens: 1) determinar o que vamos dizer e consolidar o nosso conhecimento a respeito, atravs de reflexes e pesquisas; 2) organizar a distribuio do assunto da maneira que nos parece mais interessante, clara e impressiva. O primeiro item abrange uma srie de atividades, que constituem os prolegmenos da exposio; o segundo a afincada "viglia luz da candeia", que se atribuiu a Demstenes, a fim de ficar nitidamente elaborado um roteiro e prevista a marcha a seguir. esta ltima parte que vamos estudar em primeiro lugar sob o ttulo de - . II. O PLANO DA EXPOSIO 1. Partes essenciais da exposio quase um trusmo que toda exposio deve ter um comeo introdutrio, um corpo de matria e uma concluso. Assim, na elaborao de um plano preciso levar em conta essa diviso natural e preestabelecer um incio de \45

consideraes gerais, que nos conduza insensivelmente para o nosso assunto propriamente dito, um conjunto central, com este assunto, e um conspecto final, que o resuma e consolide. 2. A introduo A introduo - que a antiga retrica chamava o exrdio impe-se, antes de tudo, pela necessidade de um duplo ajustamento: a) a do expositor com o auditrio, captando-lhe a simpatia e a ateno; b) o do auditrio com o assunto, para que todos sintam a importncia e o interesse do que vo ouvir. Alm disso, a introduo cria um terceiro ajustamento: o do expositor com o seu prprio assunto, nas condies concretas em que vai desenvolv-lo. A antiga retrica admitia a existncia de discursos sem exrdio, que denominava discursos . Mas com isto partia de uma concepo muito estreita do que se devia entender por exrdio, concebido sem profundeza e sem amplitude como uma srie de consideraes do orador sobre a sua pessoa, o seu apreo aos ouvintes, a necessidade de tomar-lhes o tempo e a ateno etc. A introduo , tal como definimos linhas acima, mesmo num discurso existe em ltima anlise. Quando, por exemplo, Ccero, na primeira Catilinria (Orationes, ed. Deltour, II, 1), comea a falar com uma imprecao sbita - "At quando, Catilina, abusars da nossa pacincia...", estabelece, malgrado o famoso , uma cuidadosa e sagaz introduo, focalizando em termos gerais a figura do antagonista e as suas atividades clandestinas, que seu propsito analisar e pr luz do dia; enfim, capta a simpatia e a ateno do auditrio e faz-lhe sentir a importncia e o interesse do que lhe vai minuciosamente expor. Esta anlise dos fins da introduo, que acabamos de fazer, mostra que ela apresenta espontaneamente uma diviso tripartida: \46

a) na primeira tomamos posse do ambiente; b) na segunda focalizamos claramente para ns e para os ouvintes o nosso objetivo; c) na terceira fixamos nesse objetivo o auditrio e fazemo-lo comungar com os pensamentos que vamos desenvolver. Sem isso, a exposio se torna perturbadora, porque encontra um ambiente ainda mais ou menos desajustado. Mesmo que o auditrio j esteja de antemo empenhado no que vai ouvir e bem predisposto em referncia ao expositor, a presena deste e o incio da nova experincia impedem uma fixao imediata no assunto; cria-se um atraso de percepo, e, na melhor das hipteses, o resultado ficar perdida uma parte bsica do desenvolvimento. 3. O corpo da exposio A exposio tem de dividir-se em partes bem delimitadas e bem concatenadas. H diante de ns um assunto em bloco. suscetvel de uma anlise que no-la faz compreender como um todo articulado. A organizao do corpo da exposio consiste em fazer o expositor essa anlise para si e para o auditrio. No se deve dividir demais, pois assim fica prejudicada a impresso de unidade. Deve haver apenas poucas divises primrias, que por sua vez se subdividam em alguns itens. Se se impem, inevitavelmente, uma complexidade muito grande, que o assunto no propriamente uno. H um excesso, para ser abandonado, ou, se o merece, desenvolvido noutra ocasio. Os critrios da diviso so vrios, mas se podem

resumir em quatro grandes tipos (8): a) um desdobramento cronolgico; b) um agrupamento pela associao lgica; c) a fixao de um ponto de maior interesse, do qual se desce gradativamente; d) a disposio da matria em forma de problema proposto ao auditrio. (8) So, em princpio, os que apresenta o livro j citado dos professores Briganco e Immel. \47

Em suma: um planejamento cronolgico, outro lgico, um terceiro psicolgico, porque parte de uma atitude psquica diante do assunto, e finalmente um quarto que podemos chamar dramtico, porque passamos a viver com o auditrio uma espcie de drama, na pesquisa de uma soluo. O critrio cronolgico aparentemente o mais fcil de organizar, mas ao mesmo tempo o mais rduo para conduzir a uma compreenso boa. Nem sempre a seqncia dos fatos explicao satisfatria da sua ocorrncia, e a filosofia do conhecimento j h muito que denunciou com razo a falcia do raciocnio - . Mesmo nas narrativas puramente histricas, em que a cronologia parece ser um elemento visceral, o mtodo de disposio pelas datas, que era o dos antigos , se tem mostrado muitas vezes incongruente e pouco propcio. No relato de uma guerra, com teatros de operaes distintos, entrosada com atividade de poltica interna e externa, por exemplo, um plano primariamente cronolgico a rigor inexeqvel ou pelo menos de pssimo efeito. O critrio lgico, em que o assunto procura se nos

apresentar deduzido na sua estrutura objetiva, , por sua vez, no raro de difcil execuo, em virtude de um tal ou qual carter caprichoso e arbitrrio, que, pelo menos para a inteligncia humana, assumem com maior ou menor grau todas as coisas deste mundo. A rigidez do mtodo lgico arrisca-se a transformar-se num leito de Procusto. A deformao da realidade ou a esquematizao simplista so os dois resultados negativos a que pode conduzir o af de uma apresentao logicamente estruturada. J o critrio que denominamos psicolgico pode trazer inconvenientes diversos mas no menos srios. Propende para um sensacionalismo fcil, para uma espcie de esprito jornalstico, no mau sentido da expresso. Finalmente, a dramatizao do discurso, pelo processo de estabelecer preliminarmente um problema, de aplicao muito delicada. preciso, antes de tudo, que se trate de um problema digno deste nome e que a exposio o resolva realmente e de maneira meridianamente clara para os ouvintes. Do contrrio, o expositor fica na atitude \48

incmoda de um charadista que no sabe responder convenientemente s suas prprias charadas. Ponderados em suas vantagens e inconvenientes, os quatro mtodos centrais de exposio se oferecem nossa escolha em funo principalmente da prpria natureza do assunto, da situao concreta em que se vai falar, da finalidade particular em vista e das correntes de interesse imanentes no auditrio. uma questo preliminar a ser resolvida pelo prprio expositor e para a qual no pode haver uma receita j pronta a ser tirada de um Manual.

importante ressalvar, enfim, que os quatro mtodos nem sempre so exclusivos uns dos outros seno complementares entre si. Pode-se, por exemplo, partir de um clmax psicolgico para insensivelmente se entrar, em seguida, num encadeamento lgico, do qual se passa, num segundo plano de subdivises, para o arranjo cronolgico. A seqncia pelas datas, em virtude do seu aspecto objetivo mas ao mesmo tempo sem profundidade, se presta para as disposies de ordem secundria, depois que uma anlise noutros moldes estabeleceu seces primrias e mais substanciais. 4. A concluso A exposio tem naturalmente um objetivo essencial que a motiva. Pode-se com maior ou menor facilidade depreend-lo do conjunto geral do que foi dito. Mas no deve caber aos ouvintes faz-lo. O expositor est implicitamente obrigado a resumir o seu pensamento central numa concluso adequada. A consolida as idias at ento desenvolvidas, e incute-as no auditrio de uma maneira permanente para os fins em vista. Para isso, pode fazer um sumrio do que j exps; convm que seja um sumrio no rigor da expresso, isto , rpido e conciso; pois do contrrio se cai na repetio e num repisamento de conceitos, que cansa e entedia. H, entretanto, outros modos de concluir. Tal terminar com um apelo para a aplicao do que foi dito: os ouvintes se estimulam com essa visualizao da ao prtica e garante-se a permanncia da impresso recebida. \49

Efeito anlogo tem uma rpida ilustrao, que, num exemplo vivido, corrobore as consideraes at ento apresentadas. Outro recurso destacar do exposto um ou mais pontos cruciais e fix-los a ttulo de concluso diante do auditrio. Finalmente, pode-se usar o fecho de uma citao incisiva. O prestgio da personalidade citada e o carter mais ou menos retrico da sua frase criam um clima de simpatia instintiva, que s pode favorecer a melhor aceitao das palavras e do raciocnio do prprio expositor. III. OS PROLEGMENOS DA EXPOSIO 1. Em que consistem eles Um plano de exposio, assim elaborado, depende evidentemente ainda de dois fatores externos: a) O conhecimento que o expositor tem do assunto; b) a sua inteligncia em adapt-lo ao tipo de auditrio concreto que vai ter. bvio que sem o conhecimento adequado da matria nenhum plano de exposio pode dar resultado, se que sequer pode ser realmente feito. A um expositor ignorante do seu assunto cabe a histria do campnio que no conseguia ler com nenhum dos culos que eram nele experimentados... porque no sabia ler. Por outro lado, o plano da exposio tem de amoldar-se aos ouvidos a que se destina e s condies ambientes em que vai projetar-se. Um desenvolvimento estritamente lgico, por exemplo, no o mais indicado para um auditrio de nvel intelectual medocre, nem para um recinto aberto e mais ou menos agitado, pouco propcio para a concentrao mental. Pode ser de efeito magnfico concluir pelo destaque de um ponto crucial, que sabemos ser um firme centro de interesse para aqueles determinados indivduos a quem vamos falar. E assim por diante. 2. O conhecimento do assunto Na maioria dos casos, o expositor conhece, satisfatoriamente, a matria de que vai tratar, e no raro at a sua \50

condio de especialista que o indicou naturalmente para a tarefa. As contingncias da vida profissional so, entretanto, mltiplas e caprichosas; e no poucas vezes vemo-nos na necessidade de falar em pblico sobre um assunto com que estamos muito mal familiarizados. Mesmo na primeira hiptese no se justifica a supresso de pesquisas para a exposio em vista. O conhecimento nunca suficiente para consubstanciar um contedo concreto, orientado num determinado sentido e com um objetivo bem definido. Estas so condies que renovam, por assim dizer, um assunto (ainda que da nossa estrita especialidade). Para esse trabalho de aquisio ou renovadora adaptao da matria, temos a nosso dispor duas grandes espcies de fontes: a) a troca de vistas com pessoas entendidas, que j tiveram experincias semelhantes que vamos ter; b) a consulta a livros ou outros informes escritos. So dois recursos utilizveis para qualquer exposio, seja oral, seja escrita. Contudo, na exposio oral, que geralmente se apresenta com certo imediatismo, sem possibilidades de execuo a longo prazo, o manuseio dos livros, ou, em termos mais gerais, o trabalho bibliogrfico preliminar no tem ensanchas de se desenvolver cabalmente, como em regra, ao contrrio, sucede com a exposio escrita. J a informao direta junto a pessoas entendidas, um tanto inoportuna em livros ou monografias por causa do carter no-documentrio que possui, particularmente vantajosa para uma fala em pblico, em que precisamos, de uma preparao rpida e prtica. 3. Como recorrer a pessoas entendidas Isto posto, depara-se-nos o problema de usar proveitosamente deste tipo de informao direta. Varia para tanto o . Em primeiro lugar, podemos apelar para uma conversa assistemtica e sem formalidades. Outro processo propor \51

perguntas definidas numa entrevista formal. Finalmente, h os questionrios escritos. Quando nos falta um conhecimento amplo da matria, aquele primeiro recurso o mais aconselhvel. A conversa assistemtica e sem formalidades nos fornecer idias e concluses de que precisamos como ponto de partida. intil e at contraproducente propor perguntas definidas ou enviar questionrio sobre assunto que ainda no dominamos bem: tocaremos em pontos irrelevantes e omitiremos pontos essenciais, sem que o nosso consultado possa suprir as falhas, em virtude da maneira rgida de que lanamos mo. Mesmo os assuntos muito nossos conhecidos merecem ser destarte abordados; verificaremos muitas vezes que da emergem coisas, que para nossa surpresa nos tinham at ento passado despercebidas. A entrevista formal e os questionrios escritos tm especial cabimento, quando precisamos de certos dados suplementares para uma exposio j mais ou menos delineada. 4. A consulta bibliogrfica O livro, ou informe escrito em geral, no tem a maleabilidade que encontramos em contactos pessoais. preciso saber servirmo-nos dele para o nosso fim particular, mormente em se tratando de uma exposio oral, quando nos defrontamos com um prazo curto para preparao e esta se apresenta em condies mais ou menos improvisadas. Nem sempre necessrio, ou sequer aconselhvel, a leitura integral de certos livros. S a prtica nos habilitar na arte de colher informaes de uma obra, definidamente em vista do nosso caso concreto, sem nos deixarmos desviar e sem malbaratar o tempo na ateno dada a trechos

no-pertinentes. Quanto seleo das leituras, h trs condies que no se pode perder de mira: o livro precisa ser de fcil obteno no meio em que estamos; indispensvel uma convico bem clara do seu valor e utilidade; e a informao que dele queremos extrair deve achar-se facilmente depreensvel, em vez de emaranhada numa orientao inteiramente estranha marcha que nos cabe seguir. \52

5. O conhecimento do auditrio Chegamos agora ao segundo fator externo que destacamos nos prolegmenos de uma exposio; a necessidade dela adaptar-se aos que vo ouvi-la e ao ambiente em que vai ser dita. de mxima importncia conhecer as espcies de pessoas que vamos ter diante de ns. A sua cultura, a sua classe social, os seus interesses vitais so diretrizes no planejamento da exposio. So ainda elementos de segurana para o domnio satisfatrio sobre o auditrio. O expositor previamente informado neste sentido est a salvo de ter surpresas, capazes de embara-lo ou at inibi-lo; e, mesmo independente disso, fica assim mais atenuada a impresso de experincia nova e a reao nervosa que essa impresso sempre desperta. No , da mesma sorte, despiciendo o conhecimento do lugar e da ocasio. Falar num recinto fechado, por exemplo, uma situao muito diversa do que faz-lo num ptio aberto, ou numa praa pblica, onde os ouvintes esto sujeitos a fatos perturbadores ou dispersivos para a sua ateno. Neste particular, nunca so demais as mincias.

grande ou pequeno o recinto? Tem ou no boa acstica? um anfiteatro ou uma sala comum? Vamos subir a uma plataforma ou ficar em nvel com os ouvintes? Tudo isso importa, quando mais no seja, numa preparao psicolgica para a experincia que vamos ter. especialmente relevante saber se haver outros oradores e, neste caso, qual o nosso nmero de ordem para falar. Se a nossa exposio vem depois de outras, convm ter uma idia de cada uma delas, a fim de no repisar tpicos j suficientemente debatidos ou entrar em contradio implcita com coisas ditas anteriormente. Muitas vezes impe-se - claro - contradizer proposies de outrem, com as quais estamos em radical desacordo. Mas igualmente claro que o fato delas j terem sido enunciadas, momentos antes, muda as condies, em que nos achamos, para exprimir por nossa vez a nossa maneira de pensar. \53 Captulo VI A EXPOSIO ESCRITA I. CARACTERIZAO 1. Caracteres prprios da exposio escrita J vimos como a linguagem escrita se apresenta "mutilada" em confronto com a linguagem oral. A conseqncia imperativa que tem de ser mais trabalhada, porque os seus elementos ficam onerados com encargos de clareza, expresso e atrao que na fala se distribuem de outra maneira. Convm apreciar mais detalhadamente esses contrastes entre os dois tipos de linguagem. Ressaltemos, antes de tudo, na exposio escrita a ausncia daquela nota pessoal que espontaneamente decorre da figura fsica do expositor, das suas atitudes peculiares e do timbre da sua voz. Ora, atravs de palavras e fonemas, que so comuns a todos e coletivos, agrada sentir a personalidade ntida de quem os emite; a informao desumanizada, a "mensagem" annima capta muito menos simpatia. Na linguagem escrita, a satisfao de to natural exigncia se carreia toda para as frases em si mesmas, e impe com especial nfase essa maneira sutil de utilizar os elementos gerais da lngua, de acordo com um sentimento pessoal, para dar ao conjunto o cunho esttico que se chama . Assim, o problema do estilo assume a uma importncia muito maior do que na exposio oral. Talvez ainda mais digno de ateno o desaparecimento da mmica e das inflexes ou variaes do tom da voz, cujo papel expressivo apreciamos no captulo II. A sua falta tem evidentemente de ser suprida por outros recursos. \54

, neste sentido, que se torna altamente instrutiva a velha anedota, que nos conta a indignao de um rico fazendeiro ao receber de seu filho um telegrama com a frase singela - "mande-me dinheiro", que ele lia e relia emprestando-lhe um tom rude e imperativo. O bom homem no era to nscio quanto a anedota d a entender: estava no direito de exigir da formulao verbal uma que lhe fizesse sentir a atitude filial de carinho e respeito e de refugar uma frase que, sem a ajuda de gestos e entoao adequada, soa leitura espontaneamente como rspida e seca. Note-se finalmente que na exposio escrita o jogo de pausas e cadncias tem de ser recriado pelo leitor. Este trabalho auxiliado pelos sinais de pontuao, mas nunca de maneira absoluta no que se refere correspondncia entre as pausas de suspenso rpida de voz e as vrgulas, porque por uma conveno tradicional as razes de ordem lgica interferem a com as de natureza meramente rtmica. Assim, a pontuao no no papel uma contraparte cabal da distribuio dos grupos de fora da comunicao falada, e constitui a rigor um carter prprio da exposio escrita. De tudo isso decorre a necessidade de uma tcnica de formulao verbal . "Ningum escreve como fala"; - observa a propsito o lingista francs Vendryes "cada um escreve, ou pelo menos procura escrever, como

os outros escrevem" (Le Langage, 1921, p.389). 2. Caracteres psicolgicos da exposio escrita Detenhamo-nos agora noutro aspecto da exposio escrita: as condies psicolgicas tpicas em que temos de desenvolv-la. No h diante de ns um interlocutor, ou, pelo menos, um ouvinte concreto. uma situao at certo ponto artificial nas leis naturais da comunicao lingstica, porque sentimos instintivamente a necessidade da presena de algum a quem nos dirigir, quando usamos da linguagem. um estmulo que nos falta, quando apenas "falamos ao papel". \55

Mesmo numa carta, em que h um destinatrio definido, o simples fato de no senti-lo diante de si pode ser desestimulante para o missivista, e esta a causa secreta de tantas pessoas no gostarem de escrever cartas. Ora, a exposio escrita a respeito ainda mais deficiente. Temos de dirigir-nos para o pblico em geral, ou, quando muito, para um pblico particular mas indeterminado e vago, em vez do auditrio concreto que se nos apresenta numa exposio oral. O leitor tem sobre ns um efeito psicolgico muito diverso do ouvinte, e precisamos habituar-nos a esta nova situao. Por outro lado, falta na exposio escrita um ambiente definido. Quem fala est em contacto direto com os seus ouvintes; h um quadro natural, que o trao de ligao entre um e outros. Mesmo numa transmisso radiofnica

estabelece-se o elo da simultaneidade entre a enunciao e os que a recebem, e, na base dessa unidade no tempo, a imaginao cria uma tal ou qual unidade no espao. J, ao contrrio, na exposio escrita ns nos exprimimos num lugar e vamos ser lidos em outro. Ou mais precisamente: o ambiente no se integra em nossas palavras como elemento funcional. A comunicao lingstica desliga-se da ocasio e do espao, o que uma experincia nova a que a linguagem se tem de adaptar. 3. Caracteres estticos da exposio escrita H, tambm, do ponto de vista esttico, uma caracterizao tpica da escrita em confronto com a fala. Vimos, no captulo I, como o sentimento artstico inerente nos homens e para ser eficiente a linguagem tem de satisfaz-lo. Na linguagem oral, concorrem para tanto, alm da formulao verbal propriamente dita, a simpatia direta que inspire a figura do expositor, o agrado dos seus gestos e atitudes, o timbre da sua voz. H a condies positivas - ou negativas ( certo); se forem mal aproveitadas, mas que, de qualquer maneira, esto ausentes da exposio escrita. Nesta, todos os elementos estticos tm de ser concentrados na prpria formulao verbal; por isso h uma arte de escrever complexa e sutil, bastante diversa da arte de falar. \56

Acresce que a memria auditiva, que a nica a funcionar na apreenso de uma exposio oral, instantnea e efmera; e no af de no perder palavras o ouvinte se fixa mais no contedo do que na forma propriamente dita

das frases que ouve. A situao do leitor outra. Nele atua a memria visual coordenada com uma audio mental que os smbolos grficos evocam. Nem em regra lhe falta lazer para deter-se em determinado passo e reencetar-lhe a leitura. Por um e outro motivo, est em condies de fazer uma anlise de ordem esttica, que seria praticamente impossvel diante do fluxo incessante das palavras faladas. , diziam os romanos; e o seu brocardo pode ser desviado para uma aplicao em que eles propriamente no cogitaram. As palavras enunciadas voam e passam no caudal dos seus sons, enquanto as escritas se gravam atravs dos olhos e permanecem diante do leitor para e exame. Atente-se, finalmente, para a circunstncia de que a linguagem escrita est em essncia relacionada com a linguagem literria. Um livro tcnico, uma monografia, um artigo de jornal ou de revista no so - nem devem procurar ser - literatura no sentido estrito do termo; mas a ela se ligam pelo cordo umbilical da sua natureza de trabalho escrito. Por consenso social no escapam de certas exigncias de ordem literria. Das consideraes at aqui expedidas vale ressaltar as concluses seguintes: a) a apresentao visual agrava certos defeitos de formulao, e muitas incorrees, que passariam despercebidas no correr da fala, ganham relevo e "saltam aos olhos" no papel; b) a frase, sem a ajuda do ambiente, da entoao e da mmica, tem de ser mais logicamente construda e concatenada; c) pelo mesmo motivo, as palavras tm de ser mais cuidadosamente escolhidas, e impe-se a questo da propriedade dos termos, de maneira aguda; d) h o problema da pontuao, que at certo ponto distinto da interpretao grfica das pausas;

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e) uma palavra muito repetida ou redundante torna-se particularmente afrontosa no processo da leitura; f) certos termos e expresses, tidos como familiares a pouco literrios, raramente se apresentam tolerveis na exposio escrita. A esses requisitos se ajusta o problema da ortografia, que tipicamente um problema de lngua escrita, com as suas convenes em regra muito acatadas pelo consenso social. As grafias errneas, s vezes irrelevantes em si mesmas, ganham vulto e importncia, porque so tomadas como ndices da cultura geral de quem escreve, mostrando nele, indiretamente, pouco manuseio de leituras e pouca sedimentao do ensino escolar. II. REDAO 1. Condies da redao H, portanto, como j foi salientado, uma arte de escrever - que a redao. No uma prerrogativa dos literatos, seno uma atividade social indispensvel, para a qual falta, no obstante, muitas vezes, uma preparao preliminar. A arte de falar, necessria exposio oral, mais fcil na medida em que se beneficia da prtica da fala cotidiana, de cujos elementos parte em princpio. O que h de comum, antes de tudo, entre a exposio oral e a escrita a necessidade da boa composio; isto , uma distribuio metdica e compreensvel de idias. Impe-se igualmente a visualizao de um objetivo definido. Ningum capaz de escrever bem, se no sabe bem o que vai escrever. Justamente por causa disto, as condies para a redao no exerccio da vida profissional ou no intercmbio amplo dentro da sociedade so muito diversas das da redao escolar. A convico do que vamos dizer, a importncia que h em diz-lo, o domnio de um assunto da nossa \58

especialidade tiram redao o carter negativo de mero exerccio formal, como tem na escola. Qualquer um de ns senhor de um assunto , em princpio, capaz de escrever sobre ele. No h um jeito especial para a redao, ao contrrio do que muita gente pensa. H ap