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1*Coágulo Metafísico*
Nem a raiva que outrora me impelira,
Nem o desejo de vingança,
De sucesso ou de esperança,
Nem a ânsia de provar que sou capaz
Já não quero nada mais,
Não me move a sede de justiça,
Meio corpo na areia movediça,
Sempre em frente, andando para trás...
Não é resiliência, tampouco é preguiça
É a taça do revés que já transborda
A última gota, que a mente não comporta,
O corpo que adoece, a paciênca quebradiça
Tolerância é fumaça e desvanece,
É a depressão em seu pior estado,
Eu me sinto um robô desligado,
Alheio a tudo o que acontece.
Na redoma da tristeza enclausurado,
Já não é a morte minha irmã mais velha,
Nessa hora, então, não me aconselha:
Ronda, espreita e só espera o resultado.
2*O lamento de um obreiro (em rimas dissonantes)*
Quisera eu gostar do que não gosto,
quisera que meu gosto fosse um poço
aonde eu pudesse o que não posso,
Mas o espelho não mudará meu rosto,
Se eu não mudá-lo antes, aposto.
O que eu não escolho é a contragosto,
Da fruta que cuspiram, herdei o caroço
E de uma vez, então, me emposso
Tomo o que me pertence, o meu posto,
E trabalho, não reclamo, não me encosto.
3*Dorme, anjinho*
Dorme, meu filho,
Que tem alguém pra te cuidar,
Vigiando teu soninho
Me dá uma vontade de voltar
A ser de novo anjinho
Sem ter com quê me preocupar.
Dorme, meu pequeno,
Que a inocência já vai acabar,
A infância é um tempinho
Que o Papai do Céu nos dá
Enquanto ainda não temos
Nenhuma conta pra prestar.
Dorme, meu nenê,
Enquanto eu fico a admirar
O teu corpinho perfeito
Deitado em qualquer colchão
Tão sereno e sossegado,
Voando em nuvens de algodão.
Dorme bem, anjinho lindo,
Enquanto a mamãe prepara
Uma fruta e uma papinha
Pra quando você acordar
E antes que você chore
A comidinha já vai chegar.
Dorme, filhotinho,
Nestas noites do começo
Que o fim está longe...você nem sabe,
E mesmo que o mundo se acabe,
Você já nos fez ricos e felizes
Porque temos o que não tem preço.
Dorme, barrigudinho,
Sonhando com o que te é recente,
O céu, com outros bebezinhos,
Onde a maldade não está presente,
Aproveite todo esse soninho
Que o papai te vigia contente!
4*Nevralgia bélica*
Quantas vezes estará presente a culpa ?
Quantas vezes resultará minha culpa irreal
Nos tristes frutos de uma dor pungente?
Se não fui eu quem plantou o mal,
Por que me aflige, em minha mente,
Essa dor da guerra em que não estou?
Para cada criança que tombou
Na guerra imunda do primata atual,
Entrego uma lágrima depressiva
Em respeito à vida que a bomba levou.
5*Tormenta*
Era tempestade
E perdido vaguei,
Errei por ermos
E terras que já nem sei
Era um outro tempo
Quando o mau-tempo se fez
E toda vez que chove
Lembro disso outra vez
Amo ou detesto?
Chove, não chove,
Busco o bem, mas admito,
É a raiva que mais me move
Só sei que nada sei,
Mas não vou ficar parado
Esperando o resultado
De algo que nunca vem
Não sei se quero
Algo que não tenho
Ou se quero, ainda mais,
Ser aquele que nada tem
Pois, melhor que ter
É ser alguém,
Minha alma é de onde venho
Minha mente é aonde vou
O tempo à razão caminha
E se a morte se avizinha
O que eu fiz é o que restou!
6*Areias do tempo*
Areias, areias do tempo,
como saber que direção seguir?
Como poderei flutuar no céu azul,
arrastando o peso dos planos não cumpridos?
Areias da sapiência, por que não paro de fazer planos?
Por tudo o que sinto, pelo que vejo e respiro,
o instinto de autopreservação duela com o inexorável desejo de amar:
Duas óbvias necessidades em conflito.
Como conciliar essas forças?
Será esse equilíbrio impossível o segredo da felicidade?
Areias, areias do tempo, se nada aprendi, padecerei.
É certo.
Ora sou despedaçado pela indomável fera do desejo,
ora vegeto deprimido pelo isolamento -
carapaça de quem já teme o risco de viver.
Areias, areias do tempo que viram o êxodo,
as pirâmides, as guerras e a obra dos mestres;
Testemunhas da dor, da forja sangrenta que moldou o conhecimento de poucos,
fonte do saber que suplanta a razão pura,
registro etéreo de que o amor constrói,
Permitam que eu não precise reviver as dores dos primeiros hominídeos,
andando em círculos nos eternos vícios que nos corroem os valores.
Areias que tudo viram, que há bilhões de anos surgiram,
que nas enchentes, ventos e sismos vagaram,
que nos rios e mares deslizaram, que os desertos cáusticos abrigaram,
areias que a filosofia encerra, a geologia classifica e a poesia declama,
ensinem-me a ser leve e rígido, polido e cortante, suave e presente.
Que a minha vida, de tão grande importância aparente ao meu espelho,
agregue-se ao todo à minha partida,
e somente na potência do conjunto faça a diferença a quem buscar este conhecimento,
posto que nada sou além de mais um ínfimo grão de areia.
7*É preciso saber amar*
É preciso saber amar,
Amar desapegadamente,
Do contrário, não é amor,
É conveniência, acomodação.
A escola da ciência do coração
Não é outra que a vida em si,
O sofrimento, um professor,
Por que esse medo de ser feliz?
Quem não aprende não ama.
Quem não ama não aprende.
Portanto, ame totalmente,
Sobretudo, ame-se primeiro,
Entre o narcisismo e a autodestruição
Fica o equilíbrio, bem ali no meio
Um tanto abaixo do céu,
Um tanto acima do chão.
Por isso, ame sem receio,
Comece por si e então irradie,
Amar é urgente, não adie,
Ame agora, ame já, ame o tempo inteiro.
Não se doa por uma vaidade,
Não procure perfeição,
Não acredite na verdade,
Porque tudo é impressão...
Ame com intensidade,
Não se prive do que é para ser,
Nem da alegria de ser correspondido,
Nem da decepção de não sê-lo.
Amor traz vida e a vida é bem-vinda
Cultive a vida, podando as sobras,
Pois então, redobre o seu desvelo,
Regue a rosa, a rosa é linda.
Se tudo é impermanente,
Não se perca no ilusório,
Não se fie ao transitório,
Abrace o corpo, mas ame a mente
Amar é premente, ame quem está ao seu lado,
Sem qualquer coisa a temer,
Siga o seu destino acompanhado,
Porque, no fim, viver é amar e amar é viver.
8*Incongruência*
Já não perturba a implicância,
Não consola a complacência,
Vai viajando na ausência,
Em coma, dentro da ambulância.
Não há na atual instância,
Traço qualquer de coerência,
Teria sido essa vivência
O exercício da inconstância?
Agonia da morte e ânsia,
Paradoxo, flagrante ausência
De um pedido de clemência,
Fulgurante a jactância!
Eis uma mente em consonância
Com a visão da experiência
De putrefação sem reticência,
Elegia composta à petulância
Sem recear a repugnância,
Da saprofilia a grassar com virulência,
Drenando a carne, já sem consistência
Ainda absorto e sem vigilância...
Ode a ira, ódio, intolerância,
Morre-se tanto, com frequência,
Ou, mais ainda, na indecência
De uma vida sem importância.
9*O hipocristão* (em parceria com Hahn, Lucas C.)
Pastor moderno, vestido de terno
Do fogo do inferno artesão
Decoro capítulos
Vomito versículos
Batizo o irmão
Anoto o endereço
E faço o meu preço
Depois ofereço a unção.
Dedico-me inteiro
A um deus estrangeiro
Chamado dinheiro
Eu sou o hipocristão !
Eu presto um serviço de grande valor
Do dízimo e juros eu sou consultor
Exalto o nome de um salvador
E me salvo com a grana do expectador.
Capital é o pecado
E é a salvação
Meu santum sanctorum
É a televisão
Pratico a palavra
E o milagre da conversão
A sua pobreza é minha riqueza
Converto marmita
Em caviar e salmão.
Eu te batizo, depois te exorcizo,
Te hipnotizo até.
E quanto mais rico
E mais forte eu fico,
Mais eu critico
A tua falta de fé.
Ave pecunia
Gratia plena
Dollar pro nobis pecatoribus.
10*Tinhoso*
Não sigo tendências, a não ser
a tendência do meu próprio pensamento;
Não confio em líderes, a não ser
na liderança do meu próprio espírito.
Não escolho representantes,
Sou representado pela minha própria mente.
Não navego com a maré,
Nado contra a corrente.
Não obedeço a ordens, a não ser...
as que vem do meu coração.
Não acredito no que apregoam como verdade,
ela é sempre apenas um ponto de vista.
Não descanso, não postergo,
Não suponho, não recuo,
Não desisto e não me entrego.
Simplesmente...sigo adiante!
11*Agonia de amor*
Na distância, tua imagem venero,
A mente jorra beijos, te adoro,
Venha logo, amor, te imploro,
Eu te amo, eu morro, eu te quero!
Ah, que angústia, desejo, que vontade!
Teu holograma meu pensamento fez
Fecho os olhos e te beijo outra vez,
A imaginação é o escudo da saudade...
Vejo-te em mim, desnuda e quente,
Delírios de paixão, calor, falta de ar,
De fato não é teu corpo a me tocar,
Mas de tanto querer o meu te sente.
Amor rima com dor, paradoxal viver?
Dor de precisar e não poder, dor de amar,
Agonia é a eterna pena de recordar
Tudo o que eu quero e não posso ter!
12*As mulheres são adagas*
AS MULHERES SÃO ADAGAS
QUE DEVEM SER AFAGADAS,
COM RESPEITO E COM DESTREZA,
SEJA O ESCRAVO OU O SENHOR
QUE NINGUÉM SE ESQUEÇA:
A DOR ESTÁ EM SUA NATUREZA
NECESSITAM SER POLIDAS,
LUSTRADAS, ENFEITADAS, AMADAS...
DESFERIDAS!
FEMININAS LÂMINAS RELUZENTES
COM SEUS CABELOS COMPRIDOS,
E SEUS CABOS ESCULPIDOS
DE GEMAS RARAS INCRUSTADAS,
E ALTERAÇÕES DE HUMOR NÃO PROGRAMADAS...
SÃO TÃO BELAS E PERIGOSAS,
CONFRONTANDO OS OPONENTES,
AMAMENTANDO OS PROTEGIDOS,
APONTANDO OS PERDEDORES,
CONVIVENDO COM OS MARIDOS.
SEMPRE MANTENDO PODER DE CORTAR...
E CORTAM LENTAMENTE
E SANGRAM REGULARMENTE
E MACHUCAM O IMPRUDENTE.
SUA FORÇA SUAVE SE ENTALHA
NESTAS LETRAS PERMANENTES:
SAO SAGRADAS AS MULHERES,
AS MULHERES SÃO ADAGAS.
13*One more nightmare*
Through the self distraction mirror
Faced death in many ways
I chose to be a lonely man
Since a lonely soul I am
Cursed by the so called gifts
Skills that bring me just frustration,
All the joy that will remain
Is just because I got insane
Blindly approaching to the end
I figure out no decent things
Scarlet streams of flashing light
Confuse my eyes and nuke my sight
Meteors, volcans, tidal waves,
All the forces of destruction
are plucking grapes from my mind
But where's the love that I can't find?
Causing no harm to the system
That takes lives in cold blood
I keep seeking for the justice
I keep standing for some peace.
I believe I'm going mad
This non sense involves no rage
Either I was relieved from pain
Or the heat just cooked my brain.
14*A vida como ela é*
A vida como ela é,
Com gente pegando no pé,
O trabalho que dignifica,
Com o salário que me complica.
O consumo me torna freguês
Da mente do pequeno-burguês,
Sei porque o sonho não se realiza:
Ao acordar, a vida se paralisa.
Conversa de elevador é meteorologia,
Estranhos falando sobre uma frente-fria,
Para dormir, remédio; para acordar: café,
Haja paciência para viver a vida como ela é.
Pago calado a conta do relojoeiro,
Para medir direito o tempo que não tenho,
Sem ter direito de vir a que venho,
Vou sendo só mais um no formigueiro.
Vem o pastor sedento por conversão,
Criticar meu desprezo pela religião,
Diz que não creio, que sou homem de pouca fé
Admito: não é possível crer... na vida como ela é!
15*Degradação Social*
Diplomacia ou falsidade, hipocrisia,
É tudo mentira, é distorção fatal,
É o caos, é a morte que marcha,
A justiça mancando, falência geral.
Ninguém precisa de hospital, já não falta comida,
Prioridade é jogar futebol, legalizar maconha
Um povo que não tem vergonha,
Não precisa de polícia, não precisa estudar;
Não há razão para o trabalho,
não há porque se esforçar,
Mais fácil é usurpar, melhor é ser vagabundo,
É secundária a previdência,
o importante é a copa do mundo.
Maneirismos da doença social,
Já não creio em mais nada,
Se o passado é mentira e a História é mal-contada;
O futuro já chegou, ele não é sensacional...
Ilusão generalizada, publicada no jornal,
Desnecessária a decência, improdutiva a honestidade;
O poder destrutivo da meia-verdade
É maior que o da ignorância total.
16*Deus e o Homem*
O HOMEM É UM ANIMAL PINTADO,
NUM QUADRO SURREAL INVENTADO
POR UM SER SOBRENATURAL
SUPERIOR, SUBLIME E SUPOSTO,
O HOMEM É UMA IGUARIA SEM GOSTO
SERVIDA NA REFEIÇÃO DE DEUS
ONDE TODOS OS ATEUS SERÃO COMIDOS
PELA MANUTENÇÃO DESSE DEUS IMPOSTO,
O HOMEM É UM DIVINO ESCORREGÃO
NO CONTEXTO DA FAUNA UNIVERSAL,
UM SOLUÇO BIOQUÍMICO DO CRIADOR,
PERDIDO EM MEIO À PRÓPRIA CRIAÇÃO;
O HOMEM É O REAL ELO PERDIDO,
MAL-POSICIONADO NO VETOR DO INFINITO,
É UM MACACO PELADO E CONVENCIDO
QUE NEGOU AO PITECÓIDE A EVOLUÇÃO,
O HOMEM É UM CONSTRUTOR DE TOTENS,
INVENTOR DA PALAVRA PECADO E DA RELIGIÃO,
CRIADOR DO DEUS QUE TAMBÉM O CRIOU,
E COM A DIVINDADE GOVERNA OUTROS HOMENS.
O HOMEM, A EXPLICAR SUA EXISTÊNCIA,
COLIDINDO COM O MUNDO NATURAL,
AJUSTANDO A IMAGEM DO DEUS REAL,
DEIXA VER A CULPA DE SUA ESSÊNCIA.
17*Morte Aparente*
Em que pese a pobreza destes versos amadores, é o melhor que pude fazer. Reservo-me,
então, a petulância de que este poema seja digno de homenagear a memória do grande
mestre Augusto dos Anjos.
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Das entranhas da úmida terra
Retumba um urro de nota histérica,
Geme a alma que o corpo já não encerra
Cedeu, enfim, à rigidez cadavérica.
Meio decomposto pela ação biológica
Não é o corpo a repousar do apelo físico,
Retorna ao chão a matéria genérica:
Segue seu rumo o espírito único;
Refutai a pretensão criogênica,
E a pompa do funeral histriônico;
O epílogo de uma epopéia homérica
Equivale à morte de uma criança anêmica.
Que não se eternize o crocidismo agônico,
Não vos apegai ao ambiente tétrico,
Pois, se volta um corpo ao extrato telúrico,
Avança o homem em seu rumo etérico.
18*Te vi*
Te vi no teto do meu quarto, céu do subconsciente,
Te vi com os olhos do meu querer, e te quis.
Te vi voando pelas brumas de um sono leve,
Meio acordado, meio em transe, me fizeste feliz.
Te vi de novo no outro dia e todos os dias que vieram
depois do dia em que primeiro te vi de verdade,
E estavas lá, sempre tão real, bem na minha frente,
Bem na minha mente, que padece do excesso de razão,
na realidade que enseja o sonho, no sonho de outra realidade,
No beijo, no toque, na ideia, no vagar inebriado deste coração...
19*O Homem do Espelho*
Homem do espelho, voz da razão,
Se me faltar a energia de viver,
Leva minha mente a entender
E obliterar o cruel desejo da deserção.
Toma esta pedra da minha mão,
Toma e atira longe a perder,
De tudo que não sei, dá-me a conhecer:
Empunhar pedras faz mal ao coração.
Ensina-me a calar ante a provocação,
Leva-me ao templo em que não entrei,
Na terra em que só o silêncio é rei,
Onde todo discurso dá vez à ação.
Posta a mesa, servida minha limitação,
Alimenta minha alma de saber,
Anula minha ira e me faz conter
O animal instinto de retaliação.
Homem do espelho, muito além da visão,
Essência do meu próprio ser,
O melhor de mim (que um dia abandonei)
Volta de onde te deixei e cumpre a tua missão.
20*O homem-umbigo (Em parceria com Lucas Hahn)*
TEU SUCESSO É APARENTE,
TUA MENTE É DE PAPEL
TUA GRAVATA É UM SÓ TRAPO
E O TEU PAPO, UM ALUGUEL
TUAS NOITES INDECENTES
SÃO CARENTES DE AMOR
E TEUS DIAS INFELIZES,
MAS TE DIZES VENCEDOR
TU PROCURAS A VILEZA
NA RIQUEZA OCULTAR,
EM TEU CARRO IMPORTADO
E BLINDADO, A PASSEAR
POR TEU EGOÍSMO IMUNDO
VÊS O MUNDO A TE ORBITAR,
TU TE JULGAS IMPOLUTO,
MAS, SEU PUTO, VAIS PAGAR!
21*Renovação*
Diz o tolo, ante toda agrura:
"Eu era feliz e não sabia",
Decerto olvidando, todavia,
Que o tempo a tudo cura.
A dor que outrora havia
Jamais se tornou doçura,
Porém não sofre a criatura
Pelas feridas de outro dia.
A vida cria nova tecitura,
A pele, a priori, não viveria,
Mas, na cicatriz, faz-se a magia
Da continuidade da aventura!
22*Vida urbana que me consome*
Massificada a mediocridade,
Suplantada a razão,
Ignorada a sensibilidade,
Peço licença para pensar.
Todos correndo na cidade,
Para não perder a condução,
Apostando na continuidade,
Da insensatez que não pode parar,
Não pode parar, não pode parar, não pode parar...
Superavaliado o menos,
De que vale o mais ?
Preciosos o ouro e as armas,
Ainda somos medievais.
Sociedade infectada,
Pelo vírus da banalidade,
Só se alastra o que é fugaz,
Só interessa a exploração.
Vem agora, então,
Vem me dizer que estou errado,
Vem me mostrar as bases da nação:
Família, casa, carro e amor,
tudo isso à prestação,
Trabalhar até morrer,
Deixar um terreninho por legado.
De que vale o pensamento,
de que serve a poesia,
Se o que vale é o dinheiro,
se o que conta é a posição?
Ah, não me importam as tendências,
Não me dobro à tirania,
não cedo a qualquer paixão,
Deixarei a minha herança
Muito além do vil metal,
muito além do meu caixão.
23*Desejos II*
Eu te desejo um dia ensolarado,
Eu te desejo o mesmo que almejo,
Eu te desejo o amor desapegado,
Te desejo, simplesmente...te desejo!
24*O vazio*
Há um vazio em minha vida,
Um vazio que não posso preencher,
Há um vazio...
Há um vazio em minha vida,
Um vazio diário, consistente,
Subliminar e permanente.
Assumo compromissos,
Ocupo a mente,
Preencho as horas,
Mas não preencho o vazio.
Estudo, trabalho, me aplico,
Mas não me ajudam agendas,
O contar das calendas,
nada há que amenize.
Há um vazio em minha vida,
Não há como negar,
Um vazio sutil, cruel e incoerente.
Na saúde e na doença,
Na lucidez e na loucura,
No desejo e na impostura,
O vazio remanesce.
Há um vazio em minha vida,
Um vazio que não é possível preencher,
Um vazio que só pode ser, meu bem,
A absoluta falta de você.
25*Angus*
Quando a família não me parece mais familiar
Quando o meu amor parece não me amar
Quando insisto em ir,
mesmo sem saber direito aonde vou
O que me leva adiante é simples, é forte, é constante
É puro rock'n roll.
26*Arte*
Que é a arte, afinal?
Que poder é esse de nos inebriar?
Nisto reside sua quintessência:
No intento de perverter o senso de realidade
Arte é a pincelada provocadora,
capaz de convencer o incauto de uma tridimensionalidade inexistente, quando não impossível.
É o acorde que dispara a sensação de um aroma,
A dança sinestésica que não pode ser contida.
A arte, qual teia de conceitos, costura-se bela e firme,
Capaz de suportar o peso da consciência
e o balançar da descoberta.
A arte é, em suma,
a filosofia aplicada ao campo do prazer,
pela invocação de tudo o que é belo.
27*Singularidade Onírica*
Às vezes, simplesmente
fecho os olhos e parto,
Em meio segundo ou menos,
Vou à praia e miro a linha do horizonte,
Lanço-me num improvável velejar,
Vejo, do lado de lá, o que aqui não vemos:
Todas as oportunidades que perdemos,
Rema o barqueiro adiante, não me aflige Caronte,
Nem é bem a morte, tampouco o pleno viver,
Só as infinitas paralelas entre o céu e o mar.
Vaga a mente, perfeita nau, nos sonhos a flutuar,
No mundo em que nada é, e tudo pode ser,
Oceano em que flutua tudo o que há,
Aos primeiros raios da fúria solar, aporta,
Volta - Às lembranças reporta... vagamente.
Tanto mais vivos eram teus olhos amendoados,
Quanto mais suavemente estivessem os meus cerrados,
Decerto não dormia, apenas eu via
Aquilo que o desperto não vê.
Considerar o tempo que já se perdeu,
Faz perceber que que sou pai, sou filho,
Sou de tudo,
Apenas não sou eu.
Egresso do oceano singular,
Novamente ancorado, impossível velejar,
Acordei pensando naquilo que não aconteceu,
Percorri as rotas do destino, do desatino,
De um menino... que cresceu.
28*A máquina do tempo*
Já faz um tempo que tudo passou ,
Dissipou-se a sensação de insensatez,
Não dói mais, não dói mais
Nem por isso eu vou dizer que faria
Tudo outra vez, outra vez ...
Não!
Aprendi.
Eis aqui o bem que o tempo me fez
Arrastou minha carcaça aqui pra fora
E agora
Eu posso ver, ah eu posso ver...
Vejo daqui de longe, do outro lado do muro ,
De um futuro
Em que você não está, nem poderia,
A sua expressão que já não me convence,
As notas dissimuladas de um sorriso
Que outrora foi tão cativante
E as palavras que eu julgava
Pitadas de humor ,
Impressionante, eu não via
Eram ironia, meu amor.
Mas a ironia agora é minha
Pois o amor que aqui havia,
Só aumentou, que coisa boa,
Amor de verdade...
Por outra pessoa !
29*A balada da resistência*
DIZEM QUE SOU LOUCO,
E EU,
PLENAMENTE CONVICTO DE SER O ÚNICO SÃO,
CONTRARIO A TODOS,
EXATAMENTE COMO ESPERADO
DE UM LOUCO POR DEFINIÇÃO.
DIZEM QUE SOU UM REBELDE SEM CAUSA,
E EU,
AMOTINADO EM TRINCHEIRAS IDEOLÓGICAS,
MANDO À PRENSA MEU DECÁLOGO,
PRONTOS TODOS PARA A GUERRA,
OFEREÇO O DIÁLOGO...
DIZEM QUE SOU TEMPERAMENTAL,
E EU,
DESINTERESSADO DE TUDO QUE SEJA PREVISÍVEL,
MANTENHO A CAPACIDADE DE IMPROVISAR,
NO EQUILÍBRIO INSTÁVEL DE UMA VIDA,
A MINHA TÊMPERA MENTAL.
DIZEM QUE PERDI O JUÍZO,
E EU,
QUE APRIORISTICAMENTE EM NADA CREIO,
ESTABELEÇO O USUFRUTO DA LIBERDADE,
SÓ PERDE O JUÍZO QUEM UM DIA JÁ O TEVE,
SANIDADE, PARA OS LIVRES, NÃO É ANSEIO.
DIZEM QUE APRECIO O SOFRER,
E EU,
RETORNO, JÁ ENDIREITANDO O PRUMO CERVICAL,
REGURGITADO DE ALGUM TIPO DE ESÔFAGO UNIVERSAL,
SOFRIMENTO É CONSTANTE, SUBLIMINAR E ADJACENTE,
MAS NÃO É OBJETO: É EFEITO COLATERAL.
DIZEM QUE INCENTIVO A LUTA,
E EU,
APENAS SIGO MEU CAMINHO, ORA ASFALTO, ORA CHÃO
NÃO PRETENDO SER EXEMPLO DE NADA,
É IMPOSSÍVEL SABER DE COR A LONGA JORNADA,
QUE LUTE MINHA LUTA QUEM COMIGO PARTILHA O PÃO.
DIZEM QUE PERCO O MEU TEMPO,
E EU,
BATENDO AS MESMAS TECLAS, SÓ OUVINDO O NÃO,
SEI QUE NADA É DESPERDIÇADO,
O PRÓPRIO ENSINO TAMBÉM É APRENDIZADO,
E O TEMPO É APENAS UMA OUTRA ILUSÃO.
DIZEM QUE ANDO PERTURBADO,
E EU,
DESNATURANDO OS VENENOS DA REALIDADE,
MISTURANDO-ME NA SELVA COM OS ANIMAIS,
SEI BEM QUE PERTURBADO É O SISTEMA,
DEGENERADA A HUMANIDADE.
DIZEM QUE NÃO SOU PATRIOTA,
E EU,
NÃO VEJO MINHA TERRA ISENTA DE DEFEITOS,
NÃO É MELHOR, NEM PIOR DO QUE AS DEMAIS,
SEGREGADOS OS INCONVENIENTES AO ESTADO,
A PÁTRIA É O PIOR DOS PRECONCEITOS.
DIZEM QUE SOU IRRESPONSÁVEL,
E EU,
RESPONSÁVEL SÓ PELA PRÓPRIA MISSÃO, TAREFA INGLÓRIA,
CARREGANDO O PESO DE QUEM SE OMITE,
NÃO VEJO ESPAÇO PARA O MEDO,
ASSUMA OS RISCOS AQUELE QUE TIVER CONFIANÇA NA VITÓRIA!
DIZEM QUE SOU UM PECADOR,
E EU,
SENTADO NA VARANDA, ADMIRO A PUREZA DOS ANIMAIS,
ODEIO A TIRANIA DO ESPÍRITO, A VINGANÇA EM NOME DE DEUS,
A POLÍCIA MORAL QUE PERSEGUE OS ATEUS,
EU PECADOR ? SIM. E QUALQUER RELIGIÃO É MUITO MAIS...
DIZEM QUE PRECISO TER ESPERANÇA,
QUE NEM TUDO ESTÁ PERDIDO, POIS O MUNDO SE RENOVA,
QUE HÁ ROSAS NO MAR DE ESPINHOS,
QUE NÃO HÁ MÉRITO SEM BUSCA INTENSA,
QUE O NOSSO MAIOR SABOTADOR É A PRÓPRIA MENTE,
QUE A FELICIDADE SOBREVÉM DISCRETAMENTE,
QUE, APESAR DAS DORES DA ESCALADA, A VISTA COMPENSA,
E EU
CONCORDO PLENAMENTE.
30*Amor e ciência*
A matemática do amor é diferente:
Meio é igual a zero
quando a outra metade está ausente;
E os opostos não se atraem,
Atraem-se os iguais,
E se amam cada vez mais,
Pois o coração não é a mente,
O coração não mente.
31*Poema inteligente, melhor nem ler!*
A vida toda eu só quis ser compreendido,
Infância dura, pior ainda a adolescência,
Tornei-me adulto por obra da insistência,
Ah, seu eu apenas tivesse percebido...
Quanta tolice! Sorrirei daqui pra frente !
É infrutífero procurar dar satisfação
A quem não lê, mas já desgosta de antemão,
Rotulando a obra alheia: "demasiado inteligente" !
A questão não é, porém, de inteligência,
É tão-somente a preguiça de quem lê,
O que não sabe olhar, decerto não vê:
Miolos todos temos: o que falta é diligência !
No final das contas, até fiquei contente,
Não tinha notado o elogio ali escondido,
Que seja conveniente, recalcado e batido,
Não me ofende ser xingado de inteligente!
32*Dirceu, Lula e Dilma*
Dirceu, Dirceu
Caiu na rede é dolar,
Não importa de onde vem,
É Mensalão, é Petrolão
O melhor pra ti é a prisão,
Cadeia é pra ladrão
E pra você também!
Lula, Lula,
Foi-se o tempo do futebol,
Qualquer comparação com o gol
É muito fácil com a copa na mão,
O Brasil se desenvolvia, e era campeão,
Qual será agora a sua artimanha?
Ninguém mais acredita em você,
olha o gol da Alemanha!
Dilma, Dilma,
Você não perde por esperar
a mandioca que o Brasil apronta,
pra rebater toda essa afronta,
Tirou meu país do trilho,
Vem sabugo de milho e mandioca
Só pra você saudar!
33*Limão*
Limão
Li mão
Na cama
Cama não
Camaleão
Na cama leão
Adorei-te
Devo dizer-te,
Devorei-te
Como um leão
E então li sua mão,
Sua mão sua, viu?
E eu vi
Eu li
Ainda suando
Sua mão
Foi bom
Ah... bom foi
Não foi?
Ah, foi, como foi...
O que não foi eu vi
Pior será
Será?
Agora piora
Ora já eu vi,
Já já piora
Na sua mão que sua
Li mão...
Limão!
34*Manual prático do amor*
É preciso saber amar,
Amar desapegadamente,
Do contrário, não é amor,
É conveniência, acomodação.
A escola da ciência do coração
Não é outra que a vida em si,
O sofrimento, um professor,
Por que esse medo de ser feliz?
Quem não aprende não ama.
Quem não ama não aprende.
Portanto, ame totalmente,
Sobretudo, ame-se primeiro,
Entre o narcisismo e a autodestruição
Fica o equilíbrio, bem ali no meio
Um tanto abaixo do céu,
Um tanto acima do chão.
Por isso, ame sem receio,
Comece por si e então irradie,
Amar é urgente, não adie,
Ame agora, ame já, ame o tempo inteiro.
Não se doa por uma vaidade,
Não procure perfeição,
Não acredite na verdade,
Porque tudo é impressão...
Ame com intensidade,
Não se prive do que é para ser,
Nem da alegria de ser correspondido,
Nem da decepção de não sê-lo.
Amor traz vida e a vida é bem-vinda
Cultive a vida, podando as sobras,
Pois então, redobre o seu desvelo,
Regue a rosa, a rosa é linda.
Se tudo é impermanente,
Não se perca no ilusório,
Não se fie ao transitório,
Abrace o corpo, mas ame a mente
Amar é premente, ame quem está ao seu lado,
Sem qualquer coisa a temer,
Siga o seu destino acompanhado,
Porque, no fim, viver é amar e amar é viver.
35*Jihad do amor*
Lutar... pela igualdade,
Enfrentar... os próprios medos,
Mudar... de dentro para fora,
Combater... a intolerância,
Invadir... os corações,
Conquistar... a confiança,
Explodir... de alegria,
Conhecer, respeitar,
Compreender
Amar a vida,
Amar, gozar... viver!
36*Rotinas*
Consignado a rituais constrangedores
Cativo de corações empedernidos
Rotinas tediosas, anos mal-vividos,
Demônios de todas as cores...
Escravo de práticas enraizadas,
Prisioneiro de metáforas exauridas
Colecionador de tipos de feridas,
Repetições idiotas calcificadas
E marcham batalhões na sociedade,
Nenhuma surpresa no horizonte,
Hordas de zumbis bebem da fonte
Da água podre da mediocridade.
É natal, é carnaval, o ano-novo chinês!
Casamento, formatura, aniversário,
Todos reféns do calendário,
Quando acaba, começa outra vez!
Pandemia de falência mental,
A falta de criatividade impera
Estultice, o símbolo da nossa era,
Ao diferente a pecha de anormal.
À mesmice chamamos tradição,
Não sei se gosto ou se me acostumei,
A rotina é uma droga à qual me viciei,
Terei perdido o poder de dizer 'não' ?
Tradição? É falta de coragem de mudar,
É honrar o que não era para ser,
É repetir por não ser capaz de fazer
É voltar a dormir antes de se levantar.
Tradição é copiar por não saber criar,
É imitar por preguiça de entender,
É limitar o que poderia acontecer,
É, por fim, entregar-se sem lutar!
37*Na TV me acabo*
No meio da noite, da tarde, em qualquer dia
Lá estão eles, cada vez mais podres de ricos,
Cada vez mais podres,
Administrando os macacos nos circos,
E quanto mais indignado eu fico, fica mais rica
A "bispa", a bisca, a calopsita do louvor isento
(de impostos)
e vai pregando,
Cada lágrima de sua fé é uma moeda de ouro tilintando
Saibam todos: fé demais não cheira bem...
Mudei o canal.
Eis o novo descascador que faz suco
O espremedor de frutas que descasca,
E o desenvergador de bananas do qual não posso prescindir.
Vale tudo pela audiência no engodo desinformante,
A verdade que não convém: vamos vivendo num país ignorante
Enquanto os políticos vendem o nosso futuro,
Estamos vidrados, babando na tela, em cima do muro,
No jornal sempre há muito espaço para mais uma chacina,
Telefofoqueiros nos contam que fim levou a calcinha
da irmã da mulher do ex-marido de um ex-Big Brother,
É carnaval, vistam as fantasias, desliguem os neurônios,
Atrás do trio elétrico só não vai quem raciocina !
Mudei.
Debaixo do edredom do grande irmão
A mediocridade concebe outro futuro ninguém
É cada vez mais duro assistir televisão
E os pregadores mantendo idiotas os idiotas que os mantêm,
É o padre, é o pastor, é o bispo, é o sangue do cristo,
Experimentem Jesus: agora também no sabor limão!
E no meio de todo esse lixo televisivo,
É o espectador quem vai pro paredão.
Desliguei.
38*Galinha! Cozinha!*
Chicken!
Kitchen!
Chicken!
Kitchen!
Galinha! Cozinha! Galinha! Cozinha!
Eu não sei inglês,
Vou falar outra vez,
Quero pra viagem,
Mande a embalagem,
Delivery ! Live action
Erection, protection,
Desgraça da língua,
Menina me dá,
Invasão consentida
da língua de lá...
Oh yes! Oh yes!
Cozinha ao molho pardo,
Galinha planejada,
Que diabo é pudim preto,
é kitchen no espeto?
Raios!
Galinha... Cozinha!
39*A negra*
Negra, vem me visitar
Mas não vem já,
Espera eu me aprontar,
Vem andando com calma,
Em seu clássico vagar.
Vem de surpresa,
Se assim for do teu agrado,
Se quiseres me achar despreparado,
E rir da surpresa na face
De todos os que não cogitavam
Esse súbito enlace.
Negra, esses teus passos firmes
Não deixam de ser suaves,
Vem e traz minha bagagem,
Não há razão para que te apresses,
Vem em paz, apreciando a paisagem.
Da janela do meu quarto
é linda a vista do mar
Ouço o barulho das águas,
Sinto a brisa,
Vejo lençóis espumantes,
Uma ilha está bem perto,
Quanto ao horizonte, parece oscilar,
Buscá-lo, a esta altura, é incerto.
Nem sinto o tempo passar,
E assim anoitece,
Vejo teus olhos no escuro,
Brilhando com rara beleza,
A vida inteira estiveram a me fitar,
Tua fidelidade é minha maior certeza.
Negra, eu te quero, mas não quero,
Te espero, mas não espero,
Eu te sinto, te pressinto, te considero...
Me fascina essa tua aura de mistério!
Vem negra, vem me encontrar,
Pois agora já sou eu, mas não o mesmo,
Sou um outro.
Fiz minhas contas, terminei umas obras,
Aparei aqui e ali algumas pontas
É penoso estar sozinho a te aguardar.
Negra, vem agora,
Despe-me desse sobretudo,
Oh, vestes pesadas!
Desnuda-me do que tolhe os movimentos,
Liberta-me do marasmo,
É chegada a hora.
Negra, leva-me a viajar
Ou deixe que eu me vá,
Pega minha mão e me iguala
Ao crente, ao ímpio e ao gentio,
Vem negra, vem me deitar
No leito rijo, solene e frio,
do qual ninguém há de se levantar.
40*O povo do Brasil*
De todos os navios negreiros,
nenhum se deixou de abençoar
Que a carga resista ao navegar !
Que rendam muitos dinheiros !
Homens, mulheres e seus filhos,
Porque não nasceram europeus:
Traficados em nome de Deus,
açoitados, sedentos, maltrapilhos...
Pátria sagrada a dos brasileiros,
tudo que aqui se planta irá brotar,
Já brotou discórdia vinda d'além-mar,
Crescem iras e ódios estrangeiros,
Índios mortos, viciados, andarilhos,
Inquisição implacável com os hebreus
Honra não é para negros, pobres e ateus,
Aqui a hipocrisia anda nos trilhos!
Imigrantes, os heróis verdadeiros,
Puxando o arado, mal podendo respirar,
Mão-de-obra barata: um sutil escravizar,
Eis aqui teus filhos, da infâmia os herdeiros !
41*O Cristal*
Através de um perfeito cristal,
Vejo agora meu amor
Obra do acaso, ou do desejo,
Fez-se lente natural,
Mas se a miro, se inverte
Se a vejo, se move
Se a fito, me escapa
Se a quero, ela chora;
Peço que não vá embora,
Como persisto, também fica,
Mas nada que eu faça lhe indica
Que não é uma visão direita
Estou distante, estou perto,
Mantendo a espreita,
Meu olhar preciso, meu amor incerto,
Não entendo porque é triste,
Noto que, para me olhar, insiste
Num intenso focar sem resultado,
Poderia estar melhor posicionado,
Mas, em minha mente encarcerado
Só agora entendo o que ocorreu;
Pois nunca havia notado,
Aqui no meu mundo egoísta,
Que, de seu ponto de vista,
Quem estava invertido era eu.
42*O pecado da sexta*
Acordei disposto a pecar e pequei a granel,
O pecado da carne primeiro, depois o do queijo,
Pequei por inteiro, mas nem roubei um beijo,
Era dia de feira e me acabei de comer pastel !
43*Reflexão sobre o desejo*
O que é o desejo, afinal?
Pergunto a mim, pensativo,
Será um atributo da libido?
Será, talvez, um querer sem qualquer crivo,
Verdadeiro precisar, ou até depender
Do próprio fruto proibido?
Que é o desejo, enfim?
Essa sensação indefinível,
Esse abismo de metáforas imprecisas?
A certeza da direção,
flutuando na dúvida do sentido,
Para muito além da imaginação,
Para muito aquém do tangível.
O desejo, se explicável fosse,
Seria o caminho e não destino,
Não seria a flor, nem o perfume que dela emana,
Mas a vontade de tê-la, história que não há de ser contada,
Ou uma coceira que não pode ser coçada,
O tipo de desvio mais recorrente de toda a aventura humana.
Que seria o desejo, então?
Já não ousarei limitá-lo, posto que inefável,
O limiar imperscrutável, diria o perito,
Entre todas as delícias e tudo que é desagradável,
Oscilando para lá e para cá da razão,
No espaço indefinível que se oculta entre o cérebro e o coração.
44*Associação dos Melancólicos Anônimos*
(Boa noite!
Boa noite.
Meu nome é X.
Olá, X ! )
Venho em nome da busca que não cessa,
Da mancha escura que paira ainda sob o sol,
dos lamentos que, embora nunca ditos,
Dentro do peito, são diários gritos.
Venho na vagarosidade dos que têm pressa,
mas já não têm força para correr,
Dos que cansaram até de se esconder,
E agora precisam saber quando a vida começa.
Venho por conta da incerteza, da insegurança,
Do temor inato e de todo tipo de ameaça,
Aprendi da impermanência, reato com a esperança,
E sopro ao vento meu relato: tudo passa!
45*Poema do boçal da internet*
Numa banquinha de beira de estrada,
Para comer, de dentro do meu quarto,
No meio da noite, no anonimato,
Comprei a verdade, bem embrulhada.
Da segurança das minhas paredes,
Alimentei os membros dos tribunais,
Os Promotores e Defensores gerais,
Servi verdade em todas as redes.
A condenação é automática,
A argumentação, aleatória,
Atenção, para mim, é a glória,
A execução é sempre sumária!
Não há defesa, somente contenda,
Não existe recurso nem cabe bom-senso,
Quanto mais eu posto, menos penso:
E não há polícia que me prenda.
Sou um boçal que não checa a fonte,
Sou o reflexo da preguiça do povo,
Copio e colo, não falo nada de novo,
Em matéria de lixo, eu posto um monte!
46*A natureza responde*
Arapongas de canto triste!
Taturanas do meu jardim!
Ao Brasil veio um chapim
Devastador do nosso alpiste.
Bravas tribos do Xingu!
Ananás adocicado
Ou abacaxi caramelado ?
É tudo índio de olho azul!
Seriemas de Guimarães!
Capivaras dos Matagais!
Parecem mulheres do cais
Sem querer, virando mães.
Alegria da bicharada,
Coitos mil, primaveris,
Natalidade descontrolada,
para encher uns dois brasis !
É tanta boca aberta
esperando minhoca,
Refeição é coisa incerta,
Mas no mato tem mandioca
Tuiuiús não-sei-de-onde !
Sabiá desmiolado
Cantou no pé errado,
E o português perdeu o bonde.
Nunca ouvi sabiá gorjeando,
muito menos nas palmeiras;
Pia o bicho nas laranjeiras,
estaria o poeta delirando?
Belos rios da minha terra,
Onde peixes naufragaram
E todas as árvores que tombaram
Desnudando a linda serra.
Eu nasci no Ipiranga
Beirando margens nada plácidas,
Hoje em dia elas são fétidas
E não cresce um pé de manga.
Não suporto o ufanismo
Desse povo desatento,
Quem não tem conhecimento
Apega-se ao narcisismo
Que alegria é jogar bola
Contagiante o carnaval
Enquanto a gente se dá mal
O governo nos enrola
Que país continental!
Que enorme a nossa área
Que não tem Reforma Agrária
Que gestão débil-mental!
Que bonito é o sertão,
Que potência é o sudeste
Onde todo cabra-da-peste
Vem cheirar poluição!
Lindo céu tão azulado
Lindo céu desprotegido
Lindo céu tão poluído
Lindo céu carbonizado
Chuva ácida
E impostos em cascata,
Coisas que do lindo céu
despencam,
Fuligem do progresso
E pó de asa de barata
Chovem mesmices,
idiotices e contas a pagar,
Estamos indo, é quase certo,
Só não sei aonde vamos
Veja o ar que respiramos,
quase dá para pegar!
As estrelas que não vemos
ainda brilham em algum lugar,
Bem longe desta vida que levamos
E que terminará por nos matar.
47*Precisamos conversar*
Ocaso de uma história de amor,
O silêncio já ecoa o início do fim,
No exato instante em que incitas:
"Havemos de conversar"
Palavras trágicas, não mágicas
Porquanto ditas, ei-las malditas,
Confesso, é até difícil respirar,
Conversar? Em que sentido?
Não compreendo, não pergunto,
Nem respondo, de um amor defunto,
Decompõem-se os corpos presentes,
Também o sentes, entrementes,
Lembranças e lições irão restar,
Pois a história que não findamos
Por si findou-se; Se havemos de conversar,
Por que, afinal, não conversamos ?
48*Carpideiras Virtuais*
Ó carpideiras virtuais,
Morreu mais um, derramai sem demora
Vossas tecladas lágrimas digitais:
A tristeza fútil que hoje vigora
Já está em todas as redes sociais.
Não frutificam as vinhas de outrora,
Estão online os mortos que velais
São artistas, socialites e que tais,
Partem, e, em menos de hora,
estarão postados lamentos triviais.
É menos dor real de quem chora
E mais vontade de figurar nos anais,
Quais sejam as fofocas de revistas e jornais,
Sem a perda real de quem foi embora,
Apenas o desejo de aparecer cada vez mais.
49*Cantiga de roda punk*
Eu não creio, eu não creio na história,
A verdade, a verdade eu não sei, não
O que dizem, o que dizem ser um fato,
É relato, sempre eivado de opinião
Se esta rua, se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava anarquizar
E o povo, e o povo que aqui mora,
Nunca mais teria ordem pra acatar
50*Do vazio e outros nadas*
O pensar sem mote é viciante,
Apenas um não pensar constante, que,
Do nada, faz objeto, paradoxalmente;
É o existir não existindo, um dia por vez,
A fuga de um mundo sem escapatória,
Cuja memória é a saudade do que não se fez.
Mas, nada me atrai neste instante,
Nada que interesse ou levante,
Apenas o nada grassa, abrangente,
O branco-nada ofuscante,
O nada-total dominante,
Fazendo completo vazio em minha mente.
Quisera saber como agir,
Poder sublimar tal sina, ou fugir,
Corrigir o rumo dessa estranha sorte,
Mas não há solução, nem mesmo a morte,
Porque atrai atenção todo defunto,
E o nada que ora devasta já não suporta,
De qualquer forma, tornar-se assunto.
51*Estou nu*
Estou nu
Já não cubro as vergonhas
Das rotinas enfadonhas
Estou nu e não posso negar
sou o que sou
Estou em pé, estou no ar
Minha pele entrega o tempo que já foi
minha alma flui pelos poros
E escorre feito mel
Estou nu
Olhe nos meus olhos,
Estou vivo, num carrossel
Não tenho mais como ocultar
O que sinto, o que pressinto,
E o meu instinto
Em ponto de ebulição
Socorre a todo instante
Reparando o que não possa raciocinar
Estou nu
E não me importo
E não haverá mais aconchego
Desisti de encobrir
De agradar, de me salvar
Liberto-me de todo apoio, de todo apego
De toda proteção e segurança
Estou livre, enfim,
Só me resta...
Voar!
52*Patê de berinjela*
Eu tinha dez anos quando aconteceu a tragédia.
Difícil para um menino dessa idade não chorar.
Malvinas ? Não.
Claro que estou falando daquele dia em Sarriá.
Descasque uma berinjela grande,
Corte em cubinhos,
Pique também uma cebola média,
Frite tudo no azeite.
A nação toda se desmancha em prantos
Não pelos motivos certos
Mas uma boa notícia é sempre bem-vinda,
Ainda que advinda do frívolo orgulho nacional,
Qualquer coisa capaz de suprir a carência.
Não é necessário salgar ainda.
Quando a berinjela absorver o azeite
e a cebola estiver dourada,
passe para um liquidificador, ainda quente.
E a seca do Nordeste? Por que resolvê-la?
Se esse problema fosse superado
qual potencial milagre seria vendido aos eleitores
na campanha do partido?
Acrescente um copo de iogurte natural e bata.
Uma colher de chá de mel,
uma de mostarda amarela;
Foi golpe, não foi golpe.
Democracia, não...
Democracia não.
Democraticamente, uma pobre definição,
Governo do demo...
Governo do povão.
Adicione 3 castanhas do Pará
e continue batendo,
Como se fosse maionese.
Acerte o sal, acrescente pimenta a gosto.
Eis um patê versátil,
Vai no arroz, vai na bolacha,
Vai sozinho mesmo, ou no pão.
Meus ídolos estão morrendo,
Pudera, ninguém vive para sempre
Mas é eterna a obra que deixaram.
Vou morrer também,
Meu patê de berinjela não.
53*Eu só queria escrever um poema...*
Eu só queria escrever um poema,
Mas lirismo e técnica me faltavam;
Queria ter uma só idéia,
Digna de ser eternizada em palavras,
Mas minhas muitas idéias colidiam,
Incompletas, apoéticas, desconexas...
Queria ser capaz de mergulhar
No poço ardente em que os signos se misturam,
E, do caos psíquico, pinçar-lhes os sentidos,
Dos sentidos depurar a quintessência,
E costurar pensamentos,
Compor novas texturas para a mente.
Queria ter a capacidade de encontrar,
No abismo escuro e frio, palavras dormentes,
E dar-lhes um choque sinestésico,
E fazê-las dançar, domá-las,
e comandá-las em marcha no circo dos sentimentos.
Mas as palavras têm personalidade própria
E comunicam mais do que o planejado,
E brilham mais do que o sol,
E usam as máscaras do devaneio, e fogem tresloucadas,
E adquirem muitos gostos,
E não obedecem ao rito da nossa pretensão.
Eu só queria escrever um poema
Para tocar a alma de quem lê,
E expressar o que me vai no ego,
Por algum motivo, achei que não podia,
Mas, de tanto ser incapaz,
Do nada, eu o fiz,
Ei-lo aqui - já não nego.
54*Vulcões*
Estrondos do chão oriundos,
da força telúrica emanados,
Cantos da mãe Terra entoados,
Aflorando tesouros profundos;
Explodem vulcões furibundos,
Jorrando as cinzas sagradas,
Assustando almas desavisadas,
E refazendo a crosta em segundos;
Por que são os solos fecundos?
Elementos são os elos gestados,
Nas teias do cosmos criados
Para nutrir a vida nos mundos!
55*Crise geral*
Hoje acordei pensando
Na crise econômica,
Na crise política,
Na crise institucional,
Na crise humanitária
Essa é internacional,
Na crise do petróleo,
Na crise da crise...
Crise, crise, crise !
Melhor nem parar pra pensar,
Melhor não parar
Melhor não pensar mais.
Melhor não pensar.
Mas...
Engraçado como a gente precisa de crises, não?
Opa! Pensei.
56*TIO SAM, VELHO NERVOSO*
O TIO SAM SEMPRE ENRIQUECE,
TANTOS TRILHÕES SÃO UMA AFRONTA,
O RESTO DO MUNDO PADECE,
PORQUE ALGUÉM TEM DE PAGAR A CONTA.
ESSE TIO ANDA ESTRESSADO
QUALQUER UM PODE SER “O INIMIGO”,
ENVIA TROPAS PARA TODO LADO
E SÓ GOSTA DE SEU PRÓPRIO UMBIGO.
O TIO SAM CURTE UMA BAIXARIA,
E TUDO QUE FAZ ACABA EM BRIGA
TENTAMOS LHE ENSINAR FILOSOFIA,
ELE ENTÃO MANDOU INVADIR "A GRÉCIA ANTIGA"!
NEM SÓ DE DINHEIRO UM PAÍS SE CONSTITUI,
COM ESSES INTERESSES TÃO MUNDANOS,
A TECNOLOGIA SEMPRE EVOLUI
E O QUE REGRIDE É O SER HUMANO.
NUM PERÍODO DE RECESSÃO
CRESCE O DESEMPREGO TODO DIA,
MAS ELE SEMPRE TEM A SOLUÇÃO:
FAZER MAIS MÍSSEIS PARA GIRAR A ECONOMIA.
NOS JORNAIS, A NOVIDADE, EM PRIMEIRA-MÃO:
“EUA INVADEM UM PAÍS ESTRANHO”
TIO SAM SEMPRE BANCA O VALENTÃO,
MAS NÃO BATE EM NINGUÉM DO SEU TAMANHO...
57*Flui o rio do tempo*
Longas digressões enclausuradas,
ocupam-se de mim, tento controlá-las,
Vai novamente a mente além,
Pensa, empaca, repensa, vai e vem.
A altura dos ciprestes delata:
Algo que leva anos para acontecer
Aconteceu,
No entanto, aqui estou eu.
Flui sem parar meu rio estreito,
A maior angústia das águas do rio do tempo
Advém da insensatez de contá-lo
Conforme aquilo que não foi feito.
Flutuando vamos pelo rio eterno,
balizemos a vida por valores
É lindo o brilho das águas sob o sol
E não se pode tocá-lo.
A consciência de simplesmente ser,
conjurando as forças essenciais,
na teia do todo, transborda o corpo:
Não somos apenas animais.
58*A morte do Português*
Pobre do Miguel,
Tenho pena do João,
Da Maria e do Roberto,
Entre tantas Dayanes e Daiannas
Perdi de vista uma autêntica Diana.
São muitos Maicons, poucos Michaels
e já quase não resta nenhum Miguel.
A cada registro de uma Stephanie,
Deprimidas morrem duas Estefânias;
Do dia em que esgota todo o vocabulário,
Entôo o enjôo de toda heresia, das sagradas poesias,
Cultivadas no tempo que passou, adeus Augusto,
Descansem em paz o Pessoa e o Bandeira,
E agora chamam poesia à sucata cultural,
Um palavrório raso e sem valor, qualquer besteira,
Ainda mais baixos do que o coaxar dos sapos
Batráqueos ridículos, que outrora enfunaram papos,
Não se critiquem mais aqueles poetas,
Tampouco exegetas, que trabalharam para compreender,
A morte inglória da literatura, da poesia, de toda a língua,
Deve-se ao povo que se cala, ou nem sabe o que fala,
Já vai agora o Português à míngua,
A literatura toda agoniza, mas a poesia já morreu bem antes.
Incensados agora são os ignorantes,
Quanto pior, melhor. Quanto mais belo mais feio.
Quanto mais eu resisto, maior meu desgosto,
Mas é guerra, na defesa do idioma, assumo meu posto.
A espada que afio, que corta e retine,
que grava no peito, em letras doiradas,
que versa, que clama, que detalha e define,
Poesias entalhadas, dizendo a quem souber ler,
Exatamente o que foram concebidas para dizer.
59*Fatiando a neurolingüiça*
Livro de autoajuda não ajuda,
Preferível um bom Machado,
Mas não seja violento,
Interprete o argumento,
Por mais que estejas infeliz,
O Machado que indico,
Só pode ser o de Assis!
Falta leitura ao brasileiro,
Em todos os níveis de educação,
É tanta carência de cultura,
Tanta falha de comunicação,
Que se perde a estrutura
E o controle da nação !
Não se perca, contudo,
nas entranhas de interesses,
de compadrios e mansaleiros,
Leia Saramago, Leia Eça de Queiroz,
Dostoiévski e Stendhal,
A ignorância é atroz,
Mas leia de verdade,
Não aos livrinhos fuleiros!
Não me importa se és vermelho,
Se és tucano ou mesmo alheio,
Leia tudo que puder,
Mas evite Paulo Coelho!
60*Um anti-míssil anti anti-míssil*
O anti-míssil também é um míssil
que só serve pra derrubar míssil,
Me ponho a considerar,
Se precavido ministro eu fosse,
Na pasta de Defesa da Defesa,
Poderia encomendar
Um anti-míssil anti anti-míssil,
que seria também um míssil,
que só derruba anti-míssil,
Será que seria difícil ?
Acho que talvez não desse tempo
De salvar o míssil,
o do início.
61*Pensei que eu nunca iria envelhecer*
Pensei que eu nunca iria envelhecer
E de repente me pego comendo fibras
Escolhendo ficar em casa
num dia comum
Pensei que eu nunca iria e envelhecer,
Que nunca estaria por fora,
mas aqui estou eu criticando "essa juventude de agora"
Bem menos cerveja e bem mais mamão,
Menos Porto Seguro e mais Campos do Jordão,
Sou eu mesmo dando conselhos
para qualquer um,
guiando à direita,
medindo a pressão
e ouvindo a Antena 1.
62*O pior de todos os políticos*
Andei pensando esta manhã,
Haverá alguém pior do que o Renan?
Pior do que ele não há,
Exceto se considerado o Jucá,
De bate pronto nem lembrei:
Ninguém é pior do que o Sarney!
Mas depois notei mais falhas,
Os piores são os petralhas,
Quem mais rouba, mente e adula?
Só pode ser o tal do Lula!
Senti na boca um gosto de fél,
Quando lembrei do Michel
(e do inseparável Geddel),
Devo estar perdendo o faro,
Existe alguém pior que o Bolsonaro?
Eu seria mesmo um néscio,
Se pudesse confiar no Aécio,
De fato, os nomes causam até dores
Quando penso nos governadores,
E me sinto um idiota,
O pior é o STJ,
Que ainda é café pequeno,
Comparado ao supremo,
Mas, analisando o quadro inteiro,
Parece óbvio: O pior só pode ser...
o eleitor brasileiro!
63*Psicociclos 2*
Sei o que sei
E não venha me dizer
que já passei,
que já passou,
que tudo já foi.
O que foi
É o que é,
É o que vento não levou
e permanece no ser.
Sei o que passei,
Até chegar ao que sou
Tudo se incorpora
e nada há de se perder.
Não adianta fingir
que a dor acabou,
que o filme terminou
sem fim, sem os créditos,
sem aprender a lição
que o destino providenciou.
64*Desespero noturno*
Algozes impingindo o açoite
Desgraças de toda sorte
Fazem cada vez mais forte
Este peito que sangra à noite.
Sozinho, quieto e obtuso,
Barco que não deixa o porto,
Veleiro de um sonho torto,
Valente, porém confuso,
Anseio por um ombro amigo,
Cenas de guerra, pessoas mutiladas
Afligem-me nas madrugadas,
Desesperado, busco abrigo
No estranho refúgio do instante,
Fragmentos de fugaz beleza:
A poesia nasce da incerteza
E de tudo o que é inconstante.
É gutural meu grito, ecoa da cavidade
De um tórax todo escarlate,
Lancetado, o coração ainda bate
No compasso da minha identidade:
Fúria, tensão, amor, complexidade,
Alça vôo minh'alma no além,
Atrás do que aqui não há, e já vem
A cada minuto, nova verdade,
Só um ponto de vista, já se sabe,
A gênese de um poema vociferado:
“O mundo que vejo está errado!”
Grito antes que minha voz se acabe...
65*Meus versos não são dignos*
Meus versos não são dignos,
Utilizo-me de quaisquer signos,
Mas só digo o que há de ser dito,
Se as letras não estão douradas,
Num volume vetusto em capa dura,
Se sequer merecem reles brochura,
Também não são letras desperdiçadas,
São palavras de ideias costuradas,
Nas tramas dos sentimentos delineadas,
Eis a essência da poesia mais pura,
Ainda que venha criticar um erudito,
Só escrevo o que merece ser escrito,
Eruditos nem sempre são benignos,
Meus versos não são dignos...
66*Quando o amor não basta (ou "A tatuagem do dragão")*
Um ritual de passagem,
Um salto no ar, queda livre,
A perda da inocência,
Um dragão invencível... tatuagem.
Incoerência?
Reticência, resistência,
Virtudes urgentes,
Quando o amor não basta.
A dor - um imposto por viver.
E de tantos impostos, em altos e baixos, alegrias,
Destempero e frustrações, uma verdade nefasta:
Aprende-se.
O estorno do imposto é experiência,
Aprende-se a driblar a ingenuidade,
Aprende-se a viver de verdade,
Justamente...
Quando o amor não basta.
Eu queria ser criança de novo,
Queria não ter crescido, tudo era possível.
Hoje me fazem repetir que nada é impossível,
Somente para reforçar a impossibilidade de tantas coisas...
Eu queria não ter percebido, mas é tarde.
Agora eu sei. Fiz a passagem.
Love is not all you need, John.
Um engano comum,
Achar que o amor cura todos os males.
Mas o amor, quando adoece,
Não pode curar a si próprio.
É preciso saber cair e levantar.
Tolerar, perdoar, libertar para ser livre.
É preciso ver... Não! Antever.
E rever.
Rumar e ajustar o rumo.
Amar não é opcional,
E não basta.
O amor é fundamental,
Mas, se for somente amor,
Vai se estragar.
É necessário mas não suficiente.
Que outra cruel verdade pode doer mais do que essa?
Tivesse eu a inabalável confiança que outrora tive,
Um tempo precioso...
O tempo de criança, aurora da vida,
Seria feliz por não saber.
Seria confiante: um coração indestrutível!
Ah, que dor pungente, essa que advém
Da capacidade de recordar a própria infância,
E ter a certeza de que não me tornei nada do que eu queria.
Tudo que eu realizei não foi sonhado,
E o que sonhei permanece etéreo,
Ah, como eu queria simplesmente não saber.
Quer me parecer que a ciência das coisas deprime.
Um pouco de ignorância me protegeria.
Mas não há caminho de volta.
Simplesmente... agora eu sei.
Quantos dragões ainda por vir ?
The dream is over, isn’t it John?
The war is not over.
Cada dia é uma batalha que se inicia
já na trincheira da cama em que não consigo dormir.
Eu queria não ser esse dínamo.
Queria pensar uma só coisa de cada vez.
Queria não saber o que eu sei
e não ser capaz de cogitar o que não sei.
Como dói minha cabeça...
Como dói tudo o que não tem solução!
Eu queria que as melhores canções não fossem
[um artístico efeito colateral da depressão de alguém;
E eu cantaria junto, sem a culpa de me identificar com esse lírico padecer.
67*O seu jeito de olhar*
Me fascina o seu jeito de olhar,
Como se o olhar invadisse,
Como se tudo soubesse
Sobre o que ninguém disse,
Como se eu não estivesse
Perdido em seu jeito de olhar.
Me encanta o seu jeito de olhar,
Como se em silêncio pedisse
Que um simples esforço eu fizesse,
Que eu tirasse a couraça e me abrisse,
Que eu deixasse o orgulho e pudesse
Responder ao seu jeito de olhar.
Me acalma o seu jeito de olhar,
Como se a paz existisse,
Como se a dor que acontece
Fosse ilusão ou tolice,
Como se fosse uma prece,
Esse seu jeito de me olhar.
Me faz bem o seu jeito de olhar,
Como se a lua espargisse
Luz prateada e houvesse
Uma força maior que infundisse
Inspiração a quem compusesse
Um poema ao seu jeito de olhar.
68*A garota de Diadema*
Olha que coisa mais triste
A infância em desgraça,
É essa menina no meio da praça
Cheirando cola, pedindo trocado,
Com um acre sorriso,
A menina sem lar...
Olha só que indecência
É a nossa falência,
Falhou o governo
Falhou todo mundo,
Uma menina descalça
Que não vai almoçar...
É a copa, é a Globo, é a mentira integral,
é o país do futuro, hipnose geral,
É o descaso de todos,
que a fé não alcança,
já está morta a criança
sem poder descansar...
Olha só o barquinho a deslizar
Feito do jornal sangrento
É o esgoto a céu aberto
E ela mora lá perto,
Vai embora com o vento...
É cruel seu destino,
Nem consegue chorar.
É o crack, é a erva,
É o pó infiltrado
No nariz do Estado,
Olha só que tristeza
Ela é só pele e osso,
É o fundo do poço,
E ninguém vai lhe salvar.
Que importa Ipanema?
Eis a garota de Diadema
Uma beleza escondida,
Alheia à própria vida,
Uma flor do deserto
Que não deixam brotar.
69*Os ecos da incerteza*
Não quero a felicidade comparada
Minha grama mais verde que a do outro
Nem a grama, nem a grana,
Nada além do que me cabe.
Quero só poder regar as plantas,
Caminhar na praia,
E sorriso inabalável dos pequenos
refletindo o brilho do sol.
Quero agir só pelo coração
Sem temer os efeitos de pausar
Esse cruel computador cerebral,
eternamente rodando
o programa tomador de decisões.
Quero um mundo mais real,
Sem necessidade de me dopar com fotos
De pessoas e sanduíches perfeitos,
Quero a essência, o sentido, os defeitos.
Já não me basta a motivação
Soerguida de anseios impossíveis,
A palavra bonita e vazia,
Escrita num cartaz que a gente mesmo cola
Naquele poste que sempre está lá...
Lá onde não se alcança!
O universo conspira, vão dizer.
Não. Não mesmo.
É ficção humana tal conspiração.
O universo ecoa
Todas as dúvidas e incertezas.
O universo conecta
Tudo o que não parece ter conexão.
O universo, certamente, inspira,
Mas só a quem pode perceber.
70*Um pouco mais sobre a impermanência*
Já não sei mais se quero
Aquilo que não tenho
Ou se quero muito mais
Ser aquele que nada tem,
Pois, bem melhor do que ter
É ser alguém.
Nesse chove-não-chove,
Ora sou amado, depois não sou,
Então não amo, e de repente amo também
As nuvens vem e vão, tudo se move.
Mutações, transmigrações,
Destinos são origens, chegadas são partidas.
Impermanência é o ser não sendo,
É o não ser, sendo.
O universo é a aparência do avesso,
O que não tem preço é justamente o que vale mais,
O que ainda virá é outra figura do que ficou para trás,
Tudo o que já foi ainda será chamado recomeço.
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Tua alma é de onde vens,
Tua mente é aonde vais
Teu choro novamente ecoou,
O tempo à razão caminha,
Agora a morte se avizinha,
E o que fizeste é o que restou.
71*Vento e chuva*
Para que lado o rio da vida flui?
Agora, sem direção, vou a esmo,
um arremedo de mim mesmo,
Rascunho do que um dia eu fui.
Olho para o céu e fico e pensar,
Em que dia saí do rumo?
Olho para o chão e piso firme,
Tão firme que não saio do lugar,
Não navego, nem flutuo,
Apenas admiro, de longe,
Toda a imensidão do mar.
Pergunto ao vento,
Quando será que a chuva vai passar?
Pergunto à chuva,
Estarei atento quando o vento mudar?
Pergunto a mim,
Em que momento a vida vai recomeçar?
72*O tóxico da falsidade*
Fico pensando qual é a verdade,
Não se podendo confiar em ninguém,
A gente aprende a ser falso também
E ajuda a sustentar mais falsidade.
Nesse compasso é difícil ser alguém,
Perde-se a noção da realidade
E vai se embaçando nosso maior bem,
a lucidez, que se torna em vaidade.
Como recuperar a própria identidade?
É só querer deixar de ser refém,
Assumir as consequências da vontade,
E fazer o bem sem ver a quem !
73*Espírito errante*
Gerações transcorrem, eras se vão
Cepas resistentes ao morbo social
Bestas indomadas na esfera do caos,
Seguem feridas, mas em frente, tenazes;
Dança mística dos aminoácidos essenciais,
Forças telúricas, eventos cósmicos,
Todas as variáveis coadunadas,
O homem e outras linhagens ferais,
Alheios ao todo, filhos de instintos,
Semeados e crescidos de prazeres fugazes,
Herdeiros da fúria e tensões animais,
Errando nos interstícios do Samsara,
Qual fosse logus e não condição,
Com sangue registra no akasha o primata ereto
A narrativa de sua passagem pelo orbe denso,
Retoma do início, outra vez, seu rumo incerto,
Reescrevendo por vício
As mesmas páginas de desilusão.
Diana dos Bosques, te sinto no ar,
Da natureza o primeiro urro, a tensão da gênese extrema,
Ainda ecoando desde a aurora primal, e escuto...
O que é, enfim, viver?
É menos razão e mais reflexo, é mais a fome do que a poesia.
A força de que todo ser é vetor,
O irresistível influxo, um agir visceral.
Não esperarei sentado a idealizada paz,
Um milhão de flechas ainda tenho a disparar, Diana.
Nos mesmos planos transmigro, não sou exceção.
Acumulam-se os desejos não saciados,
Pó de ouro que se foi com o aluvião,
Mil e dois corações dilacerados,
E duas ou três conquistas dignas de menção...
Ainda assim, recalcitrante da existência,
Curtido pela acidez da humanidade, sigo dizendo não.
Seja sob a armadura engravatada, um mimetismo banal,
Descrito, analisado e ainda obscuro,
Em frente ao espelho, ora impreciso, de mãos atadas,
Ora nu de pensamento,
Sem poder ocultar as vergonhas cogitadas.
Submetido ao crivo mais rigoroso,
Vejo um homem crescido e ainda nascituro,
Sobrevivente por obra de um egoísmo doloso,
Sigo meu rumo, sem pedir aval, e deduzo:
Prefiro conviver com a minha coleção de erros
a suportar a culpa de uma só omissão!
74*Uma mentira a cada verso*
Não há contraindicação,
Aproveite a liquidação,
É cem por cento natural,
O primeiro foi Cabral,
Nunca antes, na história deste país,
A criança que mente, cresce-lhe o nariz!
Sua ligação é muito importante para nós,
Querer é poder, da nascente à foz,
Ordem e progresso,
Vedação ao retrocesso,
Cada um dando seu melhor,
Tudo é fruto do suor,
Na nossa terra ninguém é racista,
Aqui o judeu é amigo do neonazista,
Não há restrição ao estrangeiro
Seu Zé, impoluto e guerreiro,
Herói do povo brasileiro,
Oh pátria-mãe gentil!
Perseguem a alma mais honesta do Brasil...
75*Depressão Coletiva*
Estratagema furbo,
Engendrada artimanha
A astúcia foi tamanha
Que o fastio preponderou
Sobre a gana de revidar,
E agora o que sinto no ar
É um peso que se impregnou
Em tudo que a vida enleva,
Contaminou até a alegria do despertar,
Dada a extensão de tal ardil,
Mas, acima de tudo, a pior herança,
A estocada final no coração do Brasil:
A incontornável morte da esperança.
76*O molusco que nada sabe*
Eu não sabia
Que o dinheiro não era meu,
Era do partido, eu também estou perdido,
O dinheiro não está mais aqui, já foi,
Engordou o gado (da Friboi),
às custas da cambada que me elegeu.
Eu não sabia
Que o petróleo que ia levantar o astral
Tirar o país do fundo do poço,
Estava num poço ainda mais fundo,
Um poço no fim do mundo,
Muito inferior à camada pré-sal.
Eu não sabia
Que presidente não pode passear,
Na África, na Europa, em todo lugar
O jatinho confortável sempre decolou,
Com o tanque cheio das desgraças,
Que contribuinte incauto pagou.
Eu não sabia que a gerentona
Que tinha diploma de anta graduada,
Era a mais total besta quadrada,
Gaga do suvaco, mal podendo se expressar,
Não imaginei que assim tão logo
"Os companhêro tudo ia ter que parar de roubar".
Eu não sabia
Que o sabiá sabia assobiar
Que o sabiá assobiava
No sítio que não é meu,
É dos amigos que vão me salvar,
Afinal de contas, todas as contas
São de algum ricaço ilustre que me cedeu...
77*E se sobrevivermos?*
Espocam no céu tinto de poluentes
Desgraças novas, cintilantes, jornais,
Notícias e desesperanças triviais,
Infectando a energia das mentes,
Mas que faremos se mantivermos os dentes?
Que será de nós sem mil funerais?
Que há de ser das tardes dominicais
Caso não se extingam as gentes?
Ora indago, vendo aflições prementes,
Catastrofismo já nas rezas matinais,
Estaremos perdidos sem barco nem cais,
Se os cataclismos forem todos insuficientes?
78*Apocalipses diários*
Xingamos os políticos: desgraçados!
Atribuindo-lhes a culpa por erros insanáveis,
Elegemos tão somente bodes expiatórios,
Os três poderes estão dominados,
Por corruptos democraticamente selecionados,
Damos o poder a incompetentes aleatórios,
Dizemos que lá estão eles, os responsáveis,
Mas lá estamos nós mesmos, representados.
Como surgiram os apocalipses diários?
O fim há tanto tempo iminente
E ainda não consumado,
A morte lenta de um país,
Pela imensa preguiça, cuja raiz
Enreda-se no berço do gigante deitado,
É a origem na nossa própria gente:
Exploradores, tiranos e salafrários.
79*Tempestade*
Era então tempestade
E perdido vaguei,
Errei por ermos
E terras que já nem sei.
Era um outro tempo,
Quando mau-tempo se fez,
Era então tempestade
E perdido vaguei.
Hoje brilha o sol da verdade,
Mas, se penso na dificuldade,
Começa a chover outra vez,
Não hei de esquecer onde andei,
Era então tempestade...
80*O olhar da sereia*
Cintilam duas jóias,
Teus olhos a me fitar
Leveza de amor no ar,
Helena de cinco Tróias.
Perdido vaguei no mar,
Náufrago sem bóias,
Cintilam duas jóias
Teus olhos a me fitar.
Colecionei histórias,
Mas terminei sem lar,
Sou imune a paranóias,
Sereia, vem me amar,
Cintilam duas jóias...
81*Quando entrei no interior da terra*
Quando entrei no interior da terra,
Meus olhos logo viram nova estrada
Brilhava o amor que a vida encerra,
Na trilha da esperança renovada.
Luz do sol invadiu a cova tampada,
Na trincheira fúnebre findou a guerra
Quando entrei no interior da terra,
Meus olhos logo viram nova estrada.
Nome deixei que a desonra não soterra
Mente cônscia da tarefa completada,
Querendo o acerto, todo homem erra,
Mas busquei a luz de uma alvorada
Quando entrei no interior da terra.
82*Soneto Cósmico*
Procurando a resposta medito sobre o universo,
Na natureza foco a mente e encontro perfeição,
Entre os átomos e as estrelas divago, me disperso
E atraído pela chama do saber, tendo à indagação:
Quantas galáxias perambulando, desgarradas,
Multicoloridos corredores divinais na imensidão?
Quantas pessoas inteligentes, em roupas alinhadas
Julgam ser o homem jóia una no relicário da criação?
Cometem o erro de não perceber que a terra é só um grão
Sutilmente depositado entre as poeiras infinitas
E desse grão não somos mais do que ínfimos parasitas,
Alimentando-nos abutremente dos recursos naturais
Aventura egocêntrica que advém de tempos imemoriais,
Prepotentes e hipócritas, uma única espécie em total desunião.
83*O homem-bomba (Em parceria com Lucas Hahn)*
Morri despedaçado, armado e louco
Trinitrotolueno atado ao peito
Morrer, depois de meu viver estreito
Foi como poder gritar um pouco.
Quem sabe este meu grito fraco e rouco
Fizesse no futuro algum efeito
Se os que se fazem donos do Direito
Ousassem dar-me meio-ouvido mouco
Meu berro foi tomado por um soco
Qual fosse um mal maior que o mal já feito,
Do preconceito, o mais nefasto troco
Foi só desesperado choro, o preito
De quem só vê seu organismo oco,
Um labor intenso, um gozo rarefeito.
84*Soneto da paixão*
Perigosamente perto do ódio,
Na tênue linha da fronteira emocional,
Concentrado num frasco de aroma sem igual,
Protagonista de todo episódio,
Está um sentimento chamado de paixão,
Verdadeiro "tilt" no córtex cerebral,
Toca a orquestra sob improvisação,
Ante a regência de um maestro perdido;
Ouvem-se gritos de um tenor enlouquecido,
Apaixonar-se é delicioso, duro é o racional exame,
Quando chamamos o amor de paixão,
O apaixonado nada vê, está entorpecido,
E os de fora entendem logo a situação:
Paixão é o amor bêbado, prestes a dar vexame.
85*Inevitável*
Há quem escreva porque tem talento,
Há os que o fazem por mero prazer,
Há os que demonstram seu conhecer,
E os que buscam, no papel, alento.
Há quem de fato viva para escrever,
Há quem tenha sede de histórias
Há os que cultivam mil memórias
E os que não tem mais o que fazer.
E há este que vos conta uma verdade,
sem ver graça nas dores de se viver,
e que sem poesia não tem identidade,
Porque não tenho um dom, tampouco saber,
Não me importam e fama, o lucro e o poder:
Amo, respiro e escrevo apenas por necessidade.
86*No proscênio*
Ápice da vida, diriam os distantes,
Cada um sabe de suas verdades,
Nêmesis, Pandora e Hades,
São convidados nesses instantes.
Não bastam planos, ideias e calmantes
O espírito trinca em debilidades,
Atuando sob holofotes e vaidades,
Encena peças de enredos alucinantes.
Somos artistas em grupos itinerantes,
Vivendo em teias de ambiguidades,
Tentando ser o que não fomos antes.
Mas voltamos à ribalta, perseverantes,
Submetidos a repetições e adversidades,
Absorvemos: as peças da vida são edificantes!
87*Soneto Cósmico 2*
REPLETO É O UNIVERSO DE INCONTÁVEIS MUNDOS,
ENTREMEADO DE NINHOS ESTELARES,
QUE EM CONDIÇÕES MUITO PECULIARES,
GERA OCEANOS DE AMOR MUITO PROFUNDOS;
OS HOMENS NASCERAM ALMAS LIBERTAS,
MAS AGEM COMO CRIATURAS ENCLAUSURADAS,
O REINO DOS CÉUS TEM INFINITAS MORADAS
QUE POR NÓS AINDA NÃO FORAM DESCOBERTAS.
MAS RECEBEMOS UM VALOROSO ENSINAMENTO:
“AME AO PRÓXIMO E A TI MESMO COM IGUALDADE”
UMA SÓ FRASE RESUMINDO TODA VERDADE
SE ESSE ÚNICO CONCEITO FOSSE APRENDIDO,
SERÍAMOS, TAMBÉM, ESTRELAS NO FIRMAMENTO,
E BRILHARÍAMOS POR TODA A ETERNIDADE.
88*Amor de estrelas*
QUE NUNCA TERMINE A MAGIA,
QUE JAMAIS CESSE O ENCANTAMENTO,
QUE DURE PARA SEMPRE O MOMENTO
SE EU ESTIVER EM TUA COMPANHIA.
SE ME FALASSES DE TRISTEZA, EU TE DIRIA:
TEU SORRISO É BÁLSAMO E ALENTO,
ANTÍDOTO INEBRIANTE AO SOFRIMENTO,
ELIXIR DA VIDA E FONTE DE ENERGIA.
SE ME FOSSE DADO VIAJAR AO ESPAÇO, IRIA,
COMO, DE FATO, TODA NOITE INVENTO
DE PASSEAR PELAS ESTRELAS EM PENSAMENTO,
E TE LEVANDO PELA MÃO EU MOSTRARIA
QUE O UNIVERSO É PURA POESIA,
QUE TEU AMOR É O MEU ALIMENTO!
89*O reencontro*
Caio, levanto e recomeço,
A vida virada do avesso
Chamado por mim, me obedeço
Minha dor eu mesmo meço.
Ora surges, mas já te conheço,
Se não é de onde, neste universo,
Por tudo de ti me interesso...
Então, de "quando" vem o apreço?
Não te afastes, portanto, eu peço
Se partires, por certo, padeço!
Dor de alma seria, e não mereço.
Agora que temos mútuo acesso,
Compartilhemos um endereço,
Por certo te amo... confesso.
90*Cicatriz*
Diz o tolo, ante toda agrura:
"Eu era feliz e não sabia",
Decerto olvidando, todavia,
Que o tempo a tudo cura.
A dor que outrora havia
Jamais se tornou doçura,
Porém não sofre a criatura
Pelas feridas de outro dia.
A vida cria nova tecitura,
A pele, a priori, não viveria,
Mas, na cicatriz, faz-se magia.
Qualquer risco na armadura
Em caso algum impediria
A continuidade da aventura!
91*Não amarei*
Desapegado de todo hipérbato emocional,
Liberto, enfim, do grilhão das formas,
Sem tencionar qualquer tanger de cordas ,
Eis o amor menos pensado, mais visceral.
Não escreverei sobre a idealização irreal,
Nem versificarei essa dor quase almejada,
Vértice de todas as mazelas de um coração,
Não me importa o amor de pequeno quinhão.
Arte pela arte, tétrica opulência verbal,
Técnica arrogante sem qualquer função
Futilidades esparsas de cunho sentimental.
Se não há sentido, não amarei, então
Fico assim à deriva, pois sou um poeta
E só sei amar em escala colossal.
92*O fim do nosso amor*
Tu me julgaste - isso me magoou,
Do julgar em si, nem franzi o cenho,
Mas porque o fizeste pelo que tenho,
Desconsiderando o que deveras sou.
Vai-me pel'alma o sangue que escoou
Conquanto ser julgado inda suportaria,
É certo que toda ferida se cura um dia,
Mas foi golpe fatal: o amor se acabou.
Ferido de morte o belo sentimento,
Não posso calar, não me contenho,
Ora parto, a perseguir o vento.
Essa crueza que me acossou,
Curo com um adeus e este poema,
Sem saudade, só dignidade já me bastou.
93*Muito além do visível*
De todas as ilusões da vida,
A mais enganosa é a solidez da forma,
Tudo que se pode tocar será decomposto,
O que aparenta ser perene sempre passa.
O verdadeiro é mais sutil do que fumaça,
A forma é rígida, desmorona num só ato,
Se o conteúdo é intocável e edifica,
Nada é tão concreto quanto o abstrato!
O valor da vida não está num fato,
Não é na história que restou escrita,
Nem só na pedra, nem só na vidraça.
Um homem não se mede pela carcaça,
Vai na mente a construção que fica,
Obra do amor que tudo entrelaça!
94*Decepção*
És o arquétipo da decepção,
Minh'alma outrora sem medo,
Soturna vaga ao degredo
dos vitimados de traição.
Tristeza abate o coração,
pela história que findou cedo,
Da musa restou arremedo,
inconvincente na atuação.
Do que ocultas tenho noção,
Conheço já infeliz enredo,
Partirei, ao fim, sem direção.
Ora antecipo tal decisão,
Não podes com o meu rochedo,
Cessa com outra a dor de uma paixão.
95*Um vagar incerto*
Frêmitos, sustos, ecos da incerteza,
Aquela tontura marcando presença,
O torpor é alternativa à desavença,
Um copo meio vazio sobre a mesa.
No desarranjo causado pelo vento,
Impossível localizar serenidade,
Ensina a experiência da idade:
Olho de furacão é enganoso alento.
Malogrado o escape que se tentou,
Fica um resquício de arrependimento,
Pelo resultado acre que na língua restou.
Nas horas vagas, vaga o pensamento,
Atrás do significado que a vida esgotou,
O sentido cujo único atavio é este lamento.
96*Tardia reflexão
Hoje descobri a verdade crua:
Infelizes serão nossas crianças,
Padecerão perdidas por pseudo-paraísos
Porque a paz não pode permanecer
Inerte num pescoço que a balança
E agora, agora é tarde, meus cabelos caíram...
97*Distant Waters (parceria com meu irmão Eric)
Oh my - The sea is calling me
To find a new land
And I sense the gentle breeze,
The last walk across the sand.
We'll throw the ship at ocean
Hoist the anchor
Unfolding all the sails
We move with hunger...
(We must) write down at our logbook
We've seen the new world
And now there's only one thing to do:
Unknown lands here we go!
Many dangers on raging sea
And secrets underneath
We'll live a life that's free
And get into History!
Oh, we are Mariners
We live to sail
(Come see the world with us)
Old legends, mysteries
Beyond the shore
(Come sail among us)
We sleep covered by
A blanket made of stars
(Like a dream of a child)
Tales of brave men
We sing with the wind
(Oh-ho! Ye-ole! Ye-ole!)
This is a never-ending voyage
The boat is our home
The watcher keeps on looking
To the far horizon
He found a brand new island
That's where we're going to
And then we'll finally rest…
To start our search again!
We sleep covered by
A blanket made of stars
They tell us where to go
If we dare to read the sky
We are mariners
we live to sail
A life without the sea
is the same of life in jail.
98* O vórtice
O homem nasce cheio de potências,
Vai se nutrindo e cresce;
Ondas cíclicas então o acometem, vêm as carências,
Revolvendo e adensando sua vida num ponto,
Tragando-lhe a energia, deixando-lhe absorto,
Ignora, contudo, a própria força, sem razão;
Conseguiria viver, se disso soubesse, se enfim pudesse,
Evitar o implacável vórtice: a depressão.
99* Pagando as contas
Quanto custa o ar?
E se eu só puder pagar
pela parte que se possa respirar?
Agora vêm as contas do mês,
As contas que a gente paga,
Paga de novo e paga outra vez,
Hoje em dia paga-se pela TV,
Paga-se pelo que vai se ver,
Paga-se pelo que não se vê.
Na lógica econômica, fico perdido,
Quem tem muito dinheiro
quer ter mais ainda,
Para pagar, sobretudo,
por tudo o que não faz sentido.
Assim não fecha o balanço,
Nessa lógica perversa,
Quanto mais relaxo,
Mais me canso.
Um ciclo que não tem fim,
o que acaba é o dindim:
Trabalhamos para pagar,
Mas pagamos para trabalhar.
Mas melhor é ficar zerado,
Deixando as contas em dia,
Antes que cortem o celular
ou acabe A MINHA energia!
100* Era uma rosa
Era uma rosa
mas se revelava mais,
era beleza, era rubor,
Era enfeite,
mas era também a paz.
Era uma rosa,
Mas era ainda deleite,
era perfume,
Encanto e brinquedo,
Era a expressão do amor.
Era uma rosa,
Mas era também o medo,
O risco de espetar o dedo:
A rosa vem com espinhos
Amor rima com dor.
Era uma rosa,
Mas era também mistério,
Um símbolo por qualquer critério,
Metáfora de todos os caminhos,
Jamais tão-só uma flor.