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MANUFATURA VIRTUAL: CONCEITUAÇÃO E DESAFIOS Arthur José Vieira Porto Mariella Consoni Florenzano Souza Departamento de Engenharia Mecânica – SEM, Escola de Engenharia de São Carlos – USP, Av. Trabalhador Sancarlense, 400, CEP 13566-590, São Carlos, SP, e-mails: [email protected] e [email protected] Carlos Alberto Ravelli Caterpillar do Brasil Ltda., Rod. Luiz de Queiroz, km 157, Unileste, CEP 13420-900, Piracicaba, SP, e-mail: [email protected] Antonio Batocchio Faculdade de Engenharia Mecânica, Unicamp, R. Mendeleiev, s/n, Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13083-970, Campinas, SP, e-mail: [email protected] v.9, n.3, p.297-312, dez. 2002 Resumo A Manufatura Virtual é uma nova proposta que está sendo utilizada por algumas empresas para revolucionar seus processos, visando introduzir no mercado produtos superiores, mais rapidamente e a um menor custo. A estratégia é criar um ambiente integrado, composto de diversos sistemas e ferramentas de software, com a finalidade de gerar um novo método de desenvolvimento de produto. Este artigo tem por objetivo apresentar o conceito de Manufatura Virtual, bem como os paradigmas envolvidos em sua definição, as aplicações potenciais e os benefícios esperados. Apresenta também os sistemas de suporte às atividades de Manufatura Virtual e uma análise dos desafios técnicos e socioculturais para sua implementação. Palavras-chave: Manufatura Virtual, desenvolvimento de produto, simulação. 1. Introdução O mercado atualmente é caracterizado por acirrada competição internacional, por produtos cada vez mais complexos e por grande dinâmica inovadora. Juntamente com os ciclos de inovação cada vez mais reduzidos, os ciclos de vida dos produtos e o tempo para lançá-los no mercado são cada vez menores. Considerando esse contexto, juntamente com o grande avanço tecnológico, cada vez mais as empresas estão buscando novas formas de alcançar vantagem competitiva e introduzir novos produtos no mercado mais rapidamente e a um

MANUFATURA VIRTUAL: CONCEITUAÇÃO E DESAFIOS · tência da manufatura sem construir produtos reais, o paradigma orientado para a produção fornece ambiente para a geração de planos

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MANUFATURA VIRTUAL:CONCEITUAÇÃO E DESAFIOS

Arthur José Vieira PortoMariella Consoni Florenzano Souza

Departamento de Engenharia Mecânica – SEM,Escola de Engenharia de São Carlos – USP,

Av. Trabalhador Sancarlense, 400,CEP 13566-590, São Carlos, SP,

e-mails: [email protected] e [email protected]

Carlos Alberto RavelliCaterpillar do Brasil Ltda.,

Rod. Luiz de Queiroz, km 157, Unileste,CEP 13420-900, Piracicaba, SP,

e-mail: [email protected]

Antonio BatocchioFaculdade de Engenharia Mecânica,

Unicamp, R. Mendeleiev, s/n,Cidade Universitária “Zeferino Vaz”,

CEP 13083-970, Campinas, SP,e-mail: [email protected], n.3, p.297-312, dez. 2002

Resumo

A Manufatura Virtual é uma nova proposta que está sendo utilizada por algumas empresas pararevolucionar seus processos, visando introduzir no mercado produtos superiores, mais rapidamente e aum menor custo. A estratégia é criar um ambiente integrado, composto de diversos sistemas e ferramentasde software, com a finalidade de gerar um novo método de desenvolvimento de produto. Este artigo tempor objetivo apresentar o conceito de Manufatura Virtual, bem como os paradigmas envolvidos em suadefinição, as aplicações potenciais e os benefícios esperados. Apresenta também os sistemas de suporteàs atividades de Manufatura Virtual e uma análise dos desafios técnicos e socioculturais para suaimplementação.

Palavras-chave: Manufatura Virtual, desenvolvimento de produto, simulação.

1. Introdução

O mercado atualmente é caracterizado poracirrada competição internacional, por

produtos cada vez mais complexos e por grandedinâmica inovadora. Juntamente com os ciclos deinovação cada vez mais reduzidos, os ciclos de

vida dos produtos e o tempo para lançá-los nomercado são cada vez menores.

Considerando esse contexto, juntamente como grande avanço tecnológico, cada vez mais asempresas estão buscando novas formas dealcançar vantagem competitiva e introduzir novosprodutos no mercado mais rapidamente e a um

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custo menor, como utilizando, por exemplo, oambiente de Manufatura Virtual. A idéia é queesse novo ambiente proposto aborde todo oprocesso de desenvolvimento, simulação efabricação do produto, possibilitando a execuçãodessas atividades no computador, ou seja,virtualmente, antes de realizá-las no mundo real,independentemente do grau de complexidade daforma e da estrutura de um produto.

A utilização dessas técnicas avançadas, maisespecificamente da Manufatura Virtual, está sendoobservada em algumas empresas, principalmentedos setores automotivo e aeroespacial, e o seuconceito tem-se desenvolvido em escopo, ganhadomaior importância e aceitação internacional.Exemplos de empresas que vêm utilizando aManufatura Virtual são: a Boeing, que desenvolveuo modelo 777 totalmente digital antes de fazê-lofisicamente; a DaimlerChrysler, que produziu trêsveículos recentemente usando a Manufatura Vir-tual; e a John Deere, que também tem usado essenovo ambiente no desenvolvimento de seus pro-dutos (WAVE, 2002).

Um maior interesse, por parte do mercadomundial, por essa nova proposta pode serverificado, principalmente, devido a doisfatores: às melhorias no desempenho dastecnologias hardware e software requeridas,cujos respectivos custos estão se tornando maisacessíveis, e aos avanços das tecnologias demodelagem e simulação de sistemas de altacomplexidade topológica e funcional. E, quantoao Brasil, pode-se afirmar que os conceitos daManufatura Virtual se encontram em estágioinicial de utilização ou testes. Algumas empre-sas já estão reconhecendo o seu potencial,porém ainda não estão utilizando o ambienteintegrado e completo proposto; o que se tem, namaioria dos casos, é a utilização de tecnologiase ferramentas individuais, específicas para cadaárea, e de forma isolada.

Portanto, o artigo tem por objetivo principalapresentar e divulgar os conceitos de Manu-fatura Virtual, visando despertar a iniciativa depesquisas, principalmente no que se refere aosdesafios para a sua implementação. Maisespecificamente, o artigo apresenta a definição

de Manufatura Virtual dentro dos paradigmas“projeto, produção e controle”, abordando orelacionamento entre eles. Discute tambémcomo essa nova proposta pode ser aplicada e osbenefícios esperados, como, por exemplo, aredução do tempo de ciclo e do custo dedesenvolvimento de produto. Além disso, oartigo aborda os sistemas de suporte àsatividades dentro do contexto da ManufaturaVirtual, especialmente nas áreas de planeja-mento do processo, gerenciamento de recursos,programação de controle numérico (CN) evalidações (simulação e realidade virtual). Outroobjetivo não menos importante é apresentar umaanálise dos principais desafios técnicos e socio-culturais existentes para a implementaçãoefetiva da Manufatura Virtual.

2. Conceituação e paradigmas daManufatura Virtual

De acordo com Banerjee & Zetu (2001), otermo Manufatura Virtual passou a ser utilizadoem meado dos anos 90, em parte como resultadoda iniciativa do Departamento de Defesa dosEUA, pois a evolução do ambiente de defesa e asestratégias de aquisição propiciaram o desenvol-vimento da capacidade de confirmar a manufatu-rabilidade e a possibilidade de novos sistemas dearmas antes de comprometer recursos de pro-dução. Até metade dessa década, os primeirostrabalhos nesse campo foram realizados poralgumas organizações, principalmente as indús-trias aeroespacial e automobilística, além de serabordado como tema em alguns grupos depesquisa acadêmica.

Para os autores, a Manufatura Virtual pode serusada em uma grande variedade de contextos desistemas de manufatura, e pode ser definida comoa modelagem desses sistemas e de componentescom o uso efetivo de computadores, de dispo-sitivos audiovisuais e sensores para simular ouprojetar alternativas para um ambiente demanufatura visando, principalmente, preverproblemas potenciais e ineficiência na funciona-lidade e manufaturabilidade do produto antes quea manufatura real ocorra.

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A Manufatura Virtual também pode serdefinida, conforme Lawrence Associates Inc.(1994), como “um ambiente integrado e sintéticoda manufatura exercido para melhorar todos osníveis de controle e decisão”, em que:

Ambiente: é o suporte para a construção e usoda simulação da manufatura distribuída pelasinergia provinda de uma coleção de ferra-mentas de análise, de simulação, de implemen-tação, de controle, modelos (produto, processo,recurso), equipamentos, metodologias e princí-pios organizacionais.

Sintético: mistura do real com objetos, ativi-dades e processo simulados.

Exercido: executar a simulação da manufa-tura utilizando o ambiente.

Melhorar: aumentar o valor, a precisão e avalidade.

Níveis: do conceito do produto à sua disponi-bilização, do chão de fábrica à comitivaexecutiva, do equipamento de fábrica aoempreendimento, além da transformação dematerial à transformação de conhecimento.

Controle: predizer os efeitos reais.Decisão: entender o impacto da mudança

(visualizar, organizar, identificar alternativas).

Desta forma, um projeto de ManufaturaVirtual propõe: prover uma estratégia para aintegração de vários processos de manufaturaque produzem o Método Planejado e fornecercapacidade para “Manufaturar no Computador”,por intermédio de um ambiente tão poderoso demodelagem e simulação que a fabricação e amontagem de um produto, incluindo os pro-cessos de manufatura associados, podem sersimuladas em um computador. Essa capacidadeconsidera todas as variáveis do ambiente deprodução, dos processos de chão de fábrica àstransações empresariais, ou seja, considera asinterações dos processos de produção, plane-jamento do processo e da montagem, progra-mação, logística das linhas da empresa e osprocessos associados, como contabilidade, com-pras e gerenciamento.

O escopo do projeto da Manufatura Virtualengloba três diferentes paradigmas, dentro dosquais ela é definida. São eles:

� Manufatura Virtual orientada para oprojeto: fornece informações sobre amanufatura ao processo de desenvol-vimento, permitindo a simulação de diversasalternativas de manufatura e a criação deprotótipos “soft” pela manufatura no com-putador. Consiste no uso de simulaçõesbaseadas na manufatura para otimizar oprojeto do produto e dos processos em umameta específica da manufatura, como, porexemplo, DFA (Design for Assembly),qualidade ou flexibilidade.

� Manufatura Virtual orientada para aprodução: fornece capacidade de simula-ção aos modelos dos processos de ma-nufatura com o propósito de permitiravaliações mais rápidas e econômicas dediversas alternativas de processamento.Consiste na conversão do processo dedesenvolvimento nos planos de produção,otimizando os processos de manufatura.

� Manufatura Virtual orientada para ocontrole: consiste na simulação dosmodelos de controle e processos reais,permitindo a otimização durante o ciclode produção existente.

A Figura 1 apresenta o ambiente da Manu-fatura Virtual proposto e a inter-relação entreseus paradigmas.

Em resumo, o paradigma orientado para oprojeto fornece um ambiente para que osprojetistas projetem os produtos e avaliem suamanufaturabilidade e viabilidade. Os resultadosdeste paradigma incluem basicamente: infor-mações sobre a manufatura, modelo do produtoe protótipos “soft”. Visando manter a compe-tência da manufatura sem construir produtosreais, o paradigma orientado para a produçãofornece ambiente para a geração de planos deprocesso e de produção, para o planejamento derecursos necessários e para a avaliação dessesplanos. Fornecendo capacidade para simular ossistemas produtivos existentes, o paradigmaorientado para o controle oferece ambientepara a avaliação de projetos de produtos novosou revisados em relação às atividades de chão defábrica.

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3. Aplicação potencial daManufatura Virtual e seusbenefícios

Existem diversas áreas nas quais a Manu-fatura Virtual pode ser aplicada. De acordo comLee et al. (2001), as suas aplicações incluemprincipalmente a análise da manufaturabilidadede uma peça ou de um produto; a avaliação evalidação das possibilidades dos planos deprocessos e de produção; e a otimização dosprocessos de produção e do desempenho dosistema de manufatura. Desde que a ManufaturaVirtual utilize modelos baseados nas instalaçõesreais da manufatura e dos processos, elafornecerá não apenas informações reais sobre o

produto e seus processos de manufatura comotambém permitirá a avaliação e validação des-tes. Além disso, ela pode ser usada para preveros riscos do negócio, fornecendo suporte àadministração na tomada de decisões e nogerenciamento da estratégia de uma empresa.

Dentre suas aplicações destacam-se:

� Avaliação da viabilidade de um projeto doproduto, validação de um plano de produçãoe otimização do projeto do produto e dosprocessos, resultando na redução do custo nociclo de vida do produto.

� Teste e validação da precisão dos projetosdo produto e dos processos, envolvendoatividades como, por exemplo, analisar a

Desenvolvimento

Colaboração/Gerenciamento do Fluxo do Trabalho

Manufatura Virtual

Informaçõesde Manufatura

ProtótipoVirtual

Plano Virtualde Produção Manufatura

e Execução

Novo Plano de Processose Informações Associadas

Modelo do Novo ProdutoPlano(s) de Processo

Produção

• Otimizar a utilização dosrecursos disponíveis

• Gerar/avaliar as alternati-vas dos planos

• Validar novos planosde processo

Projeto

• Ferramenta DFM para:- Otimizar o projeto, identificarproblemas em potencial,predizer a manufaturabilidadee disponibilidade

·

CustosEstimados

Conceito

Controle do Processo

Otimizar desempenhode controle do chão defábrica e dos processosde manufatura (simular)

QualidadeEstimada

MétodoPlanejado

Figura 1 – Ambiente da Manufatura Virtual. Fonte: Porto & Palma (2000).

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possibilidade do projeto do produto,realizar análise dinâmica das caracte-rísticas, verificar a trajetória da ferramentadurante o processo de usinagem, validarprogramas de controle numérico, checarproblemas de colisão na usinagem e namontagem, etc.

� Realização de treinamento por intermédiode um ambiente virtual e distribuído paraos operadores, técnicos e gerência no usodas instalações de manufatura. Os custosde treinamento e produção podem, assim,ser reduzidos.

Diversos benefícios derivados da utilização daManufatura Virtual podem ser citados. SegundoLee et al. (2001), o principal benefício esperadoé a redução do tempo de ciclo e do custo dedesenvolvimento de produto. Quando novossistemas ou produtos são desenvolvidos, oscustos do ciclo de vida são determinados pordiversas decisões tomadas nas primeiras etapasdo ciclo de desenvolvimento (fase de definiçãodo conceito). Corrigir erros encontrados nasetapas finais do processo de desenvolvimento,causados por decisões tomadas nas etapasiniciais, envolve mudanças no projeto queconsomem tempo e custo. Mesmo que asmudanças necessárias sejam pequenas, o efeitode rede pode ser substancial (Committee, 1999).

Uma forma de reduzir o tempo e o custo dedesenvolvimento é desenvolver ambientes deManufatura Virtual que permitam aos projetistasdeterminar rápida e precisamente como os pro-jetos propostos afetarão o desempenho dos novossistemas e produtos e como as mudanças afetarãoas perspectivas de sucesso da missão. Esteambiente permitirá o desenvolvimento e a pro-totipagem de mais modelos baseados em com-putador nas etapas iniciais do processo dedesenvolvimento do produto, reduzindo anecessidade de construir um grande número deprotótipos físicos nas etapas posteriores doprocesso de desenvolvimento para validarmodelos do produto e novos projetos. Assim, aempresa reduz seu tempo de desenvolvimento deproduto, como, por exemplo, a Embraer que,

utilizando protótipos virtuais no desenvolvimentodo ERJ 170, passa a completar seu processo dedesenvolvimento em 38 meses, enquanto foramnecessários 60 meses para desenvolver o modeloERJ 145 (Embraer, 2002).

Além disso, a Manufatura Virtual complementao processo de desenvolvimento integrado doproduto e do processo, pois proporciona umamaneira de as informações da manufatura serempassadas às fases iniciais do desenvolvimento (Linet al., 1995). Em outras palavras, ela proporcionaa introdução de um nível muito mais preciso everificável de as informações da manufatura esta-rem disponíveis nas fases iniciais do processo dedesenvolvimento, permitindo a expansão do“espaço de soluções” disponíveis na fase deprojeto, pois tornará possível a verificação rápidade projetos. O objetivo é expandir o espaço dedecisões, capacitando o projetista para a avaliaçãomais efetiva dos custos de diversos projetos viasimulação de diversas alternativas de manufaturae criação de protótipos “soft” pela manufatura nocomputador. Segundo estimativas da montadoraFord, que já vem aplicando técnicas de ManufaturaVirtual, os resultados esperados compreendemredução de 20% nas ocorrências de mudanças namanufatura durante o lançamento de novosprodutos e redução nos custos de mais de U$ 200milhões anualmente (TMR, 1998).

A Manufatura Virtual pode proporcionartambém a inclusão do cliente e de seus requisitosno processo de desenvolvimento e gerar, assim,melhor resposta às perguntas “e se” dos clientessobre as mudanças nos prazos de entrega eorçamentos. Além disso, facilita a integraçãofuncional dentro das empresas, promovendo ocompartilhamento de informações e melhorandoo relacionamento do trabalho interfuncional dentrodo processo de desenvolvimento (LawrenceAssociates Inc., 1994).

Outra contribuição importante é na formaçãoda Empresa Virtual. Segundo Lin et al. (1995),a Empresa Virtual é uma rede multidisciplinarde pequenas empresas formada para alcançaroportunidades de desenvolver e produzir umproduto específico. Os membros dessa empresa,para satisfazer uma necessidade de mercado,

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podem compartilhar suas competências, ferra-mentas de software, dados e informações doproduto com outros membros em um ambientede Manufatura Virtual.

Com o uso desse ambiente virtual e cola-borativo, os clientes podem participar do processode desenvolvimento de produto e os engenheirosde projeto podem responder mais rapidamente àsnecessidades dos clientes e lhes fornecer umasolução ótima, reduzindo, dessa forma, o tempo deciclo e os custos de desenvolvimento. E, conse-qüentemente, a vantagem competitiva de umaempresa no mercado pode ser melhorada.

Como ilustração, pode-se citar o caso daBoeing, que também utilizou a ManufaturaVirtual para o desenvolvimento do modelo 737.Nesse processo, a empresa desenvolveu o pro-tótipo virtual, incorporando as leis físicas e daciência dos materiais, e avaliou esse modelo pormeio da simulação no túnel de vento virtual.Como resultado, os engenheiros puderam testaruma quantidade muito maior de protótipos, a umcusto menor e com maior velocidade. Alémdisso, na medida em que a empresa moveu suasatividades de desenvolvimento do mundo realpara o virtual, ela passou a envolver os clientesno desenvolvimento da aeronave, compartilhandoinformações por intermédio da simulação viacomputador (Balceiro & Cavalcanti, 1999).

Porém, para que o desenvolvimento desseambiente seja possível, algumas características efuncionalidades são requeridas dos sistemas aserem utilizados. A seguir, são apresentados osprincipais sistemas de suporte às atividades,dentro do contexto da Manufatura Virtual.

4. Sistemas de suporte àsprincipais atividades naManufatura Virtual

O ambiente de Manufatura Virtual com-preende: a utilização de sistemas para a elabora-

ção dos planos de processos macro e detalhado,tanto de processos de fabricação como demontagem, todas as atividades de identificaçãode recursos de máquinas, ferramentas e disposi-tivos, a programação de controle numérico demáquinas de usinagem, robôs, máquinas demedição, simulação e realidade virtual.

Busca-se, segundo Porto & Palma (2000), aintegração de dados e sistemas e a padronizaçãode ferramentas e programas. Não há um únicoproduto que domine o mercado da família desoftwares que compõem este novo ambiente, ecomo os pacotes variam consideravelmente emmuitos aspectos – custo, funcionalidade, flexi-bilidade, facilidade de uso e plataforma –, aseleção das ferramentas deverá ser direcionadapara aquelas que permitam:

� melhorar a tecnologia para obter recursos;

� associatividade gerenciável;

� reduzir a recriação de geometria, em queos projetos de produtos, máquinas, ferra-mentas e outras entidades são baseadosem modelagem sólida;

� eliminar desenhos em papel;

� trabalho em paralelo, ou seja, simultâneo;

� integrar ferramentas de software de ERP(Enterprise Resources Planning);

� acesso de fornecedores usando o PortalWeb;

� usar modelos em fase de desenvolvimento(trabalho em processo);

� fluxo de trabalho integrado com sistemasde gerenciamento de projeto.

Pode-se afirmar que existem soluçõesisoladas ou parciais para cada uma das tarefasrelacionadas ao ambiente de ManufaturaVirtual. A seguir, são apresentadas caracte-rísticas funcionais básicas desejadas dessessistemas para cada um dos principais grupos detarefas, listados na Figura 2.

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4.1 Planejamento do Processo

O sistema de Planejamento do Processo é aaplicação central que permite aos engenheirosde manufatura elaborarem o processo completode manufatura e identificarem os elementos quedefinem os produtos. Um modelo genérico dedados do processo de manufatura é um com-ponente essencial de tal aplicação. O modelo dedados deve dar suporte ao planejamento macroe detalhado dos processos. Um ambienteintegrado de manufatura engloba dados doprocesso que descrevem como os produtos sãofabricados usando os recursos disponíveis. Istoimpõe que o modelo de dados proposto habilitea colaboração de dados do produto, dados doprocesso e dados dos recursos. A Figura 3mostra as atividades básicas envolvidas nodesenvolvimento do Planejamento do Processo.

O sistema para o desenvolvimento do Plano deProcesso, integrado a outras aplicações específicas,deve permitir ao usuário elaborar as instruçõesdetalhadas de trabalho para um processo de ope-ração específico, como, por exemplo, tratamentotérmico, solda por robô e usinagem.

As principais funcionalidades que os softwaresdevem proporcionar são:

� Definir necessidades geométricas – habi-lidade de definir requisitos baseados noprojeto do produto (arquivo CAD) – enecessidades não geométricas – habilidadede definir o consumo do material que nãoé detalhado no projeto do produto.

� Criar listagem de material de manufatura(MBOM) e informações associadas, comolistagem das estações de consumo e datasde efetivação.

Planejamentodo processo

Processo deseleção deoperações

Processo deseqüenciamento

de operações

Característicasdiversas

VerificaçãoCN

Validaçõesdiscretas

Validaçõesergonométricas

Centro deusinagem

Tornos

Máquinasde medição

Robótica

Gerenciamentode dados

Validações

ProgramaçãoCN

Gerenciamentode recursos

Layout dafábrica

Seleção demáquinas

Seleção deferramentas

Planejamentode configurações

Requisitos demão-de-obra

Geometriaspor operação

Figura 2 – Principais atividades a serem cobertas pelos sistemas noambiente de Manufatura Virtual.

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� Planejar o ponto de uso (como compo-nentes comprados devem ser entregues ouarmazenados).

� Definir roteiro primário (seqüência pri-mária de operações a serem realizadas).

� Definir máquinas e estações para fabricação/montagem e suas configurações (setups).

� Definir listagem de material processado (com-ponentes consumidos em uma operação).

� Determinar submontagens para melhoraro processo de manufatura.

� Definir seqüência relativa de operações,tempo de ciclo de cada operação e instru-ções textuais e gráficas.

� Emitir o Método Planejado.

� Elaborar instruções detalhadas de primeirasoperações (corte e dobra de chapas), solda-gem, pintura, tratamento térmico.

� Aplicar tempos-padrão.

Um exemplo de aplicação é mostrado naFigura 4, em que as principais funcionalidadesanteriormente apresentadas, incluindo imagensem diferentes formatos, descrição detalhada daoperação a ser executada, dados do local deexecução da operação, tempos-padrão e desetup, podem ser observadas. Diversas ferra-

mentas para o planejamento do processo podemser encontradas no mercado, como, por exem-plo, o eM-Planner da Tecnomatix e o E-FactoryProcess Planner da UGS/EDS.

4.2 Gerenciamento de recursos

Neste contexto, recursos incluem máquinasde controle numérico, máquinas de manuseiomanual, espaço no chão de fábrica, células defabricação e montagem, equipamentos espe-ciais, dispositivos de suporte e requisitos demão-de-obra (especialização do trabalho e cargade trabalho).

As principais funcionalidades requeridas dessessistemas são:

� Avaliar recursos de chão de fábrica paradeterminar se são suficientes para atenderàs necessidades do Método Planejado.

� Elaborar o layout da fábrica.

� Gerenciar ferramentas e calibradores.

� Selecionar ferramentas e calibradores simi-lares e existentes: verificar a existência deferramentas e calibradores; pesquisar adisponibilidade nos almoxarifados; usarreferências do modelo geométrico e requi-sitos da manufatura.

Figura 3 – Atividades básicas do Planejamento do Processo. Fonte: Halevi &Weill (1995).

Inclusão de especificaçõese interpretação

Seleção doprocesso primário

Determinação dastolerâncias de produção

Seleção dedispositivos de fixação

Seleção e agrupamentode operações

Seleção de máquinas eseqüência de operações

Seleção deferramentas

Seleção do métodode qualidade

Módulo detempo e custos

Edição da folha deprocesso detalhado

Arquivos demáquinas

Arquivos deferramentas

Tempospadrões

Arquivos dedispositivos

Arquivos dedados

Relação deprocedência

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� Projetar ferramentas e calibradores.

� Solicitar serviços de projetos de ferra-mentas e calibradores.

� Escrever ordens de serviços para a exe-cução de atividades no chão de fábrica nãoespecificadas no Método Planejado.

� Definir localizações de ferramentas e cali-bradores no chão de fábrica.

� Realizar a comunicação com o sistema decontrole de chão de fábrica (MES –Manufacturing Execution System).

Um exemplo de software nessa área é o E-Factory Resource Manager da UGS/EDS, queprovê um mecanismo integrado para classificare armazenar informações de recursos demanufatura, incluindo ferramental, dispositivos,calibradores, máquinas e equipamentos.

4.3 Programação de controle numérico

De maneira geral, os programas de controlenumérico devem ser criados e simulados em um

ambiente virtual 3D, usando modelos visuais paraeliminar colisões da ferramenta ou ponta de prova,assim como problemas de programação quepodem estar presentes, antes de executá-los fisica-mente no equipamento. As funcionalidades deprogramação de controle numérico relatadas nesteitem englobam aplicativos nas seguintes áreas:

� Programação de centros de usinagem.

� Programação de robôs (solda, pintura,montagem, corte).

� Programação de máquinas de medição porcoordenadas (MMC).

Como operações de manufatura demandammaior eficiência, os softwares CAM empre-gados para usinar ou medir devem apresentarferramentas mais precisas para o corte oumedição de peças complexas. As novastendências em software CAM são:

� Associatividade completa entre a geometriado modelo e os caminhos das ferramentas(programação CN) e ponta de prova.

Figura 4 – Exemplo de um sistema de Planejamento do Processo. Fonte: HMS (2000).

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� Usinagem ou medição baseada no conhe-cimento (captura técnicas de usinagem deum operador experiente ou de um progra-mador de controle numérico).

� Conhecimento de feature, que permite aosistema automaticamente reconhecer“features” da peça e configurar padrõesde operação.

� Usinagem de alta velocidade, com reali-zação de cortes pequenos e leves em vezde grandes e pesados.

� Capacidade de usinagem e medição demodelos sólidos.

Essas novas tendências requerem o uso demodelos sólidos ou superfícies de precisão. Ouso dessas novas tendências em CAM, emconjunto com a simulação de processos, podereduzir drasticamente o tempo de programaçãoe a correção de erros.

4.4 Validações

Validações de processos e sistemas demanufatura, de programação CN, de ergonomiae de eventos discretos podem ser realizadas coma aplicação de softwares de simulação erealidade virtual.

4.4.1 Simulação

As empresas do setor automobilístico têmusado cada vez mais a simulação como umaproeminente ferramenta de suporte à decisão. Amaioria faz uso da simulação de eventos discretospara modelar sistemas de manufatura e emquestões relativas ao layout de fábrica, fluxo deprocesso, sistemas de manuseio de material,planejamento de capacidade, utilização de mão-de-obra, investimento em novos equipamentos,programação da produção e logística.

De acordo com Jain (1999), a simulação setornará a forma de fazer negócios no futuro, naqual todas as decisões serão avaliadas usando essatecnologia em todos os aspectos das operações. Ouso da simulação não tem se limitado às aplicaçõestradicionais na manufatura e logística, e cada vezmais engloba processos de negócios, aplicações

interativas de simulação no treinamento e vendas.No futuro, modelos de simulação se desenvolverãocomo o conceito de um sistema se desenvolve,crescerão como cresce o projeto em detalhes, su-portarão atividades de validação da integração dosistema como o sistema real é construído e insta-lado e suportarão a tomada de decisões durante oestágio de operação do sistema real. À medida queo sistema real é modificado, modelos de simulaçãocorrespondentes são atualizados.

Os sistemas de simulação para suporte àsatividades de Manufatura Virtual podem serdistribuídos em quatro grandes grupos:

� Simulação de sistemas de manufatura.

� Simulação de processos de manufatura.

� Simulação de sistemas mecânicos.

� Simulação de elementos finitos.

Os softwares de simulação de sistemas demanufatura incluem:

� Processos de fabricação e de montagem,os quais fornecem um método sistemáticopara o projeto de fábrica (criação, análisee apresentação visual do modelo), habili-tando a engenharia simultânea de toda afábrica. Pode-se citar, como exemplos, oVisFactory da UGS/EDS e o DELMIAProcess Enginer.

� Análise de fluxo de material e layout defábrica, integrando desenhos de fábrica ecaminhos do fluxo de material com dadosde produção e manuseio de material,possibilitando prever o desempenho dosistema e entender o impacto de possíveismudanças. Exemplos de softwares nessaárea são o eM-Plant da Tecnomatix, oFactoryFlow e o FactoryCAD da UGS/EDS e o Factor/AIM da Pristsker.

� Eventos discretos, que permitem modelarquestões complexas de manuseio de mate-rial e manufatura, provendo animações emescala real 3D enquanto o modelo está sendoexecutado. Como exemplo de softwarespode-se citar o AutoMod da Autosimulations,o Quest da Delmia, o Witness da LannerGroup Ltda. e o Arena da Rockwell.

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A simulação de processos de manufatura e desistemas mecânicos engloba:

� Programação de controle numérico, quesimula interativamente o processo de re-moção de material e o caminho da ferra-menta e detecta automaticamente colisõesde ferramentas, interferências entre peças econdições de corte inadequadas. Algunssoftwares disponíveis nessa área são oVericut da CGTech, o Virtual NC daDelmia e o NC Simul da Spring.

� Programação de robôs, para o desenvol-vimento, programação e otimização deaplicações em pintura, MMC, solda ecélulas de manufatura, como, por exemplo,o UltraArc e o UltraPaint da Delmia, oCimStation Robotics e o CimStation Inspec-tion da Silma.

A simulação de elementos mecânicos utilizaprincipalmente o método de elementos finitospara verificar se as alterações nas condições deusinagem não resultarão em esforços quecomprometerão a qualidade de forma e deacabamento da peça.

Uma limitação dos softwares de simulaçãoda Manufatura Virtual é que, para a grandemaioria dos casos, diferentes tipos deferramentas de simulação – simulação deeventos discretos, simulação de fluxo dematerial, simulação de células de trabalho –operam independentemente umas das outras.

4.4.2 Realidade Virtual

A Realidade Virtual, por sua vez, também éuma tecnologia-chave no desenvolvimento doproduto e no processo. A Realidade Virtual podeser definida como “a habilidade em criar e interagirno espaço cibernético, isto é, um espaço querepresenta um ambiente muito similar ao ambienteem torno de nós” (Banerjee & Zetu, 2001).

De fato, a realidade virtual e a simulaçãopodem ser utilizadas em diferentes áreas,incluindo a Manufatura Virtual, mas há dife-renças entre elas. Ambas, simulação e realidadevirtual, são ferramentas que podem ser usadaspara análise e teste de materiais, treinamento de

pessoas e projeto e implementação de novasidéias e conceitos (NASA, 2001).

Uma distinção importante entre elas está naforma de operação da tecnologia. A realidadevirtual freqüentemente requer mais interação físicada parte do usuário, enquanto a simulação é tipica-mente mais passiva. A Realidade Virtual é umprocesso tátil, incorporando luvas, controlejoysticks, telas em capacetes, óculos estéreo 3D eparedes e telas para projeção de vídeo. A simula-ção envolve software de visualização com gráficosde alta resolução, usando modelos CAD 3D queoperam em estações gráficas de alto desempenho.Ambas podem ser usadas em conjunto porprojetistas e engenheiros para criar praticamentequalquer tipo de mundo artificial. Nesses am-bientes digitais, diversas situações do mundo real,variáveis e reações podem ser duplicadas.

A principal vantagem dessa tecnologia é odesenvolvimento e análise do projeto colaborativo,habilitando grupos de engenheiros a visualizar emanipular, em tempo real, um objeto virtual tãofacilmente como seria com um objeto físico.

Para dar suporte à criação de ambientesvirtuais, diversas ferramentas de software estãodisponíveis no mercado, como dVise, Supers-cape e World Toolkit.

A Realidade Virtual tem sido usada porempresas como a General Motors e a Caterpillarpara a construção de protótipos digitais deveículos, em vez de protótipos físicos, reduzindosignificativamente o tempo de desenvolvimentode produto. A BMW usa a Realidade Virtualpara explorar a visualização de novos layouts deveículos com o objetivo de melhorar a comu-nicação e a simulação dos processos. A RollsRoyce Aeroengines and Associates usa essatecnologia para verificar antecipadamente osprocedimentos de manutenção, treinar osengenheiros de manutenção em novos proce-dimentos e visualizar ambientes complexos (Penget al., 2000). A Embraer utiliza o Centro deRealidade Virtual no desenvolvimento de umaaeronave, o qual permite aos engenheirosvisualizar, em três dimensões, por meio demodelos eletrônicos, toda a estrutura daaeronave em fase de projeto. A empresa usa o

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WorkWall da Fakespace Systems, que é umasolução de visualização ideal para apresentaçõesem grupo e projeto colaborativo. Quando usadocom um software de modelagem 3D como oCATIA da Dassault Systems, e visualizadousando o DMU Navigator da Dassault Systemse Division Reality da PTC, o WorkWall tornamais fácil para as equipes multidisciplinaresavaliarem mock-ups digitais e protótipos virtuaisnas etapas iniciais do ciclo de projeto. Para osclientes, fornece fácil entendimento do layout domodelo e das opções de configuração, facili-tando decisões de compra (Fakespace, 2002).Com o Centro de Realidade Virtual e o CATIA,pode-se detectar, corrigir e eliminar falhaseventuais e montagens incorretas antes quequalquer peça ou conjunto seja encaminhadopara a produção. A prototipagem virtual e avisualização reduzem significativamente otempo de lançamento de uma nova aeronave nomercado e o retrabalho durante o projeto,juntamente com a expansão das linhas deproduto e da capacidade de produção.

5. Principais desafios naimplementação daManufatura Virtual

Embora o desenvolvimento da ManufaturaVirtual possa ser considerado uma evolução dediversas tecnologias e do ambiente de negócios,existem diversos desafios técnicos e sociocul-turais que dificultam sua implementação, como:

� integração das ferramentas, sistemas edados;

� gerenciamento das informações;

� gerenciamento da configuração;

� velocidade operacional do sistema;

� know-how em manufatura, modelagem erepresentação;

� capacidade de aprendizado e aquisição deconhecimentos;

� questões culturais, de gerenciamento, eco-nômicas e de treinamento.

Um dos principais desafios técnicos paraalcançar um ambiente ideal de ManufaturaVirtual refere-se à necessidade de alcançar umelevado nível de integração das ferramentas,sistemas e dados presentes nesse ambiente,conforme apresentado na Seção 4.

Um processo de desenvolvimento de produtoefetivo deve balancear diferentes fatores, comorequisitos dos clientes, desempenho, custo,segurança, integração do sistema, manufatu-rabilidade, confiabilidade e manutenibilidade.Softwares relevantes para a Manufatura Virtualtêm sido desenvolvidos como uma coleção deferramentas individuais com pouca ou nenhumaligação entre elas. A integração entre ferramentasde software é uma área de ativa pesquisaacadêmica, industrial e governamental, porém,soluções aplicáveis não estão totalmente dispo-níveis para uso operacional (Committee, 1999).

Os problemas de integração são causados pordiversos fatores. Um deles diz respeito àincompatibilidade das ferramentas de software.A menos que a interoperabilidade tenha sido umobjetivo específico do processo de desenvol-vimento de software usado para criá-lo, para amaioria das empresas desenvolvedoras a intero-perabilidade tem obtido pouca prioridade.Vendedores de softwares comerciais tendem aoperar em segredo para proteger as informações,especialmente quando um novo produto estásendo desenvolvido. A incompatibilidade tam-bém ocorre, pois, na maioria das empresas,engenheiros e gerentes buscam no mercado amelhor solução para cada aplicação específica,ou, então, quando essas soluções não estãodisponíveis comercialmente, são desenvolvidasin house pelo próprio usuário. Como resultado,as organizações não podem ter suas ferramentastrabalhando de forma integrada. O objetivo demelhorar o desempenho e a eficiência de produtose processos individuais encoraja a proliferaçãode novas ferramentas e, conseqüentemente,resulta na falta de interoperabilidade entre elas.

Essa falta de interoperabilidade inibe o uso deferramentas tradicionais em ambientes deManufatura Virtual, os quais, por natureza,

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requerem alto grau de integração. Melhorar ainteroperabilidade das ferramentas de software éuma atividade complexa, principalmente devidoà geração de um custo, às incertezas sobre oretorno no investimento e às dinâmicas psico-lógica e social das organizações. Porém, amelhoria é essencial, pois a falta de interopera-bilidade resulta em elevados custos para aempresa. Um estudo realizado recentemente poruma das principais montadoras do setor auto-motivo revelou que a falta de interoperabilidadetem custado para as empresas desse setor entreU$ 200 milhões e U$ 400 milhões por veículodesenvolvido. A falta de eficiência na troca dedados do produto com empresas da cadeia defornecimento tem gerado custos de U$ 1 bilhãopor ano para a indústria (NIST, 1999).

O mesmo problema de integração se aplicaaos sistemas hardware. Sistemas fornecidos pordiferentes vendedores às vezes são incompatíveis,e softwares escritos para sistemas hardware deum vendedor podem ser incompatíveis comsistemas de outros vendedores.

Padrões têm sido usados em muitos campospara prevenir ou corrigir problemas de intero-perabilidade associados com, por exemplo,interfaces de ferramentas, arquivos e termino-logia e definições de dados. Alguns padrões sãoformalmente aprovados por aplicações industriais.Porém, para assegurar eficiência operacional deum ambiente de Manufatura Virtual, é necessá-rio estabelecer um padrão de dados único ou,ainda, um software para a conversão de dados,facilitando, dessa forma, a troca de dados entresistemas desse ambiente. De acordo com Lee etal. (2001), embora muitos padrões sejam desen-volvidos pela organização ISO, as empresascontinuam usando padrões de dados e softwarediferentes, gerando problemas para utilização daManufatura Virtual pela Internet.

Uma forma de criar um ambiente altamenteintegrado é pelo uso de arquiteturas abertas quepermitam a inserção de novos elementos,usando interfaces projetadas de acordo compadrões predefinidos. Essa alternativa reduz ocusto de implementação e treinamento, poispossibilita que sejam realizadas mudanças nas

capacidades dos sistemas com mínimo impactoe por meio de interfaces com usuário.

Além disso, mesmo que novas ferramentas esistemas sejam altamente interoperáveis, aManufatura Virtual somente se tornará realidadequando for efetivamente integrada com ferra-mentas e sistemas legados, principalmente nocaso de utilizar essa proposta em um ambiente dedesenvolvimento de produto já existente.

Outro fator que dificulta a integração deferramentas, sistemas e dados é que, além deintegrar seus processos internos, as empresasdevem considerar toda a cadeia de fornecimento,bem como o envolvimento de fornecedores noprocesso de desenvolvimento do produto eprocesso. Assim, interfaces externas estão setornando tão críticas quanto interfaces internas,e sistemas de engenharia e projeto devem serintegrados além dos limites organizacionais. Porexemplo, a DaimlerChrysler recomenda que osfornecedores de primeiro nível usem o mesmosoftware CAD/CAM (Committee, 1999).

Outro desafio é o gerenciamento das infor-mações. Primeiramente, porque, com a Manu-fatura Virtual, novos projetos e processos sãoconstruídos, analisados e testados em umambiente simulado. Conseqüentemente, há ageração de grande quantidade de informações,pois a coleta de dados de teste não é limitada aum produto ou processo físico. Segundo, porquea integração não só deve ocorrer entre diferentese independentes bancos de dados para infor-mação e conhecimento dentro da empresa comotambém entre bancos de dados de fornecedores,clientes e outras empresas. É necessário esta-belecer uma base de dados completa para darsuporte à operação da Manufatura Virtual.

As tecnologias para gerenciamento de banco dedados têm alcançado sucesso substancial e as basesde conhecimento para tecnologias de manufaturaestão se expandindo bastante. Porém, uma pe-quena porção desses recursos está sendoconvertida para bases de dados de computador. Aconversão bem-sucedida do know-how em manu-fatura para base de dados computacional demandainvestimento e grande esforço humano. Alémdisso, trabalho adicional ainda é requerido para

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atualizar as tecnologias de base de dados a fim deatender a demandas futuras.

Outro desafio associado ao desenvolvimentoe uso de ambientes virtuais e distribuídos é ogerenciamento da configuração, ou seja, a tarefade assegurar que todas as ordens de engenharia emudanças de projeto sejam refletidas nas simu-lações e modelos usados para criar e avaliarnovos projetos. O gerenciamento da configuraçãotem sido tradicionalmente usado para produtos,mas está se expandindo para incluir processos erecursos.

Segundo Lee et al. (2001), a velocidadeoperacional do sistema também pode constituiruma barreira à implantação da Manufatura Virtual.A utilização desse ambiente envolve grandequantidade de trabalho em computação matemá-tica, processamento gráfico de imagens, troca dedados e comunicações remotas. Isso inclui aconstrução de modelos sólidos 3D, animação 3D,realidade virtual, planejamento de recursos demanufatura, processamento das características doproduto, aquisição de know-how em manufatura,etc. Apesar do rápido avanço do poder computa-cional e das tecnologias de informação, aindaassim não são suficientes para satisfazer as necessi-dades de um ambiente de Manufatura Virtual.

Outro desafio refere-se ao know-how emmanufatura, modelagem e representação. Orápido desenvolvimento da comunicação digitalvia rede e das ciências da computação forneceuferramentas indispensáveis à aplicação daManufatura Virtual. De qualquer forma, ela édesenvolvida com base em know-how humanoe no entendimento dos processos de manufatura.Seu desenvolvimento depende muito do conhe-cimento presente e da capacidade de aplicarferramentas matemáticas modernas paradescrever e apresentar o conhecimento de ma-neira sistemática. Embora algumas pesquisas seconcentrem em estudar teorias dos processos demanufatura, um grande número de problemasainda não foi resolvido e continua dependendodo julgamento pela experiência.

Como já mencionado, um sistema de Manu-fatura Virtual absorve grande quantidade deinformações. Isso demanda maior capacidade de

aprendizado e aquisição de conhecimentos dasinstalações reais da manufatura, facilitandomonitorar o desempenho operacional das insta-lações, bem como prever e tomar decisões maisprecisas. Há muitos estudos na aplicação deferramentas de Inteligência Artificial, como redesneurais e algoritmos genéricos no controle doprocesso. Recomenda-se que aplicações deInteligência Artificial sejam consideradas pelaManufatura Virtual.

Além dos desafios técnicos, algumas difi-culdades socioculturais para a implementação doambiente da Manufatura Virtual podem ser desta-cadas. Diversas questões culturais, de gerencia-mento, econômicas e de treinamento, que surgemquando tecnologias e métodos inovadores sãousados, devem ser superadas. O desenvolvimentode um sistema de Manufatura Virtual demandaalto investimento de capital e esforço adminis-trativo. Implementar novas tecnologias requerinvestimento em treinamento de pessoal, tradu-ção dos dados existentes, aquisição de novasferramentas de software, sistemas e pessoal desuporte. Depois de implantado, é difícil com-provar que um sistema de Manufatura Virtual éresponsável pela redução dos custos ou pelamelhoria da qualidade. Um investimento em umanova infra-estrutura com retorno incerto não évisto como favorável pelos gerentes que decidemse aceitam ou não o risco. Tais decisões devemser guiadas por métricas que prevêem o desem-penho futuro da Manufatura Virtual em aplica-ções específicas, e, uma vez implementada, deve-se medir o sucesso dessa ferramenta no alcancedas metas. Mas essas métricas não estão dis-poníveis e precisam ser definidas.

Além disso, segundo Lee et al. (2001), aManufatura Virtual, apesar de oferecer soluçãoatrativa para a empresa melhorar sua eficiênciae produtividade, ela não pode ser vista comouma solução para melhorar o estado atual daempresa de forma imediata; é uma solução quetraz benefícios futuros.

O suporte da alta administração torna-se muitoimportante para que ambientes desse tipo sejamimplementados. Recursos adicionais são necessá-rios no início do desenvolvimento de produto para

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tratar das sofisticadas análises e simulações pre-sentes nesse novo ambiente. Suporte ativo deorganizações de pesquisa, de empresas e dogoverno também se torna importante, pois para aimplantação da Manufatura Virtual diversasempresas, setores de negócio e eras tecnológicasestão envolvidos. Além disso, dentro do mesmosetor de negócios, ainda há diferenças e, dessaforma, desenvolver um regulamento e umpadrão unificado também é um problema socialque precisa ser desenvolvido.

6. Considerações finais

Cada vez mais a vantagem competitiva dasempresas depende da utilização de novas meto-dologias e de novos ambientes de desenvolvimentode produto, apoiados principalmente pela utiliza-ção de ferramentas e tecnologias computacionais.

O ambiente proposto pela Manufatura Virtualenvolve grande quantidade de sistemas e ferra-mentas computacionais que devem agir de formaintegrada, sendo necessário para tanto um conjuntode características e requisitos, tanto em níveltecnológico quanto funcional, ainda não totalmenteencontrado nas soluções comercialmente dispo-níveis. Um dos principais desafios é desenvolvertecnologias novas e melhoradas e integrá-lasefetivamente com tecnologias atualmente dispo-níveis para criar ambientes de Manufatura Virtualabrangentes e interoperáveis.

Além disso, a aplicação bem-sucedida de umambiente de Manufatura Virtual requer um know-how multidisciplinar que envolve ampla gama dedisciplinas das ciências da computação e engenha-ria, e abrange mais do que a simulação tradicionalde um processo ou operação particular. O enten-dimento dos processos e operações, que já ganhou

grande importância nos métodos convencionais,torna-se essencial para permitir que sejam simula-dos na Manufatura Virtual. Já a inclusão daRealidade Virtual nesse ambiente proporciona aodesenvolvimento de produto uma nova tecnologiade interface com o usuário, permitindo ao homemmaior interação com o objeto simulado e possibili-tando sua imersão no ambiente virtual. Essatecnologia proporciona uma interface melhoradapara o projeto e modelagem do produto, simulaçãodos processos, planejamento das operações econtroles de chão de fábrica em tempo real.

Os diversos exemplos de aplicação daManufatura Virtual mostram que ela vem sendoempregada principalmente por grandes empresasinternacionais, pois requer grande esforço parasuperar os desafios de integração e as mudançasculturais, bem como o alto investimento.

Apesar do crescente interesse por esse novoambiente, por parte das empresas mundiais, noBrasil, a Manufatura Virtual ainda é poucoconhecida. O que se tem, na maioria dos casos,é a utilização de algumas tecnologias e ferra-mentas individuais e específicas para certasaplicações; dificilmente verifica-se o uso do am-biente integrado e completo proposto.

Mesmo sabendo dos desafios existentes paraa implantação da Manufatura Virtual, espera-seum futuro promissor, pois a contínua demandapor produtos de alta qualidade, com custosreduzidos e menores tempos de lançamento nomercado, levam as empresas a mudarem suasestratégias, processos e práticas de desenvol-vimento de produto. E a Manufatura Virtualproporciona, dentro de um ambiente integrado evirtual, as mais poderosas ferramentas para asempresas lidarem com essas mudanças.

Agradecimentos à Fapesp.

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VIRTUAL MANUFACTURING: CONCEPTS AND CHALLENGES

Abstract

Virtual Manufacturing has been used by some companies to improve their processes, introducingmore quickly new products in the market. The strategy is to create an integrated environment, composedby several software tools and systems, aiming at generating a new method to develop products. Thepurpose of this paper is to present the Virtual Manufacturing concept and the paradigms involved in itsdefinition. Then the paper describes the potential application areas and the resulting benefits. In addition,the technical and social challenges in development of a Virtual Manufacturing system are discussed atthe end of the text.

Key words: Virtual Manufacturing, product development, simulation.

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