17
1 ANÁLISE DA MÃO-DE-OBRA NO SISTEMA DE PRODUÇÃO FAMILIAR DE UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA Cayres, Guilhermina (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Brasil); Costa, Rosana (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Brasil). 1. Introdução O sistema de produção tradicionalmente desenvolvido por pequenos produtores 1 na Amazônia Brasileira envolve atividades agrícolas, extrativistas, domésticas e outras, combinação significativa para a economia de subsistência dos mesmos. Os produtos resultantes dessas atividades destinam-se ao consumo familiar e à venda do excedente. A atividade agrícola está apoiada no sistema de “roça itinerante”, onde parte da floresta é derrubada, queimada, plantada (principalmente com culturas de ciclo curto, como arroz, milho e mandioca) e posteriormente deixada em pousio. A atividade extrativista é caracterizada pela coleta de frutos, ervas medicinais e cipós; pesca; caça e extração de madeira. Além destas, as atividades domésticas e as outras atividades (ex: atividades comunitárias, estudo e trabalho remunerado) completam o conjunto de atividades produtivas realizadas pelas famílias de comunidades amazônicas (Cayres, 1999). Os produtos da agricultura familiar são as principais fontes alimentícia e financeira das famílias que habitam as comunidades rurais do município de Paragominas (PA), em particular, a comunidade de Nazaré, local de nosso estudo. A agricultura extensiva é o sistema de produção tradicional das famílias de Nazaré, o qual tem sido uma forma sustentável de uso do solo sob as condições de abundância de terra e recursos florestais. O itinerantismo é o modo de compensar a redução da fertilidade dos solos após o cultivo. A lógica do produtor é aproveitar a maior biomassa das áreas 1 A utilização do conceito de “pequena produção” não significa abandonar a referência ao conceito de “campesinato” estabelecido por Chayanov (1966; 1974). A identidade de “pequeno produtor” demonstra

Mao de Obra Producao Familiar

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Mao de Obra Producao Familiar

1

ANÁLISE DA MÃO-DE-OBRA NO SISTEMA DE PRODUÇÃO FAMILIAR DE

UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA

Cayres, Guilhermina (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Brasil); Costa, Rosana (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Brasil).

1. Introdução

O sistema de produção tradicionalmente desenvolvido por pequenos produtores1

na Amazônia Brasileira envolve atividades agrícolas, extrativistas, domésticas e outras,

combinação significativa para a economia de subsistência dos mesmos. Os produtos

resultantes dessas atividades destinam-se ao consumo familiar e à venda do excedente.

A atividade agrícola está apoiada no sistema de “roça itinerante”, onde parte da floresta

é derrubada, queimada, plantada (principalmente com culturas de ciclo curto, como

arroz, milho e mandioca) e posteriormente deixada em pousio. A atividade extrativista é

caracterizada pela coleta de frutos, ervas medicinais e cipós; pesca; caça e extração de

madeira. Além destas, as atividades domésticas e as outras atividades (ex: atividades

comunitárias, estudo e trabalho remunerado) completam o conjunto de atividades

produtivas realizadas pelas famílias de comunidades amazônicas (Cayres, 1999).

Os produtos da agricultura familiar são as principais fontes alimentícia e

financeira das famílias que habitam as comunidades rurais do município de

Paragominas (PA), em particular, a comunidade de Nazaré, local de nosso estudo. A

agricultura extensiva é o sistema de produção tradicional das famílias de Nazaré, o qual

tem sido uma forma sustentável de uso do solo sob as condições de abundância de terra

e recursos florestais. O itinerantismo é o modo de compensar a redução da fertilidade

dos solos após o cultivo. A lógica do produtor é aproveitar a maior biomassa das áreas

1 A utilização do conceito de “pequena produção” não significa abandonar a referência ao conceito de “campesinato” estabelecido por Chayanov (1966; 1974). A identidade de “pequeno produtor” demonstra

Page 2: Mao de Obra Producao Familiar

2

de floresta primária disponíveis para aumentar a produtividade da mão-de-obra no

sistema de produção (Boserup, 1987).

Todavia, no contexto da expansão da fronteira agrícola na região amazônica, a

agricultura itinerante vem pressionando os estoques de floresta devido ao aumento da

pressão demográfica e ao crescimento das áreas de cultivo, que aliados a outros fatores

como pressão de mercado e ausência de investimentos na agricultura familiar, vem

contribuindo para modificar o padrão de uso da terra e, conseqüentemente, alterando as

condições ambientais e sócio-econômicas das comunidades de pequenos produtores.

Apesar da agricultura itinerante existir em menor dimensão de área do que as áreas com

pastagens, este itinerantismo vem apresentando grande efeito cumulativo em áreas de

floresta alterada, que representam um potencial extrativo de coleta, mesmo após a

extração madeireira (Homma, 1989). Sob tais condições, a agricultura tradicional deixa

de ser visualizada como um sistema coerente de aproveitamento sustentável dos

recursos florestais tradicionalmente reconhecido, para estar, cada vez mais, relacionada

com desmatamento e queimadas na Amazônia, embora o desmatamento promovido

pelos pequenos produtores ainda seja relativamente em menor dimensão se comparado

àqueles promovidos pelas grandes propriedades (Fearnside,1993).

No município de Paragominas (PA), a redução dos recursos florestais está

determinando mudanças na organização do sistema de produção tradicional.

Atualmente, as organizações de pequenos produtores apontam para a necessidade de

desenvolver procedimentos tecnológicos, que procurem reduzir as taxas de

desmatamentos em áreas destinadas à pequena produção, aumentem a capacidade de

recuperação dos recursos florestais a fim de garantir um manejo sustentável dos

recursos disponíveis nas comunidades rurais e assegurem a melhoria da qualidade de

a atividade principal destes atores sociais: a produção de bens para consumo e venda (Porto, Siqueira, 1994).

Page 3: Mao de Obra Producao Familiar

3

vida no campo. Algumas estratégias envolvem a valorização dos recursos florestais e a

substituição das culturas anuais por perenes (Peter et al., 1985). Isoladamente, essas

estratégias parecem não gerar grandes efeitos, pois os pequenos produtores continuam

desmatando para produzir culturas alimentares. O problema é que os cultivos perenes e

os sistemas agroflorestais (SAF’s) não atendem às necessidades básicas das famílias,

como produção de alimentos e renda em curto prazo. Depois, a produção desses

sistemas é sazonal, enquanto que os produtos dos cultivos anuais fornecem alimento e

renda o ano todo. Além disso, outros fatores contribuem para o insucesso de tais

iniciativas, tais como: a falta de domínio das novas técnicas, a ausência de um serviço

de assistência técnica especializada, a incerteza de mercado para os novos produtos e a

falta de capital para investir em tecnologia. É evidente que esses sistemas têm seus

potenciais, porém necessitam de etapas de transição para chegar ao processo de

diversificação (Costa, McGrath, no prelo).

O desafio é, portanto, intensificar e diversificar o sistema de produção

tradicional para aumentar a produtividade das áreas desmatadas, antes que se esgotem

os recursos florestais, e inserir os produtos agrícolas no mercado. De outra parte,

qualquer alternativa tecnológica que se apresente ao sistema agrícola tradicional deve

envolver também o aumento da produtividade da mão-de-obra (Kitamura, 1982).

Independente dos demais fatores que determinam a organização das atividades

produtivas, a mão-de-obra familiar é o elemento fundamental que organiza e estabiliza

qualquer processo de produção camponesa (Chayanov, 1974). Por isso, os projetos de

desenvolvimento deveriam conhecer a organização da mão-de-obra local antes da

introdução de novas tecnologias, para que, posteriormente, pudessem avaliar os

impactos dessa intervenção na força de trabalho familiar. Qualquer interferência no

Page 4: Mao de Obra Producao Familiar

4

sistema de produção afeta a organização das atividades tradicionais e modifica a

distribuição da mão-de-obra entre os membros da família.

Este estudo tem por objetivos: 1) identificar a distribuição da mão-de-obra e a

contribuição individual de cada membro da família nas atividades agrícolas envolvidas

no sistema de produção tradicional, antes da introdução de um projeto de

desenvolvimento agrícola; e 2) analisar as estratégias de adaptação dos pequenos

produtores mediante as novas técnicas introduzidas por esse projeto. O projeto em

questão intitula-se “Intensificação da agricultura tradicional em áreas de vegetação

secundária”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM),

o qual daqui em diante será identificado por “Projeto Agricultura”. Tal projeto, ainda

em andamento no local de estudo, interfere diretamente nas práticas agrícolas

tradicionais. Por isso, este estudo particulariza a análise sobre as atividades agrícolas,

sem deixar de reconhecer que as demais atividades (extrativistas, domésticas e outras)

também sofrem interferência das novas técnicas introduzidas, mas serão analisadas em

um próximo trabalho.

A metodologia de análise deste estudo consiste em observações de campo e

dados quantitativos. A análise da distribuição da mão-de-obra antes da interferência do

Projeto Agricultura está baseada na mensuração de diárias nas atividades agrícolas

durante o período de 12 meses em uma amostragem de sete famílias. A análise

comparativa da mão-de-obra antes e após a introdução de novas técnicas pelo projeto

apoia-se em trabalho de campo no local de estudo (no período de 1994 a atualmente) e

em dados quantitativos preliminares. Os resultados demonstram que não houve

mudanças significativas no total de carga horária de trabalho das famílias participantes

do projeto. Entretanto, a análise sobre a distribuição da mão-de-obra antes e durante o

período de adoção do projeto, verifica que as mulheres têm maior contribuição

Page 5: Mao de Obra Producao Familiar

5

individual na força de trabalho familiar e na continuidade das atividades tradicionais.

Enquanto que os homens estão mais envolvidos com as novas técnicas introduzidas e os

treinamentos, a manutenção do sistema tradicional é assegurada pela sobrecarga das

atividades das mulheres.

2. Local de estudo

O município de Paragominas pertence à Mesorregião Sudeste Paraense (IDESP,

1996), cujas comunidades rurais estão distribuídas entre a região das Estradas (área de

ocupação recente formada por migrantes e em rápido processo de desmatamento) e a

região do rio Capim (área de ocupação antiga e com significativa proporção de floresta

em comparação à região das Estradas). A região do rio Capim é foco de transformações

da fronteira amazônica com fases sucessivas caracterizadas pela colonização de

pequenos produtores, pela expansão de fazendas e, mais recentemente, pelas indústrias

madeireiras. O processo de transformação vem reduzindo progressivamente a área de

floresta disponível aos pequenos produtores localizados ao longo do rio Capim.

Atualmente, as comunidades do rio Capim enfrentam as pressões da expansão das

fazendas, que, aliado ao crescimento interno dessas comunidades, passa a limitar a

disponibilidade de terras e recursos florestais, dificultando o desenvolvimento das

atividades agrícolas e extrativistas.

O local de estudo é a comunidade de Nazaré, na região do médio rio Capim,

distante cerca de 100 km a oeste do município de Paragominas (PA). Suas coordenadas

são 2º49’39”S e 47º46’55”W (IBGE, 1997). Um levantamento de dados realizado pelo

IPAM demonstrou que a comunidade de Nazaré estava constituída por 9% de áreas de

várzea e 91% de áreas de terra firme, sendo que a distribuição de terra firme consistia

Page 6: Mao de Obra Producao Familiar

6

em floresta (51%), capoeira (31%), roças (6%), pastos (2%) e plantio de árvores perenes

(1%) (IPAM, 1998)2.

A comunidade de Nazaré é formada por um conjunto de pequenas localidades

conhecidas por: Patrimônio, Estrada, Jaoaroca Grande, Jaoaroquinha, São Raimundo,

Lago do Pó, João Correia, Ananaí, Região Luzia e Terra Vermelha. Alguns dos

habitantes mais antigos contam que os primeiros moradores chegaram há mais de 50

anos. A população local está estimada em 382 pessoas, distribuídas em 73 famílias

nucleares (pai+mãe+filhos solteiros). A média da composição familiar é de 5

pessoas/família nuclear. Freqüentemente, as famílias organizam-se em grupos formados

por parentes e não-parentes, os quais realizam coletivamente as atividades agrícolas

diárias.

A comunidade de Nazaré é considerada a mais organizada da região do rio

Capim. In locu observa-se que os pequenos produtores manifestam inquietações ao

verem a área de floresta diminuir a cada ano que passa, da mesma forma que diminuem

os rendimentos dos cultivos anuais. Para eles, isso é resultado da pressão de ocupação

das terras, falta de assistência técnica, crédito rural e tecnologias apropriadas às suas

condições sócio-econômicas. Uma forma encontrada para apoiar a permanência das

famílias no campo foi promover alternativas visando a melhoria da qualidade de vida

nas comunidades.

No início dos anos 90, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paragominas

(STRP) detectou, na região do rio Capim, o aumento da freqüência de abertura de roças

em áreas de floresta a cada novo ciclo agrícola. Em 1993, a chegada da máquina

beneficiadora de arroz incentivou ainda mais a abertura de roças na floresta. Para evitar

que a região do rio Capim chegasse no nível de escassez de recursos florestais

2 É possível que, atualmente, esta distribuição de áreas esteja alterada.

Page 7: Mao de Obra Producao Familiar

7

verificada na região das Estradas, o Sindicato articulou-se com outras instituições para

investigar alternativas que impedissem o avanço indiscriminado nas áreas de floresta.

O grande desmatamento provocado tanto pelos habitantes das comunidades

rurais quanto pelos fazendeiros para a formação de pastos e pelas madeireiras motivou,

em 1993, a criação de uma parceria entre Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Paragominas (STRP) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) /

Woods Hole, Research Center (WHRC) / Instituto de Pesquisas Ambientais da

Amazônia (IPAM). Este convênio resultou em alguns projetos para a região do rio

Capim, onde o último a ser implementado foi o Projeto Agricultura. Este projeto tem

interferido diretamente nas práticas agrícolas tradicionais. A comunidade de Nazaré foi

escolhida como o local de experiência das novas técnicas, cujas principais inovações

foram o uso da enxada na capina e o plantio alinhado (Costa, McGrath, no prelo). Antes

de avaliar os impactos do projeto é necessário conhecer a organização da mão-de-obra

nas atividades agrícolas tradicionais, antes das famílias adotarem as novas práticas.

3. Distribuição da mão-de-obra nas atividades agrícolas tradicionais

A amostragem investigada foi constituída por 7 famílias totalizando 48

indivíduos, sendo que houve o registro da mão-de-obra de apenas 29 desses indivíduos

(17 homens e 12 mulheres). No período de 12 meses foram identificadas 42 atividades

realizadas pelas 7 famílias. Dessas atividades, 22 foram selecionadas em virtude da

maior freqüência apresentada ao longo destes 12 meses e o maior grau de importância

dessas atividades para a subsistência da família. A unidade adotada para a contagem da

mão-de-obra empregada nas atividades agrícolas foi a diária, cujo tempo de trabalho na

comunidade de Nazaré equivale à média de 7 horas, sendo quatro horas pela manhã e

três à tarde.

Page 8: Mao de Obra Producao Familiar

8

As 22 atividades consideradas principais são aquelas que permitem a produção e

o consumo de alimentos, além de suprirem as necessidades básicas dos membros da

família. Em todas essas atividades, classificadas nas categorias agrícolas, extrativistas,

domésticas e outras, a mão-de-obra familiar é a principal força de trabalho. As

atividades agrícolas são as que mais absorvem força de trabalho familiar (74,54%).

FIGURA 1: DISTRIBUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA NAS QUATRO CATEGORIAS DE ATIVIDADES DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE DE NAZARÉ (PARAGOMINAS-PA), DURANTE O PERÍODO DE 12 MESES.

Fonte: Cayres, 1999; n=6.865 diárias.

Foram identificadas 14 atividades agrícolas mais freqüentes, as quais estão

classificadas em: preparo de área (broca e coivara), plantio (de mandioca, arroz, milho,

banana e capim), manutenção de área (capina e limpeza de pasto), colheita (de

mandioca, arroz e milho), produção de farinha e troca de diárias. Dessas atividades, a

que mais absorve mão-de-obra familiar é a produção de farinha e, em seguida, estão as

atividades referentes ao plantio, manutenção de área, colheita, preparo de área e troca de

diárias.

Agrícolas74,54%

Extrativistas3,22%

Domésticas11,10%

Outras11,14%

Page 9: Mao de Obra Producao Familiar

9

FIGURA 2: DISTRIBUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA NAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE DE NAZARÉ (PARAGOMINAS-PA), NO PERÍODO DE 12 MESES.

Fonte: Cayres, 1999; n=5.117 diárias.

No padrão geral, quem dedica a maior mão-de-obra às 14 atividades agrícolas

são os homens, principalmente os homens adultos. Este padrão é revisto sob o aspecto

da contribuição individual da mão-de-obra em cada atividade. Dependendo da atividade

agrícola, as mulheres empregam maior mão-de-obra individual que os homens.

Na coivara, capina e colheita de mandioca a contribuição individual da mão-de-

obra das mulheres é maior que a contribuição individual dos homens. No plantio de

mandioca, na colheita de arroz e na produção de farinha (principal atividade de

subsistência das famílias de Nazaré), os homens exercem mais mão-de-obra que as

mulheres, porém a maior contribuição de mão-de-obra individual nestas atividades é das

mulheres adultas e idosas. Entre as mulheres, normalmente as adultas e/ou idosas

empregam mais mão-de-obra individual que as meninas e as jovens.

O número de diárias trabalhadas individualmente por mulheres adultas e idosas é

maior que as diárias individuais dos homens adultos e idosos. Entre crianças e jovens,

os homens apresentam maior contribuição de mão-de-obra individual. Com estes dados

é possível afirmar que, durante a infância e adolescência, a contribuição individual da

mão-de-obra dos homens é maior que a mão-de-obra das mulheres. A partir dos 18

anos, quando chega a fase adulta, as mulheres passam a absorver maior carga horária de

trabalho. No conjunto de atividades agrícolas realizadas tradicionalmente na

Preparo de área5,76% Plantio

19,28%

Manutenção de área

18,39%Colheita10,57%

Troca de diárias3,84%

Produção de farinha42,16%

Page 10: Mao de Obra Producao Familiar

10

comunidade de Nazaré, a maior carga horária de trabalho individual recai sobre as mães

(mulheres adultas e idosas).

FIGURA 3: VALORES MÉDIOS DA MÃO-DE-OBRA EMPREGADA POR CADA MEMBRO DAS FAMÍLIAS DE NAZARÉ (PARAGOMINAS-PA) NAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS, NO PERÍODO DE 12

MESES. Fonte: Cayres, 1999.

4. Análise comparativa sobre a organização da mão-de-obra familiar antes e após a

implantação do Projeto Agricultura

A abordagem do Projeto Agricultura baseia-se em métodos participativos,

combinando o conhecimento técnico ao conhecimento empírico dos pequenos

produtores da região do rio Capim (Paragominas-PA). O objetivo da abordagem é levar

o processo de pesquisa para as áreas de cultivo destes produtores, envolvendo-os no

processo de geração e avaliação de novas práticas de produção, assegurando que o

processo de inovações deve atender às reais necessidades dos produtores, além de estar

fortalecendo a capacidade de experimentar em pequena escala as novas práticas

agrícolas. O Projeto Agricultura vem desenvolvendo-se numa série de etapas iniciado

com o monitoramento do sistema agrícola tradicional em diferentes ecossistemas

(floresta primária vs secundária), seguido da avaliação experimental de inovações ao

sistema agrícola local e, finalmente, o teste das inovações mais promissoras ao sistema

tradicional nas roças dos produtores participantes do projeto (Costa, McGrath, no prelo).

Foram selecionadas 21 famílias de pequenos produtores, considerando o interesse e o

134

134

224

213

105

60

225

194

0 50 100 150 200 250

Idosos

Adultos

Jovens

Crianças

Mulheres

Homens

Page 11: Mao de Obra Producao Familiar

11

entusiasmo deles pela proposta do projeto (trabalhar roças em área de capoeira) e que

também estivessem associados na organização parceira – Sindicato de Trabalhadores

Rurais de Paragominas (STRP).

A metodologia para coleta de dados consistiu em aplicação de questionários

abertos e fichas pré-elaboradas para coletar informações sócio-econômicas que

pudessem complementar as observações agronômicas. A mão-de-obra foi

especificamente monitorada por um membro das próprias famílias, em sua maioria

jovens estudantes, que se responsabilizaram pelo preenchimento das fichas. Os jovens

foram treinados pelo extensionista do projeto, que também garantia um suporte durante

as visitas de acompanhamento técnico.

Na primeira fase do projeto, pretendia-se entender e comparar o uso atual das

áreas de capoeiras e floresta primária no sistema agrícola, considerando as práticas

culturais, mão-de-obra, produção e rentabilidade. A segunda fase envolveu uma área

experimental denominada de “roça experimental”, um módulo de pesquisa com 1,25 ha

de ecossistema de capoeira, localizado na comunidade de Nazaré. Nesta área foram

testadas inovações agrícolas para o sistema tradicional local com base no primeiro

estudo e orientadas tecnicamente por pesquisadores do IPAM. Na roça experimental

foram avaliados os custos, benefícios e as potencialidades agronômicas de cada

experimento para identificar alternativas viáveis ecológica, social e economicamente.

Os resultados preliminares da roça experimental indicaram técnicas simples e baratas

com grande potencial para melhorar a produtividade agrícola dos cultivos anuais desta

região. Para avaliar o desempenho dessas alternativas sob o controle das famílias dos

produtores, foi dado início à terceira fase do projeto, com a experimentação nas

propriedades.

Page 12: Mao de Obra Producao Familiar

12

A análise a seguir diz respeito à última fase do projeto, onde os produtores

comparam uma versão intensificada do sistema tradicional com o sistema tradicional

extensivo, os quais, daqui em diante, serão denominados apenas “sistema intensificado”

e “sistema extensivo”. Atualmente, os produtores desenvolvem simultaneamente os dois

sistemas em suas roças. Ao mesmo tempo, pesquisadores e produtores monitoram os

sistemas ao longo do ciclo agrícola, com o objetivo de avaliar o desempenho do sistema

intensificado em relação ao sistema extensivo. Os resultados preliminares ainda não

consideram a distribuição da mão-de-obra por gênero, porém indicam a reorganização

da mão-de-obra nas atividades agrícolas que mais sofreram interferência direta do

Projeto Agricultura (broca, coivara, plantio e capina).

No preparo de área (broca e coivara), a atividade que utiliza o maior número de

diárias é a broca, que não diferencia entre os sistemas, porque algumas famílias

realizam os mesmos procedimentos técnicos para os dois sistemas. Por outro lado, na

coivara, o sistema intensificado utiliza mais mão-de-obra do que o sistema extensivo. A

orientação técnica para o sistema intensificado é desobstruir a área, para permitir

melhores desempenhos das atividades de plantio, capina e colheita.

No plantio, o gasto total de mão-de-obra varia entre os sistemas, devido às

dificuldades de realizar as novas técnicas de plantio, em especial o alinhamento e o

espaçamento. No sistema intensificado, o produtor para plantar arroz, milho e mandioca

alinhados e com espaçamento definido, utiliza mais mão-de-obra do que para plantar de

forma misturada, no caso do sistema extensivo.

No controle das invasoras, a primeira capina do sistema intensificado gastou

mais mão-de-obra do que no sistema extensivo, porque os produtores realizaram a

capina de forma mais intensiva antes do plantio das culturas, enquanto que no sistema

extensivo, a primeira capina consiste de pequenas limpezas realizadas pelas famílias no

Page 13: Mao de Obra Producao Familiar

13

intervalo entre a queimada e o plantio. Na segunda capina, o sistema intensificado

continuou utilizando mais mão-de-obra do que o sistema extensivo. Neste período, o

sistema intensificado estava plantado apenas com arroz e milho, disponibilizando

espaço para o desenvolvimento das ervas daninhas, enquanto que o sistema extensivo já

estava plantado com as três culturas (arroz, milho e mandioca). A terceira capina foi

realizada após a colheita do arroz nos dois sistemas, sendo que no sistema extensivo foi

investida mais mão-de-obra do que no sistema intensificado. No sistema intensificado o

tipo de consórcio e a distribuição espacial das culturas, proporcionaram uma maior

cobertura vegetal, fator determinante para dificultar a emergência das invasoras,

principalmente no consórcio de arroz + mandioca.

Na colheita, a mão-de-obra investida nas culturas do arroz, milho e mandioca

está relacionada com os rendimentos das culturas e a técnica de plantio. Segundo os

produtores, se não fosse o alinhamento do plantio, a produção alcançada pelo sistema

intensificado poderia ter utilizado muito mais mão-de-obra, pois, segundo eles, a

colheita no sistema intensificado é muito mais prática se comparada com o sistema

extensivo. O alinhamento permite melhor rendimento da mão-de-obra nesta atividade,

além de estimular a participação das crianças na colheita, pois é uma oportunidade de

realizar brincadeiras durante o serviço. O plantio misturado do sistema extensivo

dificulta a atividade, pois não há direção definida. O controle de invasoras é a atividade

que mais utiliza mão-de-obra, seja qual for o sistema. O que utiliza menos mão-de-obra

é o preparo de área, entretanto não esqueçamos que estamos tratando de vegetação

secundária (capoeira).

Page 14: Mao de Obra Producao Familiar

14

FIGURA 4: DISTRIBUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA ENTRE OS SISTEMAS EXTENSIVO E INTENSIFICADO.

Fonte: Costa, McGrath, no prelo.

Os resultados da primeira etapa da proposta de inovações, ainda não foram

satisfatórios para todos. Obviamente que essas considerações são de ordem geral,

ocorrendo particularmente uma situação extrema, onde a produtividade em nível de

propriedade foi igual ou superior à da roça experimental, conseqüência de interações

entre fatores ambientais e sócio-econômicos favoráveis na propriedade e/ou pelo

próprio nível de conhecimento relativo do produtor. Em termos de mão-de-obra, os

sistemas tiveram resultados diferentes no investimento de trabalho. O sistema

intensificado, mesmo introduzindo novas técnicas, não causou aumento de diárias, pelo

contrário, acabou reduzindo o número de diárias totais, pois as inovações causaram

efeitos positivos sobre algumas atividades, como na última capina e na colheita de arroz

e milho.

5. Considerações finais

Longe de ser uma categoria em extinção, a organização camponesa tem definido

a racionalidade para o uso dos recursos, principalmente nos locais que apresentam

evidentes sinais de escassez, incorporando, quando necessário, inovações que garantem

sua manutenção e reprodução. A produtividade da mão-de-obra e a possibilidade de

novas alternativas que mantenham suas famílias no campo com maior qualidade de vida

1 0

7

1 3

1 7

1 3

9

1 6

5

5

5

1 5

1 0

5

7

1 0

1 7

1 1

1 7

7

6

6

1 5

0 5 1 0 1 5 2 0 2 5 3 0 3 5

C o l h e i t a d e m a n d i o c a

C o l h e i t a d e m i l h o

C o l h e i t a d e a r r o z

Cap ina 3

Cap ina 2

Cap ina 1

P l a n t i o d e m a n d i o c a

P l a n t i o d e m i l h o

P l a n t i o d e a r r o z

C o i v a r a

B r o c a / d e r r u b a

S i s t e m a E x t e n s i v o

S i s t e m a I n t e n s i f i c a d o

Page 15: Mao de Obra Producao Familiar

15

foram os elementos que estimularam os pequenos produtores da comunidade de Nazaré

a introduzirem mudanças no sistema produtivo tradicional. Com base nos resultados

obtidos por família, nosso estudo procurou avaliar a distribuição da mão-de-obra no

sistema agrícola tradicional e comparar o tempo investido em cada atividade agrícola

entre o sistema extensivo e o intensificado, promovido pelo Projeto Agricultura

(IPAM). Entre os sistemas, não houve diferenças significativas no número de diárias,

porém, no conjunto de atividades agrícolas, nota-se um melhor rendimento de mão-de-

obra no sistema intensificado. Até o momento, o Projeto Agricultura tem influenciado

as práticas agrícolas nos cultivos de subsistência, sendo que este melhor rendimento de

mão-de-obra no sistema intensificado apresenta indícios de futura alocação de mão-de-

obra em cultivos perenes e semiperenes.

Quanto à aceitação do novo sistema pelos pequenos produtores, as mulheres

apresentaram mais resistência às mudanças, principalmente em relação ao uso da

enxada na capina. As mulheres continuam utilizando o “ferro”, instrumento

tradicionalmente empregado na limpeza das roças. As técnicas adotadas no modo de

plantio tradicional permitem maior praticidade no uso deste instrumento se comparado à

enxada. A adoção da enxada está diretamente relacionada com mudanças nas técnicas

de plantio. Como as mulheres pouco estiveram presentes aos treinamentos, elas

apresentaram maior dificuldade de adaptação e, conseqüentemente, maior resistência

em aceitar o uso da enxada. Os homens treinados aprenderam a estruturar o instrumento

para a atividade de capina e adquiriram prática para trabalhar com o mesmo. Após a

experimentação e utilização da enxada nas atividades de limpeza de roçado, os homens

não querem mais trabalhar com o ferro.

Deve ser ressaltado que os treinamentos, assim como as avaliações públicas do

projeto denominadas “dias de campo”, têm maior participação dos homens. Apesar das

Page 16: Mao de Obra Producao Familiar

16

mulheres serem convidadas a participar, a lógica do casal é o homem comparecer às

reuniões/treinamentos enquanto que a mulher permanece no âmbito doméstico

administrando as atividades da casa e da roça durante a ausência do marido. Por ocasião

dos eventos em que participam ambos, como é o marido quem está mais diretamente

envolvido, é ele quem mais se manifesta e opina. Desse modo, é a mulher quem fica

encarregada de manter a continuidade das atividades tradicionais durante o processo de

adoção das novas técnicas pelos homens.

Particularmente em relação ao uso da enxada, a análise sobre a distribuição de

mão-de-obra nas atividades tradicionais indica que a mulher é quem mais emprega mão-

de-obra na capina, porém o treinamento para introduzir o uso da enxada na capina teve

participação apenas dos homens. Devido não participarem diretamente do processo de

adoção de tecnologias, as mulheres não conseguem identificar os benefícios concretos

dos projetos de desenvolvimento para melhorar a qualidade de vida da família e passam

a perceber os projetos como vilões que apenas aumentam a penosidade do trabalho

individual. Tanto no sistema extensivo quanto no período de adoção do sistema

intensificado, a carga horária de trabalho das mulheres é maior que a carga horária dos

homens. Os homens estão sendo integrados mais rapidamente ao processo de

desenvolvimento, enquanto que as mulheres asseguram a continuidade do sistema de

produção tradicional.

6. Referências bibliográficas

BOSERUP, E. Evolução agrária e pressão demográfica. São Paulo: Hucitec, 1987.

CAYRES, G.M.V. Nazarenos e Marias do rio Capim: análise de gênero em uma

comunidade amazônica. Belém: NAEA/UFPA, 1999. Dissertação de Mestrado.

CHAYANOV, A.V. On the theory of peasant economy. Illinois, 1966.

Page 17: Mao de Obra Producao Familiar

17

CHAYANOV, A.V. La familia campesina y la influencia de su desarrollo en la

actividad económica. In: La organización de la unidad económica campesina.

Buenos Aires: Nueva Visión, 1974. p.47-67.

COSTA, R.G., MCGRATH, D.G. Inovações tecnológicas no sistema agrícola

tradicional: a experiência dos pequenos produtores do médio rio Capim,

Paragominas-PA. Belém: IPAM, no prelo.

FEARNSIDE, P.M. Deforestation in Brazilian Amazonia: the effect of population and

land tenure. Ambio. v.22, n.8, 1993. p.537-545.

HOMMA, A.K.O. Extrativismo vegetal na Amazônia: limites e oportunidades. Brasília:

EMBRAPA/SPI, 1993.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Diagnóstico

ambiental da Amazônia Legal. Compact disc. Rio de Janeiro: IBGE, 1997.

IDESP – INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DO

PARÁ. Município de Paragominas. Belém: IDESP/Coordenadoria de Estatística

Estadual/Coleta e Tratamento de Dados, 1996.

IPAM – INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA. Levantamento

de dados na região do rio Capim. 1998. Não publicado.

KITAMURA, P.C. Agricultura migratória na Amazônia: um sistema de produção

viável? Belém: EMBRAPA/CPATU, 1982. (EMBRAPA/CPATU, Documentos, 12).

PETER, H., POATS, S., WALECKA, L. Introdução à pesquisa e extensão de sistemas

agrícolas. Colorado: Lynne Rienner Publishers, 1985.

PORTO, M.S.G., SIQUEIRA, D.E. A pequena produção no Brasil: entre os conceitos

técnicos e as categorias empíricas. Cadernos de Sociologia.v.6. Porto Alegre: UFRS,

1994. p.76-88.