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Mãos que modelam o barro e preservam a cultura Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1077 Setembro/2013 Angelim Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, a fabricação do artesanato em barro é uma atividade expressiva para a cultura popular. Trata-se de um estilo de arte antigo e que está presente também nos costumes indígenas. Em Pernambuco, muitas cidades são destaques na realização deste trabalho. Hoje, o Alto do Moura, localizado no município de Caruaru, é considerado o maior Centro de Artes Figurativas das Américas. Neste bairro, viveu Vitalino Pereira da Silva, mais conhecido como Mestre Vitalino, um famoso oleiro que retratou os costumes do povo nordestino com a modelagem da argila. No Estado, ainda há Goiana, considerada a terra do barro, e Tracunhaém, cidade conhecida como polo cerâmico. Se por um lado essas cidades são referências quando o assunto é artesanato em barro, por outro há aqueles municípios que, embora não tenham um grande número de artesãos, também contribuem para a preservação desta cultura. É o caso de Angelim, mais precisamente na comunidade Poço do Boi. Lá, vivem seu Sebastião Silvestre da Silva, 75, e a esposa, dona Neci Luzia da Silva, 66. Ao todo, o casal teve 16 filhos. Os dois, que também são agricultores, se destacam também pelas peças de barro que produzem na própria casa, um ofício que já dura mais de 50 anos. São organizados e sabem dividir o tempo com a criação de animais, a lavoura e o artesanato. A comunidade já chegou a ter mais de dez famílias artesãs, mas hoje é o casal que é responsável por continuar a tradição. Ele conta que tudo começou quando, ainda menino, observava um conhecido que trabalhava com o barro. “Aprendi a fazer uma jarrinha pequena e hoje faço recipiente com capacidade de até seis latas de água”, disse. Mas a produção familiar vai além das jarras. Na casa são fabricadas também panelas, tigelas, chaleiras, pratos, copos e a especialidade de dona Neci: objetos em miniaturas para decoração. A matéria-prima que antes era reti- Seu Sebastião ao lado da esposa, dona Neci No município de Angelim, família de agricultores é destaque na produção de artesanato em barro Miniaturas em barro produzidas por dona Neci

Mãos que modelam o barro e preservam a cultura

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Page 1: Mãos que modelam o barro e preservam a cultura

Mãos que modelam o barro e preservam a cultura

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1077

Setembro/2013

Angelim

Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, a fabricação do artesanato em barro é uma atividade expressiva para a cultura popular. Trata-se de um estilo de arte antigo e que está presente também nos costumes indígenas. Em Pernambuco, muitas cidades são destaques na realização deste trabalho. Hoje, o Alto do Moura, localizado no município de Caruaru, é considerado o maior Centro de Artes Figurativas das Américas. Neste bairro, viveu Vitalino Pereira da Silva, mais conhecido como Mestre Vitalino, um famoso oleiro que retratou os costumes do povo nordestino com a modelagem da argila. No Estado, ainda há Goiana, considerada a terra do barro, e Tracunhaém, cidade conhecida como polo cerâmico.

Se por um lado essas cidades são referências quando o assunto é artesanato em barro, por outro há aqueles municípios que, embora não tenham um grande número de artesãos, também contribuem para a preservação desta cultura. É o caso de Angelim, mais precisamente na comunidade Poço do Boi. Lá, vivem seu Sebastião Silvestre da Silva, 75, e a esposa, dona Neci Luzia da Silva, 66. Ao todo, o casal teve 16 filhos. Os dois, que também são agricultores, se destacam também pelas peças de barro que produzem na própria casa, um ofício que já dura

mais de 50 anos. São organizados e sabem dividir o tempo com a criação de animais, a lavoura e o artesanato. A comunidade já chegou a ter mais de dez famílias artesãs, mas hoje é o casal que é responsável por continuar a tradição.

Ele conta que tudo começou quando, ainda menino, observava um conhecido que trabalhava com o barro. “Aprendi a fazer uma jarrinha pequena e hoje faço recipiente com capacidade de até seis latas de água”, disse. Mas a produção familiar vai além das jarras. Na casa são fabricadas também panelas, tigelas, chaleiras, pratos, copos e a especialidade de dona Neci: objetos em miniaturas para decoração. A matéria-prima que antes era reti-

Seu Sebastião ao lado da esposa, dona Neci

No município de Angelim, família de agricultores é destaque na produção de artesanato em barro

Miniaturas em barro produzidas por dona Neci

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Pernambuco

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rada da própria comunidade, hoje, vem de Aroeira, também localizada naquela cidade.

Segundo seu Sebastião, não há como dizer ao certo quantas peças são fabricadas por mês, pois o número varia de acordo com as condições climáticas. Ele explica que durante o inverno, o serviço pode atrasar, pois o frio e a chuva contribuem para que o barro demore a secar, mas quando é verão, o artesão estima um número entre 100 e 120 j a r r a s p r o d u z i d a s . “ P a s s a , aproximadamente, uma semana para secar e quando o tempo está nublado, esse período pode chegar a um mês”, afirmou. As peças são comercializadas em vários lugares da região. “Algumas pessoas vêm comprar aqui na minha casa, mas eu também comercializo nas cidades de Canhotinho, Garanhuns e Vitória de Santo Antão”, contou.

O agricultor acredita que é a busca por hábitos mais saudáveis que está motivando as pessoas a procurarem artigos e utensílios de cozinha feitos de barro. “Muitas pessoas estão comprando nossas panelas, porque além da comida ficar mais gostosa, elas não são como as outras que, com o passar do tempo e o uso, soltam o alumínio, fazendo com que a saúde seja prejudicada mais tarde”, argumentou. No entanto, se o artesanato traz benefícios para quem compra as peças, em contrapartida, traz também para quem produz e dona Neci sabe disso muito bem. Ela conta que foi orientada pelo próprio médico a continuar trabalhando com o ofício. Junto com o esposo, ela trabalha todos os dias com a exceção apenas do domingo.

Dona Neci é forte e não se acomoda naquilo que sabe, está sempre em busca do aperfeiçoamento. Para isso, ela assiste aos programas de televisão em busca de novas ideias para compor o estoque de peças. É observadora aos detalhes e caprichosa na hora da modelagem da argila. “Aquele barro representa a vida. Se eu passar um dia sem trabalhar com ele, eu adoeço. Não penso em parar de jeito nenhum, só quando eu não tiver condições mesmo”, afirmou. Sempre bem humorado, seu Sebastião é rápido na resposta quando o assunto é encerrar a carreira de artesão. “Penso em parar, porque quando envelhecemos precisamos ter repouso. Por isso, quando eu completar 200 anos, então é a hora certa para deixar de trabalhar

com o artesanato’’, brincou. Dona Neci, que também faz réplicas

do famoso Trio de Pífano, retratado pelo Mestre Vitalino, conta que tem vontade de visitar o Alto do Moura, a fim de conhecer os trabalhos de pessoas que são referências nesta arte. A família agora se prepara para receber uma cisterna-calçadão através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), uma ação da Articulação do Semiárido (ASA), e que a Cáritas Brasileira Regional Nordeste 2 executa naquela região. A implementação, que capta água da chuva, tem capacidade para armazenar 52 mil litros e tem mudado a vida de agricultoras e agricultores.

As peças de barro são comercializadas em várias cidades do Estado

No verão, a produção, apenas de jarras, pode chegar a 120 no mês