Máquina de Curar_ana Lopes

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  • MQUINA DE CURAR

    evoluo do edifcio monumental ao edifcio do Movimento Moderno

    Ana Miguel Maia do Vale Alves Lopes

    Dissertao de Mestrado Integrado em Arquitectura sob a orientao do Professor Doutor Antnio Manuel Portovedo Lousa

    Departamento de Arquitectura da FCTUC Coimbra, Junho de 2011

  • MQUINA DE CURAR

    evoluo do edifcio monumental ao edifcio do Movimento Moderno

    1

  • A aqueles que, absorvidos agora pelo problema da mquina de curar declaravam: a arquitectura servir, eu respondo: a arquitectura emocionar, curar! (Le Corbusir in Vers une architecture _ adaptao)

    2

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus Pais e Irms, pelo carinho e apoio incondicionais,

    ao arquitecto Antnio Lousa, pela disponibilidade e ateno que me dedicou,

    ao arquitecto Carlos Martins, que foi pea fundamental na minha formao,

    ao dArq e aos Amigos que nele fiz,

    aos que sempre presentes, me apoiaram nesta etapa final

    e por fim, a todos os que de maneira especial me enchem o corao e me fazem sorrir,

    muito obrigada!

    3

  • 4

  • SUMRIO

    1 . Introduo _7 2 . O Hospital _13 2.1 Hospital como expresso institucional da caridade Crist _ idade mdia _15 2.2 Metodologias de projectao hospitalar _ sculo XVIII e primeira metade do sculo XIX _19 2.3 Evoluo do sistema hospitalar _ sculo XIX e primeira metade do sculo XX _29 2.4 Planeamento hospitalar _ sculo XX _35 3 . O Edifcio e a Mquina _63 3.1 Linguagem de Revoluo Industrial _65 3.2 A esttica da era da mquina e o Movimento Moderno _71 3.3 Edifco-mquina _83 3.4 Mquina de curar _89 4 . As Mquinas de Curar _95 4.1 Hospital de Santo Antnio, Porto _103 4.2 Hospital do Colgio das Artes, Coimbra _117 4.3 Sanatrio Martimo do Norte, Valadares _127 4.4 Hospital Distrital de Viana do Castelo, Viana do Castelo _135 4.5 Hospital Central da Universidade de Coimbra, Coimbra _145 4.6 Hospital Sarah Kubitschek, Braslia _153 5 . Concluso _165 6 . Bibliografia _181 7 . Fontes de imagens _191 8 . Anexos _199

    5

  • 6

  • Introduo

    INTRODUO

    A presente dissertao surge com o intuito de desenvolver e esclarecer o

    conceito de mquina de curar, tendo em conta que um hospital no seu entender de

    mquina no pode apenas servir como invlucro, tem tambm que contribuir para o

    funcionamento deste e ser parte integrante do processo de cura, da maneira mais

    funcional possvel. Atravs da exposio de alguns exemplos procura-se, deste modo, o

    modelo para a mquina de curar. Com os diferentes tipos de edifcio apresentados

    pretende-se esclarecer: a evoluo da forma e do tipo adoptado no desenho dos

    hospitais, a evoluo da maneira de projectar um edifcio hospitalar e as suas causas,

    assim como se pretende mostrar que a realizao de um projecto de arquitectura

    hospitalar requer to exigentes cuidados e estudos prvios.

    De forma a melhor compreender o passado destas edificaes e os aspectos a ter

    em conta quando se projecta um complexo hospitalar, julgou-se necessrio conhecer a

    histria das instituies hospitalares1. No entanto, este trabalho restringe-se ao contexto

    portugus, explicado no primeiro captulo, atravs da descrio das metodologias de

    projectao hospitalar, da evoluo do sistema e do planeamento propriamente dito.

    Segundo Mies van der Rohe a tarefa do arquitecto , em essncia, libertar a

    prtica da construo do controlo dos especuladores estticos e, manifestando-se

    contrrio a qualquer formalismo, defende que, a arquitectura nada tem a ver com a

    inveno das formas. O ponto de partida para o tema desta dissertao foi exactamente

    este, quando, ao reflectir sobre a forma e a funo de determinados edifcios, surgiram

    dvidas relativamente importncia da forma na arquitectura. A adaptao de funes

    a antigas formas vem desenrolar uma linha de pensamento que contraria o pressuposto

    1 Ver anexo I Histria da Arquitectura dos edifcios hospitalares.

    7

  • 8

  • Introduo

    de que a forma deveria seguir a funo. Este pensamento remeteu para o Colgio das

    Artes, enquanto edifcio hospitalar adaptado a um tipo de planta regular quadrada.

    Com o desenrolar da pesquisa para a dissertao e ao solidificar as ideias que foram

    surgindo ao longo do ltimo ano, tornou-se claro restringir o estudo sobre a forma, a

    funo e a vivncia espacial do edifcio tipologia hospitalar.

    A maneira como o hospital evoluiu desde as suas to regulares, fortes e

    imponentes construes at s dinmicas, esclarecedoras e em alguns casos at subtis

    solues, que hoje so adoptadas, tema de observao central neste trabalho. O que

    levou a esta evoluo das edificaes hospitalares foi, sem dvida, a melhoria das

    condies de sade aliadas a uma, tambm crescente, relao entre medicina e

    arquitectura. A funo especfica do edifcio, o seu complexo programa e as

    preocupaes que um projecto deste tipo implicam, a par com o processo evolutivo da

    medicina, so a causa da diversidade de tipos de edificao hospitalar. Lentamente, a

    associao da imagem do hospital melhoria ou recuperao das condies de sade

    tornou-se cada vez mais comum, onde, nos ltimos dois sculos, a combinao de

    descobertas cientficas em conjugao com os avanos das tcnicas mdicas

    transformaram radicalmente o conceito de hospital. Os edifcios hospitalares tornaram-

    se cada vez mais complexos, abrigando nos dias de hoje, um infinito nmero de

    unidades funcionais.

    tambm indispensvel referir que o incio da poca desta evoluo das prticas

    mdicas, coincidiu com a altura da revoluo industrial e, deste modo, faz ainda mais

    sentido falar de hospital como uma mquina. Uma grande poca comea. Um esprito

    novo existe. A indstria, exuberante como um rio que rola para seu destino, nos traz os

    novos instrumentos adaptados a esta poca nova animada de esprito novo. A lei de

    economia gere imperativamente nossos actos e nossos pensamentos.2 neste grande

    processo evolutivo que se vem reflectir acerca da nova linguagem arquitectnica, do

    Movimento Moderno, e das novas solues para os hospitais.

    2 LE CORBUSIER Vers une Architecture, p.159.

    9

  • 10

  • Introduo

    Tendo em conta que a medicina no estagnou o seu processo evolutivo, outros

    conceitos, como flexibilidade e possibilidade de expanso, tm sido associados ao

    programa das necessidades dos hospitais.

    Mquina de curar vem, portanto, esclarecer que o arquitecto tem a

    responsabilidade de projectar um edifcio que seja funcional e eficiente na sua

    operao, pois a qualidade do espao nos hospitais afecta o resultado dos cuidados

    mdicos, da mesma maneira que a arquitectura constitui uma parte importante no

    processo de cura dos pacientes.

    11

  • 12

  • O Hospital

    O HOSPITAL

    Em contexto portugus, acompanhada por uma sociedade cada vez mais

    globalizada e subjugada por um ritmo desenfreado de desenvolvimento tecnolgico e

    de mudanas, notria a grande evoluo do conceito de hospital, desde a idade mdia.

    Evoluo essa que se verifica nas funes de um hospital, instalaes, sua

    funcionalidade e at na sua administrao.

    O hospital deixa de ser um edifcio de misericrdia pblica para se tornar uma

    mquina de curar.

    Numa primeira fase, a par de uma desconfiana em relao arquitectura, seus

    mtodos e pressupostos, desenvolveu-se uma projectao autnoma, com metodologias

    prprias que visavam a compreenso dos objectivos arquitectnicos passando pelo

    conhecimento dos programas, modelos e intenes. Em determinada poca verifica-se

    que os projectos e construes fixam algumas particularidades no seu entendimento do

    territrio, da construo, da estrutura espacial proposta ou da sua relao com o corpo.

    No entanto, a mentalidade da sociedade evolui lado a lado das novas tcnicas mdicas e

    da vontade de criar novas edificaes de modo a satisfazer as necessidades do povo,

    deixando para trs a tradio de reutilizar as construes antigas.

    Neste captulo falarei dos pressupostos principais que foram importantes para o

    hospital evoluir de edificaes monumentais do passado, para edifcios do Movimento

    Moderno.

    13

  • 1. Htel-Dieu, Paris.

    14

  • O Hospital

    Hospital como expresso institucional da caridade Crist

    idade mdia

    O hospital uma criao da cristandade da alta idade mdia. Etimologicamente,

    a palavra vem do latim hospitale, lugar onde se recebem pessoas que necessitam de

    cuidados, alojamento, hospedaria; e de hospitalis, relativo a hospites ou hospes,

    hspedes ou convidados.

    Na Europa Medieval que ir ser profundamente marcada pela terrvel

    fragilidade da condio humana e pela escatologia crist3, esses hspedes eram

    originariamente qualquer pessoa que necessitasse de qualquer tipo de cuidados

    (alojamento, alimentao, abrigo, ajuda, conforto, assistncia ou tratamento), no s os

    doentes, os incapacitados, os deficientes, os velhos, os pobres e os vagabundos como

    tambm os peregrinos e os viajantes. O hospital confundia-se assim com a albergaria ou

    o hospcio (do latim hospitiu, alojamento, hospitalidade). Em geral, ficava junto s

    catedrais ou aos mosteiros, em conformidade com as instrues dos Conclios

    Ecumnicos de Niceia e de Cartago, realizados j no perodo da cristianizao do

    Imprio Romano.

    Com a progressiva cristianizao do Imprio Romano, e sobretudo com a

    transformao do cristianismo em religio de Estado por parte do Imprio Romano do

    Oriente, surgiram diferentes tipos de estabelecimentos4 com funes assistenciais, que

    pois se generalizam a toda a cristandade do Ocidente, graas ao desenvolvimento do

    monaquismo5 bem como ao movimento das cruzadas.

    3 Escatologia crist o estudo do fim das coisas, tanto o fim de uma vida individual, ao final da poca, ou o fim do mundo. A palavra escatologia derivada de duas palavras gregas que significam: passado e estudo. Em termos gerais, o estudo do destino do homem como revelado na Bblia crist. 4 Xenodochia - albergarias para os estrangeiros, os peregrinos, os viajantes e todos aqueles que, em trnsito ou viagem, necessitassem de alojamento; Nosocomia - hospitais ou enfermarias que prestavam cuidados aos doentes ou enfermos; Gerontochia - estabelecimentos geritrico ou, pelo menos, destinados ao acolhimento de idosos; Ptochia - hospcios ou albergues para os pobres; Lobotrophia - locais destinados aos leprosos ou doentes pestiferados; Orphanotrophia - orfanatos; Brephotrophia - locais destinados a receber e a criar as crianas abandonadas ou sem famlia. 5 Monaquismo, refere-se ao modo de vida (em comunidade ou solitrio) por indivduos, do sexo masculino ou feminino, que tenham escolhido exercer um ideal de perfeio ou um nvel mais elevado da experincia religiosa, afastando-se do mundo.

    15

  • 3. Htel-Dieu, Paris.

    2. Htel-Dieu, Paris.

    16

  • O Hospital

    No havia, no entanto, uma clara distino entre o cuidar dos corpos e o cuidar

    das almas. Segundo a mentalidade crist da poca, a doena, o sofrimento, a pobreza e a

    morte estavam submetidas vontade divina. A assistncia aos enfermos e aos demais

    pobres de Cristo, por sua vez, era considerada como uma virtude crist e como uma

    manifestao da Misericrdia de Deus. A caridade era ento uma espcie de certificado

    de aforro, dar aos pobres era emprestar a Deus, ou seja, quantas mais boas obras se

    amealhassem na terra, mais garantias tinha um cristo de alcanar o cu e, com ele, a

    salvao eterna. No admira, por isso, que o hospital cristo medieval fosse estruturado,

    at na sua prpria arquitectura e na sua organizao espacio-temporal, como a casa de

    Deus, um lugar onde, mais do que curar a doena, se cuida sobretudo da salvao da

    alma. Da os primitivos hospitais em Frana adoptarem a designao de Htel-Dieu,

    como o de Paris fundado no sculo XVII, considerado hoje o mais antigo dos hospitais

    existentes em todo o mundo. At ento, a medicina no constitua uma prtica

    hospitalar mas em 1680, a visita mdica ao Htel-Dieu era feita apenas uma vez por dia,

    frequncia que s iria intensificar no sculo seguinte.

    Na figura podem-se observar alguns elementos iconogrficos, como a

    arquitectura ainda Romnica, a atmosfera de recolhimento espiritual, a centralidade da

    figura de Jesus Cristo, crucificado, por cima do altar, ao fundo e em primeiro plano a

    figura do Rei, de joelhos sob um prtico, em orao, constitudo por duas colunas

    encimadas: a da esquerda pela imagem da Virgem-Me com o menino Jesus ao colo, e a

    direita, pela imagem de S. Joo Baptista.

    Tambm na estrutura do financiamento do hospital medieval patente a sua

    origem como pia causa e a natureza caritativa da sua misso. De facto, as suas receitas

    provinham exclusivamente da caridade dos ricos e o seu patrimnio original resultava

    de heranas, doadas em vida ou hora da morte, por um cristo, leigo ou religioso, que

    se sentia em dvida para com Deus. Era comum, portanto, que o essencial das receitas

    do hospital, quer em espcie quer em gneros, proviesse do seu patrimnio fundirio

    (alugueres de prdios urbanos, foros e rendas de prdios rsticos, explorao agrcola

    directa).

    17

  • 18

  • O Hospital

    Metodologias de projectao hospitalar

    sculo XVIII e primeira metade do sculo XIX

    Na primeira metade do sculo XIX as construes hospitalares ganharam

    importncia, separaram-se definitivamente os programas e modelos destas edificaes

    de todas as outras. Com o debate higienista tornou-se cada vez mais claro que o hospital

    era uma mquina de curar e no um edifcio da misericrdia pblica. Reorganizar o

    hospital, fazer dele um quadro onde cada indivduo, cada doena, possa ser isolada e

    acompanhada, ou seja dividi-lo assegurando simultaneamente a sua especializao e a

    sua difuso na cidade eram os pressupostos deste novo programa de equipamento

    urbano. Durante este meio sculo consolidaram-se profundas alteraes no mtodo de

    projectao: as transformaes sociais e culturais operadas na cultura ocidental vo

    valorizar o carcter instrumental dos equipamentos civis, na prossecuo e permanente

    avaliao da sua eficcia, tornando inoperativos os tradicionais mtodos de projectao

    que se fundavam no desenho e na composio.6

    Avaliava-se a eficcia dos equipamentos urbanos para o apuramento de

    programas, e para eleger modelos de edificao generalizveis. A definio do

    programa de um edifcio ou interveno parte de ideias consensuais relativamente aos

    aspectos fundamentais desse programa, e de ideias inovadoras estabelecidas de acordo

    com estudos especficos desenvolvidos paralelamente.7 Assim, pode considerar-se que

    um programa um elemento que procura justificar a funo e escala do equipamento,

    introduzindo ou aperfeioando questes que no estejam resolvidas nos equipamentos

    existentes e consequentemente levar a uma valorizao dos programas na determinao

    funcional e construtiva desses equipamentos.

    A configurao espacial e arquitectnica das novas construes exigia uma

    abordagem metodolgica nova. No geral, esta abordagem recusava todos os modelos

    figurativos, acadmicos. No caso especfico dos hospitais aplicavam-se os

    conhecimentos cientficos de final do sculo XVIII e XIX, na explicao dos fenmenos

    6 PROVIDNCIA, Paulo A cabana do higienista, p.14. 7 idem.

    19

  • 20

  • O Hospital

    e higiene do espao, estabeleciam-se funcionalidades que tm origem em preceitos

    administrativos, a distribuio espacial privilegiava o isolamento das unidades de

    enfermaria e a construo do projecto era feito a partir das unidades pavilhonares pr-

    determinadas, permitindo a sua substituio no esquema geral do projecto.

    Num primeiro momento de resistncia e desconfiana em relao arquitectura,

    desenvolve-se um gosto por construes de tbua rasa, o carcter efmero das

    construes.8 Estabiliza-se ento uma linguagem e privilegia-se claramente a

    organizao funcional e o esprito de sistema da construo. este esprito de sistema,

    de mquina, que levou a uma discusso relacionada com os aspectos construtivos:

    ventilao, saneamento e acessibilidade. Do territrio ao corpo tudo ser objecto de

    uma cincia de higienizao.

    Com o Tratado da Conservao da Sade dos Povos, publicado em 1756 por

    Ribeiro Sanches, instaurada a sade como coisa poltica, de grande importncia para

    os governantes e magistrados visto que pertencia a estes o papel de conservarem a

    salubridade dos quatro Elementos assim como lhes competia a criao de todos os

    meios para a Conservao da Sade dos seus Povos. Neste tratado so explanados os

    princpios qumicos do Ar, e os princpios fsicos das correntes trmicas, formando os

    Ventos; deste ponto passa-se considerao das implicaes topogrficas sobre os

    elementos, tornando-se evidente que a estagnao um princpio de podrido, e que o

    movimento dos fluidos o princpio da sua salubridade; o texto estende-se na aplicao

    destes princpios ao espao urbano, aos portos, etc. Um lugar especial reservado s

    Igrejas, Conventos, Hospitais, Prises, Casernas e Acampamentos Militares, e sade dos

    marinheiros e Navios, com indicaes prticas sobre ventilao e desinfeco.9

    A organizao do conhecimento, partindo do conhecimento experimental dos

    fenmenos fsicos e qumicos, permitiu a sua aplicao prtica no campo da medicina

    poltica. O discurso contou com uma descrio e opinio mdica, procurando criar uma

    legislao que criasse as bases de uma higiene pblica. Esta lgica topogrfica, ordenada

    8 PROVIDNCIA, Paulo A cabana do higienista, p.15. 9 ibidem, p.19.

    21

  • 4. John Carr _ por William Beechey.

    5. Hospital de So Joo Marcos, Braga. 6. Convento de Santo Anto, Lisboa.

    22

  • O Hospital

    por uma observao, descrio e explicao dos fenmenos, tem analogias com a clnica

    mdica, onde a observao, descrio e registo dos sintomas, na classificao da doena,

    seguem a mesma ordem. dentro desta lgica que seriam feitas as propostas de

    localizao dos equipamentos na cidade, o traado urbano, a escolha dos locais para a

    criao de uma cidade nova e a forma de corrigir situaes topogrficas higienicamente

    desfavorveis em cidades j existentes.

    O trao metodolgico fundamental de arquitectos e engenheiros militares seria

    talvez o domnio das representaes cartogrficas, o consequente poder na definio

    das infra-estruturas virias, alinhamentos e definio do espao urbano, vindos da

    formao da engenharia militar, j que a convico em procedimentos construtivos e a

    utilizao do desenho e traado geomtrico eram comuns a ambas as corporaes. S,

    mais tarde que a engenharia viria a adquirir as ferramentas analticas e de clculo

    fundamentais na sua abordagem metodolgica.

    Ao contrrio do que se passa em Frana no ltimo quartel do sc. XVIII, em

    Portugal no existir a desconfiana no desenho dos equipamentos urbanos pelos

    arquitectos civis em favor de um corpo de engenharia de pontes e caladas estatal; essa

    distino far-se- j na 1 metade do sc. XIX, eventualmente com a academizao do

    ensino da arquitectura e uma prtica pouco interveniente nos processos de transformao

    radicais a que se assiste.10

    O principal conjunto de construes hospitalares do final do sculo XVII teve

    autores com uma formao muito heterognea. John Carr11, um especialista em

    construes hospitalares estrangeiro, foi convidado a desenhar o plano do Hospital de

    Santo Antnio no Porto em 1779, ao mesmo tempo que se assistia tambm ao recurso a

    um arquitecto local, Manuel Pinto Vilalobos12, para o projecto do Hospital de So Joo

    Marcos em Braga, ou Caetano Toms de Sousa13 autor dos desenhos de transformao

    10 PROVIDNCIA, Paulo A cabana do higienista, p.21. 11 1723-1807, arquitecto. John Carr natural de Yorkshire, Inglaterra. 12 1660-1734, engenheiro e arquitecto militar. Manuel Pinto de Vilalobos natural de Viana da Foz do Lima, Portugal. formao na Aula de Fortificao da Ribeira das Naus, em Lisboa, onde foi aluno de Francisco Pimentel. 13 1700-1770, arquitecto. Caetano Toms de Sousa trabalhou em Mafra e o autor do Palcio, Convento e Igreja das Necessidades (1745).

    23

  • 7. Colgio de Jesus e Colgio das Artes, Coimbra, sculos XVI a XVIII.

    24

  • O Hospital

    do convento de Santo Anto de Lisboa em Hospital Real de So Jos, ou ainda

    Guilherme Elsden14 que tendo participado no aqueduto das guas livres de Lisboa, viria

    projectar por ordem do Marqus a remodelao do Convento de Jesus de Coimbra, em

    1772, no programa de reformas da Universidade. Estes quatro exemplos viriam a ser as

    grandes infra-estruturas hospitalares da primeira metade do sculo XIX.

    No Porto, evidente o carcter institucional da construo mas menos evidente

    em Coimbra pois trata-se de uma adaptao de um Colgio Jesutico. O Hospital de

    Santo Antnio tem um grande significado urbano, foi construdo numa zona de

    expanso urbana fora das muralhas da cidade medieval, onde estariam j localizados

    alguns hospitais por razes de proteco dos habitantes, e a lgica de implantao

    seguiu os novos traados, com a expanso do espao urbano a fazer-se para poente

    (Torre dos Clrigos e Rua de Cedofeita, posteriormente), sobre os Jardins da Cordoaria,

    procurando neste caso os melhores ares.

    No caso de Coimbra, ainda que condicionado pelas estruturas urbanas pr-

    existentes onde se inseriam os Colgios anexados e destinados nova finalidade, viriam

    a ser feitas correces pontuais na envolvente, dada a diferena de escala fundamental

    entre os dois equipamentos, j que o Hospital da Conceio no Colgio de Jesus seria

    um pequeno Hospital Universitrio, onde a componente fundamental era porventura o

    conjunto de infra-estruturas necessrias para a docncia e investigao dos cursos

    Mdico e de Filosofia Natural.

    A formao de construtores, arquitectos e engenheiros passou ento a ser ponto

    fundamental para o desenvolvimento da capacidade projectual. O alargamento da

    actividade projectual num vasto territrio, consubstancia-se em inmeros pareceres e

    obras, e revelam de um papel primordial de defesa do interesse Real no domnio

    territorial; a este facto no ser alheia uma formao em que para alm da topografia, se

    exercitava as tcnicas de descrio.15

    14 sc. XVIII. Militar e engenheiro de origem anglo-germnica,. 15 PROVIDNCIA, Paulo A cabana do higienista, p.23.

    25

  • 8. Aqueduto das guas Livres, Lisboa.

    26

  • O Hospital

    Os processos de formao dos tcnicos nas obras no era uniforme, tendo sido

    fundamental na formao da identidade dos engenheiros militares a Aula de

    Fortificao de Lisboa, primeiro com Serro Pimentel e, posteriormente, com Azevedo

    Fortes. A prtica da arquitectura, com um sentido mais emprico, seria feita pela

    graduao de tcnicos nas grandes obras pblicas (Mafra, Aqueduto), pelo estudo na

    Aula do Risco ou pela proteco ilustrada de autoridades.

    A obra do Aqueduto das guas Livres parece ser um exemplo claro dos processos

    de atribuio e autoria de obra, num momento de transio entre uma engenharia

    iluminada e uma prtica construtiva emprica.16 O desenvolvimento da capacidade

    projectual e terica dos engenheiros militares, foi claramente uma consequncia da

    personalidade de Azevedo Fortes17 na direco da Aula de Fortificao.

    Os papis atribuveis vo variando; sendo claro que o projecto de arquitectura

    passar pela apropriao dos instrumentos de representao grfica, na 1 metade do sc.

    XVIII, acompanhando o que j se havia processado com a engenharia e arquitectura

    militares.18

    16 PROVIDNCIA, Paulo A cabana do higienista, p.25. 17 1660-1749, engenheiro militar portugus. Manuel de Azevedo Fortes professor da cadeira de Matemtica na Academia Militar da Fortificao portuguesa em 1695 e, posteriormente, engenheiro-mor do Reino. 18 PROVIDNCIA, Paulo, op. cit., p.26.

    27

  • 28

  • O Hospital

    Evoluo do sistema hospitalar

    sculo XIX e primeira metade do sculo XX

    Na viragem do sculo XIX para o sculo XX, surge uma nova linguagem

    pragmtica e auto-referencial, que se torna transversal ao discurso arquitectnico do

    sculo XX. Esta nova linguagem proveniente da revoluo industrial, assente em ideias

    de padronizao, simplificao, modulao e abstraco, configurando a base essencial

    de conceitos e princpios projectuais da Arquitectura Moderna.

    Durante todo o sculo XIX os hospitais continuaram vocacionados para a sua

    funo primordial, a de acolhimento dos doentes pobres. Na realidade, o liberalismo

    no trouxe grandes novidades em termos de organizao e funcionamento hospitalar

    que continuou, em grande parte e at 1974, nas mos das misericrdias ou de confrarias

    menores, mas neste caso com acesso reservado aos seus membros. De facto, a rede

    hospitalar continuou, no essencial, sob a administrao de instituies privadas e em

    particular das Misericrdias, fora da tutela do Estado, no obstante as leis de

    desamortizao de 1866, cuja aplicao ter afectado seriamente o seu patrimnio. Em

    contrapartida, o triunfo do liberalismo veio modificar a composio das elites locais e,

    por conseguinte, a prpria composio dos corpos sociais das misericrdias. Inclusive,

    fundaram-se novas misericrdias, entre finais do sculo XIX e as primeiras dcadas do

    sculo XX, nomeadamente na regio a norte do Mondego.

    Nas vilas e cidades do Reino, sob o impulso da Regenerao19, houve contudo

    uma renovao dos equipamentos sanitrios das misericrdias, cuja extenso est, no

    entanto, por documentar e avaliar, na ausncia de estudos monogrficos sobre a maior

    parte destas Confrarias. Foram construdos novos hospitais, j de acordo com os

    padres de higiene da poca, embora obedecendo s exigncias de uma arquitectura

    funcional e de uma construo de baixo custo, o que perceptvel no Hospital de

    19 Regenerao a designao dada ao perodo da Monarquia Constitucional portuguesa que se seguiu insurreio militar de 1 de Maio de 1851 que levou queda de Costa Cabral e dos governos de inspirao setembrista.

    29

  • 9. Segunda Guerra Mundial.

    30

  • O Hospital

    Alcobaa Bernardino Lopes de Oliveira, hoje Hospital Distrital20. De qualquer modo as

    velhas misericrdias, descapitalizadas e em decadncia, no pareciam estar em

    condies de se abalanar a investimentos de grande vulto.

    Nesta fase contempornea deu-se a ruptura conceptual e organizacional com o

    passado, tanto do hospital cristo medieval como do hospital assistencial do sculo XIX

    e da primeira metade do sculo XX. Esta ruptura verificou-se essencialmente em quatro

    domnios: relativamente misso do hospital, pois passa-se de um objectivo hoteleiro

    para um objectivo de produo de cuidados de sade; em relao prtica profissional

    visto que de uma prtica individual se passa a uma prtica colegial, trabalho em equipa;

    em relao ao processo de produo, de uma produo artesanal ou pr-industrial, agora

    instalava-se uma produo industrial ou em massa; e por ltimo, em relao gesto,

    passa-se de um o conceito de administrao centralizada para gesto descentralizada.

    Depois da segunda Guerra Mundial, o hospital tende a tornar-se uma empresa,

    com um crescente peso da componente tecnolgica. No entanto, no se pode falar de

    uma clara ruptura em relao ao seu passado como instituio e at como organizao.

    A modificao do seu sistema tcnico de trabalho no foi necessariamente

    acompanhada de mudanas organizacionais, nomeadamente ao nvel do seu subsistema

    cultural e psicossocial. A organizao do trabalho continuou em grande parte centrada

    no acto mdico e na lgica insular do servio.

    A sua arquitectura deixa de se inspirar na Domus Dei21, para se tornar sobretudo

    funcional. A sua volumetria era cada vez maior. Na sua concepo e programao,

    colaboravam cada vez mais equipas pluridisciplinares e pluriprofissionais. A

    importncia das suas instalaes e equipamentos leva criao de uma nova funo, a

    da engenharia hospitalar. E a complexidade da sua organizao e funcionamento

    obrigava profissionalizao da sua administrao e eficiente desempenho do seu

    pessoal.

    20 Ver anexo II Hospital Bernardino Lopes de Oliveira, Alcobaa. 21 Casa de Deus.

    31

  • 10. Aula de Medicina, Alemanha. 11. Primeira radiografia.

    32

  • O Hospital

    Uma medicina hospitalar cada vez mais tecnicodependente no deixar, no

    entanto, de ter efeitos perversos, ao nvel do processo de trabalho e dos prestadores

    como do objecto de trabalho que o doente. De facto, ao acentuar a parcelarizao e a

    especializao dos cuidados, a industrializao da produo hospitalar vem aumentar a

    diferenciao e a hierarquizao dos prestadores e, eventualmente, agravar a

    despersonalizao e a desumanizao do doente.22 Por outro lado, no bvio que o

    hospital toutes classes, o hospital aberto a todos os grupos da populao,

    independentemente da sua condio socioeconmica, garantisse a igualdade no acesso

    aos cuidados de sade. A organizao hospitalar e a prpria prtica mdica viriam a

    ser profundamente alteradas com as Revolues Cientficas e Tcnicas.

    Depois da segunda Guerra Mundial, tornaram-se mais evidentes os avanos

    cientficos e tcnicos nos mais diversos domnios disciplinares da medicina, que so

    aplicados mais rapidamente do que no perodo anterior. Em contrapartida, acentuou-se

    a espiral tecnolgica no hospital, com a multiplicao das especialidades mdicas e, por

    arrastamento, paramdicas, a total institution que era o hospital de ontem, deu ento

    lugar a um mundo de batas brancas e de tecnologias de ponta, assptico mas

    desumanizado. As novas disciplinas e especialidades participavam na actividade

    mdico-hospitalar, pondo em causa a tradicional unidade do acto mdico e

    transformando a natureza da relao mdico-doente. Por outro lado, o plateau tcnico

    mdico, em relao hotelaria, estima-se que tenha crescido imenso. Nos grandes

    hospitais desta poca a superfcie consagrada parte hoteleira propriamente dita

    atingir um tero, enquanto o restante est ligado ao plateau technique mdicale, ao

    sistema de produo de cuidados de sade, dos servios clnicos aos servios de apoio.

    Antes da segunda Guerra Mundial, a parte hoteleira do hospital podia representar cerca

    de 80% da superfcie de construo. O contraste entre um hospital central de h cem

    anos e de um hospital moderno, do ponto de vista da tecnologia de engenharia

    abismal.

    22 LISBOA, Teresinha Covas Breve Histria dos Hospitais.

    33

  • 34

  • O Hospital

    Planeamento hospitalar

    sculo XX

    A par com uma crescente evoluo na medicina, foi no sculo XX que se

    verificou a tomada de certas medidas legislativas, regulamentares e de planeamento

    para uma reorganizao hospitalar com vista a uma equilibrada cobertura do pas em

    matria de edifcios, de pessoal a todos os nveis, de equipamento, financiamento e

    gesto.

    O planeamento hospitalar est directamente ligado orgnica social e

    econmica de um pas, pois em cada caso nacional h que se estabelecer um esquema

    compatvel. As relaes de um planeamento hospitalar so muito mais importantes com

    uma assimetria ou simetria demogrfica, com um equipamento industrial localizado,

    com uma rede de comunicao, com a estrutura da prpria sociedade e com as suas

    potencialidades econmicas do que, por exemplo, com tcnicas mdicas. Pois estas so,

    em regra, idnticas em todo o mundo, enquanto que as potencialidades econmicas so

    variveis de nao para nao. No entanto, h princpios geralmente aceites na tcnica

    mdica que influenciam, a determinado escalo, o planeamento hospitalar - os campos

    de aco da medicina.

    O moderno conceito de medicina transborda as preocupaes puramente

    curativas das geraes que nos antecederam. A medicina hoje uma preocupao bsica

    de qualquer sociedade evoluda. So os problemas de alimentao, de preveno contra a

    doena, de cura fsica e mental, do reingresso na sociedade, de readaptao a novas

    tarefas; em suma, o bem-estar scio-econmico, em todas as suas dimenses, no

    estranho a este desiderato.23

    A medicina, entendida como cincia que salvaguarda a sade do homem, como

    protectora desta e mantenedora de um estgio sanitrio de elevado valor, implicava com

    todos os ramos de actividade. O homem moderno no sobrevive se a sade no for

    entendida na sua verdadeira e total dimenso.

    23 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.14.

    35

  • 36

  • O Hospital

    A populao mundial que no sculo XX atingia taxas de crescimento

    verdadeiramente alarmantes, requer uma equilibrada e complexa cobertura sanitria,

    entendendo-se esta no apenas nas relaes imediatas com a doena mas, e sobretudo,

    em relao a um completo apoio a toda e qualquer actividade humana.

    Verifica-se uma tendncia que, sem sombra de dvida, veio influenciar o

    planeamento hospitalar do pas, na medida em que a extenso do conceito e da tcnica

    mdica comeavam a atingir todos os campos da actividade humana. Os centros de

    investigao sanitria, os ncleos de actuao directa, quer prospectiva quer

    orientadora, teriam de se conter, na cada vez mais complexa cobertura sanitria das

    populaes.

    Como se assistia a um enorme crescimento demogrfico, as consequncias dessa

    progresso assustadora foram rapidamente palpveis a uma escala, ainda que

    excepcionalmente reduzida. Nas cidades superpovoadas, as estradas e ruas foram

    invadidas por um nmero sempre crescente de veculos; os sectores de produo eram

    incapazes de satisfazer o consumo; era notria a invaso de todos os locais de recreio e

    lazer por essa massa, cada vez mais encorpada, de populao. No entanto, o progresso

    da cincia procurou colmatar estas falhas.

    O planeamento hospitalar de determinado territrio era fruto das polticas de

    desenvolvimento previstas, correlacionando a progresso destas com a efectiva

    realizao de programas hospitalares definidos. Tanto os programas como os edifcios

    consequentes, teriam de garantir no tempo uma evoluo inicialmente estabelecida no

    que se refere ao desenvolvimento demogrfico da parcela territorial em causa.

    O equilbrio da relao populao/instituies bsico para o pleno rendimento

    destas.24 Tornando-se assim essencial que a coordenao entre economistas,

    urbanistas, mdicos e planificadores de sade pblica se realize atravs de dados

    cientficos.

    24 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.22.

    37

  • 38

  • O Hospital

    Diz o Dr. Bridgman, a propsito de planificao e localizao de hospitais nas

    cidades: Actualmente, um leque de novos argumentos permite considerar o problema

    sob uma ptica bem diferente e podem agrupar-se em trs pontos essenciais:

    -Papel do hospital moderno e das instituies sanitrias no plano geral de sade

    pblica;

    -Novas concepes urbansticas;

    -Possibilidades de conciliar a centralizao de servios gerais e de administrao

    em paralelo com a descentralizao de instituies de sade pblica, graas a novas

    tcnicas.

    Estes trs grupos de argumentos permitem colocar o problema do urbanismo e da

    arquitectura dos estabelecimentos de cuidados mdicos sob as bases inteiramente

    diferentes.25

    As relaes indivduo-hospital comearam a fazer parte da actividade diria do

    indivduo e, como poltica geral de sade pblica, tambm verdadeira a relao

    hospital-indivduo. J no se vivia na poca em que o indivduo s procurava o hospital

    quando sentia afectadas as suas condies de sade, quando a doena se declarava.

    Agora ao prprio hospital que incumbe a prospeco dos desequilbrios sanitrios, a

    promoo de medidas para a realizao de um estado de equilbrio dinmico, social e

    psquico, que facilite a realizao dos valores da cultura.

    O hospital tornou-se num dos rgos fundamentais e vitais da organizao da

    sociedade contempornea. A sua insero no seio da sociedade e das comunidades

    indispensvel para a plena realizao dos seus objectivos mdico-sociais. Seria

    paradoxal que, numa poca em que a planificao se tornou uma cincia, a disposio

    no territrio e nas cidades das instituies de sade pblica no se tivesse em conta

    conceitos contemporneos.

    As novas concepes urbansticas adquiriram um carcter tal que tornaram a

    planificao uma cincia, e se no sculo XVIII se preconizava a instalao de hospitais

    em bairros perifricos e a de estabelecimentos de urgncia no centro das cidades, no

    25 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.22-23.

    39

  • 40

  • O Hospital

    sculo XIX desenvolveu-se a ideia da construo de hospitais fora das aglomeraes,

    onde o terreno no faltava e originando a possibilidade de solues pavilhonares (esta

    ideia no entanto em breve desapareceu uma vez que o desenvolvimento das cidades

    atingiu rapidamente essas zonas e os hospitais foram envolvidos por edifcios

    tornando-se em situaes de desequilbrio na malha urbana), j no sculo XX,

    assistimos nalguns pases a uma nova concepo, os grandes conjuntos hospitalares.

    As tcnicas de urbanismo contemporneo, tentando agrupar a sociedade em

    comunidades vivas de dimenso controlvel, viriam dar origem a esquemas de

    planeamento hospitalar totalmente diversos destes casos histricos. Estes equipamentos

    urbanos eram directamente dimensionados em funo da capacidade populacional da

    zona em questo ou seja, a disperso pelo territrio e pelas cidades das instituies de

    sade pblica dever estar em equilbrio com a repartio demogrfica planeada.26

    As tcnicas modernas de administrao tornavam possvel conciliar a

    centralizao de determinados sectores de administrao hospitalar, podendo tambm

    falar-se de centralizao do equipamento na malha urbana e na centralizao de certos

    servios no prprio equipamento hospitalar.27 Assim, fcil verificar que o hospital

    moderno se torna numa parcela de um complexo conjunto, no sendo mais uma

    unidade isolada e auto-suficiente, no meio de grandes concentraes populacionais.28

    A sociedade moderna conquistou dois termos sem os quais j no se admite a

    esquematizao de qualquer actividade de interesse comum: planeamento e

    programao. H que planear no tempo e estabelecer programas que faam cumprir o

    que foi planeado. J no era possvel actuar em termos de improviso. Todas as decises

    26 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.25. 27 No congresso da federao internacional dos hospitais 1965 em Estocolmo, foi demonstrada a viabilidade de alguns servios centralizados (ex, cozinhas, oficina de esterilizao) as esperanas mais espectaculares residem na possibilidade fantstica de ligar um conjunto de hospitais a um ordenador electrnico nico que assegura as tarefas de administrao corrente e de gesto. - BRIDGMAN apud SANCHEZ, Formosinho, idem. 28 Na organizao hospitalar do pas, estas consideraes s podero por ora ser aplicveis, como bvio, ao nvel dos hospitais centrais. Os hospitais regionais e sub-regionais, se bem que com funes diferenciadas, continuaro ainda a dispor de estruturas tradicionais, ampliadas ou reduzidas nos sectores que os modernos conceitos da medicina aconselharem. Contudo no se dever pr de parte, mesmo nestes casos, o recurso centralizao de algumas actividades, nomeadamente no que se refere administrao e gesto. , de resto, este o esprito do Estatuto Hospitalar, que no artigo 8. j estabelece: Os estabelecimentos e servios pertencentes ao Estado ou mesma instituio podem constituir grupos ou centros hospitalares com administrao central comum, - SANCHEZ, ibidem, p.25-26.

    41

  • 42

  • O Hospital

    a tomar deviam obrigatoriamente estar inseridas num esquema previamente

    estabelecido que ordenasse todo e qualquer tipo de desenvolvimento.

    O planeamento visa a coordenao de um desenvolvimento unitrio, e a

    programao possibilita a realizao efectiva dos vrios campos de interveno do

    desenvolvimento requerido. Chega-se facilmente concluso de que no possvel

    programar sem que se planeie primeiro. De igual modo, no vivel a elaborao de

    projectos de construo sem que se estabelea previamente um definido programa das

    instalaes a criar.

    Todas as actividades humanas requerem edificaes e tinha-se chegado ao ponto

    em que o urbanismo e a arquitectura tomam um lugar de primeira importncia no

    esquema activo da sociedade moderna. Estas duas cincias so, por assim dizer, o

    suporte fsico da estruturao activa da sociedade.

    A habitao, as unidades industriais, os centros de recreio e desporto, as

    instituies de sade e cultura requerem a sua sistemtica insero numa viso de

    conjunto, com um sentido unitrio do bem comum, que o planeamento deve conter e

    dimanar. o encontro do equilbrio de um sistema de foras actuantes num corpo em

    progresso.29

    Os factores que interferem no estabelecimento de um planeamento hospitalar do

    pas so mltiplos e interferem com uma infinidade de sectores, desde factores de

    planeamento em concreto, a factores que dizem respeito ao planeamento da

    organizao econmico-social do pas.

    As decises e opes a nvel governamental, que fixam e promovem a orientao

    a tomar no desenvolvimento da grande massa populacional do pas e constituem aquilo

    a que se chama a poltica governativa, so um desses factores. Iniciava-se assim uma

    abordagem do problema visto luz de implicaes territoriais e demogrficas,

    comunicaes, instituies, meios tcnicos e industriais, ensino e pessoal profissional,

    financiamento e gesto.

    29 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.30.

    43

  • 44

  • O Hospital

    Em determinado territrio, por caractersticas geogrficas relacionadas com o

    relevo, os macroclimas e a natureza dos solos, podia-se determinar grandes regies em

    que os estdios sanitrios das populaes se identificavam e podiam ser suportadas por

    uma rede de cobertura hospitalar, com caractersticas especficas.

    Um planeamento hospitalar deveria partir de estudos estatsticos e de anlise

    quanto situao geogrfica das populaes, ao meio ambiente (climtico,

    meteorolgico, natureza dos solos, radioactividade, etc.), para, em sntese, se poderem

    seleccionar aquelas parcelas que viriam a constituir zonas territoriais semelhantes. A

    cada uma corresponderia uma zona hospitalar equilibrada, com o territrio e as

    populaes que serve.30

    No se pode chegar a um planeamento hospitalar, tomando apenas em

    considerao, dados obtidos numa orgnica hospitalar deficiente apoiada em

    instituies e edifcios inadaptados s exigncias de um desenvolvimento concreto. O

    problema da sade no se circunscreve apenas ao mbito hospitalar de um pas.

    Habitaes insalubres, redes virias insuficientes e degradadas, cultivos mal ordenados,

    parque industrial disperso e descontrolado, poluio atmosfrica, entre outros, so

    outros tantos factores que podem contribuir para o desequilbrio instituies-

    populao.

    A programao veio condicionar e estabelecer dados concretos que permitiram

    o aparecimento do projecto de realizao. Importa, portanto, que o programa atinja um

    elevado grau de objectividade sem, contudo, impedir a liberdade conceptual do

    organismo. Isto , um mesmo programa pode originar vrias concepes

    arquitectnicas que satisfaam em absoluto os seus requisitos fundamentais.

    O projecto arquitectnico tornar concretas todas as intenes do programa e

    conferir, portanto, ao organismo em progresso um certo grau de realidade que o

    programa s por si no pode atingir. Por isso a margem de liberdade conceptual

    arquitectnica premissa fundamental para que um programa possa efectivamente 30 Estes estudos relacionam-se mais com o estdio sanitrio das populaes nas suas implicaes com o meio fsico e geogrfico do que com sistemas institucionais ou administrativos estabelecidos no decorrer da histria, e que nem sempre correspondem a uma situao de equilbrio e actualizada.

    45

  • 46

  • O Hospital

    provocar o aparecimento de solues de igual valor, que se encontram em permanente

    evoluo. Dada a complexidade do jogo de todas as peas que formam um projecto de

    arquitectura, o programa no impe nem sugere, portanto, uma soluo concreta.

    At que grau de desenvolvimento dever ir um programa de modo a que seja

    uma pea de trabalho, efectiva e positiva, para a equipa projectista? Para quem se dirige

    o programa? Quem deve elaborar o programa?31 Em que consiste um programa e que

    desenvolvimentos deve ter?. So algumas das perguntas que surgiram a par com o

    surgimento do planeamento e da elaborao do programa.

    A ordenao de um programa hospitalar deve comportar trs grupos

    fundamentais: dados gerais, dados especiais e dados tcnicos, tudo o que a equipa

    projectista necessita para se enquadrar e responder complexa tarefa que lhe exigida.

    A tarefa de ntima e franca colaborao exigida entre programadores e projectistas

    requer de ambos competncia nas matrias em discusso e uma qualificada

    comunicabilidade.

    O hospital comea a existir no programa e consequentemente as actividades

    futuras do hospital iriam estar permanentemente sujeitas ao imprevisto, s tcnicas de

    remediar o que no tem remdio. O investimento econmico e social realizado foi uma

    pura perda e seguiram-se-lhe outros, em tentativas antecipadamente reservadas ao

    insucesso. A responsabilidade dos programadores era enorme e real.

    No existe uma regra, um mtodo especial para projectar hospitais, nem para

    qualquer outra tipologia. No entanto, h pontos fundamentais para as decises a tomar

    e que contm, em si, grande influncia no desenvolvimento dos estudos para o projecto

    de uma unidade hospitalar.

    A tipologia hospitalar um tema socialmente responsabilizado. A equipa

    projectista deve-se consciencializar desta responsabilidade e que a sua entrega total, at

    ao esgotamento se for caso disso, ver os seus frutos numa actuao viva e humanitria

    31 Ver anexo III

    47

  • 48

  • O Hospital

    na salvaguarda da sade, na cura fsica e mental dos clinicamente atingidos, na

    reabilitao de uma unidade humana e sociedade vlida.32

    Os arquitectos portugueses no estavam familiarizados com esta tipologia, j que

    at 1946 se viveu dos velhos hospitais mal instalados em antigos conventos ou em

    construes prprias para fins hospitalares concebidas no sculo XIX e em princpios

    do sculo XX, e porque de ento para c a quase exclusividade da elaborao de

    projectos pertenceu Comisso de Construes Hospitalares. Neste momento,

    abriram-se novas perspectivas ao panorama dos edifcios hospitalares.

    Incrementa-se ento a edificao de unidades hospitalares de acentuado nvel

    tcnico e constituindo rgos de um corpo, isto , interdependentes e correlacionados e

    no instituies soltas e isoladas como at aqui. Importa que toda a mquina

    montada ou a montar, que se prope dar realizao s linhas gerias estabelecidas

    naqueles documentos, garanta em eficincia e qualidade a execuo de unidades

    orgnicas, funcional e economicamente equilibradas no quadro social do pas. Os tcnicos

    de todas as disciplinas intervenientes sero os primeiros a terem de responder a este

    programa.33 De entre eles, os arquitectos viriam a ser, sem sombra de dvida, os

    grandes obreiros da concretizao formal e espacial, da criao viva de unidades em

    funcionamento.

    Perante o Relatrio sobre as Carreiras Mdicas (1961) da Ordem dos Mdicos,

    Dr. Hugo Gomes comenta: no podem ser s os edifcios e a aparelhagem a

    produzirem a eficincia necessria e a resolverem os atrasos que verificamos, um

    hospital no uma unidade autnoma, um rgo de um corpo, integrado por um

    princpio de unidade funcional.34. Estas afirmaes vo directas ao que um projecto

    de uma unidade hospitalar, rgo integrado num corpo vivo e dinamizador de

    assistncia mdico-sanitria, um investimento scio-econmico de responsabilidade

    em presena das instituies, do indivduo, do mdico, do pessoal de enfermagem,

    tcnico, auxiliar e administrativo. Isto , um projecto de um hospital vai tornar possvel

    32 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.45. 33 ibidem, p.46. 34 GOMES, Hugo apud SANCHEZ, Formosinho, ibidem, p.47.

    49

  • 12. Florence Nightingale _ por H Lenthall.

    50

  • O Hospital

    a realizao do rgo de um corpo, praticando-se um investimento social e

    economicamente responsabilizado. No entanto Dr. Hugo Gomes afirma: De tanto

    dinheiro gasto, de tanto esforo e boa inteno, ficmos com os edifcios, no ficmos,

    nem por este meio ficaremos, com assistncia de melhor qualidade.35

    Florence Nightingale36 diz, Admite-se que o modo de construir hospitais seja

    determinado pelo que de melhor possa existir para o tratamento dos doentes.37 O doente

    uma personagem importante no hospital mas, apesar de ser natural que o doente

    procure encontrar no hospital os elementos do seu conforto mdico38, o hospital no

    um hotel.39 Assim, pressupe-se que como finalidade da instituio hospitalar

    moderna, a relao entre o doente e o pessoal o factor novo desta matria,

    sobrepondo-se ao conforto e s relaes hospital para o doente e hospital para o pessoal.

    Cabe ento ao arquitecto, o modo de solucionar em termos de espao todo o complexo

    hospitalar, o encontro do equilbrio arquitectnico que responda s relaes doente-

    pessoal.

    A anlise circunstanciada do programa dever permitir definir concretamente

    cada sector do hospital em relao com o tipo de actividade prpria e correspondente a

    um ncleo de aco. Esta apreciao dos sectores que compem um hospital permite

    situar o seu desenvolvimento especfico, isto , d uma ideia correcta do tipo ou tipos

    de actuao dominantes do rgo que se vai projectar.

    O objectivo de toda a orgnica hospitalar proteger os estados saudveis,

    atender e curar os doentes e reabilit-los para um reingresso na famlia e no trabalho, os

    edifcios onde se iro praticar estas actividades, desenvolvidas consoante a posio a

    assumir pela unidade hospitalar no conjunto da orgnica, tero de responder ao encontro

    de um estado de equilbrio entre os propsitos dinmicos do programa e os sistemas

    espaciais tornados fisicamente concretos por meio da edificao do projecto.40 O

    planeamento, o programa, o projecto, a obra e a instalao so fases independentes,

    35 GOMES, Hugo apud SANCHEZ, Formosinho - Hospitais, da organizao arquitectura, p.47. 36 1820-1910, pioneira da enfermagem. Renovadora e impulsionadora de uma viso sobre o tratamento de doentes. 37 AUROUSSEAU e CHEVERRY LHpital de Demain apud SANCHEZ, Formosinho, ibidem, p.48. 38 idem. 39 idem. 40 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.53.

    51

  • 52

  • O Hospital

    mas correlacionadas, de todo um processo de actuao humana que visa a realizao de

    uma unidade arquitectnica apta efectivao de determinada actividade. Surge ento

    um esquema de correlaes: planeamento > programa > projecto > obra > instalao >

    incio da actividade. Desta correlao em cadeia, desde o planeamento, vai depender o

    processo de desenvolvimento dos trabalhos, at entrada em actividade do prprio

    hospital, entrada esta que d inicio a um sem nmero de situaes no tempo a que o

    edifcio deve responder.

    No incio de um projecto, o programa dever ser exaustivamente analisado para

    que se esclaream todas as situaes de dvida e se permita a tomada de opes que, em

    definitivo, vo implicar com a utilizao do edifcio.

    Nesta altura existia uma tendncia para a indicao de sistemas arquitectnicos

    possveis para hospitais, como que se de receitas se tratasse ou a escolha dependesse

    apenas de uma forma. No entanto, comeava-se a tomar como mais acertado e sensato

    o tipo de trabalho que investigava as situaes de cada caso, uma vez que seriam raras

    as possibilidades de existirem dois hospitais precisamente iguais.

    Uma vez que o planeamento das unidades implica directamente com o tipo de

    actividade a exercida vou dar alguns exemplos de compartimentos hospitalares e dos

    cuidados essenciais a ter a quando a projectao de cada espao.

    O exemplo do bloco operatrio em que a relao doente-pessoal directa.

    Existem vrias equipas cirrgicas que utilizam o bloco operatrio e cada uma se

    diferencia pelo mtodo de trabalho, conduzindo a que dificilmente seja possvel

    projectar um B.O. que d satisfao a todos os sistemas ou, melhor, que d satisfao ao

    chefe desta e daquela equipa cirrgica.

    Antigamente, a rentabilidade de uma sala de operaes no era completamente

    atingida, o pessoal tcnico especializado e adstrito sala de operaes encontrava-se

    disperso e era, de certeza, em nmero muito mais elevado do que o necessrio para o

    funcionamento de bloco operatrio concentrado, as salas de operaes eram exclusivas

    de determinado cirurgio e havia o desdobramento de locais de esterilizao.

    53

  • 54

  • O Hospital

    No sculo XX, a soluo do bloco operatrio concentrado onde se renem todas

    as condies de actuao de um pessoal altamente especializado, dispendioso na sua

    formao e treino, est perfeitamente estabelecida e aceite. natural que a evoluo

    deste sector hospitalar, que exige um equipamento especializado e caro, se realiza no

    sentido de se procurar a mxima rentabilidade de cada sala de operaes, isto , que em

    cada sala de operaes seja possvel realizar por dia um nmero de intervenes que

    justifique o pessoal de enfermagem e tcnico, o equipamento e o equilbrio de

    produtividade operatria do hospital.41

    Para E. Todd Wheeler42, no seu livro Hospital Design and Funcin, possvel

    encontrar valores para a determinao do nmero de salas de operaes de um hospital.

    Para tal basta entrar em considerao com o nmero de operaes por ano e dividi-lo

    pelo resultado do produto entre os dias de operaes por ano e as operaes por sala e por

    dia.43 Dessa anlise resultaro dados positivos para a programao e para o encontro

    do equilbrio de valores, espaos suficientes para as operaes previstas. Por outro lado,

    se ao bloco operatrio forem retirados tempos de actuao ente e ps-operatrios e se

    se limitar o seu uso apenas ao tempo de interveno cirrgica propriamente dita, com o

    demorado e necessrio tempo de preparao das dependncias de uma zona de

    operaes, natural que se aumente a produtividade de uma zona de operaes. Surge a

    soluo, ento, com Hugh e John Gainsborough, em que o corredor de acesso ao bloco

    operatrio triplo, um d acesso directo ao B.O. e os outros dois passam por unidades

    de isolamento, pr e ps-operatrio, onde se preparam e recebem os doentes.

    Cada vez mais se acentuava a diviso dos doentes por locais relacionados com o

    estado de sade do doente e no com a especialidade clnica em que, eventualmente, se

    podem classificar. A tendncia em todos os sectores do hospital para a

    individualizao e no para uma colectivizao do doente.

    Noutros exemplos como a unidade de cuidados intensivos, a evoluo tcnica

    deste sector obriga a que nos estudos de projectos se admita expanso futura deixando 41 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.63. 42 1906-1987, arquitecto. E. Todd Wheeler natural de Wilmette. 43 WHEELER Hospital Design and Funcion, apud SANCHEZ, ibidem, p.64.

    55

  • 56

  • O Hospital

    em aberto locais para posterior utilizao. Nos laboratrios, por exemplo um biotrio,

    com instalaes para animais inoculados, deve ser previsto em local isolado e

    eficientemente arejado.

    As ligaes do pessoal com os sectores de Consulta, Hospitalizao, Unidade de

    Cuidados Intensivos, Bloco Operatrio, Urgncia, isto , todos os locais de permanncia

    de doente, devero ser cuidadosamente pensados no sentido de se conseguirem

    comunicaes rpidas dada a frequncia das deslocaes exigidas.44

    Nas salas de electrodiagnstico, importa que a sala reservada ao metabolismo

    seja insonorizada e dotada de presso baromtrica e temperatura constantes. Nas de

    medicina de reabilitao, a especial condio fsica dos doentes deve condicionar a

    localizao deste sector evitando-se escadas e degraus, e um certo nmero de solues

    de pormenor: altura dos interruptores, batoneiras, largura das portas, colocao

    especial dos dispositivos sanitrios, sendo tambm recomendvel generalizar-se a todo

    o hospital para que no hajam impedimentos de qualquer espcie que, sob o ponto de

    vista psicolgico, so de extrema importncia para os incapacitados fsicos e at para

    qualquer doente.

    Nos centros especializados, se para a nefrologia a complexidade reside apenas na

    aparelhagem, para outros, centro de queimados por exemplo, as instalaes j tomam

    vulto e dimensionamento de certa importncia, havendo para este centro que atender a

    trs factores essenciais: insonorizao dos locais onde se encontram os doentes, uma

    vez que no incio gemem e gritam com muita frequncia, necessidade de desodorizao

    potente, uma vez que o queimado emana odores dificilmente suportados pelo pessoal e

    previso de um ou dois quartos para hospitalizar queimados em estado de extrema

    agitao.

    Na unidade de cuidados intensivos, a superfcie por doente tem de ser muito

    elevada podendo atingir mais do dobro da necessria em unidades de hospitalizao

    normal, isto por razes de necessidade de espao em volta da cama do doente para

    permitir a disposio de aparelhagem de auxlio e do agrupamento de pessoal. A

    localizao desta unidade dever permitir um rpido e cmodo acesso de doentes 44 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.70.

    57

  • 58

  • O Hospital

    vindos do bloco operatrio e da urgncia porque, para os doentes em condies

    extremas de gravidade no so aconselhveis grandes deslocaes.

    A administrao hospitalar envolve uma gama de actividades que se relacionam

    com o pblico em geral, registo e processos de doentes, fornecedores da instituio,

    altas, contabilidade e tesouraria, pessoal, relaes pblicas, apoio a todas as actividades

    de distraco e cultura. Numa palavra, a gesto de um organismo complexo,

    paralelamente sua actividade mdica, requer um apoio administrativo complementar

    e indispensvel. At ento, tem-se visto sempre este sector ser interpretado como uma

    mais ou menos desenvolvida secretaria da instituio com funes meramente

    burocrticas e quase que alheias actividade principal do hospital.

    Est nos servios administrativos o grande apoio ao funcionamento de todo o

    hospital com a centralizao de um certo nmero de actividades que, quando

    executadas em perfeita colaborao, libertam pessoas tecnicamente preparadas, de

    tarefas e processos marginais, fazendo dedicar toda a ateno para o objectivo mximo

    da sua actividade. Uma deficiente organizao do sector administrativo pode destruir

    os esforos tcnicos de uma equipa consciente da sua misso clnica.

    Diz Paul Nelson a propsito de problemas de aco geral Aos arquitectos

    compete propor sistemas que possam beneficiar a vida do hospital.45 Por exemplo, o que

    se fez no projecto para Dinan, a no existiam as clssicas rouparias dos andares. A

    roupa tocada uma nica vez quando colocada no seu lugar de uso. O sistema consiste

    em rouparias volantes, isto , carros que recolhem a roupa na distribuio da lavandaria

    e so transportados para os andares onde aguardam o seu deslocamento at ao stio

    prprio onde feita a muda. As vantagens destas rouparias so: o menor contacto com

    a roupa, reduo de pessoal, reduo de rea para rouparia, mais eficiente controle de

    roupa em depsito. As solues fsicas dos espaos podem tambm tomar aspectos muito

    diferentes daqueles a que j nos vamos habituando por preguia em tentar, por meio do

    estudo e da investigao, outros sistemas mais eficazes.46

    45 NELSON, Paul apud SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.80. 46 SANCHEZ, Formosinho Hospitais, da organizao arquitectura, p.80.

    59

  • 60

  • O Hospital

    Teve que existir estudo e investigao porque, se assim no se fizesse, os

    hospitais de que o pas carecia com urgncia poderiam ser peas que responderiam s

    circunstncias do momento, mas no seriam capazes de suportar dez anos de

    existncia.

    Um pas, no muito provido de fundos como o nosso, no pode de vinte em

    vinte anos fazer novos hospitais deitando fora os outros. A aplicao de verbas nestes

    investimentos ter de ser cautelosamente realizada, com os olhos postos no futuro e

    deixando em aberto os crescimentos normais e infalveis de unidades arquitectnicas

    ligadas a actividades dinmicas e progressivas, como a dos hospitais.

    A responsabilidade social destas unidades no aceita hesitaes ou faltas de

    conhecimento. As hesitaes, esclarecem-se com o conhecimento e este obtm-se por

    meio do estudo e da investigao.

    Que os hospitais do futuro sejam conscientes na sua actuao no tempo.47

    47 ibidem, p.81.

    61

  • 62

  • O Edifcio e a Mquina

    O EDIFCIO E A MQUINA

    No final do sculo XIX e princpios do sculo XX verificou-se a grande

    transformao provocada pelo paulatino abandono da memise da realidade e pela busca

    de novos tipos de expresso no mundo da mquina, da geometria, da matria, da mente

    dos sonhos, com o objectivo de romper e diluir as imagens convencionais do mundo para

    promover formas totalmente inovadoras.48

    Na viragem do sculo, surge uma nova linguagem pragmtica e auto-referencial,

    que se torna transversal ao discurso arquitectnico do sculo XX. Esta nova linguagem

    proveniente da revoluo industrial, assente em ideias de padronizao, simplificao,

    modulao e abstraco, extrapola o contexto estritamente industrial e contamina

    outras tipologias, ao configurar, nas primeiras dcadas do sculo XX, a base essencial de

    conceitos e princpios projectuais da Arquitectura Moderna.

    Para se falar de mquina de curar essencial primeiro falar de revoluo, de

    esttica e linguagem do edifcio na era da mquina, de edifcio enquanto mquina e

    depois sim, remeter para a tipologia hospitalar.

    Este captulo , ento, uma explicao do processo industrial que levou ao

    surgimento do conceito do edifcio enquanto mquina de curar.

    48 MONTANER, Josep Arquitectura e crtica.

    63

  • 13. Manufactura.

    14. Mquina a Vapor.

    64

  • O Edifcio e a Mquina

    Linguagem de Revoluo Industrial

    At ao sculo XVII, a transformao das matrias-primas em objectos para uso

    humano foi um processo que sofreu poucas alteraes. A principal figura de produo

    era o arteso, e toda a concepo quer mental quer prtica deste objecto era por este

    executado. Todas as peas tinham uma identidade prpria e eram alvo de um processo

    criativo.

    Foi neste sculo que a produo artesanal foi substituda por outra lgica

    produtiva, a manufactura. A evoluo do processo de produo com o aumento do

    nmero de trabalhadores e sua especializao em determinado sistema produtivo levam

    ao desaparecimento da figura do arteso e da oficina artesanal, sendo esta muitas vezes

    a habitao do prprio arteso. Com este novo funcionamento as manufacturas

    tornam-se bastante mais produtivas que as oficinas artesanais e a partir desta altura

    que se estabelecem as bases da produo em srie.

    Estando associada ao processo de introduo da mquina a vapor, a linguagem

    arquitectnica dos edifcios desenvolve-se continuamente, numa progressiva

    especializao e planeamento das suas funes, tendo a sua concepo obedecido a

    condicionantes estabelecidas pelas necessidades de uma produo/funo especfica.

    Inicialmente apenas era perceptvel nos espaos industriais, mas mais tarde visvel em

    todas as tipologias. A linguagem arquitectnica desta poca resulta de uma

    correspondncia directa ao programa do edifcio.

    Assim como acontece no espao industrial, onde este responde aos pressupostos

    tcnico-funcionais impostos pela linha de produo e pela mecanizao implicando

    obrigatoriamente a criao de edifcios que revelassem estes sistemas, tambm os

    hospitais sofrem um processo de autonomizao e sistematizao dos dois elementos

    principais na concretizao um qualquer edifcio, a sua funo e o espao fsico onde se

    realiza. No caso dos edifcios industriais a actividade produtora e no caso dos hospitais

    a cura e reabilitao.

    65

  • 66

  • O Edifcio e a Mquina

    A arquitectura da poca industrial foi nos seus primrdios considerada

    arquitectura pobre, desprovia de interesse e sem qualquer tipo de linguagem ou

    caractersticas que a tornassem marcante no panorama arquitectnico. O nico

    pressuposto a que esta respondia era o da resposta formal a um problema funcional.

    Na Europa as importantes marcas implementadas pela revoluo industrial,

    induziram procura de uma nova linguagem que afirmasse os novos tempos, mas que

    garantisse toda a carga histrica arquitectnica nas formas usadas.

    Antes e agora, a arquitectura mediadora entre as tcnicas, as imagens, o

    panorama que a cultura de cada momento oferece e que o que Le Corbusier designar

    pela ordem do universo. Trata-se de uma palavra genrica, mais alm da determinao

    tcnica ou prtica de cada obra. uma mediao entre o meio tcnico, ao qual os olhos

    do arquitecto devem estar bem abertos e a finalidade esttica que constitui o ltimo

    objectivo da obra arquitectnica, a mediao da arquitectura no se joga, em ltima

    instncia, ao nvel prtico, produtivo, particular dos objectos, mas sim no discurso,

    expresso ou mensagem que desde estes se pode estabelecer, como manifestao do tempo

    presente.49

    A busca de Peter Behrens50 por uma linguagem arquitectnica que respondesse

    ao esprito do seu tempo implica necessariamente a considerao das rentabilidades

    econmicas, das eficcias tcnicas e da simplicidade expressiva. A criao de uma

    linguagem industrial que responde s necessidades da tcnica, torna-se o conceito base

    da arquitectura modernista.

    Percebe-se ento que a conciliao destes vrios factores, os cnones scio-

    culturais, a tcnica e funcionalismo, e o materialismo que permite criar espaos com

    qualidade arquitectnica, aliando a arte, a esttica e a tcnica. A arquitectura da

    49 BRANA, Celestino Garcia A arquitectura da indstria, p.41. 50 (1868-1940), arquitecto e designer. Peter Behrens natural de Hamburgo, Alemanha. considerado por muitos o primeiro designer da Histria e um dos primeiros designers freelancers. Foi um dos arquitectos mais influentes da Alemanha e um dos fundadores da Werkbund. Foi tambm consultor artstico da AEG.

    67

  • 15. Manifesto De Stijl.68

  • O Edifcio e a Mquina

    indstria era encarada como a unidade plstica das artes, da indstria e da tcnica e

    estabelecemos que esta formao conduzir formao de um estilo.51

    Tal como referido na revista/manifesto De Stijl52, a procura de um estilo

    demonstra o valor e a importncia que esta vertente da arquitectura teve na evoluo do

    pensamento arquitectnico, nacional e internacional.

    O estilo industrial, que lanou as bases para a arquitectura moderna, seguindo o

    lema do arquitecto Louis Sullivan53 a forma segue a funo e a verdade estrutural de

    Viollet-L-Duc54, transformou de modo irreversvel todas as vises existentes sobre a

    linguagem do edifcio.

    O valor patrimonial e simblico da arquitectura da era industrial praticamente

    inegvel, e relevante que no se percam estes registos arquitectnicos, que criaram

    tendncias, linguagens e estilos, atravs da sua simplicidade e modernidade. As dcadas

    de 1920 e 1930 so de afirmao dessa linguagem arquitectnica moderna.

    Efectivamente, a ideia de estandardizao, simplificao, modulao, repetio

    em srie, na qual se baseou toda a ideia da industria, foi igualmente uma base essencial e

    forte para a gnese e desenvolvimento da arquitectura moderna. Esta afirmou-se

    tentativamente na segunda metade do sculo XX, sendo que algumas obras

    paradigmticas do advento do espao moderno ficaram assim, naturalmente, ligadas aos

    programas industriais.55

    51 BRANA, Celestino Garcia A arquitectura da indstria, p.62. 52 A revista De Stijl foi uma publicao iniciada em 1917 por Theo van Doesburg e alguns colegas que viriam a compor o movimento artstico conhecido por Neoplasticismo, movimento esttico que teve profunda influncia sobre o design, artes plsticas e sobre a poesia. Os textos da revista muitas vezes assumiam um aspecto de manifesto. 53 (1856-1924), arquitecto. Louis Sullivan natural dos Estados Unidos. Foi o primeiro arquitecto modernista que defendia a mxima de que "a forma segue a funo". Colaborou com Frank Lloyd Wright numa concepo de arquitectura funcionalista orgnica e afirmava que "se a forma segue a funo, ento o trabalho deve ser orgnico". 54 (1814-1879), arquitecto. Eugne Emannuel Viollet-le-Duc natural de Paris, Frana. Foi um arquitecto ligado arquitectura revivalista do sculo XIX e um dos primeiros tericos da preservao do patrimnio histrico. Pode ser considerado um precursor terico da arquitectura moderna. 55 FERNANDES, Jos Manuel Arquitectura e indstria em Portugal no sculo XX, p.11.

    69

  • 70

  • O Edifcio e a Mquina

    A esttica da era da mquina e o Movimento Moderno

    A Revoluo Industrial56, em curso por meados do sculo XVIII em Inglaterra,

    frequentemente citada como a arquitectura mais importante no desenvolvimento do

    mundo moderno. A explorao de carvo e o motor a vapor combinado com as novas

    tecnologias e materiais industriais, especialmente o ferro, o ao e o vidro, trouxeram

    alteraes profundas na sociedade. A arquitectura encomendada pelo clero, pela corte

    real ou pela nobreza foi substituda por uma nova classe de autoridades pblicas e poder

    pblico, os lderes do estado moderno industrializado. Uma estrutura social mudada

    exigia novas tipologias impensveis na era anterior: edifcios de escritrios, bancos,

    hospitais, teatros, bibliotecas, estabelecimentos educativos, museus, estaes de

    caminhos-de-ferro, fbricas, armazns, centros comerciais e todo um novo tipo de

    habitao para todas as classes, que exigia uma engenharia inovadora e solues de

    desenho. Como base nestas alteraes fundamentais na sociedade estava o intelecto e os

    desenvolvimentos estticos do Iluminismo, uma tendncia generalizada na filosofia

    europeia do sculo XVIII, apadrinhando o pensamento racional em matrias religiosas,

    polticas e econmicas e a ideia de promover o progresso por toda a humanidade.

    O paralelismo entre arte e tcnica, belo e til surge no quadro do Renascimento,

    quando se conceptualiza a relao entre razo cientfica e razo artstica, reflectindo

    tambm uma outra oposio entre o valor individual e o valor colectivo (estando o

    primeiro condensado na tradio da arte elitista e sendo o segundo valor uma

    manifestao do progresso) atravs de uma crescente industrializao dirigida para a

    massificao da produo e do consumo. Com a introduo da mquina nos processos

    de produo, com as suas capacidades de repetio mecnica e industrial, estabelecem-

    se, a partir do incio do sculo XX, novas relaes entre as artes e as actividades

    tcnicas.

    56 A Revoluo Industrial consistiu em um conjunto de mudanas tecnolgicas com profundo impacto no processo produtivo a nvel econmico e social. Em Portugal deu-se no sculo XIX.

    71

  • 16. Fbrica de Turbinas para a AEG, Berlim.

    17. Fbrica Fagus, Alfeld an der Leine.

    72

  • O Edifcio e a Mquina

    Este novo binmio arte/tcnica comea a desenvolver-se na Alemanha, na

    primeira dcada do sculo XX, com a Deutscher Werkbund57, visvel no trabalho de

    Peter Berhens para a AEG (1909) e de Walter Gropius58 na Fbrica Fagus (1910). No

    entanto, necessrio esperar pelo fim da 1 Guerra Mundial para a relao entre arte e

    tcnica atingir a maturidade. No ps-guerra, a valorizao das formas decorrentes do

    programa industrial , efectivamente, fundamental para o desenvolvimento da

    arquitectura moderna.

    Na Fbrica de Turbinas para a AEG, obra de arte consciente, um templo ao poder

    da indstria, Berhens ao contrrio dos seus antecessores, no decora o edifcio com

    citaes de estilos histricos da antiguidade, mas projecta-o com os novos materiais da

    prpria indstria, vidro, ao e beto, utilizando para tal um mtodo que se baseia na

    reduo da linguagem formal a um nmero limitado de elementos, que tecnicamente

    sejam fceis de produzir e possam ser conjugados indefinidamente, numa analogia com

    o prprio processo de produo industrial e com a normalizao e padronizao. Numa

    conferncia que deu no incio de 1909 expressou as suas convices sobre a relao

    entre a arte e a tcnica, declarando-se contra uma certa orientao da nossa esttica

    moderna, consistente em deduzir todas as formas artsticas a partir do fim utilitrio e

    da tcnica e considera um erro fundamental da nossa poca, pensar que a forma

    artstica est condicionada pela tcnica ou que se gera a partir dela de maneira

    automtica, por assim dizer, chamando a ateno para o facto de que para a mesma

    funo existem as mais diversas construes.

    Walter Gropius, em 1913, apresentou um artigo intitulado Die Entwicklung

    Moderner Industriebaukunst (A Evoluo da Arquitectura Industrial Moderna),

    ilustrado com imagens de edifcios industriais e silos de gro americanos, onde os 57 Deutscher Werkbund ou Federao Alem do Trabalho, foi fundada em 1907, por um grupo de arquitectos, designers e empresrios alemes. Entre seus principais expoentes encontra-se Peter Behrens, Walter Gropius e Mies Van der Rohe. Para o movimento Deutscher Werkbund a indstria era parte dos novos tempos e, atravs dela, poder-se-ia obter um mundo melhor. O artista e o arteso buscaram, juntos, melhor condio de vida e melhor qualidade de produtos industriais. Em 1919, esse mesmo grupo funda a escola Bauhaus de arquitectura e artes. Atribui-se a Hermann Muthesius o papel decisivo da sua fundao. 58 (1883-1969), arquitecto. Walter Gropius natural de Berlim, Alemanha. considerado um dos principais nomes da arquitectura do sculo XX, tendo sido fundador da Bauhaus, escola que foi um marco no design, arquitectura e arte moderna e director do curso de arquitectura da Universidade de Harvard.

    73

  • 18. Le Corbusier _ por Natalia Jinchuk.

    74

  • O Edifcio e a Mquina

    compara aos antigos templos do Egipto, pela sua fora, propondo-os aos arquitectos

    europeus como guias para a renovao dos modos de actuao e das linguagens

    arquitectnicas. J Le Corbusier59 expressa a sua admirao perante os edifcios

    industriais americanos de outro modo, publicando as mesmas imagens (no captulo

    Trs Lembretes aos Senhores Arquitectos em Vers une Architecture, 1923) ainda que

    manipuladas, de modo a eliminar os elementos decorativos historicistas e exibir

    volumetrias sem rudo, de acordo com os seus conceitos para uma nova arquitectura,

    enfatizando a forma e a importncia dos materiais. Sobre o volume escreve Nossos

    olhos so feitos para ver as formas sob a luz. As formas primrias so as formas belas

    porque se lem claramente. Os arquitectos de hoje no realizam mais as formas simples.

    Operando com o clculo, os engenheiros usam formas geomtricas, que satisfazem os

    nossos olhos pela geometria e o nosso esprito pela matemtica; as suas obras esto no

    caminho da grande arte60 e cerca da superfcie diz que Um volume envolvido por

    uma superfcie, uma superfcie que dividida conforme as directrizes e as geratrizes do

    volume, marcando a individualidade desse volume. () Sujeitos s estritas obrigaes de

    um programa imperativo, os engenheiros empregam as geratrizes e as linhas reveladoras

    das formas. Criam factos plsticos, lmpidos e impressionantes61. Num outro captulo de

    Vers une Architecture, Le Corbusier refora a sua crena no mundo industrial, dizendo

    no ser mais possvel negar a esttica que exala das criaes da indstria moderna, e que

    os edifcios industriais esto entre os mais activos criadores da esttica moderna.

    O desejo dos novos arquitectos europeus, pioneiros do Movimento Moderno,

    era a criao de uma nova arquitectura que fosse uma expresso da vida moderna:

    abstracta, limpa e funcional. A expresso directa dos sistemas construtivos, a ausncia

    ornamental, a presena de superfcies contnuas, e a funcionalidade dos espaos vo ao

    encontro desse desejo. Surge aqui o paradigma mecnico de Le Crobusier, a casa como

    uma mquina de habitar, uma indicao metafrica para a organizao espacial,

    proporcionando frmulas inditas para a inter-relao entre os diferentes mbitos da 59 (1887-1965), arquitecto, urbanista e pintor. Charles-Edouard Jeanneret-Gris natural de La Chaux-de-Fonds, Suia. Mais conhecido pelo pseudnimo de Le Corbusier considerado juntamente com Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto, Mies van der Rohe e Oscar Niemeyer, um dos mais importantes arquitectos do sculo XX. 60 LE CORBUSIER Vers une Architecture, p.11. 61 ibidem, p.19.

    75

  • 76

  • O Edifcio e a Mquina

    arquitectura, influenciando tanto a iconografia do construdo como as atitudes

    projectuais.

    Assim, ao contrrio da opinio defendida por Le Corbusier na Europa, nos

    Estados Unidos sem o peso histrico, o arquitecto Albert Kahn62 defende uma forma

    diferente de desenhar e pensar os espaos, maioritariamente os industriais. Estes

    passavam a ser vistos como totalmente operativos e garantiam uma imagem que se

    associava directamente imagem da mquina, relegando sempre para segundo plano a

    esttica do edifcio, em prol do conhecimento e do funcionalismo de uma linha de

    produo para que o mximo de produtividade fosse alcanado. A inteno de Khan,

    sob a influncia de seu irmo engenheiro era unir o seu conhecimento da arquitectura

    com o da engenharia civil, a mecnica e a electrnica. Esta forma de pensar o espao

    industrial fez de Kahn o arquitecto de Henry Ford63, na primeira metade do sc. XX, a

    unidade industrial era para ambos, um espao interveniente directo na funcionalidade

    da fbrica, e assim o arquitecto limitava-se a responder s necessidades do programa

    industrial, a fbrica deixava de ser uma mera casca fsica que albergava a produo. Este

    modo de entender a construo dos edifcios industriais vai-se repercutir na linguagem

    arquitectnica de muitas outras unidades industriais. O modelo de Kahn foi aquele que

    mais sucesso obteve, e o que mais frequentemente foi utilizado na Europa, impondo-se

    ao modelo proposto por Le Corbusier.

    Os primeiros edifcios do Movimento Moderno so resultado de conjunto de

    foras: um processo de sntese entre as inovaes construtivas, uma nova atitude

    perante o desenho, a esttica da mquina e a afectao arquitectura de uma dimenso

    62 (1869-1942), arquitecto. Albert Khan natural de Rhaunen, Alemanha. Foi o principal arquitecto industrial da sua poca, nos Estados Unidos. 63 (1863-1947), empreendedor. Henry Ford natural de Springwells, Estados Unidos. Foi o fundador da Ford Motor Company e o primeiro empresrio a aplicar a montagem em srie de forma a produzir em massa automveis em menos tempo e a um menor custo.

    77

  • 19. Bauhaus, Dessau.

    20. Bauhaus, Dessau.

    78

  • O Edifcio e a Mquina

    social. O novo edifcio da Bauhaus64, em Dessau (1926), exemplo disso. O principal

    objectivo de Walter Gropius era fomentar nos seus estudantes a explorao das relaes

    entre os materiais, a construo, a indstria e a sociedade, para enfrentar os problemas

    do desenho inerentes expanso da indstria e da mquina, procurando definir as

    regras fundamentais que conduzam a um melhor entendimento do processo de

    desenho, numa interpretao da industrializao e da arte como coisa nica, no sentido

    em que evoluem a partir do mesmo esprito de desenho e, assim, estabelecer a

    gramtica visual e a identidade dos objectos industrializados, ou seja, perceber qual o

    aspecto que devem ter os novos edifcios industrializados.

    No edifcio de Dessau regido por determinaes estticas que so a expresso

    das convices sociais e tcnicas de Gropius. Este edifcio da Bauhaus uma obra

    inovadora da arquitectura moderna, com a sua estrutura em beto armado revestida

    por superfcies de alvenaria estucadas, ou revestida por vidro, em bandas horizontais ou

    em parede-cortina, e os seus espaos internos flexveis. Remete-se assim expresso de

    Le Corbusier, a Bauhaus uma mquina de ensinar.

    Um dos lugares onde a aliana entre industriais e arquitectos, to reivindicada

    pela Werkbund, se desenha de forma clara sem dvida em Chicago. O Edifcio de

    Pesquisa de Minerais e Metais (1941/42), de Mies van der Rohe65 a primeira

    construo que este realizou. Mies projecta uma estrutura portante metlica. Nas duas

    fachadas mais longas do edifcio, a estrutura horizontal deixada vista sendo o resto

    ocultado por uma parede em cortina de vidro. Nas outras duas fachadas de topo do

    edifcio, a estrutura surge exposta. No interior toda a estrutura visvel. O Edifcio de

    Pesquisa de Minerais e Metais remete para os temas da planta livre, reticula estrutural,

    grandes vos envidraados.

    64 A Bauhaus surge como resultado de uma tentativa de reformular a formao nas artes aplicadas na Alemanha por volta da virada do sculo; vrias tentativas so levadas a cabo para conciliar as belas-artes com as artes aplicadas, at que, em 1919, Walter Gropius nomeado director de uma instituio mista, que consistia na Academia de Arte e na Escola de Artes e Ofcios, um arranjo que em termos conceptuais dividiria a Bauhaus ao longo de toda a sua existncia. 65 (1886-1969), arquitecto. Maria Ludwig Michael Mies natural de Aachen, Alemanha. Ludwig Mies van der Rohe, naturalizado estadunidense, considerado um dos principais nomes da arquitectura do sculo XX, sendo geralmente colocado no mesmo nvel de Le Corbusier ou de Frank Lloyd Wright. Foi professor da Bauhaus e um dos criadores do que ficou conhecido por estilo internacional. As suas frases "less is more" e "God is in the details" tornaram-se celebres.

    79

  • 80

  • O Edifcio e a Mquina

    Surgiram ento trs temas de debate no perodo de entre-guerras, relativos

    importncia da industrializao no desenho. A mudana de atitude dos projectistas em

    relao industrializao, na progressiva investigao e exibio da mquina e do

    processo industrial, levando sua aceitao e integrao na teoria do desenho, um

    deles. Outro, o reconhecimento do carcter annimo da industrializao, pois na

    produo em srie, cada artigo feito mquina igual a todos os demais produzidos,

    sendo esta possibilidade de repetio infindvel vista como um novo conceito de

    desenho, capaz de fomentar o desenvolvimento de novos temas, com repercusses no

    conceito de ritmo, e na possibilidade de desenvolver as relaes entre unidades iguais.

    O ltimo diz respeito ao conceito de elementarismo, ou seja, a separao de cada uma

    das partes que estruturam um edifcio e a sua diferenciao visual em elementos

    identificveis. A construo converte-se, assim, num tema fundamental para a

    expresso da arte e da arquitectura.

    81

  • 82

  • O Edifcio e a Mquina

    Edifcio-mquina

    A modernidade surge como uma crena no progresso cientfico, com

    capacidade de transformao do mundo injusto e impuro numa sociedade equilibrada e

    s. A mquina era o grande operador desta transformao e, estandardizao,

    racionalizao e compreenso eram as ideias base desta transformao.

    A frmula edifico-mquina provm da ideia de mquin