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artigo sobre poesia marginal e a relaçao com o modernismo
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MARCAS DO MODERNISMO NA POESIA MARGINAL DOS ANOS 70
Maria Helena Barros Silva (UNINOVE - SP)
Resumo: Este artigo tem como finalidade analisar as influências do Modernismo na Poesia Marginal dos anos 70, começando pelas contribuições do modernismo para as gerações futuras, em seguida definindo e contextualizando a poesia marginal e por fim, fazendo uma comparação entre as poesias de Cacaso e Oswald de Andrade. A escolha desses dois poetas para comparação se deve ao fato de ambos serem figuras de destaque nos dois movimentos. Palavras-Chave: Poesia marginal; Modernismo; Cacaso; Oswald de Andrade.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quando se fala em Poesia Marginal, há certo estranhamento por se tratar de
um tema pouco conhecido e por não ser bem vista no meio literário acadêmico. Ela
também pode ser confundida com a poesia periférica. Entretanto, essa literatura
refere-se a um fenômeno cultural surgido nos anos 70 influenciado pelo movimento
tropicalista.
Essa designação “marginal” dar-se pelo fato de os poetas produzirem suas
obras fora do mercado editorial, utilizando-se de meios alternativos como, por
exemplo, o mimeógrafo onde os próprios poetas divulgavam e vendiam seus
poemas.
Por apresentar uma linguagem coloquial, gírias e palavrões, estudiosos
afirmam que essa literatura rompe com os padrões estéticos tradicionais. Mas é
possível identificarmos traços do modernismo em suas obras, principalmente da
primeira geração.
Baseada nessa constatação, esse artigo tem por objetivo buscar e
apresentar essas influências, começando com a contribuição do modernismo para
as futuras gerações, depois, contextualizando e definindo a poesia marginal e por
fim, fazendo uma análise comparativa entre as obras de Oswald de Andrade e
Cacaso a fim de provar essa influência.
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2. PRIMEIRA FASE MODERNISTA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS
FUTURAS GERAÇÕES
Antes de falarmos sobre a poesia marginal, faz-se necessário resgatarmos
alguns aspectos sobre a geração de 22 do Modernismo que foi sem dúvida um
marco cultural importante em nosso país, pois ela abriu espaço para a inovação,
trazendo uma nova concepção estética.
Quando o Modernismo surgiu, o Brasil encontrava-se sob total influência dos
costumes franceses e ingleses. Eram os hábitos da belle époque que dominavam a
elite brasileira que, por sua vez, tornava-se alienada, preocupando-se somente com
futilidades.
Com isso, a verdadeira cultura nacional era deixada à deriva. Fato que
incomodava artistas da época como Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de
Andrade entre outros. O movimento modernista veio para romper com essa cultura
tradicional, fazendo uma revisão crítica do passado de nosso país:
Essa poesia procurava uma integração de culturas, procurava funcionar como um sistema regulador entre as particularidades de nossa terra, o Brasil, e a excelência da arte, o universalismo. Era a sintonia imediata da arte brasileira, pela primeira vez, com os centros da vanguarda. Era o desafogar dos princípios passadistas, conservadores, do obscurantismo, do provincianismo cultural que imperava a época. (LIMA, 2002 P. 58)
O grande marco desse movimento foi a Semana da Arte Moderna. Jovens
artistas promoveram no Teatro Municipal de São Paulo durante três dias,
manifestações artísticas que tinham por objetivo o rompimento com as velhas
formas artísticas na literatura, música e artes plásticas para afirmar a arte moderna:
A semana da arte moderna veio introduzir na cultura brasileira uma concepção de vanguarda que, ao abrir um espaço de libertação do novo, rompeu violentamente com a repressão ideológica dominante em todos os setores de atividade artística. Os três festivais realizados no Municipal, apesar da „porralouquice‟ e da contestação anárquica, foram uma explosão de rebeldia saudável enquanto gesto de libertação cultural do país. (...) Os jovens modernistas, com sua irreverência e sua inquietude, perceberam que
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para construir o novo era preciso demolir os alicerces desgastados da cultura oficial e burguesa. (RODRIGUES, p. 68)
A semana foi importantíssima, pois concentrou um pólo das renovações
artísticas no Brasil, além de ser um espaço multi-artístico servindo de influência para
outros grupos pelo Brasil. Pretendeu ser, como afirmou Alfredo Bosi (2003), a
abolição da República Velha das letras.
Essa primeira fase do modernismo, também chamada de „fase heróica‟, foi
marcada por muitas mudanças no fazer artístico, principalmente na literatura. Deu a
possibilidade de uma criação estética libertária. Os artistas não precisavam se guiar
(e não queriam) por regras, leis que não as suas. Assim, a literatura ganha um
caráter subjetivo e de anticademicismo. Podemos identificar essa postura no poema
“poética” de Manoel Bandeira:
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis (...) - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Outras contribuições para a literatura também foram feitas como a
incorporação do cotidiano como temática, a linguagem coloquial, inovações técnicas
como o uso de verso livres, a fragmentação, flashes cinematográficos, abolição da
pontuação, o uso da metalinguagem, o fluxo de consciência, o da paródia, do humor,
da ironia e do poema-piada. Com isso, buscava-se uma linguagem brasileira, a
estabilização de consciência criadora nacional, preocupada em expressar a
realidade brasileira. Mas acima de tudo, buscava-se afirmar uma nova estética.
Toda essa inovação que os modernistas trouxeram para a nossa literatura foi
influenciada pelas vanguardas européias, desenvolvidas antes e durante a I Guerra
Mundial, onde movimentos artísticos davam um novo caráter ao fazer artístico, pois
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a linguagem artística da época estava ultrapassada e já não podia expressar a
situação caótica em que a Europa vivia:
Aquilo que entendemos como „arte moderna‟ já se presentificara na primeira década do século XX, mas sua expansão e vitalidade deu-se na segunda década, quando a guerra, as crises sociais e existenciais, a Revolução na Rússia, o fim do grande ciclo burguês, favoreceram o desenvolvimento de uma arte polêmica e destruidora. Por romper com uma série de cânones, essa arte recebeu o nome de vanguarda, a que está a frente do seu tempo. (GONZAGA, 1985 p. 157)
As vanguardas representam os fragmentos dessa época. Contribuíram para a
liberdade de expressão e para a criação estética, valorizando o ilogismo e a
subjetividade. Os principais movimentos vanguardistas foram o Cubismo, Futurismo,
Impressionismo, Expressionismo e o Dadaísmo.
3. A POESIA MARGINAL DOS ANOS 70
“– é o foca mota da pesquisa do jota brasil. gostaria de saber suas impressões sobre essa tal de poesia marginal.
- ahhh... a poesia, a poesia é magistral. mas marginal pra mim é novidade. você que é bem informado, mi diga: a poesia matou alguém, andou roubando, aplicou algum cheque frio, jogou
alguma bomba no senado?”(chacal, “Alô, é Quampa?”)
A poesia marginal é um fenômeno específico da literatura brasileira surgido
nos anos 70 influenciado pelo tropicalismo, movimento que criticava a intelligentsia
do governo populista da época, contrariando os padrões do bom comportamento
que através da música, recusava o discurso populista, valorizando a construção
literária de suas letras, o fragmento, o alegórico, o moderno e a crítica de
comportamento como afirma Heloisa Buarque de Holanda em seu livro „Impressões
de Viagens. ‟
Os poetas marginais produziam, divulgavam e vendiam seus livros nas ruas,
nos bares e nas portas de teatros sem precisarem da mediação de uma editora.
Esse rótulo “marginal” pode ser interpretado de diversas maneiras como, por
exemplo, para identificar aquele indivíduo que não se integra na sociedade em que
vive ou aquele que não se enquadra num padrão estabelecido. Também pode ser
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sinônimo de independente e alternativo. Na literatura, o termo “marginal” refere-se
ao autor novo ou anônimo que está fora do mercado editorial:
Do ponto de vista literário, marginal seria toda a poesia que se afasta dos modelos reconhecidos pelos críticos e professores, pelo público leitor e, consequentemente, pelos editores. (MATTOSO, 1981 p. 31)
Quando a poesia marginal surgiu, o Brasil encontrava-se sob o domínio da
Ditadura Militar e da censura imposta pelo Ato Institucional nº 5 (AI5). O país vivia
um período de perseguições e de violenta repressão. De acordo com o jornalista
Zuenir Ventura, o Brasil também passava por um vazio cultural, pois devido à forte
repressão do AI5, grande parte dos intelectuais e artistas ativos na época estava
exilado ou preso.
Todos esses fatores juntamente com a insatisfação ocorrida pela ditadura
fizeram com que jovens intelectuais se rebelassem e criassem novas formas de
expressão artística e política surgindo assim a poesia marginal ou geração do
mimeógrafo como também ficou conhecida.
O poeta marginal era aquele que por meio dos versos anti-intelectuais,
recusava todos os modelos estéticos rigorosos e buscava expressar os problemas
de seu cotidiano. O que de fato define a poesia marginal são sua linguagem
coloquial e os traços antiliterário:
A poesia marginal, literiamente falando, consiste no estilo coloquial encontrado na maioria dos autores da geração mimeógrafo, caracterizado pelo emprego de um vocabulário baseado na gíria e no chulo, e de uma sintaxe isenta das regras de gramática, tal como na linguagem falada. (MATTOSO, 1981, p. 32)
Podemos caracterizá-la em outros aspectos também como, o uso modificado
e diversificado da linguagem para relatar o cotidiano, a frequência de metáforas de
grande abstração convivendo com a agressão verbal e moral do palavrão e da
pornografia, palavras de baixo calão como dialeto cotidiano naturalizado, o uso do
humor, da ironia e da informalidade, a aproximação entre a poesia e a vida. Quanto
a participação feminina, a linguagem expressa uma linguagem-corpo, descrevendo
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as relações eróticas de maneira obscena e vulgar, buscando o avesso da lírica
feminina.
Cabe lembrar que os poetas marginais produziam seus poemas e os
imprimiam em folhetos mimeografados que eles próprios vendiam em portas de
bares, teatros, praças públicas ou em meios boêmios noturnos. Os marginais não
queriam estar veiculados a nenhuma editora. Ser marginal era uma opção como
afirmou o poeta Chacal:
Por base, não sei bem se ideológica ou intuitiva, eu acredito que a gente não deva fazer o jogo de editora. Primeiro porque a editora suga e se mantém em livrarias, e o povo não vai em livrarias mais, certo? Quem vai em livrarias são os livrofóbos. Eu acho que não tem mais a ver com o que a gente está escrevendo, com a nossa batalha. Inclusive acho que nesse sentido a gente não é mais poeta, sabe? É livre-atirador, como falou o „Xico‟. (MATTOSO, 1981 p. 75)
Por conta da precariedade de suas produções, por não seguirem os padrões
estéticos da época, a poesia marginal também foi taxada de “lixeratura”, a literatura
do lixo, da sujeira. A temática principal da poesia marginal era o ethos de uma
geração traumatizada pela a censura e a repressão militar imposta ao seu país:
“Em cada poema piada, em cada improviso, em cada rima quebrada, além das marcas de estilo da poesia marginal, pode-se entrever uma aguda sensibilidade para registrar – com maior lucidez, com maior ou menor destreza literária – o dia a dia do momento político em que viviam os poetas da geração AI5.” (HOLANDA)
Os marginais enxergavam a necessidade de repensar os métodos de
militância política e por isso, utilizavam suas poesias como ferramenta para
modificar a população excluída da sociedade pretendendo levar o povo à revolução.
As primeiras obras da poesia marginal foram os folhetos Travessa Bertalha de
Charles Peixoto e Muito Prazer de Chacal, ambos produzidos em 1971. Duas obras
também muito importantes foram Me segura que vou dar um troço de Wally Salomão
(1972) e Últimos dias de Paupéria de Torquato Neto (1973). Em 1973 a poesia
marginal passa a fazer parte da categoria poética do encontro Expoesia I e II. Em
1974, marca presença no evento PoemAção no MAM RJ. Em 1976, entra para o
debate acadêmico e para o circuito literário oficial por meio da publicação de Heloisa
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Buarque de Holanda, a antologia 26 poetas Hoje com grande repercussão na
imprensa. Em 1978, a poesia marginal é tema de discussão no encontro oficial da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), foi tema principal da
exposição “Poucos e Raros – retrospectiva da produção independente” realizada no
Museu de Arte de São Paulo (MASP) e do evento Mostra Nacional de Publicações
Alternativas no CEU (Casa do Estudante Universitário).
Hoje, a poesia marginal é reconhecida como a expressão poética dos anos 70
no Brasil. Sua dicção e tom transgressor como apontou a pesquisadora Heloisa
Buarque de Holanda (2006), possibilitou o questionamento sobre a noção de valor
literário e abriu portas para a experimentação da variedade de estilos, novos campos
de expressão e posicionalidades políticas e culturais no fazer poético.
4. MARCAS DO MODERNISMO NA POESIA MARGINAL DOS ANOS 70
Ao fazermos uma leitura da poesia marginal dos anos 70, podemos verificar
que ela resgata algumas propostas formuladas pelos escritores modernistas como a
incorporação poética do cotidiano como ruptura com o discurso acadêmico, o uso da
linguagem coloquial, a técnica da fragmentação e o verso livre como afirma Heloisa
Buarque de Holanda em seu site ao perguntarem se os poetas modernistas faziam
parte dos autores estudos pelos poetas marginais:
Como toda intervenção cultural daquele momento, entre os artistas mais engajados como era certamente o caso de Cacaso, sua leitura do modernismo ainda que não fosse isso exclusivamente, mostrava um certo viés estratégico. Valorizava a volta ao coloquial, a importância do cotidiano, a desestruração de valores e hierarquias. (...) Cacaso, no maior rigor, estudava sim e seríssimamente cada um dos modernistas separadamente.
A fim de verificarmos essas semelhanças, analisaremos as poesias de dois
representantes desses movimentos: Cacaso da poesia marginal e Oswald de
Andrade da primeira geração do modernismo. Os dois autores eram considerados
os principais articuladores de seus movimentos. Ambos possuíam um jeito
irreverente ao escrever, fazendo uso do humor e da ironia para retratar o cotidiano
da época em que viviam. Vamos começar pela leitura de dois poemas
respectivamente dos dois autores citados:
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Canto de Regresso à Pátria
Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo (ANDRADE)
Jogos Florais I
Minha terra tem palmeiras onde canta o tico-tico. Enquanto isso o sabiá vive comendo o meu fubá. Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre: a água já não vira vinho, vira direto vinagre. (BRITO, 1974)
Jogos Florais II
Minha terra tem palmares memória cala-te já Peço licença poética Belém capital Pará Bem, meus prezados senhores dado o avanço da hora errata e efeitos do vinho o poeta sai de fininho. (será mesmo com esses dois esses que se escreve paçarinho?) (Ibdem, 1974)
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Podemos perceber que tanto Cacaso quanto Oswald de Andrade fazem uso
da paródia para expressar uma crítica sobre a sua pátria. O verso livre e a
diversidade temática também são características entre ambos:
happy end o meu amor e eu nascemos um para o outro agora só falta quem nos apresente (BRITO, 1975)
Amor Humor (ANDRADE)
3 DE MAIO Aprendi com meu filho de dez anos Que a poesia é a descoberta Das coisas que eu nunca vi (ANDRADE) história natural Meu filho agora ainda não completou três anos. O rosto dele é bonito e os seus olhos repõem muita coisa da mãe dele e um pouco de minha mãe. Sem alfabeto o sangue relata as formas de relatar: a carne desdobra a carne mas penso: que memória me pensará? Vejo meu filho respirando e absurdamente imagino
como será a América Latina no futuro. (BRITO, 1978)
5. Considerações Finais
Como podemos constatar ao longo deste artigo, a poesia marginal foi um
fenômeno dos anos 70. Foi um meio que os poetas encontraram para se
expressarem perante a repressão da ditadura militar. Saiu das editoras para ir às
ruas. Sua estética se aproxima da primeira fase do modernismo, pois muitos poetas
marginais incorporaram algumas das propostas modernistas em seus poemas.
Assim como o modernismo, a poesia marginal trouxe inovações para o campo
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literário e abriu novas reflexões sobre o fazer poético, explorando o verso em várias
dimensões.
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