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INTRODUÇÃO E ste trabalho é uma reflexão sobre a relação entre a cidadania e a questão urbana brasileira. Ma is especificamente, de como a con- figuração urbana das grandes cidades, construídas no contexto da modernização conservadora, repercute na possibilidade de massifi- cação de uma cultura cívica orientada par a a ampliação da participa- ção social e política na vida citadina. Pois é sobretudo na vida local que a cidadania pode emergir, é ali que pode ser estabelecida uma re- lação concreta com a coisa pública, e as possibilidades de que isso ocorra estão fortemente condicionadas à inscriç ão social e política do mundo popular no espaço urbano. 189 * Este artigo começou a ser desenvolvido a part ir das discussões travadas no grupo de trabalho coordenado pelo arquiteto Jorge Mario Jáuregui, que também conta com a par tici paç ãodo dir etorda Federaçãode ÓrgãosparaAssist ênciaSocialeEducaci onal F ASE,Pedr o CuncaBocayuva.O grupo est á realizandoo projet o depesqui sa“Las Arti - culaciones Ciudad Formal-Ciudad Informal en América Latina. Una Metodología de Abordaje Válida para la Región”, vencedor do concurso da II Bienal Ibero-Americana de Arquitetura. Ao longo do esforço de reflexão para o desenvolvimento deste trabalho beneficiei-me dos diversos debates travados co m os alunos do Núcleo de Ci- dadania, Direitos e Desigualdade Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de  Janeiro – PU C-Rio , e, em especia l, com as co legas Âng ela Paiva e Ma ria Sar ah da Silva Te lles, a quem agradeço pelas valios as críticas e sugestões. DADOS – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro, Vol . 48, n o 1, 2005, pp. 189 a 222. Cidade, Territórios e Cidadania* Marcelo Baumann Burgos

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    INTRODUO

    E ste trabalho uma reflexo sobre a relao entre a cidadania e aquesto urbana brasileira. Mais especificamente, de como a con-figurao urbana das grandes cidades, construdas no contexto damodernizao conservadora, repercute na possibilidade de massifi-cao de uma cultura cvica orientada para a ampliao da participa-

    o social e poltica na vida citadina. Pois sobretudo na vida localque a cidadania pode emergir, ali que pode ser estabelecida uma re-lao concreta com a coisa pblica, e as possibilidades de que issoocorra esto fortemente condicionadas inscrio social e poltica domundo popular no espao urbano.

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    * Este artigo comeou a ser desenvolvido a part ir das discusses travadas no grupo detrabalho coordenado pelo arquiteto Jorge Mario Juregui, que tambm conta com aparticipaodo diretorda Federaode rgosparaAssistnciaSociale Educacional FASE,Pedro CuncaBocayuva.O grupo est realizandoo projeto depesquisaLas Arti-culaciones Ciudad Formal-Ciudad Informal en Amrica Latina. Una Metodologa deAbordaje Vlida para la Regin, vencedor do concurso da II Bienal Ibero-Americanade Arquitetura. Ao longo do esforo de reflexo para o desenvolvimento destetrabalho beneficiei-me dos diversos debates travados com os alunos do Ncleo de Ci-dadania, Direitos e Desigualdade Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro PUC-Rio, e, em especial, com as colegas ngela Paiva e Maria Sarah da SilvaTelles, a quem agradeo pelas valiosas crticas e sugestes.

    DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Vol . 48, no 1, 2005, pp. 189 a 222.

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    Para desenvolver esta reflexo, o ponto de partida analtico o da

    problematizao da fronteira entre a cidade formal e a informal, e to-ma-se como referencial a situao das favelas do Rio de Janeiro, ca-so-limite de informalidade.

    De uma perspectiva sociolgica, a categoria favela no traduz ape-nas uma determinada forma de aglomerado habitacional, mais queisso, exprime uma configurao ecolgica particular, definida segun-do um padro especfico de relacionamento com a cidade. Um aglo-merado habitacional transforma-se em favela medida que desen-volve um microssistema sociocultural prprio, organizado a partirde uma identidade territorial, fonte de um complexo de instituieslocais que estabelecem interaes particularizadas com as institui-es da cidade. Historicamente, a categoria favela foi consagradapara nomear a forma de habitao popular construda nas encostasdo Rio de Janeiro, ainda no final do sculo XIX, por uma populaomajoritariamente composta de ex-escravos que antes viviam nos cor-tios existentes em reas do entorno do centro da cidade.

    Gradativamente, o substantivo favela vai ganhando mltiplas cono-taesnegativas,quefuncionamcomoantnimosdecidadeedetudoque a ela modernamente se atribui: urbanidade, higiene, tica do tra-

    balho, progresso e civilidade1. Ato contnuo, tambm se incorpora aovocabulrio corrente o verbo favelizar, e com isso o substantivo fa-

    vela se vai emancipando de sua conotao original, presa descriodo espao, assumindo um significado transcendente, que remete auma dimenso cultural e psicolgica, a um tipo de subjetividade par-ticular, a do favelado, homem construdo pela socializao em umespao marcado pela ausncia dos referenciais da cidade.

    Da que conjuntos habitacionais e loteamentos irregulares2 doisdosprincipais espaos de habitao popular das cidades brasileiras ,embora com um padro mais formal de ocupao do solo, tambmpossam favelizar-se, isto , assumir caractersticas socioculturaissemelhantes quelas encontradas nos espaos tpicos das favelas, doque sintoma a existncia dos tradicionais donos do lugar, e mes-

    mo de gangues de traficantes de drogas e de armas em muitos dessesaglomerados habitacionais.

    A polissemia da palavra favela indica um processo de favelizao ge-neralizado, no apenas no Rio de Janeiro, mas nas grandes cidades

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    brasileiras de modo geral, sobretudo nas duas ltimas dcadas, com o

    crescimento exponencial dos aglomerados habitacionais popularesinformais, nas reas centrais e tambm nas suas periferias3. Dissemi-nam-se pelas cidades, inclusive em bairros de seus subrbios tradici-onais, caractersticas que historicamente singularizam a favela en-quanto configurao ecolgica, a saber: sua vocao para o desenvol-vimento de organizaes socioculturais fortemente enraizadas navida local, s quais no faltam elementos de uma ordem jurdica sin-gular, com a existncia de autoridades informais locais, validadaspor identidades coletivas territoriais, que tambm servem de basepara a negociao poltica de acesso a bens pblicos da cidade.

    Desse ngulo, a cidade aparece como uma agregao de territriosatomizadosfenmenoquenodeixadetercomocontrafaceascida-delas das classes mdia e alta, erguidas sob a forma de condomniosresidenciais (Caldeira, 2000). Por isso, a categoria territrio apresentavantagens analticas importantes em face da categoria favela: maisneutra e mais precisa na identificao do fenmeno da fragmentaodas cidades e de seus efeitos sociais e polticos sobre o processo deconstruo da cidadania no mundo popular. A noo de territrio re-mete idia de um microcosmo, que inclui diferentes formas de orga-nizaodahabitaopopularinclusiveafavelaequesediferenciada cidade, que o domnio dos direitos universais, fonte da igualda-de e da liberdade; em uma palavra, da cidadania.

    Nossa hiptese que a territorializao da cidade tem funcionadocomoumimportantelimitadordoplenousopopulardopotencialpo-ltico inerenteaos regimes democrticos. Nesse sentido, a favelizaogeneralizada no apenas um fenmeno decorrente da desigualdadesocial, constitui-se ele mesmo em causa importante da reproduo eat do aprofundamento da desigualdade social nas jovens democra-cias da Amrica Latina.

    Da a importncia da varivel territrio para o tema da democraciapopular; enquanto os regimes democrticos facultam amplo acesso liberdadeindividualeparticipaopoltica,algicaterritorialori-

    ginalmenteinscritanaformadefavela,eagorageneralizadanasdife-rentesreasecolgicasdahabitaopopulartendeaaprisionarseusmoradores em espaos fortemente controlados, onde faltam condi-es mnimas para o exerccio dos mais elementares direitos civis, acomearpelodireitointegridadefsica.Ocrculofecha-sequandose

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    consideraquesobretudoapartirdosterritriosenodacidadeque

    o mundo popular constri suas formas de participao poltica, emespecial a do voto.

    Segundo nossa hiptese, portanto, a cidadania popular est atraves-sada pelas contradies inscritas no espao urbano, que produzemumasubjetividadeencapsuladanointeriordosmurosdosterritrios,forjando um indivduo com poucas referncias do direito citadino;um indivduo que fruto de uma sociabilidade ambgua, pois o terri-trio , de um lado, fonte de toda sorte de violncia, que prospera naexata medida em que faltam os direitos, e, de outro, uma dimensoque o envolve e protegedas foras desumanas do mercado; ao mesmotempoqueoprivadacidade,oterritriooferece-lhealgumaformade

    acessocomunidade(Burgos,2003:88-89).Daseexplicaosemprere-novado sentimento de lealdade que boa parte de seus moradores nu-tre pelas instituies locais.

    Repe-se, assim, o desafio poltico da integrao social do espao ur-bano, que remete experincia da Chicago da virada do sculo XIX,quando se tomou contato com um tipo novo de violncia urbana, ori-unda de conflitos decorrentes da superposio entre culturas e terri-trios. Guardadas as devidas diferenas, o mesmo desafio supera-o das fronteiras territoriais que precisa ser enfrentado no Brasilcontemporneo, e no Rio de Janeiro em particular. Para levar adiantenosso objetivo, vou apresentar uma breve reconstituio do processoque levou territorializao desta cidade, para, em seguida, refletirsobre as oportunidades que esse mesmo processo abre para a sua su-perao,namedidaemquepermitedescortinarumhorizonteemque possvel imaginar um novo pacto citadino, fundado na liberdade ena igualdade.

    DO CONTROLE NEGOCIADO CIDADE ESCASSA

    O desenvolvimento desta seo ser feito a partir da utilizao heu-rsticadedoisconceitos-chaveparasepensarahistriadaculturapo-lticadascidadesbrasileiras:odecontrolenegociadoeodecidade

    escassa. A opo por ambos justifica-se pela nfase do nosso argu-mento na questo da integrao social. Com isso, deixamos de ladooutros conceitos importantes da sociologia urbana brasileira, como anoo de espoliao urbana, criada por Lucio Kowarick (2000), eque, seguindo a linha de investigao aberta por Manuel Castells

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    (2000), articula a questo urbana lgica de explorao do capitalis-

    mo industrial. A espoliao urbana chama a ateno para a lgicaurbana da explorao da fora de trabalho promovida pelo capital; til, portanto, para dar conta de um tecido urbano que est integradopelo capitalismo industrial, e no por acaso guarda estreita relaocom a experincia fordista de So Paulo.

    Todavia, o ps-industrialismo recoloca a especificidade da questoda integrao urbana, invertendo a tnica preexistente, que tendia acolocar como marginal experincias urbanas como a do Rio de Janei-ro, onde o mercado de trabalho nunca foi capaz de substituir outrasfontes culturais produtoras de solidariedade. Da que a nfase emconceitos que operam na chave da integrao social e no na da lutade classes ganhe, agora, um estatuto mais universal para se pensar ascidades brasileiras.

    O conceito de controle negociado foi formulado a partir da crticaao clientelismo e ao assistencialismo, desnudando as contradiesinerentes a um certo padro de integrao social que acompanhou areestruturao das principais cidades brasileiras no contexto da mo-dernizao das relaes de produo, que comea a ocorrer a partirdos anos 40. Embora presente em diversos trabalhos, com outras de-nominaes(Diniz,1982),esseconceitofoimelhorexplicitadoemtra-

    balho recente de Luiz Antonio Machado da Silva (2002). Conforme

    veremos adiante, ele torna inteligvel o assimtrico sistema de trocasexistente entre a cidade e os territrios; o mais importante para ns,contudo, ser o fato de que o prprio conceito traz implcita a indica-o de que a destruio da realidade que pretende descrever, emboradesejvel, produziria uma crise de solidariedade.

    exatamente essa crise de solidariedade, provocada pelo desencaixeentreosinteresseseoquadropoltico-institucional,queoconceitodecidade escassa quer tornar inteligvel. Formulada por Maria AliceRezende de Carvalho (2000), a concepo de articulao entre o urba-no e o poltico nele contida extremamente frtil, de um lado, porqueinova ao assinalar a ausncia de cultura cvica como chave para se

    compreender a desordem urbana experimentada no cotidiano vio-lento das grandes cidades brasileiras, e, de outro, porque conferenovo sentido crtica presente no paradigma anterior; enquanto oconceito de controle negociado est comprometido com uma agen-da de emancipao e autonomizao, o de cidade escassa reinstala

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    o tema da ordem e da solidariedade, mas agora como guia para se

    pensar a construo de uma cidade de homens livres e iguais.

    Como todo conceito, o de controle negociado contm uma dimen-so descritiva e outra normativa. A primeira d conta do arranjoclientelista que acompanha a urbanizao decorrente do processo demodernizao econmica; a segunda aponta para seu aspecto crtico,chamando a ateno para o fato de que esse arranjo est fundado emuma incorporao subordinada do mundo popular cidade.

    O ponto de partida de Machado da Silva (2002) para formular o con-ceitodecontrolenegociadooseuentendimentodequeaincorpo-

    rao da favela cidade se deu custa da constituio de uma cate-goria social subalterna (do favelado), determinando um padro deintegrao urbana fragmentado e fortemente hierarquizado(idem:224). por isso que a constituio do ator coletivo construdopelosmoradoresdasfavelas,pormeiodomovimentoassociativoquese desenvolve desde fins dos anos 50, no conduz a um processo deemancipao poltica, mas apenas a uma redefinio parcial do pa-dro de relacionamento com a cidade. Como afirma Machado da Sil-va,aomesmotempoqueasagnciasestataiseosdemaisatorespol-ticos desistem de impor uma soluofinal de cima para baixo, associ-aes de favelados despontam como atores coletivos (idem:229).

    Ainda segundo Machado da Silva, os objetivos das disputas mu-dam, as formas de mobilizao adaptam-se s conjunturas, mas ocontrole institucional assim negociado reproduz o padro secular deintegraofragmentadaeoenormediferencialdepoderqueasusten-ta (idem:235). Para isso corroborariam as prprias polticas pblicasvoltadas para a integrao urbana. Machado da Silva observa que oprograma Favela-Bairro, por exemplo, seria um caso exemplar de po-ltica pblica que, concebida com base em critrios tcnicos, suposta-mente imunes s prticas clientelistas, acabaria por tornar opacos oscritrios do processo de seleo das favelas a serem beneficiadas, e oresultado seria uma pulverizao hiperlocalista dos interesses [...]

    que enfraquece o conjunto das mobilizaes e despolitiza as reivindi-caes. Configura-se, assim,um imensoconflito horizontal entre asfavelas para decidir quais delas sero beneficiadas (idem:232). Dissosededuzquealutapolticapelacidadesereduzaumalutapeloterri-trio.

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    O controle negociado decorre, portanto, da vigncia de mecanis-

    mosdeincorporaosubordinadacidade,quesomanipuladosporintermedirios polticos especializados em traduzir os interesses dosmoradores dos territrios em demandas de acesso aos bens pblicosproporcionados pela cidade. Sua reproduo ocorre por meio de ar-ranjos de tipoclientelista, que comprometem a autonomia individuale coletiva dos moradores dos territrios, fragilizando seu status deci-dado. Desse modo, a instrumentalizao da poltica de territrioconverte-se em substituto funcional da luta pela afirmao de direi-tos em face do Estado4.

    Oconceitodecontrolenegociadotornainteligvelopadrohistori-camentedesenvolvidodearticulaoentrecidadeeterritrios,desdequando comeam a se fazer sentir os efeitos do processo de moderni-zao das relaes de produo. O avano do mercado formal de tra-

    balho com o assalariamento e a nfase no consumo so apenas algu-mas das principais caractersticas oriundas da modernizao, quetransforma completamente a sociabilidade urbana, deflagrando aconfiguraodeideaisigualitriosparaasociedade,baseadosnom-rito e na tica do trabalho, e definindo uma subjetividade individua-lista e burguesa, orientada pelo desejo de mobilidade social.

    Deoutraparte,osgrandesfluxosmigratriosdemoradoresdeoutrasregies na direo dos territrios das principais cidades do pas de-

    vem ser sempre lembrados quando se quer compreender o processode reestruturao das relaes dosterritrios com a cidade. Na medi-daemquealteraopadrodesociabilidadeanteriormenteexistente,achegada em massa de imigrantes s cidades durante mais de quatrodcadas decisiva para a eroso do padro de integrao social ante-rior, baseado em interaes de tipo face a face e na reciprocidade in-terpessoal;noseulugar,afirma-seumpadromaisimpessoaldeinte-grao social, baseado em frgeis identidades coletivas territoriais.

    No Rio de Janeiro, tais identidades coletivas chegaram a animar a for-mao de um vigoroso associativismo de favelas, que, no entanto, foisendo solapado pela implantao de um modelo corporativista, ain-

    da no incio dos anos 60, que transforma boa parte das associaes lo-cais em representantes do poder pblico junto populao das fave-las;comocontrapartidadalealdadeecumplicidadedaslideranaslo-cais,opoderpblicoofereceapromessadeurbanizao.Estavamcri-adas as condies para a organizao de um azeitado sistema cliente-

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    lista, que irdesenvolver-se sobretudo a partir do finaldos anos 60,j

    no contexto do regime militar (Burgos, 1998:31 e ss.).

    O padro clientelista, baseadona identidade coletiva dos territrios que no Rio de Janeiro chegou a ser apelidado de poltica da bicadgua , torna-se bem-sucedido, proporcionando a aquisio de

    bens pblicos e integrando seus moradores cidade5. Seu custo,como j foi sublinhado, foi o processo de incorporao subalterniza-da de sua populao vida da cidade (Machado da Silva, 2002).

    Em seuMquina Poltica e Voto Clientelista no Rio de Janeiro, Eli Diniz(1982) descreve esse tipo de vinculao do territrio com a poltica,que assemelha o arranjo clientelista do Rio de Janeiro a uma espcie

    de coronelismo urbano. Organizado a partir de uma estrutura forte-mente hierarquizada, com sede no Poder Executivo, o circuito do po-dersofriaaintermediaodepolticossituadosnoLegislativo,queseapoiavamnoslderescomunitrios,queporseuturnoatuavamcomovias de acesso populao do territrio, a qual respondia com o voto,fechandoocircuitodessarelaodelealdade,baseadaemumsistemade troca de favores.

    Em trabalho contemporneo ao de EliDiniz, emA Mqui na e a Revolta,Alba Zaluar (1985) observava, a partir de consistente etnografia daCidade de Deus conjunto habitacional localizado na Zona Oeste doRio de Janeiro , o quanto a identidade coletiva territorial, desconec-

    tadadeumaculturacvicacapazdetorn-laestruturantedoexerccioda liberdade, acabava por tornar seus moradores presas fceis detodo tipo de mecanismo de subordinao, como o jogo do bicho e onarcotrfico.

    Tanto o trabalho de Diniz como o de Zaluar descrevem um padro deintegrao social que pode ser compreendido a partir do conceito decontrole negociado. Quando levado ao limite de suas potencialida-des, esse padro d lugar atomizao da cidade em territrios.

    Presentemente, a comunicao poltica entre os territrios e a cidadesegue se dando por meio de canais tipicamente clientelistas; e como

    antes, as lideranas comunitrias como so nomeados esses ato-res polticos to importantes para a engrenagem poltica das grandescidades brasileiras seguem desempenhando o papel pragmtico delutar pelos interesses imediatos de seus territrios, assumindo, emcontrapartida, compromissos polticos que no momento das eleies

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    devem traduzir-se na lealdade dos moradores com os polticos. Mas

    algo de novo est ocorrendo e precisa ser salientado: essa dinmicapoltica se tornou ainda mais cnica, pois na ponta da engrenagem seencontra um eleitor que, embora mais livre dos compromissos polti-cos das lideranas locais, sobretudo quando se trata de eleio paracargos majoritrios, tambm tem conscincia de que a engrenagemnaqualalideranadoterritrioestenvolvidapodetrazerbenefcios

    bastante tangveis. Ao lado disso, a prpria ampliao do acesso aequipamentos urbanos que se vem dando de modo mais acentuadoa partir dos anos 80 (Valladares e Preteceille, 2000) e a assimilaoda noo de direitos contribuem para tornar mais exigentes os mora-dores e as lideranas locais, gerando demandas sociais crescentes,forandoumanegociaopolticaembasesbemmaisabrangentesdoque aquela que caracterizava a poltica da bica dgua. Com isso, ovotoeoeleitorvalemuitomaisagoradoquenocontextodoclien-telismo tradicional.

    Assim,emboranosepossafalardofimdalgicaclientelista,neces-srio reconhecer a vigncia de um processo discreto de transforma-o, que vai dando lugar a um padro qualitativamente diverso da-quele descrito por Diniz. Com isso, tambm, se esvazia a funo decontrole social exercida pela mquina poltica, que integrava social-mente os territrios cidade. A dinmica atual, diversamente, frutoda imploso do pacto citadino preexistente; ela deu lugar a uma lgi-

    ca igualmente clientelista, mas que no se funde mais em uma ordemurbana hierarquizada; da que a atomizao territorial que caracteri-za a cena urbana atual no possa mais ser explicada pelo conceito decontrole negociado, pois lhe falta a prpria dimenso de controle.Para o bem ou para o mal, os fragmentosdessa cidadeterritorializadaesto mais livres do que jamais estiveram dos mecanismos de contro-le social e poltico, tornando possvel pensar na construo de umanova formade articulao horizontal,para a qual poder contribuir aainda vaga, mas crescente,noo de direitos. aqui que o conceitodecidade escassa ganha relevncia heurstica.

    A exemplo do conceito de controle negociado, o de cidade escas-sa tambm tem um duplo sentido: de um lado, procura dar conta daexperincia urbana contempornea, marcada por uma sociabilidadefragmentada e violenta; e, de outro, apontar para seu aspecto crtico,de corte tocquevilliano, que sublinha a necessidade de se recolocar o

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    tema da ordem como fundamento para o exerccio da liberdade em

    uma sociedade fundada no princpio da igualdade.

    De um lado, a noo de cidade escassa remete baixa capacidadedoEstado(edasociedade)deuniversalizarregrasevaloresquedemlugar a um espao pblico compartilhado, da resultando um efeitofragmentador, que estreitou excessivamente a dimenso da polis,condenando praticamente toda a sociedade condio de brbaros(Carvalho, 2000:55). Sobressaem, assim, as dimenses da ordem e daliberdade, e identifica-se, na ausncia de uma cultura cvica voltadapara a participao na vida pblica, a principal caracterstica da soci-abilidade contempornea. Como observa a autora, quando so in-

    tensos os padres de excluso poltica e grande parte da populaonosereconhececomopartcipedatrajetriacoletiva,ouseja,quan-do so frgeis os mecanismos capazes de produzir cultura cvica, acidade se torna objeto da apropriao privatista, da predao e da ra-pinagem, lugar onde prosperam o ressentimento e a desconfiana so-ciais (idem:56).

    Esse tipo de abordagem encontra eco em outros autores, como Wan-derley Guilherme dos Santos (1992), que postula a noo dehobbesia-nismo socialpara dar conta da experincia urbana que acompanha atransio democrtica brasileira, na qual prevaleceria um estado denatureza caracterizado pela inexistncia de um cdigo de conduta

    universalmente aceito,levandoao isolamento, desconfiana e hostilidade. Na mesma linha, Gilberto Velho (1996) observa quea natureza do individualismo na sociedade brasileira vem assumin-do caractersticas tais que a tornam palco de um capitalismo vorazcom uma dimenso selvagem (idem:19).

    Barbrie,hobbesianismo sociale selvageria, so estas as categorias em-pregadaspelaliteraturadadcadade90paracaracterizaraexperin-cia urbana brasileira. A escassez de cidade aponta, portanto, para afalta de ordem e de lei, fruto da frgil universalizao de regras e va-lores e da incapacidade do Estado de fazer cumprir os direitos.

    Esse diagnstico remete ao clssico problema da integrao social e,porconseguinte,reflexosobreopapeldesempenhadopelasprinci-pais agncias responsveis pela produo de solidariedade entre di-ferentes grupos sociais e entre diferentes partes da cidade.

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    A fim de explorar o significado inovador do conceito de cidade es-

    cassa, refletirei sobre o papel da mdia, da religio e do mercadocomo fontes produtoras de integrao social. Vale ressaltar que essareflexo faz parte de uma agenda de pesquisas bem mais ampla, queprecisa ser realizada de forma integrada, e que tambm inclui o papeldas escolas, das famlias, das associaes e OrganizaesNo-GovernamentaisONGsedasnovasformasdeexpressocultu-ral juvenis. Em seguida, voltarei ao conceito de cidade escassa,para pensar as possibilidades de formao de uma cidade fundadaem uma sociabilidade livre e igualitria, baseada nos direitos e noexerccio da cidadania.

    MDIA E TERRITRIO

    Mesmo no sendo monoplio dos organizados, a utilizao consis-tente e sistemtica da mdia como via de acesso ao espao pblico de-pende de organizao coletiva (Habermas, 1997:113), o que no ocor-re no caso dos territrios. Assim, embora seus moradores tendam aidentificar na imprensa um aliado possvel da publicizao de seusproblemas e interesses, o grau de controle sobre esse instrumento muito pequeno. Como observa Patrick Champagne a respeito do usoda mdia por populaes desfavorecidas, os efeitos da mediatiza-o esto longe de ser os que esses grupos sociais poderiam esperar,poisafabricaodoacontecimentofogequasetotalmenteaocontro-

    le dessas populaes (1997:67).

    Nocasodosterritrios,ousodamdia,almdisso,arriscado.Comonotou Marcos Alvito, o recurso imprensa empregado com caute-la pelos moradores dos territrios, seja pela falta de confiana nosreprteres, seja pelos problemas internos que uma reclamao p-

    blica pode causar (2001:150). A mdia coloca em contato o territrio ea cidade, e as reaes dos agentes citadinos sempre geram incertezanos precrios arranjos internos ao territrio.

    UmaformademidiatizaoconstantementeutilizadapormoradoresdefavelasdoRiodeJaneirotemsidoaproduodebarricadasrelm-

    pagos, fechando vias de grande circulao, em geral nas franjas dasfavelas. Tais manifestaes ocorrem, usualmente, como reao mor-te de moradores vitimados por troca de tiros entre os policiais e asgangues de traficantes. Elas aparecem, portanto, como um protestocontra a violncia policial. Todavia, os resultados alcanados por

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    essas manifestaes so bastante incertos, j que no parecem produ-

    zirdesdobramentoscapazesderedefiniraatuaodapolcia,equasesempre so tratadas com desconfiana pela mdia, que costuma atri-

    bu-las ao interesse de traficantes, concorrendo para reforar o estig-ma sobre os moradores do territrio.

    Analisandoaatuaodamdiaemeventosparecidosnosubrbiopa-risiense, Patrick Champagne observa que tais reaes at podem pro-duzir como repercusso positiva o rpido desbloqueio de crditosdestinados s operaes de reabilitao e ao social, mas concluique essa vantagem material momentnea custa muito caro no planosimblico, pois longe de ajudar os habitantes a mdia contribui, pa-radoxalmente, para a sua estigmatizao (1997:73). No caso dos ter-ritrios, esse efeito perverso bastante evidente e seus moradores,sempre que precisam informar seu endereo, sentem bem o custo detero nomede seu territrio associadoa situaes que se avizinham daarruaa.

    Essas manifestaes, no entanto, no deixam de dramatizar a tensopresente na relao entre o territrio e a cidade. Trata-se de um pa-drodeparticipaonoespaopblicoededennciadoaspectomaisimportante da vida do territrio, a saber:a falta de liberdade. De fato,qualqueroutraformademobilizaoorganizadaquefossecomanda-da por lideranas organicamente definidas, e que estabelecesse cana-

    is de comunicao institucionalizados com a cidade seria bastante ar-riscada. Assim, a ocupao instantnea da via pblica tem sido a for-ma possvel encontrada pelos moradores dos territrios para se co-municarem com a cidade. Protegidos pelo anonimato e pela ausnciade lideranas claras, levam para as ruas falas e protestos constrangi-dos pelo medo de quem teme cruzar a fronteira do territrio e desa-fiar suas autoridades; ainda que de forma cifrada, apresentam-secomo demandas que mobilizam a linguagem dos direitos da cidade eque no deixamde advertir para as barreiras de acesso cidade e ci-dadania.

    Por outro lado, preciso considerar que, quando essas manifestaes

    de tipo espontneas ocorrem, se torna momentaneamente pertinenteaidiadeguerracivil,jarraigadanosensocomuminclusivecomacontribuiodamdia,comocategoriaapropriadaparadarcontadoclimadeviolnciadoscentrosurbanosbrasileiros,emespecialdoRiode Janeiro. De fato, so nessas manifestaes que os moradores dos

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    territrios e da cidade dramatizam sua polaridade, em um enfrenta-

    mento que no raro provoca mortes e toda sorte de violncia fsica;no por acaso, o alvo dos moradores do territrio difuso, ora atean-do fogo em nibus de passageiros prtica consagrada como uma es-pcie de monumento da revolta , ora agredindo com fria motoris-tas de automveis, que naquele instante representam todos os citadi-nos,sendooautomvelosmbolomaisevidentedeinclusonodom-nio dapolis.

    Quando este trabalho comeava a ser escrito, no incio de 2004, umanoite marcada por intensa troca de tiros entre a polcia e uma ganguedetraficantesinstaladanafaveladaRocinhalocalizadanaZonaSuldo Rio de Janeiro deixou como saldo a morte de trs pessoas, todascom menosde 18 anos. Aps o episdio, seguiu-se uma manifestaoaparentemente espontnea, com a formao de barricadas na via queliga os bairros da Gvea a So Conrado e apedrejamento de veculos.Poucos dias depois, situao semelhante ocorreu na Cidade de Deus,em Jacarepagu Zona Oeste da cidade , e alguns dias depois foi avezdaFavelaPavo-PavozinholocalizadaemCopacabanaexpe-rimentar situao semelhante: ao policial seguida de morte de mo-radores, e o mesmo tipo de manifestao espontnea.

    A freqncia com que essas situaes ocorrem no Rio de Janeiro indi-ca que tal prtica foi informalmente institucionalizada, funcionando

    comomodoprivilegiadodemobilizaodosmoradoresdosterritrios. interessante notar que diante desses episdios, a imprensa falada eescrita ainda segue o mesmo script: expe as cenas de arruaa pblicaeapresentaasduasversesparaasmortes.Adapolcia,alegandoqueos mortos tinham ligao com o trfico dando a entender que somortes resultantes de confrontos diretos e que, portanto, ocorrem emlegtima defesa , e a dos moradores, alegando que os mortos eramtrabalhadores ou estudantes, que nada tinham com o trfico, e que apolcia entrou atirando a esmo. Por seu turno, a autoridade politica-menteconstituda o chefe do Executivoou o responsvel pela Secre-taria de Segurana informa que a polcia est investigando a veraci-

    dade das denncias. No mais das vezes, a questo acaba ficando re-duzida identidade do morto, se ele era ou no ligado ao trfico.

    Constri-se, assim, uma imagem cnica que vai embotando a capaci-dade de discernimento da situao, tanto na cidade como nos territ-

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    rios.Emambos,aceita-secomnaturalidadeaimpotnciadaautorida-

    de politicamente constituda para investigar a ao policial nos terri-trios. A inexistncia de provas, o medo de testemunhar e a prpriacircunstncia de guerra que cerca as operaes policiais nos territri-os tornam tecnicamente difcil a punio. De outra parte, o saldo des-ses episdios sempre o de aumentar a sensao de insegurana porparte da cidade, impelindo a autoridade poltica a reforar o controlelocal, inclusive admitindo como um mal necessrio a morte de ino-centes.

    A repercusso nacional e internacional do episdio do jornalista TimLopes, brutalmente assassinado, em 2002, por traficantes em uma fa-

    vela localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, evidenciou de outromodo a existncia das fronteiras da cidade, sobrecarregando aindamais a estigmatizao dos territrios. No deixa de ser significativo,contudo, que o efeito moral do assassinato do jornalista que mobili-zou a cidade e o pas em pleno ano eleitoral tenha sido mais o de re-velar para a cidade a face mais brutal dos territrios, aprofundandoem seu imaginrio a idia de que so espaos de barbrie, e menos odechamaraatenoparaasituaodeasfixiaaqueestosubmetidosos moradores dos territrios.

    Aassociaoentreimagemelegendanafotoaseguirapresentada,ex-trada de um jornal do Rio de Janeiro concebido para um pblico das

    classesmdiaealtadacidade,sintetizamuitobemoquantoabrutali-dade da ao policial nos territrios est naturalizada, sempre justifi-cada pela igual brutalidade do trfico6. Mais uma vez, a mensagemsubliminar transmitida a de que nos territrios, at prova em con-trrio, todos so suspeitos, inclusive as crianas.

    Embora chocante, a foto no deixa de revelar uma cena comum nosterritrios: uma criana negra, um casebre em uma favela e a humi-lhao rotineira promovida por policiais treinados para a guerra ur-

    bana. O uniforme da escola pblica que o menino veste lembra a pre-sena de um Estado que promove o acesso educao; em contrapar-

    tida, os dois policiais, com seus fuzis autorizados e sua indumentriaoficial, cumprem as ordens do mesmo Estado, que no respeita osmais elementares direitos civis. Com a fora de uma nica imagem, oncleo da questo social brasileira revelado em toda sua dramatici-dade:apromoodosdireitossociaisdesconectadadosdireitoscivis.

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    O mais revelador, contudo, est nas entrelinhas da legenda; a cenaprecisava ser corrigida por um texto que neutralizasse a brutalidadeda imagem, adotando uma linguagem supostamente tcnica, quechama de revista a prtica de invaso de domiclio em favelas, eque toma por jovem uma atnita criana, talvez com menos de 12anos.Comessaredefiniodaimagempelotexto,atrgicainsensatezcapturada pela foto torna-se aceitvel a um pblico h muito acostu-mado a achar essas coisas normais.

    Esta a tnica da atuao da mdia: constri e reproduz representa-es do territrio que favorecem a reificao da dinmica da territori-alizao. Mas, com isso, ela apenas reflete um ambiente urbano mar-cado pela ausncia de uma energia cvica capaz de interromper a re-produodaculturadaviolncia,quesucumbelgicafragmentriados territrios. Diante disso, o mercado e a religio vm se impondocomo as nicas alternativas capazes de produzir incluso social;alis, essas duas dimenses tm sido fundidas de modo evidente noprocesso de massificao do pentecostalismo, que estaria produzin-do um individualismo que resolve sua incerteza quanto sociedade

    pela qualificao para a competio no mercado.

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    RELIGIO E TERRITRIO

    Ocristianismopopular,emsuaversopentecostal,vemseafirmandocomo um fenmeno importante na vida dos territrios. A onda evan-gelizadora, protagonizada por pastores oriundos do mundo popular,impe-se como uma ampla reforma intelectual e moral, cujos efeitosaindanoserealizaramplenamente.Elaalimenta-sedafrgilpresen-a da cidade nos territrios, inscrevendo no vazio dos direitos um as-cetismo individualista; no interior do campo religioso, sua expansorecoloca, de outro modo, o recorrente desafio da Igreja Catlica nasua busca de aproximao com o mundo popular.

    Sem a pretenso de esgotaro assunto, de resto muitocomplexo, e ape-nas a ttulo de animar uma reflexo sobre seus efeitos na dinmica daterritorializao, tomo como ponto de partida uma comparao entreo fenmeno contemporneo do pentecostalismo e a atuao da IgrejaCatlica nas favelas do Rio de Janeiro nos anos 50 e 60, quando se for-mulou um conjunto de aes voltadas para a aproximao entre omundo popular carioca e a religio catlica. Aqui, dois aspectos so-

    bressaem: o primeiro, refere-se ao tipo de pedagogia desenvolvidapela Igreja Catlica, que bastante distinto da praticada pelos evan-glicos; o segundo, relao que cada uma delas estabelece com a po-ltica.

    A pedagogia desenvolvida pela Igreja Catlica para os pobres da ci-dade, na dcada de 50, est relacionada com as mudanas de orienta-o da Igreja em face das questes sociais nacionais, bem explicitadasno documento de criao da ConfernciaNacional dos Bispos do Bra-sil CNBB, em 19527.

    A sociedade, na concepo catlica, percebida segundo uma visoholstica, e por isso seu trabalho de cristianizao est necessaria-menterelacionadotransformaodomeiosocialdoindivduoissoexplica por que a Igreja Catlica se envolveu diretamente em inter-venes urbanizadoras dos territrios8. No caso do Rio de Janeiro,esse tipo de envolvimento acabou por produzir uma relao orgnica

    entre a Igreja Catlica, polticos e lideranas associativas locais. Emalguns momentos, inclusive, a Igreja Catlica chegou a cerrar fileirascom os moradores das favelas, na resistncia ao remocionista como no caso das Favelas do Borel e do Dona Marta nos anos 60, e doVidigal nos 70 (Gay, 1994). Pode-se afirmar, portanto, que a postura

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    catlica em face das favelas se caracterizou pelo estabelecimento de

    umamediaoentreareligioeapoltica,comoobjetivodecriarcon-diesparaasuperaodafronteiraterritorial,doqueseriaexemplaraatuaodaPastoraldasFavelas,queapartirdosanos70emprestargrande nfase questo jurdica da ocupao da terra dos territrios,organizando uma assessoria jurdica para auxiliar seus moradores alutar contra aes remocionistas9.

    Em suma, no perodo analisado, a Igreja Catlica encarava a favelacomo um espao ecolgico particular, que produzia uma sociabilida-de exposta promiscuidade e indolncia; a reforma moral de seusmoradores supunha, por isso, a transformao do espao da favela, oque no poderia ser feito sem a interlocuo com as entidades coleti-

    vasdafavelaecomoprprioEstado,oquelevouaumenvolvimentoda Igreja Catlica com o mundo popular organizado. Reside nesteponto, alis, uma das razes do esgotamento de sua poltica para asfavelas. Pois, ainda no incio dos anos 60, o Estado percebe a atuaocatlica nas favelas como uma interveno concorrente, situao queser extremada pela formao de alianas entre membros da IgrejaCatlica e moradores dos territrios contra a ao remocionista doEstado.Comoregimemilitar,asaesdegruposcatlicosnasfavelasso empurradas para a clandestinidade, perdendo definitivamente oalcance pretendido quando da formulao de suas estratgias de in-terveno10. Por outro lado, o aprofundamento do ethos mercantil

    tambm contribuiu para fragilizar o pressuposto da doutrina catli-ca, que operava, e ainda opera, com um ideal de comunidade solid-ria, avesso ao mercado (Mafra, 2003).

    Bem diferente tem sido a atuao das igrejas evanglicas nas favelas.Emprimeirolugar,nofazpartedesuadoutrinaatesedequeaecolo-gia da favela produz um comportamento profano. O pecado est noindivduomaisdo que no meio. Por isso mesmo, sua ao pedaggicaocorre fundamentalmente no plano da conscincia individual. Nempor isso sua organizao tem sido impermevel lgica dos territri-os, pois como se verifica no caso especfico do Rio de Janeiro, onde aexpansodamalhapentecostalocorreucommaiornfaseapartirdos

    anos 80, momento em que o trfico se consolida enquanto forma deautoridadelocal,asigrejasiroseafirmarcomoarenaspblicasalter-nativas,emquepossveloestabelecimentodealgumnveldecomu-nicao entre os moradores dos territrios11. No tardou para que sepercebesse que essa rede de igrejas constitua um dos caminhos efica-

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    zes para a captao de votos, esvaziando ainda mais o papel da lide-

    rana comunitria naquilo que ela tem de mais tradicional sua fun-o de cabo eleitoral , contribuindo para a fragilizao do padro deintegrao hierarquizada da cidade, caracterizado pelo conceito decontrole negociado. Esse fenmeno tem sido ainda mais reforadopelo fato de que os evanglicos se tm apropriado dos centros de po-der dos territrios.

    Desse contraponto entre a atuao catlica nos territrios durante osanos 50 e 60 e a dos pentecostais na conjuntura atual, pode-se concluirque, enquanto a catlica valorizava uma ao poltica coletiva, orien-tada para a mudana da ecologia local, a pentecostal entende a pobre-za como um problema individual. Como observa Mariz (1996:184),tanto a teologia da prosperidade quanto a nfase sobre as doaes,presentes nas pentecostais, vinculam riqueza material f e adoode uma vida crist, rejeitando a teodicia catlica da redeno pelapobreza e pelo sofrimento. Assim, enquanto a catlica operava com algicadoterritrio,colocandocomodesafioasuperaodesuasfron-teiras com a cidade por intermdio de intervenes civilizadoras so-

    bre o espao, as pentecostais, de modo geral, tendem a apostar, s ve-zesexplicitamente,nalgicadomercadocomolugardereconstruodo indivduo. Por isso mesmo, sua atuao no neutra em face dacontradio existente entre a cidade e os territrios, na medida emque superpe fragmentao territorial a lgica da competio indi-

    vidual e a naturalizao das leis do mercado. Como afirma Birman(2003), a respeito da Igreja Universal do Reino de Deus IURD, estem curso um processo de construo de um novo imaginrio nacio-nal,diversodocultivadopelocatolicismo.Enesseimaginriosobres-sai uma concepo de nao

    [...] violenta, atravessadapor conflitos sociaise morais,cuja pacifica-o se far pela integrao progressiva de todos em um projeto debase igualitria que tem na mobilidade ascendente dos homens deDeusoseuvalormaior.Umanaodeempreendedores,devencedo-res, de cristos assim projetada para o futuro ( idem:237).

    Igualdade, mobilidade social e empreendedorismo so, portanto, ospilares da reforma intelectual e moralque est emcurso com o avanodas agncias neopentecostais12. Nessa chave, a questo da integraosocial e urbana reduzida dimenso da desigualdade social, estan-do excluda, por conseguinte, a prpria dimenso da cidade.

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    Assim, podemos concluir que, caso permanea entregue a si mesmo,

    o processo de massificao do neopentecostalismoem nada contribu-ir para a formao de uma cultura poltica participativa. E a impor-tnciadessaadvertnciaevidente,poisestamosfalandodosegmen-toquemaiscrescenocamporeligioso,muitoespecialmentenointeri-or dos territrios. Nada impede, contudo, que uma recomposiodesse campo em torno de um novo ecumenismo que inclua o catoli-cismo popular, as religies afro-brasileiras e as chamadasevanglicastradicionais crie canais de comunicao entre as igrejas neopente-costais e a cidadania, afinal, tambm verdade que, ao contribuirpara a formao de indivduos mais autnomos, as igrejas evangli-cas criam condies potencialmente favorveis a processos de afir-mao de novos sujeitos na esfera pblica.

    MERCADO E TERRITRIO

    O aprofundamentodo homo economicus podeserassimoresultadoes-peradodareformaintelectualemoralemcurso,comoquesevaicon-solidandoaobradarevoluoburguesabrasileira,nosentidodecriarum indivduo profundamente dominado pela lgica dos interesses edo apetite pela prosperidade material (Werneck Vianna, 1999). Refor-a-se, assim, a aposta liberal no mercado como instituio capaz deintegrar indivduos animados pela idia da realizao material. Doponto de vista da relao entre a cidade e os territrios, no entanto, o

    que se vai observar uma contradio aparentemente insupervelentre o mercado e os limites impostos pelo territrio. Essa baixa ex-pectativa de que a via econmica venha a servir como alternativapara a integrao urbana noslevaa retomara outradimenso contidano conceito de cidade escassa, que remete solidariedade fundadano direito e na cidadania.

    Alguns autores, como Licia Valladares (2001), tm salientado que, seum dia as favelas abrigaram uma populao pr-burguesa e poucoafeita racionalidade moderna, esse quadronaifse mostra completa-mente inadequado para dar conta da presente realidade. Os morado-res da favela, como os demais da cidade, pensam e agem como seres

    de mercado, e por isso procuram converter em valor de troca bens deuso, a comear pela casa, que tanto pode representar uma oportuni-dadeparaalgumtipodeespeculaoimobiliria,quantoseconverteremumaformaderendapormeiodoaluguelouarrendamentodepar-tedacasa,ouaindadarlugaraumpontodenegcio13.Poroutrolado,

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    embora de baixa renda, os moradores das favelas representam um

    mercado consumidor bastante interessante14. Por esse motivo, as fa-velasdemdioegrandeportesisto,aquelascommaisdequinhen-tos domiclios abrigam um pujante comrcio e um dinmico merca-do imobilirio15.

    Se tudo isso verdade, igualmente correta a afirmao de que asbarreiras jurdicas e de informao impedem o pleno desenvolvimen-to do potencial mercantil das favelas, inibindo uma fonte importantede gerao de trabalho e renda locais. O ponto fica evidente quandoseconsideraquealgumasempresasdacidadeformalsetminstaladoem territrios, interessadas em seu mercado consumidor, estabele-cendoumaconcorrnciadesigualcomocomrciolocal,queintensi-vo em mo-de-obra e tem forte componente familiar16.

    Uma contribuio importante para esse debate foi dada por Hernan-do de Soto (2001), em seuO Mistrio do Capital, com vistas a universa-lizar o acesso ao capitalismo entre os pases da semiperiferia, pormeio de reformas nos seus sistemas jurdicos de propriedade 17. Umrpidolevantamento sobre o que setem feitono Brasil nessa matriasuficiente para constatar que existem iniciativas em curso sendo to-madas nessa direo, nos mbitos federal, estadual e municipal. AatuaodoServioBrasileirodeApoiosMicroePequenasEmpresas SEBRAE, por exemplo, procurando incentivar e capacitar empreen-

    dedores e estimular inovaes legislativas como a iseno fiscal ou asimplificaodalegalizaorelacionadaaoestabelecimentocomerci-al18, e mesmo o Favela-Bairro, investindo tanto em infra-estruturacomo na qualificao de recursos humanos, so algumas das iniciati-vasquepossivelmenteestoproduzindoresultadosimportantes(Ca-vallieri, 2003). Embora necessitem de melhor avaliao, elas apontamna direo da flexibilizao da fronteira entre a cidade formal e a in-formal,eaquestosaberemquemedidasosuficientesparaalterarqualitativamente o padro de regulao atual que mantm na infor-malidadeboapartedaatividadeeconmicarealizadanosterritrios.

    Como se sabe, a consolidao do mercado andou de mos dadas com

    a democratizao das relaes sociais, favorecendo o individualismoe a difuso de regras impessoais para o contrato entre as partes (We-ber, 1982). Mas, como o mercado existente nos territrios est subme-tido a regras e acordos locais, a prpria idia de contrato fica condici-onada ao arbtrio de uma autoridade local, seja ela de que natureza

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    for. Experimente o leitor, por exemplo, alugar um quarto em uma fa-

    vela, e logo perceber que o contrato entre as partes ser fundado emprincpios diferentes daqueles inscritos na lei do inquilinato. Assim,se a mercantilizao potencialmente favorece a emancipao indivi-dual dos moradores da favela, a lgica do territrio tende a neutrali-z-la. Essas duas foras contraditrias criam indivduos treinadosparasecomportaremumambientenoqualomercadoreguladoporregras sancionadas por relaes interpessoais (De Soto, 2001).

    Romper com essa contradio importaria assegurar que o mercadofuncionasse nosterritrios sob o mesmo direito da cidade, e para issoseria necessrio comear por deslocar a prpria autoridade local, quecria e sanciona regras no interior do territrio. Mas esse tipo de inter-

    veno no tem sido considerado desejvel nem por parte dos agen-tes econmicos, que se beneficiam da informalidade para extrair umamais-valia superior obtida na cidade, nem por partedo poder pbli-co, bastando observar o formato de relacionamento j consagradoque este ltimo estabelece com as associaes de moradores de fave-las, fazendo delas uma extenso da repartio pblica, condio fun-damental para a sua converso em agncia poltica estratgica para acaptao do voto popular (Burgos, 1998; 2003).

    Assim, embora a mercantilizao dos territrios no seja necessaria-mente refratria ao desafio da integrao urbana, fica evidente que,entregue a si mesma, a via mercantil se coaduna muito bem com a l-gica fragmentria dos territrios. Da que, tomado como dimensoisolada, o mercado, incluindo o mercado de trabalho, no ser capazde refundar as bases da confiana necessrias integrao social e ur-

    bana. Seguindo todos os desdobramentos do conceito de cidade es-cassa, chegamos ao direito como fonte capaz de produzir solidarie-dadeemumasociedadequeestfundadanoprincpioconstitucionalda igualdade e da liberdade.

    DIREITO E CIDADANIA: RISCOS E OPORTUNIDADES DACIDADE TERRITORIALIZADA

    Historicamente, a cultura constitui-se na principal via de integraourbana de cidades como o Rio de Janeiro, que s foram envolvidasparcialmente pelo industrialismo fordista. Da a importncia das fes-tas religiosas, da msica e do futebol como suportes culturais de co-municao entre grupos que no so integrados pela poltica ou pelo

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    mercado. Esta a chave utilizada por Jos Murilo de Carvalho (1987),

    por exemplo, quando afirma que, no Rio de Janeiro, a cidade noerauma comunidade no sentido poltico, no havia o sentimento de per-tencer a uma entidade coletiva, concluindo da que das repblicasrenegadas pela Repblica foram surgindo os elementos que constitu-iriam uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nasgrandes celebraes do carnaval e do futebol ( idem:38 e 41).

    Contudo, a prpria territorializao da cidade j constitui uma evi-dncia de que essa funo integradora da cultura perdeu fora, emgrandemedidaemdecorrnciadosjcomentadosefeitosproduzidospela modernizao econmica,que foram desfazendo as bases sociaisdo sentido integrativo de solidariedade vertical caracterstico doestilo comunitrio de comunicao entre os grupos da cidade(idem:152). Assim, a inexistncia de energia cvica capaz de integrar otecido urbano pela cultura ou pela poltica e o localismo inerente aomercadoinformalsugeremqueaprpriacidadesetornavirtualdian-te da ausncia de mecanismos de solidarizao entre as partes que ahabitam.

    Considerando que a territorializao da cidade corresponde ao cen-rio urbano que sucede ao esgotamento dos mecanismos de controlenegociado, que se baseavam em uma incorporao subordinada ehierarquizada, abre-se um perodo de grandes incertezas, no qual se

    torna plausvel apontar a existncia de riscos terrveis para o futurodas cidades brasileiras, ao mesmo tempo que se descortinam oportu-nidades que no deixam de ser promissoras.

    O fenmeno da aguda violncia urbana j faz parte da realidade dascidades brasileiras h pelo menos duas dcadas, e mesmo no sendoexclusividade do pas, tem encontrado aqui terreno frtil com a terri-torializao da cidade crescendo ano apsano; o aumento exponenci-al do homicdio, do latrocnio, do assalto mo armada, da guerra detraficantes e da delinqncia juvenil d conta de uma sociabilidadecom baixo nvel de solidariedade. E no preciso ser futurlogo paraafirmar que a situao tende a agravar-se na prxima dcada, sobre-

    tudo se ao vazio de solidariedade se oferece apenas a dimenso puni-tivacomotentativacadavezmaisdesesperadadeseresolverpelafor-a a fragilidade do complexo tico-moral encerrado nos mecanismosdecontrolesocialvigentesatualmentenasgrandescidadesdopasatransformao da economia informal das cidades, em especial do co-

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    mrcio ambulante, em uma questo exclusivamente policial, uma

    evidncia disso.

    Por outro lado, como j observamos, se verdade que a territorializa-odacidadefrutodaimplosodopactocitadinopreexistente,tam-

    bm verdade que os fragmentos dessa cidade esto mais livres doque jamais estiveram dos mecanismos de controle social e poltico,tornando possvel pensar na construo de uma nova forma de arti-culao horizontal, para a qual poder contribuir a ainda vaga, mascrescente, noo de direitos.

    O desastroso efeito desarticulador provocado pela dinmica perver-

    sainerente ao conflito entrea polcia e o trficoque,sobretudono casodo Rio de Janeiro, transforma os territrios em espaos militarizados,pode at adiar o desenvolvimento dessa tendncia, mas no necessa-riamente impedir que ela ocorra, j que o supercontrole blico a quea populao dos territrios est exposta, embora violento, cada vezmenos eficiente do ponto de vista moral e intelectual.

    De fato, nos territrios expostos dinmica polcia/trfico, aindaprevalece a lei do silncio, mas novas formas de vocalizao e de co-municao entre os territrios e destes com a cidade comeam a sur-gir, com a formao de novos intelectuais (Gramsci, 1991), tais comoos jovens universitrios oriundos das favelas, cuja atuao local de-

    ver contribuir para elevar o nvel intelectual e moral dos moradoresdos territrios, emprestandonovo significado atuao de suasasso-ciaes representativas; com as novas formas de manifestaes arts-ticas, construdas a partir de suportes culturais como esse hip-hop

    brasileira, que formula uma crtica social baseada na valorizao dasidentidades territoriais em face da cidade, e que ao faz-lo denuncia aprpria estreiteza da cidade; e mesmo com os pastores evanglicosque, por meio da sua pedagogia individualizante, podero favorecera construo de sujeitos de direitos.

    Assim que, ao menos no horizonte, surge a possibilidade indita de

    se construir uma nova cidade, cujo sistema de solidariedade se nutrado papel do cidado, o que pressupe que a totalidade dos destina-trios singulares das normas jurdicas possa considerar-se autora ra-cional dessas normas (Habermas, 1997:54). A nova integrao socialdotecidourbano,portanto,pressupeumaradicalampliaodapar-

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    ticipao social e poltica dos moradores dos territrios na reconstru-

    o da cidade.

    E se o esgotamento do padro de controle negociado abre a possibili-dade para o desenvolvimento dessa tendncia entre os moradoresdos territrios, a ordem criada pela Constituio de 1988 torna-aplausvel, na medida em que faculta sociedade amplos mecanismosdeacessoproduonormativa,sejapelaviadarepresentaopolti-ca,sejaporviasparticipativas,queincluemarepresentaofuncionalexercida pelo Judicirio e pelo Ministrio Pblico (Werneck Vianna eBurgos, 2002:382 e ss.).

    A superao das fronteiras impostas pelo territrio passa, em suma,

    pela construo da cidadania, vale dizer, da comunicao entre a par-ticipao social e poltica e a produo normativa. Sem pretender su-perestimar as evidncias empricas, j possvel perceber alguns mo-vimentos nessa direo.

    Como j salientei, a representao dominante dos territrios como es-paosno limiar da barbrie temsido determinante para justificar a si-tuao de supercontrole que, como tenho argumentado, s faz apro-fundar sua condio de territrio. E na construo dessa representa-o negativa o papel da mdia tem sido central. Uma agenda de mu-dana do atual estado de coisas supe, portanto, uma disputa nessedomnio da representao, seja pela produo de mdias alternativas,seja pela via da redefinio das aes coletivas miditicas. Iniciativasnesse sentido j podem ser observadas com a criao de canais inter-nos de televiso, como os que existem na Rocinha, em Rio das Pedrase em outras grandes favelas do Rio de Janeiro; rdios comunitrias esitesespecializados em favelas. Seria prematuro afirmar que essasformas alternativas de mdia tm atuado de forma sistemtica contraas representaes dominantes na cidade; tampouco se pode assegu-rarquevenhamcontribuindoparaaconstruodeumaagendadein-cluso dos territrios na cidade. Mas nada impede que um dia issoocorra19.

    Nada substitui, entretanto, um processo de organizao social maisamplo, que d lugar a manifestaes populares organizadas, pelasquais seja possvel publicizar de modo mais controlado uma agendade problemas e de reivindicaes. Nesse sentido, deve-se mencionara experincia do MovimentoPopular de Favelas MPF, que comeou

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    a organizar-se em julho de 2000, reunindo dirigentes de associaes

    de moradores e de outras organizaes comunitrias, e que teve poreixoalutacontraaviolnciaeareivindicaodeumacidadaniaple-na para os moradores de favelas. De acordo com Mrcia Leite(2003:76 e ss.), o Movimento Popular de Favelas teria chegado a nu-clear representantes de cerca de 60 favelas, entretanto, em fins de2001,sofreumprocessodedesorganizaoque,aindasegundoLeite,teria sido determinado por tenses oriundas tanto do trfico quantodo sistema poltico.

    AexperinciadoMPFumtestemunhodasdificuldadesinerentesaoprocesso de mobilizao dos moradores dos territrios, mas, por ou-

    tro lado, revela a existncia de um formigamento no mundo popu-lar20. Uma evidncia recente disto foi a manifestao pblica realiza-da pelos moradores da Rocinha no ltimo domingo de fevereiro de2004,porocasiodamissade7diadamortedostrsadolescentesas-sassinados pela polcia, no episdio anteriormente citado. ContandotambmcomapresenadealgunsparlamentareselideranasligadasaONGs,elateveincioduranteamissa,eseguiuemformadepassea-ta por algumas ruas da favela. Talvez tenha sido a primeira manifes-tao desse tipo nas ltimas dcadas no Rio de Janeiro. Por isso mes-mo, ganhou as primeiras pginas dos principais jornais da cidade.Menosdesessentadiasdepois,novamobilizaocoletivacontraavi-olnciapolicial,dessavezreunindoemumapraapblicamoradoresde vrias favelas da cidade; o evento foi organizado por uma entida-decivilcriadaapsamortedequatrojovensnaFaveladoBorelloca-lizada na Tijuca durante troca de tiros entre policiais e traficantes, econtou com a participao de diversas entidades, incluindo gruposde artistas, ONGs, associaes de moradores e at representantes doMovimento Sem-Terra. A passeata conduziu os manifestantes at oPalciodoGovernodoEstadodoRiodeJaneiro.Aseguir,pode-seob-servar a foto dessa manifestao21, cuja tnica foi a luta pelo direito vida,emclaraevidnciadequenoterritrioseviveplenamenteo hob-besianismo social. Em uma das placas empunhadas pelos manifestan-tes,pode-seleremboracomdificuldadeumprotestoquerevelade

    forma instantnea o significado poltico e existencial da escassez decidade, na medida em que denuncia a marginalizao do territrio ereivindica a ampliao da cidade representada no espao pblicomiditico. Diz o protesto: Moro onde os meios de comunicao schegam para contar os mortos.

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    Mas, em que pesem as evidncias concretas de mobilizao recentedo mundo popular aprisionado nos territrios, seria contraditriocom a linha de argumentao apresentada neste trabalho apostar queesse processo poderia ser capaz de superar as fronteiras ora existen-tes sem a mobilizao da cidade como um todo, tanto da sociedadequanto do Estado.Reside aquia chave para o desenvolvimento de umnovo tipo de solidariedade, que comece pelo compartilhamento dodebate acerca da cidade; afinal, cidade e territrio fazem parte de umnico espao urbano, coabitado por milhes de indivduos que com-

    partilham a mesma infra-estrutura urbana e institucional.

    De uma perspectiva mais ampla, que leve em conta a cultura polticabrasileira, pode-se afirmar que no faltam elementos em nossa hist-ria para dar sustentao construo de um novo princpio de inte-graosocial e urbana dascidades, que tenha por base uma solidarie-dade fundada na participao na coisa pblica. A esse respeito, bas-tante sugestiva a proposio de Luiz Werneck Vianna e Maria AliceRezende de Carvalho, quando sustentam que

    [...] como princpio de regulao moral, baseado na fraternidade de

    fundo familiar, corporativo ou religioso, escolas histricas da noode comunidade sempre presente em nossa formao social, talvez sepossa dizer que, entre ns, a solidariedade parte inextricvel do de-bate democrtico, vindo a encontrar forma de institucionalizao naCarta de 88 (2004:222).

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    Uma agenda reformista passaria pela abertura de novos espaos de

    debate, de novos fruns colocando em comunicao os moradoresdos territrios entre si e deles com os habitantes da cidade; a favordessa agenda poltica conspira a prpria histria de cidades que,como o Rio de Janeiro, no exauriram completamente suas fontes desolidariedade.Nelasaindareside,sebemqueemrepouso,umcapitalsocial acumulado em suas associaes profissionais e de moradores,emsuasescolaseuniversidades,emsuasigrejaseassociaesreligio-sas, e em suas instituies de cultura, esporte e lazer, como os clubessociais e as escolas de samba, e que se renova em sua capacidade demediao com o mundo popular por intermdio dos jovens universi-triosedeintelectuaisligadosaoterceirosetor.Dessecapitalsocialsepoder extrair a energia necessria para o desenvolvimento de umanova solidariedade, capaz de sustentar uma cidade de cidados.

    A foto a seguir, publicada recentemente na primeira pgina doJornaldo Brasil, um registro que corrobora o argumento sustentado nestetrabalho22.

    (Recebido para publicao em setembro de 2004)(Verso definitiva em janeiro de 2005)

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    NOTAS

    1. Originalmente, a palavra favela foi utilizada como apelido do Morro da Providn-cia,quecomeouaserocupadoparamoradiaporex-combatentesdaGuerradeCa-nudos, que teriam trazido da campanha um legume chamado favella, muito co-mumem Canudos. Umaexcelente reconstituioda forma pela qual a categoria fa-vela foi sendo substantivada ao longo das primeiras dcadas do sculo XX, e decomo ela empregada como antnimo de cidade, est em Valladares (2000). Umahistria das diferentes conotaes emprestadas categoria favela a partir da dca-da de 30 est em Burgos (1998).

    2. Os loteamentos irregulares so umaformade habitao popular definida pelo fatode o processo de legalizao do empreendimento no ter sido concludo, em geralporque o empreendedor no realizou todas as obras de infra-estrutura exigidaspelo poder pblico. De todo modo, sua configurao espacial caracteriza-se poruma clara separao entre os lotes, com a delimitao de reas pblicas, e em geralseus moradores possuem um ttulo precrio de propriedade. Na cidade do Rio deJaneiro , de acordo com oAnurio da Cidade publicado em 1998 , cerca de 900 milpessoas viviam em loteamentos irregulares ou em conjuntos habitacionais. E, se-gundo o Censo de 2000, outros 1,1 milho vivem em favelas.

    3. De acordo com o Censo de 2000, o Rio de Janeiro possui 811 assentamentos favela-dos, e So Paulo, 1.548. Alm disso, dados de 1999, doPerfil dos Municpios Brasilei-ros, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, aponta-vam a existncia de favelas em outros 1.540 municpios brasileiros o correspon-dente a quase 30%do total destes. Esses dados levaram Susana Taschner (2003:20 ess.) a concluir que muitas cidades mdias e grandes do inter ior paulista apresen-tamomesmopadrodeurbanizaodacapital,comosurgimentodeperiferiaspo-bres e favelas.

    4. A importncia do territrio como critriode acessoa bens pblicos no exclusivi-dade carioca ou brasileira, sendo encontrada em outras cidades latino-americanas,como no caso das reas informais de Buenos Aires, por exemplo, onde tambmexiste uma clara relao entre territrio, acesso a bens pblicos e controle social epoltico sobre o exerccio da autonomia (ver Cravino, 2003:98 e ss.).

    5. Aexpressopolticada bicadguatorna-sepopular namedidaem quese difun-de a crtica a um tipo de clientelismo, pautado em uma relao de troca, a partir doqual o poltico influente na vida local conseguia algum tipo de benefcio, em geralde pequena monta como, por exemplo, a construo de tanques coletivos para aslavadeiras , em troca da lealdade dos eleitores locais.

    6. Foto de Antonio Lacerda, publicada noJornal do Brasil, 7/11/2003.

    7. De acordo com ngela Paiva (2003:166), a mudana deorientao aconteceu a par-tir de duas grandes tendncias convergentes: de um lado, a maior presena do lai-cato no interior da Igreja Catlica, que teria gerado um crescente questionamentoacerca do papel do cristo; e, de outro, uma mudana na postura de uma pequenaparte da elite eclesistica, quepercebiaa urgncia de novos posicionamentos dian-te da desigualdade social do pas.

    8. A Fundao Leo XIII foi criada,aindaem 1946, pela Arquidiocese do Riode Janei-ro.Entre1947e1954,aLeoXIIIestendeusuaatuaoa34favelas,implantandoem

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    algumas delas servios bsicos como gua, saneamento, luz e redes virias, e man-

    tendo centros sociais em oito das maiores favelas da cidade na poca. Em 1955, aIgrejaCatlicacria a Cruzada SoSebastio, que, entre1956e 1960,realiza melhori-as de servios bsicos em doze favelas, alm de construir o conjunto habitacionalque ficaria conhecido como Cruzada, localizado no bairro do Leblon (Burgos,1998:28 e ss.).

    9. Eduardo Guimares de Carvalho (1991) observa que, com base na experincia daresistnciadosmoradoresdoVidigal,quecontoucomamplaassessoriadaPastoraldas Favelas, pode-se identificar algumas oposies fundamentais: passividade xmobilizao; misria x melhoria de condies de vida; individualidade x comuni-dade; paternalismo x autocapacitao (mutiro). Estas oposies, conclui Carva-lho, norteiam a ao da pastoral [...] (idem:44).

    10. Caso exemplar de como o trabalho que vinha sendo realizado por catlicos em fa-velas foi gradualmente se tornando clandestino relatado por Maria Helena da

    Franca Moniz de Arago (2003), que descreve a experincia de trabalho comunit-rio na Favela da Mineira, desenvolvido por uma equipe composta de padres laza-ristas e voluntrios ligados ao Colgio So Vicente de Paulo.

    11. Entre 1991 e 2000, os evanglicos praticamente dobraram sua participao na po-pulao do estado, passando de 12,8% para 21,3%. De acordo com Mrcia PereiraLeite (2003:70), uma das razes que ajudam a compreender esse aumento exata-mente o acentuado incremento da violncia e da criminalidade, bem como da es-tigmatizao desua populaopobre, negra e mestia, moradora dasfavelase peri-ferias. Para a autora, as religies evanglicas oferecem a esta populao umamarcaidentitriapositiva,queadiferenciadosbandidosetraficantesdedrogas.

    12. Patrcia Birman(2003:242)chamaa ateno para o fato deque a IURD tem elabora-do uma representao religiosa de seus fiis enquanto integrantes da nao quenasce em oposio aoethoscatlico. Constri uma imagem de religio associada

    riqueza, opulncia, ao cosmopolitismo e globalizao. Esta imagem tambmofereceelementosdecombateedenoaceitaopelossegmentospopularesdeumlugarsocialqueosvinculaaumlugarhierrquicoinferiordopontodevistasocialesimblico bem como ao tradicionalismo religioso que ele destila.

    13. Suzana Taschner (2003:40) observa que o acesso casa favelada, antes valor deuso, agora fruto de crescente mercantilizao. Unidades de moradia so compra-dase vendidas, numsimulacro do mercadoformal. Mesmo a terra invadida obje-to de comercializao freqentemente.

    14. Licia Valladares (2001:4) tem chamado a ateno para o aquecimento da economianasgrandesfavelas,sustentandoqueaoladodomercadoimobilirioqueasede-senvolveu [...] floresce um enorme mercado de servios que se moderniza paraatender a umapopulao cada vezmais heterognea e consumidora [...]. Porisso,aautoraconcluiserumequvocoreduziraeconomiadafavelaaotrfico,sendoas

    demaisatividadeseconmicasosinaldetransformaescomplexasnasuaestrutu-ra scio-econmica.

    15. PedroAbramo (2003:192-193) observa que em pesquisas recentes sobre a localiza-o do emprego de moradores de favelas do Rio de Janeiro e de So Paulo, verifi-cou-se que um percentual importante desses moradores trabalhava na prpria fa-

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    vela. Assim, conclui Abramo, a favela tambm pode ser vista como um local de

    concentrao de atividades de servio e comrcio [...].16. Com base em dados da Pesquisa Socioeconmica em Comunidades de Baixa Ren-

    da, patrocinada pela Secretaria Municipal de Trabalho da Prefeitura do Rio de Ja-neiro,JaneSoutodeOliveiraet alii (2003)constatamqueexistem5.942pessoasocu-padas em estabelecimentos das favelas, o que correspondia a 7,4% dos postos detrabalho e a 6,8% dos rendimentos das pessoas ocupadas.

    17. Apropostade DeSoto (2001)tem sidobastantecriticada, entreoutrasrazes, porsebasear no direito individual de propriedade, e no no direito social moradia, quepara se realizar demandaria um conjunto de polticas pblicas inclusivas, maisabrangentes do que a simples ampliao do acesso propriedade formal (sobreisso, ver Fernandes, 2003).

    18. Maioresinformaes sobre o SEBRAE,ver.SobreopapeldoSEBRAEna organizao da Associao Comercial da Rocinha, ver o trabalho de Lerner

    (2003).19. Uma iniciativa interessante de mdia alternativa osite, que

    alm de buscar construir uma certa unidade entre os territrios, veiculando suaagenda poltica e cultural, tem procurado gerar notcias positivas sobre a popula-o dos territrios, no campo econmico, artstico, social e cultural.

    20. Devo essa expressoa ItamarSilva, dirigentedo Instituto Brasileirode Anlises So-ciaiseEconmicasIBASE,equepossuilongamilitncianaquestodasfavelasdoRiode Janeiro. Eleutilizou essa expressoem umseminrio realizado na PUC-Rio,em agosto de 2004, quando fazia referncia ao fato de o mundo popular estar maisconsciente da necessidade de se mobilizar, ao mesmo tempo que convive com difi-culdades e constrangimentos que fazem com que essa conscientizao permaneacomo um processo encubado .

    21. Foto de Lucas Van de Beuque, publicada noJornal do Brasil, 17/4/2004.

    22. O jornal dodia 15de junho de2004,e a legenda dafotodiz:RubensRicupero, Se-cretrio-Geralda Conferncia dasNaesUnidas para o Comrcio e o Desenvolvi-mento, entrega a Kofi Annan, autoridade mxima da [Organizao das NaesUnidas] ONU, sob aplausos do presidente Lula, a bandeira da Escola de SambaMangueira.Umahomenagem aosafricanose smboloda criatividade dospovosdoTerceiro Mundo. O crdito da foto no informado pelo jornal.

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    ABSTRACT

    City, Territories, and Citizenship

    Brazilian cities, and especially the large metropolises, have undergone aprocess of territorialization, that is, legal and political fragmentation of theurban fabric with the configuration of spaces dominated by informal localauthorities. Such spaces take on characteristics common to the favelas(slums) such as thoseof Rio de Janeiro which have historically displayed thistype of ecological configuration. The central hypothesis of this article is thatthis process of urban territorialization has placed an important constraint onthe full exercise of citizenship in low-income areas, since it turns the place ofresidence into a segregated space, lacking minimum conditions forexercising the most elementary civil rights.

    Key words:city;favela; citizenship and territorialization

    RSUMVille, Territoires et Citoyennet

    Les villes brsiliennes surtout lesgrandes mtropoles sont de plus en plussoumises un processus de territorialit, c'est--dire la fragmentationjuridique et politique du tissu urbain, avec le contour d'espaces domins par

    des autorits informelles locales. Ces espaces prsentent un caractrecommun aux favelas, comme celles de Rio de Janeiro qui, historiquement,possdent ce type de milieu ambiant. L'hypothse centrale de cet article estque ce processus de territorialit des villes reprsente un important facteurd'obstruction du plein exercice de la citoyennet chez la population, car iltransforme le lieu d'habitation en espaces de sgrgation o manquent lesconditions minimales pour l'exercice des droits civils les plus lmentaires.

    Mots-cl: ville; favela; citoyennet; processus de territorialit

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