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Marco legal da política indigenista brasileira A política indigenista no país tem como base a Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973) e instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Constituição, que conta com um capítulo próprio para disciplinar a matéria (Capítulo VIII, Arts. 231 e 232), reconhece aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Os direitos dos povos indígenas de viverem segundo seus usos e costumes ainda estão resguardados em nossa Carta Magna nos Artigos 215 e 216, que garantem a todos o pleno exercício dos seus direitos culturais. 31

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Marco legal da política indigenista brasileira

A política indigenista no país tem como

base a Constituição Federal de 1988, o

Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973) e

instrumentos jurídicos internacionais,

como a Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) e a

Declaração das Nações Unidas sobre os

Direitos dos Povos Indígenas.

A Constituição, que conta com um capítulo próprio para disciplinar a matéria (Capítulo VIII, Arts. 231 e 232), reconhece aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Os direitos dos povos indígenas de viverem segundo seus usos e costumes ainda estão resguardados em nossa Carta Magna nos Artigos 215 e 216, que garantem a todos o pleno exercício dos seus direitos culturais.

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O Estatuto do Índio, à época de sua aprovação, foi considerado um instrumento jurídico progressista, servindo, inclusive, de referência para outros países na constituição de mecanismos legais de proteção aos direitos indígenas. No entanto, atualmente, embora ainda em vigor, essa lei apresenta diversos dispositivos ultrapassados.

Apesar de resguardar os usos, costumes e tradições indígenas, de garantir a posse permanente sobre as terras que habitam e o usufruto exclusivo das riquezas naturais, o Estatuto do Índio foi aprovado no contexto de uma visão ideológica assimilacionista, ou seja, com a proposta de “integrar” os indígenas a uma suposta comunhão nacional homogênea, quando se sabe que a sociedade brasileira é complexa e plural. Em outras palavras, para ser cidadão brasileiro com plenos direitos, o indígena teria que deixar de ser indígena.

Diante do reconhecimento das identidades culturais diferenciadas dos povos indígenas pela CF/88, a proposta integracionista perdeu o respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Não se pretende mais “integrar” os indígenas à comunhão nacional, mas assegurar a manutenção da dinâmica própria de seus usos e costumes por meio de uma política indigenista que garanta a proteção de suas terras e promova seu desenvolvimento econômico, social e cultural, em novos parâmetros de qualidade diferenciados.

Para adequar a legislação infraconstitucional aos dispositivos constitucionais, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei no 2.057/1991, que, quando aprovado, instituirá o novo Estatuto dos Povos Indígenas.

O caput do Artigo 231 da Constituição reconhece aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam

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e determina que a União promova sua demarcação e proteção de seus bens. A demarcação serve para explicitar os limites da terra e não se configura como fonte constitutiva de direito. Nesse sentido, independentemente do processo demarcatório, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, por sua própria natureza jurídica, já são consideradas terras

indígenas, pois o direito originário consagra a fonte primária da posse territorial, não havendo, portanto, qualquer título anterior a esse direito. Cabe à Funai, com base em estudos de caráter antropológico, histórico e ambiental, estabelecer os limites das terras indígenas e, assim, iniciar o processo administrativo que culmina com sua homologação pelo presidente da República.

© Acervo » Funai

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De acordo com o § 1o do Art. 231 da CF/88, são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios: i) as por eles habitadas em caráter permanente; ii) as utilizadas para suas atividades produtivas; iii) as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e iv) as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Assim, a Constituição adotou o conceito de que as terras indígenas correspondem a seu habitat.

Em relação ao direito de propriedade sobre essas terras, no inciso XI de seu Artigo 20, a Constituição estabelece que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União. Portanto, os direitos indígenas sobre suas terras não estão relacionados ao direito de propriedade, mas à posse permanente e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais, nos termos do § 2o do Art. 231. A opção em manter as terras indígenas como propriedades da União é uma forma de garantir que essas terras sejam resguardadas dos interesses

Xingu © Mário Vilela » Funai

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individuais da sociedade envolvente que nem sempre respeita os usos e costumes indígenas.

O caráter coletivo da posse indígena e o direito consuetudinário dos diversos povos indígenas existentes no país também encontram proteção legal no ordenamento jurídico brasileiro. Quando a CF/88 reconhece, no caput do Artigo 231, a organização social indígena, seus costumes, línguas, crenças e tradições, está declarando que os povos indígenas possuem um sistema de valores diferenciado, como o caráter coletivo dos seus direitos e suas normas internas próprias.

A Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas também servem para proteger os direitos coletivos dos povos e o valor normativo dos seus direitos costumeiros. O fato, por exemplo, de a Convenção 169 da OIT determinar que seja realizada a consulta aos povos interessados sobre as medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente reconhece que os interesses indígenas são coletivos e que há a necessidade de deliberação conjunta sobre o destino de suas terras e de suas comunidades. Da mesma forma, está reconhecendo que o sistema de valores indígenas é diferenciado dos da sociedade envolvente e que possuem normas internas próprias.

Outro aspecto relevante instituído pela Constituição brasileira é o reconhecimento de que os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa dos seus direitos e interesses, como preceitua o Art. 232. Essa previsão constitucional fortalece a cidadania e a autonomia dos povos indígenas, na medida em que eles poderão recorrer ao judiciário sempre que houver ameaça ou lesão de seus direitos constitucionais.

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A Carta Magna de 1988 é um marco divisor na luta e conquista dos movimentos organizados da sociedade. A maior parte dos avanços alcançados pelo Brasil no campo dos direitos deve-se à estruturação das políticas públicas do Estado, motivadas pela Constituição de 1988.

Nos termos do Art. 196 da Constituição, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

A Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999, criou, no âmbito do SUS, o Subsistema de Saúde Indígena. De acordo com essa lei, dever-se-á, obrigatoriamente, levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas nas ações de saúde.

O subsistema tem como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), sendo garantida a participação dos indígenas nos conselhos de saúde locais, estaduais e nacional.

De acordo com o Art. 205 da Constituição, a educação é direito de todos, e o Art. 210, em seu § 2º, estabelece que “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” A Lei nº 9.394/1996 estabelece as bases da educação nacional e, no Título VIII, das Disposições Gerais, em seus Arts. 78 e 79, dispõe que o sistema de ensino da União desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural, bem como apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino. A Lei nº 10.172, de 2001,

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aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dispõe sobre as diretrizes, objetivos e metas da educação escolar indígena.

O Art. 129, inciso V, da Constituição

estabeleceu como função institucional do

Ministério Público defender judicialmente

os direitos e interesses das populações

indígenas. O Ministério Público pode propor ações judiciais em defesa das comunidades indígenas quando provocado ou por iniciativa própria, sendo que sua atuação é fundamental para a proteção dos direitos dos povos indígenas.

A missão de defender os direitos dos

povos indígenas também foi atribuída à

Advocacia Geral da União (AGU), que vem cumprindo papel relevante na defesa dos direitos indígenas, por meio, sobretudo, da atuação da Procuradoria Federal no âmbito da Funai em todas as regiões do Brasil.

Awá-Guajá © Chistian Kenepper » Funai

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De acordo com o Art. 109, inciso XI, da Constituição, compete à Justiça Federal processar e julgar as disputas sobre os direitos indígenas. A jurisprudência vem sendo consolidada em torno do entendimento de que tal competência se refere a direitos coletivos, tais como questões relacionadas às terras e ao meio ambiente.

No entanto, apesar do respaldo jurídico

aos direitos dos indígenas sobre

suas terras, nem sempre os tribunais

asseguram a aplicação imediata desses

preceitos. Muitos processos judiciais

sobre o reconhecimento de uma terra

como indígena levam anos para serem

concluídos, o que provoca, invariavelmente, uma situação conflituosa entre os indígenas, que requerem a posse sobre essas terras, e os ocupantes não índios, que alegam ser proprietários da gleba em questão.

Um dos casos mais emblemáticos em relação à demarcação das terras indígenas foi o processo demarcatório da TI Raposa Serra do Sol, localizada na região norte do estado de Roraima, tradicionalmente ocupada pelos povos Ingarikó, Makuxi, Taurepang, Wapixana e Patamona. A terra foi homologada por decreto do presidente Lula, em 15 de abril de 2005. Em julgamento concluído no dia 19 de março de 2009, o STF decidiu pela validade do processo de demarcação da TI Raposa Serra do Sol em área contínua. Dessa forma,

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reconheceu que os interesses privados dos não índios não poderiam se sobrepor aos direitos dos indígenas e que a demarcação não prejudica o desenvolvimento econômico do estado de Roraima, nem prejudica a soberania do país, como alegavam os rizicultores que se encontravam

ilegalmente na área. Após o julgamento do STF, os ocupantes não índios foram retirados da TI Raposa Serra do Sol, que passou a ser ocupada integralmente por indígenas e, em 19 de abril de 2010, recebeu a visita do presidente Lula, em evento comemorativo dos povos daquela região.

© Mário Vilela » Funai

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© Mário Vilela » Funai

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