27
CONCEITUAL março/2015 #12 formas

março/2015 CONCEITUAL - abd.org.br · que combinam funcionalidade e beleza, os designers revelam o impulso artístico das criações. O que eles fazem não é apenas para usar. É

Embed Size (px)

Citation preview

CONCEITUALmarço/2015 #12

formas

D & D S H O P P I N G

M a r c a s e p r o d u t o s q u e e x p r e s s a m o a m o r p e l a s u a c a s a e e x p e r i ê n c i a s g a s t r o n ô m i c a s p a r a c e l e b r a r o m e l h o r d a v i d a . Tu d o i s s o e s t á a q u i .

Av. das Nações Unidas, 12.555 | São Paulo – SPDe segunda a sexta, das 10h às 22h. Sábados, das 10h às 20h. Domingos e feriados, das 14h às 19h.

Quem ama ecora

ddshopping dedshopping @dedshopping www.ded.com.br

ADRESSE

A ESPECIALISTA

ALBERFLEX

ALBERFLEX PRONTA ENTREGA

AMAZONIA MÓVEIS

ARTECRISTALLO

ARTEFACTO

ARTEFACTO BEACH & COUNTRY

BRENTWOOD

BRETON ACTUAL

BRETON ACTUAL JARDIM

BUCALO

BY KAMY

CASA DI PIETRA

CASA FORTALEZA

CLAMI DESIGN

COPEL

CRISSAIR

DELL ANNO

DPOT

ELGIN CUISINE

ESPAÇO 204

FLORENSE

GALLERY BY FORMATO

INDUSPARQUET

INNOVATION BY ANTARES

INTERBAGNO

INTERDOMUS LAFER

LA LAMPE

LE LIS BLANC CASA

LEPRI CERÂMICAS

LUCCA ANTIQUES

LURI DECORAÇÕES/PERSIANAS LUXAFLEX

MADEIRA DOCE

MAISON DES CAVES

MARIA PIA CASA

MEKAL

MILLO

MMARTAN

MUNDO DO ENXOVAL

NATUZZI EDITIONS

ORNARE

PHENICIA CONCEPT

RIOLAX

SACCARO

SANTA MÔNICA

SERTA STORE

SIERRA MÓVEIS

SLEEP HOUSE

SPICY

STILARREDO

TOK & STOK

TREND CASUAL HOME/GARDEN

UD HOUSE

UNIFLEX

VARANDA

DED16097067_Familia_An_ABD_42x28cm.indd 1 3/11/15 11:42 AM

promoção promoted by—

apoio supported by—

eventos conjuntosco-located events—

A Fashion Week da Arquiteturae Construção1– 4 MAR 2016São Paulo, Brasil

The Architecture and Construction Fashion Week

exporevestir.com.br

Editorial

Publishers André Poli e Roberta Queiroz

Conselho Editorial Renata Amaral

Edição e arte Marcos Guinoza

Colaboradores Alvaro Tedesco, Amer Moussa, João Lourenço,

Marcella Aquila

revisão Luciana Sanches

Jornalista responsável Marcos Guinoza MTB 31683

Publicidade

Comercial Rosane Gulhak | [email protected]

VElVEt Editora ltda

Tel.: 11 3082-4275 | www.velveteditora.com.br

aBd Associação Brasileira de Designers de Interiores

Tel.: (11) 3064-6990 | www.abd.org.br

CorPo dirEtiVo aBd

Presidência: Renata Amaral

Vice-presidência: Marcia Kalil, Ricardo Caminada, Bianka Mugnatto,

Jéthero Miranda

Conselho Deliberativo | Membros Efetivos: Carolina Szabó

(presidente), Francesca Alzati (SP), Silvana Carminati (SP), Maurício

Peres Queiroz dos Santos (SP), Alexander Jonathan Lipszyc (SP),

Renata Maria Florenzano (SP), Rosangela Larcipretti (SP), Joia

Bérgamo (SP), Lucy Amicón (SP), Carlos Alexandre Dumont (MG),

Jaqueline Miranda Frauches (MG), Paula Neder de Lima (RJ), Luiz

Saldanha Marinho Filho (RJ), Flávia Nogueira da Gama Chueire (RJ)

Conselho Deliberativo | Suplentes: Nicolau da Silva Nasser (SP),

Paula Almeida (SP)

Conselho Fiscal | Membros Efetivos: Maria Fernanda Pitti (SP),

Fabianne Nodari Brandalise (PR), Catia Maria Bacellar (BA),

Delma Morais Macedo (BA)

Conselho Fiscal | Suplente: Daniela Marim (SP)

Diretora executiva: Alessandra Decourt

Sugestões

[email protected]

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade

dos autores e não refletem a opinião da revista.

Selo

FORMA E CONTEÚDOAmigos,Depois de superfícies e transparências, esta edição de ABD

Conceitual, a primeira de 2015, tem as formas como tema. Tudo na vida é forma. Formas que se transformam, formas que surgem de outras formas, formas que atraem outras formas, formas inventa-das pelo impulso criativo humano.

Desde a pré-história, a nossa evolução está estreitamente ligada à arte de dar forma às coisas. Com a pedra, desenvolvemos técnicas de entalhe para a produção de ferramentas. Com o fogo, aprendemos a fundir e endurecer o barro, transformando-o em utensílios de cerâmica. Com o aperfeiçoamento da nossa mente e o acúmulo de experiências e conhecimentos, demos forma à vida familiar e em sociedade.

Para compor esta edição de ABD Conceitual, apresenta-mos, entre outros nomes, o estúdio Ovo e suas formas surpreen-dentes; Oki Sato e suas formas intuitivas; Matthew Shlian e suas formas de papel; Jum Nakao e suas formas de vestir o corpo e a casa; Boca do Lobo e suas formas clássicas reinventadas; Anthony Baratta e suas formas exuberantes de decorar ambientes.

Criar, inventar, transformar nada mais é que dar forma às ideias. E é isso que nós, da ABD, seguimos fazendo. Como associa-ção dedicada ao design de interiores, procuramos dar forma aos nossos projetos, desenvolvendo palestras, workshops e eventos importantes como o Prêmio Novos Talentos. Tudo isso para inte-grar e valorizar ainda mais os profissionais da área.

Para finalizar, cito Michelangelo. Perguntado sobre como fazia suas esculturas, o mestre italiano respondeu: “Simplesmente retiro do bloco de mármore tudo o que não é necessário”. Para dar uma forma mais leve à nossa vida, muitas vezes basta fazer como Michelangelo: retirar dela o excesso.

ExPEdiEntE

RENATA AMARAl, presidente da ABD

CAPA: SwiRE, MATThEw ShliAN

6 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

_POSSO uSAR?/10Estúdio Ovo

_NANO-ORigAMi/20O engenheiro do papel Matthew Shlian

_BAuhAuS/24+ De Stijl + Design Memphis

_COR E FORMA/34Por Márcia Okida

_SEuNg-yONg SONg/35Objetos funcionais

_gEOMéTRiCOS/36Frank Stella, Victor Vasarely, Sol Lewitt

_CENáRiOS SuRREAiS/42As instalações de JeeYoung Lee

_EquilíBRiO PERFEiTO/48Anthony Baratta, designer de interiores

_ESTilhAçO/50J. M. Morgade

Jum nakao/28

ABD CONCEiTuAl / #12 / EDiçãO FORMAS

oki Sato/14

BoCa do loBo/38

8 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

[+]

Sumário

posso usar?uM DOS MAiS PREMiADOS ESTÚDiOS DO BRASil, A OVO ROMPE

FRONTEiRAS ENTRE ARTE E DESigN

TExTO marCoS guinoza

yVitrinE

10 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

CARRETEl 2014, mesas laterais, de café e de jantar

huEVOS REVuElTOS 2005, bolas de sinuca como penduradores ou cabides

BOiliNg 2013, estofado composto por um número variável

de estruturas esféricas, que se conectam por meio de ímãs

um nome que surpreende: Ovo. Precedido por uma vírgula, causa algum estranhamen-to: ,Ovo. Faz lembrar o romance Uma Apren-dizagem ou O Livro dos Prazeres (1969), de Clarice Lispector, que começa com uma vír-gula e termina com dois pontos.

Gerson de Oliveira explica: “Ovo tem vários sig-nificados e associações de que gostamos: a origem da vida, humor, criação, a forma perfeita, porém irregular, a embalagem da natureza, o ovo de Colombo”. Ele também explica a vírgula: “Remete à virada que demos em nossa carreira em 2002, com a criação da marca”.

Fluminense de Volta Redonda, Gerson é um dos donos do estúdio Ovo. A outra designer por trás da marca é a paulistana Luciana Martins. Os dois se co-nheceram quando cursavam cinema na uSP. Do cine-ma, pularam para as artes plásticas e, daí, para o design. Na Ovo, o mobiliário e os objetos criados pela dupla rompem fronteiras: é design, é arte; são híbridos entre um e outro, e escapam de classificações redutoras.

Gerson e Luciana experimentam sem medo. Com humor, brincam com as formas e as cores. Des-bravam caminhos inesperados. Huevos Revueltos são bolas de sinuca transformadas em cabides, resultan-do em uma invenção pop e divertida.

Ao poetizar o cotidiano, oferecendo móveis que combinam funcionalidade e beleza, os designers revelam o impulso artístico das criações. O que eles fazem não é apenas para usar. É também para ver e contemplar. Não à toa, já expuseram peças no MAM.

A dupla falou com ABD Conceitual.

Como é o processo criativo de vocês? as cria-ções são sempre em dupla?Sim, todos os projetos da Ovo são criados em dupla, a quatro mãos. Normalmente, nós fazemos reuniões de criação nas quais definimos aquilo que vamos fazer, e a partir daí nos dividimos no processo de desenvolvimento dos projetos. Sempre acompanhamos todas as etapas e vamos trocando informações e opiniões.

na opinião de vocês, o que delimita a frontei-ra entre design e arte? ou não há fronteira?Sim, há uma fronteira, porém muitas vezes essa fronteira é cruzada para um lado e para outro. um ponto fundamental é onde a criação se insere, se no campo do design ou no campo da arte. um bom exemplo da flexibilidade dessa linha é a nossa participação no Projeto Parede, no MAM-SP, com a instalação P.A. Colocamos no museu, neste espa-ço tradicionalmente ocupado por artistas visuais, um conjunto de peças que claramente punha em dúvida a sua própria natureza e fazia o público se questionar: “Posso usar?”, “posso tocar?” etc., e essa era justamente a graça.

Qual objeto que já existe vocês gostariam de ter criado?Sinceramente, não pensamos nisso.

o que inspira vocês?Tudo pode inspirar, e o interessante da inspiração é que ela pode vir de várias fontes. Justamente o ele-mento surpresa aí é algo que é parte fundamental. Pessoalmente, somos muito tocados pelas observa-ções do dia a dia, assim como pelos filmes que ve-mos, por aquilo que lemos etc.

Vocês têm um objeto de estimação? Não, temos objetos dos quais gostamos, mas não somos tão apegados assim a nenhum.

o tema desta edição da ABD Conceitual é for-mas. Qual forma mais seduz vocês?Não há uma forma em particular que nos seduza, gostamos da forma em relação ao contexto e de-pendendo do projeto.

12 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

PEDRAS 2012, blocos de tamanhos, formas e cores

diferentes compõem várias possibilidades de sofá

NóS 2014, concebido em parceria com

o artista plástico Célio Braga

OVO.ART.BR

CAVAliNhO 2014, conjunto de bancos/aparadores de

madeira, com assento/tampo de cobre

é

FOTO

S DIVu

LGAçãO

À FRENTE DO ESTÚDiO NENDO, ElE CRiA OBjETOS AMigáVEiS, lÚDiCOS E COM SENSO DE huMOR

yPErfil

oki satoTExTO marCElla aQuila

ThiNk BlACk liNES2009, para exposição de Phillips de Pury & Company na Saatchi Gallery

pós estudar, ouvir, ler e meditar um tanto sobre o dese-nho de Nendo, fica claro que não há palavra ou melhor forma para defini-lo do que um sintético e preciso ca-ractere: “!”. É... Nendo é aquele arregalar dos olhos quan-do nos deparamos com algo fora do lugar-comum. É a sensação de ser pego desprevenido por um gesto sin-gelo, que pode ser acolhedor, engraçado, intrigante ou isso tudo ao mesmo tempo. Nendo faz pensar não pelo tapa na cara, pelo movimento brusco ou pela denúncia, mas pelo uso da inteligência – que nem sempre é a via mais fácil, mas, na maioria das vezes, é pelas soluções mais simples. Bom, avancemos do começo, de volta para o princípio...

Nendo é um estúdio de desenho (design-desígnio) fun-dado pela dupla de arquitetos Oki Sato e Akihiro Ito, em 2003.

Sato conta que, na primeira vez em que ele visitou, com Akihiro e um grupo de amigos, o Salão do Móvel de Milão, logo após completar os estudos, eles ficaram impressionados com o grau de liberdade do design ali apresentado. O impacto positivo foi tão grande que, ao voltar para o Japão, fundaram o Nendo, cuja tradução literal é “argila” ou “massa de modelar”, em português.

De fato, grande parte dos objetos e espaços produzidos por Nendo tem como traço comum a incompletude, a modu-laridade ou um aspecto lúdico de jogos e brincadeiras. Quando perguntado sobre o que considera “bom design”, Sato diz que, para ele, são aquelas ideias que, em poucas palavras ou por te-lefone, pode-se explicar para “a sua mãe, que não entende nada de design, ou para uma criança”, e fazer com que elas enten-dam e fiquem interessadas.

Segundo John Jay, jornalista convidado do New York Times, o design produzido por Sato tem raízes na tradição de

A

kuuki 2008, instalação para a empresa Kenzoki

CABBAgE ChAiR2008, desenvolvida para

uma exposição do estilista Issey Miyake

BiRD-APARTMENT 2012, ninho de passarinhos para Ando Momofuku Center

um desenho japonês que conquistou muitos arquitetos do movimento moderno: de estreito contato com a natu-reza, uma ligação intelectual com o zen e de uma simpli-cidade inata. Essa simplicidade – ou a singeleza e clareza, como Lina Bo Bardi definiria o noh japonês – está presen-te não apenas no design de Sato, mas também pode ser observada em sua própria postura, respondendo sempre com doçura e naturalidade as mesmas perguntas sobre o Nendo, seja em vídeos de 2005 ou 2014. Em entrevis-ta para o blog DesignMilk, em maio de 2013, quando já era considerado um “star designer”, Sato é questionado sobre o que seria mais importante que conhecêssemos a respeito dele. O designer responde: “Nada! Eu não de-veria existir. Eu sou como o ar ou a água. Deveriam ser os objetos a tomar toda a palavra. Não há muito o que saber a meu respeito”.

E se seguimos o conselho de Oki Sato e damos a palavra aos objetos, eles certamente falarão, em formas, cores, materiais, escalas e programas dos mais diversos, sobre o mesmo princípio: “Revelar às pessoas um peque-no momento de ‘!’, em geral, escondido na nossa vida cotidiana”. E esse momento “a-ha” pode ser promovido por um conjunto de saleiros (Talking) cujas expressões – moldadas na cerâmica – indicam a sensação que se tem a partir de cada conteúdo: sal, pimenta ou azeite. A surpresa pode ser experimentada via um “casal perfeito” de maçanetas (Ondle), em que, de um lado da porta, te-mos o material “congelado” e, do lado oposto, o material “incendiado”. A cadeira que parece um desenho 2D, mas é absolutamente palpável (Thin Black Lines), uma lumi-nária (Hanabi) que se abre em flor conforme a lâmpada esquenta, os tênis flutuantes nas lojas da Campers ou na

concepção da loja de Issey Miyake como uma “típica loja de conveniência japonesa”.

Indicado como designer do ano, em 2015, pela feira Maison&Objet Paris, o Nendo, representado por Oki Sato, já produziu, ao longo da trajetória de 12 anos, para as maiores marcas de design do mundo como Cartier, Cappellini, Kartell, Hermès, Baccarat, Swarovski, Established & Sons, Logitec, Kenzo, Arketipo, Moroso... Além de outras grandes marcas não diretamente atuantes no segmento do design, como Starbucks, Coca-Cola, Häagen-Dazs, e peças e exposições em inúmeros espaços importantes, como Victoria & Albert Museum, Triennale Design Museum, Carpenters Workshop Gallery, Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e Museu de Arte e Design de Nova York. Hoje, Nendo participa de inúmeros projetos ao mesmo tempo, e Oki Sato garante que acompanha cada um deles de perto: “Dou a volta ao mundo todos os meses”.

Operando sempre da escala micro para a macro – na direção oposta àquela exigida em tempos de faculdade – Sato diz que gosta de pensar no design como uma es-pécie de vírus, que vai crescendo naturalmente até tomar dimensões maiores. Apesar das formas simples e mínimas dos objetos que produz, e que poderiam resultar em certa “dureza”, Sato explica que a meta é que eles sejam “ami-gáveis, lúdicos e que tenham senso de humor. Meu ponto de partida é sempre a história por trás do objeto”.

É com o uso de uma inteligência sensível à vida cotidiana e tirando partido de “breves estranhamentos” como inputs para provocá-la a sair da normalidade que Nendo demonstra com quantos paus se produz um de-sign na direção (e dimensão) do homem.

18 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

FOTO

S M

AISO

N&

OBJ

ET D

IVu

LGAç

ãO

NENDO.JP DiAMOND ChAiR2008, para Lexus

NENDO é AquElE ARREgAlAR DOS OlhOS quANDO NOS DEPARAMOS COM AlgO FORA DO lugAR-COMuM. é A SENSAçãO DE SER PEgO DESPREVENiDO POR uM gES-TO SiNgElO, quE PODE SER ACOlhEDOR, ENgRAçADO, iNTRigANTE Ou iSSO TuDO AO MESMO TEMPO

NANO-ORigAMi

yartE E CiênCia

TExTO João lourEnço

CON

TOu

R (F

OR

SwiR

E)

2013

. pap

el, 9

1 cm

x 1

37 c

m x

15

cmCu

RSiV

E 20

14, p

apel

, 50

cm x

50

cm x

17

cm

SPh

Ex

2012

, pap

el, 4

8 cm

x 6

3 cm

x 2

cm

NAS OBRAS DO AMERiCANO MATThEw ShliAN, A DOBRADuRA DE PAPEl ENCONTRA A NANOTECNOlOgiA

20 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

ngenheiro do papel. Assim o artista e designer Matthew Shlian se define. O trabalho do americano é um híbrido entre arte e ciência, em que a dobradura encontra a na-notecnologia. Matthew é formado em cerâmica e mídia impressa pela universidade Alfred, uma das instituições mais respeitadas de arte e design do estado de Nova York. Na faculdade, flertou com diversos materiais e téc-nicas, como vidro, pintura clássica e performance. “Na-quele período, eu não tinha ideia do que estava fazendo. Queria que meu trabalho fosse interativo, acho que por essa razão acabei me apaixonando pelo papel. Como um meio de produção, o papel é imediato. Eu também adorava geometria, então uma coisa levou a outra. Tra-balhar com papel é como montar um quebra-cabeça, você tem que ficar descobrindo o encaixe das peças.”

Ele conta que busca inspiração em azulejos árabes, arquitetura pós-moderna, padronagens, biomimética e música eletrônica. “Sou uma pessoa altamente visual. Ideias surgem após eu visualizar algo. O ponto inicial é a curiosidade. Preciso trabalhar em cima de algo para então entender o que aquilo significa. Se eu consigo prever o resultado antes de terminar o projeto, então não há sentido. Preciso ser surpreendido.”

A técnica de Matthew está enraizada na mídia impres-sa, na arte de livros e também no design comercial. Pedaços de papel se transformam em pequenas esculturas, embalagens e modelagens para roupas futuristas. “Na hora da criação, não sigo um processo rígido. Cada peça tem vida própria. Também não gosto de compartilhar meus diagramas e padrões de corte, pois isso não faria sentido para outra pessoa. Veja só, eu aprendi a minha técnica fazendo as coisas do ‘jeito errado’. Conseguir algo por intermédio do erro é mais importante do que copiar sempre a mesma fórmula perfeita. Assim, o aprendizado é me-lhor e mais duradouro.”

Hoje, Matthew divide o tempo entre projetos colabora-tivos e ensino de design industrial. Além de ministrar aulas para artistas iniciantes, ele também ajuda cientistas e pesquisadores. Com uma equipe de acadêmicos das mais diversas áreas, ele ganhou o National Science Foundation, prêmio independente que promove ciência e engenharia. Matthew e os parceiros apre-sentaram um projeto de nano-origami que combina arte e en-genharia. A ideia, ainda em andamento, é utilizar a dobragem do papel para entender a natureza flexível de nanoestruturas. “Não é a primeira coisa que você pensa quando falamos sobre corte e dobra de papel. Mas eu me considero um explorador, um inven-tor não ortodoxo. Então vamos ver até onde podemos chegar.”

MATTSHLIAN.COM

E

PRO

CESS

SER

iES

2 (w

AVE)

20

13, p

apel

, 20

cm x

27

cm x

3,8

cm

gh

OST

ly P

ROCE

SS S

ERiE

S: S

qu

ARES

RO

TATE

D

2010

, pap

el, 2

0 c

m x

27

cm x

3,8

cm

ANAR

ChiC

hAN

D

2014

, pap

el, 1

82 c

m x

264

cm

x 2

2 cm

22 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

wE ARE BuilDiNg ThiS ShiP AS wE SAil iT 2014, papel, 20 cm x 10 cm x 12 cm

FOTO

S DIVu

LGAçãO

manifESto da BauhauS, 1919

“O fim último de toda arte é a construção! A ornamentação da construção foi, até então, o principal objetivo das artes visuais, consideradas partes indispensáveis do grande edifício. Hoje, elas existem em isolamento complacente, de onde só podem ser resgatadas pelos esforços cooperativos e propositivos de todos os artesãos. Arquitetos, pintores e escultores devem aprender um novo modo de ver e entender o caráter compositivo do edifício, tanto na totalidade quanto em suas partes. Seu trabalho será, então, restituído do espírito da arquitetura, perdido nas artes de salão.”

B A u h A u S

e tempos em tempos, nos intervalos históricos entre um enquadramento e outro em catego-rias estanques e estáticas – lugares-comuns, controlados e, evidentemente, rentáveis – as artes se encontram em uma unidade. E, tal qual num processo de fusão nuclear, temos como resultado desses encontros não apenas a libe-ração de uma enorme carga energética como a formação de constelações inteiras. Fenômenos assim, frequentes na natureza cósmica, pontu-am também a breve trajetória humana sobre a Terra. E, embora em menor escala, a magnitude dessas interações, quando ocorrem entre nós, são igualmente grandiosas. Os efeitos, de modo similar ao que ocorre com as estrelas, fazem-se sentir mesmo muito tempo depois de ocorridos tais encontros.

Se olharmos nessa direção, veremos, no início do século 20, um momento fértil desses encontros ex-plosivos, e cujas reações se tornaram motores para uma

série de outros processos desencadeados ao longo de todo o século. Foi ali, entre uma França “imãgnética” de construtores do fim, vindos de toda a Europa e do mundo, e uma Rússia revolucionária de altíssima volta-gem, de Vkhutemas e supremato-construtivos de uma nova vida, que a Alemanha em ebulição encontrou um condensador bombástico para tanto vapor: a Bauhaus. Fundada, em 1919, por Walter Gropius, em Weimar, a “house of construction” nascia da fusão de duas escolas: a Gran Ducal de Artes e Ofícios e a Academia de Belas Artes de Weimar.

Não à toa, a perspectiva clara e expressa no ma-nifesto da fundação era a de mediar a síntese das gran-des artes (arquitetura, escultura e pintura), resgatando o know-how daqueles que operam a matéria com um propósito funcional: os artesãos. É que parte fundante da Bauhaus tem raízes na escola de artes e ofícios inau-gurada pelo Grão-duque de Saxe-Weimar-Eisenach e que fora dirigida durante anos pelo arquiteto Henry van de Velde, um dos grandes expoentes do movimento Art Nouveau belga e tributário do movimento Arts and

yrEfErênCia

D

24 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

TExTO marCElla aQuila

BAuHAuS.DE

BAu

hAu

S CR

ADlE

19

22, P

eter

Kel

er

Crafts. Por outro lado, o DNA da Bauhaus seria também influenciado pela Deutscher Werkbund, uma associação promovida pelo Estado para estabelecer a parceria entre indústria e profissionais do design e, assim, aumentar a competitividade dos produtos alemães no mercado glo-bal, sobretudo, frente à concorrência norte-americana e inglesa. Fundada, em 1907, em Munique, a Werkbund teve como um dos membros-fundadores o arquiteto e designer Peter Behrens, pioneiro na integração en-tre arte e produção em larga escala, reconhecido pelo trabalho que desenvolveu para a empresa AEG e com quem Gropius trabalhou durante o período de fundação da associação.

A ênfase na dimensão humana da produção na era da máquina seria tão essencial na Bauhaus quanto o entusiasmo com as possibilidades abertas pela indústria. A chance lançada pelos novos meios era a de, finalmente, a arte penetrar a vida, lançando mão da massificação para difundir o desenho nas mais variadas escalas: dos talheres às casas, às cidades, ao modo de vida. Para realizar tal proposição, a Bauhaus teve um time de peso. Além de Gropius, que dirigiu a escola entre 1919 e 1928, o corpo educacional era composto pelo pintor suíço Johannes Itten, o pintor germano-americano Lyonel Feininger e o pintor alemão Gerhard Marcks. Na medida em que a procura pela escola cresceu, o corpo docente aumentou, incluindo nomes como Oskar Schlemmer, Paul Klee, Wassily Kandinsky, Marcel Breuer, Josef Albers, László Moholy-Nagy, Joost Schmidt, Gunta Stölzl, Herbert Bayer e Hinnerk Scheper, entre outros “inventores” que ali se criaram e que por ali passaram durante os 14 anos de existência da Bauhaus.

Apesar de se intitular a “casa da construção” e ter sido dirigida por três arquitetos emblemáticos do movimento moderno, Walter Gropius, Hannes Meyer e Ludwig Mies van der Rohe, a Bauhaus não teve, pelo menos durante os primeiros anos, um departamento

de arquitetura. A proposta era imergir os estudantes em diferentes históricos de formação e origens de classe no universo das relações entre formas, teoria das cores e diferentes materiais, para que, posteriormente, pudes-sem acessar as oficinas que estruturavam o curso: metal, marcenaria, cerâmica, tecelagem, tipografia e pintura mural. A experimentação era encorajada nos ateliês e fora deles. E, em um esforço conjunto entre professores e alunos, todos os ateliês se envolviam na produção de inúmeras festas temáticas que promoviam não apenas a interação dos corpos docente e discente, como também do “corpo criativo” com a cidade. Segundo Schlemmer, o jogo (e a festa como uma forma de jogo) constituía “uma força que tornava a criação possível, precisamente por meio de atividades não propositivas”.

Mas o jogo experimental proposto e imple-mentado pela Bauhaus logo seria julgado, condenado e perseguido pela estreiteza e estupidez humanas. Ao assumir o governo da Thuringia, sob o qual se submetia a cidade de Weimar, os nacionalistas cortaram a verba da escola pela metade. Novas instalações, projetadas por Gropius, foram estabelecidas na cidade de Dessau, onde a Bauhaus permaneceu entre 1925 e 1932, quando foi fechada pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalha-dores Alemães. Já sob a direção de Mies van der Rohe, a escola se muda para Berlim, onde permanece, em instalações improvisadas, até 1933. Com a ascensão do nazismo e a caracterização da Bauhaus como “antro de comunistas” produtores de “arte degenerada”, não ape-nas a escola é fechada como muitos dos professores são forçados a se exilar. Muito além da caracterização nazis-ta, dos estigmas sob os quais muitas vezes o movimento moderno é lido, ou da grosseira (e subsequente) emer-gência do “funcionalismo”, a experiência da Bauhaus per-manece pulsante para aqueles que assumem o exercício de linguagem como ato político de (re)desenho de no-vas formas de vida.

WaltEr groPiuS

yrEfErênCia

26 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

D E S T i j l

Na mesma (alta) frequência vibratória da Bauhaus, e contemporânea a ela, o movimento De Stijl, ou “Estilo”, caminharia em direção à abertura das portas da percep-ção munido de uma linguagem de estruturas. Influen-ciado pelas ideias de Mondrian, que integrou o grupo, o movimento tinha como meta alcançar uma linguagem universal, o que implicava operar com o mínimo múlti-plo comum a composição visual, ou seja, com formas e cores elementares. Branco, preto e cinza com as ma-trizes de cor fundamentais da pintura (vermelho, azul e amarelo) configuravam a paleta, assim como os planos retangulares e as retas ortogonais, as formas.

Chegar à abstração pura significava acessar sem media-ções o seu igual oposto: o homem. Cores e formas, despidas e em interação, saltavam à tela e falavam direto ao olho. Os proce-dimentos de uso desse léxico visual, porém, não eram nada regu-lares – a assimetria, o contraste e a disposição das formas eram, em geral, nada óbvias. Essa “brincadeira de criança” constituiu um dos pilares do movimento moderno e atingiu inúmeros alvos dé-cadas a fio. Para citar apenas dois exemplos, na moda temos o

vestido Mondrian, de Yves Saint Laurent, e, no cinema, o uso do azul-vermelho-amarelo em filmes de Godard.

De Stijl foi fundado, em 1917, pelo pintor holandês Theo van Doesburg. Entusiasta das ideias de Kandinsky e Mondrian sobre a abstração, ele foi responsável por articular os artistas em torno da revista De Stijl e pela promoção dos princípios do movimento, que teve participação dos pintores Vilmos Huszár, Bart van der Leck e Piet Mondrian, além dos arquitetos Gerrit Rietveld, Robert van’t Hoff e J. J. P. Oud. O movimento ficou também associado ao “neoplasticismo”, por causa da participação de Mondrian e da série de 12 artigos escritos por ele sob o título “O neoplasticismo na pintura”. Em 1922, quando Van Doesburg vai a Weimar para promover De Stijl na Bauhaus, conhece o arquiteto russo El Lissitzky e tem contato com as ideias do construtivismo. Há quem diga que é a partir desse momento que Doesburg e Mondrian começam a se afastar.

Entre idas, vindas e aproximações de todos os tipos, De Stijl permanece vinculada à figura de seu “em-baixador”, Theo van Doesburg.

M E M P h i S

MOViMENTO BuSCAVA liNguAgEM uNiVERSAl COM CORES E FORMAS ElEMENTARES CONTRA A MONOTONiA, CORES ViBRANTES, iRONiA E FORMAS ASSiMéTRiCAS

À medida que o século 20 avançou, os princípios de rup-tura e transformação da vida foram gradualmente apro-priados como estilo, e não mais como causa (segundo Anatole Kopp bem identificou). A livre manifestação do espírito inventivo das primeiras horas também fez ques-tão de se exilar, restando apenas um invólucro formal esvaziado. No início da década de 1980, cansados da geladeira vazia dos últimos anos, um grupo articulado pelo designer italiano Ettore Sottsass resolveu romper o jejum formalístico e, num levante de cores vibrantes e formas assimétricas, chutou a porta da geladeira, dos armários e da monotonia.

Ao som de “Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again”, de Bob Dylan – canção que deu origem ao nome do grupo – Sottsass reuniu no Memphis nomes como Alessandro Mendini, Martine Bedin, Aldo Cibic, Michele de Lucchi, Nathalie du Pasquier, Michael Graves, Hans Hollein, Arata Isozaki, Shiro Kuramata, Matteo Thun, Javier Mariscal, George Sowden, Marco Zanini, além da jornalista Barbara Radice.

Segundo Jane Adlin, “com um approach irônico”, o gru-

po produziu peças de mobiliário, têxteis, cerâmica, ilumi-nação e vidro que foram exibidas, desde a fundação do movimento, em 1981, no Salão do Móvel de Milão, até 1988, ano em que o grupo se desfez.

Não propriamente imbuído das pretensões de transformação da vida, e mais como um grito de libera-ção das amarras de uma moral que se instalara na pro-dução do design, o Memphis desenvolvia peças como uma forma de comunicação, configurando, como de-finiu Nathalie du Pasquier, em “um grande evento de mass-media”. Para tanto, o procedimento da colagem era frequentemente utilizado, com menções a movi-mentos como Pop Art, Art Déco e o Kitsch pós-1950.

Recentemente, sobretudo após a morte de Sottsass, em 2007, o design do Memphis ressurgiu como tendência. uma série de artigos e exposições motivou a reaparição de formas, padrões e cores típicos do grupo em inúmeros objetos presentes no Salão do Móvel de Milão, em 2014. A produção de Nathalie du Pasquier pode ser vista nas últimas coleções de marcas como American Apparel, Wrong For Hay e La Chance.

TAhiTi lAM

P 1981, Ettore Sottsass

RED

AN

D B

luE

ChAi

R 19

20, G

errit

Rie

tvel

d

MEMPHIS-MILANO.IT

FOTO

S REPROD

uçãO

j u m n a k a o

yEntrEViSta

um Nakao é uma dessas pessoas que trabalham até nos fins de semana. Sempre emendando um projeto no outro, após 48 anos de estrada, ele se define como diretor de criação, o que engloba funções diversas: artista plástico, figurinista, estilista e designer.

Antes de entrar no universo criativo, Jum acreditava que a computação e a eletrônica seriam os suportes de seu traba-lho. Logo, abandonou esse setor por considerar os estudos distantes do olhar humano. Foi parar em um curso de moda na Coordenação Industrial Têxtil (CIT). Em seguida, passou pelo curso de artes plásticas da Faap. Formado, Jum atuou em uma confecção infantil, guardou uma grana e viajou para o Japão, onde conheceu a moda daquele país. De volta ao Brasil, atuou em várias confecções, até que, em 1996, inscre-veu-se no Phytoervas Fashion, atual São Paulo Fashion Week.

A coleção que apresentou no evento elevou o nome dele ao título de jovem revelação e também rendeu um cargo na grife Zoomp. Lá, ele permaneceu como diretor criativo por seis anos. Em 2002, em busca de novos desafios, abriu a própria marca. Manter uma linha e atender a demanda da indústria acabou se tornando uma tarefa dan-tesca. Em 2004, a fim de romper com o sistema, Jum criou aquele que viria a ser o desfile mais comentado e celebrado da década: A Costu-ra do Invisível. Trata-se do desfile-performance que marcou a última apresentação do estilista na São Paulo Fashion Week.

Fora das passarelas, ele ainda flerta com a moda. Hoje, Jum ministra aulas e workshops de modelagem, moda e criação em todo o país. Desde o último desfile na SPFW, ele já fez parceria com a Nike, assinou linha de móveis, desenhou figurinos para minisséries de TV e está por trás da direção criativa de diversos comerciais. Foi ele quem criou a cerimônia de apresentação do Brasil no encerramento da Olimpíada de Londres, em 2012.

Por e-mail, Jum Nakao conversou com ABD Conceitual.

TExTO João lourEnço

j

FOTO andré BatiSta

DiRETOR DE CRiAçãO, ElE ACREDiTA NO “DESigN DOS AFETOS” E “NA PuREzA DOS iNTuiTOS”

“MuiTOS PROjETOS DE DESigN BuSCAM SOMENTE ASPECTOS SENSACiONAliSTAS E PERDEM A ESSêNCiA DA BElEzA”

RENDA Cadeira para A Lot Of

BOAS-ViNDAS! Aparador para Schuster

A hORA DO BRASil Coleção apresentada na 31ª Casa de Criadores (2013), resultado de parceira com o Senac Ceará

Voltando para o período da infância, você se lembra de quando o seu lado criativo despertou? Desde a infância eu desenho. Desenhava no sentido de sonhar e de-senhava para visualizar. A curiosidade me conduzia o tempo todo. Desconstruía o mundo ao meu redor para revelar o que os olhos não viam, construía meus próprios brinquedos. utilizava materiais que estavam ao meu alcance e, assim, inventava novas funcionali-dades. Se não nasci assim, evoluí assim. Em termos de consumo de arte, design e moda, quais as maiores mudanças que você sentiu nos últimos anos? A maior mudança percebida nos últimos anos foi a inclusão eco-nômica e social. Arte, design e moda se tornaram acessíveis a uma maior parcela da sociedade. Agora, o próximo passo natural, e espe-rado, é a qualificação. Você trabalha com diversos materiais e parece sempre pronto para abraçar novas tecnologias. do que mais sente falta antes da era da internet? Vejo a era da internet como o Renascimento. Nunca tivemos acesso a tanta informação. A qualidade é sempre proporcional à quantida-de. Na velocidade das transformações, ocorreu uma migração em massa para novas plataformas. Ocorreu uma unanimidade burra. Saltamos do analógico para o digital, do real para o virtual, e perde-mos o contato com o real. Onde estão as indústrias, os laboratórios de pesquisa, os artífices, o gosto, o sabor, o cheiro? Quisemos abra-çar o mundo e, ao abrir os olhos, estávamos no meio de um deserto. Mas não creio que a era da internet seja responsável por essa falta contemporânea. Creio que a ganância seja a culpada. Queremos nossa alma de volta e teremos que lutar por ela. Qual a sua última descoberta em termos de design? A beleza. Minha última descoberta foi perceber que buscamos sempre a beleza, no intuito de alcançar elevação espiritual. Por in-termédio da beleza nos elevamos e nos sentimos simplesmente bem. Nesse estado de se sentir bem, todo o nosso interior se trans-forma e, consequentemente, nossa percepção do exterior também. Emanamos do interior para o exterior uma transformação proativa, o mundo ao nosso redor passa a espelhar o nosso estado de espírito e nos transformamos na mudança que queremos no mundo. Mui-tos projetos de design carecem desse conceito. Buscam somente aspectos sensacionalistas e perdem a essência da beleza. Você tem algum ritual na hora da concepção de uma ideia? O ritual é buscar sempre o que deve ser dito, aquilo que ainda é ine-fável. Somente após a definição conceitual é que iniciamos a incan-sável busca pela forma. Articulamos palavras de todas as origens na construção da linguagem. O compromisso é 100% com o conteúdo e 200% com seu impacto. atualmente, qual a sua maior fonte de inspiração? Salvar almas, emocionar, levar suspiro de vida para as pessoas.

li que você se considera um criador de sonhos. Qual so-nho ainda não conseguiu criar? Muitos sonhos ainda por criar. Neste momento, um Brasil digno, onde o certo seja certo e o errado seja errado. Somente por meio dessa clareza haverá transparência. Com a transparência, encontra-remos a pureza dos intuitos e, com os intuitos nos devidos lugares, elevaremos o bem e baniremos o mal. Quais são as suas regras de criação? As nossas regras são simples: ética, generosidade, dignidade, respei-to, humildade, sabedoria. uma escritora americana me disse que não entende mui-to o conceito de procrastinação. Para ela, procrastinação é uma espécie de cansaço mental. E para você? Qual o meca-nismo que utiliza para evitar a procrastinação? Procrastinação para mim é covardia, medo de tomar uma atitude. Difícil não é fazer, difícil é tomar a decisão de fazer. Para evitar a pro-crastinação, acordo cedo, assim não tenho a desculpa de que faltou tempo. Invisto em infraestrutura sempre, assim não tenho a descul-pa de não ter os recursos. Investigo e estudo muito, assim estarei sempre apto. Busco sempre a sabedoria, assim saberei como agir. Qual a maior diferença entre trabalhar em um projeto pes-soal e trabalhar em um projeto sob demanda? O cliente de projetos especiais nunca será colocado em segundo plano por projetos pessoais. Os projetos pessoais costumam aguar-dar os projetos especiais de clientes. O mesmo não se aplica para a vida pessoal. Nossa vida pessoal nunca deve ser colocada em se-gundo plano por qualquer projeto. hoje, quando alguém te pergunta o que você faz, como você se define? Diretor de criação, assim, todas as áreas de atuação são contempla-das e abrangidas. O título que me acompanha é o de estilista, mas o título exclusivo de estilista me incomoda pela banalização do enten-dimento do ofício. Você também ministra aulas e workshops pelo Brasil. Para quem está começando, qual conselho você daria? Percebemos uma anestesia geral no mundo, uma indiferença ge-neralizada sobre processos e essência. Cada vez mais necessidades cavalares de efeitos especiais e culto ao ego para sensibilizar o públi-co. Não se vive mais a própria história; terceirizamos nossa existência para avatares personificados por outros. Os desejos do mundo mo-derno substituíram os sonhos individuais por modelos reproduzidos sem limite de cópias. Não se sonha mais, consomem-se produtos sem autenticidade e incapazes de nos reconectar com nossa huma-nidade. Acreditamos no design dos afetos. É imprescindível resgatar a capacidade das pessoas de sonhar, sentirem-se dignas e merece-doras do melhor. A cura nos parece ser pela reconexão com a digni-dade. O mundo precisa de nós. Façamos um mundo melhor!

32 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

JuMNAKAO.COM

A COSTuRA DO iNViSíVEl Em 17 de junho de 2004, Jum realizou um histórico desfile na São Paulo Fashion Week. Elaboradas roupas feitas de papel foram desfiladas por modelos com perucas Playmobil. As roupas foram confeccionadas em papel vegetal de diversas gramaturas e modeladas milimetricamente sobre o corpo das modelos. Filigranas entalhadas manualmente reproduziam rendas, gravações em alto e baixo-relevo simulavam brocados. Foram consumidas meia tonelada de papel e mais de 700 horas de trabalho. No fim do desfile, todos os vestidos meticulosamente construídos foram destruídos em cena pelas próprias modelos

FOTO

SAN

DRA

BO

RDIN

Metrópole obcecada por tecnologia digital, Seul, a capital da Coreia do Sul, passa por um período de transição. Na última década, uma nova turma de arquitetos e designers repaginou bibliotecas, escolas, restaurantes e edifícios da cidade. Seung-Yong Song está entre esses novos nomes. Nascido em 1978, ele estudou artes plásticas na École Supérieure d’Art et de Design (Esad), em Reims, na França. Nesse período, trabalhou com os designers parisienses Claudio Colucci e Matt Sindall. Em 2011, voltou para Seul e abriu o escritório SY Design.

Song é conhecido por pensar na funcionalidade do obje-to. Para o designer, os objetos que utilizamos devem apresentar mais utilidade prática. Exemplo disso é a série de cadeiras Object. Criada para otimizar a utilização de pequenos ambientes, a linha oferece mais do que um lugar para sentar. Seguindo o princípio de que o nome do produto não pode delimitar a imaginação, es-

sas cadeiras ora servem de luminária, ora de varal e até mesmo de escada e prateleira. Com linhas simples, os projetos de Song buscam repensar o espaço e já foram apresentados em cidades como Paris, Londres, Milão e Miami.

Tendo em mente o contraste e a efervescência cultural de Bangcoc, Song desenvolveu outra coleção interessante, a Wheeljek – o nome é uma referência aos robôs de brinquedo japoneses que viram para todas as direções, e a inspiração principal partiu dos carrinhos de bebidas e comidas dos ambulantes que percorrem as calorentas ruas da capital tailandesa. Esses carros facilitam o intercâmbio comercial e cultural em Bangcoc.

Refletindo essa ideia de fluidez e flexibilidade, Wheeljek re-presenta a cadeira/carrinho/faz-tudo: é feita de alumínio, madeira e plástico, e suas funções mudam de acordo com o tamanho e a disposição das caixas.

Seung-Yong Song é designer que acredita que o novo pelo novo deve ser deixado de lado.

“NãO ME PREOCuPO COM ESPAçOS PERFEiTOS. ACREDiTO EM lugARES MulTiFuNCiONAiS, ONDE POSSO TRABAlhAR, DORMiR, lER E COMER”

yoBJEtoS funCionaiS

TExTO João lourEnço

SEuNGYONGSONG.COM

SEuNg-yONg SONg

Cadeira E, da série Object. Ao lado, Song e a cadeira OBjECT-O. Abaixo, whEEljEk

FOTO

S D

IVu

LGAç

ãO

yartigo

cor_e_forma/alma_e_corpo

POR márCia okida

márcia okida é designer gráfica, coordenadora

e professora do curso de produção multimídia da

unisanta e pesquisadora de cores.

Desde que abrimos os olhos pela primeira vez, deixando-os expostos à luz, dois ele-mentos visuais começam a fazer parte do nosso processo de comunicação: as cores e as formas. Na vida, tudo é cor e forma. Dissociar uma coisa da outra é impossível.

Essa busca de uma relação entre cores e formas encanta e persegue artistas, designers e cientistas desde o início da comunicação visu-al. Wassily Kandinsky (1866-1944), artista plástico russo que introduziu o abstracionismo no campo das artes visuais, dedicou parte da vida à pesquisa de cores. Escreveu diversas obras que tratam do assunto, como Ponto e Linha Sobre Plano e Do Espiritual na Arte.

Também professor da Bauhaus – escola de vanguarda que existiu na Alemanha entre 1919 e 1933 – Kandinsky estudou as formas e as cores até chegar a uma relação perfeita que é utilizada até hoje em cursos na área de arte, design e arqui-tetura. Para ele, as cores primárias – amarelo, azul e vermelho – completam-se perfeitamente dentro das formas geométricas primárias: triângulo, círcu-lo e quadrado.

Depois de buscar referências em toda a história da arte sobre como e onde essas cores e formas eram utilizadas, e fazendo a associação psicológica e sinestésica das cores, Kandinsky, em 1923, propôs a seguinte relação:

O triângulo é amarelo: ambos são dinâmicos e ativos. O amarelo tem força e é cheio de energia. O triângu-lo exerce esse mesmo poder nos três cantos. É a cor mais quente preenchendo a forma mais provocativa.

O círculo é azul: ambos passivos e maleáveis. A prin-cipal relação está na sensação de interiorização que o círculo tem e que combina perfeitamente com o frio, calmo e fechado azul.

O quadrado é vermelho: ambos potentes e estáveis. Uma forma firme e decidida que se completa com a paixão e a força do vermelho.

Essas são as formas das cores de Kandinsky. Mas e as outras formas e cores? Pensando nisso, muito depois de Kandinsky, o designer, tipógrafo e artista

suíço pós-construtivista Karl Gerstner apresentou, em 1988, aqui no Brasil, suas pes-quisas sobre o assunto. Foi durante o Simpósio Internacional de Estudos da Cor, do qual tive o prazer de participar.

Nesse encontro, Gerstner apresentou o resultado descrito no livro dele, The Forms of Color: The Interaction of Visual Elements, que define a forma correta para cada variação de cor. São tons do amarelo que variam até chegar ao laranja, que seguem se avermelhando até um vermelho puro. Geometricamente falando, é a transição do triângulo amarelo até o quadrado vermelho. São inúmeras, milhares de formas possíveis, uma para cada diferente tom de cor. Como Karl Gerstner diz na obra: “A forma é o corpo da cor; a cor é a alma da forma”.

Então, qual é a cor que define a sua forma? Eis uma questão para ser respon-dida e aplicada no nosso dia a dia profissional e pessoal.

34 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

FACEBOOK.COM/MARCIAOKIDA

yPintura

ViCTOR VASAREly / SIKRA, 1966

gEOMéTRiCOS

TExTO andré Poli

AS FORMAS NAS OBRAS DE FRANk STEllA, ViCTOR VASAREly E SOl lEwiTT

36 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

Mestres da pintura moderna, Frank Stella, Victor Vasarely e Sol Lewitt comprovam a conexão entre o cérebro humano com o mundo dos sentidos por meio de formas e dimensões preestabelecidas e relacionadas com as composições cromáticas.

As obras desses três artistas transmitem ao espec-tador as mais diferentes e variadas reações emocionais – e até físicas. As pinturas são dispositivos para vivermos experiências tão profundas como as provocadas pelas imagens das obras realistas clássicas, que representavam dramas e alegrias da humanidade de forma figurativa. Mesmo diante das fortes imagens expressionistas, que levavam os nossos dramas existenciais ao limite, ou das sutis representações impressionistas, as pinturas de Stella, Vasarely e Lewitt são como partituras musicais, matemáti-ca que invade o indivíduo, alterando sua percepção.

Os três são originários de movimentos que sur-

giram a partir da década de 1960, como o minimalista, a abstração geométrica e construtivista e a Op Art.

frank Stella um dos artistas contemporâneos mais importantes dos Estados unidos. O trabalho de Stella extrapolou a pintura e o suporte convencional, e ele tam-bém se dedicou a objetos, arte gráfica e projetos arqui-tetônicos. Quando renuncia ao expressionismo abstrato, Stella se converte em um dos maiores representantes da abstração geométrica e construtivista na década de 1960. Os quadros-objetos e as pinturas-relevo foram um choque sem precedentes para a arte contemporânea e ocupam um lugar fundamental no desenvolvimento da neovanguarda, influenciando a arte até os dias de hoje.

Victor Vasarely Húngaro radicado na França e considerado o pai da Op Art, ele começou com pinturas com inspiração expressionista. Influenciado pelo movi-

mento Bauhaus e pelos trabalhos de Paul Klee e Wassily Kandinsky, logo se envolveu com a arte gráfica, desenvol-vendo obstinadamente padrões geométricos e estampas em preto e branco. No momento em que o artista des-cobre as cores, um novo universo de percepções surge em sua obra. Vasarely é pura geometria policromática. Ele cria multidimensões e seu trabalho está intimamente ligado às ciências.

Sol lewitt Nascido em Los Angeles, nos Esta-dos unidos, foi um dos mais importantes mentores da arte minimalista. Com elementos cúbicos e suas deriva-

ções, organizados sobre uma base geométrica, convi-dava o espectador a completar a imagem mentalmente. As relações entre concepção e percepção, superfície e volume sempre estiveram presentes na obra dele. Nos anos 1970, o artista se concentra em desenhos murais, concebidos para locais específicos e que interagem com a arquitetura, refletindo lições extraídas dos afrescos da renascença italiana. As cores se tornam mais presentes nessa fase, e as figuras ganham formas tridimensionais, que nos dão a impressão de estar achatadas. Lewitt mu-dou nossa compreensão das convenções pela alteração de nossos sentidos.

FOTO

S REPROD

uçãO

FRANk STEllA / FLIN FLON VIII, 1970

SOl lEwiTT / FORMS DERIVED FROM A CuBIC RECTANGLE, 1990

yartESanal

na boca do loboCROChET criado-mudo

DiAMOND gabinete

TExTO marCoS guinoza

MARCA PORTuguESA CONquiSTA O PlANETA COM MOBiliáRiO quE COMBiNA TRADiçãO E CONTEMPORANEiDADE

BROOklyN minibar

ão foi por acaso que David Wasco, o diretor de arte de Cinquenta Tons de Cinza, se-lecionou peças da marca portuguesa Boca do Lobo para mobiliar o apartamento de Christian Grey, o protagonista do filme-fenômeno deste ano. Criada, em 2005, pelos designers Pedro Sousa, Amândio Pereira e Ricardo Magalhães, a Boca do Lobo com-bina técnicas artesanais com as mais avançadas tecnologias para desenvolver o que eles chamam de “exclusive design”. Em outras palavras, mobiliário de primeira, com qualidade de execução irrepreensível e que não cabe no bolso de qualquer Grey

Ao saber que seus móveis estavam nos cenários de Cinquenta Tons, o pessoal da Boca do Lobo tirou onda: “Quem conhece bem a trilogia e o filme sabe que a nossa marca é certamente a melhor para identificar o estilo de vida luxuoso de Christian Grey”. Se é a melhor, difícil saber. Mas que as peças dão um ar elegante e moderno para os ambientes, não há dúvida.

Pedro Sousa explica a ideia por trás da Boca do Lobo: “Temos que fazer coisas que sejam a nossa visão do design, mas com as quais as pessoas se identifiquem. Não vale a pena

SéRiE EDENmesa de centro

N

fazer uma peça brilhante conceitualmente, mas que só ser-ve para outros designers ou para estar em um museu. O in-teressante é encontrar uma pessoa do outro lado do mundo que compreenda essas peças, goste delas e as compre”.

A grande sacada da marca é criar mobiliário com design clássico acrescido de novos e surpreendentes ele-mentos. São peças reconhecíveis, que mexem com a me-mória afetiva e histórica das pessoas, remetendo a coisas “da época da vovó”, mas com um “algo mais” que as trans-formam completamente. Mais do que produzir móveis bo-nitos e desejados, a Boca do Lobo, segundo Pedro Sousa, quer desenvolver “coisas que vão ficando”, passam de ge-ração para geração. É uma espécie de reação bem-vinda ao tempo em que vivemos, quando tudo parece se tornar obsoleto a cada seis meses.

A Boca do Lobo está instalada em Rio Tinto, no concelho de Gondomar. É ali, no eixo entre Paços de Ferreira (“a capital do móvel”) e Gondomar, que se encontra a indústria moveleira portuguesa. De acordo com Pedro Sousa, a marca não poderia ter surgido em outra parte de Portugal. E o motivo é simples. É nessa região que estão os grandes marceneiros, carpinteiros e outros profissionais que trabalham com eles, e onde a Boca do Lobo tem acesso fácil a técnicas perpetuadas ao longo de gerações por artesãos e pequenas oficinas especializadas. No início, conta Sousa, a relação com os artesãos foi tensa. “Eles torciam o nariz para as nossas ideias. Hoje, são os primeiros a querer coisas novas. Veem o seu trabalho valorizado, veem o que aprenderam uma vida inteira ser aproveitado.”

Formado pela Escola Superior de Artes e Design (Esad), em Motosinhos, Pedro Sousa, 39, além de ser um

dos donos da Boca do Lobo, comanda outra marca, a SAAL, e atua como designer independente. Em seus projetos, uti-liza grande variedade de materiais (madeira, vidro, tecido, aço inox, mármore, bronze e cortiça) para criar peças com “harmonia conflitante de cores e formas”.

Para ele, “sempre que houve saltos no design foi em razão das evoluções tecnológicas”. Por esse motivo, costu-ma dizer que, se um dia pudesse trabalhar com a Nasa, seria perfeito. “Afinal, a função deles é pesquisar novos materiais.”

Com o pensamento sempre ligado ao design, Pedro Sousa só lamenta uma coisa: “Queria poder acompanhar o ritmo de produção da minha imaginação”.

hERiTAgE aparador

MONOChROME BluE aparador

EMPORiuMcadeira

MONETmesa de centro

NEwTON mesa de canto

BOCADOLOBO.COM | PEDROSOuSASTuDIO.COM

NEwTON luminária de teto

FOTO

S DIVu

LGAçãO

DAzED: STAgE OF MiND

Os cenários surreais da artista sul-coreana

jEEyOuNg lEE

MAiDEN VOyAgE 2009, 96 cm x 120 cm ThE liTTlE MATCh giRl 2008, 128 cm x 160 cm

TExTO João lourEnço

yinStalação, fotografia

42 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

My ChEMiCAl ROMANCE 2013, 144 cm x 190 cm RESuRRECTiON 2011, 144 cm x 190 cm

44 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

para alterar as imagens que inventa. Todo esse trabalho manual, da concepção da ideia à imagem final, pode levar algumas semanas e até meses.

Lee explica sua obra: “O conjunto de fotografias conta histórias particulares sobre minhas experiências pessoais. Não procuro me inspirar em pessoas específicas. Em alguns casos, tento ressuscitar as fábulas tradicionais da Coreia do Sul e também procuro explorar a herança cultural de países que nunca visitei. Definiria meu trabalho como uma reflexão interior da minha personalidade. Ainda há tanto que não sei sobre mim. Como artista, busco desvendar minha identidade psicológica”.

A artista sempre está nos cenários, mas nunca assume a função convencio-nal de um autorretrato. Questionada, ela diz não pensar em inserir outras pessoas nas imagens, pois isso eliminaria alguns estados psicológicos particulares. “Mas não sou totalmente contra a ideia.” Entre esses conflitos interiores, Lee fala sobre medo, ressurreição e sonhos nostálgicos da infância. “A arte de contar uma boa história é

ormada em artes visuais pela universidade de Hongik, em Seul, JeeYoung Lee é considerada uma das jovens mais importantes e promissoras do novo cená-rio artístico da Coreia do Sul. Em 2014, após a primeira grande exposição in-ternacional, na galeria francesa Opiom, o trabalho de Lee foi visto e comenta-do em todos os cantos do globo. Intitulada Dazed: Stage of Mind (Atordoado: Estado de Espírito, em tradução livre), a série de fotos foi compartilhada mais de 500 mil vezes no Reddit, no Facebook e em outras redes sociais.

Em um minúsculo estúdio de 3 x 6 metros, em Seul, Lee cria cenários com-plexos com objetos desenvolvidos por ela mesma. utilizando diversos materiais, como madeira compensada, copos plásticos, papel, algodão e arames reciclados, ela se des-dobra como fotógrafa, cenógrafa, escultora e artista de instalação. E não para por aí: ao contrário dos colegas de profissão, Lee não utiliza nenhum programa de manipulação

F

PANiC ROOM 2010, 144 cm x 180 cm BlACk BiRDS 2011, 96 cm x 120 cm

OPIOMGALLERY.COM

46 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

um componente essencial no meu processo criativo. Tento me colocar no centro da história, imergindo-me ao ponto de obsessão. Sinto que esse processo é natural para mim, porque eu procuro narrativas baseadas em minha experiência. Também uso um monte de metáforas. Não gosto de dissecar cada elemento, assim as interpretações ficam mais interessantes. Estou focada em experiências e formatos diferentes, acho que esse é o caminho para encontrar novas perspectivas.”

Vale lembrar que a série Dazed: Stage of Mind está em andamento desde 2007. Lee já está de olho em outros projetos e possíveis parcerias, mas também pre-tende atualizar a série de acordo com novas vivências e desejos. “Houve alguns sola-vancos ao longo do caminho, mas hoje posso dizer que a decisão de me tornar uma artista realmente mudou minha vida. Levei anos decidindo sobre o futuro, pois sabia que a vida como artista não seria fácil, ainda mais em um país como a Coreia do Sul. Hoje vejo que a vida criativa pode ser um grande desafio em qualquer lugar.”

Nos próximos meses, a exposição de JeeYoung Lee percorrerá cidades como Bogotá, Miami e Belfast.

EquilíBRiO PERFEiTO

m sofá vitoriano, figuras de Josef Albers, cacarecos gre-co-romanos e estampas de oncinha podem ter muito em comum. Olhando através da sala de estar, a mistura de padrões e texturas é calma. um banquinho tambor africano com patas de zebra se posta confortavelmente ao lado da vizinha, a poltrona leopardo – ambos apoia-dos sobre a geometria de um tapete de quadrados. Esse ambiente é só mais uma das inúmeras criações extrovertidas de Anthony Baratta, designer de interiores norte-americano notável pela ousadia caleidoscópica.

Quando o exagero é consciente, a exuberância se torna a palavra-chave do contexto. “Gosto de pensar em empurrar os limites, levando as coisas a um novo nível em termos de escala e de cor. Essa é a marca do nosso trabalho”, assume o designer. “Tenho dificuldade de fazer decoração muito, muito tradicional.” Na obra dele, o excesso de informação aparece não como um problema, mas como solução: o princípio geral organizador é o que norteia e tranquiliza o usuário.

Como é possível que uma lareira forrada de papel azul xadrez, um estofado reticulado e um tapete com motivos náuti-cos convivam em harmonia? O especialista revela o segredo: “É fácil misturar padrões diferentes quando você primeiro combina a própria paleta. Nós nos debruçamos sobre a paleta de cores antes mesmo de começar a trabalhar em um projeto”. Em uma varanda com vista para o mar turquesa da costa da Flórida, mó-veis de vime com almofadas quadriculadas incorporam seu tom praiano favorito: “Amo o uso de azul-celeste pálido em casas lito-râneas. Isso realmente ajuda a compor um ambiente feliz”.

Anthony Baratta, ou apenas Tony, iniciou a carreira de designer há 30 anos, após a graduação na Fordham university como historiador de arte. Combinando seus talentos com William Diamond na empresa Diamond Baratta Design, conseguiu criar uma linguagem equilibrada entre cores, padrões e história. O resultado são ambientes estampados em mais de 40 capas de revista, inúmeras palestras e leituras acadêmicas realizadas, prêmios e nomeações, além de dois livros lançados. Após a aposentadoria de Diamond, Baratta fundou e segue com o próprio escritório, o Anthony Baratta LLC.

No livro All-American: The Exuberant Style of William Diamond and Anthony Baratta (Pointed Leaf Press, 2009), ele e o sócio aparecem em várias fotografias hilárias posando em tronos-girafa, ou com olhar tímido em pijamas de seda – o que indica que nenhum dos dois se leva muito a sério. É esse

senso de autoesculhambação que o torna respeitado não só como decorador, mas também como intelectual. O designer diz amar os clientes – “mas nem todos” – e leva a vida entre Miami e Nova York.

Sobre as tendências do design contemporâneo, Baratta defende que “todo mundo está cansado de viver como num saguão de aeroporto”. Em uma crítica direta ao minimalismo dos anos 1970, o designer diz que assistiu à maneira como este se converteu no exagerado e tradicional estilo 80s – que é muito do que vigora no mundo até hoje. Mas reconhece que, desde então, houve um apuramento, tanto da indústria quanto dos artesãos. Embora, segundo ele, restem poucos bons profissionais que saibam fazer uma verdadeira cortina de chita.

O cerne de ser um maximalista é “amar tudo”. O designer conta que guarda muito “lixo” em casa, e que, certa vez, pôs tudo em um leilão. Em vez de libertação, o que sentiu foi extremamente doloroso. Não só pelo apego sentimental, mas pelo baixo preço que pediu por objetos que hoje se tornaram valiosíssimos. “Alguém põe um nome na coisa, conta uma história e, de repente, aquilo passa a valer mais. É o branding.”

Em meio a tudo isso, é notável que o estilo de Baratta se mantenha distinto, e o designer parece ser muito fiel a ele. “Quando olho para trás, vejo o trabalho que fizemos quando co-meçamos e percebo a mesma sensação real de escala e colo-ração, e um gosto por certas formas. De lá para cá, o que houve foi um refinamento.” Quanto às críticas que recebe, Baratta diz achar triste e, por vezes, assustador, certos comentários que emergem sobre seu trabalho nos blogs de decoração. “Eles não entendem que estamos trabalhando para um cliente, que exis-tem restrições. Muitas vezes somos empregados por alguém que quer cores ousadas.”

A capacidade do designer de lidar com diferentes de-mandas vem da habilidade de “ler as pessoas” em poucos se-gundos. uma dica é, por exemplo, reparar na maneira como o interlocutor se veste, as cores que aplica, se são chamativas ou discretas. A partir da primeira impressão, é possível brotar uma paleta inteira.

A personalidade forte de Baratta como decorador já lhe rendeu um divórcio. “A pessoa queria ser parte do design da casa, ter seu estilo refletido de alguma forma.” Mas, para ele, a mobília já se encerrava perfeitamente. “É difícil para mim me ajustar ao gosto de outra pessoa.” O preço é alto: Tony admite levar uma vida solitária. O fim de semana ideal? “Gosto de me ausentar do mundo. Geralmente à piscina ou à praia. Sozinho.”

u

ANTHONYBARATTA.COM

ydECoração

TExTO amEr mouSSa

48 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

“TODO MuNDO ESTá CANSADO DE ViVER COMO NuM

SAguãO DE AEROPORTO”

FOTO

S DIVu

LGAçãO

ViVENDO ENTRE MiAMi E NOVA yORk, O DESigNER DE iNTERiORES anthony Baratta OuSA NAS CORES, FORMAS E ESCAlAS PARA CRiAR AMBiENTES ExuBERANTES E ExTROVERTiDOS

50 ABD CONCEITuAL MARçO/2015

ygalEria

designer deINTERIORES

EU TAMBÉM SOU

R A D A R D E S I G N www.radardesign.com.br

FOTO

LUF

E G

OM

ES

www.abd.org.br/novo/videosVEJA A ENTREVISTA NO SITE

FERNANDA MARQUES

APOIO

1-Fernanda Marques_Casa Claudia_V00.indd 6 3/11/15 1:57 PM

ESTilhAçO

Formado em arquitetura e urbanismo, J. M. Morgade atua como fotógrafo de moda e publicidade desde 1988. Estilhaço, título da foto acima, faz parte do primeiro projeto autoral dele.

Como foi construído o pensamento por trás dessa série de fotos?Sempre considerei a fotografia como uma das maiores formas de expressão. Envolvido com publicidade e moda, senti, num dado instante, um profundo desejo de construir algo próprio, fruto to-tal da minha imaginação. E, numa tarde, em meu estúdio, estava ensaiando luzes e formas e comecei a brincar com alguns ma-teriais recicláveis. Acabei chegando a esse resultado que muito me surpreendeu. Compreendi que um quadro necessita de um espaço predeterminado para poder existir, mas a fotografia, com sua fabulosa tecnologia, cabe em qualquer espaço, podendo até envelopar um edifício.

o que você busca transmitir com essas fotos?Procuro o impacto natural que cada obra possa causar sobre o

espectador. O impacto das cores, as fusões geométricas e ale-atórias que se completam misteriosamente. Essa é a busca. A ausência imediata de emoções em monocromias e, ao mesmo tempo, as mesmas explodindo em cores, esse impacto sobre a ansiedade se torna incontrolável. A ausência da compreensão vem, assim, dar espaço ao lúdico e ao imaginário.

Qual a importância das formas e da relação entre elas e as cores no seu trabalho?Possuo o controle somente sobre a monocromia e as cores explosivas, mas não tenho como desenhar o resultado final. Isso é o que me deixa apaixonado pela obra: a ausência total de controle de sua criação, a importância vital. Mas, como falei an-teriormente, a cada clique podem se reproduzir formas e cores totalmente diferentes do que obtive anteriormente. É uma de-cisão difícil e angustiante a seleção para o acabamento final das fotografias. Mas, enfim, acho que reproduzo de certa forma a nossa aura, captando as diversas nuances e infinitas explosões das nossas emoções.

TExTO andré Poli

MORGADE.COM.BR