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Olhos Verdes (Hold Me Captive) Margaret Pargeter Amanda nunca sentiu tanta vergonha e nojo... O cunhado tentou violentá-la! Desesperada, fugiu para longe de Londres, para Combe Farm, a fazenda do pai. Chegou embaixo de neve e não encontrou ninguém. Só havia um estranho: Jason Meade. Que homem insolente! Tomou Amanda por uma ladra e sentia prazer em humilhá-la, não se importando com os sentimentos dela. Apesar de tudo, Jason possuía um magnetismo que a hipnotizava. Amanda precisava lutar, se livrar daquele delírio, do desejo que aprisionava seu corpo com garras de aço... Não confiava mais nos homens, nem em Jason, em ninguém! Ela queria ser amada, não apenas desejada. Seria possível? Digitalizadora: Vicky Revisora: Adriana B.

Margaret Pargeter - Olhos Verdes (Sabrina 318)

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Olhos Verdes(Hold Me Captive)

Margaret Pargeter

Amanda nunca sentiu tanta vergonha e nojo... O cunhado tentou violentá-la! Desesperada, fugiu para longe de Londres, para Combe Farm, a fazenda do pai. Chegou embaixo de neve e não encontrou ninguém. Só havia um estranho: Jason Meade. Que homem insolente! Tomou Amanda por uma ladra e sentia prazer em humilhá-la, não se importando com os sentimentos dela. Apesar de tudo, Jason possuía um magnetismo que a hipnotizava. Amanda precisava lutar, se livrar daquele delírio, do desejo que aprisionava seu corpo com garras de aço... Não confiava mais nos homens, nem em Jason, em ninguém! Ela queria ser amada, não apenas desejada. Seria possível?

Digitalizadora: VickyRevisora: Adriana B.

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Sabrina 318 – Olhos verdes – Margaret Pargeter

Leitura — a maneira mais econômica de cultura, lazer e diversão.

LIVROS ABRIL

Romances com Coração

Caixa Postal 2372 — São Paulo

Copyright: Margaret Pargeter

Título original: "Hold Me Captive"

Publicado originalmente em 1976 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: Sandra Cristina Forner Barcelos

Copyright para a língua portuguesa:1984 Abril S. A. Cultural — São Paulo

Esta obra foi composta na Linoart Ltda. e Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S. A.

Foto da capa: Harlequin

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Sabrina 318 – Olhos verdes – Margaret Pargeter

CAPÍTULO I

Amanda Trent acabara de sair do chuveiro. Aparentava um ar despreocupado e sua colônia preferida perfumava o banheiro. Ouviu então o barulho de passos no corredor, como se alguém andasse na ponta dos pés para não ser notado. Como sabia que estava sozinha no apartamento, surpreendeu-se. Ergueu a cabeça, arregalou os olhos azuis como safiras e esperou. Havia uma tábua solta no assoalho, que rangia ao ser pisada. Estava rangendo naquele momento!

— Tem alguém aí? — gritou assustada, agarrando o roupão branco. Sua sensação era de surpresa e medo.

A fechadura do banheiro estava quebrada e não era possível trancar a porta. Mas, apesar disso, ninguém se preocupara em consertá-la, pois a porta fechada era suficiente para indicar que havia alguém lá dentro. Depois de tanto tempo fora, nos Estados Unidos, Amanda se esquecera desse detalhe. Mesmo que tivesse lembrado, com certeza não teria dado importância ao fato, pois o contrato do apartamento não seria renovado.

Além de Amanda, também moravam ali sua irmã Verônica e o marido dela, Herman. Mas nenhum dos dois entraria no banheiro, se a porta estivesse fechada.

Para aflição de Amanda, o barulho dos passos cessou bruscamente, diante da porta. Aterrorizada, ela não conseguia tirar os olhos dali. Verônica e o marido tinham saído para jantar fora. Mas quem poderia ser senão ela? — Amanda tentou acreditar que o visitante inesperado fosse a irmã.

Verônica se casara há três meses com Herman Allen, funcionário da Embaixada Americana em Londres. Tinha trinta e cinco anos, quinze anos mais que Amanda, e era divorciada do primeiro marido. A mãe de ambas morrera durante o parto de Amanda e ela foi entregue a uma tia idosa que nunca lhe deu muita atenção. Quando o pai se casou novamente, ela estava com dezesseis anos e foi morar com a irmã em Londres.

Estivera morando nos Estados Unidos durante os últimos dois anos e não tivera tempo de adquirir qualquer experiência com namorados. Estava feliz por Verônica, mas não se sentia à vontade com Herman, embora ele a tratasse com amabilidade. Mostrara-se bastante gentil quando Verônica convidara a irmã para acompanhá-los na viagem de volta aos Estados Unidos.

Subitamente, a porta foi empurrada e Herman entrou.O sorriso brincalhão do cunhado surpreendeu Amanda. O alívio momentâneo

desapareceu e ela tremia, apesar do banheiro estar quente. Desconfiada, e tentando disfarçar o embaraço, temia chegar a uma conclusão precipitada. Devia haver uma explicação para tudo aquilo!

O roupão que usava não cobria todo o corpo. Colado ao ombro úmido, mostrava a pele clara e realçava suas formas atraentes, que, embora ela não notasse, eram um convite que fascinava Herman.

— Você deseja alguma coisa, Herman? — perguntou, juntando toda a coragem possível. — Não ouviu quando eu perguntei quem tinha chegado?

Ele permaneceu calado. O sorriso brincalhão tornou-se malicioso. Por um segundo, seus olhos se fixaram nela. Os longos cílios, a pele macia, os cabelos brilhantes e os lábios carnudos de Amanda excitavam Herman. Ele a olhava admirado e nem percebeu o quanto ela tremia.

— Verônica não está — disse ele.

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— Claro que não! Você devia saber disso, pois combinaram se encontrar para jantar fora — protestou Amanda, num fôlego só. Embora tremesse de medo, raciocinava com clareza e tentava contornar a situação com jeito.

Jamais vivera pesadelo semelhante, mas esperava livrar-se desse mantendo a tranqüilidade. Forçando um sorriso, dirigiu-se a Eram:

— Se fizer a gentileza de sair, me encontro com você num minuto. Se eu puder fazer algo. . .

— Há uma porção de coisas que você pode fazer, garota! — disse Eram, aproximando-se com os olhos fixos na sua figura assustada.

Amanda descontrolou-se e ordenou em voz alta:— Eram, não seja ridículo! Espere lá fora!— E se eu não quiser? — insistiu ele. — Você é ótima, benzinho. Pena não tê-la

encontrado antes. Mas ainda há tempo para nos divertirmos. — E foi se aproximando ainda mais.

O medo de Amanda transformou-se em indignação. Ela observava o homem à sua frente. "Será que Eram perdeu a cabeça? E se Verônica souber disso? Com certeza não vai acreditar que sou inocente. Meu Deus, será que todos os homens são assim?" — pensava ela, desesperada.

— Se der mais um passo, conto tudo a Verônica! — gritou, com os olhos azuis falseando de ódio.

— Você deve estar brincando!Herman pareceu hesitar e houve um minuto de silêncio constrangedor entre eles.— Ora, não seja santinha. Você também pensava nisso, meu bem — disse ele,

olhando com desejo para a curva suave do pescoço dela, onde as veias pareciam querer saltar para fora.

— O que você quer dizer com isso?— Bem. . . você sabe o que quero dizer, menina! — Herman falava com malícia.

— Desde que chegou, tem andado atrás de nós o tempo todo. Pensei que estivesse interessada em mim. . .

— Eu, interessada em você?! — exclamou Amanda, chocada. — Mas que atrevido! Você está completamente enganado. Se os acompanhava, era para ser gentil com Verônica, que sempre me convidava. Para mim, você é apenas o marido de minha irmã.

— Ah, boneca, não acredito nisso. Sei que sou um homem atraente e que não desperto apenas amizade nas mulheres. — Herman sorria, vaidoso. — Sua irmã é mais velha e acho que você combina melhor comigo, benzinho.

Amanda estava transtornada. Afastou-se devagar, as mãos tentando encontrar algo para defender-se. Achou um castiçal de mármore e segurou-o com força.

— Queridinha. . . — Herman estava tão próximo que ela sentia o calor de sua respiração. — Acho que uma garota linda como você precisa de alguém como eu. Por que não fica boazinha?

Quando ele a abraçou, ela ergueu o castiçal para golpeá-lo, mas o grito histérico de Verônica paralisou-lhe o gesto.

— Sua prostituta ordinária! — gritou Verônica. — Como se atreve a seduzir o pobre Herman?

— Se. . . seduzir? E . . . eu? — gaguejou Amanda, atônita. Jamais tivera essa idéia e a irmã sabia disso.

No silêncio atordoante que se seguiu, Amanda raciocinou rápido e decidiu não dar maiores explicações. Explicar seria o fim de um casamento que representava tudo para Verônica. Se ela fingia acreditar na inocência de Herman, era porque temia perdê-lo. Não diria mais nada; melhor deixar tudo como estava. Verônica sempre fora tão boa, tão generosa, quase uma mãe para ela; sempre a protegera, desde o casamento do pai. Por que magoá-la desmascarando Herman? Amanda apenas conseguiu dizer:

— Não é o que você pensa, Verônica. Por favor, não tire conclusões erradas.

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— Com certeza Herman se enganou. Entrou pensando que não tivesse ninguém no banheiro — justificou Verônica.

— Não foi bem isso. . . — Herman, que assistira à cena calado, recuperou a voz e mentiu: — Eu estava chegando quando ouvi Amanda gritar. Nem parei para pensar, querida, corri logo para o banheiro.

Um soluço sufocou a garganta de Amanda. Dizer a verdade seria inútil.— Vou arrumar as minhas coisas — sussurrou fracamente. — Depois de tudo isso,

não vou mais para os Estados Unidos.— É óbvio que não. Pelo menos, não conosco — sentenciou Verônica.Esse comentário feriu Amanda profundamente. Ela deixou o banheiro, passando

por Herman e a irmã. Esta a seguiu até o quarto e entrou, batendo a porta com ódio. De repente, pareceu se dar conta de que Amanda não era mais uma criança. Era agora uma mulher de formas sedutoras e adultas. Pareceu odiar essa idéia.

— Vejo que foi um erro pedir que nos acompanhasse — disse com frieza.Amanda descontrolou-se.— Você pediu que eu fosse porque tem medo. Não conhece ninguém em

Washington e tem pavor da solidão. Você implorou que eu fosse e aceitei porque tive pena.

A irmã parecia não ouvi-la.— Você mudou! Mudou muito! Acho que não devia ter permitido que

acompanhasse os Randall. Você voltou com hábitos estranhos.— A viagem foi idéia sua, Verônica. Eles eram seus amigos. — Virou o rosto para

não ver o olhar de acusação da irmã. Por um momento, lembrou-se de cenas de sua vida. Tudo fora decidido pela irmã, o internato, a ida para o apartamento, a viagem para os Estados Unidos com os Randall. Jamais tomara qualquer decisão por si mesma.

Bill Randall e sua esposa, ambos cientistas, procuravam uma babá de confiança para cuidar das crianças nos Estados Unidos. "Serão só seis meses", dissera Verônica, "tempo suficiente para você decidir o que quer fazer. Bill Randall é um ótimo sujeito. Além do mais, estarei muito ocupada para cuidar de você!"

E assim, Amanda partira. Os seis meses viraram dois anos, durante os quais eles estiveram sempre adiando a volta. Trabalhavam sem descanso. Ao saber que Verônica se casara novamente, Amanda se deu conta dos seus vinte anos. Decidiu voltar e assumir uma carreira. Ser babá não era sua opção de vida.

A família tentou convencê-la a ficar, mas ela estava decidida. Chegando a Londres, teve surpresas inesperadas. Como Verônica se casara, Amanda decidiu ir morar com a madrasta e o pai em uma fazenda que ele herdara, em Devon. A irmã não havia gostado disso:

— Você não devia ter voltado, Amanda. Por que não esperou que fôssemos encontrá-la em Washington? Herman prometeu um emprego para você. Agora ficará mais caro pagar a sua passagem de volta.

Verônica, sempre Verônica. Agora, Amanda não iria discutir com ela ou tentar explicar. Herman era a companhia de que ela precisava. A sós haveriam de se entender. Daquele momento em diante, seria tudo diferente: iria para Devon. Disse isso para a irmã, que discordou com veemência. A madrasta, Eva, não iria querê-la por lá. O pai, sempre muito ocupado, não lhe daria a menor atenção. Mesmo assim, Amanda manteve-se firme. Não se lembrava muito bem de Eva, pois passara somente uns dois fins de semana na fazenda. Verônica havia dito que os dois estavam no Nepal, onde o pai, biólogo famoso, fazia pesquisas perto de Sikkim. Talvez fosse melhor assim. Amanda teria mais tempo para pensar. Desejou apenas esclarecer um detalhe:

— Os Randall são ótimas pessoas, Verônica! O único defeito deles é trabalhar o tempo todo. Nunca tive folga para qualquer distração, enquanto morei com eles.

— Não espere que eu acredite nisso! — exclamou Verônica. — E pensar que eu sempre confiei em você! Que pensa que senti, quando Herman não foi se encontrar comigo esta noite?

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Evitando prosseguir a discussão, Amanda pegou uma sacola. Colocou um pijama, o roupão e algumas roupas, diante do olhar frio da irmã.

— Por favor, envie o resto das minhas coisas para Paddington — pediu.— Você não vai para a casa de papai! — gritou a irmã.O ciúme impedia Verônica de agir com bom-senso. Mostrava-se ansiosa por se

livrar da irmã, que agora era uma ameaça.— Como eles estão no Nepal, não vejo problema em ir até lá — disse Amanda,

sem emoção. — Depois, é possível que eu volte para a casa dos Randall.— Duvido que a aceitem de volta!— Talvez não. . . — Olhou para as malas prontas para a viagem aos Estados

Unidos. — É melhor tirar as etiquetas das malas.— Farei isso com prazer — disse Verônica. — Aconselho-a a não procurá-los. Não

irão aceitá-la, depois que souberem o que houve!

Dois dias depois, no trem para Devon, Amanda ainda podia ver o rosto desesperado e agressivo de Verônica. Como era possível um pequeno incidente ter-se transformado num rompimento? O rosto da irmã se transtornara pelo ciúme. As ofensas brotaram facilmente daquela cabeça demente. Herman se mantivera à sombra. E a culpa? De quem era a culpa? Oh! Meu Deus, a situação não tinha solução. O mais sensato era afastar-se deles. Apesar de tudo, Amanda sentia pena de Verônica, que estava nas mãos de um cínico como Herman. Gostava dela assim mesmo. Resolveu permanecer escondida até que os dois partissem. Mesmo que a irmã se arrependesse, refletisse melhor e a procurasse, nada mudaria.

Ao deixar o apartamento, Amanda andou algumas horas sem destino, tentando decidir o que fazer naquela noite. Lembrou-se da tia que cuidara dela desde que a mãe morrera. Resolveu telefonar, mas Rebecca disse que infelizmente não poderia recebê-la, pois tinha visitas. Amanda sentiu certa má vontade na voz da tia e logo descobriu a razão.

— Verônica esteve aqui procurando por você. Ela me disse que você fugiu de casa e eu não quero me envolver em brigas de família! — disse a velha senhora.

Amanda agradeceu, desligou e saiu disfarçadamente, como se temesse a presença de Verônica atrás de si. Sabia que, se a irmã insistisse, acabaria por encontrá-la. Com Herman trabalhando na Embaixada Americana, dispunham de muitos meios para isso. Como a idéia de voltar ao Estados Unidos nunca lhe interessara, Amanda decidiu evitar de qualquer maneira esse encontro. Se pouparia de mais uma explicação sem sucesso. Tomada de pânico, franziu as sobrancelhas e tentou acalmar-se.

Durante toda sua vida, desde que podia se lembrar, sempre fora dominada pela irmã. Agora, embora o desejo de liberdade fosse mais forte, temia encontrá-la, pois acabaria fraquejando diante de suas imposições. Sempre fora assim.

De repente, como num clarão, Amanda lembrou-se do único lugar onde podia evitar esse encontro: Devonshire! Com a família ausente, não havia ninguém em casa. Certamente, esse seria o último lugar onde Verônica haveria de procurá-la. Ficaria lá, por três ou quatro dias, até que os dois partissem. Estaria segura e ninguém a acusaria de estar usando a casa do pai indevidamente. Feliz por ter encontrado uma saída, juntou rapidamente seus pertences e apressou-se a comprar uma passagem para West Country.

No trem, Amanda pôde relaxar, esticar as pernas e refletir com calma. Pensando bem, tudo tinha sido extremamente ridículo, e era bobagem achar-se culpada. Agora, pela primeira vez na vida, sentia-se livre. A irmã estaria melhor sem ela. Não seria difícil encontrar novos amigos em Washington. Verônica logo estaria tão envolvida com suas novas experiências que não pensaria mais na irmã caçula e acabaria se esquecendo do incidente do banheiro.

O ruído do trem trouxe a calma que Amanda buscava e, mais uma vez, teve a certeza de que ir para Combe Farm era a melhor decisão que podia ter tomado. Lá haveria tempo para resolver tudo. 6

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O salário recebido dos Randall não era muito. Como sempre fora tratada como pessoa da família, nunca se importara com isso. Mas agora era preciso encontrar outro emprego sem demora.

O trem passava por Exeter e ela desceu na estação de Newton Abbot para pegar um ônibus. Percebeu tarde demais o engano. Descera em lugar errado e precisou esperar uma hora por outro ônibus.

— É a primeira vez que vem aqui? — perguntou-lhe o motorista, quando ela explicou a confusão que fizera.

— Mais ou menos. . . — sussurrou, constrangida, ante os olhares curiosos dos homens na estação, e preocupada por ter chamado atenção num momento em que gostaria de permanecer anônima.

Quase aconteceu o mesmo quando finalmente chegou a Ashburton e saiu procurando um táxi. Já era noite e, para seu desespero, Amanda percebeu que não encontrava nada familiar naqueles arredores desertos. Se ao menos aparecesse um táxi! Apesar de ter planejado uma chegada discreta, ela se esquecera de que a noite no interior costuma ser muito escura. Devia manter-se discreta, pois sabia que nas cidades pequenas, principalmente no inverno, os estranhos são logo notados. Se Verônica telefonasse para algum conhecido dali, Amanda seria inevitavelmente descoberta. Preferia não correr riscos desnecessários.

Entrar num táxi sem despertar comentários é a coisa mais simples do mundo. Amanda já fizera isso mil vezes. Mas o motorista de agora parecia suspeitar de seu aspecto sujo e sua pouca bagagem, fazendo-lhe perguntas às quais ela respondia confusamente. Como explicar que não tinha malas porque a irmã não as enviara? Verônica iria retê-las até o último momento, tentando forçá-la a voltar.

— Gostaria de ir alguns quilômetros adiante — murmurou Amanda, enquanto subia no carro, esperando que o homem não perguntasse mais nada. Suas roupas estavam úmidas e ela ficou surpresa ao perceber que ele a estava confundindo com um rapaz. Melhor assim, estaria em segurança.

— É difícil encontrar alguém querendo sair numa noite dessas! — resmungou o homem, — Que horas são?

— Apenas cinco — disse ela, sem disfarçar o tremor da voz.— Cinco horas, numa noite de novembro, em pleno inverno inglês. Me espanta

um jovem como você não ter preferido ficar em casa. Cuidado que uma lufada de vento pode carregá-lo! — disse ele, irônico.

Amanda deu de ombros, aparentando mais coragem do que realmente sentia. O tempo estava péssimo e ela estava ansiosa por um demorado banho quente e uma refeição. Havia comida na sacola para alguns dias e ela acenderia a lareira assim que chegasse.

Através do vento e da neve, teve a impressão de ver uma placa indicando Combe Farm. Não tinha certeza, mas o motorista confirmou e ela pediu para descer ali mesmo.

— Irei a pé até a casa. Acho que passamos um pouco, mas não tem problema — disse Amanda, enquanto pagava. A preocupação exagerada de esconder-se foi seu erro, mas ela não percebeu isso.

Ao descer do táxi, na estrada gelada e escura, sua confiança desapareceu e a tolice do plano ficou clara. O motorista esperou até que ela acendesse uma lanterna. A curva que ele fez foi como um adeus na noite e ela ficou ali parada, uma figura solitária, envolta num manto de neve.

Amanda esperou até acostumar-se à luz cinzenta. Seu pai herdara a pequena propriedade após o segundo casamento e não hesitara em vender a casa em Londres e se mudar para o interior. Agora, um peso no coração fazia Amanda desejar que tudo tivesse sido diferente. Poderia ter ido com o pai. Eva nunca se interessara muito por ela, mas fora a própria Amanda que se mantivera afastada. Encolheu os ombros num estremecimento. Talvez estivesse sendo otimista demais. Enquanto Amanda estivera fora, Verônica havia passado as férias na fazenda e escrevera-lhe falando mal da

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madrasta. Pessoalmente, ela não tinha queixas; nas duas vezes que estivera lá tudo correra normalmente. Agora sentia-se extremamente cansada.

Começou a andar. Na curva do caminho, a força do vento e da neve a desequilibraram. Ela tropeçou e caiu numa valeta. Desesperada, sentiu que não podia entregar-se ao desânimo, pois morreria congelada ali mesmo, se não reagisse. Forçou as pernas com determinação e, num esforço final, conseguiu levantar-se. Apressou o passo e rapidamente alcançou a casa. Uma sensação de alívio percorreu-lhe o corpo, apesar da pesada capa de neve. Soluçou alto, as lágrimas misturadas à chuva escorrendo pelo rosto. Depois um riso histérico se apoderou dela, até dar lugar a uma estranha sensação de dor em algum ponto indefinido. A jaqueta de brim estava colada no corpo molhado e a casa parecia uma miragem enorme, pronta a tragá-la naquela escuridão erma.

Reanimando-se, após essa súbita pausa, passou as mãos pelo rosto, limpando a neve dos cílios e afastando o cabelo molhado. Segurou o capuz do casaco, tentando talvez aquecer-se um pouco, mas o vento arrancou-o com fúria, deixando-a mais exposta ainda. Que importância tinha isso, agora que estava em casa?

Avançou alguns passos, girou a lanterna e olhou vagarosamente a velha fachada de pedras da casa. Quanto mais cedo entrasse, menor seria o risco de uma pneumonia.

Era óbvio que o lugar estava deserto. Embora soubesse disso, Amanda não pôde evitar um tremor de espanto diante das janelas sem luz. Se houvesse ao menos uma claridade em alguma delas, haveria de sentir-se bem-vinda. Logo se lembrou de que todas as portas deveriam estar trancadas. Impulsionando o corpo, forçou uma delas e não conseguiu movê-la um centímetro sequer. Lembrou-se então de uma janela no sótão que costumava ficar apenas encostada. Eva reclamara que ninguém se interessava em consertá-la e, sempre que chovia, a cama ficava completamente molhada. O pai de Amanda jamais havia consertado nada na vida e isso virou até uma brincadeira de família. Ela rezou para que ele não tivesse mudado e a janela continuasse quebrada.

Minutos mais tarde, após ter contornado a casa e encontrado uma escada, Amanda olhava feliz e aliviada a janela lá no alto. Que lembrança feliz, Meu Deus! À luz fraca da lanterna, ela podia ver a janela ligeiramente afastada do batente, tal como antes. Só quem sabia poderia perceber isso. Embora não fosse muito alta, era impossível alcançá-la sem a escada. Fora muita sorte ter encontrado a escada. Esperava que essa sorte não a abandonasse, agora que tudo parecia tão fácil.

O teto devia estar escorregadio, sob a camada de neve, mas, se fosse cautelosa, chegaria facilmente ao sótão. A escada era semelhante à que usava quando trabalhava para os Randall: os gêmeos costumavam subir nas árvores. Cautelosamente, Amanda subiu até o topo da escada e tateou o telhado, que lhe pareceu firme. Era difícil, com aquela luz fraca, ter certeza de qualquer coisa, mas ela não podia recuar: era sua única saída.

Com a mochila presa às costas, começou a rastejar no telhado, em direção à janela. O corpo molhado estava arrepiado, sob o agasalho, insuficiente para o frio que fazia. Pensou que, por qualquer deslize, poderia acabar se arrebentando lá embaixo e achou-se imprudente por não ter pensado nesse detalhe antes de subir.

Concentrada nessa tarefa, ela não viu a luz que se aproximava e o rugido do vento impediu que ouvisse o barulho dos passos lá embaixo. Fosse quem fosse, Amanda estava completamente despreparada para o grito que ecoou em seus ouvidos, mais forte que o vento e a tempestade.

— O que você está fazendo aí em cima? — gritou um homem.O pavor e o susto fizeram com que seu coração disparasse. A vista escureceu e

as mãos dormentes se soltaram. Naquela fração de segundo, quando se virou em pânico, Amanda viu o homem. Iluminado pela possante lanterna que segurava, ele parecia tão ameaçador quanto a tempestade.

— Desça já dessa escada! — gritou ele. — Ou irei derrubar você direto na neve!

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Aquela voz impessoal e firme teve um efeito desastroso. Ela se contraiu de tal forma que perdeu o equilíbrio e, de repente, se viu solta no ar. A voz, antes presa na garganta gelada, saiu num grito selvagem de desespero. Foi apenas um instante, um relâmpago talvez, antes que caísse.

Sua cabeça bateu na quina do telhado e veio então um abençoado esquecimento. Nada viu, quando braços fortes envolveram seu corpo inconsciente, caído no gramado.

Quando voltou a si, momentos depois, sentia dores pelo corpo todo. Alguém a segurava com firmeza e tentava fazê-la beber um pouco de conhaque. Parecia que estavam num lugar fechado, longe da tempestade. Piscando os olhos, Amanda tentou ver o rosto acima do seu. A pessoa que a amparava demonstrou animar-se com a sua melhora:

— Quando eu pedi que descesse da escada, não achei que fosse me obedecer literalmente, meu jovem! Não costumamos ser educados com invasores que aparecem por aqui, mas também não queremos machucá-los. A polícia gostará de saber o que fazia lá em cima! — disse, irônico.

Desamparada, Amanda percebeu ter apenas sonhado que estava em segurança. Uma raiva surda, apesar da dor que sentia de um lado da cabeça, foi crescendo nela. Como o motorista do táxi, o homem também a confundira com um rapaz, mas isso não justificava o comentário maldoso. O rosto dele ainda estava mergulhado na sombra. Talvez o conhaque tenha estimulado Amanda a retrucar rispidamente:

— Eu poderia ter morrido. Por que não pensa nisso também? Ele riu de forma irritante, mostrando os dentes.— Mas não morreu, não é? Talvez você queira parecer pior do que realmente

está. Jovens vagabundos que perambulam pelos arredores deviam aprender a não reclamar, quando alguém não os trata com gentileza. Entram em propriedades particulares e esperam que o dono faça vista grossa. Por mim, jovens como você deveriam estar trancados à chave.

Uma estranha náusea tomou conta de Amanda. Seus dentes batiam e a dor de cabeça era insuportável. Mas, de algum lugar, tirou coragem para retrucar:

— Homens como você deveriam ficar calados!Ela percebeu que seu comentário foi bastante impróprio, mas, de qualquer

forma, sentiu-se melhor. Ele a soltou bruscamente e Amanda tombou para trás, incapaz de firmar-se. Semiconsciente, um ruído terrível, no ouvido, ela pôde ouvir um xingamento, enquanto ele a apoiava de novo. Ergueu-a grosseiramente, levou-a para o carro e a acomodou no assento macio. Amanda perdeu completamente os sentidos e viu-se flutuando num mar de leveza, em direção ao desconhecido.

CAPÍTULO II

Amanda ainda sentia a cabeça doer. Seu corpo tremia febrilmente. Ficou quieta por alguns segundos, tentando descobrir onde estava e o que fazia ali. Aos poucos foi percebendo que estava deitada em algo muito macio.

Sentia dor quando respirava e, vagarosamente, abriu os olhos.A luz acima de sua cabeça feria-lhe os olhos e, no delírio causado pela febre, via

essa luz impiedosa formando imagens fantásticas: monstros que se erguiam, dançavam e gargalhavam à sua volta.

Fechou os olhos, concentrando-se para livrar-se daquelas figuras estranhas. Com mãos trêmulas, foi apalpando ao seu redor.

Devia estar machucada e deitada em uma cama, pois nada seria mais confortável. Também havia travesseiros debaixo de sua cabeça. Levou os dedos à testa, massageando-a, numa tentativa de tornar mais claras as imagens de seu plano frustrado.

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Como pudera ser tão insensata? Rezou para que tudo não passasse de um pesadelo do qual logo acordaria. A fazenda, a casa, a janela, a escada, as imagens diabólicas que zombavam dela, tudo a torturava. De repente, as imagens foram se juntando e tomaram a forma daquele homem que havia gritado para que ela descesse da escada, o causador de sua queda e de seu ferimento na cabeça.

— Oh, não! — gemeu Amanda. Finalmente lembrava-se de cada detalhe. Mas como ele sabia que ela estava lá? Talvez a polícia já a tivesse apanhado e estaria sendo acusada de invasão de propriedade alheia. Ou pior ainda: talvez a pessoa que a pegara em flagrante tivesse avisado Verônica!

— Oh, não! — repetiu Amanda, desesperadamente. Esforçou-se para permanecer de olhos abertos, observando tudo ao seu redor. O quarto era imenso, confortável e totalmente mobiliado. Estava certa de que não era um dos quartos de Combe Farm. Não se lembrava de ter estado em nenhum quarto como aquele. A cama imensa, com dossel, fazia com que se sentisse pequenina, ali no meio. O carpete era alto e macio. As cortinas, de pregas amplas, eram de fino veludo e vedavam os sons da tempestade lá fora.

O aquecedor central devia estar ligado, porque ela sentiu calor. Ou será que só o fato de pensar em Verônica havia provocado essa sensação que percorria seu corpo dolorido? Tentou sentar-se. Onde estavam todos? Será que não havia ninguém ali? Parecia que tinha sido abandonada à sua própria sorte, enquanto quem quer que a tivesse trazido para aquele lugar divertia-se num outro aposento da casa.

Seus olhos estavam arregalados e ela parecia um passarinho pronto para fugir do grito diabólico do vento.

Ouviu um barulho. . . Em algum lugar, ura telefone tocava. De repente, silêncio. Alguém devia ter atendido, mas ela não escutava nenhuma voz.

Levada pelo impulso, Amanda afastou os lençóis. Uma sensação de fraqueza a atingiu quando se levantou, mas ela resistiu, mantendo-se em pé. Ficou perplexa ao ver a roupa que estava usando. Parecia o paletó de um pijama masculino, que quase chegava aos seus joelhos. Macio como seda, era de um tecido fino, bonito e aderente, que ressaltava seu corpo esbelto. Suas lindas pernas estavam nuas, deixando à mostra a pele perfeita e o bronzeado que conseguira nos Estados Unidos. Além do paletó, ela não usava nenhuma outra peça! A pessoa que a despira fizera um serviço completo.

Recuperando-se aos poucos, embora ainda se sentisse estranha com aquela roupa, Amanda andou até a porta. Queria encontrar a dona da casa, agradecer-lhe e ir embora.

Saiu silenciosamente do quarto, indo até o corredor, onde permaneceu quieta, tentando ouvir uma voz no andar de baixo. Como tinha suspeitado, alguém estava usando o telefone. Caminhou até o topo da escada, apoiou-se no corrimão de carvalho maciço e olhou para baixo.

Amanda arregalou os olhos, quando viu o homem que falava ao telefone. Ele estava de costas, mas ela não teve dúvidas em reconhecê-lo. Os cabelos negros, a voz vibrante. Era o causador de toda sua desgraça, o mesmo homem que a fizera cair da escada e que depois a socorrera, dando-lhe conhaque.

Atordoada com o fato, Amanda agarrou-se ao corrimão. Então, aquela era a casa dele. Lembrou-se de que ele quase a tinha jogado dentro de seu carro. Seus pensamentos ainda estavam confusos. A lembrança dos últimos acontecimentos ia aos poucos se tornando clara.

Voltou sua atenção para o homem ao telefone quando ouviu-o dizer:— Não há razão para você se preocupar. Verônica. Eu lhe garanto que está tudo

bem. Hoje de manhã recebi um cartão-postal de Richard dizendo que estará de volta daqui a uma semana. Portanto, é inútil você vir até aqui, principalmente agora que está tão ocupada com os preparativos da viagem. Além disso, está caindo uma tempestade e as estradas estarão bloqueadas durante alguns dias. Você sabe como são as tempestades aqui em Dartmoor.

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Verônica? Enquanto a pessoa do outro lado respondia, Amanda sentiu-se tensa e apreensiva. Devia ser sua irmã! O fato do nome do pai delas, Richard, ter sido mencionado confirmava suas suspeitas. Que coincidência incrível!

O homem falava novamente. Amanda permaneceu atenta para ouvi-lo:— Verônica, você deve ir para os Estados Unidos com Herman. Ele não vai querer

viajar sozinho. Seria loucura vir para cá com esse tempo. Está tudo em ordem na fazenda. Direi a Richard que você ligou. — Após uma pausa, ele tornou a falar. Sua voz era irônica; — O que é isso, minha querida? Uma recém-casada não deve falar coisas desse tipo. Quem sabe, se as circunstâncias tivessem sido diferentes. . . Eu vou esperar ansiosamente a sua volta!

Como ele se atrevia?! Amanda ficou cega de ódio. A situação agora estava mais confusa do que nunca. Como ele se atrevia a fazer amor com Verônica? Sim pois fora isso que ele insinuara claramente! Amanda admitia que era inexperiente, mas boba não! O tom suave e esperançoso na voz dele dizia tudo. Cada sílaba estava carregada de carinho. É! Todos os homens são iguais! Primeiro Herman, agora ele! Nesse instante, Amanda desiludiu-se de todo e qualquer homem.

Passada um pouco a raiva, sua preocupação foi que Verônica não soubesse onde ela estava. Durante quatro dias. até que sua irmã e Herman tivessem partido, ela deveria manter-se escondida. De repente, Amanda não pôde controlar um espirro. Parecia que a sorte a havia abandonado.

O barulho do telefone sendo desligado foi como uma explosão em seus ouvidos.O homem virou-se e olhou-a fixamente. Amanda foi incapaz de dar um passo.

Seu coração acelerou e ela foi tomada por uma estranha sensação. Podia ver o rosto de traços bonitos e bem marcados, a face de um homem totalmente seguro de si, forte e poderoso. Alto, moreno, ombros largos, quadris estreitos, viril. . . Tentando não se envolver, Amanda disse a si mesma que ele não passava de um conquistador. Não devia admirá-lo em hipótese alguma.

Sem tirar os olhos do rosto de Amanda, ele subiu as escadas num segundo, a tempo de segurá-la com firmeza quando ela perdeu o equilíbrio. Enrubesceu, indignada por ter sido capturada novamente.

— Se não voltar para a cama imediatamente, vai preferir que eu a tivesse deixado morrer na neve!

Ele nem notou suas faces ruborizadas, nem seu ar de indignação, quando a carregou como se fosse um fardo de trapos de que pudesse dispor quando bem entendesse.

No quarto, Amanda tentou livrar-se das mãos dele. Todo o seu corpo tremia de febre e de excitação. Lembrou-se de que nunca havia se interessado por um homem de olhos verdes. Olhos lindos, claros e brilhantes, mas ameaçadores e frios como a noite.

— Eu não quero voltar para a cama e você não pode me obrigar! Preciso ir embora. Gostaria de me vestir e agradecer à sua esposa pela hospitalidade. Ficaria muito grata se você pudesse chamar um táxi.

— Eu não tenho nenhuma esposa! — Ele a observava minuciosamente, ignorando seus pedidos. Nem sequer perguntou se ela se sentia bem o suficiente para viajar.

— Não tem esposa? — repetiu Amanda, espantada. Ela achava que um homem como ele dificilmente ficaria solteiro. Devia ter cerca de trinta anos e era do tipo que atraía a maioria das mulheres. Amanda lembrou-se do telefone. Com certeza ele mantinha casos amorosos com as esposas de outros homens e por isso não se casara.

Ela tentou novamente:— Então chame sua mãe ou a pessoa que toma conta da casa para você.— Também não tenho mãe. Eu moro sozinho! — Os olhos verdes a fitavam

ironicamente. — Tenho certeza de que essa situação não preocupa uma jovem independente como você.

Atordoada, Amanda afundou na cama. Fechou os olhos para não ver o ar zombeteiro no rosto dele. Estava pálida, a testa molhada de suor. Se não havia nenhuma mulher na casa, então quem a despira? Ela estava certa de que não usava

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pijama, ao chegar a Combe Farm! Esse homem não ousaria despi-la. . . ou será que fora ele? Ela nem sabia seu nome. Amanda não conseguia imaginar que ele a tivesse tocado. Devia estar inconsciente, o que, ao menos, era um consolo.

Abriu os olhos com esforço e olhou-o diretamente. A expressão do rosto indicava que ele tinha adivinhado seus pensamentos.

— Parece que você está achando tudo isso divertido, senhor... Ah, quem quer que você seja!

Ele sorriu, os olhos reluzentes:— Não faria muita diferença, se tivesse dito que era uma moça. Você estava

encharcada e não era momento para falsos pudores. Você está com muita febre, não poderá ir embora! Além disso, não tem um centavo no bolso!

Surpresa, Amanda ficou em pé e o susto foi dando lugar ao medo. Trazia na bolsa uma boa quantia em dinheiro, suficiente para qualquer imprevisto. E agora esse homem dizia que ela não tinha nem um centavo!

— E minha bolsa? — perguntou Amanda. As pupilas dilatadas expressavam toda sua incerteza.

— Se você se refere à sua mochila, eu já vasculhei tudo, à procura de algum documento ou do número do telefone de seus pais. Mas tudo o que tinha lá era um pouco de comida. O tipo de gente com quem você anda gosta de viajar assim, não é?

A boca dele se comprimiu e seus olhos, cheios de censura, a olharam de cima a baixo. Havia algo mais neles, mas Amanda não notou. Aliás, até a crítica passou despercebida, pois ela não conseguia pensar em outra coisa a não ser em sua bolsa. Lembrava-se vagamente de ter descido do táxi e andado até a fazenda, mas tudo se confundia, em sua mente. Por mais que tentasse, não conseguia lembrar onde a teria perdido. Ela sabia que o homem que estava à sua frente não era um ladrão. Ele tinha tocado em seu orgulho, quando a despira, mas pensar que a tivesse roubado não tinha o menor sentido. O que quer que tivesse acontecido com sua bolsa, o importante era que ele não deveria descobrir sua identidade.

Perder a bolsa não era nada, comparado com o desastre que seria se Verônica fosse avisada de seu paradeiro. Ser levada de volta pela irmã, que era muito persuasiva quando queria, era mais do que Amanda poderia suportar. Qualquer coisa seria melhor do que Verônica descobri-la.

Tentando controlar a agitação interior, ela olhou para o homem à sua frente. Sua única saída era mentir, pelo menos em parte:

— Não tenho pais que estejam preocupados! Eu tinha um pouco de dinheiro mas acho que o perdi. Talvez você pudesse me emprestar o suficiente para eu poder ir embora. Não quero incomodá-lo, ficando mais tempo aqui.

— Seus amigos são um estorvo para a sociedade — zombou ele, com os olhos presos no rosto de Amanda. Se eu lhe emprestar dinheiro, quem me garante que vou recebê-lo de volta?

— Você não pode me manter aqui contra a minha vontade — revidou Amanda, ferida com os comentários dele. Queria atingi-lo assim como ele tinha feito, mesmo sabendo que seria perda de tempo. Ele poderia ter sido mais gentil, poderia ter mostrado um pouco mais de compreensão. Devia ter pensado que existiam razões para suas atitudes. Mas não, seu olhar estava cheio de desprezo. Era o olhar de um homem que não tinha tempo nem paciência com a fragilidade de uma pessoa. Amanda admitia que ele tinha um pouco de razão, mas estava sendo radical. Ela poderia estar perdida ou em grandes apuros, e não ser, como ele concluíra, uma andarilha delinqüente perambulando pela face da Terra. Mas ela o deixou pensar o que quisesse! Assim, não se sentiria devendo favores a ele.

— Desculpe-me por lhe ter pedido algo! — Amanda falou, constrangida, sentindo que ele a observava cinicamente. — Não tenho intenção de causar preocupação aos seus vizinhos. Por favor, quero as minhas roupas para poder ir embora.

— Você está muito doente! — Sem dúvida, ele tinha razão. Sua voz soou suave e paciente como se algo o intrigasse.

Amanda continuou persistindo:

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— Se acha que estou tão doente assim, por que não chama um médico? Tenho certeza de que você está exagerando. — Ela pensou que talvez a visita de um médico lhe daria mais chance de escapar, pois poderia tentar convencê-lo a levá-la para a cidade.

— Durante toda a tarde, eu tentei chamar um, mas todas as estradas estão bloqueadas pela neve. Um médico nunca chegaria até aqui, com um tempo desses. Talvez você não conheça Dartmoor numa nevasca, mas nós aprendemos a tratar uma tempestade com respeito.

Amanda confessou:— Eu não sei nada sobre Dartmoor, nem no inverno, nem na primavera.— Então, quando foi que você esteve aqui?— Aqui? Oh. . . — Amanda olhou para ele durante um longo tempo antes de

entender. Desviou o olhar e falou: — Acho que foi durante o verão, anos atrás.— Anos atrás? — Ele parecia desconfiado e impaciente. — Com certeza, você já

esteve em Combe Farm antes, pois sabia daquela janela quebrada. Você a reconheceu mesmo coberta de neve, e o motorista do táxi me contou que já estava escuro, quando a deixou lá.

Ah! Então fora assim que ele a descobrira! Havia sido aquele velho ranzinza, o motorista do táxi, que a entregara. Amanda pôde ver que nada passaria despercebido àquele homem. Ele estava atento a todos os detalhes! Mas o que a surpreendia é que ele ainda não tinha perguntado seu nome. A única defesa que tinha contra um homem assim, era manter o sangue-frio.

— No interior, todas as casas têm uma janela no sótão, e geralmente com defeito. Eu estava apenas tentando e tive sorte. Ou melhor, estava tendo até você chegar.

— Você não poderia ter tido mais sorte — falou, com suavidade. Sua expressão mostrava claramente que, em nenhum momento, ele tinha acreditado no que ela dissera. — Se tivesse conseguido entrar, só encontraria uma casa gelada onde fatalmente morreria.

— Eu poderia ligar o aquecedor e logo tudo estaria aquecido.— Errada novamente, senhorita persistente. — Seus olhos verdes eram tão

maliciosos como os de um gato. — A caixa de força está desligada e trancada com cadeados. Da próxima vez, antes de invadir uma casa, tenha o cuidado de observar tudo.

— Serei mais cuidadosa da próxima vez. — Ela nem sabia o que estava falando.— Assim é melhor!— Que outras surpresas você ainda tem para mostrar? — Como poderia dizer-lhe

que não queria mais saber de supresas? Desde que chegara dos Estados Unidos, sua vida estivera cheia delas, e nenhuma agradável. Tinha sido surpreendida por uma série de fatos desagradáveis, um após o outro, sem conseguir livrar-se dessas situações.

Confusa, no escuro, ela viu aquele rosto enigmático bem próximo ao seu.— Nem sempre as coisas acabam como a gente gostaria — disse Amanda.— O inesperado sempre acontece, quando se vive à sua maneira.— Você fala como se fosse meu pai!De repente, sem motivos, Amanda riu histericamente. Da mesma forma que

começou, ela parou e fixou no rosto dele seus olhos grandes e expressivos, tão turbulentos quanto o mar.

Os tremores novamente começaram a tomar conta de seu corpo frágil. O quarto parecia estar rodando, o chão vinha ao seu encontro e, como se não bastasse, o barulho do vento a amedrontava. Tudo isso era demais e ainda havia a presença marcante do homem ao seu lado. Ela sentiu-se tão fraca como um coelhinho. Sob aqueles olhos verdes, que a analisavam minuciosamente, Amanda foi se inclinando e perdendo os sentidos.

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Quando acordou novamente, já era de manhã. Sabia disso porque a luz brilhava num canto do quarto, e não mais sobre sua cabeça. Como era uma luz fraca, Amanda estava se preparando para voltar a dormir, quando ouviu:

— Isso já está se tornando um hábito, senhorita. Quero avisá-la de que, se me deixar falando sozinho novamente, não serei responsável pelos meus atos.

Aquela voz suave penetrou em seus ouvidos, formando, com a atmosfera de sonolência, um imenso casulo de algodão que enlaçava e tomava conta de todo seu corpo.

Lentamente Amanda abriu os olhos. De início, só viu manchas escuras e trêmulas, e, através das sombras, a forma do rosto de um homem. Era aquele homem! O choque a fez encará-lo com os olhos semifechados, até desaparecerem os últimos sinais daquelas manchas.

— Quem é você — sussurrou ela, olhando-o. Seus dedos alvos o tocavam, tentando mostrar que a pergunta era muito importante para ela. Debaixo do fino tecido da camisa, ela lhe sentiu os músculos rijos e um tremor a percorreu. Não se lembrava se ele era um amigo ou não. Ele não demonstrava ser nem uma coisa, nem a outra.

— Jason Meade, às suas ordens, madame. E o seu nome, qual é? Curiosamente, ela não se lembrava de seu próprio nome. Uma porta estava

fechada em sua mente:— Eu não consigo me lembrar. . .Ele se recostou na cadeira. Os dedos dela escorregaram de seu braço.— Se eu ao menos pudesse acreditar nisso! Você bateu a cabeça. Consegue se

lembrar de outras coisas?— Sim, claro. . . — Amanda sentia um nó em seu estômago, mas podia se

lembrar de muita coisa.— É só o meu nome!— Isso significa que você não quer me dizer o seu nome, não é? Pois saiba que

estou cuidando de você há um dia e duas noites. Acho que você me deve alguma informação a seu respeito!

Seus olhos se fixaram no rosto dele. Ela tentava se concentrar: um dia e duas noites. Isto significava que Verônica ainda não tinha partido! Lembrou-se de outro fato: ela era Amanda Trent e devia ficar escondida até que a irmã partisse. Nada a faria trair-se!

Ela sabia que esse homem tentaria descobrir seu nome de qualquer maneira. Decidiu então dar-lhe um nome falso. Sentindo-se desconfortável e já com uma pontinha de remorso, Amanda sussurrou:

— Desculpe-me. Você tem razão, eu lhe devo algumas explicações. Já estou me lembrando: meu nome é Miranda Smith. — Em Londres, a família de Amanda tivera uma faxineira chamada Miranda Smith. Como deveriam existir centenas de Miranda Smith, certamente a faxineira não se importaria de emprestar-lhe o nome por um certo tempo.

Amanda sorriu ternamente para Jason Meade, dizendo:— Pode me chamar de senhorita Smith!— Se você não se importa, eu a chamarei de Miranda. Por que quebrar a

informalidade que compartilhamos nos dois últimos dias? O nome não é tão importante, mas sempre ajuda.

— É. . .Apesar de estar claro que ele não acreditava em Amanda, não fez nenhum

comentário. Mas disse uma coisa que a fez corar instantaneamente: deu a entender que, desde que a trouxera para a sua casa, ninguém além dele estivera por perto. Ficaram o tempo todo a sós! No interior isso era o suficiente para um escândalo. Ninguém levaria em conta que ela estava doente.

Ela o interrogou com diplomacia:— Você disse que eu estive doente. Fiquei muito mal?

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— Por pouco você não teve pneumonia. Mas acho que está se recuperando muito bem, caso contrário não estaria discutindo comigo.

Por alguns instantes, Amanda observou o queixo daquele homem. Era decidido, agressivo até. Sua boca era muito mais sensual do que ela tinha pensado e seus ombros eram assustadoramente largos. Não era o tipo de homem para se brincar e muito menos para ser enganado. Algo dentro dela tremia, algo que nunca sentira antes. Tentou afugentar essa emoção.

— Não me lembro de ter estado seriamente doente antes. Acho que já tive as doenças comuns na infância, como sarampo, mas nada mais depois disso.

— Talvez seja por você levar uma vida ao ar livre. Mas é engano seu achar que é permanentemente imune às doenças. Até o criminoso mais calculista lhe dirá que os imprevistos acontecem, mais cedo ou mais tarde.

— Pensei que estivéssemos falando de doença — retrucou Amanda asperamente. Não entendeu que ele a provocava para que lhe desse alguma informação a seu respeito.

Num segundo, a face de Amanda ficou rosada e, da mesma forma que a cor veio, sumiu. Ela se recostou nos travesseiros, cansada do esforço de defender-se do jogo de palavras que ele fazia.

Amanda não percebeu que Jason examinava a palidez de seu rosto, as olheiras profundas e aquele ar de exaustão que emanava dela. Notou quando ele se levantou e foi em direção à porta. Uma sensação de desamparo e solidão apoderou-se dela. Será que ele estava irritado? Talvez ela tivesse dito coisas sem pensar.

— Aonde você vai? — perguntou ansiosa.— Vou preparar algo para você beber — respondeu com frieza. — Enquanto isso,

você se acalma, senão vai ter uma recaída. Eu devia ter pensado nisso antes. Você está me divertindo muito, com essa sua língua afiada, Miranda.

Ignorando seu último comentário, ela protestou:— Eu não estou com sede. Você vai perder o seu tempo.— O meu tempo não, Miranda. Acontece que tem uma senhora que está me

ajudando. Ela é muito prestativa e eu não quero incomodá-la. É bom eu avisar você para engolir sem protestos qualquer coisa que ela lhe trouxer. Ela tem fama de ser muito brava, por isso cuide-se!

Amanda ficou olhando para a porta depois que ele saiu. Então, quer dizer que tinha mais alguém na casa! Ele deveria ter dito a ela! Amanda sentiu uma mistura de indignação e alívio. Talvez as coisas se tornassem um pouco mais fáceis para ela dali para a frente.

— Jason Meade. . . — Ela falou o nome dele baixinho. Soava tão agradável. Que tipo de homem ele seria? Era muito atraente, um homem que toda mulher pararia para olhar. Amanda não gostava da expressão amarga dele. Mesmo quando se descontraía, parecia sempre preocupado com algo. Como se já tivesse experimentado tudo o que a vida tem a oferecer e estivesse agora desiludido com tudo. Talvez estivesse enganada. Talvez não existisse nada dentro dele que pudesse agradar a uma pessoa.

Impaciente com seus próprios pensamentos, Amanda virou-se para olhar a janela. Parecia que ainda estava nevando. Para certificar-se, levantou-se e foi até a janela. Ninguém tinha lhe trazido a bebida que Jason prometera. A mulher que o ajudava poderia ter suas virtudes, mas, certamente, a rapidez não era uma delas.

Amanda encostou o nariz na vidraça. Estava nevando. O vento tinha parado e os flocos brancos caíam macios, deixando a paisagem mais branca do que já estava. Abaixo de sua janela viu algumas baias e um abrigo para cavalos. Mais além, tudo estava branco e calmo. Não se via nenhum movimento, nem ao redor da casa. Parecia não haver mais ninguém no mundo além dela mesma. Era uma prisioneira das circunstâncias e de sua própria tolice e não havia nada que pudesse fazer.

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CAPÍTULO III

Dois dias depois, Amanda já estava de pé e sentindo-se muito bem. Ainda podia ver neve pela janela, mas o sol brilhava.

Viu suas roupas lavadas e colocadas em cima de uma cômoda e sentiu-se aliviada por não terem sido jogadas fora.

Saiu da cama, vestiu-se e, num misto de ansiedade e alívio, dobrou o pijama masculino que usara. Começou a arrumar o quarto. Geralmente era rápida, mas, dessa vez, levou muito tempo nessa tarefa. Sentia as pernas bambas e o rosto molhado de suor. Depois que terminou a arrumação, resolveu descer e dar uma olhada ao redor.

Era uma estranha numa casa estranha que mais parecia um labirinto. Sentiu cheiro de comida e foi direto para a cozinha.

A sra. Drew estava ocupada na pia, mas olhou para Amanda preocupada. Ela estava com tonturas e se encostara na porta.

— Tem certeza de que podia se levantar? Não sei se o sr. Jason vai gostar de vê-la fora da cama.

— Eu estou bem melhor, obrigada. — Amanda sorriu, ignorando o que a mulher dissera sobre Jason, enquanto observava o ambiente.

Apesar de morar sozinho, Jason Meade estava muito bem instalado. A cozinha era bem arrumada, clara, moderna e espaçosa, com paredes de azulejos brilhantes e coloridos. O sonho de qualquer dona-de-casa. E ainda por cima com aquecimento! Devia ser bastante caro manter aquecimento central numa casa como aquela. Vendo tudo isso, Amanda concluiu que o sr. Meade devia ser um homem muito rico.

— É melhor ter cuidado, nos primeiros dias — avisou a sra. Drew.— Eu sou jovem e forte, logo estarei em forma novamente — respondeu, ainda

pensando na cozinha de Jason Meade.Mesmo não sendo um tipo doméstico, Amanda pôde perceber que a cozinha era

muito bem equipada.— Não se preocupe comigo, sra. Drew — acrescentou, enquanto a mulher parecia

estar na expectativa de algo mais. — Eu posso cuidar de mim.— Então você precisa se cuidar mais.— Está bem. — Amanda sorriu. A sra. Drew tinha sido muito amável, mas não

queria que ela se preocupasse mais. Lembrou-se de que Jason dissera que a sra. Drew era uma tirana. Não sabia de onde ele tirara essa idéia. Talvez estivesse enganada, pois mal se lembrava do quê acontecera nos dias em que estivera na cama. Lembrava-se de que, às vezes, tentava se levantar e mãos fortes a seguravam, prendendo-a na cama. Seguravam com força, quase machucando a pele macia de seus braços, até que ela caísse exausta e voltasse a dormir. Será que as mãos da sra. Drew tinham aquela firmeza e sua voz aquele tom profundo e confortante?

Logo ela pôde confirmar suas suspeitas:— O sr. Jason cuidou de você como se fosse uma mãe. Desculpe o conselho, mas

não se esqueça de lhe agradecer. Às vezes, quando você delirava, ele usava toda a sua força para mantê-la na cama. Coitado! E pensar que está de férias!

— De férias?! — perguntou Amanda, surpresa. — Mas ele não é fazendeiro?A sra. Drew balançou a cabeça.— É melhor você perguntar a ele. Eu apenas moro aqui com meu marido, que

cuida do estábulo do sr. Jason. Venho aqui de vez em quando para arrumar um pouco as coisas.

— Ah, entendi. . . — Amanda não tinha entendido, mas não queria que a sra. Drew percebesse que sabia tão pouco sobre Jason Meade, Achou melhor não dizer nada sobre sua chegada, mesmo porque nem sabia o que ele havia contado a ela. Estava tão confusa! Talvez tivesse sido melhor não ter vindo à cozinha. Não sabia o

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que dizer para disfarçar seu embaraço. De repente, ouviu a voz de Jason Meade atrás dela:

— A srta. Smith vai tomar café comigo, sra. Drew. Temos alguns assuntos para discutir.

Amanda voltou-se surpresa. Ela não ouvira passos e, com curiosidade, olhou para os pés dele. Estava sem botas, usando somente meias grossas.

Jason ficou olhando para o rosto dela, como se adivinhasse o que estava pensando.

— Você estava lá fora? — perguntou Amanda.— Garota inteligente — disse com ironia, segurando o braço dela com firmeza e

conduzindo-a para a sala. — Nem sempre se encontra uma garota tão observadora. Especialmente quando essa garota aparece na nossa porta.

— Você não me encontrou na sua porta. Eu estava inconsciente, quando você me trouxe para cá.

— Mas a sra. Drew não sabe disso.Amanda parou no meio do caminho e puxou o braço, tentando livrar-se dos

dedos firmes que a seguravam. Olhou assustada para ele.— Você quer dizer que a sra. Drew pensa que fui apanhada pela tempestade e

vim procurar abrigo?— Exatamente. Realmente, a garota tem cérebro. — Sua voz era irônica e

Amanda odiou-o, naquele momento. Ele parecia estar bem-humorado! Havia um leve sorriso satírico em seus lábios. Amanda corou.

— Ela acreditou em você?— Por que não? Pessoas sempre se perdem, nesta região. Só que costumam ser

homens e aparecem em outra época do ano.— Quer dizer que se perder não é tão estranho por aqui? — Amanda entrou na

confortável sala de refeições. Sentiu-se constrangida quando Jason, muito educadamente, puxou a cadeira para que ela se sentasse.

— Em Dartmoor há mais de quinhentos quilômetros de terra pantanosa, às vezes linda, indescritível. Muitos dizem que é gloriosa no verão, mas um demônio no inverno. É claro que resgatar donzelas em apuros não é o passatempo mais comum por aqui. Isso é trabalho extra, num inverno como este.

— Você está brincando! — A voz clara e suave de Amanda soou ríspida. Ficou olhando para seu prato.

— Talvez esteja. — Ele sorriu, enigmático. — Mas posso falar sério, se você preferir. Não encontro palavras para descrever a preocupação que você tem com a sua reputação. Você pode agir como um navio que passa despercebido na noite, mas o passado tem maneiras estranhas de nos apanhar. A sra. Drew não sabe que você chegou naquela noite. Eu disse a ela que a encontrei de madrugada, lá fora. Um pequeno desvio da verdade, necessário e suficiente.

Amanda ruborizou, enquanto Jason enchia sua xícara e o aroma do café se espalhava pela sala. Havia um silêncio tão tenso entre eles que ela não saberia como quebrá-lo. Sentia-se constrangida. Séria melhor esquecer tudo, mas era tão desesperador pensar que esse homem, sentado perto dela, tinha tirado suas roupas molhadas e a colocara na cama! Pensar que as mãos dele tocaram seu corpo lhe provocava uma onda de calor como nunca havia sentido antes. Olhou para Jason quando ele falou com ironia:

— Pare de se preocupar, Miranda. As formas femininas, quando meio congeladas e molhadas, não me atraem. É melhor pensar que as suas roupas precisavam ser trocadas e você não estava em condições de fazê-lo. Se eu soubesse que ficaria tão envergonhada, talvez não tivesse feito aquilo.

— Desde que eu cheguei, você me tem agredido moralmente. Por que não deixou que a sra. Drew me despisse? Teria se livrado de uma porção de aborrecimentos.

— Eu sei, mas pensei que a sra. Drew estivesse na casa de uma irmã. O marido dela, que você ainda não conhece, ia levá-la até a estação. Infelizmente, um dos meus

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cavalos ficou doente e Tom não pôde deixá-lo. Só na manhã seguinte é que fiquei sabendo que ela não tinha viajado.

— Acho que você se esqueceu do motorista do táxi. Ele sabe a hora exata em que eu cheguei aqui.

Ele a interrompeu com um gesto dominador.— Ia começar a falar sobre isso. Várias vezes ele se referiu a você como a um

jovem vagabundo. Como vê, não há motivo para ele relacionar o seu passageiro com a minha Miranda Smith. Ele me avisou porque sabia que eu estava tomando conta de Combe Farm enquanto os proprietários estão viajando. Se o motorista vier falar comigo novamente, direi que não encontrei nem sinal do vagabundo.

— Você está fazendo um esforço terrível para salvar a minha reputação! — Confusa, esforçava-se para respirar. O fato de tê-la chamado de "sua" Miranda era mais uma ofensa para fazê-la sentir-se desamparada e desconfortável. Sentiu um arrepio descer-lhe pelo pescoço. Se um dia ele descobrisse sua verdadeira identidade, ficaria furioso!

Jason sorriu:— Por que eu deveria me preocupar com a sua reputação, srta. Miranda? É com a

minha que estou preocupado.Isso era demais! Ele não devia estar falando sério! A menos que. . . houvesse

uma mulher interessada em saber exatamente o que acontecera entre os dois. Jason não devia levar muito a sério as mulheres. Mas devia existir uma que ele admirasse e respeitasse mais que as outras. E essa mulher não seria alguém como ela ou Verônica, a quem ele podia atormentar, assim se divertindo. Ao pensar nisso, sentiu que uma estranha tristeza a invadia.

— Estou me sentindo bem melhor hoje, sr. Meade. O bastante para partir. Sairei logo após o café.

— Como? — Seus olhos verdes estavam frios.— Bem. . . Pela estrada, eu suponho. Fique tranqüilo que não o incomodarei

pedindo carona.— Oh! Mas quanta independência! — Jason inclinou-se para ela, com a xícara de

café na mão. Sua voz era ríspida. — As estradas ainda estão cheias de neve. Você não conseguirá ir muito longe. Como não vou ter tempo de salvá-la novamente, sugiro que fique quieta aqui em Merington até que o tempo melhore.

— Merington? É esse o nome da sua casa?— Da propriedade toda. A fazenda eu aluguei. Tenho um excelente inquilino. — O

tom de voz deixou claro que ele estava disposto a satisfazer toda a sua curiosidade.Amanda ficou surpresa ao saber que Jason tinha uma fazenda alugada, pois isso

era uma excelente fonte de renda. Com frieza, jogou uma mecha de cabelo para trás e retomou sua maneira formal de falar:

— Não há máquinas ou qualquer outra coisa que retire neve aqui, nesta cidade?— Minha cara senhorita. . . — murmurou ele calorosamente. — Para começar, a

minha estrada é particular e tem quase dois quilômetros de extensão. No atual estágio de contenção de despesas, as estradas não estão sendo limpas, a menos que seja absolutamente necessário. Além do mais, os telefones foram danificados pela tempestade e eu fiquei impossibilitado de explicar a alguém sobre a sua cabeça machucada ou o meu cavalo doente. Mas, como ambos se recuperaram, parece que não tenho mais problemas.

— O que eu estava querendo dizer era. . .— Esqueça — interrompeu-a, impaciente. — Depois de passar dias na cama, com

gripe, até onde pensa que conseguiria andar? Seu bom-senso já falhou esta manhã, ao se levantar, e, definitivamente, eu a proíbo de sequer pensar em partir.

— Você não pode me impedir!— Não insista, Miranda. Tente sair e verá!A voz dele era ameaçadora, e seu olhar confirmava que a situação estava tensa

demais para ela tentar desafiá-lo.— Muito bem, mas você vai se arrepender por não me deixar ir.

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— Antes que parta, iremos a um médico fazer uma radiografia para ver se está tudo bem. Ainda dói? — perguntou Jason, com voz suave. — Sua cabeça, quero dizer.

— Não muito. — Amanda jurou a si mesma que não iria a hospital algum com Jason Meade. — Tenho certeza de que você está se preocupando à toa. Não fraturei o crânio, se é o que pensa.

— Não tenho condições de achar nada e muito menos você. . . Tenho um pouco de bom-senso; não esqueci que foi por minha culpa que você caiu do telhado.

— E você leva muito a sério as suas responsabilidades, não é mesmo, sr. Meade? Como os homens do seu tipo — disse com inocência, enquanto seus olhos devoravam o rosto dele.

— Desisto! — Olhou-a zombeteiramente. — Qualquer dia, Miranda, você arrumará encrencas, com essa sua língua solta. Outro homem pode não ser tão paciente.

— Eu não disse nada de mais. Não queira ler nas entrelinhas.— Quer dizer, então, que você me elogiou? — Sorriu com simpatia. — Espero que

um dia possamos nos entender.Defensivamente, Amanda baixou os olhos. Como poderia ficar indiferente a tanta

ironia? Tentando desesperadamente encontrar uma saída segura, perguntou:— Já que não vou embora hoje, o que sugere que eu faça?— Você não desiste mesmo, não é? — Seus olhos deslizaram até a boca rebelde.

— Vá até a biblioteca. Lá há uma televisão e livros que manteriam você ocupada durante muitos invernos. A menos que você não leia. Hoje em dia os jovens não costumam ter esse hábito.

Amanda olhou para ele com frieza.— Você fala como se eu tivesse acabado de sair da escola!— Sei que não deve fazer muito tempo. Quantos anos você tem?— O suficiente. . . — Indecisa, piscava de forma graciosa.— Isso não é resposta! — Podia-se notar o quanto Jason estava impaciente.— O fato de você ter me salvado não lhe dá nenhum direito. Não precisa saber

nada a meu respeito. — Amanda estava furiosa. Lembrou-se do que ele dissera sobre sua língua. Seria perigoso responder até mesmo a uma simples pergunta. Jason era astuto demais.

— Miranda? — chamou-a com gentileza.— Vinte anos, se realmente quer saber. — Levantou-se, deixando a segunda

xícara cheia de café. — Se me permite, seguirei o seu conselho. Vou até a biblioteca ler um livro. Pelo menos eles não podem ler pensamentos nem fazer interrogatórios — disse, erguendo a cabeça como uma criança teimosa.

Mais tarde, Amanda percebeu que não tinha feito uma boa escolha. Durante o resto daquele dia e parte do dia seguinte, ela só viu Jason por poucos minutos. Ficou na biblioteca, ouvindo discos e vendo a neve cair. Estava tão preocupada que não foi capaz de se interessar por um livro sequer, embora houvesse ali uma porção deles e uma poltrona confortável perto da lareira.

A perda da sacola a aborrecia muito. Sentou-se em frente ao fogo e relembrou os fatos dos últimos dias. Chegou à conclusão de que a perdera a caminho de Combe Farm. Lembrava-se vagamente de ter caído numa valeta.

Sentiu-se um pouco mais segura ao pensar que, enquanto durasse a neve, ninguém acharia a sacola e seu segredo estaria a salvo de Jason.

Jason Meade! Realmente, ele era um homem e tanto! Tinha que admitir isso. Esse pensamento veio tão espontaneamente, que Amanda sentiu-se envergonhada. Pensar em Jason lhe causava uma excitação, uma sensação esquisita que ela nunca sentira. Além de uma beleza máscula, ele tinha uma autoridade dominadora e sofisticação esmerada. Nem em cem anos ela teria suficiente experiência para enfrentar um homem como Jason, mas bem que gostaria que ter. Precisava parar de pensar nele. Devia estar maluca! Seria bom mesmo examinar a cabeça. A pancada talvez tivesse afetado seu raciocínio. Jason Meade não era para ela, nem ela o queria! Provavelmente estivesse carente de afeto, por isso ficava sonhando assim!

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Até que sua família voltasse, seria mais racional ficar em Merington do que ao relento. Talvez fosse bom ficar com a sra. Drew e o marido. Seria mais fácil fugir para Combe Farm. Como Jason a julgava uma hippie ambulante, não se daria ao trabalho de procurá-la. E nunca associaria a jovem e recatada filha de Richard Trent a Miranda Smith. Mas o mais sensato mesmo seria voltar a Londres e ficar numa hospedaria barata. Com um pouco de sorte e paciência, encontraria um emprego.

Na tarde do dia seguinte, na hora do chá, Amanda descobriu que a paciência era uma virtude que ela não tinha. Como nos últimos dois anos tivera uma vida ao ar livre com os Randall, ficar presa dentro de casa era muito chato.

A dor nos braços e pernas tinha desaparecido e, fora uma certa moleza, ela se sentia muito bem. Não vira Jason o dia todo e sentia-se abandonada. Decidiu perguntar à sra. Drew onde ele poderia estar:

— Com esse frio todo, ele não deve ter muito que fazer, lá fora. Espero que não esteja saindo só para não me encontrar.

Tinha sido indiscreta demais e não se surpreendeu quando a sra. Drew sacudiu a cabeça em desaprovação.

— Há muito que fazer, num inverno como este, Miranda. Eles estão trabalhando desde a madrugada. Só pararam para comer um sanduíche e tomar um copo de cerveja. Meu marido não pode tomar certas decisões sozinho. Como o sr. Jason sabe tudo a respeito de cavalos e não gosta de perder tempo, eles estão trabalhando juntos.

Ela não sabia nada sobre cavalos. Só havia cavalgado um pouco, na Flórida, quando os gêmeos decidiram que isso era a melhor coisa do mundo. Sentiu que não tinha argumentos para continuar o assunto com a sra. Drew.

— Lamento não ser uma moça do campo. — Ela riu. — Mas vou calçar um par de botas de borracha e sair um pouco. Senão, morrerei de tédio, e não de gripe.

Amanda viu que a sra. Drew não tinha gostado de sua idéia, mas fingiu não notar isso e subiu correndo para vestir uma jaqueta. A idéia de sair deixou-a animada e trouxe um colorido ao seu rosto pálido. Sabia que nem a sra. Drew nem Jason aprovariam, mas ela precisava de um pouco de ar fresco, depois de ficar trancada tanto tempo.

Lá fora estava mais frio do que imaginava. Lembrou-se do casaco que estava na sacola perdida e lamentou estar sem ele ali. A jaqueta não era suficiente para enfrentar o frio de Dartmoor!

Olhou para a estrada. Estava deserta. Ninguém a impediria de fugir, mas, como Jason dissera, a estrada estava coberta de neve e não haveria jeito de ir embora. Andou alguns minutos, porém sentiu-se cansada e parou. Encostou-se na cerca para recuperar o fôlego, olhando os arredores. O brilho do sol sobre a neve dava ao pântano uma aparência de pequena Antártida brilhante, gelada e deserta, que nenhum homem ou animal conseguiria ultrapassar.

Um leve arrepio percorreu-a. Estava ficando sonhadora demais! Devia ser por causa do ambiente! O melhor que tinha a fazer era ir procurar Jason Meade, pois os seres humanos eram mais fáceis de enfrentar.

Quando voltava, notou que Merington era uma casa sem estilo definido, de aparência muito confortável. As grandes janelas quadradas e as pesadas chaminés haviam resistido muito bem à passagem dos anos. Os pinheiros formavam uma cerca protetora entre a casa e o pântano. Que tipo de homem seria Jason Meade para viver assim? Em invernos como aquele, a solidão devia ser insuportável. A curiosidade dela aumentava quando pensava na profissão dele. Sabia que Jason era algo mais que proprietário rural.

Já era bem tarde quando Amanda chegou aos estábulos. A neve tinha sido removida do pátio, abrindo um grande espaço para que os cavalos pudessem se exercitar com facilidade. Não havia nem sinal de Jason Meade.

O brilho do sol a impedia de enxergar o interior. Quando tentava abrigar-se na sombra para poder ver melhor, Jason, que vinha saindo por uma porta, quase esbarrou nela.

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— Que diabos você está fazendo aqui? — O tom áspero mostrava que ele não tinha gostado da presença dela ali. Assustada, Amanda não sabia o que dizer. Por que será que ao vê-lo suas pernas fraquejavam e sua pulsação aumentava? Sentia-se tímida, perto dele. Ainda mais por estar barrando-lhe a passagem. Os olhos dele brilharam de irritação, ao ver que ela estava mal agasalhada e com o rosto pálido.

— Sua bobinha! — Segurou-a pelo braço, sacudindo-a sem gentileza alguma. — Eu não disse que ficasse em casa? Tenho muito que fazer e você ainda quer aumentar as minhas preocupações?

A timidez passou, provavelmente por causa da força daquela mão e das palavras ríspidas.

— Eu não quero criar problemas, vim ver se podia ajudar! — Não era bem a verdade, mas, se dissesse que saíra para tomar um pouco de ar, ele ficaria mais irritado ainda.

— Ajudar? Ajudar em que, posso saber? Saindo de casa sem agasalho suficiente e ainda por cima gripada?

Um tremor a percorreu, mas ela retrucou à altura:— Ontem mesmo o senhor me acusou de ser indolente, sr. Meade!— Não quero nenhuma ajuda sua, mocinha. Vou mandá-la de volta para casa.— Não, por favor, Jason. . .— Jason? — Seu tom de voz mudou sensivelmente. — Puxa! Pensei que você

nunca iria me chamar assim.— Desculpe-me, não tive intenção. — Por que estava se desculpando por chamá-

lo pelo primeiro nome se ele só a chamava assim?— Não se desculpe, Miranda. Eu gostei. Isso coloca o nosso relacionamento num

outro nível.Seus olhos azuis fitaram os dele. Havia um tom brincalhão em sua voz, que ela

não conseguia entender. Jason não estava mais zangado e segurava seu braço delicadamente. Apesar dessa mudança, Amanda não achou que a situação inspirasse tranqüilidade e resolveu desafiá-lo:

— Não acho que isso faça qualquer diferença.— Tem certeza, Miranda? — As mãos dele a soltaram e seu sorriso perdeu o

brilho. Fixou os olhos na boca sensual de Amanda. — Eu prefiro pensar que isso faz toda a diferença do mundo. Mas nós veremos, minha pequena criança. — Colocou um braço ao redor dos ombros dela. — Venha, vou lhe mostrar os meus cavalos. Mas não ofereça ajuda, gosto de cuidar deles pessoalmente,

Toda vez que olhava para o rosto enigmático de Jason, Amanda sentia um arrepio na espinha, que se propagava por todos os seus nervos, Ele se divertia implicando e zombando dela, mas isso não significava nada. Talvez o mau tempo tivesse o poder de acordar um diabinho dentro dele. Muitos homens procuram um bode expiatório, quando estão sobrecarregados de trabalho. Se ela pudesse ajudá-lo de alguma forma, sentiria que teria pagado um pouco do que lhe devia,

Jason levou-a pessoalmente para conhecer os estábulos e, no dia seguinte, aceitou sua ajuda.

Em poucas horas, os cavalos tomavam-se um divertimento para ela.Era gostoso senti-los lambendo-lhe as mãos. Experimentava uma sensação

maravilhosa quando os abraçava, enquanto Jason trabalhava por perto. Ele não aprovava essa demonstração de carinho. Amanda ficou chateada quando ele lhe disse que ela devia se lembrar também dos perigos que os cavalos representavam. Amanda observava todos aqueles animais que deviam valer uma fortuna. . .

— Você pode montar esse aí — brincou Jason, mostrando um imenso cavalo castanho.

Arrancada de suas divagações, Amanda ficou olhando para Jason. Ela deveria estar jogando feno para os cavalos, o único trabalho que ele lhe permitira fazer. Corando um pouco, pensou no que ele dissera.

— Eu não sei montar.

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— Posso ensinar você. Isso e muito mais. — Seus olhos prometiam. Ela sentiu um nó no estômago, teve a sensação de flutuar. Quase sem fôlego, disse, sem pensar:

— Eu tentei uma vez, mas caí. Não tenho muito jeito para isso.— Acho que você está enganada. Tenho certeza de que conseguirá — Jason

retrucou com um sorriso. — Você tem algo de que os meus cavalos gostam. Qualquer outra pessoa que entrasse aqui já teria levado um coice há muito tempo. Já trabalhou num estábulo, Miranda?

— Se tivesse trabalhado, saberia montar.— Gostaria de tentar? Tom já não é tão moço e precisa de ajuda. Ela virou o rosto

para fugir daqueles olhos verdes.— É um convite, sr. Meade?— Jason — ele corrigiu gentilmente. — Seria mais compensador do que continuar

andando sem rumo por aí.— Uma espécie de centro de reabilitação — provocou ela.— Você é quem diz isso, não eu. Não estou interessado em garotas ou em salvar

suas peles sensíveis.— O senhor sabe ser grosseiro, quando quer, sr. Meade! Magoada, Amanda pôs

as mãos nos bolsos do enorme casaco com que ele a cobrira. Era quente e a gola de pele acariciava seu pescoço macio.

— O que você me diz? — perguntou Jason, encarando-a.— Receio não poder aceitar a sua oferta. Não daria certo.Ela se contraiu, mas ele foi mais rápido. Amanda tremia incontrolavelmente,

quando Jason lhe segurou os ombros com força:— Por que não se dá uma chance, Miranda? Q que estou oferecendo não é muito,

mas você não precisaria andar por aí, faminta e miserável.— O que o senhor está me oferecendo, sr. Meade, é muito questionável. Eu

detestaria trocar uma forma de escravidão por outra.o contato de suas mãos tornou-se íntimo:— Há uma porção de coisas que eu quero fazer por você, Miranda. Por gentileza

ou por outro motivo que não consigo definir claramente. É bom pensar melhor na minha oferta, antes de descartá-la. Talvez você não venha a ter outra chance como esta.

— Algumas ofertas, sr. Meade, é melhor nem considerar. Intuitivamente se percebe que não vale a pena.

— E por causa da intuição você espera o pior das coisas? — disse ele, com olhos zombeteiros e expressão sombria, olhando-a nos olhos. — Você não percebe que está se tornando um bichinho selvagem e medroso, fugindo de tudo e de todos?

Ela ergueu as mãos para empurrá-lo.— Os seus cavalos são ótimos, sr. Meade, mas não para mim. O problema é só

esse, o resto é exagero seu. Agora, se não se importa, vou ajudar a sra. Drew a preparar o jantar.

— Vá, Miranda. Ajude a sra. Drew. Espero que me faça companhia no jantar. Hoje à noite vou lhe propor algo melhor do que trabalhar nos meus estábulos.

Amanda voltou para casa. Jason estava acostumado a ser obedecido, mas a idéia de jantar com ele a deixava muito apreensiva. Parecia que ele não queria tirar os olhos de cima dela. Sua única preocupação era saber por quanto tempo conseguiria resistir a Jason Meade.

CAPÍTULO IV

Amanda foi ajudar a fazer o jantar. Quando terminaram, a sra. Drew sugeriu que ela fosse descansar:

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— Vá para o seu quarto e descanse um pouco, meu bem, senão o sr. Jason vai ficar bravo comigo por fazê-la trabalhar tanto. Ele não vai gostar de olhar para uma moça pálida e cansada, durante o jantar.

Relutante, Amanda concordou. Ela só não aceitava a idéia de jantar com Jason.— Acho melhor comer aqui, com a senhora. Não tenho roupas adequadas para

usar no jantar. Só tenho esta calça, que não tirei um minuto.A sra. Drew assentiu, pois Jason sempre trocava de roupa para jantar.— Seria ótimo se você tivesse um vestido bonito — falou a sra. Drew. — A sra.

Alison, a irmã do sr. Jason, está no exterior com o marido e deixou alguns vestidos aqui. Tem tantos que nem sabe o que fazer com eles. Acho que ela não se importaria se você usasse um deles. Sei que eu não deveria sugerir isso, mas o sr. Jason nem se lembraria desse detalhe.

— Oh! não, por favor, não diga nada a ele! — Amanda sentiu-se constrangida só de pensar que Jason poderia achar que ela tinha se arrumado para agradá-lo. — Foi muita gentileza sua preocupar-se comigo, sra. Drew, mas a nevasca vai passar logo e eu irei embora. Minha calça vai ter que agüentar mais um pouco.

— Tom me disse que o vento está mudando de direção. Talvez até amanhã de manhã tenha espalhado toda a neve.

Amanda surpreendeu-se.— Pela manhã? Tão rápido assim?— Sim, se o vento continuar mudando. . .A sra. Drew falava com certeza, mas mesmo assim Amanda não acreditava:— Parece impossível. Isso não causa enchentes?— Às vezes. Não há nada tão estranho como o tempo. Eu já vi neve desaparecer

sem ficar um só floco para trás. Em Dartmoor há muitos rios, mas, felizmente, nenhum passa pela fazenda do sr. Jason. Mas lá em Combe Farm, a fazenda de que ele está cuidando enquanto o dono viaja, a casa fica bem às margens de um rio. Quando a água sobe, chega até perto da porta.

— Combe Farm? — repetiu Amanda. E tentando aparentar naturalidade, perguntou: — É aquela fazenda que fica a uns seis quilômetros daqui, seguindo em linha reta?

— É, acho que sim. Indo pela estrada de Merington, você vira à direita e segue em frente. Mas não se preocupe, querida. Nós estamos num lugar alto, a água não chega até aqui.

— Ainda bem — disse Amanda, saindo da cozinha.Entrou no quarto e se jogou na cama. Se a neve desaparecesse durante a noite,

ela deveria ir embora. Mas a idéia não lhe agradava. A verdade é que não queria partir de Merington. Apesar dos poucos dias de permanência, sentia-se muito ligada àquele lugar.

De repente ocorreu-lhe uma idéia: por que não contar toda a verdade e pedir a Jason para deixá-la ficar e ajudar com os cavalos? Seria como um emprego. Talvez pudesse morar na cabana, com os Drew, ou mesmo em Combe Farm. Mas, com as mentiras que tinha contado, as chances de tornar realidade o seu desejo eram nulas. Se Jason descobrisse a verdade, nunca a perdoaria. Aliás, homem algum gosta de ser enganado. Além do mais, Richard e Eva certamente não permitiriam que ela trabalhasse lá!

Amanda afundou o rosto no travesseiro. Admitia sentir-se atraída por Jason e algo lhe dizia que ele não era indiferente a ela, mas não imaginava o porquê dessa atração. Saltou da cama e foi se analisar no espelho. Notou que tinha emagrecido, depois que adoecera. Seus imensos olhos azuis brilhavam de tristeza por não ter um lar. Mas, apesar de estar magra, a blusa tinha encolhido, depois de lavada, e as curvas de seu corpo ainda sobressaíam. O rosto, de traços finos, tinha um ar misterioso e sensual. Mas Amanda achava suas feições comuns.

Julgava não ter nenhum atrativo para os homens. A verdade é que sabia bem pouco sobre eles. Conhecia Herman. Mas não podia comparar Jason com Herman, pois tinha certeza de que ele nunca a atacaria no banheiro! Se Jason admitisse que a

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desejava, com certeza a conquistaria com delicadezas. Mas, no fim, não dava no mesmo? Dos dois, talvez Jason fosse o mais perigoso. Ela teria que estar, atenta para qualquer aproximação, para não ser pega de surpresa.

Sem achar nada na imagem refletida que a convencesse de ser irresistível, deixou de se analisar. Tinha coisas mais importantes para pensar, como fugir dali, por exemplo.

Amanda foi até a janela e demorou-se contemplando a noite. Suspirando, foi lavar o rosto. Estava quase pronta para descer quando a sra. Drew bateu à porta e entrou.

— O sr. Jason disse que é para você ir até o quarto da sra. Alison e vestir o que lhe agradar.

— Oh!, sra. Drew, eu lhe pedi para não falar sobre isso com ele! — Aborrecida, Amanda sentiu seu rosto em brasa.

— Eu não disse nada! O próprio sr. Jason, ao chegar, sugeriu que você devia escolher algo entre as coisas da irmã. Eu já estou muito velha para me preocupar com esse tipo de coisas! — A sra. Drew estava quase sem fôlego e irritada.

Sentindo-se devidamente repreendida, Amanda corou.— Desculpe-me, sra. Drew. A senhora não precisava se preocupar em vir até

aqui. Eu não preciso nem de vestido nem de qualquer outra coisa.— Bem, mas se o patrão perguntar, não se esqueça de dizer que eu transmiti o

recado! — A mulher foi embora resmungando e Amanda sentiu-se envergonhada.— Parece que você não encontrou nada apropriado, não é? — perguntou Jason,

quando ela descia as escadas.Ele estava em pé, perto de onde o tinha visto pela primeira vez. Parecia estar

esperando por ela. Amanda olhou da cabeça aos pés aquele homem de porte atraente, vestido com um terno escuro. A luz cintilava em seus cabelos loiros, lisos e bem cortados. Um arrepio percorreu-a inteira, e ela já nem se lembrava de ter prometido a si mesma não se deixar atrair por Jason. Enquanto se aproximava dele, abaixou os longos cílios para esconder o olhar, que refletia um milhão de estrelas de safira. Mas seu coração traiçoeiro e o turbilhão de emoções que sentia tornavam sua pulsação mais rápida.

Amanda tinha que manter a cabeça no lugar, pois a atração que ele exercia sobre ela era tão forte que faria qualquer decisão ir por água abaixo.

Quando chegou ao pé da escada falou:— Obrigada! Mas eu não quis, ou melhor, não precisei de nada. Prefiro o que

estou vestindo. — Seu tom era desafiador.— Você se sente bem vestindo algo que usou o dia todo? — Havia curiosidade em

sua voz e desejo no olhar.— Eu me sinto mais à vontade com as minhas próprias roupas.— Não foi isso que eu perguntei. — Seu olhar desaprovava os trajes dela, que

estavam um pouco amassados. Amanda pôde ler os pensamentos dele: "Uma vez vadia, sempre vadia." Arrependeu-se de não ter aceitado as roupas que ele oferecera e, por um momento, sentiu vontade de se desculpar. Mas, em vez disso, evitando olhá-lo de frente, falou:

— Eu me daria por satisfeita jantando na cozinha com os Drew.— Talvez ficasse mais contente lá do que jantando aqui comigo. Mas hoje eu não

quero ficar sozinho, Miranda. Portanto, você vai ter que me suportar. Como eu já lhe disse antes, tenho algo para conversar com você. Não importa o que você está vestindo.

Amanda limitou-se a segui-lo e, por trás, sem ser notada, admirava as costas e os ombros largos dele. Quando passou perto do telefone, perguntou:

— A linha já foi consertada? Desde que eu cheguei, não ouvi o telefone tocar.— Ainda não.— Mas alguém deve ter avisado a companhia telefônica.— É bem provável, Miranda. O que eu sei é que não posso usar o telefone.

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— Mas você o estava usando na noite em que cheguei! — Ela já tinha dito isso uma vez. Sem saber por que, acabou repetindo, e isso era uma loucura, pois ele estava falando com Verônica. Insistir no assunto só o faria desconfiar de algo. Jason era esperto demais, nada lhe escapava. Mas o pior de tudo é que o relacionamento dele com Verônica estava começando a machucá-la interiormente.

— Uma pessoa me ligou. . . — Seus olhos se estreitaram quando ele parou, afastando-se para que ela entrasse na sala de jantar. — Depois disso, a linha ficou com defeito. Miranda, naquela noite você ouviu a minha conversa?

Ele sabia que ela ouvira, mas, antes de criticá-la diretamente, queria fazer com que confessasse.

Se tivesse um pouco mais de sofisticação, um pouco mais de experiência, faria o coração de Jason bater por ela. Então estalaria os dedos e o mandaria embora de coração partido, menos seguro de si próprio. Isso serviria para ensiná-lo a não brincar mais com os sentimentos dos outros.

— Um centavo pelos seus pensamentos, Miranda. Às vezes, você tem o péssimo costume de se refugiar num mundo só seu. Eu lhe fiz uma pergunta, você se esqueceu? — Como que para puni-la, sacudiu a cadeira, ao ajudá-la a sentar-se.

— Desculpe-me. . . Há muitas coisas sobre aquela tarde que ainda estão confusas na minha cabeça.

— Não se torture, minha querida — ele replicou secamente, enquanto se dirigia até o aparador e examinava a coleção de bebidas.

— Que vinho você prefere para acompanhar o salmão defumado? Muscadet ou German Riesling? Parece que a sra. Drew caprichou no jantar. . . ou foi você?

Amanda negou balançando a cabeça.— Eu prefiro Muscadet — murmurou, enquanto ele esperava calmamente com os

olhos fixos em seu rosto. — Mas só um pouco. Depois de ter ficado doente, se eu beber muito, vou ficar zonza.

— Você não percebeu nada, não é Miranda? — Jason levou a garrafa até a mesa. Sorria, quando colocou a taça perto dela, mas seu olhar estava carregado de ironia.

— O que você quer dizer? O que foi que eu fiz de errado desta vez? — perguntou, apreensiva.

— Não se faça de boba! — Levantou a taça como se estivesse brindando. — Parece que o seu pensamento só tem uma direção, mas não estou certo de estar conseguindo acompanhá-la.

— Desculpe — ela falou sem muita gentileza, mas não conseguiu retribuir o sarcasmo à altura. — O que eu penso não lhe diz respeito. - Confusa, olhou para as mãos longas, de dedos finos, que ainda estavam bronzeadas. Esforçava-se para mantê-las firmes sobre a mesa.

Jason pegou sua mão, virou a palma para cima e examinou-a cuidadosamente.— Suas mãos são lindas, Miranda. Onde conseguiu esse bronzeado que você tem

no corpo todo? No continente?— Não. . . — Parecia que tinha perdido o fôlego. Surpresa, olhou para ele, mas

rapidamente desviou o olhar. "Esse bronzeado que você tem no corpo todo", ele havia dito. Seus músculos se contraíram e a mão que Jason segurava fechou-se abruptamente. Seria tão fácil dizer: "Foi na Flórida, brincando com os gêmeos!" Mas, de maneira alguma poderia fornecer-lhe essa pequena informação que, com certeza, levantaria suspeitas sobre ela. O que era uma bobagem, pois Verônica devia ter partido no dia anterior.

Se tivesse um pouco mais de presença de espírito, contaria tudo e até faria piada do caso. Não havia necessidade de mencionar o incidente do banheiro. Tudo o que precisava dizer era que desistira da viagem e estava receosa de que Verônica criasse problemas.

Mas não era tão simples assim. Havia muitas mentiras entre ela e aquele homem que segurava sua mão, tão gentilmente mas com firmeza.

Ela nunca se arriscaria a enfrentar a fúria de Jason, caso ele se sentisse enganado. Além do mais, podia ser que Verônica nem tivesse ido embora como estava

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planejado. Amanda sentia-se confusa, seu corpo frágil tremia nervosamente. Não, devia esperar e desaparecer. Seria bem mais fácil.

— Não. É só isso que você tem a dizer? — Ele parecia surpreso com o devaneio aflito dela.

Amanda deu-se conta daquele olhar fixo e brilhante que a açoitava, e corou, sem saber o que dizer.

— Estou convencido de que você às vezes não sabe distinguir a verdade da fantasia. No meu ramo de negócios, minha querida, eu aprendi a saber se um bronzeado não é britânico.

— Seu ramo de negócios? — Ela começou a ficar vermelha e puxou a mão. Apesar de a raiva brilhar em seus olhos azuis, inclinou-se para ele. — Você quer dizer seus negócios, além da fazenda?

— Eu nunca falei que administro a fazenda, Miranda.— Eu sei, mas. . .— Deixe isso pra lá — ele interrompeu-a, sorrindo. — Prove o seu jantar. A sra.

Drew deixou tudo aquecido. Se quiser, pode servir o assado. Conversaremos depois.O assado estava delicioso. Ao terminarem, foram até a sala de estar. Jason serviu

o café, que havia sido colocado numa mesinha baixa, perto da lareira. Depois, apagou as luzes, deixando aceso apenas o abajur. A penumbra dava um toque muito aconchegante à sala.

Amanda pegou seu café e agradeceu. Admirou a lareira de mármore e o retrato de uma senhora cercada por seus filhos e cães, que estava sobre a lareira. Seu olhar percorreu a sala elegante, os lustres de cristal, o carpete fofo, os quadros na parede revestida de papel verde. A poltrona em que estava sentada era azul-clara e dourada, combinando com o carpete. À sua frente tinha um finíssimo sofá e à sua direita um outro revestido de seda com brocado dourado. Foi nesse sofá que Jason se acomodou, após servir o café.

— Gosta da sala? — perguntou, consciente de que ela observava tudo. — Você nunca entrou aqui?

Amanda respirou fundo.— Eu não costumo andar pela casa sem ser convidada. Muito menos onde não

sou nem mesmo visita!Ele sorriu, como se o pequeno discurso que ela fizera o divertisse. Olhava

fixamente para o rosto jovem e ruborizado de Amanda.— Miranda, você acharia difícil dedicar-se a alguma coisa?— Se você está se referindo a um emprego, vou ter que aprender a fazer algo,

pois tenho que me sustentar.— Há maneiras mais fáceis de se sustentar.Ela mordeu o lábio até sentir dor. A ironia dele a atingira.Como Amanda não fizesse nenhum comentário, Jason prosseguiu:— O que você acha de trabalhar num hotel, Miranda?— Trabalhar num hotel? — Passou a língua pelo lábio dolorido. Seus olhos azuis

estavam perplexos! — Eu nunca pensei sobre isso. Quando sonhava com uma carreira, não pensei em atendimento ao público. Animais talvez, ou crianças, mas nada tão competitivo como trabalhar num hotel!

— Trabalhar num hotel, minha querida, não é nem mais nem menos competitivo do que qualquer outro trabalho. Além do mais, você recusou a minha proposta de trabalhar nos estábulos.

Amanda suspirou. Estava um pouco confusa. Colocou a xícara sobre a mesa e falou firmemente:

— Sr. Meade, não precisa se incomodar tentando achar um emprego para mim. Não sou responsabilidade sua. Tudo tem seu tempo, eu mesma encontrarei algo.

Sem tomar conhecimento do que ela dissera, ele continuou:— Eu sou dono de uma cadeia de hotéis, e alguns estão precisando de

empregados. É, sim, mesmo em tempos como estes — acrescentou, percebendo que ela levantava as sobrancelhas numa expressão de incredulidade. — Muitos

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funcionários de hotel gostam de variar. Acho que é porque o trabalho é de temporada. Mas eu tenho vagas para empregos durante todo o ano. Vai ser fácil arrumar algo para você.

— O que, por exemplo? — A proposta não a interessava, por que não recusava de imediato? Preferiria ficar e ajudar com os cavalos, se pudesse escolher. Mas não podia. Não, tinha que ser honesta pelo menos consigo mesma. Perguntou sobre o trabalho mais por curiosidade do que por qualquer outro interesse. O fato é que ela descobrira a profissão de Jason Meade, se é que ser dono de uma cadeia de hotéis podia ser chamado de profissão!

— Eu não estou bem certo de onde você se encaixaria melhor. Preciso saber um pouco mais a seu respeito.

— E depois de eu ter concordado em ser entrevistada, você vai chegar à lamentável conclusão de que as minhas qualificações não servem para ocupar lugar algum.

— Eu não preciso saber tudo a seu respeito, Miranda. Você precisa confiar mais nas pessoas.

Amanda ficou vermelha e confusa. Olhou para ele com o canto dos olhos, notando seu olhar ambíguo:

— Um homem como você precisa saber apenas alguns detalhes. Depois, você não teria dificuldades para juntar os fatos, não é?

— Você quer dizer suprir as deficiências? — Sua voz era irônica.— Como você quiser.Durante um longo período, Jason a observou, as sobrancelhas inclinadas, os

olhos se estreitando.— Seus pais são vivos, Miranda? Uma vez você falou de seu pai de uma maneira

que me faz acreditar que ele está vivo.Surpresa, ela pensou: "Ele não perde nada!"— Meus pais não são do seu interesse, sr. Meade. — Sua resposta foi ríspida, mas

uma voz interior a prevenia para ser mais delicada.— Quer dizer que se recusa a dar qualquer informação? Para onde você irá? Por

onde tem andado?— A última pergunta é mais simples de responder que a primeira.— Não se você me deixar ajudá-la.Em silêncio, ela balançou os cabelos sedosos.— Você só quer me ajudar porque se sente culpado pela minha queda da escada.

Você mesmo disse isso. Mas, depois que a neve se for, e eu junto, duvido que a sua consciência continue a atormentá-lo.

— Quer dizer que chegamos ao final da linha, ou isso é só o começo?Amanda se mexeu na cadeira, inquieta, consciente de que o olhar dele não

desgrudava dela.— Não se preocupe comigo.Depois de soltar um suspiro exasperado, Jason disse:— Para ser sincero, Miranda, não sei por que eu me preocupo. O bom-senso me

diz para deixá-la ir. Mas. . . Alguém já lhe despertou interesse, Miranda?— Você. — Amanda sorriu com coragem e franqueza. — Você diz ter hotéis e

aparentemente faz a opção de morar sozinho aqui. Por quê?— Você sabe economizar palavras, Miranda! Parece que a curiosidade pode ser

despertada pelos mais diferentes sentimentos. Você espera de mim uma resposta tão evasiva quanto as suas?

Amanda corou, mas, antes que pudesse falar, ele continuou:— Não se preocupe, eu sou menos desconfiado que você. No verão não disponho

de muito tempo para ficar aqui; venho somente nos fins de semana. É no inverno que me realizo, ficando aqui em Merington durante algumas semanas e cuidando dos meus cavalos.

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— Mas você não mantém uma equipe de funcionários? A sra. Drew me contou que você faz a maior parte do trabalho sozinho. Não seria mais fácil, nesse caso, ficar num lugar menor?

— Talvez, minha querida. Mas a sra. Drew não lhe disse que eu herdei esta casa e que gosto dela. Considero um privilégio ter a chance de cuidar um pouco de mim, para variar. Aliás, a sra. Drew vem sempre aqui e dá uma arrumada em tudo. Um solteirão não dá muito trabalho.

— E sua irmã?— Alison? Ela e o marido não passam muito tempo comigo.E, depois de uma resposta evasiva assim, era ela que usava poucas palavras. . . — Esta casa realmente é para uma família — Amanda falou, sem pensar, e ficou

vermelha quando ele falou suavemente:— É uma casa para crianças. — O silêncio que se seguiu era quebrado pelo

barulho do vento lá fora. — Mas, em primeiro lugar, vou ter que encontrar uma esposa. Como eu lhe disse antes, as pessoas por aqui respeitam as convenções.

— Estou surpresa por você não ter encontrado uma até agora — Amanda falou impulsivamente e, ao se dar conta do que tinha dito, tentou esconder seu embaraço.

— Talvez eu ainda não tenha encontrado a pessoa certa. Mas lhe asseguro que, quando encontrar, ela não tardará a saber.

Amanda sentiu-se estremecer. Apesar de Jason estar sendo muito tolerante, havia um convite em sua voz, uma insinuação de que ela não podia ir mais além sem esperar uma reação de sua parte.

— Não posso perder mais tempo, Miranda. — O tom de sua voz faria Amanda sentir-se presa na cadeira. Sem saber o que dizer, ciente da tensão que invadia sua mente e seu corpo, ela balançou a cabeça, movimentando os cabelos, suaves e brilhantes como o cetim. Sentiu que estava muito exposta, precisava sair dali.

— Se você não se importar, acho que vou para a cama. Fiquei cansada de andar na neve.

Ela nunca imaginara que, ao se levantar, ele a tomaria em seus braços e a apertaria contra si.

— Pobre Miranda — murmurou, enquanto ela tentava se livrar do abraço. — Você pensou que escaparia assim tão facilmente?

Amanda ficou tão surpresa que nem conseguia se mexer. Estava tensa e tentava se convencer de que nada que Jason havia dito durante a noite a preparara para um desfecho como esse. Ele a enlaçava completamente e acariciava suas costas pequenas, trazendo-a para mais perto de si. Seu olhar era enigmático.

— Pobre Miranda — repetiu gentilmente. — Você não vai nem mesmo lutar?Para um executivo, seus músculos eram surpreendentemente rijos e fortes. Ela

podia senti-los através da camisa fina, pois Jason a puxava violentamente contra o peito. Sentia tão nitidamente o coração dele batendo forte que era como se estivesse nua.

Amanda não reagiu. Não lhe passava pela cabeça a idéia de reagir. Uma estranha sensação de submeter-se aos carinhos dele se apossou de seu corpo. Não conseguiu entender por que Jason a tinha tomado nos braços. Talvez não precisasse haver uma razão. Talvez, como Herman, ele estivesse agora tentando satisfazer seus desejos. Mas Jason não a apavorava tanto quanto Herman. Ele era totalmente diferente. Se a quisesse, primeiro se contentaria com alguns beijos, depois tentaria persuadi-la gentilmente, até estar certo de que ela se entregaria por completo.

Com Jason, uma mulher não teria medo.Perdida em seus pensamentos, Amanda nem ouviu o que Jason lhe disse.

Repousou suavemente seu corpo no dele. Sua mão, por baixo do paletó, acariciava-lhe as costas, abraçando-o e trazendo-o para junto de si.

Sentia um prazer íntimo e suave só por estar perto dele, permitindo que emoções tão desconhecidas se apoderassem dela, extasiando-a inteiramente. Era inacreditável existirem emoções tão mágicas como aquelas.

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— Miranda. . . — A voz era baixa, e a mão sob seus cabelos levantava seu rosto, forçando-a a encará-lo. — Você está me dizendo a verdade? Moças que andam por aí geralmente são experientes. Como eu posso ter certeza sobre você? Você é jovem, parece ser inocente, mas como eu posso saber?

— Eu não sei. . . — Naquele torpor, Amanda mal sabia o que estava dizendo. Quase se podia ouvir a pulsação irregular das veias em seu pescoço.

Quando Jason inclinou o rosto e encostou a boca em seu pescoço, pôde ouvir claramente o suspiro que escapou dos lábios dele.

— Miranda. . . A voz dele era envolvente. — Você é pequena, tão delicada que eu poderia esmagá-la. Mas é toda mulher, ou melhor, será depois que a tornar uma mulher. Você não está com medo de mim, está?

Seus braços a apertavam e uma chama a envolveu totalmente, fazendo-a esquecer do mundo.

Que importava Jason achar que ela era inocente ou não? Nos braços dele, certamente, não teria mais vontade de continuar inocente. O desejo de entregar-se ardia em cada veia. Sua respiração era irregular. Levantou os lábios para ele. Sua mão acariciava o rosto de Jason. Quando ele a beijou, pôde ver o quanto ela o desejava. Amanda queria atingi-lo com a mesma intensidade com que ele a afetava. Ela havia se rendido à vontade dele. O desejo a dominava e ela não tentava esconder a completa submissão de seu corpo à força dominadora de Jason.

Seus lábios trêmulos entreabriram-se. Ele continuou a beijá-la, as mãos percorrendo seu corpo frágil e despertando novas e maravilhosas sensações.

— Miranda! — Jason a chamou novamente, suavizando a pressão de seus lábios sobre os dela, mas mantendo-a ainda perto de si. Seus olhos a estudavam, estranhamente hesitantes, porém determinados, sem afastar-se um centímetro do que estava ao seu alcance:

— Miranda. . . — repetiu, suavemente. — Você não se arrependerá?Ela demorou para abrir os olhos. Sabia que ele esperava. Nunca experimentara

essa fraqueza que a consumia, essa excitação devoradora, essa total indiferença às conseqüências de seu comportamento. Por que ele tinha que fazer perguntas, esperar respostas que sua mente febril se recusava a dar? Tudo o que ela queria era ser conduzida por ele, deixar-se consumir na chama do desejo que dominava seus sentidos.

— Jason, por favor. . . — sussurrou Amanda, olhando para sua boca. Os olhos se fecharam novamente quando viu um brilho intenso nos olhos dele.

Jason a beijou novamente. A pressão dos lábios em sua pele quente trazia um deleite que queimava, um desejo que doía, uma vontade de pertencer completamente a ele. Ela já não era mais Amanda, a ajuizada filha mais nova do professor Trent, orgulhosa de sua virtude, e sim, alguém que ela mesma não conhecia.

Nos braços de Jason Meade, todas as suas convicções perderam o sentido. Ela simplesmente era uma outra mulher, livre e adulta.

Jason a beijava. Ele ouviu e entendeu o doce e ardente desejo na voz dela e não a deixou duvidar de que era mais do que capaz de satisfazê-la.

Seus beijos ardentes fizeram a realidade desaparecer. Somente as emoções estavam presentes.

De repente, a pressão de sua boca mudou sutilmente e seus braços a apertaram até doer. Uma batida na porta quebrou o encanto daquele momento. Jason levantou a cabeça com uma suave exclamação. Amanda recostou-se nas almofadas e, então, caiu na realidade. Seus olhos perderam a sensualidade para dar lugar ao horror, quando olhou para Jason. Tinha sido salva por uma batida na porta! Era a única coisa que conseguia entender. Não conseguia pensar em mais nada, quando Jason, após olhá-la, virou-se rapidamente e deixou a sala.

Sem esperar um minuto sequer, nem mesmo para arrumar os cabelos despenteados, Amanda levantou-se e correu. A excitação em suas veias deu lugar à vergonha e à raiva.

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Tom Drew estava em pé no corredor, ao lado da porta da biblioteca. Amanda ouviu-o explicar a Jason:

— Desculpe, sr. Meade, achei que o senhor estaria aqui.— O que você quer?— É a potranca, senhor. Acho que vai dar cria e pode haver complicações. Eu

gostaria que o senhor fosse dar uma olhada. Creio que vamos precisar do veterinário.O breve relato de Tom fez Amanda parar no meio do caminho. Olhou espantada

para Jason. Seus olhos mostravam compaixão e interesse pelo animal. Será que Jason se esquecera de que o telefone estava quebrado? Como conseguiria ajuda?

— Tom — disse ela apressadamente, sem medir as conseqüências. — O que você vai fazer?

Tom olhou-a, surpreso por vê-la em desalinho.— Não entendi o que a senhorita quis dizer.— Acho que ela fala a respeito do telefone. Tom. — Jason olhou rápido para ela e

dirigiu-se a Tom: — Volte para os estábulos. Vou para lá num minuto. — Sem esperar Tom se retirar, ele ordenou a Amanda:

— Vá para a cama, Miranda. Não há mais nada que você possa fazer hoje à noite.Mais nada que você possa fazer hoje à noite. Como um papagaio, Amanda

repetiu mentalmente aquela frase.— Posso ajudar? Estou acostumada com emergências — ofereceu-se.— Não com esse tipo de emergência, querida. — Seus olhos pareciam querer

zombar dela, o que a fez odiá-lo.Tinha agido estupidamente. Maior estupidez fora imaginar que seu

relacionamento com Jason se tomaria amigável. Essa relação nada tinha de reconfortante, não era como uma amizade!

— Vá para a cama, Miranda — repetiu Jason, enquanto procurava o casaco. — Sempre haverá um amanhã! — O tom irônico de sua voz quase a fez chorar.

Amanda sentia frio e calor ao mesmo tempo. Viu que ele saía. Recusar sua ajuda era o mesmo que rejeitá-la. Será que alguma mulher já tinha sido tão humilhada? Como ela podia pensar que estava amando um homem como esse?! Devia ter percebido que isso era impossível. Homens! Numa onda de amargura, ela odiou a todos. Herman, que indiretamente a fizera descobrir seu corpo, e agora Jason. Ele era experiente o suficiente para saber que ela não estava preparada e estava mais do que pronto para fornecer-lhe maiores ensinamentos.

Correu para o quarto e jogou-se na cama pela segunda vez naquela noite. Enterrou o rosto nos travesseiros, sentindo a pele queimar contra os lençóis de linho. Ansiava desesperadamente pelo amanhecer. Um outro dia, quando então partiria de Merington para sempre. Ela encontraria uma maneira de fugir dali quando anoitecesse novamente e, uma vez em Combe Farm, estaria salva. Jason Meade... Amanda nunca o veria de novo!

CAPÍTULO V

Com as emoções enfrentadas na noite anterior, Amanda acabou perdendo a hora na manhã seguinte. Acordou assustada, ao ver a sra. Drew ao lado de sua cama, com uma bandeja de café.

— Que horas são?— Já passa das dez. O sr. Jason disse para deixá-la dormir. Eles passaram a noite

toda com a égua, mas ela ainda não pariu o filhote. — Olhou com curiosidade e censura para o rosto ruborizado de Amanda. — O sr. Jason acha que você está muito cansada, mas, a meu ver, está com ótima aparência.

— Claro que estou bem — disse Amanda, tensa. — A senhora não precisava ter o trabalho de me trazer café na cama.

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— Foi o sr. Jason quem me pediu. Nunca o vi assim antes. Amanda fingiu não entender. Não sabia o que havia por trás daquele comentário, mas se aborreceu consigo mesma por ter acordado tarde num dia em que tinha tanto para pensar. Era bem provável que, agora que a neve estava se derretendo, Jason quisesse levá-la a um médico, na cidade.

— O veterinário chegou?— Ficou aí a metade da noite e deve voltar agora de manhã. — Sem querer, ela

havia dito tudo o que Amanda precisava saber.Logo que a sra. Drew saiu do quarto, Amanda pôs a bandeja de lado, pulou da

cama e correu até a janela para ver como estava o tempo. Como imaginara, o gelo havia desaparecido. Não conseguiu acreditar no que via. Restavam apenas alguns montes de neve aqui e ali, quebrando a monotonia da paisagem.

Depois de um banho rápido, Amanda vestiu-se e desceu a escada. Deixou a bandeja na cozinha e saiu correndo. Queria certificar-se de que não estava tendo visões. Para sua alegria, constatou que a manhã estava muito agradável, prometendo um dia lindo.

Caminhou até a cerca do jardim e voltou-se para dar uma olhada na casa, os olhos postos na fachada de velhas pedras cinzentas. Sem querer, seu olhar se deteve na janela da sala onde, na véspera, quase se entregara a Jason. Inútil relembrar sua parte naquele fiasco. Só culpando-o totalmente ela conseguiria tirá-lo definitivamente de sua cabeça.

Não o procurou durante todo o dia, embora se sentisse tentada a fazê-lo. Achou melhor ficar dentro de casa, ajudando a sra. Drew. Para não levantar suspeitas, fingia não ter notado a mudança do tempo. Se Jason comentasse algo, faria de conta que isso não tinha a menor importância. Dessa forma, ele pensaria que Amanda iria ficar em Merington por mais algum tempo.

Às quatro horas, a sra. Drew levou uma bandeja com sanduíches e chá para os homens, no estábulo. Amanda aproveitou a oportunidade e procurou sua mochila na lavanderia. Não havia muito que pôr dentro dela, mas Jason desconfiaria, se ela deixasse algo para trás.

Estava pensando nisso quando Jason falou atrás dela:— Estava imaginando onde você poderia estar, Miranda Smith.Ela se virou, rezando para que ele não tivesse percebido sua intenção e disse a

primeira coisa que lhe veio à cabeça:— Não fui ao estábulo porque achei que você não me queria mais.Ele a olhou sem responder. O único som era o zumbido da geladeira, atrás deles,

e o sibilar do vento por baixo da porta. Era como se a noite anterior continuasse naquele momento. A tensão entre eles era quase palpável e explodiria a qualquer instante.

— Jason. . . — sussurrou Amanda semiconsciente. Ele se inclinou sobre ela, os olhos zombeteiros.

— Você faz comentários tão tolos, Miranda. — Acariciou os cabelos dela com uma mão, colocando a outra em seu pescoço. Forçou-a a erguer a cabeça e olhar para ele. Encostou-a na parede de pedra fria, imobilizando-a. Depois curvou-se e beijou-a na boca com impaciência.

— Miranda, gostaria de me desculpar por ontem à noite. Eu fui muito apressado. Mas hoje será diferente, você vai ver.

— Não!— Sim! — disse ele, dominante.A sra. Drew voltou e Amanda desvencilhou-se daquele abraço que perturbava

todas as fibras de seu corpo.Não havia dúvidas quanto às intenções dele. Logo que a égua estivesse bem,

Jason voltaria para casa e ela não teria como resistir! Tinha que fugir dali. Ouviu-o dizer à sra. Drew que voltaria antes da meia-noite. Com certeza, iria ao quarto dela. Precisava ir para Combe Farm o quanto antes, sem deixar pistas.

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Foi mais fácil do que pensara. Após o jantar, a sra. Drew reclamou de dor de cabeça e disse que iria se deitar.

— Eu lavo a louça — ofereceu-se Amanda, prestativa. — Pode ir deitar. Farei um chá para a senhora. Não se preocupe com os homens no estábulo. Eles não precisarão de nada. Devem ter comida para uma semana.

A mulher concordou e Amanda apressou-se na tarefa, sabendo que seria a última antes que partisse. Limpou tudo, fez chá e o levou para a sra. Drew.

A única coisa que faltava fazer era escrever um bilhete para Jason. Queria agradecer-lhe por tê-la hospedado em sua casa e dizer que levava emprestadas três libras da caixa da cozinha, que devolveria logo que fosse possível. Assinou somente Miranda.

As três libras tilintavam em seu bolso, quando saiu. Se sua família não tivesse voltado, e se não encontrasse a sacola perdida, ela iria precisar daquele dinheiro até chegar a um banco, na manhã seguinte. Além do mais, pensou, aquela aparência miserável e o ar de hippie que assumira justificavam o fato de pegar coisas que não eram suas. Jason não estranharia.

Quando partiu, a Lua brilhava entre as nuvens, banhando a planície de luz e provocando sombras que Amanda temeu. Alguém acabaria por vê-la e denunciaria a sua fuga. A estrada estava cheia de montes de neve, obrigando-a a andar com cautela para não tropeçar. Uma estranha dor no coração aborrecia Amanda. Antes que alcançasse a curva da estrada, sentiu a tentação de voltar, mas resistiu.

Conseguiu chegar com facilidade até a estrada principal. Durante o dia, Dartmoor não tinha uma aparência tão desolada quanto à noite. O vento forte e úmido parecia envolvê-la. Amanda não controlava o medo, que provocava visões de animais monstruosos e montanhas que apareciam e desapareciam. Era como se os espíritos do pântano não tolerassem que estranhos invadissem seus domínios. Q sangue lhe gelava nas veias, enquanto atravessava o descampado. Achou que o lugar era ideal para um filme de terror. Talvez, em outras épocas, tivessem realizado ali cerimônias diabólicas.

Lembrando-se da rispidez de certas reações de Jason Meade, Amanda se perguntava se ele não teria ancestrais que tivessem se dedicado à magia negra. Talvez ele tivesse herdado um pouco desses dons. O suficiente para adivinhar os sentimentos de uma mulher tola que não conseguia disfarçar nada. Poderia se dar por satisfeita se conseguisse escapar dele.

Um desejo selvagem, um arrepio pelo corpo todo, lhe davam vontade de correr e voltar para os braços de Jason. De repente sentiu raiva de si mesma e tentou se justificar: essas fantasias eram causadas pela solidão do lugar. Era tudo miragem. Jason só existia em sua imaginação transtornada.

Um pássaro saiu voando do ninho e ela assustou-se tanto que acabou rindo do próprio medo. Continuou andando e finalmente chegou a Combe Farm. Rezou para que Richard e Eva tivessem voltado, senão estaria perdida. Não saberia como chegar à vila e arranjar acomodações para aquela noite.

Só quando avistou a fazenda é que se lembrou da sacola perdida. Para sua surpresa e alegria, encontrou-a escondida por um arbusto, ao lado da valeta. Ninguém a encontraria sem saber que tinha caído ali. Sentiu um alívio imenso ao ver que tudo estava intacto. Decididamente, sua sorte tinha mudado, e para melhor. Colocou a sacola nas costas e ficou paralisada ao ver que as luzes da casa estavam acesas. A família havia chegado!

Amanda percorreu o trecho que faltava com uma alegria infantil. Ninguém acreditaria em sua história e ela não iria dizer nada mesmo. Seria terrível ter que mentir, mas antes isso que magoar o pai e Eva.

De agora em diante, não teria mais motivos para se preocupar. Richard Trent atendeu à porta. Surpreso, beijou-a no rosto.

— Ora, quase não a reconheci! Nós voltamos hoje de manhã — disse, bem-humorado, como se a tivesse visto no dia anterior.

Amanda perguntou-se se Richard sabia há quanto tempo eles não se viam.

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A reação de Eva foi mais calorosa. Para surpresa de Amanda, ela a envolveu num abraço demorado.

— Amanda querida, pensei que você tivesse voltado para os Estados Unidos.— Mudei de idéia! — Ninguém discordou. Parecia aceitar tudo com naturalidade.— Você esteve em Londres? — perguntou Richard.— Sim, a minha bagagem ainda está lá — explicou rápido, evitando maiores

detalhes. Felizmente, ninguém perguntou por datas.— Por que não trouxe as malas? Achou que não tivéssemos voltado? Poderia ter

telefonado antes. Bem, o que importa é que você está aqui conosco — disse Eva com amabilidade. — Sua bagagem não é problema, podemos mandar buscá-la. Mas agora é melhor subir e arrumar a sua cama.

— Que bom que você voltou. . . — disse Richard, distraído.— Maravilhoso! — completou Eva.Amanda sentiu-se envolvida em uma onda de proteção. Jamais sonhara ser

acolhida dessa forma, recebendo tantas gentilezas de pessoas que vira tão pouco nos últimos anos, especialmente de Eva. Madrastas eram consideradas antipáticas, mas via agora que essa idéia era falsa. Ela e Eva não tinham tido oportunidade de se conhecerem e Amanda pensou no tempo que perdera. Tinha certeza de que poderiam se tornar boas amigas. Sentindo a alma leve, seguiu a madrasta. Só depois que se deitou é que percebeu que ninguém perguntara por Verônica.

Na manhã seguinte, Eva lhe trouxe o café na cama. Amanda sentiu-se deliciosamente mimada.

— Desse jeito não irei embora tão cedo.— E quem quer que você vá embora? Creio que já a deixamos sozinha por tempo

demais.Amanda achou que Eva era muito mais simpática do que podia se lembrar. Tinha

uma figura maternal, cabelos grisalhos e crespos e olhos cinzentos. Achou surpreendente que Verônica não gostasse dela.

— Ê bom estar aqui, mesmo que seja por pouco tempo — disse, enquanto Eva puxava uma cadeira para sentar-se.

— Tente comer um pouco. Já lhe disse que você está muito magra? Amanda tomou o café, mas não tocou nos ovos com bacon.— Desculpe, Eva, não estou com fome e sei o quanto os alimentos custam caro,

hoje em dia.— Não é o caso, querida. Seu pai acaba de voltar de um expedição bem-

sucedida. Portanto, não se preocupe com despesas. Pelo menos por enquanto. . .— O que você quer dizer, Eva?— Acho que seu pai não mudou muito. Ele é um biólogo muito competente e nas

últimas semanas colheu material para vários livros. Richard poderia levar uma vida melhor fazendo somente isso, mas não! Ele lê muito, escreve uns poucos artigos para revistas, faz um programa para a tevê e isso dá para viver com conforto por alguns meses. Depois, partimos novamente para outro ponto remoto da terra, em busca de novo material.

— Algumas mulheres diriam que essa é a vida ideal. Você não gostou do Nepal?— Claro que gostei. Quem não gostaria? Primeiro fomos ao Nepal Central e

depois para Dolpo, uma das zonas mais secas do oeste. Tivemos que esperar pelos ventos de setembro e viajamos de avião. Depois fizemos uma longa viagem em carro de boi. Foi maravilhoso! Acho que ainda sou jovem o bastante para gostar dessas coisas, apesar de serem cansativas. Mas começo a me preocupar com o futuro. Richard não é tão jovem, entende?

Um meio sorriso apareceu nos lábios de Eva, quando ela notou a expressão ansiosa de Amanda.

— Acho que é melhor falar desses problemas com alguém da família do que ignorá-los. Não gostaria que você imaginasse que essa vida que seu pai leva dá muitos lucros.

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— Não acho que papai vá mudar. — Amanda sempre se lembrava do pai correndo o mundo. Era difícil acreditar que pudesse ficar quieto em casa. — Ele guarda alguma coisa para a velhice? Sei que nunca vai se aposentar, mas um dia a idade não permitirá que leve a vida de agora.

— Nem uma salsinha. Ele não acredita em nenhuma forma de economia — respondeu Eva.

— E a fazenda, não representa uma segurança?— Não! Se bem que há possibilidades. Temos uns quarenta hectares de terra

ruim alugadas para uma fazendeiro. Além disso, há o rio. Infelizmente, não temos tido muita sorte porque ele fica longe daqui.

— O rio?— Pobre Amanda, nem bem chegou e já estou despejando os meus problemas

em cima de você — brincou Eva.— Eu não me importo. Sempre achei que se devem dividir os problemas com a

família.— Pobre menina. . . Não acho que você tenha tido uma vida familiar. Não fiz

nada, quando Verônica decidiu levá-la embora.— A culpa não foi sua, Eva. Verônica achou melhor que eu fosse morar com ela.

Eu era bem crescida para tomar a minha própria decisão.— Você tinha dezesseis anos, ainda era uma criança. Acho que eu não deveria

ter deixado você ir.— Bobagem! Agora estou aqui com vocês, apesar de não saber por quanto

tempo. Preciso encontrar um emprego. Talvez você possa me ajudar, Eva.— É claro, mas você vai ficar algumas semanas conosco, não é? Por favor, não se

apresse.— Acho que já perdi muito tempo — desconversou Amanda. Se ficasse, correria o

risco de se encontrar com Jason Meade. Seria só uma questão de tempo. Mas não podia explicar isso a Eva.

— Você gostou dos Estados Unidos? — perguntou Eva, animada.— Os gêmeos eram uns amores, e os Randall, pessoas muito boas. Mas eu

percebi que não teria futuro algum, se continuasse lá.— Atualmente os jovens são muito ambiciosos. . .O barulho de um carro chegando interrompeu a conversa. Eva levantou-se e foi

até a janela.— Quem é? — perguntou Amanda aflita, como se soubesse a resposta.— Alguém está chegando. Richard saiu e não o vi voltar. — Eva puxou as cortinas

e olhou para baixo. — Oh! É o sr. Jason Meade. Ele é nosso vizinho e estava tomando conta da casa enquanto viajávamos. Seu pai o avisou de que havíamos chegado. Vou descer rápido porque ele não é muito paciente.

Amanda quase empurrou Eva, temendo que ela notasse seu descontrole emocional. Voltou para a cama e enfiou a cabeça debaixo do travesseiro. Seu coração batia acelerado e o quarto girava à sua volta. E se ele subisse as escadas e a arrastasse da cama, dizendo a seus pais que ela não passava de uma mentirosa? Amanda limpou o suor que escorria pela testa e tentou raciocinar com calma. Se continuasse assim, acabaria se denunciando.

Jason Meade era um homem requintado, não usaria de agressividade para se vingar dela. Seria tão sutil que planejaria uma chantagem emocional para atingir seus objetivos.

Quando havia acordado, naquela manhã, sentira que seria capaz de afugentar qualquer emoção e tirar Jason da cabeça. Mas bastou que o visse chegar para ver cair por terra todas as suas boas intenções. Jason possuía um magnetismo que a hipnotizava. Não queria admitir que estava apaixonada por ele, mas, no fundo, não tinha mais certeza de que resistiria àquele homem encantador.

Ouviu Eva abrir a porta. Apesar de estar morrendo de medo, a curiosidade foi mais forte. Pulou da cama, saiu do quarto pé ante pé e ficou no topo da escada

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ouvindo a conversa. Amanda pensou que fazer coisas desse tipo já estava virando rotina.

Meio escondida, olhou para baixo, mas não via nada. Só ouviu Eva dizer:— Entre, Jason. Que bom vê-lo aqui! Foi muito gentil, de sua parte, visitar-nos tão

cedo.— Nada disso, Eva. . . — A voz de Jason era grave e firme. — Lamento que não

seja bem uma visita.O desespero de Amanda chegou ao extremo quando Eva, parecendo suspeitar de

alguma coisa, chamou-o para tomar um café.— Aceita um café, Jason? Acabei de fazer.Depois que foram até a cozinha, Amanda não conseguiu mais ouvir o que diziam.

Apreensiva e tensa, voltou para o quarto.Logo depois ouviu Jason se despedir. Escondeu-se atrás da cortina e ficou

observando. Ele já estava perto do carro quando parou para responder a Eva. Amanda pôde ver uma ruga de cansaço ao redor de sua boca e um ar selvagem de preocupação.

Ficou vendo Jason ir embora e se perguntou se a égua tinha dado cria. Odiaria saber que alguma coisa não correra bem com o animal. Pela expressão aflita de Jason, algo devia ter saído errado. Ele não se preocuparia tanto só por ela ter desaparecido. Aliás, ele talvez nem se lembrasse mais dela.

— Jason não pôde esperar que Richard voltasse. Mal aceitou o café que eu lhe ofereci — disse Eva, quando Amanda desceu. — Ele queria saber se não vimos ninguém estranho por aqui. Parece que estava suspeitando de algum invasor.

— É mesmo?! — exclamou Amanda, quase engasgando com o chá.— Expliquei a ele que aqui estávamos só os três. Jason sabe que Richard tem

uma filha mais nova. Eu contei que você veio conosco da cidade, para não ter que entrar em detalhes. Ele estava bem apressado.

Mais tarde, quando terminaram de lavar a louça, Eva disse que queria conversar com ela.

— Antes que seu pai volte, acho melhor lhe dizer que recebemos carta de Verônica. Estava junto com a sua bagagem, no correio.

Amanda sentiu que o coração queria saltar do peito. Verônica a havia ameaçado, mas ela não quisera acreditar. No entanto, a irmã não devia ter escrito nada que a incriminasse, pois Eva não parecia hostil.

— Ela diz que houve uma briga e você desapareceu. Contou que procurou você por toda parte mas não a encontrou.

— Foi só isso que ela disse?— Não exatamente. — Eva estava constrangida. — Fez alguns comentários sobre

a sua moral, dizendo que você tentou jogar um castiçal no pobre Herman. Richard riu dessa parte, pois não simpatiza muito com ele. Seu pai queimou a carta e disse que você provavelmente aprendeu a arte da autodefesa.

Estava claro que entre Eva e Verônica não havia muita simpatia, mas Richard e sua irmã sempre foram bons amigos.

— Espero que a minha briga com Verônica não tenha aborrecido papai!— As relações entre Verônica e seu pai não têm sido muito boas, desde a última

vez que se viram. Mas isso não tem nada a ver com você.— Não?— Não. — Eva hesitou. — Tem a ver com o rio.— O rio?— De certa forma. . . você sabe, querida, temos quase dois quilômetros de rio

cheio de salmões que valem um bom dinheiro. Acredito que os nossos peixes sejam os últimos de Devon. Bem, Jason Meade quis comprar o rio. Ele tem um hotel nos limites das nossas terras e o rio seria uma excelente aquisição para os seus negócios.

Amanda se perguntou se conseguiria escapar de Jason. Parecia sólido o envolvimento dele com sua família. E o relacionamento dele com Verônica não devia

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ser apenas por causa do rio. Era uma surpresa saber que Jason tinha um hotel tão próximo. Seria difícil evitar um encontro com ele!

— Não entendo o que Verônica tem a ver com o rio. Eva sorriu, ante a simplicidade de Amanda.— Bem, se Richard conseguisse um bom preço pelas terras, incluindo o rio,

venderíamos tudo. Não temos pressa porque Richard espera conseguir um preço alto e ele acha que Jason acabará cedendo. Verônica quase prometeu que Jason pagaria esse preço.

— Como ela fez isso?— Nós tínhamos certeza de que Jason estava namorando Verônica e que se

casaria com ela. Quando sua irmã vinha nos fins de semana, os dois ficavam sempre juntos. Jason é um homem riquíssimo, muito atraente e faz bastante sucesso entre as mulheres. Mas sempre se espera que um dia sossegue e se case. Pensamos que Verônica seria a escolhida, mas estávamos enganados.

Mais tarde, caminhando às margens do rio, Amanda pensava no que Eva lhe dissera. Como não havia imaginado que Verônica e Jason tiveram um caso? Ele devia ter dado esperanças a ela, com intenção de comprar o rio por um bom preço. Talvez até tivesse gostado de Verônica, mas se revoltara por ter sido trocado por outro homem.

Provavelmente Richard tinha pensado que conseguiria um bom dinheiro de Jason e, assim, ele e Eva teriam um futuro seguro. Talvez estivesse zangado com Verônica por ela ter dificultado as coisas. Verônica tinha seus defeitos, mas, nesse caso, fora a vítima. De Richard, que queria mais dinheiro pelas terras, e de Jason, que as queria quase de graça. Mas o que Amanda não entendia era como sua irmã tinha tido coragem de trocar Jason por Herman.

Após o almoço, Eva disse a Richard:- Jason esteve aqui. Estava agitado, mas não me lembro por quê. Parece que

estava suspeitando de alguém e perguntou se não tínhamos visto nenhum estranho por aqui. Ele nos convidou para uns drinques qualquer noite dessas. Você também, Amanda. Ele vai telefonar no próximo fim de semana.

O coração de Amanda parecia querer saltar peito afora, quandoRichard concordou. Se havia pensado que o contato entre Combe Farm e

Merington terminara com o fracasso do envolvimento de Verônica e Jason, estava enganada. Pelo menos aparentemente, ainda existia amizade entre os proprietários. Talvez Jason e Richard ainda tivessem esperanças de alcançar seus objetivos.

De uma coisa Amanda estava certa: não iria a coquetel algum em Merington. Precisava arranjar uma desculpa. Dessa vez não seria difícil, mas, se essa situação persistisse, seria impossível deixar de encontrar-se com Jason. Ou ela voltava para Londres ou contava a ele toda a verdade. Não seria muito difícil esclarecer todo o problema. Será que a segunda opção seria a mais sensata? Ela temia que Jason passasse a odiá-la, além de haver a possibilidade de ele se vingar de forma ofensiva. Ela não conseguia se libertar do forte sentimento que tinha por ele, da sensação maravilhosa que experimentara em seus braços. Um tremor a percorreu, deixando-a tão indecisa quanto antes.

O sábado chegou e passou. Richard e Eva tiveram uma ótima noite em Merington. Amanda ficara sozinha em casa, sentindo-se deprimida.

— Foi uma festa e tanto! — comentou Eva, na manhã do domingo. — Jason nos disse que caiu uma nevasca uns dias atrás. Parece inacreditável, com esse tempo bom que tem feito.

— Ele mora sozinho? — Amanda já sabia a resposta, mas sentia uma estranha necessidade de falar sobre ele. Como não podia vê-lo, falar nele e sobre o que ele fazia era um consolo para seu coração partido.

— Sozinho — confirmou Eva. — Tem uma senhora que mora numa cabana com o marido e arruma a casa enquanto Jason não está lá. Mas ele parece gostar de morar só. É uma quebra de rotina, pois, durante todo o verão, ele fica cercado de gente.

— Será que ele vai se casar?

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Sabrina 318 – Olhos verdes – Margaret Pargeter

Eva sorriu.— Acho que eu não gostaria de casar com um homem como Jason. Tudo teria

que ser do jeito dele.Foi na semana seguinte que Amanda levou o maior susto. Eva pedira-lhe que

levasse Richard até Newton Abbot, onde tinha negócios urgentes para resolver. Eva estava muito ocupada para levá-lo.

— Mas ele sabe dirigir. . . — protestou Amanda.— Eu sei disso, meu bem. Mas a vista de seu pai já não é tão boa. Além do mais,

ele não presta muita atenção ao trânsito. Eu me sentiria mais segura se você o levasse. É que hoje, no clube da cidade, eu vou falar sobre as mulheres do Nepal e nem comecei a preparar o que vou dizer.

A bagagem de Amanda já havia chegado e ela já guardara tudo no amplo armário de carvalho em seu quarto. Mas decidiu vestir o velho jeans, achando que seria mais confortável para dirigir do que uma saia.

Bem-humorada, e sem que nenhum acidente acontecesse, levou seu pai até Newton Abbot.

Nem se lembrava de como era bom dar um passeio. Durante quase duas semanas, ela não saíra de casa, com receio de encontrar Jason. Agora sentia-se livre como um pássaro, pronta para rir de suas próprias fantasias. O tempo tem o poder de cicatrizar até as piores feridas, sabia ela agora.

Durante o percurso, Amanda observou os rios, colinas e amplos campos que tinha à frente para explorar. Quanto tempo perdido, escondendo-se de um homem que talvez nem pensasse mais nela!

Amanda parou o carro, combinou com Richard onde se encontrariam quando ele tivesse terminado seus negócios e despediu-se. Sentia-se feliz e otimista, enquanto passeava pelas ruas. Visitou lojas e conheceu a praça de Devon e o parque de Courtenay, que ficava na parte de estilo italiano da cidade. Já estava esfriando e escurecendo e não lhe pareceu conveniente continuar a explorar a cidade. Resolveu comprar uma revista. Foi então que Amanda viu Jason. Ela esperava para atravessar a rua quando, automaticamente, olhou para um Mercedes esporte azul que passava. Jason virou-se e encontrou os olhos dela, reconhecendo-a imediatamente.

Por um segundo, sem conseguir se mover e com o sangue correndo mais rápido nas veias, Amanda olhou para ele. Então o carro seguiu na corrente do trânsito intenso da tarde. E Jason se foi.

CAPÍTULO VI

Assim que deixaram o estacionamento, Richard olhou para o rosto pálido de Amanda.

— Vamos comer algo antes de voltarmos. Não gosto nem de pensar no que Eva vai dizer quando olhar para você — disse, preocupado.

— Pare de se preocupar, papai. Eu tomei chá por volta das três horas. Você também já comeu algo. Não há necessidade de demorarmos mais.

— Eu tenho duas filhas e acho que não compreendo nenhuma.— Bem, ainda há tempo!... — Amanda percebeu a preocupação latente na voz de

seu pai. Como ele sempre se interessara por pesquisas no exterior, raramente tinha tido oportunidade de entender algo além de seu trabalho. Sua família sempre fora relegada a segundo plano. Era um bom sinal ele estar tomando consciência disso.

Franzindo o cenho, Richard continuou:— Acho que não cuidei de você como devia. É que eu não percebi isso antes.

Talvez tenha sido um erro ter deixado você ir para o exterior. Pelo menos, é isso que Verônica pensa.

— Mas a idéia foi de Verônica.

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— Sim. Embora eu não conhecesse pessoalmente Bill Randall, conhecia a sua reputação. Ele e a esposa são pesquisadores brilhantes. Falei com ele pelo telefone e Bill me prometeu que tomaria conta de você.

— E tomou — replicou Amanda, enquanto prestava atenção à estrada. — Não leve Verônica muito a sério. Os Randall não tiravam os olhos de mim, às vezes eram até exagerados.

— Você ficou com eles durante mais de dois anos.— Se você se lembra, os Randall e eu moramos a maior parte do tempo em

Everglades, numa cabana luxuosa, mas isolada do resto do grupo de pesquisadores, que, na maioria, eram casados. Por muitas semanas, eu não via ninguém. E foi idéia de Verônica que eu continuasse lá.

Richard sentia-se desconfortável, como se sua consciência o acusasse.— Acho que dei liberdade demais a Verônica, principalmente no que diz respeito

a você. E ela me retribuiu casando com o homem errado!Era óbvio que o casamento de Verônica o desapontara, já que atrapalhara seus

planos.Mas, bem no fundo do coração, Amanda sentia um alívio por Verônica não se ter

casado com Jason Meade. Depois de um breve silêncio, ela disse:— Parece que Verônica ama Herman.— Sim, sim. — Richard parecia irritado. — Até que Herman não é mau sujeito.

Mas isso não muda nada. Ela se casou sem pensar em nós. Tenho certeza de que ela poderia ter-se saído bem melhor casando-se com Jason.

Havia muita coisa que Amanda não compreendia.— Você diz isso por causa do rio?— Parece que você e Eva andaram conversando muito, não é mesmo? —

Amanda prometera a Eva que não diria nada sobre o assunto e falara sem pensar.— Eva só me disse que você queria vender o rio. Tenho certeza de que ela não

quis trair os seus segredos. Acho que ela tocou no assunto porque o senhor Meade telefonou lá para casa.

Richard continuou:— Eles eram amigos. Verônica poderia ter exercido certa influência, pois ela

sabia como era importante vender o rio. Deveria ter esperado pelo menos até que chegássemos a uma decisão favorável.

Amanda dirigia em silêncio e preocupada. Se Richard se decepcionara com Verônica, o que diria se soubesse de sua própria aventura com Jason Meade? Ele concluiria, com toda razão, que sua filha mais nova tinha destruído todas as possibilidades de Jason comprar o rio. Vendo a situação desse ângulo, parecia mais importante do que nunca que Jason jamais descobrisse sua verdadeira identidade. Ela precisava voltar a Londres o mais rápido possível.

Sentindo que Richard não tirava os olhos dela, Amanda tentou mostrar-se mais calma do que na verdade se sentia.

— Se o rio era tão importante para o senhor Meade — disse —-, acho que ele o teria comprado de qualquer forma. Se ele se aborreceu por Verônica ter-se casado com outro homem, como você diz, é compreensível, mas estou certa de que ele não é homem de misturar negócios com problemas particulares.

— Tem certeza de que você não conhece Jason? — Parecia que Richard desconfiava de algo, principalmente quando Amanda corou,

— Claro que não conheço, — Ela engoliu em seco, rezando para que o pai não percebesse seu nervosismo. Algumas vezes, ele era muito astuto. Era horrível esconder a verdade e pior ainda inventar mentiras. O remorso tomou conta dela. Chegava até a doer e fazia com que se sentisse mal.

Ver Jason em Newton Abbot fora o auge de duas semanas de sofrimentos, que a perturbavam mais do que queria admitir. Desesperada, tentava tirar a imagem dele de sua mente. Procurou pensar nos aspectos práticos. Sentia-se bem mais tranqüila, depois de ter enviado pelo correio o dinheiro que tomara emprestado dele quando deixara Merington.

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Mesmo que Jason não a tivesse visto, saberia, pelo carimbo do correio, que ela continuava em Devon. Por isso, não adiantava se alarmar, àquela altura dos acontecimentos. Sua tristeza provinha das fortes emoções que sentira ao rever Jason. Era como se tivesse sido golpeada pela raiva presente naqueles olhos duros como diamantes, Essa sensação ainda a acompanhava, e foi com grande esforço que se livrou desses pensamentos e começou a falar sobre outras coisas com seu pai. Naquela noite, enquanto dirigia de volta para casa, decidiu que iria para Londres nos próximos dias, Não seria fácil, pois Eva e Richard davam a impressão de que ela era necessária ali, e não queria magoá-los. Em Combe Farm, sentia-se como num mar de tranqüilidade. Os dias curtos tornavam as tardes aconchegantes, oferecendo paz de espírito. Amanda não podia continuar acomodada, tinha que fazer algo. Estava desperdiçando um tempo valioso,

Eva, que incansavelmente preparava bolos e pudins para o Natal, não deixava Amanda fazer nada,

— Eu me recuso a não ter um verdadeiro Natal em família. Algo de bom acontecerá com o Ano-novo, você verá.

Amanda balançou a cabeça. Não queria mudar de idéia. Batia os ovos com manteiga, seguindo cuidadosamente as instruções de Eva. A cozinha não era tão grande quanto a da casa de Jason, mas era confortável e parecia muito familiar, com a chaleira assoviando no velho fogão à lenha e a gata e os dois gatinhos ronronando ao lado dele. Também havia Sam, o cãozinho de Eva, que era o rei da casa. Sentava-se por perto, balançando a cabeça em aprovação, como um pequeno homem velho. Latia ao menor ruído, mas dava um ar ainda mais doméstico àquela cena. Enquanto Eva viajava, Sam havia ficado com uma de suas amigas, que morava a poucos quilômetros dali. Eva havia dito que essa amiga daria uma pequena festa beneficente com dança e churrasco, na semana seguinte, e que ela comprara três entradas. Eva não notou o desespero tomar conta de Amanda.

— A minha amiga dá essa festa todo ano. Geralmente há muitos jovens, e seria ótimo para você conhecer alguém da sua idade. Pode ser até que encontre alguém especial. Você é muito atraente, querida.

— Não faz muita diferença conhecer pessoas, se vou trabalhar em Londres.— Não é bem assim. Mesmo que você vá para Londres, virá passar os fins de

semana conosco. Não vou perdê-la de vista novamente.Amanda trabalhou sem parar durante o resto do dia. Só mantendo-se ocupada é

que conseguia deixar as preocupações de lado. Mais tarde, quando Verônica ligou de Washington, seu estado de espírito era tal que nem quis falar com a irmã. Eva, como sempre, atendeu. Richard não gostava de telefones e deixava o aparelho tocar como se não houvesse ninguém em casa. Alguns minutos depois, Eva lhes disse:

— Era Verônica. Parecia preocupada com você, Amanda, mas eu disse que você está muito bem.

— Você contou que eu estou aqui?— Sim. Falei que você está se divertindo muito e apreciando a beleza dos

arredores! Bem que isso poderia ser verdade, se você saísse de dentro de casa.— E o que foi que Verônica falou? — perguntou Amanda, assustada. O que teria

dado em Eva para falar tal coisa? Ela sabia que Verônica ficaria enciumada. Mesmo estando longe, o ciúme da irmã poderia trazer conseqüências. E, para aumentar a aflição de Amanda, a resposta foi:

— Ah! Ela não gostou nem um pouco!Mais tarde, Amanda tentou se convencer de que estava dando asas demais à sua

imaginação. Verônica não poderia fazer absolutamente nada. Talvez tentasse sujar a reputação de Amanda, principalmente agora que sabia onde ela se encontrava. Mas não teria muito que dizer e Amanda duvidava de que Eva e Richard dessem ouvidos a ela. Não se preocupava com Jason, pois não o veria novamente, e pouco importava se ele viesse a saber do incidente com Herman. Além do mais, Jason não se interessava por uma história dessas, mesmo que viesse a saber quem ela era. E Amanda faria tudo para que Jason não descobrisse sua verdadeira identidade.

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Os três membros da família Trent tinham sido convidados para a festa na semana seguinte. Como Eva deixara as entradas em cima da lareira, na sala de estar, Amanda não tinha como não se lembrar da festa. Não poderia usar a mesma desculpa, dessa vez; assim, na hora de se aprontarem, ela disse francamente que não iria. Richard, como sempre, não lhe deu muita atenção. Simplesmente sacudiu os ombros, mas Eva ficou furiosa.

— Desse jeito, você nunca fará amigos — protestou. — Devia tentar ser mais sociável. Além do mais, o que as pessoas vão pensar?

Amanda sentiu remorso, quando os viu sair, e quase mudou de idéia. Mas ir à festa era uma tentação a que não poderia sucumbir. Talvez não fosse tão ruim ficar. Passar a noite, sozinha com seus pensamentos confusos, não era bem convidativo. Mas ela tinha outra escolha? Seria uma tolice correr o risco de se encontrar com Jason, principalmente agora que o rio significava uma complicação a mais. Richard tinha dito, pela manhã, que se encontrara com Jason e ele ainda pensava em comprá-lo. Seus problemas pessoais não deviam interferir até que a compra estivesse decidida. O que ela mais odiava era ter ofendido Eva sem poder explicar a razão do seu ato.

Depois que eles se foram, Amanda tomou banho e enxugou-se rapidamente. Como estava só, nem pensou em pôr um vestido. Decidiu-se por sua calça jeans novamente. Enquanto se vestia resolveu levar o cão para dar seu passeio costumeiro, quando o luar estivesse mais claro.

Já na sala de estar, apagou as luzes e ligou a televisão. Não estava interessada em nenhum programa, mas queria se distrair um pouco. Não estava com fome para jantar e ainda era cedo para passear com Sam. O programa que escolhera era divertido, uma peça do século passado, cujo ator principal era muito parecido com Jason Meade. Moreno, a boca com o mesmo traço de crueldade, parecia ter a mesma firmeza de caráter. Ela controlava, sem reprimir, uma paixão latente.

Amanda estava tão atenta à peça que nem ouviu quando um carro parou lá fora e alguém abriu e fechou a porta, caminhando depois em direção à casa. Sam começou a latir.

Amanda não achou nada de alarmante, quando a batida na porta soou pela casa toda. Nem mesmo se preocupou em saber quem poderia ser. Não sentia medo, quando ficava só.

Casas velhas davam-lhe uma sensação reconfortante. Mandou Sam ficar quieto e desligou a televisão. Talvez fosse um vizinho trazendo algum recado ou pedindo algo emprestado. Com firmeza, foi até a porta e tirou o ferrolho, abrindo-a com um sorriso de delicadeza. O sorriso morreu nos lábios, quando viu quem estava em pé, à sua frente: Jason Meade.

Quase que diariamente ela esperava que algo assim acontecesse, mas, até agora, o destino a protegera. Agora, a sorte a abandonara. De olhos arregalados e assustados, pensava se realmente estava vendo Jason. Naquele instante, ao enfrentar aqueles olhos verde-acinzentados, frios como um oceano de gelo ameaçando afogá-la, ela sentia a sala girar ao seu redor. Defensivamente, cobriu o rosto com as mãos, esperando que, quando olhasse novamente, ele já tivesse desaparecido.

Infelizmente, ele não era fruto de sua imaginação. Uma outra olhada a convenceu disso. Quando fitava o rosto moreno do homem que fazia parte de seus sonhos, Amanda foi surpreendida por uma sensação de irrealidade. Como esperava poder fugir dele?

Em estado de choque, não conseguia pronunciar uma palavra. Seu rosto ficou vermelho e depois foi perdendo totalmente a cor, até a palidez. Estava visivelmente abalada. Respirou fundo, estremecida.

Jason falou primeiro, depois de avaliar a situação. Ela imaginava que ele estivesse bravo, mas não estava preparada para a frieza e agressividade da sua voz.

— Por que diabos você não me contou? — A pergunta atingiu-a como uma violenta chibatada, sem a menor piedade.

Tensa e indignada, Amanda recuperou a voz e respondeu:— Você não me deu chance!

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— Não dei chance? Meu bom Deus! — Ele ergueu as mãos, que prenderam os ombros dela como braçadeiras de aço. — O que você diz de quase uma semana ao meu lado? Você teve dias, horas, quando somente alguns minutos bastariam, e ainda diz que não teve chance!

— Não tive mesmo. — Sua voz estava embargada, as veias do pescoço dilatadas. Os ombros, onde Jason a segurava, ardiam. Nunca o tinha visto naquele estado. Os olhos falseavam, um sulco profundo de tensão formara-se entre as sobrancelhas.

— Vamos entrar. Você me deve uma explicação — disse ele, empurrando-a para dentro com uma mão e batendo a porta com a outra.

Como se fosse o dono da casa, foi até a sala de estar, empurrando Amanda à sua frente. Deslizou as mãos dos ombros para apertar a carne macia dos braços dela, eliminando assim qualquer possibilidade de fuga.

Parou em frente à lareira e soltou os braços de Amanda, como se aquele contato tivesse enfraquecido seu controle inesgotável. Falou com delicadeza:

— Comece a falar. Mas a verdade, para variar um pouco. Os pensamentos dela estavam confusos, sua cabeça girava:— Como você soube que eu estava aqui? Ou você veio só para falar com papai e

Eva?Seus olhos passeavam pelo rosto encantadoramente corado de Amanda. Ele

sorriu com sarcasmo, quando disse:— A curiosidade de uma mulher sempre deve ser satisfeita! Mas é com prazer

que lhe digo que não há como perdoar uma mentira.— Eu não enganei ninguém.— Cale-se! — Jason avançou sobre ela e Amanda recuou, caindo sentada numa

cadeira, os olhos fixos nele. Jason a dominava completamente. Seu olhar a desafiava, mostrando-lhe que resistência física de nada adiantaria.

— No momento, eu gostaria de parti-la ao meio, mas acho que isso não resolveria o problema. Quer saber como descobri o seu paradeiro? Esta noite, quando seus pais chegaram ao Newton Hall sem você, achei que tinha algo estranho com uma moça que não sai de casa. Pode chamar isso de intuição, mas eu concluí que a jovem e misteriosa filha de Richard só podia ser você.

— Intuição? — repetiu ela. Aquele homem era um demônio.— Não me olhe dessa forma. É um expediente muito comum.— Não no que diz respeito a mim! — Amanda exclamou.— Claro — respondeu Jason, com ironia. — Eu conversei com Eva. Ela ficou muito

magoada por você não ter ido à festa. Enquanto ela falava, eu pensei em outras ocasiões: na manhã em que vim aqui depois do seu desaparecimento, na noite em que convidei vocês três para um coquetel e só Richard e Eva apareceram. Lembrei-me também de que, poucos minutos depois de ter visto você em Newton Abbot, eu encontrei Richard. Subitamente, tudo pareceu se encaixar. Eu estava certo de que sabia exatamente onde encontrar Miranda Smith. E como você pode ver, não me enganei.

— Aí, você saiu da festa e veio correndo para cá, sem se preocupar em saber se seria bem recebido!

— Você está sendo injusta comigo, minha querida. Eu não sou nenhum bárbaro. Tive que voltar a Merington, e sugeri a Eva que poderia passar por aqui na volta, para tentar convencer você a ir comigo à festa.

— Eu não vou!— Vai sim, Miranda. — O tom era ameaçador. Ele ainda a chamava pelo nome

fictício, o que indicava que não estava disposto a esquecer o passado. — A noite é uma criança. Há tempo suficiente para mudar de idéia. Mas primeiro você vai me dizer por que não contou quem era e por que fugiu de mim sem nem mesmo agradecer!

— Eu deixei um bilhete! — Ela decidiu que não iria a lugar algum com ele e, sentindo-se em segurança, olhou para Jason desafiadoramente. Ele estava incrivelmente lindo, com paletó social e camisa branca de pregas. Não era um homem que se desviasse de suas metas ou se deixasse levar por artimanhas femininas. O

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pouco que Amanda disse não o impressionou em nada. Ele repetiu, com astúcia e sedução:

— Você deixou um bilhete. A senhora Drew o encontrou.— Eu o deixei na penteadeira do meu quarto.— E como você esperava que eu o encontrasse na penteadeira do seu quarto?Amanda ficou vermelha, ao se dar conta da armadilha que ele tão habilmente

preparara. Jason sabia que Amanda tinha pensado que iria até o quarto dela naquela noite e a estava punindo por isso. Como ela não falasse nada, ele a agarrou pelos braços e sacudiu.

— Você pensou que eu iria até o seu quarto. . .— Não! — Ela ficou mais vermelha ainda. As mãos dele a machucavam, mas

também a enchiam de desejo. Amanda controlou-se. — Quer dizer. . . eu não sei — murmurou sem fôlego. — Você achou que eu estava andando sem rumo, procurando divertimento. Um homem não respeita uma mulher assim.

— Miranda. . . — Seus olhos corriam pelo rosto dela. — É claro que isso poderia ter acontecido, mas eu lhe asseguro que não tinha a menor intenção de ir até o seu quarto, naquela noite. Um incidente assim deve servir para mostrar a total insensatez dos seus atos. Um outro homem talvez não resistisse a tal tentação. Meu Deus, por que você não me disse quem era? Poderia ter evitado muito embaraço para você mesma. Não percebeu que estava jogando perigosamente?

Amanda respirava com dificuldade. O olhar dele mostrava que Jason não era um homem de meias palavras. Por que não falava logo o que queria? Mas não era necessária nem mais uma palavra: ela já tinha entendido tudo muito bem! Ele estava só se divertindo, quando a abraçara e beijara. Estava deixando bem claro que, se soubesse quem ela era, não a teria tocado. O envolvimento dele fora puramente físico, apenas um flerte sem segundas intenções. Como ela estava magoada!

Descontrolada, lembrou-se do início de tudo:— Se você tivesse esperado que eu descesse, em vez de me derrubar da escada,

teria evitado muitos aborrecimentos.— Não seja tão boba! — Sua voz era dura e seus dedos a apertaram ainda mais.

— Você se restabeleceu. Poderia ter confessado então. O esforço não a teria matado. Além do mais, por que você estava invadindo esta casa?

— Eu não invadi!— Invadiu, sim! Não me desminta, srta. Miranda... Amanda! Havia algum motivo

oculto, uma outra razão que você não me disse. Eu ainda não sei o que é. Mas não se preocupe, vou descobrir!

Ele era repugnante, desprezível e estava muito perto da verdade. Ela o interrompeu rapidamente:

— Se você ainda se lembra, eu estava doente! O que há de tão estranho em não concatenar os meus pensamentos?

— Pense, antes de dizer asneiras, Amanda.— Talvez eu tenha gostado da sua casa, senhor Meade. Não era muito

convidativo ficar aqui em Combe Farm sem energia elétrica. — Ela o desafiava, mas ele nem se impressionou.

— Você não é esse tipo de pessoa. Pelo menos, foi o que você me disse. O que acha que seus pais diriam, se soubessem que você passou uns dias comigo, de forma muito original?

— Você não se atreveria a contar.— Não me desafie, srta. Smith.— Não sei o que você ganharia com isso. . . Acho que você só está me

provocando.— De forma alguma! — Jason observava sua face ruborizada. — E então? O que

faremos com Miranda Smith? Vamos enterrá-la discretamente ou com aviso público?— Não, assim não! — Amedrontada, ela conseguiu se livrar das mãos dele. Como

gostaria de destruir sua presunção, rir na cara dele! Mas ela nem se atrevia. Talvez, um dia, se tivesse paciência. Engoliu em seco.

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— Eu ficaria agradecida se você não comentasse nada com ninguém. Não por mim, mas por Richard e Eva.

— É claro! Alguém tem que ter consideração por eles — Jason afirmou com sarcasmo.

Amanda nem percebeu a ironia, pois um outro pensamento a fez estremecer:— E os Drew? Você se esqueceu deles?— Pode deixá-los comigo. Eles moram lá na fazenda há anos e não colocariam

em risco todo o seu conforto. Além disso, eu acho que eles gostaram de você.— Obrigada — murmurou, quase sem voz.— Não se apresse em agradecer, Amanda. Eu não faço nada sem esperar

retorno.— Você vai me chantagear!— Não seja tão dramática. Mas, se você quer colocar as coisas dessa forma, a

resposta é sim. Para começar, eu quero que você seja mais dócil.— Vai ser muito difícil. Mesmo porque você nunca fez o menor esforço para ser

gentil comigo.— Não mesmo, Amanda? Sua memória não é tão boa quanto a minha. — Ela

ficou vermelha. — Contudo, um recomeço talvez nos faça bem.— O que você quer que eu faça?— O que eu quero levaria muito tempo para ser explicado. Mas, para começar,

espero que você vista algo mais apropriado para ir à festa.Amanda sentiu que tudo estava acontecendo muito rápido. Precisava de tempo

para colocar ordem em seus pensamentos e não se deixar arrastar como uma adolescente se recusando a ir à escola. Por que tinha que concordar com Jason? Será que não se afundaria num lamaçal de desilusões, concordando com tudo o que ele quisesse? No fundo de seu coração, ela sabia que naquele momento não havia opção. Não seria bom agir com precipitação. Na presença marcante de Jason, ela não conseguia raciocinar claramente. No momento, tudo estava além da sua compreensão. Se ele nem gostava dela, por que insistia para que o acompanhasse à festa?

— Se eu for com você, será que papai e Eva não vão desconfiar de nada?— Claro que não! Eu disse a eles que viria buscá-la.Num minuto, Amanda subiu para o quarto e começou a procurar uma roupa

apropriada. Talvez devesse perguntar o que ele queria que usasse. Ela imaginou que Jason era do tipo de homem para quem uma mulher com várias qualidades, mas sem atrativos físicos, não serviria para nada.

Enquanto procurava um vestido, Amanda tentava, sem sucesso, tirar Jason de seus pensamentos.

Por que será que ele queria a sua companhia? Sabia que o atraía de alguma forma, mas era só isso? Por que ele estava se incomodando? Talvez logo perdesse o interesse, Jason devia achar que Amanda tinha feito pouco caso dele, não dizendo quem era. Concluiu que, de certa forma, era sua culpa encontrar-se na presente situação. Se não tivesse escutado sua conversa ao telefone com Verônica, teria dito quem era. Só que aí não teria ficado em Merington e passado aquela noite nos braços dele! Tentou tirar esse pensamento da cabeça e concentrou-se no esforço de remover a capa protetora de um vestido branco de chiffon. Viu um outro vestido, de jérsei azul-claro, que comprara em Londres e que ainda não tinha sido usado. Não sabia qual vestir. Por fim, deixou de lado o vestido azul. Era especial demais para aquela noite.

Como já tinha tomado banho, era só tirar o jeans e entrar no vestido. De repente, sentiu que era importante estar bonita. O vestido era convencional, com decote careca e mangas longas, mas, quando caminhava, a saia esvoaçava pelos tornozelos de forma muito feminina. Maquilou-se com cuidado, sem exagerar. Ficou satisfeita com o resultado e escovou os cabelos até que ficassem soltos. Eles estavam mais compridos e, partidos ao meio, emolduravam seu rosto. A imagem que via no espelho lhe dizia que estava muito atraente. Sentia-se mais segura para voltar à sala. Estava pronta para olhar Jason com superioridade.

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— Estou pronta — disse, erguendo o queixo e jogando um agasalho de pele cor de creme sobre os ombros.

Ele balançou a cabeça em sinal de aprovação e caminhou até ela com um sorriso nos lábios. Seus olhos brilhavam, quando disse:

— É a primeira vez que a vejo num vestido.Decidida a não dar atenção às batidas aceleradas de seu coração, Amanda

curvou-se, fazendo cortesia. Falou com frieza:— Espero que goste do que vê, sr. Meade.— Jason. É melhor me chamar assim, de agora em diante.No caminho até Newton Hall havia perguntas a fazer, mas logo percebeu que era

melhor ficar calada. Estava descobrindo que ele não era um homem de fácil aproximação. Embora tivesse decidido conversar com franqueza sobre o relacionamento dele com Verônica, a pergunta chegou até a ponta da língua e aí ficou,

Ela nem se atrevia a mencionar a fuga de Merington, apesar da vontade louca de saber exatamente quando Jason dera pela sua falta. Silenciosamente, censurou-se por não ter pensado nisso antes. Ela devia ter-lhe perguntado assim que ele chegara a Combe Farm.

Amanda não devia perder o controle, ou ficaria jogada no meio do caos de tantas questões importantes. Cada nervo de seu corpo clamava por saber se ele sofrerá com sua partida. Mas ela sabia que Jason não lhe diria. Pelo menos não agora.

Sentada ao lado dele, ficou quieta, como se Jason não estivesse ali. Mas, interiormente, suas emoções eram incontroláveis.

Havia tentado enganá-lo, mas ele virará a mesa com classe. É claro que agora estava saboreando sua vitória, Jason falara de sua raiva pela fuga precipitada, mas nunca admitiria ter sofrido por isso. Essa confissão, que ela tanto ansiava por ouvir, nunca sairia dos lábios dele. Amanda estava só se iludindo, ao achar que algum dia ouviria tais palavras.

— Correu tudo bem no parto da potranca?— Sim.Ela olhou para ele. Algo em sua voz a prevenia para não insistir no assunto, mas,

assim mesmo, continuou:— Eu fiquei curiosa.— Curiosa, mas não preocupada. Pensei que você fosse esperar para me dar os

parabéns.— Mas eu fui embora...— É Amanda, você foi embora... — E que o diabo te carregue, ele gostaria de

dizer.Jason não era um homem para se abandonar sem explicações. Ela cometera um

crime imperdoável! Talvez ele exigisse e recebesse seu quinhão, mas depois a rejeitaria. Nem precisava dizer. Seus olhos enviavam a mensagem com clareza. Sentindo-se triste, Amanda afundou no assento macio de couro, quase à beira das lágrimas.

Em Newton Hall, Richard e Eva a esperavam:— Ora, Jason! — exclamou Eva, assim que viu Amanda. — Você conseguiu um

milagre! — Eva ficou tão animada que nem notou a palidez de Amanda.— Eu usei um pouco de gentileza. Ou, talvez, ela seja educada demais para

recusar um convite.— Garanto que foi a sua gentileza. Ela estará bem, de agora em diante — disse

Eva.— Você tem a minha palavra quanto a isso. — Um tanto enigmático, Jason tirou o

agasalho de Amanda e o entregou a Eva. — Com licença, Amanda me prometeu a primeira dança.

Aparentemente, o mau humor dele desaparecera, mas ainda podia ser notado pela maneira como a apertava.

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— Você não precisava falar como se eu não estivesse presente. E não me lembro de ter-lhe prometido coisa alguma.

— Não com tantas palavras. Mas você confirmou que me devia algo.— Não entendi — protestou ela, sem fôlego.— Eu lhe darei tempo, Amanda. Se bem que eu seja sempre apressado. — Seu

sorriso tinha uma intimidade perturbadora. Ele já usara essas mesmas palavras em outra ocasião.

— Por favor, eu estou com fome. Vamos comer algo? — disse, afastando-se dele.Amanda movia-se graciosamente. Ereta, com cabelos claros e olhos azuis

brilhantes, ela era atraente de um modo sutil e cativante. Sua beleza frágil e o ar altivo, que combinava com os movimentos sensuais de seu corpo, atraíam muito olhares masculinos. Se ela não percebia, Jason sim. Depois de comerem, ele a deixou só por um momento, observando, a distância, o sucesso que ela fazia.

Richard e Eva foram embora cedo, mas insistiram para que Amanda ficasse.— Jason tomará conta de você — disse Richard.Uma hora mais tarde, Jason a deixou em Combe Farm e acompanhou-a até a

porta:— Não foi uma experiência penosa, não é?— Eu me diverti muito — admitiu. — Ah! Jason, obrigada por me trazer para casa.— Eu é que agradeço, Amanda. — E se afastou.Assim, sem mais nem menos! Amanda entrou e ficou muito tempo encostada na

porta, sentindo um calafrio percorrer sua espinha. Realmente, Jason era um homem imprevisível!

CAPÍTULO VII

Amanda resolveu dar um passeio. O dia estava lindo e ela sentia-se inquieta. Essa sensação a acompanhava desde o dia em que fora à festa com Jason, há quase uma semana. Desde então, ele não aparecera. Quando comentou sobre isso com Eva, a madrasta tentou acalmá-la, dizendo que Jason era um homem muito ocupado, mas que logo telefonaria. Ela nem notou o olhar desconfiado de Eva.

Amanda colocou uma jaqueta e foi descendo pelas margens do rio. Nunca fora até lá, com receio de encontrar Jason. Mas, como agora não precisava mais ficar escondida, andava livremente pelo terreno acidentado.

Ali, longe da casa, Amanda só ouviu os gritos das aves de rapina e o barulho das águas. O lugar era lindo. O rio corria entre margens estreitas e acidentadas. As rochas formavam piscinas naturais tão fundas que no verão serviam para nadar. Era fácil perceber que seria uma grande atração, para qualquer hotel, ter um lugar assim. Uma longa fila de carvalhos margeava o rio. Aqui e ali havia rochas que serviam para sentar e apreciar a paisagem. Uma grande quantidade de árvores formava abrigos. Longe da estrada, o lugar oferecia privacidade total. Era o local apropriado. Ela não conseguia entender por que Jason ainda não o comprara. Qualquer quantia em dinheiro seria pouco, pela beleza do rio.

Amanda sentou-se numa rocha, contemplando a água, escura por causa das recentes nevascas e da chuva. O dia estava bonito, mas, por ser fim do outono, fazia muito frio para ficar sentada ali, refletindo. Amanda levantou-se e caminhou rapidamente para se aquecer.

Seguiu o caminho acidentado que ia até o vale. A sensação de solidão era total. Olhou para o céu e viu que iria chover. Logo, grossos pingos caíam, fazendo barulho nas folhas secas do chão. Ela precisava encontrar um abrigo depressa, caso contrário ficaria toda molhada.

Amanda correu. Sabia que estava perto do hotel de Jason. Tinha no bolso dinheiro suficiente para pagar um café e esperar a chuva passar.

Para seu alívio, faltavam apenas poucos metros.

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O tamanho e a beleza do hotel, um castelo imenso rodeado de árvores, fizeram com que Amanda parasse, sem acreditar no que via. Só Jason Meade poderia manter tudo aquilo! As árvores eram exóticas, como se tivessem sido trazidas de países longínquos. O gramado, mesmo nessa época do ano, era de um verde-esmeralda lindo. No fim do caminho de cascalho havia vários carros estacionados. Era um lugar onde o luxo estava escrito em letras maiúsculas. Não era o ambiente para uma jovem de jeans desbotado e jaqueta surrada. Sorrindo meio sem jeito, Amanda foi até o saguão, perguntando-se se todos os hotéis de Jason seriam assim.

Pediu café e sentou-se num salão maravilhosamente decorado. Não se importou com o olhar de desdém que o garçom lhe deu. Ela o desculpou, pois, da forma como estava vestida, destoava completamente do ambiente. Não tinha culpa de estar chovendo e precisar se abrigar ali.

Descansou preguiçosamente, provando seu café e olhando a chuva aumentar. Parecia que iria chover o dia todo.

Uma voz arrancou-a de seus pensamentos. Viu que era um dos rapazes com quem havia dançado na festa, mas nem se lembrava do nome dele.

— Amanda! Eu quis telefonar para você, mas viajei após a festa. Acabei de chegar de. . .

— Você é. . .— Jeff Ronson — disse, rindo, ao ver que ela não se lembrava. — Posso tomar

café com você? — Tocou a sineta e puxou uma cadeira para perto dela. — Moro perto daqui, mas a chuva me apanhou e eu detesto me molhar.

— Foi o que me aconteceu. — Amanda sorriu e ele também. — Temos algo em comum.

Jeff era um rapaz agradável e conversava com facilidade. Amanda sentiu-se à vontade na companhia dele. Não era como quando estava com Jason, quando ficava tensa e formal. Jeff era inteligente e devia ser um pouco mais velho que ela. Era do tipo comum, como os outros rapazes que conhecera no exterior. Ele era bonito, tinha boas maneiras, mas a maior parte do tempo falava de si mesmo.

Amanda e Jeff estavam rindo de uma piada que ele tinha contado, quando Jason e um homem entraram.

Ela imaginou que o outro deveria ser o gerente. Jason estava elegantíssimo, com um suéter preto de gola alta e paletó preto de couro.

Sua roupa era impecavelmente bem cortada. A virilidade e beleza que emanavam dele atraíam muitos olhares femininos. Quando viu Amanda, caminhou em sua direção:

— Bom-dia, Amanda — disse, olhando de relance para Jeff. — A que devo a honra da sua visita?

Amanda corou, odiando-se por não conseguir retribuir à altura a frieza dele. Percebeu que ele não estava de bom humor nem aprovava ela estar na companhia de Jeff, mas Jason não tinha nada com isso. Respondeu com um bom-dia e não disse mais nada.

— Você não tem nada melhor com o que passar o tempo, Jeff? — perguntou Jason. — Vi seu pai ontem e achei que ele não estava muito bem.

Foi a vez de Jeff corar.— Estou apenas tomando um café com Amanda, sr. Meade. E estou a par dos

negócios de meu pai.— Então é melhor ser mais esperto para dar continuidade a eles — Jason

respondeu, asperamente. — Eu verei se Amanda tem tudo o que deseja.Amanda ficou surpresa ao ver Jeff se levantar com tanta obediência. Ela não

entendia a atitude dele, a menos que trabalhasse para Jason.— É melhor eu ir embora, Amanda, mas não se esqueça de que você prometeu

jantar comigo numa noite dessas. Eu lhe telefono mais tarde.Perplexa, Amanda viu Jeff ir embora. Com que direito Jason se intrometia na

conversa? Ela queria dizer como tinha detestado a atitude dele. Contudo, as palavras

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morreram em sua garganta. Tinha esperado tanto para ver Jason e ali estava ele. Não podia pedir que fosse embora.

De cara fechada, ele ficou olhando Jeff sair. Depois, virou-se para seu gerente e apresentou-o rapidamente a Amanda. O homem curvou-se com respeito, olhando curioso para ela.

— Mande mais café para nós. Eu vejo você mais tarde — disse Jason.Amanda tremia, quando ele sentou-se ao seu lado. Agora que os outros tinham

saído, ela não estava mais certa de querer ficar a sós com Jason. Sentira-se bem com Jeff e seu papo animado e descontraído. Embora não se lembrasse de ter prometido sair com ele para jantar, achou que poderia ser um programa agradável, pois isso talvez tirasse de sua cabeça coisas em que não queria pensar.

Jason puxou a cadeira para mais perto, colocou café nas xícaras e ficou em silêncio até que ela olhasse para ele. Quando seus olhares se encontraram, ele disse sorrindo:

— Ah! Assim é melhor.Rapidamente Amanda desviou o olhar. Jason ficava irresistível, quando sorria

daquela forma. Às vezes, Amanda achava que aquele sorriso era ensaiado e não tinha nada a ver com seus verdadeiros sentimentos. Reparou nas roupas dele e se deu conta da diferença entre ambos. Ela estava toda desarrumada, os cabelos despenteados, sem maquilagem alguma. Passara um pouco de brilho nos lábios, mas, a essa altura, não devia haver nem vestígios. Furtivamente, passou a ponta da língua nos lábios para ver se ainda havia um pouco.

— Amanda, você tem que parar de sonhar acordada e me contar como foi que veio parar aqui. Tenho certeza de que não foi com Jeff.

— Isso não é da sua conta. Por que você o mandou embora como se ele fosse um criminoso?

— Nós temos que falar sobre Jeff Ronson? Você vai-se decepcionar, se o conhecer melhor.

— Bom, ele é um homem, não é? — Ela não teve intenção de dizer isso.— Se isso é tudo o que você quer. . .— Não foi isso o que eu quis dizer. Você me deixa confusa.— Eu acho que você precisa de um homem, mas não de Jeff. Acalme-se, Amanda.

Tudo tem seu tempo certo. O destino vai ser gentil com você, tenho certeza! — Ele ria, os olhos fixos no rosto quente dela.

— Parece que você o conhece bem — disse Amanda, com sarcasmo. Jason franziu a testa e, num gesto irritado, levou as mãos até o pescoço.— O pai dele é um velho amigo meu e está muito doente. Ele tem um bom

negócio, mas Jeff não o ajuda tanto quanto deveria.— Eu compreendo — disse Amanda. Mas não compreendia. Talvez fosse verdade

o que Jason dizia. O que ela não entendia era por que Jeff obedecera imediatamente. Ela não estava nem um pouco interessada no rapaz. Era esse homem sentado ao lado dela que fazia sua pulsação acelerar e seu coração bater de forma tão esquisita.

— Se você está querendo sair numa noite dessas, que tal jantar comigo amanhã? Eu a levarei até Torquay. Tenho um outro hotel lá que quero lhe mostrar. Esteja pronta às seis.

— Obrigada, mas não vou. Você não precisa me levar a lugar algum.— Se for necessário, eu a levarei. Se eu não fizer as coisas como devem ser

feitas, mais tarde você se sentirá chantageada. Uma moça como você, Amanda, faz um homem usar todos os truques que ele conhece.

— Não precisava me dizer isso.— Então você deveria se lembrar de fazer o que lhe peço sem usar tantos

argumentos cansativos. Você estará pronta amanhã às seis, o que lhe dá tempo suficiente para cancelar qualquer compromisso anterior.

Queria recusar, mas, ao ver que ele estava deixando bem claro que não tinha intenção de perder o controle sobre ela, achou melhor ficar quieta. Amanda só não

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entendia por que ele continuava a procurá-la. Pensara que depois da festa eles não se encontrariam mais.

Ao seu lado, Amanda sentia-se inexperiente, incapaz de entender e enfrentar a atração que havia entre eles. Talvez Jason a estivesse usando como desculpa para comprar o rio, como fizera com Verônica. Mas não conseguia acreditar nisso. Além do mais, ela tinha a cabeça no lugar e, se ele queria diverti-la, poderia aceitar tudo o que ele lhe oferecesse sem se sentir na obrigação de retribuir.

Após um longo silêncio, ela disse:— Você não me deu muito tempo, mas eu vou fazer o possível.— Espero que faça mesmo!— O que você quer dizer?Ele olhou fixamente para a blusa justa que ela vestia.— Tente não chamar muita atenção sobre você. Se não tiver algo melhor para

usar do que aquele vestido branco, é melhor ir comprar outro.Amanda ficou vermelha de raiva.— Você realmente tem coragem! Eu vou vestir o que quiser!— Então eu vou tentar gostar. Caso contrário, não responderei pelos meus atos.— É mesmo?— É! Use aquele velho vestido de chiffon branco, que eu o rasgarei em dois

minutos. Talvez até menos, se você me provocar. Você sabe que sou capaz de fazer isso — Jason respondeu grosseiramente.

Não era difícil entender por que Amanda mal se lembrava da volta do hotel até Combe Farm. Jason mandou que um chofer a levasse para casa; se recusara a deixá-la voltar a pé. Depois da ameaça sobre o vestido, ela aceitou a proposta mais do que depressa.

Quando saía do salão, quase se chocou com o gerente, que vinha avisar Jason de um telefonema importante. Aproveitou o momento para fugir, mas viu que um carregador a seguia, obedecendo a ordens de Jason para acompanhá-la até o carro e ordenar ao chofer que a levasse para casa. Sem conseguir inventar uma desculpa, e principalmente por estar chovendo, ela não teve outra saída a não ser aceitar.

Ainda furiosa, apesar de um excitamento diferente, Amanda estava decidida a esquecer o que Jason tinha dito. Era imperdoável, da parte dele, tê-la ofendido tanto. Ele não tinha o direito!

Estava muito confusa, quando subiu correndo pelas escadas. De repente, se deu conta de que vasculhava aflita o guarda-roupa, observando seus vestidos muito simples. Ela não tinha nada que Jason pudesse aprovar.

Pouco depois, Eva a encontrou:— Está procurando algo especial, meu bem?— Fui convidada para jantar — confessou sem querer. — E o meu acompanhante

me pediu para não usar o meu vestido branco, e sim, algo decente!— Meu Deus! Isso é o que eu chamo de um convite original — disse Eva,

espantada. — Eu não vejo nada de errado naquele vestido. Quem é o rapaz? Eu gostaria de conhecê-lo.

— Jason. E eu estava pensando justamente em colocar o vestido. Foi Verônica quem me deu, quando eu saí do colégio. Só o usei duas vezes.

— O suficiente, então. É melhor você não usá-lo novamente, pelo menos para sair com Jason. Como vocês se encontraram?

— Eu me abriguei da chuva no hotel e ele estava lá.— Assim? Você parecendo uma andarilha? — Eva riu. — Precisamos convencê-lo

de que você é capaz de se vestir bem. — Ela apontou para o vestido de jérsei. — Acho que Jason vai gostar daquele.

— O que Jason pensa não tem importância para mim. Só que eu preciso ir até a cidade comprar sapatos. Quando comprei este vestido, as lojas estavam fechando e não tive tempo de comprar sapatos para combinar. Será que eu posso usar o carro?

Eva respondeu que poderia usá-lo quando bem entendesse. Amanda perguntou se ela gostaria de ir junto.

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— Ótimo! Eu também preciso de uma porção de coisas e nós podemos fazer compras juntas.

Em Newton Abbot, Eva insistiu para que Amanda fosse ao cabeleireiro. Ela aceitou, pois sabia que seu cabelo estava precisando de um corte. Além do mais, era tão bom ficar sentada debaixo do secador e sonhar, envolvida num mundo onde ninguém a importunava.

Mais tarde, Eva fez Amanda comprar um casaco novo:— Aquele que você tem foi de Verônica. Eu o reconheci. Você não tem algo só

seu?— É claro que sim. — Amanda riu. — Mas é que Verônica tem uma vida social

muito intensa e algumas coisas que ela joga fora não foram nem usadas.— Sua irmã pode jogar fora o que ela quiser, mas você não é obrigada a aceitar

tudo o que ela lhe dá. Vocês não têm o mesmo manequim. Você vai ter que deixar de usar um monte de coisas que ela lhe deu.

— Só algumas peças.— Um monte!Finalmente, Amanda voltou para casa com um bonito casaco imitando vison —

presente de Eva —, um par de sandálias prateadas para noite e uma bolsa nova. Será que era para satisfazer Jason que ela queria estar bem vestida? Fingiu que era para agradar Eva. Mas seus olhos cintilantes diziam que toda a preparação era para Jason.

Ele chegou cedo, no dia seguinte. Tinha telefonado de manhã, perguntando se Amanda poderia acompanhá-lo até a casa de um amigo, depois do jantar, pois precisava resolver um negócio importante. Ela teve que concordar, não havia escolha. Mas não sabia com certeza se realmente queria ir. Não pretendia dividir Jason com ninguém, naquela noite.

A Lua brilhava no céu, como se estivesse convidando todos os amantes para o romance. Amanda percebeu isso assim que abriu a porta para Jason.

Ela estava usando o vestido azul, que realçava seu corpo esbelto e gracioso. A cor do vestido valorizava o azul de seus olhos e o leve bronzeado de sua pele acetinada. Estava certo de que Jason não teria do que se queixar. Ela estava maravilhosa! O cabeleireiro tinha feito um bom trabalho. Seu cabelo liso estava mais curto e virado para baixo. Um corte simples, que combinava perfeitamente com ela. Tinha-se maquilado com cuidado e suavidade. Fora só quando se arrumava que ela percebera o quanto tinha esperado por essa noite a sós com Jason. Nada poderia diminuir a felicidade que sentia. Nem mesmo o fato de saber que depois do jantar ele não seria mais só dela.

Jason, vestindo um dinner-jacket, estava impressionante. Quando Amanda abriu a porta, ele parou. Tinha à sua frente uma imagem luminosa em meio a sombras. Estava fascinado com o que via e as chamas brilhantes em seus olhos diziam isso.

Amanda tentou se defender dessa inspeção o melhor que pôde, pois já não conseguia respirar direito. Concluiu que a melhor defesa seria o ataque.

— Estou aprovada?Ele chegou mais perto e pegou em seu braço:— Você está ótima, apesar de nunca ter sido um patinho feio.— Mas também não sou um cisne — respondeu asperamente, enquanto puxava o

braço para livrar-se da mão dele. — Papai gostaria que você entrasse e tomasse um drinque com ele, antes de irmos.

Richard parecia cansado e confessou que se sentia um pouco fraco.— Acho que estou ficando velho. As viagens me parecem mais cansativas do que

antes. Mais algumas viagens e vou ter que parar.— Esse dia ainda está longe — disse Eva, rindo, mas Amanda sabia que, por trás

desse sorriso, ela estava muito preocupada.Ultimamente, Richard ficava muito quieto, olhando o vazio, e se esquecia das

coisas com facilidade.Amanda comentou isso com Jason, depois que saíram. Entre ambos havia um

clima de amizade que a fazia falar com naturalidade.

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Jason fez um breve comentário:— Seu pai sempre viveu num mundo só dele e, à medida que envelhecer, se

afastará ainda mais. Richard é um homem muito dedicado ao seu trabalho. É só nisso que ele se concentra. Você deve ser grata a Eva pois ela é a ponte que liga o mundo de seu pai ao nosso. Se ele não tivesse Eva, logo perderia todo o contato com a realidade.

— Eu acho ótimo Eva estar do lado dele — disse com sinceridade.— Você está preocupada com ele, não é? Então, por que nunca veio aqui com

sua irmã?— Eu estava nos Estados Unidos!Era a primeira vez que Jason falava de Verônica, a oportunidade pela qual ela

esperava. Agora, tinha chances de perguntar se ele conhecera bem sua irmã. Só que ela viu que não seria capaz. Talvez não quisesse saber a resposta. Para disfarçar sua hesitação, começou a falar da viagem e, sem perceber, ia satisfazendo a curiosidade dele.

— Eu morei na Flórida por mais de dois anos. Antes de viajar, ficava num colégio interno e passava as férias com Verônica.

— Dois anos é muito tempo!— Não parecia tanto. Pretendia ficar por pouco tempo, mas o casal com quem eu

morava tinha gêmeos e acabei me apegando muito a eles. Para dizer a verdade, até que foi bem divertido. Os pais estavam sempre trabalhando e os gêmeos se afeiçoaram a mim. Assim, o tempo foi passando sem que eu conseguisse deixá-los.

— Mas você acabou partindo.— É . . .— O que a levou a essa decisão?— Nenhum motivo especial. — Jason riria, se dissesse que sentia o tempo passar

inutilmente. Amanda esperava que a resposta o tivesse deixado satisfeito, mas ele insistiu:

— Você não ia voltar com sua irmã? O que a atraía lá? Amanda sentiu um arrepio esquisito ao pensar nisso, não sabia bem por quê.

Talvez fosse por causa de Herman. Sabia que tinha deixado aquele incidente tomar proporções imensas. Embora ele nem a tivesse tocado, ela se sentia enjoada só em lembrar.

— Nada me atraía para voltar. É que eu sempre morei com Verônica, desde que papai se casou novamente. Naquela época achávamos que seria melhor assim. Mas Verônica vendeu o apartamento depois que Herman terminou seu contrato e eu não tinha para onde ir.

— Você não se sentiu constrangida? Afinal, eles estavam casados há três meses. Você não podia se arranjar sozinha?

Sua voz tinha endurecido novamente. Estava claro que Jason a considerava fraca, uma moça que não conseguia se defender sozinha e dependia dos outros para viver. Ora, ela não esperava elogios da parte dele, mas ofensas também não. Naquele momento, não poderia contar toda a verdade.

— Verônica me pediu que fosse morar com ela e eu não quis recusar, com medo de ofendê-la. Além do mais, não tinha dinheiro nem emprego para me manter.

— Mas Verônica tem dinheiro.— Eu sei. Ela tem um bom emprego e o dinheiro que nossa mãe lhe deixou.— Sua mãe?— É. . . Ela morreu quando eu nasci. Alguns anos antes, mamãe tinha dado tudo

o que possuía para Verônica. Papai disse que ela tinha intenção de mudar de idéia, mas não teve tempo.

— E Verônica nunca quis dividir o dinheiro com você?— Não me deu dinheiro vivo, mas me aceitou para morar com ela quando eu não

tinha para onde ir. Minha irmã sempre foi boa para mim.— E, mesmo assim, você não quis continuar morando com ela?— Eu e Verônica discutimos. Isso acontece entre irmãs.

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— Mas você estava com tudo pronto para viajar, não é? Deve ter sido uma discussão muito séria!

— Eu simplesmente decidi não ir mais. Vamos mudar de assunto? Amanda ergueu a voz, quase histérica, assim que a cena do banheiro voltou à

sua lembrança. Não podia nem havia necessidade de contar a Jason a verdade. Ela não queria mais falar sobre isso e logo entendeu por que ele queria saber de toda a história.

— Você acha que Verônica é feliz? Herman parece ser um bom sujeito, mas tenho impressão de que ele gosta das coisas fáceis.

— Eu espero que ela esteja feliz. Parece que eles se dão muito bem — murmurou, sem muita convicção.

Amanda sentiu-se deprimida, ao perceber que Jason estava preocupado com o casamento e a felicidade de Verônica! Notou também que essa preocupação era tão grande que, se um dia sua irmã contasse a Jason que ela tentara Herman, ele acreditaria com facilidade na versão de Verônica.

Depois disso, foram até Torquay em silêncio. Jason parou o carro em frente ao hotel onde jantariam, mas, antes de entrarem, caminharam até o mar. De onde estavam, a vista era magnífica. As águas refletiam o luar de prata, as altas colinas cobertas de árvores e as luzes da cidade. Dali se viam os barcos balançando no mesmo ritmo das águas. Amanda ficou muito impressionada com a beleza do lugar. As árvores tropicais, as flores e o cheiro do mar davam-lhe a impressão de estar na Flórida novamente.

Jason, ao seu lado, segurando-lhe protetoramente o braço, dava um encanto ainda maior àquele lugar. Amanda não podia deixar de sonhar. Tudo o que conseguiu dizer foi:

— Muitos turistas devem vir aqui no verão, não é?— É! No século passado, por causa das guerras napoleônicas, os ricos não

podiam ir para o continente, durante as férias, e começaram a vir para cá. Atualmente, vem muita gente no verão.

— Eu virei até aqui então.— Acho que você vai gostar. Tem muitas atrações.— Mas você vai para o exterior, não é?— Parece que você e a sra. Drew andaram fofocando a meu respeito, hein? —

Jason riu num tom malicioso. — Eu vou muito à França e à Espanha, pois tenho propriedades em construção nesses países. Mas tenho um ou dois lugares muito especiais, Amanda. Qualquer dia desses eu levarei você para conhecê-los.

— É melhor conhecer Devon antes — disse, tentando disfarçar as batidas agitadas de seu coração, enquanto ele a conduzia de volta para o hotel.

— Nem sempre as pessoas costumam conhecer o país em que vivem — falou Jason com suavidade, como se soubesse exatamente o que ela estava sentindo.

O hotel onde entraram era tão luxuoso quanto o de Dartmoor. Fingindo estar muito interessada, para esconder o rosto ruborizado, ela olhava tudo à sua volta.

— Estou apressando você, Amanda? — ele perguntou suavemente. — Porque é isso que eu quero. É melhor estar prevenida.

Ela sacudiu a cabeça como uma criança teimosa. Fingiu não entender o tom de ameaça na voz dele, mas não conseguia se desvencilhar do olhar fixo de Jason.

Seus olhos verdes, cínicos, não desgrudavam dela nem por um momento. Ele a observava de cima a baixo. Seu olhar era tão intenso que a feria. Com esforço supremo, Amanda conseguiu se recompor:

— Às vezes eu acho tão difícil entender você. . .Por um momento, os olhos dele escureceram. Parecia que queria falar mais

alguma coisa, mas simplesmente disse que era melhor irem jantar e que depois haveria tempo de sobra para conversarem.

Amanda sentiu que gostaria de ter ido a um lugar onde Jason fosse menos conhecido, pois o gerente e os funcionários não o deixavam em paz. Além disso, os olhares curiosos que lhe lançavam a incomodavam. Ela detestava ser o centro das

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atenções e sentia-se magoada por Jason tê-la colocado em tal situação. Mas, pensando bem, era um dos hotéis de Jason. Não havia razão para que ele fosse a outro lugar.

O movimento no hotel era grande. Quando Amanda comentou o fato com Jason, ele disse que era para isso que trabalhava.

— Achei que você não trabalhasse durante o inverno.— Não trabalho mesmo, mas fico por perto, pois sempre aparecem problemas.

Costumo passar o inverno em Merington. Assim, se precisam de mim, sabem onde me encontrar.

O jantar que Jason pediu estava delicioso, mas Amanda não seria capaz de se lembrar do que havia comido. A única certeza que tinha era de que Jason lhe dava toda a atenção possível e raramente desviava os olhos do rosto dela.

Enquanto esperavam entre um prato e outro, colocava a mão sobre a dela. Amanda tentou se livrar desse contato, mas ele colocou a mão dela sobre a sua e disse:

— Suas mãos são lindas, Amanda. Foram feitas para ficar bordando e costurando o dia todo.

— O que é bem difícil para uma mulher moderna.— Mas você não quer ser uma mulher moderna, não é? Se bem que, com esse

vestido, se pareça com uma. — Os olhos dele examinavam cada centímetro de seu rosto e de sua pele acetinada. — Você está linda!

Amanda abaixou os olhos para não enfrentar o olhar que devorava seu rosto. Ela sabia que o vestido era um sucesso. As alças e o decote insinuavam provocantemente as curvas de seus seios e a cintura era marcada. Sentia-se diferente, dentro dele.

Amanda fechou os olhos, pois sentia vertigens. Talvez fosse efeito do vinho, já que raramente bebia.

Essa sensação de estar flutuando fora do mundo parecia acabar com todas as suas inibições. Estava gostando da maneira como Jason segurava gentilmente sua mão e deixou que seus dedos se entrelaçassem aos dele. Queria que esse momento de encanto e ternura durasse para sempre.

Só quando o garçom chegou com a sobremesa, Jason falou novamente, com suavidade e carinho. Amanda ergueu a cabeça e arregalou os grandes olhos azuis. Retribuiu-lhe o sorriso, tentando disfarçar tanta emoção.

— Acho que quase dormi.— Pelo menos, parece que os seus sonhos foram agradáveis — disse Jason

ironicamente, sem acreditar no que ela dissera.

CAPÍTULO VIII

A refeição, o atendimento, a decoração, tudo no hotel era de primeira classe. Assim que terminaram de jantar, Jason disse que precisavam ir Amanda sentiu que ele estava apressado e impaciente para sair de lá. E logo ela soube a razão.

— David Hartley tem uma égua que há muito tempo eu estou querendo comprar e hoje ele me ligou dizendo que estava disposto a vendê-la — Jason explicou, enquanto iam até a casa de seu amigo.

Amanda gostara dos cavalos de Jason. Tinha até pensado em conseguir um animal para montar em Combe Farm. Mas ele já tinha tantos cavalos. . . Por que queria mais um? E por que ficar tão nervoso por causa de uma égua?

Amanda sentiu uma pontada por dentro. Não era possível que estivesse com ciúme de um cavalo! Queria pedir que ele a ensinasse a montar. Não, ele era muito ocupado, não perderia tempo com ela!

Tentando retomar a conversa, disse:— Ele não conseguiria um preço melhor, se vendesse num leilão?

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— Pode ser que não. Ninguém iria pagar mais do que eu estou oferecendo. O problema é que há mais uma pessoa interessada. Por isso, quero fechar negócio ainda esta noite.

Com ousadia, ela perguntou:— Por que quer outro cavalo? Você não pode montá-los todos.— Parece que fui repreendido. — Jason riu, virando-se para olhá-la.— Acho que é inveja. . . — Riram juntos. Amanda notou que, quando ele falava de

cavalos, parecia bem mais calmo.— Eu não tenho só cavalos de montaria, mas também para procriação e venda.

Meu primeiro negócio foi com cavalos e talvez o último também o será. Sempre me saí bem, nesse ramo.

Depois disso, Amanda ficou quieta, refletindo. Havia algo que ela não conseguia entender. Devia ter havido uma mulher que o tinha traído, ou talvez, pensou cinicamente, tivesse sido o contrário. Segundo Eva, Verônica o tinha amado e abandonado, sem mais nem menos.

Ainda assim, de algum modo, Amanda não acreditava nisso. Em uma questão de amar e abandonar, seria sempre Jason a dar as cartas.

Pensar nisso deixou-a estranhamente ressentida e foi com prazer que constatou terem chegada à casa do amigo de Jason. Havia luzes em todos os cômodos e podia-se ouvir o som alto de música pop.

— Parece que eles estão dando uma festa. Janetta, a mulher de David, adora festas — murmurou Jason, um tanto enigmático.

Embora estivesse na companhia de Jason, Amanda sentiu-se uma intrusa. O lugar estava animado e parecia que as pessoas estavam se divertindo muito. Depois que Jason apresentou Amanda à dona da casa, uma loira tipo mignon, cheia de vida, deixou-a por mais de uma hora. Assim que voltou, quis ir para casa, ignorando o charme glamouroso que Janetta jogava sobre ele. Pegou Amanda pelo braço. A força com que a segurava dizia que seria inútil tentar pedir para ficar mais um pouco. Ela tinha dançado e se divertido. Seria ótimo poder dançar com Jason, mas ele não parecia nem um pouco disposto a se demorar ali.

Se Amanda estava emburrada por ter saído tão rápido da festa, Jason estava muito animado.

— Eu a consegui. Vá até Merington amanhã para vê-la, Amanda. A égua é maravilhosa!

Não havia dúvidas quanto ao seu entusiasmo. Amanda estava feliz com o sucesso da negociação, mas não queria demonstrar.

— Você me deixou numa sala cheia de estranhos — disse com frieza. — Não espere os parabéns.

— O que há de tão imperdoável, Amanda? Eu não esperava demorar tanto, mas essas coisas levam tempo. E não acho que você estava sentindo a minha falta. Além do mais, nem todos eram estranhos. Jeff Ronson estava lá!

— Você não acha que eu estava louca para ver Jeff, não é? Mal nos conhecemos, mas foi bom que ele estivesse lá.

— Pelo menos, nada de grave aconteceu com você.— Não estou bem certa disso. — Amanda mexia-se com impaciência e

feminilidade. — Acho que bebi demais. Jeff manteve o meu copo sempre cheio. Pensei que não me faria mal, mas agora estou tonta.

— Isso passa logo. Você tem que me agradecer por salvá-la a tempo. Encoste-se no assento e relaxe. Logo você vai-se sentir melhor. Não deixe que Jeff Ronson a faça esquecer do meu convite para ir até Merington.

Jason sabia ser exigente, quando queria! Mas Amanda fez o que ele disse, embora não conseguisse relaxar. De repente falou:

— Preciso de um emprego. Você ainda tem uma vaga num dos seus hotéis?— Não no momento. Por enquanto, eu acho melhor você ficar onde está.— Você me ofereceu uma vaga, lembra-se?— Quando ofereci, as circunstâncias eram outras.

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Sabrina 318 – Olhos verdes – Margaret Pargeter

— Mas eu não posso ficar em Combe Farm para sempre, sem ter o que fazer.— Ajude Eva.— Eu ajudo, mas não há serviço suficiente para nós duas. Tenho que fazer algo

que justifique a minha permanência lá.— Tenho certeza de que Eva e Richard gostam de ter você morando com eles —

disse Jason com firmeza.— Mas eu gostaria de contribuir com as despesas. Papai não está bem de saúde.

— Virou-se, olhando-o fixamente, como se quisesse provar o que dizia. Sentia um nó na garganta. Queria sentir-se protegida por ele. — Nem todos são tão abastados quanto você. Deve ser bom ser rico. Pena que isso não torna as pessoas mais sensíveis.

— Amanda! — Ele pisou fundo no acelerador, entrou numa estrada deserta e parou.

Estava escuro e ela não podia ver o rosto de Jason. Nem tentou. Permaneceu quieta, olhando as silhuetas das colinas ao longe e rezando para que ele não ouvisse as batidas de seu coração. Quando um homem parava assim, no meio da noite, era porque tinha segundas intenções. Não queria generalizar, mas, se Jason queria só conversar, podia fazê-lo enquanto dirigia. Sentia remorso por tê-lo agredido, mas agora não havia como desculpar-se.

Quando ele falou, sua voz era firme, e não fez nenhum gesto para tocá-la.— Amanda! — repetiu seco, o olhar penetrando na escuridão. — Achei que seu

pai estivesse em boa situação. . .— Você achou! — disse ela com ironia, tentando esconder a confusão que sentia.

— Como pode falar isso com tanta calma? Devia saber que Richard estava sem dinheiro, quando quis lhe vender o rio. Você não pode negar que não sabia da situação dele.

— Sei que ele queria vender o rio, minha querida, mas eu não tinha a obrigação de comprá-lo.

— Mas você o queria. Chegou até a conversar a respeito.— É, eu queria. Mas aquela parte do rio não fará diferença alguma para o hotel.

Além disso, sou um homem de negócios. Sei quanto vale aquele terreno e não posso pagar mais do que ofereci.

— Você o teria comprado, se. . .— Se o que, Amanda?— Se... se,você realmente quisesse — conseguiu dizer, aliviada por ter

encontrado uma resposta.Jason sabia que ela estava escondendo algo, mas não quis interrogá-la naquele

momento. Apenas disse com ternura:— Há muitas razões para eu ainda não ter comprado o rio, mas não quero que

você se preocupe com elas, minha querida. Se seu pai não puder sustentá-la, eu posso.

A surpresa foi tanta que Amanda não conseguia dizer nada. Sabia que Jason estava brincando, mas seu olhar tinha algo que ela não conseguia decifrar.

A menos que ele estivesse lhe oferecendo um emprego novamente. Antes que encontrasse palavras para perguntar, Jason começou a lhe acariciar o rosto.

— Você não teria que usar imitação de vison. Eu lhe compraria um legítimo. Não é tentador?

— O quê?! Um casaco legítimo?! — Amanda não sabia o que dizer. Não tinha acreditado no que Jason dizia, mas algo em seu olhar mostrava que ele não estava brincando.

Jason não se mexeu, embora ela sentisse que estava diferente. Era como se estivesse tenso. Ouvira o que ele dissera mas não estava certa de ter entendido.

Só podia ser um emprego. Com certeza, Jason não estava pedindo para que ela fosse morar com ele.

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Amanda olhava para ele, procurando uma resposta. Toda aquela expectativa fizera com que seu coração disparasse, quebrando todos os recordes! Ela se afastou um pouco. Seus cabelos sedosos brilhavam ao luar.

Quando falou, sua voz era fraca, apenas um sussurro:— Talvez você pudesse se explicar melhor.Jason sorriu de forma estranha e, num movimento rápido, puxou o corpo sem

forças de Amanda para seus braços, enterrando o rosto nos cabelos dela, O que disse depois quase fez com que ela perdesse os sentidos:

— Quero você. Eu te desejo desde aquela noite era que a levei para Merington e a coloquei na cama. Quero você e pretendo tê-la mesmo que precise comprar aquele bendito rio.

Amanda sentiu que as forças que ainda lhe restavam a abandonavam. Como não conseguia dizer uma só palavra, ele se antecipou:

— Amanda?A tensão parecia que a faria explodir. Estava ofegante.— Não estou entendendo. Você fala por enigmas.— Enigmas? — repetiu Jason, endurecendo o rosto. — Só mesmo uma mulher,

para ver mistério em tudo! Estou lhe oferecendo tudo o que você poderia querer e você finge que não está entendendo!

— Mas, Deus, por quê? — Ela não conseguia analisar o que sentia. Jason não falara em amor, e havia tantos tipos de amor, tantos estágios diferentes. Lembrou-se de que, quando ele soubera seu verdadeiro nome, negara qualquer interesse por ela. E agora, ali estava ele, admitindo que se interessara por ela desde que a conhecera. O que Jason esperava que ela fizesse? Que fosse morar em Merington com ele? Apesar de tudo, uma excitação tomou conta dela. Aquela onda sensual que sentia, quando estava perto de Jason Meade, não era nova, e Amanda não conseguia controlar os impulsos de seu corpo.

O silêncio e o olhar insistente dele a conduziram a uma sensação de irrealidade. Amanda sentia mais e mais a respiração quente em seu pescoço, conforme Jason ia se aproximando.

— Você não sabe a resposta, Amanda? — perguntou, enquanto lhe acariciava o rosto e delineava com suavidade todos os traços dela.

Suas bocas estavam muito próximas. Até aquele momento, Amanda não tinha percebido o quanto ansiava pelos beijos dele. Era impossível se controlar. Levantou o rosto para Jason. Após um segundo de hesitação, ele a beijou, puxando-a para mais perto. Com um gemido, apertou-a em seus braços, os lábios possessivos machucando os dela e fazendo-a responder com paixão. Suas carícias, seus beijos, sua proximidade despertaram uma chama devastadora dentro de Amanda. Ela estendeu os braços em volta do pescoço dele, abraçando-o com ternura. Seu corpo moldava-se ao dele. Naquele momento, ela não lhe negaria nada.

Amanda quase não sentiu, quando Jason lhe tirou o casaco e abandonou sua boca para beijar a pele quente e nua de seus ombros. A pressão entre seus corpos aumentava. Jason fazia com que os sentidos dela se apurassem e a consumissem, como se quisesse puni-la por alguma coisa.

Quando Jason se afastou, ela sentiu-se desamparada, incapaz de viver sem a mágica dos braços dele. Era como navegar entre as estrelas, numa aventura louca; como brincar com fogo, sem pensar que poderia sair queimada.

Convulsivamente, aninhou-se nos braços dele, sem saber o que dizia.— Jason — sussurrou —, beije-me outra vez.Não precisou pedir duas vezes. Ele acariciou o rosto dela com ambas as mãos. — Você está pedindo, minha adorada Amanda? — perguntou gentilmente, antes

de apoderar-se de seus lábios trêmulos.Amanda sentia o sangue correr mais rápido. Não conseguia lutar contra o desejo

turbulento que experimentava. Não havia nada que pudesse fazer, a não ser esperar que os lábios dele esmagassem os dela. Dessa vez Jason não media as conseqüências, subjugando-a à sua força selvagem.

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Lágrimas correram dos olhos de Amanda, até chegarem à boca dele. Até aquele instante, ela só experimentara uns rápidos beijos de adolescente, sem maiores conseqüências. Naquela noite, no terraço da casa de David, permitira que Jeff a abraçasse levemente, mais para vingar-se de Jason, que a deixara só por tanto tempo, do que por sentir atração pelo rapaz. Os beijos de Jeff lhe deram algum conforto e Amanda não achara ruim ficar nos braços dele, mas se mantivera fria e consciente de tudo o que se passava ao seu redor.

Mas com Jason seu corpo tinha reações que jamais imaginara existirem. Sua fragilidade e inocência não permitiam que se entregasse totalmente aos carinhos que era forçada a aceitar.

Quando ele sentiu o gosto de sal nos lábios, levantou o rosto, mas não permitiu que ela se afastasse. Com uma das mãos, enxugou as lágrimas e afastou os cabelos que cobriam seu rosto quente. Jason sabia perfeitamente as emoções fortes que despertara nela.

— Case-se comigo, Amanda! — disse suavemente.Ela arregalou os olhos e engoliu em seco, como se tivesse levado um choque.

Nunca pensara ouvir dele essas palavras. Assustada e apreensiva, afastou-se. Jason a pedira em casamento, mas não dissera uma palavra sobre amor. Que motivo teria para lhe fazer essa proposta? Seria o rio? Será que ele pensava que, casando-se com ela, o teria sem ter que pagar um centavo? Não, isso não fazia sentido. Jason possuía dinheiro suficiente para comprar uma dúzia de rios, onde bem entendesse. Mas tinha que haver um motivo, e Amanda não sabia qual era.

Tentando arrumar uma desculpa para si mesma, achou que suas lágrimas, aliadas à emoção indefinível que pairava no ar, fizeram com que ele, impulsivamente, a pedisse em casamento.

Os homens se casavam por quase nada. Nos braços de Jason, protegida e excitada, sentiu-se tentada a aceitar o pedido. Mas não era experiente o bastante para saber distinguir entre emoções tão incompatíveis, e não estava preparada para tentar. O fato de amá-lo de uma forma tão devastadora e irreversível não era desculpa para concordar em casar com um homem que não retribuía seus sentimentos.

Atordoada, Amanda não conseguia dizer nada. Continuava quieta nos braços de Jason.

— Amanda, você ouviu o que eu disse?Ela recuou, devido à frieza de sua voz. Ele falava como se estivesse tratando de

negócios; olhou-o um tanto ressentida.— Eu não poderia me casar com você. Por favor, Jason, me leve para casa.— Não. — Ele segurou-a pelos ombros nus, sacudindo-a com impaciência. — Você

tem certeza? Parou para pensar no que eu estou lhe oferecendo? O que mais você quer?

— Da forma como você colocou as coisas, eu quero muito mais! — Estava furiosa. Levantou a cabeça, desafiando-o. Nunca pensara que ele fosse tão insensível. Certamente, as mulheres com quem Jason se envolvera até então nunca exigiram proteção. Aliás, nem ela! Ele a queria, mas não a amava. No entanto, imaginara que Amanda o aceitaria por causa do dinheiro. Era ofensa demais.

Acariciando-a, ele disse:— Talvez você não esteja interessada em casamento. Talvez prefira um outro

tipo de relacionamento. Só não quero magoá-la. Pensei que você fosse uma moça virgem, inocente, mas acho que estava enganado.

O silêncio de Amanda estava repleto de tensão, dor e desilusão. Sentiu que empalidecia. Livrou-se dos braços que a envolviam.

— O tipo de moça que eu sou não é da sua conta, Jason Meade! Não lhe devo nada, nem mesmo uma explicação.

— Eu salvei a sua vida. Por todas as leis não escritas, você me pertence. Com ou sem casamento!

Chocada demais, abaixou a cabeça, sentindo um peso enorme.

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— Amanda. . . — Antes que pudesse impedir, ele abraçou-a novamente e beijou-lhe o rosto molhado de lágrimas. — Acalme-se. — Falava com amabilidade, sua boca muito próxima da dela. — Esqueça tudo o que dissemos hoje. Você é muito importante para mim. Posso esperar um pouco mais. Eu lhe dou o tempo que quiser para se decidir.

Depois de algum tempo, levou-a para casa. Amanda não sabia por que tinha dito um não definitivo. Ele sabia como cativar e fazer uma mulher se render aos seus caprichos. Jason era muito habilidoso na arte de seduzir. Amanda gostaria de ter ficado mais tempo ali, nos braços dele, mas Jason afastou-se dela como se um relógio tivesse soado as horas e ele se desse conta de que precisava ir.

Quando a deixou em casa, Amanda ainda recusava a idéia de casar-se com ele. O sorriso irônico que estava em seu rosto quando foi embora não a fez mudar de idéia.

Na manhã seguinte acordou agitada e com enxaqueca, o que não era de surpreender. Estava tão pálida, quando desceu, que Eva mandou que voltasse para a cama, depois de tomar uma aspirina com chá quente. Ela obedeceu e acabou dormindo novamente, mas depois se arrependeu de ter feito isso.

Esquecera-se de que tinha prometido levar seu pai até Exeter. Mais tarde, Eva disse-lhe que iria chamá-la, mas Richard disse que não seria preciso, pois ele mesmo poderia ir dirigindo.

Se houve alguma falha, foi Amanda e Eva não terem notado o quanto Richard mudara depois de sua viagem ao Nepal. Só depois de uma hora, quando a polícia telefonou, foi que o pesadelo começou.

O policial não queria dar muitos esclarecimentos pelo telefone. Apenas disse que Richard não tinha parado num semáforo, e um caminhão que atravessava o cruzamento naquele momento batera em seu carro. Ele estava ferido e fora levado ao hospital. Eva devia ir para lá o mais rápido possível.

Amanda sentia-se horrorizada, desesperada, mas, passado o primeiro susto, sentiu que poderia se controlar. Tinha que conter o próprio pavor para ajudar Eva, que estava nervosa demais.

— Eu não devia tê-lo deixado ir sozinho! — repetiu ela, pálida e cheia de remorso.

Amanda fazia tudo para consolá-la. Tinha que se mostrar forte, apesar de seu coração estar cheio de medo.

— Vou chamar um táxi! — disse, no exato momento em que Jason entrou na sala.— Amanda! Eu disse que viria buscá-la. Você não ouviu quando cheguei?— Não. Desculpe, Jason! — foi tudo o que conseguiu dizer. Olhava para ele mas

não via nada. Estava preocupada com o táxi, pois o único que existia nas redondezas era aquele em que chegara, aquela noite, a Combe Farm. Com certeza, o motorista a reconheceria. Entretanto, na atual circunstância, ela não podia se preocupar com isso, pois tinham que chegar rápido ao hospital.

Com firmeza, foi até o telefone. Ia discar, quando Jason pegou suas mãos.— Meu bem, o que foi que aconteceu? Parece que você viu um fantasma.Desculpou-se novamente e contou a Jason sobre Richard. Amanda percebeu

como se sentia protegida, ao lado dele.— Amanda, tudo o que você tinha a fazer era me chamar — dizia Jason, enquanto

apertava as mãos dela.— Nem me lembrei de você. Quero dizer, não me lembrei de nada, depois que a

polícia ligou. Além do mais, você poderia estar ocupado.— A égua chegou. Vim buscá-la para que você a visse. Lembra-se de que

combinamos isso ontem à noite?Enquanto Jason falava, pegou o casaco dela, que estava sobre a mesa, e ajudou-

a a vestir. Depois apanhou o cachecol e passou-o em volta de seu pescoço. Nem por um minuto ele mencionou Richard;

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— Decididamente, o dia está muito frio. Talvez ainda neve, hoje. Eu sei onde vocês guardam as bebidas. Vou preparar algo enquanto você traz Eva para cá. Poderemos sair num minuto.

Jason tomou conta de tudo, a partir daquele momento, sempre usando de firmeza e simpatia. Amanda reconheceu que, sem Jason, não seria capaz de suportar a dor e o medo.

O carro ia devorando com rapidez os quilômetros até Exeter.Richard estava muito ferido. Sua cabeça e o braço direito estavam enfaixados.

Eva olhava perplexa para ele, como se não pudesse acreditar que era o mesmo homem para quem ela preparara ovos e bacon poucas horas antes. Amanda esqueceu-se de sua própria dor, ao ver a expressão de Eva. Ela realmente amava Richard e estava totalmente chocada com o que acontecera. Tentando confortá-la, Amanda abraçou-a, unindo-se a ela na dor.

A enfermeira, que não tirava os olhos de Jason, disse que o médico queria vê-los imediatamente. Amanda olhou de forma apreensiva para o pai inconsciente e seguiu os outros.

O médico foi muito atencioso. Explicou que Richard sofrerá muitos ferimentos, pois o acidente fora violento, mas ainda havia chances de ele se recuperar:

— Seu marido teve muita sorte, em sair vivo do acidente. Os ferimentos não são tão graves. É o seu estado geral que me preocupa. Ele tem andado doente ultimamente?

— Doente não, mas estranho. Richard não é o mesmo, anda sempre cansado. Eu diria que ele está desanimado — explicou Eva, olhando para Amanda, que confirmou.

— Meu pai é biólogo e estava numa expedição no Nepal. O senhor já deve ter ouvido falar nele.

O médico ergueu as sobrancelhas:— Professor Trent? Já li muitos dos seus artigos. Talvez o fato de ter estado no

Nepal explique os sintomas. Ele é um desconhecido para si mesmo, está com stress. A senhora não vai poder deixá-lo só, quando ele voltar para casa, sra. Trent.

Eva recusou-se a sair de perto de Richard até ele voltar a si. Amanda ficou com ela. Apesar de o médico ter dado esperanças, também estava preocupada com o estado de saúde do pai.

Depois de certificar-se de que elas tinham tudo o que precisavam, Jason saiu e foi resolver todos os detalhes da ocorrência policial.

A culpa do acidente fora de Richard, por ter sido descuidado. Assim, teria que pagar todas as despesas do conserto do caminhão, dos ferimentos do motorista e de seu próprio carro, que nunca mais seria o mesmo. Jason pagou todas as despesas.

Quando voltou para o hospital, explicou a Eva que tudo estava resolvido, mas omitiu o fato de ter pagado os prejuízos. Eva agradeceu-lhe. Sentia-se aliviada por não ter que se preocupar mais com isso.

Só à tarde Richard, recuperou os sentidos, por alguns minutos. Nesse curto período, ele reconheceu Eva e parecia reconfortado por saber que ela estava ali.

Elas ficaram no hospital, enquanto Jason foi até Combe Farm pegar o cachorro e levá-lo para Merington. Ele reservou dois apartamentos confortáveis num hotel de primeira classe, que ficava próximo ao hospital.

Parecia ser caro, mas Amanda estava tão chocada e apreensiva que nem se preocupou com isso, até saber que o hotel era de fason, um dos três que ele possuía em Devonshire. Ela não sabia o que dizer, quando soube que Jason se recusara a aceitar qualquer pagamento pelo uso dos apartamentos. E quando Eva aceitou e agradeceu, ela ficou quieta.

Mais tarde, Amanda tentou repreender Eva por ter aceitado a ajuda de Jason.— Nós não queremos dever nada a ele, Eva. Ainda não estamos tão mal a ponto

de precisar pedir favores.— Talvez necessitemos mais do que isso, se Richard não se recuperar

completamente. Também — prosseguiu Eva, com um sorriso irônico —, é evidente que

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ele lhe dedica muita atenção. Não sou cega, minha querida. De qualquer forma, não quero fazer nada que possa ofendê-lo.

Amanda engoliu em seco. Olhou com indignação para Eva.— Você está tirando conclusões erradas. O acidente. . .— Ora, Amanda, o acidente de Richard só tornou mais óbvio o que já se podia

ver. Jason sempre se preocupa com pessoas que estão com problemas, mas, no seu caso, há algo mais do que simples preocupação. Contudo, eu acho bom ficar do lado dele. Ainda tenho esperanças de que Jason compre o rio.

— Isso significa muito para você, não é? — perguntou Amanda, sentindo um aperto no coração. Eva confirmou.

Os dias foram passando e Richard recuperava-se muito lentamente. Seu estado de saúde ainda era delicado e precisaria de muito cuidado e atenção nos próximos meses. O médico declarou ser impossível saber se ele poderia voltar a trabalhar.

Mas essa não era a única preocupação de Amanda. Elas tinham enviado um telegrama para Verônica, que respondeu que viria quando fosse possível. Não podia vir imediatamente, pois estava ocupada com algo muito importante, que somente ela poderia resolver. Mais uma vez, Verônica inspirava preocupação, em vez de segurança.

Amanda sabia que Verônica estava preocupada com o pai, mas visitá-lo seria apenas a desculpa de que precisava para vir até Combe Farm.

A única coisa que tinha a fazer era esperar para ver o que aconteceria.

CAPÍTULO IX

Para Amanda, os dias pareciam irreais. Sentia que não tinha controle sobre os acontecimentos e pressentia que algo ruim estava por acontecer. Conseguiu acalmar-se somente quando chegou à conclusão de que o pior já acontecera, o acidente do pai. Certamente, o destino não poderia lhe reservar nada pior que isso.

Quando Jason a pediu novamente em casamento, sentiu todas as forças irem por terra, pois durante os últimos dias estava certa de que ele mudara de idéia. Amanda achava que ele se mostrara atencioso e preocupado apenas por compaixão. Ficou confusa, ao ver que se enganara totalmente.

Uma tarde, Jason pediu que Amanda ficasse no hotel, enquanto ele acompanhava Eva até o hospital. Ela pensou em recusar, mas a expressão dele silenciou qualquer palavra de protesto. Ficou no saguão do hotel até que ele voltasse. Sentou-se num dos cantos mais escuros, tentando, sem sucesso, descansar um pouco. Também não conseguiu tocar na bebida que Jason mandara servir.

Quando Jason a pediu novamente em casamento, sentiu todas as dela, esticando as pernas. Permaneceu em silêncio até que o garçom voltasse com a bebida. Parecia não ter pressa e Amanda não se esforçou para saber o que ele tinha em mente.

Pressentia ser melhor ficar quieta e esperar que Jason tomasse a iniciativa de falar:

— Já avisei Eva de que você vai passar o resto do dia em Merington — disse ele com frieza —, mas, primeiro, precisamos conversar.

— Não posso deixar Eva sozinha. Você sabe que ela precisa de mim.— E você, minha querida menina, precisa de descanso. Tem-se olhado no

espelho ultimamente? — Ele ficou olhando para o rosto dela, onde se viam olheiras profundas.

Amanda gostaria de confessar que sua péssima aparência não era causada somente pelo acidente, mas também por muitas outras preocupações. Porém, achou melhor não dizer nada.

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— Irei até Combe Farm amanhã ou depois. Preciso abrir a casa para arejar, senão vai mofar tudo. Quando eu for até a sua casa, pego Sam e vejo os seus cavalos — disse, sem conseguir olhá-lo de frente.

Jason resmungou baixinho.— Não estou falando sobre cavalos, Amanda. Quanto a Combe Farm, a sra. Drew

pode ir até lá e fazer tudo o que for preciso. Você verá Sam hoje à tarde, mas, primeiro, como eu já havia dito, quero conversar com você.

— Sobre o quê? — Sua tensão era aparente.— Para começar, sobre seu pai. Você sabe que, de agora em diante, ele vai ter

que ficar em casa.Amanda sentiu-se mais calma. Mesmo assim, seus dedos apertavam a beirada do

sofá. Talvez ele só quisesse falar sobre Richard.— Você compreende que isso vai limitar as atividades dele? — perguntou Jason,

num tom preocupado.— Ele deveria ter feito isso antes.— É, mas não fez. Sabe, Amanda, seu pai nunca se preocupou com o futuro. Ele

gastou muito tempo e dinheiro em pesquisas, sem nunca ter um emprego. Se tivesse feito carreira numa universidade, agora teria uma pensão com que viver. Acho que seria suficiente para as despesas, neste momento.

— Como soube de tudo isso? Você deve ter perdido muito tempo conseguindo essas informações, não é? — Amanda estava indignada e furiosa, embora não pudesse negar que tudo o que Jason dissera era verdade.

— Mais ou menos. — Ele não parecia nem um pouco preocupado com a raiva dela. — Só para satisfazer a sua curiosidade, minha querida, muitos dos detalhes eu já sabia e, outro dia, conversei com Eva sobre isso.

— Vocês conversaram? — Amanda estava chocada.— Não se preocupe — zombou. — Sua madrasta não traiu nenhum segredo.

Falamos de algumas coisas que a preocupavam. Eva havia conversado com o procurador e eu era o único amigo a quem ela podia confiar seus problemas.

— Continuo não entendendo onde. . . Jason sorriu, com ironia, das palavras dela:— Você não pode continuar a enfiar a cabeça num buraco, como se fosse um

avestruz.— É melhor você se explicar. — Amanda gelava, ao ver aquele olhar zombeteiro.- Nunca pensou que, se Richard vendesse o rio e as terras, não teria mais com o

que se preocupar? Todos os problemas financeiros estariam resolvidos.— E você vai comprar?— Depende. — Ele chegou mais perto dela. Seu olhar era firme.— Eles não dependem de você, não é? — Amanda não sabia se sentia raiva ou

medo do que estava para vir.— Quem mais estaria disposto a pagar mais do que eu estou oferecendo? Vocês

teriam que esperar muito tempo, até que aparecesse um comprador que se interessasse pelas terras sem a casa. E seu pai precisa daquela casa, especialmente agora. Ele morreria, se tivesse que deixá-la.

— Os vizinhos. . .— Nenhum dos seus vizinhos se interessaria, mesmo se pudesse pagar, do que

eu duvido.— E você pode — disse, tensa. — Como é bom ter dinheiro!— Você já disse isso antes, Amanda. Eu a preveni para tomar cuidado.Jason a estava ameaçando. Ela engoliu em seco. Parecia que ia desmaiar. Sua

pulsação falhava, mas continuou:— Você disse que dependia. . .Ele não a manteve em suspense:— Depende de você casar comigo.— Casar com você? — A voz quase falhou. Sentiu que empalidecia, seus olhos se

arregalaram.

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— Não finja que está surpresa. Eu já a pedi em casamento antes — falou, com firmeza e irritação.

— Eu me lembro, sr. Meade.— E então? — Seus olhos brilhavam como aço. Desesperada, Amanda olhou para

um cinzeiro vazio, como se buscasse alguma resposta.— Você faz isso parecer uma proposta de negócios.— Acho que é você que prefere ver as coisas dessa forma.— De que outra forma você espera que eu encare isso? Estou interpretando os

fatos à minha maneira, pois as pessoas não se casam sem mais nem menos.— Eu tenho os meus motivos — considerou. Seus olhos se estreitaram. — Você

me atraiu muito. E eu preciso de uma esposa. Quero me estabelecer e formar uma família. Na minha posição, um homem precisa de um herdeiro.

Amanda sentiu-se corar, enquanto um excitamento perverso tomava conta dela. Ele estava sendo sarcástico, mas suas palavras a tocavam fundo.

Tinha que admitir que Jason era um homem muito atraente. Sentado, perto dela, de terno azul, sua pele morena era realçada pelo colarinho branco. Amanda sentiu seu coração disparar, enquanto ele a observava. Por amá-lo, estava tentada a aceitar qualquer coisa que ele lhe oferecesse.

Tentou ignorar suas últimas palavras, pois Jason tinha deixado bem claro o que esperava dela.

— Se eu concordar, você pagará a meu pai o que ele pedir?— Cada centavo — concordou friamente. — Ele receberá o meu cheque assim

que você começar a usar o anel de noivado.— Caso contrário... ?— Acho que não precisamos pensar nisso, Amanda — disse, sorrindo. — Já

imaginou o escândalo que seria, se eu contasse que você passou uma semana comigo?

O tom ameaçador que usava a deixou gelada e trêmula de raiva. Ele era invencível. Sacrificaria qualquer um para satisfazer seus desejos.

— Você é desprezível! — vociferou.— Estou somente apresentando os fatos. Eu não seria um bom executivo, se não

soubesse ser persuasivo.Amanda mordeu o lábio inferior até sentir dor. Desamparada, desviou o olhar

daqueles olhos frios e verdes. Ela sabia que Jason não faria um escândalo sobre aquela semana, mas temia que contasse a Richard e Eva. Teria que evitar isso a qualquer custo! Sem escolha, disse:

— Você venceu!— Você não se arrependerá. Sei que não está muito feliz agora, mas isso virá

com o tempo. Pelo menos, sinta-se feliz por seu pai.Os olhos dela brilhavam como cristal:— Não devo pensar em mim mesma.— Aceitemos isso por enquanto. Eu pensarei em você — respondeu ele,

observando-lhe atentamente o rosto rebelde. — Estou consciente de que você ainda é um pouco imatura em suas emoções, mas tenho certeza de que não tem medo do casamento e das responsabilidades que terá de assumir.

Amanda teve que ouvir e ficar quieta, pois não tinha argumentos. Sua esperança era que a situação mudasse. No momento, tinha que exercitar sua paciência. Isso não lhe faria mal algum. Melhor agir assim do que deixar Jason perceber o quanto ela estava ferida.

— Sempre pensei em me casar, um dia — admitiu Amanda.— É claro que sim! — Ele falava com mais gentileza, mas ainda se mostrava

indiferente. Parecia observar cada reação dela. O único sinal de felicidade era o brilho de seu olhar, quando se detinha nas feições delicadas de Amanda. — Como a maioria das mulheres, você gosta de fazer tempestade em copo d'água, mas daremos um jeito nisso.

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Jason tirou do bolso uma pequena caixa e abriu-a. Parecia que os nervos de Amanda não iriam agüentar, quando viu o anel, um lindo e imenso brilhante. Seu anel de noivado.

— É seu! — falou Jason, satisfeito ao ver que ela estava encantada. Ele pegou sua mão direita e colocou o anel no dedo anular.

— Toda mulher deveria ter brilhantes — disse com firmeza, levando a mão dela aos lábios. — Espero que tenha gostado.

O anel brilhava em seu dedo. Devia valer muito mais do que ela sonhara ter algum dia. Emocionada, olhou do anel para Jason.

— É muito bonito.— Muito bonito! — Jason levantou as sobrancelhas num gesto impaciente,

enquanto acariciava a mão onde o brilhante reluzia. — Você não parece muito entusiasmada.

— Aqui não é o lugar. — Não sabia se devia dizer o que estava pensando. Como iria explicar a Jason que gostaria que ele tivesse esperado até chegarem a Merington? Ficar noiva num saguão de hotel não era muito romântico, mas, se dissesse isso, Jason diria que o deles não era um noivado como os demais e que o afeto que devia existir entre noivos não fazia parte daquele acordo.

Amanda levantou-se rapidamente.— Se você não se importar, gostaria de ir, agora.Jason levantou-se também. Colocou o braço em volta dos ombros dela. Sorria,

como se soubesse exatamente o que ela estava pensando. Sua expressão era de quem está atento a tudo.

— Passaremos no hospital antes de irmos para Merington. Lembre-se, minha querida, devemos demonstrar que estamos felizes e que nos amamos muito. Eu não gostaria que seu pai tivesse uma impressão errada.

Amanda notou que seu pai e a madrasta ficaram radiantes com a notícia do noivado. Eva abraçou-os muito. Richard não fez o menor esforço para esconder seu alívio e desejou-lhes felicidades.

Quando saíram de lá, Amanda pensou com tristeza em quanto a estima de seu pai por ela aumentara, especialmente quando Jason prometera entregar a ele, na manhã seguinte, um cheque referente à compra do rio.

Em Merington, ela acompanhou Jason até os estábulos. Ainda se sentia num mundo de fantasia, bem longe da realidade. Nem mesmo o pesado anel em sua mão direita contribuía para tornar os fatos mais reais.

Jason mostrou-lhe sua nova égua, um animal de muita graça e beleza. Amanda andou pelos estábulos, sentindo um prazer incrível ao rever tudo aquilo, depois de tanto tempo.

Os Drew cumprimentaram os noivos. Tom não falou muito, mas a sra. Drew ficou contente e desejou que ambos fossem bastante felizes.

No caminho para Merington, Amanda estava preocupada com os Drew e, nem mesmo quando Jason a tranqüilizou, ela conseguiu se acalmar.

— Eu lhes disse tudo o que eles precisam saber, Amanda. Não se preocupe. Como já lhe contei, os Drew desfrutam uma ótima situação, na minha fazenda. Não se arriscariam por pouca coisa.

Apesar de todas as preocupações, o dia transcorreu normalmente. Jason abriu uma garrafa de champanhe e insistiu para que todos bebessem.

Tom Drew começou a rir descontraidamente, após a segunda taça, e a sra. Drew, sempre muito amável, perguntou a Amanda sobre a saúde do pai e desejou-lhe melhoras. Conversou muito, riu e em nenhum momento comentou o fato de Amanda ter-se feito passar por Miranda Smith.

Amanda sentia-se ao mesmo tempo segura e intranqüila, se é que essas duas emoções podem estar juntas. Jason, entretanto, não estava nem um pouco preocupado.

Após o delicioso jantar que a sra. Drew preparou, ele disse:

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— Daqui a duas semanas, nós estaremos casados. Até lá, seu pai já estará em casa e eu providenciarei tudo o que Eva precisar.

Amanda olhou assustada para ele. Jason parecia calmo e enigmático. Duas semanas! Seu coração disparou. Ela não estava preparada para casar-se com essa rapidez. Por que tanta pressa? Ele não a amava! Se realmente a amasse, até entenderia. Mas o amor, ali, era só da parte dela.

— Preciso de mais tempo, Jason.Ele suspirou, como se pedisse aos céus para ter paciência.— Poucos dias atrás, você estava disposta a encontrar um emprego!— Não é a mesma coisa.— Mas você começaria a trabalhar imediatamente, não é? — Sua voz era firme.— Não, acho que não. Não poderia começar imediatamente, da mesma forma

como não posso me casar assim.— Amanda, você não está pensando que casar comigo é arrumar um emprego,

não é? Além do mais — provocou ele —, quem manda aqui sou eu.Um arrepio a percorreu. Era medo e mais alguma emoção desconhecida. Não

tinha ilusões quanto ao seu casamento com Jason. Ele jamais aceitaria a emancipação feminina. Muito menos em sua própria casa. Ali, ele seria o chefe e esperava que ela aceitasse o fato. Ela sabia que Jason a recompensaria por manter-se dócil, mas negaria o que Amanda mais desejava: seu amor. E ela sabia que, sem isso, sua vida seria inútil.

Jason concluiu que o silêncio de Amanda era sinal de aceitação. Observou-a por um momento.

Ele parecia gentil, mas também desejoso de jogar todo o peso de sua personalidade dominante sobre a figura frágil de sua noiva.

— Venha aqui, Amanda — disse com suavidade. Quando ela sentou-se perto dele, na poltrona de couro, colocou o braço em volta dela, puxando-a gentilmente para perto de si. — Pare de se preocupar, menina. Deixe tudo por minha conta. Você já percebeu que não nos beijamos, desde que ficamos noivos?

Seus olhos se encontraram. Amanda encarou-o:— Você não espera que eu adivinhe todas as suas vontades, não é? Não sei o

que você espera de mim.O riso dele tornou-se uma gargalhada irônica, enquanto observava o rosto

ruborizado de Amanda.— Eu pensei que você nunca fosse tocar nesse ponto.Jason puxou-a mais para si e a beijou na boca, com muita suavidade. Não foi

como das outras vezes. Parecia que seus lábios e seus braços tinham a ternura e a paixão que faltavam antes. Amanda surpreendeu-se e um pequeno desapontamento invadiu-a, mas achou esse contato muito gratificante. Seus lábios respondiam ao apelo dos dele e apoiou seu corpo macio no de Jason, suas mãos acariciando-lhe as costas. Submetia-se docemente à forte masculinidade dele. Jason ergueu a cabeça e ela repousou a sua no ombro dele. Parecia um sonho! A felicidade estava estampada em seu rosto meigo.

Juntos, ficaram por muito tempo contemplando o fogo. Não falaram, e Amanda sentia um entorpecimento invadir todo seu ser. Parecia perigoso, mas também irresistível. As mãos dele eram tão sedutoras quanto seus lábios. . .

Amanda ouvia o som que os beijos de Jason faziam em seu rosto e suas doces palavras quase a fizeram adormecer.

Quase... Jason, como se pressentisse o perigo de se entregarem naquele momento, afastou-a gentilmente e levantou-se.

— Vou levá-la para casa, minha querida — disse, como se fosse um carinho.Passados quatro dias, Amanda achou que, se desse tempo ao tempo, tudo daria

certo. Não era uma certeza, mas um pressentimento. Algo instintivo, como saber que era primavera, antes de o calendário afirmar, ou como saber que as flores desabrochariam, porque as árvores começavam a brotar. Era uma paz de espírito tão grande que a fazia sentir-se jovem e amada. Jason a tratava muito bem. Não a

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convidou novamente para ir até Merington, embora ela soubesse que morariam lá. Ele lhe dissera que, depois de casados, ela poderia redecorar a casa como bem entendesse. Sabia das vantagens de ser noiva de um homem milionário, mas a idéia ainda a assustava.

Jason desmanchava-se em atenções para com Amanda e a animava de toda forma possível. Mas continuou inflexível quanto à data do casamento, embora Amanda tentasse fazê-lo mudar de idéia.

— Você não precisa fazer enxoval agora. Depois que estiver casada, eu lhe comprarei tudo o que você quiser. Na nossa lua-de-mel, vamos a Paris, em primeiro lugar.

Ele estava pronto para cobri-la de todo luxo, pensava Amanda melancólica, quando tudo o que queria era simplesmente uma palavra de amor. Ela enfeitaria sua casa e seria recompensada à altura. Exceto a atração sexual, não existia nenhum outro sentimento em comum entre eles. Amanda entristecia-se com isso. Era como estar perto do paraíso e não poder chegar lá. Mas tinha esperanças. Talvez, se tivesse paciência, ele a amaria, algum dia.

No momento, a única coisa a fazer era concordar com tudo o que ele quisesse. Só o fato de morar com Jason já era melhor que não ter nenhum contato com ele.

Richard saiu do hospital antes do que eles esperavam e, acompanhado, poderia passear pelos arredores da casa. Era ótimo vê-lo em casa e recuperando-se tão bem.

Os dias que antecederam o casamento estavam sendo felizes e calmos, até que, numa noite de tempestade, em dezembro, Verônica chegou.

Ventava tanto que eles nem ouviram o táxi parar à porta. Ninguém sabia quando exatamente Verônica chegaria. Assim, todos se espantaram, quando ela entrou. Eva e Richard estavam sentados perto da lareira. Amanda estava na cozinha, fazendo café. Tinha ido para Exeter com Jason, à tarde. Passearam um pouco. Ele a levou para visitar a catedral, com suas famosas torres normandas, e à Mol's Coffee House, taverna onde os capitães dos navios da rainha Elizabeth costumavam se reunir. Visitaram também o rio Exe. Como Jason tinha uma reunião com os gerentes de seus hotéis à noite e não queria se atrasar, voltaram logo. Amanda perguntou-lhe por que sempre arrumava compromissos para as noites.

— Você não gostaria da resposta — disse, rindo, e deu-lhe um beijo de despedida.

Enquanto coava o café, Amanda pensava no modo diferente de Jason a beijar, nos últimos dias. Era como se tivesse uma ânsia incontrolável. Ele não a via durante as noites e a mantinha afastada quando saíam juntos. Será que estava arrependido de tê-la pedido em casamento? Quando entrava na sala com a bandeja de café, pensava em quanto Jason estava sendo gentil e em como ela se sentia feliz. Disse a si mesma que devia parar de pensar bobagens. Só então viu a irmã.

Justamente agora aparecia Verônica, para ameaçar a tranqüilidade de Amanda. Estava muito bem vestida e com um lindo chapéu de pele:

— Mas que cheiro bom de café. . . — disse, olhando para as xícaras. — Estou faminta. Acabei de dizer a Eva que não comi quase nada o dia todo.

Parecia que Verônica tinha partido na véspera. Agia como se tudo estivesse bem entre ambas.

— Você não tem nada a dizer, queridinha?— Oh! É claro que sim, desculpe-me! — exclamou Amanda. — Você me assustou.

Pensei estar vendo um fantasma.— Ou desejando que eu fosse um?— Ora, claro que não. Não seja boba. Estávamos esperando por você. — Amanda

tremeu. Não conseguia definir a frieza da voz de Verônica.Antes que pudesse falar, Eva chegou perto delas, como que para salvá-la:— Você está tão surpresa quanto eu, ao ver Verônica, meu bem? — perguntou,

dirigindo-se a Amanda num tom protetor e deixando bem claro que estava preparada para intervir se fosse preciso.

Amanda balançou afirmativamente a cabeça. Forçando um sorriso, perguntou:

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— Como você chegou aqui, a esta hora da noite?— Tomei um táxi, docinho de coco — respondeu com ironia. — O motorista foi

muito atencioso e disse que não tinha estado em Combe Farm desde a última tempestade de neve, quando trouxe alguém aqui.

Amanda corou violentamente e Verônica percebeu.— Você deve estar mais tranqüila, ao ver que papai está bem, não é? — disse,

tentando disfarçar seu nervosismo.— Richard sempre teve muita sorte. Eu sabia que iria encontrá-lo bem.Amanda sentia vontade de gritar: "E por que veio?", mas engoliu as palavras a

tempo e disse, com toda a naturalidade e segurança que conseguiu juntar:— Papai vai ficar feliz por você ter vindo.Eva disse que Richard ficaria feliz ao ver qualquer membro da sua família.— Como vai Herman? Ele não veio com você? — perguntou Eva.— Veio, sim. — Verônica franziu a testa. — Ele vai ficar em Londres por uma ou

duas semanas, trabalhando para a embaixada. Foi por isso que eu não vim antes. Não podia deixá-lo sozinho.

Amanda disse para si mesma: "Um nobre sentimento, pena que não é verdade." Verônica estava esquisita, distante.

Eva sorriu, tentando quebrar a tensão da ambiente;— Acho que você ainda não sabe que Amanda ficou noiva. Não telegrafamos

porque achamos que você logo estaria aqui.— Noiva? Mas faz tão pouco tempo que ela está aqui. Verônica falava como se a irmã não estivesse na sala. Amanda ficou tensa, ao

lembrar que sua irmã e Jason já tinham sido namorados. Verônica era tão egoísta que, mesmo tendo recusado Jason, não admitiria que alguém assumisse um compromisso com ele.

— Amanda está aqui há tempo suficiente — disse Eva com firmeza. — Ela está noiva de Jason Meade. Tenho certeza de que você vai ficar tão feliz quanto eu e Richard.

— Jason Meade? Meu Deus do céu, você deve estar brincando! — Ela arregalou os olhos, como se estivesse morrendo de raiva. — Mas como? Ela não o conhece!

— Sua irmã está bem atrás de você, usando o anel que Jason lhe deu. Por que não dá uma olhada?

Lentamente, sentindo-se um cãozinho na coleira, Amanda levantou a mão. A voz triunfante de Eva chocava-se com o ódio de Verônica.

O anel de Jason, em sua mão, tinha um brilho desafiador. Verônica quase engasgou com a própria respiração.

Depois do primeiro momento de descrédito, não olhou mais para o anel, mas para o rosto pálido de Amanda. Estava totalmente descontrolada, quando gritou:

— Jason é muito velho para você!— Ele só está por volta dos trinta — respondeu Eva.— Ele tem mais. . .— Você está exagerando — respondeu Eva, num tom de voz que dizia que

Verônica estava indo longe demais. Ela era muito controlada, mas não hesitaria em defender Amanda, que, num esforço supremo, conseguiu dizer:

— Nós não namoramos muito tempo, mas essas coisas acontecem.— Eu gostaria de saber como — disse Verônica, enigmática e com cuidado. —

Acho que você sabe o que está fazendo. Quando vai ser o casamento?— Antes do Natal.Eva tentou abrandar a situação:— Que bom que você e Herman estarão aqui. . .Amanda sabia que Eva estava tentando protegê-la, mas também sabia que era

hora de ela própria se defender. Parecia que tinha adquirido forças, desde sua última briga com Verônica.

Levantou o queixo e disse com toda dignidade:

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— Vai ser ótimo você e seu marido estarem presentes. Eu e Jason nos casaremos no fim da semana que vem. Tenho certeza de que vocês ficarão para a cerimônia.

Amanda percebeu que sua nova atitude não produzira o efeito desejado. Verônica ainda estava irritada, mas parecia planejar algo. Tinha um sorriso nos lábios trêmulos, quando saiu da sala, murmurando que ia conversar com Richard. Eva olhou para Amanda e seguiu Verônica.

Enquanto preparava um lanche para a irmã, Amanda pensava que o ambiente ali estaria muito tenso, até o casamento. Eva ficaria de prontidão, pois Verônica tinha uma língua tão cruel quanto dócil. Quando alguém começava a detestá-la, ela inteligentemente virava a mesa e se tornava gentil.

Sentia-se aliviada por se ter livrado do domínio da irmã. Acontecesse o que acontecesse, Amanda jurou que jamais voltaria a morar com Verônica.

O importante era chegar até o casamento sem que houvesse confusão. Infelizmente, Verônica tinha uma expressão de vingança no rosto. Isso deixava Amanda aflita, principalmente quando pensava que Jason significara muito para ela.

Será que seria muito egoísmo desejar que Verônica, como a tempestade, nunca tivesse aparecido? Ou melhor, que, como o mau tempo. Verônica simplesmente fosse embora?

CAPÍTULO X

No dia seguinte Amanda acordou tarde. Sentia-se extremamente infeliz. Pressentia algo diferente no ar, um vago presságio de que nem tudo estava bem e que o melhor a fazer era dormir mais um pouco.

Na noite anterior, quando já estava na cama. Verônica entrou em seu quarto para conversar. Falou da vida em Washington e disse que não se importava com tudo aquilo, embora tivesse muitas comodidades. Contou que Herman viajava muito e que, se Amanda estivesse lá, não sentiria tanta solidão. Continuou conversando e contando como era sua vida. Amanda ouviu tudo, fingindo interesse. Continuava desconfiada da atitude da irmã, que não falou sobre Jason ou sobre o noivado. Perguntou por que Amanda desaparecera de Londres, depois de deixar o apartamento.

— Tentei encontrar você — explicou, com gentileza exagerada —, mas você tinha desaparecido da face da Terra. Eu a procurei por toda parte. Liguei até para Merington, mas você também não estava.

— Fiquei num hotel. — Amanda sentiu, pela segunda vez naquela noite, o rosto em brasa. Verônica percebeu isso, mas não fez nenhum comentário. Simplesmente olhou-a, com desconfiança.

— Verdade, querida? Você deveria ter-me dito. Foi uma briguinha tão boba, não é mesmo? — Parecia que ela estava disposta a esquecer o incidente, se Amanda concordasse.

Apesar de sentir-se mais aliviada, Amanda deu graças a Deus quando a irmã disse boa-noite e saiu do quarto. Sentia o corpo tenso. Sabia que alguma coisa aconteceria e que pouco poderia fazer para se defender.

Acordou com uma sensação melancólica, sentou-se na cama e olhou para o relógio. Assustada, viu que já passava das nove. Tinha perdido a hora. Os acontecimentos tumultuados dos últimos dias e a chegada de Verônica a tinham deixado exausta. Vestiu-se rapidamente e desceu. Deveria estar de pé há muito tempo para ajudar Eva.

Poucos minutos depois estava na cozinha preparando uma xícara de chá. Eva entrou e sorriu, quando viu Amanda:

— Richard quis levantar cedo, hoje. Acho que ele acordou quando Verônica saiu com o carro.

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— Verônica? — Chocada, Amanda olhou para Eva, enquanto colocava a xícara na mesa. — Você quer dizer. . .

— Oh, não! Ela não foi embora! Sua irmã foi até Ashburton comprar cigarros. Ela disse que se esqueceu de trazer os dela e, como ninguém aqui fuma, foi até a cidade.

— Ah. . . — Amanda arrumava a mesa, esperando que seu chá esfriasse um pouco. Talvez Verônica tivesse mesmo saído só para comprar cigarros. Não devia ficar tão assustada. De qualquer forma, era estranho que ela saísse tão cedo assim; afinal, ela não fumava muito, durante a manhã.

Parecia que Eva estava lendo o pensamento de Amanda:— O ar do campo fará bem à sua irmã. Ela sempre saía, quando vinha para cá, e

a desculpa que inventou hoje foi sair para comprar cigarros.Mesmo assim, Amanda não se acalmou, nem quando Verônica ligou, dizendo que

encontrara um velho amigo e que não viria almoçar em casa. Assim que ela desligou, o telefone tocou novamente. Era Jason, com voz rude, dizendo que queria vê-la imediatamente.

Amanda ficou olhando assustada para o telefone. Percebera que havia algo errado com Jason.

Pressionou com impaciência os dedos na testa. Talvez não fosse nada de grave. Provavelmente, a reunião da noite anterior não saíra conforme o planejado. Mas, antes que pudesse perguntar, ele desligou. Amanda ficou segurando o telefone, sentindo que seus dedos queimavam.

Embora Jason tivesse dito que Tom estava saindo para ir buscá-la, ele só chegou à uma hora da tarde, quando Amanda já estava certa de que não viria mais.

Ela não se preocupou em trocar de roupa. Ficou com a calça azul e colocou um agasalho sobre a blusa fina que usava. Imaginou que Jason deveria estar ocupado com os cavalos e a deixaria ajudá-lo.

Tom desculpou-se por ter-se atrasado. Disse que naquela manhã nada tinha saído conforme planejara, seu serviço estava atrasado e, para piorar, o sr. Jason estava de mau humor.

— Me perdoe o comentário, senhorita — disse ele.Amanda olhou desconfiada para ele, mas não respondeu. Não era nada

encorajador saber sobre o estado de espírito de Jason. Devia ser algum problema com os cavalos ou com os hotéis, e não com ela. Tom lhe disse que levaria a sra. Drew até a cidade para fazer algumas compras de Natal, assim que a deixasse na fazenda.

— O sr. Jason disse que era melhor irmos hoje, porque, quando ele estiver em lua-de-mel, não poderei deixar a fazenda.

A sra. Drew estava na porta, esperando por eles. Quando Amanda desceu do carro, ela explicou que o sr. Jason estava na biblioteca.

— Ele me pediu que avisasse a senhorita de que ficaria lá — disse, animada.Amanda ficou olhando o carro se afastar. 'Arqueou as sobrancelhas, o coração

disparado. Será que Jason não se preocupava mais com ela, ou seria só impressão? Ora, ele não poderia ficar o tempo todo atrás dela, tinha compromissos. E o relacionamento deles não era mesmo como os demais. Jason nunca fingira que a amava.

Era perda de tempo ficar ali parada, pensando em bobagens. Afastou os cabelos dos olhos e correu para dentro da casa. Foi até a biblioteca. Jason estava de costas para o fogo e encarou-a. Segurava um copo de bebida e algo em sua expressão fez com que Amanda estremecesse.

— Entre, Amanda — convidou-a, polidamente. Sua voz era tão dura que lhe causou uma sensação de dor.

Empalideceu. Estava nervosa demais.— Jason. . . — disse com voz trêmula, enquanto dava mais um passo.

Antes que se aproximasse mais, ele a interrompeu, com os olhos cravados no rosto tenso dela.

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— Verônica veio até aqui hoje de manhã — disse rudemente. — Ela me esclareceu uma porção de coisas. Acho que é hora de termos uma conversa franca, Amanda.

— Verônica. . . — Sua voz era apenas um sussurro. — Mas ela chegou ontem à noite. . .

— Eu sei. Sente-se, Amanda. — Ele estava fazendo o possível para se controlar e não dar vazão a seus impulsos selvagens. — Vou lhe preparar uma bebida. Acho que você vai precisar!

Sem forças, Amanda afundou na primeira cadeira que encontrou. Não conseguia olhar para ele. Jason não precisava dizer mais nada. Ela já sabia o que Verônica tinha ido fazer ali. Tremia inteira. Estava claro que sua irmã, numa crise de ciúme, falara sobre o incidente no banheiro. Provavelmente planejara isso no momento em que soubera do noivado da irmã. Os cigarros foram a desculpa para sair tão cedo da fazenda.

Naquele momento, Amanda arrependeu-se tremendamente de não ter contado tudo a Jason. Não tinha certeza de que ele entenderia e não queria ser a causa de uma discussão entre dois homens. Pensou que, se ambos seriam concunhados, quanto menos falasse sobre o incidente, melhor seria.

Estava certa de que Verônica também esqueceria tudo. Mas nada disso acontecera. Ou será que ela não tinha contado antes por medo de Jason julgá-la mal e não lhe dar mais atenção? Estava confusa demais. Não conseguia raciocinar com clareza.

Tremendamente infeliz, ficou olhando as costas largas dele. Lembrou-se de que Jason nem se preocupara em beijá-la e agora estava enchendo seu copo com uísque. Pela expressão dura, Amanda viu que ele tivera tempo para pensar e repensar os fatos e que já tinha chegado a uma conclusão, que não parecia ser favorável a ela.

Estava escurecendo rápido. A chuva batia na janela. A sala estava escura e aquecida. O fogo ardia na lareira. Jason serviu-lhe bebida, sem perguntar, como sempre fizera, o que ela preferia, ou mesmo se queria beber algo. Suas atitudes indicavam que ele estava disposto a tratá-la sem a menor consideração.

Pela primeira vez desde que chegara, Amanda sentiu raiva. Qualquer que fosse a opinião dele a seu respeito, ela tinha a consciência limpa! Jason não tinha o direito de julgá-la sem ouvir o outro lado da história. Levantou o queixo, com os olhos brilhando de indignação.

— Continue o que você estava dizendo — disse, ríspida.Jason bebeu metade de seu uísque em um gole só, antes de chegar mais perto e

colocar o copo numa mesinha. Seu rosto tinha um aspecto sinistro.— O que eu tenho para lhe dizer, Amanda, não vai ser muito agradável de se

ouvir.Ela esperava, sem respirar.— Verônica contou — sua voz endureceu ainda mais — que você teve uma

aventura amorosa com Herman e que a pegou em flagrante. Disse que foi por isso que você fugiu e veio se esconder aqui.

— E você acreditou nela? Ele ignorou a pergunta.— Parece que ela sabe exatamente onde você ficou escondida até que seu pai

chegasse. Garanto que você sentiu muito orgulho ao contar, não é mesmo? Mais uma conquista para sua coleção.

— Eu não disse nada para Verônica! — Furiosa, Amanda se levantou. O sangue fervia nas veias. — O que você pensa que eu sou?

— Estou começando a ter uma idéia! Ela surpreendeu você e Herman no banheiro. — Sua voz era fria. — Que opinião você espera que eu tenha a seu respeito?

— Isso depende da confiança que você deposita em mim. Mas parece que você prefere acreditar no pior. — Seus olhos azuis estavam escuros de emoção.

— Ora, deixe disso, Amanda. — Jason riu com ironia. — Toda essa inocência já está fora de moda. Nós vivemos numa sociedade liberal. Já se aceitam mulheres com

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experiência sexual antes do casamento. O erro foi meu, ao achar que você era diferente. Não precisaríamos ter perdido tanto tempo.

Pela frieza de sua voz, Amanda sentiu que ele queria machucá-la. Mas ela já estava ferida mortalmente, só de saber que Jason não confiava mais nela e a condenava. Com esforço, tentou se controlar. Uma mulher tem que ter amor-próprio.

— E como Verônica resolveu inventar uma história, você concluiu que eu não presto.

— A culpa não é sua. Eu a coloquei num pedestal — disse grosseiramente.— Quer dizer, então, que foi bom enquanto durou! Na verdade — sua voz falhou

—, eu nunca confiei em você,— O que você está querendo insinuar? — Jason estava furioso, mas se controlava. Aquela calma era perigosa, só que

Amanda não percebeu isso. Ergueu a voz:— Você fez Verônica se apaixonar, para poder ter o rio de graça. Ela te amava.

Acho que foi num impulso que se casou com Herman, depois de você ter dado o fora nela. E você, para sair-se limpo, disse que foi ela que o deixou.

Seus olhos eram tão frios que Amanda sentiu medo.— Isso não é da sua conta. Não adianta tentar me ofender. Isso não vai diminuir

a sua culpa, não vai mudar nada. Enquanto esteve aqui, você fingiu ser o que não é.— O que você quer dizer? — Seu corpo estava quente e trêmulo, e sua voz,

abafada.— Oh! Eu fui o bobo, minha querida. Protegi a sua reputação do mundo mau lá

fora. Pensei que, se a tratasse bem, você acabaria gostando de mim. Imaginava que era a inocência em pessoa, quando, na verdade, sobrou muito pouco de virtude em você.

Sem conseguir se controlar, Amanda deu-lhe uma bofetada. Horrorizada, olhou a marca vermelha naquele rosto que parecia ser de pedra, mas não se arrependeu. Sentia, no fundo da alma, uma vontade de feri-lo ainda mais.

Foi então que Jason a agarrou, machucando-a com sua força viril e moldando seu corpo ao dele. Desesperada, tentou se libertar, mas ele a apertou mais.

Amanda sabia que Jason seria violento, quando descontrolado como agora. Sabia que ele queria se vingar.

Num segundo, seus lábios tomaram os dela, fazendo-a perder a noção da realidade. Ele a beijava possessivamente, numa entrega sensual e sem restrições, buscando nela a satisfação plena. Ela correspondeu. Sentia uma necessidade incontrolável de satisfazer sua paixão.

Jason a pegou no colo, saiu da sala e subiu a larga escadaria, em direção ao seu quarto. Amanda nunca estivera lá.

Ele a jogou na cama e Amanda sentiu o peso do corpo de Jason. Não tinha idéia de como estava adorável, com os cabelos soltos e espalhados pelo travesseiro, os lábios trêmulos, a pele rosada e sedosa. Ouvia a respiração forte de Jason.

Lábios nos lábios novamente, suas mãos acariciavam as costas quentes dela. Amanda sentia que flutuava num mundo onde o tempo não existia mais.

De repente, como uma ducha de água fria, ele levantou o rosto, afastou os braços dela de seu pescoço e deixou-a deitada nos lençóis brancos. Parou na porta, de costas para ela, como se não quisesse mais vê-la:

— Assim que quiser, você pode ir. Pode levar o anel ou deixá-lo aqui. Não fará diferença para mim. Não há mais motivos para prolongarmos esse noivado.

Muito tempo depois, Amanda ainda estava deitada. Não conseguia se mexer. Sentia-se fraca, entorpecida e esgotada. Os lábios e o corpo doíam. Aos poucos, foi compreendendo o quanto Jason significava para ela.

Não conseguia imaginar o que seria viver sem ele. Estava pronta a se entregar, se Jason exigisse isso. Sua submissão aos carinhos dele era evidente, pela forma como o havia beijado e abraçado.

— Por quê? Por quê? — ela se perguntava, afundando o rosto no travesseiro. Por que ele a deixara tão repentinamente? Se a tinha em tão baixo conceito, por que não

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terminara o que começara tão cruelmente? Por que não exigira que ela se entregasse a ele?

Do travesseiro vinha o cheiro da colônia que ele usava. Num impulso, ela encostou ali o rosto molhado de lágrimas, beijando-o e abraçando-o, imaginando que fosse Jason.

Depois, tão rapidamente quanto ele, Amanda saiu da cama, vestiu o agasalho e calçou os sapatos. Chorando, deixou o quarto e desceu as escadas, caminhando até a porta da frente.

Pânico e vergonha fizeram Amanda sair dali, caso contrário acabaria procurando Jason para implorar humildemente que lhe desse outra chance. Não, nunca se rebaixaria tanto. Não importava todo o sofrimento que teria que enfrentar.

Não havia ninguém na casa. Agora ela sabia por que Jason pedira para os Drew saírem um pouco. Bem, fora melhor assim. Ele tinha pensado em tudo. Premeditara suas ações para que não houvesse testemunhas da sua vingança.

O que doía mais não era a raiva ou o fato de ter sido abandonada, e sim, ele ter acreditado em tudo o que Verônica dissera.

Merington não era tão perto de Combe Farm, mas Amanda já percorrera a pé aquele caminho e não hesitaria em fazê-lo novamente. Não tinha escolha. Não havia outro meio de ir para casa. Enfrentaria qualquer tempestade para não ter que pedir a Jason para levá-la. Não teria coragem de olhar novamente para ele.

As rajadas de vento cortavam seu rosto e a chuva a encharcava, mas ela não sentia nada. Se corresse, alcançaria o trem que saía à noite para Londres. Se comunicaria com os Randall no dia seguinte. Poucos dias atrás, recebera uma carta deles, dizendo que a receberiam de braços abertos a qualquer momento. Era só avisá-los e eles providenciariam tudo.

Era um meio de fugir, e ela o usaria. Em poucos dias estaria fora do país e longe de Jason para sempre.

Amanda ficou aliviada, quando chegou e viu que Verônica ainda não tinha voltado. Como ela estava com o carro, Amanda chamou um táxi. O motorista prometeu que estaria lá dentro de meia hora.

Ela correu para o quarto. Eva foi atrás.— Onde você andou, meu anjo? Onde está Jason?— Em Merington! Olhe, Eva, eu sei que vai ser um choque para vocês, mas nós

desmanchamos o noivado. Eu queria que você devolvesse este anel para ele — disse com voz trêmula, arrancando a jóia do dedo. — Ele me pediu para deixar lá, mas eu esqueci.

Horrorizada, Eva olhava do anel para o rosto pálido de Amanda.— Eu me recuso a acreditar! — murmurou. Amanda não ligou:— Eu vou para Londres. — Falava enquanto jogava as roupas dentro da mala. —

É provável que eu volte a morar com os Randall; por isso, não se preocupe. Vou sentir muita falta de vocês. Tenho certeza de que papai vai ficar bom. Jason já comprou o rio e eu sei que ele não prejudicará vocês.

— Amanda! — gritou Eva, assustada com a avalancha de palavras que Amanda despejara. — Eu não estou preocupada com o rio. Seu pai e eu sabemos nos arranjar. Por favor, me diga, o que aconteceu? Você chegou molhada, branca como um lençol, e espera que eu não pergunte nada? Tenho o direito de saber o que aconteceu.

Amanda estava terminando de vestir roupas secas:— Não há muito que contar. Nós achamos que não daria certo.Eva gelou. Em busca de um fio de esperança, arriscou:— Não foi só uma briguinha de namorados?— Não! — Amanda falou com tanta convicção que Eva se assustou. Estava quase

chorando.Amanda abraçou-a:— Eva querida, eu sinto muito. Sinto por você, pelos preparativos, mas, por favor,

deixe as coisas como estão. Não foi culpa de ninguém.

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Algo na expressão exausta de Amanda impediu que Eva dissesse mais alguma coisa. Só conseguia perguntar:

— Onde você vai ficar, em Londres? Planejou algo? Não acha que é melhor esperar um pouco, em vez de fugir assim?

Amanda balançou a cabeça:— Acho que vou ficar com Rebecca, pelo menos esta noite. Por favor, Eva,

prometa que não vai contar a ninguém.Já no táxi, ela se lembrou de que nenhuma das duas falara a respeito de

Verônica. Amanda se perguntava se, além do ciúme, sua irmã teria outro motivo para agir daquele modo. Procurara Jason inventando uma história, anulando qualquer chance de felicidade que Amanda pudesse ter. A maior parte do que contara a Jason fora pura invenção, e Verônica sabia disso. Devia ter uma razão para tal, algo que Amanda não sabia, algo em que Jason estava envolvido. . .

Ela se lembrava da raiva dele, sua recusa em conversar sobre o assunto. Apesar de tanta infelicidade, Amanda ficou contente por não ter contado nada a Eva e Richard. Verônica voltaria para a fazenda e os consolaria.

Eram quase oito horas da noite quando chegou a Paddington. Amanda desceu do trem, sem muita consciência das coisas ao seu redor.

Deixar Combe Farm fora mais doloroso do que imaginara e não conseguia tirar isso da cabeça. Precisava se convencer de que fora preciso partir, Jason não a queria mais. Pensava que ela o tinha enganado e se vingara.

Na verdade, ela estava fugindo na hora certa. Seria uma desgraça casar-se com um homem que acreditaria na palavra de qualquer um menos na da esposa.

Amanda prometeu a si mesma que o esqueceria! Seria intolerável viver carregando essa dor, essa solidão e a certeza de que não amaria mais. Nessa tarde, Jason destruíra todas as suas esperanças.

Cansada e com fortes dores de cabeça, saiu da estação de Londres.Já tinha sofrido o suficiente, naquele dia. Exausta tanto física quanto

mentalmente, não tinha condições de sair e procurar um hotel. O melhor mesmo seria ir para a casa de Rebecca.

Entrou num táxi. Isso já estava virando rotina. Era uma extravagância, considerando-se o pouco dinheiro que tinha. Mas, cansada e com frio, ela não tinha condições de usar outro meio de transporte.

Rebecca abriu a porta e não pareceu surpresa ao vê-la ali.— Acho que você precisa de uma cama para dormir esta noite, não é? —

comentou, enquanto puxava Amanda para dentro e trancava a porta.— Não precisa ser uma cama. Um acolchoado serve. Se você não se importar,

posso dormir aqui no sofá. — Só de pensar em cama, sua pulsação se acelerava desconfortavelmente.

— Como quiser. Você pode dormir aqui na sala ou no quarto, com uma amiga minha. Ela foi dormir cedo porque não estava se sentindo bem.

— Prefiro o sofá — respondeu Amanda. — Sinto muito pela sua amiga.— A culpa é dela — murmurou Rebecca. — Saiu sem o chapéu. Fora esse breve comentário, não falaram mais da amiga. Rebecca aumentou o

fogo na lareira, ajudou Amanda a tirar o casaco e foi fazer um chá.Amanda esperou, sentada numa cadeira. Estava quase dormindo quando

Rebecca voltou com uma bandeja, duas xícaras e um prato de biscoitos.— Você veio fazer compras para o casamento?— Casamento? — Amanda arregalou os olhos, assustada. Lógico, Eva tinha

mandado um convite. Por isso Rebecca estava sendo tão gentil.— É, o seu casamento. Infelizmente, não poderei ir. A viagem é muito longa para

mim. Mas hoje à tarde coloquei no correio uma carta para a sua madrasta, agradecendo o convite e desejando-lhes felicidades.

Sem encontrar palavras para explicar que não haveria mais casamento, Amanda limitava-se a olhar o fogo. Antes que pudesse falar alguma coisa, Rebecca continuou:

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— Seu noivo é um homem rico, não é? Você fez muito bem em escolher um marido inglês. Veja só a boba da sua irmã; casou-se com um americano e lá está ela sozinha, num país estranho!

Pela primeira vez na vida, Amanda não perdia ao ser comparada com Verônica. Mas isso não tinha importância, pois a situação se inverteria assim que explicasse que não estava mais noiva. Resolveu que só falaria nisso na manhã seguinte; não estava disposta a ouvir as recriminações de Rebecca.

Para seu alívio, a velha senhora levantou-se, desculpando-se por estar indo para a cama e aconselhando Amanda a fazer o mesmo.

— Não tente me acordar, querida. Tomei um comprimido e vou dormir como uma pedra.

Mais tarde, Amanda ouviu baterem na porta da frente. Cansada e com sono, olhou para o relógio: quase meia-noite. Devia ser alguém que se perdera e estava pedindo informações. Apreensiva, levantou-se do sofá. Nem se preocupara em colocar uma camisola. Ficara apenas sentada, olhando o fogo e vendo nas chamas a seqüência dos acontecimentos das últimas semanas. Não queria se lembrar, mas as imagens apareciam alternadas: felicidade e desilusão.

A batida na porta a assustara, mas, felizmente, a tinha arrancado daquele estado de torpor. Bateram novamente. Rebecca dormia pesado mesmo, pois aquela batida acordaria até um defunto! Foi até o corredor, acendeu a luz e perguntou quem era.

— Amanda, pelo amor de Deus, abra esta porta, antes que eu a arrombe ou morra congelado aqui fora!

Jason! Uma força maior que a vontade dela fez com que abrisse a porta. Os dedos, trêmulos, mal conseguiam virar a chave.

— Jason. . . — foi tudo o que conseguiu dizer.Sem esperar ser convidado, ele entrou. Parecia nervoso e irritado.— Você está sozinha? — perguntou rudemente. — Podemos conversar? —

Quando ela concordou, sem conseguir falar ainda, ele fechou a porta atrás de si.Agarrando-a pelo braço sem a menor gentileza, levou-a até a sala iluminada

somente pela claridade do fogo.— Rebecca foi dormir — disse ela, quase sem voz.Jason lhe segurou o rosto pálido entre as mãos, forçando-a a encarar seus olhos

penetrantes. Amanda sentia um tremor percorrê-la inteira. Os olhos grandes e azuis tinham uma sombra de sofrimento.

— Que bom tê-la encontrado... — murmurou ele, abraçando-a.Mais tarde, Amanda começou a voltar à realidade. Só tinha consciência da voz de

Jason dizendo que a amava, que não podia viver sem ela. Puxava-a para mais perto dele, beijava-lhe o rosto, os olhos, o pescoço e finalmente os lábios, tão apaixonadamente como ela sempre desejara. Era uma avalancha de sensações e sonhos se tomando realidade. Sentir a presença dele ali, poder abraçá-lo era uma emoção tão forte que, se não se agarrasse a ele, cairia.

— Jason. . . — implorou, com a boca junto à dele. — Por favor, o que você está fazendo aqui?

— Pensei que já tivesse dito. — Seus lábios deixavam uma trilha ardente no rosto dela.

— Não falou, não — murmurou, sem muita coerência. Era impossível raciocinar com os braços dele apertando-a, enquanto explorava com a boca a veia latejante em seu pescoço.

Jason não queria mais parar de beijá-la e demorou para levantar a cabeça.— Senti um desejo louco de fazer amor com você — disse ele. — As últimas horas

foram um inferno para mim! Você vai ter que me perdoar, Amanda. Não lhe dou outra escolha.

— O que você está dizendo? Você disse que não queria me ver nunca mais.— Amanda! — Rugas se formaram nos lados da boca bem-feita de Jason. Ele a

segurou pela cintura. — Depois que você partiu, pensei que ficaria louco. Você não imagina o quanto eu te quero. Levei mais de duas horas para recuperar o juízo e

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entender exatamente o quanto te amo. Quando fui até Combe Farm, você já tinha ido embora. Eva só me disse que você tinha vindo para Londres. Consegui o endereço de Rebecca com seu pai, mas ele não sabia com certeza se você estaria aqui. Quando cheguei à estação, seu trem já tinha saído há horas e eu fiquei parado lá, esperando o próximo.

— Mas. . .— Me escute apenas — disse, tocando-a de leve nos lábios com um dedo. — Eu

estava na estação, louco de raiva, quando vi Herman descer de um trem que chegava. Não pude me perdoar por ter acreditado em Verônica e por ter-me recusado a acreditar em você. No fundo, eu sabia que você estava dizendo a verdade. Naquele momento, a única coisa que importava era encontrá-la. Mais nada. Aí, apareceu Herman. Quase lhe dei um soco!

Amanda o olhava assustada.— Cheguei a dar um passo em sua direção, mas mudei de idéia. Não ia abordá-

lo, mas ele me reconheceu antes que eu pudesse me esconder. Herman estava embriagado e eu achei melhor fazer alguma coisa, senão seus pais teriam um choque, quando ele chegasse a Combe Farm naquele estado.

— E o que aconteceu depois?— Quase nada. Na verdade, ele não estava tão mal quanto eu pensei. Tomamos

um café e logo ele ficou bom, mas começou a conversar e não consegui fazê-lo parar. Disse que estava indo passar o fim de semana com Verônica e a família, antes de voltarem para os Estados Unidos. Foi aí que ele começou a falar do ciúme de Verônica. Disse que sabia que você estava na fazenda e tinha bebido para ganhar um pouco de coragem. Foi então que me contou tudo. Ele não tinha a menor idéia de que eu a conhecia. Confessou que surpreendeu você de roupão, mas que foi uma brincadeira que não deu certo, pois você ia agredi-lo com um castiçal quando Verônica apareceu. Ele não tinha feito nenhum mal, mas sua irmã se recusou a ouvi-lo. Você precisava ver a cara de Herman, quando eu disse que ele estava falando da minha noiva!

— Jason, você amava Verônica?— Não, nunca. Ela ia sempre a Merington. Eu gostava da sua companhia, até que

ela se tornou possessiva demais, sem ter motivo para isso.— Eva achou que vocês brigaram por causa do rio.— Não, o rio não tinha nada com isso. Na verdade, eu não queria comprá-lo

porque estava pensando em vender o hotel. Quero concentrar os meus negócios no exterior e cuidar dos meus cavalos. Se você me ajudar, é claro. E é melhor dizer que sim.

— Querido — murmurou Amanda —, mas você comprou o rio, não é?— Claro que sim, mocinha. — Sua mão tomou possessivamente o queixo dela. —

Parecia que os fatos não estavam a meu favor. Tinha medo de perdê-la. Achei que, comprando o rio, a teria para sempre.

— Quando eu só queria você. — Seu rosto tomou cor e ela aconchegou-se mais ao peito largo e acolhedor. — Eu amo você, Jason. Sempre te amei e você nunca percebeu isso.

— Amanda! — Colocando a mão no pescoço dela, levantou-lhe o rosto até suas bocas se encontrarem. Houve um longo silêncio, quando ele sensualmente lhe separou os lábios e beijou-a com ternura, abafando qualquer palavra. Quando Jason levantou a cabeça, Amanda estava quase sem fôlego. Os olhos dele brilhavam de satisfação, ao ver aquele rosto suave como uma flor. — Tentei me controlar, minha querida. Achei que, se a tratasse bem, você acabaria gostando de mim. Você me deixou desesperado de desejo, naquela primeira noite que passou em Merington, molhada de neve e chuva. Você estava inconsciente, e eu sabia que nunca tinha visto nada tão adorável e desejável. Confesso que, no início, era só desejo. Quando você fugiu, pensei em matá-la, meu amor. Mas o que eu queria mesmo era tê-la como minha esposa. Nunca pedi ninguém em casamento, Amanda. Nem mesmo você. Não da maneira certa, com amor no coração, sem chantagem nem truques.

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— Jason! — Ela sorria. Sabia que ele estava sendo sincero. Não havia mais barreiras entre ela e o paraíso. E Jason iria com ela. — Querido, eu serei tua pelo resto da minha vida.

— E além dela. — Ele a admirava toda. Trouxe-a para mais perto dele. — Ninguém mais vai incomodar você, eu juro. Você só não escapará de mim. Nem tente!

— E quem disse que eu quero tentar? — protestou, antes que um beijo bloqueasse toda a realidade, deixando somente os braços dele e uma sensação doce e selvagem no coração de Amanda.

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