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MARIA E ABRAÃO EM LUCAS A narrativa da criação diz que “Deus plantou um jardim no Éden, no oriente, e aí colocou o homem que modelara” (Gn. 2, 8). Focalizando o conjunto da narração, intriga por demais o ato especialmente praticado pelo próprio Deus de “plantar” Ele mesmo o Jardim, tendo criado o Homem com esse “múnus”: “Quando Iahweh Deus fez a terra e o céu, não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos havia crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e NÃO HAVIA HOMEM PARA CULTIVAR O SOLO. Então IAHWEH DEUS modelou o homem..." (Gn 2,4 - 7) Significa isso que o “plantio” do “Jardim de Deus” (Ez 28,13; 31,9), por ter sido feito pelo próprio Criador, não tem a mesma qualidade material da Criação, mas tem uma dimensão espiritual, qual seja uma elevação do estado material do homem a um estado especial. Tanto é assim que, figurativamente, “Iahweh Deus passeava no jardim, à brisa do dia” (Gn 3,8), indicando uma profunda familiaridade, intimidade e comunhão de vidas que nesse lugar se estabelecera entre Adão e Eva, e Deus. O mais dramático efeito da denominada Queda Original, conseqüente à expulsão, foi, então, o retorno do Homem ao seu “múnus” anterior de “cultivar o solo de onde tinha sido tirado” (Gn 3,23; 2,4 - 7), confirmando a perda do estado a que havia sido elevada a criatura predileta de Deus. Esclarece mais ainda o narrador que “Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu” (Gn. 3,21), significando a irreversibilidade dos desígnios de Deus para o homem e a mulher, e para toda a criação: “Deus não é homem para que minta, nem filho de Adão, para que se retrate. Por acaso ele diz e não o faz, fala e não realiza?” (Nm 23,19)

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MARIA  E  ABRAÃO  EM  LUCAS

A narrativa da criação diz que “Deus plantou um jardim no Éden, no oriente, e aí colocou o

homem que modelara” (Gn. 2, 8). Focalizando o conjunto da narração, intriga por demais o ato

especialmente praticado pelo próprio Deus de “plantar” Ele mesmo o Jardim, tendo criado o

Homem com esse “múnus”: “Quando Iahweh Deus fez a terra e o céu, não havia ainda nenhum

arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos havia crescido, porque Iahweh

Deus não tinha feito chover sobre a terra e NÃO HAVIA HOMEM PARA CULTIVAR O SOLO.

Então IAHWEH DEUS modelou o homem..." (Gn 2,4 - 7)

Significa isso que o “plantio” do “Jardim de Deus” (Ez 28,13; 31,9), por ter sido feito pelo próprio

Criador, não tem a mesma qualidade material da Criação, mas tem uma dimensão espiritual,

qual seja uma elevação do estado material do homem a um estado especial. Tanto é assim

que, figurativamente, “Iahweh Deus passeava no jardim, à brisa do dia” (Gn 3,8), indicando

uma profunda familiaridade, intimidade e comunhão de vidas que nesse lugar se estabelecera

entre Adão e Eva, e Deus.

O mais dramático efeito da denominada Queda Original, conseqüente à expulsão, foi, então, o

retorno do Homem ao seu “múnus” anterior de “cultivar o solo de onde tinha sido tirado” (Gn

3,23; 2,4 - 7), confirmando a perda do estado a que havia sido elevada a criatura predileta de

Deus. Esclarece mais ainda o narrador que “Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher

túnicas de pele, e os vestiu” (Gn. 3,21), significando a irreversibilidade dos desígnios de Deus

para o homem e a mulher, e para toda a criação:

“Deus não é homem para que minta, nem filho de Adão, para que se retrate. Por acaso ele diz

e não o faz, fala e não realiza?” (Nm 23,19)

Assim sendo, dada a irreversibilidade dos desígnios de Deus para toda a criação, as

conseqüências da queda original atingem-na, mas se concentram no homem: “Penso, com

efeito, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá

revelar-se em nós. Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De

fato, a criação foi submetida à vaidade - não por seu querer, mas por vontade daquele que a

submeteu - na esperança de ela ser também liberta da escravidão da corrupção para entrar na

liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as

dores do parto até o presente. E não somente ela. Mas também nós, que temos as primícias do

Espírito, gememos interiormente, suspirando pela redenção do nosso corpo." (Rm 8,18 - 23)

Para ele é que tudo piorou, a partir de sua própria natureza, agora corrompida pelas

conseqüências do pecado, e da terra, agora amaldiçoada e demandando um maior esforço

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para, a duras penas, produzir-lhe frutos para a subsistência (Gn. 3,17 - 19). Porém, aquele

desígnio de Deus de elevar o homem ao “estado de comunhão” com Ele persiste,

manifestando-se de várias maneiras no desenrolar de toda a história humana. Exprime-se com

mais firmeza principalmente pela Aliança que contraiu com Abraão, Isaac e Jacó (Israel),

tornando-se, por meio de Moisés, o Povo de Deus, e conduzindo-os “a uma terra onde mana o

leite e o mel” (Ex 3,8). A conquista da Terra Prometida e o estabelecimento nela das doze

tribos refletem ainda o ingresso do homem no paraíso, que em definitivo será propiciada por

Jesus Cristo, tal como Ele mesmo diz, no alto da cruz: “... hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc

23,43)

Assim, alguns dos eventos narrados no Antigo Testamento, pertinentes à história da salvação,

são “anúncios e figuras” (Rm 15,4; 4,23s; 1Cor 10,6.11 etc.) do que sucederá “definitivamente”

com a Encarnação do Verbo, a concretização da Aliança, tal como confirmam os Evangelhos.

Lucas diz, no início do dele, que se inteirou dos fatos que narra com os que “desde o princípio

foram testemunhas oculares e ministros da palavra” e “após acurada investigação de tudo

desde o princípio” (Lc 1,1-3).

Afirma duas vezes que “Maria conservava a lembrança de todos estes fatos em seu coração”

(Lc 2,19 e 51). Daí se conclui que tudo aquilo que estava no “coração de Maria”, fatos que

somente Ela conhecia, foi-lhe por Ela mesma relatado ou confirmado. Entre esses fatos está,

evidentemente, o narrado da Anunciação do anjo (Lc. 1,26 - 38).

Facilmente se percebe a semelhança e harmonia deste com outros episódios da Bíblia, a partir

da Aliança com Abraão, em que se repetem vários elementos, e cuja repetição faz entrever

uma identificação de “anúncios e figuras”, que vinculam o acontecimento de então àqueles,

assim como ao que se pode denominar de anunciação de Isaac (Gn. 15,1 - 20; 17,19).

OS “NÃO TEMAS”

Constata-se inicialmente a presença sistemática da expressão “Não temas”, expressão que

surge sempre que um eleito se vê face a face com uma missão a que Deus o convoca (Gn

15,1; 26,24; 46,3; 50,19; Mt 1,20; 10,26.28.31; Lc 1,13.30), bem como quando da oposição que

as mais das vezes surge do desencontro da fé com as coisas do mundo. Aconteceu isso com

Abraão, ao recusar os despojos a que tinha direito (cfr. Gn. 15,1). Ora, desde a sua conversão

teve que enfrentar inúmeras dificuldades, tendo que se afastar de seu clã, garantia de sua

segurança e sobrevivência naquele tempo.

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Numa época em que se acreditava em vários deuses, cada clã ou tribo se formava em torno de

um deles. Quando Abraão deixa de adorar o deus do clã (Jos 24,2) e passa a adorar Iahweh ou

El Shaddai (Ex 6,3), não poderia mais nele permanecer.

São coisas da cultura do tempo em que se deram tais fatos. Hoje em dia, e para qualquer

pessoa, não é um problema insuperável se afastar da família, do convívio dos conterrâneos ou

da terra natal, e até mesmo da religião.

Pode-se viver praticamente em segurança em qualquer lugar do mundo. Mas, nos dias de

Abraão, era-lhe por demais comprometedora a sobrevivência. Basta se lembrar que foi esse o

castigo imposto por Deus a Caim (Gn. 4,11 - 14), e, o mesmo Abraão, sentiu-se obrigado a

pedir que sua mulher Sara dissesse ser sua irmã, por causa do perigo de ser morto para dela

se apropriarem (Gn 12,10 - 13; 20,1 - 7).

Da mesma forma, não reteve os despojos advindos da sua vitória, libertando Lot e os Reis

reduzidos à escravidão (Gn 14,21 - 24). Se bem que, além da prudência, havia também a sua

consagração a Deus (Gn, 14,22 - 23; 2 Rs 5,16) e, não pertencendo a um clã que lhe servisse

de suporte, adorando um deus desconhecido e impotente face aos olhos do mundo de então,

temeu. O próprio Deus vem então em seu socorro, ocasião em que Abraão exala a sua

ansiedade mais íntima: faltava-lhe um filho, um herdeiro:

 “Depois desses acontecimentos, a palavra de Iahweh foi dirigida a Abrão, numa visão: "Não

temas, Anbraão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande.’ Abrão respondeu:

‘Meu Senhor Iahweh, que me darás? Continuo sem filho, e Damasco Eliezer será o herdeiro de

minha’ Abrão disse: ‘Eis que não me deste descendência e um dos servos de minha casa será

meu herdeiro". Então foi-lhe dirigida esta palavra de Iahweh: "Não será esse o teu herdeiro,

mas alguém saído de teu sangue". Ele o conduziu para fora e disse: ‘Ergue os olhos para o céu

e conta as estrelas, se as puderes contar’, e acrescentou: "Assim será a tua posteridade".

Abrão creu em Iahweh, e lhe foi tido em conta de justiça” (Gn 15,1 - 6)

Quando o narrador situa essa manifestação de Iahweh “depois desses acontecimentos...” a

está situando após todos os fatos narrados desde a conversão de Abraão, que modificara e

dificultara por demais a sua vida.

Não tendo filho, teria que se contentar com um herdeiro que não era de sua

descendência, como lhe exigia a cultura do tempo. De tudo isso e da entrega

incondicional, adveio-lhe o temor seguido do consolo, que o próprio Deus lhe traz com

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o “Não temas”. Essa expressão aparece também tanto na Anunciação de João Batista (a

Zacarias) como na Anunciação de Jesus Cristo (a Maria), conforme a tabela abaixo:

Gn 15, 1 Lc 1, 13 Lc 1, 30

“Não temas, Abrão! Eu sou o

teu escudo, tua recompensa

será muito grande”  

“Não temas, Zacarias, porque

a tua súplica foi ouvida...” 

“Não temas, Maria!

Encontraste Graça junto de

Deus...”  

É o próprio Lucas quem registra que as duas últimas foram o “cumprimento” da primeira, qual

seja em João Batista e em Jesus Cristo a Promessa feita a Abrão e sua descendência se

concretiza para sempre, por exemplo, dentre outros versículos:

Lc 1, 54-55 Lc 1, 72-73

“Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia, - conforme prometera a nossos pais, - em favor de Abraão e de sua descendência para sempre!” 

“(...) para fazer misericórdia com nossos pais, lembrado de sua Aliança Sagrada, do jura-mento que fez ao nosso pai Abraão...” 

Também com Zacarias e Maria há a explícita referência ao nascimento de um filho advindo

diretamente de Deus, para uma missão específica a:

Abraão Zacarias Maria

"Continuo sem filho, eis que não me deste descendência... Então foi-lhe dirigida esta palavra de Iahweh: ‘Não será esse o teu herdeiro, mas alguém saído de teu sangue (...) (Gn 15,1-20). 

"... tua súplica foi ouvida,  "Encontraste Graça diante de Deus. 

Não, mas tua mulher Sara te dará um filho: tu o chamarás Isaac; estabelecerei minha ALIANÇA com ele, como ALIANÇA PERPÉTUA, 

e Isabel, tua mulher, vai te dar um filho, ao qual porás o nome de João. Terás alegria e regozijo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento. Pois ele 

Eis que conceberás e darás à luz um Filho, e o chamarás com o nome de Jesus.  

["... engrandecerei o teu nome..." (12,2)]

será grande diante do Senhor; não beberá vinho, nem bebida inebriante; ficará ple-no do Espírito Santo ainda no seio de sua mãe, e converterá muitos dos filhos de Israel ao 

Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, 

para ser o seu Deus e o de sua enhor, seu Deus. Ele caminhará e o Senhor Deus lhe dará

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descendência depois dele” (Gn 17,19).

a sua frente com, (...) para preparar ao Senhor um 

o trono de Davi, seu pai;  

Abraão, enquanto “Abrão”, preocupou-se com um herdeiro para os seus bens materiais, seja

em virtude da Promessa seja para atender ao que exigia a vocação que Deus lhe dirigira, na

qual se fazia referência a se tornar “um grande povo... e uma bênção” (Gn. 12,2 - 3) e que

“daria aquela terra à sua posteridade” (Gn 12,7 e 15,7.18). Os motivos referentes à história da

salvação ou à redenção propriamente dita despontavam em Abrão apenas em “figura”. Não era

essa a situação de Zacarias, muito menos a de Maria, eis que não buscavam especificamente

um herdeiro, muito menos pelos mesmos motivos, principalmente culturais, de Abraão. Com

Zacarias e Maria, porém, a Redenção exala majestosamente da narrativa e de todo o contexto

cultural. Tudo era messiânico naqueles dias na Judéia, e dali irradiar-se-ia “para todos os

povos” (Gn 12,3) como "graça", uma fecundidade em plenitude (Jo 10,10), de que a "bênção"

prometida a Abraão é “figura”.

Paralelamente vê-se que, apesar de Zacarias ser um membro da Casa de Aarão, a quem

pertencia o exercício do sacerdócio “por decreto perpétuo” (Ex 29,9) e cujas funções agora

exercia (Lc 1,5-9; 1 Cr. 24,10), “ao ver o Anjo do Senhor perturbou-se, e o temor apoderou-se

dele” (Lc. 1,11), pelo que foi tranqüilizado:

“Não temas, Zacarias, porque a tua súplica foi ouvida, e Isabel,

tua mulher, vai te dar um filho, ao qual porás o nome de João” (Lc 1, 13)

Diferentemente de Abraão, inexistindo motivos circunstanciais para “temer”, é clara a afirmação

do Anjo de que a oração dele fora atendida. Porém, vê-se que, em virtude de não haver

acreditado (Lc 1,20), bem como de estarem, Ele e Isabel, com “avançada idade” (Lc 1,18-20), o

atendimento “à tua súplica” se refere a pedido já resignadamente conformado, feito quando

ainda em pleno vigor físico. Com a aparição do Anjo naquela solenidade que agora dirigia,

claro fica que se atendia ao pedido que habitualmente se fazia nela, pessoalmente e com todo

o Povo de Deus, pelo “cumprimento” das Promessas feitas a Abraão, conforme canta no

“Benedictus” (Lc 1,68-79, destacando-se os vv. 72-73), e pelo advento da era messiânica.

Ambos os pedidos, o de um filho, quando feito por ele e Isabel, e o do cerimonial, estavam

sendo atendidos conjuntamente naquele momento, conforme o conteúdo messiânico da

Anunciação de João Batista, então feita (Lc 1,11-25). Zacarias temeu antes mesmo de

qualquer manifestação do Anjo, e sem nenhum motivo aparente, a não ser que lhe ocorresse

um possível temor reverencial, aquele “ver Deus é morrer” (cf. Jr. 6,22; 13,22; Is 6,5; Ez 2,1; Dn

10,8 etc.), face a gloriosa majestade de Iahweh. E, mesmo se admitindo que Zacarias,

argumentando apenas, e contra os fatos já ditos, estivesse pedindo ainda um filho, inexistia

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uma herança tal como no caso de Abraão, não se tratando da necessidade “material” de um

herdeiro. Também inexistia conflito com o mundo, pois Zacarias já era membro de um povo

estabelecido e um respeitado sacerdote em exercício, escalado dentre outros para as funções

relativas ao “incenso”. Não havia motivo para o “Não temas” de Zacarias, tal como o que

houvera para o de Abraão.

Com Maria, também, inexistia motivo para “temer” e o pano de fundo é o mesmo, um filho, com

uma grande diferença dos demais: sabe-se pelo próprio contexto da narração que não foi

pedido por Ela, nem por Ela reclamado. A narrativa é clara ao dizer que ao ouvir a saudação do

anjo, “ficou intrigada com esta palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação”

(Lc. 1,28 - 29), ao que o anjo lhe diz:

“Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um

filho, e o chamarás com o nome de JESUS. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo,

e o Senhor lhe dará o trono de Davi, seu pai” (Lc 1, 30 - 32)

MARIA  E  ABRAÃO

De imediato, observa-se que o prólogo do evangelho de são Lucas, está repleto e mesclado de

citações do Antigo Testamento, daqueles trechos que se foram “cumprindo” em Jesus Cristo.

São Lucas tece uma urdidura completamente nova com as nuanças proféticas antigas, e

muitas vezes, com termos distintos, evidencia com clareza a realização do que fora anunciado.

É o caso por exemplo do “crescendo” havido entre os termos da Aliança com Abraão (“tua

recompensa será muito grande”) com o “cumprimento dela”, a começar com Zacarias (“a tua

súplica foi ouvida”) e explodindo com Maria (“encontraste graça junto de Deus”). Este

“crescendo” observado vai se repetir em outras partes do contexto das anunciações, quando se

examinam as três concomitantemente:

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A ABRAÃO: A ZACARIAS: A MARIA:“Depois desses acontecimentos, numa visão... “Apareceu-lhe, então, o Anjo

do Senhor, de pé, à direita do Altar do Incenso.Ao vê-lo, Za-carias perturbou-se e o temor apo-derou-se dele. 

 “.No sexto mês, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus (...) a uma virgem desposa-da com um varão chamado José, da Casa de Davi; e o nome da virgem será Maria. Entrando...

a palavra de Iahweh foi dirigida a Abrão, Disse-lhe, porém, o Anjo:

...onde ela estava, disse-lhe: ‘Alegra-te, cheia de Graça, o Senhor está contigo!’ Ela ficou intrigada com esta palavra e pôs-se a pensar qual seria o significa-do da saudação. O Anjo, porém,...  

‘Não temas, Abraão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande.’ Abrão respondeu: ‘Meu Senhor Iahweh, que me darás? Continuo sem filho, eis que não me deste descendência e um dos servos de minha casa será meu herdeiro.’ Então foi-lhe dirigida esta palavra de Iahweh: ‘Não era esse o teu herdeiro, mas alguém saído de teu sangue.” Ele o con-duziu para fora e disse: ‘Ergue os olhos para o céu e conta as estre-las, se puderes’, e acrescentou: ‘Assim será a tua posteridade’ (Gn 15,1-5). 

‘Não temas, Zacarias, porque a tua súplica foi ouvida,...

...acrescentou: ‘Não temas, Ma-ria! Encontraste Graça junto de Deus

“Não, mas tua mulher Sara te dará um filho: tu o chamarás Isaac;..

 ...e Isabel, tua mulher, vai te dar um filho, ao qual porás o nome de João. Terás alegria e regozijo, e... 

Eis que conceberás e darás à luz um filho, e o chamarás com o nome de Jesus.

...estabelecerei minha ALIANÇA com ele, como ALIANÇA PERPÉTUA, ... 

...muitos se alegrarão com o seu nascimento.    

...“engrandecerei teu nome”(12,2).

Pois ele será grande diante do Senhor; não beberá vinho, nem bebida embriagante; ficará pleno do Espírito Santo ainda no seio de sua mãe, e converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, SEU...  

Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo,

...para ser o SEU DEUS e o de sua descendência depois dele” (Gn 17,19)

DEUS. Ele  caminhará à sua frente, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à prudência dos justos,...

 ...e o SENHOR DEUS lhe dará o trono de Davi, seu pai;..

 

“Eu farei de ti um grande  ...para preparar ao Senhor um...      

POVO, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome, sê tu uma bênção! (...) Em ti serão benditas todas as nações” (Gn 12,2-3).  

...POVO bem disposto.’

 

ele reinará na Casa de Jacó para  sempre, e o seu reinado não terá fim.’

Abrão respondeu: ‘Meu Senhor Iahweh, como saberei que hei de possuí-la?’ Iahweh disse a Abrão: (...)

Zacarias perguntou ao Anjo: ‘De que modo saberei disso?’ Pois eu sou velho e minha esposa é de idade avançada.’ Respondeu-lhe o...

Maria, porém, disse ao Anjo: ‘Como vai ser isso, se eu não conheço homem algum?’ O Anjo respondeu: ‘O Espírito Santo virá ...

Naquele dia Iahweh estabeleceu uma ALIANÇA com Abrão nestes termos: ‘À tua posteridade darei esta terra...” (Gn 15,8-20).

...Anjo: ‘Eu sou Gabriel; assisto diante de Deus e fui enviado para anunciar-te esta boa nova.

sobre ti, e o poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra: por isso o Santo que nascer será chamado Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice, e este é o sexto mês para aquela que chamavam  de estéril. 

“Acaso existe algo de tão im-possível para Iahweh? Na mes-ma estação, no próximo ano, voltarei a ti, e Sara terá um filho”  (Gn 18,14). 

Eis que ficarás mudo e sem falar até o dia em que isso acontecer, ...

 

Para Deus, com efeito, nada é impossível.’Disse,então, Maria: ‘Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!

 “Abrão creu em Iahweh, e lhe foi tido em conta de justiça” (Gn 15, 6). “Quando

...porquanto não creste em minhas palavras, que se

“Feliz a que creu, pois (...)será cumprido!”(Lc 1,45 “Isabel”).

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terminou de falar, Deus retirou-se de junto de Abraão” (Gn 17,22). 

cumprirão no tempo oportuno” (Lc 1,11-20). 

“E o Anjo retirou-se” (Lc 1,26-38).

 

Pode-se facilmente constatar a presença sistemática, não casual, de vários elementos racional-

mente presentes nas três Anunciações, dispostas acima em colunas. Tomando-se sempre por

fundamentais tanto a Promessa como a Aliança de Abraão, o “cumprimento” delas é facilmente

discernível nelas, a partir das dimensões da primeira. Por ela Iahweh faria de Abraão: “...um

grande povo, ‘eu te abençoarei’,  ‘engrandecerei’ teu nome; sê tu uma bênção! (...) por ti   serão

benditos todos os clãs da terra” (Gn. 12,1 - 3).

Para a concretização dessa promessa e a partir dela Deus conclui a Aliança com Abrão e

muda-lhe o nome para Abraão. Desenrola-se a partir de então a história da salvação,

prosseguindo por Isaac, Jacó e os doze filhos deste, cujos vários episódios são de certa

maneira introduzidos nas Anunciações, tornando-as harmônicas e idênticas, além de

vinculadas umas às outras indestacavelmente. Por primeiro, é de se mencionar outro “Não

temas”, ao neto de Abraão, Jacó, dando prosseguimento à Promessa a Abraão (“na tua

posteridade”):

“Jacó! Jacó! (...) NÃO TEMAS descer ao Egito, porque lá eu farei de ti uma grande nação (...) e José te fechará os olhos” (Gn 46, 3-4)

No Egito os israelitas, descendentes das doze tribos que se formaram dos filhos de Jacó, 

permaneceram fiéis a Iahweh, não se deixando influenciar pelos seus deuses, tornando-se lá,

por isso, conhecidos como povo (Ex 1,9.20), em virtude de se organizarem separadamente,

adorando outro deus e com uma espécie de conselho de “anciãos” (Ex 3, 16.18), tal como fora

já anunciado:

“Iahweh disse a Abrão: ‘Sabe, com certeza, que teus descendentes serão estrangeiros num país que não será o deles  (...) serão oprimidos (...) e sairão com grandes bens” (Gn 15, 13-14)

Já um povo, libertado, sai do Egito em busca da Terra prometida a Abraão (Gn. 12,7),

conduzido por Moisés e Aarão, “conquistando-a” finalmente, sob Josué, após quarenta anos de

peregrinação. Durante essa peregrinação pelo deserto, o Povo de Deus toma consciência de si

próprio e habilita-se a se conduzir, recebendo o que se denominou Decálogo, uma organização

profundamente religiosa e foi-lhe instituído um sacerdócio, bem como algumas instituições e

solenidades, além de sacrifícios diversos. Instituiu-se a Páscoa como uma comemoração da

saída do Egito. Iahweh Deus promete a Moisés “um profeta como ‘ele’” (Dt. 18,15) para

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substituí-lo, promessa que se vinculou à Aliança e retroagiu até Abraão e alcança no futuro o

Messianismo inaugurado com Davi (cfr. At. 3,23 - 25; 7,37; 2,25 - 36).

Na Terra Prometida, porém, encontraram dificuldades de toda a espécie, vivendo em completa

desorientação, até mesmo religiosa, algumas vezes dominados e outras misturados com os

pagãos até que Samuel, Sacerdote e Profeta (1Sm 3,1-19), o último dos Juizes, consegue

unificá-los e instalar a monarquia com a unção do rei Saul, da tribo de Benjamim. Após a morte

deste, o substitui Davi, da tribo de Judá, ao qual é feita a promessa messiânica (2Sm 7,5-17),

de se assentar para sempre um seu descendente no trono de Judá, na qualidade de Messias,

que significa “ungido”, em grego Cristo, cumprindo-se então a antiga Bênção de Jacó (Gn

49,10). Este “ungido” prometido é Jesus, o Cristo (= “o Ungido”; “o Messias”). Cristo não é um

“sobrenome” de Jesus.

Uma das mais importantes características dos Evangelhos, no que não se diferenciam de toda

a Escritura, é que, ao contrário do que acontece com os outras obras humanas, foram escritos

para quem já conhecia os fatos, até mesmo nos mínimos detalhes. Por isso são para nós como

que resumos, pela sua brevidade e concisão, não se lhes constando todos os detalhes da

História da Salvação, que deveriam ser do conhecimento ou da cultura geral de então,

distanciando-se por demais de tudo aquilo que possamos distinguir de imediato. Isso

aconteceu também nas Anunciações a Zacarias e a Maria, qual seja, somente foram

abordados ângulos básicos e centrais de toda a História da Salvação, que ainda estava sendo

sedimentada, enquanto se realizavam ou se “cumpriam” as várias “figuras e anúncios”.

Começando por Abraão, que “será uma bênção” e “engrandecerei o seu nome”, passando por

Isaac, com quem “estabelecerei minha Aliança, como Aliança Perpétua, para ser o seu Deus e

o de sua descendência depois dele”, vislumbra-se todo o passado até João Batista. Com este

“terás alegria e regozijo, e muitos se alegrarão com o seu nascimento, pois ele será grande

diante do Senhor, ‘não beberá vinho, nem bebida embriagante, ficará pleno do Espírito Santo

ainda no seio de sua mãe, e converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus (...)

caminhará à sua frente, com o espírito e o poder de Elias...”.

Atinge-se então a Jesus, que “será grande, será chamado Filho do Altíssimo”, a quem “o

Senhor Deus dará o trono de Davi, seu Pai e reinará na Casa de Jacó para sempre, e o seu

reinado não terá fim”. A Aliança Perpétua, anunciada em Isaac “para ser o seu Deus e o de sua

descendência”, será objeto da ação de João Batista, que “converterá muitos dos filhos de Israel

ao Senhor, seu Deus”, corporificando-se em Jesus, definitivamente “cumprida”, que “reinará na

Casa de Jacó para sempre (‘Aliança Perpétua’) e o seu reinado não terá fim”. E a “bênção” de

Abraão tornar-se-á “Graça” em Maria. É mais que claro o “crescendo”.

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O trecho é por demais rico e traz em seu bojo registros de episódios imorredoiros de todo o

passado, fatos que agora são mesclados numa verdadeira simbiose bíblica, e não mais

subsistindo um sem o outro, e todos se “cumprindo” em Cristo. Tal é o que se deduz de que

João Batista “não beberá vinho, nem bebida embriagante ... ficará pleno do Espírito

Santo ainda no seio de sua mãe ... com espírito e o poder de Elias, a fim de converter os

corações dos pais aos filho e os rebeldes à prudência dos justos, para preparar ao Senhor um

povo bem disposto”.

Quanta coisa está aí dita e que riqueza de disposição, o que somente o Espírito Santo poderia

revelar, e inspirar a reprodução por Lucas! Quando diz “não beberá vinho, nem bebida

embriagante” (Lc 1,15) relembra o Voto do Nazireato, (um Voto de Consagração a Deus - Nm

6,2 - 3), a que também se submetera ANA, para receber de Deus o seu filho Samuel (1Sm

1,11), bem como a mãe de Sansão (Jz 13,3-5), estéreis que também eram: João Batista é um

consagrado, um Santo. E, quando diz que “ficará pleno do Espírito Santo ainda no seio de sua

mãe”, diz que, além de Sacerdote (da Casa de Aarão), também será um Profeta (cf. Nm

11,17.25; 24,2; 1Sm 10,6.10-12; Is 11,2; 48,16; 61,1 etc.), o “com o espírito e o poder “ do

Profeta Elias, tal como anunciado e esperado (Ml 3,23 - 24 / Eclo 48,10 - 11).

E ao “preparar ao Senhor um povo bem disposto” estará agindo como Samuel, unificando o

Povo de Deus, aquele prometido a Abraão (“farei de ti um grande povo”), atingindo em Cristo o

“cumprimento” definitivo da Aliança Perpétua iniciada com Isaac, bem como o Messianismo de

Davi, já que “o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai, e reinará na Casa de Jacó para

sempre (‘Aliança Perpétua’), e o seu reinado não terá fim (‘Aliança Perpétua’)”. E, num só lance

o Anjo anuncia e menciona a Maria a “Casa de Jacó”, o que lembra a Aliança com Abraão e o

“Trono de Davi”, que, por sua vez, coloca em cena o Messianismo.

Observando-se as três Anunciações, que podem muito bem se denominar de

“Anunciação a Abraão”, ou “Anunciação a Zacarias” ou “Anunciação a Maria”, bem

como, parafraseando, “Aliança com Abraão” e “Aliança com Maria”, verifica-se que

além do “crescendo” existem outros detalhes bem significativos. Para uma melhor

constatação se transcreve:

A Abraão: A Zacarias: A Maria:

  “..., tua mulher Sara te dará

um filho: tu o chamarás

Isaac...” 

“... e Isabel tua mulher, vai te

dar um filho, ao qual porás o

nome de João.” 

“Eis que conceberás e darás

à luz um filho, e o chama-rás

com o nome de Jesus.”

A progressão evidencia elementos  os mais variados, a partir da semelhança da construção da

sentença.

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Com Abraão e Zacarias repete-se que “... tua mulher vai te dar um filho...”   no qual o próprio

Homem  “... poria o nome de ... (Isaac / João)”; mas, se torna um só ato e se formaliza, com

Maria, tanto o “... conceberás e darás à luz um filho...” como o “... o chamarás com o nome de

Jesus”. “Cumpre-se” assim a Promessa feita a Abraão, e ratifica-se então aquele ato da mulher

dar o nome ao filho tal como fez Eva, ao inaugurar a luta contra a Serpente, nomeando a Set

(Gn 4,25), praticando assim um ato privativo do homem. Ratifica-se já a vitória da “mulher e

sua descendência” (Gn 3,15) na luta contra a “serpente”, cumprindo-se a “maldição”.

Há um “crescendo” também na atuação peculiar da mulher que, com Abraão e Zacarias, “dá-

lhes um filho”, apesar de estéreis, por exclusiva atuação de Deus, mantendo-as participantes

na luta ensejada, enquanto com Maria, nEla é o Filho gerado pelo próprio Deus, com o que já

se manifesta a derrota da serpente, anunciada no Protoevangelho.

Com a Anunciação a Maria tudo “explode” definitiva, irreversível e convergentemente para a

realização integral de toda aquela Promessa a Abraão, abrangendo todos os episódios porque

passou até o seu cumprimento atual. Por isso é que se usou a expressão “explode”, pois a tudo

exprime com maior amplitude, já que inclui e realiza, “cumpre”, tanto a Aliança com Abraão, ao

se referir a “Casa de Jacó”, como a Promessa Messiânica feita a Davi (2Sm 7), ao mencionar

“o trono de Davi, seu pai”, ratificando até mesmo a Bênção Profética de Jacó: “O cetro não se

afastará de Judá, nem o bastão de chefe de entre os seus pés, até que o tributo lhe seja trazido

e que lhe obedeçam os povos” (Gn 49,10). A Aliança Eterna (“... minha Aliança com ele, como

‘Aliança Perpétua’...”) comprometida com Isaac se corporifica “eternamente” com Jesus (“...

reinará na Casa de Jacó ‘para sempre’, e o ‘seu reinado não terá fim’”).

Mais ainda se pode concluir pelo que sentiu Zacarias, quando “apareceu-lhe o Anjo do

Senhor, ...” , pois “ao vê-lo, Zacarias perturbou-se e o temor apoderou-se dele” (Lc 1,11 - 12),

antes mesmo que lhe fosse feita qualquer manifestação. Claro está que foi imediatamente

reconhecido por Zacarias, ali no Santo, onde somente o sacerdote do cerimonial permanecia, e

ainda “de pé, à direita do Altar do Incenso”, a posição biblicamente gloriosa e sagrada (cf. Lc

22,69 e par.; At 7,55 - 56).

Essa presença assim não era “à toa”! Surgindo no decurso daquele cerimonial deveria

relacionar-se diretamente com o seu teor e objetivos, cheio de rogos messiânicos e da

Salvação de Israel. O temor de Zacarias se manifesta e é bem diferente do de Abraão, não se

referindo a acontecimentos conflitantes e anteriores de que participara e das suas

conseqüências, nem ao futuro ainda não mencionado, mas, previsivelmente, a algum

compromisso sagrado e solene a que seria envolvido: por isso, temeu! O Anjo tenta confortá-lo,

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acenando-lhe com o nascimento de um filho seu, que será o mensageiro anunciado pelo

profeta Malaquias:

“Eis que vou enviar o meu mensageiro para que prepare um caminho diante de mim. (...) Eis que vos enviarei Elias, o profeta, antes que chegue o Dia de Iahweh, grande e terrível. Ele fará voltar o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais, para que eu não venha ferir o país com anátema” (Ml 3,1.23 - 24)

Assim, João, o seu Filho, estaria vinculado inexoravelmente ao “Dia de Iahweh, Grande e

Terrível” como o “mensageiro do Senhor”, “com o Espírito e o Poder de Elias, a fim de

converter os corações dos pais aos filhos...”. Fora-lhe dado na velhice e de mulher estéril, para

se caracterizar bem a continuidade da Obra de Salvação, de iniciativa exclusiva de Deus,

usando o mesmo método de tornar Ele mesmo férteis as mulheres dela participantes, tal como

as dos Patriarcas, Sara, Rebeca, Lia, Raquel, e outras. Zacarias acaba por duvidar.

Também, tal como fez Abraão, há um pedido de “esclarecimento”. Porém, enquanto Abraão

quis conhecer evidências que anunciassem a sua posse definitiva, preparando-se para o

acontecimento, Zacarias opõe ao fato um sério obstáculo, quis uma “prova”, pois “sou velho e

minha esposa de idade avançada”, demonstrando, então, uma profunda dúvida. Por sua vez, 

Maria avisa que há um obstáculo intransponível, pois “eu não conheço homem” e a geração de

um filho é impossível, e sem duvidar, pois ela é “a feliz que creu” (Lc 1,45).

E, da mesma maneira que para Abraão, o Anjo evidencia e mostra para Maria a onipotência de

Deus, facultando a gravidez de Isabel, pois “para Deus nada é impossível”. Em Maria, o

“crescendo” por que passa a Anunciação de Isaac a Abraão, atinge sua realização plena com a

Encarnação do Verbo, Jesus Cristo, o Filho de Deus “humanado”, como gostam de dizer os

orientais. A Promessa feita a Abraão estava se cumprindo em Maria e Ela o percebe num

relance, tal como canta no Magnificat (Lc 1,54-55). Cumprir-se-ia assim a maldição à serpente

(Gn 3,15), concretizando-se em ato definitivo e irreversível.

Da mesma forma que o narrador situa os fatos que antecederam o “não temas, Abrão” com a

expressão “depois destes acontecimentos” (Gn 15,1), o Evangelista situa o que antecede ao

Anúncio a Maria dizendo “no sexto mês...” (Lc 1,26), vinculando João Batista a Jesus, unindo

inseparável e abruptamente o suceder dos fatos ao Anúncio a Zacarias e à gravidez de Isabel.

O “crescendo” atinge então um ponto culminante: enquanto Abraão, que no futuro “será uma

bênção” (Gn 12,2), “creu em Iahweh e isso lhe foi levado na conta de justiça” (Gn 15,6), o Anjo

Gabriel  já encontra Maria “cheia de Graça” (Lc 1,28). Isto é, Abraão foi justificado por ter crido,

e Maria já estava justificada antes da chegada do Anjo.

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E Isabel, “cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41), a diz “feliz a que creu, pois o que lhe foi dito da

parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,45), ao contrário de Zacarias, que “ficarás mudo e sem

poder falar até o dia em que isso acontecer, porquanto não creste em minhas palavras, que se

cumprirão...” (Lc 1,20). Maior que Abraão, Maria não se torna “cheia de Graça” por ter crido,

mas creu por ser “cheia de Graça”. Maior que João Batista que “ficará cheio de Graça ainda no

seio de sua mãe... “(Lc 1,15), Maria já estava “Cheia de Graça” quando o Anjo lhe aparece. O

Batista não fora concebido sem pecado, diferentemente de Maria que o fora, insinuando-se

aqui a sua Imaculada Conceição, aliando-se à saudação que o Espírito Santo Lhe dirige, pela

boca de Isabel:

“...repleta do Espírito Santo... com um grande grito exclamou: ’Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto de teu ventre! Donde me  vem que a MÃE DO MEU Senhor me visite?” (Lc 1, 41 - 43)

Maria é muito mais que João! Ela é bendita como seu Filho é bendito!  E quem nos diz isso é o

próprio Espírito Santo, pela boca de Isabel, como acima transcrevemos e grifamos. Ela não

temeu “ao ver o Anjo”, como Zacarias, nem “após acontecimentos” dramáticos anteriores, como

Abraão, mas após “ouvir a saudação do Anjo”, qual seja:

“Ela ficou intrigada com esta palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação” (Lc 1,29)

Maria via  sempre os fatos sob a luz significativa da fé (Lc 1,46-55; 2,19.51), e a saudação

trazia à sua memória várias frases semelhantes advindas de algumas profecias messiânicas,

agora traduzindo o “cumprimento” delas:

“ALEGRA-TE (= ‘AVE’), FILHA DE SIÃO, solta gritos de alegria, Israel! ALEGRA-TE e exulta de todo coração, Filha de Jerusalém! Iahweh revogou a tua sentença, eliminou o teu inimigo (...)... NÃO TEMAS, Sião! (...) Iahweh, o teu Deus ESTÁ NO MEIO DE TI,...” (Sf 3,14-17).   

“NÃO TEMAS, TERRA... (...) Filhos de Sião, exultai, ALEGRAI-VOS em Iahweh, vosso Deus” (...) E sabereis que estou no meio de Israel,...” (Jl 2,21-27).“ALEGRAI-VOS muito, FILHA DE SIÃO! Grita de alegria, Filha de Jerusa-lém! Eis que o teu rei vem a ti...” (Zc 9,9-10). 

A saudação do Anjo evocou Profecias Messiânicas, tais como as acima transcritas, familiares a

Maria, dirigidos à Filha de Sião [“não temas”, “alegra-te”, “o Senhor está no meio de ti

(contigo)”, “...o teu rei vem a ti....”], cuja identificação a si mesma, pela interpolação feita com

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palavras delas, fê-la “intrigada... e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação”.

Percebendo-se “eleita” para alguma missão, e, em face da responsabilidade daí advinda,

humildemente temeu. E, na expectativa do que lhe adviria com a “missão”, como toda a pessoa

que é objeto de “eleição”, humildemente não se viu “digna ou capaz”, pelo que o Anjo lhe diz:

“Não temas, Maria! Encontraste Graça diante de Deus”. A Graça é um dom de Deus; e, o Anjo

encontrando-A então “agraciada”, é porque Deus assim a preservou (ninguém se agracia a si

mesmo). É como se lhe dissesse: “(Deus tornou-te ‘capaz’,...)”.  encontraste Graça diante do

Senhor".

Mesmo que possam existir outras variantes, que completem o sentido reticente da narrativa,

não haverá diferença tão séria que chegue a comprometer os fundamentos e as conclusões a

que se chegou. Principalmente no que se refere à dimensão de Maria, que ultrapassa em muito

a dos outros personagens. Ela é como que um difusor de águas a quem converge toda a

Aliança com Abraão, difundindo-a então com o Seu Filho na Co-Redenção. Já foi dito que

“Maria é uma Criação dentro da Criação”, e Seu Filho vai instituir Nova Aliança:

“Este cálice é a NOVA ALIANÇA em meu sangue...” (1Cor 11,25)

MARIA E OUTRAS “FIGURAS”

Assim, se observa que Lucas, na trilha de Maria, não se limitou a registrar apenas o que se

referia diretamente as Anunciações, buscando traduzir nEla a realização dos “anúncios e

figuras” do passado. Vai mais longe. Então, ao traçar a origem genealógica de todos

personagens que menciona no Prólogo, não se refere a qual tribo pertence Maria. Por

exemplo, diz que Zacarias era sacerdote e pertencia à “classe de Abia”, com isso dizendo

que era, tal como sua mulher, Isabel, “descendente de Aarão” (Lc 1,5). Referindo-se a

José, o esposo de Maria, diz que era “da casa de Davi”, mas nada a esse respeito diz de

Maria, ficando Ela assim “sem genealogia”. Tudo concorre para se perceber que a

identifica a outro personagem, o sacerdote Melquisedek:

“Sem pai, sem mãe, sem genealogia, nem princípio de dias nem fim de vida!”.

É assim que se assemelha ao Filho de Deus, e permanece sacerdote para sempre” (Hb 7,3)

E, tal como Melquisedek, “que abençoou Abraão” (Gn 14,17-20), “se assemelha ao Filho de

Deus”, também, Maria “se assemelha ao Filho de Deus” e “abençoa” João Batista “ainda no

seio de sua mãe” (Lc 1,15):

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“Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria,

a criança lhe estremeceu no ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande

grito, exclamou: ‘Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me

vem que a Mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus

ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre...” (Lc 1,40 - 45)

Este trecho mostra, também, com muita clareza que Maria foi a portadora do Espírito

Santo, de tão fecundas manifestações, já que, pelo simples “ouvir da saudação d’Ela”:

·Isabel fica repleta do Espírito Santo, e é-lhe, por Ele, revelado:

    - que Maria está grávida, e do tão esperado Messias;

    - que Maria é tão bendita como “o fruto de seu ventre”;

    - que Maria é a Mãe de seu Senhor, a Mãe de Deus; e,

que João Batista estremeceu “de alegria”.

João Batista, “fica cheio do Espírito Santo e estremece de alegria ainda no ventre de

Isabel” (Lc 1,15 / 1,41.44). 

Não é possível que Isabel ficasse sabendo de tudo, até mesmo da “alegria” de João, ainda no

íntimo de seu ventre, sem uma moção especial do Espírito Santo, que se manifesta tão logo

“Isabel ouviu a saudação de Maria”. Jesus ensinará que “a árvore boa dá bons frutos” (Mt 7,16

- 20; 12,33; Lc 6,43 - 44). Ora, Jesus é Filho de Maria, “o bom fruto da boa árvore”! Por isso

Isabel a reconhece:

“BENDITA ÉS TU ENTRE AS MULHERES, E BENDITO É O FRUTO  DE TEU VENTRE”(Lc 1,42)

Pode-se ver em todos esses fatos um “milagre de Maria” (cf. Mt, 12,28), e o “cumprimento” da

sua primeira “missão”. Maria, por sua vez, viu em João Batista não somente o “mensageiro”  da

Profecia de Malaquias, mas a realização da “figura” que lhe serviu de anúncio, SAMUEL, o

Sacerdote e Profeta que unificou as Tribos de Israel, preparando-as para a Monarquia, que

culminou em Davi, a quem foi anunciado o Messianismo (2Sm 7).

Por isso, homenageando Isabel, compõe o MAGNIFICAT, parafraseando o Cântico de Ana

(1Sm 2,1-10), cotejando ambas as mães, cujos filhos eram ambos nazireus (Nm 6,1 - 8 / 1Sm

1,11 / Lc 1,15), e evidenciando o principal motivo de sua visita a Isabel. A ajuda que Maria lhe

leva é muito mais do que um auxílio material, eis que, conhecendo a missão que cabia a João

Batista, estando Zacarias mudo, somente Ela poderia anunciar-lhe a “Boa-Nova” (=

Evangelho), e prepará-la para o múnus de educá-lo, para ser o “precursor do Messias”.

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Não só, mas também, para “preparar ao Senhor um Povo bem disposto” (Lc 1,17), da mesma

forma que Samuel unificara o Povo de Israel, preparando-o para o Reino de Deus que se

corporificava. Maria foi a Primeira Evangelizadora e Missionária do novo Reino que se

inaugurava.

Pode-se pretender que se trate de coincidências e é até razoável pensar-se assim, mas

quando a “pretendida coincidência” traz consigo algum significado concreto, deixa de ser um

acaso para se tornar um fato significativo. Muitos mais desses fatos significativos podem ser

localizados nesses trechos que se examinam comparativamente e nunca se esvaziará o tema.

Algumas narrativas da Escritura obedecem uma sistemática bem singular, um recurso literário

da época, que consiste em repetir no final de um relato a mesma frase que o iniciou, indicando-

se assim o começo e o término de um “discurso, acontecimento ou fato”, funcionando como o

título e a conclusão [cf. Mt 1,1 (“Livro da origem de Jesus Cristo...”) e 1,17 (“A origem de Jesus

Cristo foi assim...”); 3,2 (“Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”) e 4,17

(“Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”); 5,6 (“Bem aventurados [...] porque

deles é o Reino dos Céus”) e 5,10 (“Bem aventurados [..] porque deles é o Reino dos Céus”)

etc.].

Lucas usa artifício idêntico ao unificar as três Anunciações numa só abordagem em torno da

“aparição do Anjo e sua retirada”. Por isso é que faz constar somente no final do Anúncio a

Maria que “... o Anjo retirou-se”, nada dizendo a respeito ao término do Anúncio a Zacarias,

apesar de ter acontecido seis meses antes, ecoando com o narrado no final do Anúncio a

Abraão, em Gn 17,22, de que “Deus retirou-se de junto de Abraão”. Suprimindo da narrativa a

retirada do Anjo de junto de Zacarias, Lucas pretendeu unir as duas Anunciações, a de João e

a de Jesus, como se fossem uma só, e um fato só, em “figura” antes, na de Isaac, e, sendo

então com essas, “cumprido”, manifestando-se assim o “crescendo” havido.

2.1. - É de se considerar que muita frase escrita nos escapa, em virtude da cultura do tempo

não exigir maiores indagações dos contemporâneos. Assim acontece com a frase que Lucas

usa ao dizer:

“...e Ela deu à luz o seu Filho Primogênito...” (Lc 2,7)

É que a Primogenitura é uma instituição israelita cujo significado religioso nos foge, mas vi-

gorava ainda nos primeiros tempos do cristianismo. São vários os locais em que,

principalmente São Paulo, usa o termo em seu sentido técnico e tradicional:

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“Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas,... (...) Ele é a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo. Ele é o princípio, o Primogênito dos mortos (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude...” (Col. 1,15 - 19)

“Porque os que de antemão ele conheceu, esses também predestinou a serem conforme a imagem do seu Filho, a fim de ser ele o Primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29)

Estes trechos podem ser colocados em paralelo, pela fecundidade que inspirava a

primogenitura, com a “Bênção de Jacó”, segundo a qual:

“Rúben, tu és meu primogênito, meu vigor, as primícias de minha virilidade, cúmulo de altivez e de força, impetuoso como as águas: não serás colmado, ...” (Gn 49,3 - 4)

Gn 49, 3-4 Col 1, 15-19 Rm 8, 29

“... meu primogênito, meu

vigor, 

“... o Primogênito de toda

criatura (...) o Primogênito

dos mortos 

“... Primogênito entre muitos

irmãos 

as primícias de minha

virilidade, 

... o princípio...a imagem do

Deus invisível...nele foram

criadas todas as coisas (...) é

a Cabeça da Igreja, 

...os que de antemão ele

conheceu 

cúmulo de altivez e de força,

impetuoso como as águas: 

 (...) nele aprouve ...habitar

toda a plenitude    predestinou 

não serás colmado

(=“elevado”) 

Ele é a Cabeça da Igreja (...)

tendo em tudo a primazia 

a serem conforme a imagem

do seu Filho

A construção das frases mostra estreita identidade de manifestações do significado da

primogênitos, que também tinham o conceito de “aqueles que abrem o seio materno” (Ex 13,2;

Nm 8,16), cuja denominação comprova o conceito de que “anunciam farta colheita”, tal como é

o significado de primícias. Esse conceito difere do nosso, eis que a palavra primogênito para

nós significa “o primeiro filho”, não apenas assim entre os antigos. A ele caberia a substituição

do pai, a chefia do clã e o exercício do sacerdócio (Ex 13,2 e Nm 8,16), pelo que recebia dupla

porção da herança (Dt 21,17).

Também, com o seu nascimento, “abre o seio materno” propiciando o nascimento de outros

filhos. Jesus, “o primogênito dentre os mortos”, é então “aquele que abre o seio da vida eterna”,

propiciando o ingresso nela de outros irmãos, “predestinados a serem conforme sua imagem”,

para que Ele seja “o Primogênito entre muitos irmãos”.

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Nessas condições, não se pode delimitar o significado da expressão em Lc 2,7 apenas quanto

ao fato de se referir às oferendas, devidas pelo nascimento do filho e ao resgate de sua

consagração. Todo o significado que a cultura da época lhe dava está aí presente. O que São

Lucas transcreve com essa afirmativa é a concepção cultural daquele tempo, em virtude da

qual, já pressentiam os primeiros cristãos, de que pelo Batismo nos tornamos, como Jesus o é

realmente, FILHOS DE MARIA E DO ESPÍRITO SANTO, fechando o quadro narrativo que se

iniciou quando Deus disse a Abraão que “... serás PAI DE UMA MULTIDÃO DE NAÇÕES” (Gn

17,4), já antecipando a convicção de que MARIA É A MÃE DE UMA MULTIDÃO DE POVOS,

“A MÃE DA IGREJA’! Assim, para os primeiros cristãos, Abraão é “figura” de Maria, e nEla se

cumprem a Promessa e a Aliança. Jesus é “o primogênito de Maria”, não de José, não se

podendo deduzir nenhum relacionamento daí.

MARIA, A VIRGEM PLENA DE GRAÇA

É de se observar que a Anunciação do Anjo a Zacarias, em si mesma considerada, termina

quando se lhe dirige a mesma pergunta de Abraão: “De que modo saberei disso?” (Lc 1,18 / Gn

15,8), com uma grande diferença: Zacarias “não creu, ficou mudo” (Lc 1,20), enquanto “Abraão

creu... e lhe foi tido em conta de justiça” (Gn 15,6). Também Maria foi reconhecida “Bem-

aventurada a que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,45).

Enquanto Abraão e Zacarias fazem aparentemente a mesma pergunta, um “crendo” e

querendo saber “como” e o outro “descrendo” e pedindo “prova”, Maria faz uma pergunta

completamente diferente da de ambos:

“Como se realizará isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc 1,34)

Essa pergunta de Maria tem sido objeto de muita polêmica, dela advindo várias dificuldades,

principalmente por ser imprópria para uma “noiva”, como se pretende, às vésperas da

consumação do matrimônio Israelita, indo para a casa do “noivo”. A esse tempo a ausência de

filhos traduzia insuportável ignomínia e maldição (Lc 1,25; Gn 30,23; 1Sm 1,5 - 8; 2Sm 6,23; Os

9,11...), o que entra em conflito com uma abstenção de relações sexuais entre Maria e José.

Acontece, porém, que, desde sempre na Igreja, a começar pela patrística, se divulgou a

existência de uma Consagração Plena, que se traduziu num voto de virgindade e de

abstinência de relações sexuais de ambos. Apesar dessa pergunta de Maria ter sido analisada

de várias maneiras e conjeturas as mais variadas se avolumarem, a única solução encontrada

é essa de uma Consagração Plena, pois só assim se equacionam melhor todas as dificuldades.

A dificuldade sentida por São José em conciliar a sua situação em face da gravidez de Maria

(Mt 1,18 - 20) concorre para perturbar mais ainda a análise dos fatos. É que não é normal o

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procedimento de um marido tal como o espelhado pelo Evangelista, quando surpreendido pela

gravidez de sua mulher, para a qual tem a certeza de que não concorreu. No passado e

mesmo no tempo de liberalidade atual, qualquer homem que pretendesse fazer alguma coisa a

respeito (e José o queria), saberia o que fazer. Não há santidade que permaneça indecisa em

tal situação, e a presença de uma dúvida em José, quanto à Maria, concorre para que o clima

criado fique sobremaneira carregado de romantismo e, até mesmo, de lendas. Porém, um

exame mais atento do contexto mostra que a dificuldade sentida por José não tem a dimensão

que muitas vezes se apresenta e até mesmo conflita com a realidade dos fatos. Inicialmente,

uma pergunta se impõe:

“Por quê motivo, José, “sendo justo e não querendo difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo?” (Mt 1,19)

Por que “em segredo”? Não tem nenhum sentido se houvesse qualquer dúvida a respeito da

origem da gravidez! Principalmente “sendo José um JUSTO” (no sentido israelita ou bíblico),

qual seja, “cumpridor de todos os mandamentos e observâncias do Senhor”, como o define

Lucas (Lc 1,6). Seu dever de justo seria então denunciá-la tal como exigia a Lei (Dt 22,13 - 20)

nunca acobertá-la.

Por primeiro, é de se lembrar que homem algum sabe prematuramente da gravidez de uma

mulher, se ela mesma não o revelar. Nos primeiros meses não há nenhum sinal exterior em

que se basear para se concluir que uma mulher está grávida, a não ser o volume do ventre,

naqueles tempos dificilmente visível pela ampla roupagem feminina em uso. Daí se conclui que

foi a própria Maria quem revelou ao marido o seu estado “achando-se grávida pelo Espírito

Santo” (Mt 1,18). Outra dificuldade se manifesta: como comunicar tal fato ao marido que não

era o pai da criança? E, no caso aqui em análise, a um marido que, juntamente com a esposa,

havia se consagrado plenamente a Deus com a abstinência total de relações sexuais?

Em segundo lugar, mesmo que inexistissem as prescrições da Lei, em que “qualquer voto feito

por uma mulher só é válido e de cumprimento obrigatório quando consentido pelo pai,

enquanto solteira, e pelo marido, vindo a se casar; não havendo a concordância legal o voto é

nulo” (Nm 30,4 - 17), é impossível a uma esposa fazer uma Consagração Plena, com

abstenção de relações sexuais, sem a concordância do marido.

Então, e não poderia ser de outra forma, a consagração plena foi praticada por ambos e José

sabia e conhecia em todos os detalhes a Anunciação do Anjo, relatada por Maria. Seria injusto

e cruel por demais se, ao contrário, não lhe fosse tudo relatado, faltando-se até mesmo com a

caridade! E, conhecedor dos fatos não foi assaltado por nenhuma dúvida, apenas e tão

somente não sabia o que fazer.

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Sentiu o que não poderia deixar de sentir: uma intransponível dificuldade em conciliar a sua

condição de marido com a Maternidade de Maria., tão séria que somente a manifestação

expressa de um Anjo o demoveu da atitude em andamento. Apesar de se sentir “sobrando”,

decidiu “abandoná-la em segredo”, não sabendo o que fazer ou que missão desempenhar e

não podendo, com uma atitude precipitada, comprometer a idoneidade da “Mãe do Meu

Senhor”, como a chamou Isabel, ao sopro do Espírito Santo. Não é sem motivo que José é

conhecido como o “Castíssimo” Esposo de Maria, denominação que confirma sua Consagração

Plena, tal como a de Maria, fato reconhecido desde sempre pela Igreja. Basta mencionar que

com José também ocorreu o clássico “Não Temas” já sobejamente demonstrado ser

característica da dificuldade de conciliação que um “eleito” encontra entre as coisas de Deus e

os costumes do homem. Ora, José sentiu dificuldades, como diz o Anjo, em “receber Maria em

sua casa”:

“Não temas, José, receber em tua casa a  Maria, tua mulher...” (Mt 1,20)

Após essa análise da Consagração Plena de Maria e José, tão incomum, pode-se perceber

com mais facilidade outro detalhe, que concorreu para a pergunta de Maria, que seria tal como

se dissesse “como conciliar o voto que fez com o Filho que se lhe anunciava”? Mas, o Anjo

facilmente resolve o problema, dizendo-lhe:

“O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra, por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35)

A resposta de Maria não tardou:

“Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim  segundo a tua palavra” (Lc 1,38)

A resposta do Anjo satisfez e soluciona a dificuldade de Maria: Seu Filho seria gerado por meio

do Espírito Santo, sem nenhuma participação humana, ao que diz “Faça-se em mim COMO

DIZES” (lit.: “... conforme a tua palavra”)

Vê-se que, realmente, entre Maria e Abraão, ocorre estreita relação, uma relação de

convergência, “cumprindo se” nEla o que, em “figura”, foi “prometido” a ele. A bênção então

instaurada como uma Promessa se corporifica e se “cumpre” como Graça em Maria, sobre

quem “veio o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo cobriu”. Este mesmo Espírito Santo, Maria

leva a Isabel e lá João Batista é santificado (Lc 1,41 - 44). Mesmo antes de Seu Filho nascer,

Maria já trabalha na Obra da Redenção: Maria é inseparável do Filho e corre até Isabel,

identificando-se naturalmente à vinculação predita de que “... entre ti e a mulher, entre a tua

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descendência e a descendência dela...” (Gn 3,15). Ela é tão inseparável do Filho que estará

junto dEle no Calvário, “DE PÉ’ (Jo 19,25). E, naquele momento, parafraseando Abraão, em

seu coração se alinhará a Profecia feita a Isaac, e concluirá:

“Deus providenciou o Cordeiro para o Sacrifício”: o meu filho (Gn 22,8)

Maria reproduz, realiza e “cumpre” o Sacrifício de Abraão, e “celebra’ a Única Missa ‘ao vivo”,

entregando “de pé” o Filho ao Pai, em REDENÇÃO DA HUMANIDADE, levando a pleno

“cumprimento” a Promessa feita:

““...; sê tu uma bênção” (Gn 12,2)

 É São Paulo quem nos diz que Cristo é a Plenitude do Homem, quando afirma que “... n’Ele

habita corporalmente toda  a PLENITUDE DA DIVINDADE e n’Ele ‘fostes levados’ à

PLENITUDE” (Cl 2,9 - 10). E, para essa prerrogativa “corporalmente” lhe era indispensável uma

Mãe (“corporal”) especialmente “adequada” para satisfazer essa dimensão, tendo sido então

“preservada” de tudo o que a pudesse tornar incompatível com tal Missão Redentora.

É para isso “PLENA DE GRAÇA” e, com ELA “DEUS ESTÁ” [“o Senhor é contigo” (Lc 1,28)].

Por outro lado, ressoando a Saudação do Anjo com os louvores dirigidos pelos Profetas à Filha

de Sião, cuja Santidade então anunciada não condizia com a “nação adúltera” com que a partir

de Oséias se denomina o Povo de Deus (cf. Os 1-3; Is 1,21; Jr 2,2; 3,1; 3,6 - 12; Ez 16; 23

etc.), então ela é identificada com Maria, que o Anjo encontra, não faz mal repetir, “cheia de

Graça e o Senhor com Ela” significando assim ter sido realmente “preservada”.

É que o Pecado nada mais é, biblicamente, que a perda da comunhão com Deus, significada

na “colocação do Homem por Deus no Jardim do Éden” (Gn 2,8.15 / 3,8) e daí expulso (Gn

3,23s) por ter infringido o preceito de “não comer da árvore da ciência do bem e do mal” (Gn

2,16s. / 3,6s). Desenvolve-se o homem então “fora do Paraíso”, transmitindo-se o que se

denominou “Pecado Original” àqueles que, a partir de então, nascem fora do Jardim (da

‘comunhão com Deus’), e “não se apossam da árvore da vida eterna” (Gn 3,22)

Acontece, porém, que, com Jesus não poderia ser assim. Ele é “Um com o Pai” (Jo 10,30)

desde toda a eternidade (Jo 8,57 / Jo 1,1-5.10 - 14) e não poderia, ao assumir a condição

humana, se separar do Pai, por um pecado que não cometeu, e, nem mesmo, nunca o

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cometeria e, da mesma forma, não lhe era possível “nascer fora do Jardim de Deus”, na

“excomunhão” “hereditária” ou “por descendência”, que o pecado original acarretou.

Por isso Maria é “preservada” “Plena de Graça (Plena de Vida Divina)”, pois Jesus não poderia

nascer fora da comunhão com Deus, já que “não conhecera o pecado” (2Cor 5,21) motivo por

que Sua Mãe, por sua vez, não poderia, também, trazer o estigma da Mancha Original,

contaminando com ele a Jesus, pelo veículo da hereditariedade, donde a sua Imaculada

Conceição.

 E, corroborando tudo o que foi objeto da maldição da serpente no Protoevangelho, em que se

estabelece uma hostilidade não-pessoal-mulher-diabo, mas uma hostilidade a todas as

conseqüências daquela sedução, a concupiscência, o pecado e a morte, Maria esmaga a

cabeça da serpente (Gn 3,15). Maria esmaga a cabeça da serpente, erradicando a

concupiscência, por ser a “Virgem que concebe e dá à luz” (Is 7,14 / Mt 1,22) sem o concurso

de homem; esmaga a cabeça da serpente, erradicando o pecado, por Sua Imaculada

Conceição; e, finalmente, esmaga a cabeça da serpente, erradicando a morte, por sua

Assunção ao Céu. Com Maria e em Maria se “cumpre” o sentido pleno do Protoevangelho.

 Portanto, não se pode delimitar a Vocação de Maria a um Voto de Virgindade, mas a uma

Consagração Plena ao Pai, em que a abstenção de relações conjugais é uma das mais belas

expressões, refletindo desde então o germe da continência sacerdotal ou dos que se entregam

totalmente a Deus, na mais sublime renúncia e entrega religiosas. Mas, não se pode deixar de

se observar a presença dessa Consagração, sinal distintivo do Matrimônio Cristão, na Sagrada

Família, onde a “Graça superabundou” (Rm 5,20), tanto em Maria, como em José, “Seu

castíssimo esposo”. É neles que Jesus pousa os olhos quando declara a Indissolubilidade do

Matrimônio e o eleva à categoria de Sacramento:

“Nem todos são capazes de compreender essa palavra, mas só aqueles a quem é concedido (“é Graça, portanto”). (...) E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem tiver capacidade para compreender, compreenda” (Mt 19,11-12)

O maior exemplo de se “tornar eunuco por causa do Reino dos Céus” é o da Sua Sagrada

Família, pela Consagração Plena que fizeram a Deus desde antes da Anunciação do Anjo.

Além disso, na ocasião em que Jesus pronunciou essas palavras, imprimiu ao Matrimônio

Cristão o selo que o próprio Deus lhe havia já impresso na Criação, baseando-se nas suas

próprias palavras:

“Alguns fariseus se aproximaram dele, querendo pô-lo à prova. E perguntaram: ‘É lícito repudiar a própria mulher por qualquer motivo que seja?’ Ele respondeu: ‘Não lestes que desde o princípio o Criador os fez homem e mulher”? (Mt 19,3 - 4)

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Os fariseus conheciam já a posição de Jesus com referência ao casamento (Mt 5,31 - 32.

Armam-lhe então uma cilada, e perguntam-lhe se era lícito “deixar a própria mulher por

qualquer motivo”, tal como Herodes o fizera, e fora repreendido por João Batista. Pretendiam

que Jesus fizesse o mesmo e também fosse degolado pelo Rei Herodes, tal como João (Mt

14,3 - 12). Jesus, porém, mesmo com perigo de vida, além de ratificar o que ensinara

acrescenta o retorno “ao princípio”, de toda a Criação, em virtude da Sua Vinda.

Com Ele tudo retorna ao estágio de antes do Pecado Original, como se desde a sua

ocorrência, até aqueles dias, um grande parêntesis fosse aberto e agora se fechasse, para

recomeçar tudo de novo, “... para levar o tempo .à sua plenitude: a de em Cristo recapitular

todas as coisas...” (Ef 1,10).

A Sagrada Família, a Família de Jesus, inicia a “recapitulação em Cristo”.

A VENERAÇÃO À MARIA

Que os primeiros cristãos devotavam à Maria uma atenção toda especial não pode haver

nenhuma dúvida. Principalmente porque, não há nada na Igreja que tenha sido nela introduzido

sem se fundamentar na Bíblia ou nos Apóstolos. Não é possível que uma comunidade que

tenha selecionado os quatro evangelhos separando-os das lendas, mantido aqueles que mais

se identificavam mutuamente e recusado os apócrifos, “após acurada investigação de tudo

desde o princípio” (Lc 1,1 - 4), e com tanto respeito e veneração pela “Boa Nova”, tenha aceito

um culto ou veneração sem mais nem menos, por algum sentimentalismo apenas. Algum

motivo mais sério deveria existir e só podemos procurar pistas válidas a respeito na própria

Escritura, eis que somente isso condiz com o que nos informa Lucas:

“Cada dia examinavam as escrituras para ver se tudo era exato” (At 17,11c)

Nada havia sido ainda acrescentado à Torah dos judeus, nada havia ainda do Novo Testa-

mento. O que examinavam então era o Antigo Testamento, e é nele então que se há de

procurar algum fato que servisse de fundamento religioso para a Veneração de Maria. E, na

verdade, nele se encontra uma instituição de muita consistência cultural. Para a compreender é

preciso fazer uma análise, mesmo que sucinta, do messianismo, mesmo porque é ele que, de

certa forma, vem a se corporificar no cristianismo.

Para o Povo Judeu daquele tempo, o Messianismo seria como que a restauração do Reinado

de Davi, com toda a sua glória e conforme a Promessa Messiânica:

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“Vai dizer ao meu servo Davi: ‘(...); eu te livrarei de todos os teus inimigos. Iahweh te diz que ele te fará uma casa. E quando os teus dias estiverem completos e vieres a dormir com teus pais, então farei permanecer a tua linhagem, gerada das tuas entranhas e firmarei a tua realeza. (...)

A tua casa e a tua realeza subsistirão para sempre diante de mim,

e o seu trono se estabelecerá para sempre” (2Sm 7,5.12-16)

Transparece facilmente no futuro um descendente de Davi, cujo “trono se estabelecerá para

sempre”, tal como o Anjo anuncia à Maria (Lc 1,32-33), e consoante grande parte das Profecias

que o confirmam (Is 7,14; Mq 4,14; Ag 2,23 etc.), como por exemplo:

“... eu mesmo vou trazer salvação ao meu rebanho... Suscitarei para elas um pastor que as apascentará, a saber, o meu servo Davi: ele as apascentará, ele lhes servirá de pastor. E eu, Iahweh, serei o seu Deus e meu servo Davi será príncipe entre elas” (Ez 34,24)

“O meu servo Davi será rei sobre eles, e haverá um só pastor para to-dos...” (Ez 37,24)

Por causa disso, os Reis de Judá (= MESSIAS OU CRISTO) eram, geralmente, comparados

com o Rei Davi (1Rs 15,3.11; 8,19; 14,3; 16,2; 18,3; 22,2;...). E, no relato de seu reinado,

quase sempre se menciona o nome da “Mãe do Rei” (ou a “Mãe do Messias ou Mãe do

Cristo”), o nome da “Rainha-Mãe”. Gozava ela ainda do privilégio de Soberana e é assim que

Salomão trata a sua mãe, mandando “colocar um assento para a mãe do rei e ela sentou-se à

sua direita”(1Rs 2,19). E Asa “retirou de sua mãe a dignidade de Grande Dama...” [(1Rs 15,13)

- se “retirou dela a dignidade” é porque a detinha].

Ora, sabemos que os primeiros cristãos não se afastaram do judaísmo, como se pretendes-se

fundar uma nova religião, continuando a freqüentar o Templo (Lc 24,53) “assiduamente” (At

2,46). Porém, é de se destacar a presença de Maria até mesmo em Pentecostes (At 1,14; 2,1 -

4), contrariando o ritual judaico, que não permitia a presença de mulheres em reuniões

sagradas, mesmo ainda entre os primeiros cristãos (1Cor 14,33 - 35).

Maria é, então, tratada desde os primórdios, de acordo com a tradição judaica, como a

Soberana Rainha-Mãe do Messias, tal como no tempo dos Reis de Judá. A Veneração de

Maria não foi então introduzida na Igreja sem motivo ou sem base, tendo sido também um

“cumprimento” da restauração da dinastia messiânica, a dinastia de Davi em Jesus, o Cristo, ou

o Messias.

José Haical Haddad

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BIBLIOGRAFIA01. Tratado da Verdadeira Devoção à Maria Santíssima - Luiz Maria Grignion de Monfort.02. Breve Tratado de Teologia Mariana - René Laurentin.03. Maria, Primeiro Evangelho do Espírito Santo - Pe. Santo Armelin.04. A Mãe do Senhor - Joseph Patsch.05. O Culto à Maria Hoje - Organizado por Wolfang Beinert, Diversos Autores.06. A Mãe do Salvador - Karl Hermann Schlkle.07. Maria em Caná e Junto à Cruz - A. M. Serra, OSM.08. Introdução à Bíblia - 10 vols. - Direção Geral: P. Teodorico Ballarini, OFM Cap., VOZES.09. La Sainte Bible - 16 vols., Sous la Direcion de Louis Pirot et Albert Clamer - Paris.10. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo - Russell Norman Champlin.11. Los Evangelios Apocrifos - Aurelio de Santos Otero. Biblioteca de Áutores Cristianos.12. Nuevo Testamento Trilingüe - José Maria Bover y José O’Callaghan - BAC,  Madrid.13. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego - Fritz Rienecker/Cleon Rogers. Vida Nova.14. Vida de Cristo - Giuseppe Ricciotti.15. Antologia dos Santos Padres - Cirilo Folch Gomes, OSB.16. Patrologia - Berthold Altaner e Alfred Stuiber17. Verbum Dei, Comentario a la Sagrada Escritura - B. Orchard e outros; 4 vols.; Herder.18. Novo Testamento - Tradução Portugueza, 1909, Bahia, Typ. de S. Francisco.19. Teologia do Evangelho de São João - Bento Silva Santos, OSB.20. A Interpretação do Quarto Evangelho - C. H. Dodd.21. O Evangelho de São João - Juan Mateos e Juan Barreto.22. Synopse des Quatre Évangiles - P. Benoit & M. -E. Boismard       Tome I Textes       Tome II (Apresentam um teoria de “Como se formaram os Evangelhos”)       Tome III - L’Évangile de Jean23. Obras de Martín Lutero -Editorial Paidós, Buenos Aires.24. O Antigo Testamento, Fonte de Vida Espiritual - Paul-Marie De La Croix.25. O PAI: Deus em Seu Mistério - François-Xavier Durrwell.26. Vários Comentários ao Evangelho de Lucas e dos demais.27. Metodologia do Novo Testamento - Wilhelm Egger.28. Martin Lutero - 2 Vols. - Ricardo Garcia-Villoslada. BAC, Madrid.