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Maria Januaacuteria de Souza Malagoli
O ENSINO DA CERAcircMICA EM ATELIERS
Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2015
2
Maria Januaacuteria de Souza Malagoli
O ENSINO DA CERAcircMICA EM ATELIERS
Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
Monografia apresentada ao Curso de
Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes
Visuais do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo
em Artes da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes
Visuais
Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de
Oliveira
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2015
3
Malagoli Maria Januaacuteria de Souza 1958 - O Ensino da Ceracircmica em Ateliers Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais Maria Januaacuteria de Souza Malagoli ndash 2015
59 f
Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira
Monografia apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes Visuais
1 Artes visuais ndash Estudo e ensino I Oliveira Maria do Ceacuteu Diel II
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes III Tiacutetulo
CDD 707
4
Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores
_______________________________________________________
Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador
_______________________________________________________
Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca
_______________________________________________________
Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG
Belo Horizonte 2015
Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes
Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
5
DEDICATOacuteRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha
sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido
Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee
Maria e aos outros netos que vierem
6
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada
para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty
Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina
Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria
do Ceacuteu
7
RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
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SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
11
tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
14
Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
15
ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
16
Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
17
etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
18
elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
19
CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
20
chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
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59
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- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
2
Maria Januaacuteria de Souza Malagoli
O ENSINO DA CERAcircMICA EM ATELIERS
Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
Monografia apresentada ao Curso de
Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes
Visuais do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo
em Artes da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes
Visuais
Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de
Oliveira
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2015
3
Malagoli Maria Januaacuteria de Souza 1958 - O Ensino da Ceracircmica em Ateliers Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais Maria Januaacuteria de Souza Malagoli ndash 2015
59 f
Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira
Monografia apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes Visuais
1 Artes visuais ndash Estudo e ensino I Oliveira Maria do Ceacuteu Diel II
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes III Tiacutetulo
CDD 707
4
Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores
_______________________________________________________
Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador
_______________________________________________________
Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca
_______________________________________________________
Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG
Belo Horizonte 2015
Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes
Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
5
DEDICATOacuteRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha
sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido
Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee
Maria e aos outros netos que vierem
6
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada
para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty
Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina
Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria
do Ceacuteu
7
RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
10
fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
11
tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
13
Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
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No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
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Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
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A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
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Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
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objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
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funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
3
Malagoli Maria Januaacuteria de Souza 1958 - O Ensino da Ceracircmica em Ateliers Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais Maria Januaacuteria de Souza Malagoli ndash 2015
59 f
Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira
Monografia apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes Visuais
1 Artes visuais ndash Estudo e ensino I Oliveira Maria do Ceacuteu Diel II
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes III Tiacutetulo
CDD 707
4
Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores
_______________________________________________________
Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador
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Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca
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Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG
Belo Horizonte 2015
Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes
Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
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DEDICATOacuteRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha
sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido
Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee
Maria e aos outros netos que vierem
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AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada
para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty
Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina
Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria
do Ceacuteu
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RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
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SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
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INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
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CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
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Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
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HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
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relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
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reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015
59
- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
4
Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores
_______________________________________________________
Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador
_______________________________________________________
Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca
_______________________________________________________
Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG
Belo Horizonte 2015
Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901
Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes
Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais
5
DEDICATOacuteRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha
sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido
Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee
Maria e aos outros netos que vierem
6
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada
para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty
Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina
Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria
do Ceacuteu
7
RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
10
fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
11
tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
13
Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
14
Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
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No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
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Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
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No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
5
DEDICATOacuteRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha
sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido
Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee
Maria e aos outros netos que vierem
6
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada
para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty
Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina
Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria
do Ceacuteu
7
RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
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59
- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
6
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada
para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty
Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina
Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria
do Ceacuteu
7
RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
10
fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
11
tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
13
Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
14
Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
15
ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
16
Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
17
etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
18
elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
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Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
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Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
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No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
7
RESUMO
Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando
como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e
possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas
colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho
ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of
craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities
Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their
workplaces
8
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
10
fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
11
tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
13
Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
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4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
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Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
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Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
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Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
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objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
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funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
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Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
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acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
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fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
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REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015
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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
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Sites
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SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09
CAPIacuteTULO 1
11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20
13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24
132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44
CAPIacuteTULO 3
31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49
REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56
REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58
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INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
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ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
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CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
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Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
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HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
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relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
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reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
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211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
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Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
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funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
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acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
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fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
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REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
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60
9
INTRODUCcedilAtildeO
Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em
Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida
para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois
algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que
precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado
como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas
Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm
grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas
no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que
logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava
escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde
Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e
os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu
pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por
uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas
(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo
minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze
alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio
lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas
outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e
bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma
caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha
irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o
roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha
Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores
da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco
Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua
irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se
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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
11
tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
16
Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
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No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
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Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
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Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
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No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
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CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o
que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta
eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para
professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um
emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas
para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este
tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar
sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos
e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui
enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como
secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram
importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha
preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal
empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da
induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente
durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida
Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa
Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria
mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e
depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei
as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute
comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar
profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como
atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos
Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho
que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute
a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa
Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras
almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas
para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me
formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu
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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
13
Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015
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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
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Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior
na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute
com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei
trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo
fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas
que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram
oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino
cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento
A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada
ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando
constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as
atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei
durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas
indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido
Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs
crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica
a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum
equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos
Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de
gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica
branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu
modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca
administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que
proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram
oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois
veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia
de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por
causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para
algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses
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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
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REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
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12
Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no
Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um
tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em
um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a
entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno
com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior
Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a
queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era
muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam
cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar
impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo
contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda
no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta
assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno
explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar
Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os
queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para
melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e
aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a
chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um
cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi
algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou
satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar
novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito
e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento
Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus
apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes
ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o
artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo
pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir
de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso
precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno
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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
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REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
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REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
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13
Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais
imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)
visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria
utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e
com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de
Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me
atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local
existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor
resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute
legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo
algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da
conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se
de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um
aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees
conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a
acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato
em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a
mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros
um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico
Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que
apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e
aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer
a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo
inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas
para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos
pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso
fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos
de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape
ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo
pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o
curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de
Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de
14
Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
15
ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
19
CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015
59
- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
60
14
Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do
desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor
soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo
ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso
de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e
acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele
vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo
antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para
receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)
Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas
(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos
de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma
na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas
(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do
Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de
parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta
eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o
PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi
outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de
maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo
alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse
ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam
necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois
uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para
vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que
envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar
principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes
empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste
seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a
encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando
formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de
ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar
em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por
15
ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
16
Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
17
etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
18
elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
19
CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
20
chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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15
ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para
atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no
bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o
Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes
levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu
deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia
Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo
pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem
isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas
dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea
equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um
fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava
por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia
eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer
Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-
se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com
uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele
tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que
fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e
medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um
portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um
celular antigo sem valor comercial
Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido
Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando
faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo
e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho
Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos
Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila
para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local
16
Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
18
elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
20
chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
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211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
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Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
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Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
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objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
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funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
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Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
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acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
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fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
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REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
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REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico
usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma
variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto
no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que
possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor
remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a
esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo
Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier
pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local
Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a
negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas
mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma
margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas
eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute
um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar
que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo
produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute
presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o
conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me
traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar
sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma
perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite
um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da
forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste
momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma
accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a
reproduccedilatildeo seriada
Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu
atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular
produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a
esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
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CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
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13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
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Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
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Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
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objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
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funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
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acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
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REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
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59
- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015
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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para
mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo
Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de
atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da
cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a
valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de
cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza
reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de
Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante
Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu
uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo
estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs
envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da
cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de
progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras
Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte
procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje
poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando
ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana
Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de
atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e
metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo
de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como
professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como
ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por
exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas
ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida
Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a
metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos
e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta
compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a
arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a
18
elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
19
CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
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Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
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Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
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Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
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CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
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Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
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relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
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repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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Sites
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60
18
elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um
trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para
determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo
conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e
consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores
bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como
argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da
natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como
funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o
perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei
que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o
atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo
de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute
agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do
papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria
em algum momento de assumi-la
Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas
ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre
elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender
esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia
para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas
maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais
Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa
ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)
Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)
19
CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
20
chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
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13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
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Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
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fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
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REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
57
tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27
- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015
- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015
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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015
- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori
Sites
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19
CAPIacuteTULO 1
11 O que eacute Ceracircmica
Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de
barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada
praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se
plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel
A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado
ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto
manufaturado
A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de
acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica
fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem
manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a
refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da
temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana
A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou
fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)
A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados
alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra
deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio
que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos
que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um
maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares
podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor
de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene
ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no
20
chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
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Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
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preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
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A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
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Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
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CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
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Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
44
teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
48
outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
49
CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
51
Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
52
A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
53
Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
54
fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
55
satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
31
- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
58
REFEREcircNCIAS
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59
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Sites
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60
20
chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser
lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila
modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada
do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode
ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e
de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila
biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e
pigmentos minerais
Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros
segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para
esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por
exemplo
A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como
fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)
12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica
A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)
21
A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu
aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem
foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da
nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus
ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o
homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede
do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo
Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de
forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido
acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas
de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram
encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria
Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia
(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em
diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais
pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas
Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras
definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas
dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase
inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a
queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de
batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa
Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo
XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o
Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz
presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo
escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)
e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento
das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a
valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o
Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e
22
norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica
como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-
1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na
Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de
tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de
ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian
(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo
da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav
Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como
Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-
1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas
marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por
outros
Fig 1 Pablo Picasso
1 Fig 2 Pablo Picasso
2 Fig 3 Pablo Picasso
3
1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em
lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute
feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668
Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015
23
13 A Ceracircmica no Brasil
Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de
5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes
populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos
sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na
qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo
considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute
possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais
recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu
influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a
instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia
aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada
na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular
Fig 4 Cer Marajoara
4 Fig 5 Cer Marajoara
5 Fig 6 Cer Tapajocircnica
6
4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do
aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt
Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP
Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014
24
Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura
popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva
regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em
seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se
tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o
estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de
influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre
Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros
Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das
cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho
produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do
Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as
ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a
ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia
Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a
zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a
ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em
Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos
Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da
Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No
Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e
a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos
inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo
do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia
nativa quanto de europeus
131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos
Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que
contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de
museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como
25
produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em
outras modalidades artiacutesticas
- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier
no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e
trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o
livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil
(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na
pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de
outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho
Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros
- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco
Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu
durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da
Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular
que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de
Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura
Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de
Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado
de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas
da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas
- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de
ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica
apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse
Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando
experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas
variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de
cores e texturas
26
- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de
Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de
ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha
Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo
- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em
escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em
penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de
centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da
feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e
resistecircncia nascimento e morte
Fig 7 Celeida Tostes 7
O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares
revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e
geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade
7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992
Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015
27
No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8
Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-
1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como
brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros
cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de
novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no
Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre
Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes
seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas
Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas
esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual
produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das
Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do
Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era
conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e
contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como
vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas
criaccedilotildees
8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em
09092015
28
Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino
10
No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado
ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento
da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre
Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio
Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o
encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o
estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente
em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o
tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo
XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu
permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o
interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a
cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre
Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas
produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras
9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida
Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10
ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015
29
Fig 10 Mestre Cardoso
11 Fig 11 Mestre Cardoso
12
No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos
iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria
capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias
Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13
Fig 13 Panelas sendo queimadas14
11
ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12
ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13
Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14
Idem Pesquisa por imagem 500 x 334
30
A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde
houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de
uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida
atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o
aprimoramento das teacutecnicas
132 A Ceracircmica em Minas Gerais
Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto
popular como erudita
A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do
Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica
biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas
populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa
regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade
muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros
artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da
famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela
chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas
ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com
a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente
resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado
passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres
enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza
de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e
genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo
quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o
acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute
distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande
produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e
seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando
31
preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)
como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica
eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos
como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-
2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros
homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica
escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro
e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras
com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes
trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a
maioria dos ceramistas populares
Fig 14 Dona Izabel
15 Fig 15 Dona Noemisa
16 Fig 16 Ulisses Pereira
17
15
ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16
ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17
Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015
32
A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de
mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo
padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase
um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o
marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio
carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias
candeias e urinoacuteis
Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18
A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo
Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase
desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de
Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara
mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica
unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se
dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho
desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco
18
PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural
MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt
Acesso em 02102015
33
onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de
seu ofiacutecio
Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19
Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20
Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas
Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome
localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval
japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida
a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do
seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente
influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica
Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e
sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a
alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas
originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a
queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes
morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas
Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda
19
Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20
Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014
34
Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias
e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada
de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers
na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea
Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua
tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando
exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de
Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute
professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica
da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma
das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da
Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte
Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros
com ceramistas
Fig 19 Ceracircmica Bizen21
Fig 20 Ceracircmica Bizen22
Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica
da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e
difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor
fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em
21
Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22
Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem
35
espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu
jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo
distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos
da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo
Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como
muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo
Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta
alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos
carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador
Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23
23
ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015
36
Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo
ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao
setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em
ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares
como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele
Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia
Braga entre outros
37
CAPIacuteTULO 2
21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers
Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o
termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como
pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os
equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se
dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um
hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente
Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular
cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase
um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier
exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos
e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do
empreendimento
Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a
seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A
ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido
agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e
surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca
de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e
passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas
funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas
caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios
e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como
escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos
patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua
memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais
38
Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras
cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do
ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas
religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica
fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de
acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V
os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a
Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se
tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a
literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como
escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves
catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos
mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o
ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em
estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de
trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes
estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos
mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico
Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao
renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho
movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e
passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos
mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de
associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges
eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que
funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre
as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e
operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo
regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo
contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos
mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma
24
HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW
39
relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era
desprezado
Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado
de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e
se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo
entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e
regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e
Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a
formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos
e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e
promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre
de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos
Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os
salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia
recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os
aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para
aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios
como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc
Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus
produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras
irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e
cooperativas
O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo
entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser
desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas
particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela
sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas
Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts
(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com
as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa
40
reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas
medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo
com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo
das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art
Nouveau
O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave
natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro
vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A
intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa
No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da
fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar
Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade
das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da
Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e
Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um
ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas
especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia
de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais
procedimentos e objetivos
Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando
os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas
geomeacutetricas e design abstrato
Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em
escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina
ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos
livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica
41
211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini
A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em
um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula
Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera
do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por
serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um
impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o
aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista
como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de
esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus
alunos executam trabalhos diversificados
Obras de Erli Fantini 26
25
O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
42
Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma
empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho
me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem
agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave
minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade
Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica
em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por
pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como
professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas
obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas
misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de
outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com
uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo
que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de
tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas
Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute
poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes
do bizen
Painel de azulejos 27
27
Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista
43
Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando
para serem decifrados
Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu
afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais
alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem
precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da
ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com
profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o
atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada
a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida
Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28
O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde
um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas
modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como
aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as
28
Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita
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teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados
oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos
devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em
livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las
Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da
arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem
que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do
Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo
para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas
exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso
Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra
palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao
seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao
entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos
empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem
a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar
neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da
Ceracircmica
Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos
Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo
212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano
O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo
eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com
vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica
esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros
29
Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras
45
objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico
do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha
com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas
de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo
expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por
todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo
principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados
modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu
encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo
Mostruaacuterio de teacutecnicas
Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde
que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em
46
funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um
curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e
ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas
frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas
que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior
Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De
volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de
ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso
confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que
exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da
escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre
esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a
procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se
dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por
ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier
A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente
aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a
modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou
aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como
atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da
necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de
tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um
ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e
escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o
aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais
adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de
executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada
Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier
fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima
Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos
comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos
esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa
47
repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados
de dezembro
Esmaltes e pigmentos do atelier
Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e
bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir
seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano
vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas
com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara
A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo
acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora
Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute
tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um
Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem
diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no
envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o
desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato
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outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de
quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma
dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos
a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos
sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes
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CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica
Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de
recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se
devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas
Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu
estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se
encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as
diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes
Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria
dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo
horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante
experiecircncia como professor em oficinas de teatro
Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um
trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando
de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no
tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem
formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte
Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente
durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as
dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos
alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos
entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto
que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico
Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse
oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas
como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a
30
Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG
50
acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo
atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na
funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho
Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que
poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no
gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e
coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia
molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma
Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos
cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da
bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos
lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles
acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando
forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem
confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras
empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as
imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta
acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido
Maacutescaras empapeladas
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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar
um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia
misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito
interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as
cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte
Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias
diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de
modelagem aos alunos
Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas
estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e
tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos
aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes
verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a
cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno
Maacutescaras de ceracircmica
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A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da
ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e
depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo
como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos
talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir
texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta
resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o
trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio
Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas
matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes
esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em
pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando
orgulhosos com suas realizaccedilotildees
Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido
satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado
paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas
matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar
os colegas ateacute o local das atividades
O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua
resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de
acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de
internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega
novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos
tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois
proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma
grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa
da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas
Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas
alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e
ficar ocioso pois isso dispersa os outros
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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos
que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras
podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de
maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das
formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica
A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da
rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era
alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a
natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios
animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma
grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores
aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que
se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica
funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas
e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo
depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados
em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade
Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para
desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu
uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas
vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela
bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a
piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de
decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e
empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os
peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e
tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal
embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios
formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de
vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas
como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto
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fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de
frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um
oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e
cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora
estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos
galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer
instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto
Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu
precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando
serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo
resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes
tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas
com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima
utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para
entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como
combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo
mundo gostou
Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do
mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de
vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento
ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois
comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que
a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com
isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a
Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo
consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor
Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no
sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero
que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar
Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado
imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a
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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem
que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto
Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos
O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem
onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos
algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos
proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um
pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de
ceracircmica
56
REFLEXOtildeES FINAIS
A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e
insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais
especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e
quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as
teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos
empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de
ofiacutecio
Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste
trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos
alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por
profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu
emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos
aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao
mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier
mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas
visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo
Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute
que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de
comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando
uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro
agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi
melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees
diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de
ningueacutem
Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que
vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua
existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se
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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela
ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo
Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31
professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela
tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica
De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo
A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo
sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma
comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo
nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando
todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras
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- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed
Belo Horizonte Editora CArte 2015 32
Queimadas apenas uma vez sem revestimentos
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REFEREcircNCIAS
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