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Maria Januária de Souza Malagoli O ENSINO DA CERÂMICA EM ATELIERS Especialização em Ensino de Artes Visuais Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2015

Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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Page 1: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

Maria Januaacuteria de Souza Malagoli

O ENSINO DA CERAcircMICA EM ATELIERS

Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

Belo Horizonte

Escola de Belas Artes da UFMG

2015

2

Maria Januaacuteria de Souza Malagoli

O ENSINO DA CERAcircMICA EM ATELIERS

Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

Monografia apresentada ao Curso de

Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes

Visuais do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo

em Artes da Escola de Belas Artes da

Universidade Federal de Minas Gerais

como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes

Visuais

Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de

Oliveira

Belo Horizonte

Escola de Belas Artes da UFMG

2015

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Malagoli Maria Januaacuteria de Souza 1958 - O Ensino da Ceracircmica em Ateliers Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais Maria Januaacuteria de Souza Malagoli ndash 2015

59 f

Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira

Monografia apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes Visuais

1 Artes visuais ndash Estudo e ensino I Oliveira Maria do Ceacuteu Diel II

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes III Tiacutetulo

CDD 707

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Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores

_______________________________________________________

Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG

Belo Horizonte 2015

Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes

Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

5

DEDICATOacuteRIA

Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha

sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido

Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee

Maria e aos outros netos que vierem

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AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada

para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty

Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina

Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria

do Ceacuteu

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RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

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SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

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INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 2: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

2

Maria Januaacuteria de Souza Malagoli

O ENSINO DA CERAcircMICA EM ATELIERS

Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

Monografia apresentada ao Curso de

Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes

Visuais do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo

em Artes da Escola de Belas Artes da

Universidade Federal de Minas Gerais

como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes

Visuais

Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de

Oliveira

Belo Horizonte

Escola de Belas Artes da UFMG

2015

3

Malagoli Maria Januaacuteria de Souza 1958 - O Ensino da Ceracircmica em Ateliers Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais Maria Januaacuteria de Souza Malagoli ndash 2015

59 f

Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira

Monografia apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes Visuais

1 Artes visuais ndash Estudo e ensino I Oliveira Maria do Ceacuteu Diel II

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes III Tiacutetulo

CDD 707

4

Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores

_______________________________________________________

Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG

Belo Horizonte 2015

Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes

Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

5

DEDICATOacuteRIA

Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha

sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido

Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee

Maria e aos outros netos que vierem

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada

para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty

Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina

Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria

do Ceacuteu

7

RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

9

INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

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- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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Page 3: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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Malagoli Maria Januaacuteria de Souza 1958 - O Ensino da Ceracircmica em Ateliers Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais Maria Januaacuteria de Souza Malagoli ndash 2015

59 f

Orientador (a) Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira

Monografia apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Ensino de Artes Visuais

1 Artes visuais ndash Estudo e ensino I Oliveira Maria do Ceacuteu Diel II

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes III Tiacutetulo

CDD 707

4

Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores

_______________________________________________________

Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG

Belo Horizonte 2015

Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes

Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

5

DEDICATOacuteRIA

Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha

sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido

Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee

Maria e aos outros netos que vierem

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada

para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty

Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina

Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria

do Ceacuteu

7

RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

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SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

9

INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 4: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

4

Monografia intitulada O Ensino da Ceracircmica em Ateliers de autoria de Maria Januaacuteria de Souza Malagoli aprovada pela banca examinadora constituiacuteda pelos seguintes professores

_______________________________________________________

Maria do Ceacuteu Diel de Oliveira - Orientador

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha - membro da banca

_______________________________________________________

Prof Dr Evandro Joseacute Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA ndash EBA ndash UFMG

Belo Horizonte 2015

Av Antocircnio Carlos 6627 ndash Belo Horizonte MG ndash CEP 31270-901

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Artes

Curso de Especializaccedilatildeo em Ensino de Artes Visuais

5

DEDICATOacuteRIA

Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha

sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido

Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee

Maria e aos outros netos que vierem

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada

para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty

Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina

Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria

do Ceacuteu

7

RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

9

INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

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CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

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13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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Page 5: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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DEDICATOacuteRIA

Dedico este trabalho aos meus pais Elza e Zeca Pedro meus irmatildeos e irmatildes minha

sogra Joana drsquoArc que estaacute laacute no ceacuteu desde semana passada ao meu marido

Giovane meus filhos Bruno Fabiano e Carina minha netinha Bruna Mel e sua matildee

Maria e aos outros netos que vierem

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada

para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty

Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina

Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria

do Ceacuteu

7

RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

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SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

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INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 6: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus e a Nossa Senhora das Graccedilas pela iluminaccedilatildeo proporcionada

para este estudo aos professores tutores colegas especialmente ao Carluty

Ferreira agrave coordenaccedilatildeo do Curso e agraves ceramistas Erli Fantini e Maria Regina

Pimentel Agradeccedilo tambeacutem especialmente agrave querida e simpaacutetica orientadora Maria

do Ceacuteu

7

RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

9

INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

15

ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 7: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

7

RESUMO

Este trabalho eacute uma reflexatildeo sobre minha experiecircncia como ceramista atuando

como produtora de artesanato e no ensino da ceracircmica explorando suas teacutecnicas e

possibilidades poeacuteticas Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas

colegas atraveacutes de entrevistas em seus locais de trabalho

ABSTRACT This work is a reflection on my experience as a ceramist working as a producer of

craftsmanship and teaching pottery exploring its technical and poetic possibilities

Reports the teaching of art ateliers of two other colleagues through interviews in their

workplaces

8

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

9

INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

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- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

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Page 8: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO ---------------------------------------------------------------------------------------- 09

CAPIacuteTULO 1

11 O Que eacute Ceracircmica ----------------------------------------------------------------------------- 19

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica ----------------------------------------------------------------- 20

13 A Ceracircmica no Brasil -------------------------------------------------------------------------- 23

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos ---------------------------------------------- 24

132 A Ceracircmica em Minas Gerais ------------------------------------------------------------ 30

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers -------------------------------------------------------- 37

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini ---------------------------------------------- 41

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano ------------------------------------------------ 44

CAPIacuteTULO 3

31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica -------------------------------------------- 49

REFLEXOtildeES FINAIS ------------------------------------------------------------------------------- 56

REFEREcircNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 58

9

INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

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fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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Page 9: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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INTRODUCcedilAtildeO

Quando a orientadora da monografia de finalizaccedilatildeo do Curso de Especializaccedilatildeo em

Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizeacutessemos um memorial como ponto de partida

para a escritura de seu primeiro capiacutetulo achei que jaacute tivesse o trabalho pronto pois

algumas tarefas do curso jaacute caracterizavam este formato Poreacutem percebi que

precisava dar uma continuidade na conduccedilatildeo do texto que estava muito recortado

como uma colcha de retalhos e com lacunas que necessitavam ser preenchidas

Nasci e morei ateacute os dezoito anos em Lajinha MG onde cursei Magisteacuterio de 1ordm

grau Minha recordaccedilatildeo mais distante acerca da Arte eacute de umas casinhas esculpidas

no barranco molhado agrave beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas que

logo escureciam na folha do caderno pautado da escola que eu arrancava

escondido do meu pai Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmatilde

Haviacuteamos nos mudado haacute pouco para um siacutetio mais proacuteximo da escola meus pais e

os seis filhos na eacutepoca pois depois nasceram mais trecircs para que minha irmatilde e eu

pudeacutessemos estudar Mesmo assim andaacutevamos cerca de dois quilocircmetros por

uma estrada empoeirada ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas

(conforme a estaccedilatildeo do ano) ateacute o estabelecimento escolar uma construccedilatildeo

minuacutescula de apenas um cocircmodo e que natildeo comportava direito os cerca de quinze

alunos frequumlentes Nele funcionavam as trecircs primeiras seacuteries do antigo primaacuterio

lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo como acontecia em tantas

outras escolas rurais na eacutepoca As carteiras eram de dois lugares talvez mesas e

bancos natildeo me recordo bem Certa vez meu pai chegou da cidade com uma

caixinha de laacutepis de cor com seis laacutepis pequenos que seriam repartidos com minha

irmatilde Ela escolheu as cores mais bonitas e eu fiquei com o marrom o verde e o

roxo e natildeo adiantou chorar pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha

Acho que meu pai percebeu minha frustraccedilatildeo por natildeo conseguir colorir com as cores

da natureza e tambeacutem a razatildeo do caderno durar pouco

Terminado o 2ordm grau consegui convencer meu pai a vir para BH com uma tia sua

irmatilde Natildeo havia possibilidades de emprego em minha cidade e lecionar era soacute se

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

11

tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

15

ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

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CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 10: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

10

fosse na zona rural atraveacutes da prefeitura com salaacuterio irrisoacuterio distante da cidade o

que exigia longas caminhadas cruzando com vacas e catildees pelo caminho Nesta

eacutepoca jaacute moraacutevamos na cidade e natildeo havia nenhuma previsatildeo de concurso para

professores estaduais Para natildeo correr o risco de voltar para casa procurei logo um

emprego Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas

para trabalhar como professora mas precisava esperar vaga e eu natildeo tinha este

tempo Logo percebi tambeacutem que o que eu ganhasse natildeo daria para me sustentar

sozinha pois natildeo poderia ficar por muito tempo com meu tio que tinha vaacuterios filhos

e parecia que natildeo estava disposto a me dar abrigo por muito tempo Consegui

enfim um emprego numa induacutestria cimenteira na qual trabalhei por seis anos como

secretaacuteria Estes anos trabalhando com pessoas tatildeo diferentes do meu mundo foram

importantes por um lado pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha

preparaccedilatildeo para o vestibular mas por outro deixou uma sensaccedilatildeo de tempo mal

empregado e sonhos comprometidos pois o ambiente freneacutetico e insensiacutevel da

induacutestria deixou marcas que ficaram para sempre e embotando minha mente

durante muito tempo Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida

Casei-me tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular e saiacute da empresa

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeccedilaria

mas agrave medida que o curso foi avanccedilando mudei de ideacuteia Pensava fazer pintura e

depois trabalhar com as fibras mas me encantei pela ceracircmica e assim que coloquei

as matildeos num pedaccedilo de argila no atelier do professor Giangranco Cerri Ainda laacute

comecei a pesquisar mais atentamente avaliando a possibilidade de me dedicar

profissionalmente a ela pois poderia proporcionar um retorno mais raacutepido como

atividade remunerada e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artiacutesticos

Natildeo foi faacutecil conciliar a famiacutelia com o curso Nesta eacutepoca eu jaacute tinha mais um filho

que eu carregava no babybag segurando o outro pela matildeo atraveacutes do campus ateacute

a creche da UFMG apoacutes conseguir descer dos ocircnibus lotados do bairro Santa

Mocircnica na regiatildeo da Pampulha onde moraacutevamos Agraves vezes levava marmita outras

almoccedilava no restaurante da Universidade e me matriculava em menos disciplinas

para conseguir acompanhar o curso demorando assim mais tempo para me

formar Enfim aos trancos e barrancos terminei o curso Entatildeo meu marido e eu

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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

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A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

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Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

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Page 11: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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tomamos uma decisatildeo que definiu o rumo de nossas vidas voltamos para o interior

na esperanccedila ingecircnua de uma vida sossegada sem calcular direito os riscos Laacute

com a situaccedilatildeo econocircmica do paiacutes ruim e nossas coisas dando errado tentei

trabalhar com o ensino atraveacutes de um projeto da prefeitura chamada Curumim e natildeo

fui bem sucedida As crianccedilas carentes atendidas pelo programa passavam as horas

que natildeo estavam na escola em um espaccedilo onde entre outras atividades eram

oferecidas artes mas a prefeitura natildeo fornecia os materiais baacutesicos o seu ensino

cabendo ao professor angariar junto agrave comunidade seu suprimento

A comunidade poreacutem natildeo tinha condiccedilotildees de cooperar de maneira continuada

ainda mais por ser uma atribuiccedilatildeo que cabia ao poder puacuteblico gerando

constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doaccedilotildees Somente as

atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas Fiquei

durante alguns meses e saiacute A aventura interiorana durou trecircs anos e deixou marcas

indeleacuteveis o que me levou a vaacuterios equiacutevocos aleacutem do tempo perdido

Voltei com a famiacutelia para BH com a situaccedilatildeo financeira pior do que antes com trecircs

crianccedilas em idade escolar e pagando aluguel A saiacuteda foi tentar explorar a ceracircmica

a possibilidade mais viaacutevel no momento apesar de natildeo possuir nenhum

equipamento para isso Assumi o cargo de professora de ceracircmica no Lar dos

Meninos Dom Orione para trabalhar com as crianccedilas na modelagem com formas de

gesso que a instituiccedilatildeo jaacute possuiacutea fruto de doaccedilatildeo de um fabricante de ceracircmica

branca Paralelamente fornecia imagens de S Francisco em terracota que eu

modelava e reproduzia atraveacutes de formas para a igrejinha da Pampulha na eacutepoca

administrada pelos padres do Lar (entidade ligada agrave Igreja Catoacutelica que

proporcionava espaccedilo para crianccedilas carentes fora do horaacuterio escolar onde eram

oferecidas a elas atividades culturais e artiacutesticas) Fiquei apenas alguns meses pois

veio a crise energeacutetica e o primeiro equipamento a ser desligado para a economia

de energia foi o forno eleacutetrico natildeo sendo viaacutevel a utilizaccedilatildeo de gaacutes no local por

causa das crianccedilas Em casa eu ensinava confecccedilatildeo de formas de gesso para

algumas alunas tarefa exercida tambeacutem durante alguns meses

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Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

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Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

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Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

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Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

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CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

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A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 12: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

12

Na eacutepoca que eu fazia a disciplina de ceracircmica com o Professor Gianfranco Cerri no

Curso de Belas Artes ele havia me ajudado a construir um forno a gaacutes usando um

tambor de combustiacutevel de carreta antigo de chapas de ferro grossas adquirido em

um sucateiro Um serralheiro colocou a portinhola os peacutes e fez um orifiacutecio para a

entrada do gaacutes O Prof Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno

com manta refrataacuteria poreacutem natildeo chegamos a testaacute-lo antes de voltar para o interior

Agora apoacutes inuacutemeras tentativas desastrosas com a perda de peccedilas durante a

queima vi que precisava de assistecircncia especializada a chama do queimador era

muito forte e as peccedilas mais proacuteximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam

cruas A todo momento o fogo apagava Eu precisava de um forno poreacutem comprar

impossiacutevel Eu tinha que fazecirc-lo funcionar Depois de muitos telefonemas (natildeo

contaacutevamos ainda com a internet) consegui o contato do Sr Valeacuterio e pedi ajuda

no que fui prontamente atendida gratuitamente O Sr Valeacuterio fabrica fornos e presta

assistecircncia teacutecnica a ceramistas aqui em BH Levei para ele as dimensotildees do forno

explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar

Ele entatildeo apontou os erros e me deu uma aula de forno a gaacutes Adquiri com ele os

queimadores corretos pois o meu era inadequado e eram necessaacuterios dois para

melhor distribuiccedilatildeo do calor Comprei o medidor de temperatura indicado por ele e

aumentei a espessura do revestimento interno Levei um dia inteiro para furar a

chapa para a entrada do gaacutes usando uma maacutequina de furar comum comprei um

cano de ferro para a chamineacute e testei o forno Nas primeiras queimas ainda perdi

algumas peccedilas mas apoacutes alguns ajustes e adaptaccedilotildees ele funcionou

satisfatoriamente apesar de algumas limitaccedilotildees Entatildeo eu tive que me mudar

novamente com a famiacutelia pois o aluguel da casa onde moraacutevamos aumentou muito

e natildeo cabia mais no nosso orccedilamento

Mudamos para um apartamento e eu tive que alugar um local para levar meus

apetrechos da atividade um forno uma mesa uma cadeira uma prateleira baldes

ferramentas e algumas formas de produtos que estava desenvolvendo para tentar o

artesanato aleacutem de um monte de argila para processar Aluguei um espaccedilo

pequeno com trecircs cocircmodos e uma pequena aacuterea externa Agora tinha que produzir

de maneira mais constante pois o atelier precisava se sustentar Para isso

precisava dos equipamentos essenciais agrave produccedilatildeo principalmente o forno

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

15

ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 13: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

13

Precisava de produtos que tivessem chance de penetraccedilatildeo no mercado opccedilatildeo mais

imediata de geraccedilatildeo de renda Optei por trabalhar com barbotina (argila liacutequida)

visando agrave reproduccedilatildeo em seacuterie dentro de uma padronizaccedilatildeo Como eu natildeo queria

utilizar argila oferecida pronta no mercado geralmente adquirida em Satildeo Paulo e

com altos preccedilos testei amostras da regiatildeo metropolitana de BH como de

Esmeraldas Sete Lagoas Lagoa Santa e Ribeiratildeo das Neves A que melhor me

atendia era a de Neves retirada em uma jazida no bairro Areias No mesmo local

existem dois tipos de argila uma amarela e outra preta sendo que o melhor

resultado foi a da mistura das duas em partes iguais A extraccedilatildeo desta argila eacute

legalizada evitando assim problemas com as normas ambientais jaacute existindo

algumas olarias de tijolos e telhas na regiatildeo e dependendo da quantidade e da

conversa podendo ser retirada de graccedila para uma maior quantidade dispondo-se

de transporte pagando-se apenas a paacute carregadeira Em minha busca por um

aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina atraveacutes de informaccedilotildees

conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos ceracircmicos passei a

acrescentar agrave mistura o filito um produto mineral de baixo custo contendo feldspato

em sua composiccedilatildeo o que aumenta a resistecircncia do produto Para processar a

mateacuteria prima construiacute um moinho composto de um tambor de plaacutestico de 50 litros

um eixo com uma paacute na ponta acionada por um motor eleacutetrico

Com alguns produtos desenvolvidos me associei agrave Matildeos de Minas entidade que

apoacuteia artesatildeos na comercializaccedilatildeo de seus produtos apoacutes sua avaliaccedilatildeo e

aprovaccedilatildeo Para que um produto seja considerado artesanal eacute necessaacuterio obedecer

a alguns criteacuterios no meu caso que eu dominasse todo o processo produtivo

inclusive o desenvolvimento do modelo e a confecccedilatildeo de minhas proacuteprias formas

para sua reproduccedilatildeo Passei entatildeo a produzir de forma regular para atender aos

pedidos de clientes desta entidade Ateacute entatildeo pintei incontaacuteveis santos de gesso

fabricados aqui mesmo em BH para ajudar no orccedilamento Atraveacutes dela fiz os cursos

de capacitaccedilatildeo em gestatildeo do Centro Cape e do Sebrae O curso do Centro Cape

ligado agrave Matildeos de Minas me proporcionou o selo de qualificaccedilatildeo artesanal instituiacutedo

pelo Instituto de Qualificaccedilatildeo Sustentaacutevel (IQS) este selo eacute disponibilizado apoacutes o

curso que aplica na unidade artesanal um meacutetodo japonecircs chamado 5S Senso de

Utilizaccedilatildeo Senso de Ordenaccedilatildeo Senso de Limpeza Senso de Sauacutede e Senso de

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

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ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

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espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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Page 14: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

14

Autodisciplina (Seiri Seiton Seison Seiketsu e Shitsuke) e orienta o artesatildeo do

desenvolvimento da cadeia produtiva para a formaccedilatildeo de preccedilos aleacutem de propor

soluccedilotildees para os problemas levantados durante o curso Ao final do curso o artesatildeo

ganha o direito de usar o primeiro selo em seus produtos assumindo o compromisso

de ser socialmente justo respeitar o meio ambiente ser economicamente viaacutevel e

acatar a legislaccedilatildeo vigente Agrave medida que avanccedilar nas exigecircncias do programa ele

vai evoluindo nos selos ateacute chegar ao terceiro (consegui conquistar o segundo selo

antes de me mudar novamente e ateacute agora ainda natildeo consegui me adequar para

receber a auditoria feita periodicamente para a avaliaccedilatildeo da terceira etapa)

Participei de trecircs ediccedilotildees da Feira Nacional de Artesanato realizada no Expominas

(considerada a maior feira de artesanato da Ameacuterica Latina) duas no espaccedilo Matildeos

de Minas e uma no espaccedilo Sebrae de algumas ediccedilotildees da Gift Fair em SP e uma

na Alemanha juntamente com outros artesatildeos selecionados pela Matildeos de Minas

(somente os produtos viajaram) Tambeacutem vendia meus produtos em uma loja do

Mercado Central e em diversas lojas de artesanato em rodovias em pontos de

parada Contava com a ajuda de uma auxiliar no acabamento das peccedilas Foi nesta

eacutepoca como resultados dos questionamentos levantados nos cursos (fiz tambeacutem o

PSA ndash Programa Sebrae de Artesanato) reflexotildees e inquietaccedilotildees que percebi

outras possibilidades de expressatildeo e aplicaccedilatildeo do meu ofiacutecio encarado agora de

maneira mais criacutetica e consciente Dentre os questionamentos estava o baixo preccedilo

alcanccedilado pelos produtos o que requeria uma produccedilatildeo maior para que fosse

ldquoeconomicamente viaacutevelrdquo poliacutetica de qualidade sustentaacutevel do IQS Para isso seriam

necessaacuterios investimentos envolvendo empreacutestimos e contrataccedilatildeo de pessoal pois

uma auxiliar apenas natildeo seria suficiente visto que eu deveria sair mais vezes para

vender ou teria que contratar um vendedor que fizesse tambeacutem as entregas o que

envolveria um carro agrave disposiccedilatildeo do mesmo enfim fiquei com medo de arriscar

principalmente pela experiecircncia de tentativas mal sucedidas e frustrantes

empreendidas por meu marido em sua atividade profissional Aleacutem disso o desgaste

seria muito grande o qual a esta altura da vida eu natildeo estava mais disposta a

encarar A carga de trabalho jaacute era grande Complementava a renda confeccionando

formas de gesso para um atelier de velas artesanais entre um trabalho e outro de

ceracircmica Depois de algum tempo percebi as desvantagens do atelier natildeo funcionar

em casa precisava pedalar cerca de dez minutos ateacute ele Parte do trajeto era por

15

ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 15: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

15

ruas de pedra parte de asfalto tendo uma avenida muito movimentada para

atravessar agraves vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado Eu morava no

bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Cloacuteris nas imediaccedilotildees de onde eacute agora o

Shopping Estaccedilatildeo em Venda Nova na ocasiatildeo ainda em construccedilatildeo Agraves vezes

levava a refeiccedilatildeo mas normalmente pedalava de volta na hora do almoccedilo que eu

deixava semipronto no dia anterior preferia almoccedilar em casa por causa da famiacutelia

Cheguei agrave conclusatildeo que teria que ter um produto com uma melhor remuneraccedilatildeo

pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar e agraves vezes nem

isto conseguia Jaacute estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitaacuterios mas

dependia de esmaltaccedilatildeo ou de queima em alta temperatura e eu natildeo possuiacutea

equipamento para isto Eu estava em um beco sem saiacuteda Foi quando aconteceu um

fato decisivo fui assaltada no trajeto para casa Logo que saiacutea da avenida passava

por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente Neste dia

eu estava a peacute pois a bicicleta havia quebrado e estava comeccedilando a escurecer

Quando senti algueacutem me tocar no ombro voltei a cabeccedila sorrindo pensando tratar-

se de algum conhecido Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com

uma blusa de capuz escondendo quase o rosto todo eu gelei Rapidamente ele

tomou minha bolsa e disse que andasse depressa sem olhar para traacutes E foi o que

fiz quase correndo Deu-me uma tristeza muito grande uma mistura de decepccedilatildeo e

medo O assaltante deve ter ficado muito aborrecido pois a bolsa continha um

portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor minhas chaves e um

celular antigo sem valor comercial

Continuei trabalhando normalmente mas natildeo conseguia esquecer o acontecido

Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente quando

faltava bastante tempo ainda para escurecer eu natildeo me concentrava mais no serviccedilo

e fazia o trajeto para casa cismada sempre com medo Evitava passar pelo atalho

Jaacute usava este espaccedilo haacute cinco anos

Entatildeo como se fosse uma compensaccedilatildeo apareceu a oportunidade de mudanccedila

para Confins onde poderia morar e montar o atelier no mesmo local

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 16: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

16

Quando desmontei o atelier para a mudanccedila eu jaacute havia adquirido um forno eleacutetrico

usado que natildeo chegou a funcionar no local Jaacute conseguira desenvolver uma

variedade razoaacutevel de produtos com uma identidade proacutepria tanto na forma quanto

no estilo de acabamento o que jaacute representava uma linha a ser seguida e que

possuiacutea uma boa aceitaccedilatildeo no mercado Poreacutem para tentar uma melhor

remuneraccedilatildeo dos produtos ainda precisava de alguns recursos teacutecnicos no caso a

esmaltaccedilatildeo por isso decidi dar um tempo com o comeacutercio ateacute resolver esta questatildeo

Este tempo se prolongou pois tive dificuldades com a instalaccedilatildeo do novo atelier

pois ainda natildeo havia construccedilatildeo alguma no local

Minha relaccedilatildeo com o artesanato foi de muita importacircncia me permitindo aprender a

negociar argumentar com clientes e lidar com as negativas muitas vezes injustas

mas revelando o outro lado o do comprador que tambeacutem necessita de uma

margem de lucro em um paiacutes de impostos absurdamente altos (minhas vendas

eram feitas no atacado) Minha relaccedilatildeo com a arte do ponto de vista do artesatildeo eacute

um tanto estranha talvez um procedimento comum entre noacutes apesar de eu achar

que todo artista deve ser antes de tudo um artesatildeo Para desenvolver um novo

produto primeiramente modelo a peccedila na argila eacute nesta hora que a Arte estaacute

presente pois uso a imaginaccedilatildeo a criatividade a habilidade manual o

conhecimento teacutecnico e a sensibilidade talvez seja um prenuacutencio de Arte mas me

traz muita satisfaccedilatildeo Estaacute presente tambeacutem a pesquisadora pois eacute necessaacuterio estar

sempre atenta a novas teacutecnicas materiais conceituaccedilotildees Faccedilo entatildeo a ldquoforma

perdidardquo atraveacutes da qual eacute confeccionado o modelo em gesso material que permite

um acabamento mais faacutecil Produzo entatildeo a primeira peccedila em argila atraveacutes da

forma Depois da queima tenho em matildeos um objeto uacutenico original Eacute neste

momento que me sinto satisfeita uma artista A partir daiacute eacute como se fosse uma

accedilatildeo de falsificador copiando a mim mesma confeccionando as formas para a

reproduccedilatildeo seriada

Morando em Confins haacute quase cinco anos em um bairro afastado do centro meu

atelier ainda funciona de maneira rudimentar mas com uma pequena e irregular

produccedilatildeo Brevemente devo instalar o novo forno para comeccedilar a trabalhar com a

esmaltaccedilatildeo Natildeo sinto uma urgecircncia em seguir as normas para cumprir a terceira

17

etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

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Page 17: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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etapa para qualificaccedilatildeo artesanal proposta pelo IQS apesar de ser importante para

mim pois gosto da atividade de artesatilde Aqui em Confins conheci meu amigo

Carluty Ferreira que atua no teatro Atraveacutes dele percebi outras possibilidades de

atuaccedilatildeo dentro da Arte Foi ele que me envolveu com as questotildees culturas da

cidade e juntamente com outras pessoas da cidade estamos trabalhando para a

valorizaccedilatildeo da cultura no municiacutepio Jaacute conseguimos implantar o conselho de

cultura no qual o Carluty eacute o presidente e tambeacutem o foacuterum de cultura que realiza

reuniotildees regularmente Participo tambeacutem dos conselhos de Patrimocircnio e de

Turismo como conselheira Este envolvimento estaacute sendo muito gratificante

Realizamos duas mostras de arte em Confins ainda bem simples mas que envolveu

uma boa parte da populaccedilatildeo e para quem possuiacutea nenhuma experiecircncia no ramo

estou me saindo bem Estamos com uma nova mostra marcada para este mecircs

envolvendo os artistas visuais artesatildeos muacutesicos atores e outros personagens da

cultura gente simples desta cidade no limite entre o passado e a perspectiva de

progresso proporcionada pela construccedilatildeo do aeroporto internacional em suas terras

Atualmente mesmo trabalhando com artesanato estou estudando mais sobre Arte

procurando me atualizar pois sei que fiquei para traz em muitas coisas que hoje

poderiam me enriquecer profissionalmente Estou haacute quase um ano ensinando

ceracircmica em uma cliacutenica de recuperaccedilatildeo de dependentes uma vez por semana

Meu interesse por esta arte continua vivo poreacutem sob um novo contexto que eacute o de

atuar como artistapesquisadorprofessor pesquisando (materiais procedimentos e

metodologias de ensino) e agindo e pensando como artista (assumindo a condiccedilatildeo

de ser pensante sensiacutevel e produtivo em Arte) Acho que para atuar como

professora de arte eacute necessaacuteria esta postura Jaacute tenho uma boa bagagem como

ceramista mas existe um mundo de novas possibilidades a ser descoberto por

exemplo a experimentaccedilatildeo de novas teacutecnicas de queima esmaltes e massas

ceracircmicas evoluccedilatildeo natural de todo ceramista adiada pelos perrengues da vida

Para ser professora sei que tenho que me capacitar para isso buscando a

metodologia mais adequada ao seu ensino e me apropriando de conteuacutedos teoacutericos

e conceituais para que possa compreender melhor a Arte e estender esta

compreensatildeo aos alunos Uma questatildeo difiacutecil de definir eacute o limite entre a teacutecnica e a

arte pois o processo tambeacutem eacute importante A teacutecnica eacute fundamental para a

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elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

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CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

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chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

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norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

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Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

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produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

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- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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Page 18: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

18

elaboraccedilatildeo do produto final no caso a possiacutevel obra de arte em ceracircmica Um

trabalho mal resolvido em uma das suas vaacuterias etapas como a argila correta para

determinada modalidade a modelagem a secagem a queima cuidadosa que satildeo

conhecimentos baacutesicos da atividade resultaraacute na perda do objeto criado e

consequumlente decepccedilatildeo por parte do aluno ressaltando a importacircncia de professores

bem preparados tecnicamente Estou sempre pesquisando novos materiais como

argilas pigmentos e aditivos respeitando as normas ambientais para sua retirada da

natureza de forma criteriosa e responsaacutevel Agora preciso descobrir in loco como

funciona realmente um atelier voltado ao ensino da ceracircmica sua metodologia o

perfil de seus alunos visando um embasamento como professora nesta aacuterea Sei

que isto me ajudaraacute muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente que eacute o

atendimento a um setor especiacutefico que eacute o paciente em tratamento de recuperaccedilatildeo

de dependecircncia quiacutemica e tambeacutem melhorar meu desempenho como ceramista ateacute

agora restrito agrave produccedilatildeo artesanal sem muitas reflexotildees e instigaccedilotildees acerca do

papel do artista na sociedade Esta postura eacute muito importante e sei que eu teria

em algum momento de assumi-la

Apoacutes as visitas a oficinas analisarei o material coletado (fotos entrevistas escritas

ou gravadas depoimentos de alunos etc) Farei comparaccedilotildees e paralelos entre

elas com o objetivo de compreender melhor o processo ensinaraprender

esclarecer sobre o que e como ensinar o que eacute importante inserir na metodologia

para o aprimoramento no aluno da sensibilidade e da criatividade e suas diversas

maneiras de expressaacute-la indagaccedilotildees pertinentes ao universo das artes visuais

Estas indagaccedilotildees satildeo estudadas no livro organizado por Ana Mae Barbosa

ldquoInquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arterdquo (BARBOSA Ana Mae (org)

Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008)

19

CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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Page 19: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

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CAPIacuteTULO 1

11 O que eacute Ceracircmica

Ceracircmica eacute o produto resultante da queima da argila popularmente chamada de

barro A argila eacute constituiacuteda principalmente por siacutelica e alumiacutenio e eacute encontrada

praticamente em toda a superfiacutecie terrestre Umedecida e amassada torna-se

plaacutestica e maleaacutevel sendo facilmente moldaacutevel

A palavra ldquoceracircmicardquo vem do grego Na antiga Greacutecia o oleiro era chamado

ldquokerameusrdquo e ldquokeramosrdquo era o nome dado tanto agrave argila como ao produto

manufaturado

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila escolhida pelo ceramista de

acordo com seu propoacutesito de trabalho sendo a plasticidade caracteriacutestica

fundamental para que a peccedila possa ser trabalhada no torno ou na modelagem

manual Para a queima em alta temperatura satildeo usados aditivos tornando-a

refrataacuteria Dependendo da caracteriacutestica da massa ceracircmica (argila e aditivos) e da

temperatura de queima teremos a terracota a faianccedila o greacutes ou a porcelana

A modelagem pode ser feita usando-se as teacutecnicas de rolinhos placas torno ou

fundiccedilatildeo em formas de gesso com a argila liacutequida (barbotina)

A peccedila deve estar totalmente seca para ser queimada e para isto satildeo respeitados

alguns procedimentos para que a mesma seque lentamente e natildeo sofra

deformaccedilotildees e trincas Para que a peccedila modelada tenha resistecircncia eacute necessaacuterio

que seja queimada Para isto existem fornos de vaacuterios tipos modernos ou ruacutesticos

que utilizam tecnologias avanccediladas ou rudimentares Os modernos permitem um

maior controle sobre a queima facilitando muito o trabalho Fornos rudimentares

podem ser construiacutedos de tijolos comuns de talude (cavado em barranco) tambor

de latatildeo revestido com manta ou tijolos refrataacuterios embalagem de lata de querosene

ou tinta com serragem de madeira de dezoito litros ou ainda um simples buraco no

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

36

Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

39

relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

51

Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

55

satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

56

REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

57

tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

58

REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

59

- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

60

Page 20: Maria Januária de Souza Malagoli · 2019. 11. 15. · Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei ... ele havia me

20

chatildeo agrave maneira indiacutegena De qualquer tipo que seja o forno a queima deve ser

lenta com o aumento gradual e constante da temperatura A decoraccedilatildeo da peccedila

modelada pode ser realizada antes ou depois da queima que eacute uma etapa delicada

do processo e deve ser feita lentamente A decoraccedilatildeo feita antes da queima pode

ser atraveacutes da pasta de aacutegata engobe pasta egiacutepcia relevos reservas de papel e

de cera corda seca esgrafitado sobre engobe etc e a executada depois da peccedila

biscoitada (queimada a temperatura baixa ndash de 700 a 900 graus) com esmaltes e

pigmentos minerais

Aleacutem de ser uma possibilidade de expressatildeo artiacutestica a ceracircmica auxilia outros

segmentos das artes visuais pois a argila pode ser empregada como estudo para

esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporccedilotildees por

exemplo

A ceracircmica eacute uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes como

fonte de geraccedilatildeo de renda (no artesanato por exemplo)

12 Breve Histoacuteria da Ceracircmica

A ceracircmica eacute ao mesmo tempo a mais simples e a mais difiacutecil de todas as artes A mais simples por ser a mais elementar a mais difiacutecil por ser a mais abstrata Historicamente encontra-se entre as artes mais primitivas Os vasos mais antigos que se conhecem eram modelados agrave matildeo em barro cru tal qual era extraiacutedo da terra e secos ao sol e ao vento Mesmo nesse grau do seu desenvolvimento antes de possuir escrita literatura ou mesmo uma religiatildeo o homem possuiacutea jaacute esta arte e os vasos que entatildeo produzia ainda satildeo capazes de nos sensibilizar por suas formas expressivas Quando o homem descobriu o fogo e aprendeu a tornar seus vasos rijos e duradouros quando inventou a roda e como oleiro pocircde acrescentar ritmo e movimento ascensional ao seu conceito de forma estavam presentes todos os elementos essenciais da mais abstrata de todas as formas de arte Esta foi evoluindo desde as suas humildes origens ateacute que no seacuteculo aC se tornou a arte representativa da raccedila mais intelectual e sensitiva que o mundo conheceu (READ Herbert O SIGNIFICADO DA ARTE Portugal Ed Ulisseia 1968 pp 27-28)

21

A eacutepoca que a ceracircmica apareceu eacute indeterminada Arqueoacutelogos admitem seu

aparecimento junto com o Homem confirmados pela lenda biacuteblica de que o homem

foi feito de barro (ldquoJaveacute Deus plasmou o homem poacute da terra insuflou em suas

narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivordquo) Segundo o autor da

nota explicativa da obra consultada (Biacuteblia Sagrada) ldquoA encenaccedilatildeo do Deus

ceramista se insere numa tradiccedilatildeo nascida sem duacutevida da constataccedilatildeo de que o

homem apoacutes a morte vai aos poucos se tornando poacute O homem (= ADAM) procede

do solo (=ADAMAH) Assim o Homem eacute o lsquoTerrosorsquordquo

Natildeo se pode determinar tambeacutem quando comeccedilou a ser empregado o meacutetodo de

forno para o endurecimento das peccedilas de barro Presume-se que tenha sido

acidental A ceracircmica substituiu a pedra trabalhada a madeira e as vasilhas feitas

de frutos como coco e cabaccedilas sendo a mais antiga das induacutestrias Foram

encontrados vasos sem asas cor de argila natural feitos ainda na Preacute-Histoacuteria

Estudiosos afirmam que a ceracircmica apareceu 5000 anos aC na regiatildeo da Anatoacutelia

(Turquia) e a partir daiacute passou a fazer parte da cultura de diferentes povos em

diferentes eacutepocas praticada nos diferentes segmentos da sociedade desde os mais

pobres aos mais abastados Caldeus Chineses Egiacutepcios Romanos Astecas Incas

Maias Feniacutecios Cretenses Gregos Etruscos Persas Japoneses Marajoaras

definem a enorme variedade de temas e singularidades de forma caracteriacutesticas

dessa arte em todo o mundo e seus fundamentos principais se mantecircm quase

inalterados que satildeo a coleta da argila a moldagem a secagem a decoraccedilatildeo e a

queima Na Greacutecia entre 1000 e 330 aC mostravam pinturas de cenas de

batalhas Na China entre 550 e 480 aC era voltada a cenas da tradiccedilatildeo religiosa

Nos seacuteculos XIV e XV se difunde pela Europa a partir de Veneza A partir do seacuteculo

XVI as teacutecnicas chinesas aleacutem de objetos satildeo difundidas no Ocidente Tambeacutem o

Japatildeo contribuiu para sua difusatildeo principalmente a porcelana A ceracircmica se faz

presente entatildeo nos objetos de uso domeacutestico na arquitetura (atraveacutes da decoraccedilatildeo

escultoacuterica e de revestimento de fachadas com azulejaria ndash invadida no seacuteculo XVIII)

e nas artes em geral Em meados do seacuteculo XIX surgiu na Inglaterra o Movimento

das Artes e Ofiacutecios uma tentativa de reaccedilatildeo agrave ceracircmica industrial buscando a

valorizaccedilatildeo dos ofiacutecios e trabalhos manuais (art pottery) lanccedilando as bases para o

Art Nouveau europeu (realccedilando a contribuiccedilatildeo da Franccedila Aacuteustria e Espanha) e

22

norte-americano Nomes famosos das Artes comeccedilam a aparecer na ceracircmica

como Eacutemile Galleacute (1846-1904) Theacuteodore Dek (1823-1891) Gustav Klimt (1862-

1918) Raoul Dufy (1877-1953) Roberto Bonfils (1886-1971) entre outros Na

Alemanha a Escola Bauhaus fundada por Walter Gropius (1883-1969) de

tendecircncia construtivista e realizando pesquisas formais desenvolvia objetos de

ceracircmica de linhas retas e decoraccedilatildeo soacutebria inspirados no estilo de Piet Mondrian

(1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) Na atual Repuacuteblica Tcheca regiatildeo

da Bohemia objetos utilitaacuterios em vidro e ceracircmica satildeo produzidos por Vlastislav

Hofman (1884-1964) e Papel Janaacutek (1882-1956) Tambeacutem outros artistas como

Alexander Archipenko (1887-1964) Walking Woman (1937) Bruno Munari (1907-

1998) Pablo Picasso (1881-1973) Vassily Kandinsky (1866-1944) deixaram suas

marcas na arte da ceracircmica seja produzindo ou decorando peccedilas produzidas por

outros

Fig 1 Pablo Picasso

1 Fig 2 Pablo Picasso

2 Fig 3 Pablo Picasso

3

1 Jarro de ceracircmica Barcelona Museo Picasso Pesquisa por imagem 267 x 431 Disponiacutevel em

lthttpwwwpinterestcombrhtmlgt Barcelona Museu Picasso Acesso em 23092015 2 ldquoPrato espanholrdquo Em argila vermelha torneado eacute banhado em engobe branco e a decoraccedilatildeo eacute

feita com engobe negro e incisotildees Pesquisa por imagem 500 x 529 Disponiacutevel em lthttppoyastroblogspotcombrhtmlgt Acesso em 23092015 3 ldquoCentaurordquo (AR39) 1956 ceracircmica esmaltada 42 x 42 cm Pesquisa por imagem 698 x 668

Disponiacutevel em lthttpwwwcataacutelogodasartescombrhtmlgt Acesso em 23092015

23

13 A Ceracircmica no Brasil

Estudos arqueoloacutegicos indicam a presenccedila de uma ceracircmica simples haacute cerca de

5000 mil anos na regiatildeo amazocircnica Mais tarde cerca de 2000 anos atraacutes

populaccedilotildees ribeirinhas fabricavam utensiacutelios domeacutesticos e artefatos ceracircmicos

sendo que na Ilha de Marajoacute se desenvolveu uma ceracircmica altamente elaborada na

qual se usou teacutecnicas como raspagem incisatildeo excisatildeo e pintura sendo

considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Ameacutericas Eacute

possiacutevel localizar sua produccedilatildeo em vaacuterias outras sociedades indiacutegenas mais

recentes Apoacutes a chegada dos portugueses a ceracircmica brasileira recebeu

influecircncias de negros europeus e asiaacuteticos Aparece a ceracircmica utilitaacuteria com a

instalaccedilatildeo de olarias em coleacutegios engenhos e fazendas jesuiacutetas onde se produzia

aleacutem de tijolos e telhas louccedila de barro para consumo diaacuterio a azulejaria empregada

na arquitetura em diversas eacutepocas e a ceracircmica popular

Fig 4 Cer Marajoara

4 Fig 5 Cer Marajoara

5 Fig 6 Cer Tapajocircnica

6

4 Reacuteplica de urna funeraacuteria de aproximadamente 1400 anos de idade escavada de um cemiteacuterio do

aterro Guajaraacute Ilha de Marajoacute Fonte reproduzida de marajoaracomsite institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 20092015 5 Pesquisa por imagem ndash 283 x 378 Disponiacutevel em lthttpwwwsospindarteblogspotcomhtmlgt

Acesso em 20092015 6 Pesquisa por imagem ndash 960 x 720 Vaso cariaacutetide da cultura Santareacutem Acervo do MAE-USP

Disponiacutevel em lthttpwwwslideplayercombrhtmlgt Acesso em 20092014

24

Atualmente a ceracircmica eacute explorada em todas as regiotildees brasileiras tanto na cultura

popular como na erudita mostrando caracteriacutesticas proacuteprias em sua respectiva

regiatildeo Na regiatildeo Norte em Icoaraci (PA) o artesatildeo Cabeludo retratou pessoas em

seu cotidiano e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara tendo o municiacutepio se

tornando nos anos 70 do seacuteculo passado grande produtor de reacuteplicas imitando o

estilo das culturas marajoara e tapajocircnica e no Amapaacute a ceracircmica de Maruanum de

influecircncia indiacutegena e nordestina No Nordeste em Pernambuco temos Mestre

Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradiccedilatildeo como vaqueiros e cangaceiros

Francisco Brennand (escultor ceramista pesquisador erudito) os artesatildeos das

cidades de Tracunhanheacutem Caruaru e Goiana e na Bahia os de Maragogipinho

produzindo animais potes jarros santos catoacutelicos etc e no Sergipe Santana do

Satildeo Francisco eacute conhecida como a capital sergipana do barro No Centro Oeste as

ceracircmicas indiacutegenas dos Terenas e Dadweacuteo No Sudeste em Minas Gerais a

ceracircmica do Vale do Jequitinhonha representado por Dona Isabel e sua famiacutelia

Noemisa e Ulisses Pereira Chaves Campo Alegre com produtos que representam a

zona rural como bois paacutessaros flores Monte Siatildeo Muzambinho Uberlacircndia a

ceracircmica Saramenha em Ouro Preto Sabaraacute Baratildeo de Cocais e Palhano em

Brumadinho Em Satildeo Paulo a ceracircmica da cidade de Cunha queimada em fornos

Noborigama (de origem japonesa a lenha e com diversas cacircmaras) e a do Vale da

Ribeira (Apiaiacute) de origem principalmente indiacutegena (tupi-guarani) e africana No

Espiacuterito Santo as tradicionais panelas de barro fabricadas haacute quatrocentos anos e

a Associaccedilatildeo de Ceramistas de Jacuiacute na cidade de Serra produzindo objetos

inspirados nas populaccedilotildees tradicionais como pescadores e catadores de caranguejo

do litoral capixaba Na regiatildeo Sul satildeo produzidas ceracircmicas tanto de influecircncia

nativa quanto de europeus

131 Ceramistas Brasileiros Contemporacircneos

Entre a enorme quantidade de ceramistas brasileiros escolhi alguns que

contribuiacuteram ou contribuem para a ceracircmica com publicaccedilotildees implantaccedilatildeo de

museus desenvolvimento de pesquisas e na difusatildeo desta arte e atuando como

25

produtores e tambeacutem como professores Alguns deles se destacaram tambeacutem em

outras modalidades artiacutesticas

- Udo Knoff (1912-1994) ndash nascido na Alemanha trabalhou na Ceracircmica Duvivier

no Rio de Janeiro Mudou-se para Salvador (BA) onde abriu um ateliecirc de ceracircmica e

trabalhou ateacute sua morte Foi professor de ceracircmica na Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia Se dedicou em especial agrave azulejaria publicando o

livro ldquoAzulejos da Bahiardquo em 1986 Reuniu azulejos de todos os periacuteodos do Brasil

(seacuteculos XVII XVIII XIX de XX) hoje na coleccedilatildeo do Museu Udo Knoff Atuou na

pintura de azulejos tanto como criador como executor de paineacuteis de projetos de

outros artistas como Lecircnin Braga Carybeacute Jenner Augusto Genaro de Carvalho

Floriano Teixeira Calazans Neto dentre outros

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014) pernambucano trabalhou com Francisco

Brennand de 1943 a 1945 produzindo jarros florais e pratos Criou e presidiu

durante 10 anos a Sociedade de Arte Moderna do Recife Executou a pedido da

Prefeitura do Recife esculturas de tipos populares inspirados na ceracircmica popular

que estatildeo em praccedilas da cidade O Sertanejo Os violeiros O Vendedor de Caldo de

Cana e o Vendedor de Pirulitos Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura

Popular (MCP) atraveacutes do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte o Centro de

Artes Plaacutesticas e Artesanato e as Praccedilas de Cultura no Recife Foi eleito delegado

de Pernambuco na Seccedilatildeo Brasileira da Associaccedilatildeo Internacional de Artes Plaacutesticas

da Unesco em 1956 Expocircs em vaacuterios paiacuteses da Europa Aacutesia e Ameacutericas

- Francisco Brennand (1927) ndash ceramista pernambucano filho de dono de faacutebrica de

ceracircmicas dedicou-se inicialmente agrave pintura a oacuteleo se interessando pela ceracircmica

apoacutes contato na Europa com obras nesta teacutecnica de Picasso Chagall Matisse

Braque Gauguin e Miroacute Pesquisou a ceracircmica maioacutelica na Itaacutelia realizando

experiecircncias com esmaltes atraveacutes de queimas sucessivas e em temperaturas

variadas da mesma peccedila com nova camada de esmalte explorando variedades de

cores e texturas

26

- Armando Sendin (Rio de Janeiro 1928) ndash trabalhou na Manufatura Nacional de

Segravevres na Franccedila e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e teacutecnicas de

ceracircmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti na Espanha

Publicou em 1965 o livro didaacutetico ldquoCeracircmica Artiacutesticardquo

- Celeida Tostes (1929-1995) ndash ceramista carioca Atuou como professora em

escolas de belas artes no Rio de Janeiro Ministrou curso de ceracircmica utilitaacuteria em

penitenciaacuteria feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formaccedilatildeo de

centros de ceracircmica utilitaacuteria na periferia do Rio de Janeiro Explorou o tema da

feminilidade em sua obra como fertilidade maternidade sexualidade fragilidade e

resistecircncia nascimento e morte

Fig 7 Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma ceracircmica popular muito rica Atraveacutes dela os artistas populares

revelam sua cultura suas crenccedilas sua visatildeo de mundo sua religiosidade e

geralmente mostram sua luta diaacuteria pela sobrevivecircncia na labuta da atividade

7 ldquoAldeia Funarius Rufusrdquo Instalaccedilatildeo exibida na I Bienal do Barro de Ameacuterica em Caracas 1992

Foto DivulgaccedilatildeoAcervo Suzete Muzeraqui Disponiacutevel em lthttpwwwogloboglobocomculturaartes-visuais-leviopresto-tributo-alquimista-celeida-tostes--13798665htmlgtAcesso em 23092015

27

No Brasil costuma-se chamar de ldquoarte popularrdquo a produccedilatildeo de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que sem jamais terem frequumlentado escolas de arte criam obras de reconhecido valor esteacutetico e artiacutestico Seus autores satildeo gente do povo o que em geral quer dizer pessoas com poucos recursos econocircmicos que vivem no interior do paiacutes ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem ldquoarterdquo significa antes de mais nada trabalho (Arte Popular Brasileira ndash Texto do Museu do Pontal)8

Dentre os artistas populares ceramistas o mais famoso eacute Mestre Vitalino (1909-

1963) de Caruaru (PE) Comeccedilou a modelar figuras no barro ainda crianccedila como

brincadeira Profissionalmente retratou figuras do povo sertanejo como vaqueiros

cangaceiros violeiros caccediladores trabalhadores em geral inspirando a formaccedilatildeo de

novos artistas na regiatildeo onde viveu Obras suas estatildeo expostas em museus no

Brasil e no exterior inclusive no Louvre Em Pernambuco ainda temos Mestre

Galdino (1923-1996) ceramista e poeta e seu trabalho eacute composto de duas grandes

seacuteries figuras de cangaceiros hieraacuteticos e alongados e a das figuras fantaacutesticas

Mestre Nuca de Tracunhanheacutem (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas

esculturas de ceracircmica nas feiras e mais tarde cria uma marca individual

produzindo figuras com cabelos encaracolados lembrando jubas de leotildees Ana das

Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcaccedilotildees do

Rio Satildeo Francisco recebendo o tiacutetulo de Patrimocircnio Vivo de Pernambuco Era

conhecida tambeacutem como a ldquoDama do Barrordquo Todo o nordeste brasileiro contribuiu e

contribui com grandes ceramistas populares tanto figurativos quanto utilitaacuterios como

vasos panelas moringas cada local com suas particularidades impressas em suas

criaccedilotildees

8 Disponiacutevel em lthttpwwwfarte20popular20-20museu20do20pontal Acesso em

09092015

28

Fig 8 Mestre Vitalino9 Fig 9 Mestre Galdino

10

No Paraacute natildeo podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006) renomado

ceramista que nasceu no interior do estado Ele foi o responsaacutevel pelo surgimento

da ceracircmica marajoara contemporacircnea na deacutecada de 70 juntamente com Mestre

Cabeludo se encantando por esta arte apoacutes uma visita ao Museu Paraense Emiacutelio

Goeldi em Beleacutem que possui uma rica coleccedilatildeo de ceracircmica arqueoloacutegica que o

encantou fazendo-o se dedicar ao estudo das teacutecnicas de produccedilatildeo indiacutegenas (o

estilo marajoara pertence agrave quarta fase arqueoloacutegica da Ilha de Marajoacute geralmente

em preto vermelho e branco e modelagem em relevo incisotildees e cortes e o

tapajocircnico tem origem na ceracircmica produzida na regiatildeo do Rio Tapajoacutes ateacute o seacuteculo

XVIII caracterizada por estatuetas muiraquitatildes pratos e cachimbos) Pediu

permissatildeo ao museu para copiar suas peccedilas e passou a reproduzi-las Despertou o

interesse dos ceramistas locais pelas ceracircmicas marajoara e tapajocircnica e hoje a

cidade eacute a maior produtora e divulgadora da ceracircmica indiacutegena amazocircnica Mestre

Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas reacuteplicas mas

produzindo tambeacutem suas proacuteprias obras

9 ldquoRetirantesrdquo ndash ceracircmica Acervo Museu de Arte Popular do Recife foto de autoria desconhecida

Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogscombrhtmlgt Acesso em 20092015 10

ldquoSiacutembolo de Salomatildeordquo ndash ceracircmica Acervo do Memorial Mestre Galdino Caruaru (PE) Foto de Luciana Chagas Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelmestregaldinohtmlgt Acesso em 20092015

29

Fig 10 Mestre Cardoso

11 Fig 11 Mestre Cardoso

12

No Espiacuterito Santo temos as famosas panelas de barro de fabricaccedilatildeo herdada dos

iacutendios que alia sua funccedilatildeo a produccedilatildeo de famoso e tradicional prato da culinaacuteria

capixaba a moqueca de peixe apreciado por turistas atraiacutedos por suas praias

Fig 12 Paneleiras de Goiabeiras13

Fig 13 Panelas sendo queimadas14

11

ldquoVasordquo - ceracircmica marajoara Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasilblgspotcom-401x640htmlgt Acesso em 20092015 12

ldquoMulherrdquo Reproduccedilatildeo em nome do autor Proposta Editorial Satildeo Paulo 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwartepopulardobrasil blogspotcom-116x500htmlgt Acesso em 20092015 13

Foto g1globocom Pesquisa por imagem Disponiacutevel em lthttpwwwarteblognet120140216conheccedila-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblognet -300x225buenalech-buenalech-htmlgt Acesso em 20092015 14

Idem Pesquisa por imagem 500 x 334

30

A ceracircmica popular estaacute presente tambeacutem nos outros estados brasileiros Onde

houver uma argila trabalhaacutevel o ceramista se instala e sua tradiccedilatildeo eacute passada de

uma geraccedilatildeo a outra cada local possuindo uma identidade proacutepria conseguida

atraveacutes dos costumes religiatildeo tipos de argila e equipamentos utilizados e o

aprimoramento das teacutecnicas

132 A Ceracircmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma ceracircmica representativa tanto

popular como erudita

A ceracircmica popular eacute representada principalmente pelos ceramistas do Vale do

Jequitinhonha onde vaacuterias comunidades em vaacuterios municiacutepios produzem ceracircmica

biscoitada queimada em fornos a lenha utilitaacuterios e figurativos Estes artistas

populares produzem obras singulares arrancando da terra seu sustento numa

regiatildeo com poucas alternativas de sobrevivecircncia Pressionados pela necessidade

muitos descobrem sua vocaccedilatildeo na arte do barro se destacando entre outros

artesatildeos Conseguem com a projeccedilatildeo alcanccedilada melhorar as condiccedilotildees de vida da

famiacutelia e ateacute de toda uma regiatildeo como foi com Dona Isabel (1924-2014) Ela

chamada a ldquoBonequeira do Vale do Jequitinhonhardquo comeccedilou a modelar bonecas

ainda crianccedila para brincar com elas Movida pela necessidade como acontece com

a maioria dos artesatildeos seguiu a profissatildeo da matildee paneleira inicialmente

resolvendo depois modelar tambeacutem figuras Com o bom resultado alcanccedilado

passou a se dedicar somente a elas Criou noivas matildees amamentando mulheres

enfeitadas parta festa cenas de batizado tudo com muito capricho e muita riqueza

de detalhes Ensinava seu ofiacutecio a quem quisesse aprender Iniciou suas filhas e

genros na atividade alguns deles executando as primeiras etapas de sua produccedilatildeo

quando a procura por suas bonecas aumentou cabendo a ela somente o

acabamento final Fundou a Associaccedilatildeo dos Artesatildeos de Santana de Araccediluaiacute

distrito de Itinga Influenciou toda a regiatildeo com sua arte fazendo do Vale um grande

produtor de ceracircmica figurativa Trabalhou como ceramista durante sessenta anos e

seu trabalho ultrapassou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil alcanccedilando

31

preccedilos altos no mercado Foi homenageada na Unesco em 2004 Noemisa (1947)

como tantas outras aprendeu o ofiacutecio com a matildee ceramista utilitaacuteria Sua temaacutetica

eacute bastante variada modelando cenas do cotidiano arte religiosa ritos religiosos

como casamentos batizados e funerais igrejas e santuaacuterios Ulisses Pereira (1924-

2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano Foi um dos primeiros

homens a se dedicar a arte da ceracircmica do Vale Sua obra eacute baseada na ceracircmica

escultoacuterica antropozoomorfa de grandes dimensotildees alcanccedilando mais de um metro

e foi descrita como expressionista surrealista miacutestica oniacuterica sobrenatural figuras

com vaacuterias cabeccedilas lobisomens paacutessaros com peacutes humanos Minotauro etc Estes

trecircs artistas aprenderam a funccedilatildeo com as matildees paneleiras como acontece com a

maioria dos ceramistas populares

Fig 14 Dona Izabel

15 Fig 15 Dona Noemisa

16 Fig 16 Ulisses Pereira

17

15

ldquoMulher Amamentandordquo - ceracircmica policromada Reproduccedilatildeo fotograacutefica desconhecida Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogsporcombr201011-isabel-mendes-da-cunhahtmlgt Acesso em 21092015 16

ldquoCeramistardquo - ceracircmica policromada Foto de Ana Bratke Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombrsearchlabelnoemisahtmlgt Acesso em 21092015 17

Tiacutetulo desconhecido ndash ceracircmica Acervo do Pavilhatildeo das Culturas Brasileiras Satildeo Paulo SP Disponiacutevel em lthttpwwwartepopularbrasilblogspotcombr201211ulisses-pereira-chaveshtmlgt Acesso em 21092015

32

A ceracircmica Saramenha comeccedilou a ser produzida no seacuteculo XIX na chaacutecara de

mesmo nome proacuteximo a Ouro Preto trazida de Portugal entre 1802 e 1808 pelo

padre Viegas de Menezes tendo quase sido extinta Passou a ser valorizada quase

um seacuteculo depois atraveacutes das pesquisas de estudiosos e colecionadores como o

marchand paulista Paulo Vasconcelos apoacutes encontrar um exemplar num antiquaacuterio

carioca Conseguiu recolher casticcedilais bilhas paliteiros saleiros formas refrataacuterias

candeias e urinoacuteis

Era baacuterbara grosseira [] Ela possuiacutea cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado sendo decorada com desenhos ingecircnuos e recoberta com desenhos ingecircnuos e recoberta com uma camada leve de verniz Mas seu traccedilo mais marcante eacute o vitrificado obtido agrave custa de oacutexido de ferro e pedra moiacuteda derretidos em panelas de ferro adaptadas aos ruacutesticos fornos da eacutepoca Notadamente a sua concepccedilatildeo tem influecircncia portuguesa mas natildeo soacute Algumas vezes os utensiacutelios tomam formas nitidamente chinesas lembrando sagradas vasilhas de chaacute Em outras as formas remetem a produccedilotildees mexicanas configurando jarras ou bilhas com trecircs saiacutedas de aacutegua Antoniette Fay pesquisadora do Museu Nacional de Ceracircmica em Segravevres ressaltou a semelhanccedila de etilo com a louccedila antiga e do mesmo gecircnero da regiatildeo francesa de Bouvais (MACEDO Edelma) 18

A ceracircmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do seacuteculo passado na exposiccedilatildeo

Internacional de Bruxelas e foi projetada internacionalmente Apesar disso quase

desapareceu Nas uacuteltimas deacutecadas sua produccedilatildeo era encontrada nas cidades de

Ouro Preto Sabaraacute Santa Luzia Mariana Caeteacute Baratildeo de Cocais e Santa Baacuterbara

mas a Casa do Artesatildeo Mestre Bitinho em Ouro Branco eacute considerada a uacutenica

unidade atualmente a produzir a Saramenha Mestre Bitinho foi um ceramista que se

dispocircs a ensinar a teacutecnica quase extinta que antes era passada de pai para filho

desde seu bisavocirc (teacutecnica mantida em segredo) graccedilas a um projeto do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais em convecircnio com a Prefeitura de Ouro Branco

18

PROJETO EXPERIMENTAL Arte e Artesanato ndash A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural

MACEDO Edelma Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesanatosaramenhahtmlgt

Acesso em 02102015

33

onde morava Mestre Bitinho faleceu em 1998 deixando 18 artesatildeos seguidores de

seu ofiacutecio

Fig 17 Ceracircmica Saramenha 19

Fig 18 Ceracircmica Saramenha 20

Em Brumadinho a ceramista Toshiko Ishii nascida no Japatildeo introduziu em Minas

Gerais a ceracircmica ldquoBizenrdquo Esta teacutecnica apareceu na cidade do mesmo nome

localizada em uma ilha na proviacutencia de Okoyama Eacute derivada da ceracircmica medieval

japonesa Sueki fruto da incorporaccedilatildeo da ceracircmica japonesa com a coreana cozida

a altas temperaturas em fornos de buraco construiacutedos em encostas por volta do

seacuteculo V dC Em meados do seacuteculo VII dC a ceracircmica Sueki sofreu novamente

influecircncia coreana e chinesa passando a ser banhada com esmaltes A ceracircmica

Bizen natildeo utiliza esmaltes e suas caracteriacutesticas dureza cores manchas e

sombras satildeo conseguidas com a longa cozedura cerca de 70 horas ininterruptas a

alta temperatura (atingindo ateacute 1300 degC) e das cinzas depositadas sobre as peccedilas

originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peccedilas para a

queima O forno eacute aberto uma semana depois quando as peccedilas estatildeo frias Apoacutes

morar em Satildeo Paulo na deacutecada de 70 do seacuteculo passado Toshiko veio para Minas

Aqui pesquisou as teacutecnicas japonesas apoacutes constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa Diamantina (MG) SeacutecXIX Pesquisa por imagem 250 x 320 Acervo EBAUFMG Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092015 20

Jarras e potes Minas Gerais seacuteculo XIX Coleccedilatildeo Paulo Vasconcelos SP Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtavigatorarteartesanatoimageml-ceramicahtmlgt Acesso em 22092014

34

Palhano (Distrito de Paraopebas) onde morava era trabalhaacutevel Suas experiecircncias

e obras chamaram a atenccedilatildeo de outros ceramistas e cinco anos depois na deacutecada

de 80 do seacuteculo passado Erli Fantini Adel Souki e Inecircs Antonini instalaram ateliers

na regiatildeo criando assim um expressivo nuacutecleo de ceracircmica contemporacircnea

Toshiko Ishii faleceu em 2007 aos 96 anos Erli Fantini nasceu em Sabaraacute e atua

tambeacutem em BH ministrando cursos de formaccedilatildeo para ceramistas organizando

exposiccedilotildees e promovendo a divulgaccedilatildeo da ceracircmica Adel Souki natural de

Divinoacutepolis usa de metaacuteforas atraveacutes de objetos esculturas e instalaccedilotildees Eacute

professora de ceracircmica na UEMG e coordena o Programa Residecircncia da Ceracircmica

da ONG Programa da Juventude Inecircs Antonini belorizontina eacute considerada uma

das maiores ceramistas mineiras Anualmente desde 2006 acontece o Circuito da

Ceracircmica de Minas Gerais realizado pela CArte Projetos Culturais e CArte

Educativa em Brumadinho onde satildeo oferecidas oficinas de ceracircmica e encontros

com ceramistas

Fig 19 Ceracircmica Bizen21

Fig 20 Ceracircmica Bizen22

Em Belo Horizonte Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008) professor de ceracircmica

da Escola de Belas Artes da UFMG teve grande importacircncia no ensino produccedilatildeo e

difusatildeo da Ceracircmica aleacutem de atuar tambeacutem como muralista escultor pintor

fotoacutegrafo e restaurador Suas obras encontram-se expostas principalmente em

21

Toshiko Ishii Vaso (fundo) Oribecirc 8 x 20 x 30 cm coleccedilatildeo Adel Souki PEDRO Fernando wwwcomartecom Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015 22

Toshiko Ishii Bandeja Sometsuke 3 x 28 x 20 cm Coleccedilatildeo Marcos Coelho Benjamim Disponiacutevel em idem Acesso idem

35

espaccedilos puacuteblicos como escolas e igrejas espalhadas pelo Brasil afora Com seu

jeito bonachatildeo ministrava suas aulas de forma coloquial quase natildeo havendo

distinccedilatildeo entre professor e aluno Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos

da Itaacutelia onde nasceu e a repartiu em terras mineiras agora sua terra de coraccedilatildeo

Foi atraveacutes do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade assim como

muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituiccedilatildeo

Participou de minha empolgaccedilatildeo pela descoberta das inuacutemeras possibilidades desta

alquimia de uma mateacuteria tatildeo simples como a argila se transformar em objetos

carregados de significados enchendo de satisfaccedilatildeo o seu realizador

Fig 21 Gianfranco Cavedone Cerri23

23

ldquoJesus Consola as Mulheres de Jerusaleacutemrdquo ndash terracota em tamanho natural Obra integrante da Via Sacra da Basiacutelica de Satildeo Joseacute Operaacuterio em Barbacena MG deacutecada de 60 Disponiacutevel em lthttpwwwsaberculturalcomtemplateartebrasilespeciaiscerri-gianfranco-cavedone-2htmlgt Acesso em 22092015

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Minas Gerais conta com inuacutemeros outros artistas da ceracircmica produzindo

ativamente participando de exposiccedilotildees e feiras e promovendo eventos ligados ao

setor Muitos ministram cursos de iniciaccedilatildeo e de teacutecnicas mais avanccediladas em

ateliers alguns atuando tambeacutem como professores em escolas de arte regulares

como Flaacutevia Rocha Maacutercia Seo Bruno Amarante Carmelita Andrade Daniele

Drummond Maacutercio Sakurai Roberto Lott Maacuteximo Soalheiro Socircnia Toledo Niacutecia

Braga entre outros

37

CAPIacuteTULO 2

21 O Ensino da Ceracircmica em Ateliers

Atelier eacute uma palavra de origem francesa que significa ldquooficinardquo Normalmente o

termo eacute utilizado para oficinas voltadas agraves atividades de arte e de artesanato como

pintura escultura desenho gravura moda No atelier se encontram todos os

equipamentos ferramentas e insumos necessaacuterio ao seu funcionamento Alguns se

dedicam tambeacutem ao ensino de sua atividade tanto para pessoas em busca de um

hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente

Para o artista ou artesatildeo o atelier representa a conquista de um espaccedilo particular

cheio de significados como um reduto de criaccedilatildeo reflexotildees e descobertas quase

um santuaacuterio Para muitos eacute a satisfaccedilatildeo de um sonho Poreacutem assumir um atelier

exige grandes responsabilidades entre elas o compromisso de resultados concretos

e contiacutenuos sendo o ensino muitas vezes um meio de sobrevivecircncia do

empreendimento

Em seus primoacuterdios a atividade manual era transmitida pela famiacutelia do artesatildeo a

seus descendentes sendo o produto destinado ao consumo da proacutepria famiacutelia A

ceracircmica era uma atribuiccedilatildeo essencialmente feminina e seu ensino era transmitido

agraves filhas pelas avoacutes e matildees Com o passar dos tempos a populaccedilatildeo aumentou e

surgiram as cidades e seus mercados determinando a divisatildeo do trabalho e a troca

de produtos e serviccedilos A atividade manual entatildeo se deslocou do seio da famiacutelia e

passou a ser exercida em oficinas jaacute como funccedilatildeo masculina Estas oficinas

funcionavam tambeacutem como escolas para o jovem artista Oficinas com estas

caracteriacutesticas foram implantadas tambeacutem em grandes domiacutenios senhoriais palaacutecios

e templos com os artesatildeos trabalhando tanto como empregados quanto como

escravos Em algumas culturas se limitavam a realizar tarefas impostas pelos

patronos reis sacerdotes e priacutencipes em monumentos destinados a perpetuar sua

memoacuteria e a ofertas aos deuses de acordo com regras tradicionais

38

Na Idade Meacutedia as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros verdadeiras

cidadelas protegidos de guerras e assaltos onde os monges assumiram a tarefa do

ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustraccedilotildees em livros de temas

religiosos doutrinaacuterios e de fundo moral) carpintaria fabricaccedilatildeo de vidros ceracircmica

fundiccedilatildeo de metais preparaccedilatildeo de pedras de cantaria para construccedilotildees etc de

acordo com regras da Igreja e a seu serviccedilo Segundo Hauser24 por volta do seacutec V

os mosteiros surgidos inicialmente na Irlanda haviam se espalhado por toda a

Europa tomando dos bispos o controle da Igreja o que contribuiu para que estes se

tornassem centros culturais Apoacutes o seacutec IX os mosteiros centralizam as artes a

literatura as ciecircncias e os ensinos As oficinas monaacutesticas funcionavam como

escolas de arte fornecendo matildeo de obra qualificada aos proacuteprios mosteiros agraves

catedrais e aos grandes senhores da eacutepoca Ainda segundo Hauser natildeo era soacute nos

mosteiros que se produzia arte Muitos artesatildeos independentes que exerciam o

ofiacutecio herdado dos antigos romanos trabalhavam de maneira mais rudimentar em

estabalecimentos mais modestos formando pequenos e livres mercados de

trabalho e outros mais especializados em palaacutecios reais e grandes

estabelecimentos poreacutem ainda considerados como pessoal domeacutestico Foi nos

mosteiros que aconteceu a separaccedilatildeo das artes manuais do ambiente domeacutestico

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos devido ao

renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho

movimentado pelo dinheiro disponiacutevel estes deixaram de executar o ofiacutecio e

passaram a administraacute-lo contratanto oficinas de proprietaacuterios laicos treinados nos

mosteiros ou trabalhadores ambulantes determinando o surgimento de

associaccedilatildeoes cooperativas de artistas e artesatildeos chamadas Lodges As Lodges

eram grupos autocircnomos com conteuacutedos proacuteprios e governos indepedentes que

funcionavam junto agrave obra a ser executada Reforccedilaram a noccedilatildeo de hierarquia entre

as funccedilotildees estabelecendo campos de atuaccedilatildeo distintos para arquitetos mestres e

operaacuterios Eram contratadas para a construccedilatildeo de catedrais e igrejas seguindo

regras estabelecidas sob direccedilatildeo artiacutestica e administrativa indicada pelo

contratante A organizaccedilatildeo do trabalho dos artistas e artesatildeos promovida pelos

mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura contribuindo para uma

24

HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura Vol 1 Jornal do Foro Lisboa 1994 Paacutegs 232242JANSON HW

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relaccedilatildeo mais positiva de seu ofiacutecio numa eacutepoca em que o trabalho manual era

desprezado

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado

de trabalho surgindo os artista e artesatildeos puderam entatildeo abandonar as Lodges e

se estabelecerem como mestres indepedentes Com isto aumentou a competiccedilatildeo

entre eles sendo necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que organizassem e

regulassem a atividade surgindo entatildeo as Guildas ou Corporaccedilotildees de Artes e

Ofiacutecios (entre os seacuteculos XII e XV) Eram associaccedilotildees cooperativas voltadas para a

formaccedilatildeo profissional de seus integrantes o controle de qualidade de seus produtos

e para a defesa de seus interesses regulamentando e padronizando a produccedilatildeo e

promovendo a venda de suas mercadorias No topo da organizaccedilatildeo estava o mestre

de ofiacutecio que era o proprietaacuterio da oficina com suas ferramentas e produtos

Dominava todo o processo de produccedilatildeo contratava trabalhadores e estipulava os

salaacuterios A seu serviccedilo trabalhavam os oficiais profissionais com boa experiecircncia

recebendo salaacuterios e executando as tarefas ordenadas pelo mestre e os

aprendizes jovens em iniacutecio de carreira que frequentavam a oficina para

aprenderem o ofiacutecio Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofiacutecios

como de arquitetos pedreiros carpinteiros ceramistas pintores escultores etc

Funcionavam nas cidades junto a mercados e bazares e negociavam seus

produtos diretamente com o consumidor Estas associaccedilotildees formavam verdadeiras

irmandades e satildeo o embriatildeo dos modernos sindicatos de trabalhadores e

cooperativas

O surgimento das academias de arte a partir do seacutec XVI marcou a separaccedilatildeo

entre o artista e o mestre de ofiacutecio As chamadas belas artes passaram a ser

desenvolvidas nas academias e os ofiacutecios continuaram a ser ensinados em oficinas

particulares em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder puacuteblico ou pela

sociedade atraveacutes de accedilotildees de benemeacuteritos e de igrejas

Na segunda metade do seacutec XIX surge na Inglaterra o movimento Arts and Crafts

(Artes e Ofiacutecios) que procurou estabalecer novamente a aproximaccedilatildeo da Arte com

as Artes Aplicadas em oposiccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e a produccedilatildeo em massa

40

reafirmando a importacircncia do trabalho artesanal de acordo com o ideal das guildas

medievais O legado do movimento pode ser observado ateacute hoje em todo o mundo

com a propagaccedilatildeo de oficinas de ceracircmica tecelagem joalheria etc e a criaccedilatildeo

das escolas de artes e ofiacutecios Liga-se em 1890 ao movimento internacional Art

Nouveau

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas em motivos ligados agrave

natureza integrando Arte Artesanato e induacutestria Agregava materiais como ferro

vidro e cimento valendo-se da racionalidade das ciecircncias e da engenharia A

intenccedilatildeo era aliar beleza e funcionalidade agrave produccedilatildeo em massa

No iniacutecio do seacutec XX eacute criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919) resultado da

fusatildeo da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar

Propunha a associaccedilatildeo entre Arte Artesanato e induacutestria e a complementaridade

das diferentes artes ao design e agrave arquitetura sendo o aprendizado e o objetivo da

Arte ligados ao fazer artiacutestico numa reintegraccedilatildeo dos moldes medievais de Artes e

Ofiacutecios Pretendia a formaccedilatildeo das novas geraccedilotildees de artistas comprometida com um

ideal de sociedade civilizada e democraacutetica e estava ligada agraves vanguardas

especialmente ao Construtivismo russo pelo seu caraacuteter esteacutetico e poliacutetico e a ideacuteia

de que a arte deve ser funcional aliada agrave arquitetura em termos de materiais

procedimentos e objetivos

Na deacutecada de 1920 aparece no cenaacuterio das artes aplicadas o Art Deco retomando

os valores do estilo Art Nouveau poreacutem com linhas retas e estilizadas formas

geomeacutetricas e design abstrato

Atualmente o ensino das artes aplicadas em especial a ceracircmica eacute oferecido em

escolas profissionalizantes e em universidades (em cursos de arte como disciplina

ou como bacharelado) e por artistas plaacutesticos que abrem seus ateliers para cursos

livres atraindo interessados em uma atividade artiacutestica

41

211 Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25 que funciona no primeiro andar de um sobrado em

um tradicional bairro de BH foi realizada no horaacuterio em que ela ministrava sua aula

Ao entrar um pequeno jardim com algumas obras suas jaacute nos introduz agrave atmosfera

do local Na varanda do lado esquerdo um forno com peccedilas queimadas e por

serem retiradas e do lado oposto vaacuterias peccedilas em forma de torres causando um

impacto estranho misterioso identificando a dona Dentro do atelier todo o

aparato necessaacuterio ao funcionamento do atelier tanto para seu uso como artista

como para o ensino da ceracircmica como ferramentas prateleiras com potes de

esmaltes e pigmentos pinceacuteis mesas cadeiras etc E absorvidos no trabalho seus

alunos executam trabalhos diversificados

Obras de Erli Fantini 26

25

O atelier funciona na Rua Quimberlita no Bairro Santa Teresa 26

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

42

Erli me recebe muito gentilmente como se focircssemos velhas conhecidas Sinto uma

empatia de parceria de sonhos e interesses comuns O respeito pelo seu trabalho

me inibe Fico pensando se o questionaacuterio que preparei estaacute agrave sua altura poreacutem

agora eacute tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer pois ela estaacute agrave

minha frente sorrindo e entatildeo me sinto mais agrave vontade

Eu jaacute conhecia um pouco de seu trabalho sabia de sua importacircncia para a ceracircmica

em Minas e no Brasil comprovada pelas referecircncias a seu trabalho por

pesquisadores nesta aacuterea Sabia tambeacutem do seu extenso curriacuteculo como

professora e expositora mas quando penetrei em seu habitat povoado por suas

obras tive a sensaccedilatildeo de estar num mundo irreal com figuras enigmaacuteticas

misteriosas carregadas de significados ocultos Figuras que lembram habitantes de

outros planetas desconhecidos ainda Formas ogivais ciliacutendricas retangulares com

uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si Ao mesmo tempo

que vejo suas esculturas como figuras vivas vejo tambeacutem como habitaccedilotildees de

tempos perdidos na memoacuteria a espera de uma regressatildeo para serem lembradas

Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranccedilas que soacute

poderiam ser transmitidas com a accedilatildeo misteriosa do fogo domado por ela atraveacutes

do bizen

Painel de azulejos 27

27

Fotografado do cataacutelogo ldquoCidadesrdquo da artista

43

Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais ainda esperando

para serem decifrados

Comeccedilo minha entrevista com Erli Ela pergunta se eu elaborei um questionaacuterio e eu

afimo que sim mas que talvez no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais

alguma pergunta Pretendo ser bem objetiva pois sei que seus alunos podem

precisar dela a qualquer momento Erli entatildeo fala com paciecircncia do ensino da

ceracircmica em seu atelier Diz que o perfil de seus alunos eacute de pessoas com

profissotildees definidas ou aposentadas e donas de casa No momento frequentam o

atelier um arquiteto uma psicoacuteloga e algumas donas de casa O curso eacute direcionada

a adultos e eacute livre tanto na duraccedilatildeo como na escolha da teacutecnica a ser desenvolvida

Oleiro em seu ofiacutecio no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plaacutestica manual e dispotildee de um torno onde

um oleiro torneia as peccedilas que seratildeo trabalhadas pelos alunos em variadas

modalidades como decoraccedilatildeo com engobe intervenccedilotildees em sua forma como

aplicaccedilatildeo de detalhes recortes furos incisotildees texturas etc O aluno aprende as

28

Fotografia realizada em seu atelier no dia da visita

44

teacutecnicas de decoraccedilatildeo da peccedila depois de queimada a utilizaccedilatildeo dos vidrados

oacutexidos pigmentos e corantes Erli diz que estes produtos satildeo adquiridos prontos

devido agrave sua praticidade mas que suas foacutermulas satildeo encontradas facilmente em

livros especializados caso algum aluno queira desenvolvecirc-las

Pergunto a Erli a respeito da participaccedilatildeo de seus alunos em eventos difusores da

arte da ceracircmica Ela diz que eles participam de mostras e exposiccedilotildees Diz tambeacutem

que organizou durante alguns anos a exposiccedilatildeo de ceracircmica do Mercado Distrital do

Cruzeiro agora realizada no Mercado Central mas que agora deixou esta funccedilatildeo

para outros ceramistas Segundo ela a participaccedilatildeo de seus alunos nestas

exposiccedilotildees avalia sua participaccedilatildeo no curso

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social Erli diz que ministra

palestras a alunos de escolas puacuteblicas sempre que solicitada oferecendo visitas ao

seu atelier onde conhecem as obras expostas e tecircm um envolvimento maior ao

entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos

empregados Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem

a realidade de um artista em sua atividade desmistificando-o podendo despertar

neles o interesse em seguir os caminhos da Arte especialmente atraveacutes da

Ceracircmica

Encerro minha conversa com Erli Fantini pedindo autorizaccedilatildeo para algumas fotos

Ela entatildeo gentilmente presenteia-me com seu livro ldquoCidadesrdquo

212 Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residecircncia da professora Regina29 O espaccedilo

eacute muito organizado limpo claro e arejado Logo na entrada fica um cabideiro com

vaacuterios aventais para uso dos alunos Nas paredes e estantes objetos de ceracircmica

esmaltados como pratos e potes oferecem um mostruaacuterio aos alunos Outros

29

Maria Regina Pimentel Souza O atelier funciona na Rua Senador Amaral 235 Bairro Mangabeiras

45

objetos produzidos por alunas aguardam a queima que seraacute feita no forno eleacutetrico

do atelier a 1000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima) uma mesinha

com pinceacuteis e outros materiais para a execuccedilatildeo da decoraccedilatildeo das peccedilas adquiridas

de terceiros no estaacutegio de biscoito (primeira queima) Os esmaltes utilizados estatildeo

expostos em uma prateleira identificados e acondicionados em pequenos potes Por

todo o atelier haacute peccedilas de ceracircmica de variadas formas e estilos de decoraccedilatildeo

principalmente motivos figurativos Haacute tambeacutem uma prateleira com potes de variados

modelos e tamanhos esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu

encanto Regina explica que satildeo fornecidos por um oleiro da regiatildeo

Mostruaacuterio de teacutecnicas

Pergunto agrave professora como ela comeccedilou a trabalhar com ceracircmica Ela responde

que foi introduzida no ofiacutecio por uma amiga quando morou em Satildeo Paulo em

46

funccedilatildeo do emprego do marido haacute 38 anos Esta amiga havia se matriculado em um

curso de ceracircmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula e

ela se encantou com a arte A partir daiacute natildeo parou mais pesquisando teacutecnicas

frequentando lojas de materiais ceracircmicas onde encontrava indicaccedilotildees de pessoas

que ensinavam as teacutecnicas que eram apresentadas por elas inclusive no exterior

Disse que herdou a paixatildeo pelos trabalhos manuais da avoacute que bordava e tecia De

volta a BH comeccedilou a ensinar Conta que foi proprietaacuteria de uma faacutebrica de

ceracircmica decorativa e utilitaacuteria que produzia atraveacutes de formas de gesso

confeccionadas pela cunhada e qual funcionou durante 12 anos atividade que

exercia paralelamente ao ensino de esmaltaccedilatildeo em ceracircmica Pergunto a razatildeo da

escolha desta teacutecnica e ela diz que de todas as teacutecnicas de decoraccedilatildeo foi sempre

esta a sua preferida e a que despertou maior interesse agraves pessoas que a

procuravam Diz que no iniacutecio ensinava a modelagem com argila mas resolveu se

dedicar predominantemente agrave esmaltaccedilatildeo Me mostra entatildeo peccedilas modeladas por

ela algumas esperando a queima outras esmaltadas em exposiccedilatildeo no atelier

A professora Regina diz que a maioria de seus alunos eacute de mulheres raramente

aparecendo algum representante do sexo masculino que segundo ela prefere a

modelagem principalmente no torno Estas mulheres satildeo donas de casa ou

aposentadas ambas em busca de uma atividade como hobby quase nunca como

atividade profissional Poucas datildeo continuidade agrave atividade por causa da

necessidade de forno para a queima das peccedilas O curso eacute livre sem imposiccedilatildeo de

tempo de duraccedilatildeo mas para uma boa apreensatildeo das teacutecnicas ela recomenda um

ano de curso O aluno eacute apresentado agraves teacutecnicas atraveacutes do mostruaacuterio exposto e

escolhe o tipo de trabalho que quer executar Ela entatildeo explica que vai orientando o

aluno quanto a forma de aplicar o esmalte e quais os tipos de pinceladas satildeo mais

adequadas a cada efeito pretendido Comeccedila a ensinar a teacutecnica mais faacutecil de

executar ateacute que o aluno adquira destreza para executar outra mais elaborada

Disse que sempre incentiva a criatividade e a imaginaccedilatildeo dos alunos O atelier

fornece todo o material empregado para a decoraccedilatildeo da peccedila e realiza a queima

Este material eacute elaborado por ela com as bases e os produtos quiacutemicos

comprados em Satildeo Paulo agraves vezes em BH e o aluno recebe a foacutermula dos

esmaltes que utilizou no atelier para a execuccedilatildeo de seu trabalho para que possa

47

repetiacute-lo posteriormente Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados

de dezembro

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina seus alunos participam de feiras exposiccedilotildees e

bazares sendo orientados e encentivados a isto O atelier procura tambeacutem cumprir

seu papel social e todo final de ano participa de alguma accedilatildeo para isso Neste ano

vai arrecadar doaccedilotildees para a compra de suplemento alimentar para as crianccedilas

com cacircncer da Fundaccedilatildeo Sara

A professora Regina disse que adora ensinar e mesmo natildeo tendo formaccedilatildeo

acadecircmica desempenha bem sua tarefa de professora

Apesar das semelhanccedilas encontradas em todos os ateliers de ceracircmica que eu jaacute

tive oportunidade de conhecer algumas particularidades caracterizam cada um

Quando me propus a fazer as entrevistas procurei escolher estabelecimentos bem

diferenciados tanto no conteuacutedo que era ensinado aos alunos quanto no

envolvimento artiacutestico proporcionado Em alguns prevalecem as teacutecnicas noutros o

desenvolvimento da sensibilidade Enquanto uns satildeo mais proacuteximos do artesanato

48

outros visam o prazer esteacutetico Mas em qualquer um dos casos a satisfaccedilatildeo de

quem procura se realizar atraveacutes da Ceracircmica eacute evidente seja um estudante uma

dona de casa pobre ou rica um arquiteto um aposentado etc Em ambos os casos

a confraternizaccedilatildeo entre os praticantes eacute grande promovendo a formaccedilatildeo de grupos

sociais que muitas vezes permanece durante toda a vida de seus integrantes

49

CAPIacuteTULO 3 31 Relato de Atuaccedilatildeo em Oficina de Ceracircmica

Quando fui convidada a ensinar ceracircmica para os internos de uma instituiccedilatildeo de

recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos30 fiquei durante algum tempo indecisa se

devia aceitar ou natildeo pois tinha uma ideacuteia preconcebida a respeito destas pessoas

Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali mas eu

estava equivocada Encontrei pessoas comuns que passariam despercebidas se

encontradas em outras circunstacircncias e em outros ambientes O que as

diferenciavam olhando-as mais atentamente eram os olhos angustiados ou tristes

Aceitei a tarefa incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria

dinacircmicas de grupo com eles e propocircs que inicialmente focircssemos no mesmo

horaacuterio intercalando suas atividades com a minha Ele jaacute contava com bastante

experiecircncia como professor em oficinas de teatro

Logo no primeiro dia minha resistecircncia caiu Senti que poderia desenvolver um

trabalho satisfatoacuterio para eles e enriquecedor para mim eu que estava precisando

de uma maneira de comeccedilar a ensinar Natildeo tinha como objetivo ajudar no

tratamento diretamente pois natildeo era minha funccedilatildeo como professora de Arte nem

formar artistas poreacutem proporcionar momentos de experienciaccedilatildeo em Arte

Ficamos meu colega e eu desenvolvendo as duas atividades paralelamente

durante dois meses Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as

dinacircmicas de grupo e peguei um pouco de jeito tambeacutem devido agrave colaboraccedilatildeo dos

alunos muito receptivos aacutevidos por atividades que tornassem seu tempo menos

entediante Eles se interessaram de verdade pelas novidades apresentadas visto

que apenas um entre os doze jaacute havia experimentada um pouco do fazer artiacutestico

Agraves vezes fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse

oportunidade para isso nesta terra de tanto talento para a criaccedilatildeo em outras aacutereas

como por exemplo nos viacutedeos postados na internet Mas para que isso venha a

30

Cliacutenica CEMAP ndash Centro Mineiro de Assistecircncia Psicossocial localizada no Bairro Lagoa dos Mares em Confins MG

50

acontecer precisaria de uma maior eficiecircncia das escolas formais neste conteuacutedo

atraveacutes de maiores investimentos na formaccedilatildeo de professores e sua manutenccedilatildeo na

funccedilatildeo atraveacutes de melhores salaacuterios e condiccedilotildees de trabalho

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecccedilatildeo de maacutescaras que

poderia contemplar a atividade teatral e a criaccedilatildeo com a materialidade Fundimos no

gesso o rosto de todos em dois dias de aula com todos participando ativa e

coletivamente Para isso utilizamos faixas gessadas compradas em farmaacutecia

molhadas e colocadas sobre o rosto besuntado de vaselina para copiar sua forma

Tivemos algumas situaccedilotildees divertidas como por exemplo de um dos alunos

cochilando durante o processo roncando ruidosamente (com o movimento da

bochecha por causa do ronco sua maacutescara ficou com uma deformaccedilatildeo em um dos

lados) Depois da fundiccedilatildeo dos rostos trabalhamos com argila sobre eles

acrescentando verrugas chifres deformaccedilotildees e outros elementos estranhos dando

forma agraves maacutescaras e fizemos novamente as formas para que fossem

confeccionadas Produzimos maacutescaras empapeladas e em ceracircmica As maacutescaras

empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca com as

imperfeiccedilotildees corrigidas com massa acriacutelica e massa corrida e pintadas com tinta

acriacutelica de paredes branca pigmentada com corante liacutequido

Maacutescaras empapeladas

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Antes de executar a pintura nas maacutescaras utilizamos um dia de aula para ensinar

um pouco da teoria das cores e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia

misturado as tintas primaacuterias para conseguir as outras cores Esta aula foi muito

interessante Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as

cores preparadas por eles considerando-as verdadeiras obras de arte

Quando trabalhamos com as maacutescaras em ceracircmica eu jaacute estava atuando em dias

diferentes do meu colega do teatro jaacute tendo ensinado algumas teacutecnicas de

modelagem aos alunos

Para executar as maacutescaras em ceracircmica utilizamos a teacutecnica de placas

estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma molhada e

tambeacutem a teacutecnica de rolinhos usando engobe para a decoraccedilatildeo Os alunos

aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da proacutepria regiatildeo Os engobes

verde azul preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados Como a

cliacutenica natildeo possui forno para a queima da ceracircmica eu as queimei em meu forno

Maacutescaras de ceracircmica

52

A esta altura eu jaacute havia passado aos alunos os principais fundamentos da

ceracircmica Trabalhamos com as teacutecnicas de rolinhos placas blocos esculpidos e

depois ocados a utilizaccedilatildeo das estecas e seus recursos para efeitos de decoraccedilatildeo

como ranhuras texturas incisotildees etc e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de palitos gravetos

talheres e outros objetos explorando suas possibilidades tambeacutem para imprimir

texturas pressionando-se sobre a superfiacutecie da argila Agraves vezes algum aluno tenta

resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente e entatildeo dificulto o

trabalho para que ele se esforce mais exercitando sua imaginaccedilatildeo e raciociacutenio

Este artifiacutecio usado por eles pode ser devido agrave sua doenccedila quando falta firmeza nas

matildeos ou elas tremem Alguns tecircm dificuldades de manter informaccedilotildees recentes

esquecendo rapidamente as orientaccedilotildees tendo que ser repetidas vaacuterias vezes em

pouco espaccedilo de tempo Sentem uma grande necessidade de aprovaccedilatildeo ficando

orgulhosos com suas realizaccedilotildees

Apesar da dificuldade motora e neuroloacutegica de alguns alunos o resultado tem sido

satisfatoacuterio com uma produccedilatildeo razoaacutevel de trabalhados Mesmo um determinado

paciente portador de Alzeheimer que conseguia somente amassar a argila nas

matildeos mostra satisfaccedilatildeo em participar das aulas tambeacutem pelo fato de acompanhar

os colegas ateacute o local das atividades

O tempo de internaccedilatildeo eacute variaacutevel de acordo com a condiccedilatildeo do paciente e sua

resposta ao tratamento prescrito Por isso eacute necessaacuterio ir adaptando as tarefas de

acordo com o andamento do tratamento Quando o paciente tem um tempo maior de

internaccedilatildeo eacute possiacutevel desenvolver um programa bem amplo Cada vez que chega

novo aluno este recebe as orientaccedilotildees baacutesicas sobre as teacutecnicas Agora temos

tambeacutem duas mulheres na turma o que estaacute fazendo bem ao grupo pois

proporciona uma dinacircmica diferente mas leve e mais alegre Elas mostram uma

grande intimidade com a argila remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa

da produccedilatildeo da ceracircmica em muitas culturas primitivas

Com a evoluccedilatildeo das atividades percebi que precisava sempre planejar tarefas

alternativas para o caso de algum aluno desenvolver sua tarefa antes dos outros e

ficar ocioso pois isso dispersa os outros

53

Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo periacuteodo quando todos

que a desenvolveram jaacute tiveram alta meacutedica geralmente seis meses depois Outras

podem ser retomadas sob outro contexto como no exemplo da confecccedilatildeo de

maacutescaras Depois da primeira atividade retomamos ao assunto com o uso das

formas de gesso para o estudo da teacutecnica de placas e rolinhos em ceracircmica

A cliacutenica funciona em uma casa adaptada em uma grande aacuterea verde que vai da

rua ateacute a margem de uma das lagoas do municiacutepio Antes da cliacutenica este siacutetio era

alugado para fins de semana O local eacute muito agradaacutevel e inspirador onde a

natureza estaacute presente Por todo lado aacutervores enormes frutiacuteferas e nativas Vaacuterios

animais silvestres frequentam o local como micos esquilos e gambaacutes aleacutem de uma

grande variedade de paacutessaros como tucanos bem-te-vis sabiaacutes todos cantores

aleacutem de uma arara azul paacutessaro abandonado por um antigo morador da casa e que

se tornou mascote dos atuais ocupantes E muitas borboletas A oficina de ceracircmica

funciona provisoriamente em um quiosque de sapeacute e madeira com algumas mesas

e bancos de pedra ardoacutesia ao lado de uma pequena piscina com a lagoa ao fundo

depois de um campinho de futebol Nossos materiais e ferramentas ficam guardados

em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade

Eacute no contato com este ambiente e no perfil dos alunos que procuro temas para

desenvolver em ceracircmica Produzimos cinzeiros lamentando a necessidade de seu

uso por eles Produzimos objetos que remetiam a recordaccedilotildees agradaacuteveis de suas

vidas surgindo animais domeacutesticos poccedilo de aacutegua com balde a corda e a manivela

bolas de futebol tigelas potes canecas e outros utensiacutelios domeacutesticos A lagoa e a

piscina deram origem a uma seacuterie de peixes confeccionados com a intenccedilatildeo de

decorar o murinho que separa a piscina do quintal Escolhemos o tema e

empregamos a teacutecnica de modelagem mais adequada a sua execuccedilatildeo Para os

peixes utilizamos placas inicialmente planas criando peixes de formatos e

tamanhos variados e depois abauladas conseguidas moldando-as sobre jornal

embolado Os peixes foram decorados com incisotildees e texturas explorando os vaacuterios

formatos das estecas e outros instrumentos disponiacuteveis e pintados com engobe de

vaacuterias cores A partir desta tarefa desenvolvemos uma seacuterie de criaturas imaginadas

como peixes submarinos de alta profundidade depois que um aluno criou um objeto

54

fantaacutestico dizendo que natildeo conseguia fazer peixe algum O que seria motivo de

frustraccedilatildeo do aluno ironizado carinhosamente pelos colegas acabou sendo um

oacutetimo tema O resultado foi muito bom principalmente pelo clima de camaradagem e

cooperaccedilatildeo que gerado na turma tocada pela falta de habilidade do colega Agora

estamos nos preparando para comeccedilar a seacuterie de paacutessaros que colocaremos nos

galhos das aacutervores mais proacuteximas ao nosso espaccedilo Pretendemos fazer

instrumentos de sopro para tentar imitar seu canto

Uma atividade interessante tambeacutem foi a confecccedilatildeo de peccedilas para bijuterias Eu

precisava de pequenos objetos para demonstrar a queima de ceracircmica utilizando

serragem de madeira procedimento que poderia ser realizado na proacutepria instituiccedilatildeo

resultando em um produto executado totalmente laacute Fizemos bolinhas de diferentes

tamanhos e pingentes variados como cruzes plaquinhas arredondadas carimbadas

com santinhos e crucifixos flores estrelas medalhotildees etc Esta teacutecnica de queima

utiliza uma lata de embalagem de tinta para parede de 18 litros com um furo para

entrada do fogo e outro para a saiacuteda da fumaccedila usando a serragem como

combustiacutevel O resultado foi muito legal Fizemos a montagem de colares e todo

mundo gostou

Meus alunos tecircm idades entre dezenove e setenta anos tentando submergir do

mundo obscuro da dependecircncia quiacutemica Causa-me muita pena o desperdiacutecio de

vida dessa gente alguns de sensibilidade incomum talvez devido ao seu sofrimento

ou agrave consciecircncia do sofrimento causado agraves famiacutelias que natildeo desistiram deles pois

comentam de suas visitas aos fins de semana A coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo diz que

a atividade artiacutestica estaacute contribuindo para seu tratamento e eu fico satisfeita com

isso mesmo sabendo que meu compromisso com eles eacute de envolvimento com a

Arte esta atividade capaz de proporcionar momentos de comunhatildeo do indiviacuteduo

consigo mesmo ateacute mesmo fazendo-o se desligar das outras coisas ao seu redor

Agraves vezes proponho reflexotildees acerca de algum tema surgido ao acaso natildeo no

sentido moralista mas como possibilidade de projeccedilatildeo em suas obras que espero

que tenham algum significado para eles mesmo que outros natildeo consigam enxergar

Comove-me vecirc-los concentrados agraves vezes natildeo conseguindo alcanccedilar o resultado

imaginado devido agrave falta de praacutetica mas quando daacute certo eacute compensador ver a

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satisfaccedilatildeo e o orgulho com que exibem o resultado a todos Quase sempre dizem

que presentearatildeo algueacutem da famiacutelia com o objeto

Exposiccedilatildeo dos trabalhos dos alunos

O local utilizado para o ensino da ceracircmica ainda eacute improvisado Natildeo temos nem

onde guardar com seguranccedila as peccedilas modeladas e jaacute aconteceu de perdermos

algumas antes da queima mas a coordenaccedilatildeo da instituiccedilatildeo tem intenccedilatildeo de nos

proporcionar uma estrutura melhor inclusive adquirindo equipamentos como um

pequeno forno e um torno aleacutem de fazer as instalaccedilotildees adequadas a um atelier de

ceracircmica

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REFLEXOtildeES FINAIS

A induacutestria ceracircmica hoje conta com equipamentos (fornos marombas e tornos) e

insumos aprimorados a cada geraccedilatildeo de ceramistas com profissionais

especializados em cada etapa do processo como engenheiros mecacircnicos e

quiacutemicos atuando em induacutestrias modernas e eficientes Poreacutem o ensino e as

teacutecnicas de fabricaccedilatildeo da ceracircmica artesanal conservam caracteriacutesticas dos

empregados na antiguidade e na Idade Meacutedia em seus mosteiros e corporaccedilotildees de

ofiacutecio

Na maioria dos que eu jaacute visitei (em outras ocasiotildees que natildeo estas citadas neste

trabalho) existem as figuras do professor (mestre) de seus ajudantes (oficiais) e dos

alunos (aprendizes) Nestes ateliers o professor produz sua arte auxiliado por

profissionais treinados pessoas habilidosas que buscaram na ceracircmica seu

emprego executando as tarefas corriqueiras da produccedilatildeo A diferenccedila eacute quanto aos

aprendizes que antigamente aprendiam o ofiacutecio em troca de serviccedilo prestado ao

mestre visando o emprego nas corporaccedilotildees e hoje o aluno frequenta o atelier

mediante pagamento de mensalidades para aprender determinadas teacutecnicas

visando trabalhar em seu proacuteprio atelier ou apenas como passatempo

Um fato que observei em ateliers de ceracircmica que se dedicam tambeacutem ao ensino eacute

que o professor tambeacutem se realiza com a obra do aluno mantendo uma relaccedilatildeo de

comunhatildeo com a mesma Com meus alunos tambeacutem sinto isto Agraves vezes quando

uma peccedila estaacute sendo elaborada imagino um caminho poreacutem o aluno imagina outro

agraves vezes surpreendente de muita sensibilidade e eu vejo entatildeo que do seu jeito foi

melhor resolvido E eu vejo que cada pessoa eacute uacutenica capaz de encontrar resoluccedilotildees

diferentes de outra pessoa e que natildeo podemos menosprezar a capacidade de

ningueacutem

Acredito que todo ceramista tem um respeito muito grande pela natureza Eacute dela que

vem nossa mateacuteria prima sendo necessaacuterios todos os quatro elementos para sua

existecircncia a terra o ar a aacutegua e o fogo A terra atravessa todos os outros ateacute se

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tornar independente e se tornar Arte Bebe a aacutegua voa e se abriga no fogo E bela

ressurge das cinzas para reinar imponente Jaacute natildeo eacute deste mundo

Uma frase que achei muito bonita retirada do livro de Maacutercia Norie Seo31

professora e ceramista em BH impressionada diante de uma obra modelada pela

tambeacutem ceramista Silmara Watari define bem a arte da ceracircmica

De material informe mediante a accedilatildeo do artista a argila passa a ser um objeto que tem existecircncia em nossa realidade e que pode ser contemplado por qualquer pessoa Agora perceptiacutevel no mundo fiacutesico esse objeto visualizado pode ser comparado a uma poesia expressa numa linguagem natildeo verbal A ceracircmica representa assim a passagem do estado de natureza ao de cultura do inanimado ao vivo

A Arte da ceracircmica continua despertando o interesse e provocando admiraccedilatildeo

sendo a arte mais democraacutetica entre todas pois eacute praticada tanto por uma

comunidade pobre produzindo peccedilas somente biscoitadas32 perdida no sertatildeo

nordestino como por pessoas de classes mais favorecidas em uma capital usando

todos os recursos disponiacuteveis da tecnologia em suas obras

31

- SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed

Belo Horizonte Editora CArte 2015 32

Queimadas apenas uma vez sem revestimentos

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REFEREcircNCIAS

- AVELO Adriano Cegueira SCHMITT Denise Verbes Por uma Histoacuteria Moldada na Argila O uso de Oficina de Ceracircmica parta Conhecer Diferentes Culturas Revista Latino-Americana de Histoacuteria Vol 2 nordm 6 ndash agosto de 2013 ndash Ediccedilatildeo Especial by PPGH-UNISINOS Paacuteg 495 - BARBOSA Ana mae (org) Inquietaccedilotildees e Mudanccedilas no Ensino da Arte Satildeo Paulo Cortez 2008 - BIacuteBLIA Mensagem de Deus Gecircnese Origem do Mundo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1994 Gn 27

- BOSCHI Caio Ceacutesar O Barroco Mineiro Artes e Trabalho Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1988 Pg 5076 Seminaacuterio Bases culturais do artesanato Belo Horizonte Impressa oficial 1978 Disponiacutevel em httpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatocorporaccedilotildeeshtml Acesso em 28112015 - CHITI Jorge Fernaacutendez Curso Praacutectico de Ceracircmica Artiacutestica y Artesanal 6 ed Buenos Aires Condorhuasi 1995 Tomos 1 e 2 - CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM ENSINO DE ARTES VISUAIS 1Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Juliana Gouthier (et al) 2 ed Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ______ 3Luacutecia Gouvecirca Pimentel (Org) Joatildeo Cristelli (et al) Belo Horizonte Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais 2009 - ENCICLOPEacuteDIA ITAUacute CULTURAL Arts and Crafts Disponiacutevel em lthttpenciclopediaitauculturalorgbrtermo4986arts-and-craftsHistoacutericogt Acesso em 20112015

- ______ Arte Marajoara Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo5353arte-marajoara-ceramica-marajoarahtmlgt Acesso em 20092015 - ______ Artes visuais ceracircmica ndash definiccedilatildeo Satildeo Paulo Instituto Cultural Itauacute 28 mar 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwitauculturalorgbraplicExternasenciclopedia-ICindexcfmfuseaction=termos-textoampcd-verbete=4849ampIst-palavras=ampcd-idioma=28555ampcd-item=8gt Acesso em 18-09-2015 - ______ Azulejo Disponiacutevel em lthttpenciclopeacutediaitauculturalorgbrtermo4959azulejohtmlgt Acesso em 20092015 - FANTINI Erli Cidades Cataacutelogo Belo Horizonte Rona Editora 2006 - FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessaacuterios agrave Praacutetica Educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007 - HAUSER Arnold Histoacuteria Social da Arte e da Cultura VolI Jornal do Foro Lisboa 1954 Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorarteartesanatolodgeshtmlgt Acesso em 28-11-20l5 - OSTROWER Fayga Criatividade e processos de criaccedilatildeo 9 ed Petroacutepolis Vozes 1993 187 p Trecho extraiacutedo do livro disponiacutevel em lthttpfaygaostrowerorgbrlivro3phphtmlgtAcesso em 21092015 - PEDRO Fernando ldquoToshiko Ishii e o Circuito da Ceracircmica em Minasrdquo Artigo Disponiacutevel em lthttpwwwnovalimaperfilcombrsite-nlperfilindexphpoption=com-contentampview=articleampid=536toshiko-ishii-e-o-circhtmlgt Acesso em 22092015

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- PROJETO EXPERIMENTAL ARTE E ARTESANATO A Arte Saramenha EBA-UFMGBDMG Cultural Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbralunoskurtnavigatorartesartesanatoartesanatoorigemhtmlgt Acesso em 18-09-2015

- SEBRAE Produtos em ceracircmica para decoraccedilatildeo e utilitaacuterios Estudos de mercado SEBRAE ESPM Relatoacuterio Completo Set 2 0 08 134 p Disponiacutevel em httpwwwbibliotecasebraecombrbdsBDSnsf39E94CC638E47777832574D C00466424$FileNT00039076pdf Acesso em 20092015 - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACcedilAtildeO DE MINAS GERAIS Proposta Curricular CBC Arte Ensino Fundamental e MeacutedioLuacutecia Gouvecirca Pimentel (et al) - SEO Maacutercia Norie A Arte que Virou Poesia A Arte da Ceracircmica em Toshiko Ishii 1 ed Belo Horizonte Editora CArte 2015 - SINDICERF ndash Sindicato da Ceracircmica de Morro da Fumaccedila (SC) A Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttpwwwSindicerfcombrhistoria-da-ceramicahtmlgt Acesso em 20092015 - TOLEDO Socircnia Decoraccedilatildeo Ceracircmica em Baixa Temperatura Apostila de curso ministrado pela professora Socircnia Toledo - TORTORI Tito Argilas e Massas Ceracircmicas Apostila Apostila de curso ministrado pelo professor Tito Tortori

Sites

- wwwareliquiacombrartigos20anteriores35azulhtm - ldquoO Azulejo Atraveacutes dos Temposrdquo Acesso em 22092015 - httpwwwareliquiacombrartigos20anteriores37azulejhtmlgt acesso em 29092015 Sobre azulejaria - wwwartepopularbrasilblogspotcombrhtmlgt Acesso em 20092015 Sobre os artistas populares brasileiros - wwwjhenriqueartbrhistoacuteria - ldquoHistoacuteria do Azulejordquo Acesso em 21092015 - MARAJOARA PONTO COM A Ceracircmica Marajoara Site Institucional Beleacutem (PA) 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwmarajoaracomceracircmicahtmlgt Acesso em 21092015 - wwwogloboblobocomculturaartes-visuas-livro-presta-tributo-alquimista-celeida-tostes-13798665 - Sobre vida e obra de Celeida Tostes Acesso em 21092015 - POINT DA ARTE Histoacuteria da Ceracircmica Disponiacutevel em lthttppointdaartewebnodecombrnewsa-historia-da ceramicahtmlgt Acesso em l8-09-2015

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