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MARIA, MÃE DA IGREJA EVANGELIZADORA Me. Tiago de Fraga Gomes * Resumo Antes de morrer, Jesus deixa-nos a sua mãe (Jo 19,26-27). Desde os primórdios do cristianismo, Maria foi considerada como mãe e modelo da comunidade de fé. Assim como Maria gerou Cristo em seu ventre, a Igreja gera Cristo nos corações. O Senhor não quer que falte à sua Igreja o ícone do feminino (EG 285). Nesta imagem maternal, o povo de Deus lê os mistérios do Evangelho. A missão evangelizadora da Igreja se manifesta ao mundo no Cenáculo quando Maria e os Apóstolos, reunidos em oração, recebem o dom do Espírito Santo e começam a anunciar as maravilhas de Deus (At 2,11). Maria é mulher que vive e caminha na fé, refulgindo como modelo de virtudes (LG 65) e como referência firme para todo o povo de Deus (RM 6). Em sua docilidade e serviço, Maria deixou-se conduzir pelo Espírito como serva do Senhor, a fim de fazer a Sua vontade (Lc 1,38). Maria soube acolher e colocar em prática a Palavra de Deus. Por isso, é exemplo e testemunho para a evangelização da Igreja, pois com seu estilo de vida, faz-nos acreditar na força revolucionária da humildade, da ternura e do afeto (EG 288). A figura de Maria é modelo fiel do discipulado e da comunhão com o plano salvífico de Deus. A maternidade divina é o acontecimento central e a orientação fundamental de toda a vida de Maria. Maria é toda centrada em Cristo. Nesse sentido, por Maria, mãe da Igreja evangelizadora, necessariamente se vai a Cristo. Palavras-chave: Maria. Cristo. Igreja. Fé. Humildade. Introdução Na Anunciação (Lc 1,26-38), Maria, é apresentada como uma mulher cheia de fé que aceita o chamado para ser a mãe do Filho de Deus, assumindo essa missão de maneira consciente e livre. No Magnificat (Lc 1,46-55), vislumbra-se a maternidade messiânica de Maria pela consciência de ser especialmente salva por Deus e liberta em sua humilhação. Aos pés da cruz (Jo 19,25-27), sua maternidade é ampliada para todos os discípulos de seu Filho: Maria agora é também a Mãe da Igreja evangelizadora. O Papa João Paulo II, na Carta Encíclica Redemptoris Mater, afirma que “o Redentor confia sua Mãe ao discípulo e, ao mesmo tempo, dá-lha como mãe. A maternidade de Maria que se torna herança do homem é um dom: um dom que o próprio Cristo faz a cada homem pessoalmente” (RM 45). Desde os primórdios do cristianismo, Maria foi considerada como mãe e modelo da comunidade de fé. Assim como Maria gerou Cristo em seu ventre, a Igreja gera Cristo nos corações. Segundo o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos, Maria participa tanto do tempo do velho Israel que aguarda com esperança pela vinda do Salvador, quanto do tempo de Jesus e do tempo da Igreja. Em Pentecostes (At 2,1-13), o mesmo Espírito que agiu na concepção de Jesus no * Doutorando em Teologia pela PUCRS, bolsista da Capes. Contato: [email protected] Anais do Congresso de Mariologia: piedade popular, cultura e teologia 21 a 23 de agosto de 2017 ISBN: 978-85-397-1075-1

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Page 1: MARIA, MÃE DA IGREJA EVANGELIZADORA...Maria é toda centrada em Cristo. Nesse sentido, por Maria, mãe da Igreja evangelizadora, necessariamente se vai a Cristo. Palavras-chave: Maria

MARIA, MÃE DA IGREJA EVANGELIZADORA

Me. Tiago de Fraga Gomes*

Resumo Antes de morrer, Jesus deixa-nos a sua mãe (Jo 19,26-27). Desde os primórdios do cristianismo, Maria foi considerada como mãe e modelo da comunidade de fé. Assim como Maria gerou Cristo em seu ventre, a Igreja gera Cristo nos corações. O Senhor não quer que falte à sua Igreja o ícone do feminino (EG 285). Nesta imagem maternal, o povo de Deus lê os mistérios do Evangelho. A missão evangelizadora da Igreja se manifesta ao mundo no Cenáculo quando Maria e os Apóstolos, reunidos em oração, recebem o dom do Espírito Santo e começam a anunciar as maravilhas de Deus (At 2,11). Maria é mulher que vive e caminha na fé, refulgindo como modelo de virtudes (LG 65) e como referência firme para todo o povo de Deus (RM 6). Em sua docilidade e serviço, Maria deixou-se conduzir pelo Espírito como serva do Senhor, a fim de fazer a Sua vontade (Lc 1,38). Maria soube acolher e colocar em prática a Palavra de Deus. Por isso, é exemplo e testemunho para a evangelização da Igreja, pois com seu estilo de vida, faz-nos acreditar na força revolucionária da humildade, da ternura e do afeto (EG 288). A figura de Maria é modelo fiel do discipulado e da comunhão com o plano salvífico de Deus. A maternidade divina é o acontecimento central e a orientação fundamental de toda a vida de Maria. Maria é toda centrada em Cristo. Nesse sentido, por Maria, mãe da Igreja evangelizadora, necessariamente se vai a Cristo. Palavras-chave: Maria. Cristo. Igreja. Fé. Humildade.

Introdução

Na Anunciação (Lc 1,26-38), Maria, é apresentada como uma mulher cheia de fé que aceita

o chamado para ser a mãe do Filho de Deus, assumindo essa missão de maneira consciente e livre.

No Magnificat (Lc 1,46-55), vislumbra-se a maternidade messiânica de Maria pela consciência de

ser especialmente salva por Deus e liberta em sua humilhação. Aos pés da cruz (Jo 19,25-27), sua

maternidade é ampliada para todos os discípulos de seu Filho: Maria agora é também a Mãe da

Igreja evangelizadora.

O Papa João Paulo II, na Carta Encíclica Redemptoris Mater, afirma que “o Redentor confia

sua Mãe ao discípulo e, ao mesmo tempo, dá-lha como mãe. A maternidade de Maria que se torna

herança do homem é um dom: um dom que o próprio Cristo faz a cada homem pessoalmente” (RM

45). Desde os primórdios do cristianismo, Maria foi considerada como mãe e modelo da

comunidade de fé. Assim como Maria gerou Cristo em seu ventre, a Igreja gera Cristo nos corações.

Segundo o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos, Maria participa tanto do tempo do

velho Israel que aguarda com esperança pela vinda do Salvador, quanto do tempo de Jesus e do

tempo da Igreja. Em Pentecostes (At 2,1-13), o mesmo Espírito que agiu na concepção de Jesus no

* Doutorando em Teologia pela PUCRS, bolsista da Capes. Contato: [email protected]

Anais do Congresso de Mariologia: piedade popular, cultura e teologia 21 a 23 de agosto de 2017 ISBN: 978-85-397-1075-1

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seio de Maria (Lc 1,35) vem agora sobre o núcleo fundador da Igreja, onde Maria também está

presente.

No relato das Bodas de Caná (Jo 2,1-12), João apresenta a figura de Maria como a “mulher”

que aceitou a mensagem de seu Filho, sendo por isso, uma figura modelo para os seguidores de

Jesus. Maria percebe as necessidades das pessoas, e, por isso, intercede junto ao seu Filho. Jesus

realiza o seu primeiro sinal, para a glória de Deus, no contexto de uma festa de casamento,

simbolizando a renovação da Aliança. O “melhor vinho”, a alegria plena, está para vir na sua

pessoa. Nesse relato, fica claro que a intercessão de Maria aponta para o protagonismo de Cristo.

No Evangelho de Marcos, Maria aparece como a discípula fiel porque cumpre a vontade do

Pai. “Havia uma multidão sentada em torno dele. Disseram-lhe: ‘Eis que tua mãe, teus irmãos e

tuas irmãs estão lá fora e te procuram.’ Ele perguntou: ‘Quem é minha mãe e meus irmãos?’ E,

repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Eis a minha mãe e os meus

irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.” (Mc 3,32-35). Jesus inaugura

uma nova família, constituída não mais por laços de parentesco, mas pela fé. Até Maria, após ter

levado Jesus no seu ventre, precisou gerá-lo também em seu coração, sendo assim, a primeira

discípula de seu Filho.

1 Maria, mulher modelo da Igreja

O Papa Francisco afirma na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium que o Senhor não quer

que falte à sua Igreja o ícone do feminino (EG 285). Nesta imagem maternal, o povo de Deus lê os

mistérios do Evangelho. A missão evangelizadora da Igreja se manifesta ao mundo no Cenáculo

quando Maria e os Apóstolos, reunidos em oração, recebem o dom do Espírito Santo e começam a

anunciar as maravilhas de Deus (At 2,11). O Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen

Gentium afirma que Maria é mulher que vive e caminha na fé, refulgindo como “modelo de

virtudes” (LG 65), sendo por isso, uma referência firme para todo o povo de Deus (RM 6).

Em sua docilidade e serviço, Maria deixou-se conduzir pelo Espírito como serva do Senhor,

a fim de fazer a Sua vontade (Lc 1,38). Maria soube acolher e colocar em prática a Palavra de Deus.

Por isso, é exemplo e testemunho para a evangelização da Igreja, pois com seu estilo de vida, faz-

nos acreditar na força revolucionária da humildade, da ternura e do afeto (EG 288). A figura de

Maria é modelo fiel do discipulado e da comunhão com o plano salvífico de Deus.

Por ser a mãe de Cristo, Maria está indissoluvelmente ligada à história da Igreja. É a respeito

dela que São Paulo diz: “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho,

nascido de mulher” (Gl 4,4). No Evangelho de Lucas, enquanto Jesus anunciava a Palavra, uma

mulher gritou do meio da multidão: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te

amamentaram!” (Lc 11,28). É por isso que a Igreja toma Maria como modelo. Santo Agostinho diz

que “Maria deu à luz corporalmente a Cabeça deste corpo. A Igreja dá à luz espiritualmente os

membros dessa Cabeça.”1 Há, nesse sentido, uma profunda ligação entre a Maria e a Igreja.

A Igreja, que desde o início modela a sua caminhada terrena pela caminhada da Mãe de Deus, repete constantemente, em continuidade com ela, as palavras do Magnificat. Nas

1 AGOSTINHO, Santo. A Virgem Maria, p. 49.

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profundidades da fé da Virgem Maria na Anunciação e na Visitação, a Igreja vai haurir a verdade acerca do Deus da Aliança; acerca de Deus que é Todo-poderoso e faz “grandes coisas” no homem (RM 37).

A Igreja é chamada à santidade a fim de ser sinal e instrumento de Deus no mundo. Como

discípula mais perfeita de Cristo, Maria aderiu responsavelmente à vontade de Deus. “Maria não

foi instrumento meramente passivo nas mãos de Deus, mas cooperou na salvação dos homens

com fé livre e com inteira obediência” (LG 56). Nesse espírito, a figura de Maria emerge na

atualidade como “um modelo fiel do discipulado e da comunhão com o plano salvífico de Deus.”2

Maria é modelo para toda a comunidade eclesial e é honrada, sobretudo, porque fez a vontade de

Deus acolhendo a sua Palavra e colocando-a em prática (Mc 3,35).

Maria é a imagem da Igreja. A Igreja é virgem e mãe, concebida sem pecado e carrega o peso da história, e já possui uma dimensão escatológica. A Igreja é antecipada em Maria. Ela é a Igreja já realizada, ou ela é aquilo que a Igreja deverá ser um dia, quando terminar seu percurso na terra.3

Com o seu jeito de ser e de acolher o projeto de Deus em sua vida, Maria é um modelo

exemplar de realização da Igreja. E, além do mais, pelos méritos de Cristo, se Filho, “Maria é o

protótipo e o símbolo da plenitude da Igreja”4, pois “já glorificada no céu em corpo e alma, é

imagem e primícia da Igreja; [..] sinal de esperança segura e de consolação, aos olhos do povo de

Deus peregrinante” (LG 68). Maria é o que a Igreja será um dia: glorificada na plenitude da vida

divina.

2 Maria, mulher centrada no projeto de Deus

O Papa Paulo VI afirma na Exortação Apostólica Marialis Cultus que “Maria é a Virgem que

sabe ouvir, que acolhe a Palavra de Deus com fé; fé, que foi para ela prelúdio e caminho para a

maternidade divina” (MC 17). É nesse sentido que se coloca a figura de Maria como um arquétipo

em contraste com a figura de Eva, pois “pela desobediência e incredulidade de Eva, a morte entrou

no mundo; pela obediência e pela fé de Maria, entrou a vida.”5 Maria é a figura daquela que

acreditou e deixou-se moldar pela Palavra de Deus.

A Igreja torna-se mãe pela fiel recepção da Palavra de Deus. Como Maria, que foi a primeira a acreditar, acolhendo a Palavra de Deus que lhe foi revelada na Anunciação e a ela permanecendo fiel em todas as provações até a Cruz, assim também a Igreja se torna mãe quando, acolhendo com fidelidade a Palavra de Deus, pela pregação e pelo batismo, gera para uma vida nova e imortal os filhos, concebidos por obra do Espírito Santo e nascidos de Deus (RM 43).

A maternidade divina é o acontecimento central e a orientação fundamental de toda a vida

de Maria. Maria é toda centrada em Cristo. Nesse sentido, por Maria, mãe da Igreja evangelizadora,

necessariamente se vai a Cristo. “Maria é toda relativa a Cristo e, a partir de Cristo, relativa à

Igreja.”6 O Catecismo da Igreja Católica afirma que “o papel de Maria para com a Igreja é

2 GOMES, Tiago de Fraga. A eclesiologia conciliar na América Latina, p. 49. 3 HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A Igreja da Lumen Gentium e a Igreja da Gaudium et Spes, p. 667. 4 GOMES, Tiago de Fraga. A eclesiologia conciliar na América Latina, p. 50. 5 GOMES, Tiago de Fraga. A eclesiologia conciliar na América Latina, p. 50. 6 BOFF, Clodovis. Introdução à mariologia, p. 15.

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inseparável de sua união com Cristo, decorrendo diretamente dela” (n. 964). Nesse sentido, afirma

o Concílio Vaticano II que “as funções e os privilégios da bem-aventurada Virgem, sempre se

referem a Cristo, origem de toda a verdade, santidade e devoção” (LG 67). Toda a vida de Maria

faz referência ao mistério de Cristo, e por isso, refere-se também ao mistério da Igreja desde o seu

princípio.

Maria tem um papel especial na mediação dos santos pela sua especial condição em relação

a Cristo, único mediador entre Deus e a humanidade. “A mediação de Maria está intimamente

ligada à sua maternidade e possui um caráter especificamente maternal, que a distingue da

mediação das outras criaturas que, de diferentes modos e sempre subordinados, participam na

única mediação de Cristo” (RM 38). Nesse sentido, “pela sua mediação, subordinada à mediação

do Redentor, Maria contribui de maneira especial para a união da Igreja peregrina na terra com a

realidade escatológica e celeste da comunhão dos santos, tendo já sido ‘elevada ao Céu’” (RM 41).

Os fiéis cristãos, percebendo essa especial condição mariana, recorrem impreterivelmente à

intercessão da Mãe de Deus, através de inúmeras ações devocionais, para alcançar as graças

divinas necessárias para as suas vidas.

3 Maria, mulher de seu povo e modelo de solidariedade

Segundo Leonardo Boff, contra todo maximalismo mariano, não se pode esquecer que

“Maria está ligada ao tempo; viveu a condição de peregrina, na fé e na esperança, era virgem,

tornou-se Mãe de Deus, fez-se junto da Cruz co-redentora de todos os homens, teve que esperar

até ser glorificada.”7 Nesse sentido, “as declarações sobre Maria devem focalizá-la como ser

humano histórico e finito que tem lugar definido, embora único, na história.”8 Maria foi um ser

humano que teve um papel excepcional na história da Igreja, e, exatamente por isso, é tida como

modelo para os discípulos de Cristo.

Além do mais, pela sua condição, “o povo católico em geral sente em relação a Maria uma

identificação profunda, que lhe faz dizer: Ela é nós.”9 Para aquém das razões teológicas, a razão

disso é a situação social que aproxima Maria ao povo: vida simples, anônima, sofrida. Sem

reservas, “Maria se abriu para abraçar toda glória e toda dor que a vontade de Deus lhe trouxe.”10

Maria participou plenamente da condição humana de seu tempo e pode experimentar as alegrias

e as tristezas da vida como mulher galileia, judia, e, acima de tudo, como humilde serva do Senhor.

Maria está profundamente impregnada do espírito dos “pobres de Javé” que, segundo a oração dos Salmos, esperavam de Deus a própria salvação, pondo nele toda a sua confiança (Sl 25; 31; 35; 55). Ela, na verdade, proclama o advento do mistério da salvação, a vinda do “Messias dos pobres” (RM 37).

O pranto de Nossa Senhora em La Sallete, na França, em 1846, transparece um amor

maternal que se comove diante do desprezo da humanidade mergulhada em pecado, dor e

violência. Maria tem um olhar empático com os sofrimentos humanos e com o destino confuso da

7 BOFF, Leonardo. O rosto materno de Deus, p. 24. 8 COYLE, Kathleen. Maria na tradição cristã, p. 132. 9 BOFF, Clodovis. Mariologia social, p. 565. 10 CONNELLY, Douglas. Maria, um modelo bíblico de espiritualidade, p. 118.

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história. Da plenitude da glória divina, Maria, em sua humanidade, sente-se afetada pelos

sofrimentos de seus filhos. Maria, solidária com a dor dos sofredores, é a consoladora que se coloca

ao lado dos que choram.

Na aparição de Caravaggio, repete-se a estrutura bíblica do ato de consolar. Joaneta é a representante da humanidade humilhada, privada de sua dignidade e totalmente indefesa. No meio das tribulações, a vidente espera e confia na oração. A fidelidade de Deus se manifesta na ação materna de Maria, que consola a camponesa e a transforma em instrumento de consolação para seu povo.11

A compaixão é uma atitude comum a muitas das aparições de Nossa Senhora, indicando a

solidariedade visceral que Deus tem para com seu povo. Nesse sentido, o amor misericordioso de

Deus transparece no rosto de Maria, o qual se comove diante das misérias da humanidade. Maria

enquanto mãe do Messias consolador pode experimentar de modo singular o amor de Deus pela

humanidade.

Maria foi testemunha da misericórdia divina que fez ressurgir a vida da morte, e que, através

da Igreja, essa ação amorosa continua iluminando e vivificando pela ação do Espírito a história. É

por isso que, “sustentada pela intercessão de Maria, a Igreja escreve no tempo e no espaço a

história da misericórdia divina nos confrontos com a miséria humana, tornando-se uma Igreja

samaritana, que vive e pratica a misericórdia.”12 Espelhando-se em Maria, a Igreja é chamada a

edificar, em meios às tragédias e aos fracassos da história, uma civilização da misericórdia.

Conclusão

Santo Afonso Maria de Liguori afirma que Maria é nossa mãe, “não carnal, mas espiritual,

das nossas almas e da nossa salvação.”13 Maria “é nossa mãe na ordem da graça” (LG 61). Ela “é a

mãe carnal de Jesus e a mãe espiritual dos discípulos.”14 Maria é a mãe da Igreja, é a mãe dos

crentes que a ela recorrem em suas necessidades. Com toda certeza, Maria pode ser considera um

ícone da compaixão divina, pela sua atenção e dedicação aos seus filhos, pois como mãe da Igreja,

ela está sempre atenta às necessidades da humanidade, se fazendo próxima daqueles que sofrem

e intercedendo junto ao seu Filho pelas chagas de seus filhos amados. É a Maria, mãe das dores e

mãe dos excluídos e marginalizados de nossa sociedade, que o Documento de Aparecida dirige a

seguinte prece:

Ajude-nos a companhia sempre próxima, cheia de compreensão e ternura, de Maria Santíssima. Que ela nos mostre o fruto bendito de seu ventre e nos ensine a responder como fez ela no mistério da anunciação e encarnação. Que nos ensine a sair de nós mesmos no caminho de sacrifício, de amor e serviço, como fez na visita à sua prima Isabel, para que, peregrinos a caminho, cantemos as maravilhas que Deus tem feito em nós, conforme a sua promessa (DAp 553).

Que Maria acompanhe os passos da Igreja evangelizadora com seu amor materno, a fim de

cuidar “dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias”

11 BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Maria, símbolo do cuidado de Deus, p. 118. 12 AMATO, Ângelo. Maria e la Trinità, p. 185. 13 LIGUORI, Santo Afonso Maria de. Glórias de Maria, p. 45. 14 GOMES, Tiago de Fraga. A eclesiologia conciliar na América Latina, p. 51.

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(LG 62). E que os fiéis possam se colocar sob sua proteção, encontrando nela um refúgio ao qual

recorrer diante dos perigos e das adversidades da vida.

Referências

AGOSTINHO, Santo. A Virgem Maria: cem textos marianos com comentários. Trad. Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 1996.

AMATO, Ângelo. Maria e la Trinità, Milano: San Paolo, 2000. BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2004. BOFF, Clodovis. Introdução à mariologia. Petrópolis: Vozes, 2004. _______. Mariologia social: o significado da Virgem para a sociedade. São Paulo: Paulus, 2006. BOFF, Leonardo. O rosto materno de Deus: ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas religiosas.

4. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Maria, símbolo do cuidado de Deus: aparição de Nossa Senhora em Caravaggio.

São Paulo: Paulinas, 2004. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola, 1993. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium: sobre a Igreja. In: COSTA,

Lourenço (Org. Geral). Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). 4. ed. Trad. Tipografia Poliglota Vaticana. São Paulo: Paulus, 2007, p. 101-197.

CONNELLY, Douglas. Maria, um modelo bíblico de espiritualidade. Trad. Neyd Siqueira. Viçosa: Ultimato; São Paulo: Editorial Press, 2002.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 3. ed. Trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Paulus; Paulinas, 2007.

COYLE, Kathleen. Maria na tradição cristã: a partir de uma perspectiva contemporânea. Trad. Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, 1999.

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulinas, 2013.

GOMES, Tiago de Fraga. A eclesiologia conciliar na América Latina: a comunhão gera a missão. Porto Alegre: Editora Fi, 2015.

HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A Igreja da Lumen Gentium e a Igreja da Gaudium et Spes. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 150, p. 657-676, Dez. 2005.

JOÃO PAULO II, Papa. Carta Encíclica Redemptoris Mater: sobre a bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho. In: <http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031987_redemptoris-mater.html>. Acesso em 01 de jul. de 2017.

LIGUORI, Santo Afonso Maria de. Glórias de Maria. Trad. Geraldo Pires de Sousa. Aparecida: Santuário, 1987. PAULO VI, Papa. Exortação Apostólica Marialis Cultus: para a reta ordenação e desenvolvimento do culto à

Bem-Aventurada Virgem Maria. In: <http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19740202_marialis-cultus.html>. Acesso em 21 jul. 2017.

Anais do Congresso de Mariologia: piedade popular, cultura e teologia 21 a 23 de agosto de 2017 ISBN: 978-85-397-1075-1