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Maria! Passe pra frente!
Personagens: Maria
O Sol (Narrador)
Joana (Mãe de Maria)
João (Irmão de Maria)
Pedrinho (Irmão de Maria)
Aninha (Irmã de Maria)
Rita (Vizinha)
O Galho
Ignácio (O jegue)
Maleco (Pai de Flor)
Bezerra (O motorista)
Peça em um ato.
JOÃO: O mãinha! Olhe pra Maria!
JOANA: Maria! Passe pra frente!
MARIA: Sim mãinha.
O SOL: Faz é tempo que castigo esse povo. Já sequei os rio, os açude. Nos
poço d’água, já não tem mais água. Das planta só tem o galho. Os bichos
pobrezinhos, tudo caindo morto sob o solo seco e rachado desse meu sertão.
Mas que culpa tem eu se o homem ta é bravo e não manda a chuva pra molhar
esse chão, pra encher os poço e pra matar a sede de seus filhos. Olha pra
esses coitados ali embaixo. Joana e seus quatro filhos (todos com baldes nas
mãos) – João o mais velho e já de pelos acima dos lábios, Maria, a mais
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faladeira, Pedrinho que arrasta uma perna por conta de um acidente e Aninha a
mais jovem, que se esforça para acompanhar o ritmo do passo dos outros. –
chegam ao banco improvisado na beira da estrada para esperar o caminhão
d’água chegar e lá encontra Rita, outra filha da seca.
JOANA: Pois é Rita, perdemos mais um. O coitado do bicho morreu seco,
dava pra contar as costelas. – Diz Joana sentada com Rita no banco.
MARIA: Só eu contei umas dez! Não, foi vinte! Contei vinte costelas em
Alfredo!
JOANA: Deixe de ser enxerida! – Remenda Joana.
MARIA: Sim mãinha! - Responde tristonha.
(Com a repreensão Maria recua e vai pra debaixo de um galho grande e seco
juntar-se a seus irmãos)
JOÃO: O Maria tu mal sabe contar! De onde tirou que Alfredo tinha vinte
costelas?
MARIA: Uma vez painho me remendou por soltar Alfredo e a família, disse que
ia deixar a marca dos cinco dedos de sua mão em mim.
JOÃO: E o que isso tem a ver com as costelas de Alfredo?
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MARIA: Quando fui me despedir de Alfredo dei-lhe um abraço, um braço de
cada lado do corpo que era só pele e osso, meu braço cabe quatro vezes à
mão de painho, sei pela marca que ele deixou, ai perguntei pra painho quantos
dedos davam em quatro mão, ele disse vinte. Foi assim que fiz a conta.
PEDRINHO: Maria é mais esperta que tu João!
JOÃO: Ela é muito da enxerida, isso sim!
MARIA: Ate Alfredo era mais esperto que João!
JOÃO: O mãinha posso dar um cascudo em Maria?
JOANA: Maria! Passe pra frente!
MARIA: Sim mãinha!
(Maria vai sentar-se com a mãe)
O SOL: Animais mortos pelas estradas, pastos e riachos secos já fazem parte
do cenário no sertão Nordestino. Tudo morrendo de sede e fome. Antes o povo
ate dividia a água com os pobrezinhos, mas agora não tem nem pra matar a
sede deles mesmo. É muita tristeza!
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PEDRINHO: Maria, conta outra vez do dia que você levou Alfredo e a família
dele pra festa de São João!
MARIA: Foi o dia mais feliz da vida de Alfredo!
(Maria volta a se juntar com os irmãos)
JOÃO: Como sabe? Ele que te contou foi? – Pergunta rindo.
ANINHA: Oxe, Alfredo falava? Nunca vi um bicho falar antes!
MARIA: Não precisava falar! Dava para ver a felicidade nos olhinhos dele! Foi
tão bonito!
JOÃO: Bonito foi ver painho lhe repreendendo depois!
PEDRINHO: Deixe ela contar João!
MARIA: Era noite de São João, a gente vestiu a nossa melhor roupa para ir ver
a fogueira em frente à igreja. Era tanta gente. Seu Zé e o filho dele levaram a
sanfona e o violão pra tocar forro pra gente dançar. Era uma alegria só, os rios
cheios, a plantação bonita, mesa farta, não cabia tristeza. Foi então que seu Zé
tocou a mesma cantiga que eu cantava para Alfredo quando ele tava triste,
cantava pra ele se animar!
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ANINHA: Como sabia que ele tava triste Maria?
MARIA: A gente sabe quando nosso melhor amigo ta triste e precisando da
gente.
ANINHA: E o que você fez quando seu Zé cantou a música?
MARIA: No mesmo instante me veio um aperto no coração que achei que ia
ficar sem bater. Algo dizia que Alfredo precisava de mim. Então voltei correndo
para o sítio sem que painho e mãinha desse conta de mim. Quando cheguei, lá
tava o coitado do Alfredo de trás da cerca olhando para a estrada tristinho. Dei
um abraço nele, soltei as cordas e levei ele com toda a família pra festa de São
João.
JOÃO: Painho virou o bicho quando viu Maria chegar com seus gados na
festa!
ANINHA: Ele lhe remendou Maria?
MARIA: Não na festa, quando vi painho com a cinta na mão corri no meio do
povo, passei por baixo das saias das moças que dançavam, rodei a mesa de
comida umas três vez, desviei das coluna da igreja e ate a fogueira eu pulei pra
fugir dele, mas dentro da mata na beira do açude não teve jeito, painho me
alcançou.
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JOÃO: E o coro comeu! – Diz rindo.
ANINHA: Tadinha de você Maria!
MARIA: Sim Aninha! Painho lapiou meu coro sem dó!
JOÃO: E nem assim aprendeu! Vive tirando painho do sério! Devia levar uma
piza por dia pra aprender e deixar de querer ser esperta!
MARIA: Sabe que outra pessoa naquela festa também levou uns tapa Aninha e
Pedrinho?
ANINHA: Quem Maria? Conte quem mais apanhou na festa de São João?
MARIA: João! Levou um tapa de Flor, a filha de seu Maleco, por beijá-la!
Pensa que eu não vi João?
ANINHA: Eita! E porque Maria?
MARIA: Pense num beijo de João em seu cangote! Coitada deve de ter sido a
pior coisa que lhe aconteceu na vida!
JOÃO: O mãinha, e agora posso lapiar Maria?
JOANA: Maria! Passe pra frente! – Remenda.
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MARIA: Sim mãinha!
(Maria retorna ao banco com sua mãe)
JOANA: O problema foi que já passou da hora do rio encher Rita!
RITA: Sim, já estamos em maio e a chuva que devia de ter caído em dezembro
ainda nem chegou.
JOANA: Será que vai chegar? – Pergunta Joana ao céu.
RITA: Tem que chegar! Não sei o que será da minha plantação se ela não vier
logo.
JOANA: E eu não sei o que será dos bichos que sobrou! – A preocupação se
mostra.
O SOL: A chuva por aqui se dá poucas vezes por ano. Eu acabo deixando o ar
seco e quente, peço desculpas, mas é mais forte que eu!
MARIA: Eu sei por que a chuva não veio ainda!
JOANA: Lá vem! – Lamenta.
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RITA: Oxe se sabe fala Maria!
MARIA: O santo que manda a chuva ta é bravo, por isso que a chuva não veio!
JOANA: Oxe, que conversa é essa menina?
MARIA: É sim mãinha! Num é verdade que a chuva também é pras plantinhas
beberem de sua água?
JOANA: Sim, plantas também precisam de água como a gente!
MARIA: Então, nesse mesmo pedaço de chão que a gente cruzou pra chegar
aqui tinham um monte de plantinha, mas os homens passaram com os carros e
destruíram todas elas para fazer a estrada. O Santo primeiro se entristeceu ao
ver elas morrerem, depois de tão bravo que ficou afastou a chuva pra longe.
Sem plantinhas, sem chuvas!
RITA: A estrada é pra melhorar a vida por aqui Maria. Foi o que os homens da
cidade disse!
MARIA: Só trouxe tristeza! As plantas morreu a chuva não veio e ate meu
melhor amigo Alfredo se foi. – Se mostra triste – Tenho raiva desta estrada e
dos homens da cidade também!
RITA: Você é muito pequena pra guardar raiva nesse coraçãzinho!
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JOANA: Tem razão Rita! Sei que sente falta do Alfredo, mas Maria, o coitado
já estava fraco, foi melhor ter partido que sofrer como os que ficaram. –
Consola.
O SOL: Pobrezinha! Entristeceu-se!
(Maria retorna para o galho seco)
ANINHA: Maria, como que as planta bebe água?
MARIA: É bem simples Aninha! Pelos pés delas!
PEDRINHO: Eita! E é por baixo? – Se surpreende.
MARIA: Sim Pedrinho! Chove tão pouco no sertão que elas têm de guardar
água nos pés pra não faltar e ir tomando aos pouquinhos!
PEDRINHO: E como elas guardam água se nem balde elas têm?
MARIA: Elas escondem um poço embaixo dos pés!
ANINHA: Um poço? Como aquele atrás de casa?
MARIA: Sim! Como aquele atrás de casa!
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Aninha: Mas, o nosso tá seco! Não tem nenhuma gotinha de água! Será que
as plantinhas não nos dá um pouquinho da água que elas têm nos pés?
MARIA: Tadinhas! Já fizeram tanto mal pras coitadas que só faltava agora à
gente tirar a água de elas beberem! Iam ficar muito tristes!
ANINHA: Verdade Maria! - Se mostra pensativa.
O SOL: Eita que lá vem um vento! Fechem os olhos que a pueira vai subir!
(fecham-se os olhos para não entrar poeira. Ao abrir os seus olhos, Aninha
esta diante um galho grande e seco, sem folhas e de aparência tristonha
jogada na terra).
ANINHA: Eita que a senhora ta chorando! - Diz aos pés da árvore.
O GALHO: Estou muito triste menina!
ANINHA: E por que tanta tristeza?
O GALHO: Secaram meu poço! Levaram toda água que tinha em baixo de
meus pés e agora não tenho mais o que beber! Logo morrerei de sede debaixo
desse sol judiante!
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ANINHA: Mas quem fez essa maldade com você plantinha?
O GALHO: Foram os homens que aqui passaram! E não foi só isso!
ANINHA: O que mais fizeram?
O GALHO: Olhe ao seu redor menina!
(Aninha olha tudo em volta, e vê um triste cenário de destruição, os poços onde
as irmãs da árvore tristonha ficavam estavam vazios, e nem rastro de seus
corpos).
O GALHO: Levaram todas minhas irmãs embora depois de secar seus poços
assim como fizeram com o meu!
ANINHA: Mas levaram elas pra onde?
O GALHO: Disseram que iam transformá-las em banquetas, mesas, portas e
janelas, e o que sobrasse seria usado como lenha no fogão dos casarões da
cidade! – A tristeza só se faz aumentar – Disseram que eu estava velha e que
não serviria nem pra queimar como lenha, e me deixaram aqui jogada, pra
morrer de sede!
ANINHA: Quanta maldade! – Lamenta – Meu coração ta que não aguenta de
tanta tristeza em vê-la assim! – Começa a chorar.
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O GALHO: Não chore menina! Vê-la chorar só aumentará minha tristeza!
ANINHA: É muito triste tudo isso!
O GALHO: Sim! Muito triste!
ANINHA: Quero te ajudar plantinha!
O GALHO: Você tem um bom coração menina, diferente daqueles que aqui me
deixaram morrendo de sede! Mas não tem o que fazer! Já não tenho nem
forças para falar, logo morrerei de tanta a sede!
ANINHA: Estamos esperando o carro que traz água chegar! Posso lhe trazer
um pouquinho pra você beber até que a chuva volte!
O GALHO: Que grande ideia!
ANINHA: Meu irmão João é grande e forte, pode te levantar deste chão e tudo
ficara bem!
O GALHO: Você é boa mesmo menina! Sinto a tristeza diminuir em mim!
ANINHA: Então me espere! Voltarei com água! E cuidarei de você!
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O GALHO: Estarei aqui esperando menina! Agora vá! Minhas forças estão
acabando! Vá!
(Aninha da meia volta e ao impulso de correr tropeça na raiz da árvore)
MARIA: Aninha, machucou? – Pergunta ajudando a irmã a se levantar.
ANINHA: Estou bem Maria! – Olha em volta e já não vê mais a árvore tristonha
- Eita que esse carro com água tem é de chegar logo!
João: Ainda falta um bocado! Que pressa é essa Aninha?
ANINHA: Tem uma amiga precisando da minha ajuda!
MARIA: Que história é essa Aninha? Fale com calma!
JOANA: Vocês duas! O que ta havendo? – Grita.
PEDRINHO: Aninha que tropeço no galho mãinha! – Diz ao se levantar.
(Pedrinho vai ate as irmãs)
JOANA: Pedrinho cuidado com essa perna menino!
RITA: E o que o doutor disse da perna de Pedrinho Joana?
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JOANA: Disse que não tem mais jeito Rita! Infelizmente o pobrezinho vai
arrastar essa perna pra sempre.
RITA: Mas tão pequeno, será mesmo que não tem concerto?
JOANA: O doutor disse que um tratamento na capital poderia fazer diminuir o
arrastar, mas me diga como vou pra lá? O que ganhamos aqui mal da pra
alimentar essas crianças Rita, quanto mais nos manter na capital. – Se revolta.
RITA: Se pelo menos tivesse médico pra esses lados! – Lamenta.
JOANA: Que nada Rita! Estamos abandonados nesse fim de mundo!
Condenamos a morrer de fome ou de sede. Meu filho só não morreu graças ao
padre que conseguiu um carro para levá-lo ate a cidade vizinha e lá fazer a
cirurgia. Foi por pouco que não perco meu Pedrinho!
RITA: Um dia alguém vai olhar por nós e nos ajudar! Teremos o que comer e
beber, médico para cuidar de nossos filhos e escola para da educação pra
esses coitados.
JOANA: Não acredito nisso Rita! Se fosse para fazer já teriam feito!
RITA: Não custa sonhar Joana!
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JOANA: É só o que nos resta! Sonhar! – Lamenta.
O SOL: Pra esses lados sempre faltou douto pra cuidar do povo! O que já vi de
mãe carregando o filho no braço atrás de ajuda não ta escrito! Na maioria das
vezes elas voltaram foi de braços vazios, lágrimas no rosto e um peito cheio de
dor! Que Deus os tenha! – Lamenta.
MARIA: Tá com dor na perna Pedrinho? – Pergunta ao ver o irmão com
expressão de dor.
PEDRINHO: Um pouquinho!
ANINHA: Tadinho de você Pedrinho! – Diz fazendo carinho no irmão.
PEDRINHO: Queria tanto poder voltar a brincar como antes, correr pelo pasto
até o açude. Ajudar João e painho com os bichos. Nadar no rio. Montar no
jegue Ignácio. Fico tão triste quando lembro que não posso mais fazer as
coisas que gostava de fazer antes do acidente. – Lamenta.
MARIA: Não fique triste Pedrinho.
(Maria se abaixa para olhá-lo nos olhos)
MARIA: As coisas por aqui vão melhorar quando a chuva voltar! Ai painho e
mãinha vão te levar pra capital e lá o Doutor vai cuidar da sua perna!
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ANINHA: É sim Pedrinho!
MARIA: Tudo vai se resolver! Eu prometo!
(Maria abraça o irmão)
MARIA: Logo você vai montar no jegue Ignácio outra vez!
O SOL: Gente feche os olhos que lá vem poeira!
(Fecham-se os olhos. Ao abrir Pedrinho está só, ouve o som de um galope
vindo do meio dos palmos e galhos secos e se vira para ver o que é).
IGNÁCIO: Levante Pedrinho!
(Pedrinho olha pra cima, sombreia o rosto com a mão para tentar enxergar
quem fala com ele).
PEDRINHO: Eita que é Ignácio!
IGNÁCIO: Sim sou eu Pedrinho!
PEDRINHO: Mas você ta falando! Como pode? - Se surpreende.
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IGNÁCIO: Tudo é possível quando a gente acredita que pode ser Pedrinho!
(Ignácio dá uma volta em torno do menino)
IGNÁCIO: Agora Levante! Monte em mim, temos que buscar a chuva!
PEDRINHO: Não posso mais montar em você Ignácio! Sofri um acidente e não
tenho mais força em uma das pernas!
IGNÁCIO: Você não disse que queria voltar a montar?
PEDRINHO: Sim, mas já lhe disse que não posso mais!
IGNÁCIO: Acredite menino! Acredite que acontece!
(Pedrinho olha pra perna que arrasta desde seu acidente)
PEDRINHO: Será?
Ignácio: Acredite!
(Pedrinho analisa a perna mais uma vez. Já não sente mais a dor na perna.
Abre um sorriso pra Ignácio).
IGNÁCIO: Venha!
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(Pedrinho se aproxima de Ignácio e monta nele, dão duas voltas).
PEDRINHO: Consegui! – A felicidade toma conta de seu rosto. – Consegui!
Posso montar outra vez! Minha perna ta é melhor que antes! Eita que não me
aguento de felicidade Ignácio!
IGNÁCIO: Eu disse menino! É só acreditar que o sonho se tornar realidade!
(Ignácio da voltas com Pedrinho montado nele)
IGNÁCIO: Agora se segure! Tenho pressa! Precisamos ir buscar a chuva de
volta!
PEDRINHO: Mas e onde? Onde que tá a chuva Ignácio?
IGNÁCIO: Lá pros lados de Brejinho!
PEDRINHO: E porque ela tá pra lá?
IGNÁCIO: Oxe, tu não ouviu Maria dizendo que o Santo que manda a chuva se
enfureceu com os homens e levou a chuva embora?
PEDRINHO: Eita que é verdade?
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IGNÁCIO: Claro que é verdade! Agora a gente precisa ir lá pedir desculpa pro
Santo e trazer a chuva de volta!
PEDRINHO: Então vamos Ignácio! Vamos trazer a chuva de volta pro sertão!
IGNÁCIO: Vamos Pedrinho!
PEDRINHO: Mas Ignácio, espere!
(Pedrinho passa a mão sobre o bicho)
IGNÁCIO: O que Foi?
PEDRINHO: Você tá tão magrinho como nunca vi!
IGNÁCIO: Desde que a chuva se foi, não tem dado mais capim no pasto, faz é
dias que não tenho o que comer!
PEDRINHO: E agora Ignácio? Painho leva é dias para ir e voltar ate o Brejinho!
Será que você terá força pra essa aventura?
IGNÁCIO: Sinceramente não sei Pedrinho, mas vamos tentar!
PEDRINHO: Tive uma ideia!
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IGNÁCIO: Que ideia Pedrinho? Conte!
PEDRINHO: Tamo esperando o carro que trás água chegar, quando ele vier
podemos levar água ate o pasto ai o capim volta a crescer, você come bastante
ate encher todo o bucho e então a gente vai atrás do Santo pedir desculpas e
trazer a chuva de volta!
IGNÁCIO: Ótima ideia Pedrinho! Então vamos!
PEDRINHO: Sim! Vamos!
(Ao galope de Ignácio se levanta poeira)
JOANA: Pedrinho? Pedrinho!
(Pedrinho abre os olhos e vê a mãe)
JOANA: Ta tudo bem?
PEDRINHO: Sim mãinha!
(Olha em volta, mas, não vê Ignácio).
PEDRINHO: To bem!
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O SOL: Tudo magrinho de fome. Já contei pra mais de milhão que não tem o
que comer nesse meu sertão nordestino! De Palmo à Rato Rabudo, para não
morrer de fome já vi esse povo por pra dentro um pouco de tudo!
RITA: Joana tu ficou sabendo da briga entre Aroldo e Maleco?
JOANA: Não to sabendo Rita! O que foi que aconteceu?
RITA: Parece que Maleco não pagou a divida que tem com Aroldo!
JOANA: Também coitado do homem, como vai pagar? Essa seca deixou todo
mundo à beira da fome, deve de ta vendendo nada no armazém!
RITA: Mas Aroldo não quer saber não, quer é receber o dinheiro dele!
JOANA: Aroldo deveria de ter é um pouco de paciência, brigar com o coitado
do Maleco! Sei não!
RITA: Pior que sobrou ate pra coitada da Flor!
JOANA: Aroldo fez algo com a pobrezinha?
RITA: Não mulher! É que pra ajudar o pai a pagar a divida Flor tá indo embora
pra capital, trabalhar em casa de família.
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MARIA: Eita que agora João se joga de cabeça no açude! – Grita.
JOÃO: Agora eu te pego atrevida!
(João sai correndo atrás de Maria, dão voltas em torno do galho).
ANINHA: Corre Maria! – Grita.
PEDRINHO: De a volta nele! – Diz rindo ao ver Maria escapar por vezes de
João.
JOANA: Parem! – Grita
(Os dois param)
JOANA: Quer ver eu lapiar o coro dos dois?
JOÃO E MARIA: Desculpe mãinha.
JOANA: Maria! Passe pra frente!
MARIA: Sim mãinha.
(Maria cabisbaixa vai se sentar com a mãe)
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JOANA: Continue Rita!
RITA: Então, Flor ta indo ainda essa semana pra capital, vai trabalhar na casa
do prefeito, cuidar da limpeza e dos fi dele.
JOANA: Pobrezinha! Deixar a família e amigos pra ir trabalhar longe. –
lamenta.
(Pedrinho se aproxima de Maria, Aninha o segue).
PEDRINHO: Maria, João ta que é só tristeza, repare!
ANINHA: Ele gosta tanto assim de Flor?
MARIA: Pelo jeito sim Aninha! Deve de ta apaixonado!
ANINHA: Apaixonado? Como se sabe que a gente ta apaixonado Maria?
MARIA: Dizem que é quando nosso coração se acelera quando esta perto de
alguém que se gosta muito, e esse mesmo coração quase para de tanta
tristeza quando se esta longe desta pessoa!
ANINHA: Tadinho de João! – lamenta.
PEDRINHO: Quanta sofrença! Não quero me apaixonar é nunca!
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MARIA: Mas as histórias de paixão nem sempre acabam tristes!
ANINHA E PEDRINHO: Não?
MARIA: Não! Esse sertão já viu uma história de paixão que acabou em muita
alegria!
PEDRINHO: Verdade? Então conte pra gente Maria!
ANINHA: Sim! Conte!
(Aninha e Pedrinho puxa a irmã de volta para debaixo do galho)
MARIA: Ta bom, eu conto! Há muito tempo atrás essa terra vivia em guerra!
Os dois homens mais valentes de toda a região brigavam pelo amor da moça
mais bonita de todo o sertão.
ANINHA: Qual era o nome dela Maria?
MARIA: Graça! O nome dela era Graça! Sua beleza afastava qualquer tristeza,
quando dançava, todos paravam para olhar, era de um brilho no olhar que ate
as estrelas das noites de São João tinham inveja.
PEDRINHO: Eita que era bonita mesmo!
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MARIA: Sim! Tão bonita que Zenário e Chico quase se mataram por ela.
ANINHA: E foi?
MARIA: Sim Aninha! Tudo começou quando Chico tirou a moça pra dançar no
Forro da festa de Padim Cícero. Zenário que também era apaixonado pela
moça não gostou nadinha e foi tirar satisfação com Chico.
PEDRINHO: E o que aconteceu Maria?
MARIA: Pra não haver morte no meio da festa de nosso Padim Cícero o pai da
moça foi apartar a briga. Mas Zenário e Chico eram fortes, foi preciso uns
cinco, não, uns dez homens para apartar a briga.
PEDRINHO: Eita que a briga foi feia!
MARIA: Sim! Mas um tanto segurou Zenário de um lado e outro tanto segurou
Chico de outro e a briga terminou, pelo menos na festa, mas juraram se
encontrar outra vez pra resolver aquela situação, pois os dois queriam o amor
de Graça pra si, mas só um poderia ter.
ANINHA: E como eles resolveram?
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MARIA: Eita que demorou, os dois eram muito fortes e valentes, foram muitas
batalhas, muito sangue se derramou por essas terras, até que no meio daquela
guerra, um moço que não se sabe de onde vinha nem quem era, de passagem
pelo sertão foi quem pôs fim a guerra e ainda ficou com Flor pra ele!
PEDRINHO: Como assim Maria? Tu não disse que Zenário e Chico eram o
cabras mais valentes e mais fortes de todo o sertão.
MARIA: Sim! Mas esse moço misterioso carregava com ele uma bebida
mágica que lhe deixava mais forte e mais corajoso que Chico e Zenário juntos!
ANINHA E PEDRINHO: Eita!
MARIA: O moço levantou pelo cangote Chico e Zenário de uma vez só,
assustados com a força do moço eles imploraram para que não os matasse, o
moço se mostrou bondoso e disse que pra que eles continuassem com vida
deveriam parar com aquela guerra e irem embora do sertão pra nunca mais
voltar!
ANINHA E PEDRINHO: Nossa!
MARIA: Sem os dois a guerra no sertão acabou e o pai de Graça grato com o
moço deu a mão de sua filha em casamento para ele. Os dois casaram na
noite de São João, e tiveram três filhos, não, foram oito, foram oito filho que o
casal teve e foram felizes para sempre!
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ANINHA: Eita que história bonita Maria!
PEDRINHO: Verdade! Onde será que se vende essa bebida mágica Maria?
Também quero ficar forte que nem o moço misterioso!
MARIA: Ninguém sabe Pedrinho, o moço nunca contou a ninguém onde
conseguiu aquela bebida, nem de que era feita!
(Maria olha pra João que á tempos está calado)
MARIA: Gostou da história João?
JOÃO: Me deixe sua enxerida!
MARIA: Só fiz uma pergunta!
JOÃO: Le conheço!
(João se levanta e vai para o outro lado do galho, longe dos irmãos).
O SOL: Eita que hoje o dia é de vento! Fechem os olhos!
(Todos cobrem os olhos. Ao abrir os seus, João está só).
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MALECO: Eita que o moço das pernas cumpridas quase que pisa em cima de
mim!
(João olha para os lados, não vê ninguém).
JOÃO: Quem disse isso?
MALECO: Eu! Olhe pra baixo bicho besta!
JOÃO: Eita que é Maleco pai de Flor!
(Olha pra baixo e vê o homem atrás de uma palma)
JOÃO: O que o senhor faz ai?
MALECO: Estou me escondendo de Aroldo! Estou sem dinheiro pra pagar a
divida! Faz é dias que corro entre os palmos pra não morrer na mão dele!
JOÃO: Mas onde ta sua coragem em enfrentá-lo homi?
MALECO: Aroldo é mais jovem e forte que eu, se me pega parte em dois!
JOÃO: Só se eu não tiver por perto! Eu defendo o senhor!
(Maleco ri)
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JOÃO: Ta rindo do que?
MALECO: Magrinho desse jeito que tu é também não dura muito na mão dele!
JOÃO: Pois que venha! Vou mostrar pra ele que com a família de Flor ninguém
meche!
MALECO: Deixe de ser besta rapaz!
(Maleco puxa João)
MALECO: Agora escute! Corro nessa direção não é à toa! Sei como enfrentar
Aroldo e sair vivo!
JOÃO: A pois conte! Como posso enfrentá-lo sem que me tire à vida?
MALECO: No final dessa estrada tem um açude! Dizem que a água dele é
mágica!
JOÃO: O senhor não tem mais idade pra acreditar nessas coisas seu Maleco!
MALECO: Me respeite cabra que não sou tão velho assim!
JOÃO: O senhor me desculpe!
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MALECO: Nunca ouviu a história do moço misterioso que afugentou do sertão
de uma só vez os dois homens mais fortes e corajosos que essas terras já viu?
JOÃO: Acho que já ouvi sim! Mas achei que fosse história pra crianças, que
não era verdade!
MALECO: Pois é verdade! Se já ouviu sabe que o moço misterioso antes de
enfrentar os homi bebeu uma bebida mágica que o deixou mais forte e mais
corajoso que qualquer cangaceiro desse sertão!
JOÃO: Mas sei que nunca descobriram o que era ou de onde vinha essa
bebida!
MALECO: Eu sei!
JOÃO: Sabe o que?
MALECO: Sei o que é e onde achar essa bebida!
JOÃO: Se sabe conte!
MALECO: Já disse moço lento! É a água do açude no final desta estrada!
Estava tentando chegar ate ele pra beber de sua água! Mas já não tenho
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forças, esse sol de rachar e a fome que to me deixou fraco demais, não vou
conseguir chegar lá!
JOÃO: Eu vou!
(João se levanta imponente)
JOÃO: Deixe que eu vou seu Maleco, bebo da água e volto pra enfrentar
Aroldo!
MALECO: Faria isso meu rapaz?
JOÃO: Sim! Deixe comigo! Seguirei por essa estrada, bebo de sua água, fico
mais forte e valente e volto para enfrentar Aroldo!
MALECO: Eita que fico muito agradecido!
JOÃO: Mas quero algo em troca!
MALECO: O que quer moço das pernas cumpridas?
JOÃO: Quero a mão de Flor em casamento!
MALECO: Minha fia Flor?
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JOÃO: Sim! Se eu conseguir derrotar Aroldo quero que me conceda a mão de
Flor em casamento!
(Maleco analisa João de cima a baixo)
MALECO: É o que tem! Que Flor me perdoe!
JOÃO: O que disse?
MALECO: Nada rapaz! Nada! Agora vá, posso ouvir o galope do cavalo de
Aroldo! Deve de tá próximo!
JOÃO: Sim! Irei!
(João desvia de um palmo, ao olhar para frente vê a mãe com Rita sentada no
banco enquanto os irmãos brincam debaixo do galho seco).
JOANA: O que foi João?
JOÃO: Tava pensando mãinha, esse carro ta demorando é demais! Eu podia ir
ate o açude no final da estrada trazer a água.
JOANA: Ta doido menino! Anda tudo isso debaixo desse sol quente? Fique
calmo que já deve de ta chegando!
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O SOL: Olhem! Lá vem ele! O carro que trás água do açude no final da
estrada!
(A poucos passos vem o carro que trás água)
ANINHA: A água da plantinha! – Diz eufórica.
PEDRINHO: A água pra molhar o pasto e da de comer á Ignácio! – Grita.
JOÃO: A bebida mágica!
(Todos pegam seus baldes e vão ate o carro que para)
BEZERRA: Olá dona Joana, Rita! – Cumprimenta.
RITA: Olá Bezerra!
JOANA: Diga que trouxe água pra gente!
BEZERRA: Eu sinto muito! Mas o açude no fim da estrada também secou!
MARIA: Num tem a água? – Se entristece.
ANINHA: Eita!
34
PEDRINHO: E agora?
O SOL: É tristeza demais minha gente!
ANINHA: Tadinha da plantinha!
PEDRINHO: Meu amiguinho Ignácio! - lamenta.
JOÃO: Flor! – Exclama.
MARIA: Calma gente! Tudo vai melhorar! Eu sei que vai! Alguém lá em cima
há de olhar por nós! – A lagrima desce.
O SOL: Não poderei aguentar essas carinhas tristes! Vou me embora!
(O Sol vai embora e a noite chega)
Fim.