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smoak
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Â
Para meus leitores
SÃO FRANCISCO, CALIFÓRNIA
REPÚBLICA DA AMÉRICA
POPULAÇÃO: 24.646.320
DE TODOS OS DISFARCES QUE EU JÁ USEI, ESTE PODE SER O MEU
FAVORITO.
Cabelo vermelho-escuro, bastante diferente do meu habitual loiro claro,
cortado apenas pelos meus ombros e puxado para trás em um rabo. Lentes verdes
que parecem naturais quando colocadas sobre os olhos azuis. Uma amarrotada
camisa de gola, seus minúsculos botões de prata brilhando no escuro, uma jaqueta
militar fina, calças pretas e botas de bico de aço, um lenço cinza grosso enrolado
em volta do meu pescoço, queixo e boca. Um boné escuro de soldado puxado
sobre a testa, e uma tatuagem vermelha, pintada, que se estende por todo o lado
esquerdo do meu rosto, me transformando em alguém desconhecido. Fora isso, eu
uso o sempre presente fone de ouvido e microfone. A República insiste nisso.
Na maioria das outras cidades, eu provavelmente atrairia ainda mais
olhares do que eu costumo fazer por causa dessa gigante tatuagem, não
exatamente uma marca sutil, eu tenho que admitir. Mas aqui em São Francisco, eu
me misturo bem com os outros. A primeira coisa que notei quando eu e Eden nos
mudamos para Frisco1 há oito meses foi a tendência local: os jovens pintavam
padrões pretos ou vermelhos em seus rostos, alguns pequenos e delicados, como
selos da República, em suas têmporas ou algo semelhante, outros enormes e
gigantescos, como padrões de gigantes mapas da República. Hoje, eu escolhi uma
tatuagem bem genérica, porque eu não sou leal o suficiente com a República para
acabar com essa lealdade bem na minha cara. Deixe isso para June. Em vez disso,
eu tenho chamas estilizadas. Bom o suficiente.
Minha insônia está agindo hoje à noite, então em vez de dormir, eu estou
andando sozinho por um setor chamado Marina, que, tanto quanto eu posso dizer é
o mais montanhoso, é equivalente em Frisco ao setor Lake em Los Angeles. A noite
1Frisco: Gíria para São Francisco
é fria e muito tranquila, e uma leve garoa está soprando da baía da cidade. As ruas
são estreitas, brilham molhadas e cheias de buracos, e os edifícios que se levantam
em ambos os lados, a maioria deles são altos o suficiente para desaparecer
embaixo desta noite de nuvens, são ecléticos, pintados com seu vermelho, dourado
e preto, seus lados enriquecidos com enormes vigas de aço para combater os
terremotos que rolam através de cada par de meses. Os JumboTrons2 a cinco ou
seis andares de altura estão assentados em cada esquina, bombardeando a todo
volume as habituais notícias da República. O ar tem um cheiro salgado e amargo,
como fumaça e resíduos industriais misturados com água do mar, e em algum lugar
lá dentro, um leve cheiro de peixe frito.
Às vezes, quando eu viro em uma esquina, acabo de repente perto o
suficiente da borda da água que chego a molhar minhas botas. Aqui a terra se
inclina para a baía e centenas de edifícios estão até a metade submersos ao longo
do horizonte. Sempre que tenho uma vista da baía, também posso ver as ruínas da
Golden Gate, os restos retorcidos de uma velha ponte toda amontoada ao longo do
outro lado da margem. Um punhado de pessoas se chocam passando por mim
agora, mas a maior parte da cidade está dormindo. Fogueiras dispersas em becos,
pontos onde pessoas de rua do setor se reúnem. Não é muito diferente de Lake.
Bem — eu acho que há algumas diferenças agora. O Estádio de Provas de
São Francisco, por exemplo, que se encontra vazio e apagado à distância. Menos
policiamento nas ruas nos setores mais pobres. Os grafites na cidade. Você sempre
pode ter uma ideia de como as pessoas estão se sentindo, olhando para o grafite
recente. Muitas das mensagens que eu tenho visto ultimamente realmente apoiam o
novo Eleitor da República. Ele é o nosso salvador, diz uma mensagem rabiscada no
lado de um edifício. Outra pintada na rua diz: O Eleitor vai nos guiar para fora da
escuridão. Um pouco otimista demais, se você me perguntar, mas suponho que
sejam bons sinais. Anden deve estar fazendo algo certo. E, no entanto. De vez em
quando, eu também vejo mensagens que dizem: O Eleitor é um engano, ou
Lavagem cerebral, ou O Day que conhecíamos está morto.
Eu não sei. Às vezes esta nova relação de confiança entre Anden e as
pessoas se parece como uma manipulação… e eu me sinto como se fosse uma
2 – Um telão (às vezes chamado de "Jumbovision") é uma televisão de tela grande com tecnologia desenvolvida pela Sony.
marionete. Além disso, talvez o grafite feliz seja falso, pintado por oficiais de
publicidade. Por que não?
Você nunca sabe com a República.
Eden e eu, é claro, temos um apartamento em Frisco em uma área rica
chamada Pacífica, onde ficamos com a nossa governanta, Lucy. A República tem
que cuidar de seu criminoso mais procurado de dezesseis anos que virou herói
nacional, não é mesmo? Lembro-me o quanto eu desconfiava de Lucy, uma severa,
robusta, senhora de cinquenta e dois anos de idade vestida com as clássicas cores
da República, quando ela apareceu pela primeira vez em nossa porta em Denver.
“A República me designou para ajudá-los meninos”, ela me disse
enquanto se movimentava no nosso apartamento. Seus olhos tinham
imediatamente se instalado sobre Eden. “Especialmente o pequeno.”
Sim. Aquilo não parecia bom para mim. Primeiro de tudo, tinha
levado dois meses para que eu pudesse ter Eden na minha vista. Nós comemos
lado a lado, dormimos lado a lado, eu nunca estava sozinho. Eu tinha ido tão longe
como ficar fora de sua porta do banheiro, como se de alguma forma soldados da
República fossem sugá-lo através de um respiradouro, levá-lo para um laboratório e
ligá-lo a um grupo de máquinas.
“Eden não precisa de você”, eu rebato para Lucy. “Ele tem a mim. Eu
cuido dele.”
Mas depois que a minha saúde começou a oscilar nos primeiros dois
meses. Alguns dias eu me sentia bem, outros dias, eu estava preso na cama com
uma dor de cabeça incapacitante. Naqueles dias ruins, Lucy assumia—e depois de
um pouco de gritaria, eu e ela nos acostumamos em uma rotina rancorosa. Ela faz
tortas de carne bastante impressionantes. E quando nos mudamos aqui para
Frisco, ela veio com a gente. Ela orienta Eden. Ela se encarrega dos meus
medicamentos.
Quando eu finalmente estou cansado de andar, percebo que tenho
vagado direto de Marina para um distrito vizinho mais rico. Eu paro na frente de um
clube com The Obsidian Louge em uma placa de metal sobre a porta. Eu deslizo
contra a parede em uma posição sentada, com os braços apoiados sobre os
joelhos, e sinto as vibrações da música. Minha perna de metal gelada através do
tecido da calça. Na parede em frente a mim, há grafite rabiscado em letras
vermelhas, Day = Traidor. Eu suspiro, tiro uma lata de prata do meu bolso e puxo
um longo cigarro. Eu corro um dedo sobre o texto HOSPITAL CENTRAL DE SÃO
FRANCISCO impresso em seu comprimento. Cigarros receitados. Ordens do
médico, né? Eu o coloco em meus lábios com os dedos trêmulos e o acendo. Fecho
os olhos. Dou uma tragada. Aos poucos, eu me perco nas nuvens da fumaça azul, à
espera do doce, efeito alucinógeno que toma conta de mim.
Não demora muito esta noite. Logo, a constante e maçante dor de cabeça
desaparece, e o mundo a minha volta se transforma em um brilho borrado e eu sei
que não é só da chuva. Uma garota está sentada ao meu lado. É Tess.
Ela me dá um sorriso com o qual eu estava tão familiarizado de volta às
ruas de Lake.
“Qualquer notícia a partir dos JumboTrons?” Ela me pergunta, apontando
para uma tela do outro lado da rua.
Eu exalo fumaça azul e preguiçosamente balanço a cabeça. “Não… quer
dizer, eu vi um par de manchetes relacionados aos Patriotas, mas é como se vocês
tivessem desaparecido do mapa. Onde você esteve? Por onde você andou?”
“Você sente a minha falta?” Tess pergunta em vez de responder.
Eu fico olhando para a imagem cintilante dela. Ela está como eu me
lembro dela das ruas; seu cabelo castanho avermelhado amarrado em uma trança
bagunçada, com os olhos grandes e luminosos, amável e gentil. A pequena Tess.
Quais foram as minhas últimas palavras para ela… quando os Patriotas
fracassaram na tentativa de assassinar Anden? Por favor, Tess, eu não posso
deixá-la aqui. Mas isso foi exatamente o que eu fiz.
Eu me afasto, dando outra tragada no meu cigarro. Eu sinto falta dela?
“Todos os dias”, eu respondo.
“Você está tentando me encontrar”, diz Tess, chegando mais perto. Eu
juro que quase posso sentir seu ombro contra o meu. “Eu vi você, procurando nos
JumboTrons e nas ondas de rádio por notícias, escutando nas ruas. Mas os
Patriotas estão se escondendo agora.”
É claro que eles estão escondidos. Por que eles atacariam, agora que
Anden está no poder e um tratado de paz entre a República e as Colônias está
feito? Qual poderia ser nova causa? Eu não tenho nenhuma ideia. Talvez eles não
tenham uma. Talvez eles nem sequer existam mais. “Eu gostaria que você
voltasse”, eu murmuro para Tess. “Seria bom vê-la novamente.”
“E quanto a June?”
Quando ela pergunta isso, a sua imagem desaparece. Ela é substituída
por June, com seu longo rabo de cavalo e olhos escuros que brilham com toques
de ouro, séria e analisando, sempre analisando. Eu inclino a minha cabeça contra o
joelho e fecho os olhos. Mesmo a ilusão de June é o suficiente para enviar uma dor
aguda no meu peito. Inferno. Eu sinto tanta falta dela.
Eu me lembro quando eu disse adeus pra ela, em Denver, antes de eu e
Eden mudarmos para Frisco. “Eu tenho certeza que estaremos de volta,” eu disse a
ela, tentando preencher o silêncio constrangedor entre nós. “Após fazer o
tratamento do Eden.” Era uma mentira, é claro. Nós estávamos indo para Frisco
para o meu tratamento, não do Eden. Mas June não sabia disso, então ela apenas
disse: “Volte logo.”
Isso foi há quase oito meses. Eu não tenho notícias dela desde então. Eu
não sei se é porque cada um de nós é muito hesitante em incomodar o outro, com
muito medo de que o outro não queira falar, ou talvez ambos sejam muito
orgulhosos para ser o único desesperado o suficiente para procurar. Talvez ela
apenas não esteja interessada o suficiente. Mas você sabe como isso é. Uma
semana passa sem contato, e depois um mês, e em breve muito tempo se passou e
chamá-la só iria parecer estranho e aleatório. Então, eu não sei. Além disso, o que
eu diria? Não se preocupe, os médicos estão lutando para salvar a minha vida. Não
se preocupe, eles estão tentando diminuir a área de problema no meu cérebro com
uma pilha gigante de medicação antes de tentar uma operação. Não se preocupe, a
Antártida poderia me conceder o acesso ao tratamento em seus principais
hospitais. Não se preocupe, eu vou ficar bem.
Qual é o ponto de manter contato com a garota por quem você é louco,
quando você está morrendo?
O lembrete envia uma dor latejante na parte de trás da minha cabeça. “É
melhor assim”, digo a mim mesmo pela centésima vez. E é. Por não vê-la por tanto
tempo, a memória de como nós nos conhecemos se torna nebulosa, e eu me pego
pensando sobre sua conexão com as mortes da minha família com menos
frequência.
Ao contrário de Tess, por algum motivo a imagem de June nunca diz uma
palavra. Tento ignorar a miragem cintilante, mas ela se recusa a ir embora. Tão
malditamente teimosa.
Finalmente, eu levanto, jogo o cigarro no chão, e passo pela porta da
Obsidian Lounge. Talvez a música e a luz vão sacudir o meu sistema.
Por um instante, eu não consigo ver nada. O clube é um breu, e o som é
ensurdecedor. Imediatamente eu sou parado por um enorme par de soldados. Um
deles coloca uma mão firme no meu ombro. “Nome e ramo?” Ele pergunta.
Não tenho nenhum interesse em fazer a minha verdadeira identidade
conhecida. “Cabo Schuster. Força Aérea”, eu respondo, deixando escapar um nome
aleatório e o primeiro ramo que me vem à mente. Eu sempre penso primeiro na
força aérea, principalmente por causa de Kaede. “Sou destinado a Segunda Base
Naval”.
Os guardas assentem. “Crianças da Força Aérea ficam na parte de trás,
perto dos banheiros. E se eu ouvir que você se meteu em qualquer luta nas cabines
do exército, você está fora e seu comandante ouvirá sobre isso na parte da manhã.
Entendeu?”
Concordo com a cabeça, e os soldados me deixam passar. Eu ando por
um corredor escuro e através de uma segunda porta, em seguida, me fundo entre a
multidão e as luzes piscando em seu interior.
A pista de dança está lotada com pessoas com camisas soltas e mangas
arregaçadas, vestidos combinando com uniformes amarrotados. Acho as cabines
da força aérea na parte de trás da sala. Bom, há várias vazias. Eu deslizo em uma
cabine, sustento minhas botas contra os assentos almofadados, e inclino a cabeça
para trás. Pelo menos a imagem de June desapareceu. A música alta dispersa todos
os meus pensamentos.
Eu só estive na cabine por alguns minutos quando uma garota corta seu
caminho através da pista de dança lotada e tropeça em minha direção. Ela parece
corada, os olhos brilhantes e provocantes, e quando eu olho atrás dela, eu observo
um grupo de meninas rindo e nos observando. Eu forço um sorriso. Normalmente,
eu gosto da atenção nos clubes, mas às vezes, eu só quero fechar os olhos e deixar
que o caos me leve para longe.
Ela se inclina e pressiona os lábios contra meu ouvido. “Desculpe-me”,
ela grita por causa do barulho. “Minhas amigas querem saber se você é o Day.”
Já fui reconhecido? Eu instintivamente encolho para longe e balanço a
cabeça para que os outros possam ver. “Você pegou o cara errado”, eu respondo
com um sorriso irônico. “Mas obrigado pelo elogio.”
O rosto da menina está quase totalmente coberto nas sombras, mas,
mesmo assim, posso dizer que ela está corando furiosamente. Suas amigas caem
na gargalhada. Nenhuma delas parece acreditar na minha negação. “Quer dançar?”
A menina pergunta. Ela olha por cima do ombro em direção as luzes em azul e ouro,
depois de volta para mim. Isso deve ser algo que suas amigas a desafiaram a fazer
também.
Quando eu estou tentando pensar em algum tipo de recusa educada, eu
observo a aparência da garota. O clube escuro demais para eu dar uma boa olhada
para ela, e tudo o que vejo são vislumbres de destaques de néon em sua pele e
longo rabo de cavalo, os lábios brilhantes se curvam em um sorriso, seu corpo
magro e liso em um vestido curto e botas militares. Minha recusa desaparece na
minha língua. Algo nela me faz lembrar June. Nos primeiros oito meses desde que
June tornou-se uma Princesa Eleita, eu não me senti animado sobre outras
meninas, mas agora, com esta sósia sombria me chamando para a pista de dança,
eu me sinto esperançoso novamente.
“Sim, por que não?” Eu digo.
A menina abre um largo sorriso. Quando me levanto da cabine e pego a
mão dela, todas as suas amigas soltam um suspiro de surpresa, seguido de um
viva. A menina me leva através deles, e antes que eu perceba, nós empurramos
nosso caminho para as multidões e abrimos um pequeno espaço no meio da ação.
Eu me pressiono contra ela, passa a mão ao longo da parte de trás do
meu pescoço, e nos deixamos levar pela batida. Ela é bonita, eu admito para mim
mesmo, cego neste mar de luzes e membros. As músicas mudam, então mudam
novamente. Eu não tenho nenhuma ideia de quanto tempo estamos perdidos assim,
mas quando ela se inclina para frente e escova os lábios sobre os meus, eu fecho
meus olhos e a deixo. Eu até sinto um arrepio na espinha. Ela me beija duas vezes,
a boca macia e suave, sua língua com gosto de vodka e frutas. Eu coloco uma mão
sobre as costas da garota e a puxo para mais perto, até que seu corpo esteja
firmemente contra o meu. Seus beijos se tornam mais urgentes. Ela é June, eu digo
a mim mesmo, escolhendo entrar na fantasia. Com os olhos fechados, minha mente
ainda nebulosa do meu cigarro de alucinógenos, eu acredito que por um momento
— eu posso imaginá-la me beijando aqui, levando até a última respiração dos meus
pulmões. A menina provavelmente sente a mudança de meus movimentos, minha
súbita fome e desejo, porque ela sorri contra os meus lábios. Ela é June. Esta é
June escovando o cabelo escuro contra o meu rosto, longos cílios de June que
tocam meu rosto, o braço de June enrolado no meu pescoço, o corpo de June
deslizando contra o meu. Um suave gemido me escapa.
“Vamos lá”, ela sussurra. Suas palavras lançadas com malícia. “Vamos
pegar um pouco de ar.”
Quanto tempo faz? Eu não quero ir embora, porque isso significa que eu
vou ter que abrir os olhos e June terá desaparecido, substituída por essa garota
que eu não conheço. Mas ela puxa minha mão e eu sou forçado a olhar ao redor.
June está longe de ser vista, é claro. As luzes do clube piscam e eu estou
momentaneamente cego. Ela me guia através da multidão de dançarinos, para baixo
no corredor escuro do clube, e para fora por uma porta dos fundos sem
identificação. Nós entramos em um beco tranquilo. Alguns postes brilham ao longo
do caminho, dando a tudo, um brilho esverdeado assustador.
Ela me empurra contra a parede e me afoga em outro beijo. Sua pele está
úmida, e eu sinto seus arrepios sob meu toque. Eu a beijo de volta, e uma pequena
risada de surpresa escapa dela quando eu nos viro em torno e a fixo contra a
parede.
Ela é June, eu digo a mim mesmo em repetição. Meus lábios trabalham
avidamente ao longo de seu pescoço, saboreando fumaça e perfume.
Uma fraca estática chia no meu fone de ouvido, como o som da chuva e
ovos fritando. Tento ignorar a chamada recebida, assim quando a voz de um
homem enche meus ouvidos. Por falar de um estraga prazeres. “Sr. Wing”, diz ele.
Eu não respondo. Vá embora. Estou ocupado.
Poucos segundos depois, a voz começa novamente. “Sr. Wing, aqui é o
Capitão David Guzman da Patrulha Quatorze da cidade de Denver. Eu sei que você
está aí.”
Oh, esse cara. Este pobre Capitão é sempre o encarregado de tentar me
controlar.
Eu suspiro e me afasto da menina. “Desculpe,” eu digo sem fôlego. Lhe
dou uma careta de desculpa e gesticulo para a minha orelha. “Dê-me um minuto?”
Ela sorri e arruma o seu vestido. “Eu vou estar lá dentro”, ela responde.
“Me procure.” Então ela entra pela porta e volta para o clube.
Eu viro meu fone e começo a andar devagar para cima e para baixo no
beco. “O que você quer?” Eu digo num sussurro irritado.
O Capitão suspira sobre o fone de ouvido e se lança em sua mensagem.
“Sr. Wing, sua presença é solicitada em Denver amanhã à noite, no Dia da
Independência, no salão de festas da Torre do Capitólio. Como sempre, você é livre
para recusar o pedido — como você costuma fazer”, ele murmura baixinho. “No
entanto, este banquete é uma reunião excepcional de grande importância. Se você
optar por participar, nós vamos ter um jato particular esperando por você na parte
da manhã.”
Uma reunião excepcional de grande importância? Já ouviu falar tantas
palavras bonitas em uma frase? Reviro os olhos. Todos os meses, mais ou menos,
eu recebo um convite para um evento social importante, como um baile com todos
os Generais de alto escalão da guerra ou a celebração quando Anden finalmente
terminou com as Provas. Mas a única razão pela qual eles querem que eu vá para
essas coisas é para que eles possam me mostrar e lembrar as pessoas: “Olha, só
no caso de você esquecer, Day está do nosso lado!” Não abuse da sorte, Anden.
“Sr. Wing”, o Capitão diz quando eu fico em silêncio, como se ele
recorresse a algum argumento final, “o glorioso Eleitor pessoalmente solicita a sua
presença. O mesmo faz a Princesa Eleita.”
A Princesa Eleita.
Minhas botas trituram em uma parada no meio do beco. Eu esqueço de
respirar.
Não fique muito animado — afinal, há três Príncipes Eleitos, e ele pode
estar se referindo a qualquer um deles. Alguns segundos se passam antes de eu
finalmente perguntar: “Qual Princesa Eleita?”
“A única que realmente importa para você.”
Minhas bochechas esquentam com a provocação em sua voz. “June?”
“Sim, a Srta. June Iparis”, o Capitão responde. Ele parece aliviado por
finalmente ter a minha atenção.
“Ela quer fazer um pedido pessoal neste momento. Ela gostaria muito de
vê-lo no banquete da Torre do Capitólio.”
Minha cabeça dói, e eu luto para firmar minha respiração. Todos os
pensamentos sobre a menina no clube vão para fora da janela. June não tem,
pessoalmente, me chamado em oito meses – esta é a primeira vez que ela pediu
que eu assistisse a uma função pública. “O que é isso?” Eu pergunto. “Apenas uma
festa do Dia da Independência? Por que é tão importante?”
O Capitão hesita. “É uma questão de segurança nacional”.
“O que isso quer dizer?” Meu entusiasmo inicial diminui lentamente,
talvez ele esteja apenas blefando. “Olha, Capitão, eu tenho alguns negócios
inacabados para cuidar. Tente me convencer novamente pela manhã.”
O Capitão amaldiçoa em voz baixa. “Tudo bem, Sr. Wing. Irá tê-lo à sua
maneira.” Ele murmura algo que eu não consigo entender, então desliga. Eu franzo
a testa em desespero quando o meu entusiasmo inicial desaparece naufragando em
decepção. Talvez eu devesse ir para casa agora. É hora de eu voltar e checar Eden,
de qualquer maneira. Que piada. As chances são de que ele provavelmente está
mentindo sobre o pedido de June, em primeiro lugar, porque se ela realmente
queria que eu voltasse para a capital, que mal, ela—.
“Day?”
Uma nova voz vem em meu fone de ouvido. Eu congelo.
Teria o efeito dos alucinógenos dos remédios não desaparecido ainda?
Acabei de imaginar a sua voz? Mesmo que eu não tenha a ouvido em quase um
ano, eu a reconheceria em qualquer lugar, e o som por si só é suficiente para
evocar a imagem de June de pé, diante de mim, como se eu tivesse a encontrado
por acaso neste beco. Por favor, não deixe que seja ela. Por favor, que seja ela.
Será que sua voz sempre tem esse efeito em mim?
Não tenho ideia de quanto tempo eu estive congelado como estava, mas
deve ter sido um tempo, porque ela repete: “Day, sou eu. June. Você está aí?” Um
arrepio me percorre.
Isso é real. É realmente ela.
Seu tom é diferente do que eu me lembro. Hesitante e formal, como se ela
estivesse falando com um estranho. Eu finalmente consigo me recompor e clico em
meu microfone. “Eu estou aqui”, eu respondo. Meu próprio tom é muito diferente
também — apenas hesitante, um tanto formal. Espero que ela não ouça o ligeiro
tremor na minha voz.
Há uma breve pausa no outro lado antes de June continuar. “Oi”. Então
um longo silêncio, seguido de: “Como você está?”
De repente, eu sinto uma tempestade de palavras se acumulando dentro
de mim, ameaçando derramar. Eu quero deixar escapar tudo: Eu penso em você
todos os dias desde aquela despedida final entre nós, eu sinto muito por não entrar
em contato com você, eu queria que você tivesse me ligado. Estou com saudades.
Estou com saudades.
Eu não digo nada disso. Em vez disso, a única coisa que eu consigo é:
“Tudo bem. O que está acontecendo?”.
Ela faz uma pausa. “Oh. Isso é bom. Peço desculpas pela ligação tarde,
como estou certa que você deve estar tentando dormir. Mas o Senado e o Eleitor me
pediram para enviar esta solicitação para você pessoalmente. Eu não faria isso a
menos que eu sentisse que era realmente importante. Denver está dando um baile
para o Dia da Independência, e durante o evento, vamos ter uma reunião de
emergência. Precisamos que você compareça”.
“Por quê?” Acho que eu tenho recorrido a respostas de poucas palavras.
Por alguma razão, é tudo que eu posso pensar com a voz de June na linha.
Ela exala, o envio de uma leve explosão de estática através do fone de
ouvido e, em seguida, diz: “Você já ouviu falar sobre o tratado de paz que está
sendo elaborado entre a República e as Colônias, né?”
“Sim, claro” Todo mundo no país sabe disso: a maior ambição do nosso
precioso pequeno Anden, para acabar com a guerra que está acontecendo por
quem sabe quanto tempo. E, até agora, as coisas parecem estar indo na direção
certa, bem o suficiente para que a frente de guerra esteja tranquilamente em um
beco sem saída nos últimos quatro meses. Quem diria que um dia como esse
poderia vir, da mesma forma como nós nunca esperávamos ver os Estádios das
Provas inutilizados em todo o país. “Parece que o Eleitor está no caminho certo
para se tornar o herói da República, não é?”
“Não fale cedo demais.” As palavras de June escureceram, e eu sinto
como se eu pudesse ver a sua expressão através do fone de ouvido. “Ontem
recebemos uma transmissão irritada das Colônias. Há uma praga se espalhando
por suas cidades de frente de guerra, e eles acreditam que ela foi causada por
algumas das armas biológicas que tínhamos enviado através de suas fronteiras.
Inclusive eles rastrearam os números de série sobre o revestimento das armas que
eles acreditam que começou esta praga.”
Suas palavras se tornaram abafadas pelo choque na minha mente, o
nevoeiro que está trazendo de volta lembranças do Eden e dos olhos pretos e
sangrando, daquele rapaz no trem que estava sendo usado como parte na guerra.
“Isso quer dizer que o tratado de paz está cancelado?” Eu pergunto.
“Sim.” A voz de June cai. “As Colônias dizem que a praga é um ato oficial
de guerra contra eles.”
“E o que isso tem a ver comigo?”
Outra pausa longa, sinistra. Isso me enche de pavor frio tão gelado que
eu sinto como se meus dedos estivessem ficando dormentes. A praga. Está
acontecendo. É tudo um círculo completo.
“Eu vou te dizer quando você chegar aqui,” June finalmente diz. “Melhor
não falar mais sobre isso nos fones de ouvido.”
EU DESPREZO MINHA PRIMEIRA CONVERSA COM Day depois de oito
meses sem comunicação. Eu odeio isso. Quando eu me tornei tão manipuladora? Por que
tenho que usar sempre suas fraquezas contra ele?
Ontem à noite, 2306 horas, Anden veio ao meu complexo de apartamentos e
bateu na minha porta. Sozinho. Eu nem sequer pensei que os guardas estavam
posicionados no corredor para sua proteção. Foi o meu primeiro aviso de que tudo o que
ele precisava me dizer tinha de ser importante e… secreto.
“Eu tenho que pedir um favor a você”, ele disse enquanto eu o deixava entrar.
Anden quase aperfeiçoou a arte de ser um jovem Eleitor (calmo, frio, recolhido, um queixo
orgulhoso sob estresse, a voz, mesmo quando irritado), mas desta vez eu podia ver a
profunda preocupação em seus olhos. Até o meu cão, Ollie, poderia dizer que Anden
estava perturbado, e tentou tranquilizá-lo, empurrando o nariz molhado contra a mão de
Anden.
Eu cutuquei Ollie para fora antes de voltar para Anden. “O que aconteceu?”
Perguntei.
Anden passou a mão pelos seus cachos escuros. “Eu não quero incomodá-la
tão tarde da noite”, disse ele, inclinando a cabeça para baixo em direção a minha
silenciosa preocupação. “Mas eu tenho medo que essa não seja uma conversa que você
esperava.” Ele estava perto o suficiente para que, se eu quisesse, eu poderia inclinar meu
rosto e, acidentalmente, escovar meus lábios contra os dele. Meu batimento cardíaco
acelerou com o pensamento.
Anden pareceu sentir a tensão em minha postura, porque ele deu um passo
para longe apologético e me deu mais espaço para respirar. Eu senti uma estranha
mistura de alívio e decepção. “O tratado de paz acabou”, ele sussurrou. “As Colônias
estão se preparando para declarar guerra contra nós mais uma vez.”
“O quê?” Eu sussurrei de volta. “Por quê? O que aconteceu?”
“A notícia de meus generais é que um par de semanas atrás, um vírus mortal
começou varrendo as cidades de frente de guerra das Colônias como pólvora.” Quando
ele viu os meus olhos se arregalarem em entendimento, ele assentiu. Ele parecia tão
cansado, sobrecarregado com o peso da segurança de uma nação inteira.
“Aparentemente, eu demorei muito para retirar as armas biológicas da frente de guerra.”
Eden. Os vírus experimental que o pai de Anden tinha usado na tentativa de
causar uma epidemia nas Colônias. Durante meses, eu tentei empurrar isso para o fundo
da minha mente, afinal, Eden estava seguro, agora, sob os cuidados de Day e, por último
que ouvi, estava lentamente se ajustando a uma vida aparentemente normal. Nos últimos
meses, a frente de guerra tinha ficado em silêncio enquanto Anden tentava discutir um
tratado de paz com as Colônias. Eu pensei que teríamos sorte, que nada sairia dessa
guerra biológica. Mera ilusão.
“Será que os Senadores sabem?” Eu perguntei depois de um tempo. “Ou os
outros Príncipes Eleitos? Por que você está me dizendo isso? Dificilmente sou sua
conselheira mais próxima.”
Anden suspirou e apertou a ponte de seu nariz. “Perdoe-me. Eu gostaria de
não ter que envolvê-la nisso. As Colônias acreditam que temos a cura para este vírus em
nossos laboratórios e estamos simplesmente a ocultando. Eles exigem que a gente
compartilhe, ou então eles irão colocar toda a sua força por trás de uma invasão em larga
escala na República. E, desta vez, não será um retorno a nossa antiga guerra. As
Colônias têm um aliado garantido. Eles fecharam um acordo de comércio com a África—
as Colônias obtém ajuda militar, e, em contrapartida, a África recebe metade das nossas
terras.”
Um sentimento de mau presságio se apoderou de mim. Mesmo sem ele dizer
isso, eu poderia dizer que isso estava acontecendo. “Nós não temos uma cura, não é?”
“Não. Mas sabemos que ex pacientes têm o potencial para nos ajudar a
encontrar a cura.” Comecei balançando a cabeça. Quando Anden estendeu a mão para
tocar no meu cotovelo, eu me afastei.
“Absolutamente não”, eu disse. “Você não pode pedir isso de mim. Eu não vou
fazer isso.”
Anden parecia triste. “Eu darei um banquete privado amanhã à noite para
reunir todos os nossos Senadores. Nós não temos escolha se quisermos acabar com isso
e encontrar uma maneira de assegurar a paz com as Colônias.” Seu tom ficou mais firme.
“Você sabe isso tão bem quanto eu. Eu quero que ele participe deste banquete e nos
ouça. Precisamos da autorização dele, se nós tivermos que chegar ao Eden”.
Ele estava sério, eu percebi em choque. “Você nunca vai levá-lo a fazer. Você
percebe isso, não é? O apoio do país com você ainda é leve, e a aliança de Day com
você é hesitante na melhor das hipóteses. O que você acha que ele vai dizer disso? E se
você irritá-lo o suficiente para ele chamar as pessoas para ação, para dizer-lhes para se
rebelar contra você? Ou pior, e se ele pedir a eles para apoiarem as Colônias?”
“Eu sei. Eu pensei em tudo isso.” Anden esfregou as têmporas em exaustão.
“Se houvesse uma opção melhor, eu ia considerá-la.”
“Então você quer que eu o faça concordar com isso”, acrescentei. Minha
irritação era forte demais para me preocupar em escondê-la. “Eu não vou fazer isso.
Pegue os outros Senadores para convencer Day, ou tente convencê-lo você mesmo. Ou
encontre uma maneira de pedir desculpas ao líder das Colônias e peça para negociar
novos termos”.
“Você é a fraqueza de Day, June. Ele vai ouvir você.” Anden estremeceu
quando ele mesmo disse isso, como se ele não quisesse admitir. “Eu sei como isso me
faz soar. Eu não quero ser cruel, eu não quero que Day nos veja como o inimigo. Mas eu
vou fazer o que for preciso para proteger as pessoas da República. Caso contrário, as
Colônias vão atacar, e se isso acontecer, você sabe que é provável que o vírus vá se
espalhar aqui também.”
Era pior do que isso, apesar de Anden não ter dito isso em voz alta. Se as
Colônias nos atacarem com a África ao seu lado, então os nossos militares não serão
fortes o suficiente para contê-los. Desta vez, eles podem ganhar. Ele vai ouvir você.
Fechei os olhos e inclinei a cabeça. Eu não queria admitir, mas eu sabia que Anden
estava certo.
Então eu fiz o que ele pediu. Liguei para Day e lhe pedi para voltar para a
capital. Apenas o pensamento de vê-lo novamente fez meu coração ressoar, doendo de
sua ausência na minha vida ao longo destes últimos meses. Eu não tenho visto ou falado
com ele por tanto tempo… e isso está indo ser como vamos nos reunir? O que ele vai
pensar de mim agora?
O que ele vai pensar da República quando descobrir o que eles querem com
seu irmão mais novo?
1201 HORAS.
TRIBUNAL DE CRIMES FEDERAIS DO CONDADO DE DENVER.
24°C DENTRO DE CASA.
SEIS HORAS ATÉ EU VER DAY NO BAILE A NOITE.
289 DIAS E 12 HORAS DESDE A MORTE DE METIAS
Thomas e a Comandante Jameson estão em julgamento hoje.
Estou tão cansada de julgamentos. Nos últimos quatro meses, uma dúzia de ex
Senadores foram julgados e condenados por participar do plano para assassinar Anden, o
plano que Day e eu mal tínhamos conseguido parar. Os Senadores foram todos
executados. Razor já foi executado. Às vezes eu sinto como se alguém novo fosse
condenado a cada semana.
Mas o julgamento de hoje é diferente. Eu sei exatamente quem está sendo
condenado hoje, e por quê.
Sento-me na varanda com vista para o palco rodado do tribunal, minhas mãos
inquietas nas luvas de seda branca, meu corpo em constante mudança no meu colete e
casaco preto de babados, minhas botas batendo calmamente contra os pilares da
varanda. Minha cadeira é feita de carvalho sintético e almofadado com veludo macio,
escarlate, mas de alguma forma eu não posso me fazer confortável. Para manter-me
calma e ocupada, estou entrelaçando cuidadosamente quatro clipes de papel endireitado
no meu colo para formar um pequeno anel. Dois guardas estão atrás de mim. Três linhas
circulares de vinte e seis Senadores do país cercam o palco, uniformizados em seus
correspondentes ternos escarlates e pretos, as suas dragonas de prata que refletem a luz
da câmara, suas vozes ecoando ao longo do teto arqueado. Eles soam em grande parte
indiferentes, como se eles estivessem atendendo cerca de rotas de comércio em vez de
destinos das pessoas. Muitos são os novos rostos que substituíram os Senadores
traidores, que Anden tinha substituído. Eu sou a única que se destaca com a minha roupa
preta e dourada (até mesmo os setenta e seis soldados montando guarda aqui são
revestidos de escarlate, dois para cada Senador, dois para mim, dois para cada um dos
outros Príncipes Eleitos, quatro para Anden, e quatorze nas entradas dianteiras e
traseiras da Câmara, o que significa que os réus, Thomas e a Comandante Jameson são
considerados de bastante alto risco e poderiam fazer um movimento súbito).
Eu não sou nenhuma Senadora, claramente. Eu sou uma Princesa Eleita e
precisava ser distinguida como tal.
Dois outros na câmara usavam o mesmo uniforme preto e dourado que eu.
Meus olhos vagueiam para eles agora, onde eles se sentam em outras varandas. Após
Anden ter aproveitado para me treinar para a posição de Princesa Eleita, o Congresso
pediu-lhe para selecionar vários outros. Afinal, você não pode ter apenas uma pessoa se
preparando para se tornar o líder do Senado, especialmente quando essa pessoa é uma
garota de dezesseis anos de idade, sem um pingo de experiência política. Então Anden
concordou. Ele escolheu mais dois Príncipes Eleitos, ambos já Senadores. Uma deles é
chamada de Mariana Dupree. Meu olhar se instala nela, o nariz virado para cima e com
os olhos pesados com severidade. Trinta e sete anos de idade, no Senado por dez anos.
Ela me odiou no instante em que pôs os olhos em mim. Eu olho para longe dela e para a
varanda, onde o segundo Príncipe Eleitor está. Serge Carmichael, um Senador agitado de
trinta e dois anos de idade com grande espírito político, que não perdeu tempo me
mostrando que ele não aprecia minha juventude e inexperiência.
Serge e Mariana. Meus dois rivais para o título de Princesa. Eu me sinto
exausta só de pensar nisso.
Em uma varanda a várias dezenas de metros de distância, sentado ladeado
por seus guardas, Anden parece calmo, revendo algo com um dos soldados. Ele está
vestindo um casaco militar cinzento considerável com brilhantes botões de prata,
dragonas de prata e insígnias de prata na manga. Ele ocasionalmente olha para baixo em
direção aos prisioneiros de pé no círculo da câmara. Eu o assisto por um momento,
admirando sua calma aparência.
Thomas e a Comandante Jameson vão receber suas penas por crimes contra a
nação.
Thomas parece mais arrumado do que o habitual, se isso é possível. Seu
cabelo está penteado para trás, e eu posso dizer que ele deve ter esvaziado uma lata
inteira de graxa de sapato para cada uma de suas botas. Ele está de pé em posição de
sentido, no centro da câmara, e olha para frente com uma intensidade que faria qualquer
Comandante da República orgulhoso. Eu me pergunto o que está passando em sua
mente. Ele está imaginando aquela noite no beco do hospital, quando ele matou meu
irmão? Ele está pensando nas muitas conversas que teve com Metias, os momentos em
que ele havia baixado a sua guarda? Ou a noite fatídica, quando ele tinha escolhido trair
Metias em vez de ajudá-lo?
Comandante Jameson, por outro lado, parece ligeiramente despenteada. Seus
olhos frios e sem emoção estão fixos em mim. Ela esteve me olhando com firmeza nos
últimos 12 minutos. Eu olho para baixo por um momento, tentando ver alguma dica de
uma alma em seus olhos, mas não existe nada lá, exceto um ódio gelado, uma absoluta
falta de consciência.
Eu olho para longe, tomando respirações profundas, lentas, e tentando me
concentrar em outra coisa. Meus pensamentos voltam para Day.
Tem sido 241 dias desde que ele visitou meu apartamento e me deu adeus. Às
vezes eu desejo que Day possa me segurar em seus braços novamente e me beijar da
forma como ele fez naquela última noite, tão perto que mal podia respirar, seus lábios
macios contra os meus. Mas então eu tomo de volta esse desejo. O pensamento é inútil.
Isso me lembra da perda, da mesma forma como sentada aqui e olhando para as pessoas
que mataram a minha família me faz lembrar de todas as coisas que eu costumava ter,
que me lembra muito da minha culpa, de todas as coisas que Day costumava ter e que eu
lhe tirei.
Além disso, Day provavelmente nunca irá querer me beijar novamente. Não
depois que ele descobrir por que eu lhe pedi para voltar para Denver.
Anden está olhando na minha direção agora. Quando eu pego o seu olhar, ele
acena com a cabeça uma vez, sai de sua varanda, e um minuto depois ele pisa na minha
sacada. Levanto-me e, junto com meus guardas, ajusto uma saudação. Anden levanta
uma mão impaciente. “Sente-se, por favor”, diz ele. Quando eu relaxo de volta na minha
cadeira, ele se inclina para o meu nível dos olhos e acrescenta: “Como você está se
mantendo, June?”.
Eu luto contra o rubor, uma vez que se espalha por todo meu rosto. Depois de
oito meses sem Day na minha vida, eu me vejo sorrindo para Anden, apreciando a
atenção, ocasionalmente, até mesmo esperando por isso. “Indo bem, obrigado. Eu estive
ansiosa por este dia.”
“É claro.” Anden assente. “Não se preocupe, não vai demorar muito para que
os dois estejam fora de sua vida para sempre.” Ele dá ao meu ombro um aperto
tranquilizador. Em seguida, ele sai tão rapidamente quanto chegou, desaparecendo com o
tilintar fraco de medalhas e dragonas, reaparecendo momentos depois em sua própria
varanda.
Eu levanto a minha cabeça em uma vã tentativa de bravura, sabendo que os
olhos gelados da Comandante Jameson ainda devem estar em cima de mim. Quando
cada um dos Senadores sobe para lançar em voz alta o seu voto em seu veredicto, eu
prendo a respiração e cuidadosamente afasto cada lembrança que tenho de seus olhos
me encarando, dobrando-os em um compartimento limpo na parte de trás da minha
mente. A votação parece demorar uma eternidade, ainda que os Senadores sejam todos
rápidos para dizer o que eles acham que vai agradar o Eleitor. Ninguém tem a coragem
de contrariar Anden depois de assistir a tantos outros condenados e executados. No
momento em que chega a minha vez, a minha garganta está seca. Eu engulo algumas
vezes, em seguida, falo.
“Culpado”, eu digo, minha voz clara e calma.
Serge e Mariana dão seus votos depois de mim. Corremos através de outro
turno de votação para Thomas, e então nós terminamos. Três minutos mais tarde, um
homem (careca, com um rosto redondo e enrugado e com uma túnica escarlate até o
chão a qual ele está segurando com a mão esquerda) se apressa na varanda de Anden e
lhe dá uma reverência apressada. Anden inclina-se para o homem e sussurra em seu
ouvido. Eu assisto sua interação com uma curiosidade tranquila, pensando se eu posso
prever o veredicto final por seus gestos. Depois de uma breve deliberação, tanto Anden
quanto o mensageiro acenam. Em seguida, o mensageiro levanta a voz para toda a
assembleia.
“Agora estamos prontos para anunciar o veredicto para o Capitão Thomas
Alexander Bryant e a Comandante Natasha Jameson da Oitava Patrulha da cidade de Los
Angeles. Todos se levantem para o glorioso Eleitor!”
Os Senadores e eu fazemos com um barulho uniforme, enquanto Comandante
Jameson simplesmente se vira para Anden com um olhar de desprezo absoluto. Thomas
ajusta uma saudação brusca na direção de Anden. Ele mantém a posição quando Anden
se levanta, endireita, e coloca as mãos atrás das costas. Há um momento de silêncio,
enquanto aguardamos o seu veredicto final, a um voto que realmente importa. Eu luto
contra uma vontade crescente de tossir. Meus olhos vagueiam instintivamente para o
outro Príncipe Eleito, algo que eu agora faço o tempo todo; Mariana tem uma carranca
satisfeita em seu rosto, enquanto Serge só olha entediado. Um dos meus punhos cerra
firmemente em torno do anel de clipes de papel que eu estou trabalhando. Eu já sei que
vai deixar sulcos profundos na palma da minha mão.
“Os Senadores da República apresentaram seus veredictos individuais”, Anden
comunica ao tribunal, suas palavras carregam toda a formalidade das tradições de um
discurso. Fico maravilhada com a forma como a sua voz pode soar tão suave e ao mesmo
tempo tão bem carregada. “Eu levei em conta a decisão conjunta, e agora eu dou a minha
própria.” Anden faz uma pausa para voltar seus olhos para baixo na direção de onde os
dois estão esperando. Thomas ainda está em uma saudação completa, ainda olhando
fixamente para o ar vazio à sua frente. “Capitão Thomas Alexander Bryant da Oitava
Patrulha da cidade de Los Angeles”, diz ele, “a República da América o considera
culpado…”
A sala fica em silêncio. Eu até luto para manter a minha respiração. Pense em
algo. Qualquer coisa. E sobre todos os livros políticos que tenho lido esta semana? Tento
recitar alguns dos fatos que eu aprendi, mas, de repente, eu não consigo me lembrar de
nada. Muito incomum.
“…da morte do Capitão Metias Iparis na noite de 30 de novembro, da morte da
civil Grace Wing sem os mandados necessários para a execução, de executar sozinho,
doze manifestantes na Praça da Batalha, na tarde de…”
Sua voz entra e sai da confusão de ruídos em minha cabeça. Eu inclino a mão
contra o braço da minha cadeira, solto um suspiro lento, e tento me impedir de balançar.
Culpado. Thomas foi considerado culpado de matar tanto o meu irmão quanto a mãe de
Day. Minhas mãos tremem.
“…e, assim, condenado à morte por fuzilamento dois dias a partir de hoje, às
17 horas. Comandante Natasha Jameson da Oitava Patrulha da cidade de Los Angeles, a
República da América a considera culpada…”
A voz de Anden desaparece em um maçante, zumbido irreconhecível. Tudo ao
meu redor parece tão lento, como se eu estivesse vivendo rápido demais para tudo e
deixando o mundo para trás.
Um ano atrás eu tinha estado do lado de fora do Batalla Hall em um tipo
diferente de fase judicial, olhando com uma enorme multidão enquanto um juiz dava a
Day exatamente a mesma sentença. Agora Day está vivo, e é uma celebridade da
República. Abro os olhos novamente. Os lábios da comandante Jameson estão definidos
em uma linha apertada quando Anden lê sua pena de morte. Thomas parece
inexpressivo. Ele está sem expressão? Eu estou longe demais para dizer, mas as
sobrancelhas franzidas parecem em um estranho tipo de tragédia. Eu deveria me sentir
bem com isso, eu me lembro. Tanto Day quanto eu deveríamos estar se regozijando.
Thomas matou Metias. Ele atirou na mãe de Day a sangue frio, sem um segundo de
hesitação.
Mas agora o tribunal se afasta e tudo que eu posso ver são memórias de
Thomas como um adolescente, quando ele, Metias e eu costumávamos comer carne de
porco e Edame3 no interior de um carrinho na rua, com a chuva caindo ao nosso redor.
Lembro-me de Thomas mostrando a mim a sua primeira arma atribuída. Eu ainda me
lembro do tempo que Metias me levava para seus treinos da tarde. Eu tinha doze anos e
tinha acabado de começar meus cursos na Drake por uma semana, como tudo parecia
inocente naquela época. Metias me pegava depois das minhas aulas da tarde, na hora
certa, e nós íamos para o setor de Tanagashi, onde ele estava correndo com a sua
patrulha através de exercícios. Eu ainda podia sentir o calor do sol batendo em meu
cabelo, ainda via o movimento da capa preta de Metias, o brilho de suas dragonas de
prata, e ainda ouvia os cliques afiados de suas botas brilhando no cimento. Enquanto me
acomodava em um banco no canto e virava meu computador para (fingir) fazer algumas
3 – Edame é um preparado feito com grãos de soja ainda dentro da vagem, comumente encontrado no Japão, Havaí, China e Coréia. As vagens são fervidas em água junto com condimentos (como sal) e servidas inteiras.
leituras de antecedência, Metias alinhava seus soldados para a inspeção. Ele fazia uma
pausa na frente de cada soldado para apontar as falhas em seus uniformes.
“Cadete Rin”, ele latiu para um dos soldados mais novos. O soldado pulou pelo
aço na voz de meu irmão, em seguida, baixou a cabeça de vergonha quando Metias
bateu na medalha solitária presa no casaco do cadete. “Se eu usasse a minha medalha
desta maneira, Comandante Jameson me tiraria do meu título. Você quer ser removido
desta patrulha, soldado?”
“N-não, senhor”, o cadete gaguejou.
Metias manteve as mãos enluvadas enfiadas atrás das costas e seguiu em
frente. Ele criticou mais três soldados antes de chegar a Thomas, que ficou em atenção
perto do fim da linha. Metias olhou por cima do uniforme com uma popa, olhar atento.
Claro, a roupa de Thomas era absolutamente impecável, nem um único fio fora do lugar,
cada medalha e dragona polida a um brilho luminoso, botas tão impecáveis que eu
provavelmente poderia ver meu reflexo nelas. Uma longa pausa. Eu coloco meu
computador para baixo e me inclino para assistir mais de perto. Finalmente, meu irmão
assente. “Muito bem, soldado”, disse ele a Thomas. “Mantenha o bom trabalho, e eu vou
ver se a Comandante Jameson o promove antes do final deste ano.”
A expressão de Thomas nunca mudou, mas eu o vi levantar o queixo com
orgulho. “Obrigado, Senhor”, respondeu ele. Os olhos de Metias permanecem nele por um
segundo, e então ele segue em frente.
Quando ele finalmente terminou de inspecionar todos, meu irmão virou-se para
toda a sua patrulha. “Uma inspeção decepcionante, soldados”, ele gritou para eles.
“Vocês estão sob meu turno agora, e isso significa que vocês estarão sob a vigilância da
Comandante Jameson. Ela espera um calibre mais elevado deste lote, assim vocês
fariam bem se tentassem melhorar. Entendido?”
Responderam-lhe com continências afiadas. “Sim, senhor!”
Os olhos de Metias voltaram para Thomas. Eu vi o respeito no rosto do meu
irmão e até mesmo admiração. “Se cada um de vocês prestasse atenção aos detalhes na
maneira que Cadete Bryant age, nós seríamos a maior patrulha no país. Que ele sirva de
exemplo para todos vocês.” Ele se junta a eles em uma saudação final. “Viva a
República!” Os cadetes repetem com ele em uníssono.
A memória desaparece lentamente dos meus pensamentos, e voz clara de
Metias transformada em sussurros de um fantasma, deixando-me fraca e exausta na
minha tristeza.
Metias sempre tinha falado sobre a fixação de Thomas em ser o soldado
perfeito. Me lembro da devoção cega que Thomas deu a Comandante Jameson, a mesma
devoção cega que agora ele dá ao seu novo Eleitor. Então eu vejo Thomas e eu sentados
em frente um do outro em uma sala de interrogatório, me lembro da angústia em seus
olhos. Quando ele me disse que queria me proteger. O que aconteceu com aquele
menino tímido, desajeitado de setores pobres de Los Angeles, o menino que costumava
treinar com Metias a cada tarde? Algo borra minha visão e eu rapidamente passo uma
mão em meus olhos.
Eu poderia ser compassiva. Eu poderia pedir a Anden para poupar sua vida e
deixá-lo viver seus anos na prisão, e dar a ele uma chance de se redimir. Mas ao invés
disso eu fico ali com os meus lábios fechados e a postura firme, meu coração duro como
pedra. Metias seria mais misericordioso na minha posição.
Mas eu nunca fui uma pessoa tão boa como meu irmão.
“Isso conclui o julgamento para o Capitão Thomas Alexander Bryant e a
Comandante Natasha Jameson,” Anden termina. Ele segura a mão na direção de Thomas
e acena com a cabeça uma vez. “Capitão, você tem algumas palavras para o Senado?”
Thomas não vacilou nem um pouco, não mostrou um único indício de medo ou
remorso ou raiva no rosto. Eu o vejo de perto. Depois de uma batida do coração, ele vira
os olhos para onde Anden está, então se curva para baixo. “Meu glorioso Eleitor”, ele
responde com uma voz clara, firme. “Eu tenho desonrado a República, agindo de uma
forma que tanto desagradou e decepcionou. Eu humildemente aceito o meu veredicto.”
Ele se levanta, em seguida, retorna à sua saudação. “Viva a República”
Ele olha para mim quando os Senadores todos expressam a sua concordância
com o veredicto final de Anden. Por um instante, nossos olhos se encontram. Então eu
olho para baixo. Depois de um tempo, eu olho de volta e ele está olhando para frente
novamente.
Anden volta sua atenção para a Comandante Jameson. “Comandante”, diz ele,
estendendo a mão enluvada em sua direção. Seu queixo levanta em um gesto real. “Você
tem palavras para o Senado?”
Ela não vacila em olhar para o jovem Eleitor. Seus olhos são frios, ardósias
escuras. Depois de uma pausa, ela finalmente concorda. “Sim, Eleitor”, diz ela, seu tom
áspero e zombeteiro, um contraste gritante com Thomas. Os Senadores e soldados
movem-se inquietos, mas Anden levanta a mão, pedindo silêncio. “Eu tenho algumas
palavras para você. Eu não fui a primeira a ter esperança para sua morte, e não serei a
última. Você é o Eleitor, mas você ainda é apenas um garoto. Você não sabe quem você
é.” Ela estreita os olhos… e sorri. “Mas eu sei. Eu já vi muito mais do que você viu, eu
drenei o sangue de prisioneiros duas vezes a sua idade, eu matei os homens com o dobro
da sua força, eu deixei prisioneiros agitados com seus corpos quebrados que
provavelmente têm o dobro de sua coragem. Você acha que é salvador deste país, não
é? Mas eu sei melhor. Você é apenas o filho de seu pai, tal pai, tal filho. Ele falhou, e
assim você vai.” Seu sorriso se alarga, mas nunca toca seus olhos. “Este país vai cair em
chamas com você no comando, e meu fantasma rirá de você todo o caminho até inferno.”
A expressão de Anden nunca muda. Seus olhos ficam claros e sem medo, e
neste momento, estou atraída por ele como um pássaro para um céu aberto. Ele encontra
seu olhar friamente. “Isto conclui o julgamento de hoje”, ele responde, sua voz ecoando
por toda a câmara. “Comandante, eu sugiro que você salve as ameaças para o pelotão de
fuzilamento.” Então ele cruza as mãos atrás das costas e acena para seus soldados.
“Retire-os da minha vista.”
Eu não sei como Anden pode mostrar tão pouco medo na frente da
Comandante Jameson. Eu invejo isso.
Porque, enquanto eu assisto os soldados levá-la para longe, tudo o que posso
sentir é, um poço profundo gelado de terror. Como se ela não tivesse acabado com a
gente ainda. Como se ela estivesse nos alertando para vigiar as nossas costas.
NÓS POUSAMOS EM DENVER NA MANHÃ DO BANQUETE DE
EMERGÊNCIA. As próprias palavras me fazem querer rir: banquete de emergência?
Para mim, um banquete ainda significa uma festa, e eu não vejo como qualquer
emergência deve ser motivo de uma montanha monumental de alimentos, mesmo que
seja para o Dia da Independência. É assim que esses Senadores lidam com crises—
enchendo suas caras gordas?
Depois que Eden e eu nos estabelecemos em um apartamento temporário
do governo e Eden cochila exausto, de nosso voo cedo pela manhã, eu
relutantemente o deixo com Lucy, a fim de atender a assistente designada para me
preparar para o evento de hoje à noite.
“Se alguém tentar vê-lo”, eu sussurro a Lucy enquanto Eden dorme, por
qualquer motivo, por favor me contacte. Se alguém quiser—”
Lucy, acostumada com a minha paranoia, me silencia com um aceno de sua
mão. “Deixe-me acalmar sua mente, Sr. Wing”, ela responde. Ela acaricia meu rosto.
“Ninguém vai ver Eden enquanto você estiver fora. Eu prometo. Eu vou chamá-lo em
um instante se acontecer alguma coisa.”
Concordo com a cabeça. Meus olhos permanecem em Eden, como se ele
fosse desaparecer se eu piscar. “Obrigado.”
Para participar deste evento de luxo, eu preciso me vestir para a ocasião—e
vestir para a ocasião, a República atribui a filha de um Senador para me levar pelo
centro do distrito, onde se concentram as principais áreas comerciais da cidade. Ela
me encontra exatamente onde o trem para no centro do distrito. Não há nenhuma
dúvida de quem ela é, ela está vestida com um uniforme elegante da cabeça aos pés,
seus olhos castanhos claros contrastam com a pele marrom escura e cabelos
grossos em ondas amarrados em uma trança presa. Quando ela me reconhece, ela
abre um sorriso. Eu pego ela me examinando, como se já criticando minha roupa.
“Você deve ser o Day”, diz ela, pegando a minha mão. “Meu nome é Faline
Fedelma, e o Eleitor me designou para ser sua guia.” Ela faz uma pausa e levanta uma
sobrancelha para minhas roupas. “Nós temos algum trabalho a fazer.”
Eu olho para as minhas roupas. Calças enfiadas em botas gastas, uma
camisa de colarinho amassado e um cachecol velho. Teriam sido considerados de
luxo nas ruas.
“Que bom que você aprova”, eu respondo. Mas Faline apenas ri e dá a volta
no meu braço.
Enquanto ela me leva a uma rua especializada em roupas de noite do
governo, assimilo a multidão correndo ao redor de nós. Pessoas de classe alta,
elegantes. Um trio de estudantes passa, rindo sobre uma coisa ou outra, vestidos
com uniformes militares imaculados e botas polidas. Quando nós dobramos a
esquina e entramos em uma loja, eu percebo que os soldados estão de guarda a cima
e a baixo da rua. Um monte de soldados.
“Há geralmente tantos guardas no centro?” Pergunto a Faline. Ela dá de
ombros e levanta uma roupa contra mim, mas eu posso ver o desconforto nos olhos.
“Não”, ela responde: “não realmente. Mas eu tenho certeza que não é nada para você
se preocupar.”
Eu deixo para lá, mas um pulso de ansiedade corre pela minha mente.
Denver aumentou os procedimentos de defesa. June não explicou por que ela
precisava tanto de mim para participar deste banquete, tanto o suficiente para ela
mesma me ligar, depois de tantos meses sem uma palavra. O que diabos ela
precisaria de mim? O que significa, o que a República quer desta vez?
Se a República realmente vai voltar para a guerra, então talvez eu deveria
encontrar uma maneira de tirar Eden do país. Depois de tudo, agora nós temos o
poder de sair. Não sei o que está me mantendo aqui.
Horas mais tarde, depois que o sol se pôs e fogos de artifício para o
aniversário do Eleitor foram disparados em partes aleatórias da cidade, um jipe leva-
me do nosso apartamento para Colburn Hall. Espio com impaciência para fora da
janela. As pessoas viajam para cima e para baixo nas calçadas em grupos densos.
Hoje à noite cada um deles está vestido com roupas muito específicas, principalmente
em vermelho, com toques de maquiagem dourada e selos da república estampados
com destaques aqui e ali, na parte de trás das luvas brancas ou nas mangas dos
casacos militares. Eu me pergunto quantas dessas pessoas concordam com o grafite
que Anden é o nosso salvador e quantas na mensagem ao lado com Anden é um
engano. Tropas marcham para cima e para baixo pelas ruas. Todos os JumboTrons
tem imagens de enormes selos da República em exibição, seguido de imagens ao
vivo das festividades que acontecem dentro do Colburn Hall. Para crédito de Anden,
recentemente tem havido um declínio constante das propagandas da República nos
JumboTrons. Ainda não há notícias sobre o mundo do lado de fora, no entanto. Acho
que você não pode ter tudo.
No momento em que chego as escadas de pedras de Colburn Hall, as ruas
são uma confusão de celebrações, a multidão e os guardas sem sorrir. Os
espectadores soltam uma enorme ovação quando eles me veem sair do jipe, um
rugido que sacode os meus ossos e envia um espasmo de dor através da parte de
trás da minha cabeça. Eu aceno hesitante de volta.
Faline está esperando por mim na parte inferior dos degraus que levam até
Colburn Hall. Desta vez ela está vestida com um vestido dourado e suas pálpebras
brilham com sombra dourada. Trocamos reverências antes de seguir atrás dela,
vendo como ela faz sinal para os outros deixarem o caminho limpo.
“Você está muito bem”, ela diz. “Alguém vai ficar muito contente de vê-lo.”
“Eu não acho que o Eleitor está tão animado quanto você pensa.”
Ela sorri para mim por cima do ombro. “Eu não estava falando sobre o
Eleitor.”
Meu coração pula por isso.
Nós fazemos o nosso caminho através da multidão gritando. Eu giro meu
pescoço e olho para a elaborada beleza de Colburn Hall. Tudo brilha. Hoje à noite
cada pilar está adornado com altas bandeiras vermelhas que exibem o selo da
República e pendurado bem no meio dos pilares e acima da entrada do salão está o
maior retrato que eu já vi. O rosto gigante de Anden. Faline me guia pelo corredor,
onde os Senadores estão tendo conversas aleatórias e outros convidados de elite
falam e riem uns com os outros, como se todo o país estivesse indo muito bem. Mas
por trás de suas máscaras alegres estão sinais de nervosismo, olhos cintilando e
cenho franzido. Eles tem que sentir o número incomum de soldados aqui também.
Tento imitar a maneira correta e precisa que eles têm de andar e falar, mas paro
quando Faline me percebe fazendo.
Nós vagamos pelo cenário exuberante, aberto de Colburn Hall por vários
minutos, perdidos no mar de políticos. As borlas das minhas dragonas tilintam juntas.
Eu estou procurando por ela, mesmo que eu não saiba o que vou dizer quando — se
— eu encontrá-la. Como vou pegar um vislumbre dela no meio de todo esse luxo?
Onde quer que viramos, eu vejo outra enxurrada de vestidos coloridos e trajes
brilhantes, fontes e pianos, garçons carregando taças compridas de champanhe,
pessoas extravagantes vestindo seus sorrisos falsos. Sinto uma súbita sensação de
claustrofobia.
Onde eu estou? O que estou fazendo aqui?
Como se na sugestão, no instante em que eu me faço essas perguntas é o
instante em que eu finalmente a vejo. De alguma forma, no meio desses aristocratas
que se misturam em um retrato borrado, meus olhos pegam sua silhueta e se detêm.
June. O barulho em torno de mim se desvanece num zumbido monótono, silencioso e
desinteressante, e toda a minha atenção se volta, impotente para a garota que eu
pensei que eu seria capaz de encarar.
Ela está vestida com um longo vestido escarlate profundo, e seu cabelo
grosso e brilhante está penteado em escuras ondas, preso no lugar com pentes
cravejados de gemas vermelhas que captam a luz. Ela é a garota mais bonita que eu
já vi, facilmente a garota mais deslumbrante na sala. Ela cresceu mais nos oito meses
desde que eu a vi, e do jeito que ela se mantém — serena e graciosa, com seu esbelto
pescoço de cisne e seus profundos olhos escuros, é a imagem da perfeição.
Quase perfeição. Ao olhar mais de perto, vejo algo que me faz franzir a
testa. Há um ar de constrangimento sobre ela, algo incerto e inseguro. Não como a
June, que eu conheço. Como se impotente a sua visão, eu me vejo guiando ambos
Faline e eu em sua direção. Eu só paro quando as pessoas ao seu redor se afastam,
revelando o homem de pé ao seu lado.
É Anden. Claro, eu não deveria estar surpreso. Ao lado, várias meninas
bem-vestidas estão tentando em vão chamar sua atenção, mas ele parece estar
focado apenas em June. Eu vejo como ele se inclina para sussurrar algo em seu
ouvido, em seguida, continua sua conversa descontraída com ela e vários outros.
Quando eu me afasto em silêncio, Faline franze a testa para a minha
mudança repentina. “Você está bem?” Ela pergunta.
Tento um sorriso tranquilizador. “Ah, com certeza. Não se preocupe.” Eu me
sinto tão fora de lugar entre esses aristocratas, com suas contas bancárias e
maneiras elegantes. Não importa quanto dinheiro a República dê para mim, eu vou
sempre ser o menino das ruas. E eu tinha esquecido que um rapaz das ruas não
combina com a futura Princesa.
1935 HORAS
COLBURN HALL, SALÃO DE BAILE PRINCIPAL
20 °C
ACHO QUE VEJO DAY NA MULTIDÃO. UM CLARÃO DE CABELO loiro claro,
olhos azuis brilhantes. De repente quebro minha atenção da conversa com Anden e os
outros Príncipes Eleitos, e eu giro meu pescoço, na esperança de obter um melhor olhar—
mas ele se foi, novamente, se é que já esteve lá. Desapontada, volto meu olhar para os
outros e dou meu sorriso ensaiado. Day vai aparecer hoje à noite? Certamente os homens
de Anden teriam nos alertado se Day houvesse se recusado a entrar no jato particular
enviado a ele esta manhã. Mas ele parecia tão distante e estranho no fone, naquela noite,
talvez ele decidiu que simplesmente não valia a pena vir aqui depois de tudo. Talvez ele me
odeie, agora que tivemos tempo suficiente para ele pensar claramente sobre nossa
amizade. Eu examino a multidão novamente quando os outros Príncipes Eleitos estão rindo
das piadas de Anden.
A sensação no meu estômago me diz que Day está aqui. Mas estou longe de ser
uma pessoa que se baseie no instinto. Eu distraidamente toco as joias no meu cabelo, me
certificando que elas estão todas ainda nos lugares certos. Elas não são as coisas mais
confortáveis que eu já usei, mas o cabeleireiro ofegou com a forma que os rubis se
destacaram nos meus cabelos escuros, e reação foi o suficiente para que eu achasse que
elas valiam a pena. Eu não sei por que eu me preocupei em parecer tão bonita para esta
noite. É o Dia da Independência, eu suponho, e é uma grande ocasião.
“Senhorita Iparis é tão precoce como todos nós assumimos que ela seria,” Anden
diz agora aos Senadores, voltando-se para mim com um sorriso. Sua felicidade aparente é
tudo para o espetáculo, é claro. Eu tenho sido a sombra de Anden por tempo suficiente até
agora para saber quando ele está tenso, e esta noite seu nervosismo reflete cada gesto que
faz. Estou nervosa também. Um mês a partir de agora, a República poderá ter bandeiras
das Colônias sobrevoando suas cidades. “Seus tutores dizem que nunca viram um aluno
progredir tão rapidamente através de seus textos políticos.”
“Obrigada, Eleitor”, eu respondo automaticamente ao seu cumprimento. Ambos
Senadores riem, mas por trás de suas expressões alegres está o ressentimento persistente
contra mim, essa menina que tem sido escolhida pelo Eleitor para potencialmente se tornar
sua líder um dia. Mariana me dá um diplomático, embora severo, assentimento, mas Serge
não parece muito satisfeito com a maneira que o solteiro Anden me escolheu. Eu ignoro a
carranca escura que o Senador lança em minha direção. Suas carrancas costumavam me
incomodar, agora eu estou cansada delas.
“Ah, bem.” O Senador Tanaka da Califórnia puxa o colarinho de sua jaqueta
militar e troca um olhar com sua esposa. “Essa é uma notícia maravilhosa, Eleitor. É Claro,
eu tenho certeza que os tutores também sabem o quanto se aprende do trabalho de um
Senador fora dos textos e de anos de experiência na câmara do Senado. Como o nosso
querido Senador Carmichael aqui.” Ele faz uma pausa para acenar graciosamente para
Serge, que se envaidece.
Anden minimiza sua consideração. “É claro”, ele ecoa. “Tudo a seu tempo,
Senador.”
Ao meu lado, Mariana suspira, se inclina virando o queixo para Serge. “Se você
olhar para sua cabeça tempo suficiente, poderia nascer asas e alçar voo”, ela murmura.
Sorrio para isso.
Eles trocaram o tema sobre mim para como melhor classificar os alunos em
escolas de ensino médio agora que os testes foram interrompidos. A conversa política irrita
os meus nervos. Eu começo examinando a multidão novamente a procura do Day. Depois
de procurar inutilmente, eu finalmente ponho a mão no braço de Anden e inclino-me para
sussurrar, “Desculpe-me. Eu estarei de volta.” Ele balança a cabeça em troca. Quando eu
viro as costas e começo a me misturar com a multidão, posso sentir seu olhar persistente
em mim.
Passei vários minutos caminhando pelo salão em vão, cumprimentando vários
Senadores e suas famílias a medida que avanço. Onde está Day? Eu tento ouvir trechos de
conversas, ou perceber onde grupos de pessoas possam estar reunidas. Day é uma
celebridade. Ele deve estar atraindo a atenção se já chegou. Estou prestes a fazer o meu
caminho através da outra metade do salão de baile quando sou interrompida pelo alto-
falante. O juramento. Eu suspiro, em seguida, volto para onde Anden já tomou seu lugar na
frente do palco, com soldados da República em ambos os lados segurando bandeiras.
“Eu juro fidelidade à bandeira da República da América…”
Day. Está aqui.
Ele está de pé a cerca de quinze metros de distância, suas costas parcialmente
viradas para mim, eu só posso ver uma pequena parte de seu perfil, o cabelo solto, grosso e
perfeitamente alinhado, em seu braço está uma menina em um resplendoroso vestido
dourado. Quando eu o observo mais de perto, percebo que sua boca não está se movendo.
Ele fica em silêncio durante todo o juramento. Eu viro minha atenção de volta para a frente
quando aplausos enchem a câmara, Anden começa seu discurso preparado. De canto de
olho, eu vejo Day por sua vez, olhar por sobre seu ombro. Minhas mãos tremem neste
instante pela visão de seu rosto. Realmente tinha esquecido como ele é bonito, como seus
olhos selvagens e indomáveis refletem algo, livre, mesmo em meio de toda essa ordem e
elegância?
Quando o discurso termina, eu vou direto na direção de Day. Ele está vestido com
uma jaqueta militar preta perfeitamente adaptada e terno. Ele está mais magro também? Ele
parece ter perdido uns dez quilos desde a última vez que o vi. Ele tem estado doente
recentemente. Quando eu chego mais perto, Day me vê e faz uma pausa na conversa com
a sua acompanhante. Seus olhos se arregalam um pouco. Eu posso sentir o calor subindo
nas minhas bochechas, mas o forço para baixo. Este será o nosso primeiro encontro cara a
cara em meses, e eu me recuso a fazer papel de boba.
Eu paro a poucos metros de distância. Meus olhos vagueiam na sua
acompanhante, uma menina de quem eu reconheço como Faline, dezoito anos de idade,
filha do Senador Fedelma.
Faline e eu trocamos um aceno rápido. Ela sorri. “Oi, June”, diz ela. “Você está
linda esta noite.”
Ela faz com que um verdadeiro sorriso escape de mim, um alívio depois de todos
os sorrisos praticados que eu tenho dado aos outros Príncipes Eleitos. “Você também.”, eu
respondo.
Faline não perde nem um único segundo incômodo – ela nota o leve rubor nas
minhas bochechas e faz uma reverência para nós. Em seguida, ela se dirige de volta para a
multidão, deixando-me sozinha com Day no mar de pessoas.
Por um segundo, nós apenas olhamos um para o outro. Eu quebro o silêncio
antes que se estenda por muito tempo.
“Oi”, eu digo. Eu estudo seu rosto, refrescando minha memória com cada detalhe.
“É bom vê-lo.”
Day sorri de volta e se inclina, mas seus olhos nunca me deixam. A maneira
como ele me olha envia rios de calor através de meu peito. “Obrigado pelo convite.” Ouvir
sua voz pessoalmente novamente… eu tomo uma respiração profunda, me lembrando do
motivo pelo qual eu o convidei aqui. Seus olhos dançam no meu rosto e no meu vestido—
parece que ele estava pronto para comentá-lo, mas em seguida, decidi contra e acena a
mão para o salão. “Festinha legal você tem aqui.”
“Nunca é tão divertido quanto parece”, eu respondo em voz baixa, para que os
outros não possam me ouvir. “Eu acho que alguns desses Senadores poderiam estourar de
ver-se obrigados a falar com as pessoas que eles não gostam.”
Minha provocação traz um pequeno sorriso de alívio para os lábios de Day.
“Ainda bem que eu não sou o único infeliz.”
Anden já deixou o palco, e o comentário de Day me lembra que eu deveria estar
escoltando-o para o banquete em breve. O pensamento me deixa sóbria. “Está quase na
hora”, eu digo, apontando para Day me seguir. “O banquete é muito privado. Você, eu, os
outros Príncipes Eleitos, e o Eleitor.”
“O que está acontecendo?” Day pergunta enquanto ele segue ao meu lado. Seu
braço roça uma vez contra o meu, enviando arrepios pela minha pele. Eu me esforço para
recuperar o fôlego. Foco June. “Você não foi exatamente específica em nossa última
conversa. Espero que esteja me colocando com todos esses idiotas esnobes do congresso
por uma boa razão.”
Não posso deixar de me divertir com a forma que Day refere-se aos Senadores.
“Você vai descobrir quando chegarmos lá. E mantenha seus insultos ao mínimo.” Eu olho
para longe dele e para o pequeno corredor, estamos caminhando para a Câmara Jasper,
uma sala discreta em ramificações longe do salão principal.
“Eu não vou gostar disso, não é?” Murmura Day perto do meu ouvido.
A culpa nasce em mim. “Provavelmente não.”
Nós nos estabelecemos na sala de banquete privado (uma pequena mesa de
madeira de cerejeira retangular com sete lugares), e depois de um tempo, Serge e Mariana
entram e cada um senta-se em cada lado de Anden em cadeiras reservadas. Eu fico ao lado
de Day, como tinha desejado Anden. Dois serventes vão ao redor da mesa, colocando
pratos delicados de melancia e salada de carne de porco ante a cada assento. Serge e
Mariana fazem uma educada conversa fiada, mas nem Day nem eu dissemos mais nada.
De vez em quando, eu consigo roubar um olhar para ele. Ele está olhando para as fileiras
de garfos, colheres e facas com uma carranca desconfortável, tentando entendê-los sem
pedir ajuda. Oh, Day. Eu não sei por que isso me dá uma sensação dolorosa que vibra no
meu estômago, ou por que ele leva meu coração para ele. Eu tinha esquecido como seus
longos cílios captam a luz.
“O que é isso?” ele sussurra para mim, segurando um de seus talheres.
“A faca de manteiga.”
Day faz uma carranca para a faca, passando um dedo ao longo da borda
arredondada. “Isso”, diz entre dentes, “não é uma faca.”
Ao lado dele, Serge percebe sua hesitação também. “Acho que você não está
acostumado com garfos e facas de onde você vem?” Diz friamente para ele.
Day enrijece, mas não perde o ritmo. Ele pega uma faca maior, de propósito
tirando cuidadosamente do lugar e faz um gesto casual com ela. Ambos Serge e Mariana se
afastam da mesa. “De onde eu venho, nós somos mais a favor da eficiência”, ele responde.
“Uma faca como essa atravessa alimentos, passa manteiga e corta gargantas tudo ao
mesmo tempo.”
Claro que Day nunca cortou uma garganta em sua vida, mas Serge não sabe
disso. Ele inala audivelmente com desdém ante a resposta, mas o sangue é drenado de seu
rosto. Eu tenho que fingir tossir para não rir da expressão falsamente séria de Day. Para
aqueles que não o conhecem bem, suas palavras soam realmente intimidantes.
Eu também noto algo que eu não tinha percebido antes, Day parece pálido. Muito
mais pálido do que eu me lembro. Minha diversão vacila. Será sua recente doença algo
mais sério do que eu tinha assumido a princípio?
Anden chega na sala um minuto depois, causando a agitação habitual, quando
todos nós levantamos por ele, e faz um gesto para todos tomarmos os nossos lugares. Ele é
acompanhado por quatro soldados, um dos quais fecha a porta atrás de si e, finalmente, nos
fecha para a nossa refeição privada.
“Day”, Anden cumprimenta. Ele faz uma pausa e acena com cortesia na direção
de Day. Day parece infeliz com a atenção, mas consegue devolver o gesto. “É um prazer vê-
lo novamente, mesmo que sob infelizes circunstâncias.”
“Muito infelizes”, diz Day em troca. Me movo desconfortavelmente na cadeira,
tentando imaginar um cenário mais complicado do que este jantar arranjado.
Anden deixa passar a resposta dura. “Deixe-me pôr você a par sobre a situação
atual.” Ele abaixa o garfo. “O tratado de paz que temos trabalhado com as Colônias está
agora arquivado. Um vírus atingiu a frente de batalha no sul das Colônias com força.”
Ao meu lado, Day cruza os braços e encara o grupo com uma expressão de
suspeita em seu rosto, mas Anden continua. “Eles acreditam que este vírus foi causado por
nós, e eles estão exigindo que enviemos a cura se quisermos continuar as negociações de
paz.” Serge limpa a garganta e começa a dizer alguma coisa, mas Anden levanta a mão, o
silenciando. Ele então, passa a derramar todos os detalhes, de como as Colônias primeiro
enviaram uma mensagem dura para a República, exigindo informações sobre o vírus que
causou estragos entre as suas tropas, apressadamente retirando seus soldados afetados, e
depois transmitiram seu ultimato aos generais de frente de batalha, alertando para
consequências terríveis se a cura não for entregue imediatamente.
Day escuta tudo sem mover um músculo ou dizer uma palavra. Uma de suas
mãos segura a borda da mesa com força o suficiente para deixar os nós dos dedos brancos.
Gostaria de saber se ele imagina onde isso está indo e o que tudo isso tem a ver com ele,
mas apenas espera até que Anden tenha terminado.
Serge se recosta na cadeira e franze a testa. “Se as Colônias querem jogar com
a nossa oferta de paz”, ele zomba, “então os deixe. Nós estivemos em guerra tempo
suficiente, nós podemos segurar um pouco mais.”
“Não, nós não podemos”, Mariana interrompe. “Você honestamente acha que as
Nações Unidas vão aceitar a notícia de que o nosso tratado de paz se desfez?”
“Será que as Colônias tem alguma evidência do que causou isso? Ou essas
acusações são vazias?”
“Exatamente. Se eles acham que nós estamos indo para —”
De repente Day fala com o rosto voltado para Anden. “Vamos parar de arrastar os
pés”, ele diz. “Diga-me por que estou aqui.” Ele não é alto, mas o tom ameaçador de sua
voz na conversa, silencia a sala. Anden retorna seu olhar com um outro igualmente sério.
Ele toma uma respiração profunda.
“Day, eu acredito que este é o resultado de uma das armas biológicas do meu pai
e que o vírus veio do sangue de teu irmão Eden.”
Os olhos de Day se estreitam “E?”
Anden parece relutante em continuar. “Há mais do que uma razão pela qual eu
não queria todos os meus Senadores aqui com a gente.” Ele se inclina para a frente, abaixa
a voz e dá um olhar humilde a Day. “Eu não quero ouvir mais ninguém agora. Eu quero ouvir
você. Você é o coração do povo, Day, sempre foi. Você deu tudo que você tem a fim de
protegê-los.” Day endurece ao meu lado, mas Anden continua. “Eu temo pelo povo. Eu me
preocupo com sua segurança, isso será como dar-lhes para o inimigo justo quando nós
estamos começando a juntar as peças.” Ele torna-se calmo. “Eu preciso fazer algumas
decisões difíceis.”
Day levanta uma sobrancelha. “Que tipo de decisões?”
“As Colônias estão desesperadas por uma cura. Eles vão nos destruir para obtê-
la, tudo o que ambos nos importa. A única chance que temos de encontrarmos uma é levar
Eden temporaria-”
Day empurra sua cadeira e se levanta da mesa. “Não”, ele diz. Sua voz é plana e
gelada, mas eu lembro bem o suficiente de minhas antigas discussões exaltadas com o Day
para reconhecer a fúria na profundidade da sua calma. Sem dizer outra palavra, se vira e
afasta-se do grupo.
Serge começa a levantar-se, sem dúvida para gritar com Day acerca de sua
grosseria, mas Anden atira um olhar de advertência e um gesto para ele se sentar. Anden
então vira-se para mim com um olhar que diz: Fale com ele. Por favor.
Eu assisto a figura de Day desaparecer. Ele tem todo o direito de recusar, todo o
direito de nos odiar por perguntar isso a ele. Mas eu ainda me vejo levantando de minha
cadeira, afastando-me da mesa de banquete, e correndo em sua direção.
“Day espere.” Eu chamo. Minhas palavras me enviam uma dolorosa lembrança
da última vez que estivemos juntos em uma sala, quando tínhamos nos despedido.
Nos dirigimos para um corredor menor, que leva para fora do salão principal. Day
não se vira, mas ele parece abrandar os seus passos na tentativa de me deixar
acompanhar. Quando eu finalmente o alcanço, tomo uma respiração profunda. “Olha, eu
sei…”
Day pressiona um dedo nos meus lábios, silenciando-me, em seguida, pega a
minha mão. Sua pele é quente através do tecido de sua luva. A sensação de seus dedos ao
redor dos meus é tão chocante depois de todos esses meses que eu esqueço o resto da
minha frase, tudo é sobre ele, seu toque, sua proximidade, parece certo.
“Vamos conversar em privado,” ele sussurra.
Nós colocamos as cabeças dentro de uma das portas que contém no corredor,
em seguida, fechamos atrás de nós e trancamos. Meu olhos fazem uma clara varredura da
sala (câmara de jantar privada, sem luzes acesas, uma mesa redonda e todas as doze
cadeiras cobertas de panos brancos, e uma única janela grande, arqueada na parede
traseira que permite o derramar do luar). O cabelo do Day aqui se transforma em um lençol
prateado. Ele vira o olhar de volta para mim agora.
É minha imaginação, ou ele parece tão perturbado quanto eu sobre o nosso
breve contato com as mãos? Eu sinto um aperto repentino da cintura do vestido, o ar
batendo em meus ombros expostos e clavícula, o peso do tecido e as joias no meu cabelo.
Os olhos de Day permanecem no colar de rubi assentado na minha garganta. Seu presente
de despedida para mim. Suas bochechas ficam um pouco rosadas na escuridão. “Então,”
ele diz, “É sério a razão pela qual eu estou aqui?”
Apesar da raiva em sua voz, a sua franqueza é como uma doce brisa depois de
todos esses meses de calculadas conversas políticas. Eu quero respirá-lo. “As Colônias se
recusam a aceitar quaisquer outros termos” Eu respondo. “Eles estão convencidos de que
temos uma cura para o vírus, e o único que poderia levar a cura é Eden. A República está
executando testes em outros… experimentos… para ver se eles pode encontrar qualquer
coisa.”
Day estremesse, então cruza os braços na frente de seu peito e me olha com
uma cara feia. “Está executando testes”, murmura para si mesmo, olhando para as janelas
iluminadas pelo luar. “Desculpe, não posso estar mais entusiasmado com essa ideia”,
acrescenta secamente.
Eu fecho meus olhos por um momento. “Nós não temos muito tempo,” eu admito.
“Todos os dias que nós não entregamos a cura, mais irritada as Colônias ficam.”
“E o que acontece se não damos?”
“Você sabe o que acontece. Guerra.”
Um traço de medo aparece nos olhos de Day, mas ainda dá de ombros. “A
República e as Colônias já estão em guerra desde sempre. Como isso vai ser diferente?”
“Desta vez eles vão ganhar”, eu sussurro. “Eles têm um forte aliado. Eles sabem
que estamos vulneráveis durante nossa transição para um novo jovem Eleitor. Se não
pudermos entregar esta cura, não teremos chance.” Eu estreito os olhos. “Você se lembra o
que vimos quando fomos para as Colônias?”
Day faz uma pausa por um instante. Apesar dele não dizer isso em voz alta, eu
posso ver o conflito escrito claramente em seu rosto. Finalmente, suspira e aperta os lábios
com raiva. “Você acha que eu vou deixar a República tomar Eden de novo? Se o Eleitor
acredita, então eu realmente cometi um erro dando meu apoio a ele. Eu não vou ajudá-lo
apenas para vê-lo atirar Eden de volta em um laboratório.”
“Sinto muito”, eu digo. Não adianta tentar convencê-lo de quanto Anden também
odeia a situação. “Não devia ter feito uma pegunta como essa.”
“Ele colocou você nisso, não foi? Aposto que você também resistiu, né? Você
sabe como isso soa.” Seu tom se torna mais exasperado. “Você sabia qual seria minha
resposta. Por que você veio mesmo assim?”
Eu olho em seus olhos e digo a primeira coisa que me vem à mente. “Porque eu
queria vê-lo. Não é por isso que você concordou também?”
Isso faz com que ele pare por um momento. Então ele vira, passando ambas as
mãos pelos cabelos, e suspira. “Então o que você pensa? Diga-me a verdade. O que você
me pediria para fazer, se você não se sentisse absolutamente pressionada por qualquer
outra pessoa neste país?”
Enfio uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. Força, June. “Eu iria…” Eu
começo, então hesito. O que eu diria? Logicamente, eu concordo com a avaliação de
Auden. Se as Colônias fazem o que ameaçam fazer, se nos atacarem com toda a força da
ajuda superpoderosa, então muitas vidas inocentes serão perdidas a menos que tomemos o
risco de tirar uma vida. É uma decisão simples mas não fácil. Além disso, nós poderíamos
garantir que Eden seja tratado tão bem quanto possível, com os melhores médicos e o
máximo de conforto físico. Day poderia estar presente durante todos os possíveis
procedimentos, poderia ver exatamente o que estava acontecendo. Mas como é que eu
explicaria isso a um menino que já perdeu a família inteira, que viu seu irmão ser um
experimento antes, que foi um experimento ele mesmo? Esta é a parte que Anden não
entende tão bem como eu, mesmo que saiba do passado de Day no papel, ele ainda não
conhece Day, não viajou com ele e testemunhou o sofrimento que ele passou. A questão é
muito complicada para ser respondida com simples lógica.
Mais importante — Anden é incapaz de garantir a segurança de seu irmão. Tudo
virá com um risco, e eu sei, com certeza, que nada no mundo poderia fazer Day tomar esse
risco.
Day deve ver a frustração dançando no meu rosto, porque ele amolece e dá uns
passos mais perto. Eu posso praticamente sentir o calor vindo dele, o calor da sua
proximidade torna minha respiração superficial. “Eu vim aqui esta noite por você”, ele diz em
voz baixa. “Não há nada no mundo que eles poderiam ter dito para convencer-me, exceto
que você me queria aqui. E eu não posso recusar um pedido seu. Eles disseram-me que
você pessoalmente tinha…” Ele engole. Há uma guerra familiar de emoções em sua
expressão que me faz sentir doente — emoções que eu sei que são desejo, pelo que uma
vez tivemos, e angústia por desejar uma garota que destruiu sua família. “É tão bom vê-la,
June.”
Ele diz como se estivesse deixando ir um enorme fardo que tem segurando.
Gostaria de saber se ele pode ouvir meu coração batendo freneticamente contra as minhas
costelas. Quando eu falo, porém, eu consigo manter minha voz firme e calma. “Você está
bem?” Eu pergunto. “Você está pálido.”
O peso retorna aos seus olhos, e seu momento de intimidade desaparece, dando
passos para longe e brincando com a borda de suas luvas. Ele sempre odiou luvas, eu me
lembro. “Eu tive uma gripe ruim no último par de semanas”, ele responde, lampeja-me um
rápido sorriso. “Ficando melhor agora, no entanto.” (Seus olhos piscam sutilmente para o
lado, arranha a borda de sua orelha, a rigidez de seus membros, um pouco fora do tempo
entre suas palavras e seu sorriso.) Eu inclino a cabeça para ele e franzo a testa.
“Você é um péssimo mentiroso, Day,” eu digo. “Você pode muito bem me dizer o
que está em sua mente.”
“Não há nada para dizer”, ele responde automaticamente. Desta vez olha para o
chão e coloca as mãos nos bolsos. “Se eu pareço mal, é porque eu estou preocupado com
Eden. Ele ficou um ano em tratamento para os olhos e ele ainda não consegue ver muito.
Os médicos me disseram que eu preciso de alguns contatos especiais, e mesmo assim, ele
nunca poderia ter a visão completa de volta.”
Posso dizer que esta não é a verdadeira razão por trás da aparência exausta de
Day, mas ele sabe que trazer a recuperação do Eden para esta conversa vai parar todas as
minhas perguntas. Bem, se ele realmente não quer me dizer, então eu não vou pressioná-lo.
Eu limpo minha garganta, sem jeito. “Isso é terrível”, eu sussurro. “Eu sinto muito em ouvir
isso. Ele está indo bem, de outro modo?”
Day acena. Nós caímos de volta para o nosso silêncio iluminado pela lua. Eu não
posso deixar de recordar a última vez que estivemos sozinhos em uma sala, quando ele
pegou meu rosto em suas mãos, quando suas lágrimas caíram contra minhas bochechas.
Me lembro da maneira que ele sussurrou sinto muito contra os meus lábios. Agora,
enquanto estamos a um metro de distância um do outro nos olhando, eu sinto a distância
que vem com passar tanto tempo separados, um momento cheio de eletricidade de primeiro
encontro e a incerteza de estranhos.
Day inclina-se para mim, como se atraído por uma força invisível. O apelo trágico
em seu rosto torce meu estômago em nós dolorosos. Por favor, não peça isso a mim, seus
olhos imploram. Por favor, não me peça para desistir do meu irmão. Eu faria qualquer coisa
por você. Só não isso. “June, eu…” Ele sussurra. Sua voz ameaça romper com toda a
mágoa que ele está mantendo contido dentro.
Ele nunca termina a frase. Em vez disso, suspira e abaixa a cabeça. “Eu não
posso concordar com os termos do seu Eleitor,” ele diz em um tom sombrio. “Eu não vou
entregar o meu irmão para a República como outro experimento. Diga que eu vou trabalhar
com ele para encontrar outra solução. Eu entendo o quanto tudo isto é sério — eu não
quero ver a República cair. Eu ficaria feliz em ajudar e descobrir outra saída. Mas Eden fica
de fora disso.”
E esse é o fim da nossa conversa. Day acena para mim em despedida,
permanece uns poucos segundos mais, e em seguida caminha até a porta. Eu me inclino
contra a parede em súbita exaustão. Sem ele por perto, há uma falta de energia, um
desbotamento da cor, o cinza da luz da lua que há ali, antes era prateado. Eu estudo a sua
palidez, por fim, analisando-o com o canto do meu olho. Ele evita o meu olhar. Algo está
errado, e ele se recusa a me dizer o que é.
O que estou perdendo aqui?
Ele puxa a porta aberta. Sua expressão endurece antes dele sair da sala. “E se
por alguma razão, a República tenta tirar Eden a força, eu vou virar o povo contra Anden tão
rápido que uma revolução estará sobre ele antes que ele possa piscar.”
SÉRIO, EU DEVERIA ESTAR ACOSTUMADO AOS MEUS PESADELOS A
ESSAS ALTURAS.
Desta vez eu sonho sobre mim e Eden em um hospital de São Francisco.
Um médico ajustando em Eden um novo par de óculos. Acabamos em um hospital,
pelo menos uma vez por semana, para que eles possam acompanhar a maneira como
os olhos de Eden estão lentamente se ajustando a medicação, mas esta é a primeira
vez que eu vejo o médico sorrir encorajador para o meu irmão. Deve ser um bom
sinal, certo?
Eden se vira para mim, sorri, e incha o peito, num gesto exagerado. Eu
tenho que rir. “Como lhe parece?”, Ele me pergunta, brincando com suas enormes
novas armações. Seus olhos ainda estranhos, numa pálida cor roxa, e ele não pode
focar em mim, mas eu noto que agora ele pode perceber coisas como as paredes em
torno dele e a luz que vem das janelas. Meu coração salta à vista. Progresso.
“Você se parece com uma coruja de onze anos de idade”, eu respondo,
caminhando até ele para bagunçar o seu cabelo. Ele ri e golpeia minha mão.
Enquanto nós nos sentamos juntos no escritório, à espera da papelada, eu
assisto Eden ocupado dobrando pedaços de papel juntos em algum tipo de projeto
elaborado. Ele tem que se debruçar perto dos papéis para ver o que ele está fazendo,
com os olhos estrábicos quase cruzados em concentração, seus dedos ágeis e
deliberados. Eu juro, o garoto está sempre fazendo uma coisa ou outra.
“O que é isso?” Pergunto a ele depois de um tempo.
Ele está muito concentrando para me responder imediatamente. Finalmente,
quando ele enfia um último triângulo de papel no design, ele o segura e me dá aquele
sorriso atrevido. “Aqui”, diz ele, apontando para o que parece uma folha de papel
saindo da bola de papel. “Puxe isso.”
Eu faço o que ele diz. Para meu espanto, o projeto se transforma em um
elaborado trabalho 3-D. Eu sorrio de volta para ele no meu sonho. “Muito
impressionante.”
Eden toma o seu projeto de papel de volta.
Nesse instante, um alarme retumba por todo o hospital. Eden deixa cair à
flor de papel e salta para os pés. Seus olhos quase cegos estão abertos em terror. Eu
olho para as janelas do hospital, onde os médicos e enfermeiros se reúnem. Fora ao
longo do horizonte de São Francisco, uma linha de aeronaves das Colônias navegam
para cada vez mais perto de nós. A cidade abaixo deles queima em uma dúzia de
incêndios.
O alarme me ensurdece. Eu pego a mão de Eden e nos apressamos para
fora da sala. “Nós temos que sair daqui,” eu grito. Quando ele para, incapaz de ver
para onde estamos indo, eu o levanto em minhas costas. As pessoas correm ao redor
de nós.
Chego a escada e lá, uma linha de soldados da República nos impede. Um
deles puxa Eden das minhas costas. Ele grita, chutando as pessoas que ele não pode
ver. Eu me esforço para me libertar dos soldados, mas o aperto deles é forte, e sinto
meus membros como se estivessem afundando em lama profunda. Precisamos dele,
uma voz irreconhecível sussurra em meu ouvido. Ele pode salvar a todos nós.
Eu grito bem alto, mas ninguém pode me ouvir. Ao longe, os dirigíveis das
Colônias visam o hospital. Vidro quebra em torno de nós. Eu sinto o calor do fogo. No
piso encontra-se a flor de papel de Eden, suas bordas queimando em chamas. Eu não
posso mais ver o meu irmão.
Ele se foi. Ele está morto.
* * *
Uma dor de cabeça martelando me tira do meu sonho. Os soldados
desaparecem, o alarme silencia, o caos do hospital desaparece na tonalidade azul
escura do nosso quarto. Eu tento respirar fundo e olho ao redor para Eden, mas a dor
de cabeça esfaqueia a parte de trás do meu crânio como um picador de gelo, e eu me
levanto com um suspiro de dor. Agora eu me lembro onde eu realmente estou. Estou
em um apartamento temporário de volta em Denver, na manhã depois de ver June.
Sobre a cômoda do quarto fica a minha usual caixa de transmissão, a estação ainda
sintonizada a uma das ondas que eu pensei que os Patriotas poderiam usar. “Você
está bem?” Leva-me um segundo para perceber que o amanhecer ainda não
“Daniel?” Na cama ao lado da minha, Eden se mexe. Alívio me bate, mesmo
no meio da minha agonia. Apenas um pesadelo. Como sempre. Apenas um pesadelo.
“Você está bem?” Leva-me um segundo para perceber que o amanhecer ainda não
chegou com o quarto ainda escuro, e tudo que eu posso ver é a silhueta do meu
irmão contra o preto azulado da noite.
Eu não respondo imediatamente. Em vez disso, eu balanço minhas pernas
para o lado da cama para encará–lo e agarro a minha cabeça com as duas mãos.
Outro choque de dor atinge a base do meu cérebro. “Pegue meu remédio”, murmuro
ao Eden.
“Devo chamar Lucy?”
“Não. Não a acorde”, eu respondo. Lucy já tinha duas noites sem dormir por
causa de mim. “Remédio.”
A dor me faz mais rude do que o habitual, mas Eden pula da cama antes que
eu possa me desculpar. Ele imediatamente começa e se atrapalhar com o frasco de
comprimidos verdes que sempre está sobre a cômoda entre nossas camas. Ele a
agarra e mantém o frasco na minha direção.
“Obrigado.” Eu pego dele, despejo três comprimidos na minha mão com a
mão trêmula, e tento engoli-los. A garganta está muito seca. Eu me levanto da cama e
cambaleio em direção à cozinha. Atrás de mim, Eden pronuncia outro “Você tem
certeza que está bem?”, mas a dor na minha cabeça é tão forte que eu mal posso
ouvi-lo. Mal posso ver.
Chego a pia da cozinha e viro a torneira, pego um pouco de água em minhas
mãos, e bebo com o medicamento. Então eu deslizo para o chão na escuridão,
descansando as costas contra o metal frio da porta da geladeira.
Está tudo bem, eu me consolo. Minhas dores de cabeça pioraram em
relação ao ano passado, mas os médicos me garantiram que esses ataques não
devem durar mais do que meia hora cada vez. Claro, eles também me disseram que se
alguma delas parecer extraordinariamente grave, deveria ser levado às pressas e
imediatamente para o pronto-socorro. Assim, cada vez que tenho uma, eu me
pergunto se eu estou passando por um dia típico ou o último dia da minha vida.
Poucos minutos depois, Eden tropeça na cozinha com seu bastão de
caminhar4 na frente dele, o dispositivo apita sempre que ele fica muito perto de uma
parede. “Talvez devêssemos pedir a Lucy para chamar os médicos”, ele sussurra.
Eu não sei por que, mas a visão de Eden tateando o seu caminho através da
cozinha me envia em um ataque de riso, incontrolável. “Oh homem, olhe para nós”, eu
respondo. Meu riso se transforma em tosse. “Que dupla, né?”
Eden me encontra, colocando uma mão hesitante na minha cabeça. Ele se
senta ao meu lado com as pernas cruzadas e me dá um sorriso irônico. “Ei, com a sua
perna de metal e metade de um cérebro, e meus quatro sentidos de sobra, quase dá
para fazer uma pessoa inteira.”
Eu ri ainda mais, o que faz a minha dor de cabeça muito pior. “Quando você
ficou tão sarcástico, menino?” Eu dou-lhe um empurrão carinhoso.
Ficamos debruçados em silêncio pela próxima hora quando a dor de cabeça
vai e continua. Estou agora me contorcendo de dor. O suor encharca o colarinho
branco da camisa e lágrimas traçam meu rosto. Eden senta ao meu lado e agarra a
minha mão em suas pequenas. “Tente não pensar sobre isso”, ele insiste em voz
baixa, olhando para mim com os olhos roxos pálidos. Ele empurra os óculos de aro
preto mais para cima do nariz. Pedaços de meu pesadelo voltam para mim, as
imagens de sua mão sendo arrancada da minha. O som de seus gritos. Eu aperto a
mão com tanta força que ele estremece. “Não se esqueça de respirar. O médico
sempre diz que respirar fundo é suposto para ajudar, certo? Inspire, expire”.
Eu fecho meus olhos e tento seguir os comandos do meu irmãozinho, mas é
difícil ouvi-lo em tudo através do bater da minha dor de cabeça. A dor é insuportável,
consome tudo, uma faca incandescente esfaqueando repetidamente na parte de trás
4 - Bastão para cegos. Alguns possuem um dispositivo que emite um sinal sonoro sempre que se aproxima de algum obstáculo.
do meu cérebro. Inspire, expire. Este é o padrão, primeiro há uma maçante dor
entorpecente, seguida logo pela pior dor absoluta que você pode imaginar em sua
cabeça, uma lança empurrando através de seu crânio, e o impacto dela é tão forte que
todo o seu corpo fica tenso; tem a duração de sólidos três segundos, seguido por um
segundo de alívio. E, então, se repete mais uma vez.
“Quanto tempo faz?” Eu suspiro para Eden. Luz azul opaca está lentamente
filtrando das janelas.
Éden retira um pequeno quadrado e pressiona um botão solitário. “Hora”,
pergunta ele. O dispositivo imediatamente responde: “Zero cinco e trinta.” Ele o
guarda, uma carranca preocupada no rosto. “Tem sido quase uma hora. Isso tinha
que ter passado muito antes?”
Eu estou morrendo. Eu realmente estou morrendo. É em momentos como
este, quando eu fico feliz que eu não tenha mais visto muito a June. O pensamento de
ela me ver suado e sujo no chão da cozinha, segurando a mão de meu irmãozinho
pela minha vida como um fracote choroso, enquanto ela está deslumbrante em seu
vestido vermelho e cabelo cravejado de pedras preciosas… Você sabe, para esse
assunto, neste momento eu estou aliviado até mesmo que mamãe e John não possam
me ver.
Quando eu gemo de outra punhalada de dor excruciante, Eden pega seu
computador novamente e pressiona o botão. “É isso. Vou ligar para os médicos.”
Quando o computador emite um sinal sonoro, levando-o para o seu comando, ele diz,
“Day precisa de uma ambulância.” Então, antes que eu possa protestar, ele levanta a
voz e grita para Lucy.
Segundos depois, eu ouço a aproximação de Lucy. Ela não acende a luz, ela
sabe que isso só faz as minhas dores de cabeça muito pior. Em vez disso, eu vejo sua
silhueta robusta na escuridão e a ouço exclamar: “Day! Quanto tempo você esteve
aqui?” Ela corre até mim e coloca uma mão rechonchuda contra minha bochecha.
Então ela olha para Eden e toca o queixo. “Você ligou para os médicos?”
Eden acena. Lucy inspeciona meu rosto de novo, então estala a língua em
preocupada desaprovação e agita-se para pegar uma toalha fria.
O último lugar que eu quero estar agora é deitado em um hospital da
República, mas Eden já fez a chamada, e eu não prefiro morrer de qualquer maneira.
Minha visão começa a se confundir, e eu percebo que é porque eu não posso evitar
que meus olhos parem de chorar. Eu passo a mão no meu rosto e sorrio fracamente
para Eden. “Porra, eu estou pingando como uma torneira.”
Eden tenta sorrir de volta. “Sim, você já teve dias melhores”, ele responde.
“Ei, garoto. Se lembra quando John pediu-lhe para ficar responsável por
regar as plantas à nossa porta?”
Eden faz careta por um segundo, cavando através de suas memórias, em
seguida, um sorriso ilumina seu rosto. “Eu fiz um trabalho muito bom, não foi?”
“Você construiu essa pequena catapulta improvisada em frente à nossa
porta.” Eu fecho meus olhos e entro na memória, uma distração temporária de toda a
dor. “Sim, eu me lembro daquela coisa. Você mantinha balões de água sendo
arremessados nessas pobres flores. Será que elas ainda tinham quaisquer pétalas
restantes depois do que você fez? Oh homem, John estava tão chateado.” Ele estava
ainda mais louco porque Eden tinha apenas quatro anos na época e, bem, como você
puni o seu irmão bebê de olhos arregalados?
Eden ri. Estremeço quando outra onda de agonia me bate. “O que foi que a
mãe costumava dizer sobre nós?”, Ele pergunta. Agora eu posso dizer que ele está
tentando manter minha mente em outras coisas também.
Eu gerencio um sorriso. “Mamãe dizia que ter três meninos era como ter
uma espécie de tornado de estimação que falava.” Nós dois rimos por um momento,
pelo menos antes de eu apertar os olhos fechados novamente.
Lucy volta com a toalha. Ela a coloca contra a minha testa, e eu suspiro de
alívio em sua superfície fria. Ela verifica o meu pulso, então a minha temperatura.
“Daniel,” Eden interrompe enquanto ela trabalha. Ele chega mais perto,
seus olhos ainda olhando fixamente para um ponto à direita da minha cabeça.
“Aguente firme, ok?”
Lucy atira uma carranca crítica sobre o que seu tom implica. “Eden”, ela
repreende. “Mais otimismo nesta casa, por favor.”
Um caroço sobe na minha garganta, tornando minha respiração mais fraca.
John foi embora, mamãe se foi, papai se foi. Eu assisto Eden com uma dor forte no
peito. Eu usei a esperança de que uma vez que ele era o mais novo de nós, ele
poderia ser capaz de aprender com os meus erros e os de John e ser o mais sortudo
de nós, talvez fazer uma faculdade ou ganhar uma boa vida como mecânico, que
estaríamos por perto para guiá-lo através dos tempos difíceis na vida. O que
aconteceria com ele se eu não estivesse aqui também? O que aconteceria se ele
tivesse que ficar sozinho contra a República?
“Eden”, de repente, eu sussurro para ele, puxando-o para perto. Seus olhos
se arregalam com meu tom urgente.
“Ouça com atenção, sim? Se a República lhe pedir para ir com eles, e se eu
não estiver em casa ou eu estiver no hospital e eles vierem bater à nossa porta, nunca
vá com eles. Você me entende? Você me chama primeiro, você grita para Lucy,
você…” Eu hesitei. “Você chama June Iparis”.
“Sua Princesa Eleita?”
“Ela não é minha—” Eu faço uma careta em outra onda de dor. “Basta fazer.
Chame-a. Diga a ela para impedi-los.”
“Eu não entendo—”
“Prometa-me. Não vá com eles, seja o que for. Ok?” Paro de falar quando
um choque de dor me atinge forte o suficiente para me enviar em colapso no chão,
enrolado em uma bola apertada. Eu engasgo um grito, minha cabeça parece que está
sendo dividida em dois. Eu até mesmo coloco a mão trêmula na parte de trás da
minha cabeça, como se para ter certeza que meu cérebro não está vazando para o
chão. Em algum lugar acima de mim, Eden está gritando. Lucy faz outra ligação para o
médico, desta vez frenética.
“Só se apresse!”, Ela grita. “Depressa!”
No momento em que os médicos chegam, estou entrando e saindo da
consciência. Por meio de uma nuvem de neblina e nevoeiro, sinto-me sendo
levantado do chão da cozinha e levado para fora do prédio, em seguida, em uma
ambulância que espera disfarçada para se parecer com um jipe da polícia regular.
Está nevando? Alguns flocos derivam no meu rosto, me chocando com alfinetadas de
frieza. Eu chamo Eden e Lucy, eles respondem a partir de algum lugar que eu não
posso ver.
Então estamos na ambulância e nos afastando.
Tudo o que vejo há algum tempo são bolhas de cor, círculos difusos
movendo para trás e para frente em toda a minha visão, como se eu estivesse
olhando através da espessura de um vidro irregular. Tento reconhecer alguns deles.
Eles são pessoas? Eu espero como um inferno que sim, caso contrário eu realmente
devo ter morrido, ou talvez eu esteja flutuando no oceano e detritos estão apenas
flutuando ao meu redor. Isso não faz nenhum sentido, porém, a menos que os
médicos só tenham decidido me atirar direto no Pacífico e se esquecer de mim. Onde
está o Eden? Eles devem ter o levado embora. Assim como no pesadelo. Eles
arrastaram-no para os laboratórios.
Eu não posso respirar.
Minhas mãos tentam voar até a minha garganta, mas, em seguida, alguém
grita alguma coisa e eu sinto um peso contra meus braços, prendendo-me para baixo.
Algo frio está acontecendo na minha garganta, me sufocando.
“Acalme-se! Você está bem. Tente engolir.”
Eu faço como a voz diz. A deglutição é mais difícil do que eu pensava, mas
eu finalmente gerencio um gole, e qualquer que seja a coisa fria, ela desliza direto na
minha garganta e no meu estômago, esfriando o meu núcleo.
“Não”, a voz continua, menos agitada agora. “Deve ajudar com quaisquer
futuras dores de cabeça, eu acho.” Ele não parece falar mais de mim e um segundo
depois, outra voz entra na conversa.
“Parece funcionar um pouco, Doutor.”
Eu devo ter desmaiado novamente depois disso, porque a próxima vez que
eu acordo, o padrão do teto é diferente e a luz do final da tarde entra para o meu
quarto. Eu pisco e olho ao redor. A dor excruciante na minha cabeça se foi, pelo
menos por agora. Eu também posso ver claramente o suficiente para saber que estou
em um quarto de hospital, o sempre presente retrato de Anden em uma parede e uma
tela contra outra parede, transmitindo notícias. Eu gemo, em seguida, fecho os olhos
e solto um suspiro. Hospital estúpido. Tão cansado deles.
“O paciente está acordado.” Me viro para ver um monitor perto da minha
cama que recita a frase. Um segundo depois, a voz de um verdadeiro ser humano
aparece sobre seus alto-falantes. “Senhor Wing?”, Diz.
“Sim”, eu murmuro de volta.
“Excelente”, a voz responde. “Seu irmão chegará em breve para vê-lo.”
Antes de sua voz sumir, minha porta explode e Eden vem correndo com
duas enfermeiras exasperadas em seu encalço. “Daniel”, ele suspira, “você está
finalmente acordado! Claro que você levou tempo suficiente.” Sua falta de visão vem
com ele, ele tropeça contra a borda de um gaveteiro antes que eu possa avisá-lo, e as
enfermeiras têm de pegá-lo em seus braços para evitar que ele caia no chão.
“Calma aí, garoto”, eu chamo. Minha voz soa cansada, apesar de eu me
sentir alerta e livre de dor. “Quanto tempo estive fora? Onde está…?” Faço uma
pausa, confuso por um momento. Isso é estranho. Qual era o nome da nossa nova
governanta? Eu puxo por ela em meus pensamentos. Lucy. “Onde está Lucy?” Eu
termino.
Ele não responde imediatamente. Quando as enfermeiras finalmente situam
Eden ao meu lado na cama, ele se arrasta para perto de mim e arremessa os braços
em volta do meu pescoço. Para minha surpresa, percebo que ele está chorando.
“Hey.” Eu afago sua cabeça. “Calma, está tudo bem. Eu estou acordado.”
“Eu pensei que você não fosse conseguir”, ele murmura. Seus olhos
pálidos procuram os meus. “Eu pensei que você tinha ido embora.”
“Bem, eu não fui. Eu estou bem aqui.” Eu o deixo chorar por um tempo, com
a cabeça enterrada no meu peito, as lágrimas borram os óculos e mancham a minha
roupa de hospital. Há um mecanismo de enfrentamento que eu comecei a usar
recentemente onde eu pretendo recuar de volta para a concha do meu coração e
rastejar para fora do meu corpo, como se eu não estivesse realmente aqui e sim
observando o mundo a partir da perspectiva de outra pessoa. Eden não é meu irmão.
Ele não é nem mesmo real. Nada é real. Tudo é ilusão. Isso ajuda. Eu espero, sem
emoção quando Eden gradualmente se recompõe, e então eu me deixo
cuidadosamente voltar para o meu corpo.
Finalmente, quando ele limpa a última de suas lágrimas, ele se senta e toca
o meu lado. “Lucy já preencheu a papelada.” Sua voz ainda soa um pouco trêmula.
“Você esteve fora por cerca de dez horas. Eles disseram que tinham que correr para
fora do nosso edifício através da entrada principal, simplesmente não havia tempo
para tentar esgueirá-lo.”
“Será que alguém viu?”
Eden esfrega suas têmporas, na tentativa de se lembrar. “Talvez. Eu não sei.
Não me lembro, eu estava muito distraído. Passei toda a manhã na sala de espera
porque não me deixaram entrar.”
“Você sabe…” Eu engulo. “Você já ouviu alguma coisa dos médicos?”
Eden suspira de alívio. “Na verdade não. Mas, pelo menos, você está bem
agora. Os médicos disseram que você teve uma reação ruim ao medicamento que
tomou. Eles estão tirando ele de você e irão tentar algo diferente.” A maneira que
Eden diz isso faz meu coração bater mais rápido. Ele não compreende totalmente a
realidade da situação, ele ainda pensa que a única razão que eu tinha entrado em
colapso não foi porque eu estou ficando pior, mas porque eu tive uma reação ruim. A
sensação de mal estar bate no meu estômago. É claro que ele estaria otimista sobre
tudo isso, é claro que ele acha que isso é apenas um contratempo. Eu tinha estado
com pouca medicação nos últimos dois meses e após as duas primeiras rodadas
também pararam de funcionar, e com todas as dores de cabeça e pesadelos e
náuseas extras, eu esperava que as pílulas tinham, pelo menos, feito algo de bom,
que eles estavam encolhendo com sucesso o local problema no meu hipocampo, sua
palavra chique para o fundo do meu cérebro. Aparentemente não. E se nada
funcionar?
Eu respiro fundo e coloco um sorriso para o meu irmão. “Bem, pelo menos
eles sabem agora. Talvez eles vão tentar algo melhor dessa vez.”
Eden sorri junto, doce e ingênuo. “Sim”.
Alguns minutos depois, o meu médico chega e Eden se move para trás para
fora da sala de espera. Quando o médico fala em voz baixa para mim sobre nossas
próximas opções, quais os tratamentos que eles tentarão experimentar, ele também
me diz em voz baixa quão pequena é a chance que eles têm. Como eu temia, minha
reação não era apenas um problema temporário do remédio. “A medicação está
diminuindo lentamente a área afetada”, diz o médico, mas sua expressão permanece
sombria. “Ainda assim, a área continua a apodrecer, e seu corpo começou a rejeitar a
medicação antiga, obrigando-nos a procurar novas. Estamos simplesmente correndo
contra o relógio, Day, tentando reduzi-la o suficiente e retirá-la antes que isso possa
fazer o seu pior.” Eu escuto tudo isso com uma cara séria; sua voz soa como se ele
estivesse debaixo d'água, sem importância e fora de foco.
Finalmente, eu o interrompo e digo: “Olha, diga-me de uma vez. Quanto
tempo eu tenho? Se nada der certo?”
O médico franze os lábios, hesita, e depois sacode a cabeça com um
suspiro. “Provavelmente um mês”, ele admite. “Talvez dois. Estamos fazendo o
melhor que podemos.”
Um mês ou dois. Bem, eles estiveram errados no passado, um mês ou dois,
provavelmente, significam mais como quatro ou cinco. Ainda. Eu olho para a porta,
onde Eden provavelmente está pressionado contra a madeira tentando, em vão, ouvir
o que estamos dizendo. Então eu volto ao médico e engulo o caroço na minha
garganta. “Dois meses”, repito. “Existe alguma chance?”
“Podemos tentar alguns tratamentos mais arriscados, embora esses
tenham efeitos secundários que podem ser fatais se você reagir mal a eles. Uma
cirurgia antes de estar pronto provavelmente vai te matar.” O médico cruza os braços.
Seu óculos capta a luz fluorescente fria e brilha de uma forma que bloqueia os olhos
completamente. Ele se parece com uma máquina. “Eu sugiro, Day, que você comece a
colocar suas prioridades em ordem.”
“As minhas prioridades em ordem?”
“Prepare o seu irmão para a notícia”, ele responde. “E resolva qualquer
negócio inacabado”.
AS 0810 HORAS NA MANHÃ SEGUINTE AO BANQUETE DE EMERGÊNCIA,
Anden me chama. “É o Capitão Bryant”, diz ele. “Ele fez um último pedido, e seu último
pedido é para te ver.”
Sento-me na beira da minha cama, piscando para longe de uma noite de sono
profundo, tentando trabalhar a energia para entender o que Anden está me dizendo.
“Amanhã vamos transferi-lo para uma prisão no outro lado de Denver para se
preparar para o seu dia final. Ele perguntou se ele pode vê-la antes disso.”
“O que ele quer?”
“Tudo o que ele tem a dizer, ele quer que seja ouvido somente pelos seus
ouvidos”, Anden responde. “Lembre-se, June, você tem a opção de recusar. Não temos de
conceder esse último pedido”
Amanhã, Thomas estará morto. Gostaria de saber se Anden sente qualquer culpa
sobre sentenciar um soldado a morte. O pensamento de enfrentar Thomas sozinha em uma
cela envia uma onda de pânico através de mim, mas eu me preparo. Talvez Thomas tenha
algo a dizer sobre o meu irmão. Eu quero ouvi-lo?
“Eu vou vê-lo,” eu finalmente respondo. “E espero que esta seja a última vez.”
Anden deve ouvir alguma coisa na minha voz, porque suas palavras amolecem.
“Claro. Vou providenciar a sua escolta.”
0930 Horas
Penitenciária do Estado de Denver
A sala onde Thomas e Comandante Jameson estão detidos é iluminado com uma
fria luz fluorescente, e o som de minhas botas ecoa contra o teto alto. Vários soldados me
escoltam, mas para além de nós, o salão parece vazio e sinistro. Retratos de Anden
pendurados em intervalos esporádicos ao longo das paredes. Meus olhos mantêm o foco
em cada uma das celas que passam, estudando-as, detalhes correndo pela minha mente
em um esforço para me manter calma e concentrada. (10 x 10 metros de tamanho, paredes
de aço lisas, vidro à prova de balas, câmeras montadas fora das celas, em vez de dentro. A
maioria delas estão vazias, e as que estão preenchidas estão com os três dos Senadores
que haviam conspirado contra Anden. Este piso é reservada para prisioneiros associados
especificamente com a tentativa de assassinato de Anden.)
“Se você tiver algum problema,” um dos soldados diz para mim, batendo em sua
boina em uma reverência educada, “só nos chamar para dentro e iremos ter o traidor no
chão antes que ele possa fazer um movimento.”
“Obrigada”, eu respondo, meus olhos ainda fixos nas celas quando nos
aproximamos. Eu sei que não vou precisar fazer o que ele disse, porque eu sei que Thomas
nunca vai desobedecer o Eleitor e tentar me machucar. Thomas é muitas coisas, mas
rebelde ele não é.
Chegamos ao final do corredor, onde duas celas adjacentes encontram-se, cada
uma guardada por dois soldados.
Alguém mexe na cela mais próxima de mim. Eu me viro para o movimento. Eu
nem sequer tenho tempo para estudar o interior da cela antes de uma mulher bater os
dedos contra as barras de aço. Eu pulo, então engulo o grito que se levanta na minha
garganta enquanto eu olho para o rosto da Comandante Jameson.
Quando ela fixa os olhos em mim, ela me dá um sorriso que me faz suar frio.
Lembro-me desse sorriso, ela sorriu como na noite em que Metias morreu, quando ela me
aprovou para me tornar um agente júnior em sua patrulha. Não há emoção lá, nada de
compaixão ou até mesmo raiva. Poucas coisas me assustam, mas enfrentar a expressão
fria, implacável do verdadeiro assassino do meu irmão é uma delas.
“Bem”, disse ela, em voz baixa “Se não é Iparis, que veio aqui para nos ver.”
Seus olhos piscam para mim; Os soldados se reúnem perto de mim, em um gesto de
proteção. Não tenha medo. Eu me endireito tão bem quanto eu posso, então aperto meu
queixo e me forço a encará-la sem pestanejar.
“Você está desperdiçando meu tempo, Comandante”, eu digo. “Eu não estou aqui
para você. E a próxima vez que eu a vir, será o dia em que você estará diante do pelotão de
fuzilamento.”
Ela apenas sorri para mim. “Tão corajosa, agora que você tem o seu jovem e
bonito Eleitor para se esconder atrás. Não é mesmo?” Quando eu estreito meus olhos, ela
ri. “Comandante DeSoto teria sido um Eleitor melhor do que aquele garoto poderia ser.
Quando as Colônias invadirem, eles vão queimar este país até o chão. O povo vai se
arrepender para sempre por colocar o seu apoio atrás de um menino.” Ela pressiona contra
as grades, como se estivesse tentando chegar tão perto de mim quanto possível. Eu engulo
em seco, mas mesmo através do meu medo, a minha raiva ferve sob a superfície. Eu não
desvio o olhar. É estranho, mas eu acho que eu vejo um brilho doente sobre os olhos, algo
que parece desconcertante acima do seu sorriso instável. “Você era uma das minhas
favoritas. Você sabe por que eu estava tão interessada em ter você em minha patrulha? É
porque eu me vi refletida em você. Somos iguais, você e eu. Eu teria sido Princesa Eleita,
também, você sabe. Eu merecia.”
Arrepios correm em meus braços. Flashes da noite que Metias morreu
atravessam minha mente, quando a Comandante Jameson me levou até onde seu corpo
jazia. “Pena que não deu certo, não é?” Eu agarro. Desta vez eu não posso manter o
veneno das minhas palavras. Espero que você seja executada sem a menor cerimônia,
como fizeram com Razor.
Comandante Jameson só ri de mim. Seus olhos se dilatam. “Melhor ter cuidado,
Iparis”, ela sussurra. “Você pode acabar como eu.”
As palavras me esfriam até os ossos, e eu finalmente tenho que virar e quebrar
meu olhar longe dela. Os soldados que guardavam a cela, não olham para mim, eles
continuam a olhar para frente. Eu continuo andando. Atrás de mim, eu ainda posso ouvir sua
leve, risada baixa. Meu coração bate contra as minhas costelas.
Thomas está sendo mantido dentro de uma cela retangular com paredes de vidro
grosso, espesso o suficiente para que eu não consiga ouvir nada do que está acontecendo
lá dentro. Eu espero do lado de fora, me firmando depois do meu encontro com a
Comandante Jameson. Por um instante, eu me pergunto se eu deveria ter ficado longe e
recusado seu pedido final, talvez isso tivesse sido melhor.
Ainda assim, se eu sair agora, vou ter que enfrentar a Comandante Jameson
novamente. Eu poderia precisar de um pouco mais de tempo para me preparar para isso.
Então eu respiro fundo e passo em direção às barras de aço da porta da cela de Thomas.
Um guarda abre, permite dois guardas adicionais depois de mim, e depois a fecha atrás de
nós. Nossos passos ecoam no pequeno, espaço vazio.
Thomas levanta-se com um barulho de suas correntes. Ele parece mais
despenteado do que eu já o vi, e eu sei que, se as suas mãos estivessem completamente
livres, ele as iria passar sobre seu uniforme amarrotado e pentear seu cabelo rebelde
imediatamente. Mas em vez disso, Thomas clica os calcanhares. Não é até que eu diga a
ele para relaxar sua postura que ele olha para mim.
“É bom vê-la, Princesa Eleita”, diz ele. Há um toque de tristeza em seu sério,
rosto severo? “Obrigado por ceder o meu pedido final. Não vai demorar muito antes que
você esteja livre de mim inteiramente”.
Eu balanço minha cabeça, com raiva de mim mesma, irritada que, apesar de tudo
o que ele fez, a lealdade inabalável de Thomas à República ainda mexe com uma gota de
simpatia por mim. “Sente-se e fique à vontade”, digo a ele. Ele não hesita por um segundo
em um movimento uniforme, nos ajoelhamos no chão frio da cela, ele encosta-se à parede
da cela, dobro minhas pernas debaixo de mim. Ficamos assim por um momento, deixando o
silêncio constrangedor ficar entre nós.
Eu falo primeiro. “Você não precisa mais ser tão leal à República”, eu respondo.
“Você pode deixar ir, você sabe.”
Thomas só balança a cabeça. “É o dever de um soldado da República ser fiel até
o fim, e eu ainda sou um soldado. Eu vou ser um, até eu morrer.”
Eu não sei por que o pensamento dele morrer puxa as cordas do meu coração de
muitas maneiras estranhas. Estou feliz, aliviada, irritada, triste. “Por que você quer me ver?”
Eu finalmente pergunto.
“Srta. Iparis, antes de amanhã chegar…” Thomas fica em silêncio por um
segundo antes de continuar. “Eu quero dizer-lhe todos os detalhes de tudo o que aconteceu
com Metias naquela noite no hospital. Eu me sinto… eu sinto que eu devo isso a você. Se
alguém deve saber, é você.”
Meu coração começa a bater. Estou pronta para reviver tudo isso de novo, eu
preciso saber isso? Metias se foi; conhecer os detalhes do que aconteceu não vai trazer ele
de volta. Mas eu encontro-me encontrando o olhar de Thomas com um olhar calmo. Ele
deve isso a mim. Mais importante, eu devo isso ao meu irmão. Depois de Thomas ser
executado, alguém deve continuar a memória da morte do meu irmão, do que realmente
aconteceu.
Lentamente, eu firmo meu coração. Quando eu abro a minha boca, minha voz
racha um pouco. “Tudo bem”, eu respondo.
Sua voz é calma. “Eu me lembro de tudo sobre aquela noite. Cada detalhe.”
“Diga-me, então.”
Como o soldado obediente que é, Thomas começa sua história. “Na noite da
morte de seu irmão, eu recebi uma chamada da Comandante Jameson. Estávamos
esperando com os jipes na entrada do hospital. Metias estava conversando com uma
enfermeira na frente das principais portas de correr. Eu estava atrás dos jipes a alguma
distância. Em seguida, veio a chamada.”
Quando Thomas fala, a prisão em torno de nós se derrete e é substituída pela
cena da fatídica noite, o hospital, o jipe militar e os soldados, as ruas, como se eu estivesse
andando ao lado de Thomas, vendo tudo o que ele viu. Revivendo os acontecimentos.
“Eu sussurrei uma saudação a Comandante Jameson sobre o meu fone de
ouvido”, Thomas continua. “Ela não se incomodou em me cumprimentar de volta.”
“Tem que ser feito hoje à noite’, ela me disse. ‘Se não agirmos agora, o seu
Capitão pode planejar um ato de traição contra a República, ou até mesmo contra o Eleitor.
Eu estou te dando uma ordem direta, Tenente Bryant. Encontre uma maneira de levar o
Capitão Iparis para um local privado hoje à noite. Eu não me importo como você irá fazer
isso."
Thomas me olha nos olhos agora e repete: “Um ato de traição contra a
República. Eu apertei minha mandíbula. Eu estava temendo esta chamada inevitável, desde
que eu tinha ouvido pela primeira vez sobre Metias invadir os bancos de dados dos civis
falecidos. Manter segredos da Comandante Jameson era quase impossível. Meus olhos
dispararam para o seu irmão na entrada. ‘Sim, Comandante’, eu sussurrei.”
"‘Bom’, disse ela. ‘Diga-me quando estiver pronto. Vou enviar pedidos separados
para o resto de sua patrulha para estar em um local diferente durante esse tempo. Faça isso
rápido e limpo’."
“Foi quando minha mão começou a tremer. Tentei argumentar com a
Comandante, mas sua voz só ficou mais fria. 'Se você não fizer isso, eu vou. Acredite em
mim, eu vou fazer uma bagunça, e ninguém ficará feliz com isso. Entendido?’”
“Eu não lhe respondi imediatamente. Em vez disso, eu assisti o seu irmão quando
ele apertou a mão da enfermeira. Ele se virou, procurando por mim, e então me viu pelos
jipes. Ele acenou para mim, e eu balancei a cabeça, cuidando para manter meu rosto em
branco. ‘Entendido, Comandante’, eu finalmente respondi.”
“‘Você pode fazer isso, Bryant’, ela me disse. ‘E se você for bem-sucedido,
considere-se promovido a Capitão.’ A chamada foi cortada.”
“Eu entrei entre Metias e outro soldado na entrada do hospital. Metias sorriu para
mim. ‘Outra noite longa, hein? Juro, se nós ficarmos presos aqui até o amanhecer de novo,
eu vou reclamar com a Comandante Jameson como se não houvesse amanhã’.”
“Eu me forcei a rir junto. ‘Vamos esperar por uma noite sem intercorrências,
então.’ A parecia mentira tão suave.”
"'Sim, vamos torcer para isso’, disse Metias. ‘Pelo menos eu tenho você como
companhia’."
“'Da mesma forma’, eu disse a ele. Metias olhou para mim, seus olhos pairando
por uma batida, em seguida, olhou para longe novamente.”
“Os primeiros minutos se passaram sem incidentes. Mas, em seguida, momentos
depois, um menino maltrapilho do setor da favela arrastou-se até a entrada e parou para
conversar com uma enfermeira. Ele era uma bagunça, lama, sujeira e manchas de sangue
em todo seu rosto, cabelo escuro sujo afastado de seu rosto, e um mancar desagradável.
'Posso ser internado, amiga?’, Ele perguntou à enfermeira. 'Ainda há lugar hoje à noite? Eu
posso pagar.’"
“A enfermeira só continuou escrevendo em seu bloco de notas. 'O que
aconteceu?’, Ela finalmente perguntou.”
"'Foi em uma luta’, o menino respondeu. 'Acho que fui esfaqueado’.
“A enfermeira olhou para o seu irmão, e Metias acenou para dois de seus
soldados. Eles caminharam para revistar o rapaz. Depois de um tempo, eles embolsaram
algo e levaram o menino para dentro. Quando ele passou cambaleando, inclinei-me mais
perto de Metias e sussurrei: ‘Não gosto da aparência daquele. Ele não anda como alguém
que foi esfaqueado, anda?’"
“Seu irmão e o menino trocaram um breve olhar. Quando o menino tinha
desaparecido dentro do hospital, ele acenou para mim. 'Concordo. Fique de olho nele.
Depois de fazer a nossa ronda, eu gostaria de questioná-lo um pouco.’"
Thomas faz uma pausa, procurando o meu rosto, talvez pedindo permissão para
parar de falar, mas eu não lhe dou.
Ele respira fundo e continua. “Corei então em sua proximidade. Seu irmão
parecia sentir isso também, e um silêncio constrangedor se passou entre nós. Eu sempre
soube sobre sua atração por mim, mas aquela noite ele parecia particularmente exposto.
Talvez tivesse algo a ver com o seu cansado dia, suas loucuras universitárias, seu habitual
ar de comando submetido e cansado. E debaixo da minha calma exterior, o meu coração
batia contra as minhas costelas. Encontre uma maneira de obter o Capitão Iparis em um
local privado hoje à noite. Eu não me importo como você irá fazer isso . Esta vulnerabilidade
seria minha única chance.”
Thomas olha brevemente para suas mãos, mas continua.
“Então, algum tempo depois, eu bati no ombro de Metias. ‘Capitão’, murmurei.
‘Posso falar com você em particular por um momento?’"
“Metias piscou. Ele me perguntou: 'Isto é urgente?’”
“Não, senhor’", eu disse a ele. ‘Não muito. Mas… eu prefiro que você saiba.’”
“Seu irmão olhou para mim, momentaneamente confuso, em busca de uma pista.
Em seguida, ele fez sinal para um soldado para tomar seu lugar na entrada e nós dois nos
dirigimos para uma rua tranquila, escura, perto do hospital.”
“Metias imediatamente deixou cair um pouco de sua pretensão formal. ‘Algo de
errado, Thomas? Você não parece bem.’”
“Tudo o que eu conseguia pensar era na traição contra a República. Ele nunca
faria isso. Ele iria? Nós tínhamos crescido juntos, treinamos juntos, amadurecemos juntos…
então me lembrei das ordens da minha Comandante. Eu senti a faca com bainha presa
pesadamente na minha cintura. ‘Estou bem,’ eu disse a ele.”
“Mas o seu irmão riu. 'Vamos. Você nunca precisou esconder nada de mim antes.
Você sabe disso, né?’.”
“Basta dizer, Thomas. Eu disse a mim mesmo. Eu sabia que estava oscilando
entre o familiar e o ponto de não retorno. Forçar as palavras. Deixe-o ouvir. Finalmente,
olhei para cima e disse: 'O que é isso entre nós?’"
“O sorriso de seu irmão vacilou. Ele ficou muito silencioso. Em seguida, ele deu
um passo para trás. 'O que você quer dizer?’”
“’Você sabe o que quero dizer’, eu disse a ele. 'Isso. Todos esses anos.’”
“Agora Metias estava estudando meu rosto atentamente. Longos segundos se
passaram. 'Isso', ele finalmente respondeu, enfatizando a palavra. ‘Não pode acontecer.
Você é o meu subordinado.’”
“Então eu perguntei: 'Mas isso significa alguma coisa para você, senhor. Não é?’”
“Alguma coisa alegre e trágica dançou no rosto de Metias. Ele se aproximou. Eu
sabia que o muro entre nós finalmente tinha formado uma rachadura. 'Será que isso
significa alguma coisa para você?’ Ele me perguntou.”
Mais uma vez, Thomas faz uma pausa. Então, com uma voz mais suave, ele diz:
“A lâmina de culpa torceu dolorosamente no meu peito, mas já era tarde demais para voltar
atrás. Então, eu dei um passo para frente, fechei os olhos, e eu o beijei.”
Outra pausa. “Seu irmão congelou, como eu pensei que faria. Houve completo
silêncio. Nós fomos além, o pesado silêncio em torno de nós, e por um momento eu me
perguntava se eu tinha cometido um grande erro, se eu simplesmente descaracterizei cada
sinal dos últimos anos. Ou talvez, talvez ele sabia o que eu estava fazendo. Eu senti uma
estranha sensação de alívio com esse pensamento. Talvez fosse melhor se Metias
descobrisse os planos da Comandante Jameson para ele. Talvez haja uma maneira de sair
dessa.”
“Mas, então, ele se inclinou para frente e devolveu o beijo, e a última das paredes
desmoronou.”
“Pare”, de repente eu digo. Thomas fica em silêncio. Ele tenta esconder suas
emoções por trás de uma aparência de nobreza, mas a vergonha é evidente em seu rosto.
Eu me inclino para trás, viro o rosto para longe dele, e pressiono as minhas mãos nas
minhas têmporas. Raiva ameaçava me oprimir. Thomas não só tinha acabado de matar
Metias sabendo que meu irmão o amava. Thomas tinha tomado esse conhecimento e o
usou contra ele.
Eu quero que você morra. Eu te odeio. A maré da minha raiva cresce mais forte,
até que finalmente eu ouço o sussurro da voz de Metias na minha cabeça, a luz fraca da
razão.
Vai ficar tudo bem, joaninha. Ouça-me. Tudo vai ficar bem.
Eu espero, meu coração batendo de forma constante, até que suas palavras
gentis me trazem de volta. Meus olhos abrem, e eu dou um olhar fixo em Thomas. “O que
aconteceu depois disso?”
Thomas leva um longo momento antes de falar novamente. Quando ele faz, sua
voz treme. “Não havia nenhuma maneira de dar errado. Metias não tinha ideia do que
estava acontecendo. Ele tinha caído no plano com fé cega. Minha mão rastejou para a faca
na minha cintura, mas eu não poderia fazê-lo. Eu não conseguia nem respirar.”
Meus olhos se enchem de lágrimas. Eu queria tão desesperadamente ouvir cada
detalhe e ao mesmo tempo que Thomas parasse de falar, para fechar esta noite, ir embora e
nunca mais voltar.
“Um alarme cortou o ar. Pulamos separados. Metias parecia corado e confuso e
apenas um segundo depois do que fizemos, ambos percebemos que o alarme vinha do
hospital.”
“O momento foi quebrado. Seu irmão voltou ao modo Capitão e correu em
direção à entrada do hospital. ‘Fique por perto’, ele gritou por cima do fone de ouvido. Ele
não olhou para trás. 'Eu quero metade de vocês lá, identificando a fonte. Reúna os outros
na entrada e aguarde o meu comando. Agora!'”
“Eu comecei a correr atrás dele. Minha chance para atacar tinha desaparecido.
Gostaria de saber se a Comandante Jameson tinha de alguma forma sido capaz de ver o
meu fracasso. Os olhos da República estão em toda parte. Sabem tudo. Entrei em pânico.
Eu tinha que encontrar outro momento, outra chance de obter o seu irmão sozinho. Se eu
não pudesse fazê-lo, então o destino de Metias cairia em mãos muito mais duras.”
“Até o momento em que eu o alcancei na entrada, seu rosto era escuro com
raiva. ‘Assalto’, disse ele. ‘Foi aquele menino que vimos. Eu tenho certeza disso. Bryant,
pegue cinco e circule a área leste. Eu vou para o outro lado.’”
“O seu irmão já estava em movimento, reunindo seus soldados. ‘Ele vai ter que
sair do hospital de alguma forma’, ele nos disse. ‘Nós esperaremos por ele quando ele
tentar.’"
“Fiz o que Metias ordenou, mas no instante em que ele estava fora do alcance da
voz, eu ordenei a meus soldados que fossem para o leste e, então, me esgueirei em direção
das sombras. Eu tenho que segui-lo. Esta é a minha última chance. Se eu falhar, eu estou
praticamente morto, de qualquer maneira. O suor escorria pelas minhas costas. Eu me fundi
nas sombras, me lembrando de todas as lições que Metias havia me ensinado sobre
sutileza e discrição.”
“Então, de algum lugar no meio da noite eu ouvi vidro quebrando. Eu me escondi
atrás de uma parede quando seu irmão passou correndo, sozinho e desprotegido, em
direção à fonte do som. Então eu o segui. A escuridão da noite me engolindo inteiro. Por um
momento, eu perdi Metias nos becos. Onde ele estava? Eu me virei em um beco, tentando
descobrir onde seu irmão tinha ido.”
“Só então, uma chamada veio. Comandante Jameson latiu para mim. 'É melhor
você encontrar uma segunda chance de derrubá-lo, Tenente. Logo'.”
“Finalmente, minutos mais tarde, eu achei Metias. Ele estava sozinho, lutando
para se levantar do chão com uma faca enterrada em seu ombro, cercado por sangue e
vidro quebrado. A poucos metros dele estava uma tampa de esgoto. Corri para o lado dele.
Ele sorriu brevemente para mim, enquanto segurava a faca em seu ombro.”
“‘Era Day’, ele suspirou. ‘Ele escapou para baixo nos esgotos.’ Então ele
estendeu a mão para mim. 'Aqui. Me ajude.'”
“Esta é a sua chance, eu disse a mim mesmo. Esta é sua única chance, e se
você não pode fazê-lo agora, isso nunca vai acontecer.”
A voz de Thomas vacila quando eu procuro a minha própria. Eu quero detê-lo
novamente, mas eu não posso. Estou entorpecida.
Thomas levanta a cabeça e diz: “Eu gostaria de poder dizer-lhe todas as imagens
que giram em minha mente, Comandante Jameson interrogando Metias, o torturando por
informações, arrancando suas unhas, cortando-o aberto até ele gritar por misericórdia,
matando-o lentamente da mesma forma que ela fez para todos os prisioneiros de guerra.”
Enquanto ele fala, as palavras vêm mais rápido, caindo de sua boca em um
emaranhado frenético.
“Eu imaginei a bandeira da República, o selo da República, o juramento que eu
tinha tomado no dia que Metias me aceitou na patrulha. Que eu permaneceria para sempre
fiel a minha República e ao meu Eleitor, até o dia da minha morte. Meus olhos dispararam
para a faca enterrada no ombro de Metias. Faça-o. Faça isso agora, eu disse a mim mesmo.
Agarrei sua gola, puxei a faca do seu ombro, e a mergulhei profundamente em seu peito.
Direto até o punho.”
Eu me ouvi ofegar. Como se eu esperasse um final diferente. Como se uma vez
que eu ouvisse isso várias vezes, a história fosse mudar. Isso nunca acontecia.
“Metias soltou um grito quebrado”, sussurrou Thomas. “Ou talvez ele viesse de
mim, eu não me lembro mais. Ele caiu de volta no chão, com a mão ainda segurando meu
pulso. Seus olhos estavam arregalados com o choque.”
“‘Eu sinto muito’, eu botei pra fora.”
Thomas olha para mim quando ele continua, o seu pedido de desculpas serve
tanto para mim quanto para meu irmão.
“Ajoelhei-me sobre o seu corpo tremendo. ‘Eu sinto muito, sinto muito,’ eu disse a
ele. 'Eu não tinha escolha. Você não me deu escolha!’"
Eu mal posso ouvir Thomas quando ele continua. “Uma faísca de entendimento
apareceu nos olhos do seu irmão. Com ele ferido, algo que ia além de sua dor física, um
momento de sangrenta realização. Então repulsa. Decepção. ‘Agora eu sei por que’, ele
sussurrou. Eu não tinha que perguntar para saber que ele estava se referindo ao nosso
beijo.”
“Não! Eu falei sério! Eu queria gritar. Foi um adeus, o único que eu poderia dar.
Mas eu quis dizer isso. Eu prometo.”
“Em vez disso, eu disse, ‘Por que você tem que contrariar a República? Eu avisei,
uma e outra vez. Contrarie a República muitas vezes, e, eventualmente, eles vão queimar
você. Eu te avisei! Eu disse para você ouvir!’”
“Mas o seu irmão sacudiu a cabeça. É algo que você nunca vai entender, seus
olhos pareciam dizer.”
“Sangue vazou de sua boca, e sua mão apertou no meu pulso. ‘Não machuque
June’, disse ele. ‘Ela não sabe de nada.’ Então uma feroz, luz apavorada apareceu em seus
olhos. 'Não a machuque. Prometa-me.'”
“Então, eu disse a ele: 'Eu vou protegê-la. Eu não sei como, mas vou tentar. Eu
prometo.’”
“A luz desvaneceu gradualmente de seus olhos, e seu aperto afrouxou. Ele olhou
para mim, até que ele não podia olhar mais, e então eu sabia que ele tinha ido. Mova-se.
Saia daqui, eu disse a mim mesmo. Mas eu fiquei abaixado sobre o corpo de Metias, minha
mente em branco. Sua ausência repentina me bateu. Metias se foi, Metias nunca ia voltar, e
foi tudo culpa minha. Não. Viva a República. Isso é o que realmente importa, eu disse a mim
mesmo, sim, sim, isso era o mais importante. Isso, o que quer que isso tenha sido entre
Metias e eu, não foi real, nunca poderia ter acontecido de qualquer maneira. Não com
Metias como meu Capitão. Não com Metias como um trabalho criminal contra o país. Foi o
melhor. Sim. Foi.”
“Finalmente, eu ouvi os gritos das tropas se aproximando. Eu me levantei. Limpei
meus olhos. Eu tinha realizado com êxito agora. Eu tinha feito isso, eu tinha ficado fiel à
República. Algum instinto de sobrevivência prevaleceu. Tudo parecia mudo, como um
nevoeiro se instalando sobre a minha vida. Bom. Eu precisava da estranha calma, a
ausência de tudo, que isso trouxe. Dobrei meu pesar cuidadosamente de volta no meu
peito, como se nada tivesse acontecido, e quando as primeiras tropas chegaram ao local, eu
fiz uma chamada para a Comandante Jameson.”
“Eu nem precisei dizer uma palavra. Meu silêncio disse tudo o que ela precisava
saber. ‘Busque a pequena Iparis quando você tiver uma chance’, disse ela para mim. ‘E
muito bem, Capitão.’"
“Eu não respondi.”
Thomas permaneceu em silêncio, a cena se desvanece. Encontro-me de volta
em sua cela na prisão, minhas bochechas manchadas de lágrimas, meu coração cortado
aberto como se ele tivesse me esfaqueado no peito, tão certo como ele esfaqueou meu
irmão.
Thomas olha para o chão entre nós com olhos vazios. “Eu o amava, June”, diz
ele depois de um momento. “Eu realmente o amava. Tudo o que eu fiz como um soldado,
todo o meu trabalho duro e formação, foi para impressioná-lo.” Sua guarda está finalmente
para baixo, e eu posso ver a verdadeira profundidade de sua tortura agora. Sua voz
endurece, como se ele estivesse tentando se convencer do que ele está dizendo. “Eu
respondo à República, Metias me treinou para ser o que eu sou. Até mesmo ele entendeu.”
Estou surpresa com o quanto meu coração está partido por ele. Você poderia ter
ajudado Metias a fugir. Você poderia ter feito alguma coisa. Qualquer coisa. Você poderia
ter tentado. Mas mesmo agora, Thomas não cede. Ele nunca vai mudar, e ele nunca, nunca
vai saber quem Metias realmente era.
Eu finalmente percebi o verdadeiro motivo pelo qual ele solicitou esta reunião
comigo. Ele queria dar uma confissão real. Assim como durante a nossa conversa quando
ele me prendeu, ele está pescando desesperadamente pelo meu perdão, algo que justifique
de qualquer pequena maneira, o que ele fez. Ele quer acreditar que o que ele fez foi
justificado. Ele quer que eu simpatize. Ele quer a paz antes que ele vá.
Mas ele desperdiçou seus esforços em mim. Eu não posso dar-lhe a paz, mesmo
em seu último dia. Algumas coisas não podem ser perdoadas.
“Eu sinto pena de você”, eu digo em voz baixa. “Porque você é tão fraco.”
Thomas aperta os lábios. Ainda à procura de alguma aceitação, ele diz: “Eu
poderia ter escolhido a rota de Day. Eu poderia ter me tornado um criminoso. Mas não o fiz.
Eu fiz tudo certo, você sabe. Isso foi o que Metias amava em mim. Ele me respeitava. Eu
segui todas as regras, eu obedeci todas as leis, eu trabalhei minha maneira acima de onde
eu comecei” Ele se inclina para mim. Seus olhos crescem mais desesperados. “Eu fiz um
juramento, June. Eu ainda estou vinculado por esse juramento. Eu vou morrer com honra
para sacrificar tudo o que tenho, tudo para o meu país. E, no entanto, Day é a lenda,
enquanto eu estiver para ser executado.” Sua voz finalmente rompe com toda a sua
angústia e tormento interior, a injustiça que ele sente. “Isso não faz sentido.”
Eu me levanto. Atrás de mim, os guardas se movem em direção a porta da cela.
“Você está errado”, eu digo com tristeza. “Faz todo o sentido.”
“Por quê?”
“Porque Day escolheu caminhar na luz.” Eu viro as costas para ele pela última
vez. A porta se abre; bares da cela abrem caminho para o hall, uma nova rotação de
guardas da prisão, liberdade. “E assim o fez Metias”.
1532 Horas
Naquela tarde, eu fui para a pista da Universidade de Denver com Ollie em uma
tentativa de limpar meus pensamentos. Lá fora, o céu parecia amarelo e obscuro com a luz
do sol da tarde. Tentei imaginar o céu coberto com aeronaves das Colônias, em chamas
com o fogo de batalhas aéreas e explosões. Daqui a doze dias precisaremos oferecer algo
para as Colônias. Sem a ajuda de Day, como é que vamos fazer isso? O pensamento me
incomoda, mas felizmente ele ajuda a manter as memórias de Thomas e da Comandante
Jameson para fora da minha cabeça. Eu pego o meu ritmo. Meus tênis batem contra o
pavimento.
Quando eu cheguei na pista, notei guardas posicionados em cada entrada. Pelo
menos quatro soldados por portão. Anden deve estar fazendo a sua rotina de exercícios em
algum lugar por aqui também. Os soldados me reconhecem, deixam-me passar, e entrar no
estádio, onde está a pista em torno de um campo grande, aberto. Anden está longe de ser
visto. Talvez ele esteja lá embaixo nos vestiários subterrâneos do estádio.
Eu faço uma série rápida de alongamentos enquanto Ollie aguarda
impacientemente, andando de uma pata para pata, e então me dirijo para a pista. Eu corro
mais rápido e mais rápido ao longo da curva até que eu estou correndo em torno das voltas,
meu cabelo fluindo atrás de mim, Ollie ofegante ao meu lado. Imagino Comandante
Jameson correndo atrás de mim, arma na mão. Melhor ter cuidado, Iparis. Você pode
acabar como eu. Quando faço uma curva na pista onde estão os alvos preparados, eu
derrapo para uma parada, saco a arma da minha cintura, e atiro em cada um dos alvos em
rápida sucessão. Quatro miras. Sem pausa, giro ao redor da pista novamente e repito a
minha rotina três vezes. Dez vezes. Quinze vezes. Finalmente eu paro, meu coração
batendo em um acorde frenético contra meu peito.
Eu mudo para uma caminhada, pegando lentamente minha respiração, meus
pensamentos girando. Se eu nunca tivesse conhecido Day, eu poderia ter crescido para me
tornar Comandante Jameson? Fria, calculista, impiedosa? Eu não tinha me transformado
em exatamente nisso quando eu descobri pela primeira vez quem era o Day? Eu não tinha
levado os soldados e levado a própria Comandante Jameson até a porta de sua família,
sem pensar duas vezes se devia ou não prejudicar a sua família? Eu redefini minha arma,
em seguida, apontei os alvos novamente. Minhas balas acertando os centros das placas.
Se Metias estivesse vivo, o que ele teria pensado do que eu fiz?
Não. Eu não posso pensar no meu irmão sem lembrar a confissão de Thomas
desde esta manhã. Eu disparei a minha última bala, em seguida, sentei-me no meio da pista
com Ollie e enterrei minha cabeça em minhas mãos. Eu estava tão cansada. Eu não sei se
eu conseguirei exceder os limites como eu costumava fazer. E agora eu estou fazendo tudo
de novo, tentando convencer Day a desistir de seu irmão novamente, tentando usá-lo para
proveito da República.
Finalmente eu me levanto, limpo o suor da minha testa, e sigo para os vestiários
subterrâneos. Ollie resolve descer para esperar por mim sob o beiral fresco perto das
portas, ele lambe com sede um recipiente de água que ponho diante dele. Eu desço as
escadas, em seguida, viro a esquina. O ar está úmido das chuvas, e a tela solitária
incorporada no final do corredor tem uma fina película de vapor sobre ela. Eu ando pelo
corredor que se divide em vestiários masculino e feminino. Algumas vozes ecoam ao longe
pelo corredor.
Um segundo depois, eu vejo Anden emergir do vestiário com dois guardas de pé
ao lado dele. Eu coro de vergonha com a visão. Anden parece que acabou de sair do banho
há poucos minutos, sem camisa e ainda enxugando o cabelo úmido, seus músculos magros
tensos depois do treino. Ele tem uma camisa de colarinho jogada sobre um ombro, o branco
do tecido em contraste surpreendente contra a sua pele azeitonada. Um dos guardas fala
com ele em voz baixa, e com um sentimento de naufrágio, eu me pergunto se ele tem algo a
ver com as Colônias. Um momento depois, Anden olha para cima e finalmente me percebe
olhando para eles. A conversa faz uma pausa.
“Srta. Iparis”, diz Anden, um sorriso educado encobre tudo o que poderia estar o
incomodando. Ele limpa a garganta, entrega sua toalha para um dos guardas, e puxa um
braço pela manga da camisa. “Peço desculpas por meu estado meio vestido.”
Eu curvo a cabeça uma vez, me esforçando para parecer imperturbável quando
todos os olhos se fixam em mim. “Não se preocupe, Eleitor.”
Ele acena para seus guardas. “Vão em frente. Eu encontrarei ambos nas
escadas.”
Os guardas reverenciam em uníssono, em seguida, nos deixam em paz. Anden
espera até eles desaparecerem ao virar da esquina, antes de voltar para mim. “Eu espero
que a sua manhã tenha sido boa o suficiente”, diz ele, enquanto começa a abotoar a
camisa. Suas sobrancelhas franzem. “Algum problema?”
“Sem problemas,” eu confirmo, sem vontade de me debruçar sobre a minha
conversa com Thomas.
“Bom”. Anden passa a mão pelo cabelo úmido. “Então você teve uma manhã
melhor do que eu que passei várias horas em uma conferência privada com o Presidente da
cidade de Ross, na Antártida. Nós pedimos-lhes ajuda militar, no caso de uma invasão.” Ele
suspira. “Antártida simpatiza, mas eles não são fáceis de agradar. Eu não sei se podemos
dar a volta usando o irmão de Day, e eu não sei como convencer Day para permitir isso.”
“Ninguém será capaz de convencê-lo”, eu respondo, cruzando os braços. “Nem
mesmo eu. Você diz que eu sou a sua fraqueza, mas a sua maior fraqueza é a sua família.”
Anden fica quieto por um momento. Eu estudo o seu rosto com cuidado,
imaginando quais pensamentos estão passando por sua mente. A memória volta para mim
de como ele pode ser impiedoso quando ele decide, como ele não vacilou quando
sentenciou Thomas à morte, como ele tinha jogado os insultos da Comandante Jameson de
volta em seu rosto, como ele nunca hesitou em executar cada pessoa que tentou destruí-lo.
Profundamente abaixo da voz suave e coração bondoso reside algo frio. “Não irá
forçá-lo”, eu digo. Anden olha para mim com surpresa. “Eu sei que isso é o que você está
pensando.”
Anden termina de abotoar a camisa. “Eu só posso fazer o que eu tenho que fazer,
June”, diz ele suavemente. Soa quase triste.
Não. Eu nunca vou deixar você machucar Day assim. Não do jeito que eu já o
feri. “Você é o Eleitor. Você não tem que fazer nada. E se você se preocupa com a
República, você não correrá o risco de irritar a pessoa a qual o povo acredita.”
Tarde demais, eu mordo minha língua. As pessoas acreditam em Day, mas eles
não acreditam em você. Anden estremece visivelmente, e mesmo que ele não comenta
sobre isso, eu silenciosamente amaldiçoou-me por minhas notórias frases. “Eu sinto muito”,
murmuro. “Eu não quis dizer isso.”
Uma longa pausa se arrasta antes de Anden falar novamente. “Não é tão fácil
como parece.” Ele balança a cabeça. Uma pequena gota de água cai de seu cabelo em seu
colarinho. “Você faria diferente? Arriscar uma nação inteira, em vez de uma pessoa? Eu não
posso justificar. As Colônias atacarão se não dermos um antídoto, e toda essa confusão é
resultado de algo pelo qual eu sou responsável”.
“Não, seu pai foi o responsável. Isso não significa que você é.”
“Bem, eu sou filho do meu pai”, Anden responde, sua voz de repente severa.
“Que diferença isso faz?”
As palavras surpreendem a nós dois. Eu aperto meus lábios e decido não
comentar sobre isso, mas meus pensamentos agitam freneticamente. Isso faz diferença.
Mas então eu penso sobre o que Anden uma vez me falou sobre a fundação da República,
como seu pai, e os Eleitos antes dele tinham sido forçados a agir naqueles sombrios,
primeiros anos. Melhor ter cuidado, Iparis. Você pode ficar como eu.
Talvez eu não seja a única que precisa ter cuidado.
Algo aparecendo na tela no final do corredor me distrai. Eu olho para ela. Há
alguma notícia sobre Day, as imagens mostram velhos vídeos dele e, em seguida, uma
breve cena do hospital de Denver, mas mesmo que a maior parte do vídeo esteja cortado,
posso vislumbrar multidões se reunindo em frente ao prédio. Anden se vira para olhar para a
tela também. Eles estão protestando? O que eles poderiam protestar?
DANIEL ALTAN WING INTERNADO PARA EXAME MÉDICO
PADRÃO SERÁ LIBERADO AMANHÃ.
Anden aperta a mão ao ouvido. Recebendo uma ligação. Ele olha rapidamente
para mim, em seguida, clica em seu microfone e diz: “Sim?”
Silêncio. Quando a transmissão da tela continua, o rosto de Anden fica pálido.
Faz-me lembrar por um instante de como Day tinha parecido pálido no banquete, e os dois
pensamentos convergem para um único pensamento, assustador. De repente eu sei, sem
sombra de dúvida, que este é o segredo que Day estava escondendo de mim. Uma
sensação horrível se forma no meu peito.
“Quem aprovou a publicação destas cenas?”, Diz Anden depois de um momento,
sua voz agora um sussurro. Eu ouço a raiva nele. “Não haverá uma próxima vez. Informe-
me em primeiro lugar. Está entendido?”
Um caroço sobe na minha garganta. Quando a sua chamada finalmente termina,
ele deixa cair sua mão e me dá um olhar grave longo.
“É Day”, diz ele. “Ele está no hospital.”
“Por quê?” Eu exijo.
“Eu sinto muito.” Ele inclina a cabeça em um gesto trágico, então se inclina para
frente para sussurrar no meu ouvido. Ele me diz. E de repente eu me sinto tonta, como todo
o mundo se canaliza para um borrão de movimento, como nada disso é real, como eu estou
de volta no Hospital Central de Los Angeles na noite em que me ajoelhei diante do corpo frio
de Metias, sem vida, olhando para um cara que eu já não reconhecia. Meu batimento
cardíaco diminui até parar. Tudo para. Isso não pode ser real.
Como o menino que agitou uma nação inteira pode morrer?
ME MANTIVERAM NO HOSPITAL DURANTE A NOITE ANTES de me
liberarem para ir ao meu apartamento. A essa altura, a notícia já saiu, espectadores
tinham me visto sendo transportando para fora, e a notícia se espalhou para outras
pessoas, e logo a propagação foi imparável, e o rumor foi dito em todos os cantos da
cidade. Eu vi os ciclos de notícias tentarem escondê-lo duas vezes. Que eu estava no
hospital para um checkup padrão, que eu estava no hospital para visitar o meu irmão.
Todos os tipos de benditas histórias. Mas não estão acreditando.
Passei todo o dia desfrutando do luxo de uma cama não hospitalar,
observando a neve meio derretida caindo fora de nossa janela, enquanto Eden
acampa fora da cama aos meus pés e brinca com um kit de robótica que tínhamos
recebido da República como um presente. Agora ele está montando uma espécie de
robô, coincide com um cubo magnético de luz — uma caixa do tamanho de uma
palma com minitelas nas laterais — com vários braços, pernas e cubos de asas para
criar o que é, essencialmente, um pequeno homem JumboTron voador. Ele sorri com
prazer no que faz, então, rompe os cubos separando e os reorganiza em um par de
pés de andantes que exibem uma tela de vídeo JumboTron sempre que se movem. Eu
sorrio também, momentaneamente contente por que ele estar contente. Se há uma
coisa boa sobre a República, é que eles favorecem o amor de Eden para construção
de coisas. A cada duas semanas nós vemos alguma nova engenhoca que eu só vi
crianças de classe alta possuírem. Gostaria de saber se June é quem fez este pedido
especial para Eden, sabendo o que ele faz. Ou talvez Anden só se sinta culpado por
todas as coisas que seu pai nos fez passar.
Eu me pergunto se ela já ouviu a notícia. Ela deve ter.
“Cuidado”, eu digo quando Eden sobe na minha cama e se inclina para
colocar sua nova criação na borda da janela. Suas mãos tateiam ao redor, sentindo a
janela e a vidraça. “Se você cair e quebrar alguma coisa, nós vamos ter que voltar
para o hospital, e eu não vou ficar feliz com isso.”
“Você está pensando sobre ela de novo, não é?” Eden dispara suavemente
em resposta. Seus olhos cegos olham vesgos para os blocos de pé apenas a uns
centímetros de seu rosto. “Você sempre muda a sua voz”.
Eu pisco para ele com surpresa. “O quê?”
Ele olha em minha direção e levanta uma sobrancelha para mim, e a
expressão parece cômica no rosto de uma criança. “Oh, vamos lá. É tão óbvio. O que
essa menina June é para você, afinal? Todo o país fofoca sobre vocês dois, e quando
ela lhe pediu para vir a Denver, você não poderia fazer nossas malas rápido o
suficiente. Você me disse para chamar a ela, no caso da República vir para me levar
embora. Você vai ter que derramar isso mais cedo ou mais tarde, não é? Você está
sempre falando sobre ela.”
“Eu não falo sobre ela o tempo todo.”
“Uh-huh, certo.”
Estou feliz que Eden não possa ver a minha expressão. Eu ainda tenho que
falar com ele sobre June e sua conexão com o resto da nossa família, outra boa razão
para ficar longe dela. “Ela é uma amiga”, eu finalmente respondo.
“Você gosta dela?”
Meus olhos voltam a estudar a cena da chuva fora de nossa janela. “Sim”.
Eden espera que eu diga mais, mas quando eu permaneço em silêncio, ele
encolhe os ombros e volta ao seu robô. “Tudo bem”, ele resmunga. “Diga-me quando
quiser.”
Como se fosse um sinal, meu fone soa uma suave estática por um segundo,
me avisando de uma chamada recebida. Eu aceito. Um momento depois, a voz
sussurrante de June ecoa no meu ouvido. Ela não diz nada sobre a minha doença —
ela apenas sugere, “Podemos conversar?”
Eu sabia que só seria uma questão de tempo antes que eu ouvisse dela. Eu
assisto Eden jogar por um segundo a mais. “Temos que fazer isso em outro lugar”, eu
sussurro de volta. Meu irmão me olha, momentaneamente curioso com as minhas
palavras. Eu não quero estragar o meu primeiro dia fora do hospital por revelar meu
prognóstico deprimente para um garoto de onze anos de idade.
“Que tal um passeio, então?”
Eu olho para fora da janela. É hora do jantar, e os cafés no piso térreo ao
nível da rua estão cheios de fregueses, quase todos eles estão encolhidos sob
chapéus, bonés, guarda-chuvas e capas, se protegendo neste crepúsculo de neve
derretida. Pode ser um bom momento para passear sem atrair muita atenção. “Que tal
isso. Venha, e nós vamos sair daqui.”
“Ótimo,” June responde. Ela desliga.
Dez minutos depois, minha campainha toca e assusta Eden por completo —
o novo robô de cubo que ele construiu cai de minha cama, três de seus membros se
separam. Eden vira seus olhos em minha direção. “Quem está aí?”, ele pergunta.
“Não se preocupe, garoto”, eu respondo, caminhando até a porta. “É June.”
Os ombros de Eden relaxam com minhas palavras; um sorriso brilhante
ilumina seu rosto, e ele pula para fora da borda da cama, deixando seu robô na janela.
Ele sente o seu caminho em direção ao outro lado da cama. “Bem”, ele exige. “Você
não vai deixá-la entrar?”
Parece que durante o tempo que eu passei vivendo nas ruas, eu estava
perdendo de ver Eden crescer. O garoto calmo tornou-se teimoso e obstinado. Não
posso imaginar como ele herdou isso. Eu suspiro — eu odeio esconder as coisas
dele, mas como eu explicaria isso? Eu disse a ele ao longo do último ano que June é:
uma garota da República que decidiu nos ajudar, uma garota que agora está treinando
para ser a futura Princesa do país. Eu ainda não descobri como dizer-lhe o resto —
então eu não digo qualquer coisa sobre isso a ele.
June não sorri quando eu abro a porta. Ela olha para o Eden, depois de
volta para mim. “Esse é o seu irmão?”, diz ela em voz baixa.
Concordo com a cabeça. “Você não o conhece ainda, não é?” Eu me viro e
o chamo. “Eden. Os modos.”
Eden cumprimenta da cama. “Oi”, ele diz em voz alta.
Eu dou um passo para o lado para que June possa entrar, ela faz seu
caminho para onde Eden está, senta-se ao lado dele com um sorriso, e toma sua
pequena mão na dela. Ela sacode duas vezes. “Prazer em conhecer você, Eden”, diz
ela, com a voz suave. Eu me inclino contra a porta para assistir a troca. “Como você
está indo?”
Eden dá de ombros. “Muito bem, eu acho”, ele responde. “Os médicos
dizem que os meus olhos já estabilizaram. Eu estou tomando dez comprimidos
diferentes todos os dias.” Ele inclina a cabeça. “Mas eu acho que eu estou ficando
mais forte.” Ele incha o peito um pouco, em seguida, faz uma pose falsa flexionando
seus braços. Seus olhos são sem foco e olham ligeiramente para a esquerda do rosto
de June. “Como é que eu estou?”
June ri. “Eu tenho que dizer, você parece melhor do que a maioria das
pessoas que eu vejo. Eu já ouvi muito sobre você.”
“Eu ouvi muito sobre você também”, Eden responde rápido,
“principalmente de Daniel. Ele acha que você é quente.”
“Ok, isso é o suficiente.” Eu limpo minha garganta alto o suficiente para ele
ouvir, em seguida, lhe atiro um olhar irritadiço mesmo que ele seja cego como uma
rocha. “Vamos.”
“Você já comeu?”, ela pergunta quando nós vamos em direção à porta. “Era
para eu seguir Anden com os outros Príncipes Eleitos, mas ele foi chamado para o
quartel da Muralha para uma rápida sessão informativa — algo sobre intoxicação
alimentar entre os soldados. Então, eu tinha um par de horas livre.” Um leve rubor
toca seu rosto enquanto ela diz isso. “Eu pensei que talvez pudéssemos fazer um
lanche.”
Eu levanto uma sobrancelha. Então, eu me inclino em direção a ela para que
minha bochecha encoste contra a dela e para minha emoção, a sinto tremer ao meu
toque. “Por que, June,” brinco com a voz baixa e suave, sorrindo contra sua orelha.
“Você está me convidando para um encontro?”
O rubor de June se aprofunda, mas o calor não toca os olhos.
Meu momento de travessura termina. Eu limpo minha garganta, então olho
por cima do ombro para Eden. “Eu vou trazer um pouco de comida para você quando
voltar. Não saia por conta própria. Faça o que Lucy lhe disser para fazer.”
Eden acena, já absorto com o robô novamente.
Minutos mais tarde, nos dirigimos para fora do complexo de apartamentos e
para a garoa espessa. Eu mantenho minha cabeça e meu rosto escondidos sob a
sombra de um capuz de soldado, meu pescoço protegido sob meu grosso lenço
vermelho, e minhas mãos estão metidas profundamente nos bolsos de meu casaco
militar. É estranho o quanto eu me acostumei com roupas da República. June puxa a
gola alta do seu casaco, e sua respiração se espalha ao redor dela em nuvens de
vapor. A neve derretida aumenta um pouco, enviando gelo e água fresca em meu
rosto e fazendo cócegas em meus cílios. Bandeiras vermelhas ainda pendem das
janelas da maioria dos arranha-céus, e os JumboTrons tem um símbolo vermelho e
preto nos cantos das suas transmissões em homenagem ao aniversário de Anden.
Outros se apressam ao longo da rua passando em um borrão de movimento. Nós
andamos em silêncio confortável, saboreando a simples proximidade um do outro.
É meio estranho, na verdade. Hoje é um dos meus melhores dias, e eu não
tenho um monte de problemas em acompanhar June, hoje, não me sinto como se eu
só tivesse um par de meses de vida. Talvez os novos medicamentos que me deram
vão funcionar desta vez.
Não dissemos uma palavra até June, finalmente, nos parar em um pequeno
café fumegante a vários blocos de meu apartamento. Logo de cara eu posso ver por
que ela o escolheu — está quase vazio, um pequeno ponto no primeiro andar de um
arranha-céu molhado com neve derretida, e não muito bem iluminado. Mesmo que
seja ao ar livre, como muitos outros cafés na área, tem alguns recantos escuros que
são agradáveis para nós sentarmos, e suas únicas luzes vêm de lanternas brilhantes
em forma de cubo em cada uma das mesas. A recepcionista nos leva para dentro, a
pedido de June, sentamos em um dos cantos escuros. Pratos rasos com água
perfumada estão espalhados por todo o café. Eu tremo, mesmo que o nosso lugar
seja quente, graças ao calor de nossa lanterna.
O que estamos fazendo aqui de novo? Um estranho nevoeiro passa por
mim, em seguida se dispersa. Estamos aqui para jantar, que é o que estamos fazendo.
Eu balanço minha cabeça. Lembro-me da breve luta que eu tive alguns dias atrás,
quando eu não conseguia lembrar o nome de Lucy. Um pensamento assustador
emerge.
Talvez este seja um novo sintoma. Ou talvez eu esteja apenas sendo
paranoico.
Depois de fazermos nossos pedidos, June fala. As manchas douradas em
seus olhos brilham na luz da lanterna laranja. “Por que você não me contou?”, ela
sussurra.
Eu coloco minhas mãos contra a lanterna, saboreando o calor. “Que bem
teria feito?”
June franze as sobrancelhas, e só então é que eu percebo que seus olhos
parecem meio inchados, como se tivesse chorado. Ela balança a cabeça para mim.
“Os rumores estão em todo o lugar”, ela continua em uma voz que eu mal consigo
ouvir. “Testemunhas dizem que viram você sendo transportado de seu apartamento
em uma maca a 34 horas atrás — uma delas aparentemente ouviu o médico falando
sobre sua condição.”
Eu suspiro e levanto minhas mãos em rendição. “Você sabe o que, se tudo
isto está de alguma forma causando tumultos nas ruas e mais problemas para Anden,
então eu sinto muito. Disseram-me para manter isso em segredo e eu fiz — tão bem
quanto eu podia. Tenho certeza de que o nosso glorioso Eleitor vai descobrir uma
maneira de acalmar as pessoas.”
June morde o lábio uma vez. “Deve haver alguma solução, Day. O seu
médico tem -”
“Eles já estão tentando de tudo.” Como se fosse um sinal, eu estremeço
com um espasmo doloroso que percorre a parte de trás minha cabeça. “Eu já passei
por três rodadas de experimentos. Até agora um progresso lento e doloroso.” Eu
explico a June o que os médicos me falaram, a infecção incomum em meu
hipocampo, a medicação que está me enfraquecendo, sugando a força do meu corpo.
“Acredite em mim, eles estão correndo através de soluções.”
“Quanto tempo você tem?”, ela sussurra.
Eu fico em silêncio, fingindo estar fascinado com a lanterna. Eu não sei se
tenho coragem de dizê-lo.
June se inclina mais perto, até que seu ombro bate suavemente contra o
meu. “Quanto tempo você tem?” ela repete. “Por favor. Espero que você ainda se
importe comigo o suficiente para me dizer.”
Meu olhar cai lentamente sobre ela — como sempre parece que faço — de
volta sob sua atração. Não faça eu fazer isso, por favor. Eu não quero dizer isso em
voz alta para ela, isso significaria que é realmente de verdade. Mas ela parece tão
triste e com medo que eu não posso guardar isso. Eu solto minha respiração, em
seguida, passo a mão pelo meu cabelo e abaixo minha cabeça. “Eles disseram que
um mês”, eu sussurro. “Talvez dois. Eles disseram que eu deveria ter minhas
prioridades em ordem.”
June fecha os olhos — eu acho que a vejo tremer ligeiramente em seu
assento. “Dois meses”, ela murmura vagamente. A agonia em seu rosto me lembra
exatamente por que eu não queria que ela soubesse.
Depois de mais um longo silêncio entre nós, June sai do torpor e alcança
algo em seu bolso e puxa. Ela volta com algo pequeno e metálico na palma da mão.
“Eu tinha a intenção de dar isso a você”, diz ela.
Eu fico olhando fixamente para ele. É um anel de clipe de papel, linhas finas
de fio puxados em uma elegante série de redemoinhos e fechado em um círculo,
assim como o que eu tinha feito uma vez para ela. Meus olhos se arregalam e saltam
nos dela. Ela não diz nada, em vez disso, ela olha para baixo e me ajuda a empurrá-lo
no meu dedo anelar da mão direita. “Eu tive um pouco de tempo”, ela finalmente
murmura.
Maravilhado, corro uma mão em todo o anel, isso estica as cordas do meu
coração. Uma dúzia de emoções correm através de mim. “Me desculpe,” gaguejo
depois de um tempo, tentando dar uma interpretação mais esperançosa a tudo. Isso é
tudo que posso dizer, após este presente dela? “Eles acham que ainda há uma
chance. Logo eles vão testar algum novo tratamento”.
“Você me disse uma vez por que você escolheu 'Day', como seu nome de
rua”, diz ela com firmeza. Ela move a mão para que esta cubra a minha, escondendo o
anel de clipe de papel de vista. O calor de sua pele contra a minha faz minha
respiração mais curta. “Todas as manhãs, tudo é possível novamente. Certo?” Um rio
de formigamento corre pela minha espinha. Eu quero ter seu rosto em minhas mãos
de novo, beijar suas bochechas e estudar seus olhos escuros e tristes, e dizer a ela
que eu vou ficar bem. Mas isso seria apenas mais uma mentira. Metade do meu
coração está partido com a dor em seu rosto, a outra metade, eu percebo com culpa,
se incha com felicidade de saber que ela ainda se importa. Há amor em suas palavras
trágicas, nas dobras do anel de metal fino. Não há?
Finalmente, eu tomo uma respiração profunda. “Às vezes, o sol se põe mais
cedo. Dias não duram para sempre, você sabe. Mas eu vou lutar tão duro quanto eu
posso. Eu posso prometer-lhe isso.”
Os olhos de June amolecem. “Você não tem que fazer isso sozinho.”
“Porque você deve ter que suportar isso?” Murmuro de volta. “Eu só…
pensei que seria mais fácil por este caminho.”
“Mais fácil para quem?” June estala. “Você, eu, o público? Você prefere
apenas, um dia, passar para outra vida silenciosamente, sem jamais ter que respirar
outra palavra para mim?”
“Sim, eu gostaria”, encontro-me atirando de volta. “Se eu lhe dissesse,
naquela noite, você teria concordado em tornar-se uma Princesa Eleita?”
Quaisquer que sejam as palavras que se sentam na ponta da língua de
June, ela não as diz. Ela faz uma pausa, então as engole. “Não”, ela admite. “Eu não
teria tido a coragem de fazê-lo. Eu teria esperado.”
“Exatamente.” Eu tomo uma respiração profunda. “Você acha que eu queria
reclamar com você sobre a minha saúde, naquele momento? Para ficar no caminho da
posição que você desejou a vida toda?”
“Essa era a minha escolha a fazer,” June diz entre dentes.
“E eu queria que você fizesse isso sem eu no caminho.”
June balança a cabeça e os ombros caem ligeiramente. “Realmente acha
que eu me importo tão pouco com você?”
Então a nossa comida chega — fumegantes tigelas de sopa, pratos de
sanduíches para o jantar, e um pacote bem embalado de comida para Eden — e eu
caio em agradecido silêncio. Teria sido mais fácil para mim, eu adiciono a mim
mesmo. Eu prefiro me afastar do que ser lembrado todos os dias que eu só tenho
alguns meses para estar com você. No entanto, tenho vergonha de dizer isso em voz
alta. Quando June olha mim com expectativa por uma resposta, eu apenas balanço a
minha cabeça e encolho os ombros.
E isso é quando ouvimos. Um alarme soa em toda a cidade.
É ensurdecedor. Nós dois congelamos, então olhamos para os alto-falantes
que cobrem todos os edifícios da rua. Eu nunca ouvi uma sirene como esta em toda a
minha vida — um grito infinito e ensurdecedor que encharca o ar, abafando qualquer
coisa em seu caminho. Os JumboTrons ficam escuros. Eu atiro a June, um olhar
perplexo. Que diabos é isso?
Mas June já não mais me olha. Seus olhos estão fixos nos alto-falantes com
estridentes alarmes ao longo de toda a rua, e sua expressão está cheia de horror.
Juntos, vemos o JumboTron cintilar para vida — desta vez cada tela está em vermelho
sangue, e cada uma tem duas palavras douradas gravadas em negrito em toda a sua
tela:
PROCURAR ABRIGO
“O que significa isso?” Eu grito.
June pega a minha mão e começa a correr. “Isso significa que um ataque
aéreo está a caminho. A Muralha está sob ataque.”
“EDEN”.
É a primeira palavra que sai da boca de Day. Os JumboTrons continuam
transmitindo seu sinistro aviso escarlate enquanto o alarme ecoa em toda a cidade, me
ensurdece com seu zunido rítmico, apagando todos os outros sons na cidade. Ao longo da
rua, outros estão espreitando para fora das janelas e fluem das entradas dos edifícios, tão
perplexos como nós sobre o alarme incomum. Os soldados em formação estão enchendo a
rua, gritando em seus fones de ouvido quando eles veem o inimigo se aproximando. Eu
corro ao lado dele, os pensamentos e os números correndo pela minha mente à medida que
avançamos. (Quatro segundos. Doze segundos. Quinze segundos em um bloco, o que
significa 75 segundos até chegarmos ao apartamento de Day, se mantivermos o nosso
ritmo. Existe uma rota mais rápida? E Ollie. Eu preciso tirá-lo do meu apartamento e o ter ao
meu lado.) Um estranho foco se apodera de mim, igual ao primeiro momento em que libertei
Day do Batalha Hall a tantos meses atrás, como o momento em que Day escalou a Torre do
Capitólio para fazer frente as pessoas e eu levei os soldados para fora do seu caminho. Eu
posso me converter em uma silenciosa observadora na desconfortável câmara do Senado,
mas aqui fora nas ruas, em meio ao caos, eu posso pensar. Eu posso agir.
Lembro-me de ler sobre e ensaiado para este alarme em especial na escola,
embora Los Angeles fosse tão longe das Colônias que mesmo os exercícios práticos eram
raros. O alarme era para ser usado somente se as forças inimigas atacassem a nossa
cidade, se eles estivessem justo nas fronteiras e importunado a cidade no seu caminho, eu
não sei como é o processo em Denver, mas eu imagino que não pode ser tão diferente —
vamos evacuar imediatamente, em seguida, procurar o bunker5 mais próximo atribuído e o
metrô que nos transporte para uma cidade mais segura. Depois que entrei na faculdade e
me tornei oficialmente um soldado, o exercício mudou para mim: Soldados devem relatar
imediatamente suas posições aos seus oficiais comandantes através de seus fones de
ouvido. Devemos estar prontos para a guerra a qualquer momento.
5 - Bunker é uma instalação fortificada fechada e abobadada, independente ou integrada numa fortificação maior, à prova dos projéteis inimigos. O termo é utilizado de um modo bastante genérico, podendo designar instalações de vários tipos e tamanhos, normalmente construídas em betão (concreto)
Mas eu nunca ouvi o alarme sendo usado para um ataque real em uma cidade da
República, porque nunca houve um. A maioria dos ataques foram frustrados antes que
pudessem chegar até nós. Até agora. E enquanto eu corro ao lado de Day, eu sei
exatamente o que deve estar passando por sua mente. Isso aciona um sentimento de culpa
familiar no meu estômago.
Day nunca ouviu o alarme antes, nem nunca passou por uma simulação para ele.
Isto é porque ele é de um setor pobre. Eu não tinha certeza antes, e eu admito que nunca
pensei muito sobre isso, mas ver a expressão confusa de Day torna tudo muito claro. Os
bunkers subterrâneos são apenas para a classe alta, o setor gema. Os pobres são deixados
à própria sorte.
Lá em cima, um motor grita. Um jato da República. Em seguida, vários outros. Os
gritos aumentam e se misturam ao alarme — me preparo para uma chamada de Anden a
qualquer momento. Então, longe ao longo do horizonte, vejo o primeiro clarão de luz laranja
ao longo da Muralha. A República está lançando um contra-ataque dos muros. Isso
realmente está acontecendo. Mas não deveria ser assim. As Colônias nos tinham dado
tempo, no entanto pouco, para entregar um antídoto para eles — desde o ultimato, apenas
quatro dias se passaram. Minha raiva incendeia. Será que eles querem nos pegar de
surpresa de uma forma tão extrema?
Eu agarro a mão de Day e ele pega meu ritmo. “Você pode chamar Eden?” Eu
grito.
“Sim,” Day ofega. Imediatamente eu posso dizer que ele não tem mais a
resistência que ele costumava ter — sua respiração está um pouco difícil, os seus passos
um pouco mais lentos. Um nó se aloja na minha garganta. De alguma forma, esta é a
primeira evidência de sua saúde enfraquecida, isso me atinge e meu coração aperta. Atrás
de nós, outra explosão reverbera em todo o ar da noite. Eu aperto meu agarre em sua mão.
“Diga a Eden para estar pronto na entrada do seu complexo”, eu grito. “Eu sei
onde podemos ir.”
Uma voz urgente vem do meu fone de ouvido. É Anden. “Onde está você?”, diz.
Eu tremo ao detectar um leve toque de medo em suas palavras, outra coisa que eu
raramente ouvi. “Estou na Torre do Capitólio. Vou enviar um jipe para buscá-la.”
“Envie um jipe para o apartamento de Day. Eu estarei lá em um minuto. E Ollie,
meu cão…”
“Eu vou tê-lo enviado para os bunkers imediatamente”, diz Anden. “Tenha
cuidado”. Em seguida, um som de clique, e eu ouço estática por um segundo antes do meu
fone de ouvido ficar mudo. Ao meu lado, Day repete minhas instruções para Eden no seu
próprio microfone.
No momento em que chegamos ao complexo de apartamentos, jatos da
República estão zunindo a cada dois segundo, pintando dezenas de trilhas no céu noturno.
Multidões já começaram a se reunir fora do complexo e estão sendo guiadas em várias
direções por patrulhas da cidade. Um tremor de medo se apodera de mim quando eu
percebo que alguns dos jatos no horizonte não são todos da República — mas pertencem
aos estranhos inimigos. Se eles estão tão perto, então devem ter passado por nossos
mísseis de longo alcance. Dois pontos pretos maiores se movem nos extremos do céu.
Dirigíveis das Colônias.
Day vê Eden antes de mim. Ele é uma figura pequena, de cabelos dourados
segurando as grades da porta de entrada do complexo de apartamentos, olhando em vão
para o mar de pessoas ao seu redor. Sua cuidadora está atrás dele com as duas mãos
firmemente sobre os ombros. “Eden!” Day chama. O menino vira a cabeça em nossa
direção. Day pula os degraus e o acolhe em seus braços, em seguida, volta-se para mim.
“Para onde vamos?”, Ele grita.
“O Eleitor enviou um jipe para nós”, eu respondo-lhe ao ouvido, de modo que os
outros não ouvem. Já tem umas poucas pessoas que estão nos lançando olhares de
reconhecimento, mesmo quando eles correm por nós em uma névoa de pânico. Puxo a gola
do meu casaco tão alta quanto posso, então curvo minha cabeça. Vamos, murmuro para
mim mesma.
“June”, diz Day. Eu encontro seus olhos. “O que vai acontecer com os outros
setores?”
A questão que eu estava temendo. O que acontecerá com os setores pobres?
Hesito, e naquele momento de silêncio, Day percebe a resposta. Seus lábios apertam em
uma linha fina. A raiva profunda sobe em seus olhos.
A chegada do jipe me salva de responder imediatamente. Ele guincha a uma
parada a vários metros de onde os outros se aglomeraram ao redor, e dentro eu vejo Anden
me saudar uma vez do lado do passageiro. “Vamos,” Peço a Day. Nós fazemos o nosso
caminho descendo as escadas quando um soldado abre a porta para nós. Day ajuda Eden e
sua cuidadora a entrar primeiro, e quando eles estão de cinto de segurança, subimos. O jipe
arranca em ritmo alucinante a medida que mais jatos da República voam acima. Ao longe a
um outro brilho laranja em forma de nuvem de cogumelos na Muralha. Sou eu, ou parece
estar mais perto do que antes? (Talvez mais perto uns bons cem metros, dado o tamanho
da explosão.)
“Fico feliz em ver todos vocês em segurança”, diz Anden sem se virar. Ele profere
uma saudação rápida para cada um de nós, então murmura um comando para o motorista,
que faz uma curva acentuada ao redor do próximo quarteirão. Eden solta um grito
assustado. A cuidadora aperta os ombros dele e tenta acalmá-lo.
“Por que tomar o caminho mais lento?” Anden diz quando viramos em uma rua
estreita. O chão treme com outro impacto distante.
“Desculpas, Eleitor,” o motorista fala de volta. “Notícias de várias explosões
dentro da Muralha — nosso percurso mais rápido não é seguro. Bombardearam alguns jipes
no outro lado de Denver.”
“Algum ferido?”
“Não muitos, felizmente. Um par de Jipes capotaram — vários prisioneiros
escaparam, e um soldado morreu.”
“Quais prisioneiros?”
“Nós ainda estamos confirmando.”
A premonição desagradável me bate. Quando eu tinha ido ver Thomas, tinha
havido uma rotação de guardas que estavam na frente da cela da Comandante Jameson.
Quando eu saí, os guardas eram diferentes.
Anden faz um som de frustração, então se vira para olhar de novo para nós. “Nós
estamos indo para um porão subterrâneo chamado Subterrâneo Um. Se você precisar
entrar ou sair do porão, meus guardas vão digitalizar seus polegares na porta de entrada.
Você ouviu o nosso motorista — não é seguro sair por conta própria. Entendeu?”
O motorista pressiona a mão ao ouvido, empalidece, e olha para Anden. “Senhor,
temos a confirmação dos prisioneiros que escaparam. Havia três.” Ele hesita, então engole.
“Capitão Thomas Bryant. Tenente Patrick Murrey. Comandante Natasha Jameson.”
Meu mundo balança. Eu sabia. Eu sabia. Ainda ontem eu tinha visto a
comandante Jameson segura atrás das grades, e conversei com Thomas enquanto ele
estava definhando na prisão. Eles não poderiam ter ido longe, eu digo a mim mesma.
“Anden”, eu sussurro, forçando os meus sentidos em ordem. “Ontem, quando eu fui ver
Thomas, tinha havido uma rotação diferente de guardas. Eram os soldados que deveriam
estar lá?” Day e eu trocamos um olhar rápido, e por um instante eu sinto como se o mundo
inteiro estivesse brincando conosco como tolos, tecendo nossas vidas em uma piada cruel.
“Encontrem os prisioneiros”, Anden fala no seu microfone. Seu rosto se tornou
branco. “Dispare neles assim que os vir.” Ele olha para mim enquanto ele continua falando.
“E me tragam os guardas que estavam de plantão. Agora.”
Eu tremo com mais uma explosão que estremece o chão. Eles não poderiam ter
ido longe. Eles vão ser capturados e alvejados até o final do dia. Repito estas palavras a
mim mesma mais e mais. Não, há outra coisa em jogo aqui. Minha mente voa através das
possibilidades:
Não é coincidência que a comandante Jameson conseguiu escapar, que o ataque
das Colônias aconteceu no mesmo dia em que ela estava sendo transferida. Deve haver
outros traidores nas fileiras da República, soldados que Anden não erradicou ainda.
Comandante Jameson pode ter passando informações para as Colônias através deles.
Afinal de contas, as Colônias de alguma forma sabiam que nossos soldados da Muralha
giravam em turnos, e, particularmente hoje tivemos menos soldados posicionados na
Muralha do que o habitual devido à intoxicação alimentar. Eles sabiam como atacar em
nosso momento de fraqueza.
Se for esse o caso, então, as Colônias podem ter planejando um ataque durante
meses. Talvez ainda antes do surto de peste.
E Thomas. Ele estava na coisa toda? A menos que ele estivesse tentando me
avisar. É por isso que ele perguntou por mim ontem. Como seu pedido final, mas também na
esperança de que eu notaria algo estranho com os guardas. Meu batimento cardíaco
acelera. Mas por que ele apenas não deu um aviso?
“O que acontece em seguida?” Pergunto entorpecida.
Anden inclina a cabeça contra o assento. Ele provavelmente está pensando em
uma lista similar de possibilidades sobre os prisioneiros fugitivos, mas ele não diz isso em
voz alta. “Nossos aviões estão todos empenhados justo fora de Denver. A Muralha deve
segurar por um bom tempo, mas há uma forte probabilidade que mais forças das Colônias
estejam a caminho. Nós vamos precisar de ajuda. Outras cidades próximas foram alertadas
e estão enviando suas tropas para reforço, mas…” Anden faz uma pausa para olhar por
cima do ombro para mim, “podem não ser suficiente. Enquanto mantivermos civis indo para
o subterrâneo, June, eu e você precisamos ter uma conversa particular de imediato.”
“Onde você está evacuando os pobres, Eleitor?” Pergunta Day calmamente.
Anden vira-se em seu acento novamente. Ele encontra os hostis olhos azuis de
Day com o olhar mais nivelado que ele pode gerenciar. Eu noto que ele evita olhar para o
Eden. “Eu tenho as tropas a caminho para os setores externos”, ele diz. “Eles vão encontrar
abrigo para os civis e defendê-los até que eu dê uma ordem contraria.”
“Nenhum bunker subterrâneo para eles, eu acho”, responde Day friamente.
“Eu sinto muito.” Anden solta um longo suspiro. “Os bunkers foram construídos há
muito tempo, antes do meu pai até mesmo se tornar o Eleitor. Estamos trabalhando para
adicionar mais.”
Day se inclina para frente e estreita os olhos. Sua mão direita aperta a de Eden.
“Então, divida o bunkers entre os setores. Meio pobre, meio rico. A classe alta deve arriscar
o pescoço tanto quanto a classe mais baixa.”
“Não”, Anden diz com firmeza, mesmo que eu ouça pesar em suas palavras. Ele
comete o erro de discutir este ponto com o Day, e eu não posso impedi-lo. “Se fôssemos
fazer isso, a logística seria um pesadelo. Os setores exteriores não têm as mesmas rotas de
evacuação — se explosões atingissem a cidade, centenas de milhares de pessoas estariam
vulneráveis ao ar livre, porque não seria capaz de organizar todos em tempo. Nós
evacuamos os setores gema primeiro. Então podemos -”
“Faça isso!” Grita Day. “Eu não me importo com a sua maldita logística!”
O rosto de Anden endurece. “Você não vai falar comigo desse jeito”, ele
repreende. Eu reconheço o aço em sua voz do julgamento da Comandante Jameson. “Eu
sou seu Eleitor.”
“E eu o coloquei lá,” Day estala de volta. “Tudo bem, você quer falar logicamente?
Joguemos. Se você não fizer um esforço maior para proteger os pobres, agora mesmo, eu
posso praticamente garantir que você vai ter uma revolta completa em suas mãos. Você
realmente quer isso, enquanto as Colônias estão atacando? Como você disse, você é o
Eleitor. Mas você não vai ser se o resto dos pobres do país ouvirem sobre como você está
lidando com isso, e mesmo eu não poderia ser capaz de impedi-los de iniciar uma
revolução. Eles já acham que a República está tentando me matar. Quanto tempo você
acha que a República pode se sustentar contra uma guerra tanto no exterior como no
interior?”
Anden se vira para a frente novamente. “Essa conversa acabou.” Como sempre,
a voz dele está perigosamente tranquila, mas podemos ouvir cada palavra.
Day solta uma maldição e despenca para trás em seu acento. Eu troco um olhar
com ele, em seguida, nego com minha cabeça. Day tem um ponto, é claro, assim como
Anden. O problema é que não temos tempo para todo este absurdo. Depois de um
momento de silêncio, eu me inclino para a frente, limpo a garganta, e tento uma alternativa.
“Nós devemos evacuar os pobres para os setores ricos”, eu digo. “Eles ainda
estarão acima do solo, mas os setores ricos estão situados no coração de Denver, e não ao
longo da Muralha onde a luta está acontecendo. É um plano falho, mas os pobres também
vão ver que nós estamos fazendo um esforço concentrado para protegê-los. Então, quando
as pessoas nos bunkers estiverem sendo evacuadas gradualmente para LA via metrôs
subterrâneos, teremos o tempo e o espaço para começar a filtrar todas as pessoas para o
subterrâneo também.”
Day murmura algo em voz baixa, mas, ao mesmo tempo, ele grunhe em
aprovação relutante. Ele me lança um olhar agradecido. “Soa como um plano melhor para
mim. Pelo menos as pessoas têm alguma coisa.” Um segundo depois, eu descubro o que foi
que ele murmurou. Você daria um Eleitor melhor do que esse idiota.
Anden permanece em silêncio por um momento enquanto considera minhas
palavras. Então, ele acena com a cabeça em concordância e pressiona um mão contra seu
ouvido. “Comandante Greene”, diz ele, em seguida, lança uma série de ordens.
Eu encontro os olhos de Day. Ele ainda parece chateado, mas, pelo menos, seus
olhos não estão queimando com raiva como estavam um segundo atrás. Ele volta sua
atenção para Lucy, que tem um braço envolto protetoramente em torno de Eden. Ele está
enrolado no canto do assento do jipe com as pernas dobradas e os braços em volta delas.
Ele aperta os olhos para a cena indefinida, mas eu não tenho certeza do quanto ele pode
realmente decifrar. Eu me atravesso por Day e toco o ombro do Eden. Ele fica tenso
imediatamente. “Está tudo bem, é June”, eu digo. “E não se preocupe. Nós vamos ficar bem,
me ouve?”
“Por que as Colônias romperam?” Eden pergunta, virando os olhos arregalados
em tons de roxo de mim para Day.
Eu engulo em seco. Nenhum de nós responde a ele. Finalmente, depois de ele
repetir a pergunta, Day se aproxima o abraçando e sussurra algo em seu ouvido. Eden se
estabelece contra o ombro do irmão. Ele ainda parece infeliz e com medo, mas o terror é,
pelo menos, moderado, e conseguimos terminar o resto do percurso sem dizer uma palavra.
Parece uma eternidade (na realidade a viagem leva apenas dois minutos e doze
segundos), mas finalmente chegamos a um prédio comum, perto do coração da baixa
Denver, um arranha-céus de trinta andares coberto com vigas de apoio cruzadas em todos
os seus quatro lados. Dezenas de patrulhas da cidade estão misturadas com multidões de
civis, organizando-os em grupos na entrada. Nosso motorista puxa o jipe até ao lado do
prédio, onde as patrulhas nos deixam passar pela porta com uma cerca improvisada.
Através da janela, vejo soldados baterem seus calcanhares juntos em rápidas saudações
quando nós passamos. Um deles está segurando Ollie em uma coleira. Eu fico aliviada ao
vê-lo. Quando o jipe para, dois deles abrem prontamente as portas para nós. Anden sai —
imediatamente ele é cercado por quatro capitães de patrulha, todos febrilmente o
atualizando — sobre a forma como a evacuação está indo. Meu cachorro puxa o soldado
freneticamente ao meu lado. Agradeço o soldado, assumo a coleira, e esfrego a cabeça de
Ollie. Ele está ofegante em aflição.
“Por aqui, Srta. Iparis”, o soldado que abre a porta, diz. Day segue atrás de mim
em um silêncio tenso, sua mão ainda segura firmemente em torno da de Eden. Lucy sai por
último. Eu olho por cima do ombro para onde Anden agora está em profunda conversa com
seus capitães — ele faz uma pausa para trocar um olhar rápido comigo. Seus olhos se
movem ao Eden. Eu sei que o pensamento que ele tem deve ser o mesmo pensamento que
atravessa a mente de Day: Mantenha Eden seguro. Concordo com a cabeça, sinalizando
para ele que eu entendo, e então nos movemos além de um grupo que espera ser evacuado
e o perco de vista.
Em vez de lidar com a formação de civis na entrada, os soldados nos
acompanham através de uma entrada separada e para baixo num conjunto sinuoso de
escadas, até chegar a um corredor mal iluminado, que termina em uma série de largas
portas duplas de aço. Os guardas de pé na entrada mudam a sua postura quando me
reconhecem.
“Por aqui, Srta. Iparis”, dizem eles. Um deles endurece à vista de Day, mas olha
rapidamente para longe quando Day encontra seu olhar. As portas se abrem para nós.
Somos recebidos por uma rajada de ar quente e úmido e uma cena de caos
ordenado. O lugar que entramos parece ser um enorme armazém (metade do tamanho de
um estádio das Provas, três dúzias de lâmpadas fluorescentes, e seis fileiras de vigas de
aço que revestem o teto), com um JumboTron solitário na parede esquerda explodindo
instruções para os evacuados de classe alta que movem-se ao nosso redor. Entre eles
estão um punhado de pessoas do setor podre (quatorze deles, para ser exata), aqueles que
devem ser as governantas e zeladores de algumas das casas do setor gema. Para minha
decepção, eu vejo soldados separando-os para uma fila diferente. Várias pessoas de classe
alta lançam olhares simpáticos, enquanto outros olham com desdém.
Day os vê também. “Acho que somos todos gerados iguais”, resmunga. Eu não
digo nada.
Algumas salas menores se alinham na parede direita. No outro extremo da sala,
o final de um vagão de trem repousa estacionado dentro de um túnel, e multidões de
ambos, soldados e civis se reúnem ao longo de suas duas plataformas. Os soldados estão
tentando organizar a multidão desorientada, pessoas assustadas no metrô. Aonde os levará,
só posso adivinhar.
Ao meu lado, Day observa a cena em silêncio, com olhos de raiva. Sua mão se
mantém em torno da de Eden. Gostaria de saber se ele está notando o vestuário
aristocrático que a maioria destes refugiados estão vestindo.
“Desculpe a bagunça”, uma guarda me diz enquanto ela nos acompanha em
direção a uma das salas menores. Ela bate na borda do boné educadamente. “Estamos nos
estágios iniciais de evacuações, e como você pode ver, a primeira leva ainda está em
andamento. Podemos colocá-la, bem como Day e sua família, na primeira leva também, se
você não se importa de descansar por um momento em uma suíte privada.”
Mariana e Serge já podem estar esperando em seus próprios quartos.
“Obrigada”, eu respondo. Nós passamos por várias portas, janelas largas e retangulares
revelando quartos vazios em branco com retratos de Anden pendurado em suas paredes.
Um par deles parecem que foram reservados para funcionários do alto escalão, enquanto
outros parecem prender as pessoas que devem ter causado problemas — detidos com
rostos carrancudos ladeados por pares de soldados. Um quarto que passamos detém várias
pessoas cercadas por guardas.
É esta sala que me faz pausar. Eu reconheço uma das pessoas lá dentro. Será
que realmente é ela? “Espere”, eu digo, me aproximo da janela. Nenhuma dúvida sobre
isso, eu vejo uma jovem com os olhos arregalados e um corte de cabelo curto bagunçado,
sentada em uma cadeira ao lado de um menino de olhos cinzentos e três outros que
parecem mais esfarrapados do que me lembro. Eu olho para a nossa soldado. “O que eles
estão fazendo lá?”
Day segue meu exemplo. Quando ele vê o que eu vejo, ele toma uma respiração
afiada. “Leve-nos lá dentro”, ele me sussurra. Sua voz adquire uma urgência desesperada.
“Por favor.”
“Estes são prisioneiros, Srta. Iparis”, responde a soldado, intrigada com o nosso
interesse. “Eu não recomendo—”
Eu aperto meus lábios. “Eu quero vê-los,” eu interrompo.
A soldado hesita, olha ao redor da sala, e depois balança a cabeça com
relutância. “Claro”, ela responde. Ela dá um passo em direção à porta e a abre, em seguida,
nos introduz dentro. Lucy fica lá fora segurando firmemente a mão de Eden. A porta se
fecha atrás de nós.
Eu encontro-me olhando diretamente para Tess e um punhado de Patriotas.
BEM, MALDIÇÃO. A ÚLTIMA VEZ QUE VI TESS, ela estava de pé no meio da
rua, perto de onde deveríamos assassinar Anden, os punhos cerrados e seu rosto
uma imagem quebrada. Ela parece diferente agora. Mais calma. Mais velha. Ela
também ficou um bom bocado mais alta, e seu rosto uma vez de bebê ficou mais fino.
Estranho de ver.
Ela e os outros estão todos algemados a cadeiras. A visão não ajuda o meu
humor. Eu reconheço um de seus companheiros de imediato, Pascao, o corredor de
pele escura, com uma cabeça de cachos curtos e os olhos cinzentos ridiculamente
pálidos. Ele não mudou muito, embora agora que estou perto o suficiente, eu posso
ver os vestígios de uma cicatriz em seu nariz e outra perto de sua têmpora direita. Ele
me pisca um sorriso branco brilhante que escorre sarcasmo. “É você, Day?”, Diz ele,
dando-me uma piscadela sedutora. “Ainda tão lindo como você sempre foi. Uniformes
da República ficam bem em você.”
Suas palavras picam. Eu viro meu olhar sobre os soldados montando
guarda sobre eles. “Por que diabos eles estão presos?”
Um deles inclina o nariz para mim. Com base em todas as malditas
condecorações em seu uniforme, ele deve ser o Capitão deste grupo ou algo assim.
“Eles são ex Patriotas”, diz ele, enfatizando a última palavra como se ele estivesse
tentando dar um soco em mim. “Nós os pegamos ao longo dos limites da Muralha,
onde eles estavam tentando desativar o nosso equipamento militar e ajudar as
Colônias.”
Pascao muda indignado em sua cadeira. “Besteira, você é cego cara”, ele
estala. “Nós estávamos acampados ao longo da Muralha, porque estávamos tentando
ajudar seus soldados feridos. Talvez não devêssemos ter incomodado.”
Tess me olha com um olhar desconfiado do qual ela nunca usou comigo
antes. Seus braços parecem tão pequenos e finos com essas algemas gigantes
apertadas em torno de seus pulsos. Eu cerro os dentes; meu olhar cai para as armas
nos cintos dos soldados. Sem movimentos bruscos, eu me lembro. Não em torno
desses idiotas com gatilho fácil. Do canto do meu olho, eu noto que um dos outros
tem um sangramento no ombro. “Deixe-os ir”, eu digo ao soldado. “Eles não são o
inimigo.”
O soldado olha para mim com desprezo frio. “Absolutamente não. Nossas
ordens eram para detê-los, até que—”
Ao meu lado, June levanta o queixo. “Ordens de quem?”
A bravura do soldado oscila um pouco. “Srta. Iparis, minhas ordens vieram
diretamente do glorioso próprio Eleitor.” Suas bochechas ruborizam quando ele vê
June estreitar seus olhos, e então ele começa tagarelando algo sobre a sua viagem de
serviço ao redor da Muralha e quão intensa a batalha tem sido. Eu passo mais perto
de Tess e me inclino para baixo até que estamos no mesmo nível dos olhos. Os
guardas mudam suas armas, mas June estala um aviso para eles pararem.
“Você voltou”, eu sussurro para Tess.
Mesmo que Tess ainda olhe desconfiado, algo suaviza em seus olhos.
“Sim”.
“Por quê?”
Tess hesita. Ela olha para Pascao, que vira seus olhos cinzentos
surpreendentes totalmente em mim. “Voltamos”, ele responde, “porque Tess o ouviu
chamando por nós.”
Eles me ouviram. Todas essas transmissões de rádio que eu estava
enviando por meses e meses não tinham acabado perdidas em algum lugar no
escuro, de alguma forma, eles me ouviram. Tess engole em seco antes de trabalhar
coragem suficiente para falar. “Frankie pegou pela primeira vez nas ondas do rádio há
alguns meses”, diz ela, apontando para uma menina de cabelos encaracolados
amarrada a uma das cadeiras. “Ela disse que você estava tentando entrar em contato
conosco.” Tess abaixa os olhos. “Eu não queria responder. Mas então eu ouvi sobre a
sua doença… e…”
Então. A notícia tem definitivamente chegado ao redor.
“Ei,” Pascao interrompe quando ele pega a minha expressão. “Nós não
voltamos para a República só porque nós sentimos muito por você. Nós ouvimos as
notícias que chegaram sobre você e as Colônias. Ouvimos sobre a ameaça de
guerra.”
“E você decidiu vir em nosso auxílio?” June salta. Seu olhar desconfiado.
“Por que tão generosos de repente?”
O sorriso sarcástico de Pascao desaparece. Ele considera June, com uma
inclinação de cabeça. “Você é June Iparis, não é?”
O Capitão começa a dizer-lhe para cumprimentar June, em uma forma mais
formal, mas June apenas balança a cabeça.
“Então você é a pessoa que sabotou os nossos planos e dividiu nossa
equipe.” Pascao encolhe os ombros. “Sem ressentimentos, não que, você sabe, eu
fosse um grande fã de Razor ou qualquer coisa.”
“Por que você está de volta ao país?” Repete June.
“Ok, tudo bem. Fomos expulsos do Canadá.” Pascao respira fundo. “Nós
estávamos nos escondendo lá depois que tudo se desfez durante o…” ele faz uma
pausa para olhar para os soldados em torno deles “o, ah, você sabe. Nosso encontro
com Anden. Mas, então, os canadenses descobriram que não deveríamos estar em
seu país, e nós tivemos que fugir de volta para o sul. Muitos de nós foram espalhados
aos ventos. Eu não sei onde metade do nosso grupo original está agora, as chances
são de que alguns deles ainda estejam no Canadá. Quando a notícia sobre Day
estourou, a pequena Tess aqui perguntou se ela poderia nos deixar e voltar para
Denver por conta própria. Eu não queria que ela, bem, morresse, por isso viemos
junto.” Pascao olha para baixo por um momento. Ele não parava de falar, mas posso
dizer que ele está apenas balbuciando neste momento, tentando nos dar qualquer
razão, menos a sua principal. “Com as Colônias invadindo, eu pensei que, se nós
tentássemos ajudar como um reforço na guerra, então talvez pudéssemos obter um
perdão e permissão para permanecer no país, mas sei que o seu Eleitor,
provavelmente, não é o nosso maior—”
“O que é isso tudo?”
Todos nós nos viramos com a voz, justo quando os soldados na sala
estalam em continências. Levanto-me da minha posição para ver Anden parado na
porta com um grupo de guarda-costas atrás, seus olhos escuros e ameaçadores, seu
olhar fixo primeiro em June e em mim e, em seguida, sobre os Patriotas. Mesmo que
não faça tanto tempo desde que ele ficou para trás para falar com seus generais, ele
tem uma fina camada de poeira sobre os ombros de seu uniforme, e seu rosto parece
sombrio. O Capitão que estava falando com a gente antes agora limpa a garganta
nervosamente. “Minhas desculpas, Eleitor”, ele começa, “mas esses criminosos
foram detidos perto da Muralha—”
Nisso, June cruza os braços. “Então, eu estou supondo que não foi você
quem aprovou isso, Eleitor?”, Diz ela para Anden. Há uma margem em sua voz que
me diz que ela e Anden não estão no melhor dos termos agora.
Anden observa à cena. Nossa discussão na viagem de carro provavelmente
ainda está estufando em sua mente, mas ele não se incomoda olhando na minha
direção. Bem, bem. Talvez eu tenha lhe dado algo para se pensar. Finalmente, ele
acena com a cabeça para o Capitão. “Quem são eles?”
“Ex Patriotas, senhor.”
“Eu vejo. Quem ordenou isso?”
O Capitão fica vermelho. “Bem, Eleitor…”, responde ele, tentando parecer
oficial, “meu comandante-”
Mas Anden já voltou sua atenção para longe do Capitão mentiroso e
começa a sair da sala. “Tire essas algemas fora deles”, diz ele, sem olhar para trás.
“Os mantenha aqui, por agora, e depois leve-os com o último grupo. Os vigie com
cuidado.” Ele faz um gesto para nós o seguir. “Srta. Iparis. Sr. Wing. Por favor.”
Eu olho para trás mais uma vez a Tess, que está assistindo os soldados
soltarem as algemas de seus pulsos. Então eu saio com June. Eden corre para mim,
quase colidindo comigo em sua pressa, e coloca a mão na minha.
Anden nos para diante de um grupo de soldados da República. Eu franzo a
testa com a visão. Quatro dos soldados estão ajoelhados no chão, com as mãos na
cabeça. Seus olhos permanecem baixos. Um chora silenciosamente.
Os demais soldados do grupo têm suas armas apontadas para os soldados
ajoelhados. O soldado responsável aborda Anden. “Estes são os guardas que
estavam a cargo da Comandante Jameson e Capitão Bryant. Encontramos uma
comunicação suspeita entre um deles e as Colônias”.
Não admira que ele nos trouxe aqui, para ver os rostos de nossos
potenciais traidores. Eu olho para os guardas capturados. O que chora, olha para
Anden com olhos suplicantes. “Por favor, Eleitor”, ele implora. “Eu não tive nada a ver
com a fuga. Eu… eu não sei como isso aconteceu. Eu—” Suas palavras cortadas
quando o cano de uma arma é golpeada em sua cabeça.
O rosto de Anden, normalmente pensativo e reservado, se torna frio. Eu
olho para os soldados ajoelhados de costas para ele. Ele está em silêncio por um
momento. Então, ele acena para seus homens. “Os interrogue. Se eles não
cooperarem, mate-os. Espalhe a palavra para o resto das tropas. Que seja uma lição
para todos os outros traidores dentro de nossas fileiras. Deixe-os saber que vamos
cortá-los pela raiz.”
Os soldados batem as armas em seus calcanhares. “Sim, senhor.” Eles
colocam os traidores acusados de pé. Uma sensação de enjoo bate no meu
estômago. Mas Anden não retira suas palavras, em vez disso, ele observa enquanto
os soldados são arrastados, gritando e implorando, para fora do bunker. June parece
afetada. Seus olhos seguem os prisioneiros.
Anden gira em torno de nós com uma expressão grave. “As Colônias têm
ajuda.”
Um baque surdo ecoa em algum lugar acima de nós, o chão e o teto tremem
em resposta. June observa Anden mais de perto, como se o analisando. “Que tipo de
ajuda?”
“Eu vi os seus esquadrões no ar, à direita além da Armadura. Eles não eram
todos jatos das Colônias. Alguns deles tinham estrelas africanas pintadas em seus
lados. Meus generais me disseram que as Colônias estão confiantes o suficiente para
ter estacionado um dirigível e um esquadrão de aviões a menos de um quilômetro da
nossa Armadura, criaram uma pista de pouso improvisada. Eles estão preparando um
outro ataque.”
Minha mão aperta em torno da de Eden. Ele aperta os olhos para o enxame
de refugiados lotando o metrô, mas ele provavelmente não pode ver nada mais do que
uma massa de borrões em movimento. Eu gostaria de poder tirar esse olhar
assustado do seu rosto. “Quanto tempo Denver vai aguentar?” Eu pergunto.
“Eu não sei”, responde Anden severamente. “A Armadura é forte, mas nós
não podemos lutar contra uma superpotência por muito tempo.”
“Então o que vamos fazer agora?”, Diz June. “Se não podemos segurá-los
sozinhos, então estamos indo só para perder esta guerra?”
Anden balança a cabeça. “Precisamos de ajuda também. Eu estou indo para
obter-nos uma audiência com as Nações Unidas ou com a Antártida, ver se eles estão
dispostos a reforçar as tropas. Eles podem nos comprar tempo suficiente para…” Ele
olha para o meu irmão, calmo e tranquilo ao meu lado. Uma pontada de culpa e raiva
me bate. Eu estreito meus olhos para Anden — minha mão mais apertada no braço do
meu irmão. Eden não deve ter que estar no meio disso. Eu não deveria ter que
escolher entre perder o meu irmão e perder este maldito país.
“Espero que isso não chegue a esse ponto”, eu digo.
Quando ele e June se lançam em uma conversa profunda sobre a Antártida,
eu olho para trás na sala onde Tess e os Patriotas estão sendo mantidos. Através da
janela, posso ver Tess tendo cuidado com a menina com o ombro sangrando
enquanto os soldados olham com expressões inquietas. Não sei por que todos esses
assassinos treinados devem ter medo de uma menina armada com um punhado de
ataduras e álcool. Eu tremo quando penso na maneira como Anden ordenou que os
soldados acusados saíssem do bunker e fossem mortos. Pascao parece frustrado, e
por um momento, ele reconhece o meu olhar através do vidro. Mesmo que ele não
mova a boca, eu posso dizer o que ele está pensando.
Ele sabe que, prender os Patriotas dentro de uma sala durante o meio de
uma batalha, enquanto os civis e soldados estão sendo mortos na superfície, é um
desperdício total.
“Eleitor”, de repente eu digo, voltando-me para enfrentar Anden e June. Ele
faz uma pausa para olhar para mim.
“Deixe-os sair deste bunker.” Quando Anden fica em silêncio, obrigando-me
a seguir em frente, eu acrescento: “Eles podem ajudar reforçando lá em cima. Aposto
que eles podem jogar o jogo de guerrilha melhor do que qualquer um de seus
soldados, e uma vez que você não irá evacuar os setores pobres por um tempo, você
pode precisar de toda a ajuda que puder conseguir.”
June não diz nada sobre o meu pequeno golpe, mas Anden cruza os braços
sobre o peito.
“Day, eu perdoou os Patriotas como parte do nosso acordo original, mas eu
não me esqueci da minha história difícil com eles. Ainda que eu não queira ver os
seus amigos como prisioneiros acorrentados, não tenho nenhuma razão para
acreditar que agora irão ajudar um país que eles têm aterrorizado por tanto tempo.”
“Eles são inofensivos”, eu insisto. “Eles não têm razão para lutar contra a
República.”
“Três prisioneiros no corredor da morte acabaram de escapar”, Anden
pressiona. “As Colônias lançaram um ataque surpresa a nossa capital. E agora os
meus supostos assassinos estão sentados a uma dezena de metros de mim. Eu não
estou no clima mais clemente.”
“Eu estou tentando ajudá-lo,” eu atiro de volta. “Você acabou de pegar seus
traidores, de qualquer maneira, não é? Você realmente acha que os Patriotas tinham
alguma coisa a ver com a fuga da Comandante Jameson? Especialmente quando ela
os jogou para os cães? Você acha que eu gosto da ideia de que os assassinos de
minha mãe estejam à solta agora? Liberte os Patriotas, e eles vão lutar por você.”
Anden estreita os olhos. “O que faz você pensar que eles são tão leais à
República?”
“Deixe-me levá-los”, eu digo. Eden sacode a cabeça para mim, surpreso. “E
você vai ter a sua lealdade.” June me lança um olhar de advertência — eu respiro
fundo, engulo a minha frustração, e me acalmo. Ela está certa. Não adianta ficar com
raiva de Anden se eu precisar dele ao meu lado.
“Por favor”, eu acrescento, em voz baixa. “Deixe-me ajudar. Você tem que
confiar em alguém. Não basta deixar as pessoas lá fora para morrer.”
Anden estuda meu rosto por um longo momento, e com um calafrio, eu
percebo o quanto ele se parece com o pai. A semelhança está lá apenas por um
instante, em seguida ela logo desaparece, substituída pelo severo, olhar preocupado
de Anden. Como se, de repente ele se lembrasse de quem somos. Ele suspira
profundamente e aperta os lábios. “Deixe-me saber qual é o seu plano”, ele finalmente
diz. “E nós vamos ver. Nesse meio tempo, eu sugiro que você coloque o seu irmão em
um metrô.” Quando ele vê a minha expressão, ele acrescenta: “Ele estará seguro até
que você se junte a ele. Você tem a minha palavra.”
Em seguida, ele se afasta e propõe a June que o acompanhe. Eu deixo
minha respiração sair enquanto eu assisto um soldado levar ele e June em direção a
um grupo de generais. June olha por cima do ombro para mim enquanto eles vão. Sei
que ela está pensando a mesma coisa que eu. Ela está preocupada com o que esta
guerra está fazendo para Anden. O que ele está fazendo para todos nós.
Lucy interrompe meus pensamentos. “Talvez devêssemos colocar seu
irmão no trem de evacuação”, diz ela. Ela me dá um olhar simpático.
“Certo.” Eu olho para baixo em Eden e aperto seu ombro. Eu tento o meu
melhor para ter fé na promessa do Eleitor. “Vamos até o trem e obter os detalhes
sobre como tirá-lo daqui.”
“E você?” Eden pergunta. “Você realmente vai liderar algum tipo de
ataque?”
“Eu vou encontrar com você em Los Angeles. Eu juro.”
Eden não faz nem um som quando nos encaminhamos para a plataforma do
trem e deixamos os soldados nos escoltar para a frente. Sua expressão se torna séria
e mal-humorada. Quando finalmente estamos na frente da porta de vidro fechado do
trem, eu abaixo até o seu nível dos olhos. “Olha, me desculpe por eu não ir com você
imediatamente. Eu preciso ficar aqui e ajudar, tudo bem? Lucy vai com você. Ela vai
mantê-lo seguro. Vou me juntar com você em breve…”
“Sim, está bem,” Eden resmunga.
“Oh”. Pigarreio. Eden está doente e indisposto e, de vez em quando,
desagradável, mas ele raramente está com raiva assim. Mesmo depois de sua
cegueira, ele ficou otimista. Assim, sua franqueza me derruba. “Bem, isso é bom”, eu
decido responder. “Estou feliz por você-”
“Você está escondendo algo de mim, Daniel”, ele interrompe. “Eu posso
dizer. O que é?”
Faço uma pausa. “Não, não estou.”
“Você é um péssimo mentiroso.” Eden puxa-se para fora do meu alcance e
franze a testa. “Se é alguma coisa. Eu podia ouvi-la na voz do Eleitor, e então você
disse aquela coisa estranha para mim no outro dia, sobre como você estava com
medo que os soldados da República viessem bater à nossa porta… Por que eles
fariam isso de repente? Eu pensei que estava tudo bem agora.”
Eu suspiro e curvo minha cabeça. Os olhos de Eden amolecem um pouco,
mas sua mandíbula fica firme. “O que é?”, Ele repete.
Ele tem 11 anos de idade. Ele merece saber a verdade.
“A República quer você de volta para experimentação”, eu respondo,
mantendo minha voz baixa, de modo que só ele pode me ouvir. “Há um vírus se
espalhando nas Colônias. Eles acham que você tem o antídoto em seu sangue. Eles
querem levá-lo para os laboratórios.”
Eden olha na minha direção por um longo tempo, em silêncio. Acima de
nós, outro baque surdo treme a terra. Eu me pergunto o quão bem a Armadura pode
aguentar. Segundos se arrastam. Finalmente, eu coloco a mão em seu braço. “Eu não
vou deixá-los levá-lo embora”, eu digo, tentando tranquilizá-lo. “Tudo bem? Você vai
ficar bem. Anden — o Eleitor — sabe que não pode levá-lo para longe, sem arriscar
uma revolução entre as pessoas. Ele não pode fazer isso sem a minha permissão.”
“Todas essas pessoas nas Colônias vão morrer, não vão?” Murmura Eden
sob sua respiração. “Aqueles com o vírus?”
Hesito. Eu nunca me atrevi a perguntar sobre quais eram exatamente os
sintomas da peste. Eu parei de ouvir no instante em que mencionaram o meu irmão.
“Eu não sei”, eu confesso.
“E então logo vai se espalhar para a República.” Eden vira a cabeça para
baixo e torce as mãos. “Talvez esteja se espalhando agora. Se ocupar a capital, a
doença vai se espalhar. Não é?”
“Eu não sei”, eu repito.
Os olhos de Eden procuram meu rosto. Mesmo que ele seja quase cego, eu
posso ver a tristeza neles. “Você não tem que tomar todas as minhas decisões, você
sabe.”
“Eu não acho que eu estive fazendo. Você não quer ir para LA? É mais
seguro lá, e eu lhe disse – eu estarei com você lá. Eu prometo.”
“Não, não é isso. Por que você decidiu manter isso em segredo?”
É por isso que ele está chateado? “Você está brincando, certo?”
“Por quê?” Eden pressiona.
“Você estaria de acordo?” Eu me aproximo dele, então olho em volta para
os soldados e refugiados e diminuo a minha voz. “Eu sei que eu declarei o meu apoio
para Anden, mas isso não significa que eu esqueci o que a República fez com a nossa
família. Para você. Quando eu vi você ficar doente, quando as patrulhas da peste
vieram à nossa porta e o arrastaram nessa maca, com sangue escurecendo seus
olhos…” Faço uma pausa, fecho meus olhos, e apago a cena. Eu joguei na minha
cabeça um milhão de vezes; não há necessidade de revisitá-la novamente. A memória
faz com que a dor incendeie a parte de trás da minha cabeça.
“Você não acha que eu sei disso?” Eden dispara de volta, em voz baixa,
desafiador. “Você é meu irmão, não a nossa mãe.”
Eu estreito meus olhos. “Eu sou agora.”
“Não, você não é. Mamãe está morta.” Eden respira fundo. “Eu me lembro o
que a República fez com a gente. Claro que sim. Mas as Colônias estão invadindo. Eu
quero ajudar.”
Eu não posso acreditar que Eden me disse isso. Ele não entende o quão
longe a República irá para conseguir isso — ele realmente tem esquecido as suas
experiências? Eu me inclino para a frente e coloco minha mão em seu pequeno pulso.
“Isso poderia matá-lo. Você percebe isso? E poderiam nem mesmo
encontrar a cura através do seu sangue.”
Eden se afasta de mim novamente. “É a minha decisão. Não a sua.”
Suas palavras ecoam as de June mais cedo. “Tudo bem”, eu agarro. “Então,
qual é a sua decisão, garoto?”
Ele se fortalece. “Talvez eu queira ajudar.”
“Você tem que estar brincando comigo. Você quer ajudá-los? Você está
apenas fazendo isso para ir contra o que estou dizendo?”
“Estou falando sério.”
Um caroço sobe na minha garganta. “Eden”, eu começo, “nós perdemos
mamãe e John. Papai está desaparecido. Você é tudo que me resta. Eu não posso dar
ao luxo de perdê-lo também. Tudo o que eu fiz até agora, eu fiz para você. Eu não vou
deixar você arriscar sua vida para salvar a República, ou as Colônias”.
O desafio desaparece dos olhos de Eden. Ele apoia os braços no corrimão e
inclina a cabeça contra suas mãos. “Se há uma coisa que eu sei sobre você”, diz ele,
“é que você não é egoísta.”
Faço uma pausa. Egoísta. Eu sou egoísta, eu quero que Eden fique
protegido, fora de perigo e não me importa o que ele pensa sobre isso. Mas em suas
palavras, a minha culpa borbulha. Quantas vezes tinha John tentado me manter longe
de problemas? Quantas vezes ele me alertou por mexer com a República, ou por
tentar encontrar uma cura para o Eden? Eu nunca tinha ouvido, e eu não me
arrependo. Eden me encara com olhos cegos, uma deficiência que a República
entregou a ele. E agora ele está oferecendo a si mesmo, um cordeiro de sacrifício para
a matança, e eu não consigo entender o porquê.
Não. Eu entendo. Ele é como eu — ele está fazendo o que eu teria feito.
Mas o pensamento de perdê-lo é demais para suportar. Eu coloco minha
mão em seu ombro e começo a levá-lo para dentro. “Chegue a LA primeiro. Falaremos
sobre isso mais tarde. É melhor você pensar sobre isso, porque se você se
voluntariar para esta—”
“Eu vou pensar nisso”, responde Eden. Em seguida, ele puxa para fora do
meu alcance e recua através do portão da embarque. “E além disso, se eles vieram
para mim, você realmente acha que podemos detê-los?”
E então, chega sua hora de entrar. Lucy o ajuda a pisar no metrô, e eu
seguro sua mão por um breve momento antes de o deixar ir. Apesar de quão chateado
ele parece estar, Eden ainda aperta a minha mão com força. “Apresse-se, está bem?”
Ele me diz. Sem aviso, ele joga os braços em volta do meu pescoço. Ao lado dele,
Lucy me dá um de seus sorrisos tranquilizadores.
“Não se preocupe, Daniel”, diz ela. “Eu vou vigiá-lo como um falcão.”
Eu aceno com gratidão para ela. Então eu abraço apertado Eden, espremo
os olhos fechados, e respiro fundo.
“Vejo você em breve, garoto”, eu sussurro. Então eu relutantemente
desembaraço seus dedos dos meus. Eden desaparece para o metrô. Momentos
depois, o trem se afasta da estação e leva a primeira onda de refugiados em direção a
costa oeste da República, deixando apenas as palavras de Eden para trás, tocando
em minha mente.
Talvez eu queira ajudar.
Sento-me sozinho por algum tempo depois da saída do metrô, perdido em
meus pensamentos, repassando essas palavras repetidamente. Eu sou seu guardião,
agora eu tenho todo o direito de evitar que ele sofra algum dano, e inferno, se eu
voltar a vê-lo nos laboratórios da República depois de tudo que eu fiz para impedi-lo
de estar lá. Eu fecho meus olhos e enterro minhas mãos no meu cabelo.
Depois de um tempo, eu faço o meu caminho de volta para a sala onde os
Patriotas estão sendo mantidos. A porta está aberta. Quando eu entro, Pascao sai
esticando seus braços e Tess olha para cima de onde ela está terminando a
bandagem de ombro da garota ferida.
“Então,” eu digo a eles, meus olhos demorando em Tess. “Vocês vieram
para a cidade para dar as Colônias algum inferno?” Tess deixa cair seu olhar.
Pascao encolhe os ombros. “Bem, não importará se ninguém nos deixa
voltar lá para cima. Por quê? Você tem alguma coisa em mente?”
“O Eleitor deu a sua permissão”, eu respondo. “Enquanto eu estiver no
comando, ele acha que vamos ser bons o suficiente para não nos voltarmos contra a
República.” Que medo estúpido, de qualquer maneira. Eles ainda têm o meu irmão,
não é?
Um lento sorriso se espalha no rosto de Pascao. “Bem. Isso soa como se
pudesse ser divertido. O que você tem em mente?”
Eu coloco minhas mãos em nos bolsos e coloco minha máscara arrogante
novamente. “O que eu sempre fui bom.”
51,5 HORAS DESDE A MINHA CONVERSA FINAL COM THOMAS.
15 HORAS DESDE QUE EU VI DAY PELA ÚLTIMA VEZ.
8 HORAS DESDE QUE O BOMBARDEIO DAS COLÔNIAS NA MURALHA DE
DENVER DEU UMA TRÉGUA.
ESTAMOS NO AVIÃO DO ELEITOR INDO PARA A CIDADE DE ROSS,
ANTÁRTIDA.
Sento-me em frente a Anden. Ollie está deitado aos meus pés. Os outros dois
Príncipes Eleitos estão em um compartimento adjacente, separados de nós por um vidro
(1,00 m × 2,00 m, à prova de balas, selo da República esculpido no lado de frente para mim,
a julgar a partir das bordas do corte). Fora da janela, o céu é azul brilhante e um cobertor de
nuvens ao fundo do nosso ponto de vista. A qualquer momento, devemos sentir o avião
mergulhar e ver a expansão da metrópole Antártida entrar em exibição.
Eu fiquei em silêncio pela maior parte da viagem, escutando enquanto Anden
recebe um fluxo de chamadas intermináveis de Denver sobre a batalha. Somente quando
estamos quase sobre as águas da Antártida que ele finalmente se cala. Eu vejo como a luz
brinca com suas feições, contornando o rosto jovem que mantém tais pensamentos
cansados do mundo.
“Qual é a história entre nós e a Antártida?” Pergunto depois de um tempo. O que
eu realmente quero dizer é, você acha que eles vão nos ajudar?' mas essa questão é
apenas conversa fiada, impossível de responder e, portanto, inútil para perguntar.
Anden para de olhar para a janela e fixa os olhos verdes brilhantes em mim.
“Antártida nos dará ajuda. Temos tido ajuda internacional a partir deles por décadas. A nossa
própria economia não é forte o suficiente para ficar em sua própria.”
Isso ainda me perturba, que a nação, uma vez que acredita ser tão poderosa, na
realidade, está lutando pela sobrevivência. “E qual é a nossa relação com eles agora?”
Anden mantém seu olhar constantemente em mim. Eu posso ver a tensão em
seus olhos, mas seu rosto continua composto. “A Antártida prometeu duplicar a sua ajuda
se pudermos elaborar um tratado que faça com que as Colônias falem com a gente de novo.
E eles ameaçaram reduzir para metade a sua ajuda, se não tivermos um tratado até o final
deste ano.” Ele faz uma pausa. “Então, nós estamos visitando-os não só para pedir ajuda,
mas para tentar convencê-los a não reter a sua ajuda.”
Temos que explicar por que tudo desmoronou. Eu engulo. “Por que Antártida?”
“Eles têm uma longa rivalidade com a África”, Anden responde. “Se alguém com
poder vai nos ajudar a vencer a guerra contra as Colônias e a África, serão eles.” Ele se
inclina para a frente e repousa os cotovelos sobre os joelhos. Suas mãos enluvadas estão a
um pé longe de minhas pernas. “Vamos ver o que acontece. Devemos-lhes muito dinheiro, e
eles não têm estado felizes com a gente nos últimos anos.”
“Alguma vez, você já viu o Presidente em pessoa?”
“Algumas vezes eu o visitei com meu pai”, Anden responde. Ele me oferece um
sorriso torto que envia vibrações inesperadas através do meu estômago. “Ele era
encantador durante as reuniões. Você acha que eu tenho alguma chance?”
Eu sorrio de volta. Eu posso sentir o duplo sentido na sua pergunta, ele não está
falando apenas sobre a Antártida. “Você é carismático, se é isso que você está
perguntando,” eu decido dizer.
Anden ri um pouco. O som me aquece. Ele olha para o lado e abaixa os olhos.
“Eu não tenho sido muito bem-sucedido em qualquer encanto ultimamente”, ele murmura.
O avião mergulha. Eu viro minha atenção para a janela e respiro fundo, lutando
contra o rosa subindo nas minhas bochechas.
As nuvens crescem mais perto à medida que descemos, e logo estamos envoltos
em um turbilhão de névoa cinzenta; depois de alguns minutos saímos do centro para ver um
trecho enorme de terra coberta por uma densa camada de arranha-céus que vêm em uma
variedade selvagem de cores brilhantes. Prendo minha respiração com a visão. Um olhar é
tudo que eu preciso para confirmar quanta diferença tecnológica e econômica existe entre a
República e a Antártida. Uma fina e transparente cúpula se estende em toda a cidade, mas
nós passamos através dela tão facilmente como nós passamos através das nuvens. Cada
edifício parece ter a capacidade de mudar de cor por um capricho (dois já passaram de um
verde pastel para um azul profundo, e um muda de dourado para branco), e cada edifício
parece novo, polido e sem falhas de uma forma que muito poucos edifícios da República
são. Enormes pontes elegantes conectam muitos dos arranha-céus, um brilhante branco
sob o sol, cada um ligando o piso de um edifício para o seu edifício adjacente, formando
uma colmeia de marfim. As pontes superiores têm plataformas redondas em seus centros.
Quando eu olho mais perto, vejo o que parece aeronaves estacionadas nas plataformas.
(Outra esquisitice: Todos os arranha-céus têm enormes hologramas prateados de números
flutuando sobre seus telhados, cada um variando entre zero e trinta mil. Eu franzo o cenho.
Estão sendo transmitidos a partir de uma luz em cada telhado? Talvez isso signifique a
população que vive em cada arranha-céu, embora se fosse esse o caso, trinta mil parece
um teto relativamente baixo, dado ao tamanho de cada edifício.)
A voz do nosso piloto ressoa pelo interfone para nos informar sobre o nosso
pouso. Enquanto os edifícios coloridos docemente preenchem todo o nosso ponto de vista,
nós pousamos em uma das plataformas das pontes. Lá embaixo, eu vejo as pessoas
correndo para se preparar para o pouso do nosso jato. Quando estamos finalmente
pairando sobre a plataforma, uma sacudida brusca nos tira de nossos lugares. Ollie levanta
a cabeça e late.
“Estamos magneticamente ancorados agora”, Anden me diz quando vê minha
expressão de espanto. “De agora em diante, o nosso piloto não precisa fazer nada. A
plataforma em si vai puxar-nos para baixo para a aterrizagem.”
Descemos tão suavemente que eu não sinto nada. À medida que saio do avião,
com a nossa comitiva de Senadores e guardas, fico surpreendida primeiro pela temperatura
de fora. Uma brisa fresca, o calor do sol. Não estamos no extremo da terra? (Vinte e dois
graus é a minha suposição, vento sudoeste, uma brisa surpreendentemente leve,
considerando o quão alto a partir do nível do solo estamos.) Então eu me lembro, a cúpula
sem substância pela qual passamos. Pode ser uma maneira da Antártida controlar o clima
em suas cidades.
Em segundo lugar, sou surpreendida ao ver-nos imediatamente sendo levados a
uma tenda de plástico por uma equipe de pessoas com roupas brancas de risco biológico e
máscaras de gás. (A notícia da praga das Colônias deve ter se espalhado aqui.) Um deles
inspeciona rapidamente os olhos, nariz, boca e ouvidos, e em seguida, passa uma luz verde
brilhante em todo o meu corpo. Eu espero em silêncio tenso enquanto a pessoa (homem ou
mulher? eu não posso ter certeza) analisa a leitura em um dispositivo portátil. Do canto do
meu olho, eu posso ver Anden sofrer os mesmos testes—ser o Eleitor da República
aparentemente não dispensa estar possivelmente contaminado com peste. Demora uns
bons dez minutos antes de sermos todos liberados para entrar e levados para fora da tenda.
Anden cumprimenta três pessoas (cada um vestido, respectivamente, com um
terno verde, preto e azul, cortado em um estilo desconhecido) esperando por nós na ponte
de desembarque com alguns guardas. “Eu espero que o seu voo tenha corrido bem”, diz um
deles enquanto Mariana, Serge e eu nos aproximamos. Ela nos recebe em Inglês, mas o
sotaque dela é grosso e exuberante. “Se preferir, podemos enviar-lhes para casa em um
dos nossos jatos”.
A República dificilmente é perfeita, o que eu sei há muito tempo e, certamente,
desde que conheci Day. Mas as palavras da mulher Antártida foram tão arrogantes que eu
me sinto irritada. Aparentemente, nossos jatos da República não são bons o suficiente para
eles. Eu olho para Anden para ver qual será sua reação, mas ele simplesmente abaixa a
cabeça e oferece um belo sorriso para a mulher. “Gracias, Lady Medina. Você é sempre tão
gentil”, ele responde. “Estou muito grato por sua oferta, mas eu certamente não quero
abusar. Nós gerenciaremos.
Eu não posso deixar de admirar Anden. Todos os dias, vejo novas evidências da
carga que ele leva.
Depois de alguma discussão, eu relutantemente deixo um dos guardas levar Ollie
ao quarto do hotel onde eu vou ficar. Então, todos nós caímos em uma procissão silenciosa
enquanto somos levados para fora da plataforma e ao longo da ponte que conecta o prédio
de cor escarlate, embora eu não tenha certeza se é em honra de nosso pouso. Eu faço
questão de andar perto da borda da ponte, para que eu possa olhar para a cidade. Pela
primeira vez, me leva um tempo para contar os andares (com base nas pontes ramificando-
se a partir de cada andar, este edifício tem mais de três centenas de andares, cerca de
trezentos e vinte e sete, embora, eventualmente, eu olho para longe para afastar uma
sensação de vertigem). A luz do sol banha os andares mais altos, mas os andares mais
baixos também estão iluminados, devem ter simulando a luz solar para os que andam ao
nível do solo. Eu assisto Anden e Lady Medina conversar e rir como se fossem velhos
amigos. Anden parece tão interessado que eu não posso dizer se ele realmente gosta da
mulher ou se ele está simplesmente fazendo o papel de um político agradável.
Aparentemente nosso último Eleitor pelo menos treinou seu filho bem nas relações
internacionais.
A entrada da ponte do edifício, um arco emoldurado com redemoinhos
esculpidos, desliza aberto para nos receber. Nós paramos em um lobby ricamente decorado
(tapete marfim grosso que, ao meu fascínio, irrompe com redemoinhos da cor onde quer
que eu pise, fileiras de palmeiras em vasos, uma parede de vidro curvo exibindo anúncios
luminosos e que parecem ser as estações interativas para coisas que eu não entendo). À
medida que caminhamos, eles a cada um de nós um fino par de óculos. Anden e muitos dos
Senadores imediatamente os colocam como se eles estivessem acostumados a esse ritual,
mas os Antarticanos explicam os óculos de qualquer maneira. Eu me pergunto se eles
sabem quem eu sou, ou se eles se importam. Eles certamente perceberam minha
perplexidade com os óculos.
“Mantenham isso durante a sua visita,” Lady Medina nos diz com seu rico
sotaque, embora eu saiba que suas palavras são dirigidas a mim. “Eles vão ajudar você a
ver Ross City como ela realmente é.” Intrigado, eu coloco os óculos.
Eu pisco, surpresa. A primeira coisa que eu sinto é uma sutil cócega em meus
ouvidos, e a primeira coisa que eu vejo são os números pequenos, brilhantes pairando
sobre as cabeças de cada um dos Antarticanos. Lady Medina tem 28.627: nível 29,
enquanto seus dois companheiros (que ainda não emitiram um som) têm, respectivamente,
8.819: nível 11 e 11.201: Nível 13. Quando eu olho em volta do lobby, eu vejo todos os tipos
de números virtuais e palavras, a planta bulbosa verde no canto tem água: +1 pairando
sobre ela, enquanto limpa: +1 flutua sobre um escuro meio círculo, ao lado de uma mesa.
No canto dos meus óculos, eu vejo pequenas, palavras brilhantes:
JUNE IPARIS
3ª PRÍNCESA ELEITA
REPÚBLICA DA AMÉRICA
NÍVEL 1
SETEMBRO 22.2132
PONTUAÇÃO DIÁRIA: 0
PONTUAÇÃO ACUMULADA: 0
Nós começamos a andar novamente. Nenhum dos outros parecem
particularmente preocupado com o ataque de texto virtual e números colocados sobre o
mundo real, por isso estou abandonada a minha própria intuição. (Embora os Antarticanos
não estejam usando óculos, seus olhos ocasionalmente piscam ante coisas virtuais em todo
o mundo de uma forma que me faz pensar se eles têm algo embutido em seus olhos, ou
talvez em seus cérebros, que simula permanentemente todas essas coisas virtuais para
eles.)
Um dos dois companheiros de Lady Medina, um homem de ombros largos e
cabelos brancos, olhos muito escuros e pele marrom dourada, anda mais devagar do que os
outros. Eventualmente, ele chega perto do fim da procissão e cai em passo ao meu lado. Eu
tenso em sua presença. Quando ele fala, no entanto, a sua voz é baixa e gentil. “Srta. June
Iparis?”
“Sim, senhor”, eu respondo, inclinando a cabeça respeitosamente da maneira
como Anden tinha feito. Para minha surpresa, eu vejo os números no canto dos meus
óculos mudarem:
SETEMBRO 22.2132
PONTUAÇÃO DIÁRIA: 1
PONTUAÇÃO ACUMULADA: 1
Minha mente gira. De alguma forma, os óculos devem ter gravado minha ação de
inclinar a cabeça e acrescentou um ponto a este sistema de pontuação Antarticano, o que
significa que me inclinar é igual a um ponto. Aqui é quando eu também percebo uma coisa:
Quando o homem de cabelos brancos falou, eu não ouvi absolutamente nenhum sotaque,
ele agora está falando um Inglês perfeito. Olho para a senhora Medina, e quando eu pego
dicas do que ela está dizendo a Anden, noto que seu Inglês agora soa impecável também.
As cócegas que senti nos meus ouvidos quando eu coloquei os óculos… talvez ele esteja
agindo como uma espécie de dispositivo de tradução de idiomas, permitindo que os
Antarticanos revertam sua língua nativa, enquanto ainda se comunicam com nós sem
perdemos o ritmo.
O homem de cabelos brancos, agora se inclina para mim e sussurra: “Eu sou o
Guarda Makoare, um dos guarda-costas mais recentes de Lady Medina. Ela atribuiu-me
para ser seu guia, Srta. Iparis, como nossa cidade parece estranha para você. É
completamente diferente da sua República, não é?”
Ao contrário de Lady Medina, a forma como o Guarda Makoare fala não tem
condescendência em tudo, e sua pergunta não me afeta do jeito errado. “Obrigado, senhor”,
eu respondo com gratidão. “E, sim, eu tenho que admitir que estes números virtuais que
vejo em todo o lugar é estranho para mim. Eu não entendo muito bem isso.”
Ele sorri e coça a pequena barba branca em seu queixo. “A vida em Ross City é
um jogo, e todos nós somos seus jogadores. Nativos Antarticanos não precisam de óculos,
como vocês visitantes, todos nós temos chips embutidos perto de nossas têmporas quando
completamos treze anos. É um pedaço de software que atribui pontos para tudo que nos
rodeia.” Ele aponta para as plantas. “Você vê a palavra água: +1 pairando sobre essa
planta?” Eu aceno. “Se você decidir regar plantas, por exemplo, você receberia um ponto
por fazê-lo. Quase todas as medidas positivas que você faz em Ross City lhe darão pontos
de conquista, enquanto as ações negativas subtraem os pontos. À medida que você
acumula pontos, você ganha níveis. Neste momento, você está no nível um.” Ele faz uma
pausa para apontar o número virtual flutuando sobre sua cabeça. “Eu estou no nível treze.”
“Qual é o ponto de conquistar… níveis?” Pergunto ao deixarmos a sala e entrar
em um elevador.
“Será que isso determina seu status na cidade? Será que mantém seus civis na
linha?”
O Guarda Makoare assente. “Você vai ver.”
Saímos do elevador e nos dirigimos para uma outra ponte (desta vez ela está
coberto com um telhado de vidro em arco) que liga este edifício ao outro. À medida que
caminhamos, eu começo a ver o que o Guarda Makoare está falando. O novo edifício que
entramos parece com uma enorme academia, e quando olho através dos painéis de vidro
das salas de aula, ladeadas por fileiras do que devem ser estudantes, percebo que todos
eles têm as suas próprias pontuações e níveis pairando sobre suas cabeças. Na parte da
frente da sala, uma tela de vidro gigante exibe uma série de questões de matemática, cada
uma com uma pontuação brilhante sobre elas.
CÁLCULO 2 º SEMESTRE
Q1: 6 PTS
Q2: 12 PTS
E assim por diante. Em um ponto, eu vejo um dos alunos inclinar-se e colar de
um vizinho.
A contagem de pontos sobre a sua cabeça pisca em vermelho, e um segundo
depois o número diminui em cinco.
FRAUDE: -5 PTS
1642: NÍVEL 3
O estudante congela, em seguida, rapidamente retorna o olhar para o seu próprio
exame.
Guarda Makoare sorri quando me vê analisar a situação. “Seu nível é tudo em
Ross City. Quanto maior o nível, mais dinheiro você ganha, você pode escolher os melhores
empregos e o mais respeitado você é. Nossos pontuadores mais altos são amplamente
admirados e muito famosos.”
Ele aponta para as costas do aluno trapaceiro. “Como você pode ver, os nossos
cidadãos estão tão absortos neste jogo da vida que a maioria deles entendem que fazer
certas coisas diminuirá sua pontuação. Temos muito pouco crime em Ross City como
resultado”.
“Fascinante”, murmuro, meus olhos ainda grudados na sala de aula, mesmo
quando chegamos ao fim do corredor e nos dirigimos para uma outra ponte. Depois de um
tempo, uma nova mensagem aparece no canto dos meus óculos.
ANDOU 1.000 METROS: +2 PTS
PONTUAÇÃO DIÁRIA: 3
PONTUAÇÃO ACUMULADA: 3
Para minha surpresa, ver os números subir me dá uma breve emoção de
realização. Dirijo-me ao Guarda Makoare. “Eu posso entender como esse sistema de
nivelamento é uma boa motivação para os seus cidadãos. Brilhante.” Eu não digo meu
próximo pensamento em voz alta, mas, secretamente, eu me pergunto, como é que
distinguem entre boas e más ações? Quem decide isso? O que acontece quando alguém
fala contra o governo? Será que sua pontuação sobe ou desce? Fico maravilhada com a
tecnologia disponível aqui – isso realmente deixa claro, pela primeira vez, exatamente como
muito atrás a República está. As coisas sempre foram tão desiguais? Alguma vez fomos os
líderes?
Nós finalmente entramos em um edifício com uma grande câmara, semicircular
utilizada para reuniões políticas (“O Quarto de debate,” Lady Medina chama). É forrado com
bandeiras de países ao redor do mundo. No centro da câmara está uma longa mesa, de
madeira de mogno, e agora os delegados da Antártida sentam de um lado, enquanto nos
sentamos no outro. Outros dois delegados que estão em níveis semelhantes como Lady
Medina se juntam a nós quando começamos nossas conversas, mas é um terceiro delegado
que me chama a atenção. Ele está em seus quarenta e poucos anos, com cabelo cor de
bronze e pele escura e uma barba bem aparada. O texto que paira sobre sua cabeça lê
Nível 202.
“O Presidente Ikari,” Lady Medina diz quando o apresenta a nós. Anden e os
outros Senadores abaixam a cabeça respeitosamente. Eu faço o mesmo. Embora eu não
me atreva a desviar os olhos da discussão, eu posso ver a bandeira da República, em
minha visão periférica. Com meus óculos eu vejo o texto virtual REPÚBLICA DA AMÉRICA
acima dela em letras brilhantes. Logo a seguir é a bandeira das Colônias, com suas listras
preto e cinza e o pássaro de ouro brilhante em seu centro.
Algumas das bandeiras dos outros países têm a palavra Aliado pairando sob seus
nomes. Mas nós não.
Desde o início, nossa discussão é tensa.
“Parece que os planos do seu pai tem repercutido contra você”, o presidente diz a
Anden. Ele se inclina para a frente com firmeza. “As Nações Unidas estão, naturalmente,
preocupadas que a África já tenha oferecido ajuda para as Colônias. As Colônias recusaram
um convite para conversar com a gente”.
Anden suspira. “Nossos cientistas estão trabalhando duro em uma cura”, continua
ele. Eu noto que ele não menciona o irmão de Day em tudo isso, e à falta de cooperação de
Day. “Mas as forças das Colônias são esmagadoras com o dinheiro e ajuda militar da África
os apoiando. Precisamos de ajuda para empurrá-los para trás, ou corremos o risco de ser
invadidos dentro desse mês. O vírus pode se espalhar para nós, como bem—”
“Você fala com paixão”, o Presidente interrompe. “E eu não tenho dúvida de que
você está fazendo grandes coisas, como novo líder da República. Mas uma situação como
esta… o vírus deve primeiro ser contido. E eu ouvi que as Colônias já violaram suas
fronteiras.”
Os olhos cor de mel dourado do Presidente são profundamente brilhantes.
Quando Serge tenta falar, ele o silencia imediatamente, sem tirar os olhos de cima de
Anden. “Deixe seu Eleitor responder”, diz ele. Serge cai para trás em silêncio sombrio, mas
não antes de eu pegar um olhar complacente entre os Senadores. Meu temperamento sobe.
Eles – o Senador, o Presidente da Antártida, mesmo os próprios Príncipes Eleitos – estão
todos provocando Anden em suas próprias maneiras sutis. Interrompendo-o. Enfatizando
sua idade. Eu olho para Anden, silenciosamente desejando que ele se levante por si
mesmo. Mariana concorda com a cabeça uma vez para ele.
“Senhor?”, Diz ela.
Estou aliviado quando Anden primeiro lança um olhar de desaprovação a Serge,
então levanta o queixo e responde calmamente. “Sim. Nós conseguimos segurá-los por
agora, mas eles estão justo na periferia de nossa capital.”
O Presidente se inclina para frente e repousa os cotovelos sobre a mesa. “Então,
há uma possibilidade de que este vírus já atravessou para o seu território?”
“Sim”, responde Anden.
O Presidente está em silêncio por um momento. Finalmente, ele diz: “O que
exatamente você quer?”
“Precisamos de apoio militar”, Anden responde. “Seu exército é o melhor do
mundo. Ajude-nos a proteger nossas fronteiras. Mas acima de tudo, nos ajude a encontrar
uma cura. Eles nos alertaram que a cura é a única maneira que eles irão recuar. E nós
precisamos de tempo para que isso aconteça.”
O Presidente aperta os lábios e balança a cabeça uma vez. “Nenhum apoio
militar, dinheiro ou suprimentos. Temo que você fique muito em dívida com nós por isso.
Posso oferecer meus cientistas para ajudá-lo a encontrar uma cura para a doença. Mas eu
não vou enviar minhas tropas em uma área infectada com a doença. É muito perigoso.”
Quando ele vê o olhar no rosto de Anden, seus olhos endurecem. “Por favor, nos mantenha
atualizados, enquanto eu espero tanto quanto você para ver uma resolução para isso. Peço
desculpas que não podemos ser de mais ajuda para você, Eleitor.”
Anden se inclina sobre a mesa e entrelaça os dedos juntos. “O que eu posso
fazer para convencê-lo a nos ajudar, Sr. Presidente?”, Diz.
O Presidente se senta em sua cadeira e considera Anden por um momento com
um olhar pensativo. Isso me arrepia. Ele estava esperando por Anden dizer isso. “Você vai
ter que me oferecer algo que vale o meu tempo”, ele finalmente diz. “Algo que seu pai nunca
ofereceu.”
“E o que é isso?”
“Terra.”
Meu coração torce dolorosamente a essas palavras. Renunciar a terra. A fim de
salvar o nosso país, vamos ter de nos vender a outra nação. Algo sobre isso parece como
uma violação como a venda de nossos próprios corpos.
Dar o seu próprio filho a um desconhecido. Rasgando longe um pedaço da nossa
casa. Eu olho para Anden, tentando decifrar as emoções por trás de seu exterior composto.
Anden olha para ele por um longo momento. Ele está pensando sobre o que seu
pai diria em uma situação como esta? Ele está se perguntando se ele é tão bom líder para o
seu povo? Finalmente, Anden inclina a cabeça. Gracioso, mesmo na humildade. “Estou
aberto a discussão”, diz ele em voz baixa.
O Presidente acena com a cabeça uma vez. Eu posso ver o pequeno sorriso no
canto dos lábios. “Então, vamos discutir”, ele responde. “Se você encontrar uma cura para
esse vírus, e se concordar com a terra, então eu prometo a você apoio militar. Até então, o
mundo terá que lidar com isso, como fazemos com qualquer pandemia”.
“E o que você quer dizer com isso, senhor?” Anden pergunta.
“Vamos precisar fechar seus portos e fronteiras, bem como os das Colônias.
Outras nações terão de ser notificadas. Eu tenho certeza que você entende.”
Anden fica em silêncio. Espero que o Presidente não veja o olhar ferido em seu
rosto. A República inteira vai ser colocada em quarentena.
JUNE VIAJOU PARA A ANTÁRTIDA. EDEN FOI PARA LOS ANGELES com a
segunda leva de evacuados. O resto de nós permaneceu neste bunker, ouvindo como
o ataque das Colônias continua. Desta vez, a luta parece pior. Às vezes a terra treme
tanto que há uma chuva de poeira fina sobre nós do teto do bunker subterrâneo,
cobrindo as filas de evacuados com poeira cinza enquanto eles se apressam para os
trens esperando. Luzes rotativas ao longo do túnel pinta a todos nós com flashes de
vermelho. Me pergunto como os outros nos bunkers em toda a cidade estão
esperando. As evacuações crescem mais urgentes quanto cada trem sai na hora e é
substituído por um novo. Quem sabe quanto tempo esse túnel permanecerá estável.
De vez em quando eu vejo soldados empurrando civis de volta a fila quando se
tornam indisciplinados. “Fila única!” Eles vociferam, levantando suas armas
ameaçadoramente. Seus rostos estão escondidos atrás de máscaras antidistúrbio
que eu conheço muito malditamente bem. “Dissidentes serão deixados para trás, sem
perguntas. Movam-se, gente!”
Eu fico em uma extremidade do bunker enquanto continua a chover pó,
junto com Pascao, Tess e os outros Patriotas restantes. No início alguns soldados
tentaram me apressar em um dos trens, mas eles me deixaram em paz depois que os
ataquei com uma série de maldições. Agora eles me ignoram. Eu vejo as pessoas
entrarem no trem por alguns segundos antes de voltar para a minha conversa com
Pascao. Tess se senta ao meu lado, embora a tensão silenciosa entre nós faz sentir-se
muito mais longe. Minha sempre presente dor de cabeça martela num ritmo maçante
contra a parte de trás da minha cabeça.
“Você viu mais da cidade do que eu”, eu sussurro para Pascao. “Como você
acha que a Muralha está aguentando?”
“Não muito bem,” Pascao responde. “Na verdade, com outro país ajudando
as Colônias, eu não ficaria surpreso se a Muralha quebrasse em questão de dias com
esse tipo de assalto. Não irá aguentar por muito tempo, confie em mim.”
Eu me viro para ver quantas pessoas ainda estão esperando para embarcar
nos trens. “Como deveríamos fazer para surpreender as Colônias?”
Outra voz começa a falar. É um dos Hackers, Frankie, a menina com o
ombro ferido. “Se conseguirmos por nossas mãos em algumas electrobombas”, diz
ela com uma voz pensativa: “Eu posso provavelmente as reconfigurar para
embaralhar algumas das armas das Colônias ou algo assim. Podemos ser capazes de
colocar seus jatos fora de combate também.”
Jatos. Isso mesmo — Anden tinha mencionado os jatos das Colônias
estacionados em um campo de pouso improvisado fora dos muros da Muralha. “Eu
posso colocar minhas mãos em algumas”, eu sussurro. “E em granadas também.”
Pascao estala sua língua em emoção. “Vamos nos divertir com
nitroglicerina em seu plano? Ponha em prática, então.” Ele se vira para Baxter, que
me lança um olhar irritado. Seu ouvido parece tão mutilado como sempre. “Ei, menino
Baxter. Dê respaldo a Gioro e Frankie, certifique-se de cobrir eles enquanto estão
trabalhando a sua magia.”
“Pascao”, digo em voz baixa. “Você está preparado para algum trabalho de
chamariz?”
Ele ri. “É no que os corredores são melhores, não é?”
“Vamos brincar um pouco com eles — eu quero que você seja minha dupla,
enquanto eu estou indo em direção a seu campo de pouso improvisado.”
“Parece promissor.”
“Ótimo.” Apesar da severidade da situação, eu sorrio. Uma nota de altivez
se arrasta em minha voz. “Esta noite vai acabar com um monte de máquinas militares
caras e inúteis.”
“Você está fora de sua mente, menino cego”, me espeta Baxter. “A
República em si não pode mesmo manter as Colônias fora, você acha que o nosso
pequeno grupo tem uma chance de vencê-los?”
“Nós não precisamos vencê-los. Tudo o que precisamos fazer é atrasá-los.
E eu tenho certeza que estamos bem com isso.”
Baxter solta um bufar alto de irritação, mas o sorriso de Pascao cresce cada
vez mais. Perto de mim, Tess se mexe desconfortavelmente. Ela provavelmente está
pensando em meus crimes passados, como ela teve que testemunhar todos eles e
como ela tinha que me enfaixar depois de cada um deles. Talvez ela esteja
preocupada comigo. Ou talvez ela esteja feliz. Talvez ela preferisse que eu não
estivesse aqui. Mas ela tinha voltado por minha causa. Isso é o que ela disse, não é?
Ela ainda deve se importar, pelo menos em algum nível. Tento pensar na coisa certa
para dizer-lhe para preencher esse silêncio constrangedor, mas eu questiono os
outros. “Vocês me disseram antes na sala que vieram para cá porque queriam ser
perdoados. Mas vocês poderiam ter tentado fugir para um país diferente do da
República, não é? Vocês nem sequer tem que ajudar a República. Anden — quer dizer,
o Eleitor, teria perdoado tudo de qualquer maneira.” Meus olhos caem sobre Pascao.
“Você sabia disso, não é? Por que todos voltaram aqui realmente? Eu sei que não é
só porque vocês ouviram o meu apelo.”
O sorriso de Pascao desaparece e, por um momento, ele realmente parece
sério. Ele suspira, então olha ao redor para o nosso pequeno grupo. É difícil acreditar
que costumava ser uma parte de algo muito maior. “Nós somos os Patriotas, certo?”
Ele finalmente diz. “Nós deveríamos estar empenhados para que os Estados Unidos
retornem de uma forma ou de outra. Com a forma como as coisas parecem estar nas
Colônias, eu não sei se eles seriam os corretos para trazer esse tipo de mudança. Mas
eu tenho que admitir, o novo Eleitor da República tem potencial, e depois do que
Razor nós fez fazer, mesmo eu acho que Anden poderia ser a resposta que nós
estávamos esperando.” Pascao faz uma pausa para acenar a Baxter, que apenas dá
de ombros. “Mesmo o menino Baxter aqui pensa assim.”
Eu franzo a testa. “Então vocês vieram para cá porque vocês realmente
querem ajudar a vitória da República nesta guerra? Vocês querem a sério nos ajudar a
nos defender?” Pascao acena novamente. “Por que você não disse antes na sala?
Teria parecido muito nobre.”
“Não, isso não.” Pascao balança a cabeça. “Eles não teriam acreditado. Os
Patriotas, os terroristas que usaram a cada chance que eles tiveram para destruir
soldados da República? Sim, certo. Imaginei que seria melhor para nós se
jogássemos a carta perdão em seu lugar. Parece uma resposta mais realista para o
seu Eleitor e seus pequenos Príncipes Eleitos.”
Eu fico em silêncio. Quando Pascao vê minha hesitação, ele tira o pó de
suas mãos e se levanta. “Vamos começar,” ele me diz. “Não há tempo a perder, não
com esta chuva de pedra acontecendo lá em cima.” Ele faz um gesto aos outros
Patriotas para se reunir em volta e começa a dividir as suas tarefas individuais. Eu me
agacho.
Tess toma uma respiração profunda, e quando ela captura meu olhar
novamente, ela fala comigo pela primeira vez desde que estávamos juntos na sala.
“Sinto muito, Day.” Ela diz em voz baixa, para que os outros não possam ouvir.
Eu congelo onde eu estou, descansando meus cotovelos sobre minhas
pernas dobradas. “Por quê?”, eu respondo. “Você não tem nada do que se
desculpar.”
“Sim, tenho.” Tess olha para longe. Como ela cresceu tão rapidamente? Ela
ainda é magra, ainda delicada, mas os olhos dela pertencem a alguém mais velha do
que eu me lembro. “Eu não tive a intenção de deixá-lo para trás, e eu não quis culpar
June por tudo. Eu realmente não acredito que ela é ruim. Eu nunca acreditei. Eu
estava com tanta… raiva.”
Seu rosto me atrai em direção a ela como sempre faz, da maneira como fez
quando eu a vi pela primeira vez cavando ao redor do lixo. Eu gostaria de poder
abraçá-la, mas eu sento e espero, deixando-a tomar a decisão. “Tess…” digo devagar,
tentando descobrir a melhor maneira de expressar o que estou sentimento. Inferno,
eu já disse tantas coisas estúpidas para ela no passado. “Eu te amo. Não importa o
que aconteceu entre nós.”
Tess envolve seus braços em volta dos joelhos. “Eu sei.”
Eu engulo em seco e olho para baixo. “Mas eu não te amo do jeito que você
quer. Me desculpe se eu lhe dei a impressão errada. Eu não acho que tenha te tratado
tão bem quanto você merece.” Meu coração torce dolorosamente quando as palavras
saem da minha boca, golpeando-a ao sair. “Portanto, não se desculpe. A culpa é
minha, não sua.”
Tess balança a cabeça. “Eu sei que você não me ama assim. Você não acha
que eu saberia disso agora?” Uma nota de amargura entra em sua voz. “Mas você não
sabe como eu me sinto sobre você. Ninguém sabe.”
Eu olho para ela de soslaio. “Diga-me, então.”
“Day, você significa mais para mim do que uma paixão.” Suas sobrancelhas
sulcam enquanto ela tenta se explicar. “Quando o mundo inteiro virou as costas para
mim e me deixou para morrer, você me acolheu. Foi a única pessoa que se preocupou
com o que poderia acontecer comigo. Você foi tudo. Tudo. Você se tornou a minha
família inteira — era os meus pais, meus irmãos e meu protetor, meu único amigo e
companheiro, que era tanto o meu protetor quanto meu protegido. Você vê? Eu não
amo você da forma que você pode ter pensado que eu fiz, embora eu não posso negar
que era parte dela. Mas o que eu sinto vai além disso.”
Abro a boca para responder, mas não sai nada. Eu não sei o que dizer. Tudo
que posso fazer é olhar.
Tess deixa escapar um suspiro trêmulo. “Então, quando eu pensei que June
podia levá-lo embora, eu não sabia o que fazer. Eu senti que ela estava levando tudo
que importava para mim. Eu senti que ela tirava de você todas as coisas que eu não
fazia.” Ela abaixa os olhos. “É por isso que eu sinto muito. Eu sinto porque você não
deveria ter que ser tudo para mim. Eu tive você, mas eu tinha esquecido que eu tinha
a mim também.” Ela faz uma pausa para olhar para os Patriotas, que estão em uma
conversa profunda. “É um novo sentimento, algo que eu ainda estou me
acostumando.”
E num piscar de olhos, nós somos duas crianças de novo. Eu nos vejo mais
jovens, balançando os pés sobre a borda de algum arranha-céu arruinado, vendo o
sol mergulhar todas as noites no horizonte do oceano. Quanto temos visto desde
então, o quão longe nós chegamos.
Eu me inclino e toco seu nariz uma vez, da mesma forma como sempre fiz.
Ela sorri pela primeira vez.
* * *
A noite fez a transição para as horas mais cedo antes do amanhecer, e a
garoa e a lama finalmente fizeram uma pausa, deixando a cidade brilhante sob a luz
da lua. O alarme de evacuação ainda ecoa de vez em quando, e os JumboTrons
continuam seu sinistro alerta vermelho para procurar abrigo, mas uma breve calmaria
atingiu a batalha e os céus não estão cheios de jatos e explosões. Acho que ambos
os lados têm de descansar ou algo assim. Eu esfrego o cansaço dos meus olhos e
tento ignorar minha dor de cabeça — eu poderia descansar um pouco.
“Não vai ser fácil, você sabe”, sussurra Pascao para mim quando nós dois
somos vigias da manhã. “Eles estão, provavelmente, à procura de soldados da
República.” Estamos empoleirados no topo da Muralha, observando o campo um
pouco além dos limites da cidade. Não é como se as pessoas não vivessem fora da
Muralha, mas ao contrário de LA, que é apenas uma grande propagação de edifícios
que se funde diretamente em suas cidades vizinhas, a população de Denver é maior
fora da segurança de seus muros. Pequenos grupos de edifícios se assentam aqui e
ali. Eles parecem vazios, e me pergunto se a República viu as Colônias aproximando-
se a distância e evacuaram as pessoas para dentro da Muralha. Embora os dirigíveis
das Colônias tenham retornado para a sua terra, a fim de reabastecer, eles deixaram
um monte de jatos nos campos, e as áreas que eles estão ocupando bem iluminadas
com holofotes. Estou meio chocado pela repulsa ante o pensamento das Colônias
nos ganhando. Um ano atrás, eu torceria a todo pulmão para este exato cenário. Mas
agora eu só ouço o slogan das Colônias mais e mais na minha cabeça. Um estado
livre é um estado corporativo. Os anúncios que me lembro de suas cidades me fazem
tremer.
É difícil decidir o que eu prefiro, realmente: ver o meu irmão crescer sob as
leis das Colônias, ou ver como o levam de volta para experimentos pela República?
“Sim, eles estarão à procura”, eu concordo. Então eu me afasto da borda da
Muralha e começo a fazer meu caminho até o muro. Ao longo da borda externa da
Muralha, jatos da República estão estacionados, posicionados e prontos. “Mas nós
não somos soldados da República. Se eles podem nos atingir com um ataque de
surpresa, então nós também podemos.”
Pascao e eu estamos vestidos exatamente iguais, de preto da cabeça aos
pés, com máscaras sobre nossos rostos. Se não fosse por uma pequena diferença de
altura, eu não acho que alguém seria capaz de nos distinguir.
“Vocês dois estão prontos?” Murmura Pascao em seu microfone para os
nossos hackers. Então ele olha para mim e dá um sinal de polegar para cima. Se eles
estão no lugar, então isso significa que Tess está no lugar também. Fique segura.
Nós fazemos o nosso caminho para o chão e, em seguida, deixamos vários
soldados da República nos guiar em torno de uma pequena passagem subterrânea,
discreta. Isso leva para fora da Muralha e em território perigoso. Os soldados acenam
com um silencioso “boa sorte” para nós antes de se retirarem para dentro. Espero
como o inferno que tudo isso funcione.
Olho para o campo onde os jatos das Colônias estão estacionados. Quando
eu completei quinze, eu tinha colocado fogo em uma série de dez caças F–472 da
República novíssimos estacionados na base da força aérea de Burbank em Los
Angeles. Foi o primeiro golpe que me levou ao topo da lista dos mais procurados, e
um dos crimes que June realmente me fez confessar quando eu estive preso. Primeiro
eu roubei galões de nitroglicerina azul altamente inflamáveis a partir da base da força
aérea, em seguida, despejei o líquido nos tanques dos jatos e ao longo da cauda. No
instante que deram ignição nos motores, suas caudas explodiram em chamas.
A memória volta para mim com força. O design dos jatos das Colônias
parece diferente, com suas estranhas asas para a frente, mas ao final do dia, eles
ainda são apenas máquinas. E desta vez, eu não estou trabalhando sozinho. Eu tenho
o apoio da República. E o mais importante, eu tenho os seus explosivos.
“Pronto para fazer a sua jogada?” Eu sussurro para Pascao. “Tem suas
bombas?”
“Você acha que eu esqueceria de trazer bombas? Você deveria me conhecer
melhor do que isso.” A voz de Pascao se torna provocativa. “Day — não o arruíne
dessa vez. Entende, menino bonito? Se de repente você achar que quer ir, é melhor
você me dizer primeiro. Então, pelo menos eu vou ter tempo para golpeá-lo na cara.”
Eu sorrio um pouco com suas palavras. “Sim, senhor.”
Nossas roupas nos misturam com as sombras. Nós rastejamos para a
frente, sem um som, até que estejamos a uma curta distância de onde as armas da
Muralha poderiam nós proteger. Agora estamos a distância e o campo de pouso
improvisado das Colônias aparece dentro do alcance. Seus soldados estão em guarda
ao longo dos limites do campo. Não muito longe dali estão algumas fileiras de
tanques. As aeronaves podem não estar aqui mas, com certeza, são máquinas de
guerra suficientes para iniciar outra batalha.
Pascao e eu agachamos atrás de uma pilha de escombros perto do campo
de pouso. Tudo o que posso ver nesta luz é sua silhueta. Ele acena com a cabeça uma
vez antes de sussurrar algo em seu microfone.
Esperamos por alguns tensos segundos. Em seguida, os JumboTrons que
se alinham nas bordas exteriores da Muralha se iluminam em uníssono. Exibindo nas
telas uma bandeira da República, e pelos alto-falantes ao longo da cidade, a
proclamação ressoa cruzando a noite. A coisa toda parece exatamente com um típico
filme de propaganda da República — os JumboTrons começam a exibir vídeos
genéricos de soldados Patriotas e civis, vitórias de guerra e ruas prósperas. Na pista
de pouso a atenção dos soldados se desloca para os JumboTrons. No início, eles
olham alertas e cuidadosos, mas quando o filme continua por alguns segundos a
mais, os soldados das Colônias relaxam.
Boa. Eles pensam que estão apenas transmitindo um vídeo motivador da
República. Nada estranho o suficiente para colocar as Colônias em estado de alerta,
mas algo divertido o suficiente para manter o seu interesse. Eu escolho uma área
onde os soldados estão todos observando os JumboTrons, em seguida, aceno para
Pascao. Ele faz um gesto para mim. Minha vez de sair.
Aperto os meus olhos para ver onde posso passar para o campo de pouso.
Há quatro soldados das Colônias aqui, todos eles voltados para a transmissão; um
soldado vestido como piloto é o mais distante e está de costas para mim, e daqui
parece que ele está tirando sarro da transmissão com um amigo dele. Eu espero até
que todos os guardas estejam olhando para longe de onde estou. Então eu corro ao
longo da borda sem fazer barulho e me escondo atrás da roda de pouso traseira do
jato mais próximo. Eu me dobro em uma bola, deixando minha roupa preta misturar-
me com as sombras.
Um dos guardas olha casualmente sobre o ombro na direção do jato.
Quando ele não vê nada de interessante, no entanto, ele retorna a inspecionar a
Muralha.
Eu espero por mais alguns segundos. Então ajusto minha mochila e subo
no bocal de exaustão do jato. Meu coração bate com antecipação no déjà-vu que isso
me dá. Eu não perco tempo — puxo um pequeno cubo de metal da minha mochila e o
fixo com firmeza dentro do bocal. Seu visor emite um brilho vermelho muito fraco, tão
fraco que apenas eu posso vê-lo. Eu tenho certeza que está seguro, e, em seguida, me
desloco para a extremo do bocal. Não teremos muito mais tempo antes que os
guardas percam o interesse em nossa pequena propaganda de distração. Quando o
terreno está livre, eu saio para fora do bocal. Minhas botas acolchoadas na terra não
fazem ruido. Eu me arrasto de volta para as sombras projetadas pelo trem de pouso
do jato, presto atenção nos guardas, e passo para a próxima linha de jatos. Pascao
deve estar fazendo exatamente o mesmo trabalho do outro lado do campo. Se isso
tudo der certo como planejado, então um explosivo por linha deve fazer muitos
danos.
Até o momento que faço meu caminho para a terceira fila de jatos e termino
meu trabalho lá, eu estou molhado de suor. Ao longe, a propaganda dos JumboTrons
continua funcionando, mas posso dizer que alguns dos guardas já perderam o
interesse. Hora de sair daqui. Eu me abaixo silenciosamente em direção ao chão de
novo, balanço lá nas sombras, e em seguida, escolho o momento certo para cair e
correr em direção à escuridão.
Só que não era realmente o momento certo. Uma das minhas mãos desliza
na borda de metal do bocal de exaustão e corta a palma da mão aberta. Meu corpo
enfraquecido não pousa perfeitamente e solto um grunhido de dor e me movo muito
lentamente nas sombras do trem de pouso. Um guarda me vê. Antes que eu possa
deter ele, seus olhos se arregalam e ele levanta a arma para mim.
Ele nem sequer tem a chance de gritar quando uma faca brilhante vem
voando para fora da escuridão e se afunda no pescoço do soldado. Eu observo por
um instante, horrorizado. Pascao. Eu sei que é ele, salvando a minha bunda enquanto
chama a atenção. Já há um par de gritos surgindo no outro lado do campo de pouso.
Ele está puxando o foco para longe de mim. Aproveito a oportunidade, correndo para
a relativa segurança fora do campo de pouso.
Clico em meu microfone e chamo Pascao. “Você está seguro?” Eu sussurro
urgente.
“Tão salvo quanto você, menino bonito”, ele sussurra de volta, com sons de
respiração pesada e passos no meu fone de ouvido. “Acabou de sair do alcance do
campo de pouso. Dê o ok a Frankie — eu tenho que tirar dois fora da minha cola.” Ele
desliga.
Entro em contato com Frankie. “Estamos prontos”, digo a ela. “Deixe-os ir.”
“Entendido”, Frankie responde. Os JumboTrons param de repente sua
transmissão e desligam — no escuro o som ressoante através da cidade cessa,
mergulhando todos em um silêncio assustador. Os soldados das Colônias que
provavelmente estavam perseguindo Pascao agora olham para as JumboTrons em
confusão, acompanhado dos outros.
Uns poucos segundos de silêncio a mais passam.
Em seguida, uma brilhante explosão ofuscante rasga o centro do campo de
pouso. Eu me equilibro. Quando olho para trás na primeira linha de soldados na rua,
vejo-os caídos e lentamente se recuperando do transe. Faíscas de eletricidade
enchem o ar, pulando freneticamente de um lado a outro entre os jatos. Soldados
mais distante da rua apontam suas armas para cima para os edifícios, disparando
aleatoriamente, mas os que estão ao longo da linha de frente descobrem que as
armas não funcionam mais. Eu mantenho a corrida de volta para a Muralha.
Outra explosão sacode a mesma área e uma enorme névoa dourada engole
tudo à vista. Gritos de pânico aumentam nas tropas das Colônias. Eles não podem ver
o que está acontecendo, mas eu sei que agora mesmo cada bomba que temos
plantado está destruindo as linhas de jatos, enquanto são paralisados e desativos
temporariamente os ímãs em suas armas. Alguns deles disparam com suas armas
aleatoriamente na escuridão, como se soldados da República estivessem à espreita.
Eu acho que eles não estão totalmente errados. Logo em seguida, os jatos da
República ao longo da Muralha decolam em direção ao céu. Seus rugidos me
ensurdecem.
Eu clico meu microfone de volta para Frankie. “Como as evacuações estão
indo?”
“Tão bem quanto possível”, ela responde. “Provavelmente mais duas levas
de pessoas foram. Pronto para seu grande momento?”
“Vá em frente”, eu sussurro de volta.
Os JumboTrons acendem a vida. Desta vez, porém, eles estão mostrando
meu rosto pintado em todas as suas telas. Um vídeo pré-gravado que fizemos. Eu
sorrio amplamente para as Colônias, mesmo que eles lutem pelos jatos que ainda
têm, e, neste instante, eu sinto como se estivesse olhando para o rosto de um
estranho, um cara que é estranho e assustador por trás de sua ampla faixa preta. Por
um momento, eu nem me lembro de gravar este vídeo em primeiro lugar. O
pensamento me faz lutar em pânico pela memória, até que eu finalmente recordo e
dou um suspiro de alívio. “Meu nome é Day”, diz minha imagem do vídeo no
JumboTrom, “e eu estou lutando com as pessoas da República. Se eu fosse você, eu
teria um pouco mais de cuidado.”
Frankie corta meu vídeo novamente. Sobre nossas cabeças, jatos da
República gritam pelo céu — eu vejo bolas de fogo laranja iluminar o campo de
pouso. Com o nosso truque, metade de seus jatos se foram, e com vantagem da
surpresa, os soldados das Colônias tocam em retirada. Aposto que as chamadas de
volta para os seus comandantes estão rápidas e furiosas agora.
Frankie volta a linha. Ela parece feliz. “As tropas da República se inteiraram
do nosso sucesso”, diz ela. No fundo — para meu alívio — eu ouço um clique na linha
do Pascao. “Bom trabalho, Corredores. Gioro e Baxter já estão a caminho.” Ela parece
distraída. “Estamos voltando agora. Me dê alguns segundos, e nós estaremos-”
Ela corta. Eu pisco, surpreso. “Frankie?” Eu digo, me reconectando a ela.
Nada. Tudo o que eu ouço é estática.
“Para onde ela foi?” Pascao diz através do ruído. “Será que ela ficou offline
para você também?”
“Sim.” Eu me apresso a diante, tentando não pensar no pior. A segurança
da Muralha não está muito longe, eu posso distinguir a pequena entrada lateral pela
qual deveríamos voltar — e aqui, no meio de todo o caos, eu vejo vários soldados da
República correndo através da poeira para enfrentar quaisquer tropas das Colônias
que poderiam ter nos seguido. A poucos metros da porta agora.
Uma bala passa por mim, rente ao meu ouvido. Então eu ouço um grito que
faz o meu sangue gelar. Quando eu giro ao redor, vejo Tess e Frankie correndo atrás
de mim. Elas estão se inclinando uma sobre a outra. Atrás delas deve ter cinco ou
seis soldados das Colônias. Eu congelo, em seguida, mudo rapidamente o curso. Eu
arranco uma faca do meu cinto e jogo contra os soldados tão duro quanto eu posso.
Ela pega num deles no lado ele cai de joelhos. Os outros me notam. Tess e Frankie
mal retornam até a porta. Corro em direção a elas. Atrás de mim, os soldados içam
suas armas.
Assim quando Tess empurra Frankie através da entrada, um soldado sai das
sombras perto da porta. O reconheço instantaneamente. É Thomas, uma arma
pendurada em uma das mãos.
Seus olhos estão fixos em Tess e eu, e sua expressão é escura, mortal, e
furiosa. Por um instante, o mundo parece em silêncio. Eu olho para a sua arma. Ele a
ergue. Não. Instintivamente, eu me movo em direção a Tess, protegendo-a com o meu
corpo. Ele vai nos matar.
Mas, no momento que este pensamento corre por minha mente, Thomas
vira as costas para nós, de frente para os soldados das Colônias que se aproximam.
Sua mão treme de raiva e aperta na arma. Choque pulsa através de mim, mas não há
tempo para pensar sobre isso agora. “Vá”, incito Tess. Tropeçamos pela porta lateral.
Nesse mesmo momento, Thomas levanta a arma, ele dispara um tiro, depois
outro, depois outro. Ele solta um grito de gelar o sangue a cada bala arremessada em
direção às tropas inimigas. Leva-me um segundo para saber o que ele está gritando.
“Viva o Eleitor! Viva a República!”
Ele dispara seis tiros antes que os soldados das Colônias retornem o fogo.
Eu abraço Tess no meu peito, em seguida, cubro os seus olhos. Ela solta um grito de
protesto. “Não olhe,” eu sussurro em seu ouvido. Naquele exato momento, vejo a
cabeça de Thomas cair violentamente para trás e todo o seu corpo ficar mole. Uma
imagem da minha mãe pisca diante dos meus olhos.
Um tiro na cabeça. Ele levou um tiro na cabeça. A morte por fuzilamento.
A explosão faz com que Tess salte — ela solta um soluço estrangulado por
trás de minhas mãos protetoras. A porta balança fechando.
Pascao nos cumprimenta no instante que estamos em segurança. Ele está
coberto de poeira da cabeça aos pés, mas ele ainda tem um meio sorriso no rosto. “A
leva de evacuação final está esperando por nós”, diz ele, balançando a cabeça para
dois jipes estacionados prontos para nos levar de volta para o bunker. Soldados da
República já caminham para nós, mas antes de qualquer um de nós possa se sentir
aliviado, percebo que Frankie desabou no chão e Tess está pairando sobre ela. O
meio sorriso de Pascao desaparece. Enquanto soldados selam a entrada lateral, nos
reunimos em torno de Frankie. Tess pega um kit de suprimentos. Frankie começa a
convulsionar.
Seu casaco abre completamente, revelando uma camisa encharcada de
sangue por baixo. Seus olhos estão arregalados em estado de choque, e ela está
lutando para respirar.
“Ela foi baleada quando estávamos fugindo”, diz Tess enquanto ela rasga a
camisa de Frankie. Ela tem gotas de suor ao longo de sua testa. “Três ou quatro
vezes.” Suas mãos trêmulas voam através do corpo de Frankie, dispersando o pó e
pressionando pomada nas feridas. Quando ela termina, puxa um chumaço grosso de
bandagens.
“Ela não vai conseguir”, murmura Pascao a Tess enquanto ela o empurra
fora do caminho e aperta firmemente as feridas sangrentas de Frankie. “Nós temos
que nós mover. Agora.”
Tess enxuga a testa. “Só me dê um minuto”, ela insiste com os dentes
cerrados. “Nós temos que controlar o sangramento.”
Pascao começa a protestar, mas eu o silencio com um olhar perigoso.
“Deixe-a fazê-lo.” Então eu ajoelho ao lado de Tess, meus olhos impotentes atraídos
pela figura lamentável de Frankie. Eu posso dizer que ela não vai conseguir. “Eu vou
fazer o que você diz,” murmuro para Tess. “Deixe me ajudar.”
“Mantenha a pressão sobre suas feridas”, Tess responde, acenando com a
mão para as bandagens que já estão mais vermelhas do que brancas. Ela corre para
fazer um cataplasma.
As pálpebras de Frankie vibram. Ela engasga um grito estrangulado, então
consegue olhar para nós. “Vocês… tem que… ir. As Colônias… eles estão… vindo”
Demora um minuto inteiro para ela morrer. Tess continua aplicando
medicamentos por mais algum tempo, até que eu finalmente coloco uma mão sobre a
dela para impedi-la. Eu olho para Pascao. Um dos soldados da República se aproxima
de nos de novo e faz uma careta severa. “Este é o seu último aviso”, diz ele,
gesticulando para as portas abertas de dois jipes. “Estamos indo.”
“Vá”, eu digo a Pascao. “Vamos levar o jipe bem atrás de você.”
Pascao hesita por um segundo, golpeado com a visão de Frankie, mas
então pula de pé e desaparece no primeiro jipe. Se vai, deixando uma nuvem de
poeira em seu rastro.
“Vamos lá,” Peço a Tess, que fica debruçada sobre o corpo sem vida de
Frankie. No outro lado da Muralha, há sons da raivosa batalha. “Nós temos que ir.”
Tess se livra do meu agarre e lança forte seu rolo de ataduras na parede. Em
seguida, ela gira para olhar para o rosto pálido de Frankie. Eu me levanto, forçando
Tess para fazer o mesmo. Minha mão ensanguentada deixa impressões em seu braço.
Soldados nos agarram e nos conduzem em direção ao jipe restante. Quando nós
finalmente estamos em nosso caminho, Tess vira os olhos para os meus. Eles estão
cheios de lágrimas, a visão de sua angústia parte meu coração. Nós nos afastamos da
Muralha enquanto soldados carregam Frankie em um caminhão. Então nós viramos
uma esquina em velocidade na direção do bunker.
No momento em que chegamos, o jipe de Pascao já descarregou e já foram
para o trem. Os soldados estão tensos. A medida que passamos a cerca de arame na
entrada do refúgio, outra explosão da Muralha envia tremores através do solo. Como
se estivesse em um sonho, temos pressa descendo a escada de metal e pelos
corredores inundados com luzes vermelhas tênues, o som de bater das botas ecoam
devidamente a partir do exterior. Mais e mais para baixo nós vamos, até que
finalmente alcançamos o bunker e fazemos o nosso caminho para o trem que espera.
Soldados nos puxam a bordo.
A medida que o metrô ganha vida e nos afastamos do bunker, uma série de
explosões reverberam através do espaço, quase nos atirando fora de nossos pés.
Tess se agarra a mim. Quando eu a seguro perto, o túnel atrás de nós desaba,
encerrando-nos na escuridão. Nós aceleramos. Ecos de explosões reverberam pela
terra.
Minha dor de cabeça se inflama.
Pascao tenta dizer algo para mim, mas eu não posso mais ouvi-lo. Eu não
consigo ouvir nada. O mundo ao meu redor se torna cinza, e sinto-me girando. Onde
estamos novamente? Em algum lugar, Tess grita o meu nome — mas eu não sei o que
ela diz depois disso, porque eu me perco em um oceano de dor e caio na escuridão.
2100 HORAS.
SALA 3323, NÍVEL INFINITY HOTEL, ROSS CITY.
TODOS NÓS NOS INSTALAMOS EM QUARTOS INDIVIDUAIS NO hotel. Ollie
descansa ao pé da minha cama, nocauteado depois de um dia exaustivo. Eu não posso me
imaginar dormindo, porém. Depois de um tempo, eu me levanto em silêncio, deixo três
guloseimas para Ollie perto da porta, e saio. Eu ando pelos corredores com meus óculos
virtuais enfiados em meu bolso, aliviada em ver o mundo como ele realmente é mais uma
vez sem o ataque de números e palavras flutuando. Eu não sei para onde estou indo, mas
eventualmente eu acabo dois pisos acima e não muito longe do quarto de Anden. É mais
silencioso aqui. Anden pode ser o único a ficar neste andar, acompanhado de uma alguns
guardas.
Enquanto vou, passo uma porta que leva a uma grande câmara que deve ser
alguma sala central e pública nesse piso. Viro e olho dentro. O lugar parece caiado,
provavelmente porque eu não tenho os meus óculos virtuais e não posso ver todas as
simulações; a sala é dividida em uma série de cabines cilíndricas, em cada uma, um círculo
de altas placas de vidro transparentes. Interessante. Eu tenho uma daquelas cabines
cilíndricas em um canto do meu quarto no hotel, embora eu não tenha me incomodado a
experimentar ainda. Eu olho ao redor da sala, em seguida, empurro cuidadosamente a
porta. Ela desliza aberta sem um som.
Entro e tão logo passo a porta, ela se fecha atrás de mim, a sala declara algo em
Antártico que eu não consigo entender. Pego meus óculos virtuais do meu bolso e os
coloco. Automaticamente, a sala se ilumina e a voz repete sua frase, desta vez em inglês.
“Bem-vinda à sala de simulação, June Iparis.” Eu vejo minha pontuação virtual subir em dez
pontos, me parabenizo por usar uma sala de simulação pela primeira vez. Como eu
suspeitava, a sala agora parece brilhante e cheia de cores, e as paredes de vidro das
cabines cilíndricas têm todos os tipos de telas moveis.
O seu acesso ao portal longe de casa! diz em um painel. Use em conjunto com o
seu óculos virtual para uma experiência de total imersão. Por trás do texto tem um
exuberante vídeo retratando o que parecem ser cenas bonitas de todo o mundo. Gostaria de
saber se o seu portal é a maneira de se conectar à Internet. De repente, o meu interesse é
despertado. Eu nunca naveguei na Internet fora da República, nunca vi o mundo como ele
é, sem máscaras e filtros da República. Eu me aproximo de uma cabine cilíndrica de vidro e
entro. O vidro ao meu redor se ilumina.
“Olá, June”, diz. “O que eu posso encontrar para você?”
O que devo procurar? Eu decido experimentar a primeira coisa que vem à minha
cabeça. Respondo hesitante, me perguntando se vai ler a minha voz. “Daniel Altan Wing”,
eu digo. Quanto mais o resto do mundo sabe sobre o Day?
De repente, tudo ao meu redor desaparece. Em troca, estou de pé em um círculo
branco com centenas — milhares — de flutuantes telas retangulares todas ao meu redor,
cada uma coberta com imagens, vídeos e textos. No começo eu não sei o que fazer, então
eu fico onde estou, olhando com espanto para as imagens todas em torno de mim. Cada
tela tem informações diferentes do Day. Muitas delas são artigos de notícias. A mais próxima
a mim está rodando um velho vídeo do Day em pé em cima do balcão Capitol Tower,
chamando as pessoas para apoiar Anden. Quando eu olho para ela tempo suficiente (três
segundos), uma voz começa a falar. “Neste vídeo, Daniel Altan Wing — também conhecido
como Day — dá seu apoio ao novo Eleitor da República e impede uma revolta nacional.
Fonte: Arquivos públicos da República da América. Ver o artigo inteiro?”
Meus olhos piscam para outra tela, e a voz da primeira tela desaparece. Esta
segunda tela vem a vida quando eu olho, rodando um vídeo de uma entrevista com uma
garota que eu não conheço, com pele morena clara e olhos castanhos claros. Ela ostenta
uma mecha escarlate em seu cabelo. Ela diz: “Eu vivo em Nairóbi nos últimos cinco anos,
mas nunca tinha ouvido falar dele até os vídeos de seus ataques contra o R-zero-A
começarem a aparecer on-line. Agora eu pertenço a um clube…” O vídeo faz uma pausa lá,
e a mesma voz suave de mais cedo diz: “Fonte: Kenya Broadcasting Corporation. Ver todo
vídeo?”
Dou um passo cuidadoso para a frente. Cada vez que eu passo, as telas
retangulares reorganizam em torno de mim para mostrar o próximo círculo de imagens para
que eu examine. Imagens do Day aparecem a partir de quando ele e eu ainda
trabalhávamos para os Patriotas, vejo uma imagem borrada do Day olhando por cima do
ombro, com um sorriso em seus lábios. Isso me faz corar, então eu rapidamente desvio o
olhar. Eu olho através de mais duas rodadas delas, então decido mudar minha busca. Desta
vez eu procuro algo que eu sempre fui curiosa. “Estados Unidos da América”, eu digo.
As telas com vídeos e imagens do Day desaparecem, deixando-me
estranhamente desapontada. Um novo conjunto de telas giram em torno de mim, e quase
posso sentir uma leve brisa, que move o lugar. A primeira coisa que aparece é uma imagem
que eu reconheço de imediato, a bandeira completa que os Patriotas tanto usam e baseia
seu símbolo. A narração diz: “A bandeira do antigo Estados Unidos da América. Fonte:
Wikiversity, a Academia Livre. História dos Estados Unidos de Um-zero-dois, Grau Onze.
Ver artigo completo? Para versão textual, dizer ‘texto’.”
“Ver o artigo completo”, digo. A tela amplia em minha direção, me envolvendo
com seu conteúdo. Eu pisco, momentaneamente sacudida pela avalanche de imagens.
Quando abro meus olhos novamente, eu quase tropeço. Eu estou pairando no céu sobre
uma paisagem que parece ao mesmo tempo familiar e estranha. O contorno parece ser
alguma versão da América do Norte, exceto que não há lago que se estende de Los Angeles
a São Francisco, e o território das Colônias parece muito maior do que eu me lembro.
Nuvens flutuam abaixo do meu pés. Quando dou um passo hesitante a baixo, cubro parte
das nuvens e posso realmente sentir o ar fresco assobiando sob os meus sapatos.
A narração começa. “Os Estados Unidos da América — também conhecida como
USA, e Estados Unidos, US, América e os Estados — era um país de destaque na América
do Norte, composto de cinquenta estados mantidos juntos como uma república
constitucional federal. Ele primeiro declarou a independência da Inglaterra em 4 de julho de
1776, e tornou-se reconhecido em 3 de setembro de 1783. Os Estados Unidos foi dividido
oficialmente em dois países, em 1 de outubro de 2054, tornou-se oficialmente a oeste a
República da América e a leste as Colônias da América em 14 de março, 2055.”
Aqui a narração pausa, então muda. “Ir para um subtópico? Subtópicos
populares: os Três Anos de Inundação, a Inundação de 2046, a República da América, as
Colônias da América.”
Uma série de marcadores azuis brilhantes aparecem ao longo dos litorais leste e
oeste da América do Norte. Eu fico olhando para eles por um momento, meu coração
batendo forte, antes de eu chegar e tentar tocar um marcador perto do litoral sul das
Colônias. Para minha surpresa, eu posso sentir a textura da paisagem sob o meu dedo. “As
Colônias da América”, digo.
O mundo corre por mim com uma velocidade alucinante. Agora estou de pé sobre
o que se parece como terra firme, ao meu redor tem milhares de pessoas amontoadas em
abrigos improvisados em uma inundada paisagem urbana, enquanto centenas estão
lançando ataques contra soldados vestidos com uniformes que não reconheço. Atrás dos
soldados há caixas e sacos do que parecem ser rações.
“Ao contrário da República da América,” a narração começa, “onde o governo faz
cumprir as regras através de lei marcial, a fim de acabar com o fluxo de refugiados em suas
fronteiras, as Colônias da América formada em 14 de março de 2055 depois de corporações
assumirem o controle do governo federal (o antigo Estados Unidos, consulte o índice mais
elevado), após o fracasso do último governo para lidar com a dívida acumulada desde a
inundação de 2046.” Eu dou alguns passos para a frente, é como se eu estivesse aqui no
meio da cena, estando apenas algumas dezenas de metros de onde as pessoas estão em
tumulto. O ambiente parece um pouco trêmulo e pixelado, como se processado a partir de
vídeos pessoais de alguém. “Nesta gravação civil, a cidade de Atlanta encena um motim de
quinze dias contra a Agência Federal de Gestão de Emergências dos Estados Unidos.
Motins semelhantes apareceram em todas as cidades do leste ao longo de três meses, após
as cidades declaram lealdade à corporação militar DesCon, que possuía fundos que o
governo estabelecido não tinha.”
A cena borra e limpa, colocando-me no centro de um campus enorme cheio de
edifícios, cada um exibindo um símbolo que eu reconheço como o logotipo DesCon. “Junto
com doze outras empresas, DesCon contribuiu com seus fundos para ajudar os civis. No
início de 2058, o governo dos Estados Unidos deixou de existir completamente no leste e foi
substituído pelas Colônias da América, formada por uma coalizão das treze maiores
corporações do país e amparada por seus lucros conjuntos. Depois de uma série de fusões,
as Colônias da América agora é composta por quatro empresas dominantes: DesCon,
Cloud, Meditech e Evergreen. Ir para uma empresa específica?”
Eu fico em silêncio, observando imersa o resto do vídeo que desenrola até que
finalmente faz uma pausa no último quadro, uma imagem perturbadora de um civil
desesperado protegendo o rosto da arma empunhada por um soldado. Depois removo meus
óculos virtuais, esfrego os olhos e saio do cilindro de vidro agora branco e estéril. Meus
passos ecoam na câmara vazia. Sinto-me tonta e dormente da súbita falta de imagens em
movimento.
Como pode dois países com filosofias radicalmente diferentes se reunirem? Que
esperança nós eventualmente podemos ter de transformar a República e as Colônias no
que eram uma vez? Ou talvez eles não são tão drasticamente diferentes como eu acho que
eles são. Não são as corporações das Colônias e o governo da República realmente a
mesma coisa? O poder absoluto é o poder absoluto, não importa do que é chamado. Não é?
Eu saio da câmara, perdida em meus pensamentos, quando eu viro a esquina
para ir para o meu quarto, eu quase esbarro direitamente em Anden.
“June?”, ele exclama quando me vê. Seu cabelo ondulado está ligeiramente
despenteado, como se tivesse passado suas mãos por ele, e sua camisa de gola está
amassada, as mangas arregaçadas até os cotovelos e os botões perto do seu pescoço
desfeitos. Ele consegue se recompor o suficiente para me oferecer um sorriso e uma
reverência. “O que você está fazendo aqui?”
“Só explorando.” Devolvo o sorriso. Estou cansada demais para mencionar todas
as minhas pesquisas online. “Eu não tenho certeza o que eu estou fazendo aqui, para ser
honesta.”
Anden ri baixinho. “Eu também não. Eu estive vagando pelos corredores por mais
de uma hora.” Fazemos uma pausa momentânea. Então ele se vira para trás na direção de
sua suíte e me dá um olhar interrogativo. “Os Antárticos não vão nos ajudar, mas eles têm
sido gentis em me enviar uma garrafa de seu melhor vinho para o meu quarto. Gostaria de
um gole? Eu poderia aproveitar alguma companhia — e alguns conselhos.”
Conselhos de sua mais humilde Princesa Eleita? Eu caio em sintonia com ele,
muito consciente da proximidade entre nós. “Muito educado da parte deles”, eu respondo.
“Extremamente educado”, ele murmura tão baixinho que eu mal posso ouvi-lo.
“Na próxima, eles vão nos fazer um desfile.”
A suíte de Anden é mais agradável, é claro, do que a minha — pelo menos os
Antárticos fizeram essa cortesia. A janela de vidro curvo corre ao longo de metade da
parede, dando-nos uma vista deslumbrante da cidade de Ross envolta em milhares de luzes
cintilantes. Os Antárticos devem simular este anoitecer também, tendo em conta que é
suposto ser verão aqui — mas a simulação parece impecável. Eu penso novamente na
cúpula que parece uma película que passamos enquanto descíamos para a cidade. Talvez
atue como uma tela gigante também. Faixas dançam silenciosamente através do céu em
folhas de cor deslumbrante, turquesa, magenta e dourado, todas elas girando juntas e
desaparecendo e reaparecendo em um cenário de estrelas. Me deixa sem ar. Deve imitar a
aurora austral. Eu tinha lido sobre essas luzes do sul durante as nossas semanas de aulas,
embora eu não esperava — que parecessem tão belas, simulação ou não.
“Bela vista”, eu digo.
Anden sorri ironicamente, uma pequena faísca de diversão brilhando através de
seu estado de espírito de outro modo cansado. “As vantagens inúteis de ser Eleitor da
República”, ele responde. “Eu tenho certeza de que podemos ver através deste vidro, mas
que ninguém de fora pode nos ver. Então, novamente, talvez eles estejam apenas brincando
comigo.”
Nós nos acomodamos em cadeiras macias, perto da janela. Anden derrama vinho
em duas taças. “Um dos guardas acusados confessou sobre a Comandante Jameson”, diz
ele, quando entrega um copo para mim. “Soldados da República descontentes com as
minhas regras, pagos pelas Colônias. As Colônias estão aproveitando o conhecimento da
Comandante Jameson nos nossos militares. Ela pode até ainda estar dentro das nossas
fronteiras.”
Eu saboreio meu vinho entorpecida. Então, era tudo verdade. Eu
desesperadamente queria poder voltar no tempo para quando visitei Thomas em sua cela,
que eu poderia ter notado a troca incomum de turno. E ela ainda pode estar dentro de
nossas fronteiras. Onde está Thomas?
“Tenha certeza,” Anden diz quando vê minha expressão, “que estamos fazendo
tudo o que pudermos para encontrá-la.”
Tudo o que pudermos pode não ser o suficiente. Não com a nossa atenção e os
soldados tão espalhados, tentando lutar uma guerra em tantos lados. “O que vamos fazer
agora?”
“Voltamos à República amanhã de manhã”, ele responde. “Isso é o que vamos
fazer. E vamos expulsar as Colônias sem a ajuda dos Antárticos.”
“Você realmente vai dar um pouco da nossa terra para eles?” Pergunto após uma
pausa.
Anden roda o vinho no copo antes de tomar um gole. “Eu não os recusei ainda”,
diz ele. Eu posso ouvir o desgosto consigo em sua voz. Seu pai deve ter visto tal movimento
como a maior traição de seu país.
“Sinto muito”, eu digo baixinho, sem saber como consolá-lo.
“Eu sinto muito também. A boa notícia é que eu recebi a notícia de que Day e seu
irmão foram evacuados com sucesso para Los Angeles.” Ele exala um longo suspiro. “Eu
não quero forçá-lo a qualquer coisa, mas eu poderia ficar sem opções. Ele está mantendo
sua palavra, você sabe. Ele concordou em nós ajudar de qualquer maneira que podia,
menos desistir de seu irmão. Ele está tentando ajudar, na esperança de que vai me fazer
sentir culpa de pedir Eden. Eu gostaria que nós trouxesse. Eu gostaria que ele pudesse ver
a situação pelo meu ponto de vista.” Ele olha para baixo.
Meu coração se aperta de novo com o pensamento do Day sendo morto em
ação, e se alivia com a notícia dele ter sobrevivido incólume. “E se nós convencermos os
Antárticos a tomar Day para tratamento? Pode ser a única chance dele sobreviver a doença,
e que poderia, pelo menos, fazê-lo considerar o risco de deixar Eden sofrer testes.”
Anden balança a cabeça. “Não temos nada para negociar. A Antártida ofereceu
toda a ajuda que estão dispostos a dar. Eles não vão se aborrecer com a tomada em um
dos nossos pacientes.”
No fundo, eu sei isso também. No final é apenas uma ideia desesperada minha.
Entendo, assim como ele, que Day nunca entregaria seu irmão em troca de salvar a sua
própria vida. Meus olhos se voltam novamente a exibição de luz exterior.
“Eu não o culpo, nem um pouco”, diz Anden depois de uma pausa. “Eu deveria ter
parado as armas biológicas no instante em que me nomearam Eleitor. No mesmo dia que
meu pai morreu. Se eu fosse inteligente, isso é o que eu teria feito. Mas é tarde demais para
me debruçar sobre isso agora. Day tem todo o direito de recusar.”
Sinto uma onda de simpatia por ele. Se ele forçadamente levar Eden em
custódia, Day, sem dúvida, chamaria o povo a levantar-se em revolta. Se ele respeita a
decisão do Day, ele corre o risco de não encontrar uma cura a tempo permitindo que as
Colônias assumam a nossa capital — e nosso país. Se ele entrega um pedaço de nossa
terra para a Antártida, as pessoas podem vê-lo como um traidor. E se os nossos portos
estão fechados, não receberemos quaisquer importações ou suprimentos em tudo.
E, no entanto, eu não posso culpar Day também. Eu tento me colocar no lugar
dele. A República tenta me matar quando eu sou uma criança de dez anos de idade; eles
experimentam em mim antes de eu fugir. Eu vivo os próximos anos nas favelas mais duras
de Los Angeles. Eu assisto a República envenenar minha família, matar minha mãe e meu
irmão mais velho e cegar meu irmão mais novo com as suas pragas de engenharia. Por
causa de experimentos da República, estou lentamente morrendo. E agora, depois de todas
as mentiras e crueldades, a República se aproxima de mim, implorando por minha ajuda.
Implorando para mim, que lhes permitam experimentar mais uma vez no meu irmão mais
novo, experiências que não podem garantir sua segurança absoluta. O que eu diria? Eu
provavelmente recusaria, assim como ele fez. É verdade que a minha própria família sofreu
destinos horríveis nas mãos da República… mas o Day foi na linha de frente, vendo tudo se
desenrolar a partir do momento que ele era pequeno. É um milagre que Day tenha dado seu
apoio à Anden em primeiro lugar.
Anden e eu saboreamos o vinho por mais quatro minutos, observando as luzes
da cidade em silêncio.
“Eu invejo Day, você sabe”, diz ele, com a voz tão suave como nunca. “Eu tenho
ciúmes que ele pode fazer decisões com o coração. Cada escolha que ele faz é honesta, e
as pessoas o amam por isso. Ele pode se dar ao luxo de usar o coração.” Seu rosto
escurece. “Mas o mundo do lado de fora da República é muito mais complicado.
Simplesmente não há espaço para a emoção, não é? Todas as relações de nossos países
são detidos junto a uma teia frágil de linhas diplomáticas, e esses tópicos são o que nos
impedem de ajudar um ao outro.” Algo se quebra em sua voz.
“Não há espaço para a emoção no palco político”, eu respondo, colocando a
minha taça de vinho para baixo. Eu não tenho certeza se estou ajudando, mas as palavras
saem de qualquer maneira. Eu nem sequer sei se eu acredito nelas. “Quando falha a
emoção, a lógica vai te salvar. Você pode invejar Day, mas você nunca vai ser ele e ele
nunca será você. Ele não é o Eleitor da República. Ele é um garoto protegendo o seu irmão.
Você é um político. Você tem que tomar decisões que quebram seu coração, isso dói e
desaponta, e ninguém vai entender. É o seu dever.” Mesmo quando eu digo isso, porém,
sinto a dúvida na parte de trás da minha mente, as sementes que Day plantou.
Sem emoção, qual é o ponto de ser humano?
Os olhos de Anden estão pesados com tristeza. Ele se curva, e por um momento
eu posso vê-lo como ele realmente é, um jovem Príncipe sozinho contra uma maré de
oposição, tentado levar a carga de seu país sobre os ombros, com um Senado cooperando
apenas por medo. “Eu sinto falta do meu pai às vezes”, diz ele. “Eu sei que não deveria
admitir isso, mas é verdade. Eu sei que o resto do mundo vê ele como um monstro.” Ele
coloca a taça de vinho sobre a mesa do lado, então enterra a cabeça entre as mãos e
esfrega o rosto uma vez.
Meu coração dói por ele. Pelo menos eu posso lamentar meu irmão sem medo do
ódio dos outros. Como deve ser saber que o pai que você amou uma vez foi o responsável
por tais atos de maldade?
“Não se sinta culpado por sua dor”, eu digo baixinho. “Apesar de tudo, ele era seu
pai.”
Seu olhar vem descansar em mim, e como se puxado por uma mão invisível, ele
se inclina para a frente. Ele oscila ali, pairando perigosamente entre o desejo e a razão. Ele
está tão perto agora, perto o suficiente que se eu fosse para frente um pouco, nossos lábios
poderiam se escovar um contra o outro. Eu sinto sua respiração fraca contra minha pele, o
calor da sua proximidade, a mansidão tranquila de seu amor. Neste momento, sinto-me
atraída por ele.
“June…”, Ele sussurra. Seus olhos dançam pelo meu rosto.
Em seguida, ele toca o meu queixo com uma mão, me persuade a frente, e me
beija.
Eu fecho meus olhos. Eu deveria impedi-lo, mas eu não quero. Há algo
eletrizante sobre a paixão nua no jovem Eleitor da República, a maneira como ele se inclina
para mim, seu desejo exposto mesmo sob sua polidez infalível. Como ele abre seu coração
para ninguém além de mim. Como, apesar de tudo trabalhando contra ele, ele ainda tem a
força para sair todos os dias com a cabeça erguida e as costas eretas. Como um soldado,
por causa de seu país. Como todos nós. Deixei-me sucumbir. Ele se afasta dos meus lábios
para beijar minha bochecha. Em seguida, a linha suave de minha mandíbula, bem debaixo
da minha orelha. Então, meu pescoço, apenas o murmúrio suave de um toque. Um arrepio
me percorre. Eu posso senti-lo se segurando, e eu sei que o que ele realmente quer fazer é
atar os dedos pelo meu cabelo e afogar-se em mim.
Mas ele não o faz. Ele sabe, tanto quanto eu, que isso não é real.
Eu tenho que parar. E com um esforço de dor, eu me afasto. Eu me esforço para
recuperar o fôlego. “Eu sinto muito,” eu sussurro. “Eu não posso.”
Anden olha para baixo, envergonhado. Mas não surpreso. Suas bochechas têm
um leve rosa na penumbra da sala, e ele passa a mão pelo cabelo. “Eu não deveria ter feito
isso”, ele murmura. Caímos em um silêncio desconfortável por alguns segundos, até Anden
suspirar e se inclinar todo o caminho de volta. Eu me curvo um pouco, tanto desapontada
quanto aliviada. “Eu… sei que você se importa profundamente com o Day. Eu sei que não
posso esperar competir com isso.” Ele faz uma careta. “Isso foi inadequado de minha parte.
As minhas desculpas, June.”
Eu tenho um desejo fugaz de beijá-lo novamente, para lhe dizer que eu me
importo, e para apagar a dor e vergonha em seu rosto que puxa meu coração. Mas eu
também sei que eu não o amo, e eu não posso levá-lo assim. Eu conheço a verdadeira
razão pela qual fomos tão longe, é que eu não podia suportar afastá-lo em seu momento
mais sombrio. Que eu queria, no fundo… é que ele fosse outra pessoa. A verdade me enche
de culpa. “Eu deveria ir”, eu digo tristemente.
Anden se move para mais longe mim. Ele parece mais sozinho do que nunca.
Ainda assim, ele recompõe-se e inclina a cabeça respeitosamente. Seu momento de
fraqueza passou, e sua polidez habitual, assume. Como sempre, ele esconde bem a sua
dor. Então ele se levanta e estende a mão para mim. “Eu vou levá-la de volta para seu
quarto. Descanse um pouco — sairemos cedo manhã.”
Eu levanto também, mas eu não tomo sua mão. “Está tudo bem. Eu posso
encontrar meu caminho de volta.” Eu evito o encontro com o seu olhos. Eu não quero ver
como tudo que eu digo só o machuca mais. Então eu me volto para a porta e o deixo para
trás.
Ollie me cumprimenta com um rabo abanando quando eu volto para o meu
quarto. Após uma sessão de afagos, decido experimentar o portal Internet no meu quarto,
enquanto ele se enrola nas proximidades e cai imediatamente no sono. Eu faço uma
pesquisa sobre Anden, bem como sobre o seu pai. O portal do meu quarto é uma versão
simplificada dos portais que utilizei anteriormente, sem texturas e sons interativos anexados,
mas ainda é muito além de qualquer coisa que eu já vi na República. Eu seleciono
silenciosamente através dos resultados da busca. A maioria é fotos e vídeos de propaganda
que eu reconheço — Anden tem seu retrato quando menino, o ex-Eleitor em pé na frente de
Anden em eventos da imprensa oficial e reuniões. Mesmo a comunidade internacional
parece ter pouca informação sobre a relação entre pai e filho. Mas quanto mais fundo eu
cavo, mais eu tropeço em momentos de algo surpreendentemente genuíno. Eu vejo um
vídeo de Anden com uns quatro anos de idade, segurando sua saudação com um rosto
jovem solene enquanto seu pai mostra-lhe pacientemente como. Eu encontro uma foto do
falecido Eleitor segurando um choroso e assustado Anden em seus braços e sussurrando
algo em seu ouvido, alheio à multidão que os rodeia. Eu vejo um clipe dele furiosamente
empurrando a imprensa internacional para longe de seu pequeno filho, dele apertando a
mão de Anden com tanta força que suas mãos juntas estão brancas. Eu tropeço em uma
rara entrevista entre ele e um repórter da África, que lhe pergunta o que é mais importante
na República.
“Meu filho,” o Eleitor responde sem hesitação. Sua expressão nunca abranda,
mas as nuances de sua voz mudam ligeiramente. “Meu filho sempre será tudo para mim,
porque um dia ele será tudo para a República.” Ele faz uma pausa por um segundo para
sorrir para o repórter. Dentro desse sorriso, eu acho que vejo vislumbres de um homem
diferente, que uma vez existiu. “Meu filho… lembra a mim.”
* * *
Nós tínhamos inicialmente previsto retornar à capital na manhã seguinte, mas a
notícia chega justo quando estamos embarcando em nosso jato em Ross City. Ela vem mais
cedo do que pensávamos que seria.
Denver caiu ante as Colônias.
“DAY. ESTAMOS AQUI.”
Abro os olhos grogue ao som suave da voz de Tess. Ela sorri para mim. Há
uma pressão na minha cabeça, e quando eu chego a tocar no meu cabelo, eu percebo
que as ataduras estão enroladas em torno da minha testa. Meu corte na mão também
está agora coberto de linho branco limpo. Isso me dá mais um segundo para perceber
que eu estou sentado em uma cadeira de rodas.
“Oh, vamos lá,” Eu digo imediatamente. “Uma cadeira de rodas?” Minha
cabeça parece nebulosa e leve, a sensação familiar de sair de uma dose de
analgésicos. “Onde estamos? O que aconteceu comigo?”
“Você provavelmente precisará parar em um hospital, quando sairmos do
trem. Eles acham que toda a comoção provocou uma resposta ruim em você.” Tess
caminha ao meu lado, enquanto algum soldado me empurra para baixo ao longo do
vagão do trem. Mais à frente, vejo Pascao e outros Patriotas descerem do trem.
“Estamos em Los Angeles. Estamos de volta para casa.”
“Onde estão Eden e Lucy?” Eu pergunto. “Você sabe?”
“Eles já se estabeleceram em seu apartamento temporário no setor Ruby,”
Tess responde. Ela fica quieta por um segundo. “Suponho que o setor joia seja a sua
casa agora.”
Casa. Eu me calo enquanto saio do trem para a plataforma com os outros
soldados. Los Angeles parece tão quente como nunca, um dia obscuro típico do final
do outono, e a luz amarelada me faz olhar de soslaio. A cadeira de rodas é tão
estranha e irritante. Eu tenho uma vontade súbita de me levantar e chutá-la para os
trilhos. Eu sou um corredor, não deveria estar preso nesta coisa. Outra resposta ruim,
desta vez desencadeado pela comoção? Eu cerro os dentes para o quão fraco eu me
tornei. Último prognóstico do médico me assombra. Um mês, talvez dois. A frequência
de fortes dores de cabeça tem definitivamente aumentado.
Os soldados me ajudam a entrar em um jipe. Antes de sair, Tess chega
através da minha janela aberta do carro e me dá um abraço. O calor repentino dela me
assusta. Tudo que posso fazer é abraçá-la de volta, saboreando o momento breve.
Nós olhamos um para o outro até que o jipe finalmente se afasta da estação e a figura
de Tess desaparece em torno de uma curva. Mesmo assim, eu continuo virando no
meu lugar para ver se consigo encontrá-la.
Nós paramos em um cruzamento. Enquanto esperamos para um grupo de
pessoas evacuadas atravessarem na frente do nosso jipe, eu estudo as ruas do
centro de Los Angeles. Algumas coisas parecem inalteradas: Linhas de soldados
latindo ordens para refugiados indisciplinados; outros civis ficam à margem e
protestam contra o afluxo de novas pessoas; os JumboTrons continuam piscando
mensagens de incentivo das chamadas vitórias da República na frente de guerra,
lembrando as pessoas: Não deixe que as Colônias conquistem a sua casa! Apoie a
causa!
Minha conversa com Eden se reproduz em minha mente.
Eu pisco, então olho mais de perto as ruas. Desta vez, as cenas que eu
achava que eram conhecidas tomaram um novo contexto. As linhas de soldados
latindo ordens estão realmente distribuindo rações para os novos refugiados. Os civis
que protestavam contra as novas pessoas estão realmente sendo permitidas
protestarem contra — soldados olham, mas suas armas permanecem escondidas em
seus cintos. E as propagandas dos JumboTrons, uma vez que as imagens que
pareciam tão ameaçadoras para mim, agora parecem mensagens de otimismo, uma
transmissão de esperança em tempos sombrios, uma tentativa desesperada de
manter o espírito das pessoas para cima. Não muito longe de onde o nosso jipe
parou, eu vejo uma multidão de crianças desalojadas em torno de um jovem soldado.
Ele ajoelhou-se ao nível dos seus olhos, e em suas mãos está uma espécie de
brinquedo fantoche que ele está usando agora animadamente para contar às crianças
uma história. Eu rolo minha janela para baixo. Sua voz é clara e otimista. De vez em
quando, as crianças riem, seus medos e confusão momentaneamente mantidos à
distância. Perto dali, os pais olham com rostos ambos exaustos e agradecidos.
As pessoas da República… estão trabalhando em conjunto.
Eu franzo a testa com o pensamento estranho. Não há dúvida de que a
República tem feito algumas coisas horríveis para todos nós, que ainda pode estar
fazendo essas coisas. Mas… talvez eu também tenha visto as coisas que eu queria
ver. Talvez agora que o velho Eleitor desapareceu, os soldados da República já
começaram a lançar suas máscaras também. Talvez eles realmente estão seguindo o
exemplo de Anden.
O jipe leva-me primeiro para ver o apartamento onde está Eden. Ele sai
correndo para me cumprimentar quando paramos em frente, toda a tristeza da nossa
briga anterior se foi. “Eles disseram que você causou um monte de problemas lá
fora”, diz ele, enquanto ele e Lucy se juntam a mim no jipe. Um olhar de desaprovação
se arrasta em seu rosto. “Nunca mais me assuste assim de novo.”
Dou-lhe um sorriso irônico e despenteio o cabelo dele. “Agora você sabe
como eu me sinto sobre a sua decisão.”
No momento em que parei fora do Hospital Central de Los Angeles, o rumor
da nossa chegada já tinha se espalhado como fogo e uma enorme multidão estava
esperando meu jipe. Eles estavam gritando, chorando, cantando, e levou duas
patrulhas de soldados para formar o suficiente de uma passarela para que eles nos
introduzisse no interior do hospital. Olho entorpecido para as pessoas enquanto eu
passo. Muitos deles têm uma faixa escarlate em seus cabelos, enquanto outros
sustentam placas. Eles gritam a mesma coisa.
NOS SALVE.
Eu desvio o olhar nervosamente. Eles todos viram e ouviram sobre o que eu
fiz com os Patriotas, em Denver. Mas eu não sou um supersoldado, sou um menino
morrendo que está prestes a ser preso, indefeso, no hospital, enquanto um inimigo
assume nosso país.
Eden se inclina sobre o guidão da minha cadeira de rodas. Mesmo que ele
não diga uma palavra, eu dou uma olhada em seu rosto solene e sei exatamente o que
está passando através de sua mente. O pensamento envia terror escorrendo pela
minha espinha.
Eu posso salvá-los, o pensamento do meu irmãozinho. Deixe-me salvá-los.
Uma vez que estamos dentro do hospital e os soldados barram as portas,
eles me levam até o terceiro andar. Ali, Eden espera fora enquanto os médicos
amarram um monte de nós e fios de metal em mim. Eles executam uma varredura
cerebral. Por fim, me deixam descansar. Por tudo isso, minha cabeça lateja
continuamente, às vezes tanto que eu sinto que estou em movimento, mesmo que eu
esteja deitado em uma cama. Enfermeiras entram e me dão algum tipo de injeção. Um
par de horas mais tarde, quando eu estou forte o suficiente para me sentar, um par de
médicos vêm me ver.
“O que é isso?” Pergunto para que possam falar. “Eu só tenho três dias?
Qual é o problema?”
“Não se preocupe”, disse um deles, o mais jovem e mais inexperiente.
“Você ainda tem um par de meses. O seu prognóstico não mudou.”
“Oh”, eu respondo. Bem, isso é um alívio.
O médico mais velho coça desconfortavelmente em sua barba. “Você ainda
pode se movimentar e fazer atividades normais, o que quer que seja”, ele resmunga,
“mas não se esforce. Quanto aos seus tratamentos…” Ele faz uma pausa aqui, então
me olha por cima de seus óculos. “Nós vamos tentar algumas drogas mais radicais”,
o médico continua com uma expressão estranha. “Mas deixe-me ser claro, Day, o
nosso maior inimigo é o tempo. Estamos lutando duro para preparar uma cirurgia
muito arriscada, mas o tempo das suas necessidades de medicação pode ser mais
longo do que o tempo que lhe resta. Há muita coisa que podemos fazer.”
“O que podemos fazer?” Eu pergunto.
O médico acena para o saco de fluido pingando pendurado ao meu lado.
“Se você fizer isso com o curso completo, você pode estar pronto para a cirurgia
alguns meses a partir de agora.”
Eu abaixo a minha cabeça. Eu tenho alguns meses? Eles não tem certeza
sobre a interrupção. “Então,” eu murmuro, “Eu poderia estar morto no momento em
que a cirurgia chegar. Ou talvez não haveria uma República.”
Meu último comentário drena o sangue do rosto do médico. Ele não
responde, mas ele não precisa. Não admira que os outros médicos tinham me avisado
para arrumar minhas coisas em ordem. Mesmo na melhor das circunstâncias, eu
poderia não sobreviver a tempo. Mas eu posso realmente viver o suficiente para ver a
queda da República. O pensamento me faz tremer.
A única maneira que a Antártida ajudará é se a prova de uma cura contra
esta praga, dar lhes uma razão para chamar as suas tropas para impedir a invasão
das Colônias. E a única maneira de fazer isso é deixar Eden se entregar à República.
* * *
O medicamento me bate, e é um dia inteiro antes de recuperar a
consciência. Quando os médicos não estão lá, eu testo minhas pernas tomando
caminhadas curtas ao redor do meu quarto. Eu me sinto forte o suficiente para ir sem
uma cadeira de rodas. Ainda assim, eu tropeço quando tento andar de um lado do
quarto para o outro. Nada. Eu suspiro de frustração, em seguida, me puxo de volta
para a cama. Meus olhos mudam para uma tela na parede, onde imagens de Denver
estão sendo jogadas. Posso dizer que a República é cuidadosa sobre o quanto eles
mostram. Eu tinha visto em primeira mão como ela estava quando as tropas das
Colônias começaram a chegar, mas na tela há apenas tiros distantes da cidade. O
espectador pode apenas ver a fumaça subindo de vários edifícios e a linha sinistra de
aeronaves da Colônia pairando perto da borda da Muralha. Em seguida, ele corta para
imagens de jatos da República alinhados no aeródromo, se preparando para se
lançarem a batalha. Pela primeira vez, estou feliz que a propaganda está no lugar.
Simplesmente não há ponto de assustar o inferno fora de todo o país. Poderia muito
bem mostrar a luta da República de volta.
Eu não posso parar de pensar sobre o rosto sem vida de Frankie. Ou a
forma como a cabeça de Thomas caiu quando os soldados das Colônias atiraram
nele. Estremeço, pois repete em minha mente. Eu espero em silêncio por mais meia
hora, observando enquanto as imagens da tela mudam da batalha de Denver para
manchetes sobre como eu tinha ajudado a abrandar as tropas invasoras das
Colônias. Mais pessoas estão nas ruas agora, com suas listras vermelhas e placas
feitas à mão. Eles realmente acham que eu estou fazendo a diferença. Eu esfrego a
mão no meu rosto. Eles não entendem que eu sou apenas um garoto – eu nunca quis
me envolver tão profundamente em nada disso. Sem os Patriotas, June, ou Anden, eu
não poderia ter feito nada. Eu sou inútil no meu próprio país.
Estática de repente bate fora do meu fone de ouvido; uma chamada
recebida. Eu pulo. Em seguida, uma voz masculina desconhecida no meu ouvido: “Sr.
Wing”, diz o homem. “Eu presumo que é você?”.
Eu franzo a testa. “Quem é?”
“Sr. Wing”, o homem diz, acrescentando um toque de emoção rachada que
envia um arrepio na espinha. “Aqui é o Chanceler das Colônias. Prazer em conhecê-
lo.”
O Chanceler? Eu engulo em seco. Sim, certo. “Isso é algum tipo de piada?”
Eu estalo no microfone. “Algum hacker—”
“Oh, vamos. Isso não seria uma piada muito engraçada, agora não é?”
Eu não sabia que as Colônias poderiam acessar nossas linhas de fone de
ouvido e fazer chamadas como esta. Eu franzo a testa, em seguida, abaixo a minha
voz. “Como você entrou?” São as Colônias vencedoras em Denver? Será que a
cidade já caiu, logo depois que terminamos de evacuá-la?
“Eu tenho os meus meios”, o homem responde, com a voz totalmente
calma. “Parece que alguns do seu povo desertaram para o nosso lado. Eu não posso
dizer que os culpo.”
Alguém na República deve ter passado informação para as Colônias,
permitindo que eles utilizassem as nossas linhas de dados como esta. De repente,
meus pensamentos correm de volta para o trabalho que eu tinha feito com os
Patriotas, onde os soldados das Colônias tinham disparado na cabeça de Thomas, as
imagens enviam um tremor violento através de mim, e eu me forço a afastá-las.
Comandante Jameson.
“Espero que eu não esteja incomodando você”, o Chanceler diz antes que
eu possa responder, “dada a sua condição e tal. E eu tenho certeza que você deve
estar se sentindo um pouco cansado depois de sua pequena aventura em Denver.
Estou impressionado, devo dizer.”
Eu não respondo a isso. Eu me pergunto o que mais ele sabe – se ele sabe
em qual hospital atualmente estou deitado… ou pior, onde o nosso novo apartamento
é, onde está Eden. “O que você quer?” Eu finalmente sussurro.
Eu posso praticamente ouvir o sorriso do Chanceler sobre o meu fone de
ouvido. “Eu odiaria desperdiçar seu tempo, então vamos chegar ao miolo desta
conversa. Eu percebo que o atual Eleitor da República é este sujeito, o jovem Anden
Stavropoulos.” Seu tom é condescendente. “Mas vamos, você e eu sabemos quem
realmente manda em seu país. E esse é você. As pessoas te amam, Day. Quando
minhas primeiras tropas entraram em Denver, você sabe o que eles me disseram? 'Os
civis têm cartazes de Day colados nas paredes. Eles querem vê-lo de volta nas telas.'
Eles têm sido muito teimosos para cooperar com os meus homens, e é um processo
surpreendentemente cansativo conseguir que o façam.”
Minha raiva lentamente queima. “Deixe os civis fora disso”, eu digo através
de uma mandíbula apertada. “Eles não pediram para você invadir suas casas.”
“Mas você esquece”, diz o Chanceler em uma voz persuasiva. “Sua
República fez exatamente a mesma coisa para eles por décadas — não fizeram para
sua própria família? Estamos invadindo a República por causa do que eles nos
fizeram. Este vírus que eles enviaram através da fronteira. Exatamente onde está sua
lealdade, e por quê? E você percebe, meu filho, quão incrível é a sua posição na sua
idade, como você tem o seu dedo no pulso da nação? Quanta energia você mantêm-”
“Qual é o seu ponto, Chanceler?”
“Eu sei que você está morrendo. Eu também sei que você tem um irmão
mais novo que você gostaria de ver crescer.”
“Você traz Eden para isso de novo, e essa conversa acaba.”
“Muito bem. Somente tenha paciência comigo. Nas Colônias, Meditech Corp
lida com todos os nossos hospitais e tratamentos, e posso garantir-lhe que fariam um
trabalho muito mais fino lidando com seu caso do que qualquer coisa que a República
pode oferecer. Então aqui está o negócio. Você pode lentamente esculpir tudo o que
resta de sua vida, permanecendo fiel a um país que não é leal a você, ou você pode
fazer algo por nós. Você pode pedir publicamente as pessoas da República para
aceitar as Colônias, e ajudar este país em queda sob o domínio de algo melhor. Você
pode começar o tratamento em um local de qualidade. Isso não seria legal?
Certamente você merece mais do que o que você está recebendo.”
Uma risada desdenhosa força o seu caminho para fora de mim. “Sim, certo.
Você espera que eu acredite nisso?”
“Bem, agora”, diz o Chanceler, tentando soar divertido, mas desta vez eu
detecto escuridão em suas palavras. “Eu posso ver que este é um argumento
perdedor. Se você optar por lutar pela República, vou respeitar essa decisão. Só
espero que o melhor aconteça para você e seu irmão, mesmo depois de estabelecer o
nosso lugar firmemente na República. Mas eu sou um homem de negócios, Day, e eu
gosto de trabalhar com um plano B em mente. Então, deixe-me perguntar-lhe isto no
lugar.” Ele faz uma pausa por um segundo. "A Princesa Eleita June Iparis. Você a
ama?”
Uma garra gelada agarra meu peito. “Por quê?”
“Bem”. O Chanceler permite transformar sua voz sombria. “Você tem que
ver essa situação do meu ponto de vista”, diz ele suavemente. “As Colônias vão
ganhar, inevitavelmente, a este ritmo. Srta. Iparis é uma das pessoas sentadas no
coração do governo perdedor. Agora, meu filho, eu quero que você pense sobre isso.
O que você acha que acontece com o governo regente no lado perdedor de uma
guerra?”
Minhas mãos tremem. Este é um pensamento que flutuava nas trevas da
minha mente, algo que eu me recusava a pensar. Até agora. “Você está a
ameaçando?” Eu sussurro.
O Chanceler repreende em desaprovação ao meu tom. “Eu só estou sendo
razoável. O que você acha que vai acontecer com ela, uma vez que declararmos
vitória? Você realmente acha que vamos deixar viver uma menina que está a caminho
de se tornar a líder do Senado da República? Isto é como todas as nações civilizadas
trabalham, Day, e tem sido assim há séculos. Por milênios. Afinal de contas, eu tenho
certeza que o seu Eleitor executou aqueles que estavam contra ele. Não foi?” Eu fico
em silêncio. “Srta. Iparis, junto com o Eleitor e seu Senado, serão julgados e
executados. Isso é o que acontece a um governo perdedor em uma guerra, Day”. Sua
voz fica séria. “Se você não cooperar conosco, então você pode ter que viver com o
seu sangue em suas mãos. Mas se você cooperar, eu poderia encontrar uma maneira
de perdoá-los de seus crimes de guerra. E mais”, acrescenta ele, “você pode ter
todos os confortos de uma vida de qualidade. Você não vai precisar se preocupar com
a segurança de sua família nunca mais. Você não terá que se preocupar com as
pessoas da República também. Eles não sabem de nada; o povo comum nunca sabe o
que é bom para eles. Mas você e eu não, não é? Você sabe que está melhor sem as
regras da República. Às vezes, eles simplesmente não entendem as suas escolhas,
eles precisam de suas decisões tomadas por eles. Afinal, você escolheu manipular as
pessoas para si mesmo quando você queria que eles aceitassem seu novo Eleitor.
Estou correto?”
Julgada e executada. June teria ido. Temer a possibilidade é uma coisa;
ouvi-la soletrada para mim, em seguida, usá-la para me chantagear é outra. Minha
mente gira freneticamente para encontrar maneiras que eles poderiam fugir em vez
disso, para encontrar asilo em outro país. Talvez a Antártida pode manter June e os
outros protegidos no caso das Colônias invadir o país. Deve haver uma maneira.
Mas… o que acontece com o resto de nós? O que impede as Colônias de
prejudicarem o meu irmão?
“Como eu sei que você vai manter sua palavra?” Eu finalmente consegui
resmungar.
“Para mostrar a minha verdadeira natureza, dou-lhe minha palavra de que
as Colônias cessaram os seus ataques a partir desta manhã, e eu não vou retomá-los
por três dias. Se você concordar com a minha proposta, que garantiria a segurança
das pessoas da República… e de seus entes queridos. Então, deixo a escolha ser
sua.” O Chanceler ri um pouco. “E eu recomendo que você mantenha a nossa
conversa para si mesmo.”
“Eu vou pensar sobre isso”, eu sussurro.
“Maravilhoso.” A voz do Chanceler ilumina. “Como eu disse, o mais breve
possível. Depois de três dias, eu vou esperar ouvir de volta um anúncio público para a
República. Isto pode ser o início de uma relação muito frutífera. O tempo é a essência,
eu sei que você entende disso mais do que ninguém.”
Em seguida, a chamada termina. O silêncio é ensurdecedor. Me sento diante
do peso da nossa conversa por um tempo, assimilando. Pensamentos correm
interminavelmente pela minha mente… Eden, June, a República, o Eleitor. Seu sangue
em suas mãos. A frustração e o medo borbulham dentro do meu peito ameaçando me
afogar em sua maré. O Chanceler é inteligente, eu vou dar-lhe isso – ele sabe
exatamente quais são os meus pontos fracos e ele vai tentar usá-los a seu favor. Mas
dois podem jogar este jogo. Tenho de avisar June, e eu vou ter que fazê-lo em
silêncio. Se as Colônias descobrirem que eu passei a palavra em vez de manter a
minha boca fechada e fazer como diz o Chanceler, então quem sabe que truques eles
podem tentar puxar. Mas talvez a gente possa usar isso a nosso favor. Minha mente
gira. Talvez possamos enganar o Chanceler em seu próprio jogo.
De repente, um grito ecoa a partir do corredor do lado de fora que levanta
cada fio de cabelo na minha pele. Viro a cabeça na direção do som. Alguém está vindo
pelo corredor contra a sua vontade, quem quer que seja deve estar fazendo uma luta
muito boa.
“Eu não estou infectada,” protesta a voz. Ela cresce mais alta até chegar do
lado de fora da minha porta, em seguida, desaparece como o som das rodas das
macas que passam no corredor. Eu reconheço a voz imediatamente. “Faça os testes
novamente. Não é nada. Eu não estou infectada.”
Mesmo que eu não saiba exatamente o que está acontecendo, tenho
instantaneamente certeza de uma coisa: a doença se espalhando através das
Colônias tem uma nova vítima.
Tess.
PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DA REPÚBLICA, não há capital para
pousar. Nós pousamos em um aeródromo localizado no extremo sul da Universidade Drake
as 1600 horas, nem a um quarto de milha de distância de onde eu costumava assistir a
todas as minhas aulas de História da República. A tarde está desconcertantemente
ensolarada. Foi realmente há menos de um ano desde que tudo aconteceu? À medida que
saio do avião e espero que a nossa bagagem seja descarregada, eu olho ao redor em um
estado de estupor maçante. O campus, tanto nostálgico e estranho para mim, está mais
vazio do que eu me lembro — muitos dos estudantes do último ano, eu ouvi, foram
empurrados para a graduação mais cedo, a fim de enviá-los para a frente de guerra para
lutar pela sobrevivência da República. Eu ando em silêncio pelas ruas do campus alguns
passos atrás de Anden, enquanto Mariana e Serge, como parte de sua natureza de
Senadores, mantêm um fluxo constante de conversas com seu Eleitor de uma forma
tranquila. Ollie fica perto do meu lado, os pelos da nuca levantados. O pátio principal da
Drake, normalmente cheio de alunos passando, é agora o lar de uns poucos refugiados
trazidos de Denver e algumas cidades vizinhas. Uma estranha vista inquietante.
No momento em que chegamos a uma série de jipes esperando por nós e
começamos a viajar através do setor Batalla, percebo as várias coisas em toda LA que
foram alteradas. Centros de evacuação surgiram onde o setor Batalla se une com Blueridge,
onde os edifícios militares dão lugar a arranha-céus de civis, e muitos dos edifícios mais
antigos, meio abandonados ao longo destes setores pobres foram apressadamente
convertidos em centros de evacuação. Grandes multidões de refugiados de Denver lotam as
entradas, tudo na esperança de ter a sorte de conseguir um quarto. Um olhar me diz que,
naturalmente, as pessoas esperando aqui são, provavelmente, todos a partir de setores
pobres de Denver.
“Onde estão colocando as famílias de classe alta?” Pergunto a Anden. “Em um
setor joia, eu acredito?” Acho que é difícil dizer algo assim agora, sem uma ponta afiada na
minha voz.
Anden parece infeliz, mas ele calmamente responde: “Em Ruby. Vocês todos,
Mariana e Serge terão apartamentos lá.” Ele lê a minha expressão. “Eu sei o que você está
pensando. Mas eu não posso dar ao luxo de ter nossas famílias ricas se revoltando contra
mim por forçá-los em centros de evacuação nos setores pobres. Eu tinha definido um
número de espaços em Ruby a ser alocados para os pobres — eles foram atribuídos a eles
em um sistema de sorteio.”
Eu não respondo, simplesmente porque eu não tenho nada para argumentar
contra. O que há para fazer em relação a esta situação? Não é como se Anden pudesse
arrancar a infraestrutura de todo o país no espaço de um ano. Quando eu olho pela janela,
um grupo crescente de manifestantes se reúne ao longo da borda de uma zona vigiada de
refugiados. MOVA-OS PARA A PERIFÊRIA! Um dos cartazes diz. MANTÊNHA-OS EM
QUARENTENA!
A visão envia um arrepio na espinha. Não parece tão diferente do que tinha
acontecido nos primeiros anos da República, quando o oeste protestou pelas pessoas que
fugiam do leste.
Conduzimos em silêncio por um tempo. Então, de repente, Anden pressiona a
mão contra sua orelha e gesticula para o motorista. “Ligue a tela”, diz ele, apontando para o
pequeno monitor embutido nos assentos do jipe. “General Marshall diz que as Colônias
estão transmitindo algo pelo nosso décimo segundo canal.”
Todos nós vemos quando o monitor vem à vida. No começo a gente só vê uma
tela em preta e branco, mas, em seguida, a transmissão vem, e eu olho enquanto o slogan e
o selo das Colônias aparecem sobre uma bandeira oscilante.
AS COLÔNIAS DA AMÉRICA
CLOUD. MEDITECH. DESCON. EVERGREEN
UM ESTADO LIVRE É UM ESTADO CORPORATIVO
Em seguida, uma paisagem noturna de uma cidade bonita e brilhante aparece,
completamente coberta de milhares de luzes azuis cintilantes. “Cidadãos da República”, diz
uma voz grandiosa. “Bem-vindos as Colônias da América. Como muitos de vocês já sabem,
as Colônias têm superado a capital da República de Denver e, como tal, declarado uma
vitória não oficial sobre o regime tirânico que tem mantido todos sob seu polegar. Depois de
mais de uma centena de anos de sofrimento, agora você está livre.” O cenário muda para
um mapa de cima para baixo, tanto da República e das Colônias, com exceção desta vez, a
linha que divide as duas nações se foi. Um arrepio percorre minha espinha. “Nas próximas
semanas, você vai ser integrado em nosso sistema de concorrência leal e de liberdade.
Você é um cidadão das Colônias. O que significa isso, você pode se perguntar?”
A narração faz uma pausa, e as imagens mudam para uma família feliz
segurando um cheque na frente deles. “Como um novo cidadão, cada um terá direito a pelo
menos cinco mil Notas das Colônias, o equivalente a sessenta mil Notas da República,
concedidos por uma de nossas quatro principais corporações em que você decidir trabalhar.
Quanto maior a sua renda atual, mais nós vamos pagá-lo. Você não vai mais responder a
polícia de rua da República, e sim para as patrulhas da cidade DesCon, sua própria polícia
de bairro privada dedicada para servir você. O seu empregador não será mais a República,
mas uma de nossas quatro distintas corporações, onde você poderá aplicar uma carreira
gratificante.” O vídeo muda novamente para cenas de trabalhadores felizes, orgulhosos,
rostos sorridentes pairando sobre ternos e gravatas. “Nós oferecemos a vocês, cidadãos, a
liberdade de escolha.”
A liberdade de escolha. Flash de imagens na minha mente do que eu tinha visto
nas Colônias quando Day e eu nos aventuramos a primeira vez em seu território. As
multidões de trabalhadores, as favelas dos pobres em ruínas. Os anúncios impressos por
toda as roupas das pessoas. Os comerciais que cobriam cada centímetro quadrado das
construções. Acima de tudo, a polícia de DesCon, a maneira como eles se recusaram a
ajudar a mulher que foi roubada e que não havia feito seus pagamentos a seu
departamento. É este o futuro da República? E de repente eu me sinto enjoada, porque eu
não posso dizer se as pessoas estariam melhores na República ou nas Colônias.
A transmissão continua. “Nós só pedimos que você retorne um pequeno favor
para nós.” Os vídeos mudam novamente, desta vez para uma cena de pessoas que
protestavam em solidariedade. “Se você, como um civil, têm queixas contra a República,
agora é o momento de expressá-las. Se você for corajoso o suficiente para realizar
protestos em toda as suas respectivas cidades, as Colônias pagarão a você um adicional de
cinco mil Notas das Colônias, bem como conceder-lhe um desconto de um ano em todos os
nossos produtos comestíveis Corp Cloud. Envie a sua prova de participação em qualquer
sede DesCon em Denver, Colorado, com o seu nome e endereço para correspondência.”
Então, isso explica os vários protestos aparecendo ao redor da cidade. Mesmo
sua propaganda soa como um anúncio. Um perigosamente tentador. “Declarando vitória um
pouco cedo demais”, eu digo baixinho.
“Eles estão tentando voltar as pessoas contra nós”, murmura Anden em resposta.
“Eles anunciaram um cessar-fogo, esta manhã, talvez como uma oportunidade para
disseminar propagandas como estas.”
“Eu duvido que isso será eficaz”, eu digo, embora eu não soe tão confiante como
eu deveria. Todos esses anos de propagandas contra as Colônias vão fazer as coisas
difíceis para eles. Não vão?
O jipe de Anden finalmente desacelera a um impasse. Eu franzo a testa, confusa
por um segundo. Em vez de levar-me de volta a um arranha-céu para o meu apartamento
temporário, estamos agora estacionados em frente ao Hospital Central de Los Angeles. O
lugar onde Metias morreu. Eu olho para Anden. “O que estamos fazendo aqui?” Eu
pergunto.
“Day está aqui”, Anden responde. Sua voz falha um pouco quando ele fala o
nome de Day.
“Por quê?”
Anden não olha para mim. Ele parece relutante em discutir o assunto. “Ele teve
um colapso durante a evacuação de Los Angeles”, explica ele. “A série de explosões que
usamos para destruir os túneis subterrâneos, aparentemente desencadearam uma de suas
dores de cabeça. Os médicos começaram uma nova rodada de tratamento com ele.” Anden
faz uma pausa, em seguida, me dá um grave olhar. “Não há outra razão pela qual estamos
aqui. Mas você vai ver por si mesma.”
O jipe para. Eu saio, então aguardo Anden. Um sentimento de medo se arrasta
lentamente através de mim. E se a doença de Day piorou? E se ele não sobreviver? É por
isso que ele está aqui? Não há nenhuma razão para Day pisar no interior deste edifício de
novo, a não ser que ele tenha sido forçado, não depois de tudo o que este hospital o fez
passar.
Juntos, Anden e eu entramos no prédio com os soldados nos seguindo. Subimos
até o quarto andar, onde um dos soldados libera a entrada, e, em seguida, caminhamos
pelo chão do laboratório do Hospital Central. O sentimento tenso no estômago só aperta à
medida que avançamos.
Finalmente, paramos em frente a uma pequena série de salas que revestem o
lado do piso principal do laboratório. Enquanto passamos por uma dessas portas, vejo Day.
Ele está de pé, fora de uma sala com paredes de vidro, fumando um de seus cigarros azuis
e olhando enquanto alguém dentro é inspecionado por técnicos de laboratório em trajes de
corpo inteiro. O que me faz perder o fôlego, no entanto, é que ele está apoiando-se
fortemente em um par de muletas. Há quanto tempo ele está aqui? Ele parece exausto,
pálido e distante. Eu me pergunto que novas drogas que os médicos estão tentando nele. O
pensamento é um lembrete súbito do esfaqueamento fugaz na vida em declínio de Day, os
poucos segundos que lhe resta, lentamente passando.
Ao lado dele estão alguns técnicos de laboratório com equipados macacões
brancos e óculos pendurados no pescoço, cada um deles observando o quarto e
escrevendo em seus cadernos. A uma curta distância, Pascao está em uma profunda
conversa com outros Patriotas. Eles deixam Day sozinho.
“Day?” Eu digo quando nos aproximamos.
Ele olha para mim, uma dúzia de emoções cintilam através de seus olhos,
algumas fazem minhas bochechas ruborizarem. Então ele percebe Anden. Ele consegue dar
ao Eleitor um aceno rígido de sua cabeça, em seguida, volta-se para assistir ao paciente, do
outro lado do vidro. Tess.
“O que está acontecendo?” Pergunto à Day.
Ele dá mais uma tragada em seu cigarro e baixa os olhos. “Eles não vão me
deixar entrar. Eles acham que ela pode ter vindo com o que quer que seja esta nova peste”,
diz ele. Sua voz é calma, mas eu posso ouvir uma corrente de frustração e raiva. “Eles já
fizeram testes em mim e nos outros Patriotas. Tess é a única que não veio limpa.”
Tess golpeia para longe uma das mãos dos técnicos de laboratório, então tropeça
para trás como se ela estivesse tendo problemas para manter o equilíbrio. Suor se forma em
sua testa e escorre pelo pescoço. O branco de seus olhos tem uma coloração amarela
doentia neles, e quando eu olho de perto, eu posso dizer que ela está apertando os olhos
em um esforço para ver tudo ao seu redor, algo que me faz lembrar de sua miopia, o jeito
como ela olhava nas ruas de Lake. Suas mãos estão tremendo. Eu engulo em seco com a
visão. Os Patriotas não poderiam ter sido expostos por muito tempo aos soldados das
Colônias, mas, aparentemente, foi o suficiente para que algum soldado carregando o vírus
passasse para um deles. Também é uma possibilidade muito real de que as Colônias estão
propositadamente espalhando a doença de volta para nós, agora que eles estão no nosso
território. Minhas entranhas se tornam geladas quando eu me lembro de uma frase do
antigo diário de Metias: Um dia nós vamos criar um vírus que ninguém será capaz de parar.
E isso só pode provocar a queda de toda a República.
Um dos técnicos de laboratório se vira para mim e oferece uma explicação
rápida. “O vírus parece uma mutação de uma de nossas experiências passadas com a
peste”, diz ela, disparando a Day um olhar nervoso (ele deve ter lhe dado um tempo difícil
sobre isso antes) antes de continuar. “Até onde podemos dizer a partir das estatísticas que
as Colônias lançaram, o vírus parece ter uma taxa de absorção baixa entre adultos
saudáveis, mas quando infecta alguém, a doença progride rapidamente e a taxa de
mortalidade é muito elevada. Estamos observando que o tempo entre infecção e morte leva
cerca de uma semana." Ela se vira momentaneamente para Tess, do outro lado do vidro.
“Ela está mostrando alguns sintomas como febre, tontura, icterícia, e o sintoma que nos
aponta para um de nossos próprios vírus fabricados, cegueira temporária ou, possivelmente,
permanente.”.
Ao meu lado, Day aperta suas muletas com tanta força que os nós dos seus
dedos ficam brancos. Conhecendo-o, eu me pergunto se ele já teve várias brigas com os
técnicos do laboratório, tentando forçar seu caminho para vê-la ou gritar com eles para
deixá-la sozinha. Eu sei que ele deve estar imaginando Eden agora, com os olhos roxos,
meio cego, e neste momento um ódio profundo com a antiga República enche meu peito.
Meu pai tinha trabalhado atrás daquelas portas de laboratório experimentais. Ele havia
tentado parar uma vez que ele descobriu o que eles estavam realmente fazendo com todas
essas pragas locais de LA, e ele deu a sua vida como um resultado. É realmente esse o
país que nós estamos protegendo agora? Pode a nossa reputação nunca mudar, aos olhos
do mundo ou das Colônias?
“Ela tentou salvar Frankie,” sussurra Day, com os olhos ainda fixos em Tess. “Ela
entrou na Muralha logo depois que fizemos. Eu pensei que Thomas iria matá-la.” Sua voz se
torna amarga. “Mas talvez ela já estivesse marcada para morrer.”
“Thomas?” Eu sussurro.
“Thomas está morto”, ele murmura. “Quando Pascao e eu estávamos fugindo
para a Muralha, eu o vi de pé enfrentando os soldados das Colônias sozinho. Ele continuou
a disparar contra eles, até que um tiro o acertou na cabeça.” Ele recua nesta sentença final.
Thomas está morto.
Eu pisco duas vezes, de repente paralisada da cabeça aos pés. Eu não deveria
estar chocada. Por que eu estou chocada? Eu estava preparada para isso. O soldado que
havia esfaqueado o meu irmão através do coração, que tinha disparado na mãe de Day…
ele se foi. E, claro, ele teria morrido desta forma, defendendo a República até o final,
inabalável em sua lealdade insana para um estado que já tinha virado as costas para ele.
Eu também entendo de imediato por que isso tem afetado tanto Day. Um tiro na cabeça. Eu
me sinto vazia com a notícia. Exausta. Entorpecida. Meus ombros cedem.
“É o melhor”, eu finalmente sussurro através do nó na minha garganta. Flashes
de imagens na minha cabeça de Metias, e do que Thomas me contou sobre sua última noite
vivo. Eu forço meus pensamentos de volta para Tess. Para os vivos, e naqueles que ainda
importam. “Tess vai ficar bem”, eu digo. Minhas palavras soam convincentes. “Nós apenas
temos que encontrar um caminho.”
Os técnicos de laboratório dentro da sala de vidro enfiam uma agulha longa no
braço direito de Tess, depois no esquerdo. Ela deixa escapar um soluço engasgado. Day
arranca seus olhos longe da cena, ajusta o controle sobre suas muletas, e começa a fazer o
seu caminho em direção a nós. Quando passa por mim, ele sussurra, “Essa noite”. Então,
ele deixa o resto de nós para trás e se dirige para o final do corredor.
Eu o vejo passar em silêncio. Anden suspira, olha triste para Tess, e junta-se aos
outros técnicos de laboratório. “Você tem certeza que Day está limpo?” Diz ele a quem havia
compartilhado a informação do vírus com a gente. Ela confirma isso, e Anden acena para
ela em aprovação. “Eu quero uma segunda verificação em todos os nossos soldados
imediatamente.” Ele se vira para um dos outros Senadores. “Então eu quero que uma
mensagem seja enviada de imediato para o Chanceler das Colônias, bem como o seu CEO
da DesCon. Vamos ver se a diplomacia pode nos levar a algum lugar.”
Finalmente, Anden me dá um longo olhar. “Eu sei que não tenho o direito de pedir
isso de você”, diz ele. “Mas se você pudesse encontrá-lo em seu coração e pedir novamente
a Day sobre seu irmão, eu ficaria muito grato. Nós ainda poderíamos ter uma chance com a
Antártida.”
1930 HORAS
SETOR RUBI
23º GRAUS
O arranha-céu onde ficarei fica a poucos quarteirões de distância de onde Metias
e eu costumávamos viver. A medida que o jipe onde estou se aproxima, eu olho para a rua e
tento ter um vislumbre do meu antigo apartamento. Mesmo o Setor Ruby está agora
bloqueado com segmentos de fita indicando quais áreas são para desabrigados, e os
soldados enchem as ruas. Gostaria de saber onde Anden fica no meio de toda essa
confusão; provavelmente em algum lugar no setor Batalha. Ele estará definitivamente
acordado até tarde esta noite. Antes que eu fosse para o meu apartamento atribuído, ele
tinha me levado a um lado na sala de laboratório. Seus olhos brilharam inconscientemente
em meus lábios e, em seguida, ele os levantou novamente. Eu sabia que ele estava
revivendo o breve momento que nós compartilhamos em Ross City, bem como as palavras
que vieram depois disso. Eu sei que você se importa profundamente com Day.
“June”, disse ele depois de uma pausa estranha. “Vamos nos encontrar com o
Senado amanhã de manhã para discutir quais serão nossos próximos passos. Eu quero lhe
dar o aviso que esta será uma conferência onde cada um dos Príncipes Eleitos vão entregar
algumas palavras ao grupo. É uma oportunidade de experimentar o que cada um de vocês
faria se você fosse o Príncipe Oficial, mas já aviso, as coisas podem ficar quentes.” Ele
sorriu um pouco. “Esta guerra nos deixou na borda, para dizer no mínimo.”
Eu queria dizer a ele que eu iria ficar de fora. Outra reunião com os Senadores,
outras quatro horas de duração da sessão ouvindo quarenta cabeças falantes todas lutando
para superar um ao outro, tratando de influenciar Anden para estar ao seu lado ou
constrangê-lo na frente dos outros. Sem dúvida, Mariana e Serge vão levar os argumentos
para ver qual deles poderá ser o melhor candidato para Príncipe. A simples ideia drena toda
a minha força restante. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de deixar Anden arcar com o fardo
sozinho em uma sala cheia de pessoas que são tão frias e distantes é muito difícil de
suportar. Então eu sorrio e curvou-me para ele, como uma boa Princesa Eleita. “Eu estarei
lá”, eu respondo.
Agora, o jipe segue até meu complexo atribuído e para, eu empurro a memória
para fora da minha mente. Eu saio do jipe com Ollie, em seguida, vejo o Jeep ir até que ele
vira uma esquina e desaparece completamente de vista. Me dirijo até o interior do arranha-
céu.
Inicialmente, eu pretendo passar no apartamento de Day logo depois de me
estabelecer em meu próprio, para ver o que ele quis dizer com o seu comentário “esta
noite”. Mas quando eu chego no meu apartamento, eu vejo que eu não preciso.
Day está acampado do lado de fora da minha porta, sentado preguiçosamente
contra a parede e distraidamente fumando um cigarro azul. Suas muletas estão largadas à
toa ao lado dele. Mesmo que ele não esteja se movendo, um pequeno pedaço de sua forma
selvagem, imprudente, desafiante, ainda brilha, e por um instante eu pisco de volta para
quando eu o conheci nas ruas, com seus olhos azuis brilhantes, movimentos rápidos e o
rebelde cabelo loiro. Essa imagem nostálgica é tão doce que de repente eu sinto meus
olhos lacrimejando. Eu respiro fundo para não chorar.
Ele se levanta quando me vê no final do corredor. “June”, diz ele enquanto eu me
aproximo.
Ollie trota para cumprimentá-lo, e ele acaricia meu cachorro uma vez na cabeça.
Ele ainda parece exausto, mas consegue me dar um vacilante e triste sorriso. Sem as
muletas, ele oscila em seus pés. Seus olhos estão pesados com angústia, e eu sei que é
por causa do que aconteceu mais cedo no laboratório. “A partir do olhar em seu rosto, eu
estou supondo que a Antártida não foi de muita ajuda.”
Eu balanço minha cabeça, em seguida, destranco a porta e o convido para
dentro. “Na verdade não”, eu respondo enquanto fecho a porta atrás de mim. Meus olhos
instintivamente estudam o lugar, memorizando seu layout. Lembra a minha antiga casa um
pouco demais para o conforto. “Eles contactaram as Nações Unidas sobre a peste. Eles vão
lacrar todos os nossos portos para o tráfego. Sem importações ou exportações, sem ajuda,
sem suprimentos. Estamos todos sob quarentena agora. Eles nos disseram que eles podem
nos ajudar só depois de mostrar-lhes a prova de uma cura, ou se Anden lhes entregar um
pedaço de terra da República como pagamento. Até então, eles não vão enviar qualquer
tropa. Tudo o que sei agora é que eles estão monitorando nossa situação bem de perto.”
Day não diz nada. Em vez disso, ele se afasta de mim e fica na varanda da sala.
Ele se inclina contra a grade. Coloco um pouco de comida e água para Ollie, então junto-me
a ele. O sol se pôs há um tempo atrás, mas com o brilho das luzes da cidade, podemos ver
as nuvens baixas que bloqueiam as estrelas, cobrindo o céu em tons de cinza e preto.
Percebo como pesadamente Day se apoia no corrimão para se sustentar, e eu estou
tentada a perguntar-lhe como ele está se sentindo. Mas a expressão em seu rosto me para.
Ele provavelmente não quer falar sobre isso.
“Então”, diz ele depois de outra tragada no cigarro. As luzes do JumboTrons
distantes pintam uma linha brilhante de azul e roxo em torno de seu rosto. Seus olhos
deslizam através dos edifícios, e eu sei que ele instintivamente está analisando como ele
correria através de cada um deles. “Acho que nós estamos por nossa conta agora. Não
posso dizer que estou chateado com isso, no entanto. A República sempre esteve para
fechar suas fronteiras, não foi? Talvez ela irá lutar melhor assim. Nada lhe motiva mais do
que estar sozinho e encurralado nas ruas.”
Quando ele levanta o cigarro aos lábios de novo, eu vejo sua mão trêmula. O
anel de clipe de papel brilha em seu dedo. “Day”, eu digo suavemente. Ele apenas levanta
uma sobrancelha e me olha de lado. “Você está tremendo.”
Ele exala uma nuvem de fumaça azul, cerra os olhos para as luzes da cidade na
escuridão, e em seguida abaixa os cílios. “É estranho estar de volta em Los Angeles”, ele
responde, com a voz distraída e distante. “Eu estou bem. Apenas preocupado com Tess.”
Uma longa pausa segue. Eu sei o nome — Eden — que paira nas pontas de ambas as
nossas línguas, embora nenhum de nós quer levá-la pela primeira vez. Day finalmente
termina o nosso silêncio, e quando o faz, ele se aproxima do tema com lenta e penosa dor.
“June, eu estive pensando sobre o que o seu Eleitor quer de mim. Sobre, você sabe… sobre
o meu irmão.” Ele suspira, depois se inclina mais longe no corrimão e passa a mão pelo
cabelo. Seu braço roça o meu, mesmo este pequeno gesto faz meu coração bater mais
rápido. “Eu tive uma discussão com Eden sobre isso tudo.”
“O que ele disse?” Eu pergunto. De alguma forma, eu me sinto culpada quando
eu penso sobre o pedido de Anden para mim. Se você pode encontrá-lo em seu coração
para pedir a Day novamente sobre seu irmão, eu ficaria muito grato.
Day coloca o cigarro na grade de metal. Seus olhos encontram os meus. “Ele
quer ajudar”, ele murmura. “Depois de ver Tess, hoje, e depois do que você me disse,
também…” Ele aperta sua mandíbula. “Eu vou falar com Anden amanhã. Talvez haja alguma
coisa no sangue de Eden que pode, você sabe… fazer a diferença em tudo isso. Talvez.”
Ele ainda está relutante, é claro, e eu posso ouvir claramente a dor em sua voz.
Mas ele também está concordando. Concordando em deixar a República usar seu irmão
mais novo para encontrar uma cura. Um pequeno sorriso agridoce puxa os cantos da minha
boca. Day, o herói do povo, aquele que não pode suportar ver aqueles ao redor dele
sofrerem em seu nome, que de bom grado dá a vida por aqueles que ama. Só que não é a
sua vida que precisamos para salvar Tess, mas a do seu irmão. Arriscando um ente querido
por causa de outro ente querido. Gostaria de saber se qualquer outra coisa o fez mudar de
ideia. “Obrigada, Day,” eu sussurro. “Eu sei como isso é difícil.”
Ele faz uma careta e balança a cabeça. “Não, eu só estou sendo egoísta. Mas eu
não posso fazer nada.” Ele olha para baixo, deixando à mostra suas fraquezas. “Só diga a
Anden para trazê-lo de volta. Por favor, traga-o de volta.”
Há outra coisa o incomodando, algo que está fazendo suas mãos tremerem
incontrolavelmente. Eu me inclino para ele, em seguida, coloco uma de minhas mãos sobre
a dele. Ele me olha nos olhos novamente. Há uma profunda tristeza e medo em seu rosto.
Quebra meu coração. “O que mais está errado, Day?” Eu sussurro. “O que mais você
sabe?”
Desta vez, ele não desvia o olhar. Ele engole, e quando ele fala, há um ligeiro
tremor em sua voz. “O Chanceler das Colônias me ligou enquanto eu estava no hospital.”
“O Chanceler?” Eu sussurro, cuidando de manter a voz baixa. Nunca se sabe.
“Tem certeza?”
Day acena uma vez. Então ele me diz tudo, a conversa que teve com o
Chanceler, os subornos, chantagens e ameaças. Ele me diz o que as Colônias têm
planejado para mim, que Day deveria recusar. Todos os meus medos nunca ditos.
Finalmente, ele suspira. A liberação de toda essa informação parece aliviar o peso sobre
seus ombros, mesmo que seja apenas um pouco. “Deve haver uma maneira que podemos
usar isso contra as Colônias”, diz ele. “Alguma maneira de enganá-los com seu próprio jogo.
Eu não sei o que ainda, mas se pudermos encontrar uma maneira de fazer o Chanceler
pensar que eu vou ajudá-lo, então talvez possamos pegá-lo de surpresa.”
Se as Colônias realmente ganharem, eles vão vir atrás de mim. Nós vamos ser
mortos, todos nós. Eu tento soar tão calma como ele faz, mas eu não tenho sucesso. Um
tremor ainda consegue rastejar em minha voz. “Ele vai esperar que você reaja
emocionalmente a tudo isso”, eu respondo. “Pode ser tão bom quanto qualquer
oportunidade de acertar as Colônias com a sua própria marca de propaganda. Mas tudo o
que fizermos, temos que ter cuidado com isso. O Chanceler deve saber melhor do que
confiar em você de todo coração.”
“As coisas não ficarão bem para você, se vencerem”, sussurra Day, com a voz
aflita. “Eu nunca os considerei gentis e compassivos, mas talvez você devesse encontrar
uma maneira de fugir do país. Esgueirar-se para um lugar neutro e procurar asilo.”
Fugir do país, fugir de todo esse pesadelo, e me esconder em alguma terra
distante? Uma pequena e escura voz na minha cabeça concorda com isso, que será mais
seguro assim… mas eu retrocedo o pensamento. Me recomponho tão bem quanto eu
posso. “Não, Day”, eu respondo suavemente. “Se eu fugir, o que todo mundo irá fazer? E
aqueles que não podem?”
“Eles vão te matar.” Ele se aproxima. Seus olhos me imploram para ouvir. “Por
favor.”
Eu balanço minha cabeça. “Eu vou ficar bem aqui. As pessoas não precisam de
sua moral esmagada ainda mais. Além disso, você pode precisar de mim.” Eu dou um
pequeno sorriso. “Eu acho que sei algumas coisas sobre o exército da República que
poderiam vir a calhar, você não acha?”
Day balança a cabeça em frustração, mas ao mesmo tempo ele sabe que eu não
vou ceder. Ele sabe, porque ele não faria diferente na minha posição.
Ele pega a minha mão na sua e me puxa para ele. Seus braços envolvem em
torno de mim. Estou tão habituada ao seu toque que este abraço envia uma onda
avassaladora de calor pelo meu corpo. Eu fecho meus olhos, me derrubo contra seu peito, e
saboreio. Tem realmente tanto tempo desde a última vez que nos beijamos? Eu realmente
sentia falta dele tanto assim? Ter todos os problemas ameaçando nos destruir, nos
enfraqueceram tanto ao ponto em que estamos lutando para respirar, agarrando-se
desesperadamente ao outro para sobreviver? Eu esqueci o quão certo parece ao estar em
seus braços. Sua camisa amarrotada parece suave contra minha pele, e por baixo dela, seu
peito é quente e vibra com as batidas fracas do seu coração. Ele tem cheiro de terra,
fumaça e vento.
“Você me deixa louco, June,” ele murmura contra o meu cabelo. “Você é a mais
inteligente, mais corajosa e sem medo que eu conheço, e às vezes não posso nem respirar,
porque eu estou tentando tanto prosseguir. Nunca haverá outra como você. Você percebe,
não é?” Eu inclino meu rosto para vê-lo. Seus olhos refletem as luzes fracas dos
JumboTrons, um arco-íris de cores da noite. “Bilhões de pessoas vão entrar e sair deste
mundo”, diz ele em voz baixa, “mas nunca haverá outra como você.”
Meu coração torce até que ele corre o risco de quebrar. Eu não sei como
responder. Então ele me libera abruptamente, o frescor da noite é um choque repentino na
minha pele. Mesmo na escuridão, eu posso ver o rubor em suas bochechas. Sua respiração
soa mais pesada do que o habitual. “O que é isso?”, Digo.
“Sinto muito”, ele responde, com a voz tensa. “Eu estou morrendo, June… não
sou bom para você. E eu estava muito bem até eu vê-la em pessoa, e então tudo muda de
novo. Eu acho que eu não me importo mais com você, que as coisas são mais fáceis
quando você está longe, e então, de repente, eu estou aqui de novo, e você está…” Ele faz
uma pausa para olhar para mim. A angústia em sua expressão é uma faca cortando meu
coração. “Por que eu faço isso para mim? Eu vejo você e sinto…” Ele tem lágrimas nos
olhos agora. A visão é mais do que posso suportar. Ele dá dois passos para longe de mim e,
em seguida, volta-se como um animal enjaulado. “Você ainda me ama?” De repente ele
pergunta. Ele agarra meus ombros tão forte. “Eu já disse a você antes, e eu ainda quero
dizer isso. Mas eu nunca ouvi isso de você. Eu não posso dizer. E então você me dá este
anel”, ele faz uma pausa para segurar sua mão para cima, “e eu não sei mais o que pensar.”
Ele se aproxima, até eu sentir seus lábios contra meu ouvido. Meu corpo inteiro
treme. “Você tem alguma ideia?”, Diz ele em um quebrado, suave sussurro, rouco. “Você
sabe… o quanto eu desejo…”
Ele se afasta o suficiente para me olhar desesperadamente nos olhos. “Se você
não me ama, apenas diga, você tem que me ajudar. Isso provavelmente seria o melhor. Isso
faria mais fácil ficar longe de você, não faria? Eu poderia deixar ir.” Ele diz como se
estivesse tentando convencer a si mesmo. “Eu posso deixar ir, se você não me ama.”
Ele diz isso como se achasse que eu sou a pessoa mais forte. Mas eu não sou.
Eu não posso continuar com isso melhor do que ele pode. “Não”, eu digo com os dentes
cerrados e a visão embaçada. “Eu não posso ajudá-lo. Porque eu te amo”. Aí está, em
campo aberto. “Eu estou apaixonada por você”, repito.
Há um olhar em conflito nos olhos de Day, uma alegria e uma tristeza, que o torna
tão vulnerável. Percebo então o quão pouco ele tem em defesa contra as minhas palavras.
Ele ama tão completamente. É a sua natureza. Ele pisca, tenta encontrar a resposta certa.
“Eu-” ele se depara. “Eu tenho tanto medo, June. Então, com medo do que poderia
acontecer com-”
Coloco dois dedos contra os seus lábios para lhe calar. “O medo faz você mais
forte”, eu sussurro. Antes que eu possa me parar, eu coloco minhas mãos em seu rosto e
pressiono minha boca na dele.
Qualquer resto de autocontrole em Day agora tinha se desintegrado em pedaços.
Ele cai no meu beijo com urgência impotente. Eu sinto suas mãos tocar meu rosto, uma
palma lisa e uma ainda envolta em ataduras, e então ele coloca os braços freneticamente
ao redor da minha cintura, puxando-me tão perto que eu suspiro em voz alta. Ninguém se
compara a ele. E agora, eu não quero mais nada.
Nós fazemos o nosso caminho para o quarto, nossos lábios nunca separados.
Day tropeça contra mim, então, perde o equilíbrio, e nós caímos para trás em minha cama.
Seu corpo bate o fôlego de dentro de mim. Suas mãos percorrem o meu queixo e pescoço,
nas minhas costas, pelas minhas pernas. Puxo o casaco. Os lábios de Day se afastam dos
meus e ele enterra seu rosto contra o meu pescoço. Seu cabelo cai em meu braço, pesado
e mais suave do que qualquer seda que já usei. Day finalmente encontra os botões da
minha camisa. Eu já abri a sua, e por baixo do tecido sua pele é quente ao toque. O calor
irradiando dele me aquece. Eu saboreio o peso dele.
Nenhum de nós se atreve a dizer uma palavra. Estamos com medo de que as
palavras vão nos parar, que elas vão rasgar o feitiço que nos une. Ele está tremendo tanto
quanto eu estou. De repente, ocorre-me que ele deve estar tão nervoso. Eu sorrio quando
seus olhos encontram os meus, em seguida, baixam em um gesto tímido. Day é tímido?
Uma nova emoção estranha em seu rosto, algo fora do lugar e ao mesmo tempo tão
apropriado. Estou aliviada ao vê-lo, porque eu posso sentir o rubor subindo quente em
minhas próprias bochechas. Envergonhada, eu sinto uma vontade de encobrir minha pele
exposta. Eu frequentemente imaginei como isso seria, me deitar com Day pela primeira vez.
Eu sou apaixonada por ele. Eu timidamente testo essas novas palavras de novo em minha
mente, espantada e assustada com o que poderia significar. Ele está aqui, e ele é real, de
carne e osso.
Mesmo em sua paixão febril, Day é gentil comigo. É uma gentileza diferente do
que eu sinto ao redor de Anden, que é refinado e elegante. Day é grosseiro, aberto, incerto,
e puro. Quando eu olho para ele, vejo o sorriso sútil nas bordas de sua boca, o menor toque
de malícia que só reforça o meu desejo por ele. Ele fuça meu pescoço; seu toque provoca
arrepios dançando ao longo da minha espinha. Day suspira de alívio contra o meu ouvido de
uma maneira que faz meu coração bater, um suspiro de libertação de todas as emoções
escuras que o atormentam. Eu caio em outro beijo, passando minhas mãos pelo seu cabelo,
deixando-o saber que eu estou bem. Ele gradualmente relaxa. Eu chupo em minha
respiração enquanto ele se move contra mim; seus olhos são tão brilhantes que eu sinto
que eu poderia me afogar neles. Ele beija meu rosto, colocando uma mecha do meu cabelo
atrás da minha orelha com cuidado, enquanto ele faz, e eu deslizo meus braços em torno
dele e o trago mais perto.
Aconteça o que acontecer no futuro, não importa onde nossos caminhos nos
levem, este momento será sempre nosso.
Depois, permanecemos em silêncio. Day fica ao meu lado com cobertores
cobrindo parte de suas pernas, seus olhos fechados adormecidos, sua mão ainda
entrelaçada com a minha, como se por garantia. Eu olho ao redor de nós. Os cobertores
penduram precariamente fora do canto da cama. Com rugas que se irradiam para fora,
parecendo uma dúzia de pequenos sóis e seus raios. Há recuos profundos em meu
travesseiro. Cacos de vidro e pétalas de flores no chão. Eu nem tinha percebido que tinha
derrubado um vaso da minha cômoda, não tinha ouvido o som dele quebrando contra as
tábuas de cerejeira. Meus olhos voltam a Day. Seu rosto parece tão calmo agora, livre de
dor no brilho fraco da noite. Até mesmo ingênuo. Sua boca não está mais aberta, as
sobrancelhas não estão franzidas. Ele não está tremendo mais. O cabelo solto emoldura o
rosto, alguns fios pegando as luzes da cidade a partir do exterior. Me inclino para a frente,
passando a mão ao longo dos músculos de seu braço e tocando meus lábios em sua
bochecha.
Seus olhos abrem; eles piscam para mim sonolentos. Ele olha para mim por um
longo momento. Eu me pergunto o que ele vê, e se toda a dor, alegria e medo que ele havia
confessado anteriormente ainda está lá, sempre o assombrando. Ele se inclina para me dar
o mais gentil, mais delicado beijo. Seus lábios permanecem, com medo de sair. Eu não
quero ir embora também. Eu não quero pensar em acordar. Quando eu o puxo para perto de
mim novamente, ele obriga, ansiando por mais. E tudo o que posso pensar é que eu sou
grata por seu silêncio, por não me dizer que eu estou juntando a nós quando eu deveria
deixá-lo ir.
NÃO É COMO SE EU NÃO TIVESSE A MINHA QUOTA DE MOMENTOS COM
AS meninas. Eu tive o meu primeiro beijo quando tinha doze anos, quando uni meus
lábios com uma garota de dezesseis anos de idade, em troca de não me delatar para a
polícia de rua. Eu brinquei com um punhado de meninas nos setores de favelas e
algumas dos setores ricos — houve até uma do setor joia, no primeiro ano da escola
tive um par de dias de romance quando tinha quatorze anos. Ela era bonita, com
cabelo castanho claro, curto estilo chanel e pele cor de oliva impecável, e nós
escapávamos todas as tardes para o porão de sua escola e, bem, nós divertirmos um
pouco. É uma longa história.
Mas… June.
Meu coração foi aberto completamente, assim como temia que seria, e não
tenho força de vontade para fechá-lo. Qualquer barreira que eu poderia ter
conseguido colocar em volta de mim, qualquer resistência que poderia ter construído
contra os meus sentimentos por ela, agora estão desaparecidas. Quebradas. Na
escura luz azul da noite, me estico e passo uma mão ao longo da curva do corpo de
June. Minha respiração ainda é superficial. Eu não quero ser o primeiro a dizer
alguma coisa. Meu peito está pressionado levemente em suas costas e meu braço
está descansando confortavelmente em torno de sua cintura; seu cabelo cai sobre
seu pescoço como um colar escuro e brilhante. Eu enterro meu rosto contra sua pele
suave. Um milhão de pensamentos correm pela minha cabeça, mas como ela, eu fico
em silêncio.
Não há simplesmente nada a dizer.
* * *
Eu acordo sobressaltado na cama, ofegante. Eu mal posso respirar — meus
pulmões se elevam na tentativa de sugar o ar. Eu olho ao redor freneticamente. Onde
eu estou?
Estou na cama de June.
Foi um pesadelo, só um pesadelo, não há beco no setor Lake nem rua e
nem sangue. Eu deito ali por um momento, tentando silenciosamente recuperar o
fôlego e diminuir as batidas do meu coração. Estou encharcado de suor. Olho para
June. Ela está deitada de lado e de frente para mim, seu corpo ainda sobe e desce em
um ritmo suave e constante. Bom. Eu não a acordei. Eu apressadamente limpo as
lágrimas do meu rosto com a palma da minha mão não ferida. Então eu fico lá por
alguns minutos, ainda tremendo. Quando é óbvio que eu não vou ser capaz de voltar
a dormir, eu lentamente me sento na cama e dobro os braços contra os meus joelhos.
Eu curvo minha cabeça. Meus cílios escovam a pele do meu braço. Eu me sinto tão
fraco, como se tivesse acabado de subir um prédio de trinta andares.
Este foi facilmente o pior pesadelo que eu tive até agora. Inclusive estou
aterrorizado em piscar durante muito tempo, em caso de rever as imagens que
dançavam sob minhas pálpebras. Eu olho ao redor do quarto. Minha visão borra de
novo; com raiva enxugo as lágrimas frescas. Que horas são? Ainda está escuro como
breu lá fora, apenas o fraco brilho dos JumboTrons distantes e postes se filtra no
quarto. Eu olho em direção a June, observando como a luz tênue salpica cor através
de sua silhueta. Desta vez, eu não estendo a mão e a toco.
Eu não sei quanto tempo sentei lá dobrado assim, tomo uma respiração
profunda atrás da outra até que, finalmente, estabiliza. É tempo suficiente para que o
suor no meu corpo inteiro seque. Meus olhos vagueiam à varanda do quarto. Eu fico
olhando para ela por um tempo, incapaz de desviar o olhar, e então eu
cuidadosamente deslizo para fora da cama sem fazer barulho e visto a minha camisa,
calças e botas. Eu torço meu cabelo em um nó apertado, em seguida, coloco o gorro
confortavelmente sobre ele. June se mexe um pouco. Eu paro de me mover. Quando
ela fica tranquila novamente, eu termino de abotoar minha camisa e caminho até as
portas de vidro da varanda. No canto do quarto, o cachorro de June inclina a cabeça
curioso para mim. Mas ele não faz um som. Eu digo um silencioso obrigado na minha
cabeça, em seguida, abro as portas da varanda. Elas se abrem, então fecham atrás de
mim sem nenhum clique.
Subo diligentemente nas grades da varanda, me empoleirando lá como um
gato, e estudo os arredores. O setor ruby, um setor joia é tão completamente diferente
de onde eu vim. Estou de volta em LA, mas eu não a reconheço. Limpeza, ruas bem
cuidadas, novos e brilhantes JumboTrons, largas calçadas sem rachaduras e
buracos, sem a polícia arrastando pela rua órfãos chorando para longe dos mercados.
Instintivamente, minha atenção se volta na direção da cidade que o setor Lake seria.
Deste lado do prédio, eu não posso ver o centro de LA, mas posso senti-lo lá, as
memórias que me acordaram e sussurraram para que eu voltasse. O anel de clipes de
papel está pesado no meu dedo. Um escuro e terrível humor permanece na parte de
trás da minha mente depois do pesadelo, algo que eu não consigo me livrar. Pulo do
lado da varanda e trabalho o meu caminho até a borda inferior. Eu faço o meu
caminho em silêncio, andar por andar, até que minhas botas batem no pavimento e
me misturo nas sombras da noite. Minha respiração vem entrecortada.
Mesmo aqui em um setor joia, agora já tem patrulhas da cidade que
guardam as ruas, com as armas em punho como se estivessem prontos para um
ataque surpresa das Colônias a qualquer momento. Fico longe deles para evitar
quaisquer perguntas, e volto para os meus antigos hábitos de rua, faço meu caminho
através dos labirintos de becos e sombras ao lado dos edifícios até chegar a uma
estação de trem, onde os jipes estão alinhados, esperando para darem passeios.
Ignoro os jipes — eu não estou com vontade de ficar tagarelando com um dos
motoristas e, então, eles me reconhecerem como Day, e em seguida, ouvir rumores se
espalhando pela cidade na manhã seguinte sobre o que diabos eles pensam que eu
estava fazendo. Em vez disso, sigo para a estação de trem e espero que o próximo
transporte automático venha e me leve até a Union Station no centro.
Meia hora mais tarde, saio da estação do centro e faço o caminho
silenciosamente através das ruas até que eu estou perto da velha casa de minha mãe.
As rachaduras nas calçadas em todo o setor de favelas são boas para uma coisa, aqui
e ali eu vejo porções de margaridas do mar que crescem desordenadamente,
pequenas porções de turquesa e verde em uma rua de outro modo cinza. Por instinto,
eu me abaixo e pego um punhado delas. As favoritas da mamãe.
“Você ai. Ei, garoto.”
Viro para ver quem está chamando. E realmente leva alguns segundos para
encontrá-la, porque ela é muito pequena. Uma velha mulher está encurvada contra a
lateral de um edifício murado, tremendo no ar noturno. Ela está dobrada ao meio, com
um rosto completamente coberto por rugas profundas, e suas roupas estão tão
esfarrapadas que eu não posso dizer onde qualquer uma termina ou começa — é
apenas um grande esfregão esfarrapado. Ela tem uma caneca rachada colocada entre
seus pés descalços e sujos, mas o que realmente me faz parar é que suas mãos estão
envoltas em ataduras apertadas. Assim como mamãe. Quando ela vê que a minha
atenção está sobre ela, seus olhos se iluminam com um leve brilho de esperança. Eu
não tenho certeza se ela me reconhece, mas eu também não tenho certeza o quão
bem ela pode ver. “Qualquer moeda solta, menino?” Ela grasna.
Eu procuro em meus bolsos aturdido, em seguida, puxo um pequeno maço
de dinheiro. Oitocentas Notas da República. Não muito tempo atrás, eu teria colocado
a minha vida em perigo para por minhas mãos em tanto dinheiro. Eu me agacho ao
lado da mulher de idade, em seguida, coloco as notas na sua trêmula palma e aperto
as mãos enfaixadas com as minhas.
“Mantenha-o escondido. Não diga a ninguém.” Quando ela apenas continua
a olhar para mim com choque nos olhos e a boca aberta, eu me levanto e começo a
caminhar de volta para baixo na rua. Eu acho que ela grita, mas eu não me incomodo
em virar. Não quero ver essas mãos enfaixadas novamente.
Minutos mais tarde, chego ao cruzamento da Watson e Figueroa. Minha
antiga casa.
A rua não mudou muito de como eu me lembro, mas desta vez a casa da
minha mãe está bloqueada e abandonada, como muitos dos outros prédios nos
setores de favelas. Eu me pergunto se há posseiros lá, todos escondidos em nosso
antigo quarto ou dormindo no chão da cozinha. Nenhuma luz brilha na casa. Eu ando
devagar em direção a ela, me perguntando se eu ainda estou perdido no pesadelo.
Talvez eu não tenha acordado. Não há mais bloqueio de fitas de quarentena isolando
a rua, não mais patrulhas da praga fora da casa. Quando ando em direção a ela,
percebo uma mancha de sangue antiga ainda visível, é apenas um pouco sobre o
concreto quebrado que conduz a casa. Parece marrom desbotada e diferente de como
eu me lembro. Fico olhando para a mancha de sangue, dormente e insensível, então
passo em torno dela e continuo. Minha mão agarra firmemente o punhado de
margaridas do mar que trouxe.
Quando me aproximo da porta da frente, vejo o familiar X vermelho ainda lá,
embora agora esteja desbotado e lascado, várias tábuas de madeira apodrecendo
estão pregadas em toda a moldura da porta. Fico lá por um tempo, correndo o dedo
ao longo das faixas de tinta desbotadas. Poucos minutos mais tarde, eu saio do meu
torpor e passeio em volta da casa. Metade do nosso muro já entrou em colapso,
deixando o pequeno quintal exposto e visível aos nossos vizinhos. A porta traseira
também tem tábuas de madeira pregadas em toda ela, mas elas estão tão podres e
frágeis que tudo o que tenho a fazer é colocar um pouco de peso sobre e elas se
quebram em um estalo surdo de farpas.
Eu forço a porta e entro. Removo meu gorro enquanto avanço, deixando
meu cabelo cair para baixo nas minhas costas. Mamãe sempre nos disse para tirar
nossos chapéus enquanto estivermos em casa.
Meus olhos se acostumam à escuridão. Dou passos em silêncio até entrar
na parte de trás da nossa pequena sala de estar. Eles podem ter fechado a casa como
parte de algum protocolo padrão, mas os móveis dentro da casa estão intocáveis, o
diferente é apenas que está tudo coberto com uma camada de poeira. Poucos
pertences da minha família ainda estão aqui, exatamente na mesma condição que vi
pela última vez. O retrato do antigo Eleitor está pendurado na parede do fundo da
sala, proeminente e centrado, e nossa pequena mesa de jantar de madeira ainda tem
uma grossa camada de papelão pregada a uma de suas pernas, ainda fazendo o seu
trabalho de manter a mesa em pé. Uma das cadeiras está deitada no chão, como se
alguém tivesse de se levantar com pressa. Isso deve ter sido John, agora eu me
lembro. Lembro-me de como todos nós tínhamos ido ao quarto para agarrar Eden,
tentando pegar nosso irmãozinho antes que a patrulha da praga viesse por ele.
O quarto. Eu viro minhas botas na direção da nossa porta do estreito
quarto. Leva apenas alguns passos para alcançá-la. Sim, tudo aqui é exatamente o
mesmo também, talvez com algumas teias de aranha extras. A planta que Eden havia
trazido para casa ainda está posicionada no canto, embora agora ela esteja morta,
suas folhas e caules pretos e amassados. Fico ali por um momento, olhando para ela,
e em seguida, volto para a sala. Eu ando uma vez em torno da mesa de jantar.
Finalmente, eu me sento na minha antiga cadeira. Ela range como sempre fez.
Coloco o punhado de margaridas do mar cuidadosamente sobre a mesa.
Nossa lanterna fica no meio da mesa, apagada e sem uso. Normalmente, a rotina era
assim: a mãe chegava em casa por volta das seis horas todos os dias, algumas horas
depois de eu ter chegado da escola primária, John chegaria em casa em torno de
nove ou dez horas. Mamãe adiaria acender a lanterna da mesa cada noite até que
John voltasse, e depois de um tempo Eden e eu nos acostumamos a desejar “a
iluminação da lanterna” que sempre significava que John acabara de entrar pela
porta. E isso significava que teríamos que nós sentar para jantar.
Eu não sei por que me sento aqui e sinto a velha expectativa conhecida que
a mãe vai vir para cozinha acender a lanterna. Eu não sei como eu posso sentir uma
explosão de alegria em meu peito, pensando que John está em casa, que o jantar está
servido. Velhos hábitos estúpidos. Ainda assim, meus olhos ficam na expectativa da
porta da frente. Minhas esperanças se elevam.
Mas a lanterna fica apagada. John permanece fora. Mamãe não está em
casa.
Eu inclino meus braços fortemente contra a mesa e pressiono as palmas
das mãos nos meus olhos. “Ajude-me,” Eu sussurro desesperadamente para a sala
vazia. “Eu não posso fazer isso.” Eu quero, eu a amo, mas eu não posso suportar
isso. Tem sido quase um ano. O que há de errado comigo? Por que não posso seguir
em frente?
Minha garganta tem um nó. As lágrimas vêm rápidas. Eu não me incomodo
de detê-las, porque eu sei que é impossível. Eu soluço incontrolavelmente, eu não
posso parar, não posso pegar minha respiração, eu não posso ver. Eu não consigo
ver a minha família, porque eles não estão aqui. Sem eles, tudo isso não é nada mais
do que móveis, as margaridas do mar em cima da mesa não fazem sentido, a lanterna
é apenas um velho pedaço enegrecido de lixo. As imagens do meu pesadelo
permanecem me assombrando. Não importa o quanto eu tente, não consigo afastá-
las.
O tempo cura todas as feridas. Mas não esta. Ainda não.
NÃO ME MOVO, MAS ATRAVÉS DAS MINHAS PÁLPEBRAS, MEIO sonolentas,
vejo Day sentar-se na cama ao meu lado e enterrar o rosto em seus braços. Ele está
respirando pesadamente. Sete minutos mais tarde, ele se levanta em silêncio, lança um
último olhar em minha direção, e desaparece para fora das portas da varanda. Ele é tão
silencioso como sempre, e se ele não tivesse acordado de seu pesadelo eu não teria
despertado, ele poderia facilmente ter deixado meu quarto sem que eu nunca soubesse.
Mas eu sei, e desta vez eu vou logo depois que ele sai. Eu coloco alguma roupa,
pego as minhas botas, e saio atrás dele. O ar fresco passa sobre o meu rosto, o luar banha
a noite em um prateado escuro.
Mesmo em sua deteriorada condição, ele ainda é rápido quando ele quer ser. Até
o momento em que o alcanço na Union Station e o sigo pelas ruas do centro da cidade, o
meu coração está batendo forte de maneira constante como faz depois de um treino
completo. Até agora, eu já sei onde ele está indo. Está retornando à velha casa de sua
família. Observo quando ele finalmente chega a interseção da Watson e Figueroa, vira a
esquina, e se dirige para dentro da minúscula casa bloqueada com um X desbotado ainda
pintado na sua porta.
Basta estar de volta aqui para ficar tonta com a memória. Eu não posso imaginar
o quão pior deve ser para o Day. Cautelosamente eu faço o meu caminho até as janelas
tapadas, em seguida, ouço atentamente. Ele entra pela porta traseira — o ouço circulando
por dentro, seus passos subjugados e abafados, e depois para na sala de estar. Eu vou de
janela em janela até que eu finalmente encontro uma que ainda tem fenda entre duas de
suas tábuas de madeira. No começo eu não posso vê-lo. Mas, eventualmente, eu vejo.
Day está sentado na mesa da sala de estar com a cabeça entre as mãos. Mesmo
que seja muito escuro dentro para eu ver suas características, eu posso ouvi-lo chorando.
Sua silhueta treme de dor, sua angústia está gravada em cada músculo tenso de seu corpo
devastado. O som é tão estranho que rasga o meu coração; vi Day chorar, mas eu não
estou acostumada com isso. Não sei se eu alguma vez estarei. Quando levo uma mão ao
meu rosto, percebo que as lágrimas estão correndo por minhas bochechas também.
Eu fiz isso a ele… e porque ele me ama, nunca poderá realmente escapar. Ele
vai se lembrar do destino de sua família cada vez que ele me vê, mesmo que ele me ame,
especialmente se ele me ame.
EU FINALMENTE RETORNO, COM CARA DE SONO E EXAUSTO, PARA O
QUARTO DE JUNE, pouco antes do amanhecer. Ela ainda está lá, aparentemente
imperturbável. Eu não tenho a intenção de voltar para cama ao lado dela; em vez
disso, eu desmorono em seu sofá e caio em um sono profundo e sem sonhos até a
luz ficar mais forte lá fora.
June é a que me sacode acordado. “Hey,” ela sussurra. Para minha
surpresa, ela não comenta sobre como vermelhos ou inchados meus olhos devem
estar. Ela nem parece chocada ao acordar e me encontrar dormindo em seu sofá, em
vez de em sua cama. Seus olhos parecem pesados. “Eu tenho… informado a Anden
sobre o que você decidiu. Ele disse que uma equipe do laboratório estará pronto para
buscar você e Eden, em duas horas, em seu apartamento.” Ela parece grata, cansada
e hesitante.
“Eu estarei lá”, murmuro. Eu não posso deixar de olhar vagamente para o
espaço por alguns segundos, nada parece real, agora, e eu sinto que eu estou
nadando em um mar de névoa onde as emoções e imagens e pensamentos estão
todos fora de foco. Eu me forço a levantar do sofá e vou para o banheiro. Lá, eu
desabotoo minha camisa e jogo água no meu rosto, no peito e nos braços. Estou com
medo de olhar no espelho neste momento. Eu não quero ver John olhando para mim,
com a minha venda amarrada ao redor dos seus olhos. Minhas mãos estão tremendo
tanto; o corte na palma da minha mão esquerda está aberto novamente e sangrando,
provavelmente a partir do fato de que eu continuo apertando a mão instintivamente.
Teria June me visto sair? Tremo quando eu revivo a memória dela ali fora na casa da
minha mãe, esperando a frente de um esquadrão de soldados. Então eu repasso as
palavras do Chanceler para mim, a situação precária que June está… que Tess está,
Eden… e na que estamos todos metidos.
Eu jogo água repetidamente em meu rosto, e quando isso não ajuda, eu
pulo no chuveiro e me afogo com água escaldante. Mas não entorpece as imagens.
No momento em que eu finalmente saio do banheiro, meu cabelo ainda está
molhado e minha camisa abotoada pela metade, estou de um pálido doente e
tremendo. June me observa em silêncio, enquanto ela se senta na beira da cama,
tomando um chá roxo pálido. Mesmo que eu saiba que é inútil tentar esconder algo
dela, eu ainda tento. “Eu estou pronto”, eu digo com um sorriso tão genuíno quanto
eu possa reunir. Ela não merece ver esse tipo de dor no meu rosto, e eu não quero
que ela pense que ela é a única causadora disso. Ela não é a única causadora disso,
eu me lembro com raiva.
Mas June não comenta sobre isso. Ela me estuda com aqueles olhos
profundamente escuros. “Acabei de receber um telefonema de Anden”, diz ela,
passando a mão pelo cabelo, desconfortável. “Eles têm algumas novas evidências de
que a Comandante Jameson é a responsável por repassar alguns segredos militares
para as Colônias. Parece que ela está trabalhando para eles agora.”
Debaixo da minha onda de emoções, um profundo ódio brota. Se não fosse
pela Comandante Jameson, talvez tudo teria sido melhor entre June e eu, e talvez
nossas famílias ainda estivessem vivas. Eu não sei. Nós nunca saberemos. E agora
ela está trabalhando para o inimigo quando ela deveria estar morta. Eu murmuro uma
maldição sob a minha respiração. “Existe alguma maneira de saber exatamente onde
ela está? Ela está, na verdade, na República?”
“Ninguém sabe”. June balança a cabeça. “Anden diz que eles estão
tentando ver se alguma coisa sobre ela pode ser rastreado, mas ela deve ter mudado
há muito tempo sua roupa de prisão, e os chips de rastreamento de suas botas devem
ter ido até agora. Ela vai ter a certeza disso.” Quando June vê a frustração na minha
cara, ela faz uma careta de simpatia. Nós dois, quebrados pela mesma pessoa. “Eu
sei.” Ela coloca seu chá para baixo e aperta minha mão ilesa.
Imagens violentas cintilam através da minha memória ao seu toque,
estremeço antes que eu possa me parar. Ela congela. Por um segundo, eu vejo a
profunda dor em sua expressão. Eu rapidamente encubro o meu erro a beijando,
tentando perder-me no gesto que eu tive ontem à noite.
Mas eu nunca fui o melhor mentiroso, pelo menos não em torno dela. Ela dá
um passo para longe de mim.
“Desculpe”, ela sussurra.
“Está tudo bem”, eu digo em uma corrida, irritado comigo mesmo por
arrastar nossas velhas feridas de volta à superfície. “Não é—”
“Sim, é isso.” June obriga-se a me encarar. “Eu vi que você foi ontem à
noite… eu vi você lá…” Sua voz se desvanece enquanto ela olha para baixo com
culpa. “Me desculpe, eu segui você, mas eu tinha que saber. Eu tinha que ver que eu
era a única a causar toda a tristeza em seus olhos.”
Quero tranquilizá-la de que não é tudo por causa dela, que eu a amo tão
desesperadamente que eu tenho medo do sentimento. Mas eu não posso. June vê a
hesitação no meu rosto e sabe que é uma confirmação do seu medo. Ela morde o
lábio. “A culpa é minha”, diz ela, como se fosse apenas simples lógica.
“E eu não tenho certeza se alguma vez serei capaz de ganhar o seu perdão.
Não deveria.”
“Eu não sei o que fazer.” Minhas mãos balançam ao meu lado, impotentes.
Imagens terríveis de nosso passado piscam na minha mente de novo, minhas
melhores tentativas não podem detê-las. “Eu não sei como fazê-lo.”
Os olhos de June estão brilhantes de lágrimas, mas ela consegue mantê-las
de cair. Realmente pode um erro destruir nossa vida juntos? “Eu não acho que há
uma maneira”, ela finalmente diz.
Dou um passo em direção a ela. “Hey,” eu sussurro em seu ouvido. “Nós
vamos ficar bem.” Eu não tenho certeza se é verdade, mas parece que é a melhor
coisa a se dizer.
June sorri, jogando junto, mas seus olhos refletem minha própria dúvida.
* * *
É o segundo dia de cessar-fogo prometido pelas Colônias.
O último lugar que eu quero voltar é para o laboratório do Hospital Central
Los Angeles. É difícil o suficiente estar lá e ver Tess contida atrás de paredes de
vidro, com produtos químicos sendo injetados em sua corrente sanguínea. Agora eu
volto lá com Eden ao meu lado, e eu vou ter que lidar em ver a mesma coisa acontecer
com ele. Enquanto nos preparamos para ir até o jipe que espera na frente do nosso
apartamento temporário, eu me ajoelho na frente do Eden e endireito seus óculos. Ele
olha solenemente para trás.
“Você não tem que fazer isso”, eu digo novamente.
“Eu sei”, responde Eden. Ele roça minha mão impacientemente quando eu
tiro fiapos dos ombros de sua jaqueta. “Eu vou ficar bem. Eles disseram que não
levaria o dia todo, de qualquer maneira.”
Anden não podia garantir a sua segurança; ele só podia prometer que
tomaria todas as precauções. E vindo da boca da República, até mesmo uma boca
que eu vim a contragosto confiar, essa pequena fissura de tranquilidade significa
quase nada. Eu suspiro. “Se você mudar de ideia a qualquer momento, você me avisa,
está bem?”
“Não se preocupe, Daniel”, diz ele, dando de ombros diante da coisa toda.
“Eu vou ficar bem. Isso não parece tão assustador. Pelo menos você estará lá.”
“Sim. Pelo menos eu estarei lá”, repito entorpecido. Lucy reclama sobre
seus cachos loiros bagunçados.
Mais lembranças de casa e da minha mãe. Fecho os olhos e tento limpar
meus pensamentos. Então eu chego e toco Eden no nariz. “Quanto mais cedo eles
começarem” Eu digo a ele, “mais cedo poderão terminar.” Minutos depois, um jipe
militar me pega, enquanto um caminhão de médico transporta Eden separadamente
para o Hospital Central Los Angeles.
Ele pode fazer isso, repito para mim mesmo quando eu chego ao laboratório
do quarto andar. Estou acompanhado por técnicos em uma câmara com janelas de
vidro grosso. E se ele pode, então eu posso viver com isso. Mas, ainda assim, minhas
mãos estão suando. Eu as aperto novamente em uma tentativa de parar o tremor
interminável, e uma pontada de dor atravessa a palma da mão ferida. Eden está dentro
dessa câmara de vidro. Seus cachos loiros pálidos estão desorganizados e
embaraçados apesar dos esforços de Lucy, e ele está agora usando uma fina roupa
vermelha cirúrgica para pacientes. Seus pés estão descalços. Um par de técnicos de
laboratório o ajuda a subir em uma longa, cama branca, e um deles arregaça as
mangas de Eden para tomar sua pressão arterial. Eden estremece quando a fria
borracha toca seu braço.
“Relaxa, garoto”, diz o técnico de laboratório, com a voz abafada pelo vidro.
“Basta respirar fundo.”
Eden murmura um leve “ok” como resposta. Ele parece tão pequeno ao lado
deles. Seus pés nem sequer tocam o chão. Eles balançam alternadamente enquanto
ele olha em direção à janela que nos separa, procurando por mim. Eu aperto e abro
minhas mãos, em seguida, as pressiono contra a janela.
O destino de toda a República repousa sobre os ombros de meu irmão mais
novo. Se minha mãe, John, ou meu pai estivessem aqui, eles provavelmente iriam rir
de quão ridícula essa coisa toda é.
“Ele vai ficar bem”, o técnico de laboratório de pé ao meu lado murmura em
garantia. Ele não parece muito convincente. “Os procedimentos de hoje não devem
lhe causar qualquer dor. Nós só vamos tomar algumas amostras de sangue e, em
seguida, lhe dar alguns medicamentos. Enviaremos algumas amostras para as
equipes de laboratórios da Antártida para a análise também.”
“Se supõe que isso irá me fazer sentir melhor?” Eu agarro ele. “Os
procedimentos de hoje não devem lhe causar qualquer dor? E o que acontecerá
amanhã?”
O técnico de laboratório levanta as mãos defensivamente. “Eu sinto muito”,
ele gagueja. “Isso saiu errado, eu não quis dizer isso assim. Seu irmão não sentirá
nenhuma dor, eu prometo. Algum desconforto, talvez, a partir do medicamento, mas
estamos tomando todas as precauções que podemos. Eu, é… eu espero que você não
vá informar isso negativamente para o nosso glorioso Eleitor”.
Então, é com isso que ele está preocupado. Que se eu estou chateado, eu
vou correr para Anden e lamentar.
Eu estreito meus olhos para ele. “Se você não me der nenhuma razão para
relatar qualquer coisa ruim, então eu não vou.”
O técnico de laboratório pede desculpas novamente, mas eu não estou
prestando atenção nele. Meus olhos voltam a Eden. Ele está pedindo algo a um dos
técnicos, embora ele esteja falando baixo o suficiente para que eu não possa ouvir. O
técnico de laboratório balança a cabeça para o meu irmão. Eden engole saliva, olha
para trás nervosamente em minha direção, e depois aperta os olhos fechados. Um
dos técnicos de laboratório pega uma seringa, em seguida, cuidadosamente injeta na
veia do braço do Eden. Eden aperta o maxilar apertado, mas ele não profere um som.
A dor surda familiarizada pulsa na base do meu pescoço. Eu tento me acalmar. Me
estressar e provocar uma das minhas dores de cabeça em um momento como este
não vai ajudar Eden.
Ele escolheu fazer isso, eu me lembro. Eu incho com orgulho súbito.
Quando Eden cresceu? Eu sinto que pisquei e perdi.
O técnico de laboratório finalmente remove a seringa, que agora está cheia
de sangue. Ele pressiona algo no braço de Eden, então faz o curativo. O segundo
técnico, então, coloca um punhado de comprimidos na palma da mão aberta de Eden.
“Engula-os juntos”, ele diz ao meu irmão. Eden faz como ele diz. “Eles são
amargos, é melhor tomá-los de uma só vez.”
Eden faz uma careta e engasga um pouco, mas consegue engolir as pílulas
com um pouco de água. Em seguida, ele se deita na cama. Os técnicos o levam para
uma máquina cilíndrica. Eu não consigo lembrar o nome da máquina, mesmo que eles
tenham me falado há menos de uma hora atrás. Eles lentamente o colocam dentro
dela, até que tudo o que posso ver de Eden são as pontas de seus pés descalços. Eu
lentamente descanso as minhas mãos na janela. Minha pele deixa impressões sobre o
vidro. Um minuto depois, o meu coração torce em meu peito enquanto eu ouço Eden
chorando do interior da máquina. Algo sobre isso deve ser doloroso. Eu cerro os
dentes com tanta força que eu acho que a minha mandíbula pode quebrar.
Finalmente, após o que parece uma eternidade, um dos técnicos do
laboratório vem até mim e me deixa entrar.
Passo imediatamente por eles e entro na câmara de vidro e me inclino sobre
o lado de Eden. Ele está sentado na beira da cama novamente. Quando ele me ouve
chegando, ele abre um sorriso.
“Não foi tão ruim”, ele me diz em uma voz fraca.
Pego a mão dele e a aperto com a minha. “Você fez bem”, eu respondo. “Eu
estou orgulhoso de você.”
E eu estou. Estou mais orgulhoso dele do que eu já estive de mim, estou
orgulhoso dele por estar de pé ao meu lado. Um dos técnicos de laboratório me
mostra uma tela com o que parece ser uma visão ampliada de células do sangue de
Eden. “Um bom começo”, ele nos diz. “Nós vamos trabalhar com isso e tentar injetar
em Tess uma cura esta noite. Se tivermos sorte, ela aguentará por mais cinco ou seis
dias e dar-nos algum tempo para trabalhar.” Os olhos do técnico estão sombrios,
ainda que as suas palavras sejam muito esperançosas. A estranha combinação faz
com que eu tenha um arrepio na espinha. Eu aperto a mão de Eden ainda mais
apertado.
“Nós não temos muito tempo para perder,” sussurra Eden para mim quando
os técnicos de laboratório nos deixam conversar em paz. “Se eles não conseguirem
encontrar uma cura, o que vamos fazer?”
“Eu não sei”, eu admito. Não é algo que eu realmente queira pensar, porque
me deixa mais impotente do que eu gostaria. Se não encontrar uma cura, não haverá
nenhuma ajuda militar internacional. Se não há nenhuma ajuda, então nós não
teremos nenhuma maneira de ganhar contra as Colônias. E se as Colônias
invadirem… lembro-me do que eu vi quando estava lá, e lembro-me o que o Chanceler
tinha me oferecido. Se você escolher, nós podemos trabalhar juntos. As pessoas não
sabem o que é melhor para elas. Às vezes você apenas tem que ajudá-las um pouco.
Não é mesmo?
Eu preciso encontrar uma maneira de entretê-los, enquanto nós
trabalhamos em uma cura. Qualquer coisa para retardar as Colônias, para dar a
Antártida a chance de vir em nosso auxílio. “Simplesmente vamos ter que lutar” Digo
a Eden, despenteando seu cabelo. “Até não podermos lutar mais. Essa é a maneira
que sempre parece ser, não é?”
“Por que a República não pode ganhar?” Eden pergunta. “Eu sempre pensei
que os seus militares fossem os mais fortes do mundo. Esta é a primeira vez que eu
realmente gostaria que eles fossem.”
Eu sorrio tristemente para a ingenuidade de Eden. “As Colônias têm
aliados”, eu respondo. “Nós não.” Como diabos eu explico tudo isso? Como posso
dizer-lhe exatamente como eu me sinto impotente, de pé como um fantoche quebrado
enquanto Anden conduz seu exército em uma batalha que não podem ganhar? “Eles
têm um exército melhor, e nós simplesmente não temos soldados suficientes para
todos.”
Eden suspira. Seus pequenos ombros caem de uma forma que me engasga.
Eu fecho meus olhos e me esforço para acalmar. Chorar na frente de Eden em um
momento como este é muito embaraçoso. “Pena que todos na República não são
soldados”, ele resmunga.
Abro os olhos. Pena que todos na República não são soldados.
E assim, eu sei o que eu preciso fazer. Eu sei como responder a chantagem
do Chanceler e como parar as Colônias. Eu estou morrendo, eu não tenho muitos
dias, a minha mente está lentamente caindo aos pedaços, e com isso, também minha
força. Mas eu tenho força suficiente para uma coisa. Eu tenho tempo suficiente para
dar um passo final.
“Talvez todos na República pudessem ser soldados”, eu respondo em voz
baixa.
A ÚLTIMA NOITE PARECEU UM SONHO, EM TODOS OS DETALHES. Mas esta
manhã é um contraste gritante, não há nenhuma dúvida sobre o desagrado que eu senti de
Day quando eu toquei seu braço, o tremor violento que passou por ele em apenas uma
escovada da minha mão. Meu coração ainda dói quando eu saio do meu apartamento, me
dirijo para um jipe estacionado que espera por mim. Passo a manhã com o Senado. Eu
tento, em vão, tirar Day da minha mente, mas é impossível. Uma reunião do Senado parece
tão trivial agora, as Colônias estão gradualmente empurrando o nosso país de volta com a
ajuda de aliados fortes, a Antártida ainda se recusa a nos ajudar, e a Comandante Jameson
está foragida. E aqui estou eu sentada, falando de política quando eu poderia estar, deveria
estar, lá fora em campo, fazendo o que fui treinada para fazer. O que eu vou dizer a todos
eles, afinal? Algum deles ainda vai ouvir?
O que vamos fazer?
Não. Eu preciso me concentrar. Eu preciso apoiar Anden enquanto ele tenta, mais
uma vez, negociar com o Chanceler, CEOs e os Generais das Colônias. Nós dois sabemos
que isso não vai nos levar a lugar nenhum… a única coisa que vai fazê-los ceder é uma
cura. E mesmo assim, pode não ser o suficiente para conter as Colônias. Mas ainda assim.
Temos que tentar. E talvez ele estará de acordo em ajudar os Patriotas com seus planos,
especialmente se ele souber o quanto Day estará envolvido com eles.
O simples pensamento de Day traz lembranças da noite passada. Minhas
bochechas esquentam, e eu sei que não é por causa do tempo quente de Los Angeles.
Momento estúpido, eu me repreendo, e empurro a noite passada com os meus
pensamentos. Tudo ao meu redor, as ruas normalmente movimentadas de Lake estão
estranhamente vazias, como se estivéssemos nos preparando para uma tempestade que se
aproxima. Acho que isso não é tão impreciso.
A sensação de formigamento de repente viaja até minha espinha. Eu paro por um
momento e, em seguida franzo a testa. O que foi isso? As ruas ainda parecem desertas,
mas uma premonição estranha faz com que os cabelos na parte de trás do meu pescoço se
levantem. Alguém está me observando. Imediatamente a ideia parece exagero, mas quando
eu ando, eu aperto minha mandíbula e deixo minha mão descansar em minha arma. Talvez
eu esteja sendo ridícula. Talvez o aviso que Day tinha me dado, que as Colônias podem me
usar contra ele ou que eles poderiam me ter na sua mira, está começando a pregar peças
em minha mente. Ainda assim, não há razão para jogar a precaução ao vento. Eu me inclino
contra o edifício mais próximo, de modo que minhas costas estão protegidas, e chamo
Anden. Quanto mais cedo este jipe chegar, melhor.
E então eu a vejo. Eu paro a chamada.
Ela usa um bom disfarce. (Roupa desgastada da República que deveria ser
usada apenas por soldados do primeiro ano, o que significa que ela parece banal e fácil de
ignorar: um boné de soldado puxado sobre o rosto dela, com apenas algumas mechas
vermelhas escuras aparecendo por debaixo dele) Mas, mesmo a partir desta distância,
reconheço seu rosto frio e duro.
Comandante Jameson.
Eu olho casualmente para longe e finjo cavar em torno de meus bolsos por
alguma coisa, mas por dentro, meu coração bate em um ritmo furioso. Ela está aqui em Los
Angeles, o que significa que de alguma forma ela conseguiu escapar dos combates em
Denver e evitou as garras da República. É uma coincidência muito grande que ela esteja no
mesmo lugar onde eu estou? Será que ela está aqui porque sabia que eu estaria aqui? As
Colônias. Deve haver outros olhos aqui. Minhas mãos tremem enquanto ela passa por mim
do outro lado da rua. Ela não dá nenhuma indicação de ter me visto, mas eu sei que ela me
notou. Em uma rua tão vazia, deveria ser impossível eu passar despercebida, e eu não
estou disfarçada.
Quando ela finalmente vira as costas para mim, eu cruzo meus braços, inclino a
cabeça um pouco para baixo, e chamo Anden no meu fone de ouvido novamente. “Eu vejo
ela. Ela está aqui. Comandante Jameson está em Los Angeles”.
Minha voz soa tão baixa e murmurada que Anden tem problemas para entender.
“Você a viu?”, Pergunta ele, incrédulo. “Ela está na mesma rua que você?”
“Sim”, eu sussurro. Tenho o cuidado de manter um olho na figura desaparecendo
da Comandante Jameson. “Ela pode estar aqui intencionalmente, procurando onde meu jipe
irá me levar ou talvez tentando localizá-lo.”
Enquanto ela se afasta, um enorme desejo surge em mim. Pela primeira vez em
muito tempo, minhas habilidades de agente estão chamando. Atrasada em relação a
política; de repente eu volto para o campo. Quando ela vira uma esquina, eu abandono
imediatamente o meu lugar e começo a ir atrás dela. Onde ela está indo? “Ela está por Lake
e Colorado”, eu sussurro urgentemente para Anden. “Girando para o norte. Envie alguns
soldados aqui, mas não deixe que ela saiba que você está acompanhando. Eu quero ver
onde ela está indo.”
Antes que Anden possa dizer qualquer outra coisa, eu termino a chamada.
Eu paro no lado dos edifícios, com cuidado para ficar nas sombras, tanto quanto
eu posso, e tomo um atalho através de um beco em direção à rua onde eu acho que a
Comandante Jameson está indo. Em vez de espreitar ao virar da esquina e, potencialmente,
me delatar, eu me escondo no beco e calculo quanto tempo passou. Se mantivesse o
mesmo ritmo, e ela ficasse nesta rua, então ela deve ter passado neste beco pelo menos
um minuto atrás. Cuidadosamente, eu me inclino para fora até que eu possa ter um
vislumbre rápido da rua. Com certeza, ela já passou por mim, e eu posso ver a parte de trás
de sua figura correndo para longe. Este vislumbre rápido também é o suficiente para me
dizer outra coisa, ela está falando em seu próprio microfone.
Desejo que Day estivesse comigo. Ele saberia de imediato, a melhor maneira de
andar por essas ruas sem ser visto.
Por um segundo eu contemplo em chamá-lo, mas é um trajeto muito longo para
ele chegar aqui a tempo.
Em vez disso, eu sigo a Comandante Jameson. Eu a sigo por uns bons quatro
quarteirões, até entrar em uma faixa do Setor Ruby que faz fronteira com parte do Setor
Batalha, onde duas ou três bases de aeronaves se encontram ao longo da rua. Ela faz uma
curva novamente. Corro para não perdê-la, mas na hora que eu olho para baixo na rua, ela
se foi.
Talvez ela soubesse que alguém a seguia; afinal de contas, a Comandante
Jameson é muito mais experiente neste tipo de rastreamento do que eu. Eu olho para os
telhados. A voz de Anden crepita no meu fone de ouvido. “Perdemos ela”, ele confirma. “Eu
dei um alerta silencioso para as tropas a procurarem e comunicar imediatamente de volta.
Ela não poderia ter ido muito longe.”
“Isso é verdade”, eu concordo, mas os meus ombros afundam. Ela desapareceu
sem deixar rasto. Quem tinha falado com ela em seu fone? Meus olhos varrem a rua,
tentando descobrir o que ela deve ter vindo fazer aqui. Talvez ela esteja recrutando. O
pensamento me enerva.
“Eu vou voltar”, eu finalmente sussurro em meu próprio fone. “Se minhas
suspeitas estiverem corretas, então poderíamos ter—”
Uma lufada de ar, uma centelha ofuscante, algo explode diante de meus olhos.
Eu recuo e me lanço instintivamente para o chão atrás de uma lata de lixo próxima. O que
foi isso?
Uma bala. Eu olho para a parede onde ela bateu. Um pequeno pedaço de tijolo
está faltando. Alguém tentou atirar em mim. Meu giro repentino para voltar por onde eu vim
deve ter sido a única coisa que salvou minha vida. Eu começo a colocar outra chamada
frenética para Anden. O sangue corre através de minhas orelhas como uma onda de ruído,
bloqueando lógica e permitindo que o pânico entre. Outra faísca de bala contra o metal da
lata de lixo.
Não há dúvida agora que estou sob ataque.
Cancelo a chamada. De onde a Comandante Jameson está atirando? Há outros
com ela? Tropas das Colônias? Soldados da República que viraram traidores? Eu não sei.
Eu não posso dizer. Eu não posso ouvir e eu não posso ver.
Através do meu pânico crescente, a voz de Metias materializa. Mantenha a
calma, joaninha. A lógica vai te salvar. Concentre-se, pense, aja.
Eu fecho meus olhos, tomando uma respiração profunda, estremecendo, e
permitindo-me um segundo para estabilizar a minha mente, para me concentrar na voz do
meu irmão. Não é o momento para desmoronar. Nunca deixe que as emoções obtenham o
melhor de mim, e eu não vou começar agora. Pense, June. Não seja estúpida. Depois de
mais de um ano de trauma, depois de meses e meses de acordos políticos, depois de dias
de guerra e morte, eu estou começando a suspeitar de tudo e de todos. Isto é como as
Colônias poderiam nos dividir… não com os seus aliados ou armas, mas com a sua
propaganda. Com medo e desespero.
Meu pânico desaparece. A lógica volta.
Primeiro, eu arranco a minha própria arma do coldre. Então, eu faço um gesto
exagerado, como se eu estivesse prestes a sair de trás da lixeira. Em vez disso, fico parada,
mas minha estratégia é o suficiente para provocar outra bala. Faísca! Ela ricocheteia na
parede de tijolos onde minhas costas estão pressionadas. Instantaneamente eu olho para a
marca deixada e identifico de onde pode ter vindo. (Não dos telhados, o ângulo não é
grande o suficiente. Quatro, talvez cinco andares acima. Não o edifício em frente de mim,
mas sim o da direita ao lado dele.) Eu olho para as janelas que revestem os pisos. Várias
estão abertas. No começo eu quero apontar de volta para as janelas, mas então eu lembro
que eu poderia atirar em alguém sem querer. Em vez disso, eu estudo o edifício. Parece ser
uma emissora de rádio ou uma sala militar perto o suficiente das bases aéreas que me
pergunto se é de onde as aeronaves estão sendo monitoradas.
Como ela está envolvida com as bases aéreas? As Colônias planejam um ataque
surpresa aqui?
Clico meu fone novamente. “Anden”, eu sussurro depois de introduzir seu código.
“Tirem-me daqui. Use o rastreador da minha arma.”
Mas minha chamada não tem tempo suficiente de chegar. Uma fração de
segundo depois, outra bala acerta direto acima da minha cabeça, desta vez eu recuo e me
achato debaixo do lixo. Quando abro os olhos, vejo-me olhando diretamente nos olhos frios
da Comandante Jameson.
Ela pega o meu pulso.
Eu giro para fora sob o lixo antes que ela possa me alcançar. Eu giro e aponto a
arma para ela, mas ela já saiu correndo. Sua própria arma está levantada. Logo de cara eu
posso dizer que ela não está com o objetivo de matar. Por quê? A questão passa por minha
mente na velocidade da luz. Porque as Colônias precisam de mim viva, porque eles
precisam de mim para negociar.
Ela dispara, eu rolo no chão. Uma bala não acerta a minha perna por
centímetros. Eu pulo para os meus pés e aponto para ela de novo, desta vez eu atiro. Eu
não acerto por um fio de cabelo. Ela abaixa atrás do lixo. Ao mesmo tempo, eu tento fazer
uma chamada de novo. Eu consigo. “Anden,” Eu suspiro no fone enquanto eu viro e corro.
“Tirem-me daqui!”
“Já estamos em nosso caminho”, Anden responde. Eu corro ao redor de uma
esquina justo quando eu ouço outro tiro disparado atrás de mim. É o último. Bem na hora,
um jipe corre para mim e canta ao parar a vários metros de distância de mim. Um par de
soldados saem, me protegendo enquanto outros dois correm para a rua em direção a
Comandante Jameson. Eu já sei que é tarde demais para pegá-la, porém, ela deve ter
corrido também. Está tudo acabado tão rápido como começou. Eu subo no jipe com a ajuda
dos soldados, em seguida, entro em colapso contra o banco enquanto nos distanciamos.
Adrenalina corre através de mim. Meu corpo inteiro treme incontrolavelmente.
“Você está bem?” Um dos soldados pergunta, mas sua voz soa distante. Tudo o
que posso pensar é o que o encontro significou. Comandante Jameson sabia que eu iria
esperar naquela rua pelo meu jipe; ela deve ter me atraído na tentativa de me capturar. Sua
presença nas bases aéreas não foi coincidência. Ela está alimentando informações para as
Colônias sobre as nossas rondas e locações aqui. Há provavelmente outros soldados das
Colônias escondidos entre nós também, Comandante Jameson é uma fugitiva procurada.
Ela não pode se mover tão facilmente sem ajuda. E, com sua experiência, ela
provavelmente poderia manter uma caça humana atrás dela nestas ruas o tempo suficiente
até as Colônias chegarem. Para que as Colônias cheguem. Eles escolheram seu próximo
alvo, e seremos nós.
Sobre o meu fone de ouvido, a voz de Anden vem novamente. “Eu estou no meu
caminho”, diz ele com urgência. “Você está bem? O jipe vai levá-la direto para o Batalha
Hall, e eu vou ter um guarda para você”
“Ela está alimentando-os com informações sobre os portos,” eu respiro no fone
antes que possa terminar. Minha voz treme quando eu digo isso. “As Colônias estão prestes
a atacar Los Angeles.”
RECEBO A CHAMADA SOBRE JUNE QUANDO ESTOU SENTADO COM
EDEN. Depois de uma manhã de teste, ele finalmente adormeceu. Lá fora, as nuvens
cobrem a cidade inteira com uma atmosfera sombria. Bom. Eu não sei como me
sentiria se fosse um dia ensolarado, não com esta notícia sobre a Comandante
Jameson e o fato de que ela tentou atirar em June a céu aberto nas ruas. As nuvens
se adaptam ao meu humor muito bem.
Enquanto espero com impaciência June chegar ao hospital, eu gasto meu
tempo assistindo Tess através do vidro da janela do seu quarto. A equipe do
laboratório ainda a rodeia, monitorando seus sinais vitais como um bando de
benditos abutres em um antigo show da natureza. Eu balanço minha cabeça. Eu não
deveria ser tão duro com eles. No começo eles me deixaram colocar um traje, me
sentar lá dentro ao lado da Tess, e segurar a mão dela. Ela estava inconsciente, é
claro, mas ela ainda podia apertar seus dedos nos meus. Ela sabe que eu estou aqui.
Que eu estou esperando por sua cura.
Agora a equipe do laboratório parece que está injetando algum tipo de
fórmula misturada de um lote feito a partir de células de sangue do Eden. Inferno eu
sei o que vai acontecer a seguir. Seus rostos estão escondidos atrás de máscaras
com viseiras reflexivas, transformando-os em algo estranho. Os olhos de Tess ficam
fechados, e sua pele está em um amarelo doentio.
Ela tem o vírus que as Colônias propagaram, eu tenho que me lembrar. Não,
que a República propagou. Maldição esta minha memória.
Pascao, Baxter e outros Patriotas permanecem acampados no hospital
também. Onde diabos mais eles poderiam ir de qualquer maneira? Enquanto os
minutos se arrastam, Pascao toma um assento ao meu lado e esfrega as mãos. “Ela
está aguentando ali dentro”, ele murmura, seus olhos demorando em Tess. “Mas há
relatos de alguns outros focos na cidade. Veio principalmente de alguns refugiados.
Você viu a notícia nos JumboTrons?”
Eu balanço a cabeça. Meu queixo está tenso de raiva. Quando é que June
chega? Eles disseram que estavam trazendo ela aqui a mais de um quarto de hora
atrás. “Não tenho ido a lugar algum a não ser ver o meu irmão e Tess.”
Pascao suspira, esfregando a mão no rosto. Ele é cuidadoso para não
perguntar sobre June. Eu tinha que me desculpar com ele sobre o meu
temperamento, mas estou com muita raiva para me importar. “Três zonas de
quarentena foram criadas agora no centro da cidade. Se você ainda está planejando
executar o seu pequeno truque, temos que sair nos próximos dias.”
“Esse é todo o tempo que nós precisamos. Se os rumores que ouvimos de
June e do Eleitor são verdades, então esta será a nossa melhor chance.” O
pensamento de que parte de Los Angeles esteja sendo isolada por quarentena envia
uma nostalgia sombria e desconfortável através de mim. Tudo está tão errado, e eu
estou tão cansado. Eu estou tão cansado de me preocupar com tudo isso, sobre se
devo ou não me importar se as pessoas vão durar a noite ou sobreviver ao dia. Ao
mesmo tempo, eu não consigo dormir. As palavras de Eden, de hoje de manhã ainda
soam em meus pensamentos. Talvez todos na República possam ser soldados. Meus
dedos percorrem o anel de clipe de papel que adorna meu dedo. Se June tivesse se
ferido esta manhã, eu me pergunto se os últimos pedaços de minha sanidade mental
teriam desaparecido. Eu sinto que eu estou pendurado em por um fio. Eu acho que é
certo em um sentido muito literal — minha dor de cabeça têm sido implacável hoje, e
tenho me acostumado com a dor perpétua pulsando na parte de trás da minha
cabeça. Apenas alguns meses, eu penso. Apenas alguns meses, como os médicos
disseram, e então talvez a medicação trabalhe o suficiente para me deixar fazer a
cirurgia. Segue aguentando.
No meu silêncio, Pascao vira seus olhos claros para mim. “Vai ser perigoso,
o que você me disse”, diz. Parece que ele está pisando com cuidado. “Alguns civis
morrerão. Simplesmente não há maneira de evitar.”
“Não acho que nós temos uma escolha”, eu respondo, retornando seu
olhar. “Não importa o quão distorcido este país seja, ainda é sua terra natal. Nós
temos de chamá-los para ação.”
Gritos ecoam do salão além do nosso. Pascao e eu paramos para ouvir um
segundo — e se eu não soubesse melhor, eu juro que era o Eleitor. Estranho. Eu não
sou exatamente o maior fã de Anden, mas eu nunca o ouvi perder a paciência.
As portas duplas no final do salão abrem com um golpe — de repente, os
gritos preenchem o salão. Anden entra como uma tempestade com sua habitual
multidão de soldados, enquanto June se mantém ao lado dele. June. Alívio inunda
meu corpo. Fico de pé. Seu rosto se ilumina quando corro até ela.
“Eu estou bem”, diz ela, acenando antes que eu possa sequer abrir a boca.
Ela parece impaciente sobre isso, como se tivesse passado o dia inteiro convencendo
toda a gente da mesma coisa. “Eles estão sendo excessivamente cautelosos, me
trazendo aqui —”
Eu poderia me importar menos se eles estão sendo excessivamente
cautelosos. A interrompo e a puxo para um abraço apertado. Um peso se eleva em
meu peito, e o resto da minha raiva vem inundado. “Você é o Eleitor”, eu atiro para
Anden. “Você é o maldito Eleitor da República. Você não pode assegurar que a sua
própria bendita Princesa Eleita não seja assassinada por uma prisioneira que vocês
não podem sequer manter encarcerada? Que tipo de guarda-costas que você tem, de
qualquer maneira — um bando de cadetes do primeiro ano?”
Anden me lança um olhar perigoso, mas para minha surpresa, ele fica em
silêncio. Eu me afasto de June para que eu possa manter seu rosto em minhas mãos.
“Você está bem, certo?” Peço urgentemente. “Você está completamente ok?”
June levanta uma sobrancelha para mim, então me dá um beijo rápido e
reconfortante. “Sim. Estou completamente ok.” Ela lança um olhar sobre Anden, mas
ele está muito distraído conversando com um de seus soldados agora.
“Encontre-me os homens designados para respaldar a Princesa Eleita”, ele
estala ao soldado. Círculos escuros se alinham na pele sob seus olhos, e seu rosto
parece tão abatido e furioso. “Se a sorte não estivesse do nosso lado, Jameson a
teria matado. Eu tenho quase decidido classificá-los todos como traidores. Há muito
espaço no pátio do pelotão de fuzilamento para todos eles.” O soldado se coloca em
posição firme e sai correndo com vários outros para fazer o que disse Anden. Minha
raiva diminui, e um frio corre através de mim quando sinto a familiaridade de sua ira.
Como se estivesse olhando para seu pai.
Agora ele me enfrenta. Sua voz se torna mais calma. “A equipe do
laboratório me disse que seu irmão tem passado pelos testes até agora muito
bravamente”, diz ele. “Eu queria agradecer mais uma vez por—”
“Não tiremos conclusões precipitadas,” eu interrompo com uma
sobrancelha levantada. “Essa coisa toda não acabou ainda.” Depois de mais dias
como hoje, onde Eden vai enfraquecer ainda mais rápido com todos experimentos, eu
poderia não ser tão educado. Eu abaixo minha voz, fazendo um esforço para soar
civilizado novamente. É um meio trabalho. “Vamos falar em privado. Eleitor, tenho
algumas ideias para serem executadas por você. Com esta recente notícia da
Comandante Jameson, podemos ter a oportunidade de causar alguns problemas para
as Colônias. Você, eu, June, e os Patriotas.”
Os olhos de Anden escurecer ante a isso, e sua boca aperta em um gesto
incerto quando ele verifica sua audiência. O gigante Pascao, com seu sempre
presente sorriso não parece melhorar seu humor. Após alguns segundo, porém, ele
acena para seus soldados. “Consigam-nos uma sala de conferências”, diz ele. “Eu
quero as câmeras de segurança desligadas.”
Soldados se esforçam para fazer a sua vontade. À medida que nós
enfileiramos atrás dele, eu troco um longo olhar com June. Ela está bem, ela está sã e
salva. No entanto, eu tenho medo que ela vá desaparecer se eu me descuidar o
suficiente para desviar o olhar. Eu me forço a segurar a pergunta a ela sobre o que
aconteceu até que estejamos todos na sala privada — e pelo olhar em seu rosto, ela
também espera pelo mesmo momento. Minha mão dói para segurar a dela. Eu
mantenho isso para mim também. A nossa dança em torno do outro sempre parece
que está condenada a repetir-se uma e outra vez.
“Então”, Anden diz, uma vez que tenhamos nos instalado em uma sala e
sua patrulha desativou todos as câmeras. Ele se inclina para trás em uma das
cadeiras e me examina com um olhar penetrante. “Talvez devêssemos começar com o
que aconteceu com a nossa Princesa Eleita esta manhã.”
June levanta o queixo, mas suas mãos tremem levemente. “Eu vi a
Comandante Jameson no setor Ruby. Meu palpite é que ela estava na área para
explorar o local — e ela deve ter sabido onde eu estaria.” Fico maravilhado com o
quão estável June parece. “Eu a segui por um tempo, até que alcançou a zona da
base dos dirigíveis na fronteira entre Ruby e Batalla. Ela me atacou lá.”
Mesmo neste curto resumo é suficiente para me fazer ver vermelho. Anden
suspira e passa a mão através de seu cabelo. “Nós suspeitamos que a Comandante
Jameson pode ter dado alguns locais e horários para as Colônias sobre a base dos
dirigíveis de Los Angeles. Ela também pode ter tentado sequestrar Srta. Iparis para
poder barganhar.”
“Isso quer dizer que as Colônias estão planejando atacar LA?” Pascao
pergunta. Eu já sei o seu próximo pensamento. “Mas isso significa que é verdade,
Denver caiu…” Ele se cala ante a expressão de Anden.
“Estamos recebendo alguns dos primeiros rumores,” Anden responde.
“Dizem que as Colônias têm uma bomba que pode arrasar toda a cidade. A única
coisa que os detêm de usá-la é uma proibição internacional. Eles não gostariam de
finalmente forçar a Antártida a se envolver, ou gostariam?” Desde quando Anden se
tornou tão sarcástico? “De qualquer forma, se eles atacarem agora, seremos
duramente pressionados para ter uma cura pronta para mostrar a Antártida antes que
as Colônias nos esmaguem. Podemos nos defender contra eles. Não podemos nos
defender contra eles e a África.”
Hesito, em seguida, exponho os pensamentos que estão agitados na minha
mente. “Eu conversei com Eden esta manhã, durante seus testes. Ele me deu uma
ideia.”
“E qual é?” June pede.
Eu olho para ela. Segue sendo tão linda como nunca, mas mesmo June está
começando a mostrar a tensão desta invasão, os ombros levemente curvados. Meus
olhos voltam para Anden. “Renda-se,” eu digo.
Ele não esperava isso. “Você quer que eu levante a bandeira branca para as
Colônias?”
“Sim, a rendição.” Eu abaixo minha voz. “Ontem à tarde, o Chanceler das
Colônias me fez uma oferta. Ele me disse que se eu pudesse levar as pessoas da
República a se levantar em apoio as Colônias e contra os soldados da República,
assegurou que o Eden e eu seremos protegidos uma vez que as Colônias ganhem a
guerra. Digamos que você se rende, e ao mesmo tempo, eu ofereço um encontro com
o Chanceler para dar a resposta ao seu pedido, que eu vou pedir para o povo que
adote as Colônias como seu novo governo. Então você terá a chance de pegar as
Colônias desprevenidas. De qualquer maneira o Chanceler já assume que você vai se
render um dia desses.”
“Fingir uma rendição é contra a lei internacional”, murmura June para si
mesma, embora ela me estude com cuidado. Eu posso dizer que ela não é exatamente
contra a ideia. “Eu não sei se os Antárticos apreciarão isso, e o ponto disso tudo é
convencê-los a nos ajudar, não é?”
Eu balanço a cabeça. “Eles não parecem se importar que as Colônias
quebraram o cessar-fogo sem nos advertir, nos respaldando quando tudo isso
estourar.” Eu olho para Anden. Ele me olha de perto, com o queixo descansando em
sua mão. “Agora, você tem que retribuir o favor, certo?”
“O que acontece quando você se encontrar com o Chanceler?”, Ele
finalmente pergunta. “Uma falsa rendição pode só durar certo tempo antes de
agirmos.”
Eu me inclino até ele, minha voz urgente. “Você sabe o que Eden me disse
esta manhã? 'É uma pena que nem todos na República possam ser soldados.' Mas
eles podem.”
Anden permanece em silêncio.
“Deixe-me marcar cada um dos setores na República, com algo que vai
deixar as pessoas saberem que eles não podem simplesmente sentar e deixar que as
Colônias assumam suas casas, algo que vai pedir que esperem pelo meu sinal e os
lembre que todos nós estamos lutando. Então, quando eu fizer o anúncio que o
Chanceler das Colônias quer que eu faça, eu não vou pedir para o povo adotar as
Colônias. Eu vou chamá-los para a ação.”
“E se eles não responderem ao seu chamado?” diz June.
Eu lhe dou um rápido sorriso. “Tenha um pouco de fé, amor. As pessoas me
amam.”
Apesar de tudo, June sorri de volta.
Eu me viro para Anden. Seriedade substitui meu flash de diversão. “As
pessoas amam a República mais do que você pensa”, eu digo. “Mais do que eu
pensava. Você sabe quantas vezes eu vi os evacuados por aqui cantando músicas
patrióticas da República? Você sabe quanto grafite eu vi ao longo dos últimos meses,
que apoiam tanto você quanto o país?” Uma nota de paixão entra na minha voz. “As
pessoas não acreditam em você. Elas acreditam em nós. E elas vão lutar por nós, se
nós os chamarmos — eles vão ser os que rasgarão as bandeiras das Colônias, em
protesto na frente dos postos das Colônias, transformando suas próprias casas em
armadilhas para os soldados das Colônias.” Eu estreito os meus olhos. “Eles se
converterão em um milhão de versões de mim.”
Anden e eu olhamos um para o outro. Finalmente, ele sorri.
“Bem,” June me diz, “enquanto você está ocupado tornando-se o criminoso
mais procurado das Colônias, os Patriotas e eu podemos participar de suas façanhas.
Vamos fazer a nível nacional. Se a Antártida protestar, a República pode dizer que
eram apenas ações de alguns vigilantes. Se as Colônias querem jogar sujo, então
vamos jogar sujo.”
1700 Horas
Batalla Hall
20°C
EU ODEIO REUNIÕES DO SENADO. AS ODEIO COM PAIXÃO — nada mais é,
que um mar de políticos discutindo e falando, falando, falando o tempo todo, enquanto eu
poderia estar lá fora nas ruas, dando a minha mente e corpo um treino saudável. Mas
depois do plano que Day, Anden e eu temos preparado, não há escolha a não ser informar o
Senado. Agora eu me sento na câmara de reunião circular em Batalla Hall, no meu lugar
frente a Anden do outro lado da sala, tentando ignorar os intimidantes olhares dos
Senadores. Poucos eventos me fazem sentir mais como uma criança do que as reuniões do
Senado.
Anden aborda seu público inquieto. “Os ataques contra nossas bases em Vegas
tem sido frequentes desde que Denver caiu”, diz ele. “Nós vimos esquadrões africanos se
aproximando da cidade. Amanhã, me dirijo para encontrar os meus generais lá.” Ele hesita
aqui. Prendo a respiração. Eu sei o quanto Anden odeia a ideia de expressar derrota para
alguém, especialmente para as Colônias. Ele olha para mim — meu sinal para que eu
continue. Ele está tão cansado. Nós todos somos. “Srta. Iparis,” diz alto. “Se você quiser, eu
entrego a palavra para que você explique sua história e seu conselho.”
Eu tomo uma respiração profunda. Me dirijo ao Senado: a coisa que eu odeio
mais do que assistir reuniões do Senado, se faz ainda pior pelo fato de que eu tenho que
vender uma mentira. “Até agora, tenho certeza que todos vocês têm ouvido sobre o suposto
trabalho da Comandante Jameson com as Colônias. Com base no que sabemos, parece
provável que as Colônias vão atacar Los Angeles de surpresa muito em breve. Se o fizerem,
e os ataques contra Vegas continuarem, não vamos durar por muito tempo. Depois de
conversar com Day e os Patriotas, sugerimos que a única maneira de proteger nossos civis
é possivelmente negociar um tratado justo, e anunciar nossa rendição as Colônias.”
Há um atordoado silêncio. Em seguida, a sala explode em conversas. Serge é o
primeiro a levantar a voz e desafiar Anden. “Com todo o respeito, Eleitor,” diz ele, com a voz
trêmula de irritação, “você não discutiu este assunto com seus outros Príncipes Eleitos.”
“Não foi algo que eu tive a oportunidade de discutir com você até agora,” Anden
responde. “A srta. Iparis sabe porque ela teve a infelicidade de experimentar em primeira
mão.”
Mesmo Mariana, muitas vezes do lado de Anden, levanta a voz contra a ideia.
“Esta é uma negociação perigosa,” diz ela. Pelo menos ela fala com calma. “Se você está
fazendo isso para poupar nossas vidas, então eu recomendo que você e a Srta. Iparis
reconsiderem imediatamente. Entregar as pessoas para as Colônias não vai protegê-las.”
Os outros Senadores não mostram a mesma restrição.
“A rendição? Mantivemos as Colônias fora da nossa terra por quase cem anos!”
“Certamente nem tudo está enfraquecido ainda? O que eles fizeram, além de
ganhar temporariamente Denver?”
“Eleitor, isso é algo que você deveria ter discutido com todos nós, mesmo em
meio a essa crise!”
Eu olho como cada voz sobe mais alta do que a outra, até que toda a câmara se
enche com sons de insulto, raiva e descrença. Alguns com ódio vomitam coisas sobre Day.
Alguns amaldiçoam as Colônias. Alguns solicitam a Anden reconsiderar, para pedir mais
ajuda internacional, para pleitear com as Nações Unidas parar o fechamento dos nossos
portos. Barulho.
“Isso é um ultraje!” Um Senador (magro, provavelmente não mais de sessenta
quilos, com uma careca reluzente) grunhe, olhando para mim como se eu fosse responsável
pela queda de todo o país. “Certamente não tomaremos as diretrizes de uma menina? E de
Day? Você deve estar brincando. Nós vamos entregar o país com base no parecer de algum
maldito garoto que ainda deveria estar na lista de criminosos da nossa nação!”
Anden estreita os olhos. “Cuidado como você se refere a Day, Senador, antes de
as pessoas virarem as costas para você.”
O Senador zomba de Anden e eleva-se o mais alto que pode. “Eleitor,” diz ele,
com um tom exagerado e zombeteiro. “Você é o líder da República da América. Você tem
poder sobre este país inteiro. E aqui está você, refém das sugestões de alguém que tentou
matá-lo.” Meu temperamento começa a subir. Eu abaixo a minha cabeça para que não
tenha que olhar para o Senador. “Em minha opinião, senhor, você precisa fazer alguma
coisa antes que todo o seu governo — e toda a sua população — o veja como nada mais
que um covarde, sem força de vontade, que nos bastidores de negociação é um bobalhão
que se curva às demandas de uma adolescente e um criminoso e uma equipe de terroristas
ralé. Seu pai teria—”
Anden salta de pé e bate a mão na mesa. Instantaneamente, a câmara se torna
silenciosa.
“Senador,” Anden diz calmamente. O homem olha em volta, mas com menos
convicção do que ele tinha a dois segundos atrás. “Você está certo sobre uma coisa só.
Como filho de meu pai, eu sou o Eleitor da República. Eu sou a lei. Tudo o que eu decido
afeta diretamente quem vive ou morre.” Eu estudo o rosto de Anden com um crescente
sentimento de preocupação. Seu gentil e suave tom de voz está desaparecendo lentamente
por trás do véu de escuridão e violência herdados de seu pai. “Você faria bem em lembrar o
que aconteceu com aqueles Senadores que realmente tramaram o meu falho assassinato.”
A câmara fica tão quieta que eu sinto que eu posso ouvir as gotas de suor
escorrendo pelo rosto dos Senadores. Mesmo Mariana e Serge empalidecem. No meio de
todos eles está Anden, seu rosto uma máscara de fúria, o queixo tenso, e em seus olhos
uma profunda tempestade crescente. Ele se vira para mim, eu sinto um enorme
estremecimento elétrico percorrer meu corpo, mas eu mantenho o meu olhar firme. Eu sou a
única na câmara disposta a olhá-lo nos olhos.
Mesmo que a nossa rendição seja falsa, a qual os Senadores não tem propósito
de entender, eu me pergunto como Anden vai lidar com este grupo, uma vez que tudo
estiver acabado.
Talvez ele não precise. Talvez a gente pertença a um país diferente, ou talvez
tanto Anden como eu estaremos mortos.
Neste momento, sentada entre um Senado dividido e um jovem Eleitor lutando
para mantê-los juntos, eu finalmente vejo claramente o meu caminho. Eu não pertenço a
isso. Eu não deveria estar aqui. A compreensão me bate tão forte, de repente acho difícil
respirar.
Anden e os Senadores trocam mais algumas palavras tensas, mas depois que
tudo acabou, e nós saímos da sala enfileirados, uma multidão inquieta. Acho Anden — seu
uniforme vermelho-escuro brilhante é marcante contra o negro dos Senadores — no
corredor e o puxo de lado. “Eles vão ceder,” eu digo, tentando ofertar tranquilidade em um
mar de hostilidade. “Eles não têm uma escolha.”
Ele parece relaxar, mesmo que apenas por um segundo. Algumas simples
palavras minhas são suficientes para dissipar a sua raiva. “Eu sei. Mas eu não quero que
eles não tenham escolha. Eu quero que eles solidamente sigam atrás de mim por sua
própria vontade.” Ele suspira. “Podemos falar em particular? Eu tenho algo a discutir com
você.”
Eu estudo seu rosto, tentando adivinhar o que ele quer me dizer, temo isso.
Finalmente, eu aceno. “Meu apartamento está mais perto.”
Nós nos conduzimos ao seu jipe e dirigimos em silêncio todo o caminho para o
meu arranha-céus no setor Ruby. Lá, nós fazemos o nosso caminho para cima e entramos
no meu apartamento sem uma palavra. Ollie nos cumprimenta, tão entusiasmado como
sempre. Eu fecho a porta atrás de mim.
O temperamento de Anden a muito desapareceu. Ele olha em volta com uma
expressão inquieta, em seguida, volta-se para mim. “Você se importa se eu me sentar?”
“Por favor,” eu respondo, sentando-me na mesa de jantar. O Primeiro Eleitor,
pedindo permissão para sentar-se?
Anden toma o assento ao meu lado com toda a sua distinta graça e esfrega suas
as têmporas com mãos cansadas. “Eu tenho uma boa notícia”, diz ele. Ele tenta sorrir, mas
eu posso ver como é pesado. “Eu fiz um acordo com a Antártida.”
Eu engulo em seco. “E então?”
“Eles confirmaram que vão enviar apoio militar — algum apoio aéreo, por agora,
mais apoio terrestre quando provarmos que foi encontrada uma cura,” Anden responde. “E
eles vão concordar em tratar Day.” Ele não olha para mim. “Em troca de Dakota. Eu não tive
escolha. Eu estou dando o nosso maior território.”
Meu coração salta com uma enorme sensação de alegria e alívio — e ao mesmo
tempo, ele afunda em simpatia por Anden. Ele foi forçado a fragmentar o país. Dar nosso
mais precioso recurso; o recurso mais precioso de todos no mundo. Era inevitável. Cada
vitória vem com um sacrifício. “Obrigada,” eu digo.
“Não me agradeça ainda.” Seu sorriso irônico rapidamente se transforma em uma
careta. “Estamos por um fio. Eu não sei se a sua ajuda virá rápida o suficiente. A palavra da
frente de batalha é que estamos perdendo terreno em Las Vegas. Se os nossos planos com
esta rendição falsa falhar, se não encontrarmos uma cura logo, esta guerra vai acabar antes
do apoio da Antártida chegar.”
“Você acha que encontrar uma cura fará com que as Colônias parem?” Pergunto
com calma.
Anden balança a cabeça. “Não temos muitas opções,” ele responde. “Mas temos
que aguentar até que a ajuda chegue.” Ele fica em silêncio por um momento. “Vou amanhã
a frente de batalha em Vegas. Nossas tropas precisam disso.”
Direto para o foco da guerra. Eu tento manter a calma. “Seus Príncipes Eleitos
vão também?” Eu pergunto. “Seus Senadores?”
“Só os meus generais se unirão a mim,” Anden responde. “Você não vai vir, e
nem Mariana e Serge. Alguém precisa manter-se firme em Los Angeles.”
E aqui está o ponto do que ele quer me dizer. Minha mente dá voltas sobre o que
eu sei que ele vai dizer em seguida.
Anden se inclina sobre a mesa e enfia os dedos enluvados juntos. “Alguém tem
de manter-se firme em Los Angeles,” ele repete, “o que significa que um dos meus Príncipes
Eleitos terá que tomar o meu lugar e agir como um Eleitor. Ela precisaria controlar o
Senado, mantê-los em cheque, enquanto eu estou longe com as tropas. Eu escolheria essa
pessoa, é claro, e o Senado confirmaria.” Um pequeno sorriso triste se desenha nas bordas
de seus lábios, como se ele já soubesse qual será a minha resposta. “Eu já falei
individualmente com Mariana e Serge sobre isso, e ambos estão ansiosos para a minha
nomeação. Agora eu preciso saber se você também está.”
Viro a cabeça e olho para fora da janela do apartamento. A ideia de atuar como
Eleitor da República — mesmo que minhas chances de ser escolhida empalidecem em
comparação com a de Mariana e Serge — deveria me excitar, mas isso não acontece.
Anden me observa com cuidado. “Você pode me dizer,” ele finalmente diz. “Eu
percebo o quão inevitável esta decisão é, e sinto seu desconforto faz um tempo.” Ele me dá
um olhar nivelado. “Diga me a verdade, June. Você realmente quer ser uma Princesa
Eleita?”
Eu sinto um vazio estranho. Eu estava pensando nisso por um longo tempo, meu
desinteresse e cansaço com a política da República, a briga no Senado, a luta entre os
Senadores e o Príncipes Eleitos. Pensei que isso seria difícil de dizer a ele. Mas agora que
ele está aqui, esperando pela minha resposta, as palavras vêm facilmente, com calma.
“Anden, você sabe que o papel de Princesa Eleita tem sido uma grande honra
para mim. Mas enquanto o tempo passa, eu posso dizer que alguma coisa está faltando, e
agora eu sei o que é. Você tem a oportunidade de levar seu exército contra os nossos
inimigos, enquanto Day e os Patriotas estão lutando contra as Colônias em sua própria
maneira de guerrilhar. Sinto falta de estar em campo, trabalhando como agente júnior e
confiar em mim mesma. Eu sinto saudade dos dias em que as coisas eram simples em vez
de política, quando eu podia facilmente perceber o caminho certo e o que deveria fazer.
Eu… sinto saudade de fazer o que meu irmão me treinou a fazer.” Sustento o olhar firme.
“Eu sinto muito, Anden, mas eu não sei se sou talhada para ser um político. Eu sou um
soldado. Eu não acho que você deve me considerar como uma Eleitora temporária em sua
ausência, e eu não tenho certeza se deveria continuar como sua Princesa Eleita.”
Anden busca meus olhos. “Compreendo,” ele finalmente diz. Embora haja uma
pontada de tristeza em sua voz, ele parece concordar. Se há uma coisa que se destaca no
Anden, ainda mais do que no Day, é o entendimento de onde eu venho.
Um momento depois, eu vejo outra emoção em seus olhos — inveja. Ele está
com inveja que eu tenho a opção de me afastar do mundo da política, que posso me tornar
algo mais, quando Anden será para sempre e sempre o nosso Eleitor, o país precisa de
alguém para se apoiar. Ele nunca poderá se afastar com a consciência limpa.
Ele limpa a garganta. “O que você quer fazer?”
“Eu quero me juntar as tropas nas ruas,” eu respondo. Eu estou tão certa da
minha decisão, desta vez, tão animada com a perspectiva, que mal posso suportar. “Mande-
me de volta lá para fora. Deixe-me lutar.” Eu abaixo minha voz. “Se perdemos, então
nenhum dos Príncipes Eleitos vão importar de qualquer maneira.”
“É claro,” Anden diz assentindo. Ele olha ao redor da sala com uma expressão
incerta, e atrás de sua corajosa fachada posso ver o rei menino nele lutando para se
segurar. Então ele percebe um casaco amarrotado pendurado ao pé da minha cama.
Demorando-se nele.
Eu nunca me dei ao trabalho de colocar o casaco de Day em outro lugar.
Anden finalmente olha para longe dele. Eu não preciso dizer-lhe que o Day
passou a noite — já posso ver na compreensão em seu rosto. Eu coro. Eu sempre fui boa
em esconder minhas emoções, mas desta vez eu estou envergonhada de que algo sobre
aquela noite — o calor da pele do Day contra a minha, o toque de sua mão tirando o cabelo
longe do meu rosto, o toque de seus lábios contra meu pescoço — irá mostrar-se nos meus
olhos.
“Bem,” disse ele após uma longa pausa. Me dá um pequeno sorriso triste, então
se endireita. “Você é um soldado, Srta. Iparis, genuinamente, mas tem sido uma honra vê-la
como uma Princesa Eleita.” O Eleitor da República se inclina para mim. “Aconteça o que
acontecer a partir daqui, eu espero que você lembre-se disso.”
“Anden,” eu sussurro. A memória de seu rosto escuro, furioso na câmara do
Senado volta a mim. “Quando você estiver em Vegas, me prometa que será você mesmo.
Não se transforme em alguém que você não é. Ok?”
Ele pode não ter ficado surpreso com a minha resposta, ou pelo casaco do Day.
Mas isso parece pegá-lo de guarda baixa. Ele pisca, confuso por um segundo. Em seguida,
ele entende. Balança a cabeça. “Eu tenho que ir. Eu tenho que levar os meus homens,
assim como fez meu pai.”
“Isso não é o que eu quis dizer”, eu digo com cuidado.
Ele luta por um momento para encontrar as próximas palavras. “Não é nenhum
segredo o quão cruel foi meu pai, ou quantas atrocidades que ele cometeu. Os
experimentos, as pragas…” Anden se detém um pouco, a luz em seu olhos verdes fica
distante quando ele rememora lembranças de alguém que poucos de nós chegou a
conhecer. “Mas ele lutou com seus homens. Você entende isso, talvez mais do que
ninguém. Ele não ficava atrás do Senado da câmara enquanto enviava as suas tropas para
morrer. Quando ele era jovem e levou o país a partir de uma bagunça sem lei a lei marcial
rigorosa, ele estava nas ruas e na frente de seus esquadrões. Lutou na própria frente de
batalha, abatendo jatos das Colônias.” Anden faz uma pausa para me dar uma olhada
rápida. “Eu não estou tentando defender qualquer coisa que ele fez. Mas se era qualquer
coisa, ele era alguém sem medo. Ele ganhou a lealdade de seu exército através da ação,
porém implacável… quero elevar a moral dos nossos soldados também, e eu não posso
fazer isso enquanto me escondo em LA. Estou—”
“Você não é o seu pai,” eu digo, segurando seu olhar com o meu. “Você é Anden.
Você não tem que seguir os seus passos; você tem os seus próprios. Você é o Eleitor agora.
Você não tem que ser como ele.”
Penso em minha própria lealdade para com o ex-Eleitor, de todas as imagens de
vídeo dele gritando ordens do cockpit de um avião de combate, ou dirigindo tanques nas
ruas. Ele estava sempre nas linhas de frente. Ele era destemido. Agora, quando olho para
Anden, eu posso ver o mesmo destemor queimando de forma constante em seus olhos, a
necessidade de afirmar-se como um líder digno de seu país. Quando seu pai era jovem,
talvez ele também tinha sido como Anden — idealista, cheio de sonhos e esperanças, com
intenções nobres, corajoso e determinado. Como ele lentamente se tornou o Eleitor que
criou uma nação tão obscura? Que caminho escolheu seguir? De repente, por um breve
segundo, eu sinto como se entendesse a antiga República. E eu sei que Anden não pode ir
por esse mesmo caminho.
Anden retorna meu olhar, como se ouvisse minhas palavras não ditas… e pela
primeira vez em meses, eu vejo algumas nuvens escuras se elevando de seus olhos, a
escuridão que dá luz a seus momentos de temperamento furioso.
Sem a sombra de seu pai no caminho, ele é lindo.
“Eu vou fazer o meu melhor”, ele sussurra.
SEGUNDA NOITE DO CESSAR-FOGO DAS COLÔNIAS.
BEM, NÃO ADIANTA VOLTAR PARA CASA ESTA NOITE. PASCAO e eu
vamos correr através de Los Angeles, marcando portas e paredes e alertando as
pessoas em silêncio para a nossa causa, e que poderia muito bem fazê-lo a partir de
uma localização central, como o hospital. Além disso, eu precisava me sentar com
Eden por um tempo. Uma noite de exames de sangue não o deixou bem—ele havia
vomitado duas vezes desde que eu estive aqui. Enquanto uma enfermeira corre para
fora da sala com um balde na mão, eu derramo um copo de água para o meu irmão.
Ele bebe de uma vez.
“Teve sorte?” Pergunta ele fracamente. “Você sabe se eles encontraram
alguma coisa?”
“Ainda não.” Eu tomo o copo vazio dele e o coloco de volta em uma
bandeja. “Eu vou verificar com eles daqui a pouco, no entanto. Ver como eles estão
fazendo. Melhor valer a pena tudo isso.”
Eden suspira, fecha os olhos, e inclina a cabeça contra a montanha de
travesseiros empilhados em sua cama. “Eu estou bem”, ele sussurra. “Como está a
sua amiga? Tess?”
Tess. Ela não acordou ainda, e agora encontro-me desejando que
pudéssemos voltar para quando ela ainda era capaz de empurrar a equipe do
laboratório ao redor. Eu engulo em seco, tentando substituir a minha imagem mental
de sua aparência doentia com a cara doce, alegre que conheço há anos. “Ela está
dormindo. O laboratório diz que sua febre não diminuiu.”
Eden range os dentes e olha de volta para a tela de monitoramento dos seus
sinais vitais. “Ela parece legal”, ele finalmente diz. “De tudo o que eu ouvi.”
Eu sorrio. “Ela é. Depois que tudo isso acabar, talvez vocês dois possam
sair ou algo assim. Vocês iriam se dar bem.” Se sairmos de tudo isso, acrescento a
mim mesmo, e, em seguida, rapidamente apago o pensamento. Droga, a cada dia está
ficando cada vez mais difícil manter meu queixo para cima.
Nossa conversa acaba depois disso, mas Eden mantém uma mão agarrada
firmemente na minha. Seus olhos se fecham. Depois de um tempo, sua respiração
muda no ritmo constante de sono, e sua mão cai para descansar em seu cobertor. Eu
puxo o cobertor para cobri-lo até o queixo, o observo por mais alguns segundos e, em
seguida, fico em pé. Pelo menos ele ainda pode dormir muito profundamente. Eu não.
A cada hora, mais ou menos, pelos últimos dois dias, eu me desperto de um pesadelo
horrível e tenho que andar um pouco antes de tentar dormir novamente. Minha dor de
cabeça fica comigo, uma constante, leve companhia, lembrando-me de meu relógio
correndo.
Abro a porta e fujo o mais silenciosamente que eu posso. A sala está vazia,
exceto por algumas enfermeiras aqui e ali. E Pascao. Ele está esperando por mim em
um dos bancos da sala. Quando ele me vê, ele se levanta e me pisca um breve
sorriso.
“Os outros estão tomando as posições”, diz ele. “Temos cerca de duas
dezenas de corredores, apesar de tudo, já foram e marcaram os setores. Creio que
nos dará tempo para sair também.”
“Pronto para despertar as pessoas?” Eu digo, meio brincando, enquanto ele
me leva para o corredor.
“A emoção de tudo isso está fazendo meu ossos doerem.” Pascao empurra
para abrir um conjunto de portas duplas no fim do corredor, entramos numa sala de
espera maior, e, em seguida, em um quarto de hospital não utilizado com as luzes
ainda apagadas. Ele as acende. Meus olhos vão imediatamente para algo deitado na
cama. Parece um par de trajes escuros, com contorno cinza, ambos dispostos
ordenadamente em cima dos cobertores estéreis. Ao lado dos trajes está algum tipo
de equipamento que se parece um pouco como armas. Eu olho para Pascao, que enfia
as mãos nos bolsos.
“Olhe essas”, diz ele, em voz baixa. “Quando estávamos procurando ideias
esta tarde com Baxter e um par de soldados da República, eles emprestaram esses
trajes para nós corredores. Deve ajudar você especialmente. June disse que ela usa
trajes e lançadores de ar como estes para se locomover pela cidade de forma rápida,
sem ser detectada. Aqui.” Ele me joga um. “Coloque isto.”
Eu franzo a testa para o traje. Ele não se parece com nada em especial, mas
eu decido dar à Pascao o benefício da dúvida.
“Eu estarei na sala ao lado”, diz Pascao enquanto ele joga seu próprio traje
por cima do ombro. Ele cutuca meu ombro enquanto ele passa. “Com essas coisas,
nós não devemos ter problemas cobrindo Los Angeles esta noite.”
Eu começo a avisá-lo de que, com as minhas dores de cabeça recentes e
medicamentos, eu provavelmente não sou forte o suficiente para manter-me com ele
por toda a cidade, mas ele já está fora da porta, deixando-me sozinho no quarto. Eu
estudo o processo de novo, então desabotoo minha camisa.
O traje é surpreendentemente leve como uma pena, e se encaixa
confortavelmente desde os pés até a minha garganta com um zíper. Eu o ajusto ao
redor dos meus cotovelos e joelhos, depois ando um pouco. Para minha surpresa,
meus braços e pernas parecem mais fortes do que o habitual. Muito mais fortes. Tento
um salto rápido. A ação absorve quase toda a força do meu peso, e sem muito esforço
eu sou capaz de saltar alto o suficiente para ultrapassar a cama. Eu dobro um braço,
depois o outro. Parecem fortes o suficiente para levantar algo mais pesado do que eu
estou acostumado durante os últimos meses. A emoção repentina corre através de
mim.
Eu posso correr com isso.
Pascao bate na minha porta, em seguida, entra com o seu próprio traje.
“Como se sente, menino bonito?” Pergunta ele, me olhando. “Cai muito bem em
você.”
“Para o que é usado?”, Eu pergunto, ainda testando meus novos limites
físicos.
“O que você acha? A República geralmente destina estes para os seus
soldados para missões fisicamente desgastantes. Existem molas especiais instaladas
próximos as articulações – cotovelos, joelhos, o que for. Em outras palavras, isso vai
fazer de você um pequeno herói acrobata.”
Incrível. Agora que Pascao mencionou isso, eu posso sentir um ligeiro
empurrar e puxar de algum tipo de mola em meus cotovelos, e a elevação sutil que as
molas dão em meus joelhos sempre que eu os dobro. “É uma sensação boa”, eu digo,
enquanto Pascao me olha com um olhar de aprovação. “Muito bom. Parece que eu
posso escalar um prédio de novo”.
“Aqui está o que eu estou pensando,” Pascao diz, sua voz diminuindo
novamente para um sussurro. Sua atitude alegre se desvanece. “Se as Colônias
pousarem suas aeronaves aqui em Los Angeles após o Eleitor anunciar a rendição, a
República terá as suas tropas numa posição para encenar um ataque surpresa sobre
os dirigíveis. Eles podem paralisar um inferno de um monte deles antes das Colônias
sequer perceberem o que estamos fazendo. Vou levar os Patriotas com as equipes da
República, e nós vamos cabear algumas das bases aéreas para explodir aeronaves
que estão pousadas sobre elas.”
“Soa como um plano.” Eu flexiono um dos meus braços devagar,
maravilhado com a força que o processo me dá. Meu coração martela em meu peito.
Se eu não levar a cabo este plano e o Chanceler descobrir o que estamos realmente
fazendo, em seguida, a República vai perder a vantagem de nossa falsa rendição. Nós
só temos uma chance.
Nós abrimos as portas de vidro do quarto do hospital e nos dirigimos para a
varanda. O ar frio da noite me refresca, tirando um pouco da dor e do estresse dos
últimos dias. Com este fato, eu me sinto um pouco como eu, de novo. Olho para os
prédios. “Será que devemos testar essas coisas?” Pergunto à Pascao, içando o
lançador de ar no meu ombro.
Pascao sorri, então me joga uma lata de tinta spray vermelha brilhante.
“Você tirou as palavras da minha boca.”
Então, lá vamos nós. Eu desço escalando até o primeiro andar tão rápido
que eu quase perco meu pé, e, em seguida, faço o meu caminho sem esforço para o
chão. Nós nos separamos, cada um cobrindo uma seção diferente da cidade.
Enquanto eu faço o meu setor, não posso deixar de sorrir. Eu estou livre de
novo, eu posso sentir o vento e tocar o céu.
Neste momento, os meus problemas derretem e mais uma vez eu sou capaz
de fugir deles – eu sou capaz de me misturar perfeitamente com a ferrugem e os
escombros da cidade, transformando-a em algo que pertence a mim.
Eu faço o meu caminho através de becos escuros do setor Tanagashi até
me deparar com edifícios históricos, lugares onde eu sei que a maioria das pessoas
terá que passar e, em seguida, retiro a minha lata de tinta spray. Eu escrevo o
seguinte na parede:
ME OUÇAM
Abaixo disso, desenho a única coisa que eu sei que todo mundo vai
reconhecer como vindo de mim – uma faixa vermelha pintada sobre um esboço de um
rosto.
Eu marco tudo o que eu possa pensar. Quando eu termino, eu uso o
lançador de ar para viajar para um setor vizinho, e ali, repito todo o processo. Horas
mais tarde, o meu cabelo está encharcado de suor e meus músculos doloridos, eu
faço o meu caminho de volta para o Hospital Central. Pascao espera lá fora por mim,
um brilho de suor em seu próprio rosto. Ele me dá uma saudação zombeteira.
“Uma corrida de volta?”, Pergunta ele, piscando-me um sorriso.
Eu não respondo. Somente começo a subir, e assim ele faz. A figura de
Pascao é quase invisível na escuridão, uma forma disforme que salta e brinca a cada
andar com a facilidade de um corredor natural. Corro atrás dele. Outro andar, e depois
outro.
Nós subimos de volta para a varanda que corre ao longo de todo o quarto
andar da torre. Dentro encontra-se a ala hospitalar que tínhamos deixado. Mesmo que
eu esteja fora do ar e minha cabeça esteja batendo de novo, eu fiz a corrida quase tão
rápido quanto Pascao fez. “Inferno”, murmuro a ele enquanto nos inclinamos contra a
grade em exaustão. “Onde estava este equipamento quando eu estava mais
saudável? Eu poderia sozinho ter destruído a República sem suar a camisa, não é
mesmo?”
Os dentes de Pascao brilham na noite. Ele examina a paisagem urbana.
“Talvez seja uma coisa boa você não tê-lo. Caso contrário, não haveria República para
nos salvar.”
“Vale a pena?” Pergunto depois de um tempo, aproveitando o vento frio.
“Você está realmente disposto a sacrificar sua vida para um país que não fez muita
coisa por você?”
Pascao fica em silêncio por um momento, e então levanta um braço e
aponta para algum lugar no horizonte. Eu tento ver o que ele quer que eu veja.
“Quando eu era pequeno”, ele responde: “Eu cresci no setor Winter. Eu assisti duas
das minhas irmãzinhas falhar no Teste. Quando eu fui para o estádio e tive o meu
próprio Teste, eu quase não consegui também. Eu tropecei e cai em um dos saltos
físicos, você sabe. Irônico, não acha? De qualquer forma, um dos soldados me viu
cair. Eu nunca vou esquecer o olhar em seus olhos. Quando percebi que ninguém
tinha me visto, exceto ele, lhe pedi para deixar passar. Ele parecia malditamente
torturado, mas ele não gravou a minha queda. Quando eu sussurrei meus
agradecimentos, ele me disse que se lembrava das minhas duas irmãs. Ele disse: 'Eu
acho que duas mortes em sua família já é o suficiente.'" Pascao pausa por um
momento. “Eu sempre odiei a República para o que eles fizeram com as pessoas que
eu amava, para todos nós. Mas às vezes eu me pergunto o que aconteceu com aquele
soldado, como era sua vida, por que ele se preocupava, e se ele ainda está até mesmo
vivo. Quem sabe? Talvez ele já morreu.” Ele encolhe os ombros com o pensamento.
“Se eu olhar para o outro lado e decidir deixar a República lidar com seu próprio
negócio, e logo ela cair, eu acho que eu poderia deixar o país. Encontrar uma maneira
de viver em outro lugar, me esconder do governo.” Ele olha para mim. “Eu realmente
não sei por que eu quero ficar sobre a colina com eles agora. Talvez eu tenha um
pouco de fé.”
Pascao quer se explicar ainda mais, como se ele estivesse tão frustrado que
ele não sabe como colocar a sua resposta nas palavras certas. Mas eu já o entendo.
Balanço a cabeça e olho para o setor de Lake, lembrando do irmão de June. “Sim. Eu
também.”
Depois de um tempo, nós finalmente voltamos para dentro do hospital. Eu
tiro a roupa e mudo de volta para minhas próprias roupas. Se supõe que o plano
deveria entrar em vigor a partir do anúncio da rendição de Anden. Depois disso, é
tudo um dia de cada vez. Tudo pode mudar.
Enquanto Pascao se dirige para descansar um pouco, eu refaço meus
passos pelo corredor e volto para o quarto de Eden, me perguntando se as equipes de
laboratório enviaram todos os novos resultados para olharmos. Como se eles já
tivessem lido minha mente, eu vejo alguns deles agrupados fora da porta de Eden,
quando eu chego. Eles estão falando em voz baixa. A serenidade que eu senti durante
a nossa breve noite de corrida desaparece.
“O que é isso?” Eu pergunto. Já posso ver a tensão em seus olhos. Meu
peito dá um nó com a visão. “Diga-me o que aconteceu.”
Por trás do plástico transparente de seu capuz, um dos técnicos de
laboratório me diz: “Recebemos alguns dados da equipe de laboratório da Antártida.
Achamos que conseguimos sintetizar algo do sangue de seu irmão que quase pode
agir como uma cura. Está funcionando… em certo nível”.
A cura! Uma onda de energia rompe através de mim, me deixando tonto de
alívio. Não posso evitar que um sorriso se derrame em meu rosto. “Já disseram ao
Eleitor? Será que funciona? Podemos começar a usá-lo em Tess?”
O técnico de laboratório me para antes que eu possa seguir em frente.
“Quase age como uma cura, Day”, ele repete.
“O que você quer dizer?”
“A equipe da Antártida confirmou que o vírus sofreu uma provável mutação
do original ao qual Eden desenvolveu imunidade, ou que podem ter combinado o seu
genoma com outro genoma ao longo do caminho. As células T do seu irmão tem a
capacidade de mudar junto com este vírus agressivo; em nossas amostras, uma das
curas que desenvolvemos parece funcionar parcialmente.”
“Sim, eu posso entender você”, eu digo, impaciente.
O técnico de laboratório faz uma carranca para mim, como se eu pudesse
infectá-lo com a minha atitude. “Nós estamos perdendo alguma coisa”, diz ele com
um suspiro indignado. “Estamos perdendo um componente.”
“O que quer dizer, você está perdendo alguma coisa?” Eu exijo. “O que está
faltando?”
“Em algum lugar ao longo do caminho, o vírus que está causando nossos
surtos atuais sofreram mutações do original vírus da praga da República e se
combinou com outros vírus. Há algo faltando ao longo do caminho, como resultado.
Achamos que ele pode ter sofrido mutações nas Colônias, talvez um bom tempo
atrás. Meses atrás, inclusive.
Meu coração afunda enquanto eu percebo o que eles estão tentando me
dizer. “Isso significa que a cura não funciona ainda?”
“Não é apenas que a cura não vai funcionar ainda. É que nós não sabemos
se alguma vez poderemos fazê-la funcionar. Eden não é o Paciente Zero6 para isso.” O
técnico de laboratório suspira novamente. “E se não conseguirmos encontrar a
pessoa da qual este novo vírus mutante partiu, eu não tenho certeza se alguma vez
criaremos uma cura.”
6 - Paciente zero é o paciente inicial em uma população que está sobre investigação epidemiológica.
ACORDO AO SOM DE UMA SIRENE ATRAVÉS do nosso complexo de
apartamentos. É o alarme de ataque aéreo. Por um segundo, eu estou de volta, em Denver,
sentada com Day em um pequeno café iluminado por lanternas, enquanto granizo cai em
torno de nós, ouvindo-o me dizer que ele está morrendo. Estou de volta nas caóticas ruas
inundadas com pânico enquanto as sirenes tocam — nós estamos de mãos dadas, correndo
para o abrigo, aterrorizados.
Aos poucos, o meu quarto se desvanece em realidade e a sirene continua. Meu
coração começa a bater. Eu salto para fora da cama, faço uma pausa para confortar um
Ollie se lamentando, em seguida, corro para ligar a minha tela. Notícias retumbam, lutando
com a sirene – e correndo ao longo da parte inferior da tela está um grave aviso vermelho.
BUSQUEM ABRIGO
Eu examino as manchetes.
DIRIGÍVEIS INIMIGOS SE APROXIMAM DOS LIMITES DE LOS ANGELES
TODAS AS TROPAS REPORTEM AO SEU LOCAL SEDE
PRIMEIRO ELEITOR IRÁ FAZER UM ANÚNCIO DE EMERGÊNCIA
Eles previram que as Colônias ainda levariam mais três dias antes de fazer um
movimento em Los Angeles. Parece que eles estão à frente do cronograma e se preparando
para o fim do cessar-fogo de três dias, o que significa que é preciso colocar o nosso plano
antes do previsto. Eu cubro meus ouvidos da sirene, corro para a varanda, e olho para o
horizonte. A luz da manhã ainda é fraca e o céu nublado torna difícil para eu ver
corretamente, mas, mesmo assim, os pontos que alinham acima do horizonte na montanha
da Califórnia são inconfundíveis. Minha respiração pega na minha garganta.
Aeronaves. Das Colônias, Africanas — eu não posso dizer muito a esta distância,
mas não há nenhuma dúvida do fato de que elas não são as naves da República. Com base
na sua posição e velocidade, eles pousarão sobre o centro de Los Angeles antes da hora
acabar. Clico meu fone, então corro para o armário para colocar algumas roupas. Se Anden
está se preparando para fazer um anúncio em breve, em seguida, será sem dúvida a
rendição. E se esse for o caso, eu vou ter de juntar Day e os Patriotas o mais rápido que eu
puder. A rendição falsa só vai funcionar por tempo suficiente antes dela se transformar em
uma real.
“Onde vocês estão?” Eu grito quando Day aparece na linha.
Sua voz soa tão urgente quanto a minha. O eco da sirene soa do seu lado
também. “Quarto do hospital de Eden. Você vê as aeronaves?”
Olho novamente para o horizonte antes de amarrar minhas botas. “Sim. Eu vejo.
Estarei aí em breve.”
“Observe o céu. Fique segura.” Ele hesita por dois segundos. “E depressa. Nós
temos um problema.”
Então, a nossa ligação termina, e eu estou fora da porta com Ollie próximo ao
meu lado, galopando como o vento.
Quando chegamos ao andar do laboratório do Hospital Central na Torre Bank e
nos dirigimos para ver Day, Eden e os Patriotas, as sirenes param. A eletricidade do setor
deve ter sido desligada de novo, e para além dos principais edifícios do governo, como a
Torre Bank, a paisagem fora parece assustadoramente escura, engolindo quase todas as
sombras úmidas da manhã. No final do corredor, as telas mostram um pódio vazio onde
Anden estará de pé a qualquer momento, prestes a dar um discurso ao vivo a nação. Ollie
permanece colado ao meu lado, ofegando de angústia. Eu estendo a mão e lhe acaricio
várias vezes, e ele me recompensa com uma lambida em minha mão.
Eu encontro Day e os outros no quarto de Eden quando Anden aparece na tela.
Eden parece exausto e meio consciente. Ele ainda tem uma intravenosa ligada ao seu
braço, mas fora isso, não há outros tubos ou fios. Ao lado da cama, um técnico de
laboratório está escrevendo notas em um caderno.
Day e Pascao está vestindo o que parece ser escuros trajes da República
destinado para missões fisicamente exigentes — é o mesmo tipo de roupa que eu uma vez
usei quando pela primeira vez precisei tirar Day do Batalha Hall, quando passei uma noite
pulando telhados de edifícios em busca de Kaede. Ambos estão falando com um técnico de
laboratório, e com base em suas expressões, eles não estão recebendo uma boa notícia.
Quero pedir-lhes detalhes, mas Anden já está andando até o pódio, e as minhas palavras
desaparecem enquanto voltamos nossa atenção para a tela. Tudo o que ouço é o som de
nossa respiração e o distante zumbido ameaçador das aeronaves se aproximando.
Anden parece tranquilo; e mesmo que ele esteja apenas um ano mais velho do
que a primeira vez que eu o conheci, o peso e a gravidade no rosto o fazem parecer muito
mais maduro do que ele realmente é. Só o ligeiro aperto de sua mandíbula revela uma
pitada de suas emoções reais. Ele está vestido de branco sólido, com dragonas de prata em
seus ombros e um selo de ouro da República preso perto da gola do casaco militar. Atrás
dele estão duas bandeiras: uma é a República enquanto a outra não mostra nada, é branca,
desprovida de qualquer cor. Eu engulo em seco. É uma bandeira que eu conheço bem de
todos os meus estudos, mas que eu nunca vi sendo usada. Todos nós sabíamos que isso
aconteceria, tínhamos planejado isso e nós sabemos que não é real, mas, mesmo assim, eu
não posso deixar de sentir um profundo sentimento escuro de dor e fracasso. Como se
estivéssemos realmente entregando nosso país para outra pessoa.
“Soldados da República”, Anden começa abordando os soldados que o cercavam
na base. Como sempre, sua voz é ao mesmo tempo suave e autoritária, tranquila, mas
clara. “É com um grande pesar que eu venho a vocês hoje com esta mensagem. Eu já
transmiti estas mesmas palavras para o Chanceler das Colônias.” Ele faz uma pausa por um
momento, como se reunindo a sua força. Eu só posso imaginar que, para ele, mesmo
fingindo tal gesto deve pesar sobre ele muito mais do que já faz em mim. “A República foi
oficialmente entregue as Colônias.”
Silêncio. A base, cheia de barulho e caos apenas alguns minutos atrás, está de
repente quieta — cada soldado congelado, ouvindo com incredulidade.
“Estamos agora cessando toda a atividade militar contra as Colônias,” Anden
continua, “e dentro do dia seguinte, vamos nos reunir com principais funcionários das
Colônias para elaborar os termos da rendição oficial.” Ele faz uma pausa, deixando a
informação assentir ao longo de toda a base. “Os soldados continuarão sendo atualizados
sobre informações referentes a esta medida que tomamos” Então, a transmissão é
interrompida. Ela não termina com Viva a República. Um arrepio me percorre quando as
telas são substituídas por uma imagem, não da bandeira da República, mas sim das
Colônias”.
Eles estão fazendo um trabalho estelar de fazer esta entrega parecer
convincente. Espero que a Antártida mantenha sua palavra. Espero que a ajuda esteja a
caminho.
“Day, não temos muito tempo para obter essas bases prontas para explodir”,
murmura Pascao. Os três soldados da República com a gente estão preparados de forma
semelhante, todos prontos para orientá-los para onde as bases aéreas estarão conectadas.
“Você vai ter que nos comprar algum tempo. A notícia é que as Colônias começarão o
desembarquem de suas aeronaves em nossas bases em algumas horas.”
Day acena. Quando Pascao vira-se para recitar algumas instruções para os
soldados, os olhos de Day piscam para mim. Neles, eu vejo uma tensa sensação de medo
que faz meu estômago embrulhar. “Algo está errado com a cura, não é?” Eu pergunto.
“Como Eden está?”
Day suspira, passando a mão pelo cabelo e, em seguida, olha para o irmão. “Ele
está aguentando.”
“Mas…?”
“Mas o problema é que ele não é o Paciente Zero. Eles disseram que está
faltando alguma coisa a partir de seu sangue.”
Eu olho para o menino frágil na cama do hospital. Eden não é o Paciente Zero?
“Mas o quê? O que está faltando?”
“Seria mais fácil mostrar do que tentar explicar. Vamos. Isso é algo que vamos
precisar para alertar Anden. Qual é o ponto de encenar toda esta entrega se não seremos
capazes de obter ajuda da Antártica?” Day nos leva para fora e para o final do corredor. Nós
andamos em um tenso silêncio por um tempo, até que finalmente paramos na frente de uma
porta sem descrição. Day a abre.
Entramos em uma sala cheia de computadores. Um técnico de laboratório que
monitora as telas se levanta quando ele nos vê, em seguida, nos acompanha. “Hora de
atualizar Srta. Iparis?”
“Diga-me o que está acontecendo”, eu respondo.
Ele nos senta na frente de um computador e passa vários minutos carregando
uma tela. Quando finalmente termina, vejo duas comparações de lado a lado de alguns
slides que eu assumo que são células. Olho mais de perto.
O técnico aponta para a da esquerda, que se parece com uma série de pequenas
partículas, poligonais agrupadas em torno de uma grande célula central. Anexado às
partículas estão dezenas de pequenos tubos saindo da célula. “Isso”, o técnico de
laboratório diz, circulando a grande célula com o dedo, “é uma simulação de uma célula
infectada que estamos tentando atingir. A célula tem uma tonalidade vermelha, indicando
que os vírus se apoderou. Se a cura não está envolvida, esta lise celular7 irá explodir e
morrer. Agora, está vendo essas pequenas partículas em torno dela? Essas são simulações
de partículas de cura da qual precisamos. Elas grudaram no exterior da célula infectada” Ele
bate duas vezes na tela onde está a célula grande, e uma curta animação é reproduzida,
mostrando as partículas se agarrando ao exterior da célula; eventualmente, a célula diminui
em tamanho e a cor muda.
*A Lise Celular é o processo de ruptura ou dissolução da membrana plasmática
(que é a estrutura que delimita todas as células vivas).
“Elas salvam a célula da explosão.”
Meus olhos deslocam até a comparação com a direita, que também tem uma
célula semelhante infectada rodeada por pequenas partículas. Desta vez, eu não vejo
nenhum tubo unindo as partículas. “Isto é o que está realmente acontecendo”, explica o
técnico de laboratório. “Nós estamos perdendo algo de nossas partículas de cura que
podem anexar aos receptores da célula. Se não se desenvolvem, o resto das partículas não
podem funcionar. A célula não pode entrar em contato direto com o medicamento, e a célula
morre.”
7 - A Lise Celular é o processo de ruptura ou dissolução da membrana plasmática (que é a estrutura que delimita todas as células vivas).
Eu cruzo meus braços e troco uma carranca com Day, que encolhe os ombros,
impotente. “Como podemos descobrir a peça que falta?”
“Essa é a coisa. Nosso palpite é que esse recurso de fixação especial não era
uma parte do vírus original. Em outras palavras, alguém especificamente alterou este vírus.
Podemos ver traços desse marcador quando rotulamos a célula.” Ele aponta para pontos
brilhantes minúsculos espalhados em toda a superfície da célula. “Isso pode significar, Srta.
Iparis, que as Colônias realmente alteraram fisicamente este vírus. A República certamente
não tem nenhum registro de manipulação com este vírus em específico de forma direta.”
“Espere um minuto,” Day interrompe. “Isso é novidade para mim. Você está
dizendo que as Colônias criaram esta praga?”
O técnico de laboratório nos dá um olhar sombrio, em seguida, retorna para a
tela. “Possivelmente. Aqui está a coisa curiosa, no entanto. Nós pensamos que esta peça
adicional, o recurso de anexar, veio originalmente da República. Há um vírus similar que
saiu de uma pequena cidade do Colorado. Mas os rastreadores nos dizem que o vírus
alterado saiu da Cidade de Tribuna, que é uma cidade de frente de guerra no lado das
Colônias. Então, em algum lugar ao longo dessa linha, o vírus do Eden de alguma forma
entrou em contato com algo mais na Cidade de Tribuna.”
Isto é, quando as peças do quebra-cabeça, finalmente, se encaixam no lugar
para mim. A cor drena do meu rosto. Cidade de Tribuna: aquela cidade que Day e eu
tínhamos a princípio tropeçado quando fugimos para as Colônias. Recordo quando eu tinha
ficado doente durante a minha prisão na República, quão doente e febril tinha estado
quando Day nos levou através desse túnel subterrâneo de Lamar todo o caminho para o
território das Colônias. Eu estive em um hospital das Colônias por uma noite. Eles haviam
injetado medicina em mim, mas eu nunca considerei o fato de que eles poderiam ter me
usando para uma finalidade diferente. Se eu fosse uma parte de uma experiência, mesmo
sem perceber? Eu sou a única segurando a peça do quebra-cabeça faltando na minha
corrente sanguínea?
“Sou eu”, eu sussurro, cortando o técnico de laboratório. Tanto ele como Day me
dão um olhar assustado.
“O que você quer dizer?” O técnico de laboratório pergunta, mas Day permanece
em silêncio. Um olhar de compreensão penetra em seu rosto.
“Sou eu”, repito. A resposta é tão clara que eu mal posso respirar. “Eu estava na
Cidade de Tribuna há oito meses. Eu tinha ficado doente, enquanto estive presa em
Colorado. Se este outro vírus que falamos por primeiro se originou primeiro na República e,
em seguida, voltou da Cidade de Tribuna nas Colônias, então é possível que a resposta
para o seu quebra-cabeça esteja comigo.”
A TEORIA DE JUNE MUDA TUDO.
Imediatamente, ela se junta à equipe do laboratório em um quarto de
hospital em separado, onde atam vários tubos e fios a ela e tiram amostra de sua
medula óssea. Eles executam uma série de exames que a deixam parecendo
nauseada, eu já vi sendo feito no Eden. Eu gostaria de poder ficar. Os testes de Eden
terminaram, felizmente, mas o risco mudou agora para June, e neste momento tudo
que eu quero fazer é ficar aqui e me certificar que tudo corra bem.
Pelo amor de Deus, eu digo a mim mesmo com raiva, não é como se você
estando aqui vai ajudar em alguma coisa. Mas quando Pascao nos faz finalmente sair
pela porta e saio do hospital para me juntar aos outros, eu não posso deixar de olhar
para trás.
Se o sangue de June tem a peça que faltava, então temos uma chance. Nós
podemos conter a praga. Podemos salvar a todos. Podemos salvar Tess.
À medida que tomamos um trem do hospital em direção a base dos
dirigíveis em Batalla com vários soldados da República a reboque, esses
pensamentos se acumulam em meu peito até que eu mal posso suportar a espera.
Pascao percebe a minha inquietação e sorri. “Você já foi para a base antes? Eu me
lembro de você fazendo alguns truques lá.”
Suas palavras desencadeiam algumas memórias. Quando fiz quatorze anos,
eu quebrei dois dirigíveis de Los Angeles que estavam designados para ir a frente de
batalha. Entrei — não muito diferente de meu truque com os Patriotas em Vegas — as
escondidas através do sistema de ventilação, e em seguida, contornando toda a
aeronave sem ser detectado tecendo meu caminho através de suas saídas de ar. Eu
ainda estava a meio caminho através do meu surto de crescimento na época; meu
corpo era mais magro e menor, e não tive problemas em fazer meu caminho através
das passagens estreitas de seus túneis. Uma vez lá dentro, eu roubei tanta comida
enlatada das suas cozinhas quanto eu podia, em seguida, botei fogo em suas salas de
máquinas que destruíram as naves o suficiente para finalmente inutilizá-las para a
República durante anos, talvez para sempre. Foi este truque em particular que me
colocou em primeiro na lista dos mais procurados da República. Não foi um trabalho
tão ruim, digo a mim mesmo.
Agora penso no layout das bases. Além de algumas bases de dirigíveis no
setor Batalla, as quatro principais bases navais em LA ocupam uma estreita faixa de
terra ao longo da costa oeste da cidade, que fica entre o nosso enorme lago e o
Oceano Pacífico. Nossos návios de guerra ficam lá, não utilizados na maior parte. Mas
a razão que os Patriotas e eu vamos lá agora é que todas as docas dos dirigíveis de
LA também estão lá, e é onde as Colônias atracarão seus dirigíveis se — quando —
eles tentarem ocupar a cidade depois da nossa rendição.
É o terceiro e último dia do cessar-fogo prometido pelas Colônias. Quando
o trem acelera através dos setores, eu posso ver grupos de civis que se aglomeram
em torno dos JumboTrons que agora estão veiculando em repetição o aviso de
rendição de Anden. A maioria parece arrasada e em choque, agarrando-se uns aos
outros. Outros estão furiosos — atiram sapatos, pés de cabra e pedras nas telas, com
raiva da traição do seu Eleitor. Bom. Fiquem com raiva, usem essa raiva contra as
Colônias. Eu precisarei desempenhar minha parte em breve.
“Tudo bem, crianças, escutem”, diz Pascao quando nosso trem se aproxima
das pontes que levam as bases navais. Ele estende as mãos para nos mostrar uma
série de dispositivos pequenos de metal. “Lembrem-se, seis por doca.” Ele aponta
para um pequeno gatilho vermelho no centro de cada dispositivo. “Queremos
explosões limpas e contidas, os soldados nos indicarão os melhores pontos para
plantarmos essas coisas. Se feito corretamente, nós seremos capazes de paralisar
qualquer aeronave das Colônias usando nossas docas de desembarque, e um
dirigível com uma aterrissagem comprometida é inútil. Sim?” Ele sorri. “Ao mesmo
tempo, não vamos estragar demais as docas de desembarque. Seis por doca.”
Eu olho para longe e de volta para janela, onde a primeira base naval se
aproxima no horizonte. Enormes bases de desembarque em forma de pirâmide se
alinham, escuras e imponentes, e instantaneamente penso na primeira vez que eu
tinha visto Vegas. Meu estômago torce inquieto. Se o plano falhar, se não pudermos
mandar as Colônias de volta e os antárticos nunca vierem ao nosso socorro, se June
não é o que precisamos para a cura — o que vai acontecer com a gente? O que vai
acontecer quando as Colônias finalmente colocarem suas mãos em Anden, ou June,
ou em mim? Eu balanço minha cabeça, forçando as imagens saírem da minha mente.
Não há tempo para me preocupar com isso. O que vai acontecer ou não vai. Nós já
escolhemos o nosso curso.
Quando chegamos ao primeiro ancoradouro da Base Naval Um, posso ver o
suficiente do interior da cidade para observar os minúsculos pontos escuros no céu.
Tropas das Colônias — dirigíveis, jatos, alguma coisa — estão pairando não muito
longe dos arredores de Los Angeles, preparando-se para atacar. Um baixo e
monótono zumbido enche o ar — acho que já posso ouvir a aproximação de suas
aeronaves. Meus olhos se viram em direção aos JumboTrons ao longo das ruas. O
anúncio de Anden continua, acompanhado com um brilhante aviso vermelho de
Procure Abrigo correndo ao longo da parte inferior de cada tela.
Quatro soldados da República se juntam a nós enquanto nos apressamos
para sair do jipe e até o interior da base da pirâmide. Me mantenho perto deles
enquanto nos acompanham pelo elevador até o telhado interno onde se vislumbra a
base, onde os dirigíveis decolam e pousam. Tudo ao nosso redor é o som
ensurdecedor de botas de soldados que ecoam pelo piso, correndo para seus postos
e se preparando para decolar contra as Colônias. Pergunto-me quantas tropas Anden
foi forçado a enviar para Denver ou Vegas para reforço, eu só posso esperar que
tenha deixado para trás o suficiente para nos proteger.
Esta não é Vegas, eu me recordo, tentando não pensar sobre o momento em
que eu me deixei ser preso. Mas isso não ajuda. No momento em que galgamos o
nosso caminho da base até o topo e subimos um lance de escadas até o topo da
pirâmide aberta, meu coração está batendo com a força de uma tempestade e isso
não é tudo por causa do exercício. Bem, se isso não traz memórias de quando eu
comecei os primeiros trabalhos para os Patriotas. Eu não posso parar de estudar as
vigas metálicas cruzando o interior vulnerável da base, todas as pequenas peças da
engrenagem que se prendem as aeronaves uma vez que aterrizam. O traje escuro que
estou usando parece leve como o ar. É tempo para plantar algumas bombas.
“Você vê essas vigas?” Um Capitão da República diz para Pascao e eu,
apontando para as sombras do teto em uma, duas, três fendas que parecem
particularmente difíceis de alcançar. “Máximo dano no dirigível, mínimo de dano para
a base. Vamos ter que acertar dois dos três pontos em cada base. Nós seríamos
capazes de chegar até eles se montarmos nossos guindastes, mas não temos tempo
para isso.” Ele faz uma pausa para nos dar um sorriso forçado. A maioria destes
fodidos soldados ainda não parecem inteiramente confortáveis trabalhando ao lado
de nós. “Bem,” diz ele depois de uma pausa incômoda, “parece factível? Vocês serão
rápidos o suficiente?”
Eu quero gritar com o Capitão se ele esqueceu a minha reputação, mas
Pascao me para deixando escapar um de seus altos, risos cintilantes. “Você não tem
fé suficiente em nós, não é?” Ele diz, cutucando o Capitão alegremente nas costelas e
sorrindo para o rubor indignado que ele recebe de volta.
“Bom,” o Capitão responde com firmeza antes de avançar com os outros
Patriotas e sua própria patrulha. “Depressa. Não temos tempo.” Ele nos deixa para o
nosso trabalho, em seguida, começa a ditar como fixar bombas para os outros.
Uma vez que ele se foi, Pascao deixa cair seu sorriso gigante e concentra-
se nas fendas que o Capitão apontou. “Não será fácil de alcançar,” ele resmunga.
“Tem certeza que está pronto para isso? Está suficientemente forte, vendo como você
está morrendo e tudo mais?”
Lancei-lhe um olhar fulminante, em seguida, estudo cada uma das fendas
por sessão. Eu testo meus joelhos e cotovelos, tentando avaliar quanta força tenho.
Pascao é um pouco mais alto que eu — ele vai ser capaz de lidar melhor com as duas
primeiras fendas, mas a terceira fenda está encravada em uma posição tão apertada
que só eu posso chegar a ela. Eu também posso ver imediatamente por que o Capitão
assinalou este ponto. Mesmo se nós não plantarmos seis bombas ao longo deste lado
da base, nós provavelmente desabilitaríamos qualquer aeronave com uma bomba
única naquele local. Eu aponto para ele.
“Fico com essa,” eu digo.
“Tem certeza?” Pascao estreita os olhos para ela. “Eu não quero ver você
cair para a morte em nossa própria primeira base.”
Suas palavras instigam um sorriso sarcástico em mim. “Você não tem
nenhuma fé em mim?”
Pascao sorri. “Um pouco.”
Nós começamos a trabalhar. Eu tomo um salto voador da borda das
escadas para a viga entrecruzada mais próxima, e, em seguida, traço perfeitamente
pelo labirinto de metal. Que sensação de déjà-vu. As molas embutidas nas
articulações do meu traje tomam um pouco de tempo para eu me acostumar — mas
depois de alguns saltos mais, me adapto a ele. Eu sou rápido. Muito rápido com a sua
ajuda. No espaço de dez minutos, eu cruzei um quarto do teto da base e estou agora a
pouca distância da fenda. Filetes finos de suor correm no meu pescoço, e minha
cabeça pulsa com a dor familiar. Abaixo, os soldados param para nos ver, mesmo
quando todos os dispositivos eletrônicos da base continuam a anunciar o aviso de
rendição. Eles não têm nenhuma bendita ideia do que estamos fazendo.
Faço uma pausa, em seguida, faço o meu salto final. Meu corpo atinge a
fenda e desliza confortavelmente dentro instantaneamente eu retiro a pequena
bomba, abro o seu clipe, e planto firmemente no lugar. Minha dor de cabeça me deixa
tonto, mas eu a forço ir embora.
Concluído.
Eu lentamente faço o meu caminho de volta ao longo das vigas. Até o
momento que oscilo para baixo nas escadas de novo, meu coração batendo forte com
a adrenalina. Eu identifico Pascao ao longo das vigas e dou lhe um rápido polegar
para cima.
Este é o fácil, eu me lembro, a minha emoção dando lugar a uma ansiedade
sinistra. A parte mais difícil vai ser contar uma mentira convincente para o Chanceler.
Nós terminamos com a primeira base, em seguida, passamos para a
próxima. No momento em que terminamos com a quarta base, minha força está
começando a ceder. Se eu estivesse totalmente em meu elemento, este traje poderia
ter me feito quase um maldito imparável — mas agora, mesmo com a sua ajuda, os
meus músculos doem e minha respiração soa forçada. Enquanto os soldados me
guiam agora para uma sala na base aérea e me prepararam para fazer o meu apelo e
minha transmissão, estou silenciosamente grato que eu não precise escalar mais
tetos.
“O que acontece se o Chanceler não comprá-lo?” Pascao pergunta
enquanto os soldados saem em fila da sala. “Sem ofensa, menino bonito, mas você
não tem exatamente a melhor reputação em manter suas promessas.”
“Eu não prometi nada a ele,” eu respondo. “Além disso, ele vai ver o meu
anúncio sair na República inteira. Ele vai pensar que todos no país vão ver eu mudar
suas alianças para as Colônias. Não vai durar. Mas vai comprar-nos algum tempo.”
Silenciosamente, eu espero como o inferno que nós possamos descobrir a cura
definitiva antes que as Colônias percebam o que estamos fazendo.
Pascao olha para o lado e para fora da janela da sala, onde podemos ver os
soldados da República terminando as últimas colocações de bombas no teto da base.
Se isso não funcionar, ou se as Colônias perceberem a falsa rendição antes de termos
tempo para fazer algo a respeito, então provavelmente estaremos acabados.
“É tempo para você fazer a sua chamada, então,” murmura Pascao. Ele
tranca a porta, encontra uma cadeira e a puxa para um canto. Em seguida, ele se
senta comigo para esperar.
Minhas mãos tremem um pouco quando eu clico no meu microfone e chamo
o Chanceler das Colônias. Por um momento, tudo o que eu ouço é estática, e uma
parte de mim espera que de alguma forma não seja possível rastrear o nome que
havia me chamado antes, e que de alguma forma eu não vou ter nenhuma maneira de
chegar a ele. Mas, então, a estática termina, a chamada é limpa, e eu ouço conectar.
Saúdo o Chanceler.
“Sou Day. Hoje é o último dia do seu cessar-fogo prometido, não é? E eu
tenho uma resposta ao seu pedido.”
Alguns segundos se arrastam. Então, essa voz nítida, eficiente vem do
outro lado. “Sr. Wing,” diz o Chanceler, educado e agradável como sempre. “Bem na
hora. Como é encantador ouvir de você.”
“Tenho certeza que até agora você já viu o anúncio do Eleitor,” eu
respondo, ignorando suas sutilezas.
“Eu tenho, é verdade” o homem responde. Ouço alguns barulhos de papéis
no fundo. “E agora com a sua chamada, o dia de hoje está parecendo cheio de boas
surpresas. Eu vinha me perguntando quando você entraria em contato conosco
novamente. Diga-me Daniel, tem pensado um pouco sobre a minha proposta?”
Do outro lado da sala, os olhos pálidos de Pascao travam nos meus. Ele não
pode ouvir a conversa, mas ele pode ver a tensão no meu rosto. “Eu tenho,” eu
respondo depois de uma pausa. Tenho que me fazer soar realista e relutante, sim?
Gostaria de saber se June aprovaria.
“E o que você decidiu? Lembre-se, esta é absolutamente sua decisão. Eu
não vou forçá-lo a fazer qualquer coisa que você não deseja fazer.”
Sim. Eu não tenho que fazer nada — eu só tenho que ficar e assistir
enquanto você destrói as pessoas que eu amo. “Eu vou fazer isso.” Outra pausa. “A
República já se rendeu. As pessoas não estão felizes com a sua presença, mas eu não
quero vê-los prejudicados. Eu não quero ver ninguém prejudicado.” Eu sei que eu não
tenho que mencionar June pelo nome para que o Chanceler entenda. “Eu vou fazer
um pronunciamento em toda a cidade. Temos acesso aos JumboTrons através dos
Patriotas. Não vai demorar muito para que o pronunciamento atinja todas as telas em
toda a República.” Eu ponho um pouco mais de atitude para manter a minha mentira
autêntica. “Isso é bom o suficiente para que você mantenha suas benditas mãos
longe de June?”
O Chanceler bate palmas uma vez. “Fechado. Se você estiver disposto a se
tornar o nosso… porta-voz, por assim dizer, então eu lhe asseguro que a Srta. Iparis
será poupada do julgamento e execução que vêm com uma reviravolta de poder.”
Suas palavras mandam um frio através de mim, lembrando-me que se
falharmos, então o que eu vou fazer não vai salvar a vida de Anden. Na verdade, se
falharmos, o Chanceler vai provavelmente descobrir que estou por trás de tudo isso,
também, e lá se vão as chances de segurança de June… e provavelmente Eden. Eu
limpo minha garganta. Do outro lado da sala, o rosto de Pascao se transformou
duramente com tensão. “E o meu irmão?”
“Você não precisa se preocupar com o seu irmão. Como eu mencionei para
você antes, não sou um tirano. Eu não vou ligar ele em uma máquina e o encher de
produtos químicos e venenos — não vou fazer experimentos com ele. Ele — e você —
vão viver uma vida segura e confortável, livre de danos e preocupação. Isso, eu posso
lhe garantir.” O tom do Chanceler muda para o que ele acha que é calmante e gentil.
“Eu posso ouvir a infelicidade em sua voz. Mas eu não faço nada, exceto o que é
necessário. Se seu Eleitor me prendesse, não hesitaria em me executar. Esta é a
maneira do mundo. Não sou um homem cruel, Daniel. Lembre-se, as Colônias não são
responsáveis por sua vida de sofrimento,”
“Não me chame de Daniel.” Minha voz sai baixa e calma. Eu não sou Daniel
a ninguém fora da minha família. Sou Day. Pura e simplesmente.
“As minhas desculpas.” Na verdade, ele parece genuinamente arrependido.
“Eu espero que você entenda o que eu estou dizendo, Day.”
Eu permaneço em silêncio por um momento. Mesmo agora, eu ainda posso
sentir a força contra a República, todos os pensamentos obscuros e memórias que
sussurram-me a dar as costas, para deixar tudo desmoronar. O Chanceler pode me
avaliar melhor do que eu teria pensado. Uma vida inteira de sofrimento é difícil deixar
para trás. Como se ela pudesse perceber a força do feitiço perigoso do Chanceler,
ouço a voz de June cortar essa linha de pensamento e sussurrar algo para mim. Eu
fecho os olhos e me agarro a ela, tirando força dela.
“Diga-me quando você quer que eu faça este pronunciamento,” eu digo
depois de um tempo. “Tudo está conectado e pronto para ir. Vamos fazer isso de uma
vez.”
“Maravilhoso.” O Chanceler limpa a garganta, de repente, soando como um
homem de negócios de novo. “Quanto mais cedo, melhor. Eu vou pousar com as
minhas tropas nas bases navais no exterior de Los Angeles no início da tarde. Vamos
providenciar para que você fale nesse momento. De acordo?”
“Feito.”
“E mais uma coisa,” o Chanceler acrescenta quando estou a ponto de
desligar. Eu endureço, a minha língua pronta para clicar meu microfone desligado.
“Antes que eu me esqueça.”
“O quê?”
“Eu quero que você faça o pronunciamento do deck da minha aeronave.”
Assustado, eu olho para Pascao, e mesmo que ele não tenha ideia do que o
Chanceler disse, ele franze a testa para a forma como a minha cara acaba sem cor. Na
aeronave do Chanceler? É claro. Como poderíamos pensar que ele seria assim tão
fácil de enganar? Ele está tomando precauções. Se algo der errado durante o
pronunciamento ele vai me ter em suas garras. Se o pronunciamento for outra coisa
do que dizer ao povo da República curvar-se as Colônias, ele podia me matar ali
mesmo no deck da aeronave, cercado por seus homens.
Quando o Chanceler fala novamente, eu posso sentir a satisfação em sua
voz. Ele sabe exatamente o que ele está fazendo. “Suas palavras vão ser mais
significativas se forem dadas direto de uma aeronave das Colônias, você não
concorda?” Ele diz. Bate palmas mais uma vez. “Vamos esperar você na Base Naval
Um em poucas horas. Estou ansioso para conhecê-lo pessoalmente, Day.”
A REVELAÇÃO SOBRE MINHA LIGAÇÃO COM ESTA PRAGA muda todos os
meus planos.
Em vez de sair com os Patriotas e ajudar Day a preparar as bases dos dirigíveis,
eu fiquei para trás no hospital, deixando as equipes de laboratório me ligarem as máquinas
e executar uma série de testes. Meus punhais e arma repousam em uma cômoda próxima,
de modo que não vão ficar no caminho de todos os cabos, apenas uma faca fica escondida
ao longo da minha bota. Eden senta na cama ao meu lado, sua pele pálida e enferma.
Várias horas passam, e a náusea começa a bater.
“O primeiro dia é o pior,” Eden me diz com um sorriso encorajador. Ele fala
devagar, provavelmente por causa da medicação que a equipe do laboratório deu-lhe para
ajudar a dormir. “Fica melhor.” Ele se inclina e dá tapinhas na minha mão, e eu me encontro
aquecida por sua compaixão inocente. Assim deve ter sido Day quando ele era jovem.
“Obrigada,” eu respondo. Eu não falo o resto dos meus pensamentos em voz alta,
mas eu não posso acreditar que uma criança como o Eden foi capaz de tolerar esse tipo de
teste por alguns dias. Se eu soubesse, eu poderia ter feito o que Day originalmente queria e
recusado o pedido da Anden completamente.
“O que acontece se eles descobrirem que você combina?” Eden pergunta depois
de um tempo. Seus olhos começam a se fechar, e sua pergunta sai arrastada.
O que acontece, na verdade? Nós temos uma cura. Podemos apresentar os
resultados para a Antártida e provar a eles que as Colônias usaram deliberadamente o
vírus; podemos apresentá-lo para as Nações Unidas e forçar as Colônias a retroceder.
Teremos nossos portos abertos novamente. “Os antárticos prometeram que a ajuda estaria
a caminho,” eu decido a dizer. “Podemos vencer. Só, talvez.”
“Mas as Colônias já estão à nossa porta.” Eden olha para as janelas, onde os
dirigíveis do inimigo estão agora pontilhando o céu. Alguns já atracados em nossas bases,
enquanto outros pairam no céu. A sombra cruzando o nosso próprio edifício Bank Tower me
diz que está pairando sobre nós agora. “E se Daniel fracassar?” Ele sussurra, lutando contra
o sono.
“Nós apenas temos que jogar tudo com cuidado.” Mas as palavras de Eden
fazem meu olhar vagar a paisagem urbana também. E se o Day falhar? Ele me disse
enquanto saia que entraria em contato conosco antes de sua transmissão pública. Agora,
vendo o quão perto os dirigíveis das Colônias estão, sinto uma enorme sensação de
frustração por não poder estar lá fora com eles. E se as Colônias perceberem que as bases
de dirigíveis são todas fraudadas? E se eles não voltarem?
Mais uma hora passa. Enquanto Eden cai em um sono profundo, eu fico
acordada e tento manter longe as náuseas que rolam em ondas. Eu mantenho meus olhos
fechados. Isso parece ajudar.
Devo ter adormecido, porque de repente sou despertada pelo som de nossa porta
abrindo. Os técnicos do laboratório finalmente retornam. “Srta. Iparis,” diz um deles, em seu
crachá está escrito MIKHAEL. “Não foi uma combinação perfeita, mas mais perto — perto o
suficiente para que nós fossemos capazes de desenvolver uma solução. Estamos testando
a cura em Tess agora.” Ele é incapaz de evitar um sorriso cruzando o seu rosto. “Você era a
peça que faltava. Bem debaixo dos nossos narizes.”
Eu fico olhando para ele sem dizer uma palavra. Nós podemos enviar os
resultados para a Antártida — os pensamentos fluem pela minha mente. Podemos pedir
ajuda. Podemos parar a propagação da praga. Temos uma chance contra as Colônias.
Os companheiros de Mikhael começam a me desprender do emaranhado de fios
e, em seguida, me ajudam a ficar em pé. Eu me sinto forte o suficiente, mas o quarto ainda
oscila. Eu não tenho certeza se minha instabilidade faz parte dos efeitos colaterais dos
testes ou do pensamento de que tudo isso pode ter funcionado. “Eu quero ver Tess,” eu digo
enquanto começamos a nos dirigir para a porta. “Quanto tempo demora para a cura
começar a trabalhar?”
“Nós não temos certeza”, Mikhael admite enquanto nós entramos em um longo
corredor. “Mas nossas simulações são sólidas, e nós corremos várias culturas laboratoriais
com células infectadas. Devemos começar a ver a saúde de Tess melhorar muito em breve.”
Nós paramos nas janelas de vidro longas do quarto da Tess. Ela encontra-se em
meio a um sono delirante em sua cama, e todos ao seu redor são técnicos de laboratório
que correm ao redor em trajes completos, monitores mostrando seus sinais vitais, tabelas e
gráficos estão afixados nas paredes. Uma IV injetado em um de seus braços. Eu estudo seu
rosto, procurando por algum sinal de consciência, e não consigo encontrar.
Soa estática no meu fone de ouvido. Uma chamada entrando. Eu franzo a testa,
pressiono a mão ao meu ouvido, e então clico em meu microfone. Um segundo depois, ouço
a voz do Day. “Você está bem?” Seu primeiro pensamento. Claro que é. A estática é tão
grave que eu mal posso entender o que ele está dizendo.
“Eu estou bem,” eu respondo, esperando que ele possa me ouvir. “Day, me
escute — nós encontramos uma cura.”
Sem resposta, apenas estática, forte e implacável. “Day?” Eu digo de novo, e do
outro lado eu ouço alguns estalidos, algo parecido com o desespero dele tentando se
comunicar comigo. Mas não conseguimos ficar conectados. Incomum. A recepção nessas
bandas militares geralmente é cristalina. É como se algo estivesse bloqueando todas as
nossas frequências. “Day,” eu tento novamente.
Eu finalmente capto sua voz novamente. Ele mantém uma tensão em sua voz
que me lembra de quando ele tinha escolhido ir para longe de mim tantos meses atrás. Isso
envia um rio de medo por minhas veias. “Eu estou dando… o anúncio a bordo de um
dirigível… celer das Colônias não vai permitir de outra maneira…”
A bordo de um dirigível das Colônias. O Chanceler teria todas as cartas nesse
caso — se Day fizer um movimento súbito, ou fizer um anúncio que vai contra o que eles
concordaram, o Chanceler poderia tê-lo preso ou assassinado no ato. “Não faça isso,” eu
sussurro automaticamente. “Você não tem para onde ir. Nós encontramos a cura, eu era a
peça do quebra-cabeça que faltava.”
“—June?—”
Então, nenhuma resposta, apenas mais estática. Eu tento novamente mais duas
vezes antes de desligar meu microfone em frustração. Ao meu lado, eu posso ver o técnico
de laboratório também tentando em vão fazer uma chamada.
E então eu me lembro da sombra ao longo do edifício em que estamos. Minha
frustração se desvanece imediatamente, seguida por ondas de terror e compreensão. Oh,
não. As Colônias. Eles estão bloqueando nossas frequências — eles tomaram o controle
delas. Eu não pensei que eles fariam um movimento tão rapidamente. Corro até a janela,
olhando para a paisagem urbana de Los Angeles, em seguida, viro os olhos para o céu. Eu
posso ver um enorme dirigível das Colônias pairando acima — e quando eu olho mais de
perto, noto que os aviões menores estão deixando a altitude maior e circulando mais baixo.
Mikhael se junta a mim. “Nós não podemos conectar com o Eleitor”, diz ele.
“Parece que todas as frequências estão com interferência.”
É isso em preparação para o anúncio do Day? Ele está em apuros. Eu sei disso.
Justo quando esse pensamento passa pela minha cabeça, as portas no final do
corredor se abrem. Cinco soldados vêm marchando para dentro, armas empunhadas, e num
piscar de olhos eu posso ver que estes não são soldados da República afinal — mas tropas
das Colônias, com seus casacos azuis marinho e estrelas douradas. Pânico corre através
de mim da cabeça aos pés. Instintivamente me movo em direção ao quarto do Eden, mas os
soldados me veem. Seu líder levanta a arma para mim. Minha mão voa para a minha arma
presa à cintura — em seguida, eu me lembro que todas as minhas armas (salvo por uma
faca no tornozelo) estão repousando inúteis no quarto do Eden.
“Com a rendição da República,” diz ele com uma voz imponente, “todas as
rédeas do poder tem sido transferidas para os funcionários das Colônias. Este é o seu
comandante lhe dizendo para ficar de lado e nos deixar passar, para que então possamos
executar uma busca completa.”
Mikhael levanta as mãos e faz como o oficial diz. Eles se aproximam. Memórias
giram em minha mente — elas são todas as lições de meus dias em Drake, um fluxo de
manobras que atravessam a minha mente na velocidade da luz. Eu calculo com cuidado.
Uma pequena equipe enviada até aqui para realizar alguma tarefa específica. Outras
equipes devem estar fervilhando cada um dos andares, mas eu sei que estes soldados
devem ter sido enviados até nós para algo em particular. Eu me preparo, pronta para uma
luta. É a mim que eles buscam.
Como se lesse minha mente, Mikhael acena uma vez para os soldados. Seus
braços se mantêm no ar. “O que você quer?”
O soldado responde: “Um garoto chamado Eden Bataar Wing.”
Eu sei bem que não devo prender minha respiração e assim revelar que Eden
está neste piso — mas uma onda de medo passa por mim. Eu estava errada. Eles não
estão atrás de mim. Eles querem o irmão de Day. Se o Day é obrigado a dar o anúncio a
bordo do dirigível do Chanceler, sozinho, ele vai ficar impotente se o Chanceler decidir levá-
lo como refém — e se ele põe suas mãos em Eden, ele vai ser capaz de controlar Day em
cada capricho. Meus pensamentos se apressam ainda mais. Se as Colônias realmente
tiverem sucesso em assumir a República hoje, em seguida, o Chanceler poderia usar Day
indefinidamente como sua própria arma, como um manipulador de pessoas da República,
durante o tempo que as pessoas continuarem a acreditar em Day como seu herói.
Abro a boca antes que Mikhael possa. “Este andar só abriga vítimas da peste”, eu
digo para o soldado. “Se você está procurando o irmão do Day, ele estará em um andar
superior.”
O soldado aponta a arma para mim. Ele aperta os olhos em reconhecimento.
“Você é a Princesa Eleita” afirma. “Não é você? June Iparis.”
Eu levanto o meu queixo. “Uma das Princesas Eleitas, sim.”
Por um momento, eu acho que ele pode acreditar no que eu disse sobre o Eden.
Alguns de seus homens até começam a voltar para as escadas. O soldado me olha por um
longo tempo, estudando os meus olhos e em seguida olha para o corredor atrás de mim,
onde o quarto do Eden se encontra. Não me atrevo a recuar.
Ele franze a testa para mim. “Conheço sua reputação.” Antes que eu possa
pensar em algo mais para dizer, para tirá-lo de cima, ele inclina a cabeça para suas tropas e
usa sua arma para gesticular ao corredor. “Façam uma busca minuciosa. O menino deve
estar neste piso.”
Tarde demais para mentir agora. Se eu devo algo a Day, eu devo isso a ele. Me
desloco no espaço entre os soldados e o corredor. Cálculos correm por minha cabeça. (O
corredor é um pouco maior que um metro e vinte de largura — se eu passar por ele, posso
impedir os soldados de me atacarem todos de uma vez e assim acabo com meus
adversários em duas ondas pequenas em vez de uma grande.) “Seu chanceler não vai
querer me matar,” eu minto. Meu coração bate furiosamente. Ao meu lado, o técnico de
laboratório olha com olhos aflitos, sem saber o que fazer. “Ele vai me querer viva e intacta.
Você sabe disso.”
“Tais grandes mentiras fora de uma boca tão pequena.” O soldado ergue sua
arma. Prendo a respiração. “Saia fora do caminho, ou eu atiro.”
Se eu não visse a dica de hesitação no seu rosto, eu teria feito o que ele pediu.
Não serei útil para Day ou Eden se eu for simplesmente morta a tiros. Mas o flash de
incerteza do soldado é tudo que eu preciso. Levanto meus braços lentamente e com
cuidado. Meus olhos permanentemente fixos nele. “Você não quer me matar,” eu digo. Eu
estou chocada com o quão firme a minha voz soa — nem uma onda de tremor nela, apesar
da adrenalina correndo em minhas veias. Minhas pernas balançam um pouco, ainda um
toque instável dos experimentos. “Seu Chanceler não parece um homem que perdoa.”
O soldado hesita novamente. Ele não sabe o que o Chanceler tem em mente
para mim. Ele tem que me dar o benefício da dúvida.
Mantemos nosso impasse durante vários segundos.
Por fim, ele cospe uma maldição e abaixa a arma. “Levem-na,” ele grita para seus
soldados. “Não atirem.”
O mundo se amplia para mim — tudo desaparece, exceto o inimigo. Meus
instintos chutam a toda velocidade.
Vamos jogar. Você não tem ideia com quem está lidando.
Eu agacho em posição de combate quando os soldados correm para mim de uma
vez. A estreiteza do corredor funciona instantaneamente a meu favor — em vez de lidar com
cinco soldados, ao mesmo tempo, eu lido apenas com dois. Me abaixo no primeiro soldado,
pego minha faca da bota, e corto sua panturrilha cruelmente tanto quanto posso. A lâmina
rasga facilmente através da perna da calça e tendão. Ele grita. Instantaneamente sua perna
cede, levando-o para o chão se debatendo. O segundo soldado corre para mim passando
direto sobre seu companheiro caído. Eu chuto o rosto do segundo soldado, derrubo e o
deixo inconsciente, passo por cima de suas costas, ataco o terceiro soldado. Ele tenta me
dar um soco. Eu bloqueio seu golpe com um braço — minha outra mão dispara para cima
em direção ao seu rosto e bate em seu nariz com tanta força que eu sinto o triturar de osso
quebrando. O soldado cambaleia para trás uma vez e cai, segurando seu rosto em agonia.
Três caíram.
Minha surpresa de ataque desaparece com os dois últimos soldados que me
tomam mais cautelosamente. Um deles grita no microfone por reforços. Atrás deles, Mikhael
começa esgueirar-se a distância. Mesmo que eu não me atreva a olhar em sua direção, eu
sei que ele deve estar se movendo para bloquear os corredores da escada, tornando
impossível para mais soldados das Colônias virem como enxames. Um dos soldados
restantes levanta a arma e aponta para as minhas pernas. Eu chuto. Minha bota bate no
cano da arma justo quando ele dispara, enviando uma bala ricocheteando violentamente por
cima do meu ombro. Um alarme ressoa através de todos os intercomunicadores do edifício
— as escadarias estão bloqueadas, um alerta foi enviado. Eu chuto a arma novamente em
arco para trás, atingindo o soldado duro no rosto. Ele fica atordoado momentaneamente. Eu
giro e bato com força na mandíbula com o meu cotovelo…
…mas então algo bate forte na parte de trás da minha cabeça. Estrelas explodem
em toda a minha visão. Eu tropeço, caio de joelhos, e luto para me equilibrar em minha
cegueira. O segundo soldado deve ter me atingido por trás. Eu balanço novamente,
tentando o meu melhor para adivinhar onde o soldado está, mas eu falho e caio novamente.
Através de minha visão turva, eu vejo o soldado levantar a coronha da arma para me atacar
no rosto novamente. O golpe vai me derrubar inconsciente. Tento em vão rolar.
O golpe não vem. Eu pisco, lutando para ficar em pé. O que aconteceu? Quando
minha visão limpa um pouco, percebo o último soldado caído no chão e o técnico do
laboratório correndo para amarrar as mãos e os pés. De repente, há pessoas em todos os
lugares. De pé a cima de mim está Tess, pálida, doente e respirando com dificuldade,
segurando um rifle de um dos outros soldados caídos. Eu não tinha notado ela sair do
quarto.
Ela consegue um sorriso fraco. “De nada,” diz ela, estendendo a mão para me
ajudar a levantar.
Eu sorrio de volta. Ela me puxa em pé, tremendo. Quando eu balanço com as
pernas bambas, ela me oferece o ombro para me apoiar. Nenhuma de nós está muito
estável, mas não caímos.
“Srta. Iparis,” Mikhael arfa a medida que ele se apressa até nós. “Conseguimos
contactar o Eleitor — nós lhe dissemos sobre a cura. Mas também acabamos de receber um
aviso para evacuar a Torre Bank. Eles dizem que a rendição falsa vai acabar muito em breve
e que um dos primeiros alvos de retaliação das Colônias será—”
Um tremor sacode o hospital. Todos ficamos paralisados onde estamos. Eu olho
para o horizonte — a princípio o tremor parece um pouco como um terremoto, ou o barulho
de um dirigível que passa, mas o tremor é desencadeado em intervalos curtos e regulares,
em vez de uma forte onda sísmica ou do zumbido baixo e constante das aeronaves — um
instante depois, eu percebo que as bombas das bases dos dirigíveis devem ter começado a
explodir. Eu corro para a janela com Tess, onde olhamos para nuvens tão brilhantes de
laranja e cinza que elevam-se das bases que se alinham no horizonte. Pânico toma conta
de mim. Day deve ter feito o anúncio. Se ele sobreviveu ou não, eu não tenho ideia.
A falsa rendição terminou; o cessar-fogo acabou. A luta final da República já
começou.
QUANDO TINHA QUINZE ANOS, EU ENTREI EM um banco em Los Angeles
depois que os guardas de pé em sua entrada de trás não acreditaram que eu poderia
fazê-lo em dez segundos. Na noite anterior, eu tinha feito uma lista mental detalhada
do layout desse banco, observando cada ponto de apoio, janelas e parapeitos, e os
clientes estimados em cada andar. Eu esperei até a troca dos guardas à meia-noite, e
então eu sorrateiramente entrei no porão do edifício. Lá, eu coloquei um pequeno
explosivo no fechamento do cofre. Não havia nenhuma maneira que eu pudesse
quebrar durante a noite sem disparar seus alarmes… mas na manhã seguinte, quando
os guardas foram para o cofre para verificar o inventário, a maioria dos alarmes
guiados a laser em todo o edifício estaria desligado. Eu cronometrei minha entrada no
dia seguinte, para coincidir. Enquanto eu provocava os guardas na entrada dos
fundos do banco, os guardas dentro do banco estavam abrindo a porta do cofre. E o
explosivo explodiu. Ao mesmo tempo, eu subi até a janela do segundo andar do
banco, em seguida, desci as escadas para o cofre em meio a fumaça e poeira, e fiz
meu caminho para fora do prédio me pendurando com as correntes da linha de espera
do banco e me balançando para fora do piso superior. Você deveria ter me visto.
Agora, enquanto eu ando em linha reta até as rampas internas de uma doca
pirâmide e para a entrada do meu primeiro dirigível das Colônias, ladeada de ambos
os lados por soldados das Colônias, eu relembro a minha velha façanha do banco e
sinto um desejo irresistível de fugir. Girar para o lado da aeronave, perder de vista as
tropas me seguindo e entrar pelas saídas de ar. Meus olhos varrem a aeronave e tento
mapear as melhores rotas de fuga, os mais próximos esconderijos e pontos de apoio
mais convenientes. Ando em linha reta, assim não me sinto demasiado aberto e
vulnerável. Ainda assim, eu não demonstro no meu rosto. Quando eu chego à
entrada, um par de Tenentes me leva para dentro, em seguida, me dão uma inspeção
minuciosa a procura de quaisquer armas, eu apenas sorrio educadamente para eles.
Se o Chanceler quer me ver intimidado, ele poderia ficar desapontado.
Os soldados não pegam os minúsculos discos redondos do tamanho de
moedas costurados em minhas botas. Um deles é um gravador. Se há alguma
conversa que eu quero ter para usar contra as Colônias, é esta, para ser mostrada
para todo o público. Os outros são pequenos explosivos. Lá fora, em algum lugar
além da base aérea e escondidos nas sombras dos edifícios, estão Pascao e vários
outros Patriotas.
Espero que as pessoas estejam prontas para o meu sinal. Espero que eles
estejam ouvindo meu último passo, observando e esperando.
É a primeira vez que estou em uma aeronave que não tem retratos do Eleitor
nas suas paredes. Em vez disso, há bandeiras azuis e douradas em forma de rabo de
andorinha intercaladas entre anúncios, telas tão elevadas nas paredes que anunciam
de tudo, desde alimentos até produtos eletrônicos para casa. Recebo uma
desconfortável sensação de déjà-vu, lembrando o tempo que June e eu tínhamos
caído nas Colônias, mas quando os Tenentes olham na minha direção, eu
simplesmente dou de ombros para eles e mantenho meus olhos para baixo. Nós
fazemos o nosso caminho através dos corredores e até dois lances de escadas antes
de finalmente me conduzir em uma grande câmara. Fico ali por um momento, sem
saber o que fazer a seguir. Isto se parece com uma espécie de plataforma de
observação, com uma janela de vidro longa que me dá uma visão de Los Angeles.
Um homem solitário está ao lado da janela, a luz da cidade pinta sua
silhueta em negro. Ele acena para mim.
“Ah, você está finalmente aqui!”, Ele exclama. Instantaneamente eu
reconheço a suave voz persuasiva do Chanceler. Ele não se parece em nada como eu
imaginei: Ele é baixo e pequeno, frágil, seu pouco cabelo é cinza, sua voz é muito
para seu corpo. Há uma ligeira curva em seus ombros, e sua pele parece fina e
translúcida, em algumas áreas, parece como se ele fosse de papel e pudesse desabar
se eu tocá-lo. Eu não posso evitar a surpresa em meu rosto. Este é o homem que
governa uma corporação como DesCon, que ameaça e intimida toda uma nação e
negocia com precisão manipuladora?
Um pouco decepcionante, para ser honesto. Eu quase o ignoro antes de eu
dar uma boa olhada em seus olhos.
E é aí que eu reconheço o Chanceler com quem eu falei antes. Seus olhos
calculistas, analistas, que me deduzem de uma forma que me arrepia até os ossos.
Algo está incrivelmente errado sobre eles. Então eu percebo porquê. Seus olhos são
mecânicos, artificiais.
“Bem, não fique aí parado”, diz ele. “Venha até aqui. Aproveite a vista
comigo, filho. Este é o lugar onde nós vamos ter de fazer a sua declaração. Um bom
ponto de vista, não é?”
Uma réplica - “A vista é provavelmente melhor sem todas as aeronaves das
Colônias no caminho” - está na ponta da minha língua, mas eu engulo com algum
esforço e faço o que ele diz. Ele sorri quando eu paro ao lado dele, e eu faço o meu
melhor para não olhar em seus olhos falsos.
“Bem, olhe para você, todo jovem e de aspecto fresco.” Ele me bate nas
costas. “Você fez a coisa certa, você sabe, vir aqui.” Ele olha de volta para Los
Angeles. “Você vê tudo isso? Qual é o ponto de ficar fiel a isso? Você é um Coloniano
agora, e você não terá que aturar leis retorcidas da República mais. Vamos tratar você
e seu irmão tão bem que em breve você vai saber porque você nunca hesitou em se
juntar a nós.”
Pelo canto dos meus olhos, eu faço nota das possíveis rotas de fuga. “O
que vai acontecer com as pessoas da República?”
O Chanceler toca seus lábios em uma demonstração de consideração. “Os
Senadores, infelizmente, podem ficar menos felizes com a coisa toda, e para o próprio
Eleitor… bem, você só pode ter um verdadeiro governante em um país, e eu já estou
aqui.” Ele me oferece um sorriso que faz fronteira com a bondade, um contraste
surpreendente com suas próprias palavras. “Ele e eu somos mais parecidos do que
você imagina. Nós não somos cruéis. Nós somos simplesmente práticos. E você sabe
o quão difícil pode ser isso ao lidar com traidores.”
Um arrepio percorre minha espinha. “E a Princesa Eleita?” Eu repito. “E
sobre os Patriotas? Isso foi parte do nosso acordo, lembra?”
O Chanceler assente. “É claro que eu me lembro. Day, há coisas que você
vai aprender sobre as pessoas e a sociedade, quando você ficar mais velho. Às vezes,
você só tem que fazer as coisas da maneira mais difícil. Agora, antes que entre em
pânico, saiba que a Srta. Iparis estará ilesa. Nós já temos planos para perdoá-la por
sua causa, uma vez que você estará nos ajudando. Parte do nosso acordo, assim
como você disse, e eu não volto atrás na minha palavra. Os outros Príncipes Eleitos
serão executados com o Eleitor.”
Executados. Assim tão fácil, apenas assim. Tenho uma sensação de náusea
no meu estômago com a lembrança do assassinato fracassada de Anden. Desta vez,
ele pode não ter tanta sorte.
“Contanto que você poupe June” Eu consigo balbuciar, “e enquanto você
não ferir os Patriotas ou meu irmão. Mas você ainda não respondeu à minha primeira
pergunta. O que acontecerá com o povo da República?”
O Chanceler olha para mim, então se inclina para mais perto. “Diga-me, Day,
você acha que as massas têm o direito de tomar decisões por toda uma nação?”
Obrigo-me a olhar para a cidade. É uma longa queda daqui para a parte
inferior da base aérea; Eu vou ter que encontrar uma maneira de retardar a minha
decida “As leis que afetam toda uma nação também afetam os indivíduos dessa
nação, certo?”, Eu respondo, incitando-o. Espero que o meu gravador pegue tudo
isso. “Então, naturalmente, as pessoas têm o direito de contribuir para essas
decisões.”
O Chanceler assente. “Resposta justa. Mas a justiça não governa nações,
Day, não é? Eu li histórias sobre as nações onde cada pessoa teve um início igual na
vida, onde todos contribuem para o bem maior e ninguém é mais rico ou mais pobre
do que qualquer outra pessoa. Você acha que o sistema funcionou?” Ele balança a
cabeça. “Não com as pessoas, Day. Isso é algo que você vai aprender quando crescer.
As pessoas, por natureza, são injustas, indignas e coniventes. Você tem que ter
cuidado com eles – você tem que encontrar uma maneira de fazê-los pensar que você
está atendendo a todos os seus caprichos. As massas não podem funcionar por
conta própria. Eles precisam de ajuda. Eles não sabem o que é bom para eles. E,
quanto ao que vai acontecer com o povo da República? Bem, Day, eu vou te dizer. As
pessoas como um todo estarão encantadas para serem integradas em nosso sistema.
Eles vão saber tudo o que eles precisam saber, e vamos ter certeza de que serão
todos bem aproveitados. Vai ser uma máquina bem lubrificada.”
“Tudo o que eles precisam saber?”
“Sim.” Ele cruza as mãos atrás das costas e ergue o queixo. “Você
realmente acredita que as pessoas podem fazer todas as suas próprias decisões?
Que mundo assustador. As pessoas nem sempre sabem o que realmente querem.
Você deve saber melhor do que ninguém, Day, com seu anúncio há muito tempo em
favor do Eleitor, e com o anúncio que você vai nos dar hoje.” Ele inclina a cabeça um
pouco quando ele fala. “Você faz o que você precisa fazer.”
Você faz o que você precisa fazer. Ecos da filosofia do próprio Ex-eleitor da
República – ecos de algo que, não importa o país em que estou, nunca parece mudar.
Na superfície, eu apenas aceno, mas por dentro, eu sinto uma hesitação súbita de ir
adiante com meu plano. Ele está atraindo você, eu me lembro, perdido na luta. Você
não é como o Chanceler. Você luta para o povo.
Você está lutando por algo real. Não é?
Eu tenho que sair daqui, antes que ele trabalhe o seu caminho mais
profundo em minha mente. Meus músculos ficam tensos, prontos para o anúncio. Eu
estudo a sala da minha visão periférica. “Bem”, eu digo com firmeza, “vamos acabar
com isso.”
“Mais entusiasmo, meu rapaz”, diz o Chanceler, estalando a língua em
desaprovação simulada, e, em seguida, me dá um olhar sério. “Nós absolutamente
esperamos que você venda seu ponto para o povo.”
Concordo com a cabeça. Eu passo em frente para a janela, em seguida,
deixo dois soldados ligarem meu microfone a um transmissor a partir da aeronave.
Um vídeo transparente, ao vivo de mim de repente aparece no vidro. Diversos
calafrios atravessam todo o meu corpo. Há soldados das Colônias em todo o lugar, e
eles garantiram que se eu não fizer o meu movimento corretamente, condenarei a mim
mesmo e muito provavelmente, a todos os meus entes queridos à morte. É isso. Não
há mais volta a partir daqui.
“Pessoas da República”, eu começo. “Hoje, eu estou aqui com o Chanceler
das Colônias, a bordo de sua própria aeronave. Eu tenho uma mensagem para todos
vocês.” Minha voz soa rouca, e eu tenho que limpar a garganta antes de continuar.
Quando eu movo meus dedos dos pés, eu posso sentir a colisão dos dois pequenos
explosivos na parte inferior da sola das minhas botas, prontos para o meu próximo
passo. Espero como o inferno que os marcadores que Pascao, os outros corredores,
e eu deixamos em toda a cidade tenham feito o seu trabalho, e que as pessoas
estejam preparadas.
“Nós já passamos por muitas coisas juntos”, eu continuo. “Mas algumas
coisas têm sido mais difíceis do que outras nesses últimos meses na República.
Acredite em mim, eu sei. Adaptar-se a um novo Eleitor, ver as mudanças que vêm por
aí… e como todos vocês já sabem, eu não tenho feito muito bem a mim mesmo.”
Minha dor de cabeça lateja como se em resposta. Fora da aeronave, minha voz ecoa
em toda a cidade a partir da transmissão de vídeo tocando a partir de dezenas de
aeronaves das Colônias e centenas de telas gigantes em Los Angeles. Eu respiro
fundo, como se esta pudesse ser a última vez que eu falo com as pessoas. “Vocês e
eu provavelmente nunca vamos ter a chance de nos conhecer. Mas eu os conheço.
Vocês me ensinaram sobre todas as coisas boas da minha vida, e por isso que eu
lutei pela minha família todos esses anos. Espero grandes coisas para seus próprios
entes queridos, que podem passar a vida sem sofrer da maneira como a minha
sofreu.” Faço uma pausa aqui. Meus olhos se voltam para encarar o Chanceler, e ele
acena com a cabeça uma vez, me persuadindo a ir adiante. Meu coração está batendo
tão alto que eu mal posso ouvir minha própria voz.
“As Colônias têm muito a oferecer”, eu digo, minha voz ficando mais forte.
“Suas aeronaves estão agora em nossos céus. Não vai demorar muito para você
verem banners das Colônias voando acima das escolas de seus filhos e sobre suas
casas. Povo da República, eu tenho uma mensagem final para vocês, antes de vocês
e eu dizermos adeus um ao outro.”
Está na hora. Minhas pernas tensionam e os meus pés mudam ligeiramente.
O Chanceler observa.
“A República é fraca e está quebrada.” Eu estreito meus olhos. “Mas ainda é
o seu país. Lutem por ele. Esta é a sua casa, não deles”.
No mesmo momento em que eu vejo a expressão furiosa do Chanceler, eu
salto de onde estou de pé e chuto o vidro tão forte quanto eu posso. Os soldados das
Colônias correm na minha direção. Minhas botas batem na janela, os explosivos
embutidos em minhas solas dão dois breves estalos, enviando tremores através dos
meus pés. Rompendo o vidro.
E agora eu estou no ar, navegando através do espaço aberto. Meus braços
agitam e agarram a borda superior da vidraça quebrada. Uma bala passa raspando. O
grito furioso do Chanceler se eleva a partir do interior. Acho que eles não vão tentar
me manter vivo depois disso. Toda a minha adrenalina corre em um dilúvio de calor.
Me balanço para cima e para fora no ar da tarde. Não há tempo a perder.
Meu boné ameaça voar, me penduro na janela por um segundo e tento ajustá-lo mais
confortavelmente na minha cabeça. A última coisa que eu preciso agora é ter meu
cabelo soprando ao redor como um farol para qualquer um no chão me ver.
Quando as rajadas acalmam um pouco, me empurro completamente para
fora e agarro-me a moldura da janela. Eu olho para cima, medindo a distância para a
próxima janela. Então eu pulo. Minhas mãos agarram a borda inferior do marco, e com
dificuldade, consigo me puxar para cima. Eu resmungo do esforço. Nunca teria tido
um problema com isso há um ano.
Quando eu subo para uma quarta janela, ouço o som fraco de algo
disparando. Então, a primeira explosão.
O tremor é mais profundo através de toda a aeronave, quase fazendo eu
perder meu equilíbrio, e quando eu olho para baixo, vejo uma bola laranja e cinza
explodindo a partir de onde a aeronave está ancorada à sua base de pirâmide. Os
Patriotas estão fazendo o seu movimento. A segunda explosão segue, desta vez, a
aeronave range um pouco, inclinando para o leste. Rangendo os dentes, eu pego
velocidade. Um dos meus pés desliza contra a moldura da janela, ao mesmo tempo,
uma rajada de vento sopra em mim, eu quase perco o equilíbrio. Por um segundo,
minha perna oscila precariamente. “Vamos,” eu me repreendo. “Você chama isso de
uma corrida?” Então eu jogo um braço para cima, tanto quanto eu posso e consigo
pegar a próxima janela antes de minhas pernas cederem completamente. O esforço
dispara um flash maçante de dor na parte de trás da minha cabeça. Eu estremeço.
Não, agora não. A qualquer momento, mas não agora. Mas não adianta. Eu sinto a dor
de cabeça vindo. Se eu começar a sentir isso agora, eu estarei com tanta dor que eu
vou despencar para a morte, com certeza. Desesperadamente, eu subo mais rápido.
Meus pés escorregam novamente na janela do nível superior. Eu consigo me pegar no
último segundo, em seguida, pego a borda do andar superior quando a minha dor de
cabeça explode em pleno vigor.
Aguda dor cegante. Eu oscilo lá, agarrando-me pela minha vida, lutando
contra a agonia que ameaça me puxar para baixo. Mais duas explosões seguem as
primeiras em rápida sucessão, e agora a aeronave range e geme. Trate de se mexer,
saia da base, mas tudo o que consigo fazer é estremecer. Se o Chanceler pôr suas
mãos em mim agora, ele vai me matar. Em algum lugar longe, eu ouço um som de
sirene, soldados no convés superior devem saber agora que eu estou indo para lá, e
eles estarão prontos para mim.
Minha respiração vêm em suspiros curtos. Abra seus olhos, eu me ordeno.
Você tem que abri-los. Através de um véu borrado de lágrimas, eu tenho um vislumbre
do convés superior e dos soldados correndo. Seus gritos ressoam através da
plataforma. Por um instante, eu perco a memória de novo de onde eu estou, o que
estou fazendo, qual é minha missão. O desconhecimento faz com que meu estômago
revire, e eu tenho que me impedir de vomitar. Pense, Day. Você já esteve em situações
ruins antes. Minha memória borra.
O que eu preciso fazer aqui outra vez? Finalmente eu limpo a minha mente,
eu preciso de alguma maneira, descer até a parte inferior da aeronave. Então eu me
lembro das grades de metal que revestem a borda da cobertura, e meu plano original,
meus olhos giram até a grade mais próxima. Com enorme esforço, alcanço e agarro
nisso. Falho na primeira vez. Os soldados me veem agora, e vários deles correm em
minha direção. Eu cerro os dentes e tento novamente.
Desta vez, atinjo a grade. Eu a agarro com ambas as mãos, em seguida,
puxo para baixo. A grade fica livre de seus ganchos. Me jogo para o lado da aeronave
e me deixo cair. Espero como no inferno que essa grade possa suportar meu peso. Há
um coro de estalos quando a grade fica livre dos ganchos em ambos os lados,
enviando-me ao chão a uma velocidade vertiginosa. A dor na minha cabeça ameaça
enfraquecer meu aperto. Eu me penduro com cada pingo de força que eu tenho. Meu
cabelo agita em torno de mim, e eu percebo que meu boné deve ter caído. Para baixo,
para baixo, eu continuo caindo. O mundo passa diante de mim na velocidade da luz.
Através do vento impetuoso, minha cabeça lentamente fica clara.
De repente, um dos lados da grade solta quando eu chego a parte inferior
da aeronave. Uma lufada de ar me escapa quando eu salto para um lado. Eu me viro
para pegar o restante da grade com as duas mãos e me penduro firmemente enquanto
eu balanço ao longo do lado inferior da aeronave. A base da pirâmide está quase
perto o suficiente dos meus pés para eu pular, mas eu estou indo rápido demais. Eu
balanço mais perto do lado da aeronave, em seguida, raspo os saltos das minhas
botas forte contra o aço. Há um alto, longo grito. Minhas botas finalmente encontram
tração, a força me faz rodar do meu balanço e me envia girando. Eu luto para me
equilibrar. Antes que eu possa, no entanto, a grade finalmente rompe e eu caio para o
lado de fora da base da pirâmide.
O impacto bate todo o ar para fora de mim. Eu derrapo contra as paredes
inclinadas e lisas por alguns segundos, até que minhas botas travam contra a
superfície e eu paro por ali, machucado e mancando, soldados convictos vão me
encher de balas enquanto eu deito vulnerável contra a pirâmide. Pascao e os outros
vão saber agora por que eu fiz o meu movimento, e eles estarão desencadeando as
bombas ao longo das bases aéreas. É melhor eu sair daqui antes que eu seja
queimado feito uma batata frita. Esse pensamento enche minha mente e me dá a força
para me puxar para cima. Eu deslizo para o lado tão rápido quanto eu posso, abaixo,
eu já posso ver os soldados das Colônias correndo para me parar. A sensação de
desesperança me apunhala. Não há nenhuma maneira no inferno que eu vou passar
por todos eles a tempo. Ainda assim, eu me mantenho em movimento. Eu tenho que
ficar longe do local da explosão.
Estou várias dezenas de metros longe da parte inferior. Os soldados estão
escalando para me prender. Eu tenso, me esforço em um agachamento, e rapidamente
me movo lateralmente contra a base inclinada. Eu não vou fazer isso.
No instante em que isso passa pela minha cabeça, as duas explosões finais
explodem sob a aeronave.
Um enorme estrondo por cima de mim abala a terra, e quando eu olho para
trás, vejo uma enorme bola de fogo subir a partir de onde a aeronave esteve
encaixada com a parte superior da base. Ao longo de toda a base aérea, chamas
alaranjadas brotam de cada pirâmide da doca. Elas explodiram em uníssono. O
resultado é absolutamente de cair o queixo. Rapidamente eu olho de volta para os
soldados que estavam me perseguindo, eles pararam, chocados com o que eles estão
assistindo. Outra explosão ensurdecedora de fogo irrompe acima de nós e os
tremores batem todos fora de seus pés. Eu me esforço para me estabilizar contra a
parede inclinada. Vamos, vamos, vamos! Eu cambaleio até os últimos metros da
parede da base e caio de joelhos no piso. O mundo gira. Tudo o que posso ouvir são
os gritos dos soldados e do rugido dos infernos iluminando as bases navais.
Mãos me agarram. Eu me esforço, mas não tenho mais forças. De repente,
eles me soltam e eu ouço uma voz familiar ao meu lado. Me viro surpreendido. Quem
é este? Pascao. O nome dele é Pascao.
Seus brilhantes olhos cinzas estreitam para mim, ele pega a minha mão e
me pede para correr.
“Estou feliz em vê-lo vivo. Vamos mantê-lo assim.”
DA TORRE BANK NO CENTRO DE LOS ANGELES, eu posso ver as colunas
gigantes de fogo laranja iluminando as bases navais ao longo da costa. As explosões são
enormes, iluminando a borda do céu com luz ofuscante e ecoando pelo ar, a força
sacudindo as janelas de vidro da torre enquanto eu olho. Um redemoinho de pessoas do
hospital está ao redor de mim em uma cena de comoção. As equipes de laboratório estão
preparando Tess e Eden para a evacuação.
Recebo uma chamada de Pascao. “Eu tenho Day”, ele grita. “Encontre-nos lá
fora.”
Meus joelhos enfraquecem com alívio. Ele está vivo. Ele fez isso. Eu espreito
para dentro do quarto de Tess, onde ela está sendo colocada em uma cadeira de rodas, e
lhe dou um polegar para cima. Ela ilumina, mesmo em seu estado debilitado.
Fora da torre, eu vejo a sombra que envolve o edifício começando a se mover,
aeronaves das Colônias sobrevoando o local estão se dirigindo para longe de nós para se
juntar à batalha. Como se nossas explosões tivessem perturbado um ninho de vespas,
dezenas de caças das Colônias decolam de suas plataformas, bem como das plataformas
das aeronaves distantes e danificadas, as suas formas formando esquadrões no céu. Jatos
da República os encontram no ar.
Depressa Antártida. Por favor.
Corro do andar do laboratório e desso as escadas para o lobby da Torre Bank. Há
caos em todos os lugares. Soldados da República se apressam passando por mim em um
borrão de movimento, enquanto vários se reúnem nas portas da frente para evitar que
qualquer outra pessoa entre.
“Este hospital está fora dos limites!” Ladra um. “Traga os feridos para a rua,
estamos evacuando!” As telas que revestem as salas mostram cenas dos soldados da
República em conflito com as tropas das Colônias nas ruas e, para minha surpresa, civis da
República empunhando quaisquer armas que possam encontrar, juntaram-se para fazer as
Colônias retrocederem. Incêndios queimam ao longo das estradas. Na parte inferior de cada
tela em negrito e letras ameaçadoras passa o texto: TODOS OS SOLDADOS DA
REPÚBLICA QUEBREM A RENDIÇÃO. TODOS OS SOLDADOS DA REPÚBLICA
QUEBREM A RENDIÇÃO. Eu estremeço no lugar, mesmo que isso seja exatamente o que
tínhamos planejado.
Lá fora, o barulho da batalha me ensurdece. Caças rugem passando em cima de
nós, enquanto outros pairam diretamente sobre a Torre Bank, preparando para defender o
edifício mais alto de LA, se – quando – as Colônias tentarem atacar. Vejo formações
semelhantes em relação a outros edifícios importantes do centro. “Vamos, Day,” murmuro,
olhando as ruas próximas para os sinais de seu cabelo brilhante, ou pelos olhos claros de
Pascao. Um tremor profundo faz tremer o chão. Outra bola de chamas laranja explode atrás
de várias fileiras de prédios, em seguida, um par de jatos das Colônias passam ao redor,
seguidos de perto por um avião da República. O som é tão alto que eu pressiono ambas as
mãos nos meus ouvidos, até que tenha passado.
“June?” A voz de Pascao vem no meu fone, mas eu mal posso ouvi-lo. “Estamos
quase chegando. Onde você está?”
“Em frente à Torre Bank,” eu grito por causa do barulho.
“Temos de evacuar”, ele responde imediatamente. “Conseguimos informações de
nossos Hackers – as Colônias tem a intenção de atacar o prédio dentro de uma hora-”
Como se fosse um sinal, um jato das Colônias ruge e um instante depois, uma
enorme explosão ocorre no topo da Torre Bank. Soldados em torno de mim soltam gritos de
alerta enquanto o vidro cai de andares mais altos. Eu salto para trás, para a segurança da
entrada do edifício. Detritos chovem em uma tempestade estrondosa, esmagando jipes e
quebrando em mil pedaços.
“June?” A voz de Pascao vem de volta, claramente alarmado agora. “June, você
está bem?”
“Eu estou bem”, eu grito de volta. “Eu vou ajudar com as evacuações uma vez
que eu te veja. Vejo vocês em breve!” Então eu desligo.
Três minutos mais tarde, eu finalmente vejo Day e Pascao cambaleando em
direção à Torre Bank contra a maré de civis fugindo da área e soldados correndo para
defender as ruas. Eles tropeçam entre os escombros. Corro a partir da entrada em direção a
Day, que está apoiando-se fortemente contra o ombro bom de Pascao.
“Algum de vocês está ferido?” Eu pergunto.
“Eu estou bem”, Pascao responde, apontando para Day. “Não tenho certeza
sobre esse cara. Mas acho que ele está mais exausto do que qualquer outra coisa.”
Balanço o outro braço de Day ao redor do meu ombro. Pascao e eu o ajudamos a
entrar em um edifício a várias quadras da Torre Bank, onde ainda temos uma visão direta da
torre e da praça caótica, cheia de detritos que se encontra entre os dois edifícios. No
interior, fileiras de soldados feridos já estão acampados, com médicos correndo
freneticamente entre eles. “Estamos limpando a torre”, eu explico quando nós gentilmente
ajudamos Day a deitar. Ele faz uma careta de dor, mesmo que eu não consiga encontrar
nenhuma ferida específica sobre ele. “Não se preocupe”, Eu o tranquilizo quando ele olha
para mim, alarmado. “Eden e Tess estão sendo evacuados agora.”
“E você também deveria”, acrescenta. “A luta está apenas começando.”
“Se eu disser para você parar de se preocupar, você irá?”
Minha resposta recebe um sorriso irônico dele. “A Antártida está vindo para nos
ajudar?” Day pergunta. “Você disse a Anden sobre a cura-”
“Acalme-se”, eu o interrompo, em seguida, levanto e coloco a mão no ombro de
Pascao. “Cuidado com ele. Vou voltar para a torre para ajudar com as evacuações. Vou
dizer-lhes para trazer seu irmão aqui.” Pascao acena rapidamente, e eu lanço um último
olhar em direção a Day antes de correr para fora do prédio.
Um fluxo de pessoas está fazendo o seu caminho para fora da torre, com
soldados da República os escoltando em ambos os lados. Alguns estão de muletas ou em
cadeiras de rodas, enquanto outros estão precisando de macas e sendo levados por uma
equipe de médicos. Soldados da República ladram ordens para eles, suas armas içadas e
seus corpos tensos. Corro passando por eles e para a entrada, em seguida, empurro o meu
caminho para as escadas. Eu subo os degraus de dois em dois até que eu finalmente atinjo
o andar do laboratório, onde a porta está um pouco aberta e uma enfermeira está
orientando as pessoas em direção ao elevador.
Chego a enfermeira e lhe agarro o braço. Ela se vira para olhar para mim,
assustada. “Princesa Eleita”, ela consegue deixar escapar, às pressas inclinando a cabeça.
“O que você está-”
“Eden Bataar Wing”, eu digo sem fôlego. “Ele já está pronto para ir?”
“O irmão de Day”, ela responde. “Sim, sim, ele está em seu quarto. Estamos nos
preparando para movê-lo confortavelmente. Ele ainda precisa estar em uma cadeira de
rodas, mas-”
“E Tess? A menina que estava sob quarentena?”
“Ela já está a caminho do andar térreo-”
Eu não espero a enfermeira terminar antes de correr para a sala principal de
laboratório e em direção ao corredor. No final, eu vejo um par de médicos tirando Eden do
quarto. Parece que ele está inconsciente, descansando em um pequeno travesseiro apoiado
entre a sua cabeça e as costas da cadeira, a testa úmida de suor.
Eu dou as instruções médicas sobre onde levá-lo, quando nos apressamos juntos
em direção ao elevador. “Você vai ver o Day lá. Mantenha-o com o seu irmão.”
Outra explosão rasga através do edifício, forçando a metade de nós a ficar de
joelhos. Alguns dos médicos gritam. Chuva de poeira cai do teto, fazendo meus olhos
lacrimejarem, eu desabotoo meu casaco, então o tiro e o coloco sobre Eden, para protegê-
lo. “Sem elevador”, Eu suspiro, indo em direção as escadas em vez disso. “Podemos levá-lo
até lá embaixo?”
Uma das enfermeiras cautelosamente pega Eden e o prende firmemente em seus
braços. Corremos pelas escadas à medida que mais chuva de poeira cai sobre nós e sons
abafados de gritos, armas e explosões ecoam de fora.
Nos apressamos para fora em uma noite completamente iluminada pelo fogo da
batalha. Ainda nenhum telefonema de Anden. Meus olhos varrem os telhados quando
fazemos uma pausa por baixo da entrada, outros desabrigados rodopiam ao nosso redor e
entre os guardas da República. Um dos guardas me reconhece e corre, jogando uma
saudação rápida, antes de falar. “Princesa Eleita”, ele grita. “Chegue ao abrigo adjacente,
tão rápido quanto você puder, vamos enviar um jipe para levá-los ao Eleitor.”
Eu balanço a cabeça imediatamente. “Não. Eu vou ficar aqui.” Uma faísca nos
telhados me faz olhar para cima, e instantaneamente todos nós estremecemos quando uma
bala atinge a saliência na frente da entrada principal. Há atiradores das Colônias nos
telhados. Vários dos soldados da República apontam suas armas e abrem fogo. O guarda
que tinha falado comigo põe a mão no meu ombro. “Então movam-se”, ele grita,
gesticulando para nós.
A enfermeira segurando Eden dá vários passos para a frente, com os olhos ainda
fixos em terror nos telhados. Eu coloco a mão para detê-la. “Ainda não”, eu digo. “Fique aqui
um momento.” Nem dois segundos depois das palavras saírem da minha boca, eu vejo uma
bala atingindo um dos desabrigados, sangue respinga em todos os lugares, e
imediatamente as pessoas ao redor dele fogem, gritos ecoando no ar. Meu coração bate
fortemente enquanto eu olho os telhados de novo. Um dos soldados da República
finalmente alcança o atirador, e eu vejo alguém em um uniforme das Colônias cair do alto de
um prédio próximo. Eu olho para longe antes que o corpo atinja o solo, mas eu ainda sou
surpreendida por uma onda violenta de náusea. Como vou manter Eden a salvo?
“Fique aqui”, Eu ordeno a enfermeira segurando Eden. Então eu toco quatro dos
soldados da República. “Me cubram. Estou indo lá em cima.” Eu gesticulo para um dos
guardas para me entregar a arma no cinto, e ele a passa sem hesitação.
Me movo entre a multidão e faço o meu caminho em direção aos prédios. Tento
imitar a graça sem esforço que Day e Pascao têm nesta selva urbana. Enquanto as
evacuações caóticas continuam e os soldados de ambos os lados se enfrentam uns contra
os outros, eu me apresso para as sombras de um estreito beco próximo e começo a fazer o
meu caminho até a lateral do prédio. Eu sou pequena, vestida com roupas escuras, e
sozinha. Eles não vão esperar que eu venha até aqui. Minha mente funciona através de
todas as minhas aulas de tiro. Se eu puder me livrar deles, vou dar aos evacuados mais
possibilidades de saírem. Enquanto penso isso, um outro jato das Colônias se aproxima e
outra enorme nuvem de chama vermelha brilhante estoura na Torre Bank. Um jato da
República segue atrás dele, disparando na medida que avança, enquanto eu olho,
consegue acertar o avião das Colônias danificando um de seus motores, enviando-o
violentamente para um lado e deixando um rastro de fumaça escura por trás dele. Um
rugido ensurdecedor segue, ele deve ter batido a vários quarteirões. Eu olho de volta para a
torre em chamas. Nós não temos muito tempo. Este edifício vai cair. Eu cerro os dentes e
faço o meu caminho o mais rápido que eu posso. Se eu fosse tão boa corredora como Day
e Pascao.
Eu finalmente chego ao piso superior. Daqui eu tenho uma boa visão do campo
de batalha abaixo de mim. A Torre Bank está sob o cerco por céu e terra, onde centenas de
tropas da República estão lutando nas ruas contra uma maré constante de soldados
inimigos. Os pacientes e médicos seguem em um turbilhão a partir da torre e descendo a
rua em direção ao abrigo improvisado, junto com funcionários do governo dos andares mais
altos, muitos deles completamente cobertos de pó branco e sangue. Espio sobre o
parapeito.
Não há homens armados aqui. Eu me puxo para cima do telhado, cuidando para
ficar nas sombras. Aperto a arma com tanta força que eu mal posso sentir meus dedos. Eu
examino os telhados na zona de perigo levando até o abrigo, até que finalmente eu vejo
vários soldados das Colônias agachados em cima dos edifícios vizinhos, tendo como
objetivo as tropas da República comandando a evacuação. Eu faço o meu caminho em
silêncio em direção a eles.
Levo o primeiro para baixo rapidamente, apontando até ele por trás, enquanto eu
espio por cima do parapeito do piso superior do edifício. É como se eu pudesse sentir
Metias guiando minha arma, tendo certeza que eu os acerto em algum lugar que não seja
fatal. Quando ele entra em colapso com um grito abafado que está perdido em todo o caos,
eu corro e pego sua arma, em seguida, a jogo para o lado do telhado. Então eu bato na cara
dele com força suficiente para nocauteá-lo. Meus olhos se estabelecem no próximo soldado.
Eu pressiono uma mão contra o meu fone de ouvido e o ligo.
“Diga a enfermeira que continue esperando”, Eu assobio com urgência para o
guarda da Torre Bank. “Vou mandar um sinal quando for-”
Eu nunca tive a chance de terminar minha frase. Uma explosão me joga sobre o
telhado. Quando eu abro os olhos e olho para baixo, toda a rua está completamente coberta
de cinzas e poeira. Bombas de fumaça? Através do véu de fumaça e sujeira, os evacuados
estão correndo em pânico em direção ao abrigo e rompem as linhas de soldados da
República os escoltando, ignorando completamente os seus gritos. Os homens armados
das Colônias tem viseiras. Eles devem ser capazes de ver através de toda essa fumaça.
Eles atiram para baixo, para as multidões, espalhando-os em todas as direções. Eu olho
freneticamente em direção à torre. Onde está o Eden? Corro para o meu próximo alvo,
levando-o para baixo, da mesma forma como o último. Outro atirador para baixo. Eu tranco
no meu terceiro alvo, em seguida, cuspo uma maldição quando eu percebo que a minha
arma acaba de ficar sem balas.
Estou prestes a fazer o meu caminho para fora do telhado quando algo brilhante
reflete de um telhado. Eu congelo.
Não muito longe de mim em um edifício mais alto, a Comandante Jameson se
agacha em um telhado. Um calafrio me sacode dos pés à cabeça quando vejo que ela tem
uma arma em sua mão. Não. Não.
Ela está encontrando os soldados da República, uma bala de cada vez. Então,
meu coração para quando ela avista algo que desperta seu interesse. Ela mira em um novo
alvo no chão. Meus olhos seguem a linha de sua arma. E isso é quando eu vejo um rapaz
com cabelos loiros brilhantes abrindo caminho contra a corrente de pessoas em direção a
Torre Bank.
Ela está mirando em Day.
TESS CONSEGUE SER EVACUADA PRIMEIRO — VEJO SUA FORMA MOLE
sendo carregada nos braços de uma enfermeira quando elas saem do Bank Tower. A
tomo dos braços da enfermeira, assim que chego perto, então a levo junto com o
fluxo de outros evacuados. Ela parece apenas meio consciente, alheia a minha
presença, com a cabeça pendendo para um lado. No meio do caminho para o abrigo,
eu desacelero. Droga, estou tão cansado e com muita dor.
Pascao pega Tess dos meus braço. Ele a levanta contra o peito. Nos
telhados, faíscas voam — sinais de tiros. “Volte para a entrada do Bank Tower,” ele
grita para mim antes de virar as costas. “Eu vou levá-la para longe!” E então ele se vai
antes que eu possa discutir.
Eu os assisto ir por um tempo, não querendo desviar o olhar até que eu
tenha certeza que Tess está segura do outro lado da praça. Quando eles chegam ao
abrigo, eu viro minha atenção de volta para a torre. Eden deve ter descido por agora.
Eu estico meu pescoço, apertando os olhos por entre a multidão procurando uma
cabeça com cachos loiros. June já terá descido? Eu não a vejo na massa em pânico e
sua ausência envia uma sacudida de preocupação por mim.
Em seguida, uma explosão. Sou jogado no chão.
Fumaça. Uma bomba de fumaça, eu consigo pensar através do barulho na
minha cabeça. No começo eu não posso ver nada através de toda a fumaça — há
caos em toda parte, faíscas voando, e os ocasionais sons abafados de tiros; através
da poeira branca flutuante, vejo um borrão de pessoas correndo em direção a
segurança das barricadas da República, suas pernas se movendo como se
estivessem em câmera lenta, a boca aberta em gritos silenciosos. Eu balanço minha
cabeça, cansado. Sinto meus próprios membros como se estivesse os arrastando
pela lama, e a parte de trás da minha cabeça lateja, ameaçando me afogar em dor. Eu
pisco contra ela, tentando manter meus sentidos em linha reta. Desesperadamente eu
chamo de novo por Eden, mas eu não posso nem ouvir a minha própria voz. Se eu
não posso ouvi-lo, como ele pode?
As pessoas se espalham por um momento.
E então eu o vejo. É Eden. Ele está inconsciente nos braços de uma
enfermeira aterrorizada da República, que parece tropeçar cegamente através da
fumaça, indo na direção errada — em linha reta em direção às tropas das Colônias
que revestem o lado esquerdo da praça, em frente de onde está o abrigo. Eu não paro
para pensar ou gritar, eu não hesito ou espero por um bom intervalo no tiroteio. Eu só
começo a correr em direção a ele.
A COMANDANTE JAMESON VAI ATIRAR NELE — a direção que está apontando
a arma é inconfundível.
Day está correndo através da fumaça que cobre a rua. Day, o que você está
fazendo? Ele tropeça em seu trajeto, mesmo dos telhados eu posso dizer que ele está se
esforçando para fazer seu corpo se movimentar, que a cada centímetro grita em exaustão.
Ele está se esforçando demais. Eu olho na direção que ele está indo, procurando o que
chamou a atenção dele.
Eden. Claro. A enfermeira que sustenta Eden tropeça e cai no meio de toda a
fumaça ondulante, e quando ela se levanta, o medo tem o melhor dela porque começa a
fugir sozinha. Fúria se eleva dentro de mim. Deixou Eden para trás, se mexendo lentamente
e completamente vulnerável na rua aberta, cego, separado do grupo, e tossindo
incontrolavelmente por causa da fumaça.
Me ponho em pé em um pulo. Como Day está correndo em direção contraria a
todos os outros, ele logo estará em uma área onde ele será um alvo fácil.
Minha mão voa para minha cintura — e, em seguida, me lembro que a minha
arma está sem balas. Eu corro para o outro lado do telhado em direção ao meu último alvo,
onde eu não tinha pego sua arma que caiu no telhado. Quando eu olho em direção a
Comandante Jameson novamente, a vejo tensa e apontando. Não. Não! Ela dispara um tiro.
A bala perde Day por um alguns centímetros. Ele tropeça em sua pressa, jogando
um braço brevemente sobre a cabeça por instinto, mas se levanta e continua
obstinadamente adiante. Meu coração bate freneticamente contra meu peito. Mais rápido.
Eu tomo um salto e voo de um telhado para o outro. Lá embaixo, eu vejo Day se
aproximando de Eden. Então ele está lá, ele o alcançou, ele derrapa até parar ao lado de
Eden e joga os braços protetores em torno de seu irmão mais novo. A poeira em torno deles
torna difícil de localizá-los, como se ambos estivessem em cores desbotadas como
fantasmas. Minha respiração vem em suspiros rasos quando me aproximo dos soldados
caídos. Eu espero que a poeira atrapalhe a pontaria da Comandante Jameson.
Eu alcanço o soldado caído. Pego a arma dele. Resta uma bala.
Abaixo, Day pega Eden, coloca uma mão protetora contra a parte de trás da
cabeça de seu irmão, e depois começa a cambalear de volta para o abrigo o mais rápido
que seu corpo quebrado permitirá. A Comandante Jameson mira de novo — eu grito na
minha cabeça e me esforço para ir mais rápido. Toda a minha adrenalina, cada fibra da
minha atenção e concentração, agora está focada como uma flecha sobre ela. Ela dispara.
Desta vez a bala perde os irmãos, mas faíscas passam a trinta centímetros de distância
Day. Ele nem se incomoda em olhar para cima. Ele só agarra Eden mais apertado, então
tropeça adiante.
Eu finalmente chego perto do telhado onde ela está. Eu salto para ele, pousando
em sua superfície plana de concreto. A partir daqui, posso ver tanto o telhado que estou
quanto a rua abaixo. Trinta metros à frente de mim, parcialmente escondida por chaminés e
ventilação, a Comandante Jameson está agachada de costas para mim, seu foco nas ruas.
Ela dispara novamente. Lá em baixo, eu ouço um grito rouco de dor de uma voz
que eu conheço muito bem. Toda respiração me escapa. Olho rapidamente para a rua para
ver Day cair de joelhos, soltando Eden por um momento. Os sons ao meu redor se apagam.
Ele levou um tiro.
Ele estremece, então se levanta novamente. Recolhe Eden em seus braços
novamente. Cambaleia para a frente. A Comandante Jameson dispara mais uma vez. A bala
faz contato. Eu ergo a arma em minhas mãos, em seguida, aponto diretamente para ela.
Estou perto o suficiente agora, tão perto que vejo os cumes de seu colete à prova de balas
que recobre suas costas. Minhas mãos tremem. Eu tenho uma vista perfeita, um tiro certeiro
na cabeça da Comandante Jameson. Ela está se preparando para disparar novamente.
Eu aponto.
Como se o mundo de repente abrandasse em um milhão de quadros por
segundo, a Comandante Jameson gira ao redor. Ela sente a minha presença. Seus olhos
estreitos — e, em seguida, ela gira a arma em minha direção, tirando seu foco fora do Day.
Pensamentos correm na minha mente na velocidade da luz. Eu puxo o gatilho da minha
arma, disparando minha última bala direto na cabeça.
E eu falho.
Eu nunca falho.
Sem tempo para me debruçar sobre isso — a Comandante Jameson tem a arma
apontada para mim, e quando minha bala passa do lado seu rosto, eu a vejo sorrir e
disparar. Eu me jogo no chão, em seguida, rolo. Algo faísca a dois centímetros do meu
braço. Me apresso atrás de uma chaminé perto e me pressiono tão firmemente contra a
parede quanto eu posso. Em algum lugar atrás de mim, o som de botas pesadas se
aproxima. Respire. Respire. Nosso último confronto pisca na minha mente. Por que eu
posso enfrentar todo mundo, exceto a Comandante Jameson?
“Saia e jogue, pequena Iparis,” ela grita. Quando eu fico em silêncio, ela ri. “Vem
para fora, assim você pode ver o seu menino bonito sangrando até a morte na rua.”
Ela sabe exatamente como cortar diretamente o meu coração. Mas eu cerro os
dentes e forço a imagem de um Day sangrando e morrendo da minha cabeça. Eu não tenho
tempo para essa besteira. O que eu preciso fazer é desarmar ela — e com esse
pensamento, eu olho para a minha arma inútil. Hora de jogar um jogo de fingir.
Ela está em silêncio agora. Tudo que eu posso ouvir é som suave de botas se
aproximando, a aproximação constante da assassina do meu irmão. Minhas mãos apertam
a arma.
Ela está perto o suficiente. Fecho os olhos por um instante, murmuro um rápido
sussurro de boa sorte — e em seguida, giro para fora do meu esconderijo. Aponto minha
arma para a Comandante Jameson como se eu estivesse prestes a disparar. Ela faz o que
eu espero — ela recua para o lado, mas desta vez eu estou pronta, e eu invisto diretamente
nela. Eu salto, em seguida, chuto seu rosto tão forte quanto eu posso. Minha bota faz um
som satisfatório com o impacto. Sua cabeça vai para trás. Afrouxa o controle sobre a arma,
aproveito a oportunidade para chutá-la direto fora de suas mãos. Ela colapsa no telhado
com um baque — sua arma voa para um lado, depois cai para a direita do telhado e para as
ruas abaixo cheia de fumaça.
Não me atrevo a parar o meu impulso. Enquanto ela ainda está caída, eu golpeio
meu cotovelo no seu rosto em um esforço para derrubá-la inconsciente. Meu primeiro golpe
acerta — mas meu segundo não. A Comandante Jameson agarra meu cotovelo, encaixa a
outra mão no meu pulso como um grilhão, e, em seguida, torce. Eu viro com ele. Dor
dispara no meu braço, uma vez que se dobra em sua posse. Antes que ela possa quebrá-lo,
dou a volta e bato em seu braço com o calcanhar afiado da minha bota. Ela estremece, mas
não se deixar ir. Eu bato de novo, com mais força.
Seu aperto solta por um fio de cabelo e eu finalmente consigo escapar de seu
alcance.
Ela salta em pé quando coloco alguma distância entre nós e volto para encará-la.
Começamos a circular uma a outra, nós duas respirando pesadamente, meu braço ainda
doendo muito e seu rosto transformado por um fio de sangue saindo de sua têmpora. Eu já
sei que não posso vencer ela seguindo todas as regras. Ela é mais alta e mais forte,
equipada com anos de treinamento que meus talentos não podem igualar. Minha única
esperança é pegá-la de surpresa de novo, encontrar uma maneira de transformar a sua
própria força contra ela. Enquanto eu continuo a circular, esperando e observando uma
abertura, o mundo ao nosso redor desaparece. Eu tiro toda a minha raiva, deixo substituir o
meu medo e me dar força.
É só você e eu agora. Este é o jeito que sempre foi destinado a ser, este é o
momento em que eu estive esperando desde que tudo começou. Vamos enfrentar uma a
outra no final com as nossas próprias mãos.
A Comandante Jameson ataca primeiro. Sua velocidade me aterroriza. Um
segundo ela está diante de mim e no próximo ela está ao meu lado, seu punho voando em
direção ao meu rosto. Eu não tenho tempo de me esquivar. Tudo o que consigo fazer é
erguer meu ombro no último segundo, e seu punho bate em vez com um golpe de raspão.
Vejo estrelas. Tropeço para trás. Viro para me esquivar do seu próximo golpe — por pouco.
Eu rolo longe dela, lutando para limpar a minha visão e volto a ficar em pé. Quando ela dá o
bote novamente, eu pulo e chuto sua cabeça. A alcança, mas ela é muito rápida para que
seja de frente. Corro para longe novamente. Desta vez, vou em direção à borda do telhado
e retrocedo lentamente, meus olhos aterrorizados sem deixá-la. Bom, eu me lembro. Pareça
o mais assustada que você pode. Finalmente, a parte detrás da minha bota bate na borda
do telhado. Eu olho para baixo, em seguida, de novo para a Comandante Jameson. Apesar
de uma ligeira instabilidade, ela parece destemida. Não é difícil para mim fingir o medo em
meus olhos arregalados.
Ela caminha em minha direção como uma predadora. Ela não diz uma palavra,
mas ela não precisa — tudo o que ela sempre quis me dizer já foi dito antes. Corre através
de minha cabeça como um veneno. Pequena Iparis, o quanto você me faz lembrar de mim
na sua idade. Adorável. Algum dia, você vai aprender que a vida não é sempre o que você
quer que ela seja. Que você não vai sempre conseguir o que deseja. E que há forças fora
de seu controle que moldarão você em quem você é. Pena que o seu tempo termina aqui.
Teria sido divertido ver no que você se tornaria.
Seus olhos me hipnotizam. Neste momento, não posso imaginar pior visão.
Ela se lança para frente.
Eu tenho apenas uma chance. Me abaixo, agarrar-lhe o braço, e dou a volta
sobre a minha cabeça. Seu impulso a envia voando sobre a borda do telhado.
Mas sua mão agarra o meu braço. Eu estou no meio do caminho sobre a borda
— meu ombro esquerdo se desloca. Grito. Meus saltos cavam contra a borda, lutando para
não cair. A Comandante Jameson alinha-se contra a lateral do prédio, lutando por pontos de
apoio. Suas unhas cavam tão fundo em minha carne que posso sentir minha pele rasgando.
Lágrimas saem dos meus olhos. Lá em abaixo, soldados da República ainda estão
ajudando os evacuados, disparando contra os soldados inimigos em outros telhados,
gritando ordens em seus microfones.
Eu grito para eles com tudo o que me resta. “Atirem nela!” Eu grito. “Atirem nela!”
Dois soldados da República viram as cabeças em minha direção. Eles me
reconhecem. Quando apontam suas armas em minha direção, a Comandante Jameson olha
nos meus olhos e sorri. “Eu sabia que você não poderia fazer.”
Então os soldados abrem fogo, o corpo da Comandante Jameson convulsiona,
seu aperto de repente se solta e ela cai como um pássaro ferido para a rua. Eu me afasto,
então eu não tenho que olhar, mas eu ainda ouço o som nauseante de seu corpo batendo
contra o pavimento. Ela se foi. Assim mesmo. Eu deixo suas palavras e as minhas próprias
soarem em meus ouvidos.
Atirem nela. Atirem nela.
As palavras de Metias soam na minha mente. Poucas pessoas matam pelas
razões certas.
Eu apressadamente enxugo as lágrimas do meu rosto. O que acabei de fazer?
Seu sangue mancha minhas mãos — eu esfrego minha mão boa contra a roupa, mas eu
não posso tirá-lo. Eu não sei se vou ser capaz. “Esta é a razão certa,” eu sussurro
repetidamente.
Talvez ela tenha destruído a si mesma e eu só ajudei. Mas mesmo esse
pensamento parece oco.
A agonia do meu ombro deslocado me deixa tonta. Eu levanto o braço direito,
aperto forte o braço esquerdo ferido, cerro os dentes. Eu grito novamente. O osso resiste
por um instante — então sinto meu ombro voltar para o lugar. Lágrimas frescas correm pelo
meu rosto. Minhas mãos tremem descontroladamente, meus ouvidos zumbem, bloqueando
qualquer som em torno de mim, exceto as batidas do meu coração.
Quanto tempo faz? Horas? Alguns segundos?
A luz pulsante da lógica se infiltra em minha mente, cortando a dor. Como
sempre, ela me salva. Day precisa de sua ajuda, ela sussurra. Vá até ele.
Eu procuro Day. Ele chegou ao outro lado da rua, nas áreas mais seguras ao
redor do abrigo, onde soldados da República criaram suas barricadas… mas mesmo
quando eu começo a correr para a beira do telhado, noto que os outros têm puxado a forma
inconsciente de Eden longe de Day e estão levando-o para segurança. Alguns pairam sobre
Day enquanto ele está no chão, momentaneamente o obscurecendo do meu ponto de vista.
Eu escalo o prédio o mais rápido que eu posso, até chegar a uma escada de incêndio e me
apresso a descer os degraus de metal. Medo e adrenalina entorpecem minhas lesões.
Por favor, eu imploro em silêncio. Por favor, deixe-o ficar bem.
Até o momento que eu o alcanço, uma multidão se formou. Eu posso ouvir um
deles gritar: “Mexam-se! Recuem, nos deem algum espaço! Diga-lhes para se apressar!”
Um nó na garganta me sufoca, deixando-me com falta de ar. Minhas botas batem contra o
chão, mantendo o ritmo com o meu coração. Eu empurro as pessoas para o lado e caiu de
joelhos ao lado do Day. A pessoa gritando era Pascao. Ele me dá um olhar frenético.
“Fique com ele”, ele me diz. “Eu estou indo buscar os médicos.” Eu aceno uma
vez e ele se afasta correndo.
Eu mal noto todas as pessoas aglomeradas em torno de nós em um círculo. Tudo
que posso fazer é olhar para o Day. Ele está tremendo da cabeça aos pés, com os olhos
arregalados em choque, seu cabelo agarrado ao rosto. Quando eu olho mais de perto em
seu corpo, noto duas feridas derramando sangue escuro em toda a camisa, uma ferida no
peito e outra perto de seu quadril. Um grito estrangulado vem de alguém. Talvez seja de
mim. Como se fosse um sonho, me dobro sobre ele e toco seu rosto.
“Day, sou eu. É June. Eu estou bem aqui.”
Ele olha para mim. “June?” Ele consegue suspirar. Ele tenta levantar a mão para
o meu rosto, mas ele está tremendo tanto que ele não consegue. Eu chego perto e embalo
seu rosto com ambas as mãos. Seus olhos estão cheios de lágrimas. “Eu — eu acho — que
fui baleado —” Duas pessoas da multidão colocam suas mãos sobre suas feridas,
apertando com força o suficiente para forçar um soluço doloroso de sua boca. Ele tenta
olhar para eles, mas não tem força para levantar a cabeça.
“Os médicos estão a caminho,” digo-lhe com firmeza, me inclinando perto o
suficiente para pressionar os meus lábios contra bochecha dele. “Aguente firme. Ok? Fique
comigo. Continue olhando para mim. Você vai ficar bem.”
“Eu não — penso assim,” Day gagueja. Ele pisca rapidamente, derramando
lágrimas ao longo dos lados de seu rosto. Elas molham as pontas dos meus dedos. “Eden
— está ele seguro —?”
“Ele está a salvo,” eu sussurro. “Seu irmão está são e salvo e você vai vê-lo muito
em breve.”
Day começa a responder, mas não pode. Sua pele parece tão pálida. Por favor,
não. Eu me recuso a pensar no pior, mas paira sobre nós como uma sombra negra. Eu sinto
o peso da morte que paira sobre meu ombro, seus olhos cegos olhando para dentro da alma
do Day, esperando pacientemente para esmagar sua luz.
“Eu não quero — ir —” Day finalmente consegue dizer. “Eu não quero — deixar
você — Eden —”
Eu o calo tocando meus lábios com os seus trêmulos. “Nada de ruim vai
acontecer ao Eden,” eu respondo suavemente, desesperada para mantê-lo comigo.
“Mantenha-se focado, Day. Você está indo para o hospital. Eles estão vindo por você; não
vai demorar muito.”
Não vai demorar muito.
Day apenas sorri para mim, uma expressão tão triste que quebra através do meu
torpor, e eu começo a chorar. Aqueles olhos azuis brilhantes. Frente a mim está o menino
que enfaixou minhas feridas nas ruas de Lake, que tinha vigiado sua família com todos os
ossos do seu corpo, que ficou ao meu lado, apesar de tudo, o menino de luz, riso e vida, de
dor, fúria e paixão, o menino cujo destino está entrelaçado com o meu, para sempre e
sempre.
“Eu te amo,” ele sussurra. “Você pode ficar mais um pouco?” Ele diz alguma
coisa, mas sua voz some tão silenciosamente que eu não posso entender. Não. Não. Você
não pode. Sua respiração fica mais rasa. Eu posso dizer que ele está lutando para ficar
consciente, que a cada segundo, seus olhos têm cada vez mais dificuldade para se
concentrar em mim. Por um momento, Day tenta olhar para algo atrás de mim, mas quando
eu olho sobre o meu ombro, não há nada lá, mas céu aberto. Eu o beijo novamente e, em
seguida, inclino a cabeça contra a dele.
“Eu te amo,” eu sussurro uma e outra vez. “Não vá.” Eu fecho os olhos. Minhas
lágrimas caem sobre suas bochechas.
Enquanto estou agachada contra ele, sentindo sua vida lentamente se esvair, eu
sou consumida por tristeza e raiva. Eu nunca fui uma pessoa religiosa. Mas agora, quando
eu vejo médicos apressados a distância para nós, eu envio uma oração desesperada para
algum poder superior. Para quê, eu não sei. Mas espero que Alguém, Qualquer Um, me
ouça. Que nos leve em Seus braços e tenha piedade de nós. Eu jogo esta oração para o
céu com cada pingo de força que me resta.
Deixe-o viver.
Por favor, não o leve para longe deste mundo. Por favor, não deixe-o morrer em
meus braços, não depois de tudo o que passamos juntos, não depois de ter levado tantos
outros. Por favor, eu imploro, permita que ele viva. Estou disposta a sacrificar qualquer coisa
para que isso aconteça — estou disposta a fazer qualquer coisa que Você pedir. Talvez
Você vá rir de mim por uma promessa tão ingênua, mas eu quero dizer isso a sério, e eu
não me importo se ela não faça sentido ou pareça impossível. Deixe-o viver. Por favor. Eu
não posso suportar isso uma segunda vez.
Eu olho desesperadamente à nossa volta, a minha visão ficou turva de lágrimas,
e tudo é uma mancha de sangue e fumaça, luz e cinzas, e tudo que eu posso ouvir são
gritos e tiros e ódio, e eu estou tão cansada da luta, tão frustrada, irritada, desamparada.
Diga-me que ainda há bem no mundo. Diga-me que ainda há esperança para
todos nós.
Através de um véu d'água, eu sinto mãos em meus braços me afastando de Day.
Luto teimosamente contra elas. Dor irradia até meu ombro ferido. Os médicos curvam-se
sobre o corpo de Day. Seus olhos estão fechados agora, e eu não posso vê-lo respirar.
Flash de imagens do corpo de Metias voltam para mim. Quando os médicos tentam
novamente me puxar de Day, eu os empurro rudemente para longe e grito. Eu grito por tudo
o que deu errado. Eu grito por tudo de quebrado em nossas vidas.
ACHO QUE JUNE ESTÁ DEBRUÇADA SOBRE MIM, MAS EU TENHO
PROBLEMAS para distinguir os detalhes de seu rosto. Quando eu me esforço, as
bordas da minha visão se filtram em um branco ofuscante. A dor, a princípio
excruciante, não é nada agora. Memórias se desvanecem dentro e fora… memórias de
meus primeiros dias assustado e sozinho nas ruas, com o joelho sangrando e o
estômago vazio; de Tess jovem e depois de John quando ele soube que eu ainda
estava vivo; da casa da minha mãe, o sorriso do meu pai, do Eden como um bebê.
Lembro-me da primeira vez que encontrei June nas ruas. Sua postura desafiadora,
seus olhos ferozes. Então, gradualmente, eu tenho dificuldade em lembrar de
qualquer coisa.
Eu sempre soube que, em algum nível, que eu não viveria muito tempo. Isso
simplesmente não estava escrito em minhas estrelas.
Algo brilhante pairando atrás do ombro de June me chama a atenção. Eu
viro minha cabeça, tanto quanto eu posso para vê-la. No começo parece como uma
esfera brilhante de luz. Enquanto eu continuo olhando, porém, percebo que é minha
mãe.
Mãe, eu sussurro. Eu me levanto e dou um passo em direção a ela. Meus
pés parecem tão leves.
Minha mãe sorri para mim. Ela parece jovem e saudável, e inteira, suas
mãos já não estão envoltas em ataduras, o cabelo da cor do trigo e da neve. Quando
eu chego a ela, suavemente segura meu rosto entre suas mãos suaves, não
lesionadas. Meu coração para de bater; ele se enche de calor e luz e eu quero ficar
aqui para sempre, trancado neste momento. Eu vacilo em meus passos. Mamãe me
pega antes que eu possa cair, e nos ajoelhamos ali, juntos de novo. “Meu menino
perdido”, ela murmura.
Minha voz sai como um sussurro quebrado. “Eu sinto muito. Eu sinto
muito.”
“Silêncio, meu menino.” Eu curvo minha cabeça enquanto ela se ajoelha
sobre mim. Ela beija minha testa, e eu sou uma criança de novo, impotente e cheio de
esperança, repleto de amor. Mas além da linha borrada dourada de seu braço, eu
posso olhar para o meu corpo pálido, quebrado no chão. Tem uma garota agachada
em cima de mim, com as mãos no meu rosto, seu longo cabelo escuro caído sobre o
ombro dela. Ela está chorando.
“Estão John e o papai…?” Eu começo a dizer.
Mamãe apenas sorri. Seus olhos são tão incrivelmente azuis, como se eu
pudesse ver o mundo inteiro dentro deles, o céu e as nuvens e tudo mais além.
“Não se preocupe”, ela responde. “Eles estão bem, e eles te amam muito.”
Eu sinto uma enorme necessidade de acompanhar a minha mãe aonde ela
vai, onde quer que isso possa nos levar. “Eu sinto falta de vocês”, eu finalmente digo
a ela. “Dói todos os dias, a ausência de alguém que alguma vez esteve ali.”
Mamãe desliza suavemente uma mão em meu cabelo, o jeito que ela
costumava fazer quando eu era pequeno. “Meu querido, não há necessidade de sentir
nossa falta. Nós nunca nos fomos.” Ela levanta a cabeça e acena para a rua,
passando pelas multidões de pessoas que se reuniram em volta do meu corpo. Agora,
uma equipe de médicos está me levantando para uma maca. “Volte ao Eden. Ele está
esperando por você.”
“Eu sei”, eu sussurro. Eu levanto meu pescoço para ver se eu posso pegar
um vislumbre de meu irmão no meio da multidão, mas eu não o vejo ali.
Mamãe se levanta; suas mãos deixam meu rosto, e eu me vejo lutando para
respirar. Não. Por favor, não me deixe. Eu estendo a mão para ela, mas alguma
barreira invisível interrompe. A luz cresce mais brilhante. “Onde você vai? Posso ir
com você?”
Mamãe sorri, mas balança a cabeça. “Você ainda pertence ao outro lado do
espelho. Algum dia, quando você estiver pronto para dar o passo para o nosso lado,
eu vou vê-lo novamente. Viva bem, Daniel. Faça o último passo valer a pena”.
DURANTE AS TRÊS PRIMEIRAS SEMANAS QUE DAY ESTEVE NO HOSPITAL,
eu nunca sai. As mesmas pessoas vêm e vão; Tess, é claro, quem está na sala de espera,
tanto quanto eu estou, esperando para o Day sair do coma; Eden, que fica o tempo que
Lucy lhe permite; outros Patriotas restantes, especialmente Pascao; uma variedade infinita
de médicos e paramédicos que eu começo a reconhecer e saber o nome após a primeira
semana; e Anden, que retornou da frente de guerra com suas próprias cicatrizes. Hordas de
pessoas continuam acampados em todo o hospital, mas Anden não tem o coração para
dizer-lhes que se dispersem, mesmo quando eles continuam a demarcar os terrenos
durante semanas e depois meses. Muitos deles têm as listras vermelhas familiares pintadas
em seus cabelos. Pela maior parte, eles ficam em silêncio. Às vezes, eles cantam. Agora me
acostumei com a sua presença, até o ponto onde é reconfortante. Eles me lembram que o
Day ainda está vivo. Ainda lutando.
A guerra entre a República e as Colônias, pelo menos por agora, está terminada.
A Antártida finalmente veio em nosso socorro, trazendo com eles sua tecnologia temível e
armas que intimidaram a África e as Colônias a voltar ao nosso acordo de cessar-fogo,
trazendo tanto Anden e o Chanceler perante o tribunal internacional, impondo as sanções
apropriadas contra nós e eles, e finalmente, por último, iniciaram o processo para um
tratado de paz permanente. As cinzas de nossos campos de batalha ainda estão aqui, no
entanto, junto com uma hostilidade persistente. Eu sei que vai levar tempo para fechar as
feridas. Eu não tenho nenhuma ideia de quanto tempo vai durar este cessar-fogo, ou
quando a República e as Colônias vão encontrar a verdadeira paz. Talvez a gente nunca vá.
Mas, por enquanto, isso é bom o suficiente.
Uma das primeiras coisas que os médicos tiveram que fazer para o Day, depois
de costurar as feridas horríveis de bala, era operar seu cérebro. O trauma que ele sofreu
significava que ele não poderia receber o tratamento completo de medicamentos
necessários para prepará-lo adequadamente para a cirurgia… mas eles foram em frente
com isso. Se ele estava pronto ou não era irrelevante naquele momento; se não o fizessem,
ele teria morrido de qualquer jeito. No entanto, isso ainda me mantém acordada a noite.
Ninguém sabe ao certo se ele vai acordar em tudo, ou se ele vai ser uma pessoa
completamente diferente do que ele era.
Dois meses passam, e, em seguida, três.
Aos poucos, todos nós começamos a fazer a nossa espera em casa. As
multidões no hospital finalmente começam a diminuir.
Cinco meses. O inverno passa.
Às 0728 horas de uma quinta-feira de março durante o início de primavera eu
chego a sala de espera do hospital para o meu habitual registro. Como esperado, a esta
hora, eu sou a única aqui. Eden está em casa com Lucy, conseguindo algum sono
necessário. Ele continua a crescer, e se o Day estivesse acordado para vê-lo agora, eu sei
que ele iria comentar sobre como seu irmão está crescendo, perdendo a graça de bebê em
seu rosto e tomando os primeiros passos na vida adulta.
Mesmo Tess ainda não está aqui. Ela tende a vir no final da manhã para trabalhar
como assistente de médico, na sombra dos médicos, e quando eu a pego em seus
intervalos, nos amontoamos e trocamos conversa em voz baixa. Às vezes, ela ainda me faz
rir. “Ele te ama, realmente”, ela me disse ontem. “Ele te amaria mesmo que isso o
destruísse. Ele combina com você. Eu acho que é lindo.” Ela disse isso com um sorriso
relutantemente tímido no rosto. De alguma forma, ela conseguiu voltar para o lugar onde eu
a havia conhecido primeiro, mas agora como alguém mais madura, mais alta, e mais sábia.
Eu a cutuquei carinhosamente. “Vocês têm uma ligação que eu nunca poderia
tocar”, eu respondi. “Ainda quando estamos no nosso pior momento.”
Ela corou, e eu não pude deixar de abrir meu coração para ela. A Tess amorosa é
uma das vistas mais doces do mundo. “Apenas seja boa para ele”, ela sussurrou.
“Promete?”
Agora saúdo a enfermeira na janela da sala de espera, então me estabeleço em
minha cadeira habitual e olho ao redor. Esta manhã parece tão vazia. Encontro-me sentindo
falta da companhia de Tess. Eu tento me distrair com as manchetes de notícias que passam
no monitor.
O PRESIDENTE DA ANTÁRTIDA, IKARI, JUNTO AS NAÇÕES UNIDAS,
MOSTRA SUA APROVAÇÃO DO NOVO TRATADO DE PAZ ENTRE A REPÚBLICA E AS
COLÔNIAS.
O PRIMEIRO ELEITOR ANUNCIA O INÍCIO DO NOVO SISTEMA DE
CLASSIFICAÇÃO PARA SUBSTITUIR AS ANTIGAS PROVAS.
NOVAS CIDADES QUE FAZEM FRONTEIRA ENTRA A REPÚBLICA E AS
COLÔNIAS SERÃO RENOMEADAS AS CIDADES UNIDAS, COMEÇARÃO A PERMITIR A
IMIGRAÇÃO DE AMBAS NAÇÕES NO FINAL DO PRÓXIMO ANO.
A SenadorA MARIANA DUPREE SE ALISTA OFICIALMENTE COMO PRINCESA
DO SENADO.
As manchetes trazem um leve sorriso ao meu rosto. Ontem à noite, Anden tinha
parado no meu apartamento para me dizer pessoalmente sobre Mariana. Eu disse a ele que
eu daria meus parabéns a ela diretamente. “Ela é muito boa no que faz”, eu disse. “Mais do
que eu era. Estou feliz por ela.”
Anden inclinou a cabeça. “Você poderia ter sido melhor, a longo prazo, eu acho”,
ele respondeu com um sorriso gentil. “Você entende o povo. Mas estou feliz que você está
de volta onde você se sente mais confortável. Nossas tropas têm a sorte de ter você.” Ele
hesitou, então, e por um momento ele pegou a minha mão na sua. Lembro-me do
revestimento de neoprene macio de suas luvas, o brilho prateado de suas abotoaduras.
“Agora talvez eu não te veja muito. Talvez seja melhor assim, não é? Ainda assim, por favor,
me visite de vez em quanto. Será bom ouvir sobre você.”
“Igualmente,” eu respondi, apertando a mão dele em troca.
Meus pensamentos pulam de volta para o presente. Um dos médicos surgiu a
partir do corredor perto da sala do Day. Ele me vê, respira fundo e se aproxima. Eu me
endireito, enrijeço. Tem sido um longo tempo desde que eu ouvi alguma atualização real
sobre a condição de Day do Dr. Kann. Uma parte de mim quer pular de emoção, porque,
talvez, a notícia seja boa; outra parte de mim se encolhe de medo, no caso de a notícia ser
ruim. Meus olhos escaneiam o rosto do médico, em busca de pistas. (Pupilas ligeiramente
dilatadas, o rosto preocupado, mas não na maneira em que alguém está prestes a informar
a pior notícia. Há indícios de alegria em seu rosto.) Meu pulso acelera. O que é que ele vai
me dizer? Ou, talvez, não seja nenhuma novidade em tudo… talvez ele simplesmente vai
me dizer o de sempre. Temo que não haja muita mudança hoje, mas, pelo menos, ele ainda
está estável. Me acostumei tanto a ouvir isso.
Dr. Kann se detêm antes de chegar até mim. Ele ajusta os óculos e coça
inconscientemente sua aparada barba sal e pimenta. “Bom Dia, Srta. Iparis”, diz ele.
“Como ele está?” Eu pergunto, a minha saudação habitual.
Dr. Kann sorri, mas hesita (outra raridade, a notícia deve ser significativa).
“Notícia maravilhosa.”
Meu coração para por um segundo. “Day acordou. Menos de uma hora atrás.”
“Ele está acordado?” Eu respiro. Ele está acordado. De repente, a notícia é muito
grande, e eu não tenho certeza se eu posso suportar. Eu estudo o seu rosto com cuidado.
“Há mais do que isso, no entanto. Não há?”
Dr. Kann coloca as duas mãos sobre os meus ombros. “Eu não quero que se
preocupe, Srta. Iparis, não em tudo. Day tem se recuperado de sua cirurgia muito bem,
quando ele acordou, ele pediu água e, em seguida, pelo seu irmão. Ele parece bastante
alerta e coerente. Fizemos uma verificação rápida do seu cérebro.” Sua voz se torna mais
animada. “Vamos precisar fazer uma verificação mais aprofundada, é claro, mas à primeira
vista parece que tudo normalizou. Seu hipocampo parece saudável, e os sinais parecem
disparar normalmente. Em quase todos os aspectos, o Day que nós conhecemos está de
volta.”
Lágrimas formigam nas bordas dos meus olhos. O Day que nós conhecemos está
de volta. Depois de cinco meses de espera, a notícia é tão repentina. Num minuto ele
estava deitado inconsciente na cama, agarrando-se noite atrás de noite pela vida, e agora
ele está acordado. Assim mesmo. Eu quebro em um sorriso com o médico, e antes que eu
possa me parar, eu o abraço. Ele ri, acariciando minha cabeça sem jeito, mas eu não me
importo. Eu quero ver o Day. “Ele pode receber visitas?” Eu pergunto. Então, de repente, eu
percebo o que o médico realmente disse. “Por que você disse ‘quase’?”
O sorriso do médico vacila. Ele ajusta os óculos novamente. “Não é nada que não
podemos corrigir ao longo da terapia prolongada. Você vê, a região do hipocampo afeta as
memórias, tanto a curto como a longo prazo. Parece que as memórias de longo prazo de
Day, sua família, seu irmão Eden, sua amiga Tess, e assim por diante, estão intactas.
Depois de algumas perguntas, no entanto, parece que ele tem muito pouca lembrança de
pessoas e eventos do último ano ou dois. Nós o chamamos de amnésia retrógrada. Ele se
lembra de mortes de sua família, por exemplo…” A voz de Dr. Kann se torna desconfortável
aqui. “Mas ele não parece familiarizado com o nome da Comandante Jameson, ou a
invasão recente dos Colônias. Ele também não se lembra de você.”
Meu sorriso se desvanece. “Ele… não se lembra de mim?”
“Claro, isso é algo que pode curar com o tempo, com a terapia adequada,” Dr.
Kann novamente me tranquiliza. “Suas habilidades de memória de curto prazo estão
funcionando bem. Ele se lembra da maioria das coisas que eu digo a ele, e forma novas
memórias sem muito problema. Eu só queria avisá-la antes de vê-lo. Não se assuste caso
ele não lembrar de você. Tome seu tempo e se apresente de novo a ele. Aos poucos, talvez
daqui a alguns anos, suas memórias antigas podem voltar.”
Concordo com a cabeça para o médico como se estivesse em um sonho. “Ok”,
eu sussurro.
“Você pode vê-lo agora, se você quiser.” Ele sorri para mim, como se ele
estivesse entregando a maior notícia no mundo. E ele está.
Mas quando ele me deixa, eu só fico lá por um momento. Minha mente em uma
névoa. Pensando. Perdida. Então eu tomo passos lentos em direção ao corredor onde está
o quarto de hospital de Day, o corredor se fechando em torno de mim como um túnel de
nevoeiro, embaçado. A única coisa passando pela minha cabeça é a memória de minha
oração desesperada sobre o corpo ferido de Day, a promessa que eu tinha oferecido para
os céus em troca de sua vida.
Deixe-o viver. Estou disposta a sacrificar qualquer coisa para que isso aconteça.
Meu coração afunda, fica cinza. Eu entendo agora. Eu sei que Algo tenha
respondido a minha oração, e ao mesmo tempo também me disse qual seria o meu
sacrifício. Me foi oferecido a chance de nunca ferir Day novamente.
Eu entro no quarto do hospital. Day está alerta, apoiado em travesseiros e
surpreendentemente mais saudável do que as vezes que eu o vi deitado inconsciente e
pálido ao longo dos últimos meses. Mas algo está diferente agora. Os olhos de Day me
seguem sem uma pitada de familiaridade neles; ele está me olhando com educada
distância, com medo de um desconhecido, a maneira como ele olhou para mim quando nos
encontramos pela primeira vez.
Ele não sabe quem eu sou.
Meu coração dói, arrancado de mim enquanto eu me aproximo de sua cama. Eu
sei o que tenho que fazer.
“Oi”, ele diz, quando eu sento em sua cama. Seus olhos vagueiam curiosamente
no meu rosto.
“Oi”, eu respondo suavemente. “Você sabe quem eu sou?”
Day parece culpado, isso só enfia a faca mais profundo. “Deveria?”
Leva todo o meu esforço para não chorar, para suportar a ideia de que Day se
esqueceu de tudo entre nós, a nossa noite juntos, as provações que passamos, tudo o que
nós compartilhamos e perdemos. Temos sido apagados de sua memória, não deixando
nada para trás. O Day que eu conhecia não está aqui.
Eu poderia dizer-lhe agora mesmo, é claro. Eu poderia lembrá-lo de quem eu
sou, que eu sou June Iparis, a menina que tinha uma vez o salvo nas ruas e se apaixonado.
Eu poderia dizer-lhe tudo, assim como Dr. Kann disse, e que poderia desencadear suas
velhas memórias. Diga a ele, June. Basta dizer-lhe. Você vai ficar tão feliz. Seria tão fácil.
Mas eu abro minha boca e não sai nenhum som. Eu não posso fazê-lo.
Seja boa com ele, Tess tinha me dito. Promete?
Enquanto eu permanecer na vida do Day, eu vou machucá-lo. Qualquer outra
opção é impossível. Penso no modo como ele havia deitado, chorando, na mesa da cozinha
de sua família, lamentando o que eu tinha tirado dele. Agora o destino entregou a solução
para mim em uma bandeja de prata; Day sobreviveu a sua provação e, em troca, eu preciso
sair de sua vida. Mesmo que ele olhe para mim agora como uma estranha, ele não tem mais
o olhar de dor e tragédia que sempre parecia vir com a paixão e o amor com que ele olhava
para mim. Agora ele está livre.
Ele é livre de nós, deixando-me como a única portadora do fardo do nosso
passado.
Então eu engulo em seco, sorrio e inclino a cabeça para ele. “Day”, eu me obrigo
a dizer: “é bom conhecê-lo. Fui enviada pela República para ver como você está. É
maravilhoso vê-lo acordado novamente. O país vai se alegrar quando ouvir a boa notícia.”
Day acena educadamente, em contrapartida, a sua tensão inconfundível.
“Obrigado”, diz ele com cautela. “Os médicos me disseram que eu estive fora por cinco
meses. O que aconteceu?”
“Você foi ferido durante uma batalha entre a República e as Colônias”, eu
respondo. Tudo o que eu estou dizendo soa como se estivesse saindo da boca de outra
pessoa. “Você salvou seu irmão Eden”.
“Eden está aqui?” Os olhos de Day se iluminam com o reconhecimento, e um
belo sorriso floresce em seu rosto. A visão dele me traz dor apesar de estar feliz que ele se
lembra de seu irmão. Eu queria tanto ver esse olhar de familiaridade em seu rosto quando
ele estivesse falando de mim.
“Eden vai ficar muito feliz em vê-lo. Os médicos estão avisando a ele, então ele
vai chegar em breve.” Eu volto a sorrir, e desta vez é genuíno, mas agridoce. Quando o Day
estuda meu rosto de novo, eu fecho meus olhos e arco ligeiramente para ele.
É hora de deixar ir.
“Day”, eu digo, escolhendo cuidadosamente quais serão minhas palavras finais
para ele. “Foi um privilégio e honra lutar ao seu lado. Você salvou muitos mais de nós do
que você jamais saberá.” Por um breve momento, eu fixo meus olhos nos dele, dizendo-lhe
em silêncio tudo o que eu nunca vou dizer a ele em voz alta. “Obrigado”, eu sussurro. “Por
tudo.”
Day parece intrigado com a emoção na minha voz, mas ele inclina a cabeça em
troca. “A honra é minha”, ele responde. Meu coração se parte em tristeza com a falta de
calor em sua voz, o calor que eu sei que teria ouvido se ele tivesse lembrado de tudo. Eu
sinto a ausência do amor doloroso que eu vim a ansiar por que eu queria muito ganhar. Ele
se foi agora.
Se ele soubesse quem eu sou, eu diria outra coisa para ele agora, algo que eu
deveria ter dito a ele com mais frequência quando tive a chance. Agora tenho a certeza dos
meus sentimentos, e é tarde demais. Então eu dobro as três palavras de volta no meu
coração, por causa dele, e me levanto da cama. Absorvo cada último detalhe maravilhoso,
de seu rosto e o armazeno em minha memória, esperando que eu possa levá-lo comigo
onde quer que eu vá. Trocamos silenciosas saudações.
Então vou embora pela última vez.
* * *
Duas semanas depois, parece como se toda a cidade de Los Angeles fosse ver o
Day deixar o país para sempre. Na manhã que deixei a cama de Day, a Antártida veio
chamar tanto por ele como por seu irmão. Eles haviam tomado conhecimento do toque
talentoso de Eden com a engenharia e ofereceram-lhe um lugar em uma de suas
academias. Ao mesmo tempo, eles ofereceram a Day a chance de ir junto.
Eu não me junto as multidões. Eu fico no meu apartamento em vez disso,
observando o desenrolar dos acontecimentos, enquanto Ollie dorme contente ao meu lado.
As ruas em volta do meu complexo estão cheias de pessoas, todas disputando uma com a
outra para ver os JumboTrons. Seu ensurdecedor caos transforma em ruído branco
enquanto eu olho o desdobrar na minha tela.
DANIEL ALTAN WING E IRMÃO PARTEM ESTA NOITE PARA ROSS CITY,
ANTÁRTIDA.
Isso é o que dizem as manchetes. Na tela, Day cumprimenta as pessoas que se
reúnem em torno de seu apartamento enquanto ele e Eden são escoltados até um jipe por
uma patrulha da cidade. Eu deveria chamá-lo de Daniel, como a tela faz. Talvez ele
realmente seja apenas Daniel, agora, sem a necessidade de um alias. Observo enquanto
ele deixa seu irmão entrar no veículo, e em seguida, segue, sendo perdido completamente
de vista. É tão estranho, eu penso comigo mesma enquanto minha mão se move
distraidamente em toda o pele do Ollie. Não muito tempo atrás, as patrulhas da cidade
queriam prendê-lo. Agora, ele está deixando a República como seu campeão, a ser
celebrado e lembrado por toda a vida.
Eu desligo o monitor, em seguida, sento na escuridão tranquila do meu
apartamento, saboreando o silêncio. Lá fora nas ruas, as pessoas ainda estão gritando seu
nome. Eles o clamam profundamente na noite.
Quando a comoção finalmente morre, eu me levanto do meu sofá. Eu puxo
minhas botas e um casaco, em seguida, enrolo um lenço fino ao redor do meu pescoço e
me dirijo para as ruas. Meu cabelo sopra na suave brisa da noite, mechas se prendem em
meus cílios. Durante um tempo eu vagueio sozinha pelas ruas tranquilas. Eu não tenho
certeza para onde estou indo. Talvez eu esteja tentando encontrar meu caminho de volta
para Day. Mas isso é ilógico. Ele já se foi, e sua ausência deixa uma dor penetrante no meu
peito. Meus olhos lacrimejam pelo vento.
Eu ando por uma hora antes de finalmente tomar um curto passeio de trem para
o setor Lake. Lá, eu passeio ao longo da borda da água, admirando as luzes do centro da
cidade, bem como o, agora não utilizado e apagado Estádio de Testes, um assombroso
lembrete de eventos que já se foram. As rodas hidráulicas gigantescas que giram no lago, o
ritmo de seu movimento estabelecendo uma sinfonia de fundo reconfortante. Eu não sei
para onde estou indo. Tudo o que sei é que, neste momento, o setor Lake parece mais casa
para mim do que Ruby. Aqui, eu não estou tão sozinha. Nessas ruas, eu ainda posso sentir
a batida do coração de Day.
Eu começo a refazer meus velhos passos, passando pelos mesmos edifícios à
beira do lago e as mesmas casas em ruínas, os passos que eu tinha tomado, quando eu era
uma pessoa completamente diferente, cheia de ódio e confusão, perdida e ignorante. É um
sentimento estranho vagar nestas mesmas ruas como a pessoa que sou agora. Ao mesmo
tempo familiar e estranho.
Uma hora depois, eu paro sozinha diante de um beco qualquer que se ramifica
numa rua vazia. No fim deste beco, uma abandonada torre acima de doze andares, cada
uma de suas janelas tapadas e seu primeiro andar do jeito que eu me lembro, com janelas
ausentes e cacos de vidro no chão. Ando entre as sombras do edifício, lembrando. Este é o
lugar onde o Day tinha estendido pela primeira vez sua mão para mim em meio a fumaça e
poeira e me salvou há muito tempo, antes mesmo de descobrirmos quem o outro era; este
foi o início das poucas noites preciosas quando simplesmente nos conhecíamos como um
menino nas ruas e uma garota que precisava de ajuda.
A memória entra em foco.
Há uma voz me dizendo para me levantar. Quando eu olho para o meu lado, eu
vejo um rapaz segurando a mão para mim. Ele tem olhos azuis brilhantes, sujeira em seu
rosto, e um boné surrado velho, e, neste momento, acho que ele pode ser o rapaz mais
bonito que eu já vi.
Meu passeio me levou para o início de nossa jornada juntos. Suponho que seja
apenas justo para mim, estar aqui no final dessa jornada.
Eu estou na escuridão por muito tempo, deixando-me afundar nas memórias que
uma vez compartilhamos. O silêncio me envolve em braços reconfortantes. Uma das minhas
mãos chega no meu lado e encontra a velha cicatriz de onde Kaede tinha me ferido. Tantas
lembranças, tanta alegria e tristeza.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Gostaria de saber o que Day está pensando
neste momento, enquanto está a caminho para uma terra estrangeira, e se uma pequena
parte dele, mesmo que esteja enterrada profundamente, tem ou não lascas de mim,
pedaços do que nós tivemos uma vez.
Quanto mais tempo eu fico aqui, mais leve se sente o fardo em meu coração. Day
vai seguir em frente e viver a sua vida. Então eu também vou. Nós vamos ficar bem. Algum
dia, talvez, no futuro, longe e distante, vamos nos encontrar outra vez. Até então, eu vou
lembrar dele. Estendo a mão para tocar uma das paredes, imaginando que eu posso sentir
a sua vida e calor através dela, e eu olho de novo, em direção ao piso superior, em seguida,
todo o caminho para o céu da noite, onde algumas estrelas fracas podem ser vistas, e lá eu
acho que realmente posso vê-lo. Eu posso sentir a sua presença aqui em cada pedra que
ele tocou, cada pessoa que ele já levantou, cada rua e beco e cidade que ele mudou nos
poucos anos de sua vida, porque ele é a República, ele é a nossa luz, e eu o amo, eu o
amo, até o dia em que nos encontremos de novo eu vou te segurar em meu coração e
protegê-lo ali, sofrendo pelo que nós nunca tivemos, valorizando o que fizemos. Eu queria
que você estivesse aqui.
Eu te amarei, sempre.
LOS ANGELES, CALIFÓRNIA
REPÚBLICA DA AMÉRICA
* * *DEZ ANOS DEPOIS
1836 HORAS, 11 DE JULHO.
SETOR BATALLA, LOS ANGELES
25 °C
HOJE É MEU VIGÉSIMO SÉTIMO ANIVERSÁRIO.
Eu celebro a maioria dos meus aniversários, sem muito problema. No meu
décimo oitavo, me uni a Anden, um par de Senadores, Pascao e Tess, e vários ex-colegas
de Drake para um jantar discreto em um lounge em uma cobertura no setor Ruby. Meu
décimo nono aconteceu em um barco em Nova York, as Colônias reconstruíram uma
versão de uma antiga cidade submersa cuja periferia agora se inclina suavemente para o
Oceano Atlântico. Eu tinha sido convidada para uma festa dada por vários delegados
internacionais da África, Canadá e México. Passei meu vigésimo confortavelmente
sozinha, escondida na cama com Ollie roncando no meu colo, assistindo a um breve
noticiário sobre como o irmão do Day, Eden tinha se formado precocemente na academia
da Antártida, tentando um vislumbre de Day como homem de vinte anos de idade, tendo a
notícia de que ele mesmo tinha sido recrutado pela agência de inteligência da Antártida.
Meu vigésimo primeiro aniversário foi um assunto elaborado em Vegas, onde Anden me
convidou para um festival de verão e, em seguida, acabou me beijando no meu quarto de
hotel. Vigésimo segundo: o primeiro aniversário que comemorei com Anden como meu
namorado oficial. Vigésimo terceiro: passei em uma cerimônia de condecoração que me
colocou como a Comandante de todos os esquadrões da Califórnia, a mais jovem
Comandante na liderança na história da República. Vigésimo quarto: um aniversário que
passei só com Ollie. Vigésimo quinto: jantar e dançar com Anden a bordo do RS
Constellation. Vigésimo sexto: gasto com Pascao e Tess, quando disse a eles sobre meu
recém-termino com Anden, como o jovem Eleitor e eu havíamos chegado a um acordo
mútuo que eu simplesmente não poderia amá-lo do jeito que ele queria que eu o fizesse.
Alguns destes anos foram gastos com alegria, outros com tristeza, mas os
acontecimentos mais tristes eram sempre toleráveis. Coisas muito piores tinham
acontecido, e nada trágico durante estes anos posteriores poderia se comparar com os
acontecimentos de minha adolescência. Mas hoje é diferente. Eu estive temendo este
aniversário em particular por anos, porque me leva de volta a alguns dos eventos do meu
passado que eu tento tão duramente manter enterrado.
Passo a maior parte do dia em um clima bastante calmo. Eu levanto cedo, sigo
as minhas rotinas de aquecimento usuais na pista, e depois vou para o setor Batalla
organizar meus capitães para as suas várias operações na cidade. Hoje eu estou levando
duas das minhas melhores patrulhas para escoltar Anden durante uma reunião com os
delegados das Colônias. Nós não compartilhamos o mesmo apartamento mais, mas isso
não muda como ferozmente eu me assisto sobre seu segurança. Ele será sempre o meu
Eleitor e pretendo mantê-lo assim. Hoje, ele e as Colônias estão no meio de uma
profunda discussão sobre o delicado status de imigração ao longo da nossa fronteira,
onde as Cidades Unidas transformaram-se em áreas emergentes com ambos cidadãos
tanto das Colônias quanto da República. No que foi uma vez uma linha divisória clara
entre nós agora parece mutável. Eu olho para o lado de fora como Anden agita as mãos
com os delegados e posa para fotos. Estou orgulhosa do que ele fez. Passos lentos, mas
passos, no entanto. Metias teria ficado feliz em vê-lo. Assim como Day.
Ao final da tarde, eu finalmente deixo Batalla Hall e sigo para uma edificação
branco-marfim na extremidade leste de Batalla Square. Lá, eu mostro minha identidade
na entrada e faço o meu caminho até o décimo segundo andar do edifício. Eu sigo os
passos familiares até o final do corredor, minhas botas ecoando contra o piso de
mármore, até que eu paro na frente de uma lápide de dez centímetros quadrados com o
nome Capitão METIAS IPARIS gravado em sua superfície cristalina.
Eu fico lá por um tempo, em seguida, sento de pernas cruzadas diante dele e
curvo minha cabeça. “Oi, Metias,” eu digo com voz suave. “Hoje é meu aniversário. Você
sabe quantos anos eu tenho agora?”
Eu fecho meus olhos, e através do silêncio que me cerca eu acho que eu
posso sentir uma mão fantasmagórica no ombro, nestes momentos tranquilos sou capaz
de sentir de vez em quando a presença suave do meu irmão. Eu imagino ele sorrindo
para mim, sua expressão relaxada e livre.
“Eu faço vinte e sete anos hoje,” eu continuo em um sussurro. Minha voz trava
por um momento. “Nós somos da mesma idade agora.”
Pela primeira vez na minha vida, eu não sou sua irmã mais nova. No próximo
ano vou cruzar esta linha e ele ainda estará no mesmo lugar. De agora em diante, vou ser
mais velha do que ele foi.
Eu tento passar para outros pensamentos, por isso eu digo ao fantasma de
meu irmão sobre meu ano, minhas lutas e sucessos comandando minhas próprias
patrulhas, minhas semanas de trabalho agitado. Digo-lhe, como sempre faço, que eu sinto
falta dele. E como sempre, eu posso ouvir o sussurro de seu fantasma em meu ouvido,
sua resposta suave que ele sente a minha também. Que ele está olhando por mim, a
partir de onde ele está.
Uma hora mais tarde, quando o sol finalmente se pôs e a luz que atravessava
as janelas desvanece, me levanto da minha posição e, lentamente, faço meu caminho
para fora do prédio. Eu escuto algumas mensagens perdidas no meu fone de ouvido. Tess
deve estar deixando seu turno hospital em breve, provavelmente armada com uma série
de novas histórias sobre seus pacientes. Nos primeiros anos após Day ir, os dois ficaram
em estreito contato, e Tess me manteve constantemente atualizada sobre o que ele
estava fazendo. Coisas como a visão do Eden melhorar. O novo trabalho do Day. Jogos
antárticos. Mas, com o passar dos anos, as suas conversas ficaram menos frequentes,
Tess cresceu e se dedicou a sua própria vida, e gradualmente, suas conversas
diminuíram para breves saudações anuais. Às vezes, nenhuma.
Eu mentiria se eu dissesse que eu não sinto falta de suas histórias sobre o
Day. Mas ainda assim, eu me pego esperando algumas conversas no jantar com ela e
Pascao, que deve estar vindo da Universidade de Drake, provavelmente ansioso para
compartilhar suas últimas aventuras com cadetes em treinamento. Eu sorrio quando
penso sobre o que eles poderiam dizer. Meu coração se sente mais leve agora, um pouco
mais livre depois da minha conversa com o meu irmão. Meus pensamentos vagueiam
brevemente para Day. Gostaria de saber onde ele está, com quem ele está, se ele está
feliz.
Eu realmente, sinceramente, espero profundamente que ele esteja.
O setor não está cheio hoje à noite (não precisamos de muitos policiais de rua
nos últimos anos) e além de alguns soldados aqui e ali, eu estou sozinha. A maioria dos
postes não ligou ainda, e na crescente escuridão posso ver um punhado de estrelas
cintilando lá cima. O brilho dos JumboTrons lança um caleidoscópio de cores em todo o
pavimento cinza do setor Batalla, e eu me pego andando deliberadamente debaixo deles,
estendendo uma mão para observar as cores que dançam através da minha pele. Eu
assisto trechos de notícias sobre as telas com leve desinteresse, enquanto deslizo por
minhas mensagens perdidas. As dragonas sobre meus ombros tilintam suavemente.
Então, faço uma pausa em uma mensagem que a Tess me deixou no início da
tarde. Sua voz preenche meus ouvidos, cheia de calor e diversão.
“Oi. Confira a notícia.”
Isso é tudo o que ela diz. Eu franzo a testa, em seguida, rio um pouco do jogo
de Tess. O que está acontecendo no noticiário? Meu olhos retornam às telas, desta vez
com mais curiosidade. Nenhuma delas me chama a atenção. Eu continuo à procura,
olhando para o que Tess pode estar falando. Ainda nada. Então… um pequeno, título
qualquer, tão breve que eu devo ter pulado o dia todo. Eu pisco, como se eu pudesse ter
interpretado mal isso, e o leio novamente antes que mude.
EDEN BATAAR WING ESTÁ EM LOS ANGELES PARA UMA ENTREVISTA
PARA A POSIÇÃO DE ENGENHEIRO EM BATALLA.
Eden? Uma onda rompe o silêncio que me acalmou o dia todo. Eu li a
manchete mais e mais antes de finalmente me convencer de que eles estão, na verdade
falando sobre o irmão mais novo do Day. Eden está aqui para entrevista de um trabalho
em potencial.
Ele e Day estão na cidade.
Eu olho em volta das ruas instintivamente. Eles estão aqui, andando pelas
mesmas ruas. Ele está aqui. Eu balanço minha cabeça para a menina adolescente que,
de repente, acorda no meu coração. Mesmo depois de todo esse tempo, eu tenho
esperança. Acalme-se, June. Mas, ainda assim, meu coração fica na minha garganta. A
mensagem de Tess ecoa em minha mente. Eu volto a andar pela rua. Talvez eu possa
descobrir onde eles estão hospedados, só para pegar um vislumbre de como ele está
depois de todo esse tempo. Decido chamar Tess de volta depois de alcançar a estação de
trem.
Quinze minutos depois, estou na periferia do setor Batalha; a estação de trem
que leva a Ruby aparece ao virar a esquina. A escuridão aumentou o suficiente para os
postes de luz ligarem, alguns soldados estão caminhando pela calçada oposta; além
deles, eu sou a única nesta quadra.
Mas quando eu chego a uma ligeira curva na rua, vejo duas pessoas juntas
caminhando em minha direção. Eu paro de repente. Então eu franzo a testa e examino
melhor a rua a minha frente. Eu ainda não tenho certeza do que eu estou vendo.
Um par de homens jovens. Os detalhes flutuam automaticamente através de
minha mente, tão familiar agora que eu mal penso duas vezes sobre eles. Ambos são
altos e magros, com o cabelo louro claro que se destaca na noite mal iluminada.
Instantaneamente eu sei que eles devem estar relacionados, com as suas características
semelhantes e andar gracioso. O da esquerda usa óculos e está conversando
animadamente, escovando os cachos dourados de seus olhos conforme ele anda, suas
mãos desenham algum tipo de diagrama na frente dele. Ele continua puxando as mangas
de volta até seus cotovelos, e seu colarinho está solto e amarrotado. Um sorriso
despreocupado ilumina seu rosto.
O jovem da direita parece mais reservado, ouvindo pacientemente ao seu
companheiro de cabelo crespo enquanto ele mantém suas mãos enfiadas casualmente
nos bolsos. Um pequeno sorriso toca os cantos de seus lábios. Seu cabelo é diferente do
que eu me lembro, agora curto e ligeiramente rebelde, e quando ele ocasionalmente
passa a mão, deixa-o ainda mais rebelde. Seus olhos são tão azuis como sempre. Mesmo
que ele esteja mais velho agora, com o rosto de um jovem em vez do adolescente que
conheci tão bem, ele ainda mostra indícios do antigo fogo sempre que ele ri das palavras
de seu irmão, momentos de surpreendente brilho e vida.
Meu coração começa a bater mais rápido, cortando a tristeza que pesa sobre
meu peito. Day e Eden.
Eu mantenho a minha cabeça baixa à medida que me aproximo. Mas a partir
do canto da minha visão, eu vejo Eden me notar primeiro. Ele faz uma pausa por um
segundo no meio de sua sentença, e um rápido sorriso aparece em seu rosto. Seu olhos
viajam para o seu irmão.
Day me lança um olhar.
A intensidade me pega de surpresa, eu não tenho sido submetida a seu olhar
em tanto tempo que de repente eu não posso recuperar o fôlego. Me endireito e acelero o
meu ritmo. Eu preciso sair daqui. Caso contrário, eu não tenho certeza se eu posso
manter minhas emoções de aparecerem no meu rosto.
Passamos uns pelos outros sem uma palavra. Sinto como se meus pulmões
pudessem estourar, levo algumas rápidas respirações para me equilibrar. Eu fecho meus
olhos. Tudo que eu posso ouvir é o fluxo de sangue em meus ouvidos, o constante bater
do meu coração. Aos poucos, eu ouço o som de seus passos desaparecer atrás de mim.
Um sentimento de naufrágio lentamente se instala. Eu engulo em seco, forçando uma
enxurrada de lembranças da minha mente.
Eu estou indo em direção a estação de trem. Eu vou para casa. Eu não vou
olhar para trás.
Eu não posso.
Então… ouço passos atrás de mim novamente. Botas apressadas contra o
pavimento. Faço uma pausa, endureço e olho por cima do meu ombro.
É Day. Ele chega até mim. A alguma distância atrás dele, Eden espera com as
mãos nos bolsos. Day olha nos meus olhos com uma expressão suave e perplexa —
enviando uma descarga elétrica na minha coluna. “Desculpe-me,” diz ele. Oh, essa voz.
Mais profunda, mais suave do que eu me lembro, sem a rudeza da infância e com a nova
elegância de um adulto. “Já nos conhecemos antes?”
Por um momento, eu estou sem palavras. O que eu digo? Passei tantos anos
me convencendo que já não nos conhecíamos. “Não,” eu sussurro. “Sinto muito.” Na
minha mente, imploro-me a dizer o contrário.
Day franze a testa, confuso por um momento. Ele passa a mão pelo cabelo.
Nesse gesto, eu pego um vislumbre de algo brilhante no seu dedo. É um anel feito de
arames. De clipes de papel. A respiração me escapa em estado de choque.
Ele ainda está usando o anel de clipes de papel, que uma vez eu tinha dado a
ele.
“Oh,” ele finalmente responde. “Sinto muito incomodá-la, então. Eu só… você
parece muito familiar. Tem certeza de que não nos conhecemos de algum lugar?”
Eu procuro seus olhos em silêncio. Eu não posso dizer nada. Há uma emoção
secreta emergente em seu rosto agora, em algum lugar entre a estranheza e a
familiaridade, algo me diz que ele está lutando para situar-me, para descobrir onde eu
pertenço. Meu coração protesta, desejando que ele descubra isso. Ainda assim, as
palavras não saem.
Day procura o meu rosto com o olhar suave. Em seguida, ele balança a
cabeça. “Eu te conheci,” ele murmura. “Há muito tempo. Eu não sei onde, mas eu acho
que eu sei por quê.”
“Por que, então?” Peço gentilmente.
Ele fica quieto por um momento. Então, ele dá um passo mais perto, perto o
suficiente para que eu possa ver essa pequena ondulação de imperfeição do seu olho
esquerdo. Ele ri um pouco, rubor rasteja em suas bochechas. “Eu sinto muito. Isto vai
soar tão estranho.” Eu sinto como se estivesse perdida em uma névoa. Como se este
fosse um sonho que não me atrevo a despertar. “Eu…,” ele começa, como se estivesse
procurando as palavras certas. “Eu tenho procurado por longo tempo por algo que eu
acho que perdi.”
Algo que ele perdeu. As palavras trazem um nó na garganta, uma súbita
explosão de esperança selvagem. “Não é estranho em tudo,” ouço eu mesma responder.
Day sorri de volta. Algo doce e ansioso aparece em seus olhos. “Eu senti como
se encontrasse alguma coisa quando eu vi você lá atrás. Você tem certeza… você me
conhece? Eu conheço você?”
Eu não sei o que dizer. A parte de mim que uma vez tinha decidido sair de sua
vida me diz para fazê-lo novamente, para protegê-lo do conhecimento que havia
machucado ele há muito tempo. Dez anos… tem tanto tempo assim? A outra parte de
mim, a menina que o conheceu na rua, me impele a dizer-lhe a verdade. Finalmente,
quando eu consigo abrir a boca, eu digo, “Eu tenho que ir encontrar com alguns amigos.”
“Oh. Sinto muito.” Day limpa a garganta, inseguro de si mesmo. “Eu também,
na verdade. Uma antiga amiga no Ruby.”
Uma antiga amiga no Ruby. Meus olhos se arregalam. De repente, eu sei por
que Tess soou tão travessa em sua mensagem, porque ela me disse para ver as notícias
hoje à noite. “E o nome da sua amiga é Tess?” Pergunto hesitante.
É a vez do Day parecer surpreso. Ele me dá um sorriso intrigado e perplexo.
“Você a conhece.”
O que estou fazendo? O que está acontecendo? Isso realmente é tudo um
sonho, e eu tenho medo de acordar dele. Eu tive esse sonho muitas vezes. Eu não quero
que se vá de novo. “Sim”, murmuro. “Jantarei com ela nesta noite.”
Nós olhamos um para o outro em silêncio. O rosto de Day é sério agora, e seu
olhar é tão intenso que eu posso sentir o calor atravessando cada centímetro do meu
corpo. Estamos juntos assim por um longo, longo momento, e pela primeira vez eu não
tenho ideia de quanto tempo se passou. “Eu me lembro,” ele finalmente diz. Eu procuro
nos olhos dele pela mesma tristeza doente, o tormento e angústia que sempre esteve lá
sempre que estávamos juntos. Mas eu não posso mais vê-lo. Em vez disso, encontro
outra coisa… vejo uma ferida curada, uma cicatriz permanente, que tem no entanto, se
fechado, algo de um capítulo de sua vida que ele tem finalizado, depois de todos estes
anos, fez as pazes. Eu vejo… Será possível? Isso pode ser verdade?
Vejo pedaços de memórias em seus olhos. Pedaços de nós. Eles estão
quebrados e dispersos, mas estão lá, gradualmente se unindo novamente com a visão de
mim. Eles estão lá.
“É você,” ele sussurra. Há maravilha em sua voz.
“É mesmo?” Eu sussurro de volta, minha voz tremendo com todas as emoções
que eu mantenho escondidas por tanto tempo.
Day está tão perto e seus olhos são tão brilhantes. “Eu espero,” ele responde
em voz baixa, “para conhecê-la novamente. Se você está disposta a isso. Há uma névoa
em torno de você que eu gostaria de dissipar.”
Suas cicatrizes nunca vão desaparecer. Estou muito certa disso. Mas talvez…
talvez… com o tempo, com a idade, podemos ser amigos novamente. Podemos curar.
Talvez possamos voltar a esse lugar que estivemos uma vez, quando éramos jovens e
inocentes. Talvez nós realmente pudéssemos nos conhecer como as outras pessoas
fazem, em alguma rua numa noite agradável, onde cada um de nós chama a atenção do
outro e para e se apresenta. Ecos do desejo antigo do Day voltam para mim agora,
emergindo da névoa dos nossos primeiros dias.
Talvez haja uma coisa como o destino.
Ainda assim espero, muito insegura de mim mesma para responder. Eu não
posso dar o primeiro passo. Eu não deveria. Esse passo pertence a ele.
Por um momento, eu acho que isso não vai acontecer.
Então Day estende a mão e toca a minha. Ele a envolve em um aperto de mão.
E, assim com isso, eu estou ligada com ele de novo, eu sinto o pulsar da nossa ligação e
história e amor através de nossas mãos, como uma onda de magia, o retorno de um
amigo há muito perdido. De algo destinado a ser. O sentimento traz lágrimas aos meus
olhos. Talvez possamos dar um passo adiante juntos.
“Oi,” diz ele. “Eu sou Daniel.”
“Oi,” eu respondo. “Eu sou June.”
Fim
AGRADECIMENTOS
O fim do caminho é um lugar estranho e melancólico. Nos últimos anos, eu
respirava o mundo de Legend; minha vida tornou-se a vida do Day e da June, e através
deles eu vi meus próprios medos, esperanças e aspirações estender-se através de toda a
sua tela. Agora que eu alcancei o ponto em que nossas histórias divergem. Eles estão
fora de viver para além dos limites da trilogia; eu fiquei acenando para eles do lado de
fora. Eu não sei onde eles vão, mas eu acho que eles vão ficar bem.
Eu não estou sozinha nos bastidores, é claro. Comigo estão aqueles com quem
eu comecei e aqueles que conheci ao longo de um propósito:
Meu agente literário inimitável, Kristin Nelson, e a Equipe NLA: Anita Mumm,
Sara Megibow, Lori Bennett, e Angie Hodapp. Obrigado, obrigado, obrigado por estarem
comigo em cada colina.
Meus editores incríveis, Jen Besser, Ari Lewin e Shauna Fay Rossano, que
venceram os demônios do meu terceiro livro com gritos de guerra incondicional. Nós
fizemos isso! Eu não sei o que eu faria sem vocês. Amo vocês meninas.
Equipe Putnam Infantil, Equipe Speak, e Equipe Penguin: Don Weisber,
Jennifer Loja, Marisa Russell, Laura Antonacci, Anna Jarzab, Jessica Schoffel, Elyse
Marshall, Jill Bailey, Scottie Bowditch, Lori Thorn, Linda McCarthy, Erin Dempsey, Shanta
Newlin, Emily Romero, Erin Gallagher, Mia Garcia, Lisa Kelly, Courtney Wood, Marie Kent,
Sara Ortiz, Elizabeth Zajac, Kristin Gilson, e Eileen Kreit. Vocês são as equipes mais
épicas que uma garota pode ter do seu lado.
As pessoas incríveis na CBS Films, Temple Hill, UTA, e ALF & L: Wolfgang
Hammer, Cinzento Munford, Matt Gilhooley, Ally Mielnicki, Isaac Klausner, Wyck Godfrey,
Marty Bowen, Gina Martinez, Wayne Alexander, e minha fabulosa agente publicitária,
Kassie Evashevski. Obrigada a todos por continuar a acreditar nos sonhos desta
escritora.
Wicked Sweet Games: Matt Sherwood, Phil Harvey, Kole Hicks, Bobby
Hernandez, e de naturalmente, o Primeiro Eleitor. Cities of Legend é um jogo cheio de
genialidades, porque vocês são foda.
Minhas incríveis editoras estrangeiras por levar Legend acima de tudo e mais
além, e às vezes inclusive, até direto a Pasadena com os fãs no reboque! (Eu estou
olhando para você, maravilhosa Ruth.)
Meus insubstituíveis amigos escritores: JJ, ELLO, Andrea, Beth, Jess
Spotswood, Jess Khoury, Leigh,Sandy, Amie, Ridley, Kami, Margie, Tahereh, Ransom,
Cindy, Malinda, e as fabulosas senhoras PubCrawl. Encontrar uma tribo é uma coisa
preciosa. Eu não posso expressar adequadamente o que tudo isso significa para mim.
Obrigado por sua amizade.
Meus familiares, meus amigos, André, minha tia e meu tio, meu noivo
maravilhoso, e acima de tudo, a minha mãe. Você está sempre lá, não importa o quê.
Amo você.
Finalmente, eu preciso dar um reconhecimento especial no final deste caminho:
Para os meus leitores. É por causa de vocês que eu posso continuar a fazer o que eu
amo. Sou muito grata. Por meus jovens leitores, em especial: os livros que li quando
criança ocupam um protegido, espaço de ouro no meu coração.
É um pensamento profundamente humilde que Lenged pode ter o privilégio de
sentar-se naquele espaço de ouro em alguns de seus corações. Estou tão tocada pelos e-
mails e cartas que todos vocês enviaram ao longo dos anos.
Vocês são uma geração notável de jovens, e todos vocês estão indo para fazer
coisas incríveis com suas vidas.
Obrigado pela honra de contar-lhe histórias.
ATENÇÃO
Essa obra foi traduzida pelo grupo Tiger's Love Traduções de forma
a proporcionar ao leitor o acesso à obra, incentivando-o à aquisição da obra
literária.
O grupo é ausente de qualquer forma de obtenção de lucro.